#17 - Delirium

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17ª edição da Desumbiga, revista de um núcleo autónomo da AEFML.

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auLa de aNaTOmia

ediTORiaLP3

TemaP5

JaNeLa de eXPRessÃO

P15

TRaNsmissÃO ORaL

P21

babiLÓNiaP33

esTÓRias CLÍNiCasP39

aRTes e aFiNsP24 e 25

PeRegRiNaÇÃOP45

dÉFiCes COgNiTiVOsmaRCadOs.

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desumbiga

- Bernardo, a Emília disse que era boa ideia sermos nós a escrever o

editorial. Eu não estou assim tão certa disso, mas parece que somos os

mais velhos.

- Qual é que é o tema da revista Salomé?

- Delirium.

- Delirum? A girl’s band portuguesa?

- Não, Delirium como estado de perturbação da consciência, algo

semelhante ao estado que experienciaste no último jantar da malta.

- Ah claro, algo semelhante ao próprio des1biga.

- Ou semelhante à ideia de serem duas pessoas a escrever um edi-

torial.

- Acabei de chegar de Erasmus, tens que me pôr a par dos textos

que vão constar da revista.

- Então… Para além dos textos que dizem respeito ao tema, temos

uma entrevista a um médico fora do convencional, duas páginas true

colours, um novo projecto para expor trabalhos artísticos na faculdade

e claro todas as secções habituais.

- Uma exposição do Desumbiga? Estou a ver que este nosso peque-

no delírio colectivo está a ganhar contornos palpáveis!

- Esperemos que seja um delírio contagiante…

- Já entrevistaram um médico? Não era mais adequado ir falar lá

com as gajas da girl’s band? Eu delirava. Mas agora é pra fazer um edi-

torial, né? Que achas duns cogumelos mágicos para a inspiração?

- Concordo plenamente, afinal para a despedida tem que ser tudo

em grande.

- Pensando bem, acho que o Harrison já tem um teor alucinogénico

bem forte. Fico-me por aí.

- Então bora lá desumbigar e respirar um pouco de ar livre e real.

- Ok. Editorial, vamos a isso.

bERNARDO mOURAsAlOmÉ sIlVA

ediTORiaL

FiCHa TÉCNiCa

RedaCÇÃO*alexandre Freitas

ana Teresa Prata [email protected]

antónio Caetano [email protected]

bernardo Moura [email protected]

bianca Branco

carlos Pereira

david Moreira [email protected]

daniela Alves

dré Bemol

francisco Vale [email protected]

luísa Lopes

maria Emília Pereira [email protected]

mário Mi-Siccarosi

salomé Silva [email protected]

tiago Miranda

vítor Magno

CaPa e CONTRa-CaPabernardo Moura

salomé Silva

gRaFismOantónio Caetano

samuel Fialho

[Digital Impulse]

[email protected]

TiRagem400 exemplares

imPRessÃOeditorial aefml

CONTaCTOsrevista desumbiga

associação de estudantes da faculdade de medicina de

lisboa, hospital santa maria, piso 01

avenida prof. egas moniz

1649-035, lisboa

[email protected]

[email protected]

#17

ARm

AN

* O cOnteúdO dOs textOs publicadOs é da exclusiva respOnsabilidade dOs seus autOres

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Tema

eXCeRTO Nº 410 da COLeCTâNea desCONHeCida e iNêdiTa uVidas CONTuRbadas, meNTes bRiLHaNTes O deLiRium OCuLTO u Pá CeNas TiPO Nada a VeR u O deLiRium dO TemPO u POema deLiRaNTe u deLiRium

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Tema

Porque é que odeio escuteiros? Não sei! Em geral odeio fardas... ou seja bom-beiros, polícia, tropa, militares, PSP, membros de empresas de segurança como a SECURITAS, PROSEGUR, GRU-

PO 8, etc, mas também odeio bombeiros, GNR, corpo de intervenção, etc... não sei se é por desrespeitar as autoridades ou por ser quase anarquista... não sei! Talvez seja apenas porque muita desta gente usa a farda sem saber muito bem porquê! Usam-na como se fossem muito importantes! Nasce-lhes uma arrogância, uma impertinência inacreditável, inadmissível! Repa-rem naquelas coisas verdes que passam multas ilegais nas ruas de lisboa aos carros em cima do passeio... aquele lodo verde que tem umas letras a dizer EMEL... essa é a mais nojenta da escumalha de farda... ah como gosto da PJ... essa polícia judiciária... inteligente, eficiente, discreta, traiçoeira, elegante mas ainda assim mais honesta que a PSP, que mais não faz por-que o magistrado não deixa, o político não quer e o povo não merece... essa é a única polícia

que tolero, talvez por não usar farda (não dou por eles quando nos cruzamos na rua)!.... a arrogância de um polícia ou de um bombeiro fardado só é comparável à sua ignorância e à sua preguiça!.... e mais não escrevo senão fazia um livro só disto e isto tem mais piada escrito assim de rajada sem pontuação sem nada!

escrito por carlos pereira algures em lisboa, portugal (feze europeia, terceiro calhau a contar do sol, sistema solar, estrada de santiago, uni-verso) no início do quinto mês no ano da graça de vosso senhor jesus cristo de dois mil e cinco.

cARlOs pEREIRA

Excerto nº 410da colectânea des-conhecida e inédita“666 (re)flexões no soalho do rés do chão duma mente acabada (de chegar) ou os incríveis 111 pensamentos por cada um desta meia dúzia de anos”

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Tema

De uma demência

líquida, a condi-

ção de existentes

aplaude-nos.

Quantas percep-

ções nos inauguram a mente

e, ainda assim, talvez a lucidez

seja escassa.

Este não é o mundo dos

lúcidos; mas dos que o tentam

ser. Sob leis factuais e possí-

veis, sob as pesadas arcadas

dos conceitos sociais, sob a

imobilidade das carcaças das

construções psicológicas, sob

a mendicidade inerente à

satisfação das emoções. Uma

lucidez forçadamente conser-

vada, similar a um dogma que

teima congruir ileso, mes-

mo em fricção com cenários

agudos. Tudo justificado por

esse ganho maior: o estatuto

lúcido, forjado por um conjunto

de idealizações insatisfatórias

e incompletas. Nem sabemos

onde em nós nasceram, ou

se as não temos, onde em

nós nasceriam. Mas são elas

que nos rasam jusantes aos

sentidos, aos pensamentos e

às acções.

A nossa tentativa de lucidez

é menos do que aquilo que so-

mos. Pois o impacto do âmago

do ser, é apenas superfície,

na poética dos demais. Como

pode, a metasubstância da

profundidade do ser, metamor-

fosear-se no seu trajecto de tal

modo, que ao alcançar o outro

é uma aragem ré?

A crítica, mimetizada pela

concepção de lucidez que

herdámos, não nos liberta. É

a criação que constitui o acto

final e máximo deferido à

humanidade. O único que nos

desenlaça as pernas dos mean-

dros ásperos da terra e nos ca-

tapulta de um só rasgo para os

tectos das constelações. Tudo

o resto é sobrevivência, uma

luz baça e insegura na bucólica

noite dos nossos sonhos.

Tudo o que não somos,

integra a remota beleza da

inconsciência que é o pecado

da mente. Devido ao objecto se

encontrar oculto, atribuímos-

-lhe a inexistência. Nesta ma-

téria somos nascituros cegos à

procura de formas definíveis.

É como as florestas sus-

pensas no ar, oníricas na sua

materialização. Se as víssemos

por dentro dos troncos e das

folhas, não restariam dúvidas

que a manifestação dos entes

é um conhecimento que parte

de um lugar específico. Seria

a dendrolatria do intrínseco e

da plenitude. Só que encontrá-

-la articula o corpo e a mente

numa frenética suspensão

de sentidos e emoções, para

evadi-lo de sonhos. Pois se não

é o sonho ou a paixão, somos

patacoadas ilógicas da criação.

A lucidez plagiada é um

valor que sustenta um tempo

presente eterno. A germinação

do futuro até pode ser conce-

bida em meios brandos, mas a

sua derradeira exteriorização é

a loucura. Existe aqui um radi-

calismo, pois o novo é sempre

um afrontamento e justificá-lo

implica o sangue de quem o

vislumbra.

Que se passe ileso pela

vida… Mas por nós mesmos?!

Isso constitui um rastejo de

inocuidade, uma sucessão exe-

cutiva, triste e monótona, de

gestos e frases pré herdados.

A dança até ao suor e a mú-

sica ritmada e os gritos agudos

e o calor da labareda e a cren-

ça num sincretismo da nature-

za e a mística da inconsciência

e o caldo das ervas e por fim o

delírio orgástico.

O conhecimento não se

obteve da ausência de conhe-

cimento, mas da alucinação

necessária para expulsá-lo do

seu trono oculto.

O delirium é a lucidez

oculta.

O amor é o delirium oculto.

E o oculto, o que será reve-

lado.

mARIA EmílIA [email protected]

O DELIRIUM OCULTO

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Tema

VIDAS CONTURBADAS, MENTES BRILHANTES

É com bastante frequência que verifico que grandes génios da humanidade, mais ou me-nos conhecidos, eram oriun-dos de famílias disfuncionais,

violentas, demasiado rígidas ou não tinham família de todo. Cresceram sem estrutura, sem suporte, com uma inte-ligência que transbordava as regras da suposta normalidade. Não compreendi-dos, nunca desenvolveram sentimento de pertença aos que os rodeavam, nem sequer à sua era de existência.

Desde cedo, era significativo o tem-po que despendiam sozinhos. Sempre tiveram dificuldade em desenvolver amizades e, dos amigos que tinham, os que realmente interessavam e eram interessados, nunca ultrapassaram os dedos de uma mão. Na juventude, dominados pela timidez e insegurança, mas com vontade de experienciar tudo o que já tinham lido há muito tempo em livros, usavam drogas, álcool ou ambos para atingirem um estado que de alguma forma, real ou subjectiva, os auxiliava no relacionamento com os outros ou, pelo menos, a suportar o tempo em que estavam sozinhos, aca-bando invariavelmente dependentes.

Alguns não tinham relacionamentos

amorosos de todo. Para outros os rela-cionamentos fortuitos eram frequentes, bem como os múltiplos, mas sempre com um sentimento de vazio presen-te, pois a busca idealista pelo amor intenso e completo só mais tarde vêm a entender como impossível, devido à ausência do componente principal, o amor próprio.

As mudanças de emprego, local de habitação e até mesmo de estilo de vida são igualmente frequentes, como se o único sentimento resultante do que realizavam fosse a insaciável insatisfação.

A família nunca esteve com eles; os amigos, mais cedo ou mais tarde, desistem de os tentar moldar à sua imagem, porque finalmente percebem que seria impossível; as drogas e o álcool produzem, em última análise, ressaca; o amor de uma vida inteira nunca apareceu, nem o local ou tempo ideais para criar raízes.

Vem a doença prolongada e, muito comummente, o suicídio.

O que torna estas histórias verda-deiramente extraordinárias é o facto de, no meio deste emaranhado de vida, terem surgido descobertas essenciais, teorias complexas, quadros de beleza

infinita, músicas intemporais, textos e poemas com sentimentos universais, que foram, nada mais nada menos, delírios, fugas da realidade, que nunca teriam sido alcançados no seio de uma história de vida banal, que pela pobreza de desafios, não impele à mudança, criatividade ou flexibilidade.

No seu tempo foram muitas ve-zes considerados loucos, com vidas consequentemente conturbadas. Eu vejo génios com mentes fascinantes das quais podemos tirar uma grande aprendizagem: estas pessoas no meio de desilusões, fraquezas, falhas, frus-trações vividas e observadas, consegui-ram através da sua obra ir além do que a realidade comportava.

Poderiam ter sido mais uns quantos infelizes e conformados, mas, porque ousaram delirar, atingiram a imortali-dade.

Será caso para dizer… O que uns têm de louco, outros têm de pouco.

sAlOmÉ [email protected]

Pioneira na indústria rock dominada por homens.

Considerada uma das melhores 100 artistas de sempre pela Rolling Stone.

Na universidade escreveram sobre ela: atreve-se a ser diferente.

Considerada uma artista poderosa mas profundamente vulnerável.

Sofreu de obesidade na adolescência e era chamada de porco e freak.

Morreu aos 27 anos por overdose.

Mãe: ela era infeliz e insatisfeita.

Própria: eu não me encaixava, lia, pintava e não odiava.

JANIS JOPLIN

Considerado um dos maiores poetas portugueses e do mundo, foi também empresário, editor, crítico literário, activista político, tradutor, jornalista, inventor e publicitário. Auto-intitulava-se “drama em gente”; contam-se 72 nomes entre pseudónimos e heterónimos. Chamaram-no de “enigma em pessoa”, reflectia sobre a verdade, existência e identidade. O seu início de vida foi marcado pelo falecimento do pai e do irmão, tendo escrito o primeiro poema com 7 anos. Acaba por isolar-se perante a competição pela atenção da mãe por parte do padrasto e filhos do 2º casamento. Viveu em Durban, onde recebeu educação inglesa, destacan-do-se sempre. Interessava-se pelo ocultismo, misticismo e astrologia. Redigiu cartas a psiquiatras auto-diagnosticando-se como histero-neurasténico, considerava-se internamente instável, embora aparentasse ser controlado. Este desdobramento de personali-dades, a tendência para a despersonalização e simulação, entre outros aspectos, apontam para esquizofrenia. Faleceu aos 47 anos com cirrose hepática alcoólica

FERNANDO PESSOA

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Tema

Vocalista dos Doors, poeta, actor, realizador, inspiração para muitos músicos rock.

Considerado pela Rolling Stone um dos melhores 100 cantores de sempre.

Coeficiente de Inteligência de 149. Estudava com facilidade filosofia, literatura e psicologia.

Infância nómada típica de famílias militares.

Pais utilizaram a tradição militar na sua educação.

Pai escreveu: devias desistir de qualquer ideia de cantar porque considero que tens uma

completa ausência de talento.

Levou uma vida boémia com numerosos relacionamentos.

Morreu aos 27 anos por overdose. Na sua campa consta a inscrição: fiel ao seu próprio espírito.

Pintor pós-impressionista, considerado um dos maiores de todos os tempos.

Pioneiro na ligação entre as tendências impressionistas e aspirações modernistas.

A sua forma de pintar acompanhava as suas mudanças psicológicas.

Falhou em muitos dos aspectos considerados importantes na sua época, não constituiu famí-

lia, não financiava a sua própria sobrevivência, não mantinha contactos sociais.

Preferia comprar materiais de pintura em vez de comida. Podia pintar um quadro por dia.

Pensa-se hoje que tinha doença bipolar.

Suicidou-se aos 37 anos.

A sua fama foi atingida postumamente.

Maior matemático do século XVII, precursor do Iluminismo, astrónomo, alquimista, filósofo e teólogo. Responsável por muitas descobertas, destacam-se a lei gravitacional universal e as três leis de Newton, fundamentos da mecânica clássica. Não conheceu o seu pai que faleceu antes do seu nascimento, a mãe voltou a casar, sendo a rela-ção com o padrasto muito precária. Pensa-se que viveu uma infância triste e solitária. Tinha uma personalidade fechada, introspectiva e um temperamento difícil. A mãe retirou-o da escola e obrigou-o a ser agricultor, algo que odiava. Voltou à escola e era um aluno mediano até ter estado envolvido numa briga com um colega, altura em que decidiu tornar-se o melhor aluno. Teve vários “nervous breakdowns” ao longo da sua vida e era conhecido pelas suas reacções muito efusivas e repletas de raiva quando era contrariado.

VINCENT VAN GOGH

JIM MORRISON

ISAAC NEWTON

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Olá.

Pá, Pá Cenas Tipo Nada A Ver chega até vós com o intuito puro de vos azucrinar.

Pá Cenas Tipo Nada A Ver, no entanto, não chega até vós com o intuito único de vos azucrinar.

Isto é tudo muito estranho… Têm de concordar: É ESTRANHO. Por meio da ingestão das palavras de um mestre ancestral da homeopatia, Diumpu de Spencer, regurgito aqui nos vossos

timoratos olhos o que tenho para vos dar. Não é amor e não é calor, o que devia des-de já deixar-vos de pé atrás. Isto quer fazer com que se sintam mal. Na verdade, se chegarem ao fim disto e sentirem repulsa de vocês mesmos, têm o meu respeito.

Da vetusta sabedoria do mestre Diumpu podemos beber lân-guidos excertos como: A Ria vai lodosa, mas penetra casta no Oceano (entenda-se a

vaginação laminar que daí resulta, com todos os refluxos e divertículos putre-factos inerentes). Pá… BRUTAL MEU!!!

Consegues perceber?? Sim! TU! Tu, moço! Sai do lodo moço! Sim! TU! Tu, moça! Não queiras ficar no cais moça! Porra, mas será que está tudo doido?! Sois uns tontos. Brita infinita. Desbridem-se dessa estase abstracional… Entreguem-se à in-continência espiritual… Façam-no, antes que impludam numa intelec-tasia fétida… < RIVERS OF GORE! RIVERS OF GORE! > Deixem-se jorrar leito fora, fodam o Oceano! Fodam-no bem! Fumem um cigarro com ele e deixem-se ficar abraça-dos para sempre. Salguem-se para fora dessa insipidez. Fertilizem-se. Expurguem-se de vez desse estado de delírio antes que o delirium se vos entranhe! O fim não está perto mas vocês já não vão para novos…

Eu só queria mandar esta papaia aqui para o meio. Agora papai-a toda. Os que deste saco viscoso e poroso não conseguem espremer

nada que lhes hidrate a alma, pá… que me perdoem este motim sináptico. Mas ainda assim tenho algo para vocês, a res-talha. É algo que nenhum neologismo ou davidema conseguiria sequer expressar, portanto vou tomar a liberdade de inventar (também eu quero fazê-lo, e posso) uma expressão, unicamente para aqui a em-pregar. Crésmio! O significado guardo para mim (também eu quero fazê-lo, e posso). Freuda-se! Sabe bem.

DRÉ bEmOl

Tema

CENAS A VER

TIPO

NADA

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Tema

O tempo é inexistente... Enquanto viviamos no sonho da realidade tudo passou num ápice e a eternidade a efeméride sisbolcheia. Hoje tempo é movimento, repetição de fenómenos, oscilação, e não haver tempo é sonho, sonho-livre. E retrangizendo a auea floria da primavera, a força de crescer, o desejo de morrer, tudo issenta a metamorfose do dinuliar

da Vita.O obnubio tempo-espaço, vultuosa centrífuga em espinha de flecha ardente,

este império perfeito, esta habilidade que contrapõe o tempo-espaço retardado, inteligente, o tempo pto e não fugo, a força Pta contrabalançada à Fuga, de Bach, centrípta, centriptamente encaixada na dinâmica atemporo guiada pela dança, ora para lá, ora para cá, do velho mundo que não se compreende daqui. Deixa-me correr, associar-me na diluição da esfera mãe, que tudo faz dar à luz, pela luz, o que sou eu? Se me deram à luz do dia, sem misericórdia, sem estula, sem guarida miltubiante, com sentimento inulto, inalcançável força do desassossego, grita em mim, silêncio.

O DELIRIUM DO TEMPO

Ouve a voz de quem te escuta, que de mim nasce um nascer de certo sentido. Ouve! Se de ti repercute o tempo, toque a toque, tom a tom, cor a rio, a corrente-za de tocae impermanência... O tempo positivo, a fuga, o tempo negativo, a Pta. Enquanto um dispersa, o outro vai imprensando. As memórias chegam então a possuir duas funções, sendo a organização interna da informação externa que se perdeu, encontrando-se cá dentro, portanto nada se perde, tudo se transforma, tudo se reitera ciclicamente entre sonho e despedida do sonho, entre realidade e despedida da realidade. É a dança monumental, esperemos que a música nunqu’ acabe!! Mas a asafeméride não pode ser sustentada na condição física, pois que a mente está cansada, de andar para um lado e para outro, e assim também o uni-verso terá que se deitar no seu leito, dormindo até que venha à consistência, uma nova forma de viver! Tudo será como dantes.”

DAVID NAscImENtO [email protected]

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Caminhas delirante.

E tudo o que se passa à tua volta

Não passa de um simples momento

Com que deliraste.

Tudo é delirante

E delirium é tudo.

Depende do modo como o sentes

E não percepcionas.

Todos, por momentos, deliram.

De tão pouco escrever

Começo a delirar.

De tanto delirar

Começo a escrever.

FRANcIscO mARtINs DO [email protected]

POEMA DELIRANTE

Tema

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DELIRIUM

Tema

Não. Já não deliro. Já me aconteceu, sim, naqueles

dias iniciais, quando o teu cabelo sobre o meu

ombro incendiava o peito. Não me apercebi logo da

condição que se instalava, apesar das mãos suadas

e da ansiedade crescente. Apoderou-se aos pou-

cos de cada pedaço de mim. Pegou-se à ponta dos dedos que te

cumprimentavam, à pele que te sentia, aos pés que te seguiam,

aos braços que encaixavam em ti. Contagiaste-me. Delirei na

febre que me trouxeste, embrulhada na doçura do teu sono.

Desconcentrei-me do embalo dos dias por onde sempre seguira.

Perdi o raciocínio e o conforto da solidão. Afoguei-me em como-

ção. Confundi o sono certo com a incerteza da consciência. Perdi,

talvez, a consciência. Alucinei com touros enraivecidos, em fúria

contra o meu peito gritante. Delirei, sim, na tua ausência, no teu

cheiro empestado em mim, para que soubessem que te tocara as

mãos. E delirei, de nariz fundo nesse cheiro para que o delírio não

terminasse.

O sangue revolto eventualmente sossegou. A temperatura foi

caindo aos poucos, que o corpo acaba por esfriar a combustão

interna. Vagarosamente, recuperei a lucidez e o julgamento con-

creto das coisas. Consegui, por fim, compor as imagens e ver a

composição final. Soube ler-te sem tremer a vista e voltei a andar

sem o apoio das sombras. Regressei a mim, com a vista nova e o

coração redecorado. E, quem diria, permanecias comigo. Continu-

avas ali, de mão na minha, de sorriso sereno e olhar genuíno.

Sim, tornei-me sã, serena e sóbria. Acabou-se a febre, a angús-

tia, a dúvida dilacerante. Estou bem agora. Mantenho-te a meu

lado, de onde sei que não partes, aninho-me e olho em frente.

Sigo. Contigo. No conforto de nós. Na certeza e na partilha. Agora

tudo é, por fim, real.

ANA tEREsA [email protected]

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1 5 d e s u m b i g a

JaNeLa de eXPRessÃO

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JaNeLa de eXPRessÃO

PALAVRAS

A água suspensa mantém a forma da sua jarra já quebrada. A mesa caiu. O chão desapareceu.Resta a rosa vermelha Que a água não esqueceu.

“Será que existem coisas que não existem?Mas se existem coisas que não existemMesmo que não existamA sua “não existência” existeOu será que tudo existe?Uma coexistência harmoniosa de todas a possibilidadesQue se materializam constantemente em paraleloQualquer acção tem uma miríade de desfechos possíveis e

impossíveis]Mas todos eles se sucedem cada um no seu espaçoNo seu universoO nosso é tão-somente um delesUm do tudoE nesse tudo existirá também o nadaPorque o nada é também uma das possibilidadesQue poderá já se ter concretizado em pelo menos um dos universosDe que adianta sonhar?Se tudo o que sonhamos certamente já existeSó para termos o prazer de contemplar essa realidade?Não nos consola o facto de existir!Queremos ver, tocar e sentir!Viajamos para outra dimensão? Ou lutamos pela concretização?”

“Suave a indecência inorgânicaque se entranha nas viscerasdo animal que se alimenta das golfadas hemáticas de socorrogritadas num ritmo harmoniosoClimax de dor que enche o coraçãoÉ esse o verdadeiro sabor da vida na sua ultima metamorfoseSó não é uma verdadeira simbiosePorque não partilham o mesmo corpoNão posso viver sem mortePorque a imortalidade mata a vidaNem posso morrer sem ter vividoPorque assim não teria nascido”

ROSA VERMELHA

MULTIVERSO

SIMBIOSE

máRIO mI-sIccAROsI

OS IMPOSSÍVEIS SÃO APARENTEMENTE IMPOSSÍVEIS PORQUE DESCONHECEMOS A REAL PROBABILIDADE DE ACONTECEREM

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O abismo, a dor, a sorte a morte, sempre. Imutável como o tempo que passa mas volta sempre à mesma

estação onde outrora a folha caiu. O cansaço, o mesmo. O corpo arrastado no mar do deserto, que

foge, que cospe no fundo do poço onde nem a água existe mais, sumiu.

O sempre-nada que corrói e não deixa ver o resto. O que vem, o que nunca vem. Mas virá. E a força

inexistente quer ouvir-se, erguer-se do quase morto que ainda respira, a custo, em esforço.

E a paz que demora, e demais, atrasa demais o relógio, sem ponteiros, com números distorcidos de horas ora

estáticas, ora fugazes.

Mas o que fica são os restos, os pedaços, os fragmentos, as quase-memórias sempre mais cheias de vazio que de

outra coisa qualquer. Deveria inverter-se a situação. Fragmento do bem passado não do mal sentido, sempre presen-

te. Imortal. Porque assim é vivido, imortal, perene, forte, o guerreiro que nunca cai, o soldado que não morre.

O mal.

DANIElA AlVEs

O ABISMO

JaNeLa de eXPRessÃO

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1 8 d e s u m b i g a

JaNeLa de eXPRessÃO

A Deusa transforma-se na forma

e toma lugar na imúria do tempo.

Em mim acende o Deus

e me deixa nú,

querendo tocar a forma

que nunca diz,

que nunca usa.

E o baloiço de criança

entra cheio da alegria…

Ah! Deusa, vive-me!

Vive-me, que venho

trazendo-te ao colo

Pela lua e os astros.

E sublime quanto de ti trago…

Sublime quanto de ti me embaraça

ao peito, como colares pesados de jóias.

Sou teu sem que tu sejas minha,

e dizes-me,

dizes-me que é por defesa que não dizes!

Se por defesa dissesses, não sabes,

que bravas e grandes são o dizer

d’ alma! O provir não tem força

contra os seres que se amam.

E a alma fica, sem esconderijo,

pura e liberta, para ser amada,

diluída na união,

a alma fica livre.

DAVID NAscImENtO mOREIRA

[email protected]

DELICADA

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JaNeLa de eXPRessÃO

Vejo. Paro. Penso. Mas

será? Quererá dizer algu-

ma coisa? Será imagina-

ção ou simples devaneio?

É mesmo ou apenas o

que quero que aconteça? Não. Paro.

Penso. Mas não! Não posso pensar!

Mas isso é possível…não pensar?!

E depois? O que é que vem depois?

Paro. E a vida continua, amarga e

longa como todos os dias foi. Foi? E

atrás do quadro negro vislumbro uma

fresta. Paro. Olho. Era tão bonito lá

atrás. Mas não podes apanhar um

pássaro que fugiu à procura da liber-

dade. Se ele é astuto procura outro

céu, e nunca mais quererá o mesmo.

Ninguém o quer. Paro. Fecho a fresta.

Escondo o bonito céu. Agora sou só

eu, e a vida continua, amarga e longa,

desde que o céu escureceu. E o tem-

po? Dizem eles. Esse nada traz senão

a revolta, a frustração de vê-lo passar.

Tentar agarrar e ver fugir por entre as

mãos os grãos de areia, áspera. Ter

tempo é esperar, é parar, é pensar.

Mas não! Não posso pensar! Não me

deixem pensar, não me dêem espaço

para libertar memórias antigas. São

lágrimas completas de experiências

inacabadas. São uma sala vazia ou-

trora recheada de crianças e fotos de

família queimadas pelos raios de sol

da manhã. São paredes brancas em

que nenhum pintor jamais quererá tra-

balhar. Paro. Penso. E o tempo? Dizem

eles. Corro!

lUísA lOpEs

(DEAD)LINES

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2 0 d e s u m b i g a

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2 1 d e s u m b i g a

TRaNsmissÃO ORaL

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Page 22: #17 - Delirium

2 2 d e s u m b i g a

TRaNsmissÃO ORaL

HUGO DOS SANTOS

PROFESSOR DOUTOR

BIOGRAFIA: Licenciaturas em Medicina, Psicologia Clínica e Filosofia; Formação em Psicanálise e Psicoterapias; Investigador na FCT

Page 23: #17 - Delirium

2 3 d e s u m b i g a

TRaNsmissÃO ORaLMARIA EMÍLIA PEREIRA - Quando

começou o seu interesse por temas como

a Neurociência, a Psicologia Clínica, o Es-

pírito, a Filosofia, a Medicina, a Neurologia

do Comportamento…?

HUGO DOS SANTOS - Desde muito

cedo. Aos 12 anos o meu primeiro traba-

lho, para uma disciplina na escola, tinha o

título de cérebros e computadores! Aos 12

anos… ainda tenho lá isso, descobri no ou-

tro dia esse trabalho lá no sótão… Depois,

como tive uma educação oriental…

MEP – Oriental?

HS – tive uma espécie de preceptor

particular que foi o meu Mestre desde os

meus 4 ou 5 anos de idade. Não é que aos

4 ou 5 anos de idade me interessassem

realmente, mas se uma pessoa é educada

dentro de uma cultura, naturalmente que

com o tempo acaba por desenvolver esse

gosto, esse interesse, esse fascínio, para

dizer o termo mais correcto.

MEP – Mas o interesse despertado era

já relativo à Medicina, à Filosofia, ou…?

HS – Não, não… Bom eu já fazia as mi-

nhas experiências, mas a Filosofia aparece

na minha vida já muito tardiamente. Eu já

tinha tirado o curso de Medicina e o de Psi-

cologia Clínica, e aquilo continuava a não

fazer sentido nenhum… Havia perguntas

que ficavam sem respostas. Para ter uma

noção, no caminho para cá, vinha na Praça

de Espanha no fecho de um pensamento,

que trazia desde Azeitão até aqui. E que

era: “Então muito bem, eu estou a olhar

para uma paisagem e há aquele momento

em que a pessoa olha para a paisagem e

se abstrai de si própria; então como é que

eu teria consciência de que estou cons-

ciente e ao mesmo tempo inconsciente da

minha Auto-consciência? Como é que nós

conseguiríamos definir este estado?”

A Auto-consciência parece ser alguma

coisa. E depois há outra questão ainda: a

consciência não é o Eu estar consciente

quando abstraído, mas tenho de chamar a

mim esse estado. E a pessoa não se aper-

cebe que não chama quando está abstra-

ída por uma determinada sensação, pois

deixa-se invadir por um sentimento, seja

ele de vazio, de beleza, ou do que quer

que seja… Mas depois, nós chamamos de

consciência vigil como foi falado no Debate

do Módulo ConsCIÊNCIAS do congresso EN-

JOY Med ‘10, eu tenho de chamar a mim

esse estado de consciência. Eu tenho de

dizer “estou aqui!”, mas há esse momen-

to, há esse fenómeno de aparecimento

do meu Eu, que se torna presente, que

durante um período se evadiu. E mesmo

quando eu chamo, quando eu tomo auto-

-consciência de que estou consciente, eu

tenho que ter a mesma auto-consciência

que na minha auto-consciência eu estou

inconsciente. Isto é complexo, como é que

eu definiria isto?

Há outra questão muito importante:

como é que eu chamo a pessoa ali? Como

é que eu me chamo a mim próprio?

A arte é também muito interessan-

te nestes temas, a pessoa escapa-se…

Magritte, que o Professor Mário Simões

usa muito nas suas apresentações, realiza

uma pintura intelectual. Ele não pinta só

por pintar, pinta no intuito de intelectua-

lizar. Não é um simples abstracto, como

um Wassily Kandinsky, por exemplo, que

atirava umas coisas para depois ver o que

é que a pintura lhe dava. Mas mesmo nes-

sa experiência, eu uma vez li umas coisas

sobre Wassily Kandinsky porque queria

perceber o abstraccionismo – como é que

uma pessoa pinta abstraccionismo? Isto,

por causa de uma questão do oriente, vai

tudo drenar ao mesmo oceano... Ou seja,

ele queria evadir-se das concepções pré-

-concebidas, queria expressar uma totali-

dade, mas que não estivesse condenada

pelas pré-concepções sociais. Portanto, o

traço técnico. Ele queria sim, a expressão

de algo que através dele tomasse forma

na tela. Isto era o abstraccionismo.

Agora, vamos imaginar que nesse

momento ele não está consciente. O que

é difícil, pois o artista tem de ter noção de

uma técnica para a aplicar, mesmo que

seja uma técnica sem técnica. Ou seja, que

não haja um traço técnico definido, como

ele crê nos materiais que aplica. E isto é

muito complexo, por isso é que a arte é

tão discutida: é uma elaboração, ainda que

elevada. Mas o abstraccionismo é de maior

radicalização na nossa cultura por causa

disso. E ainda que seja uma tentativa de

escape a essas concepções que a fecham,

ela não deixa de ter esse alicerce de

escape. Ele tem um quadro muito engra-

çado que pinta de cima de um escadote

e tem uma tela muito grande. Então vai

com uns baldes e atira a tinta para a tela.

Vêem-se as bolas dos borrões maiores e

depois os salpicos, parece uma explosão…

Mesmo que ele faça isso e que durante

esse momento em que esteja absorto no

que acontece, se o parássemos e pergun-

tássemos: “o que é que está a fazer?”, ele

respondia,“Ah! Estou aqui!”. Ele conseguia-

-se definir, mas esse estado teria de vir a

ele, ele está auto-consciente de que está

consciente do que está a fazer, ou seja, ele

define a consciência como aquilo que sabe

o que está a fazer. Define a auto-consciên-

cia como quem sabe que sabe o que está

a fazer, agora, durante o momento em que

faz. Ele não só não está consciente do que

o que ele está a fazer, porque não conse-

gue definir no mesmo esse momento, em

que a auto-consciência está inconsciente

da consciência que o faz.

“A maior parte da infor-mação que normalmente

temos acesso (...) tem a ver muito com um estudo su-perficial das coisas, e não com a realidade concreta das tradições do pensa-

mento oriental ou das me-dicinas orientais”

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2 4 d e s u m b i g a

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2 6 d e s u m b i g a

E isto, então onde andaríamos nós?

Mas depois, vem o tal Self, e de repente,

ah! Mas eu estou aqui, e se eu estou aqui

posso perguntar à minha consciência. E

aparece-me em três dimensões: o Eu, a

Auto-consciência e a Consciência. Estas

questões no oriente, para fazer agora a

ponte, são muito importantes. Essencial-

mente, a filosofia ou melhor o pensamento

que, advém do Budismo Zen que tem que

definir o Eu do Não-Eu, ou seja, este Eu,

que não é Eu. Que seria, nesta dialéctica

entre Eu, o Self, a Auto-consciência e a

Consciência, mais propriamente o estado

de vigil, não o é. É muito importante enten-

der esta dialéctica ocidental. À medida que

os anos avançaram e fui para a escola, nas

aulas nunca se falou muito em Consciência.

MEP- E existiu alguma influência destas

matérias para seguir Medicina?

HS – Não, não… Na altura o facto de ir

para Medicina foi uma linha de percurso,

como qualquer outra.

Fui para Medicina porque estava-me

mais próximo. Quando era miúdo já gosta-

va de andar a abrir os bichinhos, tinha lá

um “laboratório” às escondidas. Se calhar

já havia uma pré-consciência, mas isso

teríamos de admitir aqui outras coisas. Mas

a medicina não me aparece como resposta.

Na altura não estava preocupado com uma

profissão, havia lugar para todos. Aliás, foi

o “boom” da gestão, quem era estudioso e

queria ter uma carreira de sucesso ia para

Gestão, Economia…

DAVID NASCIMENTO MOREIRA – A

medicina surge então como um percurso,

para tentar responder, talvez, a certas

questões?

HS – Às inquietações... é verdade! E

foi sempre assim, a medicina, a psicologia

clínica, a filosofia, os cursos que fiz, etc.

Mas mais para conhecer o mundo exter-

no, porque a arte de conhecer-me a mim

próprio, eu aprendi com os orientais. Fui

ao fundo da questão, os orientais é que

me ensinaram a conhecer, eles é que

têm, digamos, os métodos que faltam

à medicina para nos conhecermos. Eles

têm uma Auto-Medicina, não tanto uma

auto-medicina no sentido de curar, mas

têm uma auto-medicina no sentido de se

auto-conhecerem, portanto, o caminho do

Auto-conhecimento…

MEP – E isso envolve o quê? O que é

que envolve o Auto-conhecimento?

HS – Envolve processos introspectivos,

métodos de treino introspectivo, auto-re-

flexivos, não tão voltados para o exterior.

Mas no seguinte sentido, “para conhecer

o outro tenho de me conhecer primeiro a

mim mesmo”. E toda a tradição oriental é

voltada para essa concepção. Para o por-

menor que acontece dentro de cada indi-

víduo, e a sensibilidade que é despertada

através dessa experiência de se vivenciar a

si mesmo de dentro para fora…

MEP – E acha que isso seria uma fer-

ramenta, ou de alguma forma vantajoso,

para o profissional de saúde, como o médi-

co, neste caso?

HS – Eu diria que teria todo o sentido.

Vou-lhe dizer o seguinte, nós temos hoje o

crescimento massivo da Bioética, que está

muito voltado para os cuidados paliativos,

etc. Mas não só, na bioética também temos

a relação médico-doente, que é voltada

e centrada no cuidar do ser humano, da

pessoa. Após o doente, ou antes do doen-

te, temos o ser humano. Isto está a atingir

largamente a medicina, através da bioéti-

ca, não sei se de uma forma superficial, se

atingindo mesmo o “coração” dos médicos,

a ponto de os sensibilizar para que eles

revejam a forma como entendem a medici-

na. Mas a verdade é que, se houvesse um

lugar em que essa tradição oriental, esses

métodos orientais de auto-conhecimento

pudessem ter lugar e aplicabilidade na

medicina, seria essencialmente, num pri-

meiro passo, nesse sentido, porque é o que

é emergente. É o que é emergente. Nós

temos pouco tempo neste mundo, e talvez

a única coisa que nos acrescenta conheci-

mento real, para mim, e a meu entender, é

o contacto e a relação que estabelecemos

com o outro. Essa troca, esse “dia-logos”.

O Médico ganha uma posição privilegiada,

porque lida com o doente quando tem a

maior parte das suas barreiras psíquicas

em baixo, o que, quer dizer que ele se tor-

na muito mais permeável a esse contacto

humano.

MEP – Pensamos que tem havido por

parte das instituições, um florescer de uma

certa consciência desta problemática. Já

que na nova reforma curricular, uma das

medidas foi implementar a exploração

de temas como a relação médico-doente,

no sentido de sensibilizar a formação dos

novos médicos…

HS – Não há de ser fácil, mas lá está,

esse auto-conhecimento seria isso: esse

despertar de sensibilidades para essa nova

consciência.

Repare, nós estamos agora nesta evolu-

ção tecnológica do mundo Web. Que tornou

o mundo pequeno e aproximou outras

culturas, por exemplo a cultura oriental.

Aproxima, é facto, existe esse contacto,

mas deixa-o à superficialidade. E depois,

em termos de resultado final, “aquele con-

tacto” que é necessário não existe.

Eu não tenho uma noção, hoje, de que

as culturas estejam mais próximas, na

verdade nunca as vi tão distantes como

agora. O que eu acredito que exista é que

tem existido um marketing de proximidade

e de aproximação intercultural, que é feito

essencialmente pela classe política. Mas

que na realidade, esse contacto humano

e essa partilha humana nunca têm sido

verdadeiramente privilegiadas no senti-

do que deveriam ter. Isto quer dizer que,

de alguma forma, aquilo que nos está a

chegar dessas tradições ancestrais, como

as orientais, incluindo os seus modos de

entender a medicina e os seus sistemas

médicos… E que nós deveríamos estar

abertos a apreender esse conhecimento,

pelo menos a estudá-los, para ver até que

ponto têm algo que nos possa ser útil para

a nossa prática e melhorar significativa-

mente a prática médica ocidental, não

penso que isso esteja a ser favorecido por

TRaNsmissÃO ORaL

“Eu não tenho uma no-ção, hoje, de que as cul-turas estejam mais pró-ximas; na verdade nunca as vi tão distantes como

agora. O que eu acre-dito é que tem existido um marketing de proxi-midade e de aproxima-ção intercultural, que é

feito essencialmente pela classe política”

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Page 27: #17 - Delirium

2 7 d e s u m b i g a

esse contacto. Pelo contrário, eu nunca me

senti tão às avenças culturalmente como

agora, quando falo com colegas meus, ou

vou a conferências no estrangeiro, etc.

Sei perfeitamente que aquilo que deveria

ser ensinado no âmbito da tradição do

pensamento oriental não o é, porque eles

os orientais não só não confiam em nós,

como não se revêem na nossa forma de

entender o mundo. Eles entendem-nos

como pessoas, que queremos aprender a

um patamar muito superficial das coisas

para depois andarmos aqui a fazer um

género de “comércio de conhecimento”…

O que quer dizer que, a maior parte da in-

formação que normalmente temos acesso,

até mesmo por vezes em artigos ou litera-

tura, e por aí a fora, tem a ver muito com

um estudo superficial das coisas, e não

com a realidade concreta das tradições

do pensamento oriental ou das medicinas

orientais, como a Medicina Tradicional Chi-

nesa, a Medicina Ayurveda ou a Medicina

Tibetana, ou de outras tradições das quais

eu não tenho conhecimento, sendo mais

recentes, como a Homeopatia…

MEP – Quando diz superficial, portanto,

refere-se à aprendizagem de umas técni-

cas e de algumas coisas e não realmente

de uma interiorização, de uma profundida-

de do saber…?

HS – Exactamente. O que nós temos

são culturas e temos primeiro que abater

essas barreiras culturais, os estereótipos

étnicos para que depois de alguma forma

sermos “aceites e integrados” por essa

cultura, para que eles nos possam ensi-

nar e connosco partilhar o seu “saber”. E

tenho sérias dúvidas que uma pessoa com

a visão como nós temos, consiga assimilar

a totalidade de uma técnica que tem como

fundo de tradição aquela cultura. Portanto,

é preciso uma pessoa aprender a cultura,

para depois poder assimilar a técnica e

depois poder fazer essa adaptação com

consciência plena desse processo de

transladação desde a cultura oriental para

a cultura ocidental, e isto eu diria que é

deveras complexo…

MEP – Não é uma coisa que possa ser

feita facilmente…

HS – Não, não. De forma alguma, repa-

re, daí ser muito fácil depois, a crítica. Nós

não temos um conhecimento profundo,

nem a experienciação, a vivência. Portan-

to, é o mesmo que os comentadores polí-

ticos, e os comentadores de futebol. Pois

a visão que temos é apenas do jogo. Mas

quem jogou futebol, e eu joguei futebol,

sabe perfeitamente que dentro do jogo as

coisas não são iguais, porque a imagem

que temos não é a de cima de um estádio,

é sim ao mesmo nível. O jogador quando

vê, não vê uma linha directa de passe,

com três ou quatro indivíduos ali dispostos

tacticamente. E tenta encontrar linhas de

passe àquela medida, mas depois está um

indivíduo por cima, a quem lhe é muito

mais fácil de dizer: “porque é que não

passas para ali?”.

Aquela vantagem de posicionamento

permite-lhe a ele ter um prisma de visão

completamente diferente e isso o que é

que torna? Torna muito fácil a crítica, e

convínhamos que os ocidentais, cultural-

mente, têm uma grande aptidão para a crí-

tica fácil. Basta ver a nossa classe política,

mais uma vez, volto a referir…

Eu por acaso estava-me a lembrar de

uma coisa que aconteceu na conferência,

para cimentar mais esta ideia. Eu referen-

ciei um estudo que aparece num livro edi-

tado pela editora relógio de água que tem

a ver com o espírito e a ciência. Um estudo

feito durante 20 anos na Índia e no Tibete,

um estudo seríssimo, feito por uma equipa

do Mind Body Medical Institute at Harvard

Medical School, e do Department of Social

Relations at Harvard University, do qual

surgiram conceitos como a Inteligen-

cia Emocional, de Daniel Goleman. Contu-

do, eles apenas colocaram umas notas e

breves ilações sobre o que é que o estudo

tinha sido, e aí está, os tibetanos não

permitiram a divulgação de mais, porque

assim o entenderam, a questão aqui seria,

o de porquê, permitirem fazer um estudo

e depois não o deixar acessível. Já nos dá

que pensar no modo como somos entendi-

dos enquanto cultura ocidental.

Repare, Dalai Lama consegue ter este

discurso, mas do discurso ao ensinar é

uma coisa diferente.

Ou, outra coisa mais engraçada, o

conceito de Inteligência Emocional. É daí

que Daniel Goleman, que fazia parte da

equipa, um homem inteligentíssimo, faz o

aproveitamento do estudo e cria o concei-

to de Inteligência Emocional. Vendeu uns

bons milhares de livros, como se isto fosse

uma coisa nova. De facto no ocidente é-o,

mas, enfim, já havia este conceito e esta

noção há muitos anos, no Oriente. Se já

havia esta noção e esta consciência há

muito tempo no Oriente, então imagine o

que eles não saberão eventualmente mais.

A riqueza que eles não terão em termos de

documentos, sabedoria, de conhecimen-

tos, de técnicas, e por aí a fora, que nós

não temos acesso. Das quais cá nos chega

apenas a “superficialidade” delas...

DNM – Um exemplo disso é que, sabe-

-se que a Medicina Ayurveda mais tradicio-

nal tem sido ensinada de Mestre a Discípu-

lo ao longo das gerações…

HS – Exactamente… Primeiro porque

nós nem sequer respeitamos essa tradi-

ção, o que é muito engraçado. A tradi-

ção do ensino Mestre-Discípulo é muito

importante no Oriente. Por acaso, recebi

até uma crítica do Professor Mário Simões,

entenda-se bastante construtiva e de

quem nos quer bem, quando foi o con-

gresso ENJOY Med ‘10, devido à referência

presente dos meus Mestres; e fez-me essa

correcção, ainda que o Professor Mário

Simões o entenda, admitiu que a maioria

das pessoas não o entenderia dessa mes-

ma forma; nós não estamos preparados

para esse tipo de discurso. Note-se que eu

tive sempre na pessoa do Professor Mário

Simões a minha maior influência para

estas áreas. No oriente fui educado que a

referência aos meus Mestres não me me-

noriza, muito pelo contrário, essa constan-

te reverência é parte da minha genealogia

intelectual o que em nada se opõe a um

pensamento próprio e independente. Eu

não tenho que os diminuir ou que os retirar

para afirmar a individualidade e origina-

lidade do meu pensamento. Mesmo que

eu tome outro caminho, esse sentido de

reverência deve estar presente, pois só me

é permitido andar porque houve alguém

que me abriu caminho para eu possa ter

caminhado até ali. Se depois escolhi fazer

o meu caminho e construir o meu próprio

pensamento isso é no entendimento orien-

tal o próprio processo de realização… Sir

Isaac Newton disse uma vez, “Se vi mais

TRaNsmissÃO ORaL

Page 28: #17 - Delirium

2 8 d e s u m b i g a

TRaNsmissÃO ORaL

longe, foi porque estava sobre os ombros

de gigantes.”, e portanto, as pessoas têm

muita tendência de se esquecerem disto.

MEP – Aqui no ocidente não há esse

culto à sabedoria das pessoas mais ve-

lhas…

HS – Aqui há um culto à novidade, mas

só uma pessoa pouco inteligente é que

acreditaria na questão de ser diferente…

MEP – Acha que há alguma coisa na

Cultura Ocidental que se pudesse dar, ou

que enriquecesse a cultura Oriental?

HS – Sim, sem dúvida nenhuma. O

meu Mestre ensinou-me os nomes Japo-

neses, mas ensinou-me a dizê-los em Por-

tuguês. Uma das coisas que ele disse era

que os portugueses tinham coisas extraor-

dinárias, como por exemplo, a capacidade

e a abertura que temos para aprendermos

as coisas deles. O que eu acho que a cultu-

ra ocidental pode trazer à cultura oriental,

é exactamente esta “energia”, quando a

cultura oriental está a começar a perder fé

na sua própria tradição. É como se fosse

a “injecção de uma energia”, para validar

aquilo que até então tem sido. Outra coisa

é o aproveitamento para credibilizar as

nossas atitudes e fazer uma espécie de

toque de consciências, de que a ideia que

eles retêm há muito tempo da cultura oci-

dental, afinal não é a do comercialismo e

a da destrutibilidade. Muito pelo contrário,

é a cultura ocidental que eventualmente

pode validar, fazer um aproveitamento

daquilo que já existe. Se conseguirmos ter

a capacidade para retirarmos o que neles

de melhor existe, incentivá-los, energizá-

-los ao ponto de quererem partilharem isso

connosco. Para que nós possamos depois,

à posteriori, fazer uma aplicação útil disso,

validando os seus métodos ancestrais e os

antepassados que desenvolveram essas

técnicas. Depois o que tem feito e que não

o deveria fazer, é fazer esse aproveita-

mento muito superficial e vazio da cultura

Oriental.

Repare, eu lembro-me na minha altura,

em 98/99, que havia uma ou outra pessoa

que sabia estas matérias, relativamente as

tradições orientais e ao pensamento orien-

tal, por exemplo no que as artes marciais

dizem respeito como o Tai Chi. De repente

dá-se um “boom!”, eu vejo pessoas hoje

em dia a tratar destes temas, que muito

pouco ou nada terão estudado, que pouco

dominam; porque dominar uma técnica

oriental, implica uma dedicação brutal.

DNM – Implica fazer com que a técnica

seja parte do nosso organismo?

HS – Dedicação, exactamente… e isso é

uma experiência pessoal não só do nosso

corpo, mas com o nosso corpo, que leva

o seu tempo e precisa de ser orientada.

Como é que é possível que em tão pouco

tempo, numa geração apenas? E e de

repente sabem tudo… como nós vemos

nos filmes, em que enfiam uma coisa na

cabeça, tipo como acontece no Matrix, e

uma pessoa quando acorda já sabe tudo,

já sabe Karaté, tudo, o homem voa e pron-

to… isto não me parece que seja alguma

coisa que mereça respeito e acima de tudo

que possa ser entendido e respeitado por

quem é dono original dessas tradições

como os orientais.

MEP – A noção que eu tenho é que há

um respeito muito grande pelo tempo no

oriente, o tempo natural, o tempo próprio

das coisas, etc., aqui não… parece haver

um culto da rapidez, quanto mais rápido

melhor, sem haver a preocupação de viver

esse tempo…

HS – É verdade, aqui é um consumo, é

um consumo.

DNM – Portanto, não interessa o cami-

nho, mas a meta, para os ocidentais…

HS – Exactamente, ali não, é o domínio.

Eu tentei falar na conferência, na questão

da intensidade do tempo, como é que se

dá a consciência do tempo? Como é que

a consciência tem noção do tempo viven-

ciado? Falamos da consciência, mas não

da experiência da consciência… Repare,

é a consciência que tem noção do tem-

po vivenciado, ou é a auto-consciência de

estarmos a vivenciar conscientemente o

tempo? A unidade de tempo vivenciada,

que nos dá essa noção real da unidade ou

irreal, no caso, como eu apresentei nos es-

tudos dos estados de intensidade psicoló-

gica, de Bergson. Ele não definia a unidade

de tempo, o Bergson falava na intensidade

dos estados psicológicos, é uma coisa

diferente…

MEP – A vivência não seria uma coisa

padronizada, resultante das nossas vivên-

cias, crescimento, educação…?

HS – Mas nós não temos isso ainda

definido, em termos de cartografia da ci-

toarquitectura cerebral. Não conseguimos

definir com eficiência, se uma unidade

de tempo tem ou não uma correspondên-

cia em termos de funcionalidade cerebral.

O interessante, para podermos dizer isso

seria dizer “muito bem, numa determinada

actividade, a correspondência em termos

de circuito neuronal é esta, e a esta fun-

ção, imagine com a ajuda de um SPECT,

conseguíamos ter uma ideia da localização

de experienciação”, e não há experiên-

Page 29: #17 - Delirium

2 9 d e s u m b i g a

TRaNsmissÃO ORaLcias dessa ordem, teríamos de as fazer…

Porque é interessante, e isso seria mais

importante ainda devido à questão que eu

falei na conferência… A Neurociência é fei-

ta e dirigida a uma classe, a uma cultura,

como se houvesse prevalência… Repare,

como é que o tempo é vivênciado…?

DNM – Por exemplo, nas pessoas da-

quelas tribos da Amazónia, ou de África,

que vivem o seu tempo de forma muito

própria…?

HS – Nessas tribos, onde não há reló-

gio, não há noção de tempo da mesma

forma que nós temos. E verificarmos isso

em termos neurológicos seria interessan-

tíssimo e não me refiro á identificação da

área cerebral responsável pela contabi-

lidade da unidade de tempo, mas sim á

subjectividade associada á experiencia

do tempo vivido mediante a ecleticidade

étnica… Quando se faz ciência “caseira”,

que é o que grosso modo tendemos a fa-

zer, uma ciência a seu modo provinciana,

do tipo, “vamos aferir um estudo a oitenta

pessoas, ou noventa pessoas, ao invés de

uma amostra de mil pessoas, que já é uma

amostra significativa para um estudo a

nível nacional, mas que ainda assim muito

pouco representativa da população mun-

dial e de toda a sua diferenciação étnica e

que nem por isso nos coibimos de aferir-

mos que dessas mil pessoas se possa dar

o caso de essas mil se fazerem correspon-

der ao resto da população mundial… isto

não deixa de ser curioso…

HS – Quando a ciência se pensa a si

própria e se define a si própria com exac-

tidão, a partir de unidades desta ordem,

há algum erro aqui que se está a passar.

Nós anulamos critérios de ambiente, sendo

que muitos estudos dizem que o ambien-

te influencia, e repare como a ciência se

pode enganar a si mesma… Quando tem

estudos de gémeos monozigóticos, que

são usualmente usados em medicina, por

exemplo, lembro-me de um estudo de

duas gémeas. Uma vai para a cidade, ou-

tra fica a viver no campo, a primeira morre

de cancro e a segunda não.

Se nós não tivéssemos consciência

destas situações, até seria entendível que

nós aferíssemos resultados a partir de

amostras dessa ordem. Mas, como a ciên-

cia é feita de palavra e a palavra é feita no

contexto, e o contexto define uma popula-

ção e um interlocutor… E isto é a ciência

médica, é o resultado de uma conferên-

cia… Mediante a audibilidade daquilo que

é dito, se soa bem ou mal, de acordo com

as nossas concepções pessoais ou não...

O problema, é que se tenta definir em

poucos minutos, pensamentos da ordem

de uma vida, e isso é impossível. Agora

repare, e o mais interessante é quando

nós criamos cientistas que pensam deste

modo, estão ali fechados naquele labora-

tório, estudam 10 cães… logo, se existiam

variáveis…E foi isto que eu tentei alertar

na conferência do ENJOY Med, é que não

fechemos as portas a outras culturas, que

não façamos uma ciência de casa, com

ratinhos…

A questão aqui essencial é esta, quando

nós não temos noção desta dimensão

deixa-me a mim preocupado. Uma ciência

que é uma espécie de economato, onde te-

mos de fazer uma gestão logística do que

temos e do que não temos, para fazermos

uma boa gestão da casa… Mas é só aqui,

com o produto daqui, … um economato,

uma boa gestaozita e tal, para aquilo

funcionar… Isto não é ciência. A ciên-

cia, sobretudo a ciência médica, tem de

considerar variavéis de uma outra ordem,

eu não sei ainda como é que poderiam

ser consideradas, mas hoje, se alguma

coisa a internet poderia servir, seria isso,

essa intercomunicação, em termos de

estudos de maior amplitude com colabora-

ções de entendimento. Isso é trabalhar em

prol da comunidade humana, do mundo.

E isso seria fazer uma ciência séria que

atenda ao homem enquanto ser e não à

sua dimensão contextual ainda que essa

seja uma prioridade da medicina.

MEP – A ciência que é feita é muito

centrada na Europa e nos Estados Uni-

dos, e para essas populações, está muito

fechada…

HS – É a cultura ocidental e os merca-

dos económicos…eles tem e talvez terão

sempre a ultima palavra nesta para não

dizer em tudo…

MEP – E como surge o interesse pela

Psicologia Clínica e pela Filosofia?

HS – Então, é isso mesmo, é essa in-

quietação constante de perceber. Repare,

a medicina dá-me uma parte de cariz mais

anátomo-fisiológico eu diria: eu conheço

o cérebro, o coração, o sangue que circula

e alimenta os músculos, o corpo, pronto…

E começam a surgir aquelas questões…

Começamos a ver que existem patolo-

gias que são da cabeça e realmente se

manifestam no corpo (psicossomática),

e aquelas patologias que são puramente

emocionais. Que não acontecem no corpo,

não há registo, não há nenhum tipo de

exame que me possa dar qualquer indica-

ção. Mas a pessoa continua em sofrimen-

to, e isto deixa-me aqui alguma coisa de

preocupação, essa inquietação, do que é

o homem, nessa complexidade, leva-me

à psicologia… Continuava a não respon-

der, porque no meu caso, a psicologia era

clínica, e alguns modelos curriculares hoje

em dia são muito próximos já à medicina.

E não correspondeu, não adiantou muito.

Portanto, fui para um ramo da Filosofia,

que é o da Filosofia da Mente…

MEP – Que autores leu e que o marca-

ram?

HS – John Searle é um filósofo da men-

te, é talvez um dos grandes precursores da

filosofia da mente; Merleau-Ponty, Daniel

C. Dennet; Ludwig Wittgenstein, e já têm

aqui grandes referências. Temos também

o casal Churchland, Paul Churchland, mas

ela é mais conhecida, Patricia Churchland,

que dentro das Neurociências trabalham

conceitos como a Neurofilosofia, e depois

têm outros ainda que não só ligados à

filosofia, mas ainda assim com visões de

extremo interesse, que não são propria-

mente filósofos, mas são autores que

abordam e trabalham questões da filosofia

da mente, como por exemplo C. Jung,

Pierre Buser, Karl Popper, que no caso é

filósofo e John Eccles. Depois têm os mais

tradicionais, como John Locke, David Hume

ou Zubiri. Há ainda outros autores que não

fazendo propriamente parte da filosofia

da mente, têm o seu trabalho dirigido a

grandes aspectos da mente ainda que

inseridos ou em correntes filosóficas ou na

Psicologia, e que não devem deixar de ser

estudados, como os autores da Psicanáli-

se, Fenomenologia, Existencialismo, etc.

MEP – E agora para terminar, nas últi-

mas décadas, de que forma é que tem vis-

to a relação entre a Ciência e a Religião?

E o que acha que vai ocorrer no futuro,

aproximação ou afastamento?

“A tradição do estatuto do médico em Portugal está bastante cimenta-

da e dificilmente se des-monta daqui. Não sei até que ponto inviabiliza a abertura para determi-nado tipo de campos de conhecimento que pode-riam estar aqui mesmo

ao nosso lado”

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3 0 d e s u m b i g a

TRaNsmissÃO ORaLHS – Eu tenho esperança de que co-

laborem, mas sinto profundamente que

ainda tem as costas às avenças. Distingui-

ríamos aqui duas dimensões. A dimensão

possível, e essa dimensão possível está

ao nível da política. Estamos a falar da

colaboração de instituições que face à

realidade da tradição religiosa de um país

e ao poder institucional que a Igreja tem,

obriguem a que determinadas instituições,

como Hospitais, Faculdades, etc., colabo-

rem. Isto é a dimensão possível da colabo-

ração. E face à legislação, há uma obriga-

toriedade dessa mesma colaboração em

determinados aspectos que, digamos, são

terrenos cinzentos, e têm de colaborar.

Agora, na dimensão do impossível,

designemos assim, nós teríamos os pontos

radicais. E a Ciência e a Religião não têm

dado grandes passos. Elas têm fingido

através da criação de léxico comum,

como Neuroteologia, Neuroética, Bioéti-

ca, Neurociência do Espírito, e uma espé-

cie de miscelânea de termos conceptuais.

Que tentam de alguma forma traduzir

realidades que causaram mais confusão

do que trouxeram discernimento, e têm

andado ali, mas no cerne da questão ainda

continuam às avessas.

MEP – Ainda existe um desconforto, um

tabu?...

HS – Vamos lá ver, a medicina não está

aberta, e vamos admitir que a ciência

se distinguiu da religião e da tradição

religiosa exactamente por ter um método

e por em causa tudo. A Fé lida com uma

dimensão da existência humana que não

tem palpabilidade, e a ausência de palpa-

bilidade para a ciência não é valorizada,

nem sequer é tida como, eventualmente,

um objecto possível de estudo. Nesta

impossibilidade, agarramos-nos à tradi-

ção conceptual: conceitos como espírito,

alma, consciência, e outros que tais. E

fazemos depois traduções/adaptações do

seu significado ou o que isso poderia ter

em termos históricos em determinados

autores, fazemos uma adaptação, fazemos

traduções, e depois fazemos uma espécie

de grandes revelações que na verdade não

acrescentam muito mais do que o que já

temos e sabemos…

Eu penso que há aqui, essencialmente,

a ausência de uma boa vontade. Estamos

a falar aqui de duas instituições de grande

poder. Repare, se fizéssemos um estudo,

puramente estatístico, de aferir quantos

médicos são católicos, seria interessante.

Como é que o exercício da medicina se faz

através do método científico, e ao mesmo

tempo, acreditamos em Deus? Como é que

essa convivência se dá dentro da pessoa?

Como é que ela sequer é possível?

MEP – Se calhar não é tão interioriza-

da quanto isso…

HS – Ora aí está, mas ainda assim,

teríamos de dimensionar esse sentido

religioso.

MEP – Poderia colocar aqui outra

questão. Sabemos que as pessoas com

doenças que não são curadas na nossa

usual medicina, acabam por recorrer a

outros lugares. Algumas acabam por ter

uma melhoria, outras não… Mas a verdade

é que os médicos são conhecedores desta

realidade e não existe um passo por parte

da comunidade médica para tentar perce-

ber como é que isto acontece… E mesmo

médicos quando na mesma situação, aca-

bam por recorrer aos mesmos locais, para

os seus problemas, isto existe. Ao existir

essa ausência de solução para determina-

das situações, o que se faz é permanecer

naquilo que se sabe, e pronto...

HS – Na dimensão do possível!

MEP – Sim…

HS – Há aceitação institucional, mas

em dimensões diferentes. Quando passa-

mos à questão real, passamos à dimensão

do impossível. A dimensão do possível é,

“Eu não interfiro, assisto, não digo que é,

não dou opinião, mantenho-me na minha

instituição…, respeito”. Mas não me mani-

festo, porque para isso teríamos que ir à

dimensão do impossível, que é admitirmos

que pode haver outras respostas que não

aquelas que a medicina possa dar. E isso

deixa o médico desconfortável… Isto é o

que é real.

MEP – Estamos a falar de um esta-

tuto institucional que foi adquirido pela

classe médica…

HS – Ora aí está, a realidade institucio-

nal deixa muito aquém as possibilidades

de resposta que seriam necessárias, e com

boa vontade nós poderíamos aceder, mas

para isso teremos que descer desse pata-

mar institucional. Devemos manter o espí-

rito científico. O médico forma-se, perde o

espírito científico e passa a ter um espírito

mais clínico, e é bom que se note que ele

é necessário. Instituições como estes Hos-

pitais não poderiam existir e dar resposta

a esta premente necessidade de cuidados

médicos, como um país precisa, como o

nosso, se não tivesse clínicos altamente

vocacionados para a clínica, como é óbvio.

Mas é dever daqueles que, com formação

médica, e médicos de formação, que estão

na investigação, terem essa abertura.

Quando descemos de tais patamares, a

ideia geral que existe é que perdemos po-

sição, e isto é um valor da tradição. A tra-

dição do estatuto do médico em Portugal

está bastante cimentada, é bastante forte,

e dificilmente se desmonta daqui. E isso eu

não sei até que ponto, não posso afirmá-

-lo, inviabiliza a abertura para determinado

tipo de campos de conhecimento, que

poderiam estar aqui mesmo ao nosso lado,

mas admito que sim, admito que possa

ser um sério entrave, a essa facilidade de

acesso. Deveria de haver uma maior boa

vontade por parte da classe médica, e dos

investigadores, ligados às ciências biomé-

dicas, etc. Porque eventualmente, trata-se

em última instância, e em última questão,

de responder à necessidade humana de

se tratar, seja em que dimensão esse

sofrimento aconteça, seja ele patológico

de cariz orgânico, ou de cariz “espiritual”,

eu não sei até que ponto, não o posso afir-

mar, lá está a minha própria limitação.

MEP/DNM – Muito obrigado.

mARIA EmílIA pEREIRA

DAVID NAscImENtO mOREIRA

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3 3 d e s u m b i g a

babiLÓNia

O LadO de deNTRO da LOuCuRa u O CiNema NÃO sÃO FiLmes...

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3 4 d e s u m b i g a

“Um eléctrico chamado desejo” é

uma peça de teatro escrita em

1947, pelo dramaturgo Tennessee

Williams, que recebeu o Prémio

Pulitzer por esta obra. A peça es-

treou na Broadway em Dezembro de 1947 e

permaneceu em cena durante dois anos no

Ethel Barymore Theatre, encenada por Elia

Kazan, com Marlon Brando, Jessica Tandy,

Kim Hunter e Karl Malden nos principais pa-

péis. Na produção que estreou em Londres,

em 1949, encenada por Laurence Olivier,

os principais papéis eram interpretados por

Bonar Colleano, Vivien Leigh (na imagem) e

Renee Asherson.

Esta peça foi recentemente, e de forma

brilhante, encenada por Diogo Infante, no

Teatro D. Maria II, com Alexandra Lencastre

a representar o papel principal com uma

postura muito forte e consistente.

A peça apresenta-nos como persona-

gem principal Blanche DuBois, uma mulher

sulista com a idade a pesar no rosto, mas

ainda atraente, com características de

personalidade borderline, que ostenta uma

armadura de supostos bons princípios e cul-

tura, com um autêntico delírio de grandeza,

sendo ainda extremamente manipuladora

no relacionamento com os outros. Tudo isto

para ocultar, dos outros e de si própria, a

realidade que vive: uma dependência alcoó-

lica, uma total ruína financeira e social, uma

extrema necessidade de aceitação e de ser

amada, sentimentos de perda no passado

mal geridos.

Blanche visita a sua irmã Stella em New

Orleans, que vive com o marido Stanley

Kowalski, membro da classe trabalhadora

industrial. A irmã recebe-a com muita reser-

va, temendo a reacção do marido à perso-

nalidade demasiado floreada e enfeitada de

Blanche. Blanche diz à irmã que perderam

a propriedade que a família possuía no sul

e que se encontra sem trabalhar como pro-

fessora, com permissão do seu supervisor,

devido às suas crises nervosas. Na realidade

tinha sido despedida, após ter-se relacio-

nado com um aluno, não tendo sido este o

único relacionamento problemático que teve

no passado. Na realidade, Blanche fora ca-

sada com um homem que amava muito, as

que teve relações extra-conjugais homosse-

xuais, tendo depois cometido suicídio. Este

evento marcou-a demasiado, arrastando-a

para um mundo de não compreensão, onde

as fantasias e ilusões coexistem lado a lado

com a realidade. A chegada de Blanche

perturba a relação entre a irmã e o marido,

baseada em instintos basicamente anima-

lescos. Stella preocupada com a irmã, aceita

acolhê-la em casa, entrando em colisão com

o marido que depressa se informa sobre

os factos do passado de Blanche. Stanley

confronta Blanche, de uma forma violenta e

cruel, com todos os acontecimentos que ela

tentava esquecer há anos, afirmando que

as diferenças de carácter que possui serão

prejudiciais para os que a rodeiam, indepen-

dentemente do local que ela escolher para

viver. Depois de abusar física e psicologica-

mente dela, provocando em Blanche uma

entrega final à insanidade, entrega-a a uma

instituição, não tendo qualquer oposição por

parte da irmã. Blanche termina dizendo ao

Médico que a conduz: “Sempre dependi da

bondade de estranhos”.

Quando vi esta peça, apercebi-me que

ela pode ser encarada com uma representa-

ção da forma como a sociedade vê e trata o

doente mental, bem como as consequências

que advêm desse comportamento.

Blanche representa um ser humano,

potencialmente um de nós, que perante um

evento traumatizante e não vivenciado e

ultrapassado de forma saudável, desenvolve

comportamentos e formas de pensar pato-

lógicos e disfuncionais, que são no fundo

estratégias adaptativas criadas para lidar

com a situação em que se encontra.

Ora vejamos, perante o sentimento de

abandono e de baixa auto-estima, a per-

sonagem desenvolve uma atitude seduto-

ra, vivendo relacionamentos impossíveis

e numerosos. Perante uma dependência

alcoólica e total incapacidade para trabalhar

babiLÓNia

O LADO DE DENTRO DA LOUCURA

REFLEXÕES SOBRE A PEÇA “UM ELéCTRICO CHAMADO DESEJO”

Falei e ninguém ouviu.

Gritei e ninguém sentiu.

Pus-me a cantar no meio da rua!

Ninguém parou.

Tentei falar…

Mas a voz já não falou.

Mudei de sítio,

Mudei de gente.

A mesma coisa,

A mesma mente.

Tentei. Respirei.

Vivi… Ultrapassei.

Novo evento.

Esbracejei!

Risos, piadas,

Comentários, Julgamentos.

Ajuda em raros momentos.

Desisti.

Abri os braços…

E deixei-me levar pelo vento.

Fui feliz por um momento.

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3 5 d e s u m b i g a

e ser independente, desenvolve delírios

de grandeza, auto-proclamando-se como

exemplo de virtude e boa educação, agin-

do como se nada se adequasse aos seus

elevados padrões. Todas estas técnicas

de fuga à realidade, apresentam-se como

bastante primitivas e até mesmo infantis,

mas são a única forma encontrada no

contexto em que se insere e sem qualquer

ajuda exterior no sentido de contenção, de

compreensão.

Poderíamos pensar que pela sua atitude

manipuladora de pessoas e factos, Blan-

che seria eventualmente perigosa para

os que a rodeiam, mas o que acabamos

por verificar é que ela é completamente

inofensiva, pois a sua fragilidade e imaturi-

dade impedem-na de reacções agressivas,

até mesmo quando confrontada de forma

cruel e abusada por Stanley.

Stella e Stanley podem representar

duas atitudes bastantes transversais na

sociedade perante o doente mental. No

primeiro caso, verifica-se uma aparente

aceitação da situação, mas com uma

atitude demasiado passiva, sem qualquer

envolvimento profundo ou uma busca

pela verdadeira razão do comportamento

patológico, de forma a ajudar a ultrapassá-

-lo; na realidade é a postura mais fácil de

adoptar, pois não implica qualquer tipo de

desgaste ao interveniente, é um “deixa

andar”. No segundo temos uma atitude

recriminatória, abusiva e de assumida

superioridade perante uma pessoa que se

encontra fragilizada e sem possibilidade

de defesa. Stanley age para com Blanche

como se esta fosse uma ameaça para a

sociedade, quando na realidade é ele o

agente que lesa.

Não foi assim há tanto tempo que os

doentes mentais eram encerrados em

instituições como animais, com a justifi-

cação de que poderiam ser prejudiciais

para a sociedade, quando era esta que

os prejudicava, deixando-os entregues

aos seus delírios sem qualquer intuito de

os aceitar e promover a sua integração,

com o objectivo de melhorar a vivência

dos seus problemas, através do diálogo e

partilha com os que os rodeiam.

Felizmente, verificou-se que o único

resultado de uma atitude recriminatória,

rígida e agressiva era o agravar perma-

nente de um comportamento patológico

que poderia ser ultrapassado.

Os doentes mentais são hoje tratados

maioritariamente em hospitais de dia,

regressando a casa, tentando construir o

seu próprio caminho e autonomia. Ainda

assim confrontam-se diariamente com in-

compreensão, com julgamentos ou então

com atitudes passivas que em nada lhes

são úteis. Acabam por vezes por desistir,

abrindo os braços aos delírios e ilusões de

forma definitiva, por não visualizarem ou-

tra forma de funcionarem e serem felizes.

Usando as palavras de Blanche, restam-

-lhes os Médicos, estranhos dos quais es-

peram ansiosamente uma atitude bondosa

e acolhedora, numa última tentativa de

viverem a realidade em que se inserem.

A minha questão é: estamos nós prepa-

rados para os acolher, com as suas parti-

cularidades e mentes complexas, que nos

desafiam diariamente a sermos criativos,

flexíveis e melhores seres humanos?

Será que compreendemos que qualquer

um de nós pode um dia ser uma Blanche?

Será que gostaríamos de ser tratados

como Stanley a tratou?

Deixo estas questões para que possa-

mos reflectir, coma esperança que, depois

do longo caminho percorrido, um cami-

nho igualmente longo surja, em direcção

à aceitação de todos os seres humanos

como iguais.

saLOmÉ [email protected]

babiLÓNia

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3 6 d e s u m b i g a

babiLÓNia

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3 7 d e s u m b i g a

babiLÓNia

O CINEMA NãO SãO FILMES...

“Chegamos

em cima

da hora,

ainda con-

seguimos

bilhetes. Entramos

apressados, a sala

já está às escuras

e já passam os

primeiros trailers.

Curvamo-nos de

imediato para não tapar as

vistas a ninguém e a fala dá

lugar a sussuros. Finalmente

damos com o lugar 14 da fila

L e, já sentados, despimos o

casaco e pousamos no chão

o tal chapéu de chuva de que

mais tarde nos acabaremos por

esquecer. Às vezes lembramo-

-nos de pôr o telemóvel no

silêncio, outras vezes não. Não

importa. E ali vamos estar...

durante 90 e tantos minutos a

ver contar uma história. Não

viemos para apenas “espreitar”

(isso fazemos cada dia, com

as vidas dos nossos vizinhos

e colegas), aqui queremos

muito mais. Nós viemos para

ver. Satisfazer o nosso desejo

voyerista sempre ansioso para

saber o que está por detrás

daquela janela, ou que estão

a fazer dentro daquela casa.

Eventualmente, acabaremos

por corar, esboçar sorrisos,

encolher-nos na cadeira...e se o

filme merecer, mesmo mesmo,

vertemos umas lágrimas ou

soltamos umas gargalhadas.

Inicialmente assustamo-nos.

Estará alguém a ver-nos? Mas

depois percebemos que a sala

é escura e que ninguém sabe

que fomos nós... Isso tranqui-

liza-nos e voltamos ao filme.

Os 90 e tal minutos chegam

ao fim. Não ficamos para os

créditos (nunca vimos qual-

quer interesse nos créditos).

Depois de nos espreguiçarmos

e trocarmos um rectórico “gos-

taste?”, abandonamos a sala.

Já está. Usámos este filme para

relaxar. Provavelmente nunca o

voltaremos a ver. Foi prazeroso.

Já podemos ir para casa. “

Esta é a relação de muitas

pessoas com o Cinema. Vamos

ao Cinema na esperança de

trazer para a nossa vida, ainda

que por um par de horas, a

acção que escasseia na nossa

vida ou o drama que de certo

modo serve para nos relembrar

o quão privilegiados somos.

Outras vezes só queremos rir.

Na nossa mente, é um entre-

tenimento que usamos sem

pudor, para estabilizar ansieda-

des internas ou alimentar es-

tados de humor. Contudo, não

deixa de ser interessante pro-

curar um maior distanciamento

da situação para perceber

que quiçá somos nós próprios,

enquanto espectadores, que

estamos a ser usados por uma

indústria (cinematográfica) ma-

nipuladora. São realizadores,

guionistas, actores e atrizes,

técnicos de som e de fotogra-

fia, produtores, estúdios de

cinema...que durante aqueles

largos minutos decidem o que

vamos sentir. Nada é filmado/

contado ao acaso. A lendária

cena do chuveiro, do filme

“Psycho” de Hitchcock, por

exemplo. Não poderia, nos dias

de hoje, causar sequer a quarta

parte do medo e ansiedade,

despoletados em 1960 quando

estreou. Os efeitos especiais

estão ultrapassados, já não

assustam ninguém. Passou à

categoria de filme de culto. A

música de fundo desta

cena, no entanto,

mantém-se eficaz e

aplicada de forma

apropiada a um filme

actual, tem poder para

nos arrepiar. O Cinema

não se resume, portan-

to, a um filme. É uma

experiência sensorial

complexa que envolve

sons, imagem, sentimentos e

pensamentos. O novo Clube

de Cinema da Faculdade de

Medicina de Lisboa (FML), o

CêCê (CC), procura desmon-

tar o Cinema. De uma forma

amadora mas muito dedicada e

entusiasta, juntamo-nos (mem-

bros do clube) quinzenalmente,

na sala multiusos da FML, para

participar (e não meramente

assisitir) na complexa experiên-

cia que é o cinema. Corremos

vários estilos e géneros, dentro

do Cinema Indie-Alternativo

e depois de viver duas horas

de um filme mastigamo-lo em

conjunto. Debatemos enredos,

técnicas e performances artísti-

cas. Pomos em causa as visões

de alguns realizadores e ou evi-

denciamos paralelismos com

a sociedade actual. Opinamos.

Opinamos muito. E só depois

vamos para casa.

TiagO miRaNdaVÍTOR magNO

aLeXaNdRe FReiTas

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3 8 d e s u m b i g a

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3 9 d e s u m b i g a

esTÓRias CLÍNiCas

a Vida É duRa PaRa quem É mOLe u a dOeNÇa u esTÓRias CLÍNiCas

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4 0 d e s u m b i g a

esTÓRias CLÍNiCas

O dia começou soalheiro numa tabanca chamada “Madina” e a D. Domingas foi ao

mato buscar um legume para o almoço, nada de especial até aqui, a vida corria sem percalços, um dia normal na vida de uma mulher Gui-neense! Mas, e há sempre um mas… Há 4 espécies de cobras venenosas nesta região! Há muitas cobras na época das chuvas! Há mato! Há azar na vida… Há um pé que é mordido por uma co-bra! Pede-se ajuda… liga-se para a AMI! Vamos a correr. A viagem de jipe parece inter-minável, tentamos definir um

plano de acção para quando chegarmos ao destino não perdermos tempo.

Chegamos a Madina, toda a aldeia está em alvoroço, há olhos cheios de esperança, talvez “os brancos” tragam a solução… A senhora vem meio inconsciente, é trazi-da por 4 homens até nós, improvisa-se uma sala de cuidados intensivos na parte de trás do jipe. Há gente por todo o lado! Avaliam-se os sinais vitais… o pulso mal se sente! Entrou em cho-que! Ouvimos o batimento cardíaco ir embora… e levar com ele a esperança de ter sido uma cobra não vene-nosa. Não há nada a fazer!

Fecham-se as pálpebras da senhora com respeito e olha-se para baixo… também não há nada a dizer! Inevitá-vel! Toda a aldeia rompe em choro e ranger de dentes. O sofrimento, nesta terra, faz barulho, atira-se para o chão, não tem vergonha de chorar ou de perder a postura, por aqui borrar a maquilhagem não parece importar a quem perdeu “uma Domingas”.

Agora, é preciso levar o corpo para casa, o funeral ou o “toca-choro” como lhe chamam vai decorrer nos próximos dois dias. O jipe leva o corpo e a família que lá coube… eu vou a pé com outro membro da equipa! Caminhamos 20 minutos em silêncio! Nunca o silêncio foi tão confortável e apazigua-dor! Pelo caminho ouvem-se gritos de desespero, emo-ções sem filtro, toda a comu-nidade corre para consolar a família. À chegada resta-nos dizer “fizemos o que pude-mos”…

A viagem para casa é também uma reflexão sobre a nossa insuficiência, passamos a vida a acreditar em super heróis, habituámo--nos a esperar que ao último minuto a princesa seja salva e o dragão morto… mas a realidade é outra! A vida é outra… é dura. Não há efeitos especiais, não há de-senlaces de última hora. Não

há heróis. A vida é dura e nós somos moles… molinhos, fazemos o nosso melhor, esforçamo-nos, lutamos, estudamos… mas a nossa insuficiência é avassaladora! Saber isto, ter consciência da nossa “moleza” ou da nossa consistência pode, por um lado, tornar-se libertador… é bom saber que não contro-lamos tudo, que nem tudo depende do nosso esforço! A humildade aproxima-se de formas estranhas…

bIANcA bRANcO(TeXTO e FOTOgRaFias)

A VIDA é texto escrito e publicado no blog

MOLE

DURAPARA qUEM éConsCiente, orientada e Colaborante

http://conscienteorientadaecolaborante.blogspot.com

durante uma estadia na guiné no âmbito de uma missão de voluntariado da ami

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esTÓRias CLÍNiCas

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esTÓRias CLÍNiCas

A doença. A doença que suspeitamos não ter, mas está lá, as dores de uma artrite ganha por pesos e pesos levantados, voluntariamente, quando o Mundo se vira e diz “descansa!”

Não descansas, e ainda insistes, numa fulgura que só te agrava o manejo das articulações, do-ridas e cansadas de suportar tudo o que os ombros já deixaram escorrer para as outras divisões corporais.

A solidão do gesto diário, repetido até mais não por uma força que não sabes de onde vem, mas que a vivacidade da persistência teima em não te deixar parar.

Mas parar tem de ser. Ou a doença não pára, não regride, progride até te imobilizar, até consumir cada célula permeável a cada dor nem sempre física mas sempre mordaz, sempre à espreita de uma insignifi-cante brecha por onde possa entrar.

E é um caminho sem retorno.Metáforas do que se sente? Talvez. Mas metaforicamente falando, a doença é uma puta que não nos

deixa viver, que se impregna ao mais íntimo do sentir que queres ignorar e que te surge à frente como paredes em construção de uma casa que nunca será habitada.

Mas essa era a casa que queria. Que deveríamos ter. Se é nossa por direito, porque não pudemos lá morar?

Metáforas à parte, a vida é uma grande merda.E para esta frase, não há eufemismo que lhe valha.

(São só palavras. Nada mais do que isso. Palavras!)

DANIElA AlVEs

DOENÇA

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I.

Porque há Medicina e há Cirurgia. Não custa distingui-los. Os médicos referem-se à Cama Seis. Os cirurgi-

ões, por seu lado, referem-se a algo mais concreto. A Tiróide, a Supra ou o Feo. É tão estranho, por isso, chegar a Pediatria e falar-se no Ruben, na Sara e no Bebé Borges.

Dois cirurgiões comentam o plano para o bloco operatório da semana. “Tenho uma tiróide para preencher a vaga que so-bra de amanhã, vou telefonar para que seja internada hoje. Amanhã são três tiróides e uma para.” Durante o telefonema, a cirurgiã não esquece a simpa-tia. “Tinha aí uma tiróide que me disse que estava disponí-vel, vê lá se lhe telefonas a avisar.” Regressando de novo

à aula, procuramos focar-lhe a atenção no caso que vimos. Por momentos, não se fala apenas do órgão. “Essa mulher é doi-da, completamente passada!”

II.

Veio à sua consulta, o senhor J. De olhar simpático e postura composta, conta pausadamente das

dores que mantém, dos dias que vive só em casa. Usa pa-lavras aprumadas, cuidadosa-mente colocadas nas frases, de caligrafia bonita e em velocida-de de cruzeiro. Um embalo. Porque o senhor J. esteve na guerra do Ultramar. Viveu muito lá, traz outras mazelas e agora é para isto que a vida o reservou, depois de tanta vida

naquela guerra. Não é o pri-meiro que traz a sua história de África, trazem-na todos, cicatrizada nas palavras ao doutor, o que trata as dores dos velhos.

O senhor fuma? Não senhor. Com o compasso vagaroso, continua. Nunca fumei, nunca me emborrachei e nunca recorri aos serviços pagos de uma senhora. Sou, portanto, aos olhos do típico homem português, um mari-quinhas.

III.

De manhã, recebi o sorriso de sempre quando me viu, apertou a minha mão com um pou-

co mais de força quando tive de sair, quis-me mais tem-po com ela. E agora, outra, aperta-me de novo a mesma mão, mas não me quer ali.

Chamou pelo doutor, que eu não lhe bastaria. Não me olhava, afastava o meu braço com a força que lhe restava e que ainda surpreendia por ser suficiente para nos enfrentar. Não me quis dizer como a poderia ajudar e não a quis

magoar mais, a sua intolerân-cia pela minha presença não ia acabar bem. Chamei quem mais autoridade tem para resolver a situação. Quis ajudar enquanto lhe tiravam o sangue que era preciso. Dei-lhe a mão, para que não fosse estragar o trabalho e magoar-se e para que soubesse que alguém ali estava. Geralmente, sossega. E apertou-me a mão, com as unhas cravadas na minha car-ne, para que doesse, para que desistisse, para que a abando-nasse. Não o fiz. Abracei mais a mão, para que as unhas não conseguissem encontrar de novo caminho para a minha carne, e fingi que a marca que me ficou na pele não fora propositada. Porque, apesar de tudo, não deixamos de ajudar.

IV.

O guia e o guiado. Quem queres ser?

Ele cheirava de-masiado a tabaco. Os olhos caídos

recusavam-se a fechar e pas-seava por ali. Viu-nos e pediu licença, na sua voz de mete-diço natural da idade, para fazer um telefonema. O pijama prendia-o ao serviço e a espera que aguardávamos permitiu a cedência. Ficou muito grato e aproveitou para dar motivo às palavras que insistiam em sair de si.

Ele tem um projecto. Vai encher o mealheiro que tem em casa, aquele que lhe chega até ao ombro, e vai-nos ofere-cer uma sapateira. Vai poupar para comprar uma casa. Vai trabalhar, ser bom estudante, muito bom estudante. Fala--nos dos amigos que lhe vão arranjar umas falcatruas para poder recomeçar a sua vida. E explica-nos um pouco da vida.

Porque há quem guia e quem é guiado. Quem queres ser? É fácil ser guiado, é só seguir, mas ser guia é melhor. O guia encontra obstáculos, mas tem os seus guiados. E consegue.

Ele falou. Muito. Por vezes nem esperava que alguém o ouvisse. Está atento, apesar de tudo, e sabe o número exac-to de dias que aqui está. Em breve, ficará melhor e poderá sair. Tem um mealheiro à sua espera.

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PeRegRiNaÇÃO

IMPRESSÕES DO LOUVRE

Não se deve visitar o Louvre como um museu normal. Habitualmente, a grande preocupa-ção que temos ao ver

uma exposição é a de saber que deitámos um olhar a todas as peças. Mesmo que só por um segundo. O Louvre ajuda-nos a destruir esse nosso estúpido hábito. Porque ali percebemos rapidamente ser impossível ver muito mais que meia colecção num dia inteiro de visita. Claro que podemos correr e passar por todas as galerias tentando bater o record de 9 minutos e 43 segundos estabelecido no filme Bande à part de Jean-Luc Go-dard. Mas provavelmente sería-mos expulsos pelos seguranças antes de terminar o périplo. Por isso, caso queiramos acabar a visita, é mais seguro optar pela conservadora marcha-a-passo--de-ver-museus.

Sexta-feira à noite é a melhor altura para a visi-ta. O ambiente nocturno e a pouca afluência de gente tornam o museu

íntimo. Sexta-feira à noite vai-se fazer companhia às estátuas soli-tárias ou às telas que precisam de alguma atenção. O Louvre torna-se um pequeno país que resume a história de todos os outros países do mundo através das obras de arte que o povoam. Há uma espé-

cie de ecossistema que se revela. Podemos ficar por lá, em salas majestosas, acreditando que são a nossa casa, subitamente decorada por obras primas do renascimento italiano ou antiguidades gregas.

A simetria arquitectónica do edifício contras-ta com a distribuição irregular dos visitantes pelas galerias. O museu

divide-se em três grandes zonas: Denon e Richelieu, laterais, e Sully, central. Na ala Denon, encontra-se o epicentro do frenesim turístico, desenhando uma meia-lua de segurança à volta da Mona Lisa. Aí,

o acontecimento é o público em si mesmo. As pessoas, vivas, falando e agindo, serão sempre mais in-teressantes que qualquer objecto. Mas do outro lado, em Richelieu, vamos encontrar, ao mesmo tem-

po, as colecções mesopotâmicas num sossego místico. E assim, involuntariamente, o museu faz ainda pensar sobre a própria construção da História, da Cultu-ra e seus mitos.

É preciso ir várias vezes ao Louvre, como se ele se tratasse de uma pessoa muito inte-ressante com quem

gostássemos de conversar. Uma ou duas salas por visita, é o ideal. Olhar bem para os quadros que estão nas filas de cima também. Tirar notas sobre os artistas. Consultar a internet no telemóvel inteligente e ler no imediato sobre as correntes ou sobre aquela obra em particular.

E assim, aos poucos vamos cons-truindo o nosso museu mental. A quem saiba o Louvre de cor pouco mais se pode exigir.

bERNARDO mOURA(TeXTO e FOTOgRaFias)

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ga do trabalho ou para mais informações.

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com cariz ofensivo ou que não se relacionem com os temas não serão aceites.

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exposição.

CICLO DE EXPOSIÇÕES NO EDIFÍCIO EGAS MONIZJANEIRO - JULHO 2011

PORQUE SABEMOS QUE EXISTEM ARTISTAS

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