143. Mímesis e mora negativa no pensamento de Theodor Adorno

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES- CH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO EM FILOSOFIA CMAF PRISCILLA PONTES BEZERRA MÍMESIS E MORAL NEGATIVA NO PENSAMENTO DE THEODOR ADORNO FORTALEZA-CEARÁ 2015

Transcript of 143. Mímesis e mora negativa no pensamento de Theodor Adorno

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES- CH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO EM FILOSOFIA – CMAF

PRISCILLA PONTES BEZERRA

MÍMESIS E MORAL NEGATIVA NO PENSAMENTO DE THEODOR ADORNO

FORTALEZA-CEARÁ

2015

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PRISCILLA PONTES BEZERRA

MÍMESIS E MORAL NEGATIVA NO PENSAMENTO DE THEODOR ADORNO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Filosofia – CMAF da Universidade Estadual do Ceará – UECE, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Filosofia. Área de concentração: Ética Fundamental

Orientador: Prof. Dr. Antônio Glaudenir Brasil Maia

FORTALEZA-CEARÁ

2015

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À minha tão pequena, unida e singela

família: meus pais, minha irmã e meu

esposo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus, àquele que me concedeu o dom da vida e que

embora minha pouca fé, estás sempre a conduzi-la à sua maneira.

Aos meus pais, Elis Regina e Filomeno, pelo incentivo constante durante toda minha

vida escolar, ainda aguardando com zelo meu regresso à casa, como nos tempos de

criança. Eles sabem o quanto essa conquista é importante para nós. À minha irmã

Geise, pelo incentivo e pelas vezes que me abrigou em sua casa.

Ao meu amado esposo Fágner, pela paciência, companheirismo e por me fazer

acreditar em mim, quando por vezes pensei que não conseguiria concluir essa

etapa.

Ao apoio de meus sogros, Francisco e Antônia, que acompanharam ansiosos as

etapas desse processo.

À minha amiga e cunhada Aleksandra, também incentivadora, agradeço o

acolhimento em sua casa em Fortaleza, durante o mestrado.

Ao estimado Prof. Dr. Antônio Glaudenir Brasil Maia, por sua orientação, paciência e

atenção ao meu trabalho sempre enriquecendo-o.

Ao Prof. Dr. João Emiliano Fortaleza de Aquino por suas indicações de leitura e

alguns direcionamentos na execução da pesquisa.

Ao Prof. Dr. Evanildo Costeski, por aceitar avaliar esse trabalho e assim contribuir

para o mesmo.

Aos professores do curso de Filosofia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, por

despertarem o interesse em prosseguir os estudos nessa área.

Aos professores do Mestrado Acadêmico em Filosofia (CMAF), pelo conhecimento

repassado.

À FUNCAP, pelo apoio financeiro para realização dessa pesquisa.

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“Dorme tranquilo/ fecha os olhinhos/ouve a chuva cair/ouve o cãozinho do vizinho latir./ O cãozinho mordeu o homem,/ rasgou a roupa do mendigo,/ o mendigo corre para o portão,/ dorme tranquilo.” A primeira estrofe da canção de ninar de Taubert é de fazer medo. E, todavia, suas duas últimas beatificam o sono como promessa de paz. Mas isso não se deve de todo à dureza burguesa, ao sentimento reconfortante, de que o intruso foi repelido. A criança adormecida quase esqueceu o estranho expulso, que no livro de canções de Schott parece um judeu, e pressente no verso ‘o mendigo corre para o portão’ uma tranquilidade sem a miséria alheia. Enquanto existir um único mendigo, lê-se no fragmento de Benjamin, existirão mitos; só a desaparição do último deles significaria a reconciliação do mito. (...) A desaparição do mendigo não seria no fim das contas, uma reparação do que foi infligido e que não pode mais ser reparado? Não há em toda perseguição perpetrada pelos homens, que, com seu cão, atiçam toda natureza contra o mais fraco, a esperança oculta de que sejam suprimidos os últimos vestígios de perseguição, que é ela mesma parte da natureza? (...) ‘Agora podes ficar tranquilo, o mendigo já encontrou onde pousar.’”

Theodor W. Adorno, 1993, p.175

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RESUMO

A presente dissertação pretende investigar a possibilidade de um discurso moral a

partir do pensamento do filósofo Theodor W. Adorno. Para tanto, serão analisados

trechos de importantes obras do autor: Dialética do Esclarecimento (1985) e

Dialética Negativa (2009). O intuito é apresentar uma possível preocupação moral

do autor nas entrelinhas de sua crítica à racionalidade instrumental. Nesse itinerário,

a pesquisa se ancora na ideia de que o princípio do não-idêntico, apresentado pelo

autor como premissa para romper com a força da identidade totalitária, é base da

construção desse discurso que leva a afirmação da componente mimética da razão

como artifício capaz de rememorar a natureza intrínseca dos sujeitos e colocá-los

em contato com o sofrimento do outro, reavendo a sensibilidade outrora perdida. Por

fim, o conceito de moral negativa apresenta-se como positivo por referir-se a

necessidade de efetivação de uma moralidade, mas recebe o conceito de negação

por relacionar-se à recusa adorniana de fundamentação de um projeto de

moralidade.

Palavras-chave: Não-idêntico. Mímesis. Moral.

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ABSTRACT

This thesis aims to investigate the possibility of a moral discourse from the

philosopher's thought Theodor W. Adorno. For this, we analyzed the important works

of the author excerpts: Dialectic of Enlightenment (1985) and Negative Dialectics

(2009). The goal is to present a possible moral concern of the author between the

lines of his critique of instrumental rationality. In this itinerary, the research is

grounded in the idea that the principle of non-identical, presented by the author as a

premise to burst with the force of totalitarian identity is the basis of the construction of

this discourse that leads to mimetic component of the statement of reason as device

capable to recall the intrinsic nature of the subject and put them in touch with the

suffering of others, regaining the once lost sensitivity. Finally, the concept of negative

moral is presented as positive for referring to the need for execution of a morality, but

gets the concept of denial by Adorno relate to the refusal of statement of morality

project.

Key-words: Non-identical. Mimesis. Moral.

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LISTA DE ABREVIATURAS

DE Dialética do Esclarecimento

DN Dialética Negativa

MM Mínima Moralia

TE Teoria Estética

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................12 2 O PARADOXO DA RAZÃO ESCLARECIDA: DO ESCLARECIMENTO AO PRINCÍPIO DE IDENTIDADE....................................................................................17 2.1 NOTAS SOBRE A IDEIA DO CONCEITO DE ESCLARECIMENTO...................17

2.2 DOMINAÇÃO E AUTOCONSERVAÇÃO: O AFASTAMENTO RAZÃO E NATUREZA SENSÍVEL.........................................................................................25

2.3 ELEMENTOS DO ANTISSEMITISMO: O DISCURSO DO PRINCÍPIO DE IDENTIDADE........................................................................................................35 3 O NÃO-IDÊNTICO: PREMISSA DE UM NOVO DISCURSO MORAL......................................................................................................................43 3.1 A CRÍTICA DO PRINCÍPIO DE IDENTIDADE ....................................................43

3.2 FUNDAMENTO DE UMA MORAL PÓS- AUSCHWITZ: O NÃO IDÊNTICO................................................................................................................. 48

3.3 RECONCILIAÇÃO DA NATUREZA NO SUJEITO.............................................. 53 4 MÍMESIS E SOLIDARIEDADE: PRECEITOS DE UMA MORAL NEGATIVA.................................................................................................................57 4.1 MÍMESIS POSITIVA E MORALIDADE.................................................................58 4.2 POR UMA MATERIALIDADE CORPÓREA: A MÍMESIS SOLIDÁRIA................66 4.3 O IMPULSO MIMÉTICO E A MORAL NEGATIVA: OS LIMITES DA RAZÃO.......................................................................................................................70 5 CONCLUSÃO.......................................................................................................77 REFERÊNCIAS ...................................................................................................82

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1 INTRODUÇÃO

O fio condutor das obras do filósofo Theodor Adorno representa o

empenho filosófico da Teoria Crítica posto em questão pela Escola de Frankfurt1,

atento à elaboração de um pensamento não puramente abstrato, preocupado

somente com a ordenação científica da realidade, mas também com os fins a que a

razão se dirige. Seu pensamento na maioria das vezes é descrito como uma crítica

ou denúncia social da realidade administrada pela racionalidade instrumental e pelo

que se designou por indústria cultural, que de certa forma implicaram na anulação

da capacidade emancipatória da razão humana. Como um teórico crítico da

sociedade, ele oferece uma significativa contribuição para a filosofia política,

sobretudo, a partir da tentativa de compreender as causas que levaram à barbárie

em pleno século XX.

Entretanto, a sua filosofia não precisa ser resumida nesses termos à uma

mera crítica do Iluminismo ou uma crítica social do capitalismo tardio. A filosofia de

Adorno também pode ser interpretada como uma tentativa de combater a metafísica

da identidade, voltando-se ao conceito, mas, em direção contrária, rumo à não-

identidade. O que dessa forma, reformulará conceitos estéticos e morais, ao passo

que pode favorecer o surgimento de uma racionalidade mais emancipada, capaz de

reverter a força dominadora do sistema capitalista, algo tão almejado em muitas das

suas discussões.

Nesse sentido, o cerne desta pesquisa está no questionamento do

significado deste empenho de filosofia prática e da ressonância das ideias

fundamentais de Adorno como perspectivas para a filosofia moral. Sabe-se que ele

não tematizou, nem formulou em suas obras uma teoria moral, visto que não

defendia a ideia de uma moral normativa. Por essa razão, o presente trabalho

1 Importante recordar uma descrição sobre a Escola de Frankfurt feita por Paul-Laurent Assoun.

Segundo ele “a Escola de Frankfurt é assim a etiqueta que serve para marcar um acontecimento (a criação do Instituto), um projeto científico (intitulado ‘filosofia social’), uma atitude (batizada de ‘Teoria Crítica’), enfim uma corrente ou movimentação teórica ao mesmo tempo contínua e diversa(constituída por individualidades pensantes). Sendo isso tudo, é mais do que isso: um fenômeno ideológico que produz curiosamente os seus próprios critérios de identificação através do seu processo criador: é pelo menos a validade desta aposta crítica que é preciso examinar” (ASSOUN, Paul-Laurent. A Escola de Frankfurt. Trad. Elena Cardoso. São Paulo: Ática, 1991. p. 19).

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almeja encontrar a possibilidade de um discurso moral no âmbito da filosofia e da

crítica social adornianas, a partir da forma como o filósofo apresenta o processo de

crise da racionalidade humana, capaz de conduzir a humanidade a um estágio de

barbárie, como o extermínio nazista, que é para o autor o resultado catastrófico

desse processo de esclarecimento.

A maneira como o autor pontua as barbáries da sociedade

contemporânea, mas especificamente sua reflexão sobre a Shoah2, ressaltando-a

como o paradigma da dor e do sofrimento, é o ponto de partida para se indagar

sobre a existência de uma preocupação não somente com o caráter racionalmente

destruidor que possuía as práticas em Auschwitz, mas principalmente com o

comportamento moral dos sujeitos. A relação do sofrimento com a racionalidade é

questionada em diversas passagens da obra Dialética Negativa, mostrando o

inconformismo do autor diante da negação da história da filosofia em apresentar

essa expressão subjetiva e próxima do sujeito, que acima de tudo é física e corporal.

Para Adorno, “o pudor ordena à filosofia não reprimir a intelecção de Georg Simmel,

segundo a qual é espantoso o quão pouco os sofrimentos da humanidade são

observados na história da filosofia” (DN, p.133).

O anúncio expressivo desse sofrimento é o aviso de que algo deve

mudar, porque “a necessidade de dar voz ao sofrimento é condição de toda

verdade” (DN, p.24). A filosofia da identidade precisa ser revogada, pois se tornou

um mito e por essa razão, Adorno coloca a urgência de se pensar pelo viés do não-

idêntico. O mínimo resquício de dor, de sofrimento entre os mortais é um desmentido

à afirmação de identidade; e parafraseando Benjamim, o autor concorda que

enquanto houver um mendigo no mundo, existirá desigualdade social, prevalecerá a

não identidade, predominando o mito e não o esclarecimento. Tal afirmação fica

clara nessa passagem,

2 Shoah é um termo em hebraico que significa catástrofe e devastação. Ao longo da história, termos

como Auschwitz, Holocausto e Churban foram utilizados para se referirem ao extermínio nazista, entretanto, os dois últimos continham em si conotações religiosas. Ainda que o termo devastação possa estar relacionada à um ato enviado por Deus, os historiadores recusaram suas raízes religiosas. Em relação a catástrofe, essa palavra deriva do grego e significa, literalmente, “virada para baixo” (kata +strophé)” e assinala a óbvia permeabilidade entre tradições, pois catástrofe é o fim decorrente da ação trágica. Enfim, a intraduzibilidade de Shoah, sinaliza para aquilo que a língua não pode testemunhar.

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O mínimo rastro de sofrimento sem sentido experimentado no mundo infringe um desmentido a toda a filosofia da identidade que gostaria de desviar a consciência da experiência: “Enquanto ainda houver um mendigo, ainda haverá mito”; é por isso que a filosofia da identidade é, enquanto pensamento ideologia. O momento corporal anuncia ao conhecimento de que o sofrimento não deve ser, de que ele deve mudar. (DN, p. 173)

Essa reflexão a respeito do sofrer como limite da teoria moral, enquanto a

marca de resistência ao mal, só é possível porque a razão registra esse fato como

ponto de partida para a construção de um comportamento moral de não violência

entre os homens e destes com a natureza. O esforço da razão em se reconhecer

através de seu não-idêntico, ou seja, o outro, é o alicerce para a efetivação dessa

moralidade. As relações entre razão, sensibilidade, corpo e sujeito levam a

conclusão de que o pensamento moral em Adorno remete à uma afirmação da

condição estética do sujeito.

Por esse motivo, o conceito de mímesis no que concerne a sua dimensão

estética é atrelado à pesquisa como essencial para compreender a noção de

moralidade em Adorno. Ressaltamos também que não se pretende investigar esse

conceito em sua plenitude, dada a sua complexidade, a retomada do mesmo aponta

a possibilidade de uma resposta para a moralidade dos sujeitos. A mímesis humana

é autorreflexiva e por isso difere do mimetismo que compreende apenas a

assimilação da natureza para se livrar do predador. A experiência do estético é a de

uma sensibilidade propriamente humana, o que pressupõe identidade e diferença

com a natureza. Ela é estética, porque encerra em si o componente do impulso e da

consciência que dessa maneira modificariam o quadro moral da sociedade

capitalista, que a partir da própria mímesis conservativa, na razão esclarecida,

recalcou a mímesis estética da natureza do sujeito. Encontramos assim o motivo

fundamental do comportamento moral em Adorno: o impulso do não-idêntico interior

à razão e à consciência.

Para alcançar os prévios objetivos da pesquisa e construir o conceito de

moral negativa dentro do pensamento adorniano, o referido trabalho se divide em

três capítulos e demais subtítulos. Partindo da declarada crise do projeto de

emancipação da racionalidade humana, descrito na obra Dialética do

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Esclarecimento de autoria de Adorno e Horkheimer, em que se constata que as

inovações que deveriam conduzir a humanidade à um estágio cada vez mais

avançado, regridem a uma estado de barbárie nunca vista. Os autores expõem de

forma clara, o objetivo de compreender essa realidade já no prefácio da obra, “o que

nos propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a

humanidade, em vez de entrar num estado verdadeiramente humano, está se

afundando numa nova espécie de barbárie” (DE, p.11).

Além das obras do filósofo Adorno, durante o trabalho se estabelece um

diálogo com determinados comentadores e alguns outros autores, tais como Marx,

Hegel, Nietzsche e Freud. Não se pretende confrontá-los ou mesmo esmiuçar seus

conceitos e bibliografias, são apenas referências que consideramos importantes

para a construção de uma argumentação mais concisa.

Assim, o primeiro capítulo com base nos textos “O conceito de

Esclarecimento” e “Elementos do antissemitismo”, ambos da obra Dialética do

Esclarecimento, tem por intuito apresentar como o processo do Esclarecimento

culminou em um afastamento da razão de sua natureza sensível. Como

consequência, se instaura na sociedade europeia um exemplo de política e moral

totalitárias, de exclusão do diferente e, por isso, passível de sua eliminação. Já disse

Adorno: “[...] o que seria diferente é igualado. Esse é o veredicto que estabelece

criticamente os limites da experiência possível” (DE, p.23). O princípio da

autoconservação ditou a eliminação do outro, daquilo que é diferente, em detrimento

da sobrevivência do eu. A racionalidade humana refletida em si mesma conduz a

uma moral da identidade que não aceita aquilo que é contrário a si, perdendo dessa

maneira a sensibilidade que está intrínseca ao ser humano no que se refere a sua

natureza.

A partir da constatação de que o princípio regulador da razão esquecera

seu momento sensível e se solidificou com base na premissa da identidade, o

segundo capítulo tenta compreender como Adorno coloca a urgência de se pensar

em um novo princípio capaz de regular as ações, o que seria: o princípio da não-

identidade. Para tanto, continua-se com a análise adorniana da questão do

antissemitismo na Dialética do Esclarecimento, como uma preocupação central com

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as consequências do princípio da identidade. Nesse sentido, a única maneira de se

contrapor a tal situação, recuperar o não-idêntico e salvar o singular, é a ideia de

uma dialética negativa. Portanto, tem-se como base a segunda parte da Dialética

Negativa, onde Adorno expõe os conceitos que fomentam a sua filosofia da

negação, como condição para a filosofia moral, pois “essa contradição é o único

palco da moral hoje” (DN, p. 238).

Por fim e como premissa de conclusão da pesquisa apresentada, o

terceiro capítulo tenta justificar o conceito de mímesis como a possibilidade do

sujeito recordar a fragilidade e a materialidade do ser humano. Não é possível mais

pensar em sentenças normativas racionalizadas, dar voz ao impulso de

reconhecimento do mal e não se conformar com o mesmo, eis o temor físico nu e

cru como sentimento de solidariedade para com os corpos torturáveis (DN, p.238).

Somente nesse contexto se pode pensar na possibilidade de construir novos

discursos morais que coloquem em questão o impulso mimético de solidariedade em

relação ao sofrimento do outro, ou seja, trazer à razão a sensibilidade que fora

negada pelo processo civilizatório.

É nesse sentido que pensamos ser possível afirmar um discurso moral

dentro da filosofia de Adorno, a partir da compreensão dessa realidade que negou a

liberdade humana, se pautando pela constatação de uma realidade de dominação

dos homens pelos próprios homens culminando em uma civilização violenta. Sobre

essa teoria moral, já a nomeamos antecipadamente: moral negativa, aquela que não

fundamenta máximas de conduta, mas que reafirma aquilo que não deve ocorrer

com base nos acontecimentos da própria realidade e que se preocupa com os

sentimentos impossíveis de serem descritos por meio dos conceitos pela maneira

grotesca com que são demonstrados. Talvez a premissa de uma possível superação

desse estado de dominação e barbárie da sociedade burguesa, tão sonhada pelos

críticos da Escola de Frankfurt.

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2 O PARADOXO DA RAZÃO ESCLARECIDA: DO ESCLARECIMENTO AO

PRINCÍPIO DE IDENTIDADE

Os fragmentos filosóficos que compõem a Dialética do Esclarecimento

foram escritos com a difícil tarefa de verificar a razão pela qual a humanidade

esclarecida afundou em uma nova espécie de barbárie. As considerações a seguir,

apresentam a discussão realizada pelos autores Adorno e Horkheimer acerca da

crise da racionalidade esclarecida que incorporou os elementos de dominação e

auto-conservação, na tentativa de fazer dos homens senhores de si e da natureza

levando à dominação da natureza externa e interna, e dos homens por si próprios.

Regida pelo princípio de equivalência, a sociedade capitalista tardia

defenderá o “princípio de identidade”. Tudo o que for diferente é igualado. Nesse

sentido, o triunfo desse princípio de identidade se estabelece nas atrocidades

dirigidas aos judeus durante o extermínio nazista. O caráter puramente racional e

frio com que foram calculadas as práticas de tortura desse período reflete a frieza

que compõe o espírito burguês e apresenta o resultado de um processo de recalque

de atitudes consideradas inferiores e que em nada contribuem para a vida na

civilização. Entretanto, a eclosão violenta do que fora recalcado sempre é presente e

perigoso para a tão clamada ordem social.

2.1NOTAS SOBRE A IDEIA DO CONCEITO DE ESCLARECIMENTO

A obra fundamental para as discussões anunciadas nesse capítulo e que

dessa forma permeia todo o trabalho, a Dialética do Esclarecimento, escrita na

Califórnia por Adorno e Horkheimer durante a guerra e publicada em Amsterdã em

1947, traz a marca da Teoria Crítica para uma perspectiva de emancipação da

sociedade e da razão, mas principalmente por uma crítica de denúncia, influenciada

pelos acontecimentos históricos que os autores experimentaram. Como frutos de um

espírito decadente e de uma racionalidade instrumental, os autores apontam os

mecanismos totalitários do sistema: a experiência nazi-fascista na Alemanha e na

Itália, o socialismo (stalinismo opressor) e a cultura de massas nos Estados Unidos

(a indústria cultural).

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Assistimos ao surgimento de um irracionalismo comprometido com o

poder e ao se fazer uma breve análise da sociedade contemporânea, concluímos

que vivemos uma crise de sentido e de valores. Essa crise pode ser considerada

oriunda da razão instrumental, originada na modernidade pelo processo do

Iluminismo, que almejou um programa de emancipação da humanidade, entretanto,

conduziu a uma instrumentalização das relações sociais sobre o signo do domínio.

As reflexões dirigidas à questão da falência da capacidade emancipatória da razão

humana e o sentimento de dominação que rege as relações humanas estão

tematizadas na Dialética do Esclarecimento. Para os autores, a “maldição do

progresso irrefreável é a irrefreável regressão”, (DE, p.41) e o programa de

esclarecimento e emancipação pregado pelo Iluminismo como um sinônimo de

progresso, trouxe para a sociedade as consequências que ainda hoje presenciamos,

tais como a exploração do trabalho humano, a dominação e o empobrecimento das

relações sociais e da própria cultura.

O viés condutor de todas as questões que a referida obra apresenta

circunda a ideia de que o mito já era esclarecimento e o esclarecimento da

racionalidade moderna acaba por reverter-se em um novo mito. A razão, ao tentar

realizar seu projeto de constituição de uma ordem social racional no quadro histórico

da modernidade, passou ao seu oposto, ou seja, produziu uma situação que os

autores descrevem como “barbárie”. A humanidade se direcionou à busca pelo

esclarecimento porque ele tinha como objetivo principal a intenção de abolir o

desconhecido e o medo em relação à natureza a partir do desenvolvimento de uma

racionalidade instrumental. Assim, nos diz os autores:

No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o Esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. O programa do Esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber. (DE, p. 19.)

A finalidade última do esclarecimento é conduzir o homem a lutar contra

o desconhecido e colocá-lo na posição de senhor, pois “do medo o homem presume

estar livre quando não há nada mais de desconhecido” (DE, p.26). Essa condição

torna possível conhecer, organizar, dominar, colonizar e instrumentalizar o

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desconhecido e as consequências negativas que por ventura atinjam tal processo

são consideradas resultados de um mecanismo social sempre à serviço da

humanidade, que por sua vez é portadora de um glorioso nível tecnológico.

Enfim, o esclarecimento se relaciona com dois princípios aparentemente

paradoxais e que estão intimamente ligados: o da libertação e o da dominação. O

primeiro é o da libertação da subjetividade das forças míticas, em que não há

sujeito, propriamente dito, uma vez que o homem selvagem não se reconhece como

um ser separado do mundo animal que o cerca. Já o segundo princípio é o da

dominação da natureza tanto interna como externa do homem, com o intuito de

garantir que esse desligamento amedrontador entre o mundo natural e o interior

aconteça e se mantenha através da ditadura da autoconservação. A emancipação

humana, na perspectiva dessa razão iluminista, está ligada à sua emancipação da

natureza, que favorece o progresso e o domínio da mesma, em prol dos benefícios

do conhecimento científico, que, por sua vez, são associados às novas técnicas de

produção. O contexto dessa racionalidade humana é cada vez mais paradoxal, de

um lado a ciência moderna caminha para a ampliação de seu horizonte e de seus

conhecimentos, enquanto o indivíduo perde seu potencial crítico e anula a sua

capacidade emancipatória.

A maior intenção do esclarecimento era o desencantamento do mundo,

buscar a independência diante da opressão das crenças, ou seja, a substituição do

pensamento mítico por um pensamento mais racionalizado. Sobre isso, lembremos

como Adorno e Horkheimer vinculam o programa do Esclarecimento à temática

weberiana do “desencantamento do mundo”. Trata-se de dissolver os poderes das

construções mítico-religiosas que constituiriam a compreensão pré-moderna do

mundo, fazendo com o que é da ordem do natural apareça como animado por forças

e processos sobrenaturais. Tais dissoluções são indissociáveis do primado da

técnica, pois como dirão os autores, a essência desse saber é a técnica (DE, p.18),

cujo objetivo é transformar os homens em senhores da natureza, retirar-lhes o medo

que sentem dela através do desenvolvimento da dominação instrumental. Neste

sentido, a verdadeira função do desencantamento do mundo consiste nessa

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dominação da natureza através de uma racionalidade cujas operações são

baseadas na mensuração, quantificação e calculabilidade. Como afirma Weber:

O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização e, acima de tudo, pelo "desencantamento do mundo", [em que] os valores últimos e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida mística, seja para a fraternidade das relações humanas diretas e pessoais. (WEBER, 1982, p. 169)

A racionalização de nossos tempos como nos diz Weber, implica na

aceitação de que todas as atitudes humanas serão calculadas com base nessa

razão, assim, as relações sociais também serão afetadas por esse sentimento

racionalizado isento da participação de valores mais sublimes. Além disso, quando o

esclarecimento se direciona a esse fim, de destruição do conteúdo mítico, ele recai

no próprio mito. A ideia de que, para tudo que acontece, há uma pena, assim como

o destino e a retribuição defendidos pelo mito, são refutados pelo esclarecimento.

Entretanto, quando o esclarecimento defende o “princípio da imanência” (DE, p.23),

para o qual tudo que acontece é passível de explicação como um acontecimento de

repetição, ele defende um princípio do próprio mito. A teoria da ação e reação

libertava o homem dos poderes da realidade que poderia ser identificada pela

repetição.

Mas quanto mais se desvanece a ilusão mágica, tanto mais inexoravelmente a repetição, sob o título da submissão à lei, prende o homem naquele ciclo que, objetualizado sob a forma de lei natural, parecia garanti-lo como um sujeito livre. [...] o preço que se paga pela identidade de tudo com tudo é o fato de que nada, ao mesmo tempo, pode ser idêntico consigo mesmo. (DE, p. 23)

Em face de sua constante afirmação como conhecimento absoluto e

idêntico em si, a razão instrumental acabou anulando sua capacidade

emancipatória, envolvendo-se em um círculo vicioso até atingir a absoluta negação

de seu potencial crítico e emancipatório. Renunciando à sua realização como

racionalidade crítica, ela enreda-se pelo caminho do próprio mito, aceitando a

repetição e o princípio de identidade que pretende igualar tudo o que for considerado

diferente. Para os autores, não há nada de novo nessa sociedade que reproduz com

as características de seu tempo, as desigualdades, a dominação e a exploração,

cabe aos homens se adaptarem á essa real conformidade:

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A insossa sabedoria para a qual não há nada de novo sob o sol, porque todas as cartas do jogo sem-sentido já teriam sido jogadas, porque todos os grandes pensamentos já teriam sido pensados, porque as descobertas possíveis poderiam ser projetadas de antemão, e os homens estariam forçados a assegurar a autoconservação pela adaptação – essa insossa sabedoria reproduz tão somente a sabedoria fantástica que ela rejeita: a ratificação do destino que, pela retribuição, reproduz sem cessar o que já era. (DE, p. 23)

A forma mítica de dominar o mundo ainda reside dentro do

esclarecimento moderno que vive o medo do desencantamento da natureza e

proclama a ontologia da repetição, que é produto do próprio processo da Aufklärung.

Realizar uma reflexão radical, no âmbito do conhecimento científico, torna-se

imprescindível, pois o esclarecimento do pensamento é libertador. Sabe-se que a

mesma racionalidade presente na ciência se traduz na política, no cotidiano, na

moral, no mercado, enfim, na história; portanto, a racionalidade da dominação da

natureza em sua forma irracional, presente na sociedade burguesa, traz como

consequência o tolhimento da liberdade de pensar. A promessa de liberdade

anunciada por tal conhecimento científico não levou a humanidade a um estado

ideal de esclarecimento, mas sim, resplandeceu novamente em meio a explicações

obscuras e míticas.

Já se reconhecendo como um ser livre das amarras do pensamento

mítico, o despertar do homem traz a ideia do poder como princípio de todas as

relações, ele compreendeu dessa maneira, que sua razão seria um instrumento

técnico que serviria apenas para resolver problemas e produzir conhecimento

científico. Entretanto, ele só conhece as coisas na medida em que pode fazê-las e

manipulá-las, porque o preço que paga pelo aumento de seu poder, é a alienação

daquilo sobre o que exerce poder (DE, p.21). Para tanto era preciso distanciar a

razão de sua natureza, que era sensível, e reprimí-la, dominando a natureza externa

e principalmente interna – os desejos e anseios humanos – o sujeito acreditou que

poderia construir suas riquezas e cultura.

Nesses termos, a crítica da razão na Dialética do Esclarecimento se

estabelece como uma crítica da racionalidade instrumental. A história do

esclarecimento que os autores apontam, é a mesma da vitória da coisificação, que é

o triunfo da razão instrumental. Esta por sua vez, é o desdobramento prático do

22

esclarecimento. O empenho de Adorno e Horkheimer é apresentar uma crítica da

redução da razão à uma racionalidade orientada para fins, que se pergunta apenas

pela maneira eficiente de organizar meios para alcançá-los, reconhecidos como

racionais exatamente porque se submetem à mensuração, à quantificação e à

dominação pelo cálculo. Sua afirmação como conhecimento absoluto, nega o caráter

emancipatório e crítico da razão.

É importante frisar que não se trata de uma negação da razão, mas de

reivindicar meios para que a mesma reconheça sua capacidade reflexiva e

emancipadora, pois “a liberdade da sociedade é inseparável do pensamento

esclarecedor” (DE, p.12), só enquanto tal, o pensamento pode libertar a humanidade

do jugo da dominação. Nesse ponto, entendemos que a dialética do esclarecimento

para os autores, compreende esse aspecto essencial de se reconhecer a

necessidade de uma crítica imanente do esclarecimento e da razão a partir da

compreensão de que ocorre uma autodestruição do esclarecimento. Os autores

sinalizam a existência de um germe regressivo e é preciso que o esclarecimento

acolha essa reflexão, ou do contrário está assinalando seu próprio destino.

Pelo medo da verdade o esclarecimento recai no mito e as consequências

desse modelo de razão instrumental se espalham por todos os setores da vida em

sociedade. Como afirmou Adorno, as equações norteiam a burguesia e a troca

mercantil, a regra do equivalente consegue igualar o heterogêneo, em suma a

sociedade está dominada pelo princípio do equivalente (DE, p.20) e o homem

burguês sofre o medo do desvio social. Em O Capital, Marx apresenta o princípio da

equivalência a partir da troca mercantil. Durante o primeiro capítulo da obra

mencionada, as análises são direcionadas à mercadoria, como se vê:

O valor de troca de um palácio pode ser expresso em determinado número de latas de graxa para botas. Inversamente, fabricantes londrinos de graxa têm o valor de troca de suas muitíssimas latas expresso em palácios. Totalmente indiferente, portanto, ao seu modo natural de existência, e sem consideração à natureza específica da necessidade para a qual são valores de uso, as mercadorias cobrem-se umas às outras em quantidades determinadas, substituem-se entre si na troca, valem como equivalentes e, apesar de sua aparência variada, apresentam a mesma unidade. (MARX, 1996, p. 58)

23

Na economia capitalista, todas as mercadorias enquanto valores de troca

são equivalentes e essa equivalência resulta na supressão de suas diferenças

enquanto valores de uso. Inicialmente, Marx concebe a mercadoria como uma coisa

que satisfaz alguma necessidade humana e em outro plano, como algo passível de

troca. A partir de sua utilidade, a mercadoria adquire seu “valor de uso”, que é

determinado de forma específica e, portanto, são diferentes de acordo com a

necessidade. No que se refere ao “valor de troca”, esse poderia ser caracterizado

como sendo a relação entre os valores de uso de um objeto na mesma proporção de

um segundo objeto. Ocorre então, que a partir dessa ideia, todas as mercadorias

que são diferentes entre si, são passíveis de troca e possuem uma identidade e

equivalência. Eis a identidade do sistema. A razão que faz com que as inúmeras

mercadorias com valores de uso tão distintos, sejam, portanto, equivalentes e iguais,

é o fato delas serem produto do trabalho humano.

Por esse motivo é que o autor nos diz que ao equiparar seus produtos na

troca, os trabalhadores não percebem que equiparam seus distintos trabalhos, essa

relação entre as mercadorias não se dá unicamente entre coisas, mas entre

produtores, os homens. Essa é então a base das relações sociais dentro do sistema

capitalista, visto que,

[...] o trabalho que põe valor de troca se caracteriza pela apresentação, por assim dizer, às avessas, da relação social das pessoas, ou seja, como uma relação social entre coisas. Somente na medida em que um valor de uso se relaciona com outro valor, como valor de troca é que o trabalho das diferentes pessoas de relaciona entre si como igual e geral. Por isso é correto dizer que o valor de troca é uma relação entre pessoas, é preciso, contudo, acrescentar: relação encoberta por coisas. (MARX, 1996, p. 63)

As relações sociais se estabelecem dentro da sociedade capitalista a

partir do sentimento racionalizado de troca e de dominação, e a rotina do cotidiano

faz parecer trivial essa realidade em que o homem se encontra cada vez mais

marcado pela falta de liberdade. Dentre as consequências mais funestas da

generalização do domínio do equivalente está a homogeneização dos seres

humanos: a transformação destes em seres com sentimentos, pensamentos,

vontades e comportamentos idênticos, o indivíduo deve ser negado para garantir a

unidade da coletividade manipulada (DE, p. 23-24). Tal estado constituiu o homem

burguês insensível tendo corroída a capacidade de pensar o sentido da experiência

24

moral. A razão humana em seu caráter instrumental perdeu a característica sensível

de pensar na condição de dignidade do outro e realiza somente o trabalho de

identificação com aquilo que ela própria se transformou, ou seja, o conceito por ele

mesmo.

Não se pode negar a partir dessas considerações sobre esse processo de

racionalização, que o esclarecimento foi responsável pela aniquilação da capacidade

emancipatória do sujeito. Isso porque ele impossibilitou a reflexão sobre si próprio e

preservou a ideia da autoconservação, ou seja, o homem passa a utilizar a razão

como um instrumento capaz de libertá-lo do jugo da dominação de forças ocultas e

se auto-determinar. Entretanto, a humanidade passou a se entrelaçar em outras

teias de dominação e de coerção, sendo os sujeitos forçados a uma conformidade

com o real, pois precisam ser modelados pelo mercado. A negação de cada

indivíduo é o resultado da tentativa de se fazer uma coletividade em unidade,

fazendo com que o sujeito perca a sua individualidade, algo tão massacrado pelo

esclarecimento.

Nesse sentido, por meio da crítica à economia capitalista, que em certos

aspectos dificultou o processo de emancipação humana, Adorno questiona a

possibilidade de construir parâmetros morais em um estado de não liberdade, pois é

ela que garante a todos os indivíduos uma busca comunitária pela felicidade e bem

comum.

O conceito das relações, uma categoria de mediação e da circulação, nunca prosperou de modo ótimo na esfera propriamente da circulação, no mercado, e sim em hierarquias fechadas de tipo monopolista. Agora que a sociedade inteira se torna hierárquica, as relações escusas insinuam-se e se estabelecem também por toda parte onde ainda havia uma aparência de liberdade. (MM, p.17)

A produção e reprodução da vida social fracassaram naquilo que o

filosofar ontológico buscava despertar. A ideia do homem, do ser e do tempo como

fenômenos originários, depara-se com a realidade que apresenta um sujeito que

perde aos poucos sua substancialidade, e por essa razão, o culto ao ser, vive do

fato de que, na realidade, os conceitos funcionais reprimiram os conceitos

substanciais. Dessa maneira, esse estado atual de dominação em que vive a

humanidade, poderia ser superado por duas forças, a ontologia e a filosofia do ser,

25

entretanto, as duas adquiriram um traço dialético, e enquanto poderiam arrancar o

homem do enredamento da dominação, elas facilitam a identificação com todo e

qualquer particular (DN, p.65). Isso porque o sujeito se sente suficientemente

enfraquecido.

Segundo Adorno, o sistema totalizante da identidade projeta sobre os

sujeitos, que se configuram em vítimas, o pressentimento da negatividade objetiva,

por meio de uma ideia de ordem que vai até o mais abstrato, a estrutura do ser. Por

isso, em todos os lugares o mundo se prepara para passar os horrores da ordem e

não para seu contrário. O fato das pessoas se verem sem liberdade, impotentes e

presas dentro de um sistema, incapazes de determinarem a sua vida a partir de sua

razão, as fazem preferir sempre o pior em face daquilo que parece ser melhor. Essa

ideologia apologética provoca o desespero que ameaça os homens de aniquilação

física, onde essa opressão só se efetiva pela ideia de que o pensamento de

liberdade se transforma em não-liberdade.

2.2 DOMINAÇÃO E AUTOCONSERVAÇÃO: O AFASTAMENTO RAZÃO E

NATUREZA SENSÍVEL

A razão instrumental possui como característica essencial a pretensão de

domínio da natureza e do mundo social, contrariando o que aspirava a Aufklärung,

se tornando um instrumento a serviço desse esclarecimento, uma técnica capaz de

desmitificar a natureza, assinalando a excessiva dominação da mesma e do homem,

ambos se transformando em objetos. O poder do desconhecido gera angústia e

desespero para o sujeito. Conhecer significa saber manipular, dominar, constituir a

unidade da natureza e para a ciência moderna quantificá-la em regra e

probabilidade. O esclarecimento perdeu sua autoconsciência e a razão como

instrumento se fez incapaz de refletir sobre si mesma, inibiu a capacidade do

pensamento especulativo, perdendo aos poucos seu potencial emancipatório.

Afastando-se de sua natureza sensível seu objetivo era colocar os homens na

posição de senhores dominadores.

Segundo Adorno e Horkheimer, Bacon expressa de forma objetiva essa

meta do pensamento moderno: buscar um conhecimento que fornecesse

26

explicações eficazes porque os clássicos antigos, juntamente com os seus métodos,

bloqueavam ou impediam a relação entre o homem e a natureza. O entendimento

deve imperar sobre a natureza desencantada, por essa razão, “o saber que é poder

não conhece barreira alguma, nem na escravização da criatura, nem na

complacência em face dos senhores do mundo” (DE, p.18). A compreensão de um

saber que é poder sobre as coisas desconhecidas, e nesse caso a natureza é esse

algo desconhecido, afirma que a superioridade do homem reside nessa capacidade

de conhecer, nas palavras de Márcia Tiburi,

Bacon é o filósofo do desencantamento do mundo que propõe a submissão da natureza à razão por considerar que a superioridade do homem está na sua capacidade de saber e por isso tem o poder de dominar seu mais temeroso oponente: a natureza, (que) é nada mais que aquilo que ele não compreende. (TIBURI, 1995, p.49)

Esta consideração, presente na Dialética do Esclarecimento, a imposição

do saber como poder, adquire o caráter de dominação que visa a autoconservação,

a sobrevivência diante do desconhecido, a natureza. Assim, se o saber se torna o

sinônimo de poder, os critérios que fornecem as condições de caráter lógico-formal

do conhecimento seriam oriundos da calculabilidade e da utilidade, acumulando-se

em uma dominação crescente que reflete o sentido unilateral dessa razão ocidental.

Tal estado de dominação é mantido e perpetuado por uma massa alienada que

proporciona a manutenção desse quadro estratégico do esclarecimento. A inversão

da razão em dominação foi impulsionada pela submissão da racionalidade

instrumental a esse valor maior: a autoconservação. A razão instrumental se

estabelece como aquela que transforma o pensamento em cálculos com a finalidade

de autoconservação, eis a sua característica essencial.

Ao vincular essa compreensão do projeto do esclarecimento ao

desencantamento do mundo e, por conseguinte, ao estado de dominação e

autoconservação como consequências desse processo, Adorno e Horkheimer

empenham uma crítica da razão vinculada à constituição do sujeito moderno. A

oposição entre homem e natureza, não encontra mais sua centralidade na mediação

do trabalho humano, mas na autoconservação e dominação da natureza, postulando

dessa forma a compreensão da relação homem e sociedade. Para os autores, a

dominação na sociedade moderna, continua a ser essencialmente econômica,

27

realizando-se através da ofuscação da subjetividade dos indivíduos. O grande

desenvolvimento das forças produtivas e o mito do progresso perpetuam as relações

sociais de produção dominadora, dessa maneira, tanto o fetichismo da mercadoria

como a opressão das classes refletem um mundo de dominação burguesa.

Embora a sua finitude, o homem não escapa do encontro com as forças

da natureza e sua sobrevivência requer isso. Dessa maneira, consideramos que o

mito e posteriormente a ciência moderna nascem da luta pela autoconservação, aqui

há o entrelaçamento entre sofrimento e renúncia, para que haja o esclarecimento.

Isso constitui o fundamento básico que dá sentido para o que se pode chamar de

autoconservação, (auto) sacrifício ou renúncia de si mesmo, pois, “quem pratica a

renúncia dá mais de sua vida do que lhe é restituído, mais do que a vida que lhe

defende” (DE, p.54). A dominação da natureza externa acontece a partir do

momento em que a natureza interna se submete aos mecanismos de autocontrole

do “Eu”. A constituição desse “eu moderno” em conjunto com as exigências de

autoconservação e dominação favoreceu a submissão de toda experiência ao

primado da identidade e da abstração.

Se o mito já continha em si seu elemento esclarecedor, para Adorno e

Horkheimer, Homero concede à Ulisses as astúcias para dominar a natureza ainda

que isso custe a repressão de si e dos outros, semelhante ao que ocorre ao homem

moderno esclarecido. Os episódios da Odisseia representam alegoricamente uma

sequência de aprendizado decorrente de inúmeras renúncias para que Ulisses

possa chegar à Ítaca e então conseguir reapropriar-se da realeza, da esposa e do

filho, enfim, para conseguir constituir-se em sujeito adulto com uma identidade

assegurada. No cerne dessa história de renúncia e ao mesmo tempo de constituição

do sujeito, o episódio das Sereias, em sua similitude oferece uma ideia embora

condensada de todo o desenvolvimento da Aufklärung, pois o artifício empregado

por Ulisses evita a sua perda no delírio maravilhoso das sereias, ao mesmo tempo

em que domina os seus remadores e desencanta as sereias que, tendo seu encanto

quebrado, perdem a razão de existir.

O princípio de equivalência que rege a sociedade capitalista moderna,

como um elemento do esclarecimento, também aparece nos mitos quando os

28

sujeitos tentam dominar os deuses em troca de algo. Tal atitude é percebida quando

a troca é o pagamento pelo sacrifício, pois para os autores, “o próprio sacrifício já

aparece como o esquema mágico da troca racional, uma cerimônia organizada pelos

homens com o fim de dominar os deuses exatamente pelo sistema de veneração

que são objetos” (DE, p. 51). Ulisses conseguia seu logro frente às divindades em

decorrência das amizades que o escoltavam em segurança, enquanto Possêidon

encontrava-se limitado potencialmente devido a sua estadia com os Etíopes, o povo

que o venerava e sacrificava bois em sua homenagem. O saciar de Possêidon

representava o aliviar da cólera perante Ulisses, permitindo sua liberdade. O

sacrifício já subordinava os deuses ao primado dos fins humanos, mas a fé

venerável no sacrifício era provavelmente “um esquema inculcado, segundo o qual

os indivíduos subjugados infligem mais uma vez a si próprios a injustiça que lhes foi

infligida, a fim de poder suportá-la” (DE, p. 52). Enfim, os sujeitos aceitam esse

esquema esquecendo-se das dores do sacrifício a fim de garantir benefícios e talvez

até a própria vida.

Os Estados autoritários desenvolveram essa forma de capitalismo que

explicita características da vida falsificada pelo domínio técnico. Os indivíduos

seguem acreditando na incapacidade de satisfazer as suas necessidades e

terminam por internalizar o sacrifício e a renúncia. Em sua desilusão o homem

burguês reconhece que não pode ter tudo e nem a felicidade completa, sua vitória é

recompensa de toda humilhação, por isso é preciso esperar. A história da civilização

revela em si a introversão do sacrifício moldando o espírito instrumental supressor

da experiência. Sua fórmula foi e ainda é o de resignação perante a natureza,

entregando o que é dela a ela, para por fim controlá-la. Os monstros míticos são,

nesse sentido, as reivindicações históricas dessa natureza objetivada e controlada,

“figuras da compulsão e das atrocidades que cometem representam a maldição que

pesa sobre elas” (DE, p.56).

Conduzida à uma ordem mais racional, a natureza foi quantificada, e por

isso, o esclarecimento é totalitário, pois não demorou a identificar a verdade em

geral com o pensamento ordenador. Assim como o mito, as pulsões que afetam os

sujeitos também representam uma espécie de magia e encantamento de si que

29

precisam ser mobilizadas por uma vontade autônoma, a fim de que impere a ação

racional. Através da repressão deve-se eliminar toda pulsão que não se submeta ao

princípio de autoconservação. O progresso da civilização se baseia na subjugação

dos instintos humanos, da satisfação de necessidades e da libido, o homem

converte sua atividade em trabalho com finalidade produtiva, enfim a natureza é

dominada pelo trabalho. A felicidade se transforma em uma ameaça a civilização,

pois, não se responde mais ao princípio originário de prazer (FREUD, 1978) que

orientaria a busca para satisfazer suas necessidades, o homem moderno busca

apenas evitar o sofrimento, ou seja, evitar o desprazer. Para os autores da Dialética

do Esclarecimento a formação do eu conduz a humanidade à um caminho de

privações e obediência, pois:

A humanidade teve de se submeter a terríveis provações até que se formasse o eu, o caráter idêntico, determinado e viril do homem, e toda infância é de certa forma a repetição disso. O esforço de manter a coesão do ego marca-o em todas as fases, e a tentação de perdê-lo jamais deixou de acompanhar a determinação cega da conservação. (...) O caminho da civilização é o da obediência e do trabalho, sobre o qual a satisfação não brilha como mera aparência, como beleza destituída de poder. (DE, p. 39)

Não se pode negar a presença de alguns conceitos freudianos em meio à

filosofia adorniana. As considerações propostas pela psicanálise a partir da

investigação do indivíduo em sua esfera mais particular oferecem subsídios

importantes para a compreensão da sociedade em que esse sujeito está inserido.

Para Adorno, as conclusões da psicanálise apresentam elementos da relação

antagônica entre a sociedade e os indivíduos porque postula a existência de

mecanismos de interiorização das regras pelos indivíduos e as relações de poder da

sociedade administrada.

O processo de civilização para Freud estabelece um conflito intenso com

a estrutura pulsional dos sujeitos. O medo dos infortúnios da natureza conduz os

homens a viverem em comunidade, todavia, essa organização não lhes trouxe a

felicidade almejada, devido às regras de adequação dos relacionamentos entre eles,

na família e na sociedade. Por isso o sofrimento é acrescentado à sua vida e esse

fato remete a contradição de todo o processo. A impossibilidade de garantir o

princípio de prazer está no fato de que ao se preocupar com a manutenção da vida

em comum, o homem reserva parte de sua energia libidinal para o trabalho e para a

30

vida em comunidade, tal reserva é a garantia da manutenção da sociedade. Ao

tratar dessa temática, Freud coloca a existência de um conflito entre as pulsões do

ego (do eu) e pulsões sexuais, isso porque para que haja de fato a civilização o

indivíduo é sacrificado ao renunciar à sua satisfação pulsional. O mal estar na

civilização encontra-se nesse antagonismo. Cabe à pulsão do ego o

estabelecimento de um limite para que o sujeito não se perca em meio a sua

incessante busca pelo prazer orientada pelas pulsões sexuais.

Posteriormente, o autor apresenta a existência de outro conflito

pulsional, este ocorre entre as pulsões de vida – que correspondem ao agrupamento

das já descritas pulsões: as do ego e as sexuais – e a pulsão de morte. Freud chega

à essa conclusão pela constatação de que o inconsciente não opera somente a

partir do princípio de prazer, mas que durante a clínica muitos pacientes recorrem à

lembrança de fatos traumáticos que remetem ao desprazer, como que em uma

atitude compulsiva à repetir fatos desagradáveis. Assim, a pulsão de morte,

Tanathos, estabelece uma relação de autoconservação do sujeito ao proporcionar

um estado de reconciliação mediante aos estímulos internos, organizando a

descarga libidinal que escoa pelas pulsões de vida, que por sua vez se caracterizam

pelas pulsões narcísicas. De forma sucinta, percebemos que a pulsão de morte para

Freud (1920) possibilita um regresso à um estado anterior e inorgânico do sujeito.

Essa questão relacionada ao dualismo funcional é apresentada em um

artigo elaborado por Freud entre 1919 e 1920 intitulado, Além do princípio do prazer

(1920). Em seu conteúdo ele apresenta a questão do movimento de retorno ao

estado anterior, aborda a universalidade do caráter restaurador e regressivo das

pulsões, sua índole ativa, agressiva e lutadora. De um lado o princípio do prazer

regido pela pulsão de vida, de outro, uma marca da pulsão de morte uma compulsão

à repetição3 que coloca como centro o desprazer. Freud levanta a hipótese de que a

3 É na tentativa de compreender o jogo de seu neto que permite a colocação mais precisa das

indagações suscitadas pela "repetição do evento traumático". Freud se pergunta porque o menino reencena o desaparecimento do carretel/mãe: se se trata aí de uma pulsão de domínio que o compele a assumir um papel ativo face a experiência passiva de ser deixado, diariamente pela mãe, revelando assim que a expressão de um impulso hostil poderia ser um evento mais primário na vida psíquica e independente do princípio do prazer, ou se a repetição do evento desagradável não era mais que uma mera pré-condição para que se reproduzisse o prazer ligado ao ansiado retorno da mãe.

31

compulsão à repetição de um fato desagradável indica a existência de algo mais

primitivo, elementar e pulsional, em cada ser, não existindo uma oposição entre as

pulsões de vida e morte, mas uma relação contínua. Sendo assim, a compulsão à

repetição se estabelece como um mecanismo de defesa da psique que se explica

justamente através da pulsão de morte e do desejo de regredir à esse estado

inorgânico e anterior do sujeito como reconciliador dos estímulos interiores.

Por essa razão, os problemas da sociedade, não se encontrariam

somente nessa incompatibilidade entre a satisfação dos impulsos sexuais e a

energia desprendida para o trabalho, ou seja, o conflito entre o princípio de prazer e

o princípio de realidade. Freud (1920) coloca a existência de outra força que age em

sentido diferente, possibilitando um retorno a um estado anterior que sempre fora

barrado. A pulsão de morte se define como aquela que é capaz de resolver a tensão

da relação do sujeito e a sociedade, regredindo à um estado inorgânico. Ela

representa um mimetismo onde o sujeito se assemelha àquilo que está morto, sem

movimento, assim como Ulisses preso ao mastro do navio em sua atitude de

autoconservação e suprimento de sua possibilidade de deleite ante ao estímulo

erótico.

A história da civilização humana é marcada por esse recalque resultado

de uma constante luta afetiva entre o Super-eu e o Eu. Para Freud, a consciência

moral do sujeito reside na função do Super-eu em controlar, vigiar e punir

determinados pensamentos e ações, julgando-as e posteriormente nutrindo o

sentimento de culpa. A parcela consciente do sujeito e que representa a realidade, o

Eu recebe constantemente interferências do Super-eu – esfera que podemos defini-

la como a instância que proclama a lei moral – e também do Isso – a região da

mente que governa as pulsões sexuais, desejos recalcados que permanecem

inconscientes. No Isso agem as pulsões de vida e de morte, esforçando-se em

satisfazê-las, nele também não impera nenhuma ordem temporal ou valores, seu

objetivo é satisfazer o prazer. Para projetar-se, a humanidade precisou eliminar a

natureza continente da felicidade humana, seus instintos e prazeres, e o retorno do

que foi recalcado, representa tudo isso que se negou e que está latente podendo

ressurgir de maneira regressiva e negativa. Essa renúncia evidencia a tentativa da

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civilização de não permitir que o homem possa retornar ao seu estado anterior da

história, por isso a existência das regras que visam restringir nos homens a

satisfação de seus impulsos mais primitivos, originados por aquela carga libidinal

existente em cada ser humano.

A civilização não tenta apagar somente as pulsões sexuais, mas também

a agressividade. Por isso, a cultura tem a tarefa de ligar os homens em laços

inibidos de amor, desviando essa pulsão para o trabalho e outras atividades como a

religião e amizade, para que essa agressividade que ameaça a ordem da civilização

seja superada. Todavia, a agressividade ainda persiste perturbando essa ordem. É

nesse contexto que Freud coloca o conceito de pulsão de morte, como a outra força

que convive mutuamente com o indivíduo, ao lado da pulsão de vida. A pulsão de

morte pode ser descrita como uma vontade de regresso à um estágio anterior, capaz

de conciliar as tensões existentes, colocando o sujeito em meio a um estado

completamente inorgânico. Ainda que não se possa especificar de que maneira tais

pulsões se apresentam, a agressividade pode ser considerada a manifestação mais

visível da pulsão de morte, onde o ser humano é capaz de ver no outro a satisfação

de seus impulsos agressivos.

Ainda sobre a temática de sacrifício e renúncia, essa também se faz

presente na filosofia de Nietzsche, permeando o conceito de ideal ascético na

terceira dissertação de Genealogia da Moral (1998). Após discutir a origem histórica

da moral e seus conceitos valorativos, bem como inversão desses valores ocorrida

na sociedade, o autor apresenta o ideal ascético como um valor de vida ideal

máximo da moralidade, eis que se torna um antídoto para evitar as dores

existenciais, porém, não afastando as causas efetivas do sofrimento, mas a total

ausência de dor. Essas virtudes narcóticas e calmantes não seriam apenas

desfrutadas pelos sacerdotes ou homens de religião, os homens da ciência moderna

também internalizaram esse ideal, que por essa razão estariam cada vez atuantes,

Ah, o que não esconde hoje a ciência! O quanto não deve esconder! A competência dos nossos melhores doutores, sua impensada diligência, sua cabeça a fervilhar dia e noite, mesmo sua mestria no ofício - com que frequência o sentido de tudo isso esteve em não deixar que uma coisa se tornasse clara para si própria! A ciência como meio de autoanestesia: vocês conhecem isto? Por vezes os ferimos – todo aquele que anda com doutores

33

o sabe - até a medula com uma palavra inofensiva, indispomos contra nós nossos amigos doutores no instante em que acreditamos lisonjeá-los, fazemos com que percam a compostura, apenas porque fomos demasiado rudes para perceber com quem estamos realmente lidando, com sofredores que não querem confessar a si mesmos o que são, como gente entorpecida e insensata que teme uma só coisa: ganhar consciência...( NIETZSCHE, 1998, p.137).

Na modernidade, a atuação desse ideal ascético principia da ideia da

renúncia de si mesmo e da vida à sua menor expressão: nada de desejo, vontade ou

prazer, em que a felicidade vem do silêncio da vontade. Essa situação seria

acalentada pela existência da compensação garantida em face das misérias

terrenas, consolo na crença da redenção, onde o progresso científico-tecnológico

culminaria na efetivação de um futuro melhor. Tudo isso se insere na atividade

frenética da consciência demasiadamente ocupada com o alcance dos seus índices

de produtividade, desviando o foco de interesse do sofrimento, a consciência acaba

atordoada e incapaz de se reconhecer. Essa renúncia leva à justificação do

sofrimento, fazendo surgir o desejo da dor, para trazer significado a existência

humana, por isso, “o homem, o animal mais corajoso e mais habituado ao

sofrimento, não nega em si o sofrer, ele o deseja, ele o procura inclusive, desde que

lhe seja mostrado um sentido, um para quê no sofrimento” (NIETZSCHE, 1998,

p.137).

Por essa razão, o homem vê no ideal ascético as condições favoráveis

para a interpretação de sua existência, já que oferece uma ordem e um sentido ao

afirmar a busca da verdadeira realidade que está “para além” dessa vida. Para

Nietzsche, tal ideal propiciou uma vida de contradição, pautada na negação dessa

própria vida como valor, negação do corpo e das paixões que deveriam ser

rebaixados a uma ilusão para que pudesse enfim experimentar o real autêntico

(NIETZSCHE, 1998). Surge a necessidade de criar meios de preservação e

autoconservação da vida, sob a custódia de uma domesticação civilizada, a qual se

identifica com o afastamento do homem de seus instintos naturais, isto é, com o

enfraquecimento do homem e negação de toda a natureza existente em ser homem.

Apresenta-se como a “cura” para os males, para o sofrimento, mantendo a condição

doentia do homem. Ao invés de intensificar a vida, estimula o desejo de ser outro e,

34

Precisamente o “poder” do seu desejo é o grilhão que o prende aqui. (...) precisamente por este “poder” o senhor mantém apegado à vida todo rebanho de malogrados, desgraçados, frustrados, deformados, sofredores de toda espécie, ao colocar-se instintivamente à sua frente como pastor. Já me entendem: este sacerdote ascético, este aparente inimigo da vida, este negador – ele exatamente está entre as grandes potências “conservadoras” e “afirmadoras” da vida. (NIETZSCHE, 1998, p. 110)

Nesta perspectiva Nietzsche buscou demonstrar como o ideal ascético

cultivou a cultura humana como rebanho, enaltecendo uma relação com o outro que

nega a si mesmo e o sofrimento, além de projetar em tal relação à expressão

equivocada da culpa e da esperança da salvação. O objetivo do ideal ascético pode

ser traçado de maneira geral, como a tentativa de preservar a vida como antivida,

como deslocamento da mesma para uma significação ideal alheia às reais

implicações da existência: inventou- se a noção de “além” e “mundo verdadeiro”,

para desvalorizar esse único mundo existente – para não deixar à nossa realidade

terrena nenhuma finalidade, razão ou tarefa.

A tentativa de esquecimento do passado mítico pelo homem esclarecido,

o sacrifício da natureza interna, a renúncia aos prazeres em nome do progresso da

civilização são temas discutidos por Freud em Mal estar da civilização (1978) e que

Adorno e Horkheimer pontuam durante quase toda a Dialética do Esclarecimento. O

enlace desses temas com o que nos diz Nietzsche (1998) sobre o ideal ascético,

propõe uma conclusão de que o sacrifício a que se submeteu o homem em prol de

uma harmoniosa civilização, culminou em uma violência contra si mesmo e na

dissolução de valores morais. Acostumado a renunciar sempre, o homem vive o

sofrimento como parte inescapável da vida enquanto se espera a salvação. Com a

morte da natureza – pois essa se torna um objeto – a civilização ocupa seu lugar e

castiga de maneira brusca fazendo com que o sujeito perca sua subjetividade em

meio à pressão social. Por fim, o indivíduo se encontra anulado diante do

capitalismo tardio, se tornando peça fácil de manipulação da indústria cultural ou

sofre a violência dos regimes totalitários.

Os resultados nefastos dessa constante dominação dos instintos, além do

poder sem limite ante as relações sociais e o afastamento do homem em relação a

sua sensibilidade enquanto ser oriundo da natureza é o triunfo dessa sociedade

esclarecida que pretendeu civilizar esse mundo sob a ótica da identidade e

35

repressão. Todavia, os mecanismos compulsivos e arcaicos estão sempre prontos à

voltar-se contra a civilização, como o antissemitismo e o preconceito de qualquer

espécie. Por isso, Adorno e Horkheimer apresentam o processo do antissemitismo

como aspecto totalitário e autoritário do esclarecimento que reina em todas as

manifestações do capitalismo tardio.

2.3 ELEMENTOS DO ANTISSEMITISMO: O DISCURSO DO PRINCÍPIO DE

IDENTIDADE

Nos tópicos anteriores se discutiu e apresentou como o projeto de

emancipação defendido pelo Esclarecimento acabou por levar a civilização

esclarecida à um estado catastrófico de barbáries. O empobrecimento da relação

dos homens com a natureza, reduzidas ao aspecto da dominação pura e simples,

ligando-se à perda progressiva da capacidade emancipatória, tornou o

esclarecimento unilateral e totalitário.

Em “Elementos do antissemitismo”, sessão da Dialética do

Esclarecimento, há um exame do antissemitismo nazista como um desdobramento

do processo do esclarecimento em sua fase mais avançada, o qual tem suas origens

confundidas com a origem da própria civilização ocidental. Tal atitude remete sua

fundação no controle rígido da natureza, tanto externa quanto interna e no domínio

progressivo da componente instrumental sobre a capacidade emancipatória da

racionalidade. Em seus aspectos antropológicos, o antissemitismo tem como

fundamento a mímesis racionalizada e a falsa projeção. Segundo os autores essa

dominação cega da natureza, culmina no antissemitismo, ao consumir o que poderia

transcender o ciclo natural, o potencial subjetivo do indivíduo.

Acerca desse contexto, Adorno e Horkheimer expõem o significado da

mímesis no interior da cultura. Ela foi proscrita a fim de se alcançar o progresso

racional da civilização, se estabelecendo como uma mímesis racionalizada, que

seguindo as definições dos autores possui três fases: primeiro, ela corresponde à

mímese originária, a pura adaptação física do indivíduo à outro organismo uma

espécie de mimetismo correspondente a todos os seres em fase de adaptação. A

segunda, diz respeito a uma mímesis organizada pelo rito mágico e por último, a

36

mímesis substituída pelo trabalho como práxis racional. Em suma, a história da

espécie humana tem como início, as relações entre os homens e natureza, como

uma relação mimética, de aquisição de saber para garantir a autoconservação, fase

de adaptação orgânica ao outro que foi substituída pela manipulação organizada

culminando na práxis racional da história da humanidade:

O rigor com que os dominadores impediram no curso dos séculos a seus próprios descendentes, bem como às massas dominadoras, a recaída em modos de vida miméticos – começando pela proibição de imagens na religião, passando pela proscrição social de atores e ciganos, chegando, enfim, a uma pedagogia que desacostuma as crianças de serem infantis – é a própria condição da civilização. A educação social e individual reforça nos homens seu comportamento objetivamente enquanto trabalhadores e impede-os de se perderem nas flutuações da natureza ambiente. (DE, p. 149)

A vitória da sociedade civilizada é sobre a natureza, ela soube substituir o

simbólico das magias e das religiões pelo pensamento racionalizado e unificador,

enquanto sentenciava a perseguição aos atores, ciganos ou aos que relembrassem

aspectos de uma liberdade próxima da natureza. Aos homens foi concedido o direito

e a obrigação do trabalho. Esses mecanismos de proibição são tanto mais intensos

quando tentam impedir, não somente a recordação do medo primitivo, mas também

a lembrança dessa felicidade originária se consignou, na dissolução dos limites

subjetivos. Enquanto modo de comportamento, a mímesis racionalizada está

próximo do proibido, sob o qual se constroi a civilização, que para garantir seu

desenvolvimento, não lhe restaria outra alternativa a não ser dominar aquele outro

totalmente ameaçador, a natureza.

Entretanto, ela não supre a necessidade de dominação, pois há afinidade

com esse outro, em um primeiro momento ela é adaptação às ameaças da natureza,

e assim como uma criança imita um adulto, o selvagem se iguala à natureza para

tentar sobreviver. Ocorre que esse aprendizado mimético não é relevante para a

humanidade que estabeleceu o conceito de racionalidade como perspectiva de

progresso, o caminho que a humanidade trilhou para a civilização, se desvencilhou

da identidade com a natureza e se tornou o produto do controle e da manipulação: o

trabalho.

37

No antissemita, a mímesis racionalizada é uma recuperação regressiva

daquela mímesis incontrolada, nesse caso, ele é o “civilizado” que aprendeu a

reprimir seus impulsos miméticos, que se manifestam em toda diversão ou algum

comportamento que envolva a assimilação física da natureza, como tocar,

aconchegar-se, cheirar e coçar (DE, p.152). Esses traços de uma natureza não

domesticada, o antissemita “percebeu” nos judeus, provocando a repulsa pelos atos

miméticos e a fúria homicida, satisfazendo assim também, os seus próprios impulsos

miméticos reprimidos. O mundo para o antissemita é seu campo de caça, dotado de

suas próprias características interiores e violentas, porque, na verdade, o que se

repele por sua estranheza é demasiado familiar. A percepção dos homens acerca de

seus próprios traços miméticos só acontece no encontro com os gestos e

comportamentos do outro. O ódio que os antissemitas sentem dos judeus, os fazem

ceder à sedução mimética, assim ao passo que odiavam eles os imitavam

constantemente.

Os gestos das mãos, as entonações ao falar e os demais aspectos

fisionômicos deixavam aos que se consideram civilizados (os antissemitas) o prazer

de imitar desde que, através de um processo racionalizado se pudesse destruir. O

comportamento mimético deveria estar ao lado da instância repressora, pois “quem

fareja os cheiros para eliminá-los, maus cheiros, pode imitar à vontade o fungar que

encontra no cheiro um prazer não racionalizado” (DE, p.152,). Maldosamente o

esquema antissemita saboreia essa mímesis que se encerra pelo terror com que se

executou suas vítimas, por isso, os fascistas se escondem em rituais para dar vazão

aos seus impulsos miméticos reprimidos sem que possam ser percebidos,

A fúria, o escárnio e a imitação venenosa são a rigor a mesma coisa. O sentido das fórmulas fascistas, da disciplina ritual, dos uniformes e de todo aparato pretensamente irracional é possibilitar o comportamento mimético. Os símbolos engenhosamente arquitetados, próprios a todo movimento contrarrevolucionário, as caveiras e mascaradas, o bárbaro rufar dos tambores, a monótona repetição de palavras e gestos são outras tantas imitações organizadas de práticas mágicas, a mímese da mímese. (DE, p.152).

A mímesis da mímesis se constitui como uma mímesis organizada na

qual a adesão ao impulso mimético é direcionada a uma racionalização, é a

liberação daquilo que fora proibido, mas que se identifica com sua unidade

38

repressora. Esse mecanismo faz aflorar o desejo pela prática mimética do sacrifício

(ALVES, 2003), estágio alcançado em que o horror se abateu mais fortemente sobre

os judeus, alienando a civilização e regredindo-a ao seu estágio mais primitivo.

Diante da força com que os “civilizados” se dispuseram a eliminá-los da

humanidade, os judeus4 foram necessários a esse mecanismo não por terem

verdadeiramente em si características miméticas repugnantes que causariam a

infecção maligna da sociedade, mas sim porque a trajetória do povo judeu na

história da humanidade faz dele o povo eleito como mal absoluto pelo mal absoluto

(DE, p.139).

Nesse sentido, o antissemitismo será entendido por Adorno e Horkheimer

como ponto negativo para o alcance da humanidade plenamente esclarecida e a

escolha dos judeus como povo eleito para o qual se destina todo o ódio e

perseguição não segue um motivo racional. O antissemitismo está para os autores

como uma espécie de paranóia social organizada, por isso, é importante ressaltar o

outro viés antropológico que circunda essa questão: a aniquilação da

particularidade, proclamada pelo antissemitismo por meio do mecanismo da falsa

projeção, que coloca como máxima a adaptação do mundo ambiente assemelhado

ao sujeito e não o oposto como acontecia na mímesis da adaptação do homem ao

meio circundante (TIBURI, 1995). Há a construção do sujeito sobre o controle dessa

projeção, sobre a distinção do que é seu e o que é alheio como uma atitude de

defesa.

Para Adorno e Horkheimer, o mecanismo da falsa projeção seria o

reverso da mímese genuína – aquela que se refere à adaptação do sujeito ao

ambiente, e que está intrinsecamente relacionada à existência – e próximo de uma

mímese recalcada, utilizada pelos líderes fascistas para impor um determinado

4 Sobre a busca por uma justificativa para a escolha do povo judeu como um povo eleito para o qual

se dirige todo ódio, encontramos essa citação de Alves: “Por que os judeus se prestam a essa função? A resposta, para os autores, está na posição ambígua que os judeus têm ocupado na história: ao mesmo tempo como vanguarda do processo do esclarecimento, por exemplo, na religião, onde realizaram a destituição da magia no ritual – se dá o mesmo na economia, onde foram os pioneiros no avanço de formas mercantis – e, por outro lado, como comunidade usada pela dominação como vítima expiatória do processo civilizatório.” (ALVES, 2003, p.47)

39

comportamento como forma de conduta, onde “os impulsos que o sujeito não admite

como seus e que, no entanto, lhe pertencem são atribuídos ao objeto: a vítima em

potencial” (DE p.154). Por isso, a projeção não seria patológica em seu todo, mas a

partir do instante em que falta a reflexão, ela se torna um mecanismo patológico.

Em certo sentido, perceber é projetar. A projeção das impressões dos sentidos é um legado de nossa pré-história animal, um mecanismo para fins de proteção e obtenção de comida, o prolongamento da combatividade com que as espécies animais superiores reagiam ao movimento, com prazer ou desprazer e independentemente da intenção do objeto. A projeção está automatizada nos homens, assim como as outras funções de ataque e proteção, que se tornaram reflexos. É assim que se constitui seu mundo objetivo, como um produto daquela "arte escondida nas profundezas da alma humana cujos procedimentos dificilmente haveremos de arrancar à natureza e expor aos olhos de todos” (DE, p.155).

Encontramos nessa descrição dos autores sobre a projeção como

percepção, a conclusão de que a assimilação do conhecimento se faz pela relação

entre sujeito e objeto, nesse sentido, o homem projeta no objeto o que esse objeto

seria, posteriormente, através da experiência ele faz a distinção entre o que ele

projetou e o que o objeto é verdadeiramente. Na falsa projeção, porém, há a falta de

um desses pólos, se há apenas o sujeito, ela não percebe o objeto, mas transfere à

ele as características que deseja e abandonada a relação dialética com o objeto, o

percebido é reduzido ao mesmo, ao idêntico e controlado. O sujeito acredita,

portanto, ter o controle total sobre o objeto, possuindo a sua verdade, sem, contudo,

submetê-lo à experiência.

Esse processo de projeção é semelhante ao que ocorre nos casos de

paranoia da psicanálise, nesse ponto encontramos uma forte ligação com a teoria

freudiana da projeção inconsciente5, em que o indivíduo transfere para outrem os

seus próprios sentimentos e representações que ele não encontra lugar dentro de

sua interioridade. Segundo os autores, há uma semelhança entre o antissemita e o

paranóico, que não faz sua escolha livremente, mas obedecendo às leis de sua

5 Em seu escrito Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia

(dementia paranoides) (1911), Freud, tendo em vista o caso do paciente identificado como Dr. Schreber, estabelece a relação íntima do mecanismo de projeção com a paranóia, para em seguida apontar para a possibilidade de a projeção ser também um comportamento enraizado no próprio embate da consciência com o mundo exterior, sendo fundamental na formação da experiência que temos do mundo. (Sigmund Freud, op. cit., 1911, Capítulo III: "Sobre o mecanismo da paranóia").

40

doença. Ele não pode suportar a imagem que constroi acerca do judeu, e para poder

melhor destruí-la com a consciência pacificada, exalta uma imagem que guarda os

traços insuportáveis da felicidade sem poder, da remuneração sem trabalho, da

pátria sem fronteira, da religião sem mito. Para os autores:

O patológico no anti-semitismo não é o comportamento projetivo enquanto tal, mas a ausência da reflexão que o caracteriza. Não conseguindo mais devolver ao objeto o que dele recebeu, o sujeito não se torna mais rico, porém, mais pobre. Ele perde a reflexão nas duas direções: como não reflete mais o objeto, ele não reflete mais sobre si e perde assim a capacidade de diferenciar (DE, p. 156).

Há nessas considerações uma explicação sobre o caráter subjetivo do

antissemita incapaz de conhecer a si mesmo e de diferenciar o que percebe da

realidade. Os autores remetem essa subjetividade à relação entre mito e

esclarecimento, pois o antissemitismo é considerado também como um mecanismo

compulsivo da civilização sempre pronto a voltar-se contra o homem. A falsa

projeção remete a um esquema originário da civilização, um gesto pelo qual o ego

se forjou, enrijecendo-se contra a indiferenciação da natureza.

O mecanismo que a ordem totalitária põe a seu serviço é tão antigo quanto a civilização. Os mesmos impulsos sexuais que a raça humana reprimiu souberam se conservar e se impor num sistema diabólico, tanto dentro dos indivíduos, quanto dos povos, na metamorfose imaginária do mundo ambiente. O indivíduo obcecado pelo desejo de matar sempre viu na vítima o perseguidor que o forçava a uma desesperada e legítima defesa, e os mais poderosos impérios sempre consideravam o vizinho mais fraco como uma ameaça insuportável, antes de cair sobre eles. (DE, p. 154)

As tendências objetivas do esclarecimento deformaram o antissemita

que se tornou incapaz de fazer reflexões coerentes sobre suas próprias pulsões e

sua consciência moral. Os autores falam de uma “idiossincrasia”, a repulsa pelo que

é considerado estranho, sem nenhuma fundamentação, apenas por uma

repugnância compulsiva pelo resíduo de natureza não domado pela civilização, no

caso do judeu, há a sua redução à pura raça. Tal pensamento objetivador é típico

da sociedade esclarecida, que realiza a anulação do não-idêntico. Na gênese da

“dialética do esclarecimento”, os autores ressaltam o princípio de identidade como

fundamento da racionalidade ocidental que na relação homem/natureza rege um

comportamento baseado na dominação e na redução de toda particularidade ao

universal abstrato da identidade.

41

A mesma fragilidade de relação que ocorre na esfera econômica

dominada pelo “princípio do equivalente”, a qual cabe a possibilidade de troca e de

substituição das coisas por outras, por essa razão, o princípio de identidade

estabelece uma proximidade com o princípio da troca mercantil. Enfim, poderíamos

afirmar que as práticas nazistas e fascistas quando se destinaram a eliminar um

determinado grupo, agiram conforme o princípio de identidade que, como filho do

esclarecimento, prometeu organizar o todo desigual. A razão estabeleceu critérios

de “troca equivalentes” baseados nas trocas mercantis e pelo princípio de

autoconservação a civilização passa a destruir aquilo que não for equivalente, que

não for idêntico aos critérios já antes determinados pela racionalidade. Por esse

motivo, a sociedade do capitalismo tardio será marcada pelo racismo e pelo

totalitarismo, assim como pela indústria cultural.

É só enquanto tal imagem e semelhança que o homem alcança a identidade do eu que não pode se perder na identificação com o outro, mas toma definitivamente posse de si como máscara impenetrável. É a identidade do espírito e a seu correlato, à unidade da natureza, que sucumbem as múltiplas qualidades. (DE, p. 19.)

Frente ao todo avassalador, os judeus, assim como quaisquer outros

grupos perseguidos, representam essa reserva da não-identidade, alvos da

dominação ávida em apagar os vestígios de um estado pré-histórico, que parece

não ter se submetido à repressão do processo civilizatório. Por isso, a crítica aos

sistemas filosóficos idealizadores e totalitários apresenta no pensamento de Adorno,

a preocupação com o princípio de identidade, que pretendeu organizar o todo

desigual. Por conseguinte, a despreocupação desse princípio com as

particularidades da vida social e a busca por uma integração fictícia, propicia

discursos e comportamentos morais que, segundo o autor, moralizaram a prática do

sofrimento e o distanciamento da razão em relação à sensibilidade.

Tal quadro conclama a urgência de se pensar pelo viés do não-idêntico,

pelo ponto de vista do não pensado, do incondicionado. As atrocidades assistidas na

sociedade capitalista, afirmam a necessidade de se reaver a moral que norteia o

comportamento humano, e aceitar que a partir da filosofia adorniana, o não-idêntico

é a base de um novo discurso moral que pensa as diferenças dessa realidade que

pretendeu se fazer idêntica em si mesma. No capítulo que segue, essa discussão

42

será mais aprofundada, apresentando a concepção do conceito de identidade e a

possibilidade de que o seu oposto, o não-idêntico possa aproximar o sujeito de sua

esfera natural esquecida.

43

3 O NÃO-IDÊNTICO: PREMISSA DE UM NOVO DISCURSO MORAL

Apresentado as consequências nefastas de um pensamento identificador

e totalitário, o segundo capítulo se ancora na urgência declarada por Adorno de se

pensar pelo ponto de vista do não-idêntico. De maneira menos abstrata, a não-

identidade em seu pensamento, recolhe as particularidades esquecidas durante o

processo civilizador e identidário, que alcançaria sua expressão diante da revogação

dessa identidade reinante.

Falamos de um egoísmo burguês incapaz de sensibilidade diante do

sofrimento do outro, de uma repulsa por tudo aquilo que fora tomado como instinto

natural e puro. Todos aqueles que se encaixam nos ditames de uma sociedade feliz

e livre, que de certa forma burlam a ordem estabelecida pela civilização, atraíram

para si a idiossincrasia, o ódio sem justa causa e o desejo de vê-los sempre

distantes. As obras de Adorno falam dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial,

mas a atualidade aponta diversos grupos marginalizados que atraem para si tal

repulsa: os índios, os negros, ciganos, os homossexuais entre outras tantas minorias

que encontram seus direitos negados.

O pensamento que acolhe para si o princípio do não-idêntico é para

Adorno parte da tentativa em reformular conceitos morais e aproximar-se de uma

sensibilidade natural que fora perdida pelos processos de dominação e civilização

da sociedade capitalista. O sofrimento conceituado, justificado e esquecido pela

nossa história pode ser refletido por uma razão que permite a aceitação do não-

idêntico.

3.1 A CRÍTICA AO PRINCÍPIO DE IDENTIDADE

A totalidade pretendida pelo pensamento e pelas grandes correntes

filosóficas como condição da realidade efetiva, se tornou empiricamente irracional.

Assim, no pensamento adorniano, a história da natureza e da humanidade contém

essa contradição fundamental. A dominação da natureza humana se desenvolveu

como a dominação do homem pelo próprio homem, como um ato de violência em

que ao se proteger das ameaças da natureza, o indivíduo teve que aceitar a

dominação, a culpa e o sofrimento. A lógica do mercado que reduziu as relações ao

44

princípio da troca, onde tudo é redutível às leis e regras, está imerso também no

princípio de identidade, responsável por subjugar o particular ao universal.

A partir dessas considerações, o que Adorno pretende seria uma

reconciliação com a natureza esquecida, proposta pela razão, a única capaz de

resolver esse conflito. Para o autor, na filosofia residiria a possibilidade de superar o

conceito pelo próprio conceito. Através da crítica a razão seria conduzida por uma

perspectiva distinta do que ela se configurou. O conceito representa o pensamento

que procura definir a característica mais essencial de todo elemento pertencente ao

meio natural segundo o princípio de identidade, impondo a convicção de que ele

assegura a “verdade” de um determinado objeto. A possível reconciliação proposta

por Adorno estaria inviabilizada para ele, devido ao caráter irracional de uma razão

que construiu uma totalidade falsa que aos poucos perdeu sua verdade,

transformando-se em sua própria perversão, como foi Auschwitz ou a aparente

igualdade da sociedade, na Indústria cultural. Por isso, o método adorniano da

Dialética Negativa se propõe a compreender a objetividade do caráter coercitivo do

sujeito histórico, a partir de uma dialética que, segundo Adorno, se diferenciaria do

método hegeliano por ser unicamente negativa.

Essa figura da negação da negação se torna o ponto central do método

adorniano, propondo-se a explicar como seria possível manter essa negação

determinada sem recair sobre uma positividade. A negatividade da dialética

adorniana procura combater uma positividade que para o autor, se configura nessa

afirmação do todo sobre tudo que é particular e individual, em que o sentido é

reduzido pela identidade do todo, que na ordem do conhecimento, é o sujeito

cognoscente ou na ordem material, é a própria sociedade. Para Adorno, a negação

determinada hegeliana possui sua essência afirmativa porque ela estaria a serviço

da reprodução do todo como verdade dos momentos particulares, de tudo que é

limitado, o que, por sua vez, significa a dominação do sujeito sobre o objeto e da

razão sobre a natureza.

A crítica de Adorno à Hegel, ao afirmar que sua dialética é sempre

pensada em função de um resultado positivo está de acordo com a própria

compreensão hegeliana de seu método. Ao longo do prefácio à Fenomenologia do

45

espírito (1992), Hegel aponta para o fato de que a negação dialética possui uma

natureza produtiva, a negação não é aniquilação total, ela conserva aquilo que é

negado elevando a um nível superior, conduzindo então ao absoluto. Dessa

maneira, a contradição de uma determinada coisa resultaria em uma nova

positividade, que é em si mesma a negação da negação da coisa. Tudo é dessa

maneira, o desenvolvimento da ideia, por isso:

O verdadeiro é o todo. O todo, porém, é apenas a essência que se perfaz por meio de seu desenvolvimento. Do absoluto deve-se dizer que ele é essencialmente resultado, que só no fim ele é o que é em verdade; e sua natureza consiste justamente em ser efetivo, em ser sujeito ou vir-a-ser de si mesmo. (HEGEL, 1992, p. 31)

O desenvolvimento do absoluto ocorre por meio da negação determinada

de suas formas particulares e finitas, assim é possível pensar no desenvolvimento

do todo. No pensamento hegeliano a negatividade e totalidade estabelecem uma

relação estreita a fim de que se alcance essa verdade absoluta. Sua dialética

representa uma autocrítica contínua da coisa e seus limites até o alcance desse

estágio absoluto. Em Hegel essa contradição interna de cada forma finita recorre

sempre a uma mesma ideia fundamental: toda identidade de uma coisa é constituída

pela mediação interna com a não-identidade. Assim, a identidade não existe sem a

não-identidade, ela tem o seu outro dentro de si. Toda identidade finita é, assim,

contraditória, pois é mediada pelo seu oposto. Para a relação fundamental entre

sujeito e objeto, que é constitutiva do conhecimento, essa ideia da identidade

mediada pela não-identidade significa que o sujeito e o objeto se constituem

reciprocamente.

O percurso proposto por Hegel para elevar a consciência fenomênica à

consciência do absoluto acontece mediante momentos que se ligam dialeticamente,

um deles é o caminho percorrido pelo espírito infinito por todas as vicissitudes do

mundo e o outro é o plano histórico do espírito individual percorrido por essa mesma

via. A oposição sujeito e objeto precisa ser superada rompendo com toda

desigualdade entre esses dois pólos. É esse o significado último da totalidade: a

identidade absoluta entre o sujeito e o objeto. Esse estado de reconciliação presente

na totalidade hegeliana, é o alvo da crítica adorniana, não no que se refere a

proposta idealista do espírito do absoluto, mas ele é contra a tendência totalitária

46

que pretende subsumir tudo que lhe for diferente, o não-idêntico. A sociedade

administrada apresenta essa identidade igualitária, pois o indivíduo moderno perdeu

a sua razão subjetiva com a natureza, reproduzindo o contexto coercitivo em que

está inserido nas relações sociais e em sua própria individualidade. Na base dessa

crítica o princípio da identidade apresenta-se tanto no princípio do mecanismo social

e objetivo da troca de mercadorias, em que aquilo que é particular da coisa, o seu

valor de uso, é subsumido pelo seu valor de troca, por uma relação de equivalência

abstrata, como também é um princípio subjetivo do pensamento, do conceito.

O conceito é uma operação de identificação e, por isso, também de

dominação daquilo que não é conceitual, em última instância, da natureza. A

aquisição de conhecimento acontece a partir do processo de classificação abstrata e

de identificação através das percepções de nossa razão. O pensamento abstrato é

um passo ao conhecimento verdadeiro, que só acontece quando o indivíduo é

acometido pelo não-idêntico, produzindo contradições em seu pensamento,

constituindo assim o processo dialético negativo. Se o sujeito reconhece essas

contradições em seu pensamento e não tenta exterminá-las através de conceitos já

antes modulados, ele pratica a dialética negativa. Esse é o método que coloca em

questão a onipotência do conceitual que pretende abarcar tudo pela unidade do

conceito, por isso o princípio de não-identidade, enquanto negação determinada

desqualifica a promessa humana de adequar o conceito a uma determinada forma

histórica da realidade.

A noção da não-identidade em Adorno é articulada na Dialética do

Esclarecimento e na Dialética Negativa. Em ambas as obras esse conceito se

relaciona com a sua concepção de natureza. O não-idêntico é algo que se contrapõe

ao Eu, que deve ser superado para que esse eu possa se constituir como unidade

(DUARTE, 1993, p.66). Por isso, tudo o que é não eu, é natureza inferior, é mau, e

precisa ser eliminado. Na marcha da autoconservação esse é o espírito que domina:

a visão distorcida para o mau, daquilo de que se apodera. Na natureza, o não-

idêntico reside no individual, no particular, enquanto na coisa ele se liga àquilo que

resiste a sua identificação. É aquilo que não lhe é atribuído, mas lhe pertence.

Acerca disso, Alves (2003) lembra que essa concepção adorniana do não-idêntico

47

tem um parentesco com a coisa em si kantiana. Nas palavras de Adorno: “o que é, é

mais do que é. Esse mais não lhe é atribuído, mas lhe permanece – enquanto aquilo

que lhe é recalcado – imanente.” (DN, p.164)

Essa questão do não-idêntico, como aquilo que não é subsumido na

identificação, é retomada por Adorno quando ele fala da perseguição aos judeus, ou

outro grupo perseguido, que se configura numa reserva da não-identidade frente ao

todo avassalador. Os traços animalescos e grotescos que lembrassem o estado

natural do ser humano foram extintos pela razão durante o próprio processo

civilizatório. Nosso corpo assim como as nossas emoções passou por uma

administração racional e pelo crivo de um princípio idealizador de ser humano. A

razão passa a espelhar um princípio de identidade dela com ela mesma e o que está

fora de tal parâmetro precisa ser eliminado. A insegurança frente ao desconhecido

proveniente da natureza, e ao mesmo tempo, o pavor de rebaixar-se à ela, são

fatores para a afirmação do principio idealizador e totalitário. Como diz Adorno:

O círculo da identificação que nunca identifica por fim senão a si mesmo foi traçado pelo pensamento que não tolera nada no exterior; seu aprisionamento é sua própria obra. Uma tal racionalidade totalitária e por isso, particular foi ditada historicamente pelo elemento ameaçador intrínseco à natureza. Esse é seu limite restritivo. O pensamento identificador, a igualação de todo e qualquer desigual se perpetua por medo da sujeição à natureza. (DN, p.149)

Na Dialética do Esclarecimento, vê-se que o mito assim como o próprio

esclarecimento, continha em si um elemento de dominação e de estranheza desse

mundo natural, que precisaria ser controlado. Nesse apêndice “Elementos do

antissemitismo: limites do esclarecimento”, Adorno e Horkheimer apresentam a tese

de que o fascismo elegeu um povo, no caso os judeus, para designar contra ele todo

ódio e estigma de que eles são o povo que atrai para si a destruição de uma falsa

ordem social (DE, p.139) e que por esse motivo precisam ser exterminados.

O que a filosofia anti-sistemática de Adorno propõe, é uma atitude de

resistência frente à coerção da identidade exercida pela razão dominadora. Por essa

razão, pensar em um discurso moral, apoiado no princípio da não-identidade, remete

ao inexpressivo, àquilo que há muito adormeceu, e que por isso reclama uma atitude

de materialidade corpórea que se compadeça da situação alheia (CHIARELLO,

48

2006). Uma moral nesses parâmetros não se fundamenta na elaboração de normas

universais, ela permite à razão refletir sobre si mesma e encontrar nos seus limites

atitudes de resistência à realidade apresentada, não aceitando, por exemplo, o

sofrimento humano e as práticas de tortura. Por isso a insistência do autor para se

pensar em Auschwitz, na tentativa de reelaborar o passado, não permitindo que ele

aconteça novamente.

3.2 FUNDAMENTO DE UMA MORAL PÓS- AUSCHWITZ: O NÃO-IDÊNTICO

As considerações expostas até aqui principiaram da mesma ideia já antes

proposta pelos autores da Dialética do Esclarecimento: de que maneira se pode

compreender a situação de constante regressão, em seu aspecto social e cultural,

em que a humanidade esclarecida se encontra? O caminho traçado revelou como o

programa do esclarecimento culminou na ideologia da identidade, capaz de violentar

ainda mais o indivíduo e por em questão os principais expoentes da razão

esclarecida. Além disso, outras questões se fazem pertinentes nesse contexto, como

a denúncia da componente irracional do extermínio administrado em massa dos

campos de concentração, não na ausência de razão ou sua aplicação deturpada e

insana, mas na própria racionalidade enquanto tal.

Por isso, a discussão conduz a outro ponto relevante acerca da

possibilidade da construção de novos discursos morais que dêem conta do estado

violento e repressivo que marca a vida em sociedade. Para Adorno e Horkheimer, os

fatos que permearam o advento da Segunda Guerra Mundial e a barbárie nazista,

não podem ser compreendidos como fatos isolados de uma loucura coletiva, ou do

contrário, estaríamos sempre a repetir essa mesma violência que se tenta combater.

Tais acontecimentos, segundo Adorno, devem ser analisados não somente em

termos gerais, mas também naquilo em que está a sua particularidade mais

corriqueira e relacionada a aspectos comuns do cotidiano, para além dos campos de

concentração. A violência e o absurdo que ocorriam em Auschwitz não eram

totalmente desconhecidos e só aconteceram porque já eram de alguma maneira,

encorajados por uns e tolerados por outros há tempos.

49

O estigma que pesa sobre a cultura “depois de Auschwitz” – essa

refinada cultura burguesa alemã que propiciou o acontecimento do extermínio –

surge na filosofia negativa de Theodor Adorno em diversos momentos e de modo

angustiante. Como o persistente sobressalto do judeu que deveria ter sido

assassinado no campo de concentração e que, por dadas circunstâncias, não o foi,

enquanto milhões de outros o foram em seu lugar. Para o filósofo persiste a

sensação de que, depois dessa fatalidade, toda afirmação de positividade da

existência é um ato de injustiça contra as vítimas. Será sua argumentação um

desabafo enquanto judeu, por sentir na pele a dor contínua pelo que aconteceu com

os seus idênticos? É certo que sim; mas também porque, apesar do que aconteceu,

a frieza burguesa, a indiferença pelo não-idêntico, continua alimentando o

esquecimento das tragédias e preparando condições para que outras aconteçam, e

de maneira automática, os que sobrevivem já participam dessa frieza. Esse

argumento é exposto na afirmação que se segue:

O sofrimento perenizante tem tanto direito à expressão quanto o martirizado tem de berrar; por isso é bem provável que tenha sido falso afirmar que depois de Auschwitz não é mais possível escrever nenhum poema. Todavia, não é falsa a questão menos cultural de saber se ainda é possível viver depois de Auschwitz, se aquele que por acaso escapou quando deveria ter sido assassinado tem plenamente o direito à vida. Sua sobrevivência necessita já daquela frieza que é o princípio fundamental da subjetividade burguesa e sem a qual Auschwitz não teria sido possível: culpa drástica daquele que foi poupado. (DN, p. 300)

Dentre as condições psicológicas que tornaram Auschwitz possível, a

mais decisiva talvez tenha sido essa frialdade reinante, ou seja, essa incapacidade

de amar e de identificar-se com o outro, a indiferença diante do próximo e a

perseguição dos interesses próprios em detrimento dos demais (ADORNO, 1995). E

essa frialdade, além de ser traço da personalidade, é reflexo da organização

econômico-social, guiada por uma racionalidade de exploração, aumento da

produtividade e maximização dos lucros, baseando a competitividade. A

perversidade latente da realidade, considerada normal, coloca a existência dos

campos de concentração como uma caricatura grotesca desse mecanismo de

dominação e exploração econômica.

O que se pode afirmar, é que a Shoah se torna um marco para Adorno,

porque nele se imprime o processo de dominação totalitária em curso na história da

50

civilização. Em Dialética Negativa, Auschwitz é a confirmação do princípio de

identidade como princípio de morte, ele mostra como o princípio de autoconservação

prevalecente finda-se por converter-se no seu oposto: aniquilação do indivíduo. Tal

barbárie “deflagrou o paradoxo da razão tecno-científica, [...] é lugar emblemático do

falimento da razão ocidental como experiência extrema do aniquilamento do não-

idêntico” (MAIA, 2012, p. 30).

Esse mecanismo de dominação totalitário e idêntico está sempre pronto

para deflagrar um processo de banimento ou repressão, elegendo um elemento a

ser estigmatizado e purgado, desde que haja a ameaça de irromper com a

identidade imposta: estrangeiros, despossuídos, sem-terras, ciganos e diversas

etnias e populações inteiras à margem do sistema capitalista. A preocupação com a

alteridade é sempre retomada por Adorno, para relembrar de que maneira o

processo emancipatório da humanidade foi responsável por reprimir e desconsiderar

o diferente. Na Minima Moralia, um aforismo chama atenção com sua premente

atualidade:

A asserção tão frequente de que selvagens, negros, japoneses parecem animais, por exemplo, macacos, já contém a chave para o pogrom. A possibilidade deste último é decidida no instante em que o olhar de um animal mortalmente ferido encontra o homem. A obstinação com que desvia de si tal olhar- ‘é apenas um animal’ - repete-se sem cessar nas crueldades cometidas contra seres humanos, nas quais os autores precisam confirmar sempre diante de um animal nunca puderam acreditar nisso por completo. (MM, p. 91).

A realidade atual expõe inúmeros corpos a serem dizimados, não por

Auschwitz, mas por outros campos de segregação. Como não classificar o

preconceito direcionado aos homossexuais, negros, pobres e o processo de

“sanitarização” das grandes metrópoles, ao varrerem a escória da sociedade, para

debaixo de viadutos, como uma atitude fascista e totalitária disfarçada? O horror

dos campos de concentração se encontra na indiferença e frieza calculista com que

se planejou o extermínio, sob os paradigmas de uma racionalidade instrumental que

obedece aos critérios industriais de eficácia e rendimento, negligenciando a

sensibilidade frente ao sofrimento do outro.

Existe uma necessidade urgente da sociedade capitalista em repensar as

questões que circundam a ideia de humanidade digna, política e moral. Para Matos

51

(1993), a unificação de questões políticas e éticas, assim como a moral e a

necessidade de transformação social, é um tema apresentado por Horkheimer em

um de seus ensaios intitulado Materialismo e Moral (1933). Nele o autor coloca o

sentimento moral como uma conduta que não se orienta com base nos artifícios da

sociedade burguesa que valoriza o prestígio do sujeito, mas como um caminho que

pode favorecer a vida feliz para todos, desde que a humanidade se empenhe para

isso. Diante de uma sociedade que atingiu a almejada riqueza, que exerce seu

domínio sobre as forças naturais e humanas, ela teria a obrigação de existir

orientada por valores dignos. Deveria garantir aos cidadãos os seus direitos ao invés

de ocultar para si a realidade de empobrecimento das relações sociais, da própria

cultura e a desigualdade social que propaga.

Para Horkheimer (1933 apud MATOS, 1993, p.83) o mundo caminha para

um desastre em que não se sabe como o destino humano é orientado, pois sua

condição individual não estabelece um paralelo com as verdadeiras atitudes que

defenderia em uma sociedade racional. Nesse sentido, não se pode defender um

agir moral que se guie pela dignidade, pois “não se evidencia, neste presente

caótico, até onde convicções e ações são realmente meritórias”. Nessa perspectiva,

“a moral propriamente dita das ações (mérito e culpa), mesmo a do nosso próprio

comportamento, nos permanece totalmente oculta. Percebemos os homens não

como sujeitos de seu destino, mas como objetos de um acidente cego da natureza,

e a resposta do sentimento moral a isto é a compaixão” (HORKHEIMER, 1933, apud

MATOS, 1993, p.83).

Entretanto, assim como já alertou Adorno em Mínima Moralia, essa

compaixão, na sociedade capitalista é uma espécie de humanitarismo que surge

como uma máscara para aceitação do que é desumano. Através dela é passível a

aceitação das desigualdades, do sofrimento e da violência causados. Para o autor,

“o menor passo no sentido de diverti-los é um passo para enrijecer o sofrimento”

(MM, p.20), como fez a indústria cultural que serviu a esse fim, de afirmação de uma

vida feliz, garantindo a todo indivíduo a sua inserção na totalidade porque ele vive o

medo constante da exclusão. Marcada pelo medo e ameaça, a consciência moral

desses tempos segue tolhendo as possibilidades de autoconsciência e liberdade do

52

homem, que sem essa autonomia acaba por enveredar-se em meio ao processo de

dominação e exploração. E essa é a história da burguesia: a exploração do homem

pelo homem.

Ainda que contenha em si a marca da exploração em sua essência

contraditória, a sociedade vislumbra a possibilidade de crítica e esperança de sua

superação. Somente pelo pensamento esclarecedor é permitido ao indivíduo tomar

consciência da dominação e libertar-se dela, pois assim pode-se pensar em

autonomia do sujeito, que então conseguirá agir moralmente. A sociedade regida

pelo progresso da dominação em todas as suas formas, onde o progresso técnico-

material é utilizado para produzir mais desigualdade e miséria para a maioria dos

seus membros que se encontram à margem do sistema, induzindo cada vez mais a

barbárie, determina uma concepção de moral muitas vezes relacionada à

justificação e indiferença perante o sofrimento.

As reflexões de Adorno a respeito da Shoah servem de ponto de partida

para se pensar em um novo discurso moral apoiado na materialização do sofrimento

do outro. Atitude essa que fora esquecida, porque dentro do processo de

racionalização, essa sensibilidade fora sublimada e tida como algo que relembra

uma fase puramente natural que precisava ser esquecida. É, portanto, esse impulso

que Adorno defenderá como essencial para que o indivíduo possa agir com

resistência diante do quadro de dominação, pois a liberdade da vontade existe como

liberdade irracional dessa mesma vontade. Quando o sujeito resiste ao que fora

condicionado historicamente como ação correta e age livremente, a ação se volta ao

que inicialmente não parece ser racional, ela volta-se para o sensível.

Essas consequências do projeto de emancipação do esclarecimento, não

anunciam a “morte da razão”, mas como já disse os autores da Dialética do

Esclarecimentoa crítica e o reconhecimento delas conduzem ao esclarecimento

verdadeiro. Na Dialética Negativa existe o empreendimento de uma crítica da razão

através de si própria, pelo que Adorno exemplifica como razão que permite o não-

idêntico. Assim o indivíduo pensa de maneira dialética negativa, aceita as

particularidades existentes na sociedade, rompendo com o discurso de uma

realidade idêntica e totalitária. A reconciliação da razão com sua face não idêntica

53

acontece pela aproximação com sua própria natureza, ou seja, com seu momento

sensível que fora esquecido no instante de sua tecnização.

O caminho que a razão percorre em direção ao seu não-idêntico, ou seja,

ao sensível, implica em uma aproximação em relação à natureza. Como que em um

exercício dialético negativo, a razão reage contra o aspecto unilateral da sociedade

instrumental no momento em que reflete o seu oposto, o não-idêntico. Nesses

termos, já podemos previamente afirmar que somente através de uma dialética entre

racionalidade e mímesis, a razão humana consegue compreender essa esfera

estética e expressiva que compõem o sujeito. Na obra de arte essa dialética se

apresenta como a única capaz de conciliar o espírito e a natureza, domínios que se

tornaram opostos e estranhos durante o progresso de dominação do esclarecimento.

Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se a natureza ou submeter

à natureza ao eu, e a ideia de reconciliação entre esses dois estados, é a única via

para se pensar em uma recuperação dessa não-identidade ou mesmo a

naturalidade do sujeito.

3.3 RECONCILIAÇÃO DA NATUREZA NO SUJEITO

O conceito de reconciliação (Versöhnung) entre sujeito e objeto se

relaciona em Adorno com uma espécie de redenção. Isso não significaria um literal

retorno a um estado anterior à civilização ou à cultura, mas a um estado a ser

alcançado dentro destas (ALVES, 2003). A separação entre sujeito e objeto se

constitui para o autor, indispensável para a formação do sujeito, livrando-o das

armadilhas do mundo mitológico e constituindo a civilidade desejada.

Essa atitude recorda um tempo longínquo onde o homem e a natureza se

relacionava em harmonia, em um mundo não transformado pelo trabalho e não

mediado pela história. A memória desse estado contrário à dominação presente traz

consigo a esperança de que essa condição seja estabelecida no futuro. Assim, os

termos redenção e salvação dizem respeito a essa espera pela salvação da

humanidade através da reconciliação entre os homens e a natureza, seja ela externa

54

e até mesmo a sua própria natureza (interna). Em Minima Moralia, Adorno aponta a

redenção6 como uma saída para o pensamento esclarecido, assim nos diz que:

O conhecimento não tem outra luz além daquela que, a partir da redenção, dirige seus raios sobre o mundo: tudo o mais exaure-se na reconstrução e permanece uma parte da técnica. Seria produzir perspectivas nas quais o mundo analogamente se desloque, se estranhe, revelando fissuras e fendas, tal como um dia, indigente e deformado, aparecerá a luz messiânica. Obter tais perspectivas sem arbítrio nem violência, a partir tão-somente do contato com os objetos, é a única coisa que importa aos objetos. (MM, p. 215-216 grifos meus)

Essa rememoração é como uma reação da dialética negativa contra a

resposta unilateral fornecida pela indústria cultural e pela propaganda fascista, que

negam e manipulam de forma autoritária o momento de natureza dos sujeitos. É

uma espécie de busca por um estado de paz, em que o ser humano é capaz de

relembrar essa natureza desmembrada, que, por conseguinte tornaria possível o

desvencilhamento em relação à experiência da identidade da totalidade, ou seja, a

razão vai ao encontro do não-idêntico. Essa rememoração é o momento de

recuperação da não-identidade do sujeito, a possibilidade da união entre o ser

humano e sua natureza. Entretanto, Adorno sabe que, como postula a psicanálise, a

tentativa de reconciliação entre a natureza e indivíduo em muitas situações pode

aflorar de modo perverso, como liberação de estados antes reprimidos, como

ocorreu com o nazismo.

Segundo Alves (2003), se o antissemitismo e a indústria cultural realizam,

de forma maldosa e perversa, uma reconciliação entre humano e natureza, caberia,

no espírito da dialética negativa adorniana, valorizar a ideia de que é somente na

separação refletida entre ambos os pólos - quando identidade e não identidade

possam encontrar um lugar não hierárquico - que se encontra a possibilidade de

reconciliação. "O espírito que recorda seu momento de naturalidade poderia, com

efeito, desembaraçar-se do destino, imposto pelo esclarecimento, que o obriga a

voltar-se contra ela como violência." (ALVES, 2003, p. 125). Por meio do exercício

6 Importante notar que esse termo redenção, assim como luz messiânica que aparece nessa citação,

representa a tamanha influência do pensamento de Benjamin sobre Adorno. Em Teses sobre o conceito de história (1940), Benjamin apresenta uma concepção de história que rompe com a noção de tempo homogêneo e com a crença numa ideia de progresso. A ideia de redenção se coloca como uma tentativa de revisitar o passado e apresentar a história dos esquecidos colocando em questão aquilo que fora silenciado.

55

da reflexão do conceito – se dirigindo àquilo que não é conceitual - e não contra ele,

é que é possível o alcance da natureza, não em sentido literal, visto que nos

encontramos em meio à uma civilidade, mas como momento esclarecedor da razão

porque:

Todo progresso da civilização tem renovado, ao mesmo tempo, a dominação e a perspectiva de seu abrandamento. Contudo, enquanto a história real se teceu a partir de um sofrimento real, que de modo algum diminui progressivamente ao crescimento dos meios para sua eliminação, a concretização dessa perspectiva depende do conceito. Pois ele não é somente, enquanto ciência, um instrumento que serve para distanciar os homens da natureza, mas é também, enquanto tomada de consciência do próprio pensamento (...). Graças a essa consciência da natureza no sujeito, que encerra a verdade ignorada de toda cultura, o Esclarecimento se opõe à dominação em geral (...). (DE, p. 44)

Quando Adorno e Horkheimer falam de uma tomada de “consciência da

natureza no sujeito”, eles afirmam a possibilidade de desvencilhamento dessa

condição de dominação da sociedade, ou seja, o momento em que realmente se

efetivará a realidade do esclarecimento da razão. Nesse sentido, a recordação do

ser humano acerca daquilo que ele possui de natureza, inscreve o conceito de

mímesis como a esfera de reconciliação do homem com tal natureza perdida

durante o processo violento de civilização. Entretanto, não se deve considerar o

conceito de mímesis como o conceito arcaico de experiência primitiva de imitação da

natureza para a conservação, ele se insere como uma experiência de encontro com

o outro sujeito, trabalhando o reconhecimento das limitações do próprio corpo e das

próprias sensações.

Somente pelo pensamento dessa não-identidade é possível ao homem o

reconhecimento de que existe uma igualdade entre ele e a natureza. E que sua

sobrevivência depende também dessa afinidade mimética com o não-idêntico

pulsional que afirma o imbricamento entre racionalidade e sensibilidade, capaz de

dar ao sujeito condições de reconhecer o outro. Dessa maneira, é possível

compreender que a racionalidade humana, precisa afirmar a sua dimensão estética

a partir da não-identidade para escapar dos laços de dominação que a cerca,

fomentando assim novos discursos morais apoiados também na sensibilidade

outrora esquecida.

56

Afirmar a possibilidade de um discurso moral em Adorno é aceitar que a

razão acolhe o comportamento mimético e age de maneira estética em relação à

situação do outro. É nesse contexto que se anuncia a importância das obras de arte

para Adorno, pois elas expressam aquilo que foge às definições conceituais e que

por isso está contra as teorias edificantes da sociedade dominante. A filosofia como

expressão representa um resgate daquilo que não cabe ao conceito, por isso ela

possui uma dimensão estética, mas também ética de respeito ao objeto que se

apreende, e de certa forma, ao outro. Tais considerações se tornam base dessa

moral negativa do filósofo, que compreende em si, o não-idêntico, a mímesis e a

razão já emancipada, elementos que se discute no capítulo seguinte, a fim de que

se encontre uma conclusão sobre em que sentido é possível afirmar uma moral no

pensamento de Adorno.

57

4 MÍMESIS E SOLIDARIEDADE: PRECEITOS DE UMA MORAL NEGATIVA

A inquietação de Adorno em relação ao sofrimento permeado por

justificativas e conceituações, encaminha as discussões para o nível da moralidade

dos sujeitos. O sofrimento, de qualquer natureza, é injustificável. Todavia na lógica

do processo civilizatório moderno ele foi cada vez mais recalcado, silenciado,

permitido e até sacralizado. Se durante o processo de esclarecimento da razão, as

relações se basearam em trocas equivalentes e na pura dominação, os discursos

morais apresentados pela história da filosofia, foram fundamentados em conceitos e

máximas universais não aplicáveis em toda parte do mundo.

A ideia de uma moral negativa em Adorno faz jus a sua rejeição em

fundamentar teorias em pontos absolutos, principalmente no que se refere à

dinâmica das relações humanas em seu aspecto corporal e sensível. A reflexão

sobre a moral perpassa sobre as condições de efetivação da liberdade humana no

emaranhado das relações sociais existentes. Diferentemente da dimensão absoluta

do conceito de ética, a moral compreende os conceitos de felicidade e virtude, como

possibilidades sempre inscritas no horizonte da moralidade humana. A vida correta e

feliz, mesmo dentro dessa sociedade de valores deturpados é um empenho humano

em conjunto, possuindo assim um caráter autorreflexivo que pode ser alcançado por

um esforço da razão em reconhecer seu lado não-idêntico.

Tal reconhecimento da razão, de sua esfera natural, se dá pela

capacidade mimética inerente a ela, capaz de emancipá-la de seu aspecto

instrumental. Essa atitude mimética se relaciona possivelmente com o conceito de

solidariedade, visto que a partir do reconhecimento do outro, o sujeito rompe com a

lógica da autoconservação, se responsabilizando diretamente por suas ações. O

impulso considerado irracional, enquanto uma atitude de resistência diz respeito à

uma atitude de reconhecimento da sua própria natureza, mediante a compreensão

do elo existente entre ambos.

Ao longo desse terceiro capítulo, busca-se concluir as perspectivas de

afirmação de uma moral negativa em Adorno, compreendendo os conceitos de

mímesis, solidariedade e materialidade corpórea do sofrimento que se sente

58

fisicamente. Para tanto, trechos das obras Dialética Negativa e Teoria Estética, são

essenciais para apresentar esse desdobramento no pensamento do autor.

4.1 MÍMESIS POSITIVA E MORALIDADE

A negação da natureza externa e interna pelo homem, tornando-o presa

fácil da dominação social, conclui a crise moral desses tempos. Sem liberdade, os

homens são incapazes de agir conforme sua própria vontade e nem mesmo

conseguem retroceder a um estado sensível de identificação com o sofrimento

alheio. A referida materialização do sofrimento de outrem se apresenta como um

exercício mimético de identificação com o outro, o não- idêntico. Tal atitude é a

possível ponte de reconciliação da razão com o seu estado natural (sensível) – a

lembrança de que ele também é natureza – o seu momento contrário esquecido pelo

processo de dominação racional da sensibilidade.

Em Adorno, o conceito de mímesis adquire uma conotação positiva como

expressão daquilo que é discordante no interior das relações entre vida e linguagem,

natureza e razão. Ao longo do trabalho já fora apresentado os diferentes momentos

da mímesis7, na Dialética do Esclarecimento os autores negam esse conceito por

perceberem um vínculo com a Shoah. Assim, ela é descrita em sua face originária

como o momento em que o ser humano se projeta sobre a natureza primitiva,

utilizando seus artifícios e disfarces a fim de livrar-se do perigo imanente do meio

circundante, uma espécie de mimetismo. Posteriormente, essa mímesis é

racionalizada e o recalque da sua forma originária, no sentido freudiano, é condição

essencial para a sobrevivência da civilização. A sociedade trabalha em função de

seu esquecimento porque ela possibilita comportamentos permissivos e traz um

misto de felicidade e nostalgia de um paraíso perdido. Entretanto, a eclosão dessa

mímesis racionalizada é sempre violenta e procura para si seus inimigos, estando

presente em imitações desfiguradas, como ocorreu no caso dos judeus. Por isso,

Adorno fala de uma idiossincrasia como repulsa a todos aqueles que aspiram uma

vida lúdica e em liberdade, negando-lhes o direito a cidadania. No nazismo, a

7 Mímesis, do grego metéxis, significa participação. A sua origem remete à utilização pelos gregos

Platão e Aristóteles. A mímesis se constitui um princípio básico para a arte porque denota uma relação com a realidade, não somente no sentido de reprodução ou imitação mas de representação desse mundo. Enfim, Platão concebe também a mímesis como imitação.

59

mímesis foi moldada conforme sua máquina de guerra utilizando a força psíquica

das massas. Tal processo fora nomeado de mímesis da mímesis na Dialética do

Esclarecimento, se relacionando com o processo de falsa projeção realizado no

antissemitismo, que reproduz o sentimento arcaico de sobrevivência, colocando o

outro como uma constante ameaça. Nesse caso, como que em uma atividade

paranóica, a vítima se transforma em um perseguidor.

Em outros termos, a experiência mimética aqui defendida é classificada

como positiva pelo fato de concebermos sua ideia pelo ponto de vista da

reconciliação do sujeito com sua natureza esquecida, capaz de reascender o outro

lado da razão, indo dessa forma de encontro ao seu limite. Em A doutrina das

semelhanças, ensaio escrito por Benjamin em 1933, o autor faz uma apresentação

histórica da mímesis passando pelo contexto da sociedade Iluminista até a sua

migração para a linguagem. Para o autor o homem é o único ser capaz de produzir

semelhanças e isso de dá por meio da faculdade mimética, a mesma utilizada pelos

homens antigos para reafirmar a relação de empatia existente entre os seres

humanos e a natureza. De maneira consciente ou não, os antigos imitavam os

processos celestes através, por exemplo, da astrologia, alcançando prescrições para

lidarem com as semelhanças já existentes. Assim, existia a predominância da

relação homem e natureza. No desenvolvimento da humanidade, a mímesis

desempenha um papel fundamental presente na comunicação, organização social e

aquisição da linguagem, conduzindo o homem à um progresso do comportamento,

para o autor:

Essa faculdade tem uma história, tanto no sentido filogenético como ontogenético. No que diz respeito ao último, a brincadeira infantil constitui a escola dessa faculdade. Os jogos infantis são impregnados de comportamentos miméticos, que não se limitam de modo algum à imitação de pessoas. A criança não brinca apenas de ser comerciante ou professor, mas também moinho de vento e trem. A questão importante, contudo, é saber qual a utilidade para a criança desse adestramento da atitude mimética. A resposta a essa questão pressupõe uma reflexão atenta sobre significado filogenético do comportamento mimético. Para avaliar esse significado, não basta pensar no sentido contemporâneo do conceito de semelhança. Sabe-se que o círculo existencial regido pela lei da semelhança era outrora muito mais vasto. (BENJAMIN, 1987, p.108)

Para Benjamin, os homens não têm consciência das inúmeras

semelhanças que os determinam. Elas são correspondências naturais que ganham

60

significado ao assumirmos a sua importância para a construção dessa faculdade

mimética. Entretanto, a modernidade fragilizou esse dom ao estabelecer como

critério único de verdade a razão, ela reduz o número de experiências em que os

sujeitos poderiam perceber a sua estreita correspondência com a natureza, e para o

autor a astrologia ainda sugere alguns indícios dessa relação mágica e sensível

dotada de comportamento mimético.

Ao lembrarmos da expressão artística enquanto instância que apavora e

que traz à tona os medos e sentimentos recobertos pela civilização, podemos

inicialmente afirmar que ela colabora para aguçar a sensibilidade humana como uma

das condições essenciais para evitar o retrocesso à uma barbárie como Auschwitz.

Ao passo que também se coloca como parte de um discurso moral que salienta a

existência de uma racionalidade não sujeita aos meios instrumentais de saber. É

preciso compreender, entretanto, como a mímesis, ainda que fazendo parte do

contexto da racionalidade instrumental, consegue denunciar o estado de

irracionalidade do mesmo. As considerações expostas abaixo são da Teoria

Estética, e apresentam elementos da relação entre mímesis e racionalidade dentro

da obra de arte:

A arte é o refúgio do comportamento mimético. Nela, o sujeito expõe-se, em graus mutáveis da sua autonomia, ao seu outro, dele separado e, no entanto, não inteiramente separado. A sua recusa das práticas mágicas, dos seus antepassados, implica participação na racionalidade. Que ela, algo de mimético, seja possível no seio da racionalidade e se sirva dos seus meios, é uma reação à má irracionalidade do mundo racional enquanto administrado. (TE, p.68)

A citação deixa evidente, que a mímesis se refugia dentro da obra de arte,

fazendo dessa maneira, a denúncia da irracionalidade dessa sociedade

administrada. Na arte está expresso aquilo que ultrapassa o socialmente racional e

seu momento mimético reside naquilo que escapa ao controle do artista, mesmo que

ele acredite possuir o completo domínio sobre a sua criação. Isso não significa que a

mímesis é irracional, pois seu oposto, a racionalidade que ela tanto nega, é condição

para a sua existência. A relação dialética entre razão e mímesis no interior da obra

de arte ocorre no instante em que a mímesis tenta assimilar-se à racionalidade que

a ameaça, todavia, ela se mistura e se confunde com o seu oposto, sem perder-se

no terreno da sociedade que lhe é tão necessário. A arte enquanto esfera

61

cristalizada dessa dialética contém em si o próprio esclarecimento, porque no seio

da arte, a razão se esclarece pela mímesis (TIBURI, 1995). Essa relação dialética

entre a razão e mímesis dentro da arte, é uma questão que precisa ser considerada

em seus pormenores, entretanto, para a referida pesquisa nos limitamos em

compreender a importância desse momento mimético da arte como condição

essencial para o encontro do sujeito com o não-idêntico e reconduzir os discursos

morais de forma mais esclarecida.

Entremeio à relação entre arte e sociedade está a questão da finalidade

do momento sensível na arte, visto que ele é o vínculo entre as duas instâncias.

Porém, não é tão simples compreender de que maneira a arte interfere nessa

relação, se antes a mesma também já fora acusada por Adorno de perpetuar os

ideais capitalistas e contribuir para a regressão à barbárie. Esses são os artifícios da

indústria cultural, as estratégias de domínio e sedução que prometem prazer

sensível aos seus clientes, satisfazendo carências determinadas por essa mesma

sociedade. Elas encobrem a mímesis original, fazendo com que essa “mímesis da

cultura” (TIBURI, 1995), forneça uma reconciliação imediata e falsa com a ordem

vigente, a serviço de interesses ligados ao poder. Além disso, como já foi dito, a

mímesis enquanto elemento recalcado, possivelmente pode retornar de forma mais

violenta.

Na Teoria Estética, a discussão proposta por Adorno em torno da

mímesis sugere a possibilidade de reconciliação entre natureza e cultura. O autor

apresenta a necessidade do impulso mimético em encontrar uma saída para que

não retorne enquanto impulso reprimido. Assim, compreendemos que na

modernidade, esse elemento mimético está na autonomia da arte, que não

estabelece mais nenhum fundamento a não ser ela própria. Partindo do princípio de

que ao espelhar somente aquilo que é agradável, ela contribua para a perpetuação

do estado vigente das coisas, a arte moderna exibe sua preferência pelo

sensivelmente desprezível e socialmente não aprovado. Para Ramos (2008), cabe a

essa arte encontrar uma identidade própria que não necessite de motivos

pedagógicos ou de responsabilidade social, pois qualquer tentativa de encontrar

uma função é uma ameaça a sua autonomia. A relação entre a arte e o social se

62

resume na tentativa da arte em fazer a denúncia e romper com a sociedade

dominadora, pois na experiência artística residem os últimos vestígios da liberdade

do seu autor. Para Adorno a “arte é a antítese social da sociedade, e não deve

imediatamente deduzir-se desta” (TE, p.19), a autonomia da arte nega o social,

embora faça parte dele, é nessa duplicidade que reside o caráter de denúncia da

violência da razão dominadora da sociedade administrada.

A dialética negativa adorniana ao recusar a violência da identificação

empreende uma tentativa de recuperação da mímesis perdida. Esse pensar não

violento ao qual se dirige essa dialética é a reaproximação com esse outro, que é a

mímesis enquanto natureza. O conteúdo da arte está na negação do social em que

ela está inserida, constituindo-se dessa maneira, no próprio não-idêntico. A arte só

pode ser compreendida negativamente, pois expressando o indizível, aquilo que não

tem voz nem mesmo explicação, ela defende um sonho de uma felicidade

impossível, mas que ao se apresentar no social estabelece ainda a sua

possibilidade. É na arte que o sofrimento se constitui enquanto linguagem. Ao

expressar o sofrimento e a tristeza, a arte apresenta a contradição da sociedade que

se propaga enquanto esfera reconciliada e perfeita. É, portanto, nesse ponto, em

que encontramos a experiência de reencontro com a não-identidade negada pela

pretensão totalitária do princípio da identidade, constituindo-se como viés necessário

para a elaboração de um discurso moral apoiado na experiência mimética de

solidariedade frente ao sofrimento do outro.

É evidente a partir desse pensamento, que a razão dominada pelos ideias

totalizantes e regulada pelo princípio de identidade, possivelmente encontra sua

saída através de uma atitude mimética. Dentro dessa temática, Adorno defende

essa questão a partir da experiência com a arte autêntica que seria capaz de trazer

ao homem a possibilidade de se reencontrar com sentimentos recalcados pela

própria civilização, uma experiência de retorno à sua dimensão mais sensível e

solidária que fora racionalizada, concedendo ao sujeito conceitos e princípios que

permitem apenas a dominação do outro. Esse é o encontro com a negatividade,

onde o sofrimento do outrem é capaz de causar um mal estar, como nos fala

Adorno,

63

A força da negatividade na obra de arte mede o abismo entre a práxis e a felicidade. Sem dúvida, Kafka não desperta a faculdade de desejar. Mas, a angústia do real, que responde aos escritos em prosa como a Metamorfose ou a Colônia penal, o choque da náusea, da aversão, que, sacudindo a physis, tem mais a ver, enquanto defesa, com o desejo do que com o antigo desinteresse que a ele e aos seus sucessores se atribuía. (...) A experiência artística só é autônoma quando se desembaraça do gosto da fruição. A via que aí conduz passa pelo desinteresse(...) Mas, não se fixa no desinteresse. O desinteresse reproduz de modo imanente, modificado, o interesse. (...) Por conseguinte, o desejo sobrevive na arte. (TE, p.24)

A expressão do medo, do sofrimento, tristeza e dor, nas obras de arte,

coloca o sujeito diante de sentimentos e atitudes que ele acredita não possuir,

todavia, eles constituem a parte não-idêntica de sua própria razão, encobertas pelo

desejo civilizatório e pela utopia de que nenhum desprazer pode lhe acontecer. O

sofrimento do outro ganha significado através da aproximação, por isso, esse motivo

moral é mimético e racional enquanto uma expressão do não-idêntico, da natureza

outrora reprimida – o sofrimento. Esse processo de estranhamento e negação, que o

autor denomina o choque de náusea expresso pela arte, se constitui em um

movimento estético de autorreflexão do sujeito em direção à sua não-identidade, ou

seja, no processo de receptividade mimética.

É nesse sentido que Adorno nos fala sobre uma irrupção capaz de barrar

a objetividade pregada pela sociedade, porque “a experiência da arte enquanto

experiência da sua verdade ou inverdade é mais do que uma vivência subjetiva: é a

irrupção da objetividade na consciência subjetiva” (TE, p.274). Tal experiência se

estabelece como que um abalo em que o sujeito deixa de sentir o chão debaixo dos

pés, sendo tomado por uma emoção ao vivenciar sentimentos recalcados e até

então desconhecidos. A tomada da subjetividade traz a consciência de que está

sendo determinada por algo que lhe tira a componente identitária. Pelo momento de

dor e desprazer, o sujeito reelabora sua maneira de mediar sua relação com o

mundo e consigo, e tudo isso através da experiência do contato com a obra de arte.

Ou seja, diante da mímesis imediata o sujeito precisa fazer sua crítica em torno da

obra.

Esse abalo diante da realidade em que se vive, é o instante que marca a

liquidação do “Eu”, tão aclamado pelo processo de autoconservação e que rompe os

contornos da subjetividade inquestionável. Frente à isso, a sonhada pretensão de se

64

fazer o senhor da natureza perde aos poucos seu significado. Entretanto, quando o

indivíduo se encontra nesse estado finito e nulo, é que ele percebe sua força, pois a

tomada de consciência do sujeito é para Adorno, a efetivação do poder de

resistência perante as coisas que lhe defronta e principalmente, a possibilidade de

conduzir o discurso moral para a esfera da sensibilidade outrora encoberta pela

civilização. Para o autor:

O abalo intenso, brutalmente contraposto ao conceito usual de vivência, não é uma satisfação particular do eu, e é diferente do prazer. É antes um momento da liquidação do eu que, enquanto abalado, percebe os próprios limites e finitude. Esta experiência é contrária ao enfraquecimento do eu, que a indústria cultural promove. A idéia de um abalo profundo seria para ela uma loucura vã; eis a motivação mais íntima da Entkunstung da arte. A fim de olhar apenas um pouquinho para lá da prisão, que ele próprio é, o eu precisa, não da dispersão, mas da mais extrema tensão; isso preserva o abalo profundo, de resto um comportamento involuntário, da regressão. (TE, p.274).

Essas considerações permitem o questionamento acerca do caráter de

não-liberdade de uma moral fundada nos princípios da dominação da natureza

interna e externa. Percebe-se que poucos discursos morais aproximaram a

racionalidade da sensibilidade, pois não levam em conta os últimos vestígios de

resistência dos indivíduos frente a esse contexto. O que Adorno defende é que o

“eu” – mesmo em um estado de não-liberdade – está em constante relação com o

mundo, relações essas que determinam o agir e que a partir do exercício de

autorreflexão possibilita compreender que não há nada de puramente autêntico, mas

que os homens são o resultado de relações miméticas.

O que não deseja ressequir prefere assumir o estigma da inautenticidade. Ele se alimenta da herança mimética. O que é humano está preso à imitação: um ser humano só se torna um ser humano na medida em que imita outros seres humanos. É nesse comportamento, a forma primitiva do amor, que os sacerdotes da autenticidade farejam pistas daquela utopia capaz de abalar a estrutura da dominação. (MM, p.136)

Nesse trecho Adorno define a mímesis como “a forma primitiva do amor”,

por sua relação estreita com a sensibilidade de imitar o outro, seja em uma condição

de felicidade ou não. É assim, que acreditamos na tentativa de Adorno em pensar na

teoria moral da negatividade, mesmo a partir de uma razão danificada

historicamente pelo processo de dominação. Pois existiria uma possibilidade

emancipatória da razão que quebraria todo o sistema de coação que a mesma

65

legitimou e que se impõe contrariamente à liberdade de ação humana: o impulso

mimético. Como que em uma ação mimética e solidária, o indivíduo agiria de forma

resistente frente a todos os estados bárbaros, como nos diz em Educação e

emancipação, para que se tente ir “contra o espírito do mundo”.

No pensamento de Adorno é interessante como a ideia de solidariedade

com o sofrimento do outro se faz presente. Na Dialética do Esclarecimento, há uma

passagem onde Adorno e Horkheimer, apresentam esse ponto, recordando as

experiências dos contos infantis. Eles recordam a transformação dos homens em

animais como castigo, à volta a forma humana se faz pela razão ou pela capacidade

humana de reconhecer o sofrimento alheio:

Todo animal recorda uma desgraça infinita ocorrida em tempos primitivos. O conto infantil exprime o pressentimento das pessoas. Mas enquanto o príncipe conservou a razão, de tal modo que pôde exprimir na hora certa sua dor e ser assim resgatado pela fada, a falta de razão exila eternamente o animal em sua figura, a não ser que o homem que, pelo passado, se identifica com ele descubra a fórmula salvadora e com ela abrande no fim dos tempos o coração de pedra da eternidade. (DE p. 202)

A natureza deixa então de ser uma cicatriz para qual se direciona o medo

e passa a ser um impulso em direção à autonomia. A conservação da razão humana

ocorre através da linguagem que se torna o meio pelo qual o homem expressa seus

sentimentos e dessa maneira consegue se libertar. Da mesma forma, a identificação

do homem com seu passado natural, a solidariedade para com o sofrimento físico do

outro é capaz de arrancar-lhe então, o “feitiço”. Esse processo de recuperação do

momento de natureza do sujeito requer o contato com aquilo que se esqueceu na

intenção de uma sociedade mais racionalizada, o não-idêntico. Tal contato é uma

experiência que fundamenta a autonomia e o estado de liberdade humana, assim

ele se percebe como uma minúscula particularidade num imenso universal, ao passo

que se compreende como sujeito estético e moral.

A prisão que o mundo animal representa aos homens os impulsiona a

viver em um estado mais racional, ao mesmo tempo em que os torna sensível ao

sofrimento alheio. A compreensão do conceito humano em Adorno, possivelmente

reside nessa dimensão de acolher dentro do todo, a particularidade, tese defendida

na Dialética Negativa, onde em alguns trechos se defende a questão de se apoiar no

66

não-idêntico. Somente em face da possibilidade dessa solidariedade para com o

sofrimento de qualquer indivíduo, é que se pode falar em humanidade verdadeira.

A relação entre a mímesis e moralidade em Adorno, tem como

pressuposto a ideia de um afastamento da razão de sua condição natural e,

portanto, sensível, debilitada pelas práticas totalizantes e dominadoras. A

preocupação em pensar pelo viés da não-identidade, como parte essencial na

atitude mimética é a condição de se experimentar um discurso moral para além

daquilo que a razão instrumental defende, permitindo a reflexão sobre a situação do

outro. Essas hipóteses suscitadas respondem a possibilidade de encontrar dentro do

pensamento de Adorno, elementos que fomentam a ideia de uma solidariedade

mimética, e não apenas fundamentos de uma moral.

Nesse contexto, reside a perspectiva de uma moral como contraposição

às normatividades morais estabelecidas pela racionalidade prática. Essa que teria

legitimado as práticas de coação e dominação social, condicionando o sujeito à

esfera da padronização. Agir com resistência a esse quadro de dominação que

corrompeu a espontaneidade e subjetividade do sujeito, é a exigência primeira que

se percebe dentro do pensamento moral adorniano. A resposta que esse

pensamento moral pode conceder estaria, principalmente, do ponto de vista do

incondicionado, daquilo que não foi pensado pela história da dominação do homem

e da natureza e, por isso, eleva as relações humanas para outro nível, para além da

pura técnica, estando, pois, no limite dessa razão instrumental e que esteve às

margens do discurso moral da razão instrumental: a sensibilidade e a reflexão sobre

a condição do outro.

É nesse sentido que conduzimos à pesquisa para a investigação do

conceito de materialidade corpórea, como um resgate da sensibilidade à dor do

outro ou seja, que o sofrimento do outro seja sentido fisicamente, que lhe toque o

corpo. Por isso, apreendemos aqui a mímesis, como uma componente solidária

capaz de dar um novo significado às normatizações morais, trazer um apelo ao

corpóreo.

4.2 POR UMA MATERIALIDADE CORPÓREA: A MÍMESIS SOLIDÁRIA

67

A efetivação do sujeito esclarecido nos termos da razão dominadora

requer o esquecimento das questões que se referem ao corpo físico. Durante tal

processo, a humanidade empreendeu um esforço constante em distanciar-se de

todos os desejos corpóreos, reprimindo-se e pensando para além dele. Para Adorno

ele é um problema desde a tentativa de viver em meio à natureza em fúria até

aqueles expostos em Auschwitz. Uma relação de dignidade com o corpo é dessa

forma algo esquecido, sem uma importância humana ou ética, porque ele se

encontraria adormecido incapaz de conduzir a uma emancipação harmoniosa.

Faz-se essa conclusão diante daquilo que Adorno e Horkheimer nos

falam sobre o processo de constituição da racionalidade esclarecida e suas

considerações referentes ao modelo de homem burguês. Essa questão já fora

apresentada ao longo do trabalho quando se apresentou a necessidade do homem

em se autoconservar diante da natureza ameaçadora. Ele aprendeu a dominar e

reprimir a sua própria natureza e seu corpo. No mito, a relação que Ulisses mantém

com o corpo de seus marinheiros, do inimigo gigante e com seu próprio corpo,

colocando-se como sujeito e objeto em relação a si, demarca a separação histórica

dessas duas condições. Como nos diz os autores,

Ulisses reconhece a superioridade arcaica da canção deixando-se, tecnicamente esclarecido, amarrar. Ele se inclina à canção do prazer e frustra-a como frusta a morte. O ouvinte amarrado quer ir ter com as Sereias como qualquer outro. Só que ele arranjou um modo de, entregando-se, não ficar entregue a elas. Apesar da violência do seu desejo, que reflete a violência das próprias semideusas, ele não pode reunir-se a elas, porque os companheiros a remar, com os ouvidos tapados de cera, estão surdos não apenas para as semideusas, mas também para o grito desesperado de seu comandante. (DE, p. 57)

Durante a interpretação que Adorno e Horkheimer fazem da viagem de

Ulisses, apresenta-se alguns elementos constantes na então sociedade capitalista,

tais como a divisão e exploração social do trabalho e a renúncia das pulsões como

pressupostos da civilização, por isso estabelecemos um diálogo entre Marx, Freud e

Nietzsche. As considerações apresentadas por esses autores embasaram a

discussão empreendida pela Dialética do Esclarecimento, colocando em questão a

maneira como os sentimentos foram racionalizados e o desenvolvimento de uma

frieza própria do homem burguês em relação ao sofrimento corpóreo do outro,

68

afirmando a descrença de que a sociedade ainda possa se guiar por um

pensamento de fato esclarecedor.

É diante desse questionamento que Adorno nos aponta a necessidade de

um novo imperativo categórico ou uma fundamentação para as ações morais: “(...)

Hitler impôs aos homens um novo imperativo categórico: instaurai o vosso

pensamento e a vossa ação de tal modo que Auschwitz não se repita, de tal modo

que nada desse gênero aconteça” (DN, p.302). Nesse novo imperativo, percebe-se

uma tentativa de resposta ao problema moral fundante da dialética negativa: a

necessidade de que o pensamento esteja conectado ao motivo da redenção

histórica, ou seja, a necessidade de confrontar o mal já perpetuado pela História,

relembrando aqueles que viveram o sofrimento. Enquanto mal se entende que é

tudo aquilo que se impõe como restrição à emergência de um sentido moral, ou seja,

aquilo que representa o recalque da capacidade expressiva da razão em prol da

funcionalização das relações sociais. É na frieza burguesa em não reconhecer a

barbárie como barbárie que Adorno diz estar o mal, nessa falta de percepção reside

a necessidade de que esse imperativo ou a própria fundamentação da

normatividade esteja ligado a uma experiência corpórea.

Tal experiência se concretiza nas ações que escapam à linguagem. Para

Alves (2005), a criança prova dessa realidade, por exemplo, ao se deparar com o

grunhido de um animal que sofre no abate, ainda que esse som lhe cause

estranheza, ele se assemelha ao choro de uma pessoa. Diante de uma discussão

verbal, gritos são registrados mimeticamente como uma agressão física permeada

de sentimentos de temor e admiração, com grande esforço a criança tenta

representar através de seu corpo e linguagem, imitando o que essas experiências

representaram. Entretanto, é impossível repassar aos outros e a si mesmo com toda

exatidão o que se sente, é nesse resíduo que permanece o sofrimento como uma

expressão mimética do que lhe foge às palavras. Nesse sentido, Alves (2005) afirma

que a filosofia de Adorno indica que “sem esse resíduo mimético da experiência do

sofrer, não se estabeleceria jamais algo como uma experiência moral. Isso implica

considerar uma gênese da moral.” (ALVES, 2005, p.278)

69

Esse resíduo mimético enquanto experiência moral está diretamente

ligado à experiência corpórea, por isso é que Adorno (2009) ressalta a importância

de conceder ao antigo imperativo kantiano, um sentido corporal, ligando essa ação à

uma atitude mais prática de aliviar o sofrimento do outro. Assim, o conceito

anunciado por Chiarello (2006), de “materialidade corpórea” representa essa ideia

adorniana de dar significado corporal ao sofrimento sentido, pois ele relembra a

indiferença e a insensibilidade do pensamento obsedado pela identidade – aqui

citamos também a objetividade do pensamento científico – e que traz como

consequência a racionalização da violência da dominação. A dialética negativa

adorniana, a partir da experiência da mímesis, que aqui a nomeamos de “mímesis

solidária”, é capaz de fazer despertar o sofrimento que fora silenciado pelo processo

violento do exterior, que deixa marcas e cicatrizes que não doem, mas ainda podem

ser reavivadas. Nas palavras de Chiarello,

A incapacidade crônica que a própria razão, enredada na dominação, manifesta para dela dar-se conta, a impossibilidade de experienciar o sofrimento reinante, que o próprio exercício de sua racionalidade perpetua e aplaca no mesmo movimento, são faltas de uma razão que, privada do anseio de redenção, termina por sancionar inexoravelmente o existente. (CHIARELLO, 2006, p.101,).

Essa cicatriz que marca e ao mesmo tempo deforma, é presença da

razão instrumental e dominadora existente, representa a existência de um

conhecimento mutilado para que essa mesma razão aconteça, capaz de tornar as

pessoas burras e estagnadas porque se limitaram à cegueira, teimosia e ao

fanatismo, como nos dizem:

A violência sofrida transforma a boa vontade em má. E não apenas a pergunta proibida, mas também a condenação do choro, da brincadeira arriscada, pode provocar essas cicatrizes. (...) os pontos cegos no interior de um indivíduo designam as etapas em que a esperança se imobilizou e que são o testemunho petrificado do fato de que todo ser vivo se encontra sob uma força que domina. (DE, p.211).

Nesse trecho, os autores pontuam as consequências da violência

empreendida pela sociedade, que ao condenar as experiências mais sensíveis dos

indivíduos acabaram por deixar cicatrizes e um vazio interior que os conduzem à

dominação. Por isso que, a acolhida do não-idêntico como possibilidade de dar voz

70

ao sofrimento silenciado e resistir à coerção da identidade, necessita da expressão

artística como confronto diante da realidade oposta. Esse reencontro da natureza

com sua face traumatizada é possível a partir da experiência da mímesis que nesse

sentido a nomearemos de “solidária” pelo fato de que a partir de sua experiência

haveria a possibilidade de materialização dos sentimentos de outrem, sejam eles

positivos ou negativos.

Dessa maneira, a retomada do mimético na Dialética Negativa tem o

sentido de indicar que a perspectiva de um momento subjetivo no sujeito, momento

esse dado pelo somático e pelo pulsional, revela um limite nas pretensões de

objetivação plena do mundo social e natural. Além disso, o mimético aponta para

outra atitude, qualitativamente distinta, que reflete a respeito de uma aproximação

da razão à natureza, ou seja, eleva as atitudes humanas para o nível da

solidariedade em relação à natureza externa e interna, no que concerne aos

sentimentos aprisionados pela civilização. É nesse sentido que passamos a

investigar a existência de um impulso mimético como condutor da moralidade em

Adorno.

4.3 O IMPULSO MIMÉTICO E A MORAL NEGATIVA: OS LIMITES DA RAZÃO

Em síntese, a teoria moral negativa em Adorno pode ser pensada a partir

da possibilidade deixada à razão que se expressará pela ação mimética, remetendo

ao pensamento do seu oposto (o não-idêntico), conforme uma razão autônoma e

esclarecida. Falamos de uma moral negativa por se tratar de um pensamento que

acolhe a não-identidade imanente na sociedade, capaz de refletir sobre aquilo que

fora esquecido pela história e se direcionar ao sofrimento do outro. Para Gagnebin

(2008), o conceito de filosofia moral negativa se justifica devido à negação adorniana

em relação à moral normativa e, por conseguinte a sua urgência em refletir sobre a

materialidade do sofrimento em todas as suas manifestações, mas principalmente:

A existência da Shoah e a possibilidade de suas sempre atuais reiterações impõem ao pensamento racional que se confronte com seus próprios limites, que não busque tanto pelo estabelecimento, muitas vezes orgulhoso, de normas abstratas de comportamento ético, mas sim, pela determinação das condições, simultaneamente concretas e transcendentais, de resistência à presença do sofrimento. (GAGNEBIN, 2008, p.1)

71

Não se trata de uma crítica aos valores criados pela sociedade e

consequentemente pelos discursos morais, mas um pensamento moral capaz de

fazer um movimento interno como possibilidade de uma autorrealização que

transcende a lei da moralidade, através de um impulso que não se permite dominar

pela razão instrumental em questão. Esse movimento faz parte de uma reflexão do

sujeito em torno de sua capacidade mimética e, portanto, sensível, de experimentar

os sentimentos dos outros. Ao mesmo tempo podemos entender essa teoria moral,

como uma autorreflexão do pensamento em si e sua indigência em relação à

catástrofes como a Shoah. Afirmamos então que a base do discurso moral

adorniano, está na meditação materialista sobre os componentes miméticos e

somáticos do sofrimento, essa é a definição mais propícia, visto que Adorno não se

preocupava com fundamentações universais.

Diante dessas definições a escolha pelo termo moral negativa em

detrimento do conceito de moral crítica, apresentado por Alves (2012), se faz pela

aceitação de que esse pensamento moral, não se resumiria a uma crítica moral,

ainda que a empreenda. A moral adorniana coloca a necessidade de uma premente

negação a todo espécie de sofrimento humano através da aproximação mimética da

razão em relação ao outro, ou seja, o não-idêntico negado pelo processo de

dominação instrumental. Essa moral carrega contornos de uma moral da resistência

aos condicionamentos impostos, por esse motivo, ela é, como já dissemos,

movimento inverso. É negação de uma dada realidade sofredora e principalmente,

nega a existência de uma razão dominada e reprimida, que mediante a reflexão do

não-idêntico se emanciparia.

Um exemplo claro dessa posição adorniana, de não aceitação de normas

universalistas para constituição de um discurso moral, está na Dialética Negativa,

nela Adorno se coloca contra a objetividade e racionalização dos sentimentos e de

máximas morais, assinalando a importância que a experiência da solidariedade e do

impulso mimético têm como impulsos resistentes a ordem estabelecida. Em uma

sociedade onde não se tem mais a certeza do que o futuro lhe prescreve, a única

certeza que ainda pode existir, segundo Adorno, é que não é mais admissível

estabelecer normas morais como “não matarás” ou “não se deve torturar”, devido a

72

sua impotência, pois sempre continuarão a ocorrer em algum lugar do mundo.

Dessa maneira ele nos diz:

Não se deve torturar, não deve haver campos de concentração, por mais que na África e na Ásia tudo isso continue a existir e não seja reprimido senão porque a humanidade civilizadora é como sempre desumana em relação àqueles que são estigmatizados por ela de maneira ignominiosa como não civilizados. [...] Essas sentenças são verdadeiras enquanto impulsos, logo que se anuncia que em algum lugar se faz uso da tortura. Elas não devem ser racionalizadas; enquanto princípios abstratos, eles cairiam imediatamente na má infinitude de sua dedução e de sua validade. (DN, p. 238)

Não há como sustentar máximas universais de comportamento moral se a

humanidade civilizada é sempre desumana em relação àqueles que são

estigmatizados como os não-civilizados. Ela está sempre pronta para condenar

aqueles que são julgados como inferiores e marginalizados. Para Adorno, essas

sentenças são verdadeiras enquanto impulso tão logo se saiba dessas práticas, mas

ao serem racionalizadas como normas universais, tais sentenças acabam caindo em

um campo abstrato e quando se racionaliza o sofrimento, é extremamente

dispensável querer justificar através do discurso, aquilo que é indizível. Não se trata

de esquecer o indizível, mas proteger o homem da realidade do sofrimento.

O momento de sofrimento da consciência humana pode ser considerado

o impulso e o motivo moral para Adorno, isso porque “o sofrimento é objetividade

que pesa sobre o sujeito; aquilo que ele experimenta como seu elemento mais

subjetivo, sua expressão, é objetivamente mediado” (DN, p.24). Se existe a

possibilidade de uma assimilação do sujeito não somente daquilo que é considerado

amorfo na esfera da troca capitalista, mas principalmente a assimilação do sujeito à

natureza, a experiência moral em Adorno reúne dessa maneira a atitude racional e a

componente mimética enquanto consciência do impulso. Assim, podemos afirmar

que a razão e o impulso são momentos que se desdobram na mediação do

fenômeno moral. Esse impulso representa o limite da razão diante da realidade

vulnerável do indivíduo e representa a liberdade em relação à matéria, como nos

fala os autores:

73

As reações de fuga caoticamente regulares dos animais inferiores, a formigação das multidões de insetos, os gestos convulsivos dos martirizados exibem aquilo que, em nossa pobre vida, apesar de tudo, não se pode dominar inteiramente: o impulso mimético. É na agonia da criatura, pólo extremo oposto à liberdade, que aflora irresistivelmente a liberdade enquanto determinação contrariada da matéria. É contra isso que se dirige a idiossincrasia que serve de pretexto ao antissemitismo. (DE, p.151)

Durante a formação do pensamento identificador e conceitual, a

repressão da dimensão somática do conhecimento acabou por negar esse impulso

mimético, uma vez que ele fora deslocado para o âmbito da magia. Entretanto, ele

permanece em potência em cada sujeito, porque não se pode dominá-lo por

completo e por essa razão, Adorno indica a possibilidade de seu resgate a partir da

rememoração da natureza no sujeito, concedendo voz à dimensão somática e

corporal do conhecimento. Esse resgate indica uma aproximação não violenta, nem

dominadora com o outro – ele representa a libertação do não-idêntico.

Por isso, possuem a mesma dignidade em termos de resistência à

crueldade, as razões universalistas para a ação moral e o sentimento bruto, ou seja,

a reação que a sociedade denomina como impulsiva diante do sofrimento de um

indivíduo prestes a ser torturado. Em Adorno, o impulso não faz referência imediata

à razão ou aos julgamentos morais, entretanto ele tem sido racionalizado e negado,

como nos diz na Dialética Negativa:

O impulso, o temor físico nu e cru e o sentimento de solidariedade para com os corpos torturáveis, para usar uma expressão de Brecht, o impulso que é imanente ao comportamento moral seria negado por meio da aspiração à racionalização intransigente; o mais urgente se tornaria uma vez mais contemplativo, escárnio em relação à própria urgência. (DN, p.238)

Em sua filosofia materialista, Adorno coloca o impulso moral normativo

como produto da racionalidade que expressa o processo de dominação do mimético

sobre a experiência corporal. Esse impulso está além do puramente racional e

linguístico e se direciona ao outro, àquele que sofre, tal impulso só é considerado

moral porque é estético. Ele expressa essa dimensão corpórea e passiva da

experiência humana como condição de abertura à alteridade do mundo e

notadamente ao sofrimento humano. Esse fundo mimético é imprescindível na

filosofia de Adorno, como nos diz Gagnebin,

74

Com efeito, impulso mimético e impulso moral, categorias elaboradas por Adorno, são inseparáveis. O conceito de impulso remete a uma esfera pré-discursiva e pré-racional enfatizada pelo filósofo não tanto para solapar os ensaios de compreensão racional do comportamento humano quanto para questionar as tentativas de fundamentação e de justificação racionais de

normas éticas. (GAGNEBIN, 2008, p.1)

A partir dessa constante relação entre impulso moral e impulso mimético

a mímesis se apresenta em dois pontos essenciais. Primeiro ela é responsável por

condensar a fragilidade corpórea e material do homem e depois ela se torna a

possibilidade de sua emancipação. O homem emancipado e liberto da rigidez posta

pela identidade experimenta outras atitudes morais por intermédio de uma razão que

é expressão e realiza essa dialética com a mímesis e, portanto, é capaz de agir com

a solidariedade que lhe é inata.

Dessa maneira, pode-se dizer que Adorno põe a necessidade de pensar a

moral dentro de uma ideia de hospitalidade e passividade prática de respeito à

humanidade do sujeito. Agir conforme a afinidade mimética entre a sua subjetividade

e a vulnerabilidade física do outro, constitui-se em uma ação moral porque ela

rompe com a lógica egoísta da autoconservação, responsabilizando-o diretamente

por suas atitudes, sem se deixar ajustar na condição de instrumento de uma ação –

como o foi Eichmann8, por exemplo. As relações sociais esboçam um novo

significado já que o ethos das pessoas passa a ser respeitado, expressando enfim, a

ligação estética dos sujeitos com sua condição de agentes morais: sentir e

expressar o sofrimento dos outros, no sentido de resistência, causa um mal estar

físico diante da possibilidade de fazer ou presenciar o sofrimento de alguém.

Por essa razão, a afirmação de um discurso moral na filosofia de Adorno,

conduz à conclusão de que seu ápice se encontra nos limites da razão. Isso porque

8 Eichmann (1906- 1962) foi um político nazista responsável pela logística do extermínio de milhões

de pessoas no final da Segunda Guerra Mundial, a chamada Solução Final. Ele coordenou o transporte em trem de milhões de judeus, distribuindo-os em diversos campos de concentração. Depois da guerra ele foi capturado por tropas americanas, mas consegue fugir do campo dos prisioneiros refugiando-se na Argentina, onde anos depois é sequestrado a serviço de Israel e levado à julgamento em Jerusalém onde esteve diante de sobreviventes da Shoah que testemunharam contra ele. Dentre esses sobreviventes estava Hannah Arendt que escreve cinco artigos sobre o julgamento que resultaram no livro Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal, nele a autora faz uma reflexão filosófica em torno da figura de Eichmann, que aparece como um funcionário burocrata ao invés de um monstro sanguinário, reside aí sua conclusão a respeito da banalidade do mal, como o Estado pode igualar uma violência homicida à um simples cumprimento de ordens?

75

no resgate do momento sensível de uma determinada ação, o sujeito estabelece um

novo parâmetro moral para sua atitude que não reside somente nos artifícios da

sociedade dominadora. Agir apenas com respeito à uma determinada máxima ou lei

moral, não é suficiente para que digamos que naquela ação agiu-se com

sensibilidade e respeito ao ethos do outro.

Podemos afirmar ainda que, esse discurso moral adorniano propõe que

diante de uma realidade desacreditada de sua emancipação, os sujeitos possam

agir a partir de uma atitude moral mínima frente ao outro. Como um conceito mínimo

de moral entendamos que em Adorno ele se estabelece em virtude da necessidade

aparente de empreender um pensamento capaz de refletir e tentar evitar o

sofrimento humano de qualquer espécie, pois “é com o sofrimento dos homens que

se deve ser solidário” (MM, p.20). Somente o pensamento possui as condições

necessárias para apontar a negação do mundo comum dos indivíduos, e em Adorno,

esse pensamento volta-se em direção do encobrimento social da componente

sensível e sofredora dos sujeitos.

Assim o significado moral da experiência, que nesse contexto se faz

esteticamente, só é constituído mediante a reflexão do estado de dominação da

natureza, que compreende o sentido de coerção que precisa ser corrigido. Sendo

também negativa, por não pretender uma reconciliação entre sujeito e objeto, mas

apenas uma relação reflexiva entre razão e natureza (ALVES,2005), ela é também

estética. Por isso, a filosofia moral de Adorno se aproxima da noção do inacabado,

característica da experiência filosófica, e é por esse motivo que sua reflexão

filosófica procura respostas na teoria estética, no que se refere à dialética entre a

dominação da natureza e a autorreflexão da natureza no sujeito.

Mesmo que não contenha em si modelos de “filosofia primeira”, a filosofia

moral de Adorno é fragmentária, em virtude dessa dialética que persegue, vivendo

da busca de uma felicidade e das possibilidades de sua realização em meio a uma

sociedade que pareça justa. A afirmação de que “não há vida correta na falsa” (MM,

p.33), ou seja, a impossibilidade dessa vida correta, não deveria encerrar os

horizontes de sua efetivação, pelo contrário, ela vem avisar a possibilidade da razão

preencher as lacunas deixadas pelo processo de emancipação prescrito pela razão

76

instrumental. Assim, a vida feliz só se realizará por uma razão capaz de expressar a

dominação que sofreu, assim como o não-idêntico e o sofrimento reinante. Enfim,

novamente nos confrontamos com a urgência já proclamada pelos autores da

Dialética do Esclarecimento (1985): a de que o pensamento se esclareça e conduza

à liberdade, pois “a racionalidade ligada à dominação está ela própria na base do

sofrimento (DE, p.141). Somente pelo pensamento esclarecido o homem entende o

seu estado vulnerável e pode agir moralmente com respeito ao outro, o seu não-

idêntico.

77

5 CONCLUSÃO

Assim como foi exposto durante a introdução, essa pesquisa pretendia

reunir os elementos e conceitos da crítica à razão instrumental empreendida por

Theodor W. Adorno, necessários para justificar a existência de um discurso moral

em sua filosofia. Para tanto, esses elementos foram extraídos, tais como vestígios,

de algumas de suas obras, tendo em vista que Adorno não fundamentara uma obra

específica sobre moral. Assim, a Dialética do Esclarecimento, elaborada juntamente

com Horkheimer, apresentando o estado continuamente regressivo na sociedade

esclarecida, se tornou um ponto âncora para as discussões estabelecidas para que

se alcançasse tal objetivo.

Isso porque nessa obra, está explícito como o programa de emancipação

do homem, terminou por emaranhá-lo nas teias dominadoras do capitalismo e as

consequências dessa realidade, vão desde a dominação da natureza e do homem

pelo próprio homem, passando pela constituição de um estado onde reina a frieza

burguesa, até a realidade mais catastrófica de tal processo: a Shoah. O extermínio

nazista é o principal representante do princípio de identidade que como filho da

equivalência proposta pelo capitalismo, pretendeu dar à totalidade uma igualdade

nunca existente.

Esses indícios apontados nos colocam diante de uma realidade marcada

pela falta de um pensamento esclarecedor capaz de livrar os homens desse estado

violento. Em sua frieza extrema, o homem burguês estava preocupado apenas em

acumular poder, se tornando cada vez mais alienado e insensível em relação ao

outro. A história da civilização teve como marca a repressão dos impulsos e

desejos, considerados de natureza inferior e que, portanto, deveriam ser

esquecidos. Todo aquele que portasse esses traços naturais, se tornaria alvo da

exclusão a fim de que não comprometesse a ordem e a homogeneidade da

sociedade civilizada. O retorno daquilo que fora recalcado, sempre eclode de

maneira violenta como aconteceu durante a Segunda Guerra, em que se elegeu um

grupo ao qual fora destinado toda fúria sem justificativa aparente. Os perseguidores

projetavam em suas vítimas àquilo que mais os repugnavam e que inevitavelmente

78

constituíram a sua própria personalidade, pois como já nos disse Adorno, aquilo que

mais estranhamos e de certa forma negamos, é demasiado familiar.

É imerso nesse contexto e principalmente diante da frieza e racionalidade

com que se planejou e executou milhares de judeus na Shoah, é que encontramos

uma preocupação de Adorno com a moralidade dos sujeitos nessa sociedade dita

esclarecida. Para os autores da Dialética do Esclarecimento é preciso tentar

compreender porque a civilização em vez de alcançar um estágio cada vez mais

avançado está em constante regressão, por isso que, recordar criticamente as

violentas tragédias da história, é uma maneira de tentar evitar que continuem

acontecendo. O olhar indiferente em direção a esses fatos e principalmente em

relação àqueles que são considerados diferentes do todo, expressa no homem

moderno o anseio pelo distanciamento de sua natureza, ou seja, o seu momento

não-idêntico.

Diante disso, percebemos a proposta de Adorno para se fazer o resgate

desse instante perdido durante o processo civilizador, ou seja, a reaproximação do

sujeito de seu lado esquecido: o não-idêntico. A razão unificadora e igualitária do

esclarecimento, é para o autor, responsável por conduzir à um estado de barbárie,

justamente porque se esqueceu daquilo que é particular, daquilo que escapa à

pretensão de totalidade. A própria história se negou a contar os fatos sob o ponto de

vista daqueles que não se “encaixaram” nos pressupostos de uma civilização

organizada, podemos citar os índios, os negros escravos, entre tantos outros que

estão na condição de incondicionados e que sofrem preconceitos de diferentes

gêneros.

Por esse motivo, inicialmente a pesquisa se orientou a partir dessa ideia

de resgate da não-identidade subjugada. Ou seja, se formulou a tese de que o

pensamento moral na filosofia de Adorno residiria na necessidade aparente do

reencontro do sujeito com o não-idêntico, assim como ele apresenta na Dialética

Negativa, a tentativa de romper com o princípio de identidade reinante submetendo

o indivíduo a uma coercitividade à totalidade. Essa realidade apresenta a

incapacidade crônica da razão dominadora em experienciar o sofrimento que essa

mesma razão perpetua dentro desse contexto econômico desapiedado. Toda a

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crítica empreendida pelos autores da Dialética do Esclarecimento levou à conclusão

de que a razão regida pelo princípio de identidade mutilou a capacidade sensível de

reconhecer-se no outro (o não-idêntico) e principalmente de colocar-se no lugar de

sofrimento desse mesmo, levando dessa forma às barbáries como a Shoah.

Dentro desse contexto, é notória a preocupação de Adorno com a

moralidade dos sujeitos, pois como ainda pode haver a possibilidade de uma vida

feliz e justa depois de Auschwitz? Como aceitar o sofrimento perene de crianças e

de pessoas inocentes excluídas de um processo dominador, em nome de discursos

que moralizaram e justificaram tal sofrimento, na esperança de um dia alcançar a tão

sonhada felicidade? Por isso a necessidade de uma razão emancipada e

esclarecida, que tenha consciência da natureza sensível e vulnerável que compõe

cada ser humano, enfim, um momento de autorreflexão em relação à dominação da

natureza e sua respectiva consciência do não-idêntico.

É seguindo esse itinerário que a tese aqui apresentada, se enredou por

conceitos não expostos de antemão, trazendo respostas, ao passo que anunciava

novos problemas e indagações pertinentes para a construção dessa teoria moral na

filosofia de Adorno. A apreensão do não-idêntico se faz necessária para a efetivação

de uma outra espécie de racionalidade capaz de redirecionar o comportamento

moral dos sujeitos no momento em que os coloca em contato direto com a situação

do outro. Entretanto, é preciso apresentar, mesmo que brevemente, como seria

possível facilitar ao indivíduo o reencontro com essa sua natureza esquecida, o seu

não-idêntico. A resposta para essa questão reside dentro do conceito de mímesis.

Não a mímesis perdida e esquecida, nem a falsa mímesis da indústria cultural, mas

aquela que se considera genuína.

O conceito de mímesis se estabelece como um contraponto em relação à

racionalidade instrumental. Enquanto uma esfera que proporciona outra forma de

saber, liberta dos meios dominadores do conhecimento científico, ela é livre, é

afinidade espontânea do sujeito com o mundo, capaz de colocá-lo diante daquilo

que ele pensa não fazer parte de si. A retomada desse estado natural reprimido

ocorre através da arte autêntica, representando o primitivo distante da racionalidade

instrumental. Entre a relação mímesis e racionalidade, está contida a experiência

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dessa razão que se esclarece ao negar sua perpetuidade enquanto domínio da

natureza e esse processo só ocorre no interior da obra de arte, por isso ela é um

ponto importante na filosofia adorniana.

Tal conceito se insere em nossa pesquisa, como um elemento constituinte

dessa moral, que estabelece como prioridade a liberdade da razão que se esclarece.

Dentro desse pensamento, não pode haver um discurso moral se antes a razão não

for capaz de realizar esse movimento de inflexão em direção a si mesma e ao outro,

e isso é possível através da experiência mimética de identificação com os

sentimentos expostos na obra de arte, principalmente os sentimentos mais negados,

que causam estranhamento, nojo, sofrimento e tristeza. Por esse motivo, decidimos

por chamá-la de mímesis solidária, porque ela é capaz de fazer surgir no indivíduo o

impulso moral, que para Adorno, deve ser livre de qualquer normatização universal

para que seja válido.

É nesse sentido, que compreendemos a constituição de uma teoria moral

em Adorno, ela está intrinsecamente ligada à liberdade esclarecedora da razão, que

acontece por meio do encontro com a arte autêntica conduzindo o sujeito ao

encontro com sua esfera não-idêntica. Entendendo esse não-idêntico como aquilo

que escapou ao domínio da totalidade, ele está expresso naquilo que é considerado

diferente, oposto do que é almejado pela civilização e principalmente, se apresenta

no sofrimento alheio que pensamos não sofrer.

Assim, aceitamos a nomeação dessa moral como uma teoria da moral

negativa em Adorno, porque ela se estabelece sob o ponto de vista daquilo que fora

excluído e esquecido durante o processo de civilização. O resgate do momento

sensível que compreende o outro lado da razão se constitui em um conceito mínimo

de moral nos tempos de uma sociedade alienada e símbolo da frieza burguesa. O

que há de negação nessa moral também se direciona aos discursos morais

normativos que esqueceram a dimensão somática do sofrimento, com seus

imperativos nem sempre aplicáveis em toda parte do mundo. Daí a necessidade de

dar voz ao impulso que acomete todo ser humano diante da experiência de

sofrimento do outro, sem que seja necessário racionalizar esse impulso, pois a sua

esfera sensível liberta a sua ação despreocupada em relação à leis universais, sem

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direcioná-lo ao irracional, mas expressando uma razão acolhedora dessa

componente mimética, e portanto, estética de identificação com a condição do outro,

tentando barrar o sofrimento.

Se pudermos falar verdadeiramente em uma moral em Adorno ela está,

pois, diante do sonhado esclarecimento da razão através da sua expressão estética

de reconhecimento dos sentimentos mais nobres dos seres humanos. Por isso

vemos a importância dessa discussão na atualidade que pauta suas ações na

competitividade, no consumo exacerbado e acostumou-se com a violência cotidiana,

a ponto de não mais se deixar comover. Assim, diversas questões ainda se

apresentaram e reconhecemos que muitos passos serão precisos para a completa

compreensão desse pensamento adorniano, significando que a conclusão desse

trabalho por ora, não esgota a possibilidade de posteriormente encontrarmos mais

respostas e novas indagações.

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