14.09.PORTUGUESEVERSION
description
Transcript of 14.09.PORTUGUESEVERSION
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
259
PARA ALM DA PROVNCIA EUROPEIA:
FOUCAULT E O PS-COLONIALISMO*
STEPHEN LEGG**
Introduo _________________________
A colonizao da maior parte do mundo
livre entre os sculos XVI e XXI trouxe uma
violncia e uma dominao no apenas
territorial, mas tambm epistmica e
historiogrfica. O fim da ocupao formal
no significou o recolhimento de categorias,
procedimentos e tecnologias de domnio
colonial, tampouco retirou o lugar da
Europa enquanto referncia primordial para
muitas histrias e geografias ps-coloniais1
(CHARKRABARTY, 2000). Embora
Michael Foucault tenha fornecido muitas
das ferramentas necessrias para destrinchar
as relaes poder-saber na Europa ps-
Iluminismo, especialmente em suas bases
espaciais, o seu silncio acerca da
construo colonial da modernidade
europeia e a constituio mtua da
"metrpole" e da "periferia" espantoso.
Este captulo comea por examinar a
desconcertante presena do colonialismo
nos escritos de Foucault, explorando em
seguida de que forma os gegrafos tentaram
dialogar intimamente com o passado
colonial e o presente ps-colonial de nossa
disciplina. O uso de Foucault nos trabalhos
de Edward Said e do Subaltern Studies
Group ser investigado no intuito de sugerir
um movimento em direo anlise do
vivido e do governamental que vai ao
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
260
encontro de boa parte da pesquisa
geogrfica existente dedicada temtica
ps-colonial.
A trajetria que sigo aqui apenas
uma dentre as muitas rotas por um campo
de estudo que poderia incluir, ao menos, de
Alexandre o Grande at George W. Bush e
Tony Blair, e ainda cada pas no mundo,
fosse enquanto colonizado, colonizador, ou
uma nao indiretamente influenciada. As
foras ps-coloniais operam em todas as
escalas, desde os fluxos transnacionais de
capital ou corpos, geografias imaginrias
globais, esteretipos nacionais e
remapeamentos urbanos at as rotinas
domsticas e psicologias individuais. A
prpria teoria ps-colonial , em si, uma
mistura complexa de tericos, incluindo
Homi Bhabba, Jacques Derrida, Franz
Fanon e Gayatri Chakravorty Spivak. Alm
disso, Foucault foi utilizado para analisar
relaes ps-coloniais distribudas por todo
o mundo, incluindo a Amrica Latina
(TRIGO 2002, OUTTES 2003), frica
(MBEMBE 2001), antigas colnias de
povoamento (CLAYTON 2000; DEAN e
HINDESS 1998; HENRY 2002) e a parte
sul da sia. A predominncia desta ltima
na teoria ps-colonial pode ser em si um
problema, na medida em que globaliza as
experincias de algumas poucas colnias,
como se fossem a experincia universal dos
colonizados. Estas tendncias podem ser
contrariadas por um comprometimento
contnuo com o estudo de exemplos
particulares e especficos das experincias
coloniais e ps-coloniais dentro de sistemas
globalmente estruturantes de domnio ps-
colonial.
A presena ausente do colonialismo em
Foucault _________________________
Peter A. Jackson (20003)
inventariou as muitas crticas a Foucault
segundo as quais a diferena por ele
teorizada aquela da complexidade, uma
diferena intrnseca sociedade, ao invs de
uma multiplicidade, ou seja, diferenas
entre sociedades. De fato, o que se
averigua em sua escala de estudo
majoritariamente local ou nacional, o que
agravado por seu foco na Europa, de modo
geral, e particularmente na Frana. H um
nmero considervel de referncias que
mostram que Foucault tinha conscincia da
importncia do mundo colonial. Ainda
assim, a significncia destes vestgios de
colonialismo muito debatida. Em 1989,
Uta Liebman Schaub sugeriu que o no-
Ocidental operava enquanto um contra-
discurso ou subtexto que teria afetado o
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
261
modo de pensar de Foucault; a base no dita
a partir da qual ele atacou o pensamento
Ocidental. Schaub (1989: 308) chegou at
mesmo a sugerir que Foucault, assim como
muitos de seus contemporneos, foi
influenciado pela filosofia oriental. No
entanto, a crtica contempornea
concentrou-se mais na forma atravs da qual
a Europa e suas colnias foram mutuamente
constitutivas, e se isto foi reconhecido ou
no nos escritos de Foucault. Estas
constituies podem ser retoricamente ou
at historicamente consideradas
separadamente enquanto prticas,
epistmicas e disciplinares.
Uma externalidade constituda de prticas
Toda uma srie de modelos
coloniais foi trazida de volta
para o Ocidente, e o
resultado disso foi que o
Ocidente foi capaz de
praticar algo semelhante
colonizao, ou um
colonialismo interno, sobre si
mesmo. (FOUCAULT 1975-
76 [2003]:103)
Em uma palestra de 1976, Foucault
admitiu que as tcnicas e armas
transportadas pela Europa para as colnias
surtiram um efeito bumerangue sobre as
instituies, aparatos e tcnicas de poder do
Ocidente (ver acima). Todavia, este um
dos poucos momentos em que reconhece
que o compndio de tcnicas de poder que
ele havia reunido no tocante Europa
possua origens extra-europeias (para mais
comentrios, ver FOUCAULT 1972: 210;
FOUCAULT 1977: 29, 314; FOUCAULT
1980: 17, 77, e a citao abaixo de
FOUCAULT, 1961).2
Em uma sntese de
pesquisa ps-colonial, Timothy Mitchell
demonstrou que o prprio panptico, junto
ao monitoramento escolar, o controle
governamental da populao e sua anlise
cultural, a imaginao liberal britnica, os
programas da literatura inglesa e a medicina
colonial tiveram parte de suas muitas
origens nas colnias (MITCHELL 2000: 3).
Driver e Gilbert (1998) tambm
demonstraram em que medida a paisagem
material de Londres foi, de muitas maneiras,
um espao intensamente imperial. Estes
exemplos esto alm das tcnicas mais
evidentemente coloniais, como a
escravido, a navegao e as plantations que
tiveram impacto na Europa. Todas estas
tcnicas imperiais foram topograficamente
reinscritas na Europa, e muitas vezes
falharam no sentido de revelar tanto suas
viagens como em que medida foram
cmplices da consolidao dos efeitos da
expanso territorial. Apesar de sua brilhante
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
262
reflexo sobre a dimenso espacial do
poder, Gayatri Chakravorty Spivak (1988
[2000], 1449-50) afirma com razo que, na
verdade, a anlise de Foucault produziu uma
verso em miniatura do colonialismo, uma
vez que reproduziu o gerenciamento do
espao e das populaes perifricas atravs
das alegorias de doutores, prises e do
insano.
Embora a rejeio final de Foucault
por parte de Edward Said estivesse
relacionada sua filosofia mais ampla, ele
tambm criticou o eurocentrismo de
Foucault e sua tendncia a universalizar
concluses obtidas a partir de estudos de
caso franceses (SAID 1984a: 10). O
etnocentrismo de seu trabalho colidiu com a
convico de Said segundo a qual a
disciplina era usada para administrar,
estudar e reconstruir, portanto para ocupar,
comandar e explorar praticamente todo o
mundo (SAID 1984b: 227). Para Said, o
sistema carcerrio de Foucault era
surpreendentemente semelhante ao
Orientalismo que ele descreveu. Os
sistemas eram, obviamente, ligados por
redes de conexes discursivas e prticas
(LESTER 1998). Porm, para alm dos
debates humanitrios suscitados pelo
colonialismo ou das commodities e imagens
consumidas na Europa, houve tambm
processos mais fundamentais de
constituio mtua. Os ambientes coloniais
poderiam ser a ameaadora origem de um
entrecruzamento de raas, gneros e classes
que exigia distines reforadas de raa,
sexualidade, cultura e classe (MITCHELL
2000: 5). Estas temticas encontraram seu
caminho de volta para a metrpole e
subsidiaram uma reconstruo simblica e
material da identidade europeia.
Um exterior constitudo
epistemologicamente
Internamente universalidade
da ratio Ocidental est para
ser encontrada a linha
divisria que o Oriente: o
Oriente que se imagina ser a
origem, o ponto vertiginoso
no qual se originam a
nostalgia e as promessas de
retorno; o Oriente que
apresentado para a
racionalidade expansionista
do Ocidente, mas que
permanece eternamente
inacessvel, porque sempre
permanece enquanto limite.
(FOUCAULT 1961, iv,
traduzido em SCHAUB
1989: 308)
Antecipando-se ao Orientalismo de
Said em dezessete anos, Foucault
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
263
reconheceu em uma passagem no traduzida
anteriormente (embora seja possvel ver
FOUCAULT 2005: xxx) o papel formativo
de um Oriente imaginado pela memria
coletiva europeia (ver acima). Enquanto
Said reconhecidamente estendeu esta
imaginao, Ann Laura Stoler (1995)
esforou-se no sentido de examinar como as
noes imperiais de raa e sexualidade
constituram a burguesia europeia.
Abordando as histrias da sexualidade de
Foucault (1979, 1986a, 1986b) e sua srie
de palestras Em defesa da sociedade,
(1975-6 [2003]), Stoler demonstrou que os
discursos do sexo estiveram em uma rota
imperial tortuosa, e que a identidade
burguesa era, ela prpria, codificada
racialmente. Dentro das rotas complexas
atravs das quais o biopoder buscou ordenar
populaes nacionais, o sexo se tornou um
alvo do estado enquanto os discursos raciais
tornaram-se o efeito, remodelando e
apropriando-se de antigas formas de
racismo. Ao passo que Mitchell (2000, 13)
alerta que isso representa uma dupla
negligncia por parte do Imprio, negando
as origens coloniais dos racismos dos
sculos XVIII e XIX, Stoler identifica a
natureza paradoxal do estado biopoltico
colonial que reivindicava uma ampliao da
vida, ainda que administrasse o direito de
matar. Era funo da raa decidir quem
viveria ou morreria, administrando o que
Achille Mbeembe (2003) nomeou
necropoltica. Esta poltica racializada de
classificao foi abordada na considerao
posterior de Stoler (2002) sobre as
atividades normativas estatais nas prprias
colnias. Nesta considerao, demonstrou-
se que o racismo prosperou com base em
linhas de diferena no muito claras,
combinando uma simbologia pseudo-
cientfica referente ao sangue com teorias
acerca do contgio cultural.
Em decorrncia disso, Stoler (2002,
142) demonstrou que, embora
eurocntrico, Foucault no esteve cego
raa e suas potenciais conexes imperiais.
Ela tambm demonstrou que, devido aos
dois anos em que Foucault esteve na Tunsia
(1966-68), este eurocentrismo continua
sendo intrigante, assim como a falta de
estudo em Arqueologia do Saber
(FOUCAULT, 1972), que ele escreveu
com base nas conferncias que l realizou.
Robert Young (2001, 395-397), por sua vez,
escreveu sobre as experincias de Foucault
e seu interesse em lutas polticas naquela
poca, mas tambm sobre como ele usou a
distncia de sua terra natal para considerar
critica e etnograficamente a Frana e o
Ocidente. Tal como o fez contra a Madness
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
264
and Civilization (FOUCAULT, 1967),
Foucault (1972) argumentou contra a
existncia separada e silenciada do Outro.
Homi Bhabha (1992 [2000], 130) afirmou,
de maneira semelhante, que h, no interior
do massivo esquecimento de Foucault,
uma presena transversal de ps-
colonialismo. Em As Palavras e as Coisas
(Foucault, 1970, 369), a antropologia
emerge no intuito de confrontar os
postulados universalistas da histria,
delimitando-a como um produto de origem
europeia. Os postulados historicistas so,
em decorrncia disso, expostos como
subordinados s tecnologias do
colonialismo, estabelecendo a antropologia
como o contra-discurso da modernidade.
Entretanto, estas interpretaes
atribuem em excesso novos significados aos
silncios e lacunas dos escritos de Foucault.
Este corpus textual, tal como sugeriu
Mitchel Dean (1986 [1994], 289), viu
Foucault se afastar do desafio de
desconstruir o Ocidente enquanto um
etngrafo crtico e recolonizar suas
reflexes radicais dentro de uma anlise da
modernidade ocidental que, como defende
Mitchell (2000, 16), reproduziu a
espacializao da modernidade. O quadro
temporal histrico da Europa colonizadora
capturou as histrias do ultramar e as
reinseriu em uma lgica historicista e
reguladora do fundamento colonial.
Desfazer tais processos, e tendncias nos
escritos de Foucault, no apenas uma
tarefa no sentido de reescrever a histria,
mas de perseguir discursos e disciplinas que,
embora tenham sido aliados aos Estados
coloniais do passado, preservam o potencial
de mobilizar contra-discursos da
modernidade.
Uma disciplina constituda externamente
Felix Driver (1992) usou os
trabalhos de Foucault para investigar a
histria colonial da disciplina geogrfica que
conferiu ateno a sua genealogia
institucional, ao invs de filosfica ou
cientfica. Ele props uma minuciosa leitura
foucaultiana que estaria atenta aos diversos
tipos de poder em jogo no interior da
ascenso da geografia enquanto disciplina,
assim como s contradies e resistncias
internas que encontrou na era de
consolidao da Geografia Militante
(DRIVER, 1999). Daniel Clayton
(2001/02), ressaltando a espacialidade da
disciplina, enfatizou a necessidade de
rastrear estas resistncias nas margens
coloniais, assim como na metrpole
imperial.
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
265
Derek Gregory (1998) foi alm no
mapeamento das geografias imaginrias
atravs das quais a geografia, enquanto
disciplina, imps sua viso de mundo
eurocntrica sobre os territrios que
investigava. Assim como a Europa soberana
analisada por Foucault, a geografia foi uma
disciplina de excluses e supresses
constitutivas (GREGORY 1998: 72),
observando algumas coisas e ignorando
outras atravs de geo-grafias
representacionais. A geo-grafia de um
tempo e um espao tomados por
absolutos, por exemplo, estabeleceu a
Europa como um centro soberano, mas
tambm dividiu a periferia tanto em espaos
que poderiam merecer mais ou menos
direitos como tambm em eixos de
alteridade, formando uma estruturada
ainda que instvel hierarquia de
diferenas. Outras modalidades estiveram
relacionadas a exibir o outro, normatizar o
sujeito e abstrair natureza e cultura. Todas
estas modalidades contriburam para uma
viso do mundo apresentada pela geografia
disciplinar ao pblico de seus autores e
estudantes, em suas instituies de origem.
Se as implicaes da geografia
dentro do contexto do passado colonial
esto cada vez mais claras, o presente
colonial exige ateno constante. Jennifer
Robinson (2003) dedicou-se a pensar em
como promover a prtica geogrfica ps-
colonial. Robinson relaciona as assertivas de
Chakrabarty acerca da Europa enquanto
fundamento histrico para as prticas
geogrficas que a colocaram em tal posio
e para as tendncias universalizantes de
parte da teoria geogrfica posterior a 1960.
Para enfraquecer a violncia epistmica
destas tradies, Robinson sugere que sejam
reconhecidos a localidade e os limites que
esta traz anlise; que reincorporemos
estudos de rea e de desenvolvimento em
formaes inovadoras; que nos engajemos
em programas de bolsas regionais que
rompam com locais dominantes; e que
transformemos as condies para a
produo e circulao do conhecimento, no
tocante a publicaes, fontes e pblico
leitor. Estes processos devem se dar,
obviamente, no desenrolar da prpria
pesquisa ativa. A pesquisa geogrfica nestas
linhas foi enquadrada no seio de leituras de
Foucault, seguindo a influente interpretao
de Said.
Said: A presena de Foucault ___________
H uma certa ironia na discrepncia entre o
Foucault proposto por Said em seus
primeiros escritos tericos e a sobrevida das
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
266
categorias analticas de Foucault que foram
apropriadas por anlises de discursos
coloniais e estudos ps-coloniais mais
amplamente. Enquanto Said inicialmente
reiterou o pertencimento dos textos ao
mundo e a materialidade do discurso,
muitos estudos que afirmaram filiar-se ao
seu trabalho frequentemente se
concentraram em um texto individual ou
nas relaes entre textos separados, ao invs
de concentrarem-se em sua contingncia
histrica e geogrfica. Ainda assim, embora
Said tenha inicialmente apoiado Foucault,
h de se notar que ele (1993 [2004], 214)
rejeitou Foucault por ter sido politicamente
reticente, reiterando ainda que havia tido de
Foucault tudo o que dele precisava com a
publicao de Vigiar e Punir (FOUCAULT,
1977). A partir desse ponto, a distncia
entre o humanismo de Said e o anti-
humanismo de Foucault se tornou mais
evidente. Apesar disso, Said, ao longo da
dcada de 90, moveu-se em direo a uma
forma de anlise de cunho geogrfico que
mais se aproxima dos escritos e palestras de
Foucault sobre o governo posteriores a
1978 do que de seu trabalho anterior sobre
a materialidade do discurso. Esta trajetria,
e o posicionamento da pesquisa geogrfica
em seu interior, sero analisados a seguir.
A materialidade e a descontinuidade do
Discurso
Em 1972, na primeira edio do peridico
boundary 2, Edward Said prope o uso de
Michel Foucault (SAID 1972, o artigo foi
reescrito e publicado em SAID, 1975: 277-
343).4
Opondo-se crtica posterior da
abordagem de Said enquanto atemporal e
textual, ele enfatizou quatro elementos
especficos do trabalho de Foucault. A
reversabilidade substituiu a busca por
origens, evoluo ou autores com o primado
do discurso e dos usos verbais. A
descontinuidade inviabilizou a ideia de
discursos ilimitados, silenciosos e
contnuos, enaltecendo as prticas
descontnuas que se cruzam, justapem-se
ou at mesmo ignoram umas s outras. Esta
nfase na diferena, de acordo com Said,
poderia ser entendida de forma a incluir
diferenas no apenas no interior de, mas
entre sociedades, privilegiando histrias ao
invs da Histria (em referncia a
FOUCAULT 1961). Entendida deste
modo, a ideia de discurso em Foucault
(1970, 1972) baseava-se em disperso e
fragmentao, concebendo qualquer srie
como uma ordem interna no seio da
disperso. O terceiro mtodo foucaultiano
era o da especificidade que identificava
limites em discursos individuais policiados
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
267
pelo que era considerado errado ou
proibido, enquanto que o mtodo final era o
de identificar a exterioridade, a
transcendental falta de abrigo das
subjetividades incompatveis com a norma
discursiva, consideradas loucas, perigosas
ou, como no caso do Marqus de Sade, um
assunto de desejo total.
Entretanto, foi a ideia de discurso
apresentada em Orientalismo, de 1978, que
apresentou um efeito mais duradouro, o
qual Young (2001: 36) afirma ser diferente
daquele apresentado em A Arqueologia do
Saber. Orientalismo apresentou a
dicotomizao e a essencializao da
imaginao geopoltica global da Europa. O
discurso do orientalismo poderia ser
identificado em disciplinas acadmicas,
numa mais ampla diviso ontolgica e
epistemolgica entre o Ocidente e o
Oriente, e finalmente em instituies que
governavam o Oriente. Ainda que
alternando rapidamente entre diferentes
escritos e instituies, Said concentrou-se
em determinados textos sem estudar os
ambientes nos quais foram produzidos. A
nfase em textos escritos a partir de outros
textos o levou a uma anlise de esteretipos
que foram colocados como representaes
equivocadas, estabelecendo um movimento
que se deu a partir de uma anlise do
discurso foucaultiana em direo a uma
investigao mais gramsciana de
representaes ideolgicas. Timothy
Brennan (2000) afirmou, com efeito, que
Orientalismo no foucaultiano devido a
suas especializaes humanistas, suas
snteses generalizadas, sua indulgncia
esttica e seus apetites totalizantes. O
debate desordenado originado nesta tenso
encontra-se sintetizado em Ashcroft e
Ahluwalia (1999: 76-80), mas neste
argumento o que significativo talvez seja a
ideia de que, sem a noo de relaes de
poder hegemnicas de Gramsci, Said sentiu
que Foucault, sozinho, no apresentaria
fora poltica.
A teia sem aranha
Em 1984, Said estabeleceu o incio de seu
distanciamento formal de Foucault. Embora
ainda fosse favorvel s vises polticas de
Foucault acerca da linguagem e ao seu
interesse geopoltico no controle do
territrio, Said iniciou duas crticas s
noes de agncia e poder. Primeiramente,
ele questionou a falta de interesse por parte
de Foucault em explicar porque pessoas ou
coisas foram distribudas da forma que o
foram (SAID 1984b: 220). Sem imediatismo
ou intencionalidade, as evolues histricas
de poder que Foucault sugere teriam se
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
268
dado sem esforos. Conforme sugeriu
Alison Blunt (1994: 54), opondo-se a
Foucault, relevante o papel de quem
escreve; suas condies de autoria, sua
identidade de gnero ou a percepo do
pblico precisam desempenhar um papel.
De modo semelhante, a nfase de Alan
Lester nas redes transimperiais de conexes
discursivas mantm foco na agncia
exercida por indivduos no sentido de
facilitar a construo de redes e seus fluxos
(LESTER 2002: 29). Said posteriormente
referiu-se tenso entre o anonimato do
discurso e a vontade de poder de
determinados egos como um impasse
quase assustador (SAID 1984a: 6) e
enfaticamente rejeitou a noo segundo a
qual ele sugeriu que no havia voz para
responder de volta contra a resistncia
(SAID 2002: 1).
A crtica de Said sobre a noo de
agncia alimentou comentrios posteriores
sobre a noo supostamente estril e passiva
de Foucault acerca do poder, a qual,
afirmou ele, falhou em analisar o motivo
pelo qual o poder era obtido e mantido. A
existncia de lutas de classe, guerras
imperialistas e resistncias nos mostra que o
poder permanece com governantes,
monoplios e Estados: tal como afirma Said
(1984b: 221), no possvel existir uma teia
sem a aranha. Em funo disso, Foucault
no conseguiu levar em considerao a
intencionalidade e o esforo da histria,
recusando-se a imaginar o futuro ao invs de
analisar o presente, e deixou de considerar o
espao de existncia alm do poder do
presente (SAID 1984b: 245-7).
Este posicionamento crtico foi
mantido por Said em seus escritos
posteriores. Em seu artigo obiturio
dedicado a Foucault em 1984, Said
respeitosamente enfatizou a influncia de
Foucault e a forma como este intercalou
poder e resistncia, embora tenha, ainda
assim, condenado o pessimismo e o
determinismo de suas ltimas obras (SAID
1984a: 3, 6). O artigo de Said (1986) sobre
a imaginao do poder em Foucault o
exemplo de sua mais veemente rejeio das
observaes de Foucault acerca da
supostamente constante e infinita expanso
do poder. Diferentemente das
consideraes indignadas de Noam
Chomsky acerca do que poderia derrotar as
relaes de poder e suas postulaes
utpicas acerca do que no poderia ser
imaginado, afirmou-se que Foucault
imaginou apenas o que poderia ser feito
com o poder uma vez que este fosse
possudo, e o que se poderia imaginar uma
vez em posse do poder. Neste sentido, a
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
269
imaginao de Foucault, diferentemente da
de Gramsci, foi concebida como indo ao
encontro do poder, ao invs de ser contrria
a ele. Paul Bov (1986 [2001) reiterou a
rejeio a Foucault por Said, alertando para
as consequncias imorais do sistema
criado por aquele, o qual impedia o
reconhecimento de resistncias, negava a
imaginao de ordens alternativas e
explicava todos os fenmenos sociais com
base em uma estrutura de poder. A
desconfiana de Said em relao nfase de
Foucault na assimilao e aculturao foi
reiterada em uma entrevista de 1986
(SALUSINSZKY 1987, 137) e manteve-se
intacta at 1993, quando Foucault foi
retratado como o escrivo da vitria do
poder (SAID, BEZZER & OSBOURNE
1993 [2004]: 214).
Said admitiu que seu Cultura e
Imperialismo (1993) foi escrito no intuito
de se opor aos efeitos negativos de Foucault
no livro do qual era a sequncia,
Orientalismo (SAID in SAID et al. 1993
[2004]). Contrariamente impresso de um
orientalismo que cresceu continuamente
sem contestao, um mbito geogrfico
maior e uma nfase na contestao do
territrio permitiram que Said examinasse a
contra-vontade de pessoas conforme o
enquadramento da leitura cultural de
Gramsci feita por Raymond Williams. Nos
vinte anos que se seguiram aps seu artigo
no peridico boundary 2, o Foucault da
reversibilidade, da descontinuidade, da
especificidade e da exterioridade foi
deixado de lado perante o Foucault mais
abstrato das relaes de poder-saber. Esta
tendncia deixa de fazer justia relevncia
e utilidade tanto dos primeiros trabalhos
de Foucault como de seus escritos
posteriores dedicados arqueologia, ao
discurso e governamentalidade que esto
passando atualmente por uma reavaliao
para alm da rejeio de Said.
Viajando com Foucault
Said (1984b: 227) sustentou muito bem a
ideia de que teorias viajam, tendo cada uma
seus pontos de origem, uma distncia que
percorrida, condies que so confrontadas
e transformaes que ocorrem ao longo do
caminho. Said levou Foucault tanto para
Amrica, institucionalmente, como para o
Oriente, teoricamente. Entre os dois locais,
os escritos de Foucault infiltraram-se no
campo emergente dos estudos ps-coloniais
e foram inacreditavelmente influentes. Mas
as teorias tambm viajam atravs do tempo.
Como salientado anteriormente, Foucault
viajou por diversos lugares que jamais havia
imaginado, confrontou-se com condies
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
270
que no esperava, e ao longo do tempo foi,
em certos casos, mais transformado do que
se acredita. Ashcroft e Ahluwalia (1999: 82)
admitiram que Said extraiu de Foucault
apenas aquilo do que precisava (ver tambm
GREGORY 2004b), o que resultou em um
favorecimento ambivalente de autores e de
uma literatura que por si mesma contraia o
escopo para a resistncia. De fato, foi a falta
de uma abordagem foucaultiana por parte
de Said, ao invs de uma presena desta,
que diminuiu o foco de sua ateno nos
espaos no-representacionais do cotidiano,
nos quais o vocabulrio subalterno de
resistncia geralmente se encontra (ver
SMITH 1994: 494). Tendo isto em vista, o
campo da anlise de discurso colonial, o
qual desempenhou um papel chave em
estabelecer os estudos ps-coloniais,
fomentou um preconceito acerca da
mentalidade colonial e sua representao em
relatos textuais (ver a nfase em fontes
literrias em, por exemplo, ASHCROFT,
GRIFFITHS & TIFFIN, 1989; BEHDAD,
1994; LOWE, 1991; SLEMON, 1989;
SPURR, 1993; SULERI, 1992).
Driver (1992: 33) sugeriu que tanto
Foucault em Vigiar e Punir como Said em
Orientalismo foram mal interpretados,
como se minimizassem a importncia da
heterogeneidade dos discursos modernos,
as controvrsias e resistncias que estes
contm e a especificidade dos regimes
discursivos. Entretanto, Young (2001: 407)
sugeriu que a interpretao equivocada
que Said fez de Foucault que torna seu
prprio trabalho propcio a leituras
igualmente equivocadas. Young demonstrou
como Said veio a interpretar Foucault
enquanto algum comprometido com a
anlise da textualidade, retirando o discurso
Orientalista de suas circunstncias materiais
e soldando-o em representaes. O efeito
desta leitura, tal como sustentou Young
(2001: 389), pode ser rastreado atravs das
crticas comuns da anlise do discurso
colonial. Ele as discriminou da seguinte
forma:
Historicidade: a generalizao a
partir de alguns poucos textos
literrios que tendem a ser des-
historicizados e des-situados em
textos no discursivos.
Textualidade: o tratamento de
textos como documentos histricos,
sem o acompanhamento de um
inqurito histrico materialista ou
uma compreenso poltica.
Representao: se toda verdade
representao, o que ento foi
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
271
interpretado equivocadamente?
Como o subalterno pode falar?
Homogeneidade e determinismo:
noes de discurso que anulam
diferenas histricas e geogrficas e
problematizam como pessoas se
tornam sujeitos em tais discursos.
Young sustentou que uma anlise mais
leal Arqueologia do Saber negaria muitas
das crticas delineadas acima. O modelo
arqueolgico de discurso rejeita um estudo
desencarnado de intertextos, de
representaes e interpretao, favorecendo
o estudo da emergncia prtica do saber na
interface da linguagem e do mundo
material. A anlise do discurso deveria,
portanto, estar situada na zona de contato
da materialidade, dos corpos, dos objetos e
das prticas. Tal como a rede que vincula
enunciados, objetos e sujeitos, os discursos
devem ser fragmentados e heterogneos,
embora sejam unificados por regras
particulares que operam sobre todos os
indivduos. Entretanto, estas regras
implicam multiplicidade, e no
uniformidade, de escolha e ao (tal como
foi defendido por FOUCAULT, 1979:
100).
Em decorrncia disso, Young sustentou
a ideia de que a concepo de discurso de
Foucault , na verdade, antittica em
relao a teorias ps-coloniais que
pressupem uma voz subjetiva dos
colonizados em contraposio a um
discurso colonizador objetivo (ver tambm
BRENNAN: 2000). Ao invs disso, os
discursos so instveis e causam a
proliferao de discursos subalternos, tanto
como se falassem a partir de discursos
coloniais externos ou enquanto crescentes
contra-discursos em confrontao direta
(ver tambm TERDIMAN 1985).
Consequentemente, uma anlise do
discurso colonial foucaultiana no seria to
vulnervel s quatro crticas expostas acima,
uma vez que estaria focada em usar o
discurso para analisar a prtica colonial em
regimes administrativos sucessivos (para
uma abordagem como esta ver
CHATTERJEE 1995: 24). Isto deixa a
anlise do discurso colonial mais prxima
dos trabalhos dedicados tanto
governamentalidade colonial como a uma
anlise geogrfica material.
Re-materializando a Geografia Ps-Colonial
A maior parte dos gegrafos tomar
os argumentos de Young como reafirmao
ao invs de revelao. Embora nem sempre
referente a Foucault diretamente, mas
muitas vezes em uma terminologia
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
272
foucaultiana, h uma tradio enraizada no
seio da disciplina que reivindica um terreno
material nas anlises ps-coloniais (ver
CLAYTON 2004). Neil Smith (1994), em
sua resenha de Cultura e Imperialismo,
demonstrou que o comprometimento
recente de Said com a resistncia era
condicionado por sua leitura textual do
discurso, consequentemente apresentando a
luta pela descolonizao como um assunto
literrio. Jane Jacobs (1996: x) tentou
reorientar a nfase espacial na anlise de
discurso colonial, indo da metfora para as
geografias reais. Embora no menospreze
as representaes textuais como meramente
irreais, Jacobs identificou reminiscncias
imperiais no apenas no interior do espao,
mas tambm atravs dele e nas formulaes
sobre ele. Foi na zona de contato da
materialidade e das prticas que Jacobs
buscou as geografias promscuas de
habitao no lugar que ativaram passados
coloniais em presentes ps-coloniais.
Enquanto Clive Barnett (1997) reiterou o
posicionamento daqueles que temiam uma
reduo ao discurso, Driver e Gilbert
(1998: 14) repetiram preocupaes com a
natureza textual do trabalho geogrfico
cultural ps-colonial e pronunciaram-se a
favor de uma apreciao da herana imperial
em diferentes tipos de espao urbano, fosse
ele arquitetural, espetacular ou vivido.
Lendo os trabalhos de Foucault
sobre a funo poltica dos discursos, Alan
Lester (1998, 2001, 2002) esteve na linha
de frente da pesquisa emprica no apenas
sobre as prticas materiais do domnio
colonial, mas tambm sobre as funes dos
discursos coloniais internacionais no sentido
de criar redes. Ao conferir ateno a vrios
locais em que poder e conhecimento
estiveram intercalados, sua reflexo permitiu
uma compreenso sofisticada do poder
imperial de base, com todas as tenses e
contestaes que isto envolvia. James
Sidaway (2000, ver tambm SIDAWAY,
BUNNEL & YEOH, 2003) retomou as
demandas por um movimento que superasse
o discurso e as representaes e
contemplasse as prticas materiais, os
espaos e a poltica reais, embora estes
fossem todos fatores muito centrais em uma
compreenso foucaultiana do prprio
discurso. Mais alinhado aos trabalhos de
Foucault, Cole Harris (2004) recentemente
argumentou no sentido de um exame da
desapropriao fsica dos colonizados ao
invs de uma interpretao equivocada
acerca destes.
Junto a estas demandas por uma
abordagem mais material, Cheryl McEwan
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
273
(2003) criticou a tendncia ps-colonial a
separar discursos da experincia vivida,
assim como sua ineficcia em propor
solues e a forma pela qual privilegia teoria
e cultura em detrimento das
responsabilidades ticas e polticas. Em
resposta, ela sugeriu a rematerializao do
ps-colonialismo, explorando a natureza
vivida da ps-colonialidade, e apoiou o uso
de estratgias para relacionar o textual a
questes de macro-escala. A unio entre o
poltico-econmico, o tico e o material
deveria criar oportunidades no presente
para que o estudo ps-colonial, como
insistiu Jacobs (2001), possusse efeitos
contemporneos. Derek Gregory (2004a)
demonstrou recentemente a capacidade da
histria e da geografia cultural foucaultianas
no sentido de interromper qualquer
complacncia referente ao passado colonial.
Em uma srie de anlises que contemplam o
presente histrico-geogrfico colonial na
Palestina, no Afeganisto e no Iraque,
Gregory identificou as manifestaes
violentas, fsicas e materiais das geografias
imaginrias cultivadas ao longo de dcadas
de administrao colonial. Estes discursos
so ativados pelas vozes intencionais de
perpetradores, comentadores e vtimas, e
so marcados com o potencial intenso de
contra-discursos no sentido de entrar em
erupo no espao entre os enunciados em
contradio dos discursos neo-coloniais.
O que mais surpreendente no
tocante ao trabalho de Said aps sua
rejeio a Foucault no apenas em que
medida ele mantm sua nfase geogrfica,
mas o nvel no qual esta nfase se torna no
somente imaginria, mas tambm
governamental. Os corolrios se
desenvolvem no apenas com a anlise do
discurso colonial foucaultiana de Young,
mas tambm com a aplicao colonial dos
ltimos trabalhos de Foucault (1978 [2001];
1979) sobre a governamentalidade e o
biopoder. Embora em Orientalismo muitas
instituies administrativas fossem
reconhecidas como a terceira faceta do
discurso orientalista, Said (1984b: 219)
posteriormente exprimiu seu interesse nos
escritos de Foucault (1980: 77) sobre
Geografia; o controle de territrios, sua
demarcao e o estudo dos exrcitos,
expedies e territrios (ver tambm
GREGORY, 1995). Neste ponto ele
tambm expressou a necessidade de ir alm
de um discurso puramente lingustico no
apenas na trade composta por filologia,
ontologia e instituies, apresentada em
Orientalismo , mas tambm no que se
refere burocracia colonial e seu potencial
poder de vida e morte sobre o Oriente.
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
274
Este direcionamento foi mantido em
Cultura e Imperialismo, apesar de seu
textualismo insistente (contudo, para alguns
exemplos de textos fundamentais de Said
em contextos materiais, ver GREGORY,
1995: 453). Exprimiu-se interesse sobre os
verdadeiros fundamentos geogrficos sob
o espao social e sobre as formas pelas quais
projees geogrficas possibilitam a
construo do saber (SAID, 1993: 93). As
transformaes fsicas foram observadas,
considerando-se desde o imperialismo
ecolgico e a reconstruo urbana at a
microfsica da organizao da interao
cotidiana (1993: 132). Porm, o elemento
geogrfico era tambm essencial para o anti-
imperialismo, em primeiro lugar no sentido
de imaginar a recuperao da perda e,
posteriormente, a recuperao do territrio
(1993: 271). Isso era parte da contnua
reflexo de Said acerca da batalha pela
geografia (SAID in SAID et al. 1994: 21), a
qual foi reiterada em seus comentrios
posteriores sobre memria e geografia
(SAID 2000b). Nela, ressaltava-se que o
prprio orientalismo dizia respeito ao
mapeamento, conquista e anexao de
lugares densamente habitados, habitveis,
como parte de uma interminvel batalha
pelo territrio e pela memria.
Por volta do final da dcada de
1990, Said defendia uma forma de pesquisa
geogrfica que explorava o mbito variado
de tticas governamentais utilizadas para
ordenar o espao e as diversas formas de
produo de memria que negociavam este
espao. Tais escritos no podem ser
considerados como independentes de seu
compromisso e envolvimento com a causa
palestina, os quais nem sempre constaram
em sua reflexo terica (ver GREGORY,
1995; SAID, 2000b). O Subaltern Studies
Group (SSG) tambm produziu um material
teoricamente sofisticado que permaneceu
orientado pelo presente. Said (1988)
elogiou o SSG enquanto coordenado pelo
seu editor Ranajit Guha, por seu inovador
trabalho com arquivos e pela busca de
histrias da no-elite, tanto em escritos da
elite como em textos triviais e cotidianos.
Posteriormente, Said reconheceu este nvel
de pesquisa como, talvez, mais importante
do que o nvel de representaes que ele
prprio preferia:
Agora h um curso de
tradio subcultural, por
exemplo, como mostraram
Guha e os demais, h todo
um escopo de escrita colonial
que no artstica, mas
administrativa, investigativa,
relatada, relacionada a
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
275
condies do terreno,
relacionada com interaes
dependentes do informante
nativo. Tudo isso existe, no
h como questionar. Eu
estava tentando delinear um
talvez menos importante,
porm, em meu
entendimento, mais amplo
quadro de um certo tipo de
estabilidade. (SAID 2002: 7)
Os Subaltern Studies: de Gramsci
Governamentalidade _________________
Ranajit Guha (1982) estabeleceu as
sries de publicaes dos Subaltern Studies
em uma tentativa de conferir crdito e
autonomia s classes camponesas da ndia
enquanto uma parte ativa e politizada da
populao; a no-elite. Ainda que a noo
gramsciana de subalterno tenha sido
posteriormente entendida, partindo do
conceito de classe ou de militares para os de
raa, sexualidade, casta ou linguagem, a
nfase permaneceu em detalhar a existncia
de aes que no poderiam ser
teleologizadas em uma narrativa colonial,
nacionalista ou marxista. Ao longo de mais
de 20 anos, a literatura produzida pelos
autores dos Subaltern Studies convergiu
para alguns temas ps-coloniais,
apresentando um uso cada vez maior de
Said, mas um declnio das origens
radicalmente marxistas, direcionando-se
mais ao que poderia ser reconhecido como
um esprito de Marx (CHATURVEDI,
2000: vii) em trabalhos posteriores.
O esprito de Foucault
Partha Chatterjee trabalhou
consistentemente no intuito de alinhar o
SSG aos escritos de Foucault e Said.
Embora sua contribuio inicial
(CHATTERJEE, 1983) aborde a transio
do feudalismo para o capitalismo e as teorias
de Marx sobre propriedade, este trabalho
foi apresentado como uma anlise dos
modos de poder e terminou com uma
defesa da compreenso capilar e
corporificada de Foucault no que se refere
s relaes de poder. Contudo, demarcando
a aplicao qualificada de teorias ocidentais
na ndia que caracterizaria o trabalho do
SSG, Chatterjee afirmou que o poder
moderno no Terceiro Mundo intercalava-
se com modos mais antigos de controle,
assim como com formaes de Estado
diferentes daquelas encontradas na Europa
(para um exemplo de reiterao desta viso,
ver CHATTERJEE , 1995: 8).
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
276
Tendo lido Said pela primeira vez
em 1980 (CHATTERJEE, 1992: 194),
Chatterjee (1984) aplicou suas teorias no
caso indiano conforme afirmou que os
prprios nacionalistas operavam dentro de
discursos orientalistas e se valiam de
esteretipos orientalistas. Em funo disso,
a estrutura representacional do pensamento
nacionalista correspondia muitas vezes
estrutura de poder que tentava repudiar. O
trabalho de David Arnold sobre a fora de
polcia de Madras aplicou o trabalho de
Foucault (1977) no caso indiano,
observando a remoo de intermedirios
sociais, a vigilncia e a disciplina da fora
em si, bem como a crtica poltica da polcia
como sendo reconhecidas como
antinacionais durante o movimento de no-
cooperao (ARNOLD, 1984). Trabalhos
posteriores dedicados a medidas anti-pragas
demonstraram que as tentativas de iniciar
uma interveno estatal em massa entre
1890 e 1930 foram recebidas com uma
resposta hostil, e no de forma passiva ou
dcil (ARNOLD, 1987). Esta reao ops-
se latente demanda por um poder maior
sobre o corpo, tal como exprimida em
regulamentos acerca da imolao de vivas,
castigos e medicina. No trabalho posterior
de Arnold (1994) tambm constava uma
investigao acerca das prises coloniais
enquanto espaos vividos, mas, tambm,
enquanto espaos abstratos para a obteno
de saberes sobre os corpos indianos.
Este uso de Foucault foi, eu
afirmaria, evitado e redirecionado por uma
mudana que ocorreu na metade da dcada
de 1980. Isto marcou uma virada em direo
noo de discurso tal como vinha sendo
cada vez mais definida pelos estudos ps-
coloniais, ao invs de aproximar-se da noo
original de Foucault. A ruptura foi iniciada
por um debate sobre a validade
epistemolgica do subalterno enquanto um
sujeito autnomo da histria. Spivak (1985:
338) sustentou que a tentativa de descobrir
ou estabelecer a conscincia de um
campons ou de um subalterno era
positivista, denotando uma nica e
subjacente conscincia. Ela reivindicou que,
no lugar desta jornada romntica, deveria
haver um levantamento do efeito-
subalterno, o n a constituir a fibra do
tecido, fosse ele poltico, econmico,
histrico ou lingustico, e que conferiu
efeito ao sujeito em questo. O fato de que
um conceito estrategicamente essencialista
poderia ser necessrio para atar este n era
aceito como um risco vlido para o interesse
poltico do projeto do SSG. Este argumento
foi confirmado por Rosalind OHanlon
(1988), que criticou a permanncia de um
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
277
sujeito humanista junto ao crescente uso de
teorias anti-humanistas e ps-estruturalistas.
O fato de Guha ter se aposentado, em
1988, anunciou uma maior adeso, dentro
do grupo, teoria ps-moderna, assim
como uma virada em direo construo
discursiva do (efeito) subalterno.5
No entanto, a noo de discurso
aqui citada foi muito mais influenciada pelas
leituras que Spivak fez de Derrida do que
de Foucault. Spivak (1985: 330) definiu o
SSG como um projeto dedicado a
confronto e mudana, mas esta era uma
mudana em sistemas simblicos que
classificavam, por exemplo, o crime como
insurgncia. Estes eram deslocamentos
discursivos que inventariaram pessoas ou
eventos enquanto significantes polticos.
Tendo isto em vista, afirmava-se que o SSG
examinaria o socius como uma cadeia de
sinais na qual a ao demarcaria a quebra
desta corrente. Entretanto, nesta
abordagem, todas as tentativas de
deslocamento implicariam falhas devido
amplitude de organizao colonial e falta
de xito da burguesia indiana no sentido de
politizar o campesinato. O foco a partir do
quarto volume do Subaltern Studies (1985),
consequentemente, foi deslocado para a
anlise da diferena do subalterno que
emergiu no seio de discursos de elite
(PRAKASH, 1994). Chatterjee (1986), por
exemplo, demonstrou como a agncia de
pessoas comuns foi apropriada pela elite
nacionalista, deixando-as como fragmentos
silenciados de uma nao em via de
fortalecimento (CHATTERJEE, 1993). Este
movimento historiogrfico de fato produziu
uma leitura inovadora das fontes referentes
a vestgios e esteretipos subalternos, ainda
que o resultado final visado fosse falho. O
textualismo e o pessimismo poltico que
resultaram desta abordagem foram
recentemente contestados, mas isto se deu
dentro de um quadro de compreenso
segundo o qual os estudos subalternos
seriam configurados enquanto uma forma de
crtica ps-colonial.
Gyan Prakash (1990) situou os
subaltern studies enquanto uma histria
ps-fundacional. Ele afirmou que eles
haviam superado as representaes da ndia
como passiva e isolada encontradas em
textos orientalistas , ou da ndia
essencializada e autnoma recorrentes em
textos nacionalistas. Ele tambm criticou as
noes essencialistas de estudos de rea e
antropolgicos, assim como as explicaes
estruturais de historiadores sociais e
marxistas para o desgosto de OHanlon e
Washbrook (1992). Opondo-se a estas
tradies, e alinhado ao postulado de Said
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
278
no sentido de rejeitar, e no apenas
reverter, as categorias coloniais, o
levantamento feito pelo SSG das posies
de sujeitos mltiplos e mutveis foi
considerado como totalmente ps-
fundacional e ps-colonial (PRAKASH
1994).
O SSG esteve sobre constante
ataque, oriundos tanto de dentro como de
fora da ndia (CHATURVEDI 2000).
Talvez uma das crticas mais provocativas
tenha vindo de Sumit Sarkar (1996 [2000]),
que havia sido membro da equipe editorial e
contribudo com as sries de publicaes.
Sarkar lamentou o declnio no estudo de
grupos desprivilegiados e decorrente
aumento de estudos sobre relaes de
poder-saber do colonialismo, os quais
frequentemente concebiam a comunidade
religiosa como a conscincia do no-
Ocidente. Sarkar criticou Chatterjee por
remover a agncia das massas e da
intelligentsia, dentre as quais a ltima seria
composta apenas por meros sujeitos de um
discurso derivado do nacionalismo e do
orientalismo europeus (para comentrios
acerca da viso pessimista de Chatterjee no
tocante ao destino de mulheres no
movimento nacionalista, ver LEGG 2003).
Enquanto muitos crticos explicaram
qualquer essencialismo no seio do SSG
como um marxismo residual, Sarkar reiterou
a habilidade da anlise scio-econmica no
sentido de fraturar noes essenciais de
identidade. Contudo, os autores dos
Subaltern Studies tm cada vez mais
retornado obra de Foucault,
especialmente em seus escritos dedicados
ao governo, no intuito de buscar novas
formas de enquadrar e pesquisar a agncia
subalterna. Mais uma vez, este retorno para
o material e para o biopoltico foi previsto
por toda uma linha de pesquisa geogrfica
ps-colonial.
Espaos de biopoder
Para alm das reivindicaes tericas por
uma rematerializao, muitos gegrafos se
especializaram em pesquisas empricas que
reforaram o desenvolvimento ps-colonial
e a elaborao das teorias de Foucault.
Jonathan Crush (1994), por exemplo,
combinou teorias do panoptismo com
outras referentes aos regimes de trabalho
capitalistas para analisar os compostos de
minas da frica do Sul. Neste caso, a
arquitetura foi usada no intuito de ampliar a
visibilidade ao longo de um espao
delimitado, embora formas culturais de
resistncia tenham proliferado em resposta
a isso, atravs da produo do licor, do
comportamento hiper-masculino ou do
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
279
contrabando de medicamentos proibidos,
por exemplo. De maneira semelhante, James
Duncan (2002) examinou as tentativas de
produo de espaos e corpos abstratos nas
plantaes de caf em Ceylon. No entanto,
os trabalhadores estiveram comprometidos
no apenas com a resistncia atravs da
insubordinao ou da fuga, mas tambm
explorandoas fraturas no espao abstrato;
minimizando a produo, simulando
doenas, e construindo redes de contra-
vigilncia para indicar os momentos em que
o olhar colonial estaria despreparado para
vigiar trabalhadores. Jennifer Robinson
(2000) tambm se concentrou no olhar
corporificado, analisando o caso dos
gestores de moradia da frica do Sul na
dcada de 1930. Afastando-se do
vocabulrio masculino de muitos relatos do
panoticismo, Robinson demonstrou que o
olhar investigativo colonial apresentou a
forma de uma investigao amistosa e
feminina, forjando relaes por cima das
fronteiras raciais. Com efeito, em casos no-
institucionais, a forma do poder parecia
mais liberal, dominando a distncia e atravs
de poderes de liberdade.
Os escritos de Foucault acerca da
governamentalidade mostraram-se profcuos
para os gegrafos por uma srie de razes.
Primeiramente, eles apresentam um
programa analtico para a investigao de
regimes modernos de governo
(FOUCAULT 1978 [2001]). Isto pode
ocorrer mediante as categorias individuais
de episteme, identidade, visualidade, techn
e ethos (DEAN 1999; ROSE 1996), ou com
base em uma busca, atravs destas
categorias, por evidncias de uma mudana
de regime (LEGG 2006b; WATTS 2003).
Em segundo lugar, a literatura se refere a um
modo de poder que ultrapassou os regimes
de poder de soberania e disciplina embora
mantenha caractersticas destes , chegando
ao regime do governo regulatrio. A
regulao envolve a coleta de informaes
sobre pessoas e territrios, calculando e
classificando este saber, e exerccio do
poder distncia no intuito de normatizar e
estabilizar uma determinada populao.
A primeira tarefa o que cada vez
mais chamou a ateno de Said,cujas
geografias foram investigadas por Matthew
Hannah. Na dcada de 1870, o governo dos
Estados Unidos buscou aumentar seu saber
acerca da populao de nativos americanos
Sioux, mediante um ciclo social de controle
relacionado a observao, julgamento e
capacidade de efetivar o poder estatal
(HANNAH 1993). As tentativas de
estabelecer os Sioux em apenas um lugar
apenas ampliaram a conscincia
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
280
governamental acerca do quo pequeno era
o escopo de informaes que possuam
sobre este povo e do quo problemtico
seria efetuar um censo. O censo foi um dos
principais meios de estabelecer
enquadramentos de saber-poder em
territrios sobre os quais se possua um
conhecimento ainda nebuloso. O estudo de
Hannah (2000) acerca da extenso dos
inventrios de populao efetuados nos
Estados Unidos ilustra como as naes
colonizadoras europeias compartilharam
tcnicas de maneira muito prxima com
Estados ps-coloniais internamente
colonizadores.
No caso da Columbia Britnica,
Daniel Clayton (2000) examinou os
processos de interao cultural, modos de
representao e relaes de poder locais
durante os embates com nativos ocorridos
no Oeste, entre as dcadas de 1770 e 1840.
Clayton examina justamente em que medida
as ideias eurocntricas de Foucault podem
ser vinculadas a reas perifricas, mediante
um rastreamento genealgico de relaes
atravs de trs fases de embate, estruturadas
com base em relaes de cincia, lucro e
geopoltica imperial. Seguindo o trabalho de
Clayton, Cole Harris (2004) demonstrou
como os nativos foram alocados em espaos
de reserva, o que consequentemente
permitiu a reorganizao e o
desenvolvimento externos a essas reas.
Embora a desapropriao tenha sido
baseada na violncia fsica do estado tal
como encorajada por interesses capitalistas,
a legitimao do regime foi cultural, ao
passo que o real gerenciamento dos nativos
desalojados foi disciplinar, combinando
todo o espectro das tticas governamentais.
Bruce Braun (2000) tambm utilizou o
contexto canadense para estender os
vnculos entre as cincias fsicas e a
governamentalidade do Estado vitoriano.
Embora por vezes fisicamente
violento ou autoritariamente disciplinar, os
Estados coloniais e ps-coloniais tambm
buscaram governar, o que foi o
desdobramento final de muitos dos
processos apontados acima. Robinson
(1997) demonstrou que o apartheid na
frica do Sul perdurou por tanto tempo
porque manipulou as populaes atravs de
localizaes que segregaram diferentes
sub-grupos que poderiam ser governados
atravs de seus representantes. Estas
manipulaes biopolticas visaram
normatizar populaes com base em seus
comportamentos, enquanto as mantinham
em lugares visveis e controlveis. Todavia,
os pressupostos identitrios de regimes
biopolticos em contextos coloniais
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
281
frequentemente no se encaixavam com as
pressupostos de Foucault acerca do
liberalismo moderno ou com os extremos
genocidas do Estado nazista ou stalinista.
Ao invs disso, como sugeriu Gregory
(1998: 85-86), os povos colonizados foram
muitas vezes tratados como objetos, e no
sujeitos, de domnio em sistemas menos
individualizantes que aqueles da Europa
(ver tambm CHATTERJEE, 1995:8 e
VAUGHAN 1991), o que culminou em
clculos que frequentemente priorizaram o
custo e a ameaa poltica em detrimento do
bem-estar, embora tais clculos tenham sido
um material perfeito para crticas no s da
violncia colonial ou intromisso, mas de
sua m administrao ativa (LEGG 2006a;
2007).
Tal como argumentou Stoler,
polticas sexuais foram centrais para o
Estado colonial e demarcaram o ponto
central do biopoder, articulando disciplina
e governo. Explorando estas interseces,
Mike Kesby (1999) utilizou os escritos de
Foucault sobre sexualidade para explorar
demarcaes corpreas do espao patriarcal
no Zimbbue rural, de forma a compreender
aquelas que influenciaram as autoridades
coloniais no sentido de saber com quem e
de que maneira deveriam negociar. Philip
Howell (2004a) tambm afirmou que
Foucault pode ser usado nas colnias de
acordo com seu trabalho sobre o biopoder,
a normatizao e a ordenao do espao.
Todos estes elementos apresentam-se
juntos em sua investigao sobre a
regulao da prostituio na Hong Kong
colonial. Neste caso, ele esclarece que os
modelos europeus baseados em sujeitos que
disciplinam a si mesmos no foram
aplicveis e deram lugar objetificao
racial e segregao geogrfica de um
Estado relutantemente expansivo (ver
tambm HOWELL 2004b). Os temas da
disciplina, biopolticas e governo proveram
informaes a todo um mbito de trabalho
de autores associados ao SGG e outros
dedicados ao estudo da sia Sul.
Negociaes subalternas de espaos
governamentais
David Arnold consolidou seu
trabalho sobre a biopoltica colonial atravs
da publicao de Colonizing the Body
(ARNOLD 1993), o qual explorou a
expanso das prticas mdicas europeias,
sua recepo ponderada por parte das
populaes indgenas e a forma pela qual
foram imbudas de sentido, representando
mais do que simples prticas de sade.
David Scott (1995) investigou a
governamentalidade colonial enquanto
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
282
teoria e prtica em Ceylon / Sri Lanka.
Scott enfatizou a necessidade de se
examinarem os alvos do domnio, como eles
foram concebidos e os meios utilizados para
conduzi-los atravs do espao, enquanto
simultaneamente considerou os efeitos das
distines de raa e religio sobre estas
desenvolvidas tecnologias europeias de
controle.
A mais minuciosa aplicao da
abordagem da governamentalidade colonial
foi fornecida por Gyan Prakash (1999).
Prakash analisou estruturas cientficas e
regulaes enquanto estratgias
civilizatrias que tinham a populao
como alvo, ainda que tenham aberto,
durante o processo, uma esfera de atividade
poltica na qual nacionalistas puderam
desafiar o governo. Estes processos foram
localizados atravs de uma variedade de
escalas geogrficas, indo das instituies do
museu e da Asiatic Society ao corpo,
trabalhos cvicos e a imaginao da prpria
nao. Satish Deshpande (2000) tambm
adaptou o trabalho de Foucault nao
indiana, analisando as aspiraes do
comunalismo Hindu como uma heterotopia
que tenta mediar o utpico e o real.
O escopo de prticas no interior da
estrutura da governamentalidade aumenta
proporcionalmente o escopo transversal
pelo qual se pode procurar resistncia. Isto
pode operar a partir de um nvel de
processos sociais ou econmicos, indo at o
nvel de tecnologias locais e corpos. Spivak
(2000) uniu o internacional e o corporal ao
sugerir que o novo subalterno
posicionado por organizaes como o
Banco Mundial ou corporaes
multinacionais enquanto propriedade
intelectual, seja em termos de saber agri ou
herbicultural. Dispesh Chakrabarty e Partha
Chatterjee, todavia, observaram, ao invs
disso, a forma atravs da qual categorias
governamentais so vividas e negociadas por
populaes subalternas.
Chakrabarty (2002), em seu livro
Habitations of Modernity: Essays in the
Wake of Subaltern Studies, investigou as
razes governamentais da etnicidade
moderna. Identificando de que forma as
noes de raa explicadas por Foucault e
Stoler tendem a ser vistas como externas na
ndia, Chakrabarty identifica os vnculos
entre as vises internas de comunidade e
casta e os processos de etnicidade e
governo. O trabalho sobre
governamentalidade utilizado para
examinar a estruturao da imaginao
poltica da ndia colonial e a fundao de
categorias cujo tempo de vida atravessou o
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
283
da administrao, e que continham as
sementes da violncia.
Chatterjee (2004) produziu um
sofisticado relato da negociao efetuada
pelos prprios governados no que se refere
s polticas populacionais. Em seu trabalho,
a poltica localizada no apenas como o
resultado de ideais universais de
nacionalismo cvico, mas tambm enquanto
a absoro cultural de categorias
mobilizadas por racionalidades
governamentais. Contrariando seu
pessimismo inicial, Chatterjee mantm
esperana contra tecnologias
governamentais sendo meramente
instrumentos de domnio de classe em uma
ordem capitalista global. Ele afirma que ao
buscarem encontrar espaos ticos reais
para sua operao em tempo heterogneo,
as resistncias incipientes a esta ordem
podem ter xito em inventar novos termos
de justia poltica (CHATTERJEE 2004:
23). O argumento que, hoje, a maior parte
das pessoas na ndia possui direitos frgeis e
no parte da elite da sociedade civil. Isso
ocorre apesar de ainda permanecerem
dentro do alcance do governo, atravs de
polticas que visam a sociedade poltica do
subalterno. Chatterjee sugeriu que estas
tticas emergiram ao longo da dcada de
1980, apesar de insinuar suas origens
coloniais em um trabalho anterior
(CHATTERJEE 2001, 175). No interior
deste espao, os grupos populacionais
podem reivindicar os direitos de uma
comunidade e uma voz que ascende a partir
da violao das leis de propriedade e das
regulaes cvicas que so to centrais para
a ordem governamental. Mediadores so
empregados no intuito de barganhar com o
estado por concesses que so oferecidas
devido aos direitos da sub-populao, no
enquanto cidados, mas atravs de sua
existncia enquanto seres vivos.
Embora Chatterjee no utilize estes
termos, eu sugeriria que o subalterno que
ele tem como foco um que transita
prematuramente entre as posies de zoe (o
simples fato de existir) e de bios
(comportamento normatizado e direitos
individuais). Georgio Agamben (1998)
abordou os trabalhos de Foucault para
traar a genealogia do homo sacer, o sujeito
to desprovido de direitos que ele (sic, na
linguagem generificada utilizada por
Agamben) pode ser sacrificado sem
penalidade; ele/ela uma vida despida.
Agamben identifica os estados de exceo
nos quais o homo sacer foi produzido,
desde a Roma Antiga at Auschwitz, e que
Derek Gregory (2004a) estende Palestina,
ao Iraque e ao Afeganisto. Entretanto, ao
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
284
continuar a afirmar sua compreenso do
campo enquanto nomos da modernidade,
Agamben de fato se enquadraria no
pessimismo e no determinismo pelo qual
Foucault foi criticado? Que outras reaes
poderia haver para o estado de exceo? E
se os sujeitos nele to expostos fossem
reincorporados e sua exposio demandasse
a restituio de direitos em um estado de
recepo? Chatterjee v esperana nas
polticas de objetificao. A Emergncia
Indiana dos anos 1970 representou um
excepcional despir biopoltico do pobre
urbano, negando a ele, atravs da
esterilizao, o direito de reproduo
biolgica. Contudo, as demolies e mortes
no Portal Turkman de Delhi, tal como nos
lembra Chatterjee (2004: 135), culminaram
em um clamor de mbito nacional, assim
como proteo judicial para os pobres, e
contriburam para a queda do governo de
Indira Gandhi.
Em uma colaborao
transdisciplinar, Corbridge, Williams,
Srivastava e Vron (2005) trouxeram
detalhes acerca da poltica que Chartterjee
descreve, ao mesmo tempo em que
sustentaram a esperana deste contra a
objetificao por meio de um estudo
emprico. Eles fazem isto conforme
explicam detalhadamente como os
subalternos rurais veem e negociam o
Estado. Com base na assertiva de Foucault
segundo a qual as tcnicas governamentais
fazem o Estado tanto quanto so por ele
utilizadas, Corbridge et al. demonstram de
que forma as populaes marginais
encontram o Estado, seja personificado em
administradores ou atravs de iniciativas dos
conjuntos de medidas da sociedade
poltica. As polticas de desenvolvimento
dos anos 1990 passaram a ressaltar, cada vez
mais, a participao como um meio de
conduzir a conduta e facilitar a auto-ajuda
que levou o Estado a ingressar em novas
formas de contato pessoal com sua
populao. Neste quadro, ele deveria
negociar redes de poder local, mal-
entendidos, valores de autoridade,
corrupo e a resistncia mobilizada a partir
de mediadores locais. Os estudos de caso
mostram que a maior parte das pessoas de
fato experimenta um Estado limitado e
volvel, e exige garantias e informaes
mais abrangentes antes de se comprometer
com as polticas por ele sugeridas. Esta
abordagem corretamente pressupe a
resistncia e a agncia como centrais para as
racionalidades governamentais, que
precisam forjar espaos de conexo entre a
centralidade estatal e as populaes
marginais, ao mesmo tempo em que se
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
285
mantm sensveis cultura e poltica do
local. no interior de tal quadro de
negociaes governamentais do econmico,
do biopoltico e do social que as pesquisas
vigentes esto aplicando a teoria
foucaultiana aos historicamente
condicionados embora urgentemente
contemporneos momentos do ps-
colonial.
Concluses_________________________
As tendncias vigentes na pesquisa ps-
colonial, tanto internas quanto externas
disciplina geogrfica, esto levando a cabo o
exame minucioso e em diferentes escalas de
locais materiais que abrem espaos para
considerar as atividades dos subjetivados e
dos subalternos. No nvel no-
representacional do vivido, possvel
rastrear discursos tal como Foucault os
descreveu; ou seja, enquanto a produo
material e corprea do saber e da prtica.
Tal como Said sugeriu em seu trabalho
posterior, e em seu ativismo poltico ao
longo de sua vida, isto exige o exame do
trabalho ps-colonial sobre o terreno, assim
como em geografias imaginrias. Embora
sua virada em direo resistncia
permanea restrita ao nvel
representacional, a literatura dos Subaltern
Studies lutou no sentido de localizar esta
resistncia no territrio fsico, ao mesmo
tempo em que, simultaneamente, observou
a produo discursiva dos oprimidos. A
srie de palestras Em defesa da sociedade
de Foucault (1975-76 [2003]) foi concluda
com uma discusso sobre a biopoltica aps
se ater categoria de raa, mas de fato
comeou com palestras sobre saberes
subjugados e o poder de memria. Tal
como urgiu no fim de sua vida, sem dvida
em reao s acusaes de pessimismo
poltico, a resistncia e a configurao local
deveriam ser reconhecidas em todas as
relaes de poder. neste nvel de
realizao e mobilizao que a pesquisa
geogrfica sobre o ps-colonial mostrou-se
superior. Se, como sugere Chakrabarty, a
Europa permanece o assunto soberano de
boa parte da histria ps-colonial, o
regicdio historiogrfico deve ser levado em
frente mediante uma combinao das tticas
descritas acima: uma prtica acadmica
cosmopolita e sensvel; uma geografia em
sintonia com relaes de poder, tanto
materiais como textuais; a pesquisa de
modos de poder compatveis, embora
diferentes, em escalas variadas; e,
finalmente, uma conscincia da agncia e da
resistncia dos indivduos que podem ser o
alvo do governo, em regimes capitalistas,
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
286
nacionalistas ou comunais, mas que nunca so totalmente por eles constitudos.
Notas ____________________________________________
* Texto originalmente publicado como captulo no livro
CRAMPTON, J. W. e ELDEN, S. (2007) Space, Knowledge and
Power. Foucault and Geography. Great Britain. Ashgate.
Traduo de Daniel Dutra.
** Associate Professor, University of Nottingham, School of
Geography.
1 Utilizo o temo ps-colonial para me referir interao entre
populaes colonizadas e colonizadoras a partir de um primeiro
contato, embora isto no precise ter sido necessariamente face a
face, como ocorrido no contato mediado em redes comerciais. O
termo engloba, portanto, as experincias de ambos os grupos,
durante e aps o perodo de domnio formal, caso tenha havido
um. Ver Gandhi (1998, 3-4) para uma discusso acerca do termo.
2 A traduo ainda em curso dos cursos de conferncias de
Foucault promete adicionar muito, contudo, leitura ps-colonial
de sua obra. Ver referncias em Psychatric Power (FOUCAULT
[1973-74] 2006, captulo quatro) e, especialmente, Security,
Territory, Population (FOUCAULT no prelo-b).
3 Contra isto, no pude encontrar referncia alguma a Said nos
trabalhos de Foucault, a despeito de uma breve correspondncia
subsequente publicao de Orientalismo (SALUSINSZKY
1987: 136) e um encontro em 1979 no apartamento de Foucault,
onde Said pde notar seu Beginnings (1975) na estante (SAID
2000a).
4 Esta mudana tambm pode ser atribuda a diversos fatores
pessoais. Muitos dos membros do SSG, por exemplo, adquiriram
compromissos familiares e institucionais que impediam longas
viagens de pesquisa em arquivos e favoreciam a anlise textual, ao
passo que a abordagem anterior j havia ocupado alguns
contribuidores por uma dcada (Dipesh Chakrabarty,
comunicao pessoal.
Referncias Bibliogrficas _________________
Agamben, G. (1998) Homo Sacer: Sovereign Power and Bare
Life. Stanford, California: Stanford University Press.
Arnold, D. (1984) Bureaucratic Recruitment and Subordination in Colonial India: The Madras Constabulary, 18591947. In R. Guha (Ed.) Subaltern Studies IV. Delhi: Oxford University Press.
153.
Arnold, D. (1987) Touching the Body: Perspective on the Indian Plague. In R. Guha (Ed.) Subaltern Studies V. Delhi: Oxford University Press. 5590.
Arnold, D. (1993) Colonizing the Body: State Medicine and
Epidemic Disease in Nineteenth-century India. Berkeley:
University of California Press.
Arnold, D. (1994) The Colonial Prison: Power, Knowledge and Penology in Nineteenth-century India. In D. Arnold and D. Hardinman (Eds) Subaltern Studies VIII. Delhi: Oxford
University Press. 14887.
Ashcroft, B. and P. Ahluwalia (1999) Edward Said: The Paradox of
Identity. London; New York: Routledge.
Ashcroft, B., G. Griffiths and H. Tiffin (1989) The Empire Writes
Back: Theory and Practice in Post-colonial Literatures. London:
Routledge.
Barnett, C. (1997) Sing Along with the Common People: Politics, Postcolonialism, and Other Figures. Environment and Planning D-Society & Space, 15(2), 13754.
Behdad, A. (1994) Belated Travellers: Orientalism in the Age of
Colonial Dissolution. Cork: Cork University Press.
Bhabha, H. (1992 [2000]) Postcolonial Criticism. In D. Brydon (Ed.) Postcolonialism: Critical Concepts in Literary and Cultural
Studies. London: Routledge. 10533.
Blunt, A. (1994) Mapping Authorship and Authority: Reading Mark Kingsleys Landscape Descriptions. In A. Blunt and G. Rose (Eds) Writing Women and Space: Colonial and Postcolonial
Geographies. New York: Guilford Press. 5172.
Bov, P.A. (1986 [2001]) Intellectuals at War: Michel Foucault and the Analytics of Power. In P. Williams (Ed.) Edward Said, Volume 1. London; Thousand Oaks, California; New Delhi:
SAGE. 4162.
Braun, B. (2000) Producing Vertical Territory: Geology and Governmentality in Late Victorian Canada. Ecumene, 7(1), 746.
Brennan, T. (2000) The Illusion of Travelling Theory: Orientalism as Travelling Theory. Critical Inquiry, 26, 55883.
Chakrabarty, D. (2000) Provincializing Europe: Postcolonial
Thought and Historical Difference. Princeton, NJ; Oxford:
Princeton University Press.
Chakrabarty, D. (2002) Habitations of Modernity: Essays in the
Wake of Subaltern Studies. Chicago; London: University of
Chicago Press.
Chatterjee, P. (1983) More on Modes of Power and the Peasantry. In R. Guha (Ed.) Subaltern Studies II. Delhi: Oxford University Press. 31149.
Chatterjee, P. (1984) Gandhi and the Critique of Civil Society. In R. Guha (Ed.) Subaltern Studies III. Delhi: Oxford University
Press. 15395.
Chatterjee, P. (1986) Nationalist Thought and the Colonial
World: A Derivative Discourse? London: Zed for the United
Nations University.
Chatterjee, P. (1992) Their Own Words? An Essay for Edward Said. In M. Sprinker (Ed.) Edward Said: A Critical Reader. Oxford: Blackwell. 194220.
Chatterjee, P. (1993) The Nation and its Fragments: Colonial and
Postcolonial Histories. Princeton, NJ: Princeton University Press.
Chatterjee, P. (1995) The Disciplines in Colonial Bengal. In P. Chatterjee (Ed.) Texts of Power: Emerging Disciplines in
Colonial Bengal. Minneapolis; London: University of Minnesota
Press. 129.
Chatterjee, P. (2001) On Civil and Political Society in Postcolonial Democracies. In S. Kaviraj and S. Khilnani (Eds) Civil Society: History and Possibilities. Cambridge: Cambridge
University Press.
Chatterjee, P. (2004) The Politics of the Governed: Reflections
on Popular Politics in Most of the World. New York: Columbia
University Press.
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
287
Chaturvedi, V. (2000) Mapping Subaltern Studies and the
Postcolonial. London; New York: Verso.
Clayton, D. (2000) Islands of Truth: The Imperial Fashioning of
Vancouver Island. Vancouver: University of British Columbia
Press.
Clayton, D. (2001/02) Absence, Memory, and Geography. BC Studies, 132, 6579.
Clayton, D. (2004) Imperial Geographies. In J. Duncan, N. Johnson and R. Schein (Eds) Companion to Cultural Geography.
Oxford: Blackwell. 44968.
Corbridge, S., G. Williams, M. Srivastava and R. Vron (2005)
Seeing the State: Governance and Governmentality in Rural India.
Cambridge: Cambridge University Press.
Crush, J. (1994) Scripting the Compound Power and Space in the South-African Mining-Industry. Environment and Planning D-Society & Space, 12(3), 30124.
Dean, M. (1986 [1994]) Foucaults Obsession with Western Modernity. In B. Smart (Ed.) Michel Foucault: Critical Assessments. London; New York: Routledge. 28599.
Dean, M. (1999) Governmentality: Power and Rule in Modern
Society. London: SAGE.
Dean, M. and B. Hindess (1998) Governing Australia: Studies in
Contemporary Rationalities of Government. Cambridge:
Cambridge University Press.
Deshpande, S. (2000) Hegemonic Spatial Strategies: The National-space and Hindu Communalism in Twentieth-century
India. In P. Chatterjee and P. Jeganathan (Eds) Subaltern Studies XI. London: Hurst. 167211.
Driver, F. (1992) Geographys Empire Histories of Geographical Knowledge. Environment and Planning D-Society & Space, 10(1), 2340.
Driver, F. (1999) Geography Militant: Cultures of Exploration in
the Age of Empire. Oxford: Blackwell
Driver, F. and D. Gilbert (1998) Heart of Empire? Landscape, Space and Performance in Imperial London. Environment and Planning D-Society & Space, 16(1), 11 28.
Duncan, J.S. (2002) Embodying Colonialism? Domination and Resistance in Nineteenth-century Ceylonese Coffee Plantations. Journal of Historical Geography, 28(3), 31738.
Foucault, M. (1961) Folie et draison: histoire de la folie lge classique. Paris: Plon.
Foucault, M. (1967) Madness and Civilization: A History of
Insanity in the Age of Reason. London; Sydney: Tavistock.
Foucault, M. (1970) The Order of Things: An Archaeology of the
Human Sciences. London: Tavistock.
Foucault, M. (1972) The Archaeology of Knowledge. London:
Tavistock.
Foucault, M. (1973-74 [2006]) Psychiatric Power: Lectures at the
Collge de France, 19731974. London: Palgrave Macmillan.
Foucault, M. (1975-76 [2003]) Society Must be Defended:
Lectures at the Collge de France 19751976. London: Penguin.
Foucault, M. (1977) Discipline and Punish: The Birth of the
Prison. Harmondsworth: Penguin.
Foucault, M. (1978 [2001]) Governmentality. In J. D. Faubion (Ed.) Essential Works of Foucault, 19541984: Power. Vol. 3. London: Penguin. 20122.
Foucault, M. (1978 [Forthcoming]) Security, Territory,
Population: Lectures at the Collge de France 1978. Basingstoke;
New York: Palgrave Macmillan.
Foucault, M. (1979) The History of Sexuality Volume 1: An
Introduction. London: Allen Lane.
Foucault, M. (1980) Power/Knowledge: Selected Interviews and
Other Writings, 19721977. Brighton: Harvester Press.
Foucault, M. (1986a) The History of Sexuality Volume 2: The
Use of Pleasure. London: Viking.
Foucault, M. (1986b) The History of Sexuality Volume 3: Care of
the Self. London: Allen Lane.
Foucault, M. (2005) History of Madness. London: Routledge.
Gandhi, L. (1998) Postcolonial Theory: A Critical Introduction.
Edinburgh: Edinburgh University Press.
Gregory, D. (1995) Imaginative Geographies. Progress in Human Geography, 19(4), 44785.
Gregory, D. (1998) Power, Knowledge and Geography The Hettner Lecture in Human Geography. Geographische Zeitschrift, 86(2), 7093.
Gregory, D. (2004a) The Colonial Present. Oxford: Blackwell.
Gregory, D. (2004b) The Lightning of Possible Storms. Antipode, 36(5), 798808.
Guha, R. (1982) On Some Aspects of the Historiography of Colonial India. In R. Guha (Ed.) Subaltern Studies I. Delhi: Oxford University Press. 18.
Hannah, M. (1993) Space and Social-Control in the Administration of the Oglala Lakota (Sioux), 18711879. Journal of Historical Geography, 19(4), 41232.
Hannah, M. (2000) Governmentality and the Mastery of Territory
in Nineteenth century America. Cambridge: Cambridge
University Press.
Harris, C. (2004) How did Colonialism Dispossess? Comments from an Edge of Empire. Annals of the Association of American Geographers, 94(1), 16582.
Henry, M.G. (2002) The Disciplining Spectacle: Power,
Performance, and Place in Twentieth-century Auckland.
Unpublished Doctoral Thesis, Department of Geography,
University of Auckland.
Howell, P. (2004a) Race, Space and the Regulation of Prostitution in Colonial Hong Kong: Colonial Discipline/Imperial
Governmentality. Urban History, 31(3), 22948.
Howell, P. (2004b) Sexuality, Sovereignty and Space: Law, Government and the Geography of Prostitution in Colonial
Gibraltar. Social History, 29(4), 44464.
Jackson, P.A. (2003) Mapping Poststructuralisms Borders: The Case for Poststructuralist Area Studies. SOJOURN, April.
Jacobs, J. (1996) Edge of Empire: Postcolonialism and the City.
London; New York: Routledge.
Jacobs, J.M. (2001) Symposium: Touching Pasts. Antipode, 33(4), 73034.
Kesby, M. (1999) Locating and Dislocating Gender in Rural Zimbabwe: The Making of Space and the Texturing of Bodies. Gender, Place and Culture, 6(1), 2747.
Legg, S. (2003) Gendered Politics and Nationalised Homes: Women and the Anticolonial Struggle in Delhi, 193047. Gender, Place and Culture, 10(1), 727.
-
ESPAO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/
288
Legg, S. (2006a) Governmentality, Congestion and Calculation in Colonial Delhi. Social and Cultural Geography, 7(5), 70929.
Legg, S. (2006b) Postcolonial Developmentalities: From the Delhi Improvement Trust to the Delhi Development Authority. In S. Corbridge, S. Kumar and S. Raju (Eds) Colonial and
Postcolonial Geographies of India. London: SAGE. 182204.
Lester, A. (1998) Colonial Discourse and the Colonisation of
Queen Adelaide Province, South Africa. Twickenham: Historical
Geography Research Group.
Lester, A. (2001) Imperial Networks: Creating Identities in
Nineteenth Century South Africa and Britain. London:
Routledge.
Lester, A. (2002) Constructing Colonial Discourse: Britain, South Africans and Empire in the 19th Century. In A. Blunt and C. McEwan (Eds) Postcolonial Geographies. London; New York:
Continuum. 2945.
Lowe, L. (1991) Critical Terrains: French and British
Orientalisms. Ithaca; London: Cornell University Press.
Mbembe,