14.09.PORTUGUESEVERSION

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ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 34, P.259-289, JUL./DEZ. DE 2013 http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/ 259 PARA ALÉM DA PROVÍNCIA EUROPEIA: FOUCAULT E O PÓS-COLONIALISMO* STEPHEN LEGG** Introdução _________________________ A colonização da maior parte do mundo livre entre os séculos XVI e XXI trouxe uma violência e uma dominação não apenas territorial, mas também epistêmica e historiográfica. O fim da ocupação formal não significou o recolhimento de categorias, procedimentos e tecnologias de domínio colonial, tampouco retirou o lugar da Europa enquanto referência primordial para muitas histórias e geografias pós-coloniais 1 (CHARKRABARTY, 2000). Embora Michael Foucault tenha fornecido muitas das ferramentas necessárias para destrinchar as relações poder-saber na Europa pós- Iluminismo, especialmente em suas bases espaciais, o seu silêncio acerca da construção colonial da modernidade europeia e a constituição mútua da "metrópole" e da "periferia" é espantoso. Este capítulo começa por examinar a desconcertante presença do colonialismo nos escritos de Foucault, explorando em seguida de que forma os geógrafos tentaram dialogar intimamente com o passado colonial e o presente pós-colonial de nossa disciplina. O uso de Foucault nos trabalhos de Edward Said e do Subaltern Studies Group será investigado no intuito de sugerir um movimento em direção à análise do vivido e do governamental que vai ao

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    http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/espacoecultura/

    259

    PARA ALM DA PROVNCIA EUROPEIA:

    FOUCAULT E O PS-COLONIALISMO*

    STEPHEN LEGG**

    Introduo _________________________

    A colonizao da maior parte do mundo

    livre entre os sculos XVI e XXI trouxe uma

    violncia e uma dominao no apenas

    territorial, mas tambm epistmica e

    historiogrfica. O fim da ocupao formal

    no significou o recolhimento de categorias,

    procedimentos e tecnologias de domnio

    colonial, tampouco retirou o lugar da

    Europa enquanto referncia primordial para

    muitas histrias e geografias ps-coloniais1

    (CHARKRABARTY, 2000). Embora

    Michael Foucault tenha fornecido muitas

    das ferramentas necessrias para destrinchar

    as relaes poder-saber na Europa ps-

    Iluminismo, especialmente em suas bases

    espaciais, o seu silncio acerca da

    construo colonial da modernidade

    europeia e a constituio mtua da

    "metrpole" e da "periferia" espantoso.

    Este captulo comea por examinar a

    desconcertante presena do colonialismo

    nos escritos de Foucault, explorando em

    seguida de que forma os gegrafos tentaram

    dialogar intimamente com o passado

    colonial e o presente ps-colonial de nossa

    disciplina. O uso de Foucault nos trabalhos

    de Edward Said e do Subaltern Studies

    Group ser investigado no intuito de sugerir

    um movimento em direo anlise do

    vivido e do governamental que vai ao

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    encontro de boa parte da pesquisa

    geogrfica existente dedicada temtica

    ps-colonial.

    A trajetria que sigo aqui apenas

    uma dentre as muitas rotas por um campo

    de estudo que poderia incluir, ao menos, de

    Alexandre o Grande at George W. Bush e

    Tony Blair, e ainda cada pas no mundo,

    fosse enquanto colonizado, colonizador, ou

    uma nao indiretamente influenciada. As

    foras ps-coloniais operam em todas as

    escalas, desde os fluxos transnacionais de

    capital ou corpos, geografias imaginrias

    globais, esteretipos nacionais e

    remapeamentos urbanos at as rotinas

    domsticas e psicologias individuais. A

    prpria teoria ps-colonial , em si, uma

    mistura complexa de tericos, incluindo

    Homi Bhabba, Jacques Derrida, Franz

    Fanon e Gayatri Chakravorty Spivak. Alm

    disso, Foucault foi utilizado para analisar

    relaes ps-coloniais distribudas por todo

    o mundo, incluindo a Amrica Latina

    (TRIGO 2002, OUTTES 2003), frica

    (MBEMBE 2001), antigas colnias de

    povoamento (CLAYTON 2000; DEAN e

    HINDESS 1998; HENRY 2002) e a parte

    sul da sia. A predominncia desta ltima

    na teoria ps-colonial pode ser em si um

    problema, na medida em que globaliza as

    experincias de algumas poucas colnias,

    como se fossem a experincia universal dos

    colonizados. Estas tendncias podem ser

    contrariadas por um comprometimento

    contnuo com o estudo de exemplos

    particulares e especficos das experincias

    coloniais e ps-coloniais dentro de sistemas

    globalmente estruturantes de domnio ps-

    colonial.

    A presena ausente do colonialismo em

    Foucault _________________________

    Peter A. Jackson (20003)

    inventariou as muitas crticas a Foucault

    segundo as quais a diferena por ele

    teorizada aquela da complexidade, uma

    diferena intrnseca sociedade, ao invs de

    uma multiplicidade, ou seja, diferenas

    entre sociedades. De fato, o que se

    averigua em sua escala de estudo

    majoritariamente local ou nacional, o que

    agravado por seu foco na Europa, de modo

    geral, e particularmente na Frana. H um

    nmero considervel de referncias que

    mostram que Foucault tinha conscincia da

    importncia do mundo colonial. Ainda

    assim, a significncia destes vestgios de

    colonialismo muito debatida. Em 1989,

    Uta Liebman Schaub sugeriu que o no-

    Ocidental operava enquanto um contra-

    discurso ou subtexto que teria afetado o

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    modo de pensar de Foucault; a base no dita

    a partir da qual ele atacou o pensamento

    Ocidental. Schaub (1989: 308) chegou at

    mesmo a sugerir que Foucault, assim como

    muitos de seus contemporneos, foi

    influenciado pela filosofia oriental. No

    entanto, a crtica contempornea

    concentrou-se mais na forma atravs da qual

    a Europa e suas colnias foram mutuamente

    constitutivas, e se isto foi reconhecido ou

    no nos escritos de Foucault. Estas

    constituies podem ser retoricamente ou

    at historicamente consideradas

    separadamente enquanto prticas,

    epistmicas e disciplinares.

    Uma externalidade constituda de prticas

    Toda uma srie de modelos

    coloniais foi trazida de volta

    para o Ocidente, e o

    resultado disso foi que o

    Ocidente foi capaz de

    praticar algo semelhante

    colonizao, ou um

    colonialismo interno, sobre si

    mesmo. (FOUCAULT 1975-

    76 [2003]:103)

    Em uma palestra de 1976, Foucault

    admitiu que as tcnicas e armas

    transportadas pela Europa para as colnias

    surtiram um efeito bumerangue sobre as

    instituies, aparatos e tcnicas de poder do

    Ocidente (ver acima). Todavia, este um

    dos poucos momentos em que reconhece

    que o compndio de tcnicas de poder que

    ele havia reunido no tocante Europa

    possua origens extra-europeias (para mais

    comentrios, ver FOUCAULT 1972: 210;

    FOUCAULT 1977: 29, 314; FOUCAULT

    1980: 17, 77, e a citao abaixo de

    FOUCAULT, 1961).2

    Em uma sntese de

    pesquisa ps-colonial, Timothy Mitchell

    demonstrou que o prprio panptico, junto

    ao monitoramento escolar, o controle

    governamental da populao e sua anlise

    cultural, a imaginao liberal britnica, os

    programas da literatura inglesa e a medicina

    colonial tiveram parte de suas muitas

    origens nas colnias (MITCHELL 2000: 3).

    Driver e Gilbert (1998) tambm

    demonstraram em que medida a paisagem

    material de Londres foi, de muitas maneiras,

    um espao intensamente imperial. Estes

    exemplos esto alm das tcnicas mais

    evidentemente coloniais, como a

    escravido, a navegao e as plantations que

    tiveram impacto na Europa. Todas estas

    tcnicas imperiais foram topograficamente

    reinscritas na Europa, e muitas vezes

    falharam no sentido de revelar tanto suas

    viagens como em que medida foram

    cmplices da consolidao dos efeitos da

    expanso territorial. Apesar de sua brilhante

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    reflexo sobre a dimenso espacial do

    poder, Gayatri Chakravorty Spivak (1988

    [2000], 1449-50) afirma com razo que, na

    verdade, a anlise de Foucault produziu uma

    verso em miniatura do colonialismo, uma

    vez que reproduziu o gerenciamento do

    espao e das populaes perifricas atravs

    das alegorias de doutores, prises e do

    insano.

    Embora a rejeio final de Foucault

    por parte de Edward Said estivesse

    relacionada sua filosofia mais ampla, ele

    tambm criticou o eurocentrismo de

    Foucault e sua tendncia a universalizar

    concluses obtidas a partir de estudos de

    caso franceses (SAID 1984a: 10). O

    etnocentrismo de seu trabalho colidiu com a

    convico de Said segundo a qual a

    disciplina era usada para administrar,

    estudar e reconstruir, portanto para ocupar,

    comandar e explorar praticamente todo o

    mundo (SAID 1984b: 227). Para Said, o

    sistema carcerrio de Foucault era

    surpreendentemente semelhante ao

    Orientalismo que ele descreveu. Os

    sistemas eram, obviamente, ligados por

    redes de conexes discursivas e prticas

    (LESTER 1998). Porm, para alm dos

    debates humanitrios suscitados pelo

    colonialismo ou das commodities e imagens

    consumidas na Europa, houve tambm

    processos mais fundamentais de

    constituio mtua. Os ambientes coloniais

    poderiam ser a ameaadora origem de um

    entrecruzamento de raas, gneros e classes

    que exigia distines reforadas de raa,

    sexualidade, cultura e classe (MITCHELL

    2000: 5). Estas temticas encontraram seu

    caminho de volta para a metrpole e

    subsidiaram uma reconstruo simblica e

    material da identidade europeia.

    Um exterior constitudo

    epistemologicamente

    Internamente universalidade

    da ratio Ocidental est para

    ser encontrada a linha

    divisria que o Oriente: o

    Oriente que se imagina ser a

    origem, o ponto vertiginoso

    no qual se originam a

    nostalgia e as promessas de

    retorno; o Oriente que

    apresentado para a

    racionalidade expansionista

    do Ocidente, mas que

    permanece eternamente

    inacessvel, porque sempre

    permanece enquanto limite.

    (FOUCAULT 1961, iv,

    traduzido em SCHAUB

    1989: 308)

    Antecipando-se ao Orientalismo de

    Said em dezessete anos, Foucault

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    reconheceu em uma passagem no traduzida

    anteriormente (embora seja possvel ver

    FOUCAULT 2005: xxx) o papel formativo

    de um Oriente imaginado pela memria

    coletiva europeia (ver acima). Enquanto

    Said reconhecidamente estendeu esta

    imaginao, Ann Laura Stoler (1995)

    esforou-se no sentido de examinar como as

    noes imperiais de raa e sexualidade

    constituram a burguesia europeia.

    Abordando as histrias da sexualidade de

    Foucault (1979, 1986a, 1986b) e sua srie

    de palestras Em defesa da sociedade,

    (1975-6 [2003]), Stoler demonstrou que os

    discursos do sexo estiveram em uma rota

    imperial tortuosa, e que a identidade

    burguesa era, ela prpria, codificada

    racialmente. Dentro das rotas complexas

    atravs das quais o biopoder buscou ordenar

    populaes nacionais, o sexo se tornou um

    alvo do estado enquanto os discursos raciais

    tornaram-se o efeito, remodelando e

    apropriando-se de antigas formas de

    racismo. Ao passo que Mitchell (2000, 13)

    alerta que isso representa uma dupla

    negligncia por parte do Imprio, negando

    as origens coloniais dos racismos dos

    sculos XVIII e XIX, Stoler identifica a

    natureza paradoxal do estado biopoltico

    colonial que reivindicava uma ampliao da

    vida, ainda que administrasse o direito de

    matar. Era funo da raa decidir quem

    viveria ou morreria, administrando o que

    Achille Mbeembe (2003) nomeou

    necropoltica. Esta poltica racializada de

    classificao foi abordada na considerao

    posterior de Stoler (2002) sobre as

    atividades normativas estatais nas prprias

    colnias. Nesta considerao, demonstrou-

    se que o racismo prosperou com base em

    linhas de diferena no muito claras,

    combinando uma simbologia pseudo-

    cientfica referente ao sangue com teorias

    acerca do contgio cultural.

    Em decorrncia disso, Stoler (2002,

    142) demonstrou que, embora

    eurocntrico, Foucault no esteve cego

    raa e suas potenciais conexes imperiais.

    Ela tambm demonstrou que, devido aos

    dois anos em que Foucault esteve na Tunsia

    (1966-68), este eurocentrismo continua

    sendo intrigante, assim como a falta de

    estudo em Arqueologia do Saber

    (FOUCAULT, 1972), que ele escreveu

    com base nas conferncias que l realizou.

    Robert Young (2001, 395-397), por sua vez,

    escreveu sobre as experincias de Foucault

    e seu interesse em lutas polticas naquela

    poca, mas tambm sobre como ele usou a

    distncia de sua terra natal para considerar

    critica e etnograficamente a Frana e o

    Ocidente. Tal como o fez contra a Madness

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    and Civilization (FOUCAULT, 1967),

    Foucault (1972) argumentou contra a

    existncia separada e silenciada do Outro.

    Homi Bhabha (1992 [2000], 130) afirmou,

    de maneira semelhante, que h, no interior

    do massivo esquecimento de Foucault,

    uma presena transversal de ps-

    colonialismo. Em As Palavras e as Coisas

    (Foucault, 1970, 369), a antropologia

    emerge no intuito de confrontar os

    postulados universalistas da histria,

    delimitando-a como um produto de origem

    europeia. Os postulados historicistas so,

    em decorrncia disso, expostos como

    subordinados s tecnologias do

    colonialismo, estabelecendo a antropologia

    como o contra-discurso da modernidade.

    Entretanto, estas interpretaes

    atribuem em excesso novos significados aos

    silncios e lacunas dos escritos de Foucault.

    Este corpus textual, tal como sugeriu

    Mitchel Dean (1986 [1994], 289), viu

    Foucault se afastar do desafio de

    desconstruir o Ocidente enquanto um

    etngrafo crtico e recolonizar suas

    reflexes radicais dentro de uma anlise da

    modernidade ocidental que, como defende

    Mitchell (2000, 16), reproduziu a

    espacializao da modernidade. O quadro

    temporal histrico da Europa colonizadora

    capturou as histrias do ultramar e as

    reinseriu em uma lgica historicista e

    reguladora do fundamento colonial.

    Desfazer tais processos, e tendncias nos

    escritos de Foucault, no apenas uma

    tarefa no sentido de reescrever a histria,

    mas de perseguir discursos e disciplinas que,

    embora tenham sido aliados aos Estados

    coloniais do passado, preservam o potencial

    de mobilizar contra-discursos da

    modernidade.

    Uma disciplina constituda externamente

    Felix Driver (1992) usou os

    trabalhos de Foucault para investigar a

    histria colonial da disciplina geogrfica que

    conferiu ateno a sua genealogia

    institucional, ao invs de filosfica ou

    cientfica. Ele props uma minuciosa leitura

    foucaultiana que estaria atenta aos diversos

    tipos de poder em jogo no interior da

    ascenso da geografia enquanto disciplina,

    assim como s contradies e resistncias

    internas que encontrou na era de

    consolidao da Geografia Militante

    (DRIVER, 1999). Daniel Clayton

    (2001/02), ressaltando a espacialidade da

    disciplina, enfatizou a necessidade de

    rastrear estas resistncias nas margens

    coloniais, assim como na metrpole

    imperial.

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    Derek Gregory (1998) foi alm no

    mapeamento das geografias imaginrias

    atravs das quais a geografia, enquanto

    disciplina, imps sua viso de mundo

    eurocntrica sobre os territrios que

    investigava. Assim como a Europa soberana

    analisada por Foucault, a geografia foi uma

    disciplina de excluses e supresses

    constitutivas (GREGORY 1998: 72),

    observando algumas coisas e ignorando

    outras atravs de geo-grafias

    representacionais. A geo-grafia de um

    tempo e um espao tomados por

    absolutos, por exemplo, estabeleceu a

    Europa como um centro soberano, mas

    tambm dividiu a periferia tanto em espaos

    que poderiam merecer mais ou menos

    direitos como tambm em eixos de

    alteridade, formando uma estruturada

    ainda que instvel hierarquia de

    diferenas. Outras modalidades estiveram

    relacionadas a exibir o outro, normatizar o

    sujeito e abstrair natureza e cultura. Todas

    estas modalidades contriburam para uma

    viso do mundo apresentada pela geografia

    disciplinar ao pblico de seus autores e

    estudantes, em suas instituies de origem.

    Se as implicaes da geografia

    dentro do contexto do passado colonial

    esto cada vez mais claras, o presente

    colonial exige ateno constante. Jennifer

    Robinson (2003) dedicou-se a pensar em

    como promover a prtica geogrfica ps-

    colonial. Robinson relaciona as assertivas de

    Chakrabarty acerca da Europa enquanto

    fundamento histrico para as prticas

    geogrficas que a colocaram em tal posio

    e para as tendncias universalizantes de

    parte da teoria geogrfica posterior a 1960.

    Para enfraquecer a violncia epistmica

    destas tradies, Robinson sugere que sejam

    reconhecidos a localidade e os limites que

    esta traz anlise; que reincorporemos

    estudos de rea e de desenvolvimento em

    formaes inovadoras; que nos engajemos

    em programas de bolsas regionais que

    rompam com locais dominantes; e que

    transformemos as condies para a

    produo e circulao do conhecimento, no

    tocante a publicaes, fontes e pblico

    leitor. Estes processos devem se dar,

    obviamente, no desenrolar da prpria

    pesquisa ativa. A pesquisa geogrfica nestas

    linhas foi enquadrada no seio de leituras de

    Foucault, seguindo a influente interpretao

    de Said.

    Said: A presena de Foucault ___________

    H uma certa ironia na discrepncia entre o

    Foucault proposto por Said em seus

    primeiros escritos tericos e a sobrevida das

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    categorias analticas de Foucault que foram

    apropriadas por anlises de discursos

    coloniais e estudos ps-coloniais mais

    amplamente. Enquanto Said inicialmente

    reiterou o pertencimento dos textos ao

    mundo e a materialidade do discurso,

    muitos estudos que afirmaram filiar-se ao

    seu trabalho frequentemente se

    concentraram em um texto individual ou

    nas relaes entre textos separados, ao invs

    de concentrarem-se em sua contingncia

    histrica e geogrfica. Ainda assim, embora

    Said tenha inicialmente apoiado Foucault,

    h de se notar que ele (1993 [2004], 214)

    rejeitou Foucault por ter sido politicamente

    reticente, reiterando ainda que havia tido de

    Foucault tudo o que dele precisava com a

    publicao de Vigiar e Punir (FOUCAULT,

    1977). A partir desse ponto, a distncia

    entre o humanismo de Said e o anti-

    humanismo de Foucault se tornou mais

    evidente. Apesar disso, Said, ao longo da

    dcada de 90, moveu-se em direo a uma

    forma de anlise de cunho geogrfico que

    mais se aproxima dos escritos e palestras de

    Foucault sobre o governo posteriores a

    1978 do que de seu trabalho anterior sobre

    a materialidade do discurso. Esta trajetria,

    e o posicionamento da pesquisa geogrfica

    em seu interior, sero analisados a seguir.

    A materialidade e a descontinuidade do

    Discurso

    Em 1972, na primeira edio do peridico

    boundary 2, Edward Said prope o uso de

    Michel Foucault (SAID 1972, o artigo foi

    reescrito e publicado em SAID, 1975: 277-

    343).4

    Opondo-se crtica posterior da

    abordagem de Said enquanto atemporal e

    textual, ele enfatizou quatro elementos

    especficos do trabalho de Foucault. A

    reversabilidade substituiu a busca por

    origens, evoluo ou autores com o primado

    do discurso e dos usos verbais. A

    descontinuidade inviabilizou a ideia de

    discursos ilimitados, silenciosos e

    contnuos, enaltecendo as prticas

    descontnuas que se cruzam, justapem-se

    ou at mesmo ignoram umas s outras. Esta

    nfase na diferena, de acordo com Said,

    poderia ser entendida de forma a incluir

    diferenas no apenas no interior de, mas

    entre sociedades, privilegiando histrias ao

    invs da Histria (em referncia a

    FOUCAULT 1961). Entendida deste

    modo, a ideia de discurso em Foucault

    (1970, 1972) baseava-se em disperso e

    fragmentao, concebendo qualquer srie

    como uma ordem interna no seio da

    disperso. O terceiro mtodo foucaultiano

    era o da especificidade que identificava

    limites em discursos individuais policiados

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    pelo que era considerado errado ou

    proibido, enquanto que o mtodo final era o

    de identificar a exterioridade, a

    transcendental falta de abrigo das

    subjetividades incompatveis com a norma

    discursiva, consideradas loucas, perigosas

    ou, como no caso do Marqus de Sade, um

    assunto de desejo total.

    Entretanto, foi a ideia de discurso

    apresentada em Orientalismo, de 1978, que

    apresentou um efeito mais duradouro, o

    qual Young (2001: 36) afirma ser diferente

    daquele apresentado em A Arqueologia do

    Saber. Orientalismo apresentou a

    dicotomizao e a essencializao da

    imaginao geopoltica global da Europa. O

    discurso do orientalismo poderia ser

    identificado em disciplinas acadmicas,

    numa mais ampla diviso ontolgica e

    epistemolgica entre o Ocidente e o

    Oriente, e finalmente em instituies que

    governavam o Oriente. Ainda que

    alternando rapidamente entre diferentes

    escritos e instituies, Said concentrou-se

    em determinados textos sem estudar os

    ambientes nos quais foram produzidos. A

    nfase em textos escritos a partir de outros

    textos o levou a uma anlise de esteretipos

    que foram colocados como representaes

    equivocadas, estabelecendo um movimento

    que se deu a partir de uma anlise do

    discurso foucaultiana em direo a uma

    investigao mais gramsciana de

    representaes ideolgicas. Timothy

    Brennan (2000) afirmou, com efeito, que

    Orientalismo no foucaultiano devido a

    suas especializaes humanistas, suas

    snteses generalizadas, sua indulgncia

    esttica e seus apetites totalizantes. O

    debate desordenado originado nesta tenso

    encontra-se sintetizado em Ashcroft e

    Ahluwalia (1999: 76-80), mas neste

    argumento o que significativo talvez seja a

    ideia de que, sem a noo de relaes de

    poder hegemnicas de Gramsci, Said sentiu

    que Foucault, sozinho, no apresentaria

    fora poltica.

    A teia sem aranha

    Em 1984, Said estabeleceu o incio de seu

    distanciamento formal de Foucault. Embora

    ainda fosse favorvel s vises polticas de

    Foucault acerca da linguagem e ao seu

    interesse geopoltico no controle do

    territrio, Said iniciou duas crticas s

    noes de agncia e poder. Primeiramente,

    ele questionou a falta de interesse por parte

    de Foucault em explicar porque pessoas ou

    coisas foram distribudas da forma que o

    foram (SAID 1984b: 220). Sem imediatismo

    ou intencionalidade, as evolues histricas

    de poder que Foucault sugere teriam se

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    dado sem esforos. Conforme sugeriu

    Alison Blunt (1994: 54), opondo-se a

    Foucault, relevante o papel de quem

    escreve; suas condies de autoria, sua

    identidade de gnero ou a percepo do

    pblico precisam desempenhar um papel.

    De modo semelhante, a nfase de Alan

    Lester nas redes transimperiais de conexes

    discursivas mantm foco na agncia

    exercida por indivduos no sentido de

    facilitar a construo de redes e seus fluxos

    (LESTER 2002: 29). Said posteriormente

    referiu-se tenso entre o anonimato do

    discurso e a vontade de poder de

    determinados egos como um impasse

    quase assustador (SAID 1984a: 6) e

    enfaticamente rejeitou a noo segundo a

    qual ele sugeriu que no havia voz para

    responder de volta contra a resistncia

    (SAID 2002: 1).

    A crtica de Said sobre a noo de

    agncia alimentou comentrios posteriores

    sobre a noo supostamente estril e passiva

    de Foucault acerca do poder, a qual,

    afirmou ele, falhou em analisar o motivo

    pelo qual o poder era obtido e mantido. A

    existncia de lutas de classe, guerras

    imperialistas e resistncias nos mostra que o

    poder permanece com governantes,

    monoplios e Estados: tal como afirma Said

    (1984b: 221), no possvel existir uma teia

    sem a aranha. Em funo disso, Foucault

    no conseguiu levar em considerao a

    intencionalidade e o esforo da histria,

    recusando-se a imaginar o futuro ao invs de

    analisar o presente, e deixou de considerar o

    espao de existncia alm do poder do

    presente (SAID 1984b: 245-7).

    Este posicionamento crtico foi

    mantido por Said em seus escritos

    posteriores. Em seu artigo obiturio

    dedicado a Foucault em 1984, Said

    respeitosamente enfatizou a influncia de

    Foucault e a forma como este intercalou

    poder e resistncia, embora tenha, ainda

    assim, condenado o pessimismo e o

    determinismo de suas ltimas obras (SAID

    1984a: 3, 6). O artigo de Said (1986) sobre

    a imaginao do poder em Foucault o

    exemplo de sua mais veemente rejeio das

    observaes de Foucault acerca da

    supostamente constante e infinita expanso

    do poder. Diferentemente das

    consideraes indignadas de Noam

    Chomsky acerca do que poderia derrotar as

    relaes de poder e suas postulaes

    utpicas acerca do que no poderia ser

    imaginado, afirmou-se que Foucault

    imaginou apenas o que poderia ser feito

    com o poder uma vez que este fosse

    possudo, e o que se poderia imaginar uma

    vez em posse do poder. Neste sentido, a

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    imaginao de Foucault, diferentemente da

    de Gramsci, foi concebida como indo ao

    encontro do poder, ao invs de ser contrria

    a ele. Paul Bov (1986 [2001) reiterou a

    rejeio a Foucault por Said, alertando para

    as consequncias imorais do sistema

    criado por aquele, o qual impedia o

    reconhecimento de resistncias, negava a

    imaginao de ordens alternativas e

    explicava todos os fenmenos sociais com

    base em uma estrutura de poder. A

    desconfiana de Said em relao nfase de

    Foucault na assimilao e aculturao foi

    reiterada em uma entrevista de 1986

    (SALUSINSZKY 1987, 137) e manteve-se

    intacta at 1993, quando Foucault foi

    retratado como o escrivo da vitria do

    poder (SAID, BEZZER & OSBOURNE

    1993 [2004]: 214).

    Said admitiu que seu Cultura e

    Imperialismo (1993) foi escrito no intuito

    de se opor aos efeitos negativos de Foucault

    no livro do qual era a sequncia,

    Orientalismo (SAID in SAID et al. 1993

    [2004]). Contrariamente impresso de um

    orientalismo que cresceu continuamente

    sem contestao, um mbito geogrfico

    maior e uma nfase na contestao do

    territrio permitiram que Said examinasse a

    contra-vontade de pessoas conforme o

    enquadramento da leitura cultural de

    Gramsci feita por Raymond Williams. Nos

    vinte anos que se seguiram aps seu artigo

    no peridico boundary 2, o Foucault da

    reversibilidade, da descontinuidade, da

    especificidade e da exterioridade foi

    deixado de lado perante o Foucault mais

    abstrato das relaes de poder-saber. Esta

    tendncia deixa de fazer justia relevncia

    e utilidade tanto dos primeiros trabalhos

    de Foucault como de seus escritos

    posteriores dedicados arqueologia, ao

    discurso e governamentalidade que esto

    passando atualmente por uma reavaliao

    para alm da rejeio de Said.

    Viajando com Foucault

    Said (1984b: 227) sustentou muito bem a

    ideia de que teorias viajam, tendo cada uma

    seus pontos de origem, uma distncia que

    percorrida, condies que so confrontadas

    e transformaes que ocorrem ao longo do

    caminho. Said levou Foucault tanto para

    Amrica, institucionalmente, como para o

    Oriente, teoricamente. Entre os dois locais,

    os escritos de Foucault infiltraram-se no

    campo emergente dos estudos ps-coloniais

    e foram inacreditavelmente influentes. Mas

    as teorias tambm viajam atravs do tempo.

    Como salientado anteriormente, Foucault

    viajou por diversos lugares que jamais havia

    imaginado, confrontou-se com condies

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    que no esperava, e ao longo do tempo foi,

    em certos casos, mais transformado do que

    se acredita. Ashcroft e Ahluwalia (1999: 82)

    admitiram que Said extraiu de Foucault

    apenas aquilo do que precisava (ver tambm

    GREGORY 2004b), o que resultou em um

    favorecimento ambivalente de autores e de

    uma literatura que por si mesma contraia o

    escopo para a resistncia. De fato, foi a falta

    de uma abordagem foucaultiana por parte

    de Said, ao invs de uma presena desta,

    que diminuiu o foco de sua ateno nos

    espaos no-representacionais do cotidiano,

    nos quais o vocabulrio subalterno de

    resistncia geralmente se encontra (ver

    SMITH 1994: 494). Tendo isto em vista, o

    campo da anlise de discurso colonial, o

    qual desempenhou um papel chave em

    estabelecer os estudos ps-coloniais,

    fomentou um preconceito acerca da

    mentalidade colonial e sua representao em

    relatos textuais (ver a nfase em fontes

    literrias em, por exemplo, ASHCROFT,

    GRIFFITHS & TIFFIN, 1989; BEHDAD,

    1994; LOWE, 1991; SLEMON, 1989;

    SPURR, 1993; SULERI, 1992).

    Driver (1992: 33) sugeriu que tanto

    Foucault em Vigiar e Punir como Said em

    Orientalismo foram mal interpretados,

    como se minimizassem a importncia da

    heterogeneidade dos discursos modernos,

    as controvrsias e resistncias que estes

    contm e a especificidade dos regimes

    discursivos. Entretanto, Young (2001: 407)

    sugeriu que a interpretao equivocada

    que Said fez de Foucault que torna seu

    prprio trabalho propcio a leituras

    igualmente equivocadas. Young demonstrou

    como Said veio a interpretar Foucault

    enquanto algum comprometido com a

    anlise da textualidade, retirando o discurso

    Orientalista de suas circunstncias materiais

    e soldando-o em representaes. O efeito

    desta leitura, tal como sustentou Young

    (2001: 389), pode ser rastreado atravs das

    crticas comuns da anlise do discurso

    colonial. Ele as discriminou da seguinte

    forma:

    Historicidade: a generalizao a

    partir de alguns poucos textos

    literrios que tendem a ser des-

    historicizados e des-situados em

    textos no discursivos.

    Textualidade: o tratamento de

    textos como documentos histricos,

    sem o acompanhamento de um

    inqurito histrico materialista ou

    uma compreenso poltica.

    Representao: se toda verdade

    representao, o que ento foi

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    271

    interpretado equivocadamente?

    Como o subalterno pode falar?

    Homogeneidade e determinismo:

    noes de discurso que anulam

    diferenas histricas e geogrficas e

    problematizam como pessoas se

    tornam sujeitos em tais discursos.

    Young sustentou que uma anlise mais

    leal Arqueologia do Saber negaria muitas

    das crticas delineadas acima. O modelo

    arqueolgico de discurso rejeita um estudo

    desencarnado de intertextos, de

    representaes e interpretao, favorecendo

    o estudo da emergncia prtica do saber na

    interface da linguagem e do mundo

    material. A anlise do discurso deveria,

    portanto, estar situada na zona de contato

    da materialidade, dos corpos, dos objetos e

    das prticas. Tal como a rede que vincula

    enunciados, objetos e sujeitos, os discursos

    devem ser fragmentados e heterogneos,

    embora sejam unificados por regras

    particulares que operam sobre todos os

    indivduos. Entretanto, estas regras

    implicam multiplicidade, e no

    uniformidade, de escolha e ao (tal como

    foi defendido por FOUCAULT, 1979:

    100).

    Em decorrncia disso, Young sustentou

    a ideia de que a concepo de discurso de

    Foucault , na verdade, antittica em

    relao a teorias ps-coloniais que

    pressupem uma voz subjetiva dos

    colonizados em contraposio a um

    discurso colonizador objetivo (ver tambm

    BRENNAN: 2000). Ao invs disso, os

    discursos so instveis e causam a

    proliferao de discursos subalternos, tanto

    como se falassem a partir de discursos

    coloniais externos ou enquanto crescentes

    contra-discursos em confrontao direta

    (ver tambm TERDIMAN 1985).

    Consequentemente, uma anlise do

    discurso colonial foucaultiana no seria to

    vulnervel s quatro crticas expostas acima,

    uma vez que estaria focada em usar o

    discurso para analisar a prtica colonial em

    regimes administrativos sucessivos (para

    uma abordagem como esta ver

    CHATTERJEE 1995: 24). Isto deixa a

    anlise do discurso colonial mais prxima

    dos trabalhos dedicados tanto

    governamentalidade colonial como a uma

    anlise geogrfica material.

    Re-materializando a Geografia Ps-Colonial

    A maior parte dos gegrafos tomar

    os argumentos de Young como reafirmao

    ao invs de revelao. Embora nem sempre

    referente a Foucault diretamente, mas

    muitas vezes em uma terminologia

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    foucaultiana, h uma tradio enraizada no

    seio da disciplina que reivindica um terreno

    material nas anlises ps-coloniais (ver

    CLAYTON 2004). Neil Smith (1994), em

    sua resenha de Cultura e Imperialismo,

    demonstrou que o comprometimento

    recente de Said com a resistncia era

    condicionado por sua leitura textual do

    discurso, consequentemente apresentando a

    luta pela descolonizao como um assunto

    literrio. Jane Jacobs (1996: x) tentou

    reorientar a nfase espacial na anlise de

    discurso colonial, indo da metfora para as

    geografias reais. Embora no menospreze

    as representaes textuais como meramente

    irreais, Jacobs identificou reminiscncias

    imperiais no apenas no interior do espao,

    mas tambm atravs dele e nas formulaes

    sobre ele. Foi na zona de contato da

    materialidade e das prticas que Jacobs

    buscou as geografias promscuas de

    habitao no lugar que ativaram passados

    coloniais em presentes ps-coloniais.

    Enquanto Clive Barnett (1997) reiterou o

    posicionamento daqueles que temiam uma

    reduo ao discurso, Driver e Gilbert

    (1998: 14) repetiram preocupaes com a

    natureza textual do trabalho geogrfico

    cultural ps-colonial e pronunciaram-se a

    favor de uma apreciao da herana imperial

    em diferentes tipos de espao urbano, fosse

    ele arquitetural, espetacular ou vivido.

    Lendo os trabalhos de Foucault

    sobre a funo poltica dos discursos, Alan

    Lester (1998, 2001, 2002) esteve na linha

    de frente da pesquisa emprica no apenas

    sobre as prticas materiais do domnio

    colonial, mas tambm sobre as funes dos

    discursos coloniais internacionais no sentido

    de criar redes. Ao conferir ateno a vrios

    locais em que poder e conhecimento

    estiveram intercalados, sua reflexo permitiu

    uma compreenso sofisticada do poder

    imperial de base, com todas as tenses e

    contestaes que isto envolvia. James

    Sidaway (2000, ver tambm SIDAWAY,

    BUNNEL & YEOH, 2003) retomou as

    demandas por um movimento que superasse

    o discurso e as representaes e

    contemplasse as prticas materiais, os

    espaos e a poltica reais, embora estes

    fossem todos fatores muito centrais em uma

    compreenso foucaultiana do prprio

    discurso. Mais alinhado aos trabalhos de

    Foucault, Cole Harris (2004) recentemente

    argumentou no sentido de um exame da

    desapropriao fsica dos colonizados ao

    invs de uma interpretao equivocada

    acerca destes.

    Junto a estas demandas por uma

    abordagem mais material, Cheryl McEwan

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    (2003) criticou a tendncia ps-colonial a

    separar discursos da experincia vivida,

    assim como sua ineficcia em propor

    solues e a forma pela qual privilegia teoria

    e cultura em detrimento das

    responsabilidades ticas e polticas. Em

    resposta, ela sugeriu a rematerializao do

    ps-colonialismo, explorando a natureza

    vivida da ps-colonialidade, e apoiou o uso

    de estratgias para relacionar o textual a

    questes de macro-escala. A unio entre o

    poltico-econmico, o tico e o material

    deveria criar oportunidades no presente

    para que o estudo ps-colonial, como

    insistiu Jacobs (2001), possusse efeitos

    contemporneos. Derek Gregory (2004a)

    demonstrou recentemente a capacidade da

    histria e da geografia cultural foucaultianas

    no sentido de interromper qualquer

    complacncia referente ao passado colonial.

    Em uma srie de anlises que contemplam o

    presente histrico-geogrfico colonial na

    Palestina, no Afeganisto e no Iraque,

    Gregory identificou as manifestaes

    violentas, fsicas e materiais das geografias

    imaginrias cultivadas ao longo de dcadas

    de administrao colonial. Estes discursos

    so ativados pelas vozes intencionais de

    perpetradores, comentadores e vtimas, e

    so marcados com o potencial intenso de

    contra-discursos no sentido de entrar em

    erupo no espao entre os enunciados em

    contradio dos discursos neo-coloniais.

    O que mais surpreendente no

    tocante ao trabalho de Said aps sua

    rejeio a Foucault no apenas em que

    medida ele mantm sua nfase geogrfica,

    mas o nvel no qual esta nfase se torna no

    somente imaginria, mas tambm

    governamental. Os corolrios se

    desenvolvem no apenas com a anlise do

    discurso colonial foucaultiana de Young,

    mas tambm com a aplicao colonial dos

    ltimos trabalhos de Foucault (1978 [2001];

    1979) sobre a governamentalidade e o

    biopoder. Embora em Orientalismo muitas

    instituies administrativas fossem

    reconhecidas como a terceira faceta do

    discurso orientalista, Said (1984b: 219)

    posteriormente exprimiu seu interesse nos

    escritos de Foucault (1980: 77) sobre

    Geografia; o controle de territrios, sua

    demarcao e o estudo dos exrcitos,

    expedies e territrios (ver tambm

    GREGORY, 1995). Neste ponto ele

    tambm expressou a necessidade de ir alm

    de um discurso puramente lingustico no

    apenas na trade composta por filologia,

    ontologia e instituies, apresentada em

    Orientalismo , mas tambm no que se

    refere burocracia colonial e seu potencial

    poder de vida e morte sobre o Oriente.

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    Este direcionamento foi mantido em

    Cultura e Imperialismo, apesar de seu

    textualismo insistente (contudo, para alguns

    exemplos de textos fundamentais de Said

    em contextos materiais, ver GREGORY,

    1995: 453). Exprimiu-se interesse sobre os

    verdadeiros fundamentos geogrficos sob

    o espao social e sobre as formas pelas quais

    projees geogrficas possibilitam a

    construo do saber (SAID, 1993: 93). As

    transformaes fsicas foram observadas,

    considerando-se desde o imperialismo

    ecolgico e a reconstruo urbana at a

    microfsica da organizao da interao

    cotidiana (1993: 132). Porm, o elemento

    geogrfico era tambm essencial para o anti-

    imperialismo, em primeiro lugar no sentido

    de imaginar a recuperao da perda e,

    posteriormente, a recuperao do territrio

    (1993: 271). Isso era parte da contnua

    reflexo de Said acerca da batalha pela

    geografia (SAID in SAID et al. 1994: 21), a

    qual foi reiterada em seus comentrios

    posteriores sobre memria e geografia

    (SAID 2000b). Nela, ressaltava-se que o

    prprio orientalismo dizia respeito ao

    mapeamento, conquista e anexao de

    lugares densamente habitados, habitveis,

    como parte de uma interminvel batalha

    pelo territrio e pela memria.

    Por volta do final da dcada de

    1990, Said defendia uma forma de pesquisa

    geogrfica que explorava o mbito variado

    de tticas governamentais utilizadas para

    ordenar o espao e as diversas formas de

    produo de memria que negociavam este

    espao. Tais escritos no podem ser

    considerados como independentes de seu

    compromisso e envolvimento com a causa

    palestina, os quais nem sempre constaram

    em sua reflexo terica (ver GREGORY,

    1995; SAID, 2000b). O Subaltern Studies

    Group (SSG) tambm produziu um material

    teoricamente sofisticado que permaneceu

    orientado pelo presente. Said (1988)

    elogiou o SSG enquanto coordenado pelo

    seu editor Ranajit Guha, por seu inovador

    trabalho com arquivos e pela busca de

    histrias da no-elite, tanto em escritos da

    elite como em textos triviais e cotidianos.

    Posteriormente, Said reconheceu este nvel

    de pesquisa como, talvez, mais importante

    do que o nvel de representaes que ele

    prprio preferia:

    Agora h um curso de

    tradio subcultural, por

    exemplo, como mostraram

    Guha e os demais, h todo

    um escopo de escrita colonial

    que no artstica, mas

    administrativa, investigativa,

    relatada, relacionada a

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    condies do terreno,

    relacionada com interaes

    dependentes do informante

    nativo. Tudo isso existe, no

    h como questionar. Eu

    estava tentando delinear um

    talvez menos importante,

    porm, em meu

    entendimento, mais amplo

    quadro de um certo tipo de

    estabilidade. (SAID 2002: 7)

    Os Subaltern Studies: de Gramsci

    Governamentalidade _________________

    Ranajit Guha (1982) estabeleceu as

    sries de publicaes dos Subaltern Studies

    em uma tentativa de conferir crdito e

    autonomia s classes camponesas da ndia

    enquanto uma parte ativa e politizada da

    populao; a no-elite. Ainda que a noo

    gramsciana de subalterno tenha sido

    posteriormente entendida, partindo do

    conceito de classe ou de militares para os de

    raa, sexualidade, casta ou linguagem, a

    nfase permaneceu em detalhar a existncia

    de aes que no poderiam ser

    teleologizadas em uma narrativa colonial,

    nacionalista ou marxista. Ao longo de mais

    de 20 anos, a literatura produzida pelos

    autores dos Subaltern Studies convergiu

    para alguns temas ps-coloniais,

    apresentando um uso cada vez maior de

    Said, mas um declnio das origens

    radicalmente marxistas, direcionando-se

    mais ao que poderia ser reconhecido como

    um esprito de Marx (CHATURVEDI,

    2000: vii) em trabalhos posteriores.

    O esprito de Foucault

    Partha Chatterjee trabalhou

    consistentemente no intuito de alinhar o

    SSG aos escritos de Foucault e Said.

    Embora sua contribuio inicial

    (CHATTERJEE, 1983) aborde a transio

    do feudalismo para o capitalismo e as teorias

    de Marx sobre propriedade, este trabalho

    foi apresentado como uma anlise dos

    modos de poder e terminou com uma

    defesa da compreenso capilar e

    corporificada de Foucault no que se refere

    s relaes de poder. Contudo, demarcando

    a aplicao qualificada de teorias ocidentais

    na ndia que caracterizaria o trabalho do

    SSG, Chatterjee afirmou que o poder

    moderno no Terceiro Mundo intercalava-

    se com modos mais antigos de controle,

    assim como com formaes de Estado

    diferentes daquelas encontradas na Europa

    (para um exemplo de reiterao desta viso,

    ver CHATTERJEE , 1995: 8).

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    276

    Tendo lido Said pela primeira vez

    em 1980 (CHATTERJEE, 1992: 194),

    Chatterjee (1984) aplicou suas teorias no

    caso indiano conforme afirmou que os

    prprios nacionalistas operavam dentro de

    discursos orientalistas e se valiam de

    esteretipos orientalistas. Em funo disso,

    a estrutura representacional do pensamento

    nacionalista correspondia muitas vezes

    estrutura de poder que tentava repudiar. O

    trabalho de David Arnold sobre a fora de

    polcia de Madras aplicou o trabalho de

    Foucault (1977) no caso indiano,

    observando a remoo de intermedirios

    sociais, a vigilncia e a disciplina da fora

    em si, bem como a crtica poltica da polcia

    como sendo reconhecidas como

    antinacionais durante o movimento de no-

    cooperao (ARNOLD, 1984). Trabalhos

    posteriores dedicados a medidas anti-pragas

    demonstraram que as tentativas de iniciar

    uma interveno estatal em massa entre

    1890 e 1930 foram recebidas com uma

    resposta hostil, e no de forma passiva ou

    dcil (ARNOLD, 1987). Esta reao ops-

    se latente demanda por um poder maior

    sobre o corpo, tal como exprimida em

    regulamentos acerca da imolao de vivas,

    castigos e medicina. No trabalho posterior

    de Arnold (1994) tambm constava uma

    investigao acerca das prises coloniais

    enquanto espaos vividos, mas, tambm,

    enquanto espaos abstratos para a obteno

    de saberes sobre os corpos indianos.

    Este uso de Foucault foi, eu

    afirmaria, evitado e redirecionado por uma

    mudana que ocorreu na metade da dcada

    de 1980. Isto marcou uma virada em direo

    noo de discurso tal como vinha sendo

    cada vez mais definida pelos estudos ps-

    coloniais, ao invs de aproximar-se da noo

    original de Foucault. A ruptura foi iniciada

    por um debate sobre a validade

    epistemolgica do subalterno enquanto um

    sujeito autnomo da histria. Spivak (1985:

    338) sustentou que a tentativa de descobrir

    ou estabelecer a conscincia de um

    campons ou de um subalterno era

    positivista, denotando uma nica e

    subjacente conscincia. Ela reivindicou que,

    no lugar desta jornada romntica, deveria

    haver um levantamento do efeito-

    subalterno, o n a constituir a fibra do

    tecido, fosse ele poltico, econmico,

    histrico ou lingustico, e que conferiu

    efeito ao sujeito em questo. O fato de que

    um conceito estrategicamente essencialista

    poderia ser necessrio para atar este n era

    aceito como um risco vlido para o interesse

    poltico do projeto do SSG. Este argumento

    foi confirmado por Rosalind OHanlon

    (1988), que criticou a permanncia de um

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    277

    sujeito humanista junto ao crescente uso de

    teorias anti-humanistas e ps-estruturalistas.

    O fato de Guha ter se aposentado, em

    1988, anunciou uma maior adeso, dentro

    do grupo, teoria ps-moderna, assim

    como uma virada em direo construo

    discursiva do (efeito) subalterno.5

    No entanto, a noo de discurso

    aqui citada foi muito mais influenciada pelas

    leituras que Spivak fez de Derrida do que

    de Foucault. Spivak (1985: 330) definiu o

    SSG como um projeto dedicado a

    confronto e mudana, mas esta era uma

    mudana em sistemas simblicos que

    classificavam, por exemplo, o crime como

    insurgncia. Estes eram deslocamentos

    discursivos que inventariaram pessoas ou

    eventos enquanto significantes polticos.

    Tendo isto em vista, afirmava-se que o SSG

    examinaria o socius como uma cadeia de

    sinais na qual a ao demarcaria a quebra

    desta corrente. Entretanto, nesta

    abordagem, todas as tentativas de

    deslocamento implicariam falhas devido

    amplitude de organizao colonial e falta

    de xito da burguesia indiana no sentido de

    politizar o campesinato. O foco a partir do

    quarto volume do Subaltern Studies (1985),

    consequentemente, foi deslocado para a

    anlise da diferena do subalterno que

    emergiu no seio de discursos de elite

    (PRAKASH, 1994). Chatterjee (1986), por

    exemplo, demonstrou como a agncia de

    pessoas comuns foi apropriada pela elite

    nacionalista, deixando-as como fragmentos

    silenciados de uma nao em via de

    fortalecimento (CHATTERJEE, 1993). Este

    movimento historiogrfico de fato produziu

    uma leitura inovadora das fontes referentes

    a vestgios e esteretipos subalternos, ainda

    que o resultado final visado fosse falho. O

    textualismo e o pessimismo poltico que

    resultaram desta abordagem foram

    recentemente contestados, mas isto se deu

    dentro de um quadro de compreenso

    segundo o qual os estudos subalternos

    seriam configurados enquanto uma forma de

    crtica ps-colonial.

    Gyan Prakash (1990) situou os

    subaltern studies enquanto uma histria

    ps-fundacional. Ele afirmou que eles

    haviam superado as representaes da ndia

    como passiva e isolada encontradas em

    textos orientalistas , ou da ndia

    essencializada e autnoma recorrentes em

    textos nacionalistas. Ele tambm criticou as

    noes essencialistas de estudos de rea e

    antropolgicos, assim como as explicaes

    estruturais de historiadores sociais e

    marxistas para o desgosto de OHanlon e

    Washbrook (1992). Opondo-se a estas

    tradies, e alinhado ao postulado de Said

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    no sentido de rejeitar, e no apenas

    reverter, as categorias coloniais, o

    levantamento feito pelo SSG das posies

    de sujeitos mltiplos e mutveis foi

    considerado como totalmente ps-

    fundacional e ps-colonial (PRAKASH

    1994).

    O SSG esteve sobre constante

    ataque, oriundos tanto de dentro como de

    fora da ndia (CHATURVEDI 2000).

    Talvez uma das crticas mais provocativas

    tenha vindo de Sumit Sarkar (1996 [2000]),

    que havia sido membro da equipe editorial e

    contribudo com as sries de publicaes.

    Sarkar lamentou o declnio no estudo de

    grupos desprivilegiados e decorrente

    aumento de estudos sobre relaes de

    poder-saber do colonialismo, os quais

    frequentemente concebiam a comunidade

    religiosa como a conscincia do no-

    Ocidente. Sarkar criticou Chatterjee por

    remover a agncia das massas e da

    intelligentsia, dentre as quais a ltima seria

    composta apenas por meros sujeitos de um

    discurso derivado do nacionalismo e do

    orientalismo europeus (para comentrios

    acerca da viso pessimista de Chatterjee no

    tocante ao destino de mulheres no

    movimento nacionalista, ver LEGG 2003).

    Enquanto muitos crticos explicaram

    qualquer essencialismo no seio do SSG

    como um marxismo residual, Sarkar reiterou

    a habilidade da anlise scio-econmica no

    sentido de fraturar noes essenciais de

    identidade. Contudo, os autores dos

    Subaltern Studies tm cada vez mais

    retornado obra de Foucault,

    especialmente em seus escritos dedicados

    ao governo, no intuito de buscar novas

    formas de enquadrar e pesquisar a agncia

    subalterna. Mais uma vez, este retorno para

    o material e para o biopoltico foi previsto

    por toda uma linha de pesquisa geogrfica

    ps-colonial.

    Espaos de biopoder

    Para alm das reivindicaes tericas por

    uma rematerializao, muitos gegrafos se

    especializaram em pesquisas empricas que

    reforaram o desenvolvimento ps-colonial

    e a elaborao das teorias de Foucault.

    Jonathan Crush (1994), por exemplo,

    combinou teorias do panoptismo com

    outras referentes aos regimes de trabalho

    capitalistas para analisar os compostos de

    minas da frica do Sul. Neste caso, a

    arquitetura foi usada no intuito de ampliar a

    visibilidade ao longo de um espao

    delimitado, embora formas culturais de

    resistncia tenham proliferado em resposta

    a isso, atravs da produo do licor, do

    comportamento hiper-masculino ou do

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    contrabando de medicamentos proibidos,

    por exemplo. De maneira semelhante, James

    Duncan (2002) examinou as tentativas de

    produo de espaos e corpos abstratos nas

    plantaes de caf em Ceylon. No entanto,

    os trabalhadores estiveram comprometidos

    no apenas com a resistncia atravs da

    insubordinao ou da fuga, mas tambm

    explorandoas fraturas no espao abstrato;

    minimizando a produo, simulando

    doenas, e construindo redes de contra-

    vigilncia para indicar os momentos em que

    o olhar colonial estaria despreparado para

    vigiar trabalhadores. Jennifer Robinson

    (2000) tambm se concentrou no olhar

    corporificado, analisando o caso dos

    gestores de moradia da frica do Sul na

    dcada de 1930. Afastando-se do

    vocabulrio masculino de muitos relatos do

    panoticismo, Robinson demonstrou que o

    olhar investigativo colonial apresentou a

    forma de uma investigao amistosa e

    feminina, forjando relaes por cima das

    fronteiras raciais. Com efeito, em casos no-

    institucionais, a forma do poder parecia

    mais liberal, dominando a distncia e atravs

    de poderes de liberdade.

    Os escritos de Foucault acerca da

    governamentalidade mostraram-se profcuos

    para os gegrafos por uma srie de razes.

    Primeiramente, eles apresentam um

    programa analtico para a investigao de

    regimes modernos de governo

    (FOUCAULT 1978 [2001]). Isto pode

    ocorrer mediante as categorias individuais

    de episteme, identidade, visualidade, techn

    e ethos (DEAN 1999; ROSE 1996), ou com

    base em uma busca, atravs destas

    categorias, por evidncias de uma mudana

    de regime (LEGG 2006b; WATTS 2003).

    Em segundo lugar, a literatura se refere a um

    modo de poder que ultrapassou os regimes

    de poder de soberania e disciplina embora

    mantenha caractersticas destes , chegando

    ao regime do governo regulatrio. A

    regulao envolve a coleta de informaes

    sobre pessoas e territrios, calculando e

    classificando este saber, e exerccio do

    poder distncia no intuito de normatizar e

    estabilizar uma determinada populao.

    A primeira tarefa o que cada vez

    mais chamou a ateno de Said,cujas

    geografias foram investigadas por Matthew

    Hannah. Na dcada de 1870, o governo dos

    Estados Unidos buscou aumentar seu saber

    acerca da populao de nativos americanos

    Sioux, mediante um ciclo social de controle

    relacionado a observao, julgamento e

    capacidade de efetivar o poder estatal

    (HANNAH 1993). As tentativas de

    estabelecer os Sioux em apenas um lugar

    apenas ampliaram a conscincia

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    280

    governamental acerca do quo pequeno era

    o escopo de informaes que possuam

    sobre este povo e do quo problemtico

    seria efetuar um censo. O censo foi um dos

    principais meios de estabelecer

    enquadramentos de saber-poder em

    territrios sobre os quais se possua um

    conhecimento ainda nebuloso. O estudo de

    Hannah (2000) acerca da extenso dos

    inventrios de populao efetuados nos

    Estados Unidos ilustra como as naes

    colonizadoras europeias compartilharam

    tcnicas de maneira muito prxima com

    Estados ps-coloniais internamente

    colonizadores.

    No caso da Columbia Britnica,

    Daniel Clayton (2000) examinou os

    processos de interao cultural, modos de

    representao e relaes de poder locais

    durante os embates com nativos ocorridos

    no Oeste, entre as dcadas de 1770 e 1840.

    Clayton examina justamente em que medida

    as ideias eurocntricas de Foucault podem

    ser vinculadas a reas perifricas, mediante

    um rastreamento genealgico de relaes

    atravs de trs fases de embate, estruturadas

    com base em relaes de cincia, lucro e

    geopoltica imperial. Seguindo o trabalho de

    Clayton, Cole Harris (2004) demonstrou

    como os nativos foram alocados em espaos

    de reserva, o que consequentemente

    permitiu a reorganizao e o

    desenvolvimento externos a essas reas.

    Embora a desapropriao tenha sido

    baseada na violncia fsica do estado tal

    como encorajada por interesses capitalistas,

    a legitimao do regime foi cultural, ao

    passo que o real gerenciamento dos nativos

    desalojados foi disciplinar, combinando

    todo o espectro das tticas governamentais.

    Bruce Braun (2000) tambm utilizou o

    contexto canadense para estender os

    vnculos entre as cincias fsicas e a

    governamentalidade do Estado vitoriano.

    Embora por vezes fisicamente

    violento ou autoritariamente disciplinar, os

    Estados coloniais e ps-coloniais tambm

    buscaram governar, o que foi o

    desdobramento final de muitos dos

    processos apontados acima. Robinson

    (1997) demonstrou que o apartheid na

    frica do Sul perdurou por tanto tempo

    porque manipulou as populaes atravs de

    localizaes que segregaram diferentes

    sub-grupos que poderiam ser governados

    atravs de seus representantes. Estas

    manipulaes biopolticas visaram

    normatizar populaes com base em seus

    comportamentos, enquanto as mantinham

    em lugares visveis e controlveis. Todavia,

    os pressupostos identitrios de regimes

    biopolticos em contextos coloniais

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    281

    frequentemente no se encaixavam com as

    pressupostos de Foucault acerca do

    liberalismo moderno ou com os extremos

    genocidas do Estado nazista ou stalinista.

    Ao invs disso, como sugeriu Gregory

    (1998: 85-86), os povos colonizados foram

    muitas vezes tratados como objetos, e no

    sujeitos, de domnio em sistemas menos

    individualizantes que aqueles da Europa

    (ver tambm CHATTERJEE, 1995:8 e

    VAUGHAN 1991), o que culminou em

    clculos que frequentemente priorizaram o

    custo e a ameaa poltica em detrimento do

    bem-estar, embora tais clculos tenham sido

    um material perfeito para crticas no s da

    violncia colonial ou intromisso, mas de

    sua m administrao ativa (LEGG 2006a;

    2007).

    Tal como argumentou Stoler,

    polticas sexuais foram centrais para o

    Estado colonial e demarcaram o ponto

    central do biopoder, articulando disciplina

    e governo. Explorando estas interseces,

    Mike Kesby (1999) utilizou os escritos de

    Foucault sobre sexualidade para explorar

    demarcaes corpreas do espao patriarcal

    no Zimbbue rural, de forma a compreender

    aquelas que influenciaram as autoridades

    coloniais no sentido de saber com quem e

    de que maneira deveriam negociar. Philip

    Howell (2004a) tambm afirmou que

    Foucault pode ser usado nas colnias de

    acordo com seu trabalho sobre o biopoder,

    a normatizao e a ordenao do espao.

    Todos estes elementos apresentam-se

    juntos em sua investigao sobre a

    regulao da prostituio na Hong Kong

    colonial. Neste caso, ele esclarece que os

    modelos europeus baseados em sujeitos que

    disciplinam a si mesmos no foram

    aplicveis e deram lugar objetificao

    racial e segregao geogrfica de um

    Estado relutantemente expansivo (ver

    tambm HOWELL 2004b). Os temas da

    disciplina, biopolticas e governo proveram

    informaes a todo um mbito de trabalho

    de autores associados ao SGG e outros

    dedicados ao estudo da sia Sul.

    Negociaes subalternas de espaos

    governamentais

    David Arnold consolidou seu

    trabalho sobre a biopoltica colonial atravs

    da publicao de Colonizing the Body

    (ARNOLD 1993), o qual explorou a

    expanso das prticas mdicas europeias,

    sua recepo ponderada por parte das

    populaes indgenas e a forma pela qual

    foram imbudas de sentido, representando

    mais do que simples prticas de sade.

    David Scott (1995) investigou a

    governamentalidade colonial enquanto

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    teoria e prtica em Ceylon / Sri Lanka.

    Scott enfatizou a necessidade de se

    examinarem os alvos do domnio, como eles

    foram concebidos e os meios utilizados para

    conduzi-los atravs do espao, enquanto

    simultaneamente considerou os efeitos das

    distines de raa e religio sobre estas

    desenvolvidas tecnologias europeias de

    controle.

    A mais minuciosa aplicao da

    abordagem da governamentalidade colonial

    foi fornecida por Gyan Prakash (1999).

    Prakash analisou estruturas cientficas e

    regulaes enquanto estratgias

    civilizatrias que tinham a populao

    como alvo, ainda que tenham aberto,

    durante o processo, uma esfera de atividade

    poltica na qual nacionalistas puderam

    desafiar o governo. Estes processos foram

    localizados atravs de uma variedade de

    escalas geogrficas, indo das instituies do

    museu e da Asiatic Society ao corpo,

    trabalhos cvicos e a imaginao da prpria

    nao. Satish Deshpande (2000) tambm

    adaptou o trabalho de Foucault nao

    indiana, analisando as aspiraes do

    comunalismo Hindu como uma heterotopia

    que tenta mediar o utpico e o real.

    O escopo de prticas no interior da

    estrutura da governamentalidade aumenta

    proporcionalmente o escopo transversal

    pelo qual se pode procurar resistncia. Isto

    pode operar a partir de um nvel de

    processos sociais ou econmicos, indo at o

    nvel de tecnologias locais e corpos. Spivak

    (2000) uniu o internacional e o corporal ao

    sugerir que o novo subalterno

    posicionado por organizaes como o

    Banco Mundial ou corporaes

    multinacionais enquanto propriedade

    intelectual, seja em termos de saber agri ou

    herbicultural. Dispesh Chakrabarty e Partha

    Chatterjee, todavia, observaram, ao invs

    disso, a forma atravs da qual categorias

    governamentais so vividas e negociadas por

    populaes subalternas.

    Chakrabarty (2002), em seu livro

    Habitations of Modernity: Essays in the

    Wake of Subaltern Studies, investigou as

    razes governamentais da etnicidade

    moderna. Identificando de que forma as

    noes de raa explicadas por Foucault e

    Stoler tendem a ser vistas como externas na

    ndia, Chakrabarty identifica os vnculos

    entre as vises internas de comunidade e

    casta e os processos de etnicidade e

    governo. O trabalho sobre

    governamentalidade utilizado para

    examinar a estruturao da imaginao

    poltica da ndia colonial e a fundao de

    categorias cujo tempo de vida atravessou o

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    da administrao, e que continham as

    sementes da violncia.

    Chatterjee (2004) produziu um

    sofisticado relato da negociao efetuada

    pelos prprios governados no que se refere

    s polticas populacionais. Em seu trabalho,

    a poltica localizada no apenas como o

    resultado de ideais universais de

    nacionalismo cvico, mas tambm enquanto

    a absoro cultural de categorias

    mobilizadas por racionalidades

    governamentais. Contrariando seu

    pessimismo inicial, Chatterjee mantm

    esperana contra tecnologias

    governamentais sendo meramente

    instrumentos de domnio de classe em uma

    ordem capitalista global. Ele afirma que ao

    buscarem encontrar espaos ticos reais

    para sua operao em tempo heterogneo,

    as resistncias incipientes a esta ordem

    podem ter xito em inventar novos termos

    de justia poltica (CHATTERJEE 2004:

    23). O argumento que, hoje, a maior parte

    das pessoas na ndia possui direitos frgeis e

    no parte da elite da sociedade civil. Isso

    ocorre apesar de ainda permanecerem

    dentro do alcance do governo, atravs de

    polticas que visam a sociedade poltica do

    subalterno. Chatterjee sugeriu que estas

    tticas emergiram ao longo da dcada de

    1980, apesar de insinuar suas origens

    coloniais em um trabalho anterior

    (CHATTERJEE 2001, 175). No interior

    deste espao, os grupos populacionais

    podem reivindicar os direitos de uma

    comunidade e uma voz que ascende a partir

    da violao das leis de propriedade e das

    regulaes cvicas que so to centrais para

    a ordem governamental. Mediadores so

    empregados no intuito de barganhar com o

    estado por concesses que so oferecidas

    devido aos direitos da sub-populao, no

    enquanto cidados, mas atravs de sua

    existncia enquanto seres vivos.

    Embora Chatterjee no utilize estes

    termos, eu sugeriria que o subalterno que

    ele tem como foco um que transita

    prematuramente entre as posies de zoe (o

    simples fato de existir) e de bios

    (comportamento normatizado e direitos

    individuais). Georgio Agamben (1998)

    abordou os trabalhos de Foucault para

    traar a genealogia do homo sacer, o sujeito

    to desprovido de direitos que ele (sic, na

    linguagem generificada utilizada por

    Agamben) pode ser sacrificado sem

    penalidade; ele/ela uma vida despida.

    Agamben identifica os estados de exceo

    nos quais o homo sacer foi produzido,

    desde a Roma Antiga at Auschwitz, e que

    Derek Gregory (2004a) estende Palestina,

    ao Iraque e ao Afeganisto. Entretanto, ao

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    continuar a afirmar sua compreenso do

    campo enquanto nomos da modernidade,

    Agamben de fato se enquadraria no

    pessimismo e no determinismo pelo qual

    Foucault foi criticado? Que outras reaes

    poderia haver para o estado de exceo? E

    se os sujeitos nele to expostos fossem

    reincorporados e sua exposio demandasse

    a restituio de direitos em um estado de

    recepo? Chatterjee v esperana nas

    polticas de objetificao. A Emergncia

    Indiana dos anos 1970 representou um

    excepcional despir biopoltico do pobre

    urbano, negando a ele, atravs da

    esterilizao, o direito de reproduo

    biolgica. Contudo, as demolies e mortes

    no Portal Turkman de Delhi, tal como nos

    lembra Chatterjee (2004: 135), culminaram

    em um clamor de mbito nacional, assim

    como proteo judicial para os pobres, e

    contriburam para a queda do governo de

    Indira Gandhi.

    Em uma colaborao

    transdisciplinar, Corbridge, Williams,

    Srivastava e Vron (2005) trouxeram

    detalhes acerca da poltica que Chartterjee

    descreve, ao mesmo tempo em que

    sustentaram a esperana deste contra a

    objetificao por meio de um estudo

    emprico. Eles fazem isto conforme

    explicam detalhadamente como os

    subalternos rurais veem e negociam o

    Estado. Com base na assertiva de Foucault

    segundo a qual as tcnicas governamentais

    fazem o Estado tanto quanto so por ele

    utilizadas, Corbridge et al. demonstram de

    que forma as populaes marginais

    encontram o Estado, seja personificado em

    administradores ou atravs de iniciativas dos

    conjuntos de medidas da sociedade

    poltica. As polticas de desenvolvimento

    dos anos 1990 passaram a ressaltar, cada vez

    mais, a participao como um meio de

    conduzir a conduta e facilitar a auto-ajuda

    que levou o Estado a ingressar em novas

    formas de contato pessoal com sua

    populao. Neste quadro, ele deveria

    negociar redes de poder local, mal-

    entendidos, valores de autoridade,

    corrupo e a resistncia mobilizada a partir

    de mediadores locais. Os estudos de caso

    mostram que a maior parte das pessoas de

    fato experimenta um Estado limitado e

    volvel, e exige garantias e informaes

    mais abrangentes antes de se comprometer

    com as polticas por ele sugeridas. Esta

    abordagem corretamente pressupe a

    resistncia e a agncia como centrais para as

    racionalidades governamentais, que

    precisam forjar espaos de conexo entre a

    centralidade estatal e as populaes

    marginais, ao mesmo tempo em que se

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    mantm sensveis cultura e poltica do

    local. no interior de tal quadro de

    negociaes governamentais do econmico,

    do biopoltico e do social que as pesquisas

    vigentes esto aplicando a teoria

    foucaultiana aos historicamente

    condicionados embora urgentemente

    contemporneos momentos do ps-

    colonial.

    Concluses_________________________

    As tendncias vigentes na pesquisa ps-

    colonial, tanto internas quanto externas

    disciplina geogrfica, esto levando a cabo o

    exame minucioso e em diferentes escalas de

    locais materiais que abrem espaos para

    considerar as atividades dos subjetivados e

    dos subalternos. No nvel no-

    representacional do vivido, possvel

    rastrear discursos tal como Foucault os

    descreveu; ou seja, enquanto a produo

    material e corprea do saber e da prtica.

    Tal como Said sugeriu em seu trabalho

    posterior, e em seu ativismo poltico ao

    longo de sua vida, isto exige o exame do

    trabalho ps-colonial sobre o terreno, assim

    como em geografias imaginrias. Embora

    sua virada em direo resistncia

    permanea restrita ao nvel

    representacional, a literatura dos Subaltern

    Studies lutou no sentido de localizar esta

    resistncia no territrio fsico, ao mesmo

    tempo em que, simultaneamente, observou

    a produo discursiva dos oprimidos. A

    srie de palestras Em defesa da sociedade

    de Foucault (1975-76 [2003]) foi concluda

    com uma discusso sobre a biopoltica aps

    se ater categoria de raa, mas de fato

    comeou com palestras sobre saberes

    subjugados e o poder de memria. Tal

    como urgiu no fim de sua vida, sem dvida

    em reao s acusaes de pessimismo

    poltico, a resistncia e a configurao local

    deveriam ser reconhecidas em todas as

    relaes de poder. neste nvel de

    realizao e mobilizao que a pesquisa

    geogrfica sobre o ps-colonial mostrou-se

    superior. Se, como sugere Chakrabarty, a

    Europa permanece o assunto soberano de

    boa parte da histria ps-colonial, o

    regicdio historiogrfico deve ser levado em

    frente mediante uma combinao das tticas

    descritas acima: uma prtica acadmica

    cosmopolita e sensvel; uma geografia em

    sintonia com relaes de poder, tanto

    materiais como textuais; a pesquisa de

    modos de poder compatveis, embora

    diferentes, em escalas variadas; e,

    finalmente, uma conscincia da agncia e da

    resistncia dos indivduos que podem ser o

    alvo do governo, em regimes capitalistas,

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    nacionalistas ou comunais, mas que nunca so totalmente por eles constitudos.

    Notas ____________________________________________

    * Texto originalmente publicado como captulo no livro

    CRAMPTON, J. W. e ELDEN, S. (2007) Space, Knowledge and

    Power. Foucault and Geography. Great Britain. Ashgate.

    Traduo de Daniel Dutra.

    ** Associate Professor, University of Nottingham, School of

    Geography.

    1 Utilizo o temo ps-colonial para me referir interao entre

    populaes colonizadas e colonizadoras a partir de um primeiro

    contato, embora isto no precise ter sido necessariamente face a

    face, como ocorrido no contato mediado em redes comerciais. O

    termo engloba, portanto, as experincias de ambos os grupos,

    durante e aps o perodo de domnio formal, caso tenha havido

    um. Ver Gandhi (1998, 3-4) para uma discusso acerca do termo.

    2 A traduo ainda em curso dos cursos de conferncias de

    Foucault promete adicionar muito, contudo, leitura ps-colonial

    de sua obra. Ver referncias em Psychatric Power (FOUCAULT

    [1973-74] 2006, captulo quatro) e, especialmente, Security,

    Territory, Population (FOUCAULT no prelo-b).

    3 Contra isto, no pude encontrar referncia alguma a Said nos

    trabalhos de Foucault, a despeito de uma breve correspondncia

    subsequente publicao de Orientalismo (SALUSINSZKY

    1987: 136) e um encontro em 1979 no apartamento de Foucault,

    onde Said pde notar seu Beginnings (1975) na estante (SAID

    2000a).

    4 Esta mudana tambm pode ser atribuda a diversos fatores

    pessoais. Muitos dos membros do SSG, por exemplo, adquiriram

    compromissos familiares e institucionais que impediam longas

    viagens de pesquisa em arquivos e favoreciam a anlise textual, ao

    passo que a abordagem anterior j havia ocupado alguns

    contribuidores por uma dcada (Dipesh Chakrabarty,

    comunicao pessoal.

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