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Terça-feira, 10 de Novembro de 2015 Sumário - Prova oral: aula de dúvidas. - A vigência temporal da lei processual penal: 1. Os critérios do artigo 5º do Código de Processo Penal. - a aplicação imediata - limitações legais 2. A alteração da matéria processual do crime: a) Crime público semi-público - processo não se iniciou: novo regime (prazo de caducidade do direito de queixa). - processo já se iniciou: continuo (c desistência se tiver existido queixa). b) Crime semi-público público - processo já se iniciou (deia de admitir desistência? - processo não se iniciou: pode iniciar se? (exceto se tiver caducado o direito de queixa). 3. Princípios fundamentais do processo penal. Leitura: Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (fascículos), página 81-160. Germano Marques da Silva, DPP volume I, página 44-104. Frederico Costa Pinto, DPP (fascículos), página 137-280. Paulo se Sousa Mendes, página 199 e seguintes. Paulo Pinto de Albuquerque, anotações ao artigo 4º. DÚVIDAS O que no fundo o número 5 do artigo 113º do Código Penal vem permitir é que o MP possa no fundo promover um processo fazendo-o por sua iniciativa. Isto só pode ser entendido a titulo excecional, ou porque o titular do direito de queixa é menor ou porque o agressor seria simultaneamente a pessoa com legitimidade para apresentar a queixa. Temos aqui um regime atípico que se compreende 1

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Sumário

- Prova oral: aula de dúvidas.

- A vigência temporal da lei processual penal:

1. Os critérios do artigo 5º do Código de Processo Penal.

- a aplicação imediata

- limitações legais

2. A alteração da matéria processual do crime:

a) Crime público semi-público

- processo não se iniciou: novo regime (prazo de caducidade do direito de queixa).

- processo já se iniciou: continuo (c desistência se tiver existido queixa).

b) Crime semi-público público

- processo já se iniciou (deia de admitir desistência?

- processo não se iniciou: pode iniciar se? (exceto se tiver caducado o direito de queixa).

3. Princípios fundamentais do processo penal.

Leitura:

Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (fascículos), página 81-160.

Germano Marques da Silva, DPP volume I, página 44-104.

Frederico Costa Pinto, DPP (fascículos), página 137-280.

Paulo se Sousa Mendes, página 199 e seguintes.

Paulo Pinto de Albuquerque, anotações ao artigo 4º.

DÚVIDAS

O que no fundo o número 5 do artigo 113º do Código Penal vem permitir é que o MP possa no fundo promover um processo fazendo-o por sua iniciativa. Isto só pode ser entendido a titulo excecional, ou porque o titular do direito de queixa é menor ou porque o agressor seria simultaneamente a pessoa com legitimidade para apresentar a queixa. Temos aqui um regime atípico que se compreende por razoes de política legislativa e até por razoes de justiça material.

Normalmente existe uma simetria entre o direito de queixa e a desistência da queixa, que incidem sobre a mesma pessoa. Não é um regime completamente diferente da desistência da queixa, o que existe é um regime temporalmente distinto para exercer o direito de desistência da queixa.

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A propósito do artigo 311º/3, professor Germano Marques da Silva considera que não estamos perante um caso de desistência do processo, o vicio é a desistência do processo. O artigo 118º e seguintes refere-se às nulidades, irregularidades e provas proibidas (ressalvadas no artigo 118º e que se aplica o artigo 225º), contudo, a doutrina sempre identificou alguns casos de inexistência do processo. A inexistência do processo corresponde a uma situação em que o sistema jurídico não pode sequer reconhecer a existência do processo porque as condições de tramitação do mesmo são de tal forma inadmissíveis que tem de ser algo radicalmente eliminado do sistema jurídico. Efetivamente, a doutrina e a jurisprudência autonomizam a inexistência enquanto um vicio tao forte que, apesar de não estar previsto na lei, conduz à não consideração daquele processo como processo (ex. uma decisão que seja simplesmente assinada por um oficial de justiça, é um ato inexistente não podendo ser aceite porque não existe sequer um órgão legitimado para interferir). O professor não acha que as situações do número 3 sejam de inexistência, até porque se pode pressupor uma série de atos anteriores ao saneamento que sejam perfeitamente válidos, só que afetados pelo ato final da rejeição da acusação. O que acontece aqui são situações que de uma forma razoavelmente linear. Nós não podemos achar que há uma inexistência do processo por existirem deficiências graves numa acusação que é recusada. São situações categóricas em que o processo não pode continuar, mas não são situações de inexistência.

Artigo 284º: porque é que o assistente para além do Ministério Público também tem que deduzir uma acusação, mesmo sendo um crime particular? Existe uma acusação pública do Ministério Público e depois é dada a possibilidade do assistente de deduzir uma acusação. O assistente pode ter alguma discordância relativamente aos factos que constam da acusação (por excesso ou defeito) e, sem implicar uma alteração substancial, o assistente apresentaria os factos de outra maneira ou outros factos sem provocar uma alteração substancial.

A doutrina considera que o assistente pode também apresentar o seu próprio enquadramento jurídico, ou seja, pode fazer valer essa pretensão.

A possibilidade de deduzir acusação corresponde a um estatuto ativo do qual o assistente é titular no processo. Temos aqui um poder importante conferido por lei a um particular que se constituiu assistente no processo, podendo ele próprio conformar o processo.

Para além disto, o assistente como tem que indicar um advogado, se deduzir uma acusação e indicar factos e provas, vai passar a ter um certo protagonismo na audiência de julgamento que resulta de ele próprio deduzir acusação. É congruente com o papel ativo do assistente na audiência e no julgamento que ele também acuse.

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A acusação por parte do assistente é uma espécie de reconhecimento de que ele tem uma pretensão sancionatória e de que quando ele vai a julgamento pode ir também defender a sua perspetiva contida na sua acusação.

Se existir uma dupla conforme de duas entidades públicas (MP e juiz) não se deve permitir que o arguido questione essas decisões e passa-se logo para julgamento. Entre nós não é reconhecida uma autonomia completa às acusações particulares. Há aqui uma certa desvalorização de acusação particular porque o MP orienta-se pelo critério da oportunidade, legalidade e imparcialidade mas o particular não. A lei não adite uma dupla conforme que resulte de uma acusação particular porque ela não é emitida por alguém que tenha o mesmo estatuto do Ministério Público.

Quando um auto e lavrado ele faz fé quanto aos termos em que é lavrado. Quanto àquilo que é o facto ilícito imputado à alguém (que tem de ser objeto de prova para atribuição da responsabilidade) não pode haver qualquer fé em juízo. Está descrito um facto que é relevante e que se tem de provar. A prova do conteúdo do auto tem que se fazer através da prestação da prova criminal através do depoimento de quem testemunhou a prática do crime (normalmente os órgãos de policia criminal). Converter isto numa prova pré-fixada, o que faria com que a pessoa por ter o autor quando fosse a julgamento já fosse considerada culpada, não seria admissível pela presunção de inocência. Quando alguém é acusado isso reside numa pretensão acusatória do Ministério Público, mas isso não torna a pessoa culpada A acusação não tem valor probatório; tem apenas um valor indiciário, cuja prova se vai produzir no julgamento.

Se for requerida a abertura de instrução está afastada a hipótese de haver reabertura do inquérito. A norma do artigo 279º só é aplicável enquanto estivermos na fase de inquérito, e isso só é compatível com o arquivamento e não com o requerimento de abertura de instrução. Há uma relação de incompatibilidade: quando é requerida a abertura de instrução passa-se para outra fase não sendo já possível reabrir o inquérito, porque se o processo não for avante na fase de instrução será por não pronúncia (e aí tem que se reagir contra uma não pronúncia, e não contra o artigo 279º). O artigo 279º pressupõe que o inquérito foi encerrado não havendo no prazo de 20 dias intervenção hierárquica, porque se se estiver dentro desse período a via normal será essa e, depois do prazo de 20 dias, não se pode requerer a intervenção hierárquica, logo, a decisão consolida-se como arquivamento. O Código admite a reabertura do inquérito numa situação em que surjam novos elementos de prova que possam contrariar a decisão anterior. Em suma, parece ser uma resposta subsidiária em relação à intervenção hierárquica. O professor acredita que o artigo 279º permite a reabertura do inquérito antes de

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decorridos os 20 dias e que, depois desse prazo, pode-se requerer a abertura do inquérito.

Se o crime for particular o Ministério Público tem que cumprir o artigo 285º. Pode para esse efeito e nessa notificação apresentar a sua perspetiva sobre a prova e a viabilidade do processo nos termos do número 2, para que o assistente fique mais esclarecido, mas não pode arquivar o processo se o crime for particular. O Ministério Público tem de atuar de forma congruente com a qualificação jurídica com que trabalha (crime público, semi-público ou particular). A mudança da qualificação jurídica é possível em qualquer fase de processo (embora mais livre no inquérito).

Há situações em que é relativamente indiferente do ponto de vista do ordenamento do processo que um prazo não seja respeitado por alguns dias, designadamente neste caso o arguido apresenta 30 dias depois mas o processo ainda lá está sendo que a única coisa que acontece é que aquela peça não entrou. Se for aceite no processo mesmo fora do prazo (artigo 379º e 289º/4), o tribunal tem que determinar a sua rejeição. Há um efeito jurídico muito importante de uma contestação fora do prazo que é haver dever de +pronúncia sobre as questões que lá estão sob pena de nulidade da decisão. Normalmente, há muita coisa que se passa no processo que se verifica que os tribunais são tolerantes com muitas coisas. Por vezes e muito mais nefasto para o processo estar a exercer uma disciplina férrea (porque se dão fundamentos para recurso) quando na verdade mais vale não perder tempo ali com muitas coisas.

No caso do número 2 do artigo 86º temos um requerimento de um particular relativamente a um processo que sujeita o processo ao segredo de justiça. A questão que se coloca aqui é a de saber se esta decisão deve ser tomada pelo titular do processo ou por um juiz. A Reforma de 2007 estabeleceu que esta decisão devia ser tomada pelo juiz. Quando a lei diz que o despacho é irrecorrível está a dizer que a decisão é do juiz mas não pode ser questionada. A lei quis evitar litigância em torno desta questão mas, acabou por não evitar completamente porque pode haver requerimentos de sentido contrário inclusivamente de vários particulares sobre a matéria.

Por outro lado o número 3 reconhece um direito do titular do direito. Esta decisão de validação judicial é menos importante do que aquilo que pode parecer porque quando o Ministério Público decreta o segredo, o processo já está em segredo, tendo apenas a decisão de ser validade em 72 horas. Existe aqui um ato que é inútil em especial em relação ao numero 2. Esta situação vem apenas subordinar plenamente o Ministério Público ao juiz de instrução.

O requerimento feito nos termos do número 2 só produz efeitos em matéria de segredo quando é decidido pelo juiz,

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Crime público Crime semi-público

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enquanto que a decisão do Ministério Público do número 3 produz logo efeitos (embora sujeita a validação). A VIGÊNCIA TEMPORAL DA LEI PROCESSUAL PENALA regra fundamental da aplicação da lei no tempo é a de que uma nova lei de processo penal aplica-se imediatamente. Tal significa que essa lei ou regula processos futuros (lei não é retroativa), ou regula processos que estão em curso (é parcialmente retroativa). Aplica-se imediatamente, mesmo aos processos em curso, ressalvando a validade dos atos práticos.

Ex. há um regime de escutas telefónicas e há um processo em curso. São obtidas as escutas legalmente de acordo com a lei antiga.

O critério fundamental é que a lei processual nova aplica-se imediatamente, ressalvada a validade dos atos praticados ao abrigo da lei antiga (artigo 5º). Por outro lado, o artigo 5º tem alguns limites quanto a esta aplicação: quando agravar de forma sensível e evitável uma situação processual do arguido: limite à vigência da nova lei.

Ex. arguido requere a abertura de instrução, e se for proferida uma decisão x ele tem direito a recurso. Antes de ser proferida a decisão instrutória, entre uma lei que lhe retira esse direito a recurso. Permite que não se aplica imediatamente a lei nova se isso gerar um agravamento sensível do direito de defesa do arguido.

O artigo 5º pode não ser aplicado designadamente se na reforma legislativa existirem normas de direito transitório. Ele aplica-se se a lei nova não tiver ela própria uma norma de direito transitório (“este regime legal aplica-se aos processos instaurados a partir de 2016”). No fundo, cede na sua aplicação se existir uma norma especial que regule a matéria da vigência temporal da lei (caso contrário, a lei entra em vigor imediatamente).

A ALTERAÇÃO DA NATUREZA PROCESSUAL DO CRIME

Questão diversa é o problema da mudança da natureza dos crimes.

Numa primeira situação temos um crime público que passa a crime semi-público, ou seja dependente de queixa para se iniciar o procedimento. Os crimes particulares não trazem grande questão aqui porque o problema essencial está no direito de queixa.

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Efeitos

Ministério Público deixa de ter legitimidade livre.Queixa, com regime de caducidade.

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Ministério Público podia em qualquer momento iniciar o processo. Quando passa a semi-público passa a ser necessária a queixa para dar inicio ao procedimento.

PROCESSO AINDA NÃO SE INICIOU

Se o processo ainda não se iniciou quando surge a lei nova (facto ocorreu mas não há processo) e a lei transforma esse crime em semi-público, então aplica-se o novo regime. Ou seja, o Ministério Público a partir do momento em que não há ainda processo precisa de queixa para dar inicio ao procedimento. Há aqui outro efeito que é, a partir do momento em que o crime é transformado em semi-público se o procedimento depende de queixa passa a aplicar-se o regime da caducidade da queixa (prazo: 6 meses).

Isto significa que o Ministério Público em 2016 passa a ter a sua legitimidade condicionada, aplica-se o novo regime, já não pode dar inicio ao processo livremente, tem prazo de 6 meses da entrada em vigor da lei nova.

PROCESSO JÁ SE INICIOU

Se o processo já se iniciou ao abrigo da lei antiga, tem de se seguir que o ato processual é regido pela lei do momento em q o ato processual é praticado (artigo 5º). A conversão do crime em semi-público não afeta a qualidade da abertura do inquérito. O processo continua. O processo diz respeito a um crime que quando o inquérito foi aberto era publico, portanto a abertura do inquérito foi valida. Se o processo já esta aberto, a exigência de queixa quando o crime passa a ser semi-público já não releva porque o processo já se iniciou ao abrigo da lei antiga.

Há direito de desistência da queixa porque o crime passa a ser semi-público? Doutrina divide-se: parte da doutrina defende que o processo começou como crime publico tem que terminar como crime publico portanto não há desistência; se o processo se iniciou antes de 2015 e tinha sido apresentada queixa embora não fosse necessário, então tem que ser admitida a desistência e a lei nova passou a admitir a possibilidade de desistência. Se não há nenhuma queixa então não se pode desistir daquilo que não existe. Existe queixa: pode-se desistir; não existe queixa: não se pode desistir.

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Crime semi-público Crime público

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PROCESSO JÁ SE INICIOU

Se o processo se iniciou, iniciou-se de acordo com um procedimento legitimo à data da abertura de inquérito, e portanto, à data da prática do ato processual foi respeitada a formalidade exigida e portanto o processo continua. O professor partilha da opinião de que a conversão de crime semi-público em pub leva a que o processo continua mas a lei nova retira o direito de desistência. Portanto, pelas razoes de direito público subjacentes, se o processo já se iniciou continua mas sem desistência.

PROCESSO NÃO SE INICIOU

Se o processo ainda não se iniciou, em princípio pode iniciar-se ao abrigo da lei nova isto porque a lei nova conferiu uma legitimidade autónoma ao Ministério Público para iniciar o processo. Isto é assim, exceto se o direito de queixa tiver caducado ainda ao abrigo da lei antiga porque aí a solução torna-se definitiva ao abrigo da lei antiga.

Ex. Facto é conhecido em janeiro de 2015, mais 6 meses vai parar a julho de 2015. Se for apresentada queixa em 2015 dentro do prazo legal para apresentação de queixa o processo inicia-se. Mas se não for apresentada a queixa, a caducidade opera ainda ao abrigo da lei antiga, o que leva a que a solução fique definitivamente resolvida ao abrigo da lei antiga.

As normas processuais materiais pressupõem uma classificação que não é encontrada na CRP e na lei, que é a de que há normas com natureza mista. Essa natureza mista não pode resultar a importância nem gravidade da matéria, nem do enquadramento sistemático num código porque isso corresponde a uma ligeireza legislativa independentemente da qualificação. As normas processuais são desligadas do facto, correspondendo a situações autónomas do facto. Saber se certo procedimento depende de queixa pressupõe a prática de um ato exterior ao facto, que condiciona a legitimidade do Ministério Público de promover o processo. A queixa é um acontecimento distinto do facto que decide da validade ou conveniência do processo do ponto de vista de alguém que não o autor do facto. Falar de normas processuais matérias é criar uma categoria que não tem correspondência na lei e resolver uma situação de acordo com essa categoria. A posição dominante na doutrina portuguesa e que a figura da

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queixa tem natureza mista: por um lado substantiva, por outro lado processual.

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