15 Artigo Joana Duarte Bernardes
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HISTÓRIA E MEMÓRIA NA FICÇÃO POST-MODERNISTA PORTUGUESA. OS
CUS DE JUDAS E AS NAUS DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Joana Duarte Bernardes – CLP/FLUC
(Centro de Literatura Portuguesa –
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
Resumo: Pretende-se com este trabalho materializar a função da narrativa da memória nos
caminhos da literatura portuguesa de cariz post-modernista. Com efeito, é possível ver como a
ficção configura possibilidades históricas, veiculadas, precisamente, por um edifício anamnético
de interiores baços que a obra literária vem arrebatar do esquecimento. Ora, o caso d’ Os Cus de
Judas (1979) e d’ As Naus (1988), de António Lobo Antunes, parecem revelar este labor precioso
do caos, já que articulam o trabalho da memória individual e da memória colectiva e, assim, dão
corpo à ideia de que História e ficção, arte e vida, são expressão do tempo.
Palavras-chave: Memória; Ficção; Os Cus de Judas; As Naus; António Lobo Antunes; Post-
Modernismo
Abstract: The aim of this work is to demonstrate how memory as a narrative operates in
Portuguese post-modern literature. In fact, we can read in fiction several historical possibilities,
conveyed by a blurred anamnetic building whose interiors can come to light through the literary
work. Os Cus de Judas (1979) and As Naus (1988), by António Lobo Antunes, seem to disclose
that precious labor of chaos: by combining individual and collective memory, they give shape to
the idea that History and fiction, life and art, together, are the expression of time.
Keywords: Memory; Fiction; Os Cus de Judas; As Naus; António Lobo Antunes; Post-
Modernism
OS CUS DE JUDAS: UMA TEIA PARA DUAS MÃOS
Como teia suspensa que a acção humana tece e abandona, a memória aguarda que
uma vontade a venha resgatar de uma existência ausente e fantasmática e dela recupere
um ou mais fios, pendentes de uma espécie de varanda invisível que o homem sente
flutuar, a um tempo, sob e dentro de si. Sempre que uma fibra é respigada, a narratividade
coloca-se ao serviço do discurso e faz-se história. E, como a História será o ajuste de
contas da acção1, o discurso sempre será o jogo da paz através do qual a memória
condescende e deixa que o indivíduo tente recuperar, afirmar ou renegar o passado. Mas o
1 Jules Michelet, Introduction à l’Histoire Universelle, suivie du Discours d'ouverture prononcé en 1834 à la
Faculté des Lettres et d'un fragment sur L'éducation des femmes au Moyen Âge, Paris, Hachette, 1843, p. 80.
2
jogo é um dolo – e aquilo que parece revivificação mais não é do que uma
representificação incompleta, porém, cuja possibilidade renova continuamente a força
discursiva.
Em Os Cus de Judas, o narrador-personagem, entabulando um diálogo sem
resposta sobre o qual constrói o relato que a sua memória dita (relato esse entrecortado
por resquícios de um presente fugitivo) deixa emergir o discurso, ao ritmo dos avanços da
noite e da sedução. O hiato historiográfico oficial que abrange o período da presença
militar portuguesa no chamado Ultramar sulca no sujeito literário uma hipótese mais de
ficcionalização: memória, História e ficção enovelam-se, provando como no fim de século
post-modernista a unidade do sujeito literário, do narrador e da personagem progridem no
sentido da construção de uma identidade discursiva que por meio da palavra atinja um
equilíbrio novo. Assim, a memória, enquanto possibilidade de discurso organizado,
posicionar-se-á quase como vértice supra-real e supra-ficcional que legitima a metaficção
historiográfica. Mnemósine inconsistente, ela permite a aniquilação daquilo a que se
chama «falácia referencial»2. Os vinte e sete meses de presença em Angola do narrador-
personagem são rememorados numa revista alucinada, relato esse que se desata de um
narrador cuja situação enunciativa é peculiar: o domínio do álcool, por um lado, e uma
interlocutora silenciosa, por outro.
A impassibilidade da figura feminina é o bojo furado em que os objectos de
recordação caem, não permitindo a reestruturação desses objectos; logo, não permitindo
que a memória cumpra uma função didáctica, inerente à evocação do passado. A resposta
desumanizada da interlocutora não reflecte a «narrativa» ou o «relato» que o álcool,
progressivamente, ajuda a soltar, pelo que como peças de puzzle por inventar, as
recordações, pedaços de discurso, bóiam à superfície de uma memória atribulada. É a
individualidade do sujeito que, em primeira instância, está em causa – e, deste modo, a
especificidade do sujeito post-modernista. O seu carácter fragmentário não responde a um
apelo lúdico mas antes a uma necessidade de desconstrução progressiva a partir da qual o
discurso se torna catarse momentânea – e não final porque a circularidade da obra, como
veremos, não permite a continuação da aprendizagem. Com efeito, o início e o desfecho
deste romance autobiográfico singular estão subordinados a uma Mnemósine que, após a
(re)edificação memorial se transforma em Némesis vingadora que parece vir ajustar
2 Linda Hutcheon, Poética do Pós-Modernismo: história, teoria e ficção. Trad. de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro,
Imago, 1991, p. 186.
3
contas com o sujeito: a memória devolve a frustração, a esterilidade e a utilidade gnómica
ambígua do discurso.
Do corpo da História, apenas permanece um sujeito decrescente, cuja soma de
acções, expressas no relato, se traduz num saldo de vida negativo, cumprindo um
percurso trágico que a narração da memória não mitiga. Do mesmo modo, a escolha de
uma divisão alfabética para a sequência titular, aponta para a memória como potência
criadora, como se ela própria fosse o princípio e o fim. Note-se que, mais do que o
recurso a um abecedário que, ao invés de enfatizar a acção de um herói, traz a lume a
ironização do mesmo3, temos, sim, a concentração no Verbo dado que A/Z, tal como A/
bíblicos, se apresentam como súmula representacional, sendo que a corrente da memória
possibilita a ordenação discursiva. Mais. Se tivermos em conta que o abecedário é um dos
primeiros exercícios da memória, então, cada capítulo acompanha uma aprendizagem que,
por se apoiar num jogo mnemónico, reorienta o sujeito para si e para o vazio de afectos
instalado na sua existência. Como uma carta narrativa, o abecedário d’ Os Cus de Judas
funciona como estimulante (tal como a sucessão de bebidas alcoólicas) e sustenta o
fôlego da narração – e da leitura. Configuram eles o «penso de 90º no esófago» que
liberta o confronto com a revivificação do passado e o discorrer célere das palavras.
Se a memória governa, o discurso do passado acompanha-a. Por esta razão, se
partirmos do princípio que «parte do paradoxo da ficção e da teoria a que venho
chamando de pós-moderno é o facto de que ele está disposto a reconhecer, mesmo que a
conteste, a relação da sua escrita com a legitimidade e a autoridade»4, esta história, como
lhe chama o narrador5, encaixa na imperfecção de uma identidade que se constrói. No
entanto, a constatação final é, não propriamente a inutilidade da narrativa, mas o controlo
de si pelo discurso, numa metaficção que, não se identificando com a demonstração da
escrita, passa a tomar conta de um auctor infantil. Funcionando quase como
arquitextualidade, a memória injecta ilhas de nostalgia – nem sempre de cariz eufórico –
nas marcas de guerra. Por um lado, ela é omnipresente e persistente6, pois que, confessa o
3 Eduardo Fonseca. A metaforização em Os Cus de Judas. In: TEIXEIRA, Rui de azevedo (Org.). A guerra
colonial: realidade e ficção. Actas do I Congresso Internacional. Lisboa: Editorial Notícias, 2001, p. 364. 4 Linda Hutcheon, Poética do Pós-Modernismo, p. 244.
5 António Lobo Antunes, Os Cus de Judas. Lisboa: Dom Quixote, 2004, p. 37.
6 Note-se que há uma referência clara a “A Persistência da Memória”, de Salvador Dalí: “[...] o excesso de luz de
aeroporto impedia-me de me confrontar nos vidros com a minha silhueta hesitante, inclinada como uma cana de
pesca para o peixe gordo da mala, com a gravata que as muitas horas de avião haviam decerto desviado da
bissectriz dos colarinho, transformando-a num trapo mole como os relógios de Dali, com as rugas que se
acumulavam em torno das pálpebras, à maneira dos vincos concêntricos de areia dos jardins japoneses [...]”.
Ibidem, p. 83.
4
narrador, «todos os meus ontens se encontram presentes neste beijo»7; por outro,
permitindo a perscrutação do passado, e estimulada pela bebida, visa a sua própria
exorcização.
O que o discurso faz, então, é tornar a narrativa desconfortável e inquietante para o
próprio narrador que recorre a ela como se de uma arma se tratasse. Apontando-a para si,
este narrador post-modernista aponta-a também para o signo e para o seu referente,
desmoronando a linearidade realista em virtude do «esquisito labirinto do passado».
Temos, pois, a perfuração da memória, cuja acção é a origem, projecção e (in)finitude do
discurso ficcional. Não se esperando, evidentemente, uma atitude de sinceridade
romântica por parte do narrador d’ Os Cus de Judas, começamos a entender que a ficção
que nos é servida pelo texto entroncará em critérios de verosimilhança e não de verdade,
estando, desta feita, sujeita às oscilações de uma memória ficcional que, como veremos,
estabelecerá pontes pacificadoras com a História.
Mantendo uma função fortemente identitária, memória e narratividade localizam e
reconhecem o indivíduo dentro da comunidade e esta no mundo. Ora, na ficção post-
modernista, e no caso particular que temos vindo a tratar, esta virtualidade funciona a
contrario: a (auto)-reflexão ficcional desnorteia a buscada integridade identitária. À
deriva, o sujeito existe imerso em si facto que, ironicamente, impede a chegada da
memória a bom porto. É que, não atingindo o discurso memorial os objectivos
pretendidos, a não-inserção do Eu na sociedade impede a reconstrução fidedigna da
memória – porque esta é tão mais passível de ser actualizada quanto maior for a nossa
presença social. Assim, decorre da situação enunciativa d’ Os Cus de Judas que apenas
existe uma ténue assunção do Eu perante e por oposição ao Outro que advém,
unicamente, da relação sexual com a parceira de diálogo. Isto é, o abismo que é notório
entre a experiência de um médico ex-combatente e uma mulher que encontra casualmente
num bar e com quem casualmente passa a noite (mulher essa que é metonímia do
alheamento a que o país sujeitou, voluntária e involuntariamente, os regressados
participantes da guerra colonial) estabelece uma oposição, é certo, mas essa diferença não
é reconhecida – ou melhor, entendida.
A escrita do mundo, portanto, depende do carácter testemunhal do narrador, que
coloca a máscara da terceira pessoa que haverá de desempatar o duelo secular entre
História e ficção. Deste modo, a interlocutora parece estar um nível ficcional abaixo do
7 Ibidem, p. 66.
5
narrador com que é confrontada, na medida em que não partilha da sua experiência
passada, não o podendo auxiliar na tarefa de ordenação da memória.
Duas consequências a nível da produção do discurso ficcional podemos extrair
daqui: em primeiro lugar, a noção de História parece estar subordinada a um certo signo
da visão; em segundo lugar, o silêncio gerado em torno da questão colonial ou, talvez
melhor, uma certa perspectivação inocente e manipulada da presença portuguesa em
África nos anos que vão desde 1961 a 1974. O discurso da memória potenciado pela visão
passada colide com o esquecimento social, a um tempo dos que politicamente silenciaram
os actos de guerra mas também dos que, tal como a interlocutora, não serviram de
testemunha. Parece, pois, impossível erguer os monumenta da guerra colonial pois que
por maior que seja a profusão de signos a ela referentes, o regresso dos combatentes
encontra um chão sociológico impróprio à manutenção da memória. Se pensarmos na
narratividade anamnésica, o quarto estádio, aquele que corresponde à exteriorização e,
por conseguinte, à consolidação externa, da recordação não pode ser concretizado. E não
pode porque a um discurso marcado pela visão passada sucede uma História inadequada e
abusiva, conducente a um falso equilíbrio.
Esta ficcionalização ilusória, acentuada pela lacuna testemunhal dos que ficaram,
transforma a História numa espécie de contra-golpe a Heródoto, dado que, afinal, a
historiografia popular se não serve da visão para a construção de um ideário de guerra e
quem a vivenciou não tem as condições necessárias ao estabelecimento dessa História. O
perigo da própria ficcionalização da guerra resulta também do absurdo que a experiência
de combate é. O quadro de Bosch, «cheio de demónios, de lagartas, de gnomos nascidos
de casca de ovo, de gelatinosas órbitas assustadas»8 que é a guerra (e dentro do qual a
interlocutora e, extensivamente, a população que não participara directamente nas
operações de guerra, não conseguiria respirar), de certa forma, ao desumanizar o homem,
esvaziando do olhar qualquer resto de afectividade mas também de paliativos que
atenuem a experiência, condiciona o testemunho da História que, sem resposta nivelada,
não pode afirmar-se.
Em Os Cus de Judas, a História acaba por ser também a história do outro. Adopta-
se uma perspectiva de tolerância que, se bem que indubitavelmente presente, se ramifica
no sentido de sobrelevar do silenciamento oficial o outro que é o negro mas também o
combatente, que acaba por ser o alienado da sociedade que o expulsou para a guerra. O
8 Ibidem, p. 54.
6
compadecimento é triplo: abarca a população desprotegida que o narrador encontrara em
África, o grupo de militares destacados para a guerra e, dentro deste, o próprio sujeito
literário. Em última instância, os três referentes estão ao mesmo nível porque a
fragilidade das gentes negras acaba por ter paralelo na quase estrangeirização que varre o
corpo português. O que se passa, então, é que, ainda que não havendo a eleição de um
herói outro, à revelia da história oficial, contra esta, dá-se voz ao que fora silenciado – e
que, como vimos já, por razões várias, silenciado vai estando. Havendo testemunhos,
mais do que heróis (mesmo porque o narrador confessa não raro a sua cobardia), há vozes
– e, portanto, potenciais discursos – que na primeira voz podem restabelecer a veridicção
histórica. O discurso da história, aqui, é, pois, o cair do pano de uma representação
construída e veiculada como verdadeira. A história sacrificada pode, assim, ser reabilitada
por uma história justa, não porque impositiva mas antes porque alternativa. Cindida entre
os que partem, os que contam e os que ficam – cisão essa que conduzirá a leituras
obrigatoriamente diferentes do fenómeno colonial –, a realidade portuguesa conta com a
ficção para a fuga à cegueira.
Neste contexto, Sofia, a negra com «gargalhada de prisioneira livre, harmoniosa e
estranha como o voo dos corvos que Van Gogh pintara antes de se matar no meio do trigo
e do sol»9, surge como personagem que sintetiza a relação entre o grupo negro e o sujeito-
narrador. Com efeito, Sofia vem a ser o refrigério do narrador em plena guerra, excepção
de entendimento encontrado no fundo silêncio de África. Assumindo um papel materno e
redentor, ela é o expoente do grito de libertação africano, rosto de mil rostos sem nome
que a História calcinara, ao mesmo tempo que representa uma fonte de ensinamentos – a
que o sujeito não corresponde, o que enfatiza a não-heroicização do homem mas sim a sua
vitimização e a sua esterilidade.
Contrariamente à mudez da interlocutora actual, o silêncio de Sofia, que é a
expressão da “terra prenhe de África”, responde ao apelo desesperado do narrador.
Síntese de uma África oprimida mas livre, ela é o espaço, n’ Os Cus de Judas, em que a
contra-face da História parece, não carecendo de voz sequer, emergir dos anais estáticos e
esmagar, numa revolta sem gritos, o poderio português em África e os seus agentes de
crueldade. Ora, a convocação à cena do texto de elementos marginalizados acaba por
estar na origem de uma recontextualização histórica, pois que o indivíduo e, por
conseguinte, a comunidade, se apresenta como possibilidade de escolha. E isto significará
9 Ibidem, p. 150.
7
que este romance de António Lobo Antunes e, virtualmente, a obra post-modernista,
primam pela constituição de um sistema histórico outro e imperfeito. O romance, neste
sentido, continua a ordenar o vivido10
, porém, na esperança de que essa ordenação alcance
o estatuto ontológico – de «doloroso aprendiz da agonia» – do narrador. Desta forma, se
contrariaria a crença de que «a lamentável peripécia que foi a guerra colonial, o seu
desenlace ao mesmo tempo catastrófico e redentor (de um ponto de vista metropolitano),
não fez, nem nunca fará, parte do discurso contemporâneo dos portugueses sobre si
mesmos»11
.
Mergulhado em entropias sucessivas que nenhum discurso parece sanar, ao sujeito
nada resta a não ser a adopção de uma perspectiva que seja a margem liminar de uma
nova História. Ela continua a ser mestra da vida, como Cícero quis; todavia, o seu
carácter exemplar serve uma possibilidade centrífuga – porque o sujeito, que é quem
carrega a memória, não consegue reunir, post-verba, a integridade que a qualidade de
agente de uma certa história cerceara.
A visão (o mesmo seria dizer a perspectivação vívida e directa) da guerra cria, e,
portanto, permite recriar, o relato histórico. Ora, nas tradições da África Negra, «o olhar
carrega todas as paixões da alma, sendo o instrumento das ordens interiores: mata,
fascina, fulmina, seduz, exprime»12
e se o faz é porque permite a apreensão totalizante da
realidade, coadjuvando a acção dos outros sentidos. E parece que o espectáculo colonial
petrificara o narrador, como se todas as experiências posteriores à guerra se não
libertassem do jugo da memória.
O relato histori(ográfi)co, enquanto construção discursiva decorrente de um
processo de narrativização de signos carentes de significado, subordinado, pois, ao
vivido, não admitindo monumentos cegos erguidos pelos que não foram mártires13
da
guerra, acaba por estilhaçar-se pelo próprio carácter hermético da experiência. Assim,
nem a inadequação dos interlocutores que encontram no pós-guerra nem o conhecimento
de uma experiência partilhada permitem a reorganização do sujeito a partir da reescrita da
História. Ora, aquilo que começa como uma «história esquisita», entrecortada por
sucessivos apelos à compreensão da interlocutora (acto provado pelo recurso sistemático
10
André Breton apud ZÉRAFFA, Michel. Romance e Sociedade. Trad. de Ana Maria Campos. Lisboa: Estúdios
Cor, 1974, p. 32. 11
Jorge Ribeiro, Marcas da Guerra Colonial, Porto, Campo das Letras, 1999, p. 221. 12
Cf. Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Dicionário dos símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números (trad. de Cristina Rodriguez e Artur Guerra), Lisboa, Teorema, 1994, p. 484. 13
Recordamos que, etimologicamente, “mártus” (gr.) significa o mesmo que “testimonium” (lat.), tendo sido,
depois, largamente utilizado enquanto lexema de fortes vinculações cristãs.
8
a formas e locuções verbais como “percebe”, “entende” ou “sabe como é”) acaba
precisamente como ficção.
A reposição da vida diária, fora do bar e à parte a bebida, vem abafar o critério de
veridicção com que o relato da noite anterior fora narrado. Com efeito, a emergência do
mundo social ortodoxo mais irrealiza a memória de guerra – e toda a História de Portugal
envolvente. Concordamos com Elizabeth Wesseling: no romance post-modernista, «the
making of history is analyzed as if it were the writing of a story.»14
Simplesmente, o que
sucede em Os Cus de Judas, é que a escrita da segunda história é, ela própria, mercê da
manipulação política e, consequentemente, social, da guerra em Àfrica, relegada
ironicamente para a impossibilidade da ficção. Como se o relato nunca tivesse existido,
devido à calmaria e alheamento dos que não fizeram a guerra ou dos que, em a fazendo, a
ficcionalizaram num patamar oficial de demonstração histórica. Prova em como os
discursos post-modernistas da História reabilitam uma realidade que fora enterrada viva,
o narrador d’ Os Cus de Judas, se todo o discurso sobre o passado é uma representação,
assume, desta forma, a existência de um território feito de sombras que medeia os espaços
do real e do ficcional. Por esta razão, o sujeito da guerra acaba também por se ver
desqualificado enquanto cidadão regressado a um mundo direito e, aquele que se sentira,
em plena guerra, personagem de Beckett, sente-se, agora, esvaziado de passado
definitório por oposição ao Portugal da metrópole.
É na estrutura discursiva, pois, que o narrador tece a sua existência, ao abrigo dos
dias e da realidade circundante – da qual se sente banido. A ficção funciona como espelho
que opera a devolução da História. Abundam as referências a espelhos na obra15
, pelo que
imagens constantes de duplicidade assaltam o leitor – e o próprio narrador. Revelador de
identidade e de diferença, o espelho projecta os sulcos que o passado produz no sujeito,
reconduzindo-o, simultaneamente a uma imagem passada, e a uma imagem em
movimento (porque prova da irreversibilidade do tempo). Assim, a realidade que o
espelho desenha estimula a memória, numa perscrutação agónica dos actos passados – de
onde a História corre, como produto de terror que a imagem do Eu ao espelho devolve.
Ora, a isotopia do espelho sugere a encruzilhada que a metaficção historiográfica
constitui. Se a metaficção historiográfica post-moderna aponta para romances que são
intensamente auto-reflexivos mas que também introduzem a contextualização histórica na
14
Elizabeth Wesseling. Writing History as a Prophet: postmodernist innovations of the historical novel.
Amsterdam: John Benjamins Publ. Comp, 1991, p. 120. 15
António Lobo Antunes, op. cit. Veja-se, a título de exemplo, as páginas 37, 70, 81, 94, 102 e 155.
9
metaficção, problematizando, deste modo, a questão do conhecimento histórico16
, então
podemos aventar que Os Cus de Judas está marcado, ab initio, pelo domínio desta relação
entre história e ficção. O papel que a memória desempenhará neste jogo será, pois, o de
mediadora, pois que não é a fantasia que potencia o discurso mas antes a
representificação das recordações.
Com efeito, «a ficção post-modernista sugere que para re-escrever ou re-presentar
o passado na ficção e na historiografia é necessário, em ambos os casos, abri-lo ao
presente, prevenindo-o de ser conclusivo e teleológico»17
, o que transforma a
subjectivização, não apenas do discurso mas também e sobretudo da História, na grande
aportação metaficcional que vem repor o critério de veracidade na tessitura semântica da
obra. Vimos já que a omnipresença da memória vem isolar o sujeito, impedindo-o de
juntar as peças da sua unidade perdida; no entanto, é essa tentativa frustrada que acaba
por estar na origem da subjectivização que varre o discurso e, consequentemente, a
narrativização do passado. Os matizes subjectivos que ora aclaram ora escurecem os
sentidos da obra assumem duas formas distintas: a permanência da infância e a
interpretação dos factos. É que apesar de mitigador, o papel das invocações da infância
está eivado de prenúncios de um país que era e de um país por vir.
O reduto infantil do narrador permite a espacialização da sua identidade infantil
mas, dessa forma, acaba por também recontextualizar o cenário histórico português.
Como percursos paralelos que a guerra colonial virá fazer confluir e, depois, separar –
sem que após essa separação, que corresponde, grosso modo, ao final da presença
portuguesa em África, o narrador se desprenda da experiência, devido à memória
traumática de guerra – o sujeito da narração e os referentes históricos potenciam-se,
sendo que o primeiro apresenta os segundos a partir da sua vivência pessoal. Desta feita,
as representâncias do passado vêm a ser projecções semânticas da História. E se, de facto,
o protagonista da narrativa post-moderna é uma entidade ex-cêntrica e marginalizada,
mais essa lateralização se manifesta se tivermos em conta que a inserção do sujeito num
meio pródigo em iconoclastias históricas e a sua posterior queda em virtude do regime
representado mais convalidam o esvaziamento da identidade mercê das imposições
militares. A casa das tias abrigava um Portugal histórico, balizado no tempo e, nesse
cenário doméstico, o sujeito podia respirar a grandeza que o Estado Novo cultivara, os
16
Linda Hutcheon. The Pastime of Past Time: Fiction, History, Historiographic Metafiction. In: PERLOFF,
Marjorie (Ed.). Postmodern Genres. Norman and London: University of Oklahoma Press, 1989, p. 54-55. 17
Linda Hutcheon, ibidem, p. 59.
10
requintes históricos com o Estado Novo se legitimara enquanto o tempo de todos os
tempos portugueses (como se recortado de um presente em eterno movimento e dobragem
de si próprio), os rostos que o Estado Novo exibira como capitais humanos. Salazar era já
um espectro mas, sobretudo, ainda pairava, defensor de anti-realidades que a sua mão
difundira. A experiência francesa da liberdade fora já relegada para uma memória
longínqua, que, habilmente, o Estado Novo esmagara18
.
Mas as representações históricas apreendidas no passado, resultam também de uma
inevitável exteriorização das práticas culturais, nomeadamente no que respeito diz à
veiculação da ideologia do Estado Novo por via da educação.
Neste ponto, apetece dizer que foi uma ficção que deu origem à História, dado que
é a partir de uma representação ideológica que a realidade progride – e que a memória do
narrador é construída, pois que se não pode furtar às infiltrações que a divulgação e
comemoração de pessoas e mitos levaram a cabo na sua infância19
. A narração
autodiegética é, pois, também o espaço de descoberta das ficcionalizações com que uma
geração fora moldada. O trauma enquanto violência exercida sobre outrem começara,
portanto, antes da guerra colonial propriamente dita, visto que remontam à infância do
narrador as encenações políticas da realidade africana enquanto dependência portuguesa.
A metaficção historiográfica, adivinhada na tessitura textual da obra, iludindo a História,
denuncia e desoculta, pois, a ficção sobre ela erguida. Visa-se, assim, a verdade, aletheia
nunca alcançada – porque o passado não existe, apenas se faz representificar pelos signos
que a acção humana deixa.
Consequentemente, das intersecções de passado, passado recente e um presente in
fieri, resulta, inevitavelmente, a desvalorização da personalidade histórica. Permitindo a
ascensão daqueles que a mole oficial banira dos palcos principais de estruturação
historiográfica, a ridicularização da figura histórica nivela quase os seus referentes ao
18
Podemos acrescentar, seguindo Margarida Calafate Ribeiro, «o mundo interior da “casa portuguesa”, descrito
com um vocabulário semanticamente verificado pela ideia de decadência e de fim, projecta-se para o exterior –
“As janelas não se distinguiam dos quadros no vidro ou na tela” – revelando um país igualmente móvel, gasto e
impotente, dominado pelo espectro de Salazar, da PIDE e do Cardeal Cerejeira, e onde os portugueses viviam
como mortos-vivos de um “Carnaval defunto”, o que nos traz à memória a metáfora da “feira cabisbaixa” com
que Alexandre O’Neill descreveu este tempo português». RIBEIRO, Margarida Calafate. Dos “Tristes Trópicos”
à “Feira cabisbaixa”. In: Uma História de Regressos: império, guerra colonial e pós-colonialismo. Coimbra:
CES-FEUC, 2003, p. 265. 19
Leia-se, a este propósito, o que escreve Luís Reis Torgal: «A memória ou as memórias resultam do
cruzamento da historiografia, do ensino e da divulgação da história e de “objectos” que podem ser
especificamente considerados como um meio de fabricar memória, ainda que sejam também o seu reflexo, tais
como as festas comemorativas, as estátuas e tantas outras “recordações” dos tempos passados e “presentes”.
TORGAL, Luís Reis; MENDES, José Maria Amado; CATROGA, Fernando. História da História em Portugal.
Lisboa: Temas & Debates, 1998, p. 14.
11
nível da ficção – não porque personagens, mas antes porque portadores de uma
significação às avessas.
Reduzidos a uma autoridade cómica, António de Oliveira Salazar e Américo
Tomás são investidos de um poder reconhecido mas cuja legitimidade é desconstruída. A
ostentação da supremacia é contrariada por uma descarga irónica sobre um vigor aparente
– pelo que a figuração que daí resulta é toda uma contextualização discursiva que reflecte
a gravidade da situação portuguesa sob o jugo do Estado Novo por via do absurdo, já que
a libertação parecia estar a um passo simples que um poder sem força conseguia, a custo,
suster. O caso do general Humberto Delgado é singular, sem que possamos falar em
desvalorização da figura histórica: a figuração dele feita vem por um caminho oposto já
que lhe é reconhecido um papel soteriológico; porém, anacrónico, porque, falando o
narrador da crise académica de 1962, Humberto Delgado surge como a figura cuja acção
não poderá vir a conseguir o que Nuno Álvares conseguira.
Deste modo, a história canonizada vê-se exposta ao andamento subtil de uma
música que a torna periclitante no seu próprio trono, acossada repentinamente na sua
falsidade. Sendo que a linguagem permite o desvendamento de uma História ocultada e
reprimida pela oficialidade, e porque narrativizar a memória implica a interpretação do
seu produto, lemos em Os Cus de Judas núcleos de vivências na primeira pessoa das
quais encontramos eco em narrativas não ficcionais. É então que o narrador se faz
fantasma dos seus fantasmas pois que se assume como uma entidade devedora de «um
sentido de potencial que foi tragicamente interrompido»20
. O sujeito que narra fá-lo
porque incerto quanto ao conhecimento histórico e, desse modo, ele próprio se transforma
em figura fantasmática que apenas dá a conhecer uma selecção dos factos históricos
isenta de empirismos maniqueístas. Com efeito, se o narrador fora actante no decurso
histórico, então ele sabe das suas limitações enquanto narrador, sendo que nessa recusa de
uma narração heterodiegética e omnisciente podemos ver o carácter polifónico da
narração post-modernista da História. Segue-se, então, que a interposição de factos
históricos na narrativa da memória sintetiza e agudiza a tensão entre História e ficção.
Com uma não se pretende provar a outra, e vice-versa; aquilo se pretende é que o narrado
valha por si enquanto identidade – não depende da História para ser um constructo, antes
se posiciona a seu lado, como forma inevitável de interpretação.
20
LABANYI, Jo. O reconhecimento dos fantasmas do passado: história, ética e representação. In: RIBERIO,
Maria Calafate; FERREIRA, Ana Paula (Orgs). Fantasmas e Impérios no Imaginário Português
Contemporâneo. Porto: Campo das Letras, 2003, p. 61.
12
Leia-se o que escreve Jorge Ribeiro: «para o milhão de combatentes que, ao longo
de treze longos anos de guerra colonial, foi deslocado para África, o Natal constituiu uma
das páginas mais angustiantes das suas comissões [...]. Um dia que podia consubstanciar a
imolação gratuita da juventude de um país, e que a hipocrisia dos responsáveis tentava
iludir»21
. Da individualidade do narrador para a globalidade da História, a verdade é que
os testemunhos de que se mune este narrador caucionam-lhe uma argumentação
memorialística, a mesma com que o leitor é convidado a ter acesso a uma História em
primeira mão – não apenas porque o narrador a tenha experimentado mas porque vinda de
um lado da memória recalcado pelo modelo histórico. Do mesmo modo, sabemos, pelo
mesmo autor acima referido, das mensagens manipuladas que os portugueses for javam
para satisfazer a encenação militar, maquinando sorrisos para uma fotografia exemplar.
Ora, o narrador d’ Os Cus de Judas afirma, não a mentira imposta por oficiais superiores,
mas uma mentira proposta violentamente pelas consequências de um regime moribundo.
Uma política de silenciamento só, mas com consequências diversas na projecção
dessa mudez construída, a nível da fixação da história. De facto, «o Regime, “que não
estava em guerra com ninguém”, sentia estes destroços vivos como um peso insustentável
na “consciência da Nação”, ruínas, incómodas, “provas” de que era urgente desfazer -
se»22
. É certo que Jorge Ribeiro está a referir-se aos estropiados de guerra, que,
regressados a Portugal, são prova da actuação do Regime para com o outro que era o
africano mas também para o português destacado para a guerra; no entanto, o silêncio
sobre o número de baixas, efectivas e passivas, tinha o mesmo intuito.
Se tivermos em conta que, mesmo após a Revolução de 74, a ocultação continua,
devido, alegadamente, a uma vontade política em não perturbar os tempos do PREC23
, o
carácter testemunhal e veridictivo do relato do romance dá conta dos abusos da memória
que acabam por transformar Os Cus de Judas no espaço de reabilitação dos recalcamentos
históricos. É a memória da vítima que é trazida a lume, desconstruído que vai ficando o
esquecimento. Temos, pois, a História enquanto narrativa da memória. A memória não se
torna objecto. Mesmo porque «tous ont le droit de recouvrer leur passé, certes, mais il n’y
a pas lieu d’ériger un culte de la mémoire pour la mémoire; sacraliser la mémoire est une
21
Jorge Ribeiro, op. cit., p. 225. 22
Ibidem, op. cit., p. 38. 23
«Foi com este argumento, de resto, que o então Presidente da República, general Costa Gomes, convenceu o
“Comité dos Vinte e Quatro” a não divulgar publicamente o relatório da Comissão de Inquérito» (Ibidem, p. 139-
140). Entre os mais polémicos, contava-se o dossier de Wiryiamu.
13
autre manière de la rendre stérile»24
. Assim, ao pôr em movimento uma das memórias da
guerra, desvirtua-se a ilusão de uma memória colectiva tecida sob o signo do silêncio.
Estamos perante, é certo, aquela «celebration of energy» de que fala Gerald Graff,
no entanto, esse cariz celebratório do post-modernismo, ao invés de ser despido de
investimento ideológico, envolve mecanismos de posicionamento. A politização post-
modernista em Os Cus de Judas reflecte-se na transposição que se opera da esfera privada
para a esfera pública; com efeito, o exemplum que a recordação pode tornar-se denuncia
uma certa politização. E voltamos ao primeiro ponto desta reflexão: a integridade
individual atingida pela acção humana acaba por, porque reveladora, propiciar a revisão
crítica da História.
É clara a posição do narrador quanto à acção da Pide, quanto ao uso e abuso dos
militares portugueses numa guerra sem outro motivo que não fosse a manutenção colonial
contra tempos de propensão democrática, quanto às ligações perigosas entre Estado Novo
e Igreja, quanto aos seguros discursos políticos e marciais longe dos palcos onde a guerra
se travava. Sendo que «a memória também é ideologia, a História é ideologia»25
, o texto
enquanto objecto temporal é aquilo que sobrevive num «tempo de cinza», como lhe
chama o narrador, pois que se cada palavra perde o sentido que a vida deixada em Lisboa
lhe dera, a visão total do discurso potencia a construção de sentidos.
A teia para duas mãos, falantes e criadoras, que é a rede de ligações entre História
e memória plana agora sobre o leitor para que este a possa receber e passar, também ele,
as malhas da memória de mão em mão. Assim, apesar da relativa e crescente
incapacidade para compreender a realidade circundante26
, a rasura de entropias por meio
do discurso da memória vem permitir apreender um mundo em permanente transformação
– daí que as molduras autobiográficas sirvam este ofício de auto- e heterognose.
AS NAUS OU O CIRCO DOS ENJEITADOS
Enquanto profusão de traços por afirmar, a escrita da História fica sempre marcada
pelo que tem de virtual. Com efeito, se nela pensarmos como acontecimento
24
TODOROV, Tzvetan. Les abus de la mémoire. Paris: Arléa, 1995, p. 33. 25
Helder Macedo, «A guerra colonial: experiência, imaginação e memória», in A Guerra do Ultramar –
Realidade e Ficção. Actas do II Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial, org. de Rui de Azevedo
Teixeira, Lisboa : Editorial Notícias, 2002, p. 88. 26
Cf. Gerald Graff, «Babbitt at the Abyss», in Literature Against Itself. Literary Ideas in Modern Society,
Chicago, The University of Chicago Press, 1979, p. 239.
14
momentaneamente mutilado27
e irreversivelmente incompleto, a intriga que construímos a
partir do que resta permanece sempre em regime de versão, isto é, longe de causalidades
imutáveis – e, deste modo, mais propícia à narração (tendo em conta todos os trâmites que
isso envolve) do que à explicação linear. Diremos, pois, que a potencialidade diegética da
historiografia é que sustenta a variedade de caminhos da História.
Mágica com que a necessidade de afirmação grupal se muniu pelos séculos fora, a
chamada comummente memória colectiva resulta da constatação de semelhanças
históricas, acabando isto por subverter a natureza narrativa da própria memória. É que se
um dos parâmetros da recordação é a selectividade, então toda a memória colectiva mais
não é do que a convergência social de recordações latas do Eu postas em abreviação pelo
grupo – que, fixando a memória nas representações cívicas, a limita. Isto significará,
porventura, que fica mais esvaziada a história oficial com as suas manifestações
validativas, mais fraca a memória colectiva, perante um caminho que é sempre
parcialmente reconstruído e, no limite, privado de testemunhos.
Em As Naus, de António Lobo Antunes, é explorada uma História nem
necessariamente ucrónica, nem obrigatoriamente impossível. Trata-se de, ficcionalmente,
apresentar uma História em curto-circuito – já que não se quebram as amarras com o real,
mas se radicaliza a alternativa histórica. Esta alternativa residirá na releitura em colisão
dos acontecimentos históricos. Ateia-se fogo ao grande anel histórico português e os
pilares em cinza que restam apontam a fragilidade da estrutura histórica ortodoxa, como
se desta ficção resultasse não toda a verdade, mas antes o teatro confortável que a
memória colectiva ergueu. Esta fica, portanto, em moldes ficcionais, reduzida à
perspectiva individual que está na sua origem e que, no caso d’ As Naus, corresponde,
quase sempre, ao olhar daqueles que o leitor reconhece como clássicos protagonistas da
Expansão portuguesa. Dispersa, assim, pelos olhares singulares, a memória histórica
portuguesa é reconduzida para um novo ponto de partida – para o leitor, já que as
personagens são exemplo de um regresso, que mais não é do que a síntese ao avesso do
percurso português na História.
Se tivermos em conta o que nos diz Elisabeth Wesseling, que «postmodern
uchronian fictions show us history with its underside up by singling out duped
27
A expressão «acontecimento mutilado» é de VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa: Edições 70,
1983, p. 24.
15
collectivities as the bearers of a new future»28
, o que temos neste romance é o tratamento
peculiar da colectividade no âmbito da prosa post-modernista. De facto, o grupo que tem
voz não será aquele marginalizado no sentido que o postcolonialismo definiu. Aqui, o
grupo emergente da História é aquele que foi monumentalizado e, por isso mesmo,
susceptível de um certo silenciamento. A paródia está, pois, no silêncio acordado das
figuras históricas. Deste modo se consubstancia a legitimação de auto-consciência de um
modo iterativo: a figura histórica individualiza-se e assim se humaniza, furtando-se ao
cânone em que, para utilizar o termo a que recorremos na primeira parte deste trabalho,
fora enterrada viva29
.
Usando uma máscara de comédia que as faz apear de um estrado de grande
epopeia, Pedro Álvares Cabral, Luís de Camões, Francisco Xavier, Diogo Cão, Manuel de
Sousa de Sepúlveda, Vasco da Gama e D. Manuel I, entre outros, sofrem um processo de
parodização enquanto quadros da grande narrativa da História portuguesa, os
Descobrimentos. Dividindo, cada uma das personagens, a narração com um narrador
heterodiegético (oscilação que podemos identificar como a passagem da figura em acção
para a figura auto-consciente e, portanto, crítica sobre si mesma, como se, entre passado e
presente, cada uma relatasse e se observasse, como adiante constataremos), todas acabam
por se cruzar na capital do reyno, como se de um grupo de enjeitados de tratasse.
O que, neste caso, a paródia opera é um jogo entre diferença e repetição30
, jogo
esse em que há critérios de referencialidade que levam o leitor a buscar no histórico as
características que permitam a identificação da personagem, porém, sem que essa
identificação funda personagem histórica e personagem ficcional. Nessa autonomia
controlada da personagem, o nome mais contribui para que a distância crítica que a
paródia implica seja accionada, já que o fornecimento da característica nominal acentua,
igualando, o contraste entre o conteúdo e o recheio ficcional. Dá-se, pois, uma espécie de
metaforização cómica, conseguida por uma transcontextualização da História que, vendo
mantidos os nomes que a fizeram, vê alterados os valores que lhe estão subjacentes.
Por outro lado, a quebra do horizonte de expectativas histórico vem implicar, ao
invés da inversão31
da figura, a sua revolução. A individualidade de que estes quase
28
WESSELING, Elizabeth. Writing History as a Prophet: postmodernist innovations of the historical novel.
Amsterdam: John Benjamins Publ. Comp, 1991, p. 164. 29
Vide supra, p. 13. 30
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia: ensinamentos das formas de arte do século XX. Trad. de Teresa
Louro Pérez. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 48. 31
GUIDICELLI, Michelle. As Naus, d’António Lobo Antunes et la carnavalisation de l’histoire oficielle. In: La
Littérature Portugaise. Regards sur deuz fins-de-siècle (XIX-XX). Colloque franco-portugais. Textes réunis par
16
duplos parecem ficar investidos conduz à rasura da roupagem histórica, impondo uma
vida verdadeira – porque aquilo que aparece como excessivo e dispensável é a tradição
histórica. Reduzidos à banalidade, os históricos do passado português são apresentados
como seres desconhecidos e pouco ilustres, confrontados com a ignorância que cada um e
as gentes têm sobre si. A História desfaz-se, pois, na sua totalidade artificial, como se a
empresa imperialista portuguesa tivesse resultado de acções desprendidas, cuja finalização
cronológica, com o término da guerra colonial, fosse resultado dessa lassidão de acções.
Com efeito, ao eleger-se as figuras em causa, reconhece-se-lhes autoridade, já que
elas foram os actores da grande narrativa que é parodiada, e é por esse meio que a
transgressão surge: de Pedro Álvares Cabral a Vasco da Gama, de Manoel de Sousa de
Sepúlveda a D. Manoel I, passando mesmo pelas alusões a um tal Miguel de Cervantes ou
a um certo Luís Buñuel, as personagens d’ As Naus parecem partir de um mote histórico,
facto que indicia um começo de leitura datado, que, progressivamente, vai senso sujeito a
um processo de desconhecimento – portanto, mais passível de perder a sépia protectora
com que os discursos oficiais da História douram os percursos nacionais. E, de facto, «as
transgressões da paródia permanecem, em última análise, autorizadas – autorizadas pela
própria norma que procura subverter. Mesmo ao escarnecer, a paródia reforça; em termos
formais, inscreve as convenções escarnecidas em si mesma, garantindo,
consequentemente, a sua existência continuada»32
. Mais do que sátira, já que o objecto
eleito é uma narrativa (a da História) cuja expressão sígnica está disseminada pelos
testemunhos, documentos e monumentos, a paródia, aqui, apresenta a ruptura entre
personagem e figura real pelas pontes de significação que o leitor consegue decifrar. E
isto tem consequências a nível das considerações do que é a História nesta obra: o
paradoxo entre História e ficção é levado ao extremo, já que, por um lado, da
tragicomédia que assola as personagens não podemos extrair apenas impossibilia cabais e,
por outro, há um equilíbrio, semântico e mesmo textual, entre verosimilhança e
inverosimilhança. A História não precisa de um contrato de veridicção, porque parte
Marie-Hélène Piwnik. Bordeaux: Publications des Maisons des Pays Ibériques, n. 69, 1996, p. 31. A autora
indica, como procedimentos de carnavalização, fundamentalmente, a sobreposição de épocas, a inversão das
grandes figuras do passado e a leitura sincrética e sistematicamente antitética. Parece-nos pertinente falar em
revolução, mais do que inversão, porque qualquer comparação, e daí, qualquer troca de ordem entre as figuras
históricas e as personagens do romance, pressuporia a convivência textual das entidades comparadas. Ora, no
romance só temos, factualmente, uma nova personagem, ainda que construída com base em conhecimentos
históricos, pelo que, e tendo em conta a etimologia do lexema, o que sucede é que da figuração da personagem
resulta um caracter novo, ainda que o horizonte oficial esteja sempre na mira do leitor. É por essa razão que
admitimos o uso de re-volução – o que muda e volta a si mesmo, como uma curva fechada. 32
Linda Hutcheon , Uma Teoria da Paródia, p. 97.
17
extraordinariamente de dados plausíveis – para os lançar numa desordem que cria uma
espécie de sociedade a-histórica, atemporal e atópica. E, no entanto, a História não sai de
cena, como se provasse a impossibilidade de ordenar acções, logo, de espartilhar o tempo
e o homem, enquanto agente, em convenções; melhor, em histórias oficiais.
Por conseguinte, as inúmeras vozes narrativas que aqui vamos encontrar, tendo em
conta as oscilações permanentes entre narração autodiegética e narração heterodiegética,
tornam mais aguda e presente a subjectividade. Os sujeitos narradores apresentam, não
versões da História, mas as suas histórias, o que varre as premissas estabelecidas.
Acompanhe-se o movimento a que a reescrita da História é sujeita: há uma
contextualização histórica que é trampolim para a transcontextualização, depois uma
subjectivização, que, idealmente, é una (ainda que possamos encontrar vários sujeitos
narrativos, como foi já referido) e, finalmente, uma amálgama de História e ficção, sendo
que esta mistura, no caso d’ As Naus, acaba por corresponder aos despojos da História
(que, quase sob a forma de escrita (auto)biográfica, são filtrados pelo discurso da auto-
reflexividade). O passado remoto como fonte de intertextualidades é, pois, tão premente
como um passado recente, o que une os sujeitos da História na ressaca que é o ponto, nem
temporal, nem espacial, para que as personagens confluem. Deste modo, a narração
repartida vem reiterar a auto-reflexividade e a auto-consciencialização próprias da ficção
metahistoriográfica.
Como se o sujeito ora se reescrevesse, ora fosse, o distanciamento que permite a
combinação de vozes narradoras dá conta de como a subjectividade se projecta e se destila
na narrativa da história oficial, no entanto, sem a ela se furtar. Deste modo, a auto-
consciência reveste-se de uma roupagem singular, na medida em que o recurso ao discurso
indirecto livre poderá admitir a identificação dos narradores auto- e heterodiegético, sendo
que a passagem de um para o outro mais não é do que a correspondente narradora da
justaposição de tempos e espaços. Mais não é do que a anamnese em acção.
Simplesmente, neste caso, a recordação, viagem entre pontos fictícios no tempo, não
persegue ser cognitiva para o sujeito mas sim para o leitor post-modernista. O que reitera
a distância crítica que tanto paródia como metaficção historiográfica pressupõem, já que a
revisão do passado que se leva a cabo é feita a partir de um presente movente, sempre
passado contínuo, não pugnando pela demonstração da parcialidade do conhecimento
histórico directamente – porque se apresenta uma história para à História se chegar – mas
a ela chegando por via da construção de visões e vivência individuais.
18
Naturalmente, esta sequência narrativa obriga à convivência com o absurdo;
todavia, a história às avessas a que o leitor tem acesso, obedecendo a um como se
ficcional que apresenta canais de verosimilhança, promove a interpretação livre e crítica
da História. Desta maneira, «assim como o passado, o presente é irremediavelmente
sempre já textualizado para nós, e a intertextualidade declarada da metaficção
historiográfica funciona como um dos sinais textuais dessa compreensão pós-moderna»33
.
A História serve, pois, a constituição de um novo código, já que não é apenas figuração
cénica devido à impossibilidade de ser imobilizada como pano de fundo sobre o qual as
personagens se movem. As personagens são, pois, a História em movimento, provando a
metaficção.
Porque, não raro, «a personagem histórica é assimilada ao modelo mítico»34
, a
elevação ao plano do mito, ou seja, do arquétipo primeiro e justificador, entabula com a
paródia e com a metaficção historiográfica um diálogo singular. O mito é confrontado
com a sua pertinência ontológica, descobrindo-se e, porque contextualizado e
transcontextualizado, renovado, ridícula ou tragicamente. E, nesta revolução, encontramos
novamente «a construção de uma ilusão ficcional»35
, inerente à metaficção, na medida em
que o que de mito ou inefável se desmitifica e se desmistifica acaba por evidenciar o
processo de construção das narrativas míticas portuguesas.
Assim, o ritual do despoletar da expansão portuguesa, identificado popularmente
com a mão-de-ferro do Infante D. Henrique, é esvaziado do seu carácter sagrado e
iniciático36
, de predestinação divina e protecção espiritual, circunscrevendo-se o projecto
imperialista a uma série de ordens aleatórias, onde o acaso é que dita as rotas portuguesas.
Tragicamente, o profético mando que aponta para o Brasil não é cumprido, facto que
significará, uma vez mais, o paradoxo da convivência de ordem e caos, paradoxo esse que
a ordenação temporal dos acontecimentos que o sujeito-narrador Diogo Cão,
33
Linda Hutcheon, Poética do Pós-modernismo, p. 168. 34
ELIADE, Mircea. O Mito do Eterno Retorno: arquétipos e repetição. Trad. de Manuela Torres. Lisboa:
Edições 70, 1981, p. 58. 35
WAUGH, Patrícia. Metafiction: the theory and practice of self-conscious fiction. London: Routledge, 1984, p.
6. 36
Protegido para a História pelo mito do Infante Santo, o Infante D. Henrique acaba por perpetuar, para uma
certa visão historicista, a figura de uma realeza empreendedora e cristã, obliterando-se frequentemente (e,
repetimos, numa perspectiva popular – sem que esta designação seja pejorativa; pelo contrário, o que com ela se
pretende denunciar é uma História inculcada ao longo do tempo e veiculada pelo Estado Novo à população que
não teria acesso a qualquer relativização ou esclarecimento de índole histórico-cultural) a pouca qualidade
enquanto estratega militar, que o desastre de Tânger acusa. Dicionário de História dos Descobrimentos
Portugueses. Dir. de Luís de Albuquerque. Lisboa: Caminho, 1994, p. 488-489.
19
involuntariamente, rectifica, sem conseguir, no entanto, contrariar a imprevisibilidade da
História – objecto da metaficção historiográfica.
Por outro lado, em As Naus, o mito deve ser encarado também como cais final para
onde acorre a História perante a síntese caótica das narrativas que a compõem. Ou seja, a
construção mítica responde à insuficiência da historiografia com a sua própria
insuficiência. E, como o mito, por definição, parte de um pressuposto irracional, é uma
paródia dupla que se empreende, pois que são eleitos por objectos a narrativa do mito e a
intenção do mito. É o que acontece com o mito sebastianista. Partamos da narrativa
sebástica enquanto mito de cariz messiânico que, com origens mais remotas, tem como
ponto de afirmação o desaparecimento de D. Sebastião em Alcácer-Quibir, em 1578, e,
consequentemente, a crença de que o jovem monarca voltaria, em manhã de nevoeiro,
num cavalo branco. Manifestação de um protótipo soteriológico e nostálgico (porque
sustentado pela dor com que se aguarda o regresso), o sebastianismo, onde as naus
seculares desembocam, marca a premência de um continuum temporal imparável mas
institucionalmente ensimesmado.
A figura grande do sebastianismo37
é retirada do quadro em que a história oficial e
a tradição a colocaram para ser posta em deambulação infeliz numa cidade especificada e
normalizado a partir de um padrão de vicissitudes e violência. Quanto ao tratamento da
estrutura do mito, em As Naus o que temos é uma espécie de constatação do carácter a-
histórico do mito precisamente por meio de uma certa inviabilização das suas práticas – já
que a partir deste processo se chega à sua natureza atemporal, suportada pela anacronia
linear que seria identificar o libertador do jugo espanhol com D. Sebastião, que precipitou
a perda da independência portuguesa. Assim, temos a demonstração do mito enquanto
protótipo mas também a sua expressão plural – para cada condicionalismo histórico
teremos um messias aguardado.
Todavia, o mito sebastianista, em termos funcionais, redunda em fracasso – que é a
condição sine qua non para a sua continuidade enquanto mito, por um lado, porém, que é
o reflexo da decadência da índole popular do mito sebástico e sua preservação em registos
artísticos e culturais somente, por outro. Podendo ler-se a impossibilidade do mito, pode
ler-se, também, a síntese de uma caminhada que, no fim, se apresenta como auto-
consciente e que, restrita a um grupo de personagens, mais aguda fica perante a
perplexidade e incompreensão dos outros. O regresso que se aguarda como que prenuncia
37
Vale a pena recordar, pela analogia que com a figuração que de D. Sebastião temos n’As Naus podemos
estabelecer, a escultura, do mesmo monarca, «D. Sebastião», realizada por João Cutileiro.
20
a derrota dos regressos plurais que ao longo da obra foram sendo traçados, tornando clara
a fatalidade de um tempo que passa e que não pode ser ajustado a ciclos de mudança –
porque está sempre em curso a re-volução. A vanidade da espera será tão dolorosa como a
do regresso porque, afinal, ambos os movimentos se cruzam e ficam suspensos no ponto
de encontro que é o mito.
Despojada de convenções temporais e de narrativas de fundação, a memória
colectiva fica periclitante na sua exteriorização. Com efeito, a objectivação que os ritos
sociais levam a cabo perdem a referencialidade histórica oficial, ficando esta a planar,
virtual e vazia, num estádio a-histórico – porque os resquícios da tradição ficam limitados
ao grupo de personagens sujeitas a uma clara e completa construção narrativa. A retórica
de materialização da memória é, deste modo, invertida, já que os mecanismos que lhe
deviam ser subjacentes não estão na posse da colectividade externa às figuras históricas
mas sim na auto-consciência dos protagonistas dos regressos, como são casos evidentes
Diogo Cão, Vasco da Gama e D. Manoel. Porém, a tentativa de ser na sociedade caótica
que recebe estes retornados entra em confronto com a inconsciência da população, o que
os irrealiza e produz uma dicotomia entre ficcional e real, como se as personagens fossem,
no final, loucos em debandada da História, rejeitados em função das consequências de um
percurso histórico.
Parcas em conhecimentos definitivos, as representações da História e,
consequentemente, das recordações sociais que compõem uma certa memória, falham na
transmissão daquilo que defendem, já que são ridicularizadas no seu propósito autoritário.
O que acaba por despovoar as memórias individuais dos seus saberes incutidos, porém,
sem força para um culto avisado. Como se a História, que podemos ler nos ecos, fracos,
que os nomes têm nas pessoas com eles defrontadas, passasse para a margem da ficção.
Com efeito, a liquidez da memória social e colectiva potencia a corrosão da História
oficial – como se a população, gradualmente, ficasse apta para a conquista de uma nova
perspectiva histórica. A passeidade é, portanto, atomizada, como se a ortodoxia histórica,
em crise, não mais suportasse a identidade de uma nação e não mais fosse suportada pelos
agentes que a deveriam cultivar. Ora, a recordação só ganha valor enquanto instrumento
de auto- e heterognose quando o sujeito que a empreende é um ser social, localizado num
tempo que é sentido como seu mas que assenta na capacidade de oposição em relação à
alteridade. Em As Naus sucede que as personagens só existem para si próprias, o que as
desvincula da sociedade – facto agudizado pelo estigma do regresso. Logo, não podem,
mesmo que partindo de um grupo, configurar uma representação histórica.
21
Note-se que a paródia da própria epopeia, enquanto matéria imperecível em que se
pretende gravar a acção humana, contribui para a lassidão da memória social, na medida
em que submete a escrita d’Os Lusíadas à trivialidade do quotidiano do homem de nome
Luís. Depois da ruína da história portuguesa, que poderia escrever o poeta?, como se com
esta interrogação o leitor visse, emersa, uma memória social vazia. Se as práticas
dessacralizam a História, porventura a paródia é a nova e possível representação da
memória. Admite-se, pois, um culto da memória – aquele que passa pelos livros escolares
e pela produção artística de formas bem controladas –, todavia, a explicitação do estado da
História é feito por via paródica, o que desacredita as práticas desse culto.
Relegadas para uma memória social esgotada, as personagens têm apenas a sua
vivência individual, passada e presente, para poderem existir. Aliás, a imposição de uma
memória que os entroniza expulsa Pedro Álvares Cabral, Vasco da Gama, Garcia da Orta
e os demais de uma eternidade abusiva, pelo que estas personagens são uma apologia da
História, que chega tarde demais para que a memória social se salve. A arrumação dos
colonos, por exemplo, desloca abusivamente a memória do retorno, já que força um
anatopismo conducente ao estrangeiramento dos retornados – como se a sua memória não
tivesse lugar, como se as figuras que os seus nomes invocam não pudessem ser
reconhecidas no ajuste de contas que a História sempre arranja.
Se com efeito, «there is scarcely any memory of na objective order of values in the
past and no regret over its disappearence in the present»38
, então, As Naus poderia ser
incluída no já referido post-modernismo celebratório sem vinculação ideológica. Todavia,
o esgotamento das História e memória ortodoxas é já uma tomada de posição face às
ilusões históricas que são denunciadas – ainda que por via paródica. E, se tomarmos a
ironia como o processo narrativo que leva à suspensão do juízo, então a paródia que aqui
temos passa, também, por aquela, já que a re-volução dos valores deixa o leitor – e as
personagens –, à beira de uma praia, numa espera impossível.
Ora, é neste limite da interpretação que o posicionamento ideológico surge. Em
primeiro lugar, a revisão da Revolução de Abril e da questão dos retornados. Se a
Revolução «procura exorcizar fantasmas do passado (Estado Novo, Salazarismo,
Marcelismo, Colonialismo, etc.), referendar a comunidade política recentemente criada,
enfim, recuar ao princípio, anular o erro e o desvio. Numa palavra: dotar a existência de
38
GRAFT: Gerald. The Myth of the Postmodern Breakthrough. In: Literature Against Itself. Literary Ideas in
Modern Society. Chicago: The University of Chicago Press, 1979, p. 57.
22
um sentido, designadamente redefinindo muito claramente o Bem e o Mal»39
, então o uso
abusivo dos ismos do período que se segue ao 25 de Abril de 1974 pode também inquinar
a normalização de um período pós-revolucionário. O socialismo a que o texto se refere
caricatura-se, dando conta das transgressões legitimadas por um certo emprego das
ideologias de base. Significativo é que essa caricatura desemboque na crítica à população
portuguesa que, deslocada para África por motivos de povoamento e manutenção dos
territórios sujeitos ao jugo da metrópole, acaba por aí se estabelecer, substituindo a
violência da exploração escrava de outrora por uma exploração branca – porque intensa
mas velada pela justificação de um povoamento. A arbitrariedade de uma espécie de sub-
revolução liga-se aos excessos do que se passava nos domínios ultramarinos – quebrando
a lógica e a razão dos acontecimentos.
Em segundo lugar, a expansão portuguesa. Com uma lucidez de velho do Restelo, é
Vasco da Gama quem acusa, não a desmesura da ambição portuguesa, mas antes a
situação precária das gentes que ficaram, por um lado, mas também a inadaptação aos
novos lugares das que partiram. Desta feita, os meios usados foram insuficientes para o
sucesso da empresa, pelo que todas as aportações, a nível científico e a nível cultural,
nada valem perante os filhos que se perderam. Não admira, pois, que os protagonistas da
expansão tenham sido postos a ridículo. Se, com efeito, «os esforços de um Pedro Nunes,
ou de um D. João de Castro, de um Garcia da Orta, e de outros como eles, não
repercutiram significativamente ao nível da universidade ou da alta sapiência no seu
conjunto»40
, foi mais trágico o saldo dos descobrimentos porque, uma vez mais, a
memória que daí ficou recolheu-se às enciclopédias e aos padrões, propaganda sempre de
um país que, vivendo dessa memória forjada, acabou por tornar-se autómato dependente
de uma representificação.
Ora, o casal anónimo, cujo percurso ocupa um capítulo, surge, então, como síntese
de um certo posicionamento literário e ideológico. É que se, por um lado, representa uma
parte na tipologia dos enjeitados que o Post-Modernismo vem devolver à História, por
outro lado, revela os efeitos nefastos de dois movimentos subsequentes e de duração
diversa. Aos séculos de colonização opõe-se (em termos de mudança de ordem social)
uma descolonização abrupta que, querendo condensar em si um ideário e suas práticas,
acaba por estriar o percurso histórico, acelerando-o. O casal de que falamos, fazendo parte
39
CRUZEIRO, Maria Manuela. O imaginário político do 25 de Abril. Separata da Revista de História das
Ideias, Faculdade de Letras, Coimbra, vol. 16, 1994, p. 440. 40
SILVA DIAS. Os Descobrimentos e a problemática cultural do século XVI. Coimbra: Universidade de
Coimbra, 1973, p. 352.
23
de uma massa de retornados, destaca-se pela tragicidade que dele faz marioneta histórica,
sem nome e sem rosto. Pontilhar de acontecimentos o passado individual deste homem e
desta mulher que abandonam a Guiné após a Revolução é conferir-lhes um poder de estar
na História que as demais personagens, devedoras de sentidos às figuras históricas, não
têm. Não há risibilidade no par pois que a História oficial só se compadece das figuras que
de algum modo podem servir os propósitos de mitificação do regime.
Denunciando, como vimos já, a fachada da colonização portuguesa, lança-se,
agora, um olhar sobre outras vítimas do processo histórico – aquelas que haviam
constituído esse povoamento débil e enganador. De entre a massa ridicularizada de
retornados, este casal acaba por sofrer uma (de)pauperização cruel. Todavia, e
significativamente, o regresso a um lugar em que os –ismos faziam o seu trabalho de
falsos messias, acaba com o renascimento a contrario da esposa, submersa e nivelizada
que fica no conforto luxuoso – temporário ou não – em que acaba por aportar.
Sublime e ironicamente, em As Naus as memórias várias convivem e acabam por
confluir para um destino de, se não loucura, pelo menos de estranha auto-ficcionalização e
auto-irrealização que nem o mito, enquanto motor primeiro de todas as ficções, nem a
História, enquanto prova construída da passagem humana, podem mitigar.
CONCLUSÃO
Com o que aqui fica dito, parece-nos estarem apuradas algumas pistas de
desvendamento quanto às relações entre memória e História na ficção de António Lobo
Antunes – se admitirmos que Os Cus de Judas e As Naus podem traduzir coordenadas
literárias gerais na obra do autor. Com efeito, a obra de arte literária, porque «o escritor
representa uma cosmovisão que de certa forma traduz essa relação com o seu tempo e
espaço históricos; uma relação que envolve uma reacção emocional perante temas, valores
e soluções expressivas»41
, acompanha a movência do tempo do escritor e do autor. Ora, a
escrita da memória potencia a acção do narrador e da personagem, adensando-os no que
de humano têm – que é tudo, ou quase tudo – em movimento sublime de encontro total: a
memória do narrador ou da personagem é, ontologicamente, tão impalpável quanto a do
leitor – porque este é também historiógrafo individual e gerador nato de ficções.
41
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