15 caderno de estudos nº 12 versão completa

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Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome BENEFÍCIOS EVENTUAIS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NÚMERO 12 ISSN 1808-0758

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Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

BENEFÍCIOS EVENTUAISDA ASSISTÊNCIA SOCIAL

NÚMERO 12 ISSN 1808-0758

Os Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate visam divulgar pesquisas, disseminar resultados e subsidiar dis-cussões e avaliações acerca das políticas e programas sociais. Este número, intitulado Benefícios Eventuais da Assistência Social, apre-senta as reflexões dos pesquisadores e gestores ligados à Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome acerca dos benefícios eventuais da política de assistência social. O Caderno traz os desafios para que esses benefícios se tornem instrumentos de proteção social juntamente com as demais provisões da política de assistência social, e faz uma retrospectiva histórica das inúmeras iniciativas implementadas por diversos atores para regulamentar os benefícios sob a ótica dos dire-itos. Além disso, traz um breve histórico da implantação do SUAS no município de Maracanaú (CE) e uma análise sobre o Levanta-mento Nacional sobre Benefícios Eventuais, realizado em 2009, evi-denciando a necessidade de um controle social ativo, no qual os Conselhos de Assistência Social são protagonistas.

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Brasília, 2010

BENEFÍCIOS EVENTUAISDA ASSISTÊNCIA SOCIAL

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Presidente da República Federativa do BrasilLuiz Inácio Lula da Silva

Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à FomePatrus Ananias

Secretária ExecutivaArlete Sampaio

Secretária de Avaliação e Gestão da InformaçãoLuziele Tapajós

Secretária Nacional de Assistência SocialRosilene Cristina Rocha

Secretário de Articulação Institucional e ParceriasRonaldo Coutinho Garcia

Secretária Nacional de Renda de CidadaniaLúcia Modesto

Secretário Nacional de Segurança Alimentar e NutricionalCrispim Moreira

Expediente: Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. SECRETÁRIA DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Luziele Tapajós; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO: Júnia Valéria Quiroga da Cunha; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Caio Nakashima; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO: Monica Rodrigues

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Cadernos de Estudos

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

BENEFÍCIOS EVENTUAISDA ASSISTÊNCIA SOCIAL

NÚMERO 12 ISSN 1808-0758

DESENVOLVIMENTO SOCIAL EM DEBATE

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© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.

O texto publicado nesta edição apresenta reflexões acerca da regulamentação dos benefícios eventuais da política de assistência social, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio da Secre-taria Nacional de Assistência Social (SNAS).

Tiragem: 12000 exemplares impressos

Coordenação Editorial: Marcelo RochaEquipe: Cassiana Garavello de Andrade, Michelle Machado de Oliveira, Tatiane Dias, Tomás NascimentoRevisão: Michelle Machado de Oliveira e Tomás NascimentoEditoração: Rafael Lobo

Março de 2010

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à FomeSECRETARIA DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃOEsplanada dos Ministérios Bloco A 4º andar Sala 409CEP: 70.054-906 Brasília DF – Telefones (61) 3433-1501http://www.mds.gov.br

Fome Zero: 0800-707-2003Solicite exemplares desta publicação pelo e-mail:[email protected]

Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate. – N. 12 (2010)- .Brasília, DF : Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2005- .78 p. ; 28 cm.

ISSN 1808-0758

1. Desenvolvimento social, Brasil. 2. Políticas públicas, Brasil. 3. Benefícios, Brasil. I. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.

CDD 330.981 CDU 304(81)

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APRESENTAÇÃO

Este volume 12 da publicação Cadernos de Estudos – Desenvolvimento Social em Debate discute um tema bastante caro a todos nós, comprometidos com as brasileiras e os brasileiros pobres. Trata-se de ações que asseguram a proteção social em momentos emergenciais tidos como de maior vulnerabilidade, denominadas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) como Benefícios Eventuais.

Todos possuem o direito à proteção social, especialmente, durante emergências e calamidades públicas, quando os cidadãos enfrentam situações temporárias de vulnerabilidade. Os Benefícios Eventuais foram criados exatamente para esses momentos que exigem do Estado intervenção ágil e de qualidade.

Historicamente, essas ações de proteção social possuíam um caráter tutelador, pois eram exploradas politicamente por homens públicos inescrupulosos e tidas como um favor dos governantes para os indivíduos em situação de vulnerabilidade. Felizmente, esse período difícil passou. O reconhecimento da assistência social como direito instituído e legalmente reconhecido vem desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, quando a assistência social foi colocada ao lado da previdência social e da saúde na construção – ainda em curso – da seguridade social. A regulamentação desse dispositivo constitucional veio em 1993, com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social.

Desde a promulgação da LOAS, a ação do Estado passa a ter uma legislação regulatória que a afasta do assistencialismo, clientelismo e protecionismo, e concede a ela um caráter republicano, democrático e cidadão. Trata-se, de fato, de um grande passo. No entanto, ainda há muito a ser feito. Para modificarmos a dura realidade das famílias pobres e vulneráveis, é imperioso orientar e qualificar as ações do Estado, respeitando a dignidade do cidadão, a sua autonomia e o seu direito a benefícios e serviços de qualidade, como estabelece a legislação, e exige nosso compromisso e dever ético e político.

Outro princípio que rege essas ações do Estado no campo dos direitos é a integração e a consolidação de todos os serviços socioassistenciais, com vistas ao atendimento das necessidades humanas básicas. Esse princípio tem norteado este Ministério na implantação de nossas políticas, como o Sistema Único da Assistência Social, o Programa Bolsa Família, as políticas de Segurança Alimentar e Nutricional e de Inclusão Produtiva.

A integração das ações de caráter eventual ou emergencial com as demais ações de nosso Ministério visa ao fortalecimento da rede de proteção e de promoção social do Governo Federal. Com isso, cumprimos nossa responsabilidade que é a de promover

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ações continuadas de suporte às pessoas e às famílias em situação de vulnerabilidade, de forma a garantir sua proteção social.

O Governo Federal, por meio de todos seus agentes, realiza um grande investimento político, institucional, técnico e financeiro para promover um desenvolvimento social amplo, sustentável, digno e de qualidade. As ações de proteção de caráter eventual e suplementar devem ser incorporadas ao movimento de concretização de direitos sociais no país; um verdadeiro Projeto Nacional que tenho a honra de participar à frente do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A presente publicação dos Cadernos de Estudos – Desenvolvimento Social em Debate visa a um pouco desse trabalho. Desejo a todos, boas leituras.

Patrus AnaniasMinistro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 09Rosilene Cristina Rocha

2. PANORAMA DO PROCESSO DE REGUMENTAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS REGIDOS PELA LOAS 11 Potyara Amazoneida P. Pereira

3. BENEFÍCIOS EVENTUAIS NO CONTEXTO DO SUAS 31Maria José de FreitasPatrícia Souza De Marco

4. A TRAVESSIA DO SUAS: UM OLHAR SOBRE OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS EM MARACANAÚ-CEARÁ 51 Iêda Maria Nobre de Castro

5. BENEFÍCIOS EVENTUAIS E CONTROLE SOCIAL: UMA ASSOCIAÇÃO INDISSOLÚVEL 63Renato Francisco dos Santos Paula

6. ANEXO 1 . Resolução nº 212, de 19 de outubro de 2006 70

7. ANEXO 2 . Decreto nº 6.307, de 14 de dezembro de 2007 75

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1. INTRODUÇÃO

Este Caderno de Estudos visa contribuir com a reflexão sobre os benefícios eventuais da política de assistência social e identificá-los como instrumentos estratégicos.

Para o debate que pretendemos promover, esta publicação conta com a reflexão de vários atores envolvidos com o tema. A ideia é oferecer diversos olhares sobre o assun-to, a fim de propiciar ampliação e aprofundamento da reflexão, bem como subsidiar formulações que qualifiquem a prestação desses benefícios.

O texto que abre este Caderno, Panorama do processo de regulamentação e operacionalização dos benefícios eventuais regidos pela LOAS, inicia-se com a caracterização de benefício eventual como instrumento da política pública da assistência social. O texto aponta os diversos desafios para que os benefícios eventuais se tornem instrumentos de proteção social juntamente com as demais provisões da política de assistência social, indicando novas configurações para esses benefícios. Aponta a seletividade na provisão desses benefícios que os focaliza na indigência ou na extrema pobreza a inexistência de re-gulamentação municipal e a insuficiência de recursos no município, para assegurar certeza na provisão dos benefícios como alguns dos entraves para a concretização do direito a esses benefícios. No texto, há ainda numa retrospectiva histórica das inú-meras iniciativas implementadas por diversos atores, para regulamentar os benefícios sob ótica dos direitos. Por fim, é apresentada análise comparativa entre dados obtidos em dois levantamentos sobre a regulamentação dos benefícios realizados pelo MDS, observando aspectos desse processo.

O texto da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS)/ Departamento de Be-nefícios Assistenciais (DBA) apresenta dados obtidos no Levantamento nacional sobre Benefícios Eventuais, realizado em 2009, promovendo reflexões sobre o resultado desses dados. Indica ainda temas de discussão para o aprofundamento de diversas questões necessárias ao aperfeiçoamento da regulação e da operacionalização para benefícios eventuais.

O texto intitulado A travessia do SUAS: um olhar sobre os benefícios eventuais em Maracanaú/Ceará apresenta um breve histórico da implantação do SUAS no município e mostra como a normatização e o reordenamento da prestação dos benefícios eventuais no município contribuíram para a consolidação do novo modelo de gestão da assistência social. O rompimento com antigas práticas que associaram historicamente a assis-tência social à caridade e à benemerência, a integração entre benefícios e serviços e o debate e a articulação com outras políticas sociais estão levando a nova configuração dos benefícios eventuais à cidade de Maracanaú.

No texto Benefícios Eventuais e Controle Social: uma associação indissolúvel, é apontada a imbricação desses dois temas no que se refere a marcas clientelistas e paternalistas

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em suas trajetórias e à necessidade de superá-las. O texto indica que, para ocorrer a regulamentação democrática e a prestação pública dos benefícios eventuais, é im-prescindível um controle social ativo, no qual os Conselhos de Assistência Social são protagonistas. A fim de que os benefícios eventuais se configurem como direito e seja superado o estigma da incerteza na sua prestação, uma agenda para conselhos e gestores se faz necessária, na qual a criação de mecanismos de avaliação e monitora-mento de sua implantação e implementação são imprescindíveis.

Há, enfim, vários aspectos relativos ao tema de Benefícios Eventuais abordados neste Caderno, que busca dar passos cada vez mais firmes em direção à consolidação do SUAS na perspectiva do Direito.

Boa leitura,

Rosilene Cristina RochaSecretária Nacional de Assistência Social

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2 . PANORAMA DO PROCESSO DE REGULAMENTAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS REGIDOS PELA LOAS

Potyara Amazoneida P. Pereira1

OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Os Benefícios Eventuais (BEs), previstos no art.22 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), compõem o Capítulo IV da referida Lei, que dispõe sobre Benefícios, Serviços, Programas e Projetos de Assistência Social. Integrando a categoria dos Benefícios Assistenciais, os BEs compartilham com o Benefício de Prestação Continuada – BPC (arts. 20 e 21 da LOAS) –, uma função que difere da prestação de Serviços (art.23) e das ações integradas e complementares de assistência, as quais devem ser desenvolvidas sob a forma de Programas (art.24) e Projetos (art 25).

Embora não estejam explicitamente definidos na LOAS, os Benefícios Assistenciais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de provisões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas. Trata-se de um instrumento protetor diferen-ciado sob a responsabilidade do Estado que, nos termos da LOAS, não tem um fim em si mesmo, posto que se inscreve em um espectro mais amplo e duradouro de proteção social, do qual constitui a providência mais urgente.

Na LOAS estão previstos três tipos de Benefícios Eventuais:

a) Os compulsórios, porque são inegociáveis e infensos a opções quanto à obriga-toriedade de sua provisão, contidos no caput do art. 22. Esses benefícios “visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo”;

b) Os de caráter facultativo, porque são sujeitos a opções quanto a sua provisão. Esses benefícios, previstos § 2º do art. 22 da LOAS, “podem” ser criados “para atenderem necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública”;

c) Os subsidiários, contidos no § 3º do art.22, que consistem numa transferência

1 Professora titular do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília e pesquisadora do NEPPOS/CEAM/UnB.

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em dinheiro “no valor de 25% do salário mínino para cada criança de até 06 anos de idade”, tendo como critério de elegibilidade a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Trata-se, portanto, de uma modalidade de BEs que, além de depender da vontade política dos governantes (e do élan da sociedade para pressioná-los), dependerá também de recursos materiais e de financeiros para que sejam executados. Esses recursos são escassos nos orçamentos públicos;

d) Todos esses tipos de Benefícios Eventuais são da alçada do governo municipal e, por conseguinte, deverão ser regulamentados pelos Conselhos de Assistência Social dos Estados, Distrito Federal e Municípios, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) – e, logica-mente, deverão ser bancados pelos Municípios2;

Dos três tipos de Benefícios Eventuais listados, os subsidiários seriam os únicos sujei-tos a condições, pois deveriam ser propostos pelo CNAS, que ouviriam as respectivas representações de Estados e Municípios no referido Conselho; e deveriam ser adotados na “medida das disponibilidades das três esferas de governo” (§ 3º do art. 22).

Entretanto, por falta de classificação mais precisa, as escolhas dos Agentes encarregados da regulamentação dos BEs tiveram que considerar não só o que manda a Lei, mas também o conteúdo conceitual dos BEs e o estágio atual da provisão realizada pela Política de Assistência em seu conjunto.

Assim, tomando como parâmetro o termo eventual que, etimologicamente, pode significar contingência e se referir a provisões pontuais, os benefícios subsidiários para crianças de até 6 anos não seriam eventuais. Pelo contrário, estariam mais bem enquadrados como benefícios de prestação continuada, conforme entendeu o primeiro Projeto de Lei que serviu de referência mestra para a elaboração da LOAS3. Para este Projeto, os chamados benefícios subsidiários seriam obrigatórios e regulares e, por isso, irredutíveis a eventualidades e a condicionamentos de caráter político e/ou financeiro, até porque se referem a crianças em processo de desenvolvimento, que requerem atendimentos contínuos. E ainda: como no país já existem programas de prestações continuadas de renda, que cobrem os mesmos destinatários dos benefícios subsidiários, supôs-se que estes, além de não serem efetivamente eventuais, já estão cobertos por outras provisões assistenciais, especialmente pelo BPC.

Contudo, convém informar que, não obstante integrarem a categoria dos Benefícios Assistenciais da LOAS, o BPC, regulamentado em 1996, e os BEs, ainda em fase de regulamentação, não possuem similaridades – com exceção do fato de se caracterizarem pela não contributividade, pelo pronto e direto atendimento material e pelo mesmo critério de elegibilidade de seus destinatários. No mais, apresentam substanciais di-ferenças normativas, institucionais, de financiamento e de competência estatal, que

2 Tanto a Resolução nº 212/2006, do CNAS, quanto o Decreto nº 6307/2007, preveem/ a participação dos Estados-membros da Federação no co-financiamento dos Benefícios Eventuais. O art. 6º do referido Decreto, assim se expressa: “Cabe aos Estados destinar recursos fi-nanceiros aos Municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabe-lecidos pelos Conselhos Estaduais de Assistência Social, de acordo com o disposto no art. 13 da Lei nº 8.742, de 1993”. 3 PL nº 3.099/89, de autoria do deputado Raimundo Bezerra e origi-nalmente elaborado por segmentos da sociedade organizada e do Esta-do, sob a coordenação do Ipea/Iplan e do NEPPOS/CEAM/UnB.

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os tornam distintos na realização e na contribuição ao traslado da assistência da esfera da caridade para a esfera da proteção social devida.

Com efeito, o BPC é um benefício diferenciado, isto é, específico de um grupo, seja quanto à prestação dispensada, seja quanto aos seus beneficiários. Consiste na transferência mensal e direta de quantia monetária no valor de um salário mínimo a pessoas comprovadamente portadoras de deficiências, que as incapacitem para a vida independente e para o trabalho, e idosas, com idade maior ou igual a 65 (sessenta e cinco) anos. Além disso, para fazerem jus ao benefício, os portadores de deficiência e os idosos mencionados têm de comprovar falência de meios para prover as suas próprias manutenções e de não tê-las providas por sua família (LOAS, art. 20). Sua principal diferença com relação aos BEs, no que tange à provisão, reside na sua diferenciação (já mencionada), no seu amparo institucional/legal e no valor do benefício, já que ambos se pautam pela mesma linha de pobreza: ¼ do salário mínimo mensal per capita.

Já dos BEs podem ser destinatários todos os segmentos sociais e todos os tipos de carências, desde que emergenciais e apresentadas por pessoas situadas na linha de pobreza acima descrita. Neste caso, os BEs são menos diferenciados que o BPC, em que pese também serem focalizados na pobreza extrema, como indica a linha achatada de pobreza a que se referenciam. Entretanto, apesar de compartilhar com os BEs o mesmo critério restritivo de elegibilidade, o BPC apresenta um significativo diferencial: é de responsabilidade da União, ou da esfera federal, é contínuo e seu valor monetário (um salário mínimo) está a salvo de cortes, reduções ou eliminação por parte dos governos, já que está previsto na Constituição da República vigente, promulgada em 1988. Em contraposição, como já visto, os BEs são da responsabilidade dos governos municipais, não estão previstos na Constituição Federal e a concessão e valor (material ou monetário) de sua provisão são indeterminados e deverão ser regulamentados pelos Conselhos de Assistência Social dos Municípios.

O fato de os BEs pertencerem à esfera municipal tem representado prós e contras a sua implementação. Os prós identificam-se com os avanços políticos e cívicos in-corporados pela LOAS, ao regulamentar os artigos 23 e 24 da Constituição Federal, que tratam, pela primeira vez na historia do país, da assistência social como política de Seguridade. Mas esses avanços ganharam destaque quase tão somente no plano formal e das ideias democráticas que inspiraram a Carta Magna, cuja concepção de gestão social guiou-se pelos princípios da descentralização político-administrativa e da participação da sociedade.

Isso explica porque, a partir de 1988, instituiu-se no Brasil o federalismo como forma de organização territorial em que o poder estatal é dividido entre os entes federados (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal). Trata-se, sem dúvida, de uma fórmula importante de descentralização e de difusão dos poderes governamentais

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do centro para a periferia, só que com uma particularidade de difícil concretização: os entes federados são autônomos e devem exercer o seu poder sem delegações de cima para baixo. Sua autoridade deriva do voto popular e seu sustento advém prepon-derantemente de recursos próprios. Por essa perspectiva, a municipalização tornou-se o objetivo-síntese da descentralização territorial ou intergovernamental e alvo por excelência das expectativas de eficiência da gestão municipal devido à proximidade entre demandantes e demandados da provisão social (PEREIRA-PEREIRA, 2007).

É provável que tenha sido por essa proximidade espacial que os Benefícios Eventuais, caracterizados pela eventualidade de sua ocorrência e pela urgência de seu atendi-mento, tenham ficado na alçada dos Municípios. No entanto, contraditoriamente, é ai que residem as principais dificuldades para a sua implementação. Com a efetivação do princípio do federalismo e a transformação dos Municípios em entes federados autônomos, a esmagadora maioria dos governos municipais não se sente equipada financeiramente para arcar com esse instrumento de proteção social nos moldes da LOAS. Afinal, não se trata mais de praticar a caridade diante de infortúnios ou cala-midades sofridos pelos mais pobres, mas de prever e programar respostas políticas consistentes para fazer frente, como dever de cidadania, a esses acontecimentos. Sem entrar na discussão a respeito da heterogeneidade do quadro municipal brasileiro, em termos tanto de tamanho de território, população e recursos, quanto de duração, tradição histórica e cultural, o fato é que, desde quando os BEs comprometeram os municípios com a sua prestação, a sua regulamentação começou a ser postergada. Sobre essa postergação pairou o anseio de federalizar os Benefícios Eventuais, cuja recorrente manifestação gerou sérias consequências tratadas mais adiante.

Em vista dessas limitações, pergunta-se: qual é a possibilidade de os BEs tornarem-se instrumento de proteção social juntamente com as demais provisões da Política de Assistência Social? E – o que é muito importante – qual a sua identificação com os direitos sociais?

A LOAS não oferece respostas a essas indagações. Mas, do seu conteúdo foi possível extrair o entendimento explicitado a seguir, trabalhado pela autora deste artigo desde 1996, e que, de certo modo, vem subsidiando a discussão sobre a regulamentação desses Benefícios sem se desviar do espírito da referida Lei.

EXPLICITAÇÃO DO SIGNIFICADO DO TERMO “EVENTUAL” CON-TIDO NA LOAS E O SEU ALCANCE POLÍTICO-CÍVICO

Todo cidadão está sujeito a contingências, isto é, a estados de possibilidades indeter-minadas (HELLER, 1998). O contingente é o que se abate sobre os sujeitos de forma inesperada e os torna frágeis, mesmo sendo flutuante (CHAUI, 1991). Para Japiassu (apud AGUIAR, 2006, p. 15), contingência pode ser “um acontecimento do qual não

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podemos reduzir o aparecimento a um feixe de causalidade; é um acontecimento (como uma emergência) de ocorrência possível, mas incerta”.

Sob essa perspectiva, o termo “eventual” utilizado na LOAS para qualificar um de seus benefícios, pode ser considerado sinônimo de contingência social, o qual constitui uma expressão empregada na literatura da política social.

No caso específico da regulamentação, no Brasil, dos benefícios assistenciais de caráter eventual, tem-se a argumentar que, embora os eventos que lhes dizem respeito não ocorram com regularidade e constância, são passíveis de ocorrência, porque fazem parte da condição real da vida em sociedades, especialmente as estratificadas em classes. São exemplos desses eventos nascimento, morte, desemprego, acidente, enfermida-de, calamidade, entre outros. Efetivamente, ninguém está livre de se deparar com contingências sociais, ou eventos imponderáveis, que afetam com maior ou menor contundência o seu cotidiano. Os pobres, dada a sua condição de vida precária, são os mais fortemente afetados por essas contingências e os menos aparelhados para enfrentá-las com os seus próprios meios. Portanto, mesmo sendo incertas, essas contingências implicam riscos (ameaças de sérios padecimentos), perdas (privação de bens e segurança social) e danos (agravos sociais e ofensas à integridade moral e cívica de pessoas e famílias). E tudo isso precisa ser enfrentado politicamente e prevenido dentro de uma perspectiva orgânica e ampliada de proteção social como direito, o que vai requerer:

a) que os BEs façam parte de uma proposta mais ampla de proteção social e não fiquem a mercê da boa vontade de cada provedor, pois, do contrário, correrão o risco de alimentarem práticas assistencialistas e clientelistas incompatíveis com o estatuto da cidadania que fundamenta a LOAS. Implícito a esse requerimento está o pressuposto de que a proteção social prevista na Lei não se restringe à dis-tribuição de benefícios assistenciais, por mais que os BEs sejam necessários e o BPC tenha ganhado expressão política e resolutividade técnico-administrativa – e se sobreposto aos BEs, Serviços, Programas e Projetos. E nem implica ausência de direito subjetivo perfeito à proteção dos poderes públicos por parte de quem se torna beneficiário da assistência. Todavia, para que essa proteção ganhe con-sistência e coerência, nos marcos da cidadania, precisa realizar, simultaneamente: encadeamentos orgânicos internos à política de Assistência (entre seus vários componentes protetores); e vinculações ativas entre a Assistência e as novas orientações políticas capazes de culminar em sistemas de Seguridade Social, participativos e descentralizados, ultrapassadores da mera provisão material.

É o que se pode deduzir da presença na LOAS, na Política de Assistência (PNAS) e no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), de 2004, dos Serviços, Programas e Projetos, ao lado dos Benefícios, assim como do conteúdo dos seguintes dispositivos da Lei:

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Parágrafo único do art. 2º: A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas sociais setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.

Art. 6º (caput): as ações na área de assistência social são organizadas em sistema descentralizado e participativo, constituído pelas entidades e organizações de assistência social, abrangidas por esta lei, que articule meios, esforços e recursos, e por um conjunto de instâncias deliberativas compostas pelos diversos setores envolvidos.

Art. 23(caput): Entende-se por serviços assistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades sociais, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas nesta lei.

Art. 24 (caput): Os programas de assistência social compreendem ações integradas e complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidas para qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais.

Art. 25: Os projetos de enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de investimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para melhoria das condições gerais de subsistência, ele-vação do padrão da qualidade de vida, a preservação do meio ambiente e sua organização social.

b) que os BEs não fiquem restritos a prestações únicas, como nos casos de nas-cimento e morte, e nem se inclinem, exclusivamente, a atender perdas e danos. Os riscos sociais, que representam ameaças de sérios prejuízos aos cidadãos pobres e suas famílias, devem integrar a agenda pública de provisões preventi-vas em casos de calamidade e de outros agravos ou privações, que tornam mais dramático o cotidiano da pobreza. Isso, sem esquecer que, para serem eficazes, os BEs devem ser:

• provisões certas para enfrentar com agilidade e presteza eventos incertos;

• distributivos, gratuitos e, portanto, não-contributivos e nem sujeitos a con-dicionalidades ou contrapartidas;

• desfocalizados da indigência, da idade mínima de 65 anos e da deficiência severa e profunda, com o consequente elevação do critério restrito de ele-gibilidade para o acesso à provisão, contido na LOAS;

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• desburocratizados nos procedimentos necessários ao conhecimento, à ha-bilitação e ao acesso aos benefícios;

• divulgados e interpretados quanto ao direito que representam, bem como quanto às condições e oportunidades para acessá-los e usufruí-los; e

• desvinculados de testes de meios ou comprovações rigorosas, complexas e constrangedoras de pobreza, que estigmatizam tanto os Benefícios, quanto o seu público-alvo e a Política de Assistência Social.

Contudo, esses entendimentos se chocam com a tendência dominante de seletivizar o gasto social4, ou diminuir despesas públicas em áreas consideradas improdutivas (quando, na verdade, são investimentos), o que tem criado sérios obstáculos à re-gulamentação e à operacionalização dos BEs, conforme atestam os fatos e dados apresentados a seguir.

PRINCIPAIS PERCALÇOS DO PROCESSO DE REGULAMENTAÇÃO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS

Falar da regulamentação dos Benefícios Eventuais previstos na LOAS, implica, ne-cessariamente, falar da questão da sua não regulamentação por anos a fio. Quer dizer, implica falar de uma pendência jurídica e política que se arrastou no Brasil por mais de uma década, impedindo, inclusive, que a política de Assistência Social se concre-tizasse por inteiro no território nacional. Isso quer dizer que essa longa pendência não foi inócua no sentido de que não tenha produzido prejuízos a quem de direito e não tenha comprometido a autoridade e credibilidade da Lei.

Pelo contrário, a não regulamentação dos Benefícios Eventuais – que deveriam ser regidos pelos mesmos princípios e critérios que regem as demais provisões assisten-ciais inscritas na LOAS (e, mais recentemente, na PNAS e no SUAS) – prejudicou tanto cidadãos e famílias que faziam jus a esses benefícios, como a própria concep-ção cidadã de assistência social construída no país desde 1988. Ademais, do ponto de vista da gestão das políticas públicas, a não regulamentação dos BEs caracteriza um procedimento politicamente incorreto e traiçoeiro, conhecido como não-ação governamental, porque, paradoxalmente, produz efeitos sociais mais danosos do que qualquer tentativa de intervenção pública. Isso porque, a não-ação, por ser aparen-temente inexistente, não é identificada, controlada e avaliada e, por isso, dá margem ao surgimento de ações improvisadas, intuitivas, quando não inconsequentes ou até oportunistas.

Entrando em detalhes, a não regulamentação dos BEs produziram, e ainda continuam a produzir, os seguintes problemas referentes à sua operacionalização:

4 Hoje o que está em alta nos dis-cursos oficiais não é a seletividade (ou a diferenciação) em relação ao destinatário para melhor atender quem mais precisa de assistência; mas a seletividade em relação à destinação dos recursos públicos para alocá-los preferencialmente em áreas consideradas produtivas e de retorno compensador aos custos do capital. É esta tendência que está na base da defesa das políticas focaliza-das na pobreza extrema e do cres-cente desmonte das políticas sociais universais. Portanto, é pela ótica da seletividade do gasto social, com o consequente desmonte das políticas sociais universais, que a história recente dos percalços sofridos pelos benefícios eventuais, no âmbito da atual política de assistência social, deverá ser vista.

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1. Fez com que os dispositivos legais, que tratam desses benefícios, se transfor-massem em letra morta e, portanto, sem capacidade de realização e produção da eficácia cívica e política pretendida. Efetivamente, desde a aprovação da LOAS, em 1993, os Benefícios Eventuais não foram regulamentados e nem suficiente-mente tematizados nos fóruns e nas instâncias competentes, transformando-se, assim, em direito apenas declarado e impossibilitado de se concretizar por meio de política.

Sabe-se que todo direito social declarado nas leis só se aplica por meio de políticas públicas que, por sua vez, devem ser operacionalizadas por meio de serviços, bene-fícios, programas e projetos. É por isso que se diz que uma das principais funções de toda e qualquer política pública é concretizar direitos declarados nas leis, os quais não são outorgados pelo Estado, mas conquistados pela sociedade e garantidos pelo poder estatal. Assim sendo, a política que concretiza direitos não se identifica e nem guarda afinidade com o assistencialismo, com o qual os BEs vêm sendo recorrentemente identificados na esfera municipal.

2. Permitiu a suspensão indevida de uma modalidade pré-existente de benefício, denominado auxílio (natalidade e funeral), que, em 1954, foi criada no âmbito da política de Previdência Social, e que, com a aprovação da LOAS, deveria passar automaticamente para o âmbito da Assistência Social. Contudo, em que pese constar, no art. 40 da LOAS, a determinação de que não haveria solução de continuidade nessa passagem, foi exatamente isso o que aconteceu. Contra todas as prescrições éticas e preceituações legais relacionadas à matéria, a distri-buição desses benefícios foi sustada sem nenhuma explicação, comoção social ou aplicação de penalidades. Simplesmente, a política de Previdência deixou de provê-los, em 1996, tão logo o BPC foi regulamentado, e a política de Assistên-cia – cuja atenção majoritária centrou-se neste Benefício – postergou de forma injustificada a sua regulamentação para a devida operacionalização. Enquanto isso, vários cidadãos antes contemplados com os auxílios natalidade e funeral da Previdência Social foram excluídos de seu acesso; e, outros tantos, que deveriam ser contemplados com esses e outros auxílios eventuais, no contexto da Assis-tência Social, estão sendo, por mais de uma década, lesados em seus direitos e desassistidos em suas legítimas necessidades.

3. Induziu, automaticamente, a focalização desses benefícios na pobreza extrema – ao contrário do que acontecia quando integravam a Previdência – ratificando, assim, a ideia equivocada de que a assistência social tem estrita relação com a indigência. Por isso, não é de estranhar o progressivo rebaixamento do valor dos benefícios por natalidade e morte e de sua focalização na pobreza extrema, tão logo foi anunciado que eles sairiam da esfera da Previdência para integrar a da As-sistência Social. E mais: que deixariam de ser contributivos para ser distributivos. Com efeito, criados em 1954 para atender todos os segurados e seus dependentes

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com valores que, em alguns momentos, ultrapassavam um salário mínimo, os auxílios natalidade e funeral foram sofrendo, desde 1991, restrições com base na Lei nº 8.213, de 24 de julho, que dispunha sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Assim, esta Lei introduziu a seletividade na provisão desses auxílios, elegendo como beneficiários os segurados com renda equivalente, à época, a até três salários mínimos, e estabeleceu como limite máximo do valor do pagamento dos dois auxílios um montante igual a um salário mínimo.

A partir daí, o valor monetário e a cobertura da prestação dos auxílios natalidade e funeral foram se tornando, respectivamente, mais irrisório e menos abrangente. Em 1932, os valores dos auxílios continuaram os mesmos de um ano atrás, apesar de o salário mínimo ter aumentado de CR$ 17.000,00 para CR$ 230.000,00. Além disso, a linha de pobreza estabelecida como critério de elegibilidade para o acesso aos auxílios referidos sofreu mais uma compressão: caiu de 3 para 2,5 salários mínimos, ao mesmo tempo em que o valor do auxílio natalidade passou a corresponder 24,49% do salário mínimo e o do auxílio funeral a 83,2% do mesmo salário.

A expressão máxima da tendência focalizadora dos recursos para a provisão desses auxílios deu-se em 1993 quando, com a instituição da LOAS, eles (agora chamados de benefícios) passaram a centrar-se nos segmentos mais pobres da população. Des-de então foi adotado um critério de elegibilidade draconiano, inédito na história da proteção social brasileira, que estabelece como linha de pobreza para o acesso aos benefícios assistenciais a já mencionada renda mensal per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo.

Por conseguinte, o avanço formal das políticas assistenciais, representado pelo rompi-mento com a tradição contratualista da proteção social (própria da Previdência) e pela inclusão dos mais pobres no circuito da distribuição de benefícios antes restritos aos segurados e seus dependentes, foi esvaziado pelo predomínio de uma rigorosa focali-zação na indigência. Além disso, tal avanço foi contraditado pela regressiva fabricação de novos focos de pobreza no âmbito dos segmentos socialmente vulneráveis que deixaram de ser atendidos pelos restritivos critérios de focalização na indigência.

4. Incentivou, em vários Municípios, práticas assistencialistas e clientelistas em torno de demandas eventuais, já que, para a satisfação dessas demandas, não existiam normas-padrão regulamentadas e compatíveis com o conteúdo da LOAS e da PNAS-SUAS. Em decorrência, não é casual que a prática da con-cessão dos Benefícios Eventuais venha apresentando as seguintes tendências: cada governo municipal os concebem, denominam, proveem e administram, de acordo com o seu entendimento, valendo-se quase sempre do senso comum para, dentro de suas possibilidades financeiras e gerenciais, atender contingências sociais prementes. Tem-se, assim, num espaço não desprezível de participação da Assistência Social como política pública e direito de cidadania a condenável

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prática do assistencialismo que, além de desafiar os recentes avanços no campo assistencial, vem se afirmando como um não-direito social.

5. Faltou tratamento específico desses Benefícios no campo dos novos instru-mentos de gestão da Política Pública de Assistência Social. Na verdade, muitos municípios não têm clareza conceitual de suas ações sociais e não sabem distin-guir ações personalistas e não especializadas desenvolvidas por pessoas de boa vontade e por primeiras damas dos Benefícios Eventuais inscritos na LOAS. Como exemplo disso, Narla Aguiar (2006) ressalta a inclusão do auxílio a blocos carnavalescos em municípios do Estado de Pernambuco, no rol dos BEs.

Esses são os principais problemas que a não regulamentação dos BEs trouxe para todo o complexo da Política de Assistência e que estão a exigir prontas respostas legais e políticas. Sobre essas respostas, vale acrescentar que a demora na regulamentação dos BEs não resultou total inação. Não significou que o CNAS e o órgão gestor federal – o MDS – bem como instituições da sociedade civil, e mesmo prefeituras municipais, não tivessem feito algum tipo de gestão no sentido de oferecer subsídios a sua regulamentação, como será visto no tópico seguinte.

ESFORÇOS PRÓ-REGULAMENTAÇÃO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS E SEUS PROGRESSOS

Desde 1996, com a regulamentação do BPC, os Benefícios Eventuais vêm sendo alvo de preocupações coletivas, ainda que intermitentes. Para muitos dos que par-ticiparam, em 1993, do difícil processo de aprovação da LOAS, após cinco anos de tentativas frustradas nesse sentido, não bastava que o BPC fosse regulamentado três anos após essa aprovação. Era preciso compensar esse tempo indevidamente perdido e fazer gestões contínuas e organizadas para regulamentar todos os instrumentos de proteção social previstos na Lei.

Contudo, em se tratando dos Benefícios Eventuais, era preciso decifrá-los, defini-los e identificar o seu papel político estratégico no conjunto das provisões assistenciais concebidas como direitos. Só assim, poder-se-ia apresentar propostas de regula-mentação dos BEs fundamentadas tanto na Lei quanto nos avanços democráticos e civilizatórios, que o Brasil passou a experimentar depois de vinte e cinco anos de regime de exceção e de séculos de prática assistencialista. Essa providência se fazia necessária porque nunca, no Brasil, a Assistência Social tinha sido concebida como política pública concretizadora de direitos sociais, declarados legalmente; e nunca o atendimento, por governos locais, de necessidades contingenciais das camadas mais pobres da população tinha se transformado em ação de caráter cívico.

Entre as primeiras preocupações acima referidas, envolvendo instituições da sociedade civil e do Estado, destacam-se:

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a) Encomenda feita, em 1996, pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFSS) ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), da UnB, de uma pesquisa diag-nóstica sobre a situação legal e política dos Benefícios Eventuais – acompanhada de proposições – com o seguinte objetivo: subsidiar as discussões e proposições dos representantes do CFESS no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), com vista à regulamentação dos BEs. Por meio dessa pesquisa5, cujos produtos analíticos vêm subsidiando parte dos esforços oficiais de regulamentação dos BEs, foram identificadas: principais vicissitudes (teóricas, conceituais, políticas, culturais e éticas) que cercam esses Benefícios e possibilidades de se pautarem pelo estatuto da cidadania, tal como preconiza a LOAS, a PNAS e o SUAS.

b) Elaboração, em 1996, de um documento de trabalho do CNAS, com o objetivo de normatizar os critérios e prazos dos Benefícios Eventuais por natalidade ou por morte, conforme o disposto no § 1º do art.22 da LOAS;

c) Realização, em 1997, de reunião ampliada, promovida pelo CNAS, para ana-lisar os resultados da pesquisa efetuada pelo NEPPOS/CEAM, acima referida, e definir encaminhamentos para a regulamentação dos BEs. Nesta reunião, fizeram-se presentes cerca de 150 participantes, dentre os quais: representantes de Conselhos Estaduais e Municipais de Assistência Social; de Secretarias Estaduais e Municipais de Assistência Social; de instituições de pesquisa e de entidades privadas de Assistência Social;

d) Elaboração, em 1997, de minuta de Resolução, pelo CNAS, para a regulamen-tação dos BEs. Essa minuta foi submetida à apreciação da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência e Assistência Social, recebendo, ao mesmo tempo, pareceres favoráveis e desfavoráveis. Os favoráveis diziam respeito à definição de prazos pelo CNAS para a regulamentação dos Benefícios Eventuais no âmbito dos Conselhos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal; mas, os desfavoráveis concerniam à determinação de prazos para o início de pagamento de tais bene-fícios, dada a autonomia dos entes federados neste aspecto;

e) Elaboração, em 1999, pelo CNAS, de Referência Básica para a concessão dos Benefícios Eventuais, composta dos seguintes itens: valores; critérios de habi-litação; concessão e indeferimento; representação; suspensão e cancelamento; acompanhamento e controle; financiamento e considerações finais;

f) Pesquisa realizada, em 2004, sob os auspícios do MDS, para conhecimento da situação dos Benefícios Eventuais praticados nos municípios brasileiros, com vista a subsidiar sua regulamentação. Nessa pesquisa, 626 municípios de 11 estados da federação responderam ao questionário do MDS, cujos dados coletados serão comentados no próximo tópico deste texto;

5 Pesquisa realizada pelas pesqui-sadoras do NEPPOS/CEAM Potyara A. P. Pereira, Ieda Rebelo Nasser e Sônia Maria Arcos Campos, sob a coordenação da primeira.

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g) Prestação de consultoria6, em 2004, ao Departamento de Benefícios Assisten-ciais do MDS para, com base na pesquisa acima mencionada, identificar, naquele momento, o estágio e o caráter da distribuição dos BEs nos municípios; e ofe-recer subsídios conceituais e político-estratégicos (na perspectiva dos direitos), à elaboração de uma Portaria, mais tarde substituída por Decreto (já toda lei só pode ser regulamentada por Decreto);

h) Elaboração, em julho de 2006, pelo MDS, de minuta de Portaria (depois Decreto)7 para regulamentar os BEs. Essa minuta, que foi examinada e referen-dada na Reunião Ordinária do CNAS, realizada nos dias 11, 12 e 13 de julho de 2006, possuía onze artigos e continha: caracterização, princípios, conteúdo, significado e responsabilidades no âmbito da gestão da política de Assistência Social;

i) Criação, pelo CNAS, de resolução8, propondo critérios orientadores para a regulamentação da provisão de Benefícios Eventuais no âmbito dos municípios, Estados e Distrito Federal. Tal resolução especifica as demandas e necessidades preferencialmente atendidas pelos benefícios natalidade e funeral, claramente previstos na LOAS, e indica outras duas modalidades possíveis de atendimento como BEs: vulnerabilidade temporária e calamidade pública;

j) Criação, pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT)9, da Resolução Nº 7, de 10 de setembro de 2009, que estabelece procedimentos para a gestão inte-grada dos serviços, benefícios socioassistenciais e transferências de renda para o atendimento de indivíduos e de famílias beneficiárias do PBF, PETI, BPC e Benefícios Eventuais. Nessa Resolução, os Benefícios Eventuais são considerados integrantes orgânicos das garantias do SUAS e da rede de serviços socioassisten-ciais, com vista ao atendimento, de forma concertada, de necessidades humanas básicas;

k) Criação, pelo CNAS, da Resolução Nº 109, de 11 de novembro, de 2009, que aprova a tipificação nacional de serviços socioassistenciais, organizados por níveis de complexidade do SUAS. Nessa tipificação, ou base de padronização desses serviços, os Benefícios Eventuais estão contemplados na categoria denominada “Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências”;

l) Realização, sob os auspícios do MDS e CNAS, em outubro de 2009, do “le-vantamento nacional sobre os Benefícios Eventuais da Assistência Social”, com a finalidade de mapear nacionalmente a situação dos BEs, no que concerne a sua regulamentação e prática municipais. Esse novo levantamento faz parte de uma atividade contínua, prevista nas resoluções indicadas, especialmente na da CIT, de mapear situações de vulnerabilidade e riscos, bem como as potencialidades sociais nos territórios para: definir estratégias pró-ativas de desenvolvimento

6 Esta consultoria foi prestada pela autora deste texto.7 Este Decreto foi publicado no Diá-rio Oficial da União sob o Nº 6. 307, de 14 de dezembro de 2007. 8 Esta Resolução foi publicada no Di-ário Oficial da União, sob o Nº 212, de 19 de outubro de 2006.9 Prevista na Norma Operacional Bá-sica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS, da Política de Assistência Social.

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de potencialidades e prevenção, ou enfrentamento de contingências sociais; e disponibilizar, periodicamente, às unidades que executam os Benefícios Assis-tenciais informações atualizadas sobre o seu processamento.

É sobre os resultados desse levantamento, comparados aos resultados de pesquisa semelhante, realizada pelo MDS cinco anos atrás, que o tópico seguinte se deterá. Seu propósito será o de fechar, em 2009, o traçado do panorama do processo de re-gulamentação e operacionalização dos Benefícios Eventuais regidos pela LOAS, que foi aberto, para efeitos da elaboração deste texto, em 1996.

ATUALIDADE DO PROCESSO DE REGULAMENTAÇÃO E OPERA-CIONALIZAÇÃO DOS BENEFÍCIOS EVENTUAIS

Dos levantamentos realizados em 2004 e 2009, com vista ao conhecimento periódico da concepção e da prática municipais dos Benefícios Eventuais, obtiveram-se dados e informações relevantes, que indicam tendências, continuidades e mudanças a serem consideradas tanto pelos governos como pela sociedade.

Levantamento de 2004:

Baseado na LOAS e nas contribuições analíticas até então disponíveis sobre o signifi-cado e alcance dos Benefícios Eventuais na perspectiva da cidadania, o levantamento de 2004, realizado em 626 (seiscentos e vinte e seis) Municípios de 11 (onze) Estados10

da Federação, centrou-se nos seguintes eixos investigativos:

1. benefícios eventuais existentes no município;

2. existência ou não de legislação municipal específica sobre os Benefícios Eventuais;

3. órgão controlador dos benefícios e os envolvidos em sua operacionalização;

4. fonte e volume dos recursos empregados nesses benefícios;

5. caracterização do público-alvo;

6. benefícios eventuais demandados e não existentes no município.

Tendo como referência esses eixos, assim como os dados e informações coletados em 2004, verificou-se, em linhas gerais, que os Benefícios Eventuais não estavam claramente definidos nos Municípios, restringindo-se às seguintes prestações (nos mesmos moldes e com o mesmo espírito assistencialista que imperava antes da LOAS): distribuição de cestas básicas, filtros, leite, cadeiras de roda, órteses, próteses

10 Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Goiás e Maranhão.

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dentárias, óculos, roupas, fraldas geriátricas, auxílio funeral; doação de passagens rodoviárias, de material de construção; e fornecimento de medicamentos. No rastro dessa indefinição, ou da falta de comprometimento de outras políticas com os seus demandantes, outros atendimentos foram aleatoriamente tratados como Benefícios Eventuais, tais quais: oxigênio, feira de artesanato, livro para o Telecurso 2000, liga-ções telefônicas, carteira de motorista, planta de regularização de moradia, isenção de IPTU para aposentado, bazar de pechinchas, multimistura, atendimento ao idoso paraguaio, cesarianas, laqueaduras, auxílio odontológico, cirurgias, viagens de estudo e pesquisa, sementes para plantio, auxílio a blocos carnavalescos. Donde se conclui que não é de estranhar a prevalência nos municípios de: parca normatização desses Benefícios; concorrência de competências institucionais na sua distribuição (se bem que a maioria fica a cargo das Secretarias ou Órgãos de Assistência Social); quase au-sência de previsão orçamentária para sua provisão; e não atendimento organizado das demandas apresentadas, que nem sempre estão previstas e – fato inusitado – quando atendidas, nem sempre se pautam pelo critério restrito de elegibilidade contido na LOAS. Afinal, sem um mínimo de precisão conceitual fica efetivamente difícil definir os demais quesitos que devem compor os instrumentos de normatização de qual-quer política. Por outro lado, quanto ao critério de elegibilidade previsto na LOAS, a premência das demandas e das necessidades reais, localmente enfrentadas, mostram que esse critério é, concretamente, irrealista.

O estudo realizado por Narla Galeno de Aguiar11 (IDEM), em uma amostra dos 626 Municípios pesquisados pelo MDS, confirma com maiores detalhes a prevalência desse quadro. Para configurar essa amostra, a estudante selecionou três Estados, representan-do as regiões Nordeste, Sul e Sudeste (Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo), sendo que em cada um desses entes estaduais foram escolhidos, aleatoriamente, dez municípios. Da análise dos trinta questionários selecionados, verificou-se que, não obstante as diferenças regionais, os comportamentos dos municípios em relação aos BEs guardavam mais convergências do que divergências, a saber:

a) Entre uma miríade de demandas pontuais, as mais atendidas, em ordem de-crescente, foram: auxílio funeral (urnas funerárias, isenção de taxas de enterro, traslado do corpo, flores, velórios), correspondendo cerca de 75%; aparelhos ortopédicos, órteses, cadeiras de roda, óculos (60%); cestas básicas (50%); ma-terial de construção para reformas ou reparos em moradias (40%); passagens intermunicipais ou interestaduais (30%);

b) Apenas 40% dos municípios dos três Estados definiram um valor específico para os Benefícios Eventuais. Mas, só 20% dos municípios do Rio Grande do Sul e de São Paulo e 10% dos de Pernambuco definiram esse valor em lei or-çamentária, sem que isso implicasse regulamentação dos BEs. A maioria desses benefícios estavam previstos nas leis municipais, pois careciam de normatização própria;

11 Bolsista de iniciação científica do CNPq, vinculada ao NEPPOS/CEAM/UnB, que realizou o referido estudo como requisito à elaboração da sua monografia de conclusão do Curso de Graduação de Serviço Social da UnB.

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c) O critério de elegibilidade para o acesso aos BEs revelou-se mais generoso do que 1/4 do salário mínimo previsto na LOAS. O corte de renda que prevaleceu nos municípios estudados girou em torno de 1/2 a 2 salários mínimos, embora alguns exigissem, dos demandantes, comprovação de residência por um período determinado e baixa escolaridade. Isso demonstra que, pelo menos quanto ao critério de elegibilidade para a distribuição da provisão, a tendência é elevá-lo com base na realidade das demandas e necessidades locais;

d) Em 43% dos municípios estudados, os BEs eram controlados pela Secretaria responsável pela Política de Assistência Social, em conjunto ou não com outras Secretarias ou Órgãos congêneres. Em 20% dos municípios, a prefeitura con-trolava os BEs, junto com a Secretaria responsável pela política de Assistência Social; e, em 37% dos municípios, a distribuição dos BEs continuava sendo con-trolada diretamente pelo gabinete da prefeitura, ou da primeira dama (AGUIAR, idem);

e) Quanto aos benefícios demandados, e não existentes nos municípios, esta ocorrência revelou-se pequena. Mas Aguiar (IDEM) inferiu que, por falta de conhecimento da população elegível a respeito de quais benefícios teria direito, a procura acabou sendo condicionada pela oferta. Tal tendência pode ser exem-plificada com a pequena expressividade assumida pela demanda por benefícios natalidade em comparação com o funeral. Considerando que ambos os benefí-cios estão previstos na LOAS, a baixa procura por auxílio natalidade certamente se deve ao desconhecimento da população a respeito desse direito e à pouca pressão que o nascimento exerce sobre as Prefeituras comparado à morte, cujo atendimento não dá para adiar.

Levantamento de 2009:

A continuidade ou mudança desse quadro pode ser aferida por meio da análise dos dados e informações obtidos pelo levantamento realizado em 2009. Nessa pesquisa, a qual se valeu de ampla mobilização dos entes federados e Conselhos de Assistência Social, o número de municípios participantes foi mais que o quádruplo dos que parti-ciparam em 2004, isto é: 4.174 municípios brasileiros, representando 75% do universo, o que garante maior suporte analítico à generalização dos resultados obtidos.

Tendo como referência quase os mesmos itens que serviram de eixos investigativos à pesquisa de 2004, pode-se dizer que começaram a ocorrer mudanças contra a continuidade dos problemas que impediam os Benefícios Eventuais de se firmarem como deveres municipais.

Um exemplo relevante quanto a esse aspecto é o fato de 1.229 municípios terem re-gulamentado os Benefícios Eventuais, de acordo com os parâmetros legais previstos.

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Embora esse número só represente 29 % dos entes municipais respondentes, tudo leva a crer que ele indica uma promissora tendência de reversão do antigo e persistente movimento em prol da federalização dos BEs. Essa crença apoia-se, factualmente, em outra mudança positiva, que certamente funcionou como indutora do processo paulatino de regulamentação desses Benefícios, qual seja: o aumento de municípios que garantem recursos para os Benefícios Eventuais no seu orçamento e os alocam no Fundo Municipal de Assistência Social. Assim, se a ausência de recursos disponíveis constituía um forte argumento para que os municípios não arcassem com os BEs, o fato de agora 2.885 municípios respondentes assumirem essa responsabilidade, mesmo com parco co-financiamento dos seus respectivos Estados, denota um movimento favorável a sua municipalização.

Contudo, a instituição de normas locais regulamentadoras dos Benefícios Eventuais, de acordo com os parâmetros legais previstos, não estão livres de dificuldades – mesmo que os municípios já contem com uma referência padronizada de critérios orienta-dores constantes no Decreto 6.307/200712 e na Resolução 212/2006. Efetivamente, dificuldades de ordem jurídica (20%), de definição de situações a serem atendidas como BEs (32%), de garantia de recursos para a provisão desses Benefícios (32%) e de transferência para outras políticas de demandas que não são próprias da Assistência Social (33%), continuam desafiando os municípios. Trata-se, na maioria das vezes, de dificuldades estruturais, de raízes culturais, que só a mudança de mentalidade política poderá arrefecer. Todos aqueles que trabalham com o conceito de Assistência Social como política pública e direito de cidadania sabem o quanto é difícil vencer a compreensão dominante, em todos redutos, épocas e em ideologias da sociedade brasileira, de que a Assistência Social não é assistencialismo e nem tampouco ausência de assistência ou desassistencialização. Difícil também tem sido combater a renitente ação motivada por atitudes condenáveis, que atualizam o clientelismo, a ajuda piedosa e a omissão de responsabilidades por quem de dever. Por isso, as dificuldades que a pesquisa de 2009 traz a público confirmam a continuidade de culturas que extrapolam a carência de recursos para arcar com esses Benefícios. Outras ausências, como a de-finição do que sejam os BEs e a divisão de responsabilidades no âmbito das políticas públicas, continuam em pauta.

O mesmo pode ser dito das dificuldades na provisão dos BEs. A insuficiência de recur-sos para fazer frente à demanda continua sendo um grande obstáculo, especialmente para os municípios que não contam, ou contam muito pouco, com o co-financiamento do seu Estado. Nesses dois quesitos, as percentagens de respondentes são significativas: 58% no primeiro caso e 82% no segundo. As demais dificuldades dividem-se entre situações também costumeiras e aqui já mencionadas: a recusa das demais políticas públicas, que mantêm interface com a Assistência Social, em assumir demandas que são de suas respectivas áreas, representam 38% dos respondentes; e o rompimento com antigas práticas de ajuda, que funcionam na contramão dos direitos e comprometem o status de política pública da Assistência Social, representam 54%.

12 No art. 3º do referido Decreto o benefício natalidade atenderá, preferencialmente, aos seguintes aspectos:

I - necessidades do nascituro;II - apoio à mãe nos casos de natimorto e morte do recém-nascido; eIII - apoio à família no caso de morte da mãe.

E, no art. 4º, o benefício por morte atenderá, prioritariamente:

I - despesas de urna funerária, velório e sepultamento;II - necessidades urgentes da família para enfrentar risco e vulnerabilidades advindas da morte de um de seus provedores ou membros; eIII - ressarcimento, no caso da ausência do benefício eventual no momento em que este se fez necessário.

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Sobre as demandas mais recorrentes no âmbito dos benefícios considerados neste texto como compulsórios – posto que são claramente definidos no Decreto 6.307/2007, o qual regulamenta o art. 22 da LOAS –, os dados confirmaram tendência detectada em 2004. A maior incidência recaiu nos benefícios por morte (funeral), sobre os por natalidade, se bem que, em relação a estes últimos, a procura aumentou. Tais benefícios são, em primeiro lugar, procurados e providos no Órgão Gestor da Assistência Social (74%, no caso de morte, e 68%, no de nascimento) e, em segundo lugar, nos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS (26%, no caso de morte, e 44%, no de nascimento). Esse fato indica a persistência da discutível relação direta dos demandantes da assistência social eventual com o Órgão máximo da gerência da política. Em compensação, como já indicado, houve positiva mudança de tendência quanto à parca procura de assistência por natalidade registrada em 2004. Na pesquisa de 2009, dos 4.174 Municípios res-pondentes, 2.581 distribuíram provisões, por motivo de nascimentos, sendo que 1.569 pelo Órgão Gestor e 1.012 pelos CRAS. Esses números não ficam muito distantes do montante da procura e distribuição dos benefícios por motivo de morte, que totalizou 3.932 provisões, sendo 2.906 assumidas pelo Órgão Gestor e 1.026, pelos CRAS. Essa mudança talvez se explique pela maior tematização que os Benefícios Eventuais vêm tendo nos últimos cinco anos, sob a ingerência do MDS e do CNAS, com vista a sua regulamentação.

Igualmente, quanto à outra modalidade de BEs registrada no caput do art. 1º do Decreto 6.307/2007 como “situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública”, a tendência da procura de 2004 se confirmou em 2009, com pequenas variações. A maior incidência recaiu, em ordem decrescente, nos seguintes quesitos: cesta básica (91%); passagens (81%); fotos e segunda via de documentos (75%); aparelhos ortopédicos, órteses, próteses, óculos, dentaduras, medicamentos, fraldas geriátricas, cadeiras de rodas, muletas (73% dos Municípios que distribuem pelo menos um item); roupas, cobertores, móveis, colchões, utensílios domésticos (70%); auxílio construção (58%); leite em pó, dietas especiais (55%); auxílio alimentação (34%); uniforme, material escolar (34%). Nesta categoria de benefícios, ficam evidentes duas dificuldades apontadas pelos Municípios participantes da pesquisa: as indefinições referentes ao que sejam Benefícios Eventuais nos termos da LOAS, indicadas por 1,325 Municípios; e a falta de precisão do que seja próprio da Assistência, com o consequente comprometimento das demais políticas públicas com as demandas que lhes dizem respeito.

CONSIDERAÇõES FINAIS

Como se constata, os Benefícios Eventuais apesar de terem, por mais de uma década, a sua regulamentação postergada, não saíram da pauta de preocupações de setores da sociedade e do Estado. Tais preocupações manifestaram-se nas Conferências Nacionais de Assistência Social, por meio de iniciativas de instituições da sociedade civil e das periódicas medidas adotadas pelos Órgãos oficiais incumbidos, na esfera federal, de propor critérios, normas e orientações para a sua regulamentação.

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28 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Pode-se afirmar que hoje os Benefícios Eventuais já possuem parâmetros normati-vos e políticos identificáveis com o conteúdo e os objetivos da LOAS e da PNAS-SUAS/2004. Mas isso não é tudo. O avanço até agora conquistado por si só reclama o aprofundamento da compreensão desses Benefícios no contexto das relações organicamente estabelecidas entre os instrumentos de proteção da política pública de Assistência Social e entre esta e as demais políticas públicas (sociais e econômi-cas). Vale dizer, para combater a regressão das conquistas democráticas e cívicas no campo da Assistência Social brasileira, faz-se necessário estabelecer encadeamentos dinâmicos entre os benefícios, serviços, programas e projetos que compõem o atual Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com vista a otimizá-lo, e reproduzir esse processo entre as políticas públicas ditas setoriais.

Viu-se que muitos Municípios dependem do co-financiamento do Estado para arcar com a provisão dos Benefícios Eventuais, especialmente os associados à natalidade e à morte, antes assumidos pela Previdência Social. Encontrar soluções dentro do atual pacto federativo para tornar possível esse co-financiamento, é não só uma providência de caráter gerencial; trata-se, acima de tudo, de ressarcimento de uma dívida imperdoável com os legítimos credores dessa dívida: os cidadãos de direito que, por mais de uma década, viram-se impedidos de demandar esses auxílios por falta de regulamentação.

Além disso, dada a ainda imprecisa incorporação dos Benefícios Eventuais na agenda da proteção social dos entes municipais, a realização da assistência social, como direito de cidadania, prevista na LOAS e ratificada na PNAS-SUAS/ 2004, tem se realizado de forma incompleta, sem a necessária organicidade e possibilidade de produzir efeitos de conjunto.

Isso não elide o fato de os Municípios estarem atendendo demandas e necessidades prementes e emergenciais de cidadãos pobres que, em casos como os de morte, exi-gem rápidas providências dos poderes públicos. Mas, essa forma de atendimento, que ainda é dominante – apesar do auspicioso aumento de regulamentações dos BEs na esfera municipal – não tem diferido, em substância, do tradicional assistencialismo que tanto a LOAS como a Política de Assistência Social vigente almejam superar por completo.

Portanto, mesmo não sendo contínuos na sua prestação, os BEs têm de ser certos e previsíveis. Isso porque constituem medida estratégica na cadeia de provisões assistenciais, cujo objetivo é enfrentar, em primeira instância, contingências sociais que, se não forem atendidas, produzirão sérios prejuízos a quem delas padece; e, por consequência, comprometerão a eficácia da Política Pública de Assistência na sua função primordial de concretizar direitos de cidadania.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 29

Por fim, para prevenir o aprofundamento desses prejuízos, espera-se que o processo de regulamentação dos BEs, já iniciado, torne-se realidade o quanto antes e que esta regulamentação não fique restrita às formas de auxílio-natalidade e funeral, mas inclua os auxílios referentes aos casos previstos no § 2º do art. 22 da LOAS, no qual estão previstas situações de vulnerabilidade e calamidades públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, N.G. Os Benefícios Eventuais como direitos sociais. Trabalho de conclusão de Curso de graduação apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília. Brasília, 2006

CHAUI, M. Público, privado, despotismo. In: SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

HELLER, A.; FEHER, F. A condição política pós-moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências. Brasília 1998.

PEREIRA-PEREIRA, P.A. Controle democrático como garantia de direitos da pessoa idosa. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos/ Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição de 1988. Brasília: Câmara dos Deputa-do/ Centro de Documentação e Informação – Coordenação de Publicações, 2002.

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30 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 31

3 . BENEFÍCIOS EVENTUAIS NO CONTEXTO DO SUAS

Maria José de Freitas1

Patrícia Souza De Marco2

INTRODUÇÃO

Este texto pretende refletir sobre as perspectivas e desafios da oferta de benefícios eventuais no contexto do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), tendo como referência a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a Resolução nº 212/2006, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), o Decreto nº 6307/2007, do executivo federal, o Protocolo de Gestão Integrada de Serviços e Benefícios do SUAS (Resolução CIT nº 7, de 10 de setembro de 2009) e o Levantamento nacional sobre os Benefícios Eventuais realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

Os benefícios eventuais integram o conjunto de proteções da política de assistência social, de caráter suplementar e provisório, prestados aos cidadãos em razão de nas-cimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.

As seguranças e provisões afiançadas pela política de assistência social são estabelecidas e reconhecidas legalmente – Constituição Federal de 1988 e LOAS/1993 – como direito do cidadão e dever do Estado. Esse novo status adquirido pela política de assistência social elevou seus serviços e benefícios à categoria de direito social, colocando-se em oposição às concepções e práticas clientelistas e paternalistas destituidoras de direito. A prestação de benefícios eventuais na assistência social foi historicamente a expressão máxima dessas práticas.

Os benefícios eventuais apresentam trajetória histórica eivada de casuísmos, opor- tunismos e de pouco profissionalismo, já que foram implementados por muito tempo de forma não regulada, sob tutela do primeiro damismo, sem planejamento, diagnóstico e controle social, tem portanto, por herança sua oferta prestada de forma fragmentada e dissociada do conjunto de proteções da assistência social e de outras políticas sociais.

O reconhecimento da política de assistência social no campo dos direitos sociais colocou em xeque a trajetória de não direito dos benefícios eventuais. Era imperioso rever as práticas instituídas, reorientar a prestação dos benefícios eventuais na direção dos princípios da LOAS, em especial o respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e

1 Diretora do Departamento de Be-nefícios Assistenciais – DBA/SNAS2 Coordenadora Geral de Regulação e Ações Intersetoriais – CGRAI/DBA/SNAS

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32 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade (inciso III, art. 4.).

PARÂMETROS NACIONAIS PARA REGULAÇÃO DOS BENEFÍCIOS: CNAS E MDS

O avanço da regulamentação dos benefícios eventuais, conforme estabelece a LOAS, deu-se em 2006, quando o CNAS em atendimento ao parágrafo 1º, do art. 22 da Lei Orgânica aprovou a Resolução nº 212. No ano seguinte, o governo federal, em complemento às diretrizes do Conselho, editou o Decreto nº 6307. Tais iniciativas visaram propor critérios orientadores para a provisão dos benefícios eventuais no âmbito da política pública de assistência social.

O decreto federal reafirma princípios fundamentais para realização dos benefícios eventuais no campo dos direitos em seu art. 2º: I - integração à rede de serviços socioassis-tenciais, com vistas ao atendimento das necessidades humanas básicas; II - constituição de provisão certa para enfrentar com agilidade e presteza eventos incertos; III - proibição de subordinação a contribuições prévias e de vinculação a contrapartidas; IV - adoção de critérios de elegibilidade em consonância com a Política Nacional de Assistência Social; V - garantia de qualidade e prontidão de respostas aos usuários, bem como de espaços para manifestação e defesa de seus direitos; VI - garantia de igualdade de condições no acesso às informações e à fruição do benefício eventual; VII - afirmação dos benefícios eventuais como direito relativo à cidadania; VIII - ampla divulgação dos critérios para sua concessão; IX - desvinculação de comprovações complexas e vexatórias de pobreza, que estigmatizam os benefícios, os beneficiários e a política de assistência social.

Os princípios estabelecidos no decreto se configuram como fundamento para a regulação, organização, financiamento e implementação dos benefícios eventuais, constituindo também em elemento basilar para a avaliação e controle social da regu-lação e gestão dos benefícios e de sua repercussão no atendimento das neces- sidades, a ser exercido pelos conselhos municipais de assistência social.

O Ministério do Desenvolvimento Social, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social, em cumprimento às atribuições estabelecidas pela LOAS, art.19, realizou, em 2004, enquete junto a municípios para verificar a situação de implemen-tação dos benefícios eventuais no país.

Em 2009, foi realizado Levantamento nacional sobre a regulação dos benefícios even-tuais objetivando avaliar a implementá-los à luz das normativas nacionais estabelecidas em 2006 e 2007, Resolução CNAS e Decreto Federal, respectivamente.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 33

LEVANTAMENTO NACIONAL SOBRE BENEFÍCIOS EVENTUAIS: A IDEIA

Para a realização do Levantamento nacional sobre Benefícios Eventuais instituiu-se um formulário contendo 09 (nove) questões abertas e fechadas, podendo ser multi-valoradas relativas à regulação e à execução dos benefícios, em especial os referentes à natalidade e à morte, de caráter obrigatório para os municípios, e os relativos a situações de vulnerabilidade e calamidade. O formulário foi disponibilizado para os municípios, por meio eletrônico, no final do mês setembro de 2009, para preenchi-mento durante o mês de outubro.

Participaram do Levantamento nacional 4.174 municípios, o que representa cerca de 75% das cidades brasileiras. Esse percentual revelou o grande interesse dos muni- cípios pelo tema, podendo indicar a vontade destes em promover o reordenamento legal, institucional e técnico dos benefícios eventuais na efetivação dos princípios norteadores dessa provisão no campo da assistência social.

As questões buscaram apreender diversos aspectos da regulação e da oferta dos be-nefícios, tais como: se existe regulação, se está em conformidade com as normativas nacionais, de quem foi a iniciativa da regulação, quais são os instrumentos de regu-lação e as dificuldades para regular, como ocorre o financiamento do município e o co-financiamento do estado, quais são os critérios de acesso e os itens de cobertura, se os recursos para os benefícios estão previstos no orçamento, quais benefícios são oferta- dos, local onde são disponibilizados, quais são os horários de atendimento, as formas de prestação dos benefícios e as dificuldades na concessão dos benefícios.

Tais questões foram formuladas objetivando verificar a situação nacional sobre o reor-denamento legal e a implementação dos benefícios, avanços e dificuldades. Buscou-se identificar a natureza das dificuldades (de ordem política, técnica, de gestão, de concepção), com o intuito de promover um debate amplo sobre os limites que se apresentam para o reordenamento dos benefícios eventuais, bem como favorecer a definição e implementação de estratégias para seu enfrentamento.

Nesse sentido o Levantamento nacional de 2009, ao fazer uma aproximação do tema de modo mais organizado e nacionalmente instituído, apresenta avanços. Entretanto é necessário ainda estudar e analisar a contribuição desses benefícios para a qualidade de vida dos beneficiários, uma vez que colaboram para a satisfação de necessidades básicas. Tal levantamento abre novas indagações que indicam a necessidade de pros-seguir a investigação do tema na perspectiva da qualificação dos benefícios eventuais sob a ótica de direitos.

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34 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

LEVANTAMENTO NACIONAL SOBRE BENEFÍCIOS EVENTUAIS: ALGUMAS INFORMAÇõES

Entre as várias possibilidades de leitura dos dados coletados no Levantamento Na- cional, destaca-se, a seguir, algumas consideradas mais adequadas para a compreensão da atual situação da regulação e prestação dos benefícios eventuais.

O Levantamento nacional indicou que apenas 29,4% dos municípios respondentes (1.229) regulamentaram os Benefícios Eventuais segundo os parâmetros legais vigen-tes. Desse dado indica que o processo regulatório necessita ser impulsionado, pois, passados três anos da resolução CNAS e dois anos do decreto do executivo federal, o número de municípios que declararam ter constituído o marco regulatório adequado aos parâmetros nacionais é pequeno.

Tabela 1 - Situação da regulamentação dos benefícios eventuais no Município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

A regulamentação vigente atende apenas parcialmente os parâmetros da legislação especificada

679 16,3

A regulamentação vigente não está baseada nos parâmetros das legislações especificadas

264 6,3

Em processo de discussão e/ou regulamentação segundo os parâmetros das legislações especificadas 748 17,9

Não está regulamentado em ato normativo municipal, mas há previsão de recurso para a concessão na Lei Orçamentária Anual – LOA

990 23,7

Não há regulamentação em ato normativo municipal e nem previsão de recursos na Lei Orçamentária Anual – LOA

264 6,3

Regulamentado segundo os parâmetros das legislações especificadas 1.229 29,4

Total 4.174 100,0

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 35

Entre as principais dificuldades encontradas para instituir normas que regulamentem os benefícios eventuais segundo os parâmetros nacionais, destacam-se: dificuldade em transferir para outras políticas as responsabilidades antes assumidas como be-nefí- cios eventuais da assistência social (33,3%, 1.388 municípios); dificuldade em garantir recursos para a oferta dos benefícios (32,3%, 1.350 municípios); dificuldade em definir os tipos de benefícios eventuais a serem operados nos municípios (32,2%, 1.345 municípios); dificuldade jurídica (20,6%, 860 municípios) e dificuldade em obter dados que subsidiem as decisões sobre benefícios eventuais no município (18,9%, 789 municípios).

Tabela 2 - Dificuldades encontradas para instituir normas que regulamentem os benefícios eventuais

Nº de municípios Percentual (%)

Dificuldades jurídicas 860 20,6

Dificuldades com a área de contabilidade do município

398 9,5

Dificuldades políticas com o poder legislativo 445 10,7

Dificuldades políticas com outras áreas do executivo municipal 497 11,9

Dificuldade na definição dos tipos de Benefícios Eventuais a serem operados no município 1.345 32,2

Dificuldade de realizar a leitura de realidade no município 515 12,3

Dificuldade em obter dados que subsidiem as decisões sobre Benefícios Eventuais no município 789 18,9

Dificuldade na interpretação das legislações federais sobre Benefícios Eventuais 728 17,4

Dificuldade de articulação com o Conselho Municipal ou do DF de Assistência Social 178 4,3

Dificuldade em garantir recursos para a oferta dos benefícios 1.350 32,3

Dificuldade em transferir para outras políticas as responsabilidades antes assumidas como Benefícios Eventuais

1.388 33,3

Não há dificuldades 509 12,2

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36 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Os dados apresentados indicam que um número significativo de municípios respon-dentes tem dificuldade em delimitar os benefícios eventuais no campo próprio da assistência social. Pode-se atribuir isso a alguns fatores. Primeiro, é preciso reconhecer que historicamente a política de assistência social constituiu-se assumindo funções de várias políticas sociais, especialmente no que se refere às ações de proteção relacio-nadas aos pobres, atribuindo apenas à assistência social a proteção a estes. O caráter universal das políticas de saúde e educação, por exemplo, é de configuração recente. Além disso, as normativas nacionais até pouco tempo não evidenciavam suficiente-mente a caracterização dos benefícios eventuais no campo da proteção da assistência social. Debates em torno do tema, apontam que a dificuldade de transferir para outras políticas setoriais as responsabilidades antes assumidas como benefícios eventuais da assistência social é, muitas vezes, de caráter político e gerencial.

Entre as principais dificuldades encontradas na concessão dos benefícios eventuais, 81,7% dos municípios apontam a ausência de co-financiamento pelo Estado, 57,8%, o pouco financiamento municipal e 38% dos municípios responderam que se trata da recusa por parte de áreas setoriais em assumir demandas que lhes são próprias. Há ainda, como hipótese explicativa, o desconhecimento da regulação de outras políticas sociais, que em seus diversos programas preveem provisões que continuam, a despeito disto, sendo prestadas como benefícios eventuais no âmbito da assistência social.

Tabela 3 - Dificuldades na concessão dos benefícios eventuais

Nº de municípios Percentual (%)

Pouco financiamento do município 2.411 57,8

Ausência de co-financiamento do Estado 3.412 81,7

Áreas setoriais se recusam em assumir demandas que não são próprias da assistência social 1.587 38,0

É difícil romper com antigas práticas 2.249 53,9

Infraestrutura inadequada / recursos humanos insuficientes 1.305 31,3

Outros 448 10,7

Não há dificuldade 122 2,9

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 37

A tabela acima demonstra que a iniciativa da regulamentação dos benefícios eventuais no município e DF, com maior incidência, representando 33,2% dos respondentes, foi do Conselho Municipal da Assistência Social, em conjunto com o Gestor Municipal da Assistência Social o que mostra uma importante articulação destes. Em 25,2% a iniciativa foi do Gestor Municipal da Assistência Social; em 19,1% foi do Gabinete do Prefeito; em 7,3%, do Conselho Municipal de Assistência Social e 1,6%, da Câmara Municipal.

Embora sejam apresentadas dúvidas quanto ao órgão competente para regular a maté- ria, dado o disposto na LOAS sobre a prerrogativa da regulamentação da concessão e o valor dos benefícios eventuais pelos Conselhos de Assistência Social, o Levantamento nacional indica que na prática tem-se resolvido e por diferentes caminhos.

Se somados os percentuais de municípios que não alocam recursos no orçamento para os benefícios eventuais com aqueles que alocam fora do FMAS tem-se cerca de 30% dos municípios respondentes necessitando de reordenamento quanto ao financia-

Tabela 4 - Iniciativa da regulamentação dos benefícios eventuais no Município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

Câmara Municipal/Legislativa (Poder legislativo) 65 1,6

Conselho Municipal de Assistência Social 305 7,3

Conselho Municipal de Assistência Social e Gestor da Assistência Social do Município/Distrito Federal 1.386 33,2

Gabinete do Prefeito 797 19,1

Gestor da Assistência Social do Município/Distrito Federal 1.053 25,2

Não se aplica 461 11,0

Outro 107 2,6

Total 4.174 100,0

Tabela 5 - Recursos definidos no orçamento do município e DF para os benefícios eventuais

Nº de municípios Percentual (%)

Não 833 20,0

Sim. Estão alocados no Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS)

2.885 69,1

Sim, mas não estão alocados no FMAS 456 10,9

Total 4.174 100,0

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38 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

mento dos benefícios. A adequação é uma questão importante nesses dois casos para garantir um dos princípios que regem a prestação dos benefícios eventuais, que é a constituição de provisão certa para enfrentar com agilidade e presteza eventos incertos, bem como a transparência e o controle social sobre a política de assistência social.

A tabela acima indica que apenas 10,6% dos municípios respondentes recebem o co-financiamento do Estado para o financiamento dos Benefícios Eventuais e 16,7% dos municípios não recebem co-financiamento, mas o Estado está regulamentando o repasse dos recursos.

A questão do co-financiamento dos benefícios eventuais de natalidade e funeral, obrigatórios por lei, merece uma agenda de debate entre as diversas instâncias de gestão da política da assistência social.

Tabela 6 - Co-financiamento do Estado para o financiamento dos benefícios eventuais

Nº de municípios Percentual (%)

Não É desconhecida a existência de discussão pelo Estado

1.801 43,1

Não Não há previsão de regulamentação pelo Estado do co-financiamento de recursos para os Benefícios Eventuais

1.234 29,6

Não O Estado está regulamentando o repasse de recursos 696 16,7

Sim 443 10,6

Total 4.174 100,0

Tabela 7 - Situação da execução dos benefícios eventuais no município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

Execução em conformidade às diretrizes da LOAS, Decreto nº 6.307/2007 e Resolução nº 212 do CNAS

1.449 34,7

Regulamentação em conformidade às diretrizes nacionais, porém sua execução está em desacordo com as diretrizes regulamentadas

169 4,0

São oferecidos de forma integrada a outras provisões da política de assistência social e outras políticas públicas

1.383 33,1

São oferecidos de forma que garantem qualidade e prontidão de respostas aos usuários, bem como espaços para manifestação e defesa de seus direitos

1.100 26,4

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 39

A situação em que se encontra a execução dos benefícios eventuais nos municípios demonstra que, embora lento e ainda bastante parcial, há avanços importantes na provisão dos benefícios eventuais de forma alinhada aos princípios de cidadania.

Em 34,7% dos municípios, a execução está em conformidade às diretrizes da LOAS, ao Decreto 6307/2007 e à Resolução CNAS 212/2006 e 33,1% dos municípios afir-mam que os benefícios eventuais são oferecidos de forma integrada a outras provi-sões da política de assistência social e de outras políticas setoriais. A observância ao princípio de garantir a qualidade, a prontidão de respostas aos usuários, os espaços para manifestação e a defesa de seus direitos é assumida por 26,4% dos municípios e 20,3% afirma que os benefícios são constantemente divulgados e que a população sabe onde encontrá-los.

Ao que se refere à oferta dos benefícios natalidade e funeral, o Levantamento nacional trouxe as seguintes informações:

Os dados da Tabela 8 indicam que o auxílio funeral é o mais ofertado no conjunto de provisões eventuais da assistência social, estando presente em 93,5% dos municí pios, seguido dos benefícios prestados em situações de vulnerabilidade temporária, disponibilizados em 86,8% dos municípios.

Tabela 8 - Benefícios eventuais da assistência social disponíveis no Município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

Auxílio funeral 3.904 93,5

Auxílio natalidade 2.310 55,3

Benefício eventual para situação de vulnerabilidade temporária 3.624 86,8

Benefício eventual para situação de calamidade pública 2.470 59,2

Tabela 7 - Situação da execução dos benefícios eventuais no município e DF (continuação)

Nº de municípios Percentual (%)

São constantemente divulgados e a população sabe onde encontrar o serviço 848 20,3

São oferecidos de forma que não atendem ou atendem parcialmente as atuais diretrizes nacionais 842 20,2

Nenhuma das resposta acima 219 5,2

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40 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Vale destacar que, embora o benefício natalidade seja assegurado por lei, assim como o funeral, a sua oferta se dá em pouco mais da metade dos municípios, 55,3%. Faz-se necessário compreender as razões pelas quais um direito assegurado em lei não tem eficácia em boa parte do país. O fato do auxílio para sepultamento ser historicamente mais demandado junto ao poder público ou a qualquer outra instância para além da família, parece explicar em parte ser o benefício funeral o mais institucionalizado na atualidade.

Verifica-se pela Tabela acima que a faixa de valor de maior incidência do benefício funeral ofertado situa-se entre ½ e 1 salário mínimo em 46,0% dos municípios, se-guida pela faixa de valor fixado em até ½ salário mínimo, 26,6%. Constata-se, assim, que 72,6% dos municípios respondentes prestam o benefício em valores inferiores a 1 salário mínimo.

Ressalta-se que nenhuma normativa de âmbito nacional estipula o valor dos benefí-cios eventuais por nascimento ou morte. A Resolução CNAS nº 212/2006, em seus artigos 6º e 9º, contudo, estabelece que o benefício ofertado em forma de pecúnia deve ter como referência o valor que cubra as despesas necessárias no padrão de qualidade que garantam a dignidade e o respeito à família beneficiária. Os benefícios ofertados em bens de consumo ou prestação de serviços devem suprir o custeio de itens necessários, a fim de reduzir a vulnerabilidade provocada por nascimento ou morte de membro da família.

Tanto a Resolução CNAS nº 212/2006, como o Decreto 6307/2007, indicam os itens que devem ser abarcados pelos benefícios eventuais estabelecendo um patamar de integralidade das despesas assumidas. Entretanto, a indicação pelos municípios dos itens que têm cobertura com o auxílio funeral foi a seguinte: urna funerária, 95,1%; necessidades urgentes da família, 54,4%; sepultamento, 53,4%; velório, 41,3%. É, pois, importante avaliar se os valores fixados para os benefícios ou os itens custeados atendem efetivamente e de forma digna e cidadã as necessidades a que se destinam.

Tabela 9 - Faixa de valor do benefício funeral

Nº de municípios Percentual (%)

Até ½ salário mínimo 1.038 26,6

Entre ½ e 1 salário mínimo 1.795 46,0

Entre 1 e 2 salários mínimos 924 23,7

Mais de 2 salários mínimos 147 3,8

Total 3.904 100,0

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 41

A Tabela 10 indica que 55,3% dos municípios respondentes na prestação do benefício funeral adotam somente a forma de distribuição de bens. Em proporção bem menor, 18,7% e 18,6% estão os grupos de municípios que optam pela oferta em forma de transferência monetária e ou então utilizam as múltiplas formas.

A Tabela 11 demonstra que o valor do benefício natalidade com maior incidência está na faixa de até ½ salário mínimo, o que corresponde a 53,4% dos municípios respon-dentes, seguido da faixa de ½ a 1 salário mínimo, 36,5%. Somando-se as duas faixas de maior incidência temos 89,9% dos municípios ofertando o benefício em valor abaixo de 1 salário mínimo, percentual mais elevado que o do benefício por morte.

Tabela 10 - Forma de oferta do benefício funeral

Nº de municípios Percentual (%)

Em forma de transferência monetária, distribuição de bens e ressarcimento 725 18,6

Somente na forma de distribuição de bens 2.160 55,3

Somente na forma de ressarcimento 289 7,4

Somente na forma de transferência monetária 730 18,7

Total 3.904 100,0

Tabela 11 - Faixa de valor do benefício de natalidade

Nº de municípios Percentual (%)

Até ½ salário mínimo 1.233 53,4

Entre ½ e 1 salário mínimo 843 36,5

Entre 1 e 2 salários mínimos 196 8,5

Mais de 2 salários mínimos 38 1,6

Total 2.310 100,0

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42 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Observa-se na Tabela 12 que a distribuição de bens é a forma principal que 75,3% dos municípios respondentes adotam na prestação do benefício natalidade, incidência ainda maior que na prestação do benefício por morte.

A preferência pela forma de distribuição de bens na oferta dos benefícios eventuais natalidade e funeral reforça a necessidade de abrir espaço para o debate trazido por setores que reputam a esse formato do benefício um caráter restritivo de direitos.

A Tabela 13 indica que o critério de definição do público para acesso aos benefícios eventuais com maior incidência nos municípios respondentes, 54,4%, é a prioridade para o público do Programa Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e de outros programas de assistência social. Tal dado permite inferir que não há uma definição rígida quanto à renda per capita para acesso aos benefícios, já que esse critério é variável entre os programas sociais.

Tabela 12 - Forma de oferta do benefício natalidade

Nº de municípios Percentual (%)

Em forma de transferência monetária, distribuição de bens e ressarcimento 389 16,8

Somente na forma de distribuição de bens 1.739 75,3

Somente na forma de ressarcimento 29 1,3

Somente na forma de transferência monetária 153 6,6

Total 2.310 100,0

Tabela 13 - Critérios de definição do público para acesso aos benefícios eventuais

Nº de municípios Percentual (%)

Renda per capita: Menor que ¼ de salário mínimo 1.050 25,2

Renda per capita: Entre ¼ e ½ salário mínimo 1.901 45,5

Renda per capita: Acima de ½ salário mínimo 341 8,2

Prioridade para público do Bolsa Família, BPC e outros programas de assistência social 2.272 54,4

Outro 517 12,4

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 43

Dos municípios respondentes 45,5% consideram a faixa entre ¼ e ½ salário mínimo de renda per capita como critério para acesso aos benefícios eventuais.

Vale ressaltar que a LOAS estabelece a renda per capita de menos de ¼ do salário mí-nimo para a prestação dos benefícios por nascimento e morte, embora a Resolução CNAS nº 212/2006, em seu art. 17, indique a possibilidade de adoção de renda per capita igual ou superior a ¼ do salário mínimo.

Verifica-se que o local de oferta do serviço de concessão do benefício natalidade com maior incidência nos municípios respondentes, 67,9%, ocorre na sede do órgão gestor da Assistência Social.

Tabela 14 - Local de oferta do serviço de concessão do benefício natalidade no município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

No Centro de Referência da Assistência Social - CRAS 1.012 43,8

No Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS 44 1,9

Na sede do órgão Gestor da Assistência Social 1.569 67,9

Em instituição da rede de assistência social ou órgão conveniado/contratado. 85 3,7

Outro órgão da assistência social 79 3,4

Em forma de contrato/convênios com fornecedores 39 1,7

Em outro órgão da prefeitura vinculado a outra área setorial 194 8,4

Tabela 15 - Local de oferta do serviço de concessão do benefício funeral no município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

No Centro de Referência da Assistência Social - CRAS 1.026 26,3

No Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS 58 1,5

Órgão Gestor da Assistência Social 2.906 74,4

Em instituição da rede de assistência social ou órgão conveniado/contratado. 82 2,1

Outro órgão da assistência social 83 2,1

Em forma de contrato/convênios com fornecedores 455 11,7

Em outro órgão da prefeitura vinculado a outra área setorial 487 12,5

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44 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Verifica-se, por meio dos dados da Tabela 15, que o local de oferta do serviço de concessão do benefício funeral com maior incidência nos municípios respondentes, 74,4%, ocorre no órgão gestor da Assistência Social.

O local de prestação dos benefícios eventuais natalidade e funeral, bem como os relacionados a vulnerabilidades temporárias, tem sido motivo de debate entre gesto- res. Alguns entendem que o CRAS não é o local apropriado. Essa questão remete ao debate de alguns quanto ao lugar do “plantão social” na política de assistência social e sua relação com os benefícios eventuais em parte ou no todo. Esse tema integra a agenda de debates do MDS/ SNAS.

Tabela 16 - Itens de cobertura como benefícios eventuais para situação de vulnerabilidade e risco no município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

Fotos, segunda via de documentos 2.702 74,6

Agasalho, vestuário, cobertores, móveis, colchões, utensílios domésticos 2.546 70,3

Pagamento de taxas, contas de água, energia elétrica e gás 1.302 35,9

Geração de emprego e renda 1.418 39,1

Aparelhos ortopédicos, órteses, próteses, óculos, dentadura 2.044 56,4

Apoio financeiro para tratamento de saúde fora do município, do DF 1.798 49,6

Cadeira de rodas, muletas 1.863 51,4

Fraldas geriátricas 2.183 60,2

Pagamento de exames médicos 1.781 49,1

Medicamentos 2.157 59,5

Transporte de doentes 2.125 58,6

Ajudas técnicas, tecnologia assistiva para pessoa com deficiência 817 22,5

Auxílio Alimentação 1.233 34,0

Cesta básica 3.304 91,2

Leite em pó, dietas especiais 2.011 55,5

Auxílio construção 2.092 57,7

Pagamento de aluguel 1.173 32,4

Uniforme, material escolar 1.241 34,2

Passagens 2.943 81,2

Material esportivo 985 27,2

Outros 816 22,5

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 45

Os dados acima reforçam a análise anterior quanto à dificuldade de delimitar o campo de atuação da assistência social no tocante à oferta dos benefícios eventuais. Observa-se que, entre os diversos itens agrupados por tipo de benefício, há vários de responsabilidade da política de saúde, tais como: aparelhos ortopédicos, órteses, próteses, óculos, dentadura, medicamentos, cadeira de rodas, muletas, dietas especiais e da política de educação (uniforme e material escolar). Há os benefícios relativos à moradia (aluguel e auxílio construção) que em muitos municípios são prestados no contexto da política de habitação.

É necessário e urgente que a política de assistência social reveja a provisão daquilo que é de competência da política de saúde. Vários itens vinculados a essa política são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como parte integrante de um conjunto de ações promotoras de saúde, prescritas por profissionais da área. O me-dicamento que porventura é fornecido pela assistência social foi prescrito mediante avaliação médica e sua utilização deve ser acompanhada por esse profissional. A indi-cação de órteses e próteses é também realizada, por profissionais da saúde e deve ser apropriada a cada indivíduo segundo suas necessidades, bem como articulada com ações de reabilitação. Fornecimento de preparados para dietas especiais está ligado a programas de nutrição a cargo de profissionais da saúde. O fornecimento de medica-mento e outros itens de cuidados da saúde pela assistência social é um desvio da ordem das coisas. Além de extrapolar as competências da política e as atribuições e aptidões do profissional, pode implicar em fator de risco para o beneficiário e onera recursos da assistência social que poderiam estar atendendo a outras necessidades sociais.

Entre os benefícios eventuais relativos às vulnerabilidades temporárias da assistência social, destacam-se as cestas básicas: 3.304 municípios representando 91,2% dos res- pondentes a utilizam. Esse dado não permite analisar a forma com que esse benefício é prestado e se a maior incidência ocorre em momentos de calamidade pública, ou se reflete o cotidiano das práticas institucionais de prestação dos benefícios eventuais. Historicamente, é uma das maiores expressões de práticas de paternalismo utilizadas na assistência social, quando nessa trajetória foi operada como benesse e não como direito. Dessa forma, sua implementação esteve dissociada de outras ações de pro-teção social da assistência social e de outras políticas, não compondo um conjunto integrado e articulado de proteções. Nessa perspectiva, a prestação desse benefício assistencial ocorre sob forma de distribuição de gêneros alimentícios, muitas vezes de forma massiva e destacada politicamente por personalidades e/ou autoridades em locais públicos, em meio a eventos, tornando a prestação desse benefício que é direito, como um grande evento merecedor de destaque e reconhecimento públicos.

O debate sobre a concessão de cestas básicas ganha novos contornos na atualidade com o reconhecimento da alimentação como direito. No Brasil, foi aprovada, em 15 de setembro de 2006, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei Federal nº 11.346), que prevê o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional

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46 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

(SISAN). Nesta direção o Governo Federal possui inúmeros programas relacionados à temática da alimentação e nutrição, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome possui a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), responsável por formular e implementar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, promover e coordenar programas do Governo Federal nesta área. Essa Secretaria coordena e apoia tecnicamente e financeiramente inúmeros programas e projetos em estados e municípios brasileiros. Além dessas ações, há o Programa Bolsa Família do governo federal que transfere renda para 12.370.915 famílias (dez/2009) e que, comprovadamente, vem contribuindo com a redução da miséria.

Essas e outras ações compõem o Programa Fome Zero do atual governo, que reflete os esforços de governos federal, estadual e municipal, e da sociedade, para o enfren- tamento da questão social da fome.

Esse conjunto de ações que colocam a questão da fome em um novo patamar nos leva a indagar se existem tantas iniciativas para combater a fome, por que a prestação de cestas básicas ainda se configura como a modalidade de benefício eventual mais utilizada na política de assistência social? Por que os programas/projetos sociais ain-da não alcançaram a universalidade necessária para atender a todos que necessitam? Existe o interesse em romper com as práticas clientelistas e paternalistas associadas à prestação desses benefícios eventuais? A implementação de ações articuladas no campo da assistência e de outras políticas não logrou o avanço necessário?

As provisões da área da saúde, educação, habitação e outras constam de normativas e programas dessas políticas. A SNAS visando contribuir com difusão de alternativas de atendimento está disponibilizando no site eletrônico do MDS informações sobre essas provisões no âmbito de cada política.

Os dados da Tabela 17 apresentados indicam a participação da política de assistência social em situações de calamidade. Observa-se que 58,6% dos municípios respon-

Tabela 17 - Oferta de Benefícios Eventuais em situações de calamidade pública

Nº de municípios Percentual (%)

Assistência social não oferta nenhum benefício nas situações de calamidade 57 2,3

Não está regulamentada como benefício eventual a oferta de benefícios pela assistência social em situações de calamidade

965 39,1

Sim 1.448 58,6

Total 2.470 100,0

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 47

dentes ofertam benefícios eventuais em situações de calamidade, entretanto, 39,1% dos municípios não regulamentaram a participação da assistência social, por meio dos benefícios eventuais, em situações de calamidade.

Verifica-se, pelos dados acima apresentados, que é diversificada a atuação da política de assistência social em situações de calamidade pública. Entre os vários aspectos re-levantes nesta área para serem trazidos a debates, destaca-se a relação da prestação de benefícios eventuais com os serviços de proteção especial relacionados à calamidade pública constante da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009) no sentido de propiciar a devida articulação entre serviços e benefícios, conforme preconiza o Protocolo de Gestão Integrada de Serviços e Benefícios.

As informações referentes à existência de serviços ligados à defesa civil e à sua rela-ção com ações e provisões da política de assistência social também merecem debate por parte dos profissionais e gestores da área de assistência social. Há indicativo de que as competências das áreas carecem de precisão. Dos municípios respondentes, 48,7% mencionaram que em situações de calamidade é a Defesa Civil que coordena as ações.

Tabela 18 - Forma de atuação da Assistência Social nas ações de calamidade pública

Nº de municípios Percentual (%)

Ações de triagem, informação, encaminhamento, identificação e orientação 2.138 86,6

Oferta de suprimentos necessários à sobrevivência das famílias 2.147 86,9

Serviços ou recursos para abrigamento 1.434 58,1

Articulação/coordenação das ações de várias áreas 1.491 60,4

Realizar levantamento socioeconômico 1.850 74,9

Destaque de orçamento para ações de calamidade 590 23,9

Outros 92 3,7

Tabela 19 - Existência de serviço de Defesa Civil estruturado no município e DF

Nº de municípios Percentual (%)

Não 1.268 51,3

Sim. E nas situações de calamidade ou emergência é a defesa civil que coordena as ações 1.202 48,7

Total 2.470 100,0

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48 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Ao longo das exposições sobre os achados do Levantamento nacional, muitas ques-tões foram colocadas, instigadas pelos próprios dados, que fornecem uma visão panorâmica do processo de reordenamento da provisão dos benefícios eventuais, mostram avanços, apontam dificuldades, mas não dão conta da riqueza das nuances que permeiam esta matéria. Há um evidente movimento para uma regulamentação adequada dos benefícios eventuais, quase 30% dos municípios já o fizeram, 18% está em processo de discussão. Nota-se que o processo é lento, mas está acontecendo. E para além dos desafios de regulamentação, 53,9% dos municípios afirmaram que, entre as principais dificuldades encontradas na concessão dos benefícios eventuais, está a de romper com antigas práticas.

BENEFÍCIOS EVENTUAIS: UMA AGENDA URGENTE E NECESSÁRIA

O aprofundamento do debate sobre concepção e prática da prestação dos benefícios eventuais é urgente e necessário para que sejam consolidados no âmbito do sistema de proteção da assistência social, o SUAS.

Para fomentar o debate, a SNAS propõe uma agenda para 2010 que inclui a realização de levantamento sobre a regulamentação do co-financiamento dos Benefícios Eventuais pelos estados, disponibilização de espaço virtual para veiculação de perguntas e respostas sobre dúvidas e questões recorrentes sobre os Benefícios Eventuais e a organização de fóruns de discussão, para os quais foram selecionados alguns temas, com vistas ao aperfeiçoamento da prestação dos benefícios eventuais, da concepção, organização, gestão e prática dos bene-fícios eventuais:

• provisões e local da oferta dos Benefícios Eventuais no âmbito da Proteção Social Básica e Proteção Social Especial;

• co-financiamento dos Benefícios Eventuais pelos Estados (critérios de partilha, forma de repasse e alocação dos recursos, itens de financiamento, relação com o atendimento a situações de calamidade, etc);

• forma de acompanhamento da regulamentação municipal dos Benefícios Eventuais pelos Estados e Conselhos;

• transferência do atendimento das demandas referentes às políticas de educação, saúde e habitação, de forma articulada, para os órgãos de cada área correspondente; e

• relação entre Benefícios Eventuais e a concessão de cestas básicas no contexto da Lei nº 11.346 de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN).

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 49

O debate está posto e é necessário apropriar-se dessas reflexões para haver avanços na prestação do benefício eventual na perspectiva de direitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 6307, de 14 de dezembro de 2007. Dispõe sobre os benefícios eventuais de qua trata o art. 22 da Lei nº8742, de 7 de dezembro de 1993. Brasília, 2007

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências. Brasília, 1993.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Na-cional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social PNAS2004: Norma operacional básica NOB SUAS. Brasília: MDS; SMAS, 2005.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 212 de 19 de outubro de 2006. Propõe critérios orientadores para a regulamentação da provisão de benefícios eventuais no âmbito da política pública de assistência social. Brasília, 2006.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução CIT nº 7, de 10 de setembro de 2009. Protocolo de gestão integrada de serviços, benefícios e transferência de renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Brasília, 2009.

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50 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 51

4 . A TRAVESSIA DO SUAS: UM OLHAR SOBRE OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS EM MARACANAÚ-CEARÁ

Iêda Maria Nobre de Castro1

Desde 2005, inaugurou-se no país um processo desencadeador de uma nova cultura institucional sobre a ação dos governos no campo da assistência social. O ordenamento jurídico constitucional (1988), que instituiu o já conhecido tripé da seguridade so-cial: Saúde, Previdência e Assistência Social, associado à Lei Orgânica da Assistência Social (1993), deu o status legal necessário ao reconhecimento da Assistência Social como uma política pública. Entretanto, é o advento da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (2005) que cria, concretamente, as condições administrativas e operacionais à sua efetividade enquanto política pública, de caráter estatal, não contributiva e universalista.

Nesse novo ordenamento jurídico-legal, a assistência social se inscreve no campo da efetivação dos direitos sociais como uma política setorial, afiançadora da proteção social e da segurança de cobertura de determinadas necessidades sociais. Deve ser, portanto, assegurada na forma de um sistema unificado com a oferta de serviços, benefícios, programas e projetos organizados em dois níveis de proteção: básica e especial. Esses dois níveis são pautados em um conjunto de princípios e diretrizes de caráter nacional, com a devida distribuição de competências entre as três esferas de governo.

O redesenho do novo modelo de atendimento, o SUAS, traz importantes e significa-tivas inovações no campo das políticas públicas. Sob a lógica do Direito, rompe com a perversa dinâmica da oferta de serviços centrados na total tutela do Estado sobre os desprotegidos e na concessão de benefícios caritativos aos mais pobres.

Com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), propõe-se uma nova cultura organizacional, cuja oferta do serviço se dá com base em uma ação planejada do Estado, na perspectiva da materialização de direitos, com foco na participação direta dos usuários. Trata-se de uma política ativa, capaz de re-significar a vida, a dignidade e a resistência necessárias à conquista da emancipação humana (SPOSATI, 2001).

Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas.

Mario Quintana

1 Secretária de Assistência Social e Cidadania de Maracanau/CE; Presi-dente Coegemas – CE; Articuladora da Região Nordeste do Congemas.

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52 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Para Marx (2000), a nova política consiste em converter o homem individual real no homem genérico, que reconhece e organiza suas próprias forças como forças sociais transformadas em força política.

Em consonância com esse ponto de vista, Porto (2001) menciona o potencial estraté-gico que as políticas sociais possuem, na medida em que podem garantir as condições sociais de vida favoráveis ao acúmulo de forças da classe trabalhadora na conquista do poder político. Na análise desse autor (2001), não haveria outra orientação, senão a adoção de políticas sociais plenas capazes de impulsionar a construção de outra ordem societária no país. Sob essa direção, a política de assistência social inova na valorização da vida coletiva, sem perder a referência da singularidade humana.

Ao adotar que a provisão dos serviços socioassistenciais deve estar fundamentada nas matrizes conceituais, a saber: abordagem familiar, territorialidade, vida comunitária, intersetorialidade, entre outras, o novo modelo se propõe a romper com a oferta de serviços por segmento, sugerindo que se contextualizem os indivíduos, considerando as diferentes manifestações da questão social.

O cidadão real passa a ser reconhecido em uma dada situação espacial, onde estabelece vínculos de pertencimento. “Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território” (SANTOS, 2007, p.107). Há um resgate da valorização dos espaços de convívio comunitário, enquanto possibilidade de organização e mobilização à vida coletiva. Admite-se que a viabilidade da proteção social está relacionada à capacidade de articulação das várias políticas e das redes sociais em cada comunidade.

A garantia de seguranças sociais de acolhida, convívio, desenvolvimento da autonomia, rendimentos e sobrevivência em riscos circunstanciais devem constituir o conteúdo específico da política de assistência social. Trata-se, portanto, de uma nova cultura institucional no campo da assistência social, que traz, em sua interioridade, a marca da resistência e da disputa de projetos societários, característica de uma sociedade de classes determinada pela acentuada desigualdade social. No entanto, historicamente, vem sendo objeto de uma ação estatal fragmentada, pontual, com forte viés assisten-cialista e clientelista.

Nesse contexto, surgem novos arranjos organizacionais, novas linguagens, com a requisição de novos saberes, novas competências, habilidades, posturas e atitudes profissionais. Aos operadores diretos da política e demais agentes sociais e políticos, são postos novos desafios.

Aos trabalhadores, cabe instrumentalizar-se para fazer a mediação teórico/prática necessária à concretude dos direitos socioassistenciais, rompendo de vez com os es-tigmas que associaram historicamente a assistência social à caridade e à benemerência.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 53

Caso contrário, os direitos socioassistenciais poderão estar limitados à mera retórica. Afinal, a materialidade da política de assistência social dar-se-á com base na oferta de serviços de qualidade e quantidade, capazes de assegurar aos trabalhadores a devida condição de direito social.

Aos demais agentes sociais e políticos, há o desafio de ampliação dos espaços públicos e o devido empoderamento para serem capazes de produzirem novos direitos, além de assegurar direitos já conquistados.

O horizonte que se descortina sinaliza para o abandono das concepções que davam sustentação à cidadania passiva, a fim de avançar em direção a um projeto de eman-cipação humana protagonizada pela classe trabalhadora.

Pode-se afirmar que o processo de implantação do Sistema Único de Assistência So-cial, ao longo dos últimos cinco anos, vem causando os fenômenos de efervescência social impulsionador de processos inovadores nos governos e de transformação social em muitos municípios brasileiros.

Aos gestores municipais, cabe a tarefa de promover o reordenamento institucional e organizacional local, adequando-se ao novo modelo assistencial. Entre as medidas bá-sicas requeridas da habilitação, registram-se a existência de Planos Municipais, Fundos Municipais de Assistência Social e Conselhos Municipais de Assistência Social.

Tornam-se cada vez mais complexas as exigências feitas aos órgãos gestores da po-lítica de Assistência Social. Inseridos em um contexto administrativo marcado pela burocratização, centralização e verticalização nas decisões, características que são peculiares no modelo conservador de administração pública ainda muito presentes, os gestores são desafiados à reinvenção dos ambientes organizacionais, tornando-os mais flexíveis frente às inovações e sujeitos a frequentes mudanças decorrentes da implantação e da consolidação do SUAS.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2008), órgão gestor da política na esfera federal, reconhece a necessidade de enfrentar os desafios que se colocam à construção de uma nova identidade dos trabalhadores e dos gestores da assistência social. Aos trabalhadores, são requeridos: comprometimento com as relações democráticas, com a afirmação de direitos e com processos emancipatórios da população. Todos são convidados à criatividade e à reinvenção do fazer cotidiano, dotando-se de atitudes empreendedoras e transformadoras.

Aos gestores, em particular, são muitos os desafios, tais como: ampliação dos recursos para o setor; racionalização dos gastos; eficácia na cobertura da oferta dos serviços; estruturação da rede socioassistencial; tomada de decisão pautada nas necessidades sociais locais e nas discussões com os usuários da política; e criação de mecanismos

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54 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

locais de participação. Cabe-lhes a produção de gestões voltadas ao bem-estar dos cidadãos e à qualidade no atendimento socioassistencial.

Utilizando-se do termo Travessia, metáfora utilizada por Giddens (1991) para designar a condição histórica de transição e de desconforto do homem pós-moderno, propõe-se, nesse artigo, uma abordagem do processo histórico de implantação do SUAS no município de Maracanaú no Ceará.

O CENÁRIO LOCAL

Em Maracanaú, município de grande porte, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, habilitado em gestão plena, o processo de implantação do Sistema Único de Assistência Social tem se dado a muitas mãos. Trata-se de uma construção coletiva envolvendo diferentes atores em diferentes espaços organizacionais, a saber: o poder público representado pelo órgão gestor da política de assistência social, a Secretaria de Assistência Social e Cidadania e demais secretarias, os conselhos instituídos, enti-dades comunitárias, empresas privadas representadas pela Associação das Empresas dos Distritos Industriais do Ceará e outros agentes sociais e políticos.

A Secretaria nasceu em 2005, juntamente com a Norma Operacional Básica, que fez o redesenho do novo modelo de atendimento. Sua estrutura organizacional, hori-zontalizada, foi pensada à luz do novo paradigma e sua dinâmica organizacional se dá em um diálogo constante com todas as forças sociais presentes no município. O clima organizacional está em permanente tensão, decorrente das frequentes mudan-ças requeridas pela diversidade dos territórios. As vulnerabilidades e os riscos sociais identificados como expressão da mesma questão social manifestam-se, diferentemente, peculiares em cada contexto local.

Trata-se de um município, com mais de 200.000 habitantes distribuídos em menos de 100 quilômetros quadrados. É uma cidade com traços multiculturais, resultante do processo de urbanização da década de 70, que se tornou um aglomerado de conjuntos habitacionais no entorno do distrito industrial, de modo que comporta 120 indústrias hoje. Com acen-tuada concentração de renda, tem-se o registro de 36.000 famílias identificadas na linha da pobreza, das quais 21.000 são beneficiárias dos programas de transferência de renda da assistência social, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada.

Ao instituir o novo modelo de atendimento, rompeu-se imediatamente com o movimento de promoção social e com a entidade civil sem fins lucrativos, que gerenciavam os recursos destinados à Assistência Social, integrando a política à ação direta do Estado. Hoje, as ações estão claramente definidas em serviços, benefícios e projetos, pautados em regras claras, com base em diagnóstico social territorial, produzindo e sistematizando informações, monitorando os resultados; fatores que demonstram mudanças gerenciais no modelo de atendimento.

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A maior novidade está na sua dinâmica organizacional. Há um intenso e permanente diálogo com as demais secretarias, principalmente, com as de saúde, educação, meio ambiente, esporte, habitação exigindo inclusive um novo arranjo organizacional em suas estruturações.

Muitas são as evidências de que as inovações no processo de gestão social tiveram significativos rebatimentos na cultura política local. É perceptível a repercussão que essas mudanças tiveram na capacidade operativa dos servidores, que se veem divididos entre a exigência de respostas imediatas às sempre urgentes demandas dos usuários e o planejamento e a execução de ações transformadoras adequadas às necessidades dos diferentes territórios.

Mais que um novo modelo meramente gerencial no trato da coisa pública, os desafios da prática cotidiana na gestão da implantação do SUAS sinalizam novas posturas e atitudes, requerendo dos gestores públicos capacidades criativas e habilidade teórica e política para discutirem e negociarem viabilidades com múltiplos atores sociais envolvidos.

O controle social, na medida em que se viabiliza o alargamento dos espaços públicos, em decorrência dos debates e conversas, com diferentes sujeitos políticos na cons-trução do consenso necessário à estruturação e à consolidação do novo modelo de atendimento socioassistencial, ganha solidez e legitimidade.

AS PRIMEIRAS RUPTURAS: A NORMATIZAÇÃO DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS EVENTUAIS

O primeiro passo, provavelmente, o mais significativo já havia sido dado. Quando o município aderiu ao SUAS, no início de 2005, rompeu de vez com a herança do modelo de atendimento centrado na figura da Primeira Dama, expresso no Movimento de Promoção Social, até então, o executor direto da política de assistência social no município.

Para gerir a política de assistência social havia, ao final de 2004, uma Coordenadoria de Ação Social, parte integrante da então chamada Secretaria de Saúde e Ação Social. A herança dessa engenharia foi uma diversidade na tipologia dos benefícios criados para prover as necessidades de saúde, de saneamento, de moradia e algumas outras de natureza socioassistencial.

Como não havia regulação sobre os critérios de acesso e concessão desses benefícios, por todo o ano de 2005, restringiu-se a oferta dos seguintes benefícios: transporte para tratamento de saúde, urna funerária, cesta básica, leites especiais, carro de mudança, limpa-fossa e benefícios de suporte à defesa civil, tais como: lona, botas, rede de dormir, lençóis, colchões, roupas, etc. No relatório de gestão de 2005, há o registro da concessão de 1.029 benefícios.

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56 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Persistia muito forte a ênfase na concessão de benefícios. No município, havia apenas um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e a inexistência de norma-tização sobre a concessão dos benefícios eventuais, além de fragilizar a estruturação do SUAS, tornava a ação profissional exposta ao imediatismo e à pressão política de agentes sociais locais.

Até então a única referência legal que se tinha para a concessão de benefícios era a Lei Orgânica de Assistência Social, a qual é insuficiente para o enfrentamento da cultura conservadora no modelo de atendimento socioassistencial, até então vigente.

O segundo passo foi dado em 21 de dezembro de 2005, quando o Conselho Mu-nicipal, fundamentado no Inciso I, Art. 15, da Lei Orgânica da Assistência Social, conjugado com a Lei Municipal nº628/98, tomou a iniciativa de estabelecer critérios gerais e específicos para a concessão de benefícios eventuais para o exercício de 2006, por meio da Resolução CMAS nº 20/2005.

O processo se deu com base em muita discussão no interior do Conselho. Foi deci-dido que os benefícios que até então vinham sendo garantidos não poderiam deixar de ser ofertados, evitando-se, assim, prejuízos à população.

A Resolução nºCMAS 20/2005, portanto, traz poucos avanços. Agrupa os benefícios que vinham sendo concedidos em conformidade com a sua natureza, determina seus objetivos, estabelece critérios de acesso, conforme se pode perceber no quadro que se segue:

Tabela 20 - Caracterização dos benefícios e critérios de acesso - 2006

I - BENEFÍCIOS DE SEGURANÇA ALIMENTAR

Benefício Objetivo Critérios

Leites especiais Complementar alimentação para pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, documentação civil, parecer médico e avaliação nutricional

Cesta básica Assegurar suplementação alimentar para pessoas em situação de vulnerabilidade temporária

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, documentação civil, avaliação social e/ou parecer nutricional

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Tabela 20 - Caracterização dos benefícios e critérios de acesso - 2006 (continuação)

II – APOIO Á REABILITAÇÃO E MOBILIDADE

Benefício Objetivo Critérios Óculos de grau Viabilizar o acesso à melhoria da

acuidade visualComprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, docu-mentação civil e requisição médica atualizada até três meses antes da solicitação

Cadeira de roda, muletas, bengalas

Viabilizar a mobilidade das pessoas com deficiência definitiva ou temporária

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, documentação civil e requisição médica, indicando a necessidade e as devidas especificações

III – APOIO À HABILITAÇÃO E REABILITAÇÃOColchão d’água, caixa de ovo e fraldas geriátricas

Fornecer equipamentos médico/hospitalar para usuários acamados e/ou tratamento médico prolongado no domicílio

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, docu-mentação civil e requisição médica

IV – APOIO AO ACESSO À SAÚDETransporte para tratamento médico

Garantir o acesso ao tratamento de saúde, desde que não necessite de aparato de monitoramento, com direito a acompanhante quando necessário

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, docu-mentação civil e requisição médica

V – APOIO À MOBILIDADEPassagens terrestres e/ou aéreas

Garantir acessibilidade de cidadãos que necessitam deslocar-se em decorrência da vulnerabilidade ou de risco social

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, docu-mentação civil e parecer social

Transporte para mudanças

Efetuar mudanças para novo domicílio de famílias em situação de vulnerabilidade e/ou risco

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, docu-mentação civil e parecer social

VI – BENEFÍCIOS SÓCIO-ASSISTENCIAISAuxílio funeral Assegurar auxílio funeral: urna,

traslado, sepultamento e atestado de óbito

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, documentação civil e declaração de óbito

VII – ACESSO AÇÕES COMPLEMENTARES SÓCIO-AMBIENTAISLimpa-fossa Viabilizar o acesso a serviços de

limpeza hidro-sanitária das famílias em situação de vulnerabilidade, reduzindo agravos

Comprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo, docu-mentação civil e parecer social

VIII – ACESSO CIDADANIA CIVILCertidões/ documentos Assegurar documentação

indispensável ao acesso a direitosComprovante de residência, renda per capita 1/5 salário mínimo

Fonte: Anexo da Resolução CMAS nº20/2005, 21 de dezembro de 2005.

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58 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Em seu primeiro esforço de regulação dos benefícios eventuais, com base em um consenso estabelecido entre os membros integrantes do CMAS, registram-se alguns avanços, a saber:

1. A porta de entrada para solicitação dos benefícios passou a ser os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), assim, foi desconcentrado do gabinete da Secretaria;

2. A definição da renda de ½ salário mínimo per capita adequada aos critérios do Cadastro Único (CadÚnico);

3. Caracterização dos benefícios, com respectivos objetivos e especificações, permitindo uma maior clareza sobre a sua natureza, identificando, inclusive a necessidade de ampliação do debate sobre o serviço de atenção à saúde das pessoas com deficiência.

Após esse primeiro ensaio de regulamentação dos benefícios eventuais, registrou-se, em 2006, a concessão de 11.901 benefícios eventuais.

Durante 03 anos, foram muitos os embates e discussões conjuntas com os gestores da saúde, meio ambiente, habitação e secretaria de governo, para que as demais políticas assumissem os benefícios de competências de outras políticas.

Instrumentalizados pela Resolução nº212/2006 do CNAS, conseguiu-se, ainda naquele ano, pactuar no âmbito municipal, a transferência do benefício “transporte de pacientes” para a Secretaria de Saúde do Município. Além disso, as atividades de socorro às vítimas de enchentes passaram a se constituir atribuições da Coordenaria Municipal de Defesa Civil, criada por meio de uma forte articulação com a Secretaria de Governo e com o Gabinete do Prefeito. À Assistência Social, ficou a competência de acompanhar as famílias em situação de risco social, garantindo-lhes abrigo tem-porário, quando necessário.

OS AVANÇOS SE CONSOLIDAM: SERVIÇOS X BENEFÍCIOS

O Decreto nº 6307, de 14 de dezembro de 2007, em seu artigo 9º, diz que: “as pro-vidências relativas a programas, projetos, serviços benefícios diretamente vinculados ao campo da saúde, educação, integração nacional e demais políticas setoriais não se incluem na modalidade benefícios eventuais da Assistência Social”. Com base nesse artigo e nas normas do Sistema Único de Saúde (SUS), a respeito da Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, Portaria nº 1060, de 05 de junho de 2002, do Ministério da Saúde, a Assistência Social obteve sua maior e mais difícil batalha: ter migrado para a Secretaria Municipal de Saúde os benefícios de órtese e prótese.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 59

As dificuldades geradas pela incompreensão dos gestores das demais políticas setoriais, associadas à cultura política conservadora de ajuda aos pobres foram os principais obstáculos a serem superados. Mas a articulação, a mobilização e o domínio sobre o conjunto de leis que normatizam os direitos sociais foram os fatores desencade-adores de todas as mudanças até aqui empreendidas. Nesse processo, o Decreto Federal mencionado foi um importante instrumento jurídico legal nas discussões e negociações.

O resultado concreto da normatização e dessas negociações aparece no relatório de gestão de 2009, que registra uma redução de 80% na concessão de benefícios pela Assistência Social desde 2006.

Protagonista nesse processo histórico, o Conselho Municipal de Assistência Social, considerando as orientações nacionais constantes no novo arcabouço jurídico legal sobre benefícios eventuais, deliberou sobre alterações acerca da redefinição de critérios de concessão de benefícios socioassistenciais no âmbito do SUAS.

Em 10 de novembro de 2009, conforme artigo 1º. da Resolução nº 09/2009, o CMAS resolve restabelecer a natureza, objetivos, características e estratégias de atendimento dos benefícios eventuais, constantes na Resolução anterior.

A atual Resolução regula os seguintes benefícios socioassistenciais:

1. Auxílio natalidade – oferta de bens de consumo (enxoval do recém-nascido e da gestante, compreendendo vestuário, utensílios para alimentação e higiene), com base nas seguintes condições: atenção necessária ao nascituro, apoio à mãe no caso de morte do recém-nascido e apoio à família no caso de morte da mãe. Atendimento realizado no CRAS, localizado no território de abrangência da família.

2. Auxílio Funeral – oferta de serviço funerário completo, acompanhamento psico-social, orientação jurídica e concessão de outros benefícios socioassis-tenciais, voltados para o atendimento às necessidades decorrentes da perda do provedor. Atendimento realizado no CRAS, localizado no território de abran-gência da família e, em finais de semana e feriados, no hospital municipal de Maracanaú.

3. Cesta Básica – concessão de benefício provisório e complementar em razão de calamidade e situação de vulnerabilidade temporária, cuja natureza está pautada na segurança alimentar e nutricional. Atendimento realizado no CRAS, território de abrangência da família, e no CREAS, com respectiva integração aos serviços socioassistenciais.

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60 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

4. Leite Especial – concessão em situações de insegurança alimentar e nutricio-nal, constituindo-se agravo na situação de vulnerabilidade das famílias e de seus membros. Atendimento no CRAS do território de abrangência da família, com acompanhamento familiar, mediante a integração do benefício aos serviços.

5. Fralda Geriátrica – atendimento as necessidades decorrentes do processo de envelhecimento e da deficiência, visando a melhor qualidade de vida de idosos e de pessoas com deficiência. Atendimento no CRAS do território de abrangência da família, com o devido acompanhamento familiar.

6. Colchões especiais (d’água e caixa de ovo) – indicação em situação de usuá-rios da assistência social acamados no seu domicílio. Atendimento no CRAS do território de abrangência da família, com devido acompanhamento familiar.

7. Passagens terrestres e passe livre – concessão em situações de risco e de vulnerabilidade, que indiquem a necessidade de deslocamento intermunicipal, interestadual. Atendimento no CRAS do território de abrangência da família.

8. Transporte para mudança – concessão em decorrência de calamidade pública, de vulnerabilidade e de risco social mediante a necessidade de deslocamento para novo domicílio. Atendimento realizado no CRAS do território de abrangência da família, com devido acompanhamento familiar, considera-se o restabelecimento de vínculos familiares e comunitários.

9. Limpa-fossa – concessão de um serviço voltado para atender as necessidades decorrentes da vulnerabilidade social agravada pela ausência de saneamento bá-sico, ou as situações de calamidade pública. Atendimento no CRAS do território de abrangência da família, com devido acompanhamento sociofamiliar.

10. Documentação civil – concessão de documentos e certidões necessários à efetiva cidadania civil, tais como: certidões de nascimento, casamento, CPF, entre outros. Atendimento no CRAS do território de abrangência da família, com devido acompanhamento sociofamiliar.

A novidade dessa nova resolução veio com o Protocolo de Gestão Integrada. Hoje a elegibilidade para o acesso aos benefícios requer prévia inscrição no CadÚnico e a devida integração entre a concessão do benefício e o acompanhamento sociofamiliar a todos os beneficiários é uma exigência que vem sendo cumprida efetivamente.

Como se vê, a consolidação do SUAS é um processo dialógico que envolve uma multiplicidade de sujeitos sociais, que, nessa travessia, produzem novos saberes de-terminantes no amadurecimento da assistência social como uma política pública.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 61

Por um lado, tivemos uma conquista com a criação da Lei municipal nº 1387, de 30 de março de 2009, que, referenciada no Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10257, de 10 de julho de 2001, instituiu o Programa de locação social destinado a prover moradia para famílias em situação de vulnerabilidade e de risco social, vinculado à Coordenaria de Habitação da Secretaria Municipal de Obras, órgão gestor da política urbana, desonerou a Assistência Social dessa responsabilidade. Por outro lado, ainda persiste o serviço limpa-fossa, como benefício eventual, em decorrência da precária infraestrutura urbana do município.

No ano de 2010, o município se prepara para implementar o beneficio auxílio nata-lidade, com recursos municipais já assegurados no orçamento do Fundo Municipal de Assistência Social, contando ainda com o co-financiamento do governo estadual. São R$ 480.000,00 destinados à concessão de benefícios eventuais, o que representa 2,5% dos recursos destinados à Assistência Social e à Segurança Alimentar.

Na medida em que se amplia a oferta de serviços de assistência social e segurança alimentar, há uma redução na oferta de benefícios eventuais. A redução de 80% na concessão de cestas básicas, após a implantação do Restaurante Popular, e cinco cozinhas comunitárias, são exemplos simbólicos de superação da lógica perversa do benefício como tradicional moeda de troca.

Em 2009, foram 2.500 benefícios eventuais concedidos em um universo de 30.000 famílias referenciadas em 06 CRAS e 5.000 pessoas distribuídas nos serviços de con-vivência destinados a crianças, adolescentes e idosos.

Nessa travessia, o fator de maior significância está no reconhecimento do poder deliberativo do CMAS, uma vez que a comunidade em geral, inclusive as instâncias jurídicas, reconheceram o poder instituinte e instituído do CMAS na sua atribuição de normatização dos critérios de acesso e definição de normas à operacionalização dos benefícios eventuais.

As perspectivas são de consolidação da política de Assistência Social enquanto direito social e humano e de construção de uma nova cultura política sustentada na autonomia e na emancipação humana.

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62 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº1060, de 05 de junho de 2002.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.257, de 10 de julho 2001.Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, 2001.

CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE MARACANAÚ. Resolução nº 09/2009, de 10 de novembro de 2009.

_______. Resolução nº 20/2005, de 21 de dezembro de 2005.

MARACANAÚ. Ceará. Lei Municipal nº. 1.287, de 30 de março de 2009.

GIDDENS, A. As consequências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São Paulo: NESP, 1991.

PORTO, M. C. da S. Cidadania e (des)proteção social: uma inversão do Estado Bra-sileiro? Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, 2001. n. 68, novembro, 2001.

SPOSATI, A. Desafios para fazer avançar a Política de Assistência Social no Brasil. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, 2001. nº 68, novembro, 2001.

_______ [et al]. A Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1992.

SANTOS, M. O espaço do cidadão. 7ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 63

5 . BENEFÍCIOS EVENTUAIS E CONTROLE SOCIAL: UMA ASSOCIAÇÃO INDISSOLÚVEL

Renato Francisco dos Santos Paula1

Diante dos quase cinco anos de implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), já é possível verificar os avanços a passos largos dados pela política pública de Assistência ao mesmo tempo em que a realidade em curso nos permite prospectar caminhos para os desafios que se colocam no percurso.

Construir um novo modelo de gestão para a assistência social no Brasil não é tarefa fácil. Sposati (2009:16) afirmou que:

aplicar um modelo na realidade exige a capacidade estratégica de enfrentar condi-cionantes, determinantes e impactos nos elementos do presente e do passado, que não condizem com o modelo que se deseja concretizar para o futuro. Portanto, a aplicação do modelo supõe a alteração do que já vinha ocorrendo e, ainda, um novo modo de realizar a leitura dos fatos e elementos em mutação.

Se a assertiva está correta, posso afirmar que “controle social” e “benefícios eventuais” (doravante chamados de BEs) são os dois elementos do Sistema Único que apresen-tam mais fortemente os condicionantes e os determinantes de um passado não muito distante, e, que precisa por imposição histórica ser superado, uma vez que se sustentou com as marcas do clientelismo, do patrimonialismo e do assistencialismo.

Por isso, o debate e as reflexões propostas e apresentadas nessa publicação são mais que oportunos, pois possibilitam que o controle social da política pública de assistência social se qualifique na perspectiva do SUAS, tendo como pretexto a implementação dos benefícios que mais escapam a esse mesmo controle: os benefícios eventuais.

A ideia-força defendida aqui tem como sustentáculo que a regulamentação democrá-tica e a prestação pública dos BEs só serão possíveis com a existência de um controle social ativo, respeitado e que extrapole os Conselhos de Assistência Social, mas que tenha neles seu agente protagonista. Afinal, os benefícios eventuais são a única pro-visão da política de assistência social cuja responsabilidade de regulamentação recai diretamente sobre os Conselhos, de acordo com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Tal responsabilidade trouxe para a assistência uma complexa antinomia entre gestão e controle social utilizada como justificativa para o já histórico imobilismo na regulamentação e prestação adequada de tais benefícios. É preciso, pois, desacomodar a gestão descomprometida e o controle social figurativo, para que tal direito se faça valer, ainda que compreendamos as raízes históricas de tal iniquidade.

1 Conselheiro do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) - gestão 2008/2010 -, Assessor do gabinete da Secretaria Nacional de Assistên-cia Social (SNAS) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e doutorando em Serviço Social pela PUC-SP.

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Assim, é conclamando os agentes públicos de controle social do país a enfrentar os de-safios inerentes a regulamentação dos BEs que inicio as considerações que seguem.

A ILUSTRAÇÃO EMBLEMÁTICA DOS BEs NO REDUCIONISMO ASSISTENCIAL

Quando falamos de BEs, no âmbito da assistência social, uma série de dúvidas vem à mente. Ocorre que partes consideráveis dessas dúvidas não estão apenas circunscritas a dificuldade de precisar nominalmente o que é este tipo de provisão denominada benefício e que é prestado eventualmente. As indagações também são engendradas por um contexto mais amplo que se relaciona ao próprio trajeto da assistência social que a associa a concepções religiosas e/ou liberais materializadas nas práticas filantrópicas, caritativas, de benemerência. Quando tratados no âmbito público e estatal - portanto de natureza laica - o histórico justifica as confusões geradas, pois as imprecisões con-ceituais se aliam ao uso clientelista e patrimonialista que um conjunto significativo de gestores tem dado aos BEs ao longo do tempo. Por isso são, sem dúvida, a provisão da política pública de assistência social que mais carece de atenção e de vigilância por parte do controle social.

A inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 que distingue a assistência da previdência social e institui padrões de proteção social alicerçados em atenções contributivas e não-contributivas, foi insuficiente para prospectar – além da letra da Lei – uma assistência social como política prestada sob o princípio da universalidade. É o que demonstra Boschetti (2002) quando diz:

A Constituição afirma que a assistência será prestada a quem dela necessitar (artigo 203). Entretanto, ao indicar suas diretrizes, ela limita o dever de assistência à proteção a maternidade, crianças, idosos, adolescentes e inválidos. Para os pobres capazes de trabalhar, a Constituição reafirma a clássica fórmula de assistência via trabalho: “a promoção da integração ao mercado de trabalho” (artigo 203); sendo assim, não basta ser pobre para ter direito a assistência; é preciso, ainda, não estar em (ou não ter) condições de trabalhar (p. 15).

Isso significa o reforço a concepção da não especificidade da política de assistência, pois dá vazão ao entendimento de que sua função precípua se resume a provisão do trân-sito emprego-desemprego, descolando a política de assistência das políticas econômicas, quando não muito responsabilizando os indivíduos pela sua própria sorte, isentando a sociedade de mercado e a instabilidade do próprio mercado de suas iniqüidades estruturais. Ademais, remonta as origens medievais da assistência pública quando não deixa dúvidas que crianças e idosos “desamparados” e pessoas com deficiências são seu público característico, estigmatizando-os2 e remetendo a política a um lugar de subalternidade no rol das atenções coletivas.

2 Conformando uma identidade subalterna como demonstrado em Classes subalternas e assistência so-cial, de Maria Carmelita Yazbek. São Paulo: Editora Cortez, 1999.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 65

Por essas e outras razões que tratar de benefícios liberados mediante situações de contingência social sempre implicou em não definir a natureza desses benefícios, pois as oscilações na sustentação da política3 são mais determinantes para o atendimento do que às necessidades humanas iminentes. Isso implica dizer que qualquer política pública poderia instituir o que chamaria de benefícios eventuais em sentido lato. Cadernos e uniformes para crianças e adolescentes pobres poderiam ser providos como BEs pela educação; órteses, próteses, tipos específicos de medicamentos poderiam ser providos como BEs pela saúde; material de construção poderia ser provido como BEs pela política de habitação e pelo desenvolvimento urbano e assim por diante. Ocorre que, historicamente, muitos atores mal intencionados ou desprovidos do caráter republicano que deve reger a gestão pública e/ou o interesse coletivo tiraram proveito desta indefinição. De um lado, acomodando orçamentos, transferindo para o “pote” da assistência a responsabilidade pela provisão de BEs de qualquer natureza. Por outro lado, provocando a manutenção de uma rede privada, que para angariar recursos do fundo público, presta atenções nas mais variadas frentes de necessidades humanas reunidas sob a pecha de “assistência social”.

Além disso, o tratamento conferido aos BEs na LOAS não se opõe a lógica residual e seletiva que marcou toda a regulamentação da assistência no período pré-SUAS. Afinal, os auxílios natalidade, funeral e os subsidiários para cada criança de até seis anos de idade são limitados as famílias cuja renda per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.

Com essas marcas, o trânsito dos BEs da previdência social para a assistência, como demonstrado em outros artigos dessa publicação, deu-se muito mais no sentido de reforçar os estigmas do que em superá-los.

Em contraposição, a euforia progressista que embalou as lutas pela aprovação da LOAS e a regulamentação posterior de vários de seus artigos fez com que no artigo dedica-do aos BEs (artigo 22), a responsabilidade pela sua regulamentação fosse conferida aos Conselhos de Assistência Social. Trabalho a hipótese de que, naquele momento histórico, colocar a regulamentação nas mãos dos Conselhos seria a oportunidade de consolidar o potencial democrático que se instituía, tendo a sociedade civil como protagonista e zeladora das conquistas ali expressas. No entanto, não foi isso que aconteceu. Em que pese a intenção de utilizar a carga simbólica que carregam os BEs, para com sua regulamentação via Conselhos, subverter parte do passado clientelista à materialização da LOAS nesse aspecto ainda é algo a se fazer. Como afirmei anterior-mente, uma curiosa e complexa antinomia foi criada entre gestão e controle social, fazendo com que, de um lado, os Conselhos tenham receio de propor e posteriormente deliberar sobre a matéria, e, por outro lado, gestores não queiram se comprometer com a certeza da prestação de BEs para momentos incertos; esquivando-se de seus custos e do controle social.

3 O que alguns autores chamam como parte do processo de “desfi-nanciamento” da política pública. Poderia, aqui, apenas fazer refe-rência ao pouco ao quase nenhum financiamento para os BEs.

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Por isso, é necessário que se tenha clara a importância da parceria entre gestão e controle social, pois sem essa condição, dificilmente, tirar-se-á do papel a prestação dos BEs.

CONTROLE SOCIAL E REGULAMENTAÇÃO DA POLÍTICA: PAPéIS E PARCERIAS

Após as obscuras décadas da ditadura civil-militar enfrentada no Brasil, a nova Cons-tituição Federal ratificou as aspirações populares pela democracia. Estabeleceu que poderíamos exercer a democracia de várias maneiras: por meio da participação, con-cretizada em canais institucionalizados ou não, também conhecida como democracia participativa e pelos pleitos, chamados de democracia representativa, em conformidade ao expresso no § único do artigo 1º da Constituição de 1988: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Assim, os Conselhos gestores de políticas se configuram como a possibilidade da interveniência dos cidadãos nos assuntos da vida pública. Segundo Pereira (2005, p. 2-3), essa prática da democracia direta pode tornar-se uma permanente educação para cidadania com os seguintes benefícios: a) o combate à formação de oligarquias no trato da coisa pública ou da concentração do poder em poucas mãos; b) o surgimento de novas lideranças políticas identificadas com as demandas e necessidades populares; c) a transformação dos representados em co-responsáveis na produção de leis, nos processos de deliberação sobre temas e problemas comuns e na definição de políticas de intervenção social; d) o fortalecimento do regime democrático pelo constante controle público de decisões e atos dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário); e e) a substituição da estrutura político-administrativa centralizada e vertical, cultivada por lideranças oligárquicas, por outra estrutura descentralizada e horizontal, na qual o poder possa fluir em dois principais sentidos: do Estado para a sociedade e da esfera federal para a estadual e municipal, interligando, assim, os processos de participação e descentralização.

Contudo, a autora, ao lembrar as contradições inerentes a todo processo político, informa e alerta para os riscos e para as desvantagens que essa forma de participação direta pode ocasionar: a) a concorrência do exercício direto do poder com as funções de instituições consideradas baluartes da democracia, como os partidos políticos, os parlamentos, o Ministério Público, o que pode levar ao enfraquecimento, em vez de consolidação e ampliação do regime democrático; b) a substituição de instâncias formais de democracia representativa, passíveis de controle público, por instâncias informais, constituídas por grupos de pressão mais combativos e organizados que, muitas vezes, acabam por exercer indevidamente o papel de representantes de seus pares; c) a falta de domínio por parte do povo do processo legislativo, assim como da impossibilidade da população de se manter constantemente participativa, o que pode gerar lentidão ou paralisia de decisões e resoluções políticas.

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Quando falamos da responsabilidade dos Conselhos para com os BEs, evidenciam-se as vantagens e desvantagens da democracia direta e participativa arroladas pela autora. Se os Conselhos de Assistência foram instituídos com a missão de deliberar sobre a política pública, a função de gerir e executar suas provisões ficará reservada aos órgãos executivos. A estes últimos cabe organizar a política desde a administração do fluxo orçamentário e financeiro até a prestação direta de serviços e benefícios públicos. A jovialidade dos nossos processos democráticos tem levado ao estabelecimento de confusões entre o papel dos Conselhos e dos gestores na implementação de pontos estratégicos das políticas. Tais confusões oscilam entre a concorrência e a omissão dentro da gestão e do controle social.

Interpretado à luz das legislações que lhe são superiores, o artigo 22 da LOAS imputa a neces-sidade do estabelecimento de uma parceria ética e política entre Conselhos e órgãos gestores, para que se regulamentem, em efetivo, os BEs. Além de se ter claro o papel das duas instâncias, há que se avançar também no esclarecimento das regras do jogo entre os entes e as esferas nacionais. União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm atribuições di-ferenciadas ao mesmo tempo em que similares no que tange aos BEs. Os artigos 13, 14 e 15 da LOAS estabelecem as funções de estados, Distrito Federal e municípios quanto aos auxílios natalidade e funeral. Já o artigo 12 permite a entrada da União quando no inciso III determina que lhe compete atender, em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, às ações assistenciais de caráter de emergência. Ainda que tal regulação necessite ser enfrentada no âmbito federal, o ineditismo do Decreto nº 6.307, de 14 de dezembro de 2007, deve ser considerado. O Decreto foi o primeiro passo do executivo federal em direção a avançar com relação ao tema, trazendo para dentro do SUAS os BEs como parte de suas provisões orgânicas. O mérito do Decre-to (assim como da Resolução 212 do CNAS que tratarei mais adiante) não está em definir o elenco de BEs possíveis para a assistência social, mas sim em dizer o que se excetua em sua provisão:

As provisões relativas a programas, projetos, serviços e benefícios diretamente vin-culados ao campo da saúde, educação, integração nacional e das demais políticas setoriais não se incluem na modalidade de benefícios eventuais da assistência social (Artigo 9º)

Além disso, os indicativos conceituais de riscos, perdas e danos que caracterizam as situações de vulnerabilidade temporária (artigo 7º) são importantes apontamentos para conselheiros e gestores interessados em definições mais precisas no âmbito da assistência e do SUAS.

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OS CONSELHOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ALAVANCANDO O DIREITO AOS BEs

Vários autores apontam que os BEs não foram suficientemente tematizados e/ou explorados nem na previdência e nem na assistência social. De um lado, a LOAS afirma que BEs são aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo e que poderão ser estabelecidos benefícios subsidiários no valor de até 25% do salário mínimo para cada criança de até seis anos de idade cujas famílias percebam uma renda mensal per capita também inferior a ¼ do salário mínimo.

Por outro lado, a LOAS abre a possibilidade de criação de outros BEs para atender as situações de vulnerabilidade temporária. Superados conflitos de interesses particu-laristas entre gestão e controle social (quando o assunto for BEs), o processo regula-mentador dos BEs sempre será revestido de elementos que extrapolam o nominado na LOAS. Isto é, a autonomia e a responsabilidade conferida aos municípios (artigo 15 da LOAS) implicam no reconhecimento de situações prováveis de contingência social que deverão ser supridas pelo agente público. É provável que um município, em uma região acometida de períodos severos de seca, estabeleça BEs diferentes dos estabelecidos em municípios que não sofrem da mesma intempérie. Essa flexibilidade que deveria ser utilizada como fator de qualificação positiva para a regulamentação dos BEs, tem servido, historicamente, como justificativa para a postergação dos re-gulamentos devido a um ranço interpretativo do § 1º do artigo 22, ao afirmar que: “a concessão e o valor dos benefícios de que trata este artigo serão regulamentados pelos Conselhos de Assistencia Social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS”.

Ora, se compete aos Estados destinar recursos financeiros aos Municípios, a título de participa-ção no custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos de Assistência Social, compete, do mesmo modo, aos Conselhos Estaduais um conhecimento diagnóstico das situações municipais, para que o controle social sobre a regulamentação no âmbito dos Estados aconteça. Similarmente, os conselhos muni-cipais devem se debruçar sobre o tema, para que o atendimento à população aconteça. Por isso, a interpretação do § 1º do artigo 22 deve ser feita à luz da Resolução nº 212, de 19 de outubro de 2006, que propõe critérios orientadores para a regulamentação da provisão de BEs no âmbito da política pública de assistência social. Sem cometer o vício da ingerência sobre as peças de gestão – cito como exemplo de peça de gestão a organização orçamentária dos executivos gestores –, a Resolução nº 212 do CNAS dá 12 (doze) meses para que a regulamentação dos BEs nos municípios e no Distrito Federal aconteça, compreendendo sua inclusão nas Leis Orçamentárias a partir da data de publicação da Resolução e dá, aos Estados, 8 (oito) meses para concluir o processo que determinará seu co-financiamento aos municípios.

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Benefícios Eventuais da Assistência Social 69

CONSIDERAÇõES FINAIS

Os BEs não podem mais ser tratados como uma provisão acessória da política de assistência social. É preciso, pois, romper com o estigma da incerteza em sua presta-ção. Isto é, incertas são as situações de contingência que requisitam os BEs, e não sua provisão. Desse modo, cumpre afirmar que os Conselhos de Assistência Social são os responsáveis, segundo a Lei, por provocar a regulamentação e prestação dos BEs nos municípios. Como foi dito, as formas de fazer com que isso aconteça podem ser as mais variadas, contudo, os Conselhos não devem se omitir a esta tarefa.

Fica evidenciado, assim, que uma agenda positiva emerge para Conselhos e órgãos gestores e deve, entre outros aspectos, considerar: a) o aprofundamento do debate sobre BEs nas três esferas; b) a realização de diagnósticos sobre as possibilidades de eventos incertos que requisitem BEs no âmbito dos municípios; c) a definição precisa das provisões afetas a assistência social; d) a inclusão da temática: BEs na agenda permanente dos Conselhos nas três esferas; e) a atenção aos dispositivos da Resolução nº 212/2006 com a criação de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua implantação e implementação; f) o avanço na integração entre os serviços so-cioassistenciais e os BEs, em especial na proteção social básica da assistência social; g) a integração e articulação com as demais políticas setoriais e entre outros conselhos de políticas e de direitos zelando pela prestação adequada dos BEs; e, h) por fim, uma atuação mais contundente e ativa por parte dos Conselhos nas três esferas para que o direito aos BEs seja efetivado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Publicada no diário oficial da união Nº 207, 27 de outubro de 2006, seção 1, página 111

CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

RESOLUÇÃO Nº 212, DE 19 DE OUTUBRO DE 2006.

Propõe critérios orientadores para a regulamentação da provisão de be-nefícios eventuais no âmbito da política pública de assistência social.

O CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CNAS), no uso da competência que lhe confere o artigo 18 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS);

CONSIDERANDO que a concessão dos Benefícios Eventuais é um direito garantido em lei e de longo alcance social;

CONSIDERANDO a competência atribuída ao CNAS pela Lei nº 8.742, de 1993 (LOAS) para a definição de critérios e prazos para a regulamentação dos benefícios eventuais, co-financiados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal, conforme § 1º do art. 22 da referida Lei;

CONSIDERANDO a Meta nº 17 – Gestão do SUAS: regulamentar os benefícios eventuais, conforme art. 22 da Lei nº 8.742, de 1993 (LOAS), deliberada na V Con-ferência Nacional de Assistência Social,

CONSIDERANDO a minuta de Decreto de regulamentação de benefícios even-tuais da assistência social apresentada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), examinada e referendada na Reunião Ordinária do CNAS ocorrida em 11, 12 e 13 de julho de 2006;

RESOLVE:

Art. 1º. Estabelecer critérios e prazos para a regulamentação da provisão de benefícios eventuais no âmbito da política pública de assistência social.

Art. 2º. O benefício eventual é uma modalidade de provisão de proteção social básica de caráter suplementar e temporário que integra organicamente as garantias

ANEXO 1 . RESOLUÇÃO Nº 212, DE 19 DE OUTUBRO DE 2006.

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do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com fundamentação nos princípios de cidadania e nos direitos sociais e humanos.

Parágrafo único. Na comprovação das necessidades para a concessão do benefício eventual, são vedadas quaisquer situações de constrangimento ou vexatórias.

Art. 3º. O benefício eventual destina-se aos cidadãos e às famílias com impos-sibilidade de arcar por conta própria com o enfrentamento de contingências sociais, cuja ocorrência provoca riscos e fragiliza a manutenção do indivíduo, a unidade da família e a sobrevivência de seus membros.

Art. 4º. O benefício eventual, na forma de auxílio-natalidade, constitui-se em uma prestação temporária, não contributiva da assistência social, em pecúnia ou em bens de consumo, para reduzir vulnerabilidade provocada por nascimento de membro da família.

Art. 5º. O alcance do benefício natalidade, a ser estabelecido por legislação municipal, é destinado à família e terá, preferencialmente, entre suas condições:

I - atenções necessárias ao nascituro;

II - apoio à mãe no caso de morte do recém-nascido;

III - apoio à família no caso de morte da mãe e

IV - o que mais a administração do Município considerar pertinente.

Art. 6º. O benefício natalidade pode ocorrer na forma de pecúnia ou em bens de consumo.

§ 1º Os bens de consumo consistem no enxoval do recém-nascido, incluíndo itens de vestuário, utensílios para alimentação e de higiene, observada a qualidade que garanta a dignidade e o respeito à família beneficiária.

§ 2º Quando o benefício natalidade for assegurado em pecúnia deve ter como refe-rência valor das despesas previstas no parágrafo anterior.

§ 3º O requerimento do benefício natalidade deve ser realizado até noventa dias após o nascimento.

§ 4º O benefício natalidade deve ser pago até trinta dias após o requerimento.

§ 5º A morte da criança não inabilita a família a receber o benefício natalidade.

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Art. 7º. O benefício eventual, na forma de auxílio-funeral, constitui-se em uma prestação temporária, não contributiva da assistência social, em pecúnia, por uma única parcela, ou em bens de consumo, para reduzir vulnerabilidade provocada por morte de membro da família.

Art. 8º. O alcance do benefício funeral, preferencialmente, será distinto em modalidades de:

I - custeio das despesas de urna funerária, de velório e de sepultamento;

II - custeio de necessidades urgentes da família para enfrentar os riscos e vulnerabi-lidades advindas da morte de um de seus provedores ou membro; e

III - ressarcimento no caso de perdas e danos causados pela ausência do benefício eventual no momento em que este se fez necessário.

Art. 9º. O benefício funeral pode ocorrer na forma de pecúnia ou na prestação de serviços.

§ 1º Os serviços devem cobrir o custeio de despesas de urna funerária, velório e sepultamento, incluindo transporte funerário, utilização de capela, isenção de taxas e colocação de placa de identificação, dentre outros serviços inerentes que garantam a dignidade e o respeito à família beneficiária.

§ 2º Quando o benefício for assegurado em pecúnia, deve ter como referência o custo dos serviços previstos no parágrafo anterior.

§ 3º O benefício, requerido em caso de morte, deve ser pago imediatamente, em pecú-nia ou em serviço, sendo de pronto atendimento, em unidade de plantão 24 horas.

§ 4º O Distrito Federal e os Municípios devem garantir a existência de unidade de atendimento com plantão 24 horas para o requerimento e concessão do benefício funeral, podendo este ser prestado diretamente pelo órgão gestor ou indiretamente, em parceria com outros órgãos ou instituições.

§ 5º Em caso de ressarcimento das despesas previstas no § 1º, a família pode requerer o benefício até trinta dias após o funeral.

§ 6º O benefício funeral, em caso de ressarcimento, deve ser pago até trinta dias após o requerimento.

§ 7º O pagamento do ressarcimento será equivalente ao valor das despesas previstas no § 1º.

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Art. 10º Os benefícios natalidade e funeral serão devidos à família em número igual ao das ocorrências desses eventos.

Art. 11º Os benefícios natalidade e funeral podem ser pagos diretamente a um integrante da família beneficiária: mãe, pai, parente até segundo grau ou pessoa autorizada mediante procuração.

Art. 12º Ao Distrito Federal e aos Municípios compete:

I - a coordenação geral, a operacionalização, o acompanhamento, a avaliação da pres-tação dos benefícios eventuais, bem como o seu finaciamento;

II - a realização de estudos da realidade e monitoramento da demanda para constante ampliação da concessão dos benefícios eventuais; e

III - expedir as instruções e instituir formulários e modelos de documentos necessários à operacionalização dos beneficios eventuais.

Art. 13º Aos Conselhos de Assistência Social compete fornecer aos Estados, Distrito Federal e Municípios, informações sobre irregularidades na aplicação do regulamento dos benefícios eventuais, avaliar e reformular, se necessário, a cada ano, a regulamentação de concessão e valor dos benefícios natalidade e funeral.

Art. 14º A regulamentação dos benefícios eventuais e a sua inclusão na lei orçamentária do Distrito Federal e dos Municípios dar-se-ão no prazo de até doze meses e sua implementação até vinte e quatro meses, a contar da data da publicação dessa Resolução.

Art. 15º O Estado definirá a sua participação no co-financiamento dos benefícios eventuais junto aos seus Municípios a partir de:

I - identificação dos benefícios eventuais implementados em seus Municípios, veri-ficando se estão em conformidade com as regulamentações específicas;

II - levantamento da situação de vulnerabilidade e risco social de seus Municípios e índices de mortalidade e de natalidade; e

III - discussão junto à CIB e aos Conselhos Estaduais de Assistência Social.

Parágrafo único. O resultado desse processo deverá determinar um percentual de recursos a ser repassado a cada Munícipio em um prazo de oito meses, após a publi-cação desta Resolução.

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Art. 16º O Distrito Federal e os Municípios devem promover ações que via-bilizem e garantam a ampla e periódica divulgação dos benefícios eventuais e dos critérios para sua concessão.

Art. 17º Recomendar que o critério de renda mensal per capita familiar para acesso aos benefícios eventuais estabelecido pelo Distrito Federal e pelos Municípios atenda ao determinado no art. 22 da Lei nº 8.742, de 1993, não havendo impedimento para que o critério seja fixado em valor igual ou superior a ¼ do salário mínimo.

Art. 18º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Silvio Iung

Presidente do CNAS

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ANEXO 2 . DECRETO Nº 6.307, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2007.

Publicada no diário oficial da união Nº 241, 17 de dezembro de 2007, seção 1, página 8

DECRETO Nº 6.307, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2007.

Dispõe sobre os benefícios eventuais de que trata o art. 22 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 22 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993,

D E C R E T A :

Art. 1º Benefícios eventuais são provisões suplementares e provisórias, prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.

§ 1º Os benefícios eventuais integram organicamente as garantias do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

§ 2º A concessão e o valor dos auxílios por natalidade e por morte serão regulados pelos Conselhos de Assistência Social dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-cípios, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

Art. 2º O benefício eventual deve atender, no âmbito do SUAS, aos seguintes princípios:

I - integração à rede de serviços socioassistenciais, com vistas ao atendimento das necessidades humanas básicas;

II - constituição de provisão certa para enfrentar com agilidade e presteza eventos incertos;

III - proibição de subordinação a contribuições prévias e de vinculação a contrapar-tidas;

IV - adoção de critérios de elegibilidade em consonância com a Política Nacional de

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Assistência Social (PNAS);

V - garantia de qualidade e prontidão de respostas aos usuários, bem como de espaços para manifestação e defesa de seus direitos;

VI - garantia de igualdade de condições no acesso às informações e à fruição do be-nefício eventual;

VII - afirmação dos benefícios eventuais como direito relativo à cidadania;

VIII - ampla divulgação dos critérios para a sua concessão; e

IX - desvinculação de comprovações complexas e vexatórias de pobreza, que estig-matizam os benefícios, os beneficiários e a política de assistência social.

Art. 3º O auxílio por natalidade atenderá, preferencialmente, aos seguintes aspectos:

I - necessidades do nascituro;

II - apoio à mãe nos casos de natimorto e morte do recémnascido; e

III - apoio à família no caso de morte da mãe.

Art. 4º O auxílio por morte atenderá, prioritariamente:

I - a despesas de urna funerária, velório e sepultamento;

II - a necessidades urgentes da família para enfrentar riscos e vulnerabilidades advindas da morte de um de seus provedores ou membros; e

III - a ressarcimento, no caso da ausência do benefício eventual no momento em que este se fez necessário.

Art. 5º Cabe ao Distrito Federal e aos Municípios, de acordo com o disposto nos arts. 14 e 15 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, destinar recursos para o custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabe-lecidos pelo Conselho de Assistência Social do Distrito Federal e pelos Conselhos Municipais de Assistência Social, respectivamente.

Art. 6º Cabe aos Estados destinar recursos financeiros aos Municípios, a título de participação no custeio do pagamento dos auxílios natalidade e funeral, mediante critérios estabelecidos pelos Conselhos Estaduais de Assistência Social, de acordo

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com o disposto no art. 13 da Lei nº 8.742, de 1993.

Art. 7º A situação de vulnerabilidade temporária caracteriza-se pelo advento de riscos, perdas e danos à integridade pessoal e familiar, assim entendidos:

I - riscos: ameaça de sérios padecimentos;

II - perdas: privação de bens e de segurança material; e

III - danos: agravos sociais e ofensa.

Parágrafo único. Os riscos, as perdas e os danos podem decorrer:

I - da falta de:

a) acesso a condições e meios para suprir a reprodução social cotidiana do solicitante e de sua família, principalmente a de alimentação;

b) documentação; e

c) domicílio.

II - da situação de abandono ou da impossibilidade de garantir abrigo aos filhos;

III - da perda circunstancial decorrente da ruptura de vínculos familiares, da presença de violência física ou psicológica na família ou de situações de ameaça à vida;

IV - de desastres e de calamidade pública; e

V - de outras situações sociais que comprometam a sobrevivência.

Art. 8º Para atendimento de vítimas de calamidade pública, poderá ser criado benefício eventual de modo a assegurar-lhes a sobrevivência e a reconstrução de sua autonomia, nos termos do § 2º do art. 22 da Lei nº 8.742, de 1993.

Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, entende-se por estado de calamidade pública o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, advinda de bai-xas ou altas temperaturas, tempestades, enchentes, inversão térmica, desabamentos, incêndios, epidemias, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à inco-lumidade ou à vida de seus integrantes.

Art. 9º As provisões relativas a programas, projetos, serviços e benefícios di-

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retamente vinculados ao campo da saúde, educação, integração nacional e das demais políticas setoriais não se incluem na modalidade de benefícios eventuais da assistência social.

Art. 10º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 14 de dezembro de 2007; 186º da Independência e 119º da República.

Luiz Inácio Lula da Silva

Patrus Ananias

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EDIÇõES ANTERIORES

A IMPORTÂNCIA DO BOLSA FAMÍLIA NOS MUNICÍPIOS BRASILEIROSRosa Maria Marques

SUBNUTRIÇÃO E OBESIDADE EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTOBenjamin CaballeroEXPERIÊNCIA INTERNACIONAL COM A ESCALA DE PERCEPÇÃO DA INSEGURANÇA ALIMENTARRafael Pérez-Escamilla

Suplemento TEXTOS PARA A V CONFERÊNCIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIALVários autores

OS IMPACTOS DO PAA-LEITE SOBRE O PREÇO, A PRODUÇÃO E A RENDA DA PECUÁRIA LEITEIRAAndré Magalhães e Alfredo Soares

Suplemento 01 CONTRIBUIÇÕES DO MDS À I CONFERÊNCIA NACIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIAVários autores

Suplemento 02 CONTRIBUIÇÕES DO MDS À I CONFERÊNCIA NACIONAL DA PESSOA IDOSAVários autores

CHAMADA NUTRICIONAL: UM ESTUDO SOBRE A SITUAÇÃO NUTRICIONAL DAS CRIANÇAS DO SEMI-ÁRIDO BRASILEIROVários autores

SÍNTESE DAS PESQUISAS DE AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS DO MDSRômulo Paes-Sousa e Jeni Vaitsman (organizadores)

HEALTH AND NUTRITION DAY: A NUTRITIONAL SURVEY OF CHILDREN LIVING IN THE SEMI-ARID AREA AND LAND-REFORM SETTLLEMENTS IN NORTHEAST BRAZILVersão revista em inglês do n°. 4

PROGRAMA CISTERNAS: UM ESTUDO SOBRE A DEMANDA, COBERTURA E FOCALIZAÇÃOOscar Arruda d’Alva e Luís Otávio Pires Farias

PROJETO AGENTE JOVEM: AVALIAÇÃO DE SEUS IMPACTOSAndré Augusto Pereira Brandão, Marco Aurélio Oliveira de Alcântara, Salete Da Dalt, Vários autores

POLÍTICAS SOCIAIS E CHAMADA NUTRICIONAL QUILOMBOLA: UM ESTUDO SOBRE AS CONDIÇÕES DE VIDA E SITUAÇÃO NUTRICIONAL DAS CRIANÇAS QUILOMBOLASVários autores

Nº. 01

Nº. 02

Nº. 02

Nº. 03

Nº. 03

Nº. 03

Nº. 04

Nº. 05

Nº. 06

Nº. 07

Nº. 08

Nº. 09

Cadernos de EstudosDESENVOLVIMENTO SOCIAL EM DEBATE

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80 Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate

Nº. 10

Nº. 11

Nº. 11

O GOVERNO FEDERAL NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL DOS POVOS INDÍGENASVários autores

CAPACITAÇÃO DESCENTRALIZADA PARA GERENTES SOCIAIS: DESENHO E RESULTADOSVários autores

O GOVERNO FEDERAL NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL DOS POVOS INDÍGENASVários autores

Versões eletrônicas das publicações estão disponíveis no site www.mds.gov.brPara obter informações sobre as publicações da SAGI escreva para o e-mail: [email protected]

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Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

BENEFÍCIOS EVENTUAISDA ASSISTÊNCIA SOCIAL

NÚMERO 12 ISSN 1808-0758

Os Cadernos de Estudos - Desenvolvimento Social em Debate visam divulgar pesquisas, disseminar resultados e subsidiar dis-cussões e avaliações acerca das políticas e programas sociais. Este número, intitulado Benefícios Eventuais da Assistência Social, apre-senta as reflexões dos pesquisadores e gestores ligados à Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome acerca dos benefícios eventuais da política de assistência social. O Caderno traz os desafios para que esses benefícios se tornem instrumentos de proteção social juntamente com as demais provisões da política de assistência social, e faz uma retrospectiva histórica das inúmeras iniciativas implementadas por diversos atores para regulamentar os benefícios sob a ótica dos dire-itos. Além disso, traz um breve histórico da implantação do SUAS no município de Maracanaú (CE) e uma análise sobre o Levanta-mento Nacional sobre Benefícios Eventuais, realizado em 2009, evi-denciando a necessidade de um controle social ativo, no qual os Conselhos de Assistência Social são protagonistas.