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Radiografia de Tórax em Pediatria – aula 2 1 Alterações do desenvolvimento pulmonar: anomalias vasculares Gustavo de Souza Portes Meirelles 1 1 – Doutor em Radiologia pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. 1 – Introdução As artérias pulmonares desenvolvem-se a partir do sexto arco aórtico. A porção proximal do arco torna-se o segmento proximal das artérias pulmonares direita e esquerda. Do lado direito, a porção distal perde sua conecção com o arco, enquanto a esquerda mantém esta conecção via duto arterioso. Durante o amadurecimento fetal, os vasos aumentam de diâmetro e comprimento e, no período pós-natal, a sua ramificação progride paralelamente à proliferação alveolar até os 8 anos de idade. No período embrionário, a drenagem venosa pulmonar se dá via plexo esplâncnico para o primórdio do aparato venoso sistêmico, incluindo veias cardinais e umbilicovitelinas. As saculações caudal e cranial das regiões sinoatriais se desenvolvem e se direcionam para os brotos pulmonares para formar uma veia pulmonar comum que, mais tarde, vai se incorporar à parede do átrio esquerdo e formar as quatro veias pulmonares. 2 – Anomalias vasculares 2.1 – Interrupção (ausência) de uma artéria pulmonar É mais comum à direita, o pulmão e o hilo correspondentes têm pequenas dimensões. O pulmão é hipertransparente, sem perfusão, porém sem evidência de aprisionamento aéreo como ocorre na síndrome de Swyer-James, que tem redução tanto da ventilação quanto da perfusão. O pulmão poderá ser suprido por artérias brônquicas, por um duto arterioso patente, por colaterais aortopulmonares, por anastomoses coronarianas, por outras artérias sistêmicas (figura 1) ou por uma artéria pulmonar originada diretamente da aorta (figura 2). Quando ocorre à esquerda, pode-se associar a anomalias cardiovasculares.

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Radiografia de Trax em Pediatria aula 2 1 Alteraes do desenvolvimento pulmonar: anomalias vasculares Gustavo de Souza Portes Meirelles1 1 Doutor em Radiologia pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. 1 Introduo As artrias pulmonares desenvolvem-se a partir do sexto arco artico. A poro proximal do arco torna-se o segmento proximal das artrias pulmonares direita e esquerda. Do lado direito, a poro distal perde sua coneco com o arco, enquanto a esquerda mantm esta coneco via duto arterioso. Durante o amadurecimento fetal, os vasos aumentam de dimetro e comprimento e, no perodo ps-natal, a sua ramificao progride paralelamente proliferao alveolar at os 8 anos de idade. No perodo embrionrio, a drenagem venosa pulmonar se d via plexo esplncnico para o primrdio do aparato venoso sistmico, incluindo veias cardinais e umbilicovitelinas. As saculaes caudal e cranial das regies sinoatriais se desenvolvem e se direcionam para os brotos pulmonares para formar uma veia pulmonar comum que, mais tarde, vai se incorporar parede do trio esquerdo e formar as quatro veias pulmonares. 2 Anomalias vasculares 2.1 Interrupo (ausncia) de uma artria pulmonar mais comum direita, o pulmo e o hilo correspondentes tm pequenas dimenses. O pulmo hipertransparente, sem perfuso, porm sem evidncia de aprisionamento areo como ocorre na sndrome de Swyer-James, que tem reduo tanto da ventilao quanto da perfuso. O pulmo poder ser suprido por artrias brnquicas, por um duto arterioso patente, por colaterais aortopulmonares, por anastomoses coronarianas, por outras artrias sistmicas (figura 1) ou por uma artria pulmonar originada diretamente da aorta (figura 2). Quando ocorre esquerda, pode-se associar a anomalias cardiovasculares. Radiografia de Trax em Pediatria aula 2 2 Figura 1. Interrupo (ausncia) da artria pulmonar direita numa criana de 5 anos em controle de pneumonia. A. Tomografia computadorizada mostra artria pulmonar direita ausente. B. Janela de pulmo evidencia espessamentos septais (setas vermelhas) que traduzem anastomoses transpleurais. C. Calibrosas artrias sistmicas justadiafragmticas (setas verdes). Figura 2. Artria pulmonar direita (seta vermelha) originada diretamente da aorta (seta verde) num paciente de 56 anos portador de Tetralogia de Fallot. 2.2 Origem anmala da artria pulmonar esquerda na artria pulmonar direita Mais comumente detectada na infncia, uma vez que frequentemente se associa a estenose traqueal ou brnquica resultante de um anel cartilaginoso completo. Ocasionalmente, pode ser detectada num adulto assintomtico ou com queixas respiratrias. A artria anmala cursa posteriormente direita da traquia distal e volta-se abruptamente para a esquerda, passando entre o esfago e a traquia at atingir o hilo esquerdo, num aspecto conhecido pelo termo ingls sling (figura 3). Radiografia de Trax em Pediatria aula 2 3 Figura 3. Artria pulmonar esquerda (APE) originada da artria pulmonar direita (APD). Tomografia computadorizada em planos axiais sequenciais evidenciando a emergncia da APE na APD (seta vermelha); APE cursando posteriormente junto parede traqueal direita (seta verde) e cruzando para a esquerda entre a traquia e o esfago (seta amarela), para atingir o hilo esquerdo (seta branca). 2.3 Drenagem venosa pulmonar anmala Resulta num desvio esquerdo-direito extracardaco, com o sangue venoso pulmonar fluindo diretamente para o lado direito do corao ou para veias sistmicas (figura 4). Pode ser parcial ou total, a ltima requerendo um desvio direito-esquerdo via defeito septal cardaco ou duto arterioso patente. A provvel explicao uma falha na conexo entre o plexo pulmonar esplncnico pulmonar primitivo e a veia pulmonar comum derivada do trio. A tomografia computadorizada permite distinguir uma drenagem venosa pulmonar anmala do lobo superior esquerdo para a veia braquioceflica de uma veia cava superior esquerda persistente no seu trajeto rumo ao seio coronrio: neste caso, dois vasos so vistos anteriormente ao brnquio principal esquerdo, j que nenhum drena anomalamente o lobo superior. Figura 4. Drenagem venosa pulmonar anmala. Tomografia computadorizada em planos axiais sequenciais evidenciando veia pulmonar superior direita (seta vermelha) drenando para a veia cava superior (seta verde), observando-se, ainda, a confluncia da veia zigos (seta amarela). 2.4 Malformao arteriovenosa pulmonar Pode ocorrer isoladamente, pode haver mltiplas ou pode ser parte de um processo sistmico como na doena de Rendu-Osler-Weber. Quando solitria, mais comum no segmento lateral do lobo mdio e na lngula. Por vezes simula ndulo ou massa na radiografia simples e a tomografia computadorizada esclarece sua natureza vascular (figuras 5 e 6). Radiografia de Trax em Pediatria aula 2 4 Figura 5. Malformao arteriovenosa, em uma mulher de 37 anos encaminhada para avaliao de ndulo pulmonar basal esquerdo detectado em radiografia de rotina (no disponvel). A. Tomografia computadorizada aps a injeo venosa do meio de contraste evidenciando formao nodular serpiginosa no lobo inferior direito. B. Janela de mediastino confirma a natureza vascular da leso. C. Imagem coronal em MIP demonstra os vasos de suprimento (seta vermelha) e drenagem (seta verde). Figura 6. Malformao arteriovenosa numa paciente de 45 anos encaminhada para avaliao de opacificao heterognea da base direita na radiografia de rotina (A). B. Tomografia computadorizada com contraste evidenciando formaes vasculares serpiginosas na base direita drenando para a veia pulmonar inferior dilatada (seta vermelha) Radiografia de Trax em Pediatria aula 2 5 3 Anomalias broncopulmonares e vasculares combinadas 3.1 Sndrome da cimitarra ou sndrome venolobar congnita Consiste no desenvolvimento anormal do pulmo que, quase sempre, ocorre direita. O pulmo pequeno e associado com uma artria pulmonar pequena ou ausente, com suprimento arterial sistmico. O retorno venoso anmalo geralmente ocorre para a veia cava inferior, abaixo da cpula frnica direita ou para sua poro supra-heptica, ou ainda para uma veia heptica ou portal, para a veia zigos, para o seio coronrio ou para o trio direito. A radiografia convencional muitas vezes diagnstica, particularmente quando a drenagem venosa anmala forma a familiar opacidade curvilnea tubular (cimitarra) dirigida para a veia cava inferior (figura 7). O pulmo afetado pequeno e hipertransparente, seu arranjo vascular no tem o aspecto habitual e o outro pulmo hiperinsuflado compensatoriamente, com desvio mediastinal para o lado afetado. Informao adicional pode ser obtida com a ressonncia magntica e com a tomografia computadorizada. Figura 7. Sndrome da Cimitarra em uma mulher assintomtica de 28 anos. Radiografia simples (A) e tomografia computadorizada (B, C) evidenciando discreta reduo volumtrica do pulmo direito, calibrosa veia anmala (seta vermelha) drenando para a veia cava inferior supradiafragmtica (seta verde). Imagem coronal (D) em MIP mostra suprimento arterial sistmico originado da aorta abdominal (seta amarela). Radiografia de Trax em Pediatria aula 2 6 3.2 Sequestro broncopulmonar O sequestro intralobar ou extralobar representa uma anomalia da ramificao traqueobrnquica com reteno do suprimento arterial sistmico embrionrio. Esta a teoria mais aceita, embora alguns autores postulem a origem adquirida. No sequestro intralobar (figura 8), o suprimento sistmico costuma vir de um ramo da aorta, de vasos do abdome superior e mesmo de artrias coronrias, sem colaborao da artria pulmonar. A drenagem feita por veias pulmonares. Os stios mais comuns so os lobos inferiores (60% esquerda; 40% direita). O diagnstico feito principalmente em adultos e no h predileo por gnero. Os brnquios so raros e, com repetidas infeces, pode-se desenvolver uma comunicao com a rvore brnquica. O pulmo adjacente apresenta hiperinsuflao localizada (mais provavelmente representando aprisionamento areo). Raramente se associa com anomalias congnitas. Figura 8. Sequestro pulmonar intralobar numa mulher de 40 anos com suspeita clnica de pneumonia. A. Tomografia computadorizada aps injeo venosa de meio de contraste evidenciando consolidao amorfa basal posterior justadiafragmtica no lobo inferior esquerdo com imagem sugestiva de broncograma areo de permeio (seta vermelha). B, C. Janela mediastinal demonstra duas artrias sistmicas (setas verde e amarela) originadas da aorta descendente suprindo o pulmo sequestrado. D. Imagem coronal em MIP caracteriza a emergncia das duas artrias a partir da aorta. Radiografia de Trax em Pediatria aula 2 7 Sequestro extralobar muito menos frequente (1:6), mais comum no sexo masculino (80%) e tem seu prprio revestimento pleural, sendo mais frequente esquerda junto ao diafragma, mas pode ocorrer na cavidade abdominal ou no espao retroperitoneal simulando massa adrenal. Mais comumente diagnosticado no neonato, associado a cardiopatia congnita e a hrnia diafragmtica posterior (80% dos casos). O suprimento arterial a partir de pequenas artrias originadas da aorta, mas pode haver suprimento pela artria pulmonar, e a drenagem venosa se faz para veias sistmicas (zigos e hemizigos). Seus brnquios podem se conectar com o trato digestivo. 4 Leitura recomendada Zylak CJ, Eyler WR, Spizarny, DL, Stone CH. Developmental lung anomalies in the adult: radiologic-pathologic correlation. Radigraphics 2002;22:S25-S43. Ellis K. Developmental abnormalities in the systemic blood supply to the lungs. AJR Am J Roentgnol 1991;156:669-679. Hatten HP Jr, Lormann g, Rosenbaun HD. Pulmonary sling in the adult. AJR Am J Roentgnol 128:919-921. Stocker JT. Sequestrations of the lung. Semin Diagn Pathol 1986;3:106-121.