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REVISTA ANGELUS NOVUSn 3maio de 2012
Secularizao e fundamentalismo religioso
Edgard Leite Ferreira Neto
Professor Adjunto de Histria na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo: Este estudo pretende analisar algumas perspectivas recentes sobre a relao
entre secularizaco e fundamentalismo religioso, defendendo que o sucesso de um pro-
jeto nacional secular, mas principalmente de uma poltica educacional laica bem suce-
dida, consegue colocar entraves significativos ao fortalecimento do fundamentalismo
religioso. Por outro lado tambm pretendemos demonstrar que isso no significa, em
absoluto, que o processo global de secularizaco comprometa decisivamente qualquer
perspectiva religiosa reativa.
Palavras chave: Secularizao, Fundamentalismo Religioso, Sistema Educacional.
Abstract:This study aims to examine some recent perspectives on the relationship be-
tween secularism and religious fundamentalism, arguing that the success of a secular
national project, but mostly of a succesful secular educational policy, can impede a sig-
nificant strengthening of religious fundamentalism. On the other hand we also intend to
demonstrate that this is not mean that the overall process of secularization decisively
undermine any reactive religious perspective.
Keywords: Secularization, Religious Fundamentalism, Educational System.
I
As sociedades que emergiram das revolues liberais do sculo XVIII so carac-
terizadas pela insistncia na separao entre os interesses das instituies religiosas e os
interesses ditos pblicos, ou seja, do Estado. Tal perspectiva ruptora no , em si, uma
absoluta originalidade do pensamento iluminista, que a props, mas encontra razes na
complexa tradio ocidental relativa ao exerccio da ao poltica e natureza da lei.
Analisando tal questo, Sohail Hashmi observou que a tradio jurdica ociden-
tal, desde a antiguidade clssica, tinha como uma de suas caractersticas a tendncia em
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separar diferentes fundamentaes legais, que eventualmente podiam conceder legitimi-
dade a leis humanas, isto , elaboradas a partir apenas de um entendimento racional.
Tal tradio continha tambm uma forte crena na existncia de uma lei nat u-
ral, (elemento este ausente, por exemplo, na tradio jurdica islmica) (Hashmi, 2000:
3109). So Toms de Aquino definiu lei, por exemplo, como nada mais que uma de-
terminao da razo, para o bem comum, estabelecido por aquele a quem cabe cuidar da
comunidade, e promulgada (apud Golding, 2005: 16). Uma defesa de distanciamento
entre poderes religioso e secular fazia parte da tradio do pensamento profitico judai-
co e cristo fundador: dai a Csar o que de Csar, e a Deus o que de Deus (Mt 22,
21; Mc 12,17 e Lc 20, 25) (Monshipouri, 2004).
Tais elementos forneceram temas de tradio jurdica capazes de legitimar agrande proposio iluminista do estabelecimento de uma legislao secular, de razes
humanas, ou fundada em leis naturais, o que explica, em parte, o surgimento dessa
realidade nas sociedades ocidentais.
certo, no entanto, que o projeto iluminista continha proposies e ambies
especficas e originais. Entre elas o desenvolvimento de uma tendncia crtica s reali-
dades jurdicas fundadas em princpios exclusivamente religiosos. Como afirmou Todo-
rov, o Iluminismo articulou uma objeo aos preceitos cuja nica legitimidade advmdo fato de que uma tradio os atribui a deuses ou ancestrais (Todorov, 2011: 80).
Para os fundadores do modelo, os pensadores iluministas do sculo XVIII, prin-
cipalmente os seus ativistas mais radicais, como Denis Diderot ou Holbach, a crtica a
tal realidade jurdica de origem religiosa passava pela construo de uma nova civilida-
de que erradicaria uma falsa conscincia moral. Tal processo estava relacionado a ne-
cessidade de uma educao universal laica que limitaria o controle social do clero (Is-
rael, 1541: 2010). Tal ao, a acompanhar John Locke, dizia respeito a todos os sereshumanos, independentemente de sua confisso (apud Sachar, 833: 2006) e provavel-
mente tinha por alvo tambm os poderes institucionais confessionais. De uma forma
geral era fundada em critrios ticos tidos como de origem natural os quais, naquela -
poca, no exigiam a aceitao de um poder divino especfico.
Tem sido anotado que tal plataforma emergiu dos sentimentos que dominaram a
Europa durante o perodo das guerras religiosas, entre os sculos XVI e XVII: pessoas
comuns e pensadores distintos chegaram a concluso que coero em assuntos de reli-
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gio era inaceitvel e que violncia em nome da religio era um problema maior que
as doenas polticas, morais e espirituais que esta pretendia curar (William, 56), mas
tambm estava ligada emergncia poltica de protagonistas cujo discurso era fundado,
cada vez em maior dimenso, em proposies cientficas, ou de natureza realista. Lem-
bremo-nos que tal processo tambm correspondeu ao movimento de emergncia poltica
do sistema que depois se chamar de capitalista, centrado em objetivos concretos ou
objetivos e muito interessado em variaes metafsicas.
A defesa da exclusiva racionalidade, ou naturalidade, dos fundamentos da lei
legitimou o afastamento da poltica dos tradicionais interlocutores das instituies reli-
giosas (por via revolucionria, normalmente, embora nos EUA tal afastamento tenha
emergido de um consenso entre as confisses (Witte: 2010)) e restringiu socialmente oseu espao de atuao poltica ou o alcance de sua viso de mundo (Habermas: 347).
O que de fato acabou por conduzir histrica pacificao religiosa das sociedades oci-
dentais, uma das grandes obras polticas das sociedades oriundas do Iluminismo, bem
como consolidao da autoridade laica.
importante anotar que, como em fases anteriores do desenvolvimento jurdico
da sociedade europia aps os Descobrimentos, transformaes qualitativas do sistema
jurdico estavam tambm associadas a reaes diante de outras estruturas legais com asquais os interesses polticos e econmicos ocidentais entraram em contato no mundo,
em outras culturas e civilizaes. Como tratamos em outra oportunidade (Leite, 2000), a
tentativa de estabelecer mecanismos legais comuns atravs da cristianizao, ou de for-
mas particulares de adaptao religiosa, nem sempre alcanou resultados satisfatrios
em escala global, e contriburam para ajustes internos, nessa rea, nas sociedades euro-
pias.
O apelo capacidade humana de legislar ou s leis naturais serviu, igualmen-te, a seguir, para descaracterizar estruturas jurdicas religiosas exticas. Assim, o afas-
tamento dos grupos religiosos tradicionais do poder nunca foi apenas um fenmeno eu-
ropeu, ou ocidental, mas esteve entranhado em toda a relao existente entre os agentes
comerciais ocidentais e os poderes perifricos. Fracassando a cristianizao global, a
necessidade de impor a racionalidade das leis humanas ou do direito natural como even-
tos universais tornou-se pauta jurdica e institucional da ao colonial ou expansionista
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global e grande desafio institucional para as sociedades em processo de colonizao,
submisso ou assimilao.
II
Rajeev Bhargava entendeu que existem trs nveis histricos de desconexo en-
tre Estado e religio: no primeiro tal dissociao est relacionada aos fins, no segundo
relao institucional do Estado com as confisses religiosas e no terceiro ao campo da
lei e das polticas pblicas. Um Estado secular , essencialmente, um Estado que se ca-
racteriza pela separao de primeiro nvel. Os estados liberais democrticos plenamente
desenvolvidos estabeleceram a desconexo nos trs nveis, e construram um muro de
separao entre ambas dimenses (Bhargava, 641: 2006).
Como apontaram Pippa Norris e Ronald Inglehart, todos os grandes pensadores
do sculo XIX, ao refletirem sobre essa realidade laica do Estado moderno, e conside-
rando o alcance das transformaes cvicas determinadas pela educao secular e pela
generalizao do conhecimento cientfico, acreditaram que a religio perderia gradu-
almente sua importncia e deixaria de ser significante nas sociedades industriais (No r-
ris and Inglehart, 2004: 3).
O emergente Estado secular, de fato, pode ser portador quer de uma poltica an-
tirreligiosa, em um extremo, quer de uma plataforma de liberdade religiosa absoluta em
outro extremo, cujos objetivos so os mesmos, isto , propiciar a difuso de cdigos ci-
vis laicos universais de maneira compulsria ou necessria.
Tais polticas, com suas diferentes variaes e graus, de fato criaram a possibili-
dade de um esmaecimento do sentimento religioso, pelo menos na sua dimenso de fon-
te legitimadora de atitudes morais ou de normas sociais de conduta. Na medida em que
o modelo expande-se globalmente, e a mais fcil soluo para o problema que cria,
isto , o desenvolvimento das relaes capitalistas, mediadas pelo dinheiro e compra e
venda de mercadorias, ele tambm se torna til a setores sociais perifricos que preten-
dem unir-se de alguma forma sociedade global e eliminar seus prprios impedimentos
jurdicos tradicionais. O que significa que a resistncia ao Estado secular, eventualmen-
te, aglutina grupos religiosos que perdem o seu poder de mediao.
No entraremos aqui no debate em torno da superao histrica da experincia
religiosa em si, cara a esses filsofos iluministas. No parece que o sentimento de mis-
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trio ou o temor que a fundamenta tenham desaparecido com a difuso de cdigos lai-
cos atravs do sistema educacional secular. No entanto, Norris e Inglehart sustentam de
que de fato existe, em certas sociedades industrializadas centrais, ou ps industriais,
um expressivo decrscimo de certas perspectivas religiosas e da inclinao social como
um todo na direo da religio. O processo, no entanto, no uniforme, e apresenta
complexidades especficas.
Os dois pesquisadores, respectivamente das Universidades de Harvard e Michi-
gan, recorreram a uma srie de pesquisas de campo, realizadas com mesma metodologi-
a, pela World Values Surveys, em quatro etapas. A pesquisa foi realizada em vinte e
dois pases, em 1981, depois em quarenta e um, no perodo 1990-1991, em cinquenta e
cinco, em 1995-1996 e por fim cinquenta e nove naes entre 1999-2001 (Norris andInglehart: 38). Os autores complementaram essas pesquisas com dados do U.S. General
Social Survey 1972-2002, e do Gallup Opinion Index 1947-1975.
De certo que algica secular dos Estados no Ocidente tem seus efeitos sobre a
religiosidade das sociedades. Mas esses efeitos so complexos e desiguais. Assim, por
exemplo, os percentuais de crena numa vida aps a morte se apresentam da seguinte
maneira, tomando apenas alguns pases mais significativos:
Crena na vida aps a morte (apud Norris and Inglehart, 2004: 91)
Nao 1947 1961 1968 1975 1981 1990 1995 2001 variao
Noruega 71 71 54 41 36 43 -28
Finlndia 69 55 44 50 44 -25
Dinamarca 55 25 29 32 -23
Frana 58 35 39 35 38 39 -20
Brasil 78 70 67 -11
Inglaterra 49 56 38 43 46 44 45 -4
Estados Unidos 68 74 73 69 70 70 73 76 8
Japo 18 33 30 33 32 14
Itlia 46 46 53 61 15
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H uma expressiva tendncia descrena, portanto, em sociedades europias
ps industriais, e em algumas industriais, como o Brasil. Tal atitude pode, talvez, ser
explicada pela melhoria do quadro econmico geral, o qual assegurou uma existncia
mais suportvel - do ponto de vista do conforto e satisfao de demandas materiais. O
processo de secularizao, igualmente, enfraqueceu realidades jurdicas tradicionais que
impunham uma religiosidade no mais necessria, por exemplo a que moralmente des-
locava as preocupaes humanas para alm da existncia.
Mas o avano da industrializao e do Estado laico no comprometeram de for-
ma automtica a expectativa na vida aps a morte, como comprova o ndice consistente
de crescimento de tais ansiedades em sociedades ps industriais, como os Estados U-
nidos, Japo e Itlia. Nesses pases deve-se considerar a provvel existncia de dimen-ses religiosas de forte entranhamento cultural, ou, talvez, de uma realidade de tradio
que no sofreu ruptura histrica significativa capaz de alterar sua influncia social a
longo prazo. Assim, a religiosidade destas sociedades continua particularmente forte e,
estatisticamente, em ascenso.
Como demonstra o quadro abaixo, que diz respeito aos momentos de intimidade
religiosa, os Estados Unidos, que um dos centros histricos do Estado secular no Oci-
dente, tambm, nesse aspecto da questo, um dos mais religiosos. Lembremo-nos que,nele, a secularizao emergiu de um compromisso entre confisses, o que preservou
uma identidade religiosa ntima da gravidade dos conflitos polticos. A Frana, o outro
pilar do secularismo ocidental, a qual, ao contrrio dos Estados Unidos, viveu sculos
de luta religiosa, notadamente contra a Igreja catlica, que exercera o poder poltico por
sculos - tornou-se um dos menos religiosos. O carter notvel da religiosidade na Ir-
landa deve-se, sem dvida, natureza da histria do cristianismo na Ilha e sua confuso
com a identidade nacional, e na Itlia desafia, especialmente, sculos de conflito entre opapado e os poderes seculares e um sinal do poder e da influncia da Igreja de Roma
em sua rea histrica:
Frequncia do ato de rezar ou orar (alm dos servios regulares): todo dia notamxima (7), nunca nota mnima (1) (apud Norris and Inglehart, 2004: 85)
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Frequncia do ato de rezar ou orar (alm dos servios regulares): todo dia nota
mxima (7), nunca nota mnima (1) (apud Norris and Inglehart, 2004: 85)
Paradoxalmente, se a difuso do iluminismo e seu desencantamento mtico
introduziu a cincia como grande horizonte de sentido das sociedades e dos povos (o
ensino secular notadamente cientfico), curioso anotar que as menos religiosas das
sociedades eram, no limiar do sculo XXI, as menos otimistas com relao aos benef-
cios da cincia, e aquelas mais religiosas as que mais esperam do desenvolvimento cien-
tfico:
Atitudes positivas com relao cincia 1981-2001 (apud Norris and Inglehart, 2004:68)
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Atitudes positivas com relao cincia 1981-2001 (apud Norris and Inglehart, 2004:68)
Ir, Nigria, Egito, Uganda, Brasil e Estados Unidos, por exemplo, apresentam
ndices positivos de receptividade ao conhecimento cientfico, apesar de sua forte sensi-
bilidade religiosa. Talvez tal ndice reflita conflitos internos muito acentuados entre for-
as pr secularizao e foras religiosas, ou um encantamento com a cincia e sua capa-
cidade transformadora que pode ser prprio da experincia de uma irracionalidade reli-
giosa no totalmente dominada pelo ensino secular. Um entendimento maravilhoso efantstico do poder da racionalidade cientfica caracterstico de sociedades pouco
complexas, como analisamos em outra oportunidade ao discutirmos a viso indgena
sobre os objetos industrializados no decorrer do processo de colonizao(Leite, 2000).
J Dinamarca, Frana e Sucia, os menos religiosos, no parecem ser particu-
larmente esperanosas quanto aos benefcios que a cincia possa trazer aos homens.
Provavelmente devido ao fato de que, tendo introjetado na sua experincia civil a edu-
cao secular, tenham tambm incorporado todas os problemas ticos derivados dessa
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ausncia de uma moral absoluta prpria da cincia. Ou, paralelamente, tenham entendi-
do que a cincia no pode ser entendida como uma fora salvadora e miraculosa e nem
funciona assim. Pases como ndia, Itlia e Irlanda, teoricamente muito religiosos, no
entanto, no so particularmente tomados por posies radicais sobre tal assunto. Ten-
dendo a uma viso moderada das relaes entre religio e cincia, por razes que a his-
tria e a cultura podem explicar, mas que provam de qualquer maneira, a impossibilida-
de de estabelecer um rumo previsvel para as consequncias do processo de seculariza-
o.
Norris e Inglehart sustentam que, na mdia geral, pode-se dizer, no entanto, que
sociedades agrrias apresentam um quadro de maior religiosidade e tal religiosidade
diminui substancialmente quanto mais complexas as sociedades se tornam. No entanto,essa religiosidade no est de forma clara relacionada com grau de instruo, o que tor-
na qualquer afirmao sobre o peso do ensino secular na religiosidade razoavelmente
duvidosa:
Caractersticas sociais da participao em cerimnias religiosa mais de uma vez por semana, ou uma vez por
semana excetuando cerimnias relativas ao nascimento, casamento e morte (1981-2001) (apud Norris and In-glehart, 2004: 70):
Sociedades agrrias Sociedades Industri-ais
Sociedades ps indus-triais
Total
Nvel educacional bsico 55 34 21 36
Nvel educacional mdio 47 23 16 28
Nvel superior 48 22 24 28
Como observamos, as pessoas de nvel superior, nas sociedades ps industriaistendem a ser mais religiosas que as de ensino bsico, muito embora nas sociedades a-
grrias, fique claro que seus setores de ponta em termos de formao so claramente
afastados do cotidiano religioso. Mas devemos considerar que a pesquisa no dimensio-
na a qualidade da religiosidade em nveis escolares diferentes, o que quer dizer que sen-
do religiosos, pessoas de nvel superior no necessariamente tem uma religiosidade do
mesmo teor de pessoas de nvel bsico.
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Norris e Inglehart sustentam que h na verdade uma dupla tendncia no desen-
volvimento dos Estados seculares, portanto. Por um lado uma eroso de atitudes religio-
sas prprias da generalizao da secularizao, e, de outro, um reforamento reativo
crescente. No entanto, como as reas nas quais a secularizao mais avanada mos-
tram uma taxa de natalidade inferior aos nveis de reposio populacional e naquelas
com orientaes religiosas tradicionais a taxa de fertilidade duas ou trs vezes o nvel
de reposio, pode-se afirmar que apesar do crescimento das perspectivas seculariza-
doras, o mundo em geral tm hoje mais pessoas com vises religiosas tradicionais do
que antes- e eles constituem uma parte crescente da populao mundial (Norris and
Inglehart: 6, 25).
III
A utilizaco do conceito fundamentalista para designar todo movimento rel i-
gioso que busca reafirmar identidades poltico - religiosas, usualmente em reao aos
efeitos da secularizao, polmica. O termo tem sua origem nos Estados Unidos, no
princpio do sculo XX e est ligado srie de textos publicados entre 1910 e 1915, edi-
tados por A.C. Dixon, intitulados The Fundamentals, que continham artigos que susten-
tavam o pensamento protestante diante de outras influncias, principalmente do libera-
lismo e outras tendncias morais e polticas da modernidade.
A utilizaco de tal conceito para designar outros movimentos religiosos reativos,
no entanto, parece se tornar aos poucos aceitvel. Os EUA, no princpio do sculo XX,
isto , durante a progressive era, que se seguiu crise de 1890, viveram um perodo
de rpida transformao social (Brogan, 1990: 433), onde a f no progresso da cincia e
no avano dos costumes, colocou imensos desafios conscincia mdia da sociedade -
engendrando uma resposta conservadora. A idia de que a ampliao da secularizaco
solapava as bases das antigas relaes internas de poder nas diferentes confisses religi-
osas conduziu necessidade de reafirmar os princpios da tradio e, consequentemente,
o poder de seus veiculadores confessionais.
Tal realidade, de forma comparativa, pode ser entendida como anloga quela
vivenciada, por exemplo, nos pases islmicos ou nos pases catlicos perifricos, inse-
ridos em um encontro inevitvel e conflituoso com o mundo secular moderno ao longo
do sculo XX. Principalmente quando consideramos (no caso do Isl) tanto a hostilida-
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de tese da lei natural quanto a dificuldade cultural e formativa de propor outras fon-
tes legitimadoras e, (no caso dos pases catlicos perifricos), da falncia gradual da
crena na lei natural e a imperiosa transferncia de autoridade para os cientistas e o
aprofundamento do individualismo. Como afirmou Lauren Lagman:
o fundamentalismo religioso uma resposta anti-modernizadora srpidas mudanas sociais e culturais e s presses e desafios de umaera global. A religio fundamentalista uma reao a essas rpidastransformaes, deslocamentos e consequncias econmicas adversas,bem como uma crtica superficialidade da cultura materialista, e natureza problemtica do individualismo hedonista (Langman: 317)(ver tambm Jungersmeyer, 2001).
A reao dos protestantes americanos, no limiar do sculo XX, portanto, insere-
se numa mesma dinmica crtica ao mundo moderno enquanto tal e, com cdigos dife-
rentes, expressam um fenmeno similar (Ruthven:6). Tal realidade pode ser, provavel-
mente, tambm encontrada em outros eventos dramticos de confronto com o Estado
secular, como a reao religiosa dos catlicos espanhis nos anos 30.
Immanuel Wallerstein acrescentou uma outra perspectiva de entendimento do
tema, bastante til. Para ele o fundamentalismo islmico, por exemplo, est fundado na
desiluso gigantesca que seguiu-se ao fracasso das experincias nacionalistas seculares
do sculo XX, mais evidentes aps o colapso da URSS (Wallerstein: 120). Essa desilu-
so foi derivada das impossibilidades do Estado laico em garantir a libertao e a reno-
vao da sociedade, donde a tendncia de retorno sharia, isto , a lei islmica, aparen-
temente mais segura e conhecida.
O elemento da desiluso, portanto, em algumas circunstncias alimenta uma
perspectiva reativa. No em todas circunstncias, como vimos, pois em certas socieda-
des ps industriais, a desiluso relacionada s perspectivas da secularizao pode con-viver com a desiluso religiosa, sem que o Estado secular seja afrontado. Mas, de qual-
quer forma, existe uma relao de sentido, em muitas ocasies, entre a secularizao e o
fundamentalismo, pois so os interlocutores religiosos tradicionais, depostos pelo mo-
vimento secularizador de seu papel de legisladores, que organizam e lideram toda pos-
svel reao crtica. Esse caso muito evidente no caso da emergncia do poder xiita no
Ir, nos anos 70.
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Assim, quando ocorre, a reao, ou o retorno hostil a uma segurana fantasiosa
de uma forma pr-secular de organizao da sociedade, expressa normalmente a exis-
tncia de um setor legislador religioso ainda consistente, que cresce a partir de uma cer-
ta percepo (que pode ser particular ou geral) da fragilidade, impreciso ou obscurida-
de dos objetivos do Estado secular. Tais objetivos, provavelmente, tornam-se duvidosos
quando seus fins parecem sobremaneira plurais, a ponto de serem entendidos como de-
sagregadores, ou no apresentam uma consistncia moral claramente definida; quando
suas instituies no parecem possuir consequncia ou coerncia na relao com a soci-
edade; e suas leis e polticas pblicas possuem razes no totalmente compreendidas ou
explicitadas.
Tal percepo tende a no ocorrer em sociedades, por exemplo, onde o sistemaeducacional e de divulgao cientfica e cultural, ou as polticas de amparo social, so
felizes em demonstrar que os fins, mesmo plurais, so socialmente claros, que as insti-
tuies esto compromissadas com os cidados e so coerentes e consequentes, e que as
leis e as polticas pblicas so claras e inclusivas. E, embora isso no parea ser decisi-
vo, como acreditavam os pensadores do sculo XIX, no sentido de eliminar a crena,
um sistema educacional secular, de matriz cientfica consistente e atrelado a um projeto
nacional forte, como o da Frana, parece exercer um efeito significativo no controle dasdesiluses nacionais e circunscreve-las a um quadro maior de expectativas laicas. O que
quer dizer que, como alertaram os filsofos iluministas, a causa do Estado secular de-
pende em grande medida do sucesso de seu sistema educacional, ou de um comprome-
timento miditico com a secularizao.
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