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1 F. W. J. Schelling (1775-1854) Notas de Aula Minibiografia: Nasceu em Leonberg, no Würtemberg, em 27 de janeiro de 1775. Seu pai era pastor protestante, e logo o encaminhou aos estudos clássicos e bíblicos. Seus primeiros escritos, não por acaso, foram dedicados à exegese bíblica e à interpretação do significado dos mitos. Datam de 1792 e 1793, quando o autor tinha entre 17 e 18 anos. Entre 1790 e 1795, Schelling estudou na escola teológica de Tübingen, tendo a companhia de Hegel e Hölderlin. Do mesmo modo que os seus amigos, Schelling entusiasmou-se pela Revolução Francesa, mas esse entusiasmo logo arrefeceria e desapareceria completamente. A difícil classificação das fases do pensamento schellinguiano: (1) INÍCIO FICHTEANO (1794-1796): datam desse período os primeiros escritos propriamente filosóficos, nos quais a filiação (embora, não incondicional) ao pensamento fichteano se evidencia. São eles: Sobre a possibilidade de uma forma da filosofia em geral, de 1794, e Sobre o Eu como princípio da filosofia, de 1795. As Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e o criticismo, do final deste período, 1 ainda em 1795, permitem entrever uma transição desta fase fichteana para uma nova fase do pensamento de Schelling. (2) PERÍODO DA FILOSOFIA DA NATUREZA (1797-1799): de 1796 a 1798, estudou matemática e ciências naturais em Leipzig e Dresden, transferindo-se depois para a Universidade de Jena, onde foi nomeado professor. 2 Aqueles estudos levaram-no a buscar o aprofundamento de sua compreensão filosófica da natureza. São muitos os escritos significativos do período: Idéias para uma filosofia da natureza (1797), Alma do mundo (1798) e, já em Jena, Primeiro esboço de um sistema filosófico da natureza (1799), ao qual se acrescentará uma Introdução (1799). (3) MOMENTO DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL (1800): Sistema do Idealismo transcendental (1800). [As fases 1, 2 e 3, segundo o próprio Schelling (como veremos logo adiante), contemplam a sua produção filosófica referida ao sistema de Fichte] (4) FASE DA FILOSOFIA DA IDENTIDADE (1801-1804): São desta etapa a Exposição do meu sistema filosófico (1801), Bruno, ou sobre o princípio divino e natural das coisas (diálogo de 1802), Exposições ulteriores do meu sistema de filosofia (1802), Quatorze aulas sobre o método do estudo acadêmico (1802-1803) e Filosofia da arte (1802- 1803). Obs.: a amizade de Schelling com Goethe 3 e com os Schlegel acabou por influenciar o aprofundamento do seu interesse pela arte e pelas ciências da natureza. Mas depois as relações de Schelling com os círculos românticos e com Fichte ficaram 1 Neste texto, a polêmica com os teólogos que se apoiavam na filosofia prática de Kant é acompanhada por uma teoria do Absoluto. 2 Quando se transferiu para Jena, em 1798, com apenas 23 anos, tornara-se assistente de Fichte no ensino universitário. Foi nomeado professor no ano seguinte, aos 24 anos, como sucessor de Fichte, que teve de demitir-se em função das complicações provocadas pela “polêmica sobre o ateísmo”. 3 Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), considerado o maior poeta alemão, cultivou também, ao seu modo, as ciências da natureza.

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F. W. J. Schelling (1775-1854) – Notas de Aula

Minibiografia:

Nasceu em Leonberg, no Würtemberg, em 27 de janeiro de 1775.

Seu pai era pastor protestante, e logo o encaminhou aos estudos clássicos e bíblicos.

Seus primeiros escritos, não por acaso, foram dedicados à exegese bíblica e à

interpretação do significado dos mitos. Datam de 1792 e 1793, quando o autor tinha

entre 17 e 18 anos.

Entre 1790 e 1795, Schelling estudou na escola teológica de Tübingen, tendo a

companhia de Hegel e Hölderlin.

Do mesmo modo que os seus amigos, Schelling entusiasmou-se pela Revolução

Francesa, mas esse entusiasmo logo arrefeceria e desapareceria completamente.

A difícil classificação das fases do pensamento schellinguiano:

(1) INÍCIO FICHTEANO (1794-1796): datam desse período os primeiros escritos

propriamente filosóficos, nos quais a filiação (embora, não incondicional) ao

pensamento fichteano se evidencia. São eles: Sobre a possibilidade de uma forma da

filosofia em geral, de 1794, e Sobre o Eu como princípio da filosofia, de 1795. As

Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e o criticismo, do final deste período,1 ainda

em 1795, permitem entrever uma transição desta fase fichteana para uma nova fase

do pensamento de Schelling.

(2) PERÍODO DA FILOSOFIA DA NATUREZA (1797-1799): de 1796 a 1798, estudou

matemática e ciências naturais em Leipzig e Dresden, transferindo-se depois para a

Universidade de Jena, onde foi nomeado professor.2 Aqueles estudos levaram-no a

buscar o aprofundamento de sua compreensão filosófica da natureza. São muitos os

escritos significativos do período: Idéias para uma filosofia da natureza (1797), Alma

do mundo (1798) e, já em Jena, Primeiro esboço de um sistema filosófico da natureza

(1799), ao qual se acrescentará uma Introdução (1799).

(3) MOMENTO DO IDEALISMO TRANSCENDENTAL (1800): Sistema do Idealismo

transcendental (1800).

[As fases 1, 2 e 3, segundo o próprio Schelling (como veremos logo adiante),

contemplam a sua produção filosófica referida ao sistema de Fichte]

(4) FASE DA FILOSOFIA DA IDENTIDADE (1801-1804): São desta etapa a Exposição do

meu sistema filosófico (1801), Bruno, ou sobre o princípio divino e natural das coisas

(diálogo de 1802), Exposições ulteriores do meu sistema de filosofia (1802), Quatorze

aulas sobre o método do estudo acadêmico (1802-1803) e Filosofia da arte (1802-

1803). Obs.: a amizade de Schelling com Goethe3 e com os Schlegel acabou por

influenciar o aprofundamento do seu interesse pela arte e pelas ciências da natureza.

Mas depois as relações de Schelling com os círculos românticos e com Fichte ficaram

1 Neste texto, a polêmica com os teólogos que se apoiavam na filosofia prática de Kant é acompanhada por uma teoria do Absoluto. 2 Quando se transferiu para Jena, em 1798, com apenas 23 anos, tornara-se assistente de Fichte no ensino universitário. Foi nomeado professor no ano seguinte, aos 24 anos, como sucessor de Fichte, que teve de demitir-se em função das complicações provocadas pela “polêmica sobre o ateísmo”. 3 Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), considerado o maior poeta alemão, cultivou também, ao seu modo, as ciências da natureza.

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progressivamente difíceis. Em 1801, Hegel se posiciona contra o sistema de Fichte e a

favor de Schelling. Em 1803, Schelling casar-se-ia com Caroline Michaelis, que havia

deixado Friedrich Schlegel, seu primeiro marido. Schelling, então, muda-se de Jena

para Würzburg, para lecionar na Universidade local. Embora continuasse a ocupar-se

da filosofia da natureza (quando escreve, entre outros, o Sistema de toda filosofia), já

inicia também o aprofundamento da reflexão sobre o problema religioso.

(5) FASE TEOSÓFICA E DA FILOSOFIA DA LIBERDADE (1804-1811): o primeiro fruto do

aprofundamento da reflexão sobre a questão religiosa é Filosofia e religião, de 1804.

Em 1806, transfere-se para Munique, na Baviera, onde foi Secretário da Academia de

Ciências até 1827, a partir de quando se tornou professor na Universidade. Pertencem

a este período as Investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana, de

1809, As eras do mundo, de 1911 e 1913, e as Lições particulares de Stuttgart, de

1810. Nesta fase, a reflexão de Schelling mudou muitas vezes de rumo, embora

prevalecendo o interesse pela religião e pela teosofia4 (por influência do colega da

Universidade de Munique, Franz von Baader, com quem fez amizade, interessou-se

pelas obras do teósofo Jakob Böhme (1575-1624).

Além da retomada da centralidade dos problemas morais e religiosos, a reflexão

metafísica de Schelling desvia-se agora da realidade empírica.

(6) FASE DA FILOSOFIA POSITIVA E DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO (1815 em diante): em

1841, foi chamado pelo Rei da Prússia, Frederico Guilherme IV, à Universidade de

Berlim. Interromperá o ensino em 1847, e morrerá, quase esquecido, em 20 de agosto

de 1854, em Bad Ragaz, na Suíça. Os escritos Introdução à filosofia da mitologia e

Filosofia da revelação são basicamente os cursos ministrados em Berlim que foram

publicados postumamente.

Peculiaridades a destacar:

Extrema precocidade: publicou a primeira obra filosófica aos 20 anos, em 1794 (Da

possibilidade de uma forma da filosofia em geral)

Incrível produtividade: entre 1794 e 1815, publica importantes escritos quase todo

ano.

Longevo, teve admiravelmente pouca interferência, por meio de escritos, no debate

filosófico após aquele período. Vale lembrar que Schelling sobrevivera 40 anos a Fichte

e 23 anos a Hegel (que era cerca de 5 anos mais velho do que ele).

Sua vida se encerraria num clima de decepções: conheceu a glória e o amor até os 30

anos, mas depois viu o sucesso de Hegel5 contrapor-se à redução de sua audiência

junto ao público filosófico, e Caroline, sua esposa, faleceria em 1809.

Quando foi chamado a Berlim, após o falecimento de Hegel (1831), para combater a

filosofia da Fenomenologia do Espírito, não conseguiu conquistar o público,

4 Teosofia, “sabedoria de Deus”, é um termo que foi usado por alguns platônicos. Na Idade Média, teósofo ganhou por vezes o sentido de “autor inspirado (por Deus)”. Em Jakob Böhme, a teosofia pretende opor ao caráter racional e argumentativo da teologia um caráter “místico” e “intuitivo”. Trata-se de uma sabedoria de Deus que é insuflada por Este no espírito do filósofo. 5 Hegel, em 1807, havia criticado a doutrina schelinguiana do Absoluto no Prefácio da Fenomenologia do Espírito, o que abalaria a amizade entre os dois filósofos até o rompimento praticamente definitivo.

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abandonou a universidade e dedicou o fim de sua vida a ordenar seus primeiros

escritos e dar acabamento ao seu último sistema.

Características de sua obra, segundo Karl Jaspers: não há nenhum trabalho

fundamental – trata-se de uma sucessão de escritos muito numerosos e em formas

tão diversas (diálogos, lições, cartas, projetos sistemáticos etc.), que somente a

orientação pessoal do intérprete o levará a afirmar a centralidade deste ou daquele

escrito.

V. Jankélévitch [ensaísta francês e tradutor de Schelling (escreveu o seu doutorado

sobre Scheklking), entre outros] escreveu: “Schelling passou o tempo a mudar de

opinião sobre todas as coisas; e não somente suas idéias evoluíram, mas os problemas

que se colocam variaram totalmente: nenhuma outra doutrina, nem mesmo a de

Platão, mostra-se desde o início mais dinâmica e mais difícil de captar”.

Alexis Philonenko complementa: “As contradições enxameiam (...) também nos juízos

que Schelling proferiu sobre as próprias obras. Por isso, numa breve caracterização do

seu pensamento, não é possível fazer outra coisa senão dividi-lo em diversos períodos,

dos quais é preciso se esforçar por mostrar, senão a unidade, pelo menos o

encadeamento”.

Início fichteano:

Nas Lições de Munique (1827), é o próprio Schelling que identifica esse primeiro período:

“Tive tão pouca pressa em construir um sistema pessoal, que me contentei –

como convinha à idade, bastante jovem, em que então me encontrava – em

tornar inteligível o sistema de Fichte (...) O que eu buscava não era um

sistema de que me pudesse prevalecer como me sendo pessoal, mas um

sistema que me satisfizesse (...) Esse exame do sistema de Fichte está

compreendido em meu Sistema do Idealismo Transcendental publicado em

1800”.

Mas não são poucos os estudiosos de sua obra que afirmam a originalidade de Schelling, para

muito além da condição de simples discípulo de Fichte, mesmo nessa primeira extensa fase.

A sua original Naturphilosophie, a propósito, desenvolver-se-á como um segundo período no

interior dessa primeira fase. E desembocará na filosofia da identidade, inaugurada com a

Exposição de meu sistema filosófico, em 1801.

Para Fichte, após Kant, havia apenas dois sistemas filosóficos possíveis:

O criticismo, que permanece nos limites do Eu penso.

O dogmatismo spinozista, que os ultrapassa ao negar o sujeito num objeto absoluto

(a Substância, compreendida como divindade e totalidade).

Oposição: FILOSOFIA DO MUNDO versus FILOSOFIA DO EU.

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O PENSAMENTO DE SCHELLING EM SUA PRIMEIRA FASE E NA “FILOSOFIA DA IDENTIDADE”

Filosofia da subjetividade

Primeiras reflexões schellinguianas ainda sob a influência da inflexão subjetiva moderna,

especialmente de Kant e Fichte.

Não satisfeito, contudo, com uma subjetividade apenas finita, declarava-se, em certo

sentido, espinosista.

Buscou então uma síntese entre sujeito e substância no conceito de um sujeito absoluto e

incondicionado: o uno e o todo.

Leitura de Kant: os elementos estruturadores do conhecimento (logo, da experiência) não

estão inscritos nos objetos; ao contrário, residem no sujeito aprioristicamente. Não no

sujeito empírico (físico, biológico, psicológico, histórico), mas no sujeito transcendental.

Tais condições transcendentais valem apenas para o conhecimento de objetos que se

dêem à experiência, ou seja, àquilo que pode constituir-se como fenômeno. Além do

empírico, vem a ser, o reino da coisa em si, o mundo numenal, o conhecimento não

alcança. A crítica (do gr. Krisis), literalmente, julga, avalia estes limites legítimos, estas

possibilidades de todo conhecimento possível (e também do impossível – tarefa para a

dialética transcendental), evidenciando os seus elementos a priori, e ainda fornecendo as

regras e os modos de sua aplicação.

Com a lei moral, dá-se também o mesmo: se a lei moral proviesse de outro lugar que não o

próprio sujeito (e apenas sua razão que o constitui como tal), como Deus ou a natureza,

não haveria autonomia verdadeira. Como ela é a priori, necessária, universal e

incondicionada, conhecemos a liberdade por meio dela (ela é o princípio do conhecer,

ratio cognoscendi), pois a liberdade é a sua razão de ser (ratio essendi). (p. 17)

Mas e a unidade da razão? Kant não teria dado uma unidade satisfatória. Qual é a fonte da

fundamentação das regras das esferas fenomênica e transcendental da razão? Qual é essa

instância-premissa efetivamente suprema? Para Schelling, ela é o INCONDICIONADO.

Posição fichteana assumida por Schelling:

Deve haver um PRIMEIRO PRINCÍPIO DO SABER sobre o qual tudo repousa e no qual O

PRINCÍPIO DO SER E O PRINCÍPIO DO PENSAMENTO COINCIDEM.

Esse primeiro princípio não pode extrair-se do mundo das coisas, que são sempre

condicionadas, e mesmo do sujeito empírico, que é à sua maneira condicionado.

O princípio do ser e do pensar do Absoluto devem coincidir. Este fundamento é imediato e

uno, e é o ponto onde se igualam ser e pensar. Escreve Schelling:

“Para atingir o mais elevado, eu não necessito de nada além deste mesmo: o Absoluto só

pode ser propiciado através do Absoluto (...) O fundamento último de toda realidade é

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algo que, só através de si mesmo, isto é, através de seu ser, é pensável, e que só é

pensado à medida que ele é (...)” (apud Bicca, p. 74)

A questão é: ENCONTRAR ALGUMA COISA QUE NÃO POSSA ABSOLUTAMENTE SER

PENSADA COMO COISA.

Qual é esse princípio?

O Eu Absoluto, que transcendendo o objeto e o sujeito finitos, possui todas as

determinações do absoluto: IDENTIDADE, UNICIDADE, REALIDADE, INFINIDADE,

INDIVISIBILIDADE, IMUTABILIDADE, SUBSTANCIALIDADE, CAUSALIDADE, POTENCIA E

ETERNIDADE.

Os planos do ser então seriam:

1. INCONDICIONADO: instância suprema de possibilidade de toda experiência,

princípio anipotético absoluto. Condição incondicionada; logo, auto-explicativa.

2. INCONDICIONADO-CONDICIONADO: plano em que se articulam as relações entre o

Eu e o não-eu.

3. CONDICIONADO (TRANSCENDENTAL): condição de possibilidade da organização

dos fenômenos e do mundo prático.

4. CONDICIONADO (FENÔMENOS): os próprios objetos do mundo fenomênico

organizados como tais.

Esquema da correspondência entre os planos do Ser e do Conhecer:

PLANOS DO SER PLANOS DO CONHECER

1. INCONDICIONADO Razão intuitiva

2. INCONDICIONADO-CONDICIONADO Razão discursiva

3. CONDICIONADO (TRANSCENDENTAL) Entendimento e sensibilidade

4. CONDICIONADO (FENÔMENOS) Entendimento e sensibilidade

(Fonte: Vieira, L. A. Schelling)

A ordem está decrescente em condição de possibilidade. Considere-se esta ordem agora no

sentido ascendente:

O conhecimento sintético dos objetos é duplamente condicionado, num sentido objetivo e

subjetivo:

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Plano dos fenômenos: “os objetos, como fenômenos da natureza, são submetidos a

uma rede de interdependências” (Vieira, p. 19)

Plano transcendental: “as condições subjetivas transcendentais estão submetidas a

determinadas regras, que lhes impõem um conhecimento condicionado do que é

condicionado” (ibid.)

Plano da articulação condicionado-incondicionado: a razão tem (mesmo para Kant) a

atividade de unificar as regras do entendimento, que por sua vez unificam os

fenômenos {A razão (a mente, o nous) é justamente o que tem por objeto o

noumenon, aos objetos do pensamento, ao que está, por definição, além do

fenômeno}. (p. 20-21) Ela proporciona, de forma mediata, ou seja, por meio do

entendimento, uma organização dos fenômenos. O seu papel é encontrar o

Incondicionado para o conhecimento condicionado do entendimento, completando

assim a sua unidade. (Schelling apud Vieira, p. 20)

Plano do incondicionado.

O plano 2 faz a mediação entre o plano 1 e os planos 3 e 4. Assim ele corresponde a uma

composição entre eles. Constitui por isso mesmo a forma originária de toda ciência, e a

articulação que promove dá-se em três passos (ou desdobra-se em três formas):

FORMA DA INCONDICIONALIDADE (tese=posição): EU = EU (autoposição absoluta do

Eu: não pode ser posto por nenhum objeto). “Essa forma expressa a atividade do Eu de

determinar incondicionalmente tudo o que possa tornar-se para ele realidade. (...)

[Esta forma] sublinha, portanto, o caráter formal do Eu, o agir em si mesmo, a partir de

si mesmo e através de si mesmo”. (Vieira, p. 20) Para Schelling, opondo-se a Kant

neste ponto, é a razão intuitiva (a intuição intelectual) a “instância competente para

apreender diretamente o Incondicionado”. (ibid.)

FORMA DA CONDICIONALIDADE (antítese=contraposição): NÃO-EU não é EU. Trata-se

aqui da ação sofrida pelo não-eu, da sua passividade, de ele ser condicionado pelo Eu.

Ele é objeto da ação do Eu. Decorre total e necessariamente da autoposição absoluta

do Eu.

FORMA DA CONDICIONALIDADE DETERMINADA (síntese=composição): ação não-

absoluta de autodeterminação do sujeito, pois em confrontação com o não-eu. O não-

eu finito limita o eu finito, mas não elimina sua condição autodeterminante, e deve a

esta condição a sua condição de objeto. Esta oposição e esta reciprocidade entre o eu

e o não-eu finitos originam-se da autodeterminação do Eu Incondicionado. “A eventual

condicionalidade em que o eu finito e condicionado se encontra enredado não aniquila

sua essencial incondicionalidade, pois sua determinação condicionada tem origem na

autodeterminação incondicional”. (Vieira, p. 21-22)

Para Schelling, no plano do transcendental (mediador) a forma analítica do discurso racional

corresponde à forma da incondicionalidade (é auto-referida, não exige nenhum conteúdo

superior a si para pôr-se); a forma sintética representa a condicionalidade, pois exige conteúdo

superior e diferente de si; por fim, a forma disjuntiva ou mista corresponde à “forma do ser-

posto condicionado [forma da condicionalidade] por um todo de condições [forma da

incondicionalidade]”. (Schelling apud Vieira, p. 23)

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Hierarquia de subjetividades: sujeito empírico (fenomênico, psicológico) -> subjetividade

transcendental (condição de possibilidade do eu empírico) -> subjetividade incondicionada

(pressuposto último das anteriores e da própria dualidade delas).

Observações:

Se o não-eu é considerado como condicionado, então ele tem certa realidade: mas

esta não é a realidade de uma coisa em si, e sim uma realidade no EU.

Daí o papel do Eu finito, que deve reconciliar o Eu absoluto consigo mesmo, ao trazer

o Não-Eu de volta ao Eu Absoluto.

Funda-se aí a filosofia prática – “A liberdade, traço fundamental do Eu absoluto,

reencontra-se na atividade do Eu finito, que tenta restabelecer o Absoluto em sua

identidade”. (A. Philonenko)

O movimento do Eu finito, que opera a síntese do Eu absoluto e do Não-EU, desdobra-

se no tempo, devendo contudo ser a supressão da temporalidade.

É também por meio de um ato que supera a temporalidade que o Eu absoluto pode

ser conhecido: a intuição intelectual.

O Eu não pode captar-se por um conceito, pois este só é possível na esfera dos

objetos finitos; não pode tampouco ser objeto de intuição sensível, por princípio

passiva e condicionada.

A INTUIÇÃO INTELECTUAL é um ato imediato (intuição) e não-sensível (intelectual):

“Nós todos possuímos um poder misterioso, maravilhoso, de nos arrancar ao

movimento do tempo para reentrarmos em nós mesmos, de despojar nosso Si de

tudo o que lhe vem de fora e de intuir então em nós o Eterno sob a forma do

imutável”. (Schelling, Cartas filosóficas...)

Mais observações (diferenças em relação a Fichte e a Kant):

Para Fichte, a noção de intuição intelectual se liga a todos os atos da consciência

(incluindo a intuição sensível e o tempo), de modo que não pode considerar-se um ato

completo da consciência.

Para Schelling, a intuição intelectual é “o único ato perfeito (perfectum) da

consciência”.

Segundo a interpretação de Philonenko,

“Esta primeira diferença acarreta uma outra: para Schelling – e esta é uma idéia que

se reencontrará em toda a sua filosofia –, nada é mais difícil de explicar do que o

finito; por que existe um mundo de objetos finitos e um sujeito finito e não somente

um Eu absoluto e infinito? Por que uma intuição sensível se substitui à intuição

intelectual? Por que somos prisioneiros do tempo? Schelling afirma nitidamente que

não existe nenhum caminho que leve do infinito (o Absoluto) ao finito (o mundo

sensível): ‘Certamente a filosofia não consegue dar o passo do infinito ao finito, mas

ela pode passar do finito ao infinito’”.

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Para Schelling, a consciência de si pensada com traços do eu empírico é um

fundamento insuficiente. O eu empírico é sempre relativo ao objeto. Sua realidade é

devida a uma limitação: não se anuncia por meio do “EU SOU”, mas do “EU PENSO”.

Assim ele é não por meio do seu ser, mas pelo fato de que ele pensa objetos. A

realidade do eu empírico é determinada por algo fora dele, mas “ele só é por meio do

Eu infinito; pois meros objetos jamais poderiam produzir a representação do Eu

como princípio de sua unidade”. (Schelling apud Bicca, p. 75)

A individuação do primeiro princípio do saber, do qual toda ciência pode ser deduzida,

constitui um dos motivos de fundo da investigação da primeira fase do pensamento

schellinguiano. MAS ESTE MOTIVO ACOMPANHARÁ O FILÓSOFO: O VERDADEIRO

SABER NÃO SE LIMITA À VERIFICAÇÃO DOS FATOS ISOLADOS, MAS BUSCA O PORQUÊ

DE OCORREREM. ESTE PRINCÍPIO CONTÉM EM SI O FUNDAMENTO DE TODO SABER E

TODO SER.6

Em Sobre o Eu como princípio da filosofia, Schelling critica o dualismo kantiano entre

fenômeno e númeno (aparecer e ser). Em Kant, a forma do conhecer se produz

independentemente de seu conteúdo. “Kant sustentava o dualismo entre a

sensibilidade, que tem como fonte o númeno, princípio incognoscível de

conhecimento, e a consciência pura, a Apercepção pura, que desenvolveria por si

mesma as próprias formas”. (Bausola, p. 662) Aporia: as duas fontes do saber

remetem a um fundamento não-conhecido.

“Minha própria existência não é, por certo, um fenômeno (e muito menos uma

simples aparência), mas a determinação de minha existência pode dar-se tão-somente

segundo a forma do sentido íntimo e conforme a maneira particular pela qual o

múltiplo, que ligo, é dado na intuição interior; assim sendo, não tenho nenhum

conhecimento de mim, tal como eu sou, mas tão-somente como me apareço a mim

mesmo. A consciência de si mesmo está, pois, muito longe de ser um conhecimento

de si mesmo”. (Kant, KrV B, 158)

Como Kant explicaria por que as leis da consciência valem para qualquer coisa que não

tem ligação direta com a própria consciência? O saber para Kant é condicionado, e não

absoluto. O princípio do saber, sendo exterior a ele, seria então um não-saber.

“Se toda ciência é unidade de um todo sob um princípio, sob uma forma que ligue a

um princípio, então deverá haver também uma ciência da ciência, ou um saber

primeiro (e não apenas as ciências como saber dos saberes determinados) em que os

vários saberes se remetam ad unum fundamentum”. (Bausola)

O primeiro saber deve ser incondicionado – valendo por si mesmo, não deixa nada

fora de si; contém em si todos os outros saberes. “Nele, a forma e o conteúdo – é este

o segundo motivo antikantiano – devem ambos ser absolutos, ou seja, não devem ser

fundados por outros conteúdos, ou por outras formas”. (Bausola)

6 “Schelling é um dos últimos pensadores que conceberam o projeto imenso de deduzir todo o sistema do real – pelo menos em suas linhas de fundo – de um único princípio, com um procedimento apriorístico, desdenhoso das prudências empiristas”. Adriano Bausola, p. 661.

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Forma sem conteúdo é vazia. Matéria significa apenas os ingredientes do saber, não

exprime a sua estrutura originária. Como não há determinação por “um outro”, a

forma confere a si própria um conteúdo, ou o conteúdo confere forma a si mesmo.

O princípio primeiro se torna Ich ist Ich. Idealismo: INCONDICIONADO =

AUTOPONENTE. O Eu tem o caráter de AUTOCRIATIVIDADE.

Filosofia da natureza

A filosofia da subjetividade, próxima de Fichte, não foi suficiente para superar o kantismo. O

próximo passo será a filosofia da natureza. Razões: 1) Crítica à concepção fichteana da

natureza como um puro não-eu, uma pura objetividade, uma realidade exclusivamente oposta

ao eu, intrumentalizada e intrumentalizável por ele em sua afirmação moral; 2) Crítica à tese

fichteana da natureza como um puro não-eu, opondo-lhe a interpretação da natureza como

condição para o surgimento do eu. Para Schelling, ela não é negação da atividade do eu, mas a

atividade que se torna a condição de possibilidade do eu. É preciso, contra Kant, considerar a

filosofia da natureza como capaz de compreendê-la como contendo em si uma finalidade

imanente.

O objeto finito não é dado, mas surge graças a uma ação necessária do espírito. A aparição

da consciência depende da aparição do objeto.

Objeto e consciência condicionam-se reciprocamente e a consciência de si do espírito nasce

da consciência do objeto. Esta seria a meta para a qual tende o espírito ao produzir os objetos

e certas estruturas.

Mas como é possível o próprio conhecimento? Como o sujeito pode corresponder ao objeto?

E se a Natureza não é o PURO NÃO-EU, o que ela é então?

O tornar-se objeto do Eu não pode significar um submergir na pura objetividade finita. O Eu

sempre transpõe cada finitização, superando-a num novo estágio de seu autodesdobramento.

Esse autodesdobramento há, pois, de ter uma dimensão objetiva e outra subjetiva. Na

natureza, há o predomínio da dimensão objetiva; no espírito, o predomínio é do subjetivo e da

consciência. A natureza é pensada, ela própria, como atividade incondicionada e absoluta, um

fluxo infinito, diverso das expressões finitas em que se realiza.

As leis da natureza são autônomas (não provêm senão dela mesma) e ela é autárquica (basta-

se a si mesma, é princípio de si mesma). É “um todo organizando-se a si mesmo e organizado

a partir de si mesmo”. (Schelling apud Vieira, p. 27)

Ela é produtividade (impulso infinito de expansão) e produto (os rastros finitos de sua

presença, a desaceleração – porque cristalização no produto finito – daquele impulso).

Produtividade sem produto seria um contra-senso; produto sem produtividade seria outro:

algo desconexo e sem sentido. O ente natural finito manifestaria a permanência de quê? A

natureza só pode conceber-se como uma síntese entre essa subjetividade (o infinito

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produzir) e essa objetividade (o finito produto), pois ela é um permanente pôr e transpor,

um reproduzir-se.

“O sistema da natureza é ao mesmo tempo o sistema do nosso espírito”, escreve

Schelling.

Portanto, a mesma Inteligência que explica o Eu explica a natureza. É preciso

transferir para a natureza aquela “atividade pura” descoberta por Fichte como a

“essência” do Eu. SCHELLING CONCLUI QUE A NATUREZA É PRODUZIDA POR

INTELIGÊNCIA INCONSCIENTE, QUE OPERA NO SEU INTERIOR, QUE SE DESENVOLVE

TELEOLOGICAMENTE EM GRAUS, OU SEJA, EM NÍVEIS SUCESSIVOS, QUE MOSTRAM

FINALIDADE INTRÍNSECA E ESTRUTURAL.

Grande princípio da filosofia da natureza schellinguiana: “A natureza deve ser o

Espírito visível, e o espírito, a natureza invisível. É aqui, portando, na absoluta

unidade do espírito em nós e da natureza fora de nós, que se deve resolver o

problema de como é possível uma natureza fora de nós”. (Schelling)

Se a unidade sujeito-objeto está presente em todas as esferas (natureza e espírito), então o

discurso da filosofia da natureza deve ser capaz de expressar o movimento interno da

natureza. (Vieira, p. 31) “Ele não é, de forma alguma, uma teia de conceitos lançada sobre a

natureza, a fim de que ela se enquadre em suas malhas e, desse modo, responda ao

formulário de questões imposto a ela pelo sujeito do discurso. A metáfora da coação deve

ser substituída pelo acompanhamento do ritmo próprio à natureza, seguir sua lógica

imanente. O discurso da filosofia da natureza não deve ser entendido como uma forma pura,

a priori, aplicada a um conteúdo a ela estranho e heterogêneo. Ele é, antes, a forma oriunda

do próprio conteúdo natural reconstruída por aquele ser finito da natureza em que o

consciente e subjetivo alcança uma preponderância sobre o inconsciente e objetivo”. (Vieira,

p. 31)

A Natureza é, em síntese, constituída pela mesma e idêntica força (inteligência

inconsciente), que se manifesta em planos e graus sempre mais elevados, até

alcançar o ser humano, no qual esta inteligência se torna consciente de si.

Se a Natureza é objeto de conhecimento, como poderia ser outra coisa que não um

produto do espírito, uma inteligência inconsciente.

É necessário destacar, pois, três noções que se articulam necessariamente ao conceito

schellinguiano da natureza: a) a finalidade imanente ou organização; b) a idéia da

vida da natureza ou do desenvolvimento que é a história do espírito; c) a

possibilidade de conhecê-la que faz dela um objeto do conhecimento.

Essas idéias retomar-se-iam no Idealismo transcendental: “Uma teoria perfeita da

natureza seria aquela pela qual toda a natureza se resumisse em uma inteligência.

Os mortos e inconscientes produtos da natureza nada mais são do que tentativas

falidas da natureza para refletir-se a si mesma; a chamada natureza morta é,

sobretudo, inteligência imatura; por isso, nos seus fenômenos já transparece, ainda

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em estado inconsciente, o caráter inteligente. A natureza alcança o seu mais elevado

fim, que é o de tornar-se inteiramente objeto para si mesma, com a última e mais

elevada reflexão, que nada mais é do que o ser humano ou, mais geralmente, o que

nós chamamos razão: desse modo, pela primeira vez, temos o retorno completo da

natureza a si mesma e parece evidente que a natureza é originariamente idêntica ao

que, em nós, é reconhecido como princípio inteligente e consciente”. (Schelling,

Idealismo transcendental).

A “alma do mundo”, como “hipótese para explicar o organismo universal”, é figura

teórica que se torna conhecida desde Platão, e que se retoma por Schelling

significando a inteligência inconsciente que produz e rege a Natureza e que só se

abre à consciência com o nascimento do ser humano. Se este é, por suas dimensões

corporais, um ser pequeníssimo diante da grandeza do universo, acaba por revelar-se

o fim último da Natureza. É nele que o Espírito desperta, depois de permanecer

adormecido em todos os outros graus da Natureza.

Papel da arte: síntese entre infinito e finito, liberdade e necessidade, consciência (espírito) e

inconsciência (natureza). A obra (o produto) resulta de um ato consciente, mas é uma

realidade objetiva (logo, privada de consciência). A natureza é inconsciente da identidade que

lhe é essencial; a razão teórica não consegue tornar objetivo o vínculo essencial entre

produção e produto; a razão prática abole o objeto da ação livre, pois este é infinito, e “nunca

completamente realizado”. Assim, “aquilo que para o agir livre reside em um progresso

infinito deve ser, na presente produção [artística], uma presença, tornar-se efetivo em algo

finito, tornar-se objetivo”. (Schelling apud Vieira, p. 38)

A obra de arte proporciona o “sentimento de uma harmonia infinita”, pois ela reconcilia as

forças antagônicas dos espíritos teórico e prático.

Filosofia da identidade

Para Schelling, a razão absoluta é essencialmente tudo e ela é uma: é a totalidade absoluta,

que se exprime pela fórmula A=A. Ela não é a causa do universo, é o próprio universo. Mas há

coisas e uma realidade finita. Como elas se explicam então? Por uma simples diferenciação

quantitativa entre o subjetivo e o objetivo, conclui Schelling: “A diferença quantitativa do

subjetivo e do objetivo é o fundamento de toda finitude e, inversamente, a indiferença

quantitativa dos dois é a infinidade”. O que é o ser finito, à vista disso? Apenas uma forma

“determinada” do ser, a Identidade Absoluta, forma na qual ora predominará o objetivo, ora o

subjetivo.

Nas filosofias da subjetividade e da natureza, “natureza e espírito já eram encarados como

desdobramentos imanentes de uma mesma realidade, estágios internamente diferenciados

de um mesmo todo que gradualmente se torna consciente de si próprio”. (Vieira, p. 38)

Este fundamento se explicita agora em Exposição de meu sistema de filosofia, de 1801. As

filosofias do espírito e da natureza poderiam ser compreendidas, respectivamente, como um

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idealismo e um realismo radicais, pois ambas a relação entre eu e não-eu se faz presente. Ali

Schelling nos oferece o seguinte esquema, com o qual ilustra didaticamente a sua síntese:

Esquema da “forma de ser da identidade absoluta”:

O idealismo e o realismo são unilaterais por absolutizarem a perspectiva finita de que partem

para entender tanto o espírito quanto a natureza.

A+ = B

B+ = A

A = A