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1 Artigo Técnico Dermatologia – Junho / 2007 Um guia prático para o uso de medicamentos dermatológicos durante a gravidez. Embora o feto em formação seja considerado protegido do meio externo, sabe-se que pode ser potencialmente afetado por todo medicamento dado à mãe. Apesar deste conhecimento, o uso de medicamentos durante a gravidez em mulheres é comum. Este artigo discute as opções disponíveis para estas pacientes. Fármaco em estudo: peróxido de benzoíla Autoria: ZIP, C. A Practical Guide to Dermatologica Drug Use in Pregnancy Skin Therapy Letter , 11(4): 1-8, 2006. Resumo Introdução Dois medicamentos prescritos em meados do século 20 às mulheres grávidas mudaram a atitude dos médicos sobre o uso de fármacos durante este período. O uso do dietilestilbestrol e da talidomida na gravidez avançada conduziu às conseqüências desastrosas para a prole exposta. Estes eventos conduziram ao desenvolvimento das categorias de gravidez do FDA dos Estados Unidos (tabela 1) que são atribuídas agora antes que um medicamento seja liberado. Apesar da consciência de que todo o medicamento prescrito durante a gravidez pode, potencialmente, afetar o feto, um estudo recente indicou que 86% das mulheres fizeram uso de uma média de 2,9 fármacos durante a gestação. A Sem risco fetal em estudos controlados B Sem risco para o feto humano embora haja riscos possíveis aos animais; ou nenhum risco em estudo animal, mas faltam estudos em humanos. C Risco em humanos não pode ser descartado. Estudos em animais podem ou não demonstrar risco D Evidência de risco ao feto humano X Contra-indicados na gestação Tabela 1. Categoria de fármacos na gestação, do FDA Acne e Rosácea A terapia tópica da acne e da rosácea é realizada preferencialmente com a eritromicina tópica (categoria B), a clindamicina (categoria B) e o peróxido de benzoíla (categoria C) durante a gravidez, por serem considerados seguros nesta fase. O uso da tretinoína tópica (categoria C) não é recomendado, devido aos relatos de caso de má-formação congênita nos infantes cujas mães usaram este medicamento durante o primeiro trimestre de gestação. O uso do adapaleno (categoria C) e do tazaroteno (categoria X) também não é recomendado. O metronidazol tópico (categoria B) é absorvido minimamente e, portanto, considerado seguro durante a gravidez. O ácido azeláico tópico (categoria B) é também absorvido minimamente e, desta forma, provavelmente seguro. As tetraciclinas (categoria D) estão associadas com manchas na dentição decídua, crescimento ósseo prejudicado e com toxicidade hepática maternal. Psoríase

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Artigo Técnico Dermatologia – Junho / 2007

Um guia prático para o uso de medicamentos dermatológicos durante a gravidez.

Embora o feto em formação seja considerado protegido do meio externo, sabe-se que pode ser potencialmente afetado por todo medicamento dado à mãe. Apesar deste conhecimento, o uso de medicamentos durante a gravidez em mulheres é comum. Este artigo discute as opções disponíveis para estas pacientes.

Fármaco em estudo:

peróxido de benzoíla

Autoria: ZIP, C. A Practical Guide to Dermatologica Drug Use in Pregnancy Skin Therapy Letter, 11(4): 1-8, 2006.

Resumo

Introdução

Dois medicamentos prescritos em meados do século 20 às mulheres grávidas mudaram a atitude dos médicos sobre o uso de fármacos durante este período. O uso do dietilestilbestrol e da talidomida na gravidez avançada conduziu às conseqüências desastrosas para a prole exposta.

Estes eventos conduziram ao desenvolvimento das categorias de gravidez do FDA dos Estados Unidos (tabela 1) que são atribuídas agora antes que um medicamento seja liberado. Apesar da consciência de que todo o medicamento prescrito durante a gravidez pode, potencialmente, afetar o feto, um estudo recente indicou que 86% das mulheres fizeram uso de uma média de 2,9 fármacos durante a gestação.

A Sem risco fetal em estudos controlados

B Sem risco para o feto humano embora haja riscos possíveis aos animais; ou nenhum risco em estudo animal, mas faltam estudos em humanos.

C Risco em humanos não pode ser descartado. Estudos em animais podem ou não demonstrar risco

D Evidência de risco ao feto humano

X Contra-indicados na gestação

Tabela 1. Categoria de fármacos na gestação, do FDA

Acne e Rosácea

A terapia tópica da acne e da rosácea é realizada preferencialmente com a eritromicina tópica (categoria B), a clindamicina (categoria B) e o peróxido de benzoíla (categoria C) durante a gravidez, por serem considerados seguros nesta fase. O uso da tretinoína tópica (categoria C) não é recomendado, devido aos relatos de caso de má-formação congênita nos infantes cujas mães usaram este medicamento durante o primeiro trimestre de gestação. O uso do adapaleno (categoria C) e do tazaroteno (categoria X) também não é recomendado.

O metronidazol tópico (categoria B) é absorvido minimamente e, portanto, considerado seguro durante a gravidez. O ácido azeláico tópico (categoria B) é também absorvido minimamente e, desta forma, provavelmente seguro. As tetraciclinas (categoria D) estão associadas com manchas na dentição decídua, crescimento ósseo prejudicado e com toxicidade hepática maternal.

Psoríase

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Os corticosteróides tópicos (categoria C) foram usados extensamente durante a gestação, embora o retardo no crescimento intra-uterino tenha sido relatado em um infante cuja mãe usava 40mg/dia de triancinolona tópica. O calcipotrieno (categoria C) tem absorção em torno de 6% quando a preparação aplicada às placas psoriáticas, sendo, provavelmente, seguro durante a gravidez, para o tratamento da psoríase localizada. A fototerapia com luz ultravioleta B é considerada a terapia a mais segura para a psoríase extensa durante a gravidez, embora o superaquecimento durante o tratamento deva ser evitado. Nenhuma má-formação congênita tem sido relatada em mulheres que tomaram inadvertidamente alefacepte ou efalizumabe (categoria C) em estudos clínicos. Dermatites, Infecções Bacterianas e Fúngicas Os inibidores da calcineurina tópicos, tacrolimo e pimecrolimo, estão alocados na categoria C de medicamentos usados durante a gestação. O uso do tacrolimo por via oral não está associado com perda fetal ou teratogenicidade. Clorfeniramina e difenidramina (ambos da categoria B) são considerados os anti-histamínicos de escolha para uso oral e parenteral durante a gestação. Penicilinas, cefalosporinas e azitromicina estão na categoria B de medicamentos na gestação e também são considerados seguros para uso nesta fase. No entanto, um grande estudo observou uma possível associação entre certas cefalosporinas (cefalexina, ceftriaxona e cefadrina) e má-formações congênitas, quando estes medicamentos são ingeridos durante o primeiro trimestre gestacional. O uso de antifúngicos durante a gestação é considerado seguro, pois sua absorção percutânea é extremamente pobre. O fluconazol oral está associado com teratogenicidade.

Conclusão

Os medicamentos considerados seguros durante a gravidez estão disponíveis para o tratamento de doenças dermatológicas comuns (Tabela 2). O conhecimento destes fármacos é importante para se considerar opções de tratamento para as pacientes gestantes ou com potencial de engravidar.

Acne Clindamicina tópica, eritromicina, peróxido de benzoíla

Rosácea Metronidazol, ácido azeláico

Psoríase Corticosteróides tópicos, calcipotriol, UVB

Dermatite Corticosteróides tópicos, clorfeniramina ou difenidramina

Infecção por papilomavirus Nitrogênio líquido, ácido tricloroacético

Herpes simplex Aciclovir

Infecções fúngicas Antifúngicos tópicos

Infecções bacterianas Penicilinas, cefalosporinas após o primeiro trimestre, azitromicina

Tabela 2. Tratamentos seguros para dermatopatias durante a gravidez

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LEITURA SUGERIDA 1. Briggs GG, Freeman RK, Yakke SJ. Drugs in Pregnancy and Lactation. 7th ed. Philadelphia (PA):

Lippincott Williams and Wilkins (2005).

2. Collaborative Group on Drug Use in Pregnancy. Medication during pregnancy: an intercontinental

cooperative study. Int J Gynaecol Obstet 39(3):185-96 (1992 Nov).

3. Colley SM, Walpole I, Fabian VA, Kakulas BA. Topical tretinoin and fetal malformations. Med J

Aust 168(9):467 (1998 May).

4. Kallen BA, Otterblad Olausson P. Maternal drug use in early pregnancy and infant cardiovascular

defect. Reprod Toxicol 17(3):255-61 (2003 May-June).

5. Koren G, Pastuszak A, Ito S. Drugs in pregnancy. N Engl J Med 338(16):1128-37 (1998 Apr).

6. Navarre-Belhassen C, Blanchet P, Hillaire-Buys D, Sarda P, Blayac JP. Multiple congenital

malformations associated with topical tretinoin. Ann Pharmacother 32(4):505-6 (1998 Apr).

7. Rothman KF, Pochi PE. Use of oral and topical agents for acne in pregnancy. J Am Acad Dermatol

19(3):431-42 (1988 Sept).

EXEMPLIFICAÇÃO DE FÓRMULA

A formulação contida neste artigo é apresentada como exemplificação, podendo ser modificada a critério médico. FARMACOLOGIA RESUMIDA: PERÓXIDO DE BENZOÍLA

Fármaco Peróxido de benzoíla Classe

Terapêutica Queratolítico: causa descamação das camadas superficiais da pele.

Comedolítico: penetra no folículo pilossebáceo, auxiliando a dissolver o sebo dos microcomedões e comedões, prevenindo sua formação.

Antibacteriano: contém em sua formulação um oxigênio de radical livre. Este oxigênio interfere no crescimento e reprodução da bactéria anaeróbica, o Propionibacterium acnes.

Indicações Principais

1. Acne vulgaris – é indicado para o tratamento tópico da acne vulgar leve à moderada. Em muitos casos de acne grave, o peróxido de benzoíla pode ser indicado como um adjunto no regime terapêutico, incluindo antibióticos orais e/ou tópicos, preparações contendo ácido retinóico ou enxofre/ácido salicílico.

2. Úlcera de decúbito ou estase – usualmente em concentrações acima de 20%, o peróxido de benzoíla é indicado como agente oxidante no

Peróxido de benzoíla – gel-creme

Peróxido de benzoíla ..............2,5 a 10,0% Gel-creme........................................qsp Mande.....g. Posologia: aplicar na face com movimentos suaves pela manhã após a limpeza da pele ou a critério médico. Obs: Uso obrigatório de filtro solar de acordo com o biótipo de pele.

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tratamento da úlcera decubital ou estase.

Interações Medicamentosas

Principais

1. Antibióticos tópicos (clindamicina, eritromicina) e retinóides tópicos (adapaleno): normalmente estes agentes são utilizados para sinergismo terapêutico com peróxido de benzoíla. No entanto, o poder oxidativo do peróxido degrada o poder total dos antibióticos. Pode ocorrer uma incompatibilidade farmacotécnica entre as substâncias, por diferentes faixas de pH exigidas, podendo haver redução da eficácia terapêutica de ambas preparações. O uso prolongado não é recomendado.

2. Resorcinol, ácido salicílico, enxofre, tretinoína, álcool e isotretinoína: Além de preparações tópicas para acne e produtos com forte efeito secante, podem causar efeito de irritação cumulativa e ressecamento da pele, provocando excessiva irritação cutânea. O uso concomitante de peróxido de benzoíla e tretinoína pode causar inativação do último.

Reações Adversas Principais

• Dermatite de contato;

• Erupção cutânea;

• Descamação da pele

• Ressecamento importante da pele

Precauções de

Uso 1. Recomenda-se não utilizar o produto em pacientes menores de 12 anos

de idade, pois não existem estudos que comprovem a sua segurança nesses casos específicos.

2. A redução da frequência de aplicação do produto pode ser necessária, em casos de eritema e descamação excessivos, sendo que estas reações devem ser relatadas imediatamente ao médico.

3. A relação risco/benefício deve ser avaliada durante a gravidez, devido à possibilidade do peróxido de benzoíla ser absorvido sistemicamente. Não foi demonstrada a presença do fármaco no leite materno, mas como muitos fármacos são excretadas no leite, deve-se evitar o uso de peróxido de benzoíla durante a lactação.

4. Peróxido de benzoíla é indicado somente para uso externo. Evitar o contato com os olhos e as mucosas. Todo produto à base de peróxido de benzoíla mancha os cabelos e tecidos coloridos, portanto evite o contato do produto com os mesmos.

5. Pode ocorrer sensibilização cruzada com outros derivados do ácido benzóico, como os anestésicos tópicos;

6. Não é considerado carcinogênico; mesmo assim é mutagênico em ensaios realizados com bactérias e carcinogênico em animais altamente susceptíveis.

Referências:

1. Martindale; The Complete Drug Reference; 33a edição; Pharmaceutical; Massachusetts, 2002.

2. Mosby´s. Drug Consult ™. An Imprint of Elsevier Science. St. Louis, EUA; 2002.

3. United States Pharmacopeial Convention; Drug Information for the Health Care Profissional (USP DI); 20a edição.

4. P.R. Vade Mécum; Brasil, 10a edição; Câmara Brasileira do Livro. São Paulo-SP, 2005.

5. Rang, H. P.; Dale, M. M.; Ritter, J. M.; Farmacologia; 5a edição (3ª revisão); Editora Guanabara Koogan; Rio de Janeiro, 2005.

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