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DISCUSSÃO 155 O desenvolvimento de tumores sólidos no que concerne à difusão de oxigénio e nutrientes depende da formação de uma rede vascular sanguínea a partir de vasos sanguíneos periféricos pré-existentes (230-232). Segundo Folkman, a angiogénese intratumoral assegura, por um lado, o crescimento da neoplasia e, por outro, facilita a disseminação hematogénia (230, 231, in 413). A estrutura desorganizada e tortuosa dos neo-vasos permite a intravasão de células malignas (337). Ramificações dos vasos pré-existentes comunicam com a rede vascular imatura, possibilitando a migração das células. Estas seguem, assim, na circulação sanguínea, podendo originar metástases à distância (230-232, 413). O sistema vascular linfático constitui outra via de disseminação sistémica de um tumor maligno. As características próprias dos capilares linfáticos, nomeadamente a descontinuidade da membrana basal, facilitam a permeação de células malignas (192, 193). Por outro lado, a baixa velocidade do fluxo linfático e a composição da linfa (semelhante à do fluido intersticial) favorecem a viabilidade celular (nos vasos sanguíneos, pelo contrário, a toxicidade celular é elevada) (188, in 221, 311, in 316). Como tal, a corrente linfática é preferencial para a disseminação de muitos tipos de tumores malignos, principalmente os que apresentam histogénese epitelial (188). A metastização de gânglios linfáticos regionais e, posteriormente, distais do tumor primário, poderá constituir um evento precoce de progressão tumoral e é um importante factor de prognóstico e de decisão terapêutica (151, 152). A permeação vascular linfática é o ponto de partida para a metastização ganglionar. Alguns autores defendem que são os vasos linfáticos peritumorais pré-existentes os verdadeiros mediadores deste processo, sendo apenas permitido, num perímetro restrito, um mecanismo de expansão destes vasos para o interior do tumor (322, 323). Muitas vezes, as células endoteliais linfáticas migram e ocupam soluções de continuidade do estroma,

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DISCUSSÃO

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O desenvolvimento de tumores sólidos no que concerne à difusão de oxigénio e

nutrientes depende da formação de uma rede vascular sanguínea a partir de vasos sanguíneos

periféricos pré-existentes (230-232). Segundo Folkman, a angiogénese intratumoral assegura,

por um lado, o crescimento da neoplasia e, por outro, facilita a disseminação hematogénia

(230, 231, in 413). A estrutura desorganizada e tortuosa dos neo-vasos permite a intravasão de

células malignas (337). Ramificações dos vasos pré-existentes comunicam com a rede vascular

imatura, possibilitando a migração das células. Estas seguem, assim, na circulação sanguínea,

podendo originar metástases à distância (230-232, 413).

O sistema vascular linfático constitui outra via de disseminação sistémica de um tumor

maligno. As características próprias dos capilares linfáticos, nomeadamente a descontinuidade

da membrana basal, facilitam a permeação de células malignas (192, 193). Por outro lado, a

baixa velocidade do fluxo linfático e a composição da linfa (semelhante à do fluido

intersticial) favorecem a viabilidade celular (nos vasos sanguíneos, pelo contrário, a

toxicidade celular é elevada) (188, in 221, 311, in 316). Como tal, a corrente linfática é preferencial

para a disseminação de muitos tipos de tumores malignos, principalmente os que apresentam

histogénese epitelial (188). A metastização de gânglios linfáticos regionais e, posteriormente,

distais do tumor primário, poderá constituir um evento precoce de progressão tumoral e é um

importante factor de prognóstico e de decisão terapêutica (151, 152).

A permeação vascular linfática é o ponto de partida para a metastização ganglionar.

Alguns autores defendem que são os vasos linfáticos peritumorais pré-existentes os

verdadeiros mediadores deste processo, sendo apenas permitido, num perímetro restrito, um

mecanismo de expansão destes vasos para o interior do tumor (322, 323). Muitas vezes, as

células endoteliais linfáticas migram e ocupam soluções de continuidade do estroma,

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estabelecendo vias de drenagem do excesso de fluído intersticial e, eventualmente, de células

malignas que atingirão, assim, a rede linfática pré-existente (in 204, in 212, in 222, 312, 318, 321). Por

outro lado, em alguns modelos de cancro foi comprovada a existência de vasos linfáticos

intratumorais funcionais e a ocorrência de linfangiogénese, tanto intratumoral como

peritumoral. Também foi verificada a correlação entre a expressão de factores

linfangiogénicos e o aumento da densidade vascular linfática (324, 326-333). Assim, embora seja

consensual que a vasculatura linfática é uma via de disseminação primária, continuam a

existir opiniões divergentes acerca da ocorrência de linfangiogénese intratumoral, por um

lado, e da importância dos vasos linfáticos intratumorais na disseminação tumoral, por outro.

Prováveis determinantes específicas de cada tipo de tumor maligno tornam imperativa a

realização de estudos utilizando diferentes modelos de cancro, sendo fundamental avaliar qual

o factor indutor da linfangiogénese tumoral.

A bexiga possui um sistema de drenagem linfática organizado. O plexo de capilares

linfáticos inicia-se na mucosa e estende-se para além da camada muscular. No pericisto

reúnem-se grupos de pequenos gânglios linfáticos (in 175, 191, 201). Assim, a metastização

ganglionar regional de carcinomas invasores da bexiga é um evento usual na disseminação

deste tipo de tumor maligno, constituindo uma etapa precoce da metastização à distância.

Nestes casos, a tentativa de controlo da doença através de tratamento citotóxicos é, em grande

parte, ineficaz. De facto, embora o carcinoma da bexiga seja um tumor quimiossensível, a

maioria das mortes por esta doença ocorrem devido a metástases que não respondem à

quimioterapia convencional. Os doentes com doença avançada apresentam uma resposta

inicial à quimioterapia, mas rapidamente desenvolvem resistência (400), pois existem clones

celulares cuja taxa de proliferação é diminuta, não respondendo a drogas citotóxicas de fase

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(414, 415).

No contexto acima referido, o estudo dos mecanismos de linfangiogénese e de

permeação vascular linfática associados ao carcinoma da bexiga constitui a primeira etapa

para a clarificação dos fenómenos subjacentes à metastização ganglionar. Tal poderá ser útil

para elaborar estratégias terapêuticas relacionadas com a necessidade e extensão da

linfadenectomia e com a possibilidade de modulação do processo biológico de permeação

vascular linfática, de modo a limitar a metastização ganglionar.

Assim, este trabalho iniciou-se tentando responder às questões propostas por Pepper

no seu artigo Lymphangiogenesis and Tumor Metastasis: Myth or Reality (204) (Ponto 1.3.7), e

que permanecem ainda por resolver. A resposta a estas questões poderá ser importante na

prática clínica, permitindo definir eventuais alvos terapêuticos. Para tal, estudou-se o

carcinoma urotelial da bexiga, tendo como objectivos gerais verificar a ocorrência de

linfangiogénese e de angiogénese em carcinomas superficiais de alto grau e invasores, bem

como o envolvimento dos vasos linfáticos e/ou sanguíneos na disseminação tumoral.

O padrão de disseminação loco-regional dos tumores da bexiga associou-se, na

amostra avaliada, com a invasão da parede do órgão pela neoplasia, com a perda de

diferenciação e com a morfologia não papilar. Este perfil de agressividade tumoral implicou

perdas significativas de sobrevivência nos doentes estudados. Tais resultados estão em

concordância com os obtidos noutros estudos realizados (416-421).

De um modo global, verificou-se que na série de carcinomas uroteliais da bexiga

estudada ocorrem fenómenos de angiogénese e de linfangiogénese. O envolvimento dos neo-

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vasos por células malignas, bem como o impacto deste fenómeno na progressão tumoral e na

diminuição da taxa de sobrevivência global (5 anos) foram também comprovados.

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DISCUSSÃO

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5.1 ANGIOGÉNESE

À semelhança dos restantes tipos de tumores sólidos, as neoplasias vesicais malignas

dependem do fenómeno de angiogénese para assegurar o seu crescimento, progressão e

eventual disseminação (422). Na amostra estudada no presente trabalho, todos os carcinomas

uroteliais da bexiga apresentavam um rico suprimento vascular sanguíneo peritumoral; na

maior parte dos casos (81,9%) existiam igualmente vasos sanguíneos intratumorais. Os vasos

presentes nos cortes histológicos observados, principalmente os intratumorais, eram de

pequeno calibre e estruturalmente tortuosos, o que denota a ocorrência de neovascularização.

Inúmeros estudos têm sido desenvolvidos na tentativa de demonstrar o papel da

angiogénese no aumento da agressividade das neoplasias da bexiga. Tal tem também

motivado a procura de novas terapêuticas cujos alvos são moléculas associadas à formação de

neovasos sanguíneos peri ou intratumorais.

Cerca de 70%-80% dos carcinomas uroteliais da bexiga diagnosticados correspondem

a neoplasias superficiais. Embora sejam maioritariamente de baixo grau de malignidade, estes

tumores recidivam com frequência, e em 10% a 15% dos casos ocorre progressão da doença

(Ponto 1.2.2). Assim, a identificação de marcadores de recidiva e progressão revelou que a

angiogénese é um candidato preferencial, uma vez que este fenómeno biológico representa

um potencial alvo terapêutico. No entanto, a sua influência no prognóstico dos doentes com

tumores superficiais não é consensual.

Vários estudos relatam a associação significativa entre a densidade vascular sanguínea

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e a ocorrência precoce de recidivas em doentes com carcinomas uroteliais superficiais (397,

423). Foi detectada a sobre-expressão do principal factor angiogénico – VEGF – em tecidos

tumorais (399, 424) e na urina (425, 426) de doentes com neoplasias superficiais, sendo

demonstrado um papel determinante na ocorrência de recidivas. Assim, esta molécula pró-

-angiogénica poderá ser um indicador do comportamento biológico do tumor, associando-se a

sua sobre-expressão a um fenótipo agressivo. É sugerido que a recidiva de um carcinoma

superficial surge por implantação de clones de células do tumor primário (427); as recidivas

que expressam altos níveis de VEGF apresentam uma vantagem selectiva, pois o seu

potencial angiogénico está incrementado. Tal possibilita a formação de um suprimento

vascular que assegura o seu crescimento (399, 424). Dada a importante função do VEGF na

recidiva tumoral, esta molécula poderá constituir um possível alvo terapêutico.

Embora os estudos referidos demonstrem a importância da neovascularização nos

tumores superficiais como mecanismo facilitador da recidiva, outros trabalhos contrariam esta

teoria. Vários autores verificaram que a ocorrência de angiogénese não determinou um risco

aumentado de recidiva e/ou progressão, ou a diminuição da taxa de sobrevivência global (428-

430). Stavropoulos e colaboradores, embora tenham demonstrado a correlação directa entre a

sobre-expressão de VEGF e o aumento da densidade vascular sanguínea, não encontraram

qualquer associação entre estas variáveis e as características histopatológicas dos tumores

estudados ou o risco de recidiva e/ou progressão (431). Por outro lado, outros autores, ao

avaliarem a actividade pró-angiogénica de neoplasias malignas da bexiga recorrendo à

quantificação de VEGF no soro dos doentes, verificaram que os casos de tumores superficiais

de baixo grau de diferenciação apresentavam níveis de VEGF aumentados em relação aos

doentes com tumores invasores pouco diferenciados; foi sugerido que a diminuição da

actividade angiogénica no soro poderia ser utilizada como factor de prognóstico,

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determinando alto risco de progressão (432, 433). De facto, no estudo de Beecken e

colaboradores, 30% dos doentes com baixa actividade angiogénica no soro desenvolveram

metástases no período pós-cirurgia; por outro lado, nos doentes com níveis de actividade

aumentados não ocorreu disseminação da doença (433).

No subgrupo dos carcinomas uroteliais invasores, a maioria dos estudos relatam a

associação entre o incremento da angiogénese e prognósticos desfavoráveis. Canoğlu e

colaboradores verificaram que os tumores que ultrapassam a lâmina própria são

significativamente mais vascularizados do que os tumores superficiais. Uma elevada DVS

associou-se com o risco de progressão da doença em ambos os grupos (398). Esta variável foi

identificada como factor de prognóstico independente por outros autores (65, 434-436).

Em concordância com o aumento da DVS relatado noutros estudos, Yang e

colaboradores observaram sobre-expressão de VEGF em tumores invasores da bexiga (437).

Outros verificaram um aumento nos níveis de expressão do gene Vegf (438, 439). Inoue e

colaboradores demonstraram a importância da DVS e da imuno-expressão de VEGF na

identificação de doentes com carcinomas uroteliais invasores que apresentam alto risco de

recidiva e desenvolvimento de metástases após terapêutica agressiva por cirurgia radical e

quimioterapia sistémica adjuvante. Este autor enfatiza o papel do VEGF como factor de

sobrevivência celular, não só pela protecção conferida às células malignas em situações de

hipóxia, mas também durante a ocorrência de apoptose induzida pela quimioterapia (396).

Assim, como já foi acima referido, a expressão aumentada de VEGF representará uma

vantagem selectiva para o sucesso da sobrevivência das células malignas e da sua futura

disseminação, caso não existam mecanismos inibidores. No subgrupo dos tumores invasores,

este factor de crescimento constitui um potencial alvo terapêutico no sentido de controlar a

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DISCUSSÃO 162

metastização.

Na amostra de carcinomas uroteliais da bexiga utilizada no presente trabalho não se

avaliou a imuno-expressão de VEGF. A densidade vascular sanguínea reflecte a actividade

final do VEGF e, como tal, optou-se por estudar apenas o primeiro parâmetro. Não foi

verificada qualquer associação entre a DVS e as variáveis clínico-patológicas. No entanto, a

presença de vasos sanguíneos intratumorais foi sugestivamente mais frequente no subgrupo

de tumores que ultrapassavam a camada muscular da bexiga. Tal denota a necessidade de

neovascularização intratumoral para a sua sobrevivência. A maioria dos tumores superficiais

apresentam uma morfologia tipicamente papilar em torno de um eixo fibrovascular, o que

aumenta a sua área de superfície de contacto. Por outro lado, os tumores invasores,

particularmente os de estádio T3 ou T4, são sólidos e possuem densidade celular elevada, o

que predispõe a stress hipóxico intratumoral. Esta situação pode ser resolvida pela ocorrência

de angiogénese. Vários autores demonstraram que a hipóxia é um importante factor regulador

da expressão de VEGF no carcinoma urotelial da bexiga (440-443).

Curiosamente, o estudo da imuno-expressão do factor linfangiogénico VEGF-C

demonstrou, no presente trabalho, uma correlação entre o incremento da angiogénese

intratumoral e a sobre-expressão deste factor. Estes resultados revelam um papel acessório do

VEGF-C como factor pró-angiogénico, o que está de acordo com o encontrado por outros

autores em neoplasias malignas da bexiga (390) e noutros tipos de carcinomas (351). Como já

foi referido no Ponto 1.4.5.4, a forma processada de VEGF-C activa não só o VEGFR-3

(expresso por células endoteliais linfáticas), mas também o VEGFR-2 (expresso

maioritariamente por células endoteliais sanguíneas), actuando, deste modo, na promoção da

angiogénese.

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Em relação ao significado prognóstico da angiogénese, a DVS e a existência de vasos

sanguíneos intratumorais não tiveram impacto na sobrevivência livre de doença e na

sobrevivência global (5 anos) dos doentes com carcinomas uroteliais da bexiga estudados. No

entanto, no grupo restrito das neoplasias superficiais de alto grau, a presença de vasos

intratumorais determinou uma taxa de sobrevivência global (5 anos) significativamente

menor. Provavelmente, esta associação reflecte a documentada importância dos vasos

sanguíneos recém-formados na disseminação tumoral (313). Como já foi referido, a estrutura

tortuosa e o pequeno calibre dos vasos sanguíneos intratumorais presentes nos cortes

histológicos observados denotam a ocorrência recente de angiogénese. Estes vasos, por não

apresentarem estruturas de revestimento sub-endotelial, nomeadamente pericitos, podem ser

mais facilmente permeados por células malignas. Por outro lado, da vascularização sanguínea

peritumoral fazem parte neovasos e vasos que já existiam no feixe fibrovascular característico

dos tumores superficiais; estes últimos, estruturalmente maduros (cujo endotélio é recoberto

por células musculares lisas e pericitos), são mais difíceis de permear. Assim, é mais provável

que nos doentes com neoplasias superficiais em que estavam presentes vasos sanguíneos

intratumorais ocorra progressão da doença. A permeação vascular sanguínea (PVS) é a

manifestação precoce da disseminação maligna.

Vários autores identificaram a permeação vascular sanguínea como factor de

prognóstico independente em doentes submetidos a cistectomia radical (portadores de

carcinomas uroteliais superficiais de alto risco ou invasores) (392, 393). Tal parâmetro poderá

ser útil para planificar o esquema de seguimento pós-cirurgia e a aplicação de estratégias de

terapêutica adjuvante. É, de facto, essencial identificar os doentes que, uma vez

cistectomizados, poderão beneficiar do tratamento por quimioterapia por apresentarem

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DISCUSSÃO 164

elevado risco de recidiva e/ou progressão.

No presente estudo, a PVS foi avaliada segundo três métodos de diagnóstico. O

método PVS-EHC (permeação vascular sanguínea – exame histopatológico clássico) refere-se

à avaliação deste parâmetro em cortes de tecido tumoral corados através da coloração de

hematoxilina-eosina. Com os métodos PVS-EME1 e PVS-EME2 (permeação vascular

sanguínea – exame após marcação específica) a PVS foi avaliada em cortes submetidos a

técnica imuno-histoquímica para marcação específica de vasos sanguíneos com o anticorpo

anti-CD31. O diagnóstico da ocorrência de permeação vascular sanguínea através dos

métodos PVS-EHC e PVS-EME1 foi realizado quando estava presente, pelo menos, uma

célula maligna no lúmen de vasos sanguíneos com revestimento endotelial contínuo. Com o

método PVS-EME2, apenas se consideraram permeados os vasos em que estivessem

presentes êmbolos tumorais. Assim, num total de 83 neoplasias estudadas, considerou-se a

ocorrência de PVS em 19 (22,9%), em 33 (39,8%) ou em 11 (13,3%) dos casos, quando o

diagnóstico foi realizado pelos métodos PVS-EHC, PVS-EME1 ou PVS-EME2,

respectivamente.

Leissner e colaboradores e Hong e colaboradores, ao estudarem a permeação vascular

sanguínea em neoplasias malignas da bexiga, verificaram a ocorrência deste fenómeno em

13,1% e 8,8% dos tumores observados, respectivamente (392, 393). O método de diagnóstico

utilizado por estes autores foi o equivalente ao PVS-EHC. Em ambos os estudos a frequência

absoluta de PVS foi mais baixa do que a obtida no presente trabalho (22,9%). Tais resultados

estão, provavelmente, relacionados com a constituição das amostras utilizadas. Da série

apresentada por Hong e colaboradores constavam 24% de tumores que ultrapassavam a

metade externa da parede muscular vesical, enquanto que a série utilizada neste estudo é

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composta por 59% de tumores T3-T4. Sublinha-se a ocorrência de PVS em 84,2% dos

tumores T3-T4, e o facto de não ocorrerem fenómenos de permeação no grupo dos tumores

superficiais.

No presente estudo, com a utilização das três metodologias de diagnóstico da PVS

pretendia-se definir a que melhor reflectisse o impacto desta variável no prognóstico dos

doentes com carcinomas uroteliais da bexiga. O método PVS-EME1 foi o mais informativo

quando se estabeleceu a correlação entre a densidade vascular sanguínea e a existência de

vasos sanguíneos intratumorais, e a ocorrência de permeação. A PVS associou-se igualmente

à sobre-expressão de VEGF-C, quando foi avaliada pelo método PVS-EME1 (método mais

sensível). Por outro lado, a ocorrência de permeação vascular sanguínea associou-se

significativamente à diminuição da sobrevivência global dos doentes aos 5 anos de

seguimento quando o diagnóstico foi realizado através dos métodos PVS-EHC e PVS-EME2

(métodos mais específicos). A existência de êmbolos tumorais revelou-se um factor de

prognóstico independente na análise multivariada.

Assim, um elevado número de vasos sanguíneos, nomeadamente neovasos

intratumorais, associou-se a um maior risco de intravasão de células malignas isoladas e/ou de

êmbolos tumorais (quando este fenómeno foi diagnosticado pelo PVS-EME1). Este método

de diagnóstico, por implicar a marcação específica de vasos sanguíneos (ao contrário do que

acontece com a coloração clássica por hematoxilina-eosina – PVS-EHC) permite, por um

lado, a fácil visualização de células isoladas no interior de estruturas vasculares sanguíneas e,

por outro, a distinção entre a ocorrência de permeação vascular sanguínea e de permeação

vascular linfática. Embora no método clássico seja considerado o diagnóstico de PVS por

células malignas isoladas, este método apenas possibilita, na maior parte dos casos, a

visualização de êmbolos tumorais intravasados. Além disso, devido à falta de contraste entre

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vasos sanguíneos e vasos linfáticos, o observador identifica a ocorrência de PVS quando

existem eritrócitos no interior dos vasos, o que nem sempre é um critério de diagnóstico

reprodutível.

A sobrevivência global (5 anos) dos doentes com carcinomas uroteliais da bexiga foi

significativamente menor no grupo em que a ocorrência de PVS se manifestou pela existência

de êmbolos tumorais intravasados (método PVS-EME2). Provavelmente, nos casos em que

apenas existem células malignas isoladas o prognóstico é influenciado pela sobrevivência

destas células na circulação. A maior resistência dos agregados celulares à adversidade da

circulação sanguínea, ou o microambiente que é criado após agregação das células tumorais e

que pode favorecer o seu crescimento, poderão explicar as diferenças observadas em termos

de sobrevivência global.

Quando se avaliou a sobrevivência em função do estádio, num modelo de análise

multivariada em que foi também incluída a PVS, identificaram-se ambas as variáveis como

factores de prognóstico independentes. No entanto, o estádio é a variável que melhor explica a

diminuição da sobrevivência dos doentes com carcinomas uroteliais da bexiga; tal é

corroborado por outros autores (in 393).

O processo de metastização constitui um aspecto crítico da biologia tumoral,

implicando efeitos significativos no que se refere às taxas de sobrevivência global. No caso

específico das neoplasias malignas da bexiga, quando ocorre metastização loco-regional ou à

distância apenas 46% e 6% dos doentes sobrevivem 5 anos após o diagnóstico primário,

respectivamente (444).

A ocorrência de progressão da doença e desenvolvimento de metástases secundárias

implicam a acumulação de alterações em genes envolvidos na homeostasia celular. O gene

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KiSS-1, localizado em 1q32, foi identificado em linhas celulares de melanoma pelo seu papel

activo como gene supressor de metástases (445). Desde então, outros estudos verificaram a

diminuição dos seus níveis de expressão durante o processo metastático em carcinomas da

mama (446), pâncreas (447), esófago (448) e bexiga (449). No estudo de Sanchez-Carbayo e

colaboradores, foi demonstrada a perda completa de expressão do produto deste gene em

tumores invasores da bexiga; o mesmo se verificou nos casos em que ocorreu metastização à

distância, o que se relacionou com a diminuição da sobrevivência global. De sublinhar que a

diminuição da imunorreactividade para a proteína KiSS-1 se associou significativamente à

ocorrência de permeação vascular sanguínea (449). Assim, a promoção da PVS num ambiente

em que ocorreu neovascularização poderá resultar da ausência de expressão de KiSS-1.

Porém, são necessários estudos adicionais para clarificar o papel desta proteína no processo

de invasão e metastização do carcinoma urotelial da bexiga.

Os resultados obtidos através do estudo da angiogénese em 83 neoplasias malignas da

bexiga revelaram que este fenómeno se associa à progressão tumoral, tem significado

prognóstico no grupo de doentes com carcinomas superficiais de alto grau e determina a

ocorrência de intravasão tumoral. A angiogénese é, assim, um eventual alvo terapêutico.

Neste contexto, a molécula VEGF representa, para a maioria dos autores, o melhor alvo

terapêutico. Por ser uma molécula circulante e actuar directamente sobre as células

endoteliais, o tratamento não necessita de atingir a região intratumoral. A inibição do VEGF

circulante inibe a angiogénese e melhora a perfusão do tecido tumoral, o que permite uma

maior distribuição das drogas citotóxicas (343). Por outro lado, é por este motivo que tal

terapêutica se associa a efeitos colaterais sistémicos.

Inai e colaboradores demonstraram também os efeitos celulares dos inibidores do

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DISCUSSÃO 168

VEGF nos vasos sanguíneos tumorais. Os autores verificaram não só o desaparecimento de

fenestrações endoteliais, a regressão da neovascularização e a estagnação do fluxo sanguíneo,

mas também um decréscimo da densidade de vasos sanguíneos (450).

Estudos utilizando linhas celulares e modelos animais de carcinomas da bexiga

demonstraram o efeito quimio-sensibilizante de antagonistas do VEGF. O tratamento com

estes agentes incrementou, de modo significativo, a citotoxicidade da quimioterapia (400, 451,

452), além de inibir directamente a expansão da massa tumoral e a metastização (400, 453). Uma

vez que estes e outros trabalhos revelaram o potencial da terapêutica anti-angiogénese em

doentes com neoplasias da bexiga, encontram-se em desenvolvimento alguns ensaios clínicos

de fase II.

O Eastern Cooperative Oncology Group e o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center

estudam actualmente o efeito do Sorafenib (BAY 43-9006) e do Sunitinib (SU11248),

respectivamente, em doentes com carcinoma urotelial da bexiga disseminado (454, 455). Estas

moléculas inibem, entre outros, os receptores da família VEGF, estando já aprovada a sua

utilização para o tratamento de doentes com carcinoma avançado do rim (in 456, in 457). Outro

ensaio clínico promovido pelo California Cancer Consortium baseia-se na utilização do

VEGF-Trap para o tratamento de doentes com carcinomas uroteliais recidivantes, localmente

avançados ou metastáticos (458). O VEGF-Trap é um potente inibidor angiogénico consistindo

em porções dos receptores VEGFR1 e VEGFR2; a fusão com o VEGF impede a acção de

todas as suas isoformas (457). Um ensaio clínico a ser actualmente desenvolvido pelo M.D.

Anderson Cancer Center conjugou o tratamento quimioterapêutico neoadjuvante com a

aplicação de Bevacizumab (Avastin®), na tentativa de controlo da recidiva e disseminação

tumoral posterior à cistectomia radical de doentes com neoplasias avançadas da bexiga (459).

Não obstante as tentativas promissoras de controlo da disseminação tumoral por

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DISCUSSÃO

169

inibição da angiogénese, muito há ainda a ser realizado para que este fenómeno seja

claramente compreendido e integralmente explorado. Recentemente, foi identificada uma

nova isoforma do VEGF – VEGF(165)β – cuja expressão em tumores superficiais da bexiga

parece estar aumentada em relação aos tumores invasores (460). Adicionalmente, um estudo de

avaliação em larga escala de genes candidatos identificou a associação entre polimorfismos da

região 5’-UTR do promotor do Vegf e o risco de desenvolvimento de cancro da bexiga (461).

Por outro lado, o VEGF, embora sendo o principal efector angiogénico, não é o único.

Existem outras moléculas pró-angiogénicas

largamente conhecidas (Tabela 5.1), cujo

potencial como alvos terapêuticos tem sido

também analisado. Trabalhos recentes procuram

esclarecer o papel de agentes angiogénicos

indirectos. Neste sentido, a família de receptores

transmembranares Notch e seus ligandos,

particularmente o receptor Notch1 e o ligando

Dll4 (Delta-like 4 ligand), têm sido objecto de estudo. A via de sinalização Notch e o ligando

Dll4 desempenham papéis fundamentais no desenvolvimento vascular embrionário (462) e na

angiogénese pós-natal (463). O VEGF incrementa a expressão deste sistema ligando-receptor

(464), pois tal parece ser essencial para que a formação de brotos dos vasos sanguíneos pré-

existentes ocorra selectivamente (465-470). Assim, para a angiogénese tumoral é necessária uma

fracção óptima de expressão do Dll4; a sua modulação selectiva poderá representar uma nova

estratégia de terapêutica anti-angiogénica (466, 471). O estudo de Patel e colaboradores

demonstrou que a sobre-expressão de Dll4 pode ter significado prognóstico para doentes com

carcinomas uroteliais superficiais ou invasores da bexiga, propondo esta molécula como

Tabela 5.1 – Reguladores da angiogénese (adaptado de 343)

Promotores Inibidores

VEGF Trombospondina

aFGF Angiostatina

bFGF Endostatina

TGF-α,β Vasostatina

EGF Prolactina

TNF-α Hormona do crescimento

Angiogenina Canstatina

Interleucina-8 Tumstatina

Angiopoietina-1,2 Interferão-α

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DISCUSSÃO 170

possível alvo terapêutico (472).

Todos os aspectos críticos inerentes à angiogénese e seus efectores, já conhecidos ou

ainda por clarificar, serão importantes no desenho de novas terapêuticas. Como refere

Goddard, a angiogénese é um complexo processo multifaseado e multifactorial (423). Assim, a

utilização de um único indicador angiogénico como factor de prognóstico não deverá ser

suficientemente informativa. É mais provável que uma combinação de marcadores conduza a

um modelo biológico com maior potencial de previsão de riscos. Neste sentido, será

igualmente útil explorar outros fenómenos relacionados com a angiogénese, nomeadamente a

linfangiogénese. O mecanismo de formação de vasos linfáticos tumorais estabelece a via

sistémica de disseminação maligna alternativa ao sistema sanguíneo. O estudo de tal

fenómeno nos carcinomas uroteliais da bexiga constitui o próximo objectivo do presente

trabalho.

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DISCUSSÃO

171

5.2 LINFANGIOGÉNESE

A existência de um suprimento vascular linfático organizado na bexiga pressupõe a

sua intervenção na drenagem de excesso de fluido intersticial. Tal assume particular

importância no decorrer do processo neoplásico. A necessária ocorrência de

neovascularização sanguínea desencadeada pelo switch angiogénico promove a formação de

vasos sanguíneos tortuosos e com paredes altamente permeáveis, o que implica uma taxa de

extravasão elevada. A vascularização linfática pré-existente fornece a “matéria-prima” para a

formação de novos vasos linfáticos. Estes, em conjunto com os vasos linfáticos pré-existentes,

poderão promover, por um lado, a diminuição da pressão intersticial, e por outro, a

disseminação maligna, nomeadamente a metastização ganglionar.

Na amostra de carcinomas uroteliais da bexiga estudada, em 89,2% dos tumores

observaram-se estruturas vasculares linfáticas. Na maior parte dos casos existiam vasos

linfáticos peritumorais e intratumorais, estando estes últimos colapsados em cerca de 58,7%

das neoplasias. Não se observaram imagens compatíveis com edema, o que denota a

funcionalidade da vasculatura linfática peritumoral e/ou intratumoral na drenagem de fluido

intersticial e, possivelmente, de células malignas. Por outro lado, comprovou-se a ocorrência

de linfangiogénese associada às neoplasias malignas da bexiga.

A identificação de factores linfangiogénicos e seus receptores, assim como a

caracterização de marcadores de endotélio linfático, são recentes. Assim, os mecanismos que

associam a linfangiogénese à progressão maligna e à metastização não são ainda claramente

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DISCUSSÃO 172

compreendidos. No que se refere ao estudo deste fenómeno no carcinoma da bexiga, os

trabalhos publicados são escassos e praticamente restritos à expressão de factores de

crescimento vascular linfático, nomeadamente o VEGF-C e o VEGF-D. O principal receptor

destes factores linfangiogénicos não foi ainda estudado.

Zu e colaboradores e Suzuki e colaboradores verificaram a associação entre a imuno-

-expressão de VEGF-C e o tamanho do tumor, o grau de invasão, a perda de diferenciação, a

ocorrência de permeação vascular sanguínea e linfática e o envolvimento ganglionar. Este

parâmetro foi identificado como factor de prognóstico independente na análise multivariada,

revelando-se útil na identificação de doentes que desenvolverão metástases ganglionares após

o tratamento primário (388, 389). Noutro estudo foi demonstrado que a expressão de VEGF-C se

correlaciona tanto com o aumento da densidade vascular linfática (DVL) como da densidade

vascular sanguínea (390). Este último aspecto está em concordância com o obtido no presente

trabalho e já referido anteriormente. Por outro lado, Mylona e colaboradores encontraram

apenas 22% de imunorreactividade positiva para o VEGF-C nos tumores da bexiga

observados, estando tal associado ao menor grau de invasão da parede da bexiga e a

prognósticos favoráveis. Estes autores sugeriram a possível associação da expressão de

VEGF-C a um fenótipo anti-apoptótico (391).

No estudo de Miyata e colaboradores, o aumento da DVL associado à perda de

diferenciação de neoplasias malignas da bexiga revelou-se um factor de prognóstico. No

entanto, a densidade vascular linfática apenas foi identificada como factor de prognóstico

independente quando em combinação com a densidade vascular sanguínea. A expressão

VEGF-D associou-se ao aumento da DVL (390).

Fernández e colaboradores, num estudo recente, confirmaram a ocorrência de

proliferação de vasos linfáticos em carcinomas uroteliais invasores da bexiga, quer nas

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DISCUSSÃO

173

regiões peritumorais, quer nas zonas intratumorais. O aumento da DVL no estroma tumoral

associou-se, no mesmo trabalho, à existência de metástases ganglionares em tumores restritos

à parede do órgão (473).

Noutros modelos de cancro, a expressão dos factores linfangiogénicos VEGF-C e/ou

VEGF-D (Tabela 1.3 de Ponto 1.4.5.4), bem como a densidade vascular linfática,

relacionaram-se com a ocorrência de linfangiogénese. Assim, este fenómeno parece ter um

papel significativo na progressão neoplásica (332, 336, 353-372, 474-479). Nakamura e

colaboradores, estudando a DVL em carcinomas gástricos, sugeriram a sua utilização como

parâmetro importante no nomograma de ocorrência de envolvimento ganglionar, mesmo em

casos de tumores superficiais precoces, o que poderá influenciar significativamente a opção

terapêutica a adoptar neste tipo de carcinomas (475).

No presente trabalho verificou-se associação estatisticamente significativa entre a

densidade vascular linfática e o grau de invasão da parede da bexiga, a perda de diferenciação,

a morfologia não papilar e a ocorrência de permeação vascular.

Miyata e colaboradores sugeriram que o estádio da doença não influencia directamente

a DVL nas neoplasias da bexiga (390). De modo divergente, o presente estudo demonstra a

ocorrência de linfangiogénese associada ao aumento da agressividade dos tumores vesicais

definida pelo grau de invasão da parede do órgão; o mesmo foi também verificado por outros

autores (473, 476).

A sobre-expressão do factor linfangiogénico VEGF-C associou-se significativamente

ao maior grau de invasão da parede da bexiga e à perda de diferenciação, assim como ao

incremento da densidade vascular linfática. Tal foi também observado por Miyata e

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DISCUSSÃO 174

colaboradores (390).

Como já foi referido anteriormente, no presente trabalho demonstrou-se o papel do

VEGF-C como mediador da angiogénese, adicionalmente ao seu potencial linfangiogénico.

Uma vez que o processamento proteolítico altera a sua afinidade de ligação aos receptores

presentes nas superfícies vasculares (190, 315), pode especular-se que a forma de VEGF-C

expressa nos carcinomas da bexiga é a forma processada de 21 kDa, que activa, com alta

afinidade, não só o receptor associado aos vasos linfáticos (VEGFR-3), mas também o

receptor presente nos vasos sanguíneos (VEGFR-2) (190, 315).

A imuno-expressão de VEGFR-3 foi avaliada na amostra de carcinomas uroteliais da

bexiga. Ocorreu sobre-expressão desta molécula nas células malignas de todas as neoplasias

estudadas, sendo igualmente expressa por células endoteliais linfáticas e sanguíneas. Porém,

as células do estroma não expressaram este receptor. Nos tumores da bexiga não se verificou

especificidade endotelial linfática deste marcador, o que tinha já sido observado por outros

autores (410). O padrão monótono de expressão do VEGFR-3 na série estudada não permite

outras conclusões.

Noutros modelos de cancro, a imuno-expressão de VEGFR-3 e a co-expressão com o

ligando VEGF-C associaram-se a taxas de proliferação tumoral e de metastização ganglionar

aumentadas, assim como à diminuição da sobrevivência livre de doença e da sobrevivência

global (477, 478).

Em relação ao significado prognóstico da linfangiogénese na série estudada, a

sobrevivência livre de doença e a sobrevivência global (5 anos) revelaram-se menores no

grupo de doentes com maior densidade vascular linfática, embora as diferenças encontradas

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DISCUSSÃO

175

não tenham sido significativas. O mesmo se verificou quando foi considerada a sobre-

expressão de VEGF-C. Tais resultados estão em concordância com os obtidos em outros

estudos (390, 473).

A associação entre permeação vascular linfática (PVL) e diminuição significativa da

sobrevivência livre de doença e da sobrevivência global de doentes com tumores da bexiga foi

observada em alguns estudos, embora a PVL não tenha sido identificada como factor de

prognóstico independente (392, 393). No entanto, a permeação vascular (PV) (que inclui ambas

as formas de permeação, sanguínea e linfática), foi identificada como factor de prognóstico

independente por vários autores (394, 395). Lotan e colaboradores verificaram que, nos casos

em que havia envolvimento ganglionar, 72% apresentavam ocorrência de PV; este fenómeno

apenas se verificou em 26% das neoplasias sem envolvimento ganglionar (395). Em

carcinomas da mama (483), rim (484) e tiróide (485) foi demonstrada a associação significativa

entre a ocorrência de PV e a presença de metástases ganglionares.

Nesta série, da mesma forma que no estudo da permeação vascular sanguínea, a

permeação vascular linfática foi avaliada segundo três métodos de diagnóstico equivalentes

aos já descritos (PVL-EHC, PVL-EME1, PVL-EME2). Assim, dos 83 casos analisados,

verificou-se a existência de imagens de PVL em 18 (21,7%), em 31 (37,3%) ou em 16

(19,3%) dos casos, quando o diagnóstico foi realizado pelos métodos PVL-EHC, PVL-EME1,

ou PVL-EME2, respectivamente. As frequências absolutas da ocorrência de PVL são

semelhantes às obtidas para a ocorrência de PVS; a relação entre a PVL e o aumento da

agressividade tumoral definida pelo grau de invasão da parede da bexiga foi também

verificada (88,9% dos tumores T3-T4 apresentavam imagens de PVL diagnosticadas pelo

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DISCUSSÃO 176

método PVL-EHC; este fenómeno não foi verificado em nenhum dos tumores superficiais).

A ocorrência de permeação vascular linfática verificou-se predominantemente nos

casos com maior DVL. Este fenómeno ocorreu nas regiões peritumorais e intratumorais. No

interior do tumor, a PVL associou-se significativamente com a manutenção da permeabilidade

do lúmen vascular. A sobre-expressão de VEGF-C verificou-se principalmente nos casos em

que se observaram imagens de PVL. A ocorrência de PVL determinou taxas de sobrevivência

global, aos 5 anos, significativamente mais baixas. O método de diagnóstico mais informativo

para todas as correlações caracterizadas foi o PVL-EME1. Outros autores, utilizando

diferentes modelos de cancro, demonstraram igualmente a utilidade deste método de

diagnóstico (486, 487).

Um número aumentado de vasos linfáticos, promovido pela sobre-expressão de

VEGF-C, incrementa a possibilidade de intravasão de células malignas e/ou de êmbolos

tumorais, tal como no caso da permeação de vasos sanguíneos. Uma vez que a DVL e a

expressão de VEGF-C estão relacionadas com o crescimento tumoral, com o incremento da

pressão intersticial e com o aumento da agressividade tumoral, a ocorrência de PVL é,

provavelmente, um fenómeno tardio.

Ao contrário do que acontece no fluxo sanguíneo, as células malignas isoladas

poderão ter maior probabilidade de sobrevivência na circulação linfática. A membrana basal

dos capilares linfáticos é incompleta; a existência de válvulas abertas para o interior facilita a

intravasão do fluído intersticial, cuja corrente arrasta consigo células malignas isoladas e/ou

êmbolos tumorais. Além disso, a velocidade de fluxo da linfa é baixa, e a sua composição,

semelhante à do fluído intersticial, fornece um meio de cultura ideal para a manutenção da

viabilidade celular (Ponto 1.3.4).

No presente estudo, a ocorrência de PVL verificou-se tanto na região peritumoral

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DISCUSSÃO

177

como na região intratumoral. Em todos os casos onde foram observados vasos linfáticos

peritumorais, estes apresentavam lúmens patentes e permeáveis. No estudo de Miyata e

colaboradores, foram detectados vasos peritumorais íntegros em 100,0% dos casos avaliados;

os vasos intratumorais, detectados em apenas 16,0% dos tumores, estavam maioritariamente

colapsados. Neste trabalho, os vasos linfáticos intratumorais, existentes em 46 (62,2%) dos 83

tumores malignos, estavam íntegros em 41,3% dos casos em que existiam. De notar que, no

interior do tumor, a ocorrência de PVL associou-se significativamente com a manutenção da

permeabilidade do lúmen vascular. Além disso, não se observaram imagens compatíveis com

edema em nenhum dos tumores avaliados, tanto no estroma circundante como entre as células

malignas. Estes resultados demonstram, assim, a existência de vasos linfáticos intratumorais

funcionais que, quando permeados por células malignas, contribuem para o sucesso da sua

disseminação. Vários autores encontraram resultados semelhantes aos obtidos neste estudo, ao

comprovarem a existência de vasos intratumorais íntegros, e demonstrarem o seu papel na

disseminação maligna (Ponto 1.4.5.2). Tal revela o provável papel de determinantes órgão-

específicas que condicionam a formação e funcionalidade de vasos linfáticos intratumorais.

O estudo da linfangiogénese na amostra de 83 carcinomas uroteliais da bexiga ilustra a

associação entre este fenómeno e o risco de disseminação da neoplasia maligna por via

vascular linfática. Como tal, a ocorrência de linfangiogénese é indicativa da necessidade de

controlo local da doença através de linfadenectomia. Por outro lado, utilizando os actores

presentes no processo de linfangiogénese como alvos terapêuticos, poderá ser igualmente

possível o controlo da disseminação por via linfática.

Os resultados obtidos na presente amostra apenas permitem responder à primeira e à

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DISCUSSÃO 178

quarta questões propostas por Pepper (204). Assim, verificou-se que na série de carcinomas

uroteliais da bexiga ocorrem fenómenos de neovascularização linfática, evidenciados

principalmente pela existência de vasos linfáticos intratumorais com lúmens patentes e

permeáveis. Foi possível constatar o incremento da densidade vascular linfática na amostra

estudada em função de um maior grau de agressividade tumoral. Tal promoveu a

disseminação maligna determinada, a um primeiro nível, pela permeação vascular linfática.

Uma vez que um maior número de vasos se associou com a ocorrência de PVL, pode

concluir-se que, de facto, a linfangiogénese e a dilatação dos vasos linfáticos formados de

novo aumentam a probabilidade de disseminação tumoral. Fernández e colaboradores

verificaram que o aumento da densidade vascular linfática em tumores invasores da bexiga se

associa com a ocorrência de metastização ganglionar (473).

Uma vez clarificado o significado da linfangiogénese e de permeação vascular

linfática em termos de prognóstico, poder-se-ão desenhar estratégias terapêuticas de bloqueio

da disseminação e da formação de metástases baseadas na inibição da linfangiogénese.

Idealmente, a execução prática de tais estratégias deverá controlar a formação de vasos

linfáticos tumorais, a permeação vascular linfática e, finalmente, a metastização ganglionar.

O envolvimento do sistema VEGF-C/D – VEGFR-3 na promoção da linfangiogénese

fundamenta a maioria dos estudos actuais de terapêutica anti-linfangiogénica (Ponto 1.4.5.4).

A estratégia mais aplicada em modelos animais e linhas celulares de cancro tem sido a

utilização de versões solúveis de VEGFR-3 que inibem a activação de VEGFR-3 endógeno,

impedindo a interacção com os ligandos (383). A estratégia ideal seria aquela em que fosse

inibido, para além do VEGFR-3, também o VEGFR-2, pois assim estariam incluídas as

principais vias associadas à linfangiogénese e à angiogénese. Neste sentido, tratamentos com

Sorafenib (BAY 43-9006) (385), Vatalanib (PTK787/ZQ 222584) (386) e Vandetanib (ZD6474)

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DISCUSSÃO

179

(387) têm revelado resultados promissores em vários modelos de cancro. Apenas o Sorafenib

está em fase de ensaio clínico para o tratamento de doentes com carcinoma da bexiga, como já

foi referido (454).

O conhecimento global acerca do fenómeno de linfangiogénese é ainda muito

limitado, principalmente no que se refere aos mecanismos subjacentes à sua promoção. É

essencial clarificar este processo. Além disso, para compreender o seu significado na biologia

tumoral será útil explorar o papel de factores linfangiogénicos adicionais aos mais comuns

(Ponto 1.4.3.2), uma vez que a linfangiogénese, tal como a angiogénese, é um fenómeno

multifactorial. Por outro lado, será também interessante procurar esclarecer mecanismos

complementares de inibição da linfangiogénese. Neste sentido, a rapamicina, inibidor

específico do mTOR (mammalian target of rapamycin) largamente utilizado como

imunossupressor, demonstrou potencial anti-linfangiogénico em alguns estudos (488, 489).

O mTOR pertence à família das fosfatidilinositol cinases, e possui actividade de

serina-treonina cinase. A rapamicina é um macrólido bacteriano com propriedades

antifúngicas, imunossupressoras e anti-tumorais. Este composto liga-se, com alta afinidade, a

uma proteína citoplasmática de 12 kDa, FKBP12. O complexo formado inibe o mTOR, o que

impede a fosforilação e consequente activação de proteínas que participam na regulação do

ciclo celular (490-493).

Um estudo realizado por Stephan e colaboradores, utilizando linhas celulares de

cancro do pâncreas, demonstrou o papel anti-angiogénico da rapamicina; este foi

incrementado quando a droga foi utilizada em combinação com um anticorpo anti-VEGF

(494). Noutro estudo utilizando ratinhos, a inibição do mTOR pela rapamicina impediu a

linfangiogénese regenerativa, o que resultou em edema e atraso na cicatrização. Por este

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DISCUSSÃO 180

motivo, os autores sugerem que a utilização de rapamicina seguida a um dano tecidular deve

ser evitada. Por outro lado, utilizando células endoteliais linfáticas VEGF-C-dependentes

cultivadas in vitro, foi demonstrada a inibição da sua proliferação e migração pela rapamicina

(489). Num trabalho utilizando linhas celulares de cancro do pâncreas, verificou-se inibição da

imuno-expressão de VEGF e, principalmente, de VEGF-C pela rapamicina. Nos ratinhos, o

número e a área dos vasos linfáticos associados aos tumores pancreáticos foi

significativamente diminuído pela administração da mesma droga; ocorreu também supressão

da metastização ganglionar (488).

Os estudos referidos indiciam que a rapamicina ou drogas semelhantes poderão ter um

papel importante na luta contra o cancro, dado o seu papel anti-linfangiogénico.