148

10
III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006 1386 Modernismo Fluminense: intelectuais para uma nação moderna Evelyn Morgan Monteiro 1 Neste artigo utilizaremos a cidade como efeito de demonstração da modernidade. Mas qual cidade? Nosso alvo é a cidade de Niterói, pensada através da A Revista 2 , periódico nascido na cidade no ano de 1919 e publicado até março de 1923 3 . Pensar a produção intelectual Fluminense buscando sua particular forma de inserção nos paradigmas modernos, de projetos para a nação e principalmente a perspectiva sobre uma cidade que se quer moderna. Seus números foram publicados mensalmente de 1919 a 1921, e devido à demanda, passaram a ser quinzenais a partir de 1922. Nas sete coleções da Biblioteca Nacional estão reunidos os mais sessenta e três números das publicações, contudo fizemos uma opção teórica de trabalhar com os dois números das edições de especiais do Centenário da Fundação de Niterói e do Centenário da Independência, dois momentos comemorativos em que são exacerbadas as características da revista e sobretudo sua doutrinação modernista. Nestes dois números avaliaremos como o ideal de uma nação moderna fica evidenciado pela cidade. A idéia da revista na reavaliação da trajetória de cem anos de história é da necessidade de se ressaltar a importância dos Fluminenses nos projetos da construção da nação, por meio dos progressos atingidos no contexto urbano. Como um olhar sobre o passado que faz nascer a modernidade vivida pela cidade. Ao menos é essa idéia que se pretende difundir nestas publicações especiais. Em nossa releitura sobre o tema procuramos buscar a sua singularidade, uma vez que os intelectuais a frente da A Revista não estão vinculados as idéias modernistas paulistas ou de qualquer outro grande centro cosmopolita. Ao contrário, são interioranos dos diversos pequenos municípios do Estado do Rio Janeiro, suas diferenças são latentes e nos propomos a ressalta-las em vez de trabalhar numa perspectiva de semelhança com os cânones do movimento modernistas. Afinal deve se trabalhar no plural - “modernismos” - 1 Mestranda em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2 Podemos encontrá-la na seção de periódicos da Biblioteca Nacional, códice nº 0000216658, totalizando sete volumes de coleção. 3 Não há qualquer menção de término da publicação no último número da revista situado na Biblioteca Nacional, a edição acaba sem dar qualquer pista sobre sua continuidade ou não.

description

Evelyn Monteiro. Modernismo Fluminense

Transcript of 148

Page 1: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1386

Modernismo Fluminense: intelectuais para uma nação moderna

Evelyn Morgan Monteiro1

Neste artigo utilizaremos a cidade como efeito de demonstração da modernidade.

Mas qual cidade? Nosso alvo é a cidade de Niterói, pensada através da A Revista2,

periódico nascido na cidade no ano de 1919 e publicado até março de 19233. Pensar a

produção intelectual Fluminense buscando sua particular forma de inserção nos paradigmas

modernos, de projetos para a nação e principalmente a perspectiva sobre uma cidade que se

quer moderna.

Seus números foram publicados mensalmente de 1919 a 1921, e devido à demanda,

passaram a ser quinzenais a partir de 1922. Nas sete coleções da Biblioteca Nacional estão

reunidos os mais sessenta e três números das publicações, contudo fizemos uma opção

teórica de trabalhar com os dois números das edições de especiais do Centenário da

Fundação de Niterói e do Centenário da Independência, dois momentos comemorativos em

que são exacerbadas as características da revista e sobretudo sua doutrinação modernista.

Nestes dois números avaliaremos como o ideal de uma nação moderna fica evidenciado

pela cidade.

A idéia da revista na reavaliação da trajetória de cem anos de história é da

necessidade de se ressaltar a importância dos Fluminenses nos projetos da construção da

nação, por meio dos progressos atingidos no contexto urbano. Como um olhar sobre o

passado que faz nascer a modernidade vivida pela cidade. Ao menos é essa idéia que se

pretende difundir nestas publicações especiais.

Em nossa releitura sobre o tema procuramos buscar a sua singularidade, uma vez

que os intelectuais a frente da A Revista não estão vinculados as idéias modernistas

paulistas ou de qualquer outro grande centro cosmopolita. Ao contrário, são interioranos

dos diversos pequenos municípios do Estado do Rio Janeiro, suas diferenças são latentes e

nos propomos a ressalta-las em vez de trabalhar numa perspectiva de semelhança com os

cânones do movimento modernistas. Afinal deve se trabalhar no plural - “modernismos” -

1 Mestranda em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2 Podemos encontrá-la na seção de periódicos da Biblioteca Nacional, códice nº 0000216658, totalizando sete volumes de coleção. 3 Não há qualquer menção de término da publicação no último número da revista situado na Biblioteca Nacional, a edição acaba sem dar qualquer pista sobre sua continuidade ou não.

Page 2: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1387

eliminando-se assim a idéia de consciência e do atraso, já que cada uma tem a sua

particularidade.

A Revista em todas as suas cores

Analisar “as cores” do nosso periódico é penetrá-lo, conhecer um pouco mais de

suas propostas, de seu formato, seus intelectuais, de repensá-lo como uma revista

modernista para que possamos entender a qual a imagem de uma cidade moderna esta

queria projetar.

Para atingir nossos objetivos faz se necessário delinear – ainda que brevemente - a

forma e os objetivos do periódico, fundamentais para o sucesso refletido na aceitação do

público, e na longevidade da revista.

Havia uma regularidade, pouco comum - devido ao histórico de efemeridade dos

periódicos dessa natureza - das edições da A Revista. Nestes quase quatro anos de

existência houve apenas a exceção de um número que foi bimestral. A sede do expediente

desta era o centro da cidade de Niterói, capital do Estado do Rio de Janeiro na época.

Quanto à forma, o periódico apresentou-se regularmente, havendo poucas variações

significativas, na capa, nas dimensões e nas seções ao longo do tempo. As dimensões da A

Revista eram de 22,5cm por 15cm ficando um pouco maior no final do primeiro ano com

26cm por 17cm, padrão que se manteve até as últimas edições.

É difícil precisar um tamanho, ou melhor, um número médio de páginas por edição,

pois isto variava muito de acordo com edições especiais ou maior número de anúncios. Mas

arriscamos dizer que girava em torno de 40 a 60 páginas por número. Um número

significativo, ainda que consideremos que praticamente metade destas páginas eram de

propagandas que ajudavam a revista a se manter.

Definir a que se pretendia A Revista é um desafio para nós, mas no editorial do

primeiro número desta, assinado por Gioconda Dolores, há os objetivos a que esta se

destinava : tratar de política, arte e ciência. Ou melhor “ao doutrinamento do civismo, ao

encitamento da arte, ao devotamento pelas verdades científicas”4. Segundo Mônica

Velloso os editoriais das revistas buscam passar uma mensagem singular que a estas se

4 A Revista, nº 1, “Editorial”, p. 1.

Page 3: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1388

julgam portadoras5. Portanto observamos como é delineada a proposta da revista, busca-se

a idéia de uma nacionalidade ancorada no sentimento cívico, nos progressos da cidade e da

ciência, e da cultura, da produção artística.

No mesmo editorial, antes de buscar definir quais seriam as diretrizes do periódico,

a autora Gioconda Dolores, reforça que não tentaria esboçar escopo definitivo, pois a

revista está em movimento e este certamente mudaria ao longo das edições, mas o que ela

gostaria de retratar era a essência do periódico de que falamos acima. A idéia de

modernidade é exatamente esta. Ou seja, a idéia de um tempo fulgaz, oscilante, um tempo

presente, já que a realidade está em permanente mutação. A Revista traduzia esta nova

linguagem de uma comunicação mais ágil em sintonia com o dia-a-dia.

O moderno também estava nas cores, na visuabilidade e na beleza das edições.

Nossa revista era colorida, editada em papel couché. Nas vinhetas encontramos musas e

ninfas desenhadas; temas da natureza, como passarinhos e flores. A preocupação com a

dinâmica visual era notória, pois para abrir as seções sempre havia desenhos coloridos, em

torno dos poemas e sonetos publicados adornos de traços e cores, mulheres de olhar

distante, mulheres como que deusas que vestiam roupas típicas da moda da época.

As fotografias eram muitas. Retratos de uma cidade em mutação. “Niterói vai se

elegantizando imitando outras cidades, mas com um cunho muito próprio”6, a idéia de

progresso está sempre presente. Progresso de Niterói, especialmente, em relação à cidade

do Rio de Janeiro, porque as conquistas modernas deveriam ser evidenciadas na cidade,

demonstrando sua importância, assim como a vizinha, o distrito federal. Desta forma busca-

se um elo identitário com o público, através da abordagem de temas do seu cotidiano. Por

isso a linguagem fotográfica era importante, afinal era a materialização dos avanços que

tinha conquistado a cidade.

A Revista teve, como observamos, uma vida longa em relação a outros periódicos da

época. Todavia esta duração está intimamente ligada ao corpo que dirige a mesma. O corpo

de redatores efetivos era formado por nove membros, mas o expediente do periódico ainda

contava com vários outros colaboradores que contribuíam a cada número, algo que reitera

um movimento e uma circulação de idéias, pois estes colaboradores estavam ligados a

5 Velloso, Mônica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes, FGV, Rio de Janeiro: 1996. pp. 57 – 59. 6 A Revista, nº 1, 1919, “Vida Elegante”,p. 23.

Page 4: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1389

outros periódicos e a outros círculos de influência que nos ajudam a pensar em uma rede de

sociabilidade possível.

A existência de lugares comuns para o exercício de debates do meio intelectual é

uma condição para a elaboração do próprio intelectual.7 Estes espaços são afetivos e,

também, geográficos, lugares de aprendizado, debates, de troca, indicando a dinâmica do

movimento e circulação de idéias.

Os locais sempre mencionados nos artigos e onde parte do corpo editorial estava,

também, atuando, era a Academia Fluminense de Letras, criada em 1917, que representava

a institucionalização de uma certa prática intelectual, já que Niterói não possuía

agremiações que congregassem intelectuais neste período.8 Os círculos de convivência

eram mais informais, mas podemos perceber que alguns salões, periódicos e outros lugares

eram espaços onde os intelectuais da A Revista também atuavam. Como a Escola Normal, a

Associação Brasileira de Imprensa, o Instituto Histórico e Geográfico Fluminense e o

Colégio Salesianos. Além do Atlético Fluminense Clube, o Juventude Lusitânia, o Clube

Syrio Fluminense e etc. que demarcavam os salões mais citados no periódico.

Havia também uma interlocução de matérias elogiosas com outros periódicos, na

seção “Palavras que nos estimulam”9 eram comentados os elogios direcionados a A

Revista pela Ilustração Fluminense, Pátria Nova, A Época, Comédia, A Razão, A Rua além

dos jornais O Fluminense, O São Gonçalo,O Momento, O Estado, Correio da Manhã, O

Maricaense.

Os Centenários e a Modernidade da cidade

A comemoração do Centenário da Independência, assim como a do Centenário da

Fundação de Niterói, foram momentos centrais para refletirmos como a intelectualidade

projetará a si mesma e a nação. Ao fazer este projeto, a cidade era um dos principais alvos,

pois o ideal de uma nação moderna foi desenhado pelos “progressos” da cidade,

7 Trebitsch, Michel. apud Gontijo, Rebeca. “História, cultura, política e sociabilidade intelectual”. In: Soihet, Rachel & outros (org.) Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. p.261. 8 Fernandes, Rui Aniceto Nascimento. Construindo o folclore fluminense: Intelectuais, Política e Educação no estado do Rio de Janeiro (1949-1961). Dissertação de Mestrado em História, Niterói: UFF, 2004. 9 Esta seção aparece em vários números, apesar de não existir uma regularidade.

Page 5: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1390

especialmente ressaltados nestas duas edições especiais de comemoração aos respectivos

centenários.

Estes momentos são particularmente caros, pois buscam uma avaliação do passado

para dar sentido ao presente, e antes, projetar um futuro que é sempre promissor. Logo,

heróis são lembrados, momentos históricos ganham maior importância, as lutas se tornam

mais difíceis, mas conquistas do presente parecem antecipar um por vir grandioso.

E nos perguntamos, a quem cabe esta tarefa de repensar a nação? Aos intelectuais, é

claro. Nesse sentido estes se entendem como vanguarda, afinal a missão social de reavaliar

a trajetória de cem anos de história é a oportunidade de decantar na memória coletiva da

nação os ideais de progresso, de luta, de conquistas, de um Brasil que tem futuro ante as

outras nações.

Marly Mota trabalha coma a idéia de que o Centenário da Independência seria um

momento-chave em que tais questões deveriam ser discutidas. Afinal este momento seria

oportuno para a reinterpretação do passado e projeção do futuro, ou seja, decantar na

memória coletiva um ideal de modernidade10.

Uma mudança subjetiva da identidade coletiva aparece então como preâmbulo

obrigatório de mudanças objetivas, como promessa definitiva de um destino de grandeza

para a nação. O discurso sobre a modernização, entendendo-o como relato que ressignifica

as práticas social e política. A narração do centenário opera como reorganização imaginária

do acontecer histórico e que implica um árduo trabalho enunciativo sobre a memória

discursiva, destinado a configurar um lugar de legitimação para os novos sentidos que

definiriam o fazer político durante a transição para o moderno.11

O fato de estarem ocupando espaços na imprensa também privilegia esses

intelectuais na montagem de imagens de um país moderno, portanto a redefinição dessa

identidade coletiva12 é, antes, a construção de uma “nova” nação, de uma nova sociedade.

Esses tipos de comemorações coletivas, ao invés de só atenderem as prerrogativas de uma

“história oficial”, revelam um caráter institucional e pedagógico. Dessa forma a

10 Mota, Marly. A nação faz cem anos, uma questão nacional no centenário da Independência. Rio de Janeiro: FGV-CPDOC, 1992. 11 Fontana, Mônica Zoppi-. Cidadãos modernos: discurso e representação política. Campinas: SP: Editora da Unicamp, 1997. 12 Sobre identidade coletiva ver também: Hobsbawm, Eric. “Não basta a história de identidade”. In: Hobsbawm, Eric. Sobre história. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

Page 6: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1391

comemoração seria a “professora da nação”.13 Existe um apelo aos sentimentos de

unificação, da pátria como uma unidade. Criam-se mitos e símbolos, fundamentais para a

construção de uma nacionalidade no imaginário popular .

O nosso exercício se torna ainda mais interessante porque trabalharemos os dois

âmbitos, ou seja com os dois centenários. O Fluminense, que tenta se colocar perante aos

outros estados da federação como sendo de primeira grandeza; e o nacional, que busca sua

afirmação enquanto unidade coesa, para a formação de um sentimento de nacionalidade.

Estas duas faces se misturam e aparecem nos dois números que analisaremos utilizando o

caminho de um ideal de progresso e modernidade para atingir esses objetivos.

O Centenário de Niterói14 foi celebrado na edição de agosto de 1919 em

comemoração a elevação de Niterói a categoria de Vila no dia 11 deste mês em 1819. Já o

Centenário da Independência foi comemorado pela A Revista em uma edição especial que

foi publicada em 12 de outubro de 1922, mais de um mês depois da data oficial do evento.

O pedido de desculpas que integra esta edição é justificado pela tamanho um pouco maior

da média de publicação.

Em ambos os números, a revista estava especialmente colorida. Muitas fotos que

mostravam o antes e o depois da cidade - e do Estado - desvendando seu crescimento e seus

recursos naturais. Nos números dos centenários há a tentativa de fazer uma panorâmica de

todo o Estado, e da capital Niterói, um modelo de cidade moderna para os outros

municípios em desenvolvimento, a exemplo da capital federal. Tenta-se convencer o leitor

de que todo o Estado do Rio está progredindo, economicamente, com projetos de

urbanização, e que este é um modelo de modernidade para todo o país.

E para esta tarefa as edições são repletas de fotos de materializam esta modernidade.

Esta, na verdade, é bastante singular, pois as belezas naturais eram também exaltadas. Na

Fundação da Cidade, por exemplo, a foto da praia de Icaraí, vinha representada como

expoente de uma cidade em crescimento. Nesta foto em particular não se mostrava as

construções ao longo da praia, mas a praia em si, o mar e a pedra de Itapuca15. Sendo uma

13 Marly Motta, op. cit. 14 Para evitar a repetição de termos e tornar a leitura mais aprazível, iremos mencionar em alguns momentos do texto apenas a Fundação da Cidade, que fará alusão ao Centenário de Niterói; e Independência, ou momento da Independência, que irá se referir ao Centenário da Independência. 15 A Revista, nº 4, 1919, p. 7.

Page 7: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1392

fotografia similar que compõe a capa da edição de Independência: o cenário de Icaraí ao

lado de um ramo de lírios.

Uma espécie de montagem com várias fotografias pequenas organizadas numa sorte

de quadro que ocupava uma página inteira de destaque foi elaborada nestas publicações.

Apareciam como se fossem uma retrospectiva histórica, mostrando um “ideal” de

conquistas agora evidenciadas no antes e depois da cidade, como em uma intitulada “Ex-

Vila Real da Praia Grande” que exibia antigos prédios niteroienses16; ou para mostrar

homens e intelectuais de prestígio como em “Homens Ilustres”,“Parnaso Fluminense”,

“Expoentes Intelectuais”, e entre os citados sempre havia políticos e importantes homens

da localidade; ou ainda artistas de origem fluminense que aparecem em “Uma página de

arte” 17.

A idéia de progresso também era demonstrada a partir de fotos de casas comerciais

ou indústrias em Niterói e em outros pontos do Estado. Observamos isto, por exemplo, a

partir das fotos da inauguração de casas comerciais na própria capital do Estado e em

outros cantões deste, a exemplo do retrato do galinheiro da Fazenda Santa Maria, “onde

será feita uma prodigiosa granja” dizia “A Revista na estação do Rio do Ouro;18 ou a

visita a Miracema para conhecer a firma Salim Damian e C. ;19 ou mesmo ir até Paraokena

para noticiar a Casa Ideal.20 Mostrar estes pequenos municípios e seus sinais de

crescimento era para a revista indícios de uma modernidade que estava sendo construída.

A seção Comércio e Indústria se tornou Exposição de Comércio e Indústria e foram

divulgadas algumas firmas de grande projeção e seus respectivos proprietários, é claro. È

dado um especial destaque para a Companhia Manufactora Fluminense e para seus donos

Sr. João de Deos Freitas, Sr. Carlos Juloi Galliez e Alfredo March Ewbank e para o

Cortume de São Gonçalo S.A. com duas fotos de sua fachada. E no fim do número ainda

havia um apêndice chamado “Mostruário das Indústrias na exposição”, como se fosse um

catálogo de propagandas21.

Na edição do centenário da Independência os redatores optaram por esse modelo.

Foram poucos os anúncios distribuídos ao longo da edição, mas ao fim desta havia um

16 Idem, p. 8. 17 Idem, nº 50, 1922, pp. 49 a 56. 18 Idem, nº 4, 1919, pp.12, 14 e 15. 19 Idem, nº 50, 1922, p. 115. 20 Idem, p. 44.

Page 8: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1393

“Indicador Nominal”22 que somava mais de 40 páginas e onde diversos anúncios estavam

classificados por ordem alfabética

Certamente muitos dos elogios feitos foram financiados, comprados pelos citados

homens importantes, o que nos dá indícios para saber quem está por trás dos que escrevem

efetivamente no periódico, além de ajudar a compreender o porquê de sua longevidade, de

como era patrocinada a revista.

Ao expor as praças comerciais e o crescimento da cidade e do Estado objetivava-se

que a idéia de melhorias era uma realidade. E “A nossas fotografias servem para mostrar

os progressos de Niterói nestes últimos tempos de propaganda evolucionista” falava a

seção Página Esportiva no mês anterior.23

Mas foi na publicação do número da Independência que um maior relevo foi dado

para expor os municípios do Estado. Na primeira página do referido número temos os

seguinte texto:

“Quem percorrer os férteis municípios do torrão fluminense e observar o surto de intenso progresso em que todos elles se evidencia, não deixará de applaudir a sábia orientação do Dr. Raul Veiga na suprema direção do estado.24

Mais uma vez este “progresso” não é isento existindo toda uma ideologia política

por trás deste. Dessa forma a modernidade não era evidenciada nas ruas, nos habitantes da

cidade, mas era imposta de cima pra baixo. O discurso político incorpora o tom épico das

grandes epopéias nacionais, auto-representando-se como gesto definitivamente fundador de

um novo tempo.25 Esta é, segundo Schorske, a uma forma de desenvolvimento do

modernismo conservador, que anula aquilo que seria fundamental ao modernismo que é a

sua feição democrática.

Um longo caderno também é dedicado aos “Municípios do Estado do Rio de

Janeiro” contando um pouco de suas respectivas histórias, seus dados populacionais,

construções, distritos, escolas e seus intelectuais de renome. A segunda metade do

mencionado caderno era toda de fotografias das diversas municipalidades. Retratos de

21 Idem, nº 4, 1919, pp. 62 a 68. 22 Idem, nº 50, 1922, pp. 181 a 220. 23 Idem, nº 3, 1919, p. 5. 24 Idem, nº 50, 1922, p. 1. 25 Fontana, Mônica Zoppi-. op. cit.

Page 9: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1394

Igrejas, Câmaras, praças, avenidas, pontes, escolas ou vistas gerais de cada cidade. Não é

difícil cogitar que um maior destaque foi dado à cidade de Niterói e seus palacetes,

alegorias da administração estadual. Uma página dupla exibia uma foto aérea da cidade

com o subtítulo: “Nictherói a vol d’oiseau”.26

A questão histórica teve especial destaque nas nossas edições. No artigo “O

Centenário de Niterói, um pouco de história”27, foram contadas as histórias da cidade

imortalizadas na figura do índio Araribóia, e de como essas conquistas culminaram na

elevação a Vila Real da Praia Grande em 1819, fazendo um balanço de como se tornou a

cidade hoje.

No número da Independência esse caráter sobressai ainda mais. A tentativa de dar

destaque ao papel do Estado do Rio de Janeiro ante a história da nação é uma tarefa

imperativa nos artigos que tratam pontualmente da história.

Em “Os precursores”28 Osório Duque Estrada enfatiza o papel do Estado do Rio de

Janeiro no processo de Independência, citando um discurso feito ao parlamento por José

Clemente Pereira, em 1841, Ministro da Guerra a época, que aqui reproduzo um fragmento:

“A mim me parece que, na cooperação, para a Independência, a glória é egual para todas as Províncias; mas se é necessário que alguma tenha prioridade, há de permitir-me o nobre deputado29 que o conteste e que diga que ella pertence aos Fluminenses” (grifo original) 30

Observamos a tentativa de inserir o estado, e não só da capital, na história da nação.

O que se questiona é o papel dos fluminenses neste projeto de nação e, especialmente, no

seu porvir. Daí parte a necessidade de se colocar ante a federação com um Estado de um

passado prodigioso, mas que não está só no passado, que o desenvolvimento é uma

realidade presente e futura, que os Fluminenses também respiram os ares da modernidade:

“Não devemos parar. A similhança do que se tem operado, na capital da República, façamos de nosso Estado o ponto convergente de todas as iniciativas valorosas. (...) As inclinações louváveis de nossa mocidade – as nossas esperanças vivas, obreiros do futuro.”31

26 A Revista, pp. 169 a 178. 27 Idem, nº 4, 1919, p. 13. 28 Idem, nº 50, 1922, “Os precursores”, pp. 36 a 44. 29 O Ministro se refere a outro deputado que defendia a preponderância de São Paulo para a Independência. 30 A Revista, nº 50, 1922, “Os precursores”, pp. 36 – 44. 31 Idem, “O centenário e a mocidade Fluminense”, p. 73. Escrito por Max Lucano.

Page 10: 148

III Simpósio Nacional de História Cultural Florianópolis, 18 a 22 de setembro de 2006

1395

As notícias sobre o centenário buscavam criar uma idéia progresso e um sentimento

de pertencimento na população, fazendo com que esta se sinta parte integrante da

modernidade que era apregoada pela revista.

Se Habermas define a modernidade como a consciência de uma época que olha para

si mesma em relação ao passado, considerando-se o resultado de uma transição do velho

para o novo.32 Nossa revista tinha essa autoconsciência, era, portanto moderna.

Nas páginas da A Revista nós encontramos o caminho seguido por estes intelectuais

fluminenses para se construir uma nação moderna: o ideal de progresso vivenciado na

cidade. Ao longo de suas edições e, em especial nos momentos de comemoração dos

Centenários de Niterói e da Independência, os intelectuais colocavam o Estado do Rio em

uma posição central na vida e na história dos cem anos da nação.

Desejavam sublinhar que este passado glorioso também era presente. E quando não

era possível suprir suas falhas, a revista projeta modernidade para o futuro. O modernismo

fluminense da A Revista era pensar uma nação que progride, que avança. A modernidade

era vivida com o industrialismo, com as reformas urbanas, com as melhorias da cidade,

seus salões e bailes etc. fatores que colocariam a nação em um patamar de igualdade com

os outros países. A relação urbana quer causar um impacto sobre as formas passadistas.

Nosso modernismo tem lugar na cidade, e é dela que se responde a questões modernas.

Esta modernidade partia do âmbito fluminense e se estendia a nação. E essa é a

contribuição, que ao mesmo tempo significa um delinear de identidade de grupo, dos

intelectuais fluminenses. Ou seja, a modernidade era vivenciada em todo o Estado do Rio

de Janeiro, nos seus mais distantes municípios esta brotava de alguma forma. Isto

significava a importância do interior do Estado, origem de boa parte da intelectualidade

fluminense, por seus progressos, seus comércios e indústrias equiparando-o a outros

estados do Brasil e tornando imperativa a sua participação nos debates acerca de uma nação

regenerada e moderna.

32 Habermas, Jürgen. Apud Fontana, Mônica Zoppi-. op. cit.