15474_4 Renascença Fluminense

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57 3 Os modernos fluminenses, a valorização da história e os usos do passado Os anos que sucederam a I Guerra Mundial ensejaram reflexões sobre os caminhos e descaminhos da civilização européia. A barbárie do conflito colocava em xeque o ideal civilizatório do Velho Continente. Concomitantemete, no Brasil, criticava-se a organização política e social vigente 92 . Os intelectuais envolvidos nesse processo identificavam inúmeros aspectos considerados como entraves para a formação de um Brasil moderno. Segundo Eduardo Jasmim de Moraes, o primeiro tempo modernista foi marcado pelas críticas à tradição vigente e o estabelecimento de um ímpeto renovador 93 . Já a segunda fase, pós 1924, foi o período de investimento em estudos sobre o Brasil e a brasilidade. Desejava-se redescobrir o Brasil94 . Apesar da celebração dos intelectuais paulistas como propugnadores do pensamento modernista, com feições variadas, tais questionamentos estavam presentes em várias partes do território brasileiro 95 . No estado do Rio de Janeiro, nosso objeto de estudo, este fora um período de alterações significativas. Era um momento de intensas disputas políticas em solo fluminense que levaram a mudanças nas diretrizes governamentais locais, assim como ao surgimento de 92 O dossiê anos 1920 da revista Estudos Históricos nos proporciona um panorama geral das questões sociais, políticas, econômicas e culturais então debatidas no período. Cf. Estudos Históricos. Dossiê anos 20. Rio de Janeiro, vol. 6, nº 11, Ano 1993/1. 93 Eduardo Jardim de Moraes. A brasilidade modernista. Sua dimensão filosófica. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. Do mesmo autor. Modernismo revisitado. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 1, nº. 2, 1988, p. 220-238. 94 Elias Thomé Saliba. Reinvenção da história. In: Brasil-brasil: cousas notáveis e espantosas (Olhares modernistas). Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses. 2000. p. 43-49. 95 Estudos de história da literatura destacam a pluralidade do modernismo no Brasil discutindo suas especificidades, por exemplo, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e Alagoas e em Minas Gerais. Cf. Antônio Cândido. Literatura e sociedade. Estudos de teoria e história brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. Alfredo Bosi. História Concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1982. Neroaldo Pontes de Azevedo. Modernismo e regionalismo. Os anos 20 em Pernambuco. João Pessoa: Ed. UFPB; Recife: UFPE, 1996. Antonio Paulo Rezende. (Des)encantos modernos. Histórias da cidade do Recife na década de 1920. Recife: FUNDARPE, 1997. Moacir Medeiros de Sant’Ana. História do modernismo em Alagoas (1922-1932). Maceió: Edufal, 1980. Evelyn Morgan Monteiro. A Revista: modernismo e identidade fluminense (1919-1923). Rio de Janeiro: PUC-RJ, Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultua. Dissertação (Mestrado em História), 2008. Helena Bomeny. Guardiães da Razão: Modernistas Mineiros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

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Sobre o período da Renascença Fluminense - Niterói - RJ

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    Os modernos fluminenses, a valorizao da histria e os

    usos do passado

    Os anos que sucederam a I Guerra Mundial ensejaram reflexes sobre os

    caminhos e descaminhos da civilizao europia. A barbrie do conflito colocava

    em xeque o ideal civilizatrio do Velho Continente. Concomitantemete, no Brasil,

    criticava-se a organizao poltica e social vigente92. Os intelectuais envolvidos

    nesse processo identificavam inmeros aspectos considerados como entraves para

    a formao de um Brasil moderno. Segundo Eduardo Jasmim de Moraes, o

    primeiro tempo modernista foi marcado pelas crticas tradio vigente e o

    estabelecimento de um mpeto renovador93. J a segunda fase, ps 1924, foi o

    perodo de investimento em estudos sobre o Brasil e a brasilidade. Desejava-se

    redescobrir o Brasil94.

    Apesar da celebrao dos intelectuais paulistas como propugnadores do

    pensamento modernista, com feies variadas, tais questionamentos estavam

    presentes em vrias partes do territrio brasileiro95. No estado do Rio de Janeiro,

    nosso objeto de estudo, este fora um perodo de alteraes significativas. Era um

    momento de intensas disputas polticas em solo fluminense que levaram a

    mudanas nas diretrizes governamentais locais, assim como ao surgimento de

    92 O dossi anos 1920 da revista Estudos Histricos nos proporciona um panorama geral das questes sociais, polticas, econmicas e culturais ento debatidas no perodo. Cf. Estudos Histricos. Dossi anos 20. Rio de Janeiro, vol. 6, n 11, Ano 1993/1. 93 Eduardo Jardim de Moraes. A brasilidade modernista. Sua dimenso filosfica. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1978. Do mesmo autor. Modernismo revisitado. In: Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, 1988, p. 220-238. 94 Elias Thom Saliba. Reinveno da histria. In: Brasil-brasil: cousas notveis e espantosas (Olhares modernistas). Lisboa: Comisso Nacional para as comemoraes dos descobrimentos portugueses. 2000. p. 43-49. 95 Estudos de histria da literatura destacam a pluralidade do modernismo no Brasil discutindo suas especificidades, por exemplo, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e Alagoas e em Minas Gerais. Cf. Antnio Cndido. Literatura e sociedade. Estudos de teoria e histria brasileira. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. Alfredo Bosi. Histria Concisa da literatura brasileira. So Paulo: Cultrix, 1982. Neroaldo Pontes de Azevedo. Modernismo e regionalismo. Os anos 20 em Pernambuco. Joo Pessoa: Ed. UFPB; Recife: UFPE, 1996. Antonio Paulo Rezende. (Des)encantos modernos. Histrias da cidade do Recife na dcada de 1920. Recife: FUNDARPE, 1997. Moacir Medeiros de SantAna. Histria do modernismo em Alagoas (1922-1932). Macei: Edufal, 1980. Evelyn Morgan Monteiro. A Revista: modernismo e identidade fluminense (1919-1923). Rio de Janeiro: PUC-RJ, Programa de Ps-Graduao em Histria Social da Cultua. Dissertao (Mestrado em Histria), 2008. Helena Bomeny. Guardies da Razo: Modernistas Mineiros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

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    aes e movimentos culturais que visavam a redescoberta do estado. No

    decorrer da dcada construram-se discursos narrativos e imagticos sobre o Rio

    de Janeiro que nos revelam alteraes na forma como tais pensadores se

    relacionavam com o passado, e que passam a conferir um lugar de destaque

    histria em suas reflexes. Analisar tal mudana de paradigma nosso objetivo

    neste captulo. Nesse sentido consolida-se a idia de que era necessrio o estudo

    da histria do estado do Rio de Janeiro como forma de definir uma Idade de Ouro

    a ser restaurada e, com isso, firmam-se as diretrizes para a produo

    historiogrfica local a partir de ento: temas, cronologias, fontes etc. A anlise de

    tal contexto importante, pois foi neste momento que se estabeleceram

    concepes do papel da histria, do historiador e do fazer historiogrfico com as

    quais os intelectuais fluminenses das dcadas seguintes dialogaram.

    3.1

    O movimento literrio no Estado do Rio de Janeiro nas dcadas de

    1910 e 1920

    Entre cafs e agremiaes literrias vivia a intelectualidade niteroiense da

    dcada de 1920, no diferindo das de outras regies do pas96.

    Apesar de terem existido outros, o Caf Paris foi um dos poucos que

    ficaram imortalizados em relatos memorialistas e em estudos sobre a histria

    literria de Niteri, ento capital fluminense. Fundado em 1898, por Bento da

    Silva Braga, foi reduto de algumas geraes de intelectuais que por ele passaram

    at 1933, quando foi consumido por um incndio. Localizava-se na antiga rua da

    Praia em frente a Mercado Municipal transformado, em 1908, em Estao Central

    96 A bibliografia que destaca a questo da boemia entre os intelectuais de princpios e meados do sculo XX vasta. Entre outros podemos citar: ngela de Castro Gomes. Essa gente do Rio... Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1999. Joo Paulo Coelho de Souza Rodrigues. A gerao bomia. Vida literria em romances, memrias e biografias. In: Sidney Chalhoub; Leonardo Affonso de M. Pereira. (Orgs.). Captulos de histria social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 233-263. Nicolau Sevcenko. Literatura como misso. Tenses sociais e criao cultural na Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1983. Musa Clara Velasques. A Lapa bomia. Um estudo da identidade carioca. Dissertao (Mestrado em Histria). Programa de Ps Graduao em Histria, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1994. da mesma autora. Homens de letras no Rio de Janeiro dos anos 30 e 40. Tese (Doutorado em Histria). Programa de Ps Graduao em Histria, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2000.

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    da Barcas da Companhia Cantareira e Viao Fluminense. Segundo Carlos Werhs,

    sua localizao era central, pois ali veio a ser o lugar de passagem obrigatria

    para um grande pblico. Da entrada do estabelecimento podia-se divisar o

    relgio do edifcio da Companhia Cantareira e, portanto, controlar o tempo

    disponvel para ingerir, mesa evidentemente, um cafezinho e o clssico copo

    dgua, at a sada da prxima barca.97 Verdadeiro cenculo ambulante98, nas

    palavras de um de seus frequentadores, foi um importante lcus da boemia

    literria da cidade que o deixava, ao fechar as portas, s dez horas da noite, e

    rumava para o restaurante Lido, que ficava no bairro de So Francisco, para a

    conclurem suas tertlias literrias. Na dcada de 1910, se reuniam jovens

    formadores de agremiaes literrias que se tornaram instituies de

    congraamento de intelectuais de Niteri99.

    O final da segunda dcada do sculo XX viu desaparecer duas importantes

    instituies intelectuais da cidade: o Grmio Literrio Guarani e o Instituto

    Histrico e Geogrfico do Estado do Rio de Janeiro. Diante desse quadro, em

    1917 foi fundada a Academia Fluminense de Letras, que ocuparia um lugar de

    destaque na institucionalizao da intelectualidade local. Criada por jovens, foi

    motivo da stira de um panfletrio que a chamou de jardim da infncia da

    literatura fluminense:

    a Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro um luzido grupo de mancebos annimos, autores de vrios livros em preparao, seduzido um dia pela imortalidade e, talvez, por uma fortuna problemtica de algum livreiro filantrpico, resolveu fundar essa agremiao literria, imitao do que j tm feito todos os estados100.

    Enfrentando tais opinies externas, a nova agremiao sofreu deseres

    entre o grupo fundador. No momento da organizao da instituio circulou uma

    97 Carlos Wehrs. Captulos da memria niteroiense. Niteri: Niteri Livros, 2002. p. 44. 98 Kleber de S Carvalho. Elogio a Belisrio de Souza. Discurso de recepo proferido na solenidade de 27/10/1948. In: Revista da Academia Fluminense de Letras. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comrcio, n. 1, Outubro de 1949. p. 264. 99 Lyad de Almeida. Lili Leito, o Caf Paris e a vida bomia de Niteri & Niteri. Poesia e Saudade. Niteri: Niteri Livros, 1996. Wanderlino Teixeira Leite Netto. Passeio das Letras na taba de Araribia. A literatura em Niteri no sculo XX. Niteri: Niteri Livros, 2003. 100 O Jardim da infncia da literatura fluminense. Braz Cubas. Semanrio poltico, artstico e noticioso. N. 20, 29-08-1918 (fac-smile). Apud. Lacerda Nogueira. Academia Fluminense de Letras. Conferncia proferida na solenidade de 29/07/1943, comemorativa do 25 aniversrio da instituio. In: Revista da Academia Fluminense de Letras. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comrcio. Vol. X. dezembro de 1957. (fac-smile entre as pginas 40 e 41).

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    lista de adeses que contou com 72 assinaturas. Quando se estabeleceu o

    pagamento de uma semestralidade, o grupo ficou reduzido a vinte e oito e foram

    estes que se auto-atribuam a imortalidade, que definiram as metas, os programas

    e a organizao interna da Academia. Ficaram estabelecidas 48 cadeiras para a

    Classe de Letras, nmero correspondente aos municpios fluminenses ento

    existentes. Sua instalao solene ocorreu durante os festejos do centenrio da

    criao da Vila Real da Praia Grande, em 1919. As palavras de Cortes Jnior

    expressavam os ideais dos fundadores:

    Traduzir o pensamento dos diretores desta ilustre companhia materializar o objeto imediato do nosso programa de ao, no tempo e no espao: eternizar no bronze das letras as grandezas e as belezas todas do torro fluminense. E isso no se me afigura tarefa insupervel a qualquer talento medocre, desde que se me permita partir do princpio universalmente aceito de que, sendo a natureza a suprema inspiradora de todas as artes, as grandes literaturas foram sempre o reflexo do ambiente fsico sobre a sade fisiolgica e mental dos povos.

    O estado do Rio de Janeiro possui grandezas e riquezas que podem continuar a ser imortalizadas na prosa e no verso. Tem a sua Academia de Letras, que hoje semente lanada em terreno feracssimo, numa hora histrica mui propcia aos grandes cometimentos da repercusso social.

    Clula inorganizada agora, alvorecente, florescente, fructescente [sic] amanh, alcanar o caule e levantar a fronde, para levar aos quatro mbitos da terra fluminense o melhor dos perfumes de suas flores e do sabor dos seus frutos.

    Riquezas e belezas morais nenhum povo as conta maiores. E como a Academia de Letras atuar dentro de um panorama tal, ela, presumo, h de realizar brilhantemente os seus altos destinos, ainda que, por verdadeiro paradoxo, o no quisesse101.

    Aps uma instalao murcha e a gesto de Belisrio Augusto Soares de

    Souza, um presidente que nada fizera para que ela vivesse, nada fizera para que

    ela morresse, em finais de 1920 Epaminondas de Carvalho assumiu sua

    presidncia e imprimiu novos rumos para projet-la luminosamente nos fastos

    culturais da nossa Provncia102. Os scios fundadores proferiram discursos de

    elogio aos patronos e foi iniciada uma srie de atividades culturais que agitariam a

    capital do estado. Com essas atividades visavam auto atribuir-se papel de destaque

    na reflexo sobre o estado.

    As querelas literrias e a marginalizao de alguns intelectuais dos quadros

    da Academia Fluminense de Letras gerou uma outra instituio similar: a

    Academia Fluminense de Histria e Letras. Fundada em 21 de setembro de 1923,

    101 Apud. Lacerda Nogueira, ibid., p 54. 102 Lacerda Nogueira, ibid., p. 55.

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    teve seu nome alterado para Cenculo Fluminense de Histria e Letras, um ano

    depois, no momento de sua formalizao legal103.

    A par das querelas e deseres acadmicas organizou-se, na capital

    fluminense, um movimento literrio de estudantes ginasianos agregados em

    grmios escolares ou no. Em 1925 os alunos do Colgio Ablio criaram o Grmio

    Rio Branco, que tinha suas atividades divulgadas no jornal O Discpulo. Este

    prdio passou a ser ocupado pelo Colgio Brasil, que absorveu os alunos do

    educandrio extinto. Os alunos do Colgio Brasil organizaram, ento, o Grmio

    Literrio Euclides da Cunha, que rivalizava com o Rio Branco, ainda existindo.

    Entre 1927 e 1931, desenvolveu suas atividades o Grmio Cultural Alberto de

    Oliveira, organizado pelos alunos do Ginsio Bittencourt Silva. Este contou com a

    presena do patrono, o prncipe dos poetas parnasianos, em algumas

    solenidades e publicou um jornal O Ensaio. Em 1926, a Renascena Fluminense,

    da qual nos ocuparemos adiante, organizou uma homenagem ao almirante no

    momento da inaugurao da rua que lhe tomava o nome como identificao.

    Eudes Casimiro Costa Marques, estudante do Colgio Brasil, congregou um grupo

    de amigos de vrias escolas e criou o Grmio Literrio Baro de Teff. Surgido

    fora do ambiente escolar, existiu at 1930, quando seu presidente afastou-se da

    cidade104.

    Os autores que mencionam o movimento literrio niteroiense do perodo

    destacam a juventude de seus membros. Eram jovens cultores das letras e das

    tradies locais os que organizavam as academias e grmios literrios da capital

    do estado. Eram jovens que ansiavam por um lugar no cenrio intelectual do

    estado e se voltavam para a reafirmao dos valores histricos em um contexto de

    reconstruo do lugar do Estado do Rio de Janeiro na constelao da nao.

    A jovialidade desse grupo era expressa tanto pela idade, como pela

    proposta poltico-cultural defendida. Eles propugnavam a construo de um novo

    estado embebidos pelos ideais modernistas. Um modernismo prximo daquele

    defendido pelos cariocas analisados por ngela de Castro Gomes e Mnica

    103 Mrcia Pessanha. Cenculo Fluminense de Histria e Letras. Resumo histrico. In: Revista do Cenculo Fluminense de Histria e Letras. Niteri, 2004. p. 5-14. 104 Sobre os Grmios culturais estudantis consultar Wanderlino Teixeira Leite Netto. Dana das cadeiras. Histria da Academia Niteroiense de Letras (Junho de 1945 a setembro de 2000). Niteri: Imprensa Oficial/Livraria Ideal, 2001. p. 20.

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    Velloso em que se valorizava o antigo, a tradio, a histria105. Jacques Le Goff

    afirma que o moderno leva a diferentes posturas em relao ao antigo. Se, por um

    lado, pode haver um confronto no sentido da ruptura, por outro h aqueles que

    defendem um lugar do antigo na construo do novo106. Evelyn Morgan Monteiro,

    analisando um peridico fluminense que circulou entre 1919 e 1923, apresenta-

    nos essa faceta do modernismo fluminense. Os intelectuais que se reuniram em A

    Revista propunham a construo de um novo estado alicerado no passado de

    importncia nacional tendo como referncia principal o papel desempenhado

    pela Provncia do Rio de Janeiro durante o perodo imperial , mas que seria

    construdo por um investimento na educao, na sade, no cuidado com a

    infncia, no desenvolvimento do comrcio e da indstria local107. Nesse sentido, a

    valorizao da histria local, dos seus homens ilustres, do pensamento intelectual

    desenvolvido na Velha Provncia ocupava um lugar de significao na construo

    do novo, do moderno. Essas concepes expressaram-se de formas diferenciadas

    em alguns movimentos ocorridos nos anos vinte do sculo XX que passaremos a

    analisar.

    3.2

    Um centenrio a comemorar: A independncia do Brasil

    O ano de 1922 vem sendo considerado na historiografia como data

    emblemtica por concentrar uma srie de eventos que criticavam o regime

    oligrquico estabelecido na Primeira Repblica brasileira. Foi em 1922 que se

    organizaram o Partido Comunista do Brasil, a Reao Republicana, a Semana de

    Arte Moderna, o Centro Dom Vital e as primeiras manifestaes tenentistas. Estes

    expressavam os desencantos de variados segmentos sociais polticos,

    intelectuais e militares, por exemplo com a Repblica vigente, que vinham

    105 ngela de Castro Gomes, op. cit., Mnica Velloso. Modernismo no Rio de Janeiro. Turunas e quixotes. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996. 106 Jacques Le Goff. Antigo-Moderno. In: _____ . Histria e Memria. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. p. 173-206. 107 Evelyn Morgan Monteiro, op. cit.,

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    sendo refletidos na dcada de 1910 e que desembocaram em 1930. Foi tambm o

    momento em que se comemorou o centenrio da independncia do Brasil. A

    efemride em questo proporcionou um momento mpar de anlise da situao

    scio-poltica do pas e da identidade brasileira108.

    A participao fluminense nas comemoraes centenrias vinha sendo

    planejada pela administrao estadual desde 1920. No ano anterior Raul Veiga

    assumiu a presidncia do Estado para o quatrinio 1919-1922. O incio dessa

    gesto foi marcado por um quadro favorvel. Raul Veiga era tido como um dos

    mais fiis correligionrios de Nilo Peanha e, por isso, foi escolhido para suced-

    lo e perpetuar o nilismo que desde finais do sculo XIX controlava a poltica

    fluminense.

    O segundo governo de Nilo Peanha (1915-1917) fora marcado,

    inicialmente, pelos litgios judiciais em torno do reconhecimento do vencedor do

    pleito de 1914, disputado por ele e Feliciano Sodr. Coube ao primeiro o

    reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal e pelo presidente Wenceslau

    Braz. Durante sua gesto foi implementado um rigoroso plano de conteno de

    gastos pblicos visando o pagamento da dvida externa do estado. Alm disso,

    Nilo Peanha deu continuidade s reformas no setor agrcola, j defendidas em

    seu primeiro governo (1904-1906), objetivando a diversificao da produo. Ao

    deixar o governo para assumir o Ministrio das Relaes Exteriores, em maio de

    1917, o estado tinha suas contas saneadas e um quadro de estabilidade poltica

    com a desarticulao das oposies, aps a derrota de Sodr. Esse mandato foi

    completado por Angelo Gerarque Collet, terceiro vice-presidente elevado ao posto

    mximo da administrao estadual em decorrncia do falecimento dos outros dois

    vice-presidentes. Nesse momento iniciaram-se disputas internas no Partido

    Republicano Fluminense para a escolha do candidato ao pleito de 1918. O nome

    de Raul Veiga surgiu como um tertius que impediu cises internas e foi candidato

    nico tendo em vista que as oposies no conseguiram o mnimo de coeso para

    indicar um oponente109.

    108 Marly Silva da Motta. A nao faz 100 anos. A questo nacional no centenrio da independncia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1992. 109 Marieta de Moraes Ferreira (Coord.). A Repblica na Velha Provncia. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1989. p. 215-258.

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  • 64

    Em sua primeira Mensagem presidencial dirigida ao legislativo estadual,

    Raul Veiga conclamava a unio dos poderes para a obra restauradora a que se

    propunha:

    Por maior, entretanto, que sejam esses esforos e trabalhos, faz-se mister um conjugado de foras entre o executivo e o legislativo para que, em movimento sincrnico, e pela convergncia de um melhor aproveitamento das admirveis condies fsicas e econmicas do nosso Estado, realizemos a obra de restaurao do opulento esplendor da antiga Provncia do Imprio, bero que foi de todos os ensinamentos morais e materiais do segundo reinado (grifos meus)110.

    O saneamento das contas pblicas permitiu ao novo governo a promoo

    de uma reforma administrativa desmembrando Secretarias e criando

    departamentos como, por exemplo, a Diretoria Geral de Instruo Pblica,

    subordinada Secretaria de Interior e Justia. instruo pblica, o novo

    governador dispensaria decidido interesse. O problema da instruo pblica ,

    sem dvida, um dos mais delicados, procurando, onde se encontram os defeitos e

    falhas, imprimir um melhor e mais aproveitvel funcionamento, de acordo com as

    foras financeira do Estado...111. Tal interesse adviria por ser o meio capaz de

    solucionar a questo social:

    Estou convencido de que nele que se encontrar, principalmente, a soluo definitiva da chamada questo social que ter de ser, por fora, mais grave nos pases onde a escola for menos perfeita, perfeio essa que deve consistir em que esse rgo seja capaz de unir as classes, afinando-as numa sociedade consciente e inteligente, em vez de dividir, formando castas de dirigentes ineptos e deixando incultas, indisciplinadas, prontas revolta, as multides dos maus dirigidos.112

    A questo social a que se refere o governador era o movimento sindical

    que promoveu greves e manifestaes nesse momento. Raul Veiga colocava-a

    como pauta de seu governo considerando-a como uma das questes sobre a qual

    os deputados deveriam legislar113.

    Alm disso, a escola foi o cone escolhido para simbolizar a obra do

    governo para as comemoraes centenrias. Na Mensagem presidencial de 1920,

    110 Raul de Moraes Veiga. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto de 1919 pelo Dr. Raul de Moraes Veiga. Rio de Janeiro: s/ed, 1919. p. 3-4. 111 Ibid, p. 23. 112 Ibid., p. 23-24. 113 Ibid, p. 6.

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  • 65

    Raul Veiga deixou clara suas intenes em adot-la como marco de sua obra

    administrativa:

    Entendo dotar cada cidade, vila ou povoao, se no for possvel em todas, em sua grande maioria, de um prdio escolar, construindo para esse fim no qual possamos ministrar o ensino completo e eficiente. Ser preparando novas geraes de brasileiros que honraremos os nossos maiores; fundando escolas e combatendo o analfabetismo, teremos pois, penso, prestado um dos maiores servios ao nosso pas.114

    A educao era assim entendida como um elemento importante no seu

    projeto de restaurao do lugar do estado no cenrio nacional. Essa temtica

    tambm ganhou relevo no perodo entre aqueles que se propuseram a refletir sobre

    o pas. O final da dcada de 1910 e a seguinte so marcadas por concepes

    variadas sobre o papel da educao na sociedade brasileira. Um entusiasmo pela

    educao, nas palavras de Jorge Nagle, marcou o perodo115. Segundo esse autor,

    houve um grande investimento em reflexes sobre a escola primria e no combate

    ao analfabetismo. O Recenseamento de 1920 descortinava um universo de 80% de

    analfabetos entre a populao brasileira. Dados alarmantes para um pas cuja elite

    poltica desejava-se apresentar apta a participar do concerto das naes modernas

    e civilizadas s portas das comemoraes centenrias. Esses dados alimentavam

    intelectuais que questionavam as estruturas oligrquicas da Primeira Repblica.

    Para um significativo grupo, a educao seria o veculo capaz de regenerar as

    populaes brasileiras, ncleo da nacionalidade, tornando-as saudveis,

    disciplinadas e produtivas, eis o que se esperava da educao, erigida nesse

    imaginrio em causa cvica de redeno nacional116. Retomava-se o ideal de

    muitos republicanos histricos que depositavam grandes esperanas de, atravs da

    educao, inserir a massa no processo de construo da nacionalidade,

    tornando-a povo.

    114 Raul de Moraes Veiga. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto de 1920 pelo Dr. Raul de Moraes Veiga. Rio de Janeiro: s/ed, 1920. p. 26-27. 115 Jorge Nagle. Educao e sociedade na Primeira Repblica. So Paulo/Rio de Janeiro: EPU/Fundao Nacional de Material Escolar, 1976. p. 97-125. 116 Marta Maria Chagas Carvalho. A Escola e a Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1989. p. 10 cf. da mesma autora. Molde nacional e frma cvica. Higiene, moral e trabalho no projeto da Associao Brasileira de Educao. 1924-1931. Bragana Paulista: EDUSF., 1998.

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  • 66

    Por esse motivo os Grupos Escolares recm-construdos, mais do que

    simples escolas, seriam escolas-monumento, smbolos de uma administrao que

    visava deixar a sua marca na construo de um estado moderno:

    Nas cidades onde esto construdos ressaltam como os mais grandiosos edifcios locais, pois com esse intuito mesmo, foram contrudos, como monumentos com que o governo atual que se encontra testa da administrao do estado quis comemorar nas suas grandes cidades a passagem do centenrio da nosssa independncia poltica.117

    Jacques Le Goff recupera a origem etmolgica do termo monumento.

    Monumentum uma palavra latina cujo radical indo-europeu men exprime uma

    das funes essenciais do esprito (mens), a memria (memini). O verbo monere

    significa fazer recordar. O monumento , assim, algo construdo para fazer

    recordar. O monumento liga-se ao poder de construo simblica. Ele est na

    esfera das relaes de poder, pois construdo com a intencionalidade de

    perpetuar um feito, uma obra ou um personagem, para geraes vindouras118.

    Escolhendo a educao e o erguimento de escolas como monumentos de

    sua administrao, Raul Veiga intentava construir uma imagem de gestor

    moderno, preocupado com a realizao de obras duradouras que ultrapassassem

    seu mandato administrativo e que perpetuassem na memria coletiva suas aes

    enquanto presidente de um estado que outrora fora a principal fora poltica do

    pas e que poderia a voltar a ser. Nesse momento j se articulavam alianas

    polticas em torno de Nilo Peanha, que lhe alimentavam o ensejo de lanar-se

    candidato nas eleies presidenciais de 1922.

    Alm da construo dos monumentos educacionais, Raul Veiga previa,

    ainda no plano dos monumentos de pedra e cal, a construo do Frum de

    Campos e iniciava o projeto de erguimento de uma biblioteca pblica na capital

    fluminense119.

    117 Raul de Moraes Veiga. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto de 1922 pelo Dr. Raul de Moraes Veiga. Rio de Janeiro: s/ed, 1922. p. 34. 118 Jacques Le Goff. Monumento-documento. In: _____ . Histria e Memria. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. p. 525-541. 119 Raul de Moraes Veiga. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto de 1920 pelo Dr. Raul de Moraes Veiga. Rio de Janeiro: s/ed, 1920. p. 28.

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  • 67

    Em suas mensagens identificamos outras aes do governo que foram

    consideradas como obras celebrativas da efemride do 7 de setembro de 1922,

    como a resoluo dos litgios fronteirios com Esprito Santo, Minas Gerais, So

    Paulo e com o ento Distrito Federal, e a organizao da Carta Geral do Estado.

    O estabelecimento das fronteiras estaduais era uma relevante questo

    debatida no VI Congresso Brasileiro de Geografia, realizado em 7 de setembro de

    1919, em Belo Horizonte. A temtica fora proposta pela Sociedade de Geografia

    do Rio de Janeiro e pela Liga de Defesa Nacional, para que fossem sanadas as

    contendas antes das comemoraes do primeiro centenrio da independncia do

    pas. Seguindo esse projeto, o governo fluminense encarregou uma comisso de

    confeccionar a Carta Geral do Estado. Em sua segunda Mensagem

    Assembleia, Raul Veiga, alm de apresentar os trabalhos da Comisso nomeada

    para elaborar a Carta, identificava-a com um importante elemento de

    reconhecimento das condies fsicas do seu territrio que permitiria a elaborao

    de planos de interveno econmica:

    Obteremos por este processo a Carta Corogrfica do Estado, representao suficientemente aproximada da configurao de todo o territrio do estado sem os erros grosseiros que se verificam em certos mapas e sem as lacunas observadas na Carta Corogrfica construda em 1860, pois sero representadas as divisas municipais, as linhas frreas, existentes e em projetos, todas as estradas de rodagem, com indicao de sua categoria de acordo com o plano geral de viao em estudo, as linhas telegrficas e mais detalhes que possam ser representados sem prejuzo da clareza da carta. A carta assim concebida e executada constituir um documento de utilidade real, permitindo formar-se idia justa do desenvolvimento e progresso do Estado neste meio sculo e servindo igualmente de orientao segura para outros importantes melhoramentos e projetos120.

    A Carta Geral do Estado, ao fim e ao cabo, passou a ser a Carta

    Comemorativa do Centenrio por no se ter conseguido levantar todo o territrio

    fluminense, no tempo previsto. Priorizaram-se os trabalhos nas fronteiras e, para

    conclu-la para os festejos, contou-se com documentos j produzidos por orgos

    federais, estaduais e municipais e pelas empresas concessionrias das estradas de

    ferro que cortavam o estado. Ao seu lado seriam expostos dois lbuns

    celebrativos que ficaram a cargo de Clodomiro Rodrigues de Vasconcellos.

    120 Ibid., p. 28-29.

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  • 68

    Clodomiro Vasconcellos ingressou na administrao estadual em finais do

    sculo XIX como inspetor de ensino nomeado para o municpio de

    Maxambomba, atual Nova Iguau. Suas atividades profissionais deram-lhe

    amplos conhecimentos sobre a terra fluminense que o levaram a publicar, em

    1907, O Estado do Rio de Janeiro121. Essa obra era uma das poucas publicaes

    do perodo que se propunham a realizar uma intrepretao panormica do estado,

    inventariando aspectos geogrficos, sociais, econmicos e histricos fluminenses.

    Essas foram as credenciais que levaram Raul Veiga a nome-lo em 24 de janeiro

    de 1922 para organizar a publicao dos dois lbuns que seriam apresentados na

    Exposio Internacional comemorativa ao Centenrio da Independncia. O ofcio

    de nomeao ditava as diretrizes do que deveria constar em cada lbum:

    Desses lbuns, um compreender todas as edificaes e os servios de viao, estradas e pontes, em contruo e j concludas; o outro conter a descrio sinttica dos municpios do estado, com indicaes sobre a superfcie, aspecto, clima, populao, diviso administrativa, riquezas naturais, indstrias exploradas, comrcio, agricultura, viao, no esquecidas as possibilidades econmicas de cada um deles, atentos os fins e natureza do trabalho122.

    Ambos seriam fartamente ilustrados e, para isso, nomeava-se o fotgrafo

    Daniel Ribeiro, que deveria trabalhar sob sua superviso. Clodomiro

    Vasconcellos deveria realizar um trabalho que honre a cultura fluminense, sob

    mltiplos aspectos, e ateste o esforo do governo para dotar o estado de

    melhoramentos e obras desde muito reclamadas, e que tanto contribuem para o

    seu progresso123.

    Ao trmino dos trabalhos decidiu-se pela publicao de um lbum, em

    grande formato, reunindo as duas partes.

    interessante a composio desse lbum. Clodomiro Vasconcellos

    iniciou o texto apresentando o estado por seus aspectos geogrficos: rea

    territorial, topografia, litoral, montanhas, climas, proximidade com o ento

    Distrito Federal etc. Esses elementos geravam condies propcias para a

    121 Clodomiro Vasconcellos. O estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Livraria Viva Azevedo & C. Ed., 1907. 122 Ofcio de 24 de janeiro de 1922. In: Desidrio Luiz de Oliveira Jnior (Org.). Indicador de Leis, decretos, deliberaes e mais atos relativos ao perodo de 1 de janeiro de 1922 a 31 de dezembro de 1925. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comrcio, 1929. p. 469-470 123 Ibid., p. 469.

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  • 69

    explorao econmica tanto para os pequenos lavradores como para os

    milionrios:

    ...por toda parte; cheio de tradio de labor de riqueza, de agasalho e de bondade, o estado do Rio de Janeiro, pequeno pelo territrio, forte porm pela eficincia do seu concurso na grandeza da Ptria, atrai, seduz, convida no s o modesto colono, que vem pedir terra o po, com o trabalho, e a paz, com o teto, como o milionrio, que, na explorao de riquezas naturais, e no amanho das terras feracssimas, quer empregar a atividade e o capital, no irreprimvel anseio de dar e arrecadar moedas124.

    Essas condies o homem e a geografia proporcionariam ao Estado o

    grande celeiro do pas no passado regime, e continuar a ser, na prosperidade

    nacional, fator preponderante atravs do labor adiantado dos seus campos e de

    inmeras indstrias, que se desenvolvem, ao amparo da lei125.

    Aps uma rpida notcia histrica da formao do estado, descreveu

    minuciosamente as ilhas, bacias, lagoas, enseadas, baas, vales, rios, minrios,

    flora e fauna. Suas informaes so pautadas pela indicao das potencialidades

    de explorao econmica desses elementos naturais. A essa descrio seguem

    dados estatsticos sobre a produo exportada, que colocava o estado frente de

    outros como So Paulo e Minas Gerais, e sobre a receita estadual, demonstrando

    a prosperidade fluminense naquele momento.

    Aps relacionar os 48 municpios ento existentes, o autor passou a

    descrev-los, iniciando pela capital do estado, Niteri. As descries seguiam um

    certo padro. Iniciava com a apresentao da origem histrica e de sua evoluo

    poltico administrativa at o momento vivido. A partir da apresentava os aspectos

    fsicos e infra-estruturais redes virias de servios pblicos, de comrcio e

    entreternimento, por exemplo , as atividades econmicas desenvolvidas e

    mencionava obras da administrao de Raul Veiga na localidade.

    Por fim, o autor discorreu sobre duas temticas: a instruo e o

    trabalho. Quanto primeira tem merecido da generalidade dos governos

    fluminenses o maior cuidado, votando-se verbas oramentrias crescentes, para

    124 Clodomiro Rodrigues Vasconcellos (Org.). Centenrio da Independncia do Brasil. lbum do Estado do Rio de Janeiro. S/l: s/ed, 1922. p. 2v e 3. 125 Ibid., p.3-3v.

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  • 70

    pagamento dos professores e de prdios onde funcionam as escolas, e para a

    aquisio de material escolar, de uso individual ou coletivo126.

    E para demonstrar que esse era um assunto de importncia para os

    administradores do estado, Clodomiro Vasconcellos passou a relacionar os atos

    destes desde o perodo imperial at a gesto de Raul Veiga: a populao escolar

    de cada perodo, as verbas oramentrias, os nmeros de escolas e de professores

    da rede pblica e as reformas administrativas. Em relao s aes deste ltimo

    presidente, o organizador do lbum deu voz ao governante transcrevendo longos

    trechos de suas quatro mensagens dirigidas Assemblia Legislativa. Seu

    balano final destacava as realizaes de Raul Veiga. Em relao s destinaes

    oramentrias, por exemplo, diz que verifica-se que o atual governo do Estado,

    em 4 anos destinou a to meritria obras [construo de prdios escolares],

    importncia superior que, em 29 anos [1889-1918], gastaram anteriores

    administraes127. Enfim, muito e muito tem feito o poder pblico, e o

    presidente Raul Veiga no tem poupado esforos para difundir e melhorar o

    ensino pblico primrio128.

    O trabalho foi a ltima parte do lbum. Destinava-se a pormenorizar as

    atividades produtivas do estado no meio urbano e rural:

    Se as cidades, vilas e povoaes fluminenses, em sua generalidade, progridem; se, depois da proclamao da Repblica, na maioria das cidades e vilas se observa, com o aumento de populao, maior movimento comercial, fundao de estabelecimentos industriais, edificaes novas ou reconstrues de boa arquitetura; se a canalisao de gua potvel, a instalao de redes de esgotos, a iluminao por eletricidade, significando saneamento e conforto, atestam o esforo das administraes do Estado e de Cmaras Municipais, e so prova irrefutvel de um progresso acentuado promissor de um futuro feliz; se, margem das linhas frreas, que atravessam o territrio na proporo de um kilmetro de trilhos para 16 kilmetros quadrados de superfcie, surgem, por encanto, povoaes que prosperam, atraindo capitais e moradores, o campo no se apresenta menos animador129.

    Antes de descrever as atividades agrcolas e industriais em

    desenvolvimento no estado Clodomiro Vasconcellos fez uma avaliao da

    situao econmica fluminense. Segundo o autor, a crise gerada pelo fim da

    126 Ibid., p. 112v. 127 Ibid., p.118v. 128 Ibid., p.123. 129 Ibid., p. 123v.

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  • 71

    escravido tinha sido superada pela ao de sucessivos governos que apoiaram a

    produo atravs da reformulao de impostos de da criao de bases de

    infraestrutura para seu desenvolvimento: a criao de estabalecimentos de ensino

    tcnico-agrcola, a ampliao da rede de viao terrestre e ferroviria etc. A partir

    da passou a detalhar as atividades agro-pastoris e industriais, destacando os

    principais produtores e inserindo dados estatsticos demonstrando o seu

    crescimento ao longo do tempo e sua importncia para a receita pblica.

    Associado ao texto encontra-se um farto material fotogrfico. As imagens

    retratam eminentemente aspectos pblicos das localidades praas, ruas, prdios

    oficiais (Prefeituras, Cmaras Municipais, Escolas), estabelecimentos religiosos

    (igrejas), associativos (Associaes Comerciais, Casas de Caridade) e as

    atividades produtivas (fazendas, indstrias, campos agrcolas e de pastagens,

    oficinas, maquinrios e animais).

    Figura 1: Capa do lbum do Estado do Rio de Janeiro, 1922 Fonte: Clodomiro Vasconcellos (Org.). Centenrio da Independncia do Brasil. lbum do Estado do Rio de Janeiro. S/l: s/ed, 1922. Acervo do Grupo de Pesquisa Histria de So Gonalo/UERJ-FFP

    Figura 2: Pgina onde se inicia a parte referente ao municpio de Terespolis do lbum do Estado do Rio de Janeiro, 1922. Fonte: Clodomiro Vasconcellos (Org.). Centenrio da Independncia do Brasil. lbum do Estado do Rio de Janeiro. S/l: s/ed, 1922. p. 43. Acervo do Grupo de Pesquisa Histria de So Gonalo/UERJ-FFP

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  • 72

    Atravs dos textos de Vasconcellos e das fotografias de Daniel Ribeiro, o

    lbum construa uma imagem progressista para o Estado. A imagem de um

    estado onde a geografia conferia condies propcias ao desenvolvimento e que o

    concerto das 48 municipalidades caminhava em um mesmo rumo: a pujana

    fluminense. E esta seria construda atravs da educao e da produo, campos

    estes que concentravam as atenes da administrao estadual.

    O lbum do Estado do Rio de Janeiro um cone das propostas nilistas

    para o Estado e das perspectivas desse grupo em relao Histria. As

    expectativas vindouras, as projees firmadas pelos dirigentes polticos no se

    aliceram na experincia pretrita. O passado reconhecido era aquele que gerara o

    contexto de crise poltica e econmica, o ps-abolio da escravatura. Esse nada

    de relevante somara para a construo de novos tempos na regio. Pelo contrrio,

    fora, segundo se defendia, superado pelas aes empreendidas pelo nilismo em

    quase trs dcadas de controle da poltica local. As propostas de Nilo Peanha no

    campo econmico, por exemplo, de diversificao agrcola iam contra a tradio

    local de privilgio da monocultura do acar e do caf fortalecida no perodo

    imperial. No se quer dizer com isso que se desprezasse a histria local. Como

    pudemos ver, Raul Veiga colocava-se como aquele que estaria dirigindo o

    processo de restaurao do fausto do estado identificado como o perodo do II

    Reinado. No entanto, a histria do perodo imperial no se colocava como

    alicerce das construes discursivas de caracterizao do fluminense naquele

    momento. O lbum destacava o presente indicando-o como um momento mpar

    na histria fluminense. Ressalva-se o progresso vivido. Projetava-se um devir

    venturoso a partir do diagnstico geo-econmico realizado.

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  • 73

    3.3

    A Renascena Fluminense

    O ano de 1922 foi marcado tambm por alteraes no cenrio poltico do

    estado do Rio de Janeiro. Nas eleies presidenciais que ocorreram nesse ano,

    Nilo Peanha participou da Reao Republicana que lanou sua candidatura ao

    cargo maior do executivo nacional. Em torno de Nilo Peanha aliaram-se os

    chefes polticos de estados de segunda grandeza no panorama da Primeira

    Repblica: Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco. A Reao Republicana

    colocava-se como um movimento propulsor de um eixo alternativo de poder

    visando abalar o predomnio de Minas Gerais e So Paulo130.

    Apesar de toda mobilizao gerada pela imprensa e por novas estratgias

    de campanha Nilo Peanha e J. J. Seabra, baiano candidato vice-presidncia

    na mesma chapa, adotaram a prtica de comcios nos centros urbanos , a

    mquina oligarca que dominava o sistema eleitoral no perodo levou vitria de

    Arthur Bernandes, candidato situacionista.

    O novo presidente da Repblica adotou a prtica da perseguio e do

    alijamento poltico daqueles que se envolveram com a Reao Republicana. No

    caso do Estado do Rio de Janeiro neste ano tambm ocorreram as eleies para o

    novo governo fluminense. O nilismo lanou Raul Fernandes e a oposio,

    Feliciano Sodr. As oposies, unidas sob a figura de Sodr, aproximaram-se do

    novo presidente visando alterar o quadro poltico do estado do Rio de Janeiro. A

    vitria de Raul Fernandes no foi reconhecida pelos deputados estaduais

    oposicionistas, que se retiraram da Assembleia e empossaram Sodr no cargo. A

    duplicidade de governos levou interveno federal no estado, sendo nomeado

    interventor Aurelino Leal, ex-chefe de polcia da capital do pas. Durante o ano

    de 1923, o interventor promoveu o desmonte da mquina nilista do estado e

    organizou novo pleito eleitoral. Neste foi eleito o candidato nico, Feliciano

    Sodr, empossado em 23 de dezembro de 1923.

    As mudanas polticas geravam um momento propcio para que novas

    reflexes sobre o estado surgissem. Nesse contexto, um grupo de intelectuais,

    130 Marieta de Moraes Ferreira. A Reao Republicana e a crise poltica dos anos 20. In: Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol. 6., n.11, 1993, p. 9-23.

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  • 74

    liderados por Lacerda Nogueira, secretrio perptuo da Academia Fluminense de

    Letras, fundou a Renascena Fluminense. Segundo Maurcio de Medeiros, redator

    dos seus estatutos, a nova agremiao constitua-se de

    um grupo de objetivos pelo renascimento material e moral do estado do Rio de Janeiro. Desenvolvendo uma ao alheia poltica, a Renascena Fluminense propunha-se a manter no estado o respeito dos seus grandes homens, o culto memria de seus grandes acontecimentos, a defesa de suas instituies liberais, estimulando por todas as formas todas as manifestaes de vitalidade do estado.131

    Desde fins de 1920 a Academia Fluminense de Letras tinha iniciado uma

    srie de atividades culturais que movimentavam a capital do estado. Com essas

    iniciativas, seus membros visavam auto-atribuir-se papel de destaque na reflexo

    sobre o estado. Em 1921, o mesmo Maurcio de Medeiros pronunciou seu

    discurso de posse como scio correspondente da Academia. Sua conferncia

    tomou o ttulo sugestivo de Os intelectuais e a direo do mundo. Nela,

    Medeiros diagnosticou que se viviam tempos de mudanas. A influncia norte-

    americana se fazia crescente no pas. E, com ela, a crtica s cincias do esprito

    o humanismo, em geral , supervalorizando-se o conhecimento prtico, tcnico

    e tecnolgico. Por outro lado, pairava a perspectiva de implementao de uma

    nova ordem mundial com as crticas ao capitalismo vigente, especialmente aps a

    Revoluo Russa. O capitalismo, como as demais instituies que o precederam

    o escravismo, o feudalismo, a realeza tendia ao envelhecimento que levaria

    sua superao. As Academias deveriam estar aptas a participar desse processo.

    Elas seriam o reduto da inteligncia, as guardis da cultura do esprito.

    Nesse cenrio:

    Senhores da Academia Fluminense de Letras! Em nome do bom senso, em nome de nossas tradies, em nome de um passado em que o estado do Rio forneceu ao pas os mais cultos de seus estadistas, em nome de tudo quanto a Humanidade acumulou em sculos de saber, em nome das maiores glrias da inteligncia erguei-vos em brados fortes e ao enrgica contra a venenosa doutrina desses brutalizadores do esprito humano!

    Neste estado, onde a riqueza da inteligncia das mais fartas, muito embora se mantenha em grande desproporo com a extenso da cultura popular, cabe-

    131 Maurcio de Medeiros. O presidente Sodr e a Renascena Fluminense. In: Manoel Leite Bastos (Org.). O Estado do Rio de Janeiro e seus homens. 2 ed. Niteri: s/ed., 1928. p. 2.

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  • 75

    vos, Srs. da Academia Fluminense, esse papel de condutor que as democracias se reconhece aos superiores pelo crebro, pela razo, pela inteligncia132.

    Os intelectuais deveriam assumir a vanguarda nesse processo que levaria

    implantao de uma nova ordem social. Cabia-lhes ainda assegurar s elites

    intelectuais o domnio poltico do pas, sua direo, sua orientao, de maneira a

    interpor a plasticidade da ao intelectual entre a cupidez avara dos plutocratas

    e a nsia tumulturia das grandes massas133. As massas expressavam a

    insatisfao quanto s injustias do regime mas no estariam aptas a dar um rumo

    seguro ao processo de transformao social que se vivenciava. Essa seria a

    misso dos intelectuais: a construo de novos tempos em slidas bases, tendo

    por fonte a experincia pretrita da qual os membros da Academia Fluminense de

    Letras eram representantes, j que eram herdeiros de uma tradio que remontava

    Academos de Plato. Mudanas sem rupturas era a tnica do discurso, uma

    modernizao conservadora.

    Esse iderio de guiadores dos novos tempos imperava entre os intelectuais

    que compuseram a Renascena Fluminense. Um sentimento de construo de

    novos tempos em contraponto ao nilismo. Os renascentistas propunham que esse

    novo momento deveria ser alicercado na tradio histrica local, revalorizando o

    perodo imperial. Visava-se a construo de um sentimento cvico de patriotismo

    em que seriam reverenciadas a memria dos fatos e os heris que levaram

    construo da histria nacional, destacando-se o papel dos fluminenses nesse

    processo. Para seus intentos, obtiveram o apoio de um personagem importante

    para viabiliz-los: o presidente Feliciano Sodr. Apesar de oposicionista, o nilista

    Maurcio Medeiros louvou o apoio dado pelo presidente do estado s realizaes

    da Renascena:

    Seria insincero se contivesse os meus aplausos ao modo pelo qual o presidente Feliciano Sodr considerou esse empreendimento, abraou seu programa, e contribuiu, quanto em si esteve, para sua realizao. A qualidade que esse apoio revela redime-o, ao meu ver, de muitos de seus pecados polticos134.

    132 Maurcio de Medeiros. Os intelectuais e a direo do mundo. Discurso de posse como membro correspondente da Academia Fluminense de Letras pronunciado na solenidade de 28/04/1921. In: Revista da Academia Fluminense de Letras. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comrcio. Vol. IV, junho de 1951. p. 9. 133 Ibid., p. 10. 134 Maurcio de Medeiros, op. cit., p. 2.

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  • 76

    Na citao anterior observa-se a construo da imagem do presidente

    Sodr como a de um homem que colocava os ideais de governo acima das

    querelas polticas. Suas aes administrativas estariam voltadas para a restaurao

    do lugar do estado entre os grandes do regime republicano, como afirmaria

    Clodomiro Vasconcellos sobre a participao do presidente no Congresso das

    Municipalidades, por ele convocado em 1924. Esse encontro teria como objetivo

    discutir com os prefeitos dos municpios fluminenses seus problemas e planejar

    aes que levassem a solues prticas. A convocao do congresso tambm

    pretendia construir uma imagem de governante moderno pois a os partidarismos

    seriam solucionados na busca por um projeto coletivo de recuperao do estado.

    Segundo Clodomiro Vasconcellos a obra regeneradora j se processara:

    No discurso inaugural Feliciano Sodr, com muito entusiasmo, discurso feito de f e de esperana nos destinos do Rio de Janeiro, disse que no era mais lcito rememorar, entre saudades, a grandeza da Velha Provncia estribilho intolervel j, porque o Rio de Janeiro readquirira essa grandeza e retomara o prestgio, que sempre desfrutara.135

    Sodr esforava-se para criar uma imagem de dirigente empreendedor e

    investidor na recuperao fluminense e esta s seria possvel com a reafirmao

    dos valores do estado, o mesmo iderio que pautava as aes da Renascena

    Fluminense. A formao patritica dos habitantes do estado, especialmente

    ligada aos agentes educacionais e aos alunos da rede pblica de ensino, passou a

    ser uma bandeira que unia o dirigente poltico e os intelectuais renascentistas. Em

    sua ltima mensagem ao legislativo fluminense, Sodr exps tal associao:

    Os professores fluminenses, seja por impulso prprio e nobilssimo sentimento patritico, seja por observncia rigorosa do Regulamento, perfeitamente integrados na obra de civismo, que acorda e estimula as energias nacionais, se no tem descurado de prestar s datas gloriosas da histria ptria e aos vultos ilustres e eminentes, que a dignificaram, as justas, merecidas e oportunas homenagens, mantendo as escolas num ambiente de f e de puro patriotismo.

    A esse movimento se tem associado louvadamente a Renascena Fluminense que, apercebida do alcance educativo dessas comemoraes, lhes h prestado relevante concurso e muita vez tendo a iniciativa de solenidades que representam

    135 Clodomiro Vasconcellos. Congresso das Municipalidades In: Manoel Leite Bastos (Org.). O Estado do Rio de Janeiro e seus homens. 2 ed. Niteri: s/ed., 1928. p. 13.

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    um valioso servio terra fluminense, porque nelas interessa a mocidade, que se educa, a esperanosa gerao de amanh 136.

    A realizao de conferncias em espaos educacionais e a construo de

    monumentos cvicos foram as principais estratgias utilizadas por esse grupo na

    formao cvica dos fluminenses.

    Entre 1925 e 1928 investiu-se na construo de uma estaturia de vultos

    nacionais e fluminenses que marcaram a paisagem da capital do estado. Em 1925

    ergueu-se, na praa Leoni Ramos, o busto de D. Pedro II assinalando o centenrio

    de nascimento do ex-monarca. No ano seguinte, no ento Jardim Icara atual

    praa Getlio Vargas , inaugurou-se o busto de Antnio Parreiras que h anos

    encontrava-se no Arquivo Municipal. Em junho de 1927 homenageou-se o baro

    de Teff com uma estela de bronze afixando-a no Grupo Escolar Silva Pontes,

    que ficava em frente Praa do Rink. Em outubro desse mesmo ano era

    inaugurado o busto de Nilo Peanha na praa que levava o nome do

    homenageado. O primeiro governador republicano do estado, Francisco Portela,

    teve seu busto inaugurado em 19 de novembro daquele ano, no Jardim So Joo.

    Em janeiro de 1928 era vez de Fagundes Varela ganhar sua homenagem em

    bronze no Jardim do Gragoat137. Outro que teria seu busto erguido nesse

    momento seria Alberto de Oliveira, que, no entanto teve de esperar trinta anos at

    que Alberto Fortes o inaugurasse em 1958 durante sua gesto como prefeito de

    Niteri138. Feliciano Sodr tambm teve seu busto confeccionado e instalado na

    Praa da Renascena, em frente ao porto de Niteri, em 9 de abril de 1928. Dom

    Agostinho Benassi, primeiro bispo de Niteri, teve seu busto inaugurado em 17

    de junho de 1928 na praa que recebeu seu nome em frente Igreja de So

    Loureno. exceo de D. Agostinho Benassi e Francisco Portela,

    136 Feliciano Sodr. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto de 1927 pelo presidente do estado Feliciano Pires de Abreu Sodr. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comrcio, 1927. p. 103-104. 137 Devido ao mau estado de conservao foi-me vedada, na Biblioteca Nacional, a consulta da coleo do jornal O Estado, principal rgo da imprensa fluminense do perodo. Na ausncia de outras fontes este peridico seria um manancial de informaes importantes sobre as atividades da Renascena Fluminense. Esses dados, sobre as inauguraes dessa estaturia urbana promovida pela Renascena, me foram fornecidos por Emmanuel de Macedo Soares, pesquisador niteroiense que h anos vem coletando dados sobre o estado e que consultou a coleo na dcada de 1980. Meus sinceros agradecimentos ao pesquisador. 138 Emmanuel de Macedo Soares informa que a idia do busto de Alberto de Oliveira foi aventada em 1927 na Academia Fluminense de Letras, mas que o busto s foi erguido quando Alberto Fortes, que fora seu presidente, estava frente do executivo niteroiense. Cf. Emmanuel de Macedo Soares. Monumentos de Niteri. Niteri: xito-Fundao de Artes de Niteri, 1992. p. 20.

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    respectivamente carioca e piauiense de nascimento, todos os demais eram

    fluminenses, at mesmo Pedro II que nascera em 1825, antes portanto, da

    transformao da cidade do Rio de Janeiro em Municpio Neutro desmembrada

    da Provncia do Rio de Janeiro, que ocorreu com o Ato Adicional de 1834.

    Mesmo D. Agostinho e Francico Portela tiveram fortes ligaes com o estado.

    Figura 3: Busto de Nilo Peanha. 1927. Fonte: Paulo Knauss (Coord.). Sorriso da cidade. Imagens urbanas e histria poltica de Niteri. Niteri: Niteri Livros, 2003. p. 127

    Figura 4: Busto de D. Agostinho Benassi. 1928. Fonte: Emmanuel de Macedo Soares. Monumentos de Niteri. Niteri: xito-Fundao de Artes de Niteri, 1992. p. 68.

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    Mas o maior empreendimento estaturio do perodo foi a criao de um

    monumento em homenagem instaurao do regime republicano destacando-se

    a colaborao dos fluminenses na obra integral da implantao do regime

    republicano no Brasil139, o Triunfo da Repblica. Cotizando com as

    municipalidades as despesas dessa grandiosa construo, Sodr emitiu uma

    circular aos prefeitos e Cmaras municipais justificando tal obra:

    Pareceu-nos que, em se tratando de uma realizao que procura significar o esforo solidrio da alma fluminense nos seus pendores polticos e nos seus anseios cvicos para a implantao e a consagrao da Repblica em nossa terra, seria imprescindvel que a ela, explcita e ostensivamente, se associassem, num gesto de vontade expressa e de viva e calorosa solidadriedade, todos os municpios fluminenses, laboratrios onde gerou a fora poderosa, a cujo servio vrios de nossos coestaduanos atingiram a culminncia da notoriedade, inscrevendo seus nomes na histria ptria pelo fulgor de sua atuao na organizao republicana, e, na imprensa e na tribuna, pregando o apostolado democrtico e temos implicitamente nomeado Benjamim Constant, Quintino Bocayuva e Silva Jardim. Assim, esperamos que os poderes municipais, em perfeita comunho com os diferentes fatores de expresso popular, tudo empenharo para que, a 15 de novembro do ano prximo vindouro, possa o estado do Rio de Janeiro dar um testemunho de sua alta cultura cvica e de seu decidido amor Repblica140.

    O Triunfo da Repblica foi erguido em frente Assemblia Legislativa.

    No alto de um pedestal, foi entronizada uma figura feminina guiando uma biga

    romana puxada por dois cavalos em posio de galope. frente h um jovem

    com um archote. Ladeando a representao da Repblica encontram-se as

    esttuas de paladinos do regime: Benjamim Constant, Quintino Bocayuva e Silva

    Jardim. Trs expoentes da propaganda republicana que defendiam projetos

    diferentes para o novo regime que seria implementado no Brasil em 1889141.

    Havia tambm, no capitel do pedestal, nichos onde foram depositadas pores de

    terras de cada um dos 48 municpios que compunham, na aquele momento, o

    estado.

    139 Feliciano Sodr. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto de 1925 pelo presidente do estado Feliciano Pires de Abreu Sodr. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comrcio, 1925. p. 09. 140 Ibid., p. 09-10. 141 Jos Murilo de Carvalho. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a repblica que no foi. 3 ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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    Figura 5: O Triunfo da Repblica. 1927. Praa da Repblica. Niteri. s/d. Fonte: Emmanuel de Macedo Soares. Monumentos de Niteri. Niteri: xito-Fundao de Artes de Niteri, 1992. p. 167

    Figura 7: Quintino Bocaiva. 1927. Praa da Repblica. Niteri, s/d. Fonte: Emmanuel de Macedo Soares. op. cit.,.p. 147

    Figura 6: Silva Jardim. 1927. Praa da Repblica. Niteri, s/d. Fonte: Emmanuel de Macedo Soares. op. cit.,. p.157.

    Figura 8: Benjamim Constant. 1927. Praa da Repblica. Niteri, s/d. Fonte: Emmanuel de Macedo Soares. op. cit.,.p. 44

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    Este momumento foi inaugurado em 21 de dezembro de 1927, trs dias

    antes de Feliciano Sodr deixar o governo. Nesse mesmo dia, s 8h30min, Sodr

    inaugurou o Porto de Niteri. Esses eventos contaram com a participao de

    Washington Lus, presidente da Repblica, e do senador Manuel Duarte, eleito

    presidente do estado para o quatrinio 1928-1931.

    Com as duas obras, inauguradas no mesmo dia, Feliciano Sodr pretendia

    afirmar-se como um divisor de guas na histria do estado. O porto simbolizava a

    perspectiva de uma autonomia econmica e o monumento Republica visava

    lig-lo obra dos fundadores da Repblica142. Sodr colocava-se como

    regenerador do regime, como aquele que estaria imprimindo novos rumos para o

    estado que o levaria a ocupar um lugar de destaque no cenrio politico do

    perodo. De fato, o alinhamento de Sodr, continuado por seu sucessor, Manuel

    Duarte, estabeleceu um bom relacionamento entre as esferas estaduais e federal,

    garantindo um ministrio ao estado durante a presidncia de Washington Lus.

    A redefinio do lugar da estaturia no imaginrio social um fenmeno

    que remonta ao final do sculo XVIII na afirmao dos valores liberais e que se

    desenvolve no seguinte, na Europa, em especial na Frana. Nesse perodo

    firmara-se trs perspectivas. A panteonizadora que sacralizava os heris da

    Revoluo Francesa, geralmente personagens de saber (intelectuais e artistas),

    personagens que teriam influenciado mas no vivido o movimento, como

    Voltaire, por exemplo. A segunda seria a despanteonizadora, que laicizava os

    cones escolhendo, primordialmente, personagens polticos, o que permitia a

    incorporao dos vivos no rol dos homenageados. E, por fim, a napolenica, que

    elegeu colunas, obeliscos e pirmides como cones secundarizando a estaturia.

    A estatuamania afirmou-se e generalizou pelo mundo liberal ocidental, a

    partir de 1870, como forma de celebrao de personagens e propulsor de uma

    142 Marcelo Abreu analisou a histria desse monumento como um smbolo de diferentes concepes de cidadania ao longo do sculo XX. Sua anlise da criao coloca-o como smbolo de uma administrao que visava afirmar-se como regeneradora do estado e que defendia uma cidadania excludente dos segmentos populares, ausentes dos festejos de inaugurao. Marcelo Abreu. Entre civismo e democracia. In: Paulo Knauss (Coord.). Sorriso da cidade. Imagens urbanas e histria poltica de Niteri. Niteri: Niteri Livros, 2003. p. 83-127.

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    pedagogia pelo exemplo143. As iniciativas so politizadas, o que gera a

    mobilizao da sociedade civil. Paulo Knauss afirma que este fora o modelo

    aportado na Corte e na Capital Federal, o Rio de Janeiro, e que o caso de Niteri

    difere do modelo tpico da estatuamania em que a sociedade civil se mobilizava

    para a construo de seus monumentos sem o controle do Estado. Segundo

    Knauss, no se pode falar em estatuamania, propriamente dita, porque a

    constituio do acervo de imagens da cidade assumido, sobretudo pelos

    sujeitos do Estado. A estaturia urbana da capital fluminense seria ento obra

    dos grupos sociais controladores das estruturas do Estado144.

    O movimento gerado pela Renascena Flumienense, por seu turno, leva-

    nos a complexificar essa questo. A proposio da edificao de inmeros bustos

    no partiu do governo mas sim de uma organizao que, a princpio, no estava

    diretamente atrelada sua estrutrura. Muitos dos bustos em questo foram frutos

    de cotizao dos membros do movimento que, ao no obterem os recursos

    necessrios obra, buscavam auxlio na administrao estadual. O aceite desta

    em contribuir e promover outros desses momumentos no significaria que seu

    objetivo fosse unicamente o controle sobre a produo simblica de cones locais.

    A associao entre letrados e administradores baseava-se na crena de que cabia

    ao Estado o papel de agente no processo de afirmao e defesa dos valores

    identitrios locais. Se certo afirmar que o caso niteroiense marcado pelos

    grupos que controlavam o poder, deve-se pensar quais eram as relaes internas

    presentes nesses grupos que geravam determinadas propostas, posicionamentos e

    aes.

    Em paralelo estaturia construda na capital fluminense a partir de 1925,

    foram proferidas conferncias sobre temas histricos, especialmente no salo

    nobre da Escola Normal de Niteri. Uma delas foi feita por Antnio Figueira de

    Almeida, em 13 de agosto de 1928, momento comemorativo do primeiro lustro de

    existncia do movimento renascentista, e o conferencista dissertou sobre Os

    fluminenses na histria do Brasil. Nela esto condensados os ideais desse

    movimento em construir, atravs da histria, um sentimento cvico fluminense.

    143 Paulo Knauss. Cidade Panteo. Produo social da imaginria urbana. In: _____. (Coord.). Sorriso da cidade. Imagens urbanas e histria poltica de Niteri. Niteri: Niteri Livros, 2003. p. 175-213. 144 Ibid., p. 190-191.

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  • 83

    Para alm desse propsito, Figueira de Almeida faz uma anlise da histria do

    Brasil atravs da participao dos filhos nativos ou no do estado.

    O conferencista identificava aquele momento como propcio para se falar

    sobre a temtica:

    necessrio, porm, que se fale muito de nossa terra, ainda entre fluminenses, para que voltemos a ser o muito que j fomos. Se ns nos conhecssemos melhor, havamos de ter, forosamente, uma to clara conscincia de nosssa fora e de nosso valor, que isso nos daria estmulo para resolver os problemas cuja soluo transformaria nossa terra no mais invejvel recanto de todo o planeta145.

    Era necessrio conhecer as idias, a ao e os valores dos fluminenses,

    pois foram estes que construram o Brasil. A grandeza fluminense, porm, se

    confunde com a do Brasil de um modo particular, e no apenas como sua parte

    integrante, porque em grande parte a grandeza fluminense que determina a

    grandeza do nacional146.

    Para que os eventos da histria ptria ocorressem, sempre ou o

    fluminense que semeia a idia que o motivou ou o fluminense aquele que o

    realiza147. Isso ocorrera especialmente no perodo imperial. Neste, mesmo

    quando grandes atos eram praticados por naturais de outras provncias, por

    ocasio desses atos, esses filhos de outras terras no eram seno representantes

    legislativos da terra fluminense148.

    Segundo Figueira de Almeida, a histria de um pas era composta de fases

    com caracteres definidos e cuja concatenao forma o todo contnuo e

    harmnico. Eram a usados os marcos da histria ptria: a Colnia, a

    Independncia, o I Reinado, o Perodo Regencial, o II Reinado e a Repblica. Em

    cada uma dessas fases se destacou a ao de um filho da terra.

    Se na Colnia e no processo de independncia os fluminenses j se

    apresentavam em papis relevantes como exemplo o conferencista citou D.

    Francisico Lemos, fluminense que chegou reitoria da Universidade de Coimbra

    e foi conselheiro do Marqus de Pombal, e o brigadeiro Luiz Pereira da Nbrega

    de Souza Coutinho, primeiro ministro da Guerra de D. Pedro I , no resta,

    145 Antnio Figueira de Almeida. Os fluminenses na histria do Brasil. Niteri: Tipografia Jeronymo Silva, 1928. p. 9. 146 Ibid.,p. 9. 147 Ibid.,p. 9. 148 Ibid.,p. 11.

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  • 84

    porm, nenhuma dvida em que, depois de formado esse centro de gravitao a

    capital do novo pas independente , a colaborao fluminense se torna

    primacial149.

    O processo de organizao do novo governo contou com a participao do

    Marqus de Maric na elaborao da Constituio de 1824. J nas Guerras de

    Independncia o imperador pde contar com a participao do primeiro Lima e

    Silva.

    Durante as Regncias basta acentuar que foi fluminense o varo ilustre

    que mereceu excepcionalmente a permanncia constante nos triunviratos

    regenciais de 31 a 35. Mas no s. Quando a regncia se unifica, Feij o

    intimorato procura, com colaborao de Suru o amparo dos fluminenses, do

    mesmo modo que Olinda procura o mesmo amparo por intermdio de Itabora e

    Uruguai, enquanto Caxias contm por toda parte os distrbios e os excessos

    revolucionrios150.

    Apesar de tudo, para que o pas voltasse normalidade procurou-se, na

    maioridade de Pedro II, a soluo salvadora. Nessa fase foi porm, necessrio

    que ainda se fizesse mais em benefcio do Brasil. Caxias, igualado a Csar,

    realizou a obra pacificadora que consolidou o imprio. Resgataram-se as figuras

    de Itabora, Beaurepaire Rohan, Uruguai, Rio Branco e outros que participaram

    dos gabinetes imperiais.

    Nas questes que sacudiram o pas ps-Guerra do Paraguai, os

    fluminenses teriam tido papel relevante, mas foi na propaganda abolicionista e

    republicana que sua ao se fez mais premente.

    Apesar de reconhecer que os cativos tinham direito liberdade, Figueira

    de Almeida critica o encaminhamento do processo abolicionista. A escravido

    deveria ter sido preparada com a substituio do escravo pelo imigrante para que

    no se desorganizasse a produo.

    Tudo isso que se v, em largos espaos no Brasil ruinarias, terras improdutivas, fortunas desmoronadas, dificuldades de capital, desorganizao do trabalho etc que seno consequncia do erro de se ter proclamado a liberdade antes que se tivesse procurado modo de evitar tantas perturbaes?151

    149 Ibid., p. 17. 150 Ibid., p. 20. 151 Ibid., p. 30.

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  • 85

    O encaminhamento da abolio, acompanhada da Questo Religiosa e da

    Questo Militar, levou ao desenraizar a monarquia e instaurao da

    Repblica152. O incio do novo regime foi nossa quase runa, mas o pas

    superou as dificuldades. Os anos 1920 seriam marcados pela recuperao do

    comrcio, da indstria e por investimentos na instruo. A degenerao total no

    acontecera pois os conservadores fluminenses, apesar de considerados

    retrgrados e escravocratas, assumiram os rumos do processo e propugnaram

    pela poltica de conservar melhorando e que se por toda a parte e sempre a

    melhor, era tambm, no tempo, a mais oportuna153.

    Neste ponto o conferencista destacou o papel da provncia como um

    celeiro de intelectuais que defendiam as mais variadas correntes de opinio no

    sculo XIX e que o novo regime contava com o seu apoio. Nele restabeleceu-se a

    tradio de o pensamento intelectual dos fluminenses influenciar as aes da

    poltica nacional. Essa gerao dava continuidade s aes de intelectuais e

    polticos que desde o imprio ditavam as diretrizes do governo federal. Para

    comprovar, lista 39 vultos passados ou dos primeiros tempos republicanos e

    relaciona outros atuantes nos campos das letras, diplomacia e cincias em seus

    dias.

    Era portanto, chegado o momento de voltarmos a ter o mesmo brilho de

    outrora, a mesma eficincia no jogo poltico federal, a mesma supremacia e a

    mesma proponderncia na direo do pas em procura da soluo dos seus

    elevados destinos154. Para tal era necessrio solucionar nossos problemas

    materiais, dentre estes, o analfabetismo e por isso valorizava-se a ao da

    Renascena Fluminense e do Governo de Manuel Duarte. Este identificara os

    principais problemas sofridos pelo estado e, em pouco mais de seis meses de

    governo, dirigia seus esforos para solucion-los. Manuel Duarte dava

    continuidade obra de regenerao iniciada por Oliveira Botelho e Feliciano

    Sodr. Seria este um momento propcio tambm tendo em vista o chefe da nao,

    Washington Lus, ter como bero natal o solo fluminense.

    152 Ibid., p. 30. 153 Ibid., p. 34. 154 Ibid., p. 40.

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  • 86

    Encerrando a conferncia, Figueira de Almeida sentenciava: nossa terra,

    grande no passado e grande no presente, ser maior ainda no futuro155.

    A palestra de Figueira de Almeida cristalizava os ideais renascentistas que

    direcionavam as aes de intelectuais e polticos de ento. Neste, a histria

    ocupava um lugar de primazia pois apresentava a posio de destaque ocupada

    pelo estado na histria do Brasil. Na verdade construa-se a ideia de que a histria

    fluminense era a histria nacional. A anlise das fases da histria do pas

    demonstra que as principais aes polticas tomadas pelos governantes tinham

    sempre a colaborao dos fluminenses. O esplendor do Imprio teria sido gerado

    pelas bases econmicas e pelos pensadores da Velha Provncia. Os momentos de

    crise local foram tambm de instabilidade do novo regime e a sua recuperao

    significava o engrandecimento do pas, naquele momento digirido por um

    fluminense.

    A anlise de Figueira de Almeida estava alicerada em trs elementos: as

    bases econmicas, a ao de polticos e o pensamento intelectual.

    A crise econmica, gerada pelo processo de abolio, teria levado a

    profundos abalos no setor produtivo superados no final da dcada de 1920 pela

    ao dos governos de Feliciano Sodr e de Manuel Duarte. No entanto, a pujana

    do passado regime, o Imprio, teria sido gerada pela provncia do Rio. Esta

    gerara um quadro de polticos e intelectuais que ditaram as diretrizes do governo

    imperial e das principais correntes de pensamento do sculo XIX: o romantismo,

    o positivismo, o abolicionismo e o republicanismo.

    Os gestores contemporneos aqueles que estavam a fazer agora o que

    devamos ter feito antes156 tinham cincia do papel a cumprir. Eram portadores

    de uma misso histrica, pois a histria nacional dependia de suas idias e aes

    e, por isso, era importante o investimento na construo de uma conscincia

    histrica entre a populao fluminense atravs de monumentos e palestras. Os

    gestores associados aos homens de letras. Figueira de Almeida, assim como

    Lacerda Nogueira e Maurcio de Medeiros, pertencia aos quadros da Academia

    Fluminense de Letras, a qual presidiu na dcada de 1920. Profissionalmente, era

    155 Ibid.,p. 43. 156 Ibid.,p. 32.

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  • 87

    Inspetor de Instruo do Estado do Rio de Janeiro, alm de ser professor do

    Instituto de Educao e do Colgio Pedro II, ambos na capital da Repblica157.

    Havia ento uma pedagogia para a formao do fluminense configurada

    pela estaturia urbana e pelas palestras dos renascentistas. Estas ltimas eram

    realizadas na Escola Normal de Niteri, nos Grupos Escolares e em Associaes

    de Classe, no s da capital mas tambm dos demais municpios. Visava-se

    formar professorandas, alunos e as elites polticas e econmicas. Tais propostas

    associam-se s aes sodrelistas embasando, diretrizes das polticas pblicas

    estaduais, especialmente no campo da educao.

    3.4

    A Reforma da Instruo no Rio de Janeiro e os primeiros livros de

    histria do estado

    A eleio de Manuel Duarte para o governo fluminense marcava a

    continuidade da poltica sodrelista no estado. As alianas polticas em torno do

    governo de Washington Lus deram ao Rio de Janeiro um ministrio e

    mantiveram o bom relacionamento entre os governos federal e estadual

    estabelecido por Feliciano Sodr158. Manuel Duarte era tido como uma pessoa

    capaz de realizar uma administrao segura e benfica para o estado.

    Em sua primeira Mensagem presidencial, Manuel Duarte congratula-se

    com os deputados pelo momento favorvel em nvel federal e local. Ele assumia o

    papel de continuador da obra do antecessor que inseria o Rio de Janeiro no

    processo de crescimento do pas:

    Assim, vendo crescer o prestgio da Unio e do Brasil, na ordem, na paz e no trabalho, o estado do Rio de Janeiro sente-se feliz de estar concorrendo para esse

    157 Dados biogrficos extrados dos livros do autor. 158 Marieta de Moraes Ferreira. (Coord.). A Repblica na Velha Provncia. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1989. p. 293-306.

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  • 88

    nobilssimo objetivo, que a grandeza da ptria, pelo esprito de confraternizao, pelo esforo econmico e pelo nimo cvico de seus filhos159.

    Dar um rumo seguro e duradouro para esse processo de recuperao do

    Estado era a diretriz da administrao de Duarte e era assim que o presidente

    justificava a Reforma da Instruo do Estado:

    O governo realizou uma reforma parcial no ensino primrio, profissional e normal [...] Sem nenhum prurido de inovar pelo prazer das modificaes chegou, entretanto, a convencer-se de que era necessrio introduzir disposies novas e fazer algumas criaes indispensveis ao aparelho do ensino, de maneira a torn-lo mais eficiente e mais bem conformado s necessidades palpitantes160.

    A Reforma era necessria para ajustar as desarticuladas peas do

    complexo mecanismo didtico, que no atuavam com a desejada coordenao,

    com aconselhvel interdependncia tcnica, para que fosse assegurado um maior

    e compensador rendimento161. Era uma reforma parcial tendo em vista que

    Feliciano Sodr criara uma srie de inovaes na estrutura educacional do Estado

    que necessitavam de uma maior integrao. Assim como no se propunha uma

    ruptura com a estrutura anterior, as modernas teorias educacionais, especialmente

    europias e americanas citadas nos relatrios oficiais, no deveriam gerar

    alteraes profundas. A transplantao delas sem adaptaes necessrias seria

    desastrosa, pois elas no tinham sido criadas para nossa realidade social. O

    presidente sentenciava: valem mais adaptaes progressivas do que as bruscas

    mutaes162.

    Um dos principais elementos que se destacava ao se justificar a Reforma

    era inserir a escola fluminense nas novas propostas pedaggicas em voga pelo

    movimento reformista da Escola Nova163. Segundo Diana Vidal, um dos

    159 Manuel de Mattos Duarte Silva. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de agosto de 1928 pelo presidente do Estado. Rio de Janeiro: s/ed., 1928. p. 6. 160 Manuel de Mattos Duarte Silva. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de outubro de 1929 pelo presidente do Estado. Rio de Janeiro: s/ed., 1929. p. 31. 161 Ibid., p. 53. 162 Ibid., p. 54. 163 vasta a bibliografia sobre o movimento da Escola Nova. Para uma viso introdutria do movimento conferir Marta Chagas Carvalho. A Escola e a Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1989. _____. Molde Nacional e Frma cvica: Higiene, moral e trabalho no projeto da Associao Brasileira de Educao (1924-1931). Bragana Paulista: EDUSF, 1998. _____ . Reformas da instruo pblica. In: Eliane Marta Teixeira Lopes; Luciano Mendes Faria Filho;

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    principais objetivos dos renovadores da escola foi transferir as preocupaes

    didticas do ensino para a aprendizagem, o aluno tornava-se o principal foco de

    ateno. A escola deveria deixar de ser aquele espao de memorizao e

    dissociado da realidade164. Nas palavras de Jos Duarte Gonalves da Rocha,

    Diretor do Departamento de Instruo Pblica, estava-se construindo uma slida

    obra que daria novos rumos escola do estado:

    A obra educacional no estado do Rio, talqualmente se executa, no efmera, nem fictcia, nem lhe douram a frontaria falsas lantejoulas, mas projeta-se com os seguros lineamentos de uma construo estvel, bem tracejada, de consistente arcabouo, compatvel com as realidades sociais e norteadas pelo sentido da vida, para proporcionar juventude uma educao nacional e integral, que lhe d melhores condies fsicas, morais e intelectuais para a concorrncia vital, em que triunfaro os mais bem aparelhados165.

    Para realiz-la, o Diretor da Instruo Pblica realizara um aprofundado

    estudo na estrutura educacional fluminense consultando a legislao provincial e

    republicana e por sua anlise das experincias implementadas na dcada de 1920.

    Tambm acompanhava o pensamento educacional e as reformas que vinham

    sendo implementadas no Uruguai, So Paulo, Minas Gerais, Paran e Cear.

    Sob sua gesto realizou-se o primeiro recenseamento escolar que

    municiou a administrao de dados sobre a situao da rede estadual que

    orientaria as aes do governo. Tal prtica, como analisa Clarice Nunes em

    relao aos inventrios realizados por Ansio Teixeira quando de sua gesto

    frente da Diretoria Geral da Instruo da capital federal, era um sinal de

    racionalizao da administrao escolar166. Todas essas aes deveriam servir

    para criar condies de estudo para as camadas populares. Dizia o Diretor: tenho

    para mim que no ser para as elites, para as camadas mais afortunadas da

    Cynthia Greive Veiga (Orgs.). 500 anos de educao no Brasil. Belo Horizonte: Autntica, 2003. p. 225-251. 164 Diana Vidal. Escola Nova e processo educativo. In: Eliane Marta Teixeira Lopes; Luciano Mendes Faria Filho; Cynthia Greive Veiga (Orgs.). 500 anos de Educao no Brasil. Belo Horizonte: Autntica, 2003. p. 497-517. 165 Jos Duarte Gonalves da Rocha. Relatrio apresentado pelo dr. Jos Duarte Gonalves da Rocha, Diretor da Instruo Pblica ao Exmo. Sr. Dr. Secretrio do Interior e Justia em 31 de agosto de 1929. Niteri: Oficinas Grficas da Escola Profissional Washington Lus, 1930. p. 7. 166 Clarice Nunes. Ansio Teixeira: A poesia da ao. Bragana Paulista: EDUSF, 2000. p. 227-345.

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    sociedade, que o Estado, com a sua assistncia benfica, dever lanar as suas

    vistas, ou fazer convergir as suas preocupaes167.

    3.4.1 - O sistema escolar fluminense

    O sistema escolar fluminense era formado fundamentalmente pela

    educao pr-escolar (jardins de infncia e escolas maternais), primria (escolas

    de 1 grau, de 2 grau e Grupos Escolares). Do Grupo Escolar o aluno poderia

    seguir para o ensino secundrio, profissional ou normal e destes para Escolas

    Superiores ou Escolas Tcnicas Superiores.

    As atividades educacionais do estado, no entanto, concentravam-se

    prioritariamente no ensino primrio que concentrava 97,5% do nmero de alunos

    e 98,8% dos estabelecimentos escolares.

    A tabela abaixo, organizada a partir de dados constantes na Mensagem de

    Manuel Duarte de 1929, demonstra a prioridade do ensino primrio na rede

    estadual:

    N de escolas

    N de alunos

    N de professores

    Ensino pr-primrio e primrio

    751 70.050 1655

    Ensino Normal 3 721 No consta Ensino profissional 4 559 No consta Ensino secundrio 1 160 No consta Total 759 71.490 -

    Tabela 1: Sistema Educacional Fluminense. 1929 Fonte: Manuel de Mattos Duarte Silva. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de

    outubro de 1929 pelo presidente do Estado. Rio de Janeiro: s/ed., 1929. p. 71-94

    A Reforma incentivou e regulamentou a organizao de associaes extra-

    escolares como: os Crculos de Pais e Mestres, os Museus Pedaggicos, o

    escotismo etc. 167 Jos Duarte da Rocha, loc. cit., p. 87.

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    Segundo o presidente do Estado, eram investidos 20,2% da receita

    governamental na educao, verba esta destinada construo e manuteno de

    prdios escolares, pagamento de docentes e compra de material de consumo para

    as escolas.

    3.4.2 - Um forte investimento na formao docente

    Um dos principais alvos da Reforma da Instruo no Estado foi a

    formao de professores tanto inicial, da uma ampla reforma no curso normal,

    quanto dos docentes j integrantes da rede de ensino168. Era necessrio preparar

    os professores de acordo com a moderna pedagogia.

    Em relao aos docentes da rede foi organizada uma srie de cursos de

    frias e de palestras pedaggicas, ministradas pelos inspetores de educao na

    capital e nas sedes de suas regies escolares, cuja participao era obrigatria.

    Nestas, mais do que um carter eminentemente literrio, os ministrantes

    discutiam as novas idias educacionais.

    Buscou-se tambm a renovao do quadro de professores da rede estadual

    com o jubilamento de antigos mestres e/ou contratao de novos professores

    adjuntos para as escolas por aqueles dirigidas.

    Mas foi na reformulao da formao inicial que houve maior

    investimento:

    Esse ramo do ensino pblico sofreu uma reforma parcial e oportuna. O seu velho plano de estudos, a organizao primitiva, j no satisfazia s necessidades do ensino e era mister adaptar os institutos preparadores dos mestres aos progressos da moderna pedagogia, emancipada de anacrnicas exigncias169.

    Assim, no se permitia mais o ingresso automtico do candidato Escola

    Normal aps sua concluso dos ensinos primrios do Grupo Escolar. Criou-se a

    Escola Complementar com durao de dois anos, que deveria alicerar o ensino

    168 Manuel Duarte assim se expressou sobre a Reforma do ensino normal: , todavia, no ensino normal, que repousa a grande confiana do meu goveno to profundamente interessado pelas coisas do ensino, em todas as suas modalidades. Manuel Duarte da Silva. Mensagem apresentada Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de outubro de 1929 pelo presidente do Estado. Rio de Janeiro: s/ed, 1929. p. 86. 169 Jos Duarte da Rocha, op. cit., p. 53

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    normal. Seu currculo priorizava o aprofundamento do estudo da lngua ptria, do

    francs, geografia, histria do Brasil, moral e cvica, aritmtica, lgebra,

    geometria e cincias fsicas e naturais. Desta forma, transferia-se da Escola

    Normal para o curso de complementar a obrigatoriedade desses contedos,

    permitindo que aquela concentrasse suas atividades na formao docente.

    O Curso Normal tambm sofrera uma reformulao, dividindo-se em dois

    ciclos. O primeiro, o cultural, tinha um carter propedutico e era um perodo

    onde os alunos refletiriam sobre os reais interesses em se dedicar docncia.

    Caso no o desejassem, poderiam transferir-se para classes profissionalizantes de

    confeco de chapus, trabalhos manuais, culinria etc. Aptos para o magistrio,

    ingressariam no curso profissional onde se dedicariam s disciplinas pedaggicas.

    Dessa forma, o currculo da Escola Normal foi reformulado e os

    legisladores destacavam a criao das cadeiras de Agricultura e de Economia

    Rural. Era mister formar professores capazes de lidar com a realidade social do

    estado, que era eminentemente rural. Considerava-se um grande erro o mestre

    transmitir apenas os conhecimentos formais urbanos:

    Ora, erro incurvel tem sido impor-se ao mestre ensinar gente do campo somente a parte literria. Convm dar aos trabalhadores agrcolas, populao rural, uma preparao que os torne mais felizes e os radique ao solo, evitando-se o xodo rural, que vem concorrer para o urbanismo prejudicial. na classe rural que vive o grmen da ordem e da disciplina inata na nossa gente boa. Mas, por isto mesmo devemos levar-lhe mais algum conforto, no s material, seno ainda espiritual. No lhe demos cultura livresca que no o far feliz, seno a preparemos com noes de cooperao agrcola, de economia rural, para que sinta a grandeza da terra, o valor da produo, o realce de seu papel na economia nacional e possa conhecer o desenvolvimento e os frutos de sua propria atividade. Ensinemo-la a fazer uma ligeira contabilidade agrcola, a possuir um inventrio do que lhe pertence, a calcular o custo de seu trabalho, a libertar-se dos intermedirios etc170.

    A reforma curricular visava formar os professores para trabalhar com a

    realidade do estado. A mesma orientao que era dada para o ensino primrio,

    como veremos adiante.

    A concluso da Escola Normal no significava o fim do processo

    formativo do professor. Foi criado o Curso de Aperfeioamento ministrado em

    170 Ibid., p. 57.

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    dois anos que seguia o modelo francs da Escola Normal Superior de Saint-

    Cloud.

    O estado contava com duas Escolas Normais oficiais, uma em Niteri e

    outra em Campos, e um curso equiparado em Petrpolis, ministrado no Colgio

    Santa Izabel. Apesar dos altos ndices de aprovao nesses colgios, o quadro

    ainda era insuficiente para combater o gra