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Paulo Victorino 1889-1930 - PRIMEIRA REPÚBLICA A REPÚBLICA ARMADA (DE DEODORO A WASHINGTON LUÍS) 005 - Assim nascia a República Antecedentes - A Abolição da Escravatura - A Questão Religiosa - A Questão Militar - A Proclamação da República. 013 - Primeiros tempos - Deodoro e Floriano 1889-1994 - Governo Provisório - Assembleia Constituinte - A eleição do primeiro Presidente da República - Deodoro, o marechal impulsivo - O fechamento do Congresso - Floriano, o "Marechal de Ferro" - A Revolta da Armada, na baía da Guanabara - A Revolução Federalista no Rio Grande do Sul - A Consolidação da República.

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Paulo Victorino

1889-1930 - PRIMEIRA REPÚBLICA

A REPÚBLICA ARMADA

(DE DEODORO A WASHINGTON LUÍS)

005 - Assim nascia a República

Antecedentes - A Abolição da Escravatura - A Questão Religiosa - A

Questão Militar - A Proclamação da República.

013 - Primeiros tempos -

Deodoro e Floriano

1889-1994 - Governo Provisório - Assembleia Constituinte - A

eleição do primeiro Presidente da República - Deodoro, o marechal

impulsivo - O fechamento do Congresso - Floriano, o "Marechal de

Ferro" - A Revolta da Armada, na baía da Guanabara - A Revolução

Federalista no Rio Grande do Sul - A Consolidação da República.

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030 - A Pacificação -

Prudente de Morais

1894-1898 - E deixaram Prudente sozinho - Pacificação interna: a

anistia geral - Pacificação externa: reatando com Portugal; os

ingleses e a ilha de Trindade; enfim, solução para Missões; o território

do Amapá - Ainda a pacificação interna: Vitorino e o Florianismo - A

Guerra de Canudos - O atentado - A pacificação do Exército - De

volta ao interior paulista.

047 - A recuperação financeira –

Campos Sales

1898-1892 - A hora de pagar a conta - O desafio do orçamento -

Implicações políticas da crise - Os anos de vacas magras - O

coronelismo - A Comissão Verificadora - Fim de Governo.

057 - Saneamento e desenvolvimento -

Rodrigues Alves

1902-1906 - O poder sem fim do Presidente - Candidatos em penca

- O consenso e a eleição - Rio, uma cidade doente - Osvaldo Cruz -

A febre amarela - A peste bubônica - A varíola - A "Guerra da Vacina"

- Urbanização do Rio de Janeiro - O barão do Rio Branco - A questão

do Acre - Fim de governo.

075 - Um mandato e dois Presidentes -

Afonso Pena e Nilo Peçanha

1906-1910 - Fim da "Política dos Governadores" - Postulantes à

Presidência - O "Jardim da Infância" e o "Bloco do Morro da Graça" -

O governo de Afonso Pena - Rondon, o "Marechal da Paz" -

Imigração e progresso - Rui Barbosa, a "Águia de Haia" - A morte de

Afonso Pena - O governo de Nilo Peçanha.

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089 - A Política de Salvação Nacional -

Hermes da Fonseca

1910-1914 - Civilismo versus militarismo - O movimento civilista - E

Hermes ganhou a eleição - Durante a festa, um canhonaço - A

"Revolta da Chibata" - A vitória aparente - A repressão severa - A

"Política de Salvação Nacional": no Estado do Rio de Janeiro; no

Estado de Pernambuco; no Estado da Bahia; no Estado do Ceará; no

Estado de Alagoas; outras salvações - O governo Hermes da

Fonseca.

109 - O caminho para a paz -

Venceslau Brás

1914-1918 - Em busca de um sucessor (Pinheiro Machado) - A

segunda vertente (olgarquias São Paulo/Minas) - Os vícios da

República (intervenções) - O caso do Estado do Rio - A crise em nível

federal - O epílogo, com Nilo Peçanha - O Brasil e a 1ª Guerra

Mundial - A Ronda da Morte (gripe espanhola) - A Guerra do

Contestado - Fim de governo.

127 - As estruturas do poder -

Delfim Moreira e Epitácio Pessoa

1918-1922 - Eleitos Rodrigues Alves e Delfim Moreira - Fim da

bonança - Morre Rodrigues Alves (e depois Delfim) - A nova

campanha presidencial - Aí vem o Presidente! - O Ministério - Obras

do Governo - A sucessão - As cartas de Artur Bernardes - A questão

de Pernambuco - O motim - As revoltas de 5 de julho: na Vila Militar;

na Escola Militar; no Forte de Copacabana - O mito dos 18 do Forte

- Independêmcia e Morte.

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145 - A Revolução dos "Tenentes" -

Artur Bernardes

1922-1926 - A campanha eleitoral - Nilo Peçanha e a sucessão

fluminense - Borges de Medeiros e a sucessão gaúcha - A revolução

gaúcha de 1923 - Reina a paz nos pampas - Militares de 1922 são

julgados - A revolução de 1924 em São Paulo - Os azares do levante

- A retirada dos civis - Sublevação no Sul - O encontro das duas

frentes - Surge a Coluna Prestes - A longa marcha pelo Brasil - Notas

à margem - Um governo sem obras.

165 - O canto do cisne -

Washington Luís

1926-1930 - Consertando as finanças públicas - Café em crise - O

navio segue seu curso - Churrasco com leite - Surge a Aliança Liberal

- Um comício na Esplanada - A "Tomada da Bastilha" - Nas eleições,

o de sempre - Revolução em marcha.

181 - O fim da Primeira República

(República Velha)

1930 - O problema de quorum na Câmara Federal - Assassinato do

deputado Souza Filho - O episódio que mudou a História - A

República de Princesa (Paraíba) - Enfrentando João Dantas -

Confronto com o Governo Federal- O assassinato de João Pessoa -

A marcha da Revolução - Imprevistos enfraquecem o comando - O

levante no Rio Grande do Sul - O Cavalo de Troia - Relógios fora de

sincronia - Do sul, a marcha para o Rio de Janeiro - Do nordeste, a

marcha para o sudeste - O beijo contido por trinta anos - A Batalha

de Itararé - Minas Gerais na Revolução - Epílogo.

203 - O naufrágio do "Titanic"

(Um presidente é deposto)

1930 - A Junta Militar - A interferência do Cardeal - O "Titanic"

começa a afundar - O fim da Primeira República.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO UM

ASSIM NASCIA A REPÚBLICA

"A República nasceu militar, militarista e militarizada. Os

Abolicionistas (já vitoriosos) e os Propagandistas da República

(que se julgavam vitoriosos) foram ultrapassados pelos dois

marechais que vieram 'irreconciliáveis' da estranha Guerra do

Paraguai."

(Helio Fernandes – Tribuna da Imprensa - 23/08/2008)

A história da independência das colônias americanas começa bem distante da

América, do outro lado do Atlântico, no coração da velha Europa. Pouco mais de

dez anos haviam se passado desde o início da Revolução Francesa, e uma

sucessão atropelada de acontecimentos levou a França de volta à monarquia

com Napoleão Bonaparte, cuja ambição não tinha limites que não pudessem ser

ultrapassados.

Pois foi invasão das tropas napoleônicas à Península Ibérica, em 1807, que

criou um reboliço nas colônias latino-americanas, gerando, primeiro,

desorientação total; depois, uma reação natural de fidelidade à coroa espanhola,

com a formação de governos provisórios e, por fim, o despertamento da

consciência de que, subjugada a Espanha por Napoleão, surgia uma

oportunidade única para que os vice-reinos assumissem seus destinos,

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declarando a própria independência. De como o processo se efetivou, das lutas

fraticidas e da divisão dos vice-reinos em uma porção de pequenas repúblicas,

isso é assunto para uma História das Américas, que não cabe neste trabalho.

Basta registrar que a inexistência de um rei a quem servir e a repulsa ao império

invasor criaram condições para que praticamente toda a América Latina se

tornasse republicana, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, que já tinham

feito sua opção em 1776.

Não foi o caso do Brasil, que as circunstâncias encaminharam para um

processo histórico totalmente diferente. Com Portugal invadido, a família real e

a nobreza se instalaram em sua antiga colônia, que passou a ser a sede de

reinado, oficializada com a criação do Reino Unido Portugal-Brasil-Algarves.

Esse elemento distinto alterou a nossa história, pois evitou fracionamento do país

em vários pequenos territórios e, a par disso, garantiu a permanência do regime

monárquico após a Independência, contrariando a opção do restante das três

Américas. Garantiu, ainda, uma relativa estabilidade, que permitiu a D. Pedro 2º,

primeiro monarca nascido no Brasil, ficar no poder por meio século, sem maior

contestação, seja ao regime, seja à pessoa do Imperador.

Todavia, o fim da Guerra do Paraguai levou o país a fazer uma reavaliação de

seus próprios destinos. A guerra, ainda que inevitável, trouxe um custo elevado

em vidas humanas, um preço pago com o sangue dos próprios soldados

brasileiros, recrutados, sabe Deus em que circunstâncias, e utilizados como

peças de guerra, sem maiores preocupações com a preservação das vidas. E,

enquanto, lá fora, os soldados da pátria morriam na defesa das liberdades, aqui

dentro permanecia a escravidão a serviço de uma oligarquia alheia aos

problemas do povo, controlando o poder de forma absoluta pelo voto seletivo e

restrito aos cidadãos de boa renda.

Outro fator a interferir na vida nacional era a inconveniente união entre a

Igreja e o Estado. De um lado, o clero recebia seus proventos dos cofres

públicos; de outro, o Imperador tinha a prerrogativa de nomear bispos e interferir

em assuntos administrativos da Igreja, a contragosto dos religiosos.

Por fim, outra realidade passa a ser questionada, e esta na esfera militar.

Cessada a guerra e, não tendo mais com que se preocupar quanto à segurança

nacional, os militares foram remanejados para serviços menores e fora de suas

atribuições, como a perseguição e caça de escravos foragidos. Contando com

uma forte representação no Congresso, acharam eles que já era momento de

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ter uma participação política mais ativa, o que originou a criação do Clube Militar

e a disposição manifesta de tornar públicas as suas opiniões, embora isto fosse

vedado taxativamente pelo regulamento.

Assim, dentro da rediscussão dos problemas brasileiros, provocada pelo

reavivamento nacional, surgiram questões importantes, que puseram por terra

toda a estrutura, aparentemente sólida, de nosso Império.

A Abolição da Escravatura

Durante seu longo reinado, D. Pedro 2º, em harmonia com os gabinetes do

parlamento, vinha tratando acabar, gradualmente, com o trabalho escravo,

eliminando primeiro os navios negreiros, depois tornando livres as crianças

nascidas de mãe escrava, por fim dando alforria aos escravos maiores de

sessenta anos.

Havia ainda a abolição feita em separado por algumas regiões e cidades

brasileiras. Em março de 1884 foi extinta a escravidão no Ceará e, em julho do

mesmo ano, o Amazonas lhe segue o exemplo. No Rio de Janeiro, em São Paulo

e em outros Estados, a campanha abolicionista vinha ganhando força cada vez

maior, e a voz de Castro Alves, nos anos sessenta, repercute, agora com nomes

como o de José do Patrocínio, que não usa só o seu dom da palavra e do

convencimento, como ainda presta ajuda na fuga de escravos e na proteção dos

fugitivos.

A assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel, representa uma arriscada

manobra política, mas a única possível, na tentativa de salvar o trono. Todavia,

se de um lado o ato aproxima o trono a uma larga parcela da opinião pública, de

outro, enfurece as classes rurais dominantes, que dependem da mão-de-obra

escrava para sustentação da lavoura. Agora, são estes que se rebelam e vão

engrossar as fileiras dos republicanos, com seu apoio pessoal e financeiro,

deslocando ainda mais o centro de equilíbrio do poder.

A Questão Religiosa

Sabe-se bem da grande influência política da maçonaria na vida brasileira,

atuando primeiro no processo de independência, depois, nas revoluções que

eclodiram durante a fase inicial do Império e, finalmente, registrando participação

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ativa no Congresso e em outros setores da vida pública. Como não poderia

deixar de acontecer, sua ação estende-se também sobre a vida religiosa,

alterando o tradicional dia-a-dia dos conventos.

Os padres defendiam ideias francamente liberais e muitos deles acabam se

identificando com os maçons, aderindo a eles, primeiro discretamente, depois,

de forma escancarada, e contando, senão com o consentimento, pelo menos

com a tolerância de seus superiores.

A paz termina quando, numa homenagem prestada pelas lojas maçônicas do

Rio de Janeiro ao seu grão-mestre, Visconde do Rio Branco, se registra um

incidente de maior monta. O padre Almeida Martins, que também é maçom, se

apresenta na cerimônia em seus trajes de sacerdote e faz um discurso de

saudação, representando a loja do Grande Oriente do Lavradio, recebendo, por

isso, uma punição do bispo diocesano, D. Pedro Maria de Lacerda. Reincidente

em sua atuação, é, então, suspenso das ordens sacras.

Começa aqui uma guerra surda em que os maçons passam a hostilizar a Igreja,

enquanto esta, por seus bispos, age duro contra os religiosos renitentes na

prática da maçonaria.

Ocorre, então, um incidente mais grave. O bispo de Olinda, D. Vital Maria

Gonçalves de Oliveira, jovem de vinte e poucos anos, resolveu aplicar, na área

sob sua jurisdição, as recomendações da Encíclica de 1864, do papa Pio IX,

proibindo o clero de participar de cerimônias patrocinadas por maçons. O bispo

chama particularmente cada um dos sacerdotes envolvidos e ordena-lhes que

se dediquem tão somente à vida religiosa, afastando-se de atividades estranhas

aos conventos.

Encontrando oposição, D. Vital acabou por suspender as irmandades

recalcitrantes, impedindo-as de receber novos membros, de participar de ofícios

religiosos e até de vestir os seus hábitos. Algumas dessas irmandades recorrem

ao Governo e D. Vital, por sua parte, recorre ao Papa que lhe dá poderes para

agir com rigor contra os rebelados.

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Está formado o imbroglio, provocado pela espúria união entre o Estado e a

Igreja. O acordo entre o Governo e o Vaticano determinava que todas as bulas

papais, para serem cumpridas no país, deveriam primeiro receber o execute-se

do Governo brasileiro, o que não acontecera com a Encíclica cujas

recomendações o bispo insistia em aplicar. A crise agrava-se mais ainda quando

o bispo do Pará, D. Antônio Macedo Costa, faz um protesto formal contra a

maçonaria e se solidariza com D. Vital.

Foi a conta. O Governo apresenta ação criminal contra os dois religiosos,

perante o Supremo Tribunal de Justiça, por desrespeito aos poderes do Império.

Presos, os dois bispos são levados ao Rio de Janeiro, julgados e condenados a

dois anos de prisão com trabalhos forçados, sendo instaurados processos

também contra outros padres que lhes deram apoio.

Isto ocorreu em 1º de julho de 1873 e só ao final da pena é que os dois bispos

foram anistiados, por decreto do Gabinete presidido pelo Duque de Caxias. Mas

o desastre já acontecera e seus efeitos são irremediáveis.

A Questão Militar

Dentre todos os problemas que o Governo vinha enfrentando, por certo, o mais

grave de todos, e o mais decisivo para o fim do Império, foi a questão militar. Sob

acusação de terem feito manifestações políticas, foram punidos os coronéis

Sena Madureira e Cunha Matos, provocando descontentamentos no Exército e

resultando num violento discurso do Visconde de Pelotas, que era um militar

exercendo, naquele momento, um mandato de senador, o qual tomou a defesa

dos militares punidos. O ministro que aplicou as punições, general Franco de Sá,

que também era senador, reassumiu sua cadeira no Senado e replicou às

acusações no mesmo tom, reafirmando sua posição de manter os militares

afastados de manifestações políticas.

Um dos coronéis punidos, Sena Madureira, se achava em Porto Alegre, sob o

comando do marechal Deodoro da Fonseca. Sentindo-se ofendido com o

discurso do ex-ministro, Sena foi aos jornais e publicou uma nota violenta contra

o General Franco de Sá, com o que envolvia indiretamente o seu comandante,

marechal Deodoro, que foi interpelado a respeito.

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Agravava-se a crise. Deodoro enviou um ofício, por via marítima,

manifestando sua opinião de que "não há questão disciplinar, porque o

regulamento veda discussão entre o subordinado e seu superior. O senador

Franco de Sá atuava como parlamentar e não como militar, não sendo, naquele

momento, um superior se dirigindo ao coronel, mas sim um senador a emitir sua

opinião". Esse oficio cruzou com outro que veio do Rio de Janeiro, também por

via marítima, aplicando punição a Sena Madureira por "referências

inconvenientes a um membro do Parlamento e por ter criticado atos de um ex-

Ministro da Guerra".

Deodoro recusou-se a aplicar a punição. Sena Madureira, longe de se

acomodar, voltou à imprensa com nova manifestação. No Rio, o ex-ministro e

senador exigiu explicações do Chefe do Conselho, Barão de Cotegipe. E, de

Porto Alegre, Deodoro comunicava ao governo que havia autorizado outros

oficiais a fazerem manifestações de solidariedade ao colega punido.

No Rio de Janeiro, o jornal "O País", de Quintino Bocaiúva, publicava um

manifesto de solidariedade a Deodoro, assinado por 150 oficiais e cadetes. E

Benjamim Constant, que também era militar, conseguiu um manifesto, assinado

por Deodoro e pelos oficiais sob seu comando, na defesa dos direitos de classe.

Na tentativa de debelar a crise, o governo manda vir ao Rio de Janeiro o

marechal Deodoro e o coronel Sena Madureira, mas o tiro sai pela culatra, pois,

ao chegarem na capital federal, em 26 de janeiro de 1887, os dois foram

recebidos com entusiásticas manifestações de oficiais e cadetes.

Provocações de um lado e de outro, queda de Ministro, apelos a D. Pedro

para que interviesse na questão, tudo foi experimentado, sem efeito, até surgir a

figura conciliadora de Rui Barbosa, que reunido com os militares na casa de

Deodoro, redigiu um manifesto pacificador, assinado primeiro por Deodoro e pelo

Visconde de Pelotas, em seguida pelos demais.

Depois, em 18 de maio de 1887, o visconde de Pelotas fez um discurso no

Senado, na presença do Barão de Cotegipe, pedindo a todos os envolvidos que,

em nome da nação, a questão fosse encarada e resolvida de modo honroso e

digno. Mas o mal já estava feito e não havia mais como restabelecer a confiança

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recíproca entre governo e militares. Aquele representava a ordem, estes

detinham a força. O desfecho havia de ocorrer, apenas não se sabia quando.

A Proclamação da República

O movimento de sedição, que levou ao golpe de Estado, derrubando o Império

e proclamando a República não foi um acidente. Estava bem planejado e tinha

até uma data para acontecer: 17 de novembro de 1889. A operação foi bem

planejada e envolvia mesmo táticas de guerra, como a da contra-informação, isto

é, a divulgação de boatos para criar um clima propício à ação. Falhou apenas na

cronologia, pois Quintino Bocaiúva e o major Solon Ribeiro provocaram sua

antecipação de dois dias.

Deodoro adoeceu, e recolheu-se à sua casa. Coube, então ao major Sólon

espalhar a falsa notícia de que Deodoro estava preso, juntamente com Bocaiuva,

e que, por ordem do ministro Visconde de Ouro Preto, vários batalhões seriam

removidos da capital para pontos distantes do país. Esse alarme falso provocou

a rebelião imediata de dois batalhões da Cavalaria, aquartelados em São

Cristóvão, aos quais se juntou, logo em seguida, todo o Regimento de Cavalaria

e, pouco depois, várias outras unidades militares.

Isso aconteceu no dia 14 de novembro de 1889. Logo na manhã do dia

seguinte, foram buscar Deodoro em sua casa, o qual, apesar de doente, assumiu

prontamente o comando das Forças Armadas. O ministro Ouro Preto avisou o

Imperador sobre o movimento e, em seguida, tentou juntar forças para a

resistência, reunindo, no pátio do Quartel General, no Campo de Santana, todo

o destacamento policial ao seu alcance, e mais a Brigada de Infantaria, sob o

comando do general Almeida Barreto, ficando a cargo de Floriano Peixoto (até

então aparentemente legalista) comandar ambas as forças para o contra-

ataque.

Faltou disposição, tanto aos comandados, quanto ao comandante, para que

esse contra-ataque se realizasse. As tropas rebeldes invadiram o edifício do

Ministério da Guerra, entre vivas e aclamações dos soldados que deveriam

defendê-lo. Ali mesmo, após um diálogo "ligeiro e ríspido", o Marechal Deodoro

determinou a prisão do Visconde de Ouro Preto, dirigindo- se depois ao Arsenal

da Marinha, para confirmar o apoio da Armada, consumando-se, assim, o golpe.

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Não houve participação popular. O povo olhava, indiferente, as tropas que

circulavam pela rua do Ouvidor e outras vias da cidade. Ainda na tarde do dia 15

de novembro de 1889, José do Patrocínio conseguiu reunir um pequeno

agrupamento popular que, de tão pequeno, coube dentro da Câmara Municipal.

À noite, o mesmo Patrocínio foi à casa de Deodoro para levar um manifesto com

as poucas assinaturas que conseguiu obter. E é só o que registra a história,

quanto ao envolvimento popular no ato de Proclamação da República.

O Presidente do último gabinete parlamentar, Visconde de Ouro Preto, foi

deportado para a Europa. O major Sólon Ribeiro, já referido acima, entregou ao

Imperador uma mensagem do Governo Provisório, que o obrigava a deixar o

Brasil, o que aconteceu na madrugada do dia 17. Toda a família imperial foi

transportada para a corveta "Parnaíba", de onde ocorreu o transbordo para o

vapor Alagoas.

Segue, para o exílio, o Imperador, e com ele, meio século de história do Brasil

imperial. Estava proclamada a República e voltavam as esperanças de se

construir uma nova nação, dentro dos ideais de liberdade, igualdade e

fraternidade.

Post scriptum

A República, fruto de um golpe militar, padeceu de um mal crônico que a

acompanhou em toda sua história: a falta de sustentação popular que lhe daria

legitimidade, o que propiciou a constante ingerência da caserna em assuntos de

natureza política, imiscuindo-se na ação dos governos, velada ou

ostensivamente, e criando condições de instabilidade permanente a governos

eleitos por voto popular.

Esse status, se prolongou até o ano de 1964, quando outro golpe colocou os

militares no poder, onde ficaram por 21 anos. Mas esse longo período de

ditadura, se trouxe um pesado ônus à Nação, deu-lhe também um bônus. Em

1985, afastando-se do poder, os militares, afinal, se recolheram aos quartéis

para cumprir suas funções previstas na Constituição, deixando, de uma vez por

todas, de tutelar a nação, a qual reconquistou, afinal, a plena soberania, sem

mais o temor de golpes ou ameaças de golpes que punham em risco a

estabilidade institucional.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO DOIS

PRIMEIROS TEMPOS DA REPÚBLICA

DEODORO DA FONSECA E FLORIANO PEIXOTO - 1889-1894

Há muitas semelhanças entre o comportamento de Deodoro, nosso

primeiro Presidente, e D. Pedro I, nosso primeiro Imperador. Os

dois eram liberais, mas apolíticos, tinham uma formação voltada

para o militarismo, eram temperamentais e impulsivos, defendiam

suas ideias até o uso extremo da força, mas um e outro revelavam

ingenuidade total no que se refere ao jogo político.

No mesmo dia 15 de novembro de 1889, após a Proclamação da República, é

editado o Decreto nº1 do Governo Provisório, traçando as diretrizes básicas do

regime que se iniciava.

Fica instituída a República dos Estados Unidos do Brasil, adotando como

forma de governo a República Federativa, isto é, o poder passa a ser

compartilhado com as vinte unidades provinciais, ao contrário da Monarquia,

onde o sistema era unitário e centralizador. O Rio de Janeiro, que era designado

"Município Neutro da Corte" passa a ser "Distrito Federal". As províncias, agora,

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chamam-se "Estados". Deodoro é o chefe do Governo Provisório, enquanto se

estabelece a nova ordem para a convocação de eleições constituintes.

Já pela manhã do dia 15, logo após o golpe, o tenente Vinhais apodera-se do

telégrafo, enviando mensagem a todos os Presidentes de Província, na qual

anuncia a implantação do novo regime e a deposição do ministério monárquico,

"pelas forças de terra e mar".

Ao contrário do que ocorrera por ocasião da Independência, desta vez não

há qualquer reação à mudança, registrando-se até uma certa apatia, como se

estivesse administrando um fato esperado há algum tempo, e agora apenas

consumado. Somente a Bahia esboça um sinal de reação, para voltar logo à

normalidade, ao saber que o Imperador cedera à imposição das circunstâncias,

e que a tomada do poder deu-se sem derramamento de sangue.

Diante da transição pacífica de regime, cuida-se de tomar as providências

para sua consolidação. Deodoro organiza o primeiro ministério, formado com os

civis e militares mais envolvidos no processo de mudança:

Justiça, Campos Sales; Guerra, Benjamin Constant; Marinha,

contra-almirante Eduardo Wandenkolk; Relações Exteriores,

Quintino Bocaiúva; Interior, Aristides da Silveira Lobo; Fazenda,

Rui Barbosa; Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Demétrio

Ribeiro.

Este último foi nomeado por indicação dos positivistas e Deodoro sequer o

conhecia [o positivismo é sistema filosófico materialista, que se apoia

exclusivamente nos fatos e experiências práticas, repelindo por inteiro os

princípios de fé. É partidário de um governo forte e centralizado].

No dia 17, após a partida de D. Pedro II, os positivistas, por sugestão de

Benjamim Constant, vão ao Palácio, em passeata, para prestar solidariedade ao

novo governo, levando à frente uma faixa com os dizeres "Ordem e Progresso",

frase criada por essa corrente filosófica, e incorporada, em seguida, à nova

Bandeira Nacional, criada por decreto de 19 de novembro. Com dois

representantes no pequeno Ministério, esperavam eles direcionar o governo e a

constituição na trilha de suas ideias. Se não o conseguiram de todo, pelo menos

deixaram presença marcada por toda a República Velha e na outra subsequente,

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perdendo, porém, gradativamente, o fascínio que despertavam ao final do

império.

Dentre as primeiras medidas do Governo Provisório, destacam-se a

separação entre a Igreja e o Estado, a secularização dos cemitérios, e a

instituição do registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos, o que, até

então, era validado pela Igreja.

Ficou acertado também, que, no primeiro aniversário da República, se

instalaria a Assembleia Constituinte, segundo convocação a ser feita

oportunamente.

A Assembleia Constituinte

As providências para a instalação da Constituinte já iam adiantadas. Em 3 de

dezembro de 1889, dezoito dias após a Independência, o governo nomeava uma

comissão, presidida por Saldanha Marinho e composta de cinco juristas, com a

missão de elaborar um anteprojeto a ser encaminhado aos constituintes, em seu

tempo oportuno, para análise e aprovação. Essa comissão apresentou, não um,

mas três anteprojetos, redigidos respectivamente por Américo Brasiliense,

Rangel Pestana e Magalhães Castro.

Esses três trabalhos são, agora, entregues a um outro jurista, Rui Barbosa,

que, com sua proverbial habilidade, reuniu as ideias em um único texto,

unificando conceitos, aprimorando a forma e, além do que lhe fora pedido,

alterando até o conteúdo dos textos iniciais, ao acrescentar na consolidação

vários dispositivos que não estavam nos anteprojetos originais.

Se, em teoria, tudo estava correndo dentro do concertado com os

republicanos, na prática, a coisa era diferente. Como dissemos, no ministério,

havia dois positivistas, Benjamin Constant e Demétrio Ribeiro, ambos

defensores de um governo forte e centralizado e, sobretudo este último, tudo

fazia para que fosse protelada a convocação da Assembleia.

Dentro do Exército, também, surgia uma corrente, sustentada por destacados

militares, que defendia a manutenção de todo o poder com o Governo Provisório.

O próprio marechal Deodoro relutava em fazer a convocação, irritando os

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republicanos mais exaltados, os quais se manifestavam pela imprensa,

reclamando o prosseguimento da democratização do regime e lembrando que a

indefinição do governo já vinha causando desconfianças em países amigos, que

retardavam em reconhecer o novo regime, trazendo dificuldades para o comércio

exterior.

Prevaleceu o bom senso e, em 22 de junho de 1890, finalmente, realizou-se

a convocação da Constituinte para a data já estabelecida, com eleições a se

realizarem dois meses antes. Com efeito, as eleições se realizaram em 15 de

setembro de 1890, porém, em ambiente tumultuado e com sérias acusações

quanto à lisura do pleito, já que nomes totalmente desconhecidos conseguiram

um número expressivo de votos, incompatível com sua pouca ou nenhuma

projeção junto ao eleitorado.

Mas, pelo menos, houve eleições, e grandes inteligências nacionais

conseguiram se sobressair, impondo sua força de liderança e neutralizando a

vulgaridade dos demais. Com exceção de Benjamim Constant, que não se

candidatou, os demais ministros (Campos Sales, almirante Wandenkolk,

Quintino Bocaiúva, Silveira Lobo, Rui Barbosa e Demétrio Ribeiro) foram todos

eleitos.

O anteprojeto, com a nova redação proposta por Rui Barbosa, foi, então,

encaminhado à Assembleia Constituinte que, como previsto, se instalou no dia

15 de novembro de 1890.

A nova Constituição

Em um ano e dois meses, o projeto final estava pronto, discutido, emendado e

votado. A Constituição, em sua redação final, foi promulgada pelo Congresso em

24 de fevereiro de 1891, entrando imediatamente em vigor. No dia seguinte, seria

eleito o presidente da República, nesta primeira vez, excepcionalmente, por via

indireta, com o voto dos parlamentares. Somente a partir do segundo Presidente

é que as eleições passariam a ser por voto direto.

A nossa Carta Magna, embora incorporando as várias medidas já tomadas

pelo Governo Provisório, era inspirada na Constituição norte-americana,

estabelecendo no país um regime republicano, com governo presidencialista e

sistema federativo. (O contrário disto seria regime monárquico, com governo

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parlamentarista e sistema unitário). Na prática, os governos que se seguiram

adotaram apenas um presidencialismo forte e centralizado, dificultando ao

máximo a aplicação do princípio federativo, já que os Estados sempre foram

dependentes, política e financeiramente, do governo central.

O fiel da balança pendeu, agora, para as oligarquias rurais, principalmente de

São Paulo e Minas Gerais, gerando a política que ficou sendo conhecida como

de "café com leite", com o poder se alternando entre esses dois Estados até o

fim da República Velha, em 1930.

Porém, em relação à Constituição de 1824, a nova Carta representou

considerável avanço. As eleições para a Câmara, Senado e Presidência da

República passaram a ser diretas e universais. Na Carta anterior somente os

deputados eram eleitos e, assim mesmo, por voto censitário, isto é, segundo a

renda de cada um.

Os senadores deixaram de ser vitalícios. O voto era livre (não obrigatório) e

universal (cada eleitor, um voto, sem contar a renda de cada um) mas somente

para homens, maiores de 21 anos, e com uma série de outras restrições, pois

estavam proibidos de votar, além das mulheres, também os analfabetos, os

militares e os religiosos. Com todas essas limitações, e não sendo obrigatório o

voto, o número de eleitores era muito pequeno, representando muito pouco o

universo populacional, em torno de 40 milhões de almas.

As mulheres ganharam direito a voto na Constituição de 1834, os militares e

os religiosos, na de 1945 (com idade reduzida para 18 anos) e os analfabetos,

na de 1988 (com idade reduzida para 16 anos). Nos cem anos de República

ampliou-se, pois, passo a passo, o contingente eleitoral, tornando-o mais

expressivo com relação ao conjunto da população.

A eleição do primeiro

presidente da República

Enquanto se discutia a nova Constituição, eram feitas articulações para a

eleição presidencial. Como se recorda, Deodoro era chefe do Governo Provisório

e urgia eleger o presidente da República para um mandato regular, previsto para

quatro anos. Na oposição, lançaram-se as candidaturas de Prudente de Morais

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e do marechal Floriano Peixoto, respectivamente para presidente e vice; pelo

governo, aparecia o nome do próprio marechal Deodoro para presidente, tendo

como companheiro de chapa o almirante Eduardo Wandenkolk.

Deodoro permaneceu candidato sem se afastar do governo, o que o mantinha

como chefe supremo das Forças Armadas e, literalmente, com maior poder de

fogo. O ambiente era pesado e a discussão transcorreu por todo o período

constituinte, em clima tenso e no meio da boataria. Ninguém em sã consciência

acreditava que, perdendo as eleições, Deodoro consentisse entregar o poder

aos seus opositores. E o rumo tomado pelos acontecimentos mostrava a

realidade da situação, como conta o historiador Hélio Silva:

"Corria entre os Congressistas rumores de que as tropas sairiam dos

quartéis, no caso de o marechal Deodoro não ser eleito. Alarmados com

o que se dizia, Floriano, Campos Sales, José Simeão e outros, resolveram

se reunir na casa deste último para planejar as providências que deveriam

tomar no caso de vitória de Prudente [oposição]. Proclamado o presidente

da República, o Congresso deveria dar-lhe posse imediatamente, no

próprio edifício onde funcionava. O Ministério, também, já deveria estar

organizado. Passariam a aguardar os acontecimentos em sessão

permanente, enquanto se trataria de angariar reforços. O almirante

Custódio de Melo [também da oposição] já tinha armado um esquema

para reagir. Eleito Prudente, o militar iria a toda pressa para o cais novo,

embarcaria num escaler à sua disposição a caminho do cruzador Primeiro

de Março. Seu plano era levantar as forças de mar".

Percebe-se o ambiente em que transcorreram as eleições. Acordos de

bastidores, porém, garantiriam a eleição do marechal Deodoro para Presidente,

enquanto que os governistas se propuseram em eleger para vice o candidato da

oposição, marechal Floriano Peixoto. Foram, em consequência, sacrificadas as

candidaturas de Prudente (oposição) e Wandenkolk (governo), numa dobradinha

que procurava misturar óleo e água, na esperança de obter uma substância

homogênea.

"Votaram 234 representantes. Prudente passa a presidência [do

Congresso] a Antônio Euzébio Gonçalves de Almeida para fazer a

apuração. O marechal Manuel Deodoro da Fonseca é eleito por 129 votos,

contra 97 dados a Prudente de Morais. Depois, é feita a eleição para vice-

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Presidente. O marechal Floriano Peixoto, candidato da oposição, é eleito

por 153 votos, contra 57 dados ao almirante Eduardo Wandenkolk."

Com o "jeitinho brasileiro", estava vencida a primeira crise. Outras mais

estavam por vir.

Quem era Deodoro

Manuel Deodoro da Fonseca, agora Presidente da República dos Estados

Unidos do Brasil, nasceu em Alagoas em 1927, participou da repressão a

revoltas contra o Império e esteve presente nas guerras do Prata e do Paraguai,

chegando ao posto de marechal em 1884, após o que foi nomeado comandante-

de-armas no Rio Grande do Sul, onde se envolveu nos acontecimentos que, à

sua revelia, colocaram-no na liderança do movimento que pôs fim ao império.

Há muitas semelhanças entre o comportamento de Deodoro, nosso primeiro

Presidente, e D. Pedro I, nosso primeiro Imperador. Os dois eram liberais, mas

apolíticos, tinham uma formação voltada para o militarismo, eram

temperamentais e impulsivos, defendiam suas ideias até o uso extremo da força,

mas um e outro revelavam ingenuidade total no que se refere ao jogo político. D.

Pedro prosperou enquanto tinha ao seu lado o hábil José Bonifácio, que lhe

moldava as ideias e sugeria os caminhos a percorrer, mas deu-se mal quando

os irmãos Andrada passaram para a oposição.

Já o velho marechal (Deodoro assumira o governo com 62 anos) não tinha

quem exercesse uma influência maior dentro do governo e lhe dirigisse as ações

no trânsito pela complicada teia da vida pública, em que é preciso administrar,

ao mesmo tempo, várias correntes antagônicas.

Foi assim que, logo no início do Governo Provisório, comprou o plano

mirabolante de seu Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, que consistiu na emissão

desenfreada de moeda sem lastro, originando a especulação, gerando inflação

e piorando a situação financeira do país, que já se tornara ruim no final do

Império. Como agravante, consentiu com a exigência de Rui para que o plano

fosse posto em prática sem discussão prévia com o restante do ministério, com

o que assumiu individualmente as consequências pelo seu fracasso. Como

quebra, criando um clima de animosidade entre Rui e seus auxiliares diretos,

acrescentou ao governo mais dificuldades do que podia administrar.

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No mais, sua inexperiência política era proverbial. Ao receber, mais tarde, o

anteprojeto da Constituição, consolidado pelo próprio Rui, reclamou da

inexistência, nele, de um Poder Moderador, dando ao Executivo a prerrogativa

de dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Achava que era impossível

governar, se não tivesse controle pessoal sobre o parlamento.

Por fim, eleito Presidente de fato (não mais provisório), transferiu para o barão

de Lucena a incumbência de organizar um novo Ministério, como se ainda

estivéssemos no regime parlamentarista, com separação entre Chefe de Estado

e Chefe de Governo..

Tal como aconteceu com D. Pedro I, essa inexperiência, aliada à

impulsividade, colocou-o, por fim, em confronto aberto com seus opositores, até

criar uma situação irreversível, fechando todos os caminhos para o diálogo e

ficando sem alternativas para enfrentar uma crise por ele mesmo criada.

O fechamento do Congresso

e a renúncia

O acordo emergencial feito por ocasião das eleições presidenciais desgostou

profundamente a oposição e estabeleceu as raízes da instabilidade política, pois,

junto com Deodoro, também foi eleito o marechal Floriano Peixoto que, além de

oposicionista, era inimigo pessoal de Deodoro. Inicia-se logo uma conspiração

para a derrubada do governo, com a participação pouco velada do próprio vice-

Presidente, enquanto que, no Congresso, uma oposição persistente

praticamente obstruía a ação presidencial.

Por outro lado, decretos governamentais polêmicos causavam péssima

repercussão junto ao Congresso e à opinião pública. Um deles, foi a concessão

do porto de Torres a uma empresa privada, com empréstimos em condições

especiais e outras facilidades. Mais concessões se fizeram da mesma maneira,

uma delas envolvendo a Companhia Geral de Estradas de Ferro.

A reforma do Banco do Brasil deu margem a favorecimentos que acabariam

envolvendo nomes importantes da vida nacional, entre empresários e políticos

influentes. Não havia, entretanto, má fé do Presidente, que acreditava piamente

estar colaborando para acelerar o desenvolvimento nacional.

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No meio de tantos amigos, Deodoro nem precisava de inimigos, se bem que

os tinha, e muitos, principalmente dentro do Congresso Nacional, onde a

situação se tornou insustentável.

Impossibilitado de governar, tomou uma medida de extrema gravidade, cujas

consequências nem de longe podia imaginar: por decretos presidenciais, fechou

o Congresso Nacional, estabeleceu Estado de Sítio e mandou que forças

militares cercassem os edifícios da Câmara e do Senado.

Embora a maioria dos parlamentares aceitasse a situação de fato, retirando-

se para seus Estados de origem, um grupo de deputados, de pequeno número,

mas de grande força, intensificou o movimento conspiratório e conseguiu

levantar a Marinha, sob o comando do almirante Custódio José de Melo,

colocando em cheque o governo.

Este, inicialmente, pensou em resistir, mas depois desistiu, temendo que o

choque de tropas militares viesse levar o país a uma guerra civil, de

consequências imprevisíveis, porém, certamente, desastrosas..

Doente, cansado e desiludido, Deodoro manda chamar Floriano, a quem

entrega o governo, assinando o ato de renúncia, em 23 de novembro de 1891,

com uma frase que deixou para a História: "Assino o decreto de alforria do último

escravo do Brasil.." Morre nove meses depois e, conforme seu desejo expresso,

é enterrado em trajes civis, dispensadas as honras militares.

Os que conheceram Deodoro, sempre elogiaram sua integridade. O grande

mal de nosso primeiro Presidente foi que, durante toda vida, preparou-se para a

guerra, mas estava despreparado para a paz. Sua formação era de caserna e o

ambiente político exige um jogo contínuo de simulações, de avanços e recuos,

que não condiziam, nem com seu temperamento, nem com sua personalidade,

dotado que era de uma espinha dorsal inflexível.

Quem era Floriano

Floriano Vieira Peixoto, que assume a presidência da República após a

renúncia de Deodoro, nasceu em Vila de Ipioca, Alagoas, em 1839. Filho de uma

família pobre e numerosa (tinha outros nove irmãos), seus pais o entregaram

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aos cuidados de um tio, senhor de engenho no litoral alagoano. Patrocinado pelo

tio, estuda no Rio de Janeiro e, terminado o colégio, assenta praça num quartel

de Infantaria para, em seguida, matricular-se no Colégio Militar. Teve

participação ativa na Guerra do Paraguai, atuando nas batalhas de Tuiuti, Itororó,

Lomas Valentinas e outras.

Paralelamente à vida militar, sempre manifestou especial interesse pela

política, sendo filiado ao Partido Liberal, que fazia oposição ao governo imperial.

Em seu Estado natal, tornou-se proprietário de dois engenhos, o que lhe deu

contato com a vida rural, a pobreza e a injustiça social, rotinas bem conhecidas

do povo nordestino. Mesmo sendo senhor de engenho, tinha uma posição

francamente abolicionista.

Em 1884, foi nomeado presidente da Província de Mato Grosso, onde ficou

por um ano. Chegou ao topo de sua carreira militar em 1888, ao ser promovido

a marechal de campo. No último gabinete do Império, foi nomeado ajudante

geral do Exército. Nessa condição, em 15 de novembro de 1889, coube a ele

comandar as tropas que, dentro do Campo de Santana, deviam preservar o

Quartel General do Exército contra a investida dos soldados do marechal

Deodoro, protegendo a autoridade do Chefe de Governo ali asilado. Recusou-

se, porém, a ordenar o contra-ataque, permitindo que Deodoro invadisse o

quartel, com a subsequente prisão do ministro Visconde de Ouro Preto, chefe do

Conselho de Ministros do Império.

Essa traição jamais for perdoada pelos seus inimigos que lhe apontam,

também, outras fraquezas de caráter, como relaciona Iberê de Matos:

"a traição a Ouro Preto [mencionada acima]; a aversão que lhe tinham

Deodoro e Benjamin Constant, que não podiam ser gratuitas; a atitude

dúbia ou traiçoeira no episódio da eleição [à vice-Presidência]; o apego

ambicioso a um poder que não lhe pertencia; a impiedosa repressão, com

requintes de maldade, culminando com as tentativas de assassinato, pelo

desterro para regiões inabitáveis, de homens como José do Patrocínio, e

os massacres no Paraná e Santa Catarina; seu desprezo pela dignidade

de homens como Gaspar da Silveira Martins, Custódio de Mello, Saldanha

da Gama, Wandenkolk, José do Patrocínio, Olavo Bilac e tantos outros

que foram vítimas de processos infamantes e perversos..."

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Outro autor, José Maria Bello, faz sua análise da personalidade de Floriano:

"Não se distinguia Floriano por nenhum dom exterior de fascínio ou de

domínio. Descuidado de si mesmo, máscara medíocre, de traços

inexpressivos e adoentados. Falta-lhe, por exemplo, o porte marcial, o

élan, o olhar lampejante de Deodoro. Não lhe vibra a voz arrastada de

caboclo do Norte; não se lhe impacientam jamais os gestos e as atitudes.

Pela perfeita impassibilidade, como por outras virtudes e defeitos,

lembra Benito Juarez [presidente mexicano do Sec. XIX], vindo da mesma

origem ameríndia. Não tem brilho a sua inteligência que é, especialmente,

a intuição divinatória dos homens. Escassa a sua cultura, quase reduzida

aos vulgares conhecimentos técnicos da profissão. Não revela

curiosidades intelectuais, dúvidas, aflições de vida interior. Desdenha o

dinheiro. Deixam-no completamente indiferente as comodidades

materiais da vida.

Despreza a humanidade e, por isso mesmo, nivela facilmente todos os

valores que o cercam. Confundindo-se de bom grado nas multidões

humildes das ruas, conserva-se, entretanto, impenetrável a qualquer

intimidade. A família, de pequeno estilo burguês, esgota-lhe, porventura,

a capacidade afetiva.

Como os de sua raça cabocla, é um irredutível desconfiado. Não se

expande nunca. Simples e acessível embora, é incapaz de intempestivas

familiaridades, de grossas e alegres pilhérias, tão fáceis, sempre, em

Deodoro. No fundo, um triste. A sua ironia, tão frisante no vasto anedotário

que corre por sua conta, tem sempre alguma coisa do gélido e do cruel

dos temperamentos ressentidos e amargos."

É este homem, cujo perfil o aproxima mais a uma máquina do que a um ser

humano, que chega, agora, ao governo e se propõe a consolidar a República

com sua mão de ferro.

A questão constitucional

Começa bem o governo. Logo ao assumir, em 23 de novembro de 1891,

Floriano procura restabelecer a ordem constitucional quebrada por Deodoro.

Convoca para o dia 18 de dezembro o Congresso fechado por seu antecessor e

acaba com o Estado de Sítio, restabelecendo todas as garantias constitucionais,

mas, por outro lado, intervém no sistema federalista, depondo, em nome da

ordem, quase todos os governadores de Estado que apoiaram Deodoro quando

este decretou a dissolução do Congresso.

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Criou, porém, outra crise institucional. O artigo 42 da nova Constituição

determinava que, "se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou

vice-Presidência não houverem ainda decorridos dois anos do período

presidencial, proceder-se-á a nova eleição". Floriano recusou-se a fazê-lo,

alegando que a Constituição se referia a eleição presidencial pelo voto direto,

sendo que Deodoro e ele foram eleitos em condições excepcionais, por voto

indireto do parlamento.

Com efeito, por um cochilo de redação, as Disposições Transitórias

estabeleciam que a primeira eleição seria indireta e que "O Presidente e o vice-

Presidente eleitos na forma deste artigo [por via indireta] ocuparão a Presidência

e a vice-Presidência da República por quatro anos". Ora, Deodoro renunciou e

Floriano não, permanecendo válido seu mandato.

Eis o ardil utilizado. Sendo "vice" por todo o período de quatro anos, cabia a

ele, Floriano, substituir o Presidente enquanto durasse sua ausência, ou seja,

até o final do mandato.

Verificaram-se intensos e polêmicos debates, tanto na imprensa como no

Congresso, ficando este com a responsabilidade de resolver a questão. Numa

solução essencialmente política, o Congresso se manifestou favoravelmente à

permanência de Floriano na presidência até o final do período. Essa solução foi

defendida como saída pacífica para a crise, dado que, num clima de

efervescência política, qualquer outra conclusão poderia trazer consequências

funestas para a incipiente democracia brasileira.

Para cumprir a Constituição, durante todo o mandato, Floriano se considerava

"vice-Presidente, em substituição ao Presidente ausente". É o velho jeitinho

brasileiro para legitimar o ilegítimo e consolidar como definitivo o que deveria ser

transitório. No Brasil, quase sempre dá certo...

Revolta da Armada (1892)

No dia 6 de abril de 1892, é lançado um manifesto, assinado por treze generais

e almirantes, exigindo que Floriano convoque novas eleições, nos termos da

Constituição. Entre os signatários, está o contra-almirante, Eduardo

Wandenkolk, que nas eleições indiretas teve de engolir a derrota, em favor do

acordo de bastidores que entregou a vice-Presidência ao marechal Floriano.

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Paralelamente, ocorrem manifestações populares nas ruas do Rio de Janeiro,

enquanto a imprensa incendeia os ânimos, alimentando a polêmica em torno de

tão controvertida matéria. Floriano, então, apela à força bruta, reprimindo com

energia os protestos de rua, decretando "Estado de Sítio" e colocando na

indisponibilidade os oficiais insubordinados, através de aposentadoria

compulsória que os retirou do comando, solucionando, momentaneamente a

crise.

Não contente com a vitória, manda castigar severamente os envolvidos,

deportando-os para as selvas inabitadas da Amazônia, e condenando-os a viver

como bichos do mato, distantes da civilização. Não foram poupados jornalistas,

homens de letras e até congressistas, que estavam protegidos com imunidades

parlamentares. Entre estes se encontrava José do Patrocínio, o homem que se

empenhou na libertação dos escravos e, depois, se entregou à causa

republicana.

No ano seguinte, porém, o contra-almirante Custódio de Mello, ministro da

Marinha, se desentende com o marechal e demite-se, sublevando grande parte

da Armada, estacionada na baía da Guanabara, e recebendo reforços com o

apoio do almirante Saldanha da Gama, em dezembro de 1893. Ambos tinham

pretensões diferentes, já que Saldanha continuava monarquista mas, neste

momento, a aliança convinha a um e outro. A seu lado, está também o almirante

Wandenkolk que, por razões pessoais, desejava ver o marechal fora do poder.

Felizmente para o marechal, a sublevação não atingiu o Exército, que

permaneceu fiel ao governo, o qual contava ainda com o apoio da nova classe

dominante na República, a oligarquia formada pelos ruralistas.

Como resposta imediata, Floriano ordenou à artilharia um contra-ataque que

atingiu pesadamente os rebelados. Não encontrando maior receptividade no Rio

de Janeiro e fracassando em sua tentativa de tomar a cidade, uma boa parte da

Armada se retirou para o sul do país com o fim de reforçar a Revolução

Federalista iniciada no Rio Grande no ano anterior. Desembarcou na cidade de

Desterro, Santa Catarina (hoje, Florianópolis) e procurou contato com os

revolucionários gaúchos que, entretanto, não viram com bons olhos esse apoio

inesperado e não solicitado. Enquanto isso, o Governo central consegue

restabelecer sua frota, enviando-a também para o sul e sufocando a Revolta da

Armada.

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Revolução Federalista

no Sul (1893)

A par com a eleição para a criação Assembleia Nacional Constituinte, elegia-

se, também os representantes que iriam cuidar de redigir, votar e promulgar, em

seu Estado, a Constituição Estadual. Assim se fez, também, no Rio Grande do

Sul e, em 14 de julho de 1891, exatamente na data do centenário da

promulgação da Carta Magna da França, era proclamada a Constituição gaúcha,

reproduzindo, quase na íntegra, o anteprojeto redigido por Júlio de Castilhos,

com o auxílio de Assis Brasil e Ramiro Barcelos, com teor fortemente

centralizador, concentrando grande parte dos poderes nas mãos do governador

do Estado.

Com efeito, a partir desta data, o Governador passava a ser eleito por cinco

anos, com direito a reeleição (mais tarde, Borges de Medeiros, usando deste

dispositivo, ficou no poder por 28 anos). Além disso, podia governar por decreto

e tinha a prerrogativa de nomear, ele próprio, o vice-Governador. Havia um

legislativo, mas sua ação se restringia à elaboração e aprovação do orçamento.

Prevaleciam, pois, no Rio Grande, as ideias dos positivistas, aliados de um

governo forte, centralizado e ditatorial. Assim, eleito governador, Júlio de

Castilhos, nos seus 31 anos de idade e amigo do então Presidente Deodoro da

Fonseca, passou a ser o mais jovem ditador no Brasil.

Acontece que, à semelhança de seus vizinhos uruguaios, o Rio Grande do Sul

possuía duas correntes políticas fortes e claramente definidas: de um lado os

blancos, republicanos, também conhecidos como chimangos; de outro, os

colorados, federalistas, também conhecidos como maragatos.

Júlio de Castilhos era um republicano e, com a Constituição que ele mesmo

preparou, garantiu-se perpetuamente no poder, afastando a chance de seus

opositores. Estava espalhada a semente da discórdia que levaria o Rio Grande

do Sul a dois anos e meio de uma guerra sangrenta e fratricida.

A revolta explode em 1893 e os combates se espalham por todo o Estado.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, sai Deodoro, entra Floriano. Este, pela lógica

deveria aliar-se aos federalistas, contudo achou-os perigosos ao novo regime,

por defenderem, ainda, ideais monarquistas. Assim, o novo Presidente optou por

apoiar os republicanos, liderados pelo governador Júlio de Castilhos, apesar de

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este ser amigo de Deodoro e haver, tempos atrás, assumido posição contra a

permanência de Floriano no poder. Política tem dessas coisas...

No início de 1894, os federalistas avançam sobre Santa Catarina, seguem até

a cidade de Desterro (Florianópolis) e vão se juntar aos revoltosos da Armada,

que vieram do Rio de Janeiro (ver tópico anterior), seguindo depois para o

Paraná, onde tomam a cidade de Curitiba. Não havia, porém, fôlego para

continuar. Uma revolução, naquela época, com grande limitação de recursos

técnicos, exigia quantidade apreciável de homens, por conseguinte, armamento

e munição para todos eles, o que faltava aos revoltosos. Com prudência, então,

recuaram, concentrando-se apenas no Rio Grande do Sul e mantendo sua

posição até a saída de Floriano e a posse do novo Presidente, Prudente de

Morais, que consegue um acordo honroso para ambas as partes.

O governo de Júlio de Castilhos saiu fortalecido com o apoio que recebeu de

Prudente de Morais, ao mesmo tempo em que o Congresso Nacional,

participando dessa obra de pacificação, votou a anistia total aos participantes do

movimento revolucionário. Estava superada a crise, mas não as divergências.

Os blancos e os colorados tinham ideais quase irreconciliáveis e marcavam suas

posições políticas até pela cor dos lenços que amarravam ao pescoço. Os mais

fanáticos, cuidavam também da cor das roupas usadas em casa e pelos

familiares. A propósito, comenta D. Alzira Vargas do Amaral Peixoto, em seu

livro "Getúlio Vargas, meu Pai":

"Comecei a observar em torno de mim e a fazer perguntas. Por que

havia desespero e ódio em tantas fisionomias? Por que não podia

cumprimentar certas pessoas? Por que janelas se fechavam

silenciosamente e outras se abriam ostensivamente? Por que não podia

usar vestidos de cor vermelha? Por que uma cidade pequena como São

Borja se dava ao luxo de possuir dois clubes sociais? Por que só

podíamos entrar em um e devíamos virar o rosto quando éramos

obrigados a passar em frente ao outro? Por que somente uma parte da

família de minha avó, do ramo Dornelles, tinha relações conosco? Por

quê?"

Essa situação perdurou até 1928, quando Getúlio Vargas (um blanco casado

com uma colorada) assumiu o governo do Rio Grande do Sul e iniciou um

processo de união entre as duas facções, mostrando que aquele Estado não

conseguiria sair de suas fronteiras para abraçar o resto do país, enquanto se

ocupasse inteiramente com lutas internas.

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Por fim, unidos os destinos, em 1930, Getúlio, um blanco, colocou em seu

pescoço um lenço vermelho e subiu com destino ao Rio de Janeiro para a

derrubada do Presidente Washington Luís e a tomada do poder, no qual

permaneceu 15 anos!

E consolidou-se a República

Os anos do governo Floriano foram difíceis para ele e, sem dúvida, muito mais

difíceis para seus opositores, perseguidos sem trégua e castigados na forma da

lei e muito além do que a lei permitia... Seu governo, longe de ser pacificador, foi

um agente multiplicador de ódios, de tal maneira que a posse de Prudente de

Morais, em 15 de novembro de 1894, trouxe a todos um alívio geral, mesmo com

o conhecimento de que os dois eram supostamente amigos e correligionários.

Floriano deixou uma terrível marca em sua passagem pela Presidência e os

historiadores lhe reservam, no inferno, um apartamento perpétuo, sem ar

condicionado. Todavia, teria sido, o marechal, tudo o que dele falam?

O processo histórico é extremamente lógico, não se guia por princípios de

ética. Herói é o vencedor, subversivo é quem perde. E Floriano ganhou a luta,

cumprindo seu objetivo, qual seja, o de consolidar a República Brasileira,

permitindo que os seus sucessores (à exceção do marechal Hermes) fossem

todos civis e, até o fim da República Velha, a sociedade teve sua participação no

governo, ainda que de forma limitada, representada pelas suas oligarquias. Mas

o poder político-militar se manteve afastado durante esse período de quarenta

anos. Ou se não afastado, pelo menos controlado em todas as tentativas para a

retomada do poder.

Grupos interessados na perpetuação do regime forte, representado pelo

marechal, até que tentaram mantê-lo no poder, gerando forte boataria, em meio

à qual se realizaram as eleições. E mesmo depois de empossado o novo

presidente da República, o primeiro eleito por voto direto, continuou havendo a

conspiração dos saudosistas, mais realistas que o rei, e que desejavam a volta

do florianismo. A tudo Floriano assistia com desprezo, como conta Hélio Silva:

"Quando, meses depois, um grupo de jovens oficiais da Escola Militar vai

visitá-lo em seu retiro, na Fazenda Paraíso, na antiga Estação da Divisa,

hoje município de Deodoro, Estado do Rio de Janeiro e lhe dirige um apelo

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como a única esperança da República, Floriano sorri, respondendo com

sua frase famosa e derradeira: Eu sou um inválido da Pátria... Não sairá

mais dali, até 29 de julho de 1895, quando termina sua vida."

O velho e bravo guerreiro não durou nove meses após sua última batalha,

mais violenta que todas as outras de que participara na Guerra do Paraguai. E

como naquela, conquistou a vitória, apesar da barbárie e das marcas de sangue

e violência que deixou em sua passagem. Ao menos para ele, a missão estava

cumprida. Descanse em paz.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO TRÊS

O CAMINHO DA PACIFICAÇÃO

PRUDENTE DE MORAIS - 1894-1898

No dia da posse, Prudente e o seu futuro Chefe de Polícia,

André Cavalcanti, esperaram, sem sucesso, pela condução

oficial, que não apareceu. Às pressas, alugaram uma

carruagem, a única disponível no largo do Machado, toda

velha e desconjuntada, e foi com isso que o novo Presidente

chegou ao Palácio dos Arcos, onde o Congresso estava

reunido para empossá-lo, na presença de representantes de

vários países amigos, mas com a ausência notada do

antecessor, Floriano. O representante da Inglaterra,

presente à solenidade, percebeu de imediato a situação

vexatória em que se encontrava o Presidente empossado e

ofereceu-lhe a própria carruagem, luxuosa, para fazer o

trajeto até a sede do Governo. Um piquete de alunos do

Colégio Militar, reunido às pressas, formou a escolta

presidencial, emocionando o novo Presidente.

Floriano Peixoto, o Presidente, que está terminando seu mandato, e

Prudente de Morais, o Presidente eleito e em vias de tomar posse, vieram do

mesmo partido e até caminharam juntos nos primeiros tempos da República.

Ambos haviam sido candidatos de oposição a Deodoro da Fonseca, nas eleições

indiretas que se seguiram à promulgação da Constituição de 1891.

Naquela época, todos se lembram, Prudente aceitou o sacrifício de ver

queimada sua candidatura ao mais alto cargo da nação, para que se tornasse

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possível uma composição, elegendo Deodoro (Presidente) e Floriano (vice).

Com todo esse passado de afinidades, o resultado das novas eleições

presidenciais, dando vitória a Prudente, deveria despertar o maior entusiasmo

nos gabinetes do Palácio Itamarati, onde se achava instalada a sede do governo

federal.

Entretanto, nada disso aconteceu. Não era do feitio de Floriano animar-se com

qualquer acontecimento, por importante que fosse e, no caso da indicação do

candidato governista, sua atitude foi de prevenção e desconfiança. Quando

sondado por Francisco Glicério a respeito do nome de Prudente, o marechal fez

sérias ponderações, alertando que uma vez no governo, Prudente se sentiria

fortalecido para perseguir até os seus próprios companheiros de partido. Ainda

assim, tranquilizou o chefe republicano, dando sua garantia pessoal de que o

eleito, quem quer que fosse, tomaria posse normalmente, em respeito à

Constituição.

As eleições, efetivamente, se realizaram em 1º de março de 1894 e, conforme

o previsto, ganhou o partido governista, com Prudente de Morais, paulista, e

Manuel Vitorino Pereira, baiano, respectivamente para Presidente e vice.

Embora assumindo o compromisso de garantir a posse, o que realmente fez,

Floriano não tomou qualquer iniciativa para facilitar a transição de governo, como

costuma acontecer, até mesmo quando o eleito seja um adversário político, que

não era o caso.

E deixaram Prudente sozinho

Nem o próprio eleito imaginava o caminho que teria de trilhar para assumir

o cargo e iniciar o seu governo. A desfeita, ou grosseria, que seria o termo mais

apropriado, começou em sua chegada ao Rio de Janeiro, por estrada de ferro,

num significativo dia de Finados. Nenhuma comitiva oficial para recebê-lo, nem

mesmo alguém que, isoladamente, se apresentasse em nome do governo.

Nada. Apenas um amigo pessoal, que o ajudou a sair com a bagagem e chegar

até o hotel.

Mais tarde, um pedido de desculpas. Floriano estava doente e não pôde dar-

lhe a atenção que merecia, mas o receberia em audiência quando quisesse.

Prudente apressou- se, pois, a enviar um telegrama ao Chefe da Nação

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solicitando a prometida audiência, tendo como resposta o silêncio total e

absoluto.

A posse se daria no dia 15 de novembro de 1894 e, desde a sua chegada ao

Rio, foram duas semanas de isolamento. No dia 15, Prudente e o seu futuro

Chefe de Polícia, André Cavalcanti, esperaram, sem sucesso, pela condução

oficial, que não apareceu. Às pressas, alugaram uma carruagem, a única

disponível no largo do Machado, toda velha e desconjuntada, e foi com isso que

o novo Presidente chegou ao Palácio dos Arcos, onde o Congresso estava

reunido para empossá-lo, na presença de representantes de vários países

amigos, mas com a ausência notada do antecessor. Não houve, pois, a

cerimônia tradicional de transmissão de faixa.

O representante da Inglaterra, presente à solenidade, percebeu de imediato

a situação vexatória em que se encontrava o Presidente empossado e ofereceu-

lhe a própria carruagem, luxuosa, para fazer o trajeto até a sede do Governo.

Um piquete de alunos do Colégio Militar, reunido às pressas, formou a escolta

presidencial, emocionando o novo Presidente.

Mas, no palácio, também, ninguém o esperava. As portas estavam abertas,

à disposição do primeiro que chegasse. Prudente, então, mandou chamar o

chefe-geral da Diretoria dos Negócios do Interior, funcionário de carreira, o qual,

no exercício de suas funções, ratificou os primeiros atos do Presidente, inclusive

a nomeação do novo Ministro do Interior, com o que o Governo ficou legalmente

constituído.

Contornando as dificuldades, mas já Presidente, Prudente organizou o seu

ministério, que ficou assim constituído:

Guerra, general Bernardo Vasques; Relações Exteriores, Carlos

Augusto de Carvalho; Justiça, Interior e Instrução Pública, Antônio

Gonçalves Ferreira; Viação e Obras Públicas, Antônio Olinto dos

Santos Pires; Fazenda, Francisco de Paula Rodrigues Alves,

conterrâneo e amigo fiel, que lhe foi útil, durante parte do governo,

até ser substituído por Bernardino de Campos; Marinha, contra-

almirante José Alves Barbosa.

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Quem era Prudente de Morais

Prudente José de Morais e Barros, era descendente de uma família de

ruralistas da cidade de Itu, onde nasceu em 1841. Embora pertencendo a uma

família influente, o que lhe permitiria queimar etapas em sua carreira política,

preferiu subir pelo próprio esforço, desde os primeiros degraus, elegendo-se à

Câmara Municipal, aos 24 anos, após concluir o curso na Faculdade de Direito

de São Paulo. Em 1868, elege-se deputado pela Província de São Paulo pelo

Partido Liberal (oposição ao Império).

Em 1873, com a fundação do Partido Republicano (ainda dentro do período

Imperial), adere a essa nova legenda, passando a ser um propagandista e

defensor do regime que viria a ser instalado em 1889. Assim, após a

Proclamação da República, Deodoro nomeia-o Presidente do Estado de São

Paulo.

Realizando-se as eleições para a Constituinte, elege-se senador e torna-se o

presidente do Senado. Perdeu as eleições indiretas à presidência da República,

em 1891, para eleger-se, finalmente, por via direta, em 1894.

Com a instalação de seu governo é que, de fato, começa a influência da

aristocracia rural, sobretudo de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, com

destaque para os dois primeiros Estados, numa alternância de poder que deu

origem à chamada política do "café com leite".

Observe-se que essa "dobradinha" se referia à maior influência dos dois

Estados na política nacional e não necessariamente à origem dos candidatos.

Deodoro e Floriano eram de Alagoas; Hermes da Fonseca, do Rio Grande do

Sul; Epitácio Pessoa, da Paraíba; Washington Luís, do Estado do Rio. Por São

Paulo, tivemos Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e Júlio

Prestes, sendo que este último não chegou a tomar posse. Por Minas, os

presidentes foram Afonso Pena, Venceslau Brás, Delfim Moreira e Artur

Bernardes.

A anistia geral

Instalado o governo, o problema que se afigurava mais urgente era o da

pacificação nacional. No Rio Grande do Sul, a luta entre as duas facções

políticas continuava ameaçando a unidade do país e até a sua soberania, pelo

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envolvimento indireto das potências vizinhas que, a qualquer pretexto, poderiam

intervir, com consequências imprevisíveis, mas fáceis de imaginar, vivas que

ainda estavam na memória as guerras cisplatinas e seu trágico desdobramento

com a Guerra do Paraguai.

No Rio de Janeiro, a situação não era menos grave. Floriano Peixoto morreu

alguns meses após o término de seu governo, mas o florianismo estava vivo e

atuante, incendiado por militares desejosos de um governo forte, no que eram

acompanhados pelos positivistas, partidários da centralização de todo o poder

nas mãos de um só homem.

Os dois agrupamentos somados não eram muitos no conjunto da população,

mas conseguiam fazer barulho, o suficiente para aparentar uma certa força,

criando instabilidade e dificultando a consolidação de um governo democrático,

com o respeito devido à Constituição e aos poderes instituídos por ela.

Havia, ainda os restauradores, com esperanças de restabelecer o Império,

extinto há pouco mais de cinco anos e, portanto, mantendo-se ainda como uma

ameaça em potencial.

Urgia, pois, controlar as paixões, criar um ambiente de transigência e uma

vontade nacional de buscar o entendimento, tarefa nada fácil, naquele turbilhão

de ideias, aspirações e ambições, acrescidas ao regionalismo cerrado, que

impedia, aos rebeldes, de enxergar um palmo além das próprias fronteiras para

contemplar a realidade de todo o conjunto do país.

Iniciando a missão a que se havia proposto, já em 1º de janeiro de 1895,

Prudente de Morais assina um decreto, indultando as praças do Exército e da

Guarda Nacional que aderiram à revolta contra o governo Floriano. Tratava-se

de um gesto de boa vontade para conseguir que os revolucionários, ainda em

armas no Sul, se dispusessem a negociar.

Diga-se, a bem da verdade, que estes outrora rebeldes também já estavam

cansados da guerra e esperavam por um fato novo que lhes desse uma saída

honrosa para a entrega das armas.

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Fim da Revolução Federalista

Para o Rio Grande do Sul, segue o general Francisco Moura, com instruções

expressas de se manter afastado de Porto Alegre, evitando influências do

governo estadual em seu trabalho, o que poderia comprometer a aproximação

dos dois lados em conflito. Este preposto não obedeceu as ordens, insistindo em

ficar na capital do Estado, e por isso foi substituído pelo general Inocêncio

Galvão de Queirós, nomeado comandante da Região Militar, que instalou seu

quartel general em Pelotas, ao sul do Estado e distante da capital, procurando

atrair para lá os representantes de ambos partidos, a fim de tratar com eles as

condições para a paz.

Já há algum tempo, o almirante Custódio de Melo, vencido na Revolta da

Armada e levado até a Argentina por um navio de bandeira portuguesa, havia

cruzado as fronteiras e se achava outra vez no Brasil, assumindo o comando da

Revolução Federalista, mesmo a contragosto de alguns de seus chefes.

Foi uma injeção de ânimo nos revoltosos, escondidos no Uruguai, os quais

voltaram, reorganizando as frentes de ataque, sem, entretanto, obter sucesso

nas suas investidas guerrilheiras.

Saldanha da Gama, com setecentos homens, entre guerrilheiros e desertores

da Marinha, atravessa o rio Quaraí e põe-se em confronto com as tropas do

general Hipólito Ribeiro, numa operação suicida, dado que as proporções em

homens e armamentos eram altamente favoráveis às tropas legalistas que

defendiam o governador Júlio de Castilhos.

O resultado não podia ser mais trágico. Em 1º de junho de 1895, o almirante

foi morto a lancetadas e teve seu corpo mutilado. Perdendo o comandante, seus

homens foram facilmente dispersados, sem condições de se reorganizar.

Da outra parte, o governador Júlio de Castilhos, que, ao início havia

manifestado seu desejo de chegar a um acordo, agora rompe com o general

Galvão de Queirós, ao tomar conhecimento dos termos em que o general

colocava o armistício e que o governador considerava desonrosos para seu

governo. Então, resolve o governador chamar para si a responsabilidade da

pacificação e permite o retorno dos exilados, entre eles o líder dos primeiros

momentos, Gaspar Silveira Martins.

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Meses depois, em 11 de outubro de 1895, após prolongado e polêmico

debate, com vários incidentes entre os parlamentares, o Congresso vota um

projeto do senador Campos Sales, concedendo anistia plena a todos os

envolvidos em movimentos revolucionários, o que coloca fim à guerra que, desde

há muito, vinha infelicitando o Sul do país.

Quanto ao Rio de Janeiro, capital federal e pulso do país, nele a agitação

prosseguia, ameaçando os alicerces do governo, vindo a contar, mas tarde, até

com a conivência do vice-presidente da República, Manuel Vitorino Pereira.

A questão com Portugal

Voltemos um pouco no tempo para relembrar o fim da Revolta da Armada,

ainda no governo de Floriano Peixoto. Como se recorda, a forte reação do

Exército, fiel ao governo federal, impediu o sucesso do movimento e uma parte

da esquadra revoltosa se dirigiu ao Sul a fim de unir-se ao movimento federalista,

ficando uns poucos navios na baía da Guanabara, sendo estes facilmente

dominados.

Na medida em que a tensão foi aumentando, alguns países mandaram

navios para a baía, sob o pretexto de proteger seus cidadãos residentes no país

mas, Inevitavelmente, passaram a ter um envolvimento claro e ameaçador no

conflito.

De um lado, se encontravam os Estados Unidos, que viam na República uma

possibilidade de maior aproximação com o Brasil, ampliando, pois, sua área de

influência nas Américas. Estes, por consequência, se colocavam favoráveis a

Floriano.

De outro, se colocava a Inglaterra, para a qual seria preferível o retorno da

monarquia, regime mais compatível com a Europa, facilitando a manutenção da

hegemonia britânica que, desde 1807, se fazia bem visível no Brasil. Suas

simpatias se voltavam, assim, para os revoltosos, que combatiam o governo

republicano.

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Por último, estava presente Portugal, com quatro séculos de história ligados

à nossa terra. Lembremo-nos, além do mais, de que o Brasil, por treze anos,

abrigou a sede do reino. Além do mais, em nosso país, por meio século governou

D. Pedro II, um descendente da família imperial, e aqui, como é natural, se

formou numerosa colônia lusitana.

Assim, mais do que na defesa de seus cidadãos, foi nesse sentimento de

irmandade que uma corveta portuguesa, ancorada na baía, abrigou o almirante

Saldanha da Gama e outros combatentes vencidos no choque com as tropas

legalistas.

Foi o bastante. Floriano, impassível, não conseguia ver no gesto, uma

colaboração para pôr fim ao conflito, achando mais que se tratava de uma

ingerência indevida de uma potência estrangeira nos negócios brasileiros. O

comandante do navio argumentou com o sagrado direito de asilo, reconhecido

por todos os países do mundo. Floriano retrucou, alegando que não se tratava

de asilados, mas de insubmissos que deveriam ser entregues às autoridades

brasileiras para julgamento e punição.

As precárias condições de higiene do navio não permitiam manter a bordo,

por muito tempo, essa população adicional e, para evitar o pior, o comandante

mandou levantar âncoras e seguir para o Sul, onde os asilados seriam

desembarcados em um país vizinho. Já Floriano achava que a intenção

portuguesa era colocar os revoltosos perto da outra área de conflito, permitindo

o engajamento deles à Revolução Federalista, o que realmente acabou

acontecendo.

Floriano não teve dúvidas em romper relações com Portugal. Este era mais

um assunto que Prudente de Morais, agora Presidente, tinha a resolver. Em

março de 1895, quatro meses após a posse do novo governo, foram reatadas as

relações com Portugal, ficando superado o incidente que, diga-se de passagem,

podia de todo ter sido evitado.

Política internacional

Outros problemas envolvendo disputas territoriais preocuparam, ainda, o

governo de Prudente, e foram resolvidos com a participação do Barão do Rio

Branco, habilidoso em tratar de assuntos internacionais. Entre eles se inclui a

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invasão da ilha da Trindade pelos ingleses, o caso do território de Missões e a

questão do Amapá.

As ilhas da Trindade foram descobertas em 1501 pelo navegante português

João da Nova e estiveram sempre incorporadas ao território brasileiro. Embora

de terreno inóspito e impróprio para qualquer atividade produtiva, sua posição

dentro do oceano Atlântico é estratégica e isso levou a Inglaterra a invadi-la,

assumindo posse no ano de 1895.

Sentindo- se ferido em sua soberania, o Brasil, representado pelo ministro

do Exterior, Carlos de Carvalho, formalizou um protesto junto ao governo inglês,

que não devolveu o território, nem aceitou qualquer proposta de arbitramento.

Entrou no assunto, então, o governo português que realizou gestões a favor do

Brasil, logrando bons resultados. Pelo Brasil, as tratativas foram levadas a efeito

pelo Barão do Rio Branco.

Quanto ao território das Missões, as disputas vinham já desde o início do

século XIX e os inúmeros tratados assinados entre o Brasil e o Uruguai

acabaram não sendo obedecidos, principalmente, porque as partes sempre

deixaram de levar em conta os interesses dos espanhóis e portugueses

residentes nas áreas de conflitos. Agora, o problema foi levado ao arbitramento

do presidente dos Estados Unidos, Stephen Grover Cleveland, que em definitivo,

considerou o território como sendo brasileiro.

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Restava ainda uma área de litígio que era o Amapá, ocupada por

brasileiros, mas reivindicada pela França como parte integrante da Guiana

Francesa. Os dois países recorreram, desta vez, ao arbitramento do presidente

da Suíça e a defesa brilhante do Barão do Rio Branco deu convencimento de

que as terras pertenciam ao Brasil, recebendo decisão favorável do presidente

suíço.

O problema era o

vice-Presidente

Em novembro de 1896, portanto, um ano depois da posse, Prudente de

Morais entrega o governo ao seu vice, enquanto convalescia de uma intervenção

que sofreu para a retirada de cálculos renais e que o deixou mais enfraquecido

do que seria natural para uma operação tão simples. O que se veio a saber mais

tarde era que sua resistência estava minada, já, com os primeiros efeitos de uma

tuberculose, doença fatal, naqueles tempos em que não se dispunha de recursos

técnicos, nem para o diagnóstico, nem para o tratamento.

Na forma constitucional, em 10 de novembro de 1896, assume Manoel Vitorino

Pereira que, mesmo no exercício interino da presidência, achou por bem

reformar o ministério e praticar atos administrativos mais consistentes, pois não

havia uma previsão clara do tempo em que o titular ficaria afastado.

Diplomaticamente, Bernardino de Campos, amigo de Prudente, obteve uma

solução intermediária, conseguindo do governante provisório uma lista de

candidatos possíveis, para ser submetida ao Presidente que, dentre os vários

nomes, indicaria aqueles que desejaria ver no ministério.

Vitorino era um opositor de Prudente, participando veladamente da agitação

promovida por florianistas, positivistas e restauradores e via no afastamento

temporário do Presidente a oportunidade para criar uma situação de fato que

levasse Prudente à renúncia, tal como havia acontecido com Deodoro no período

anterior. Contava, para isso, com o apoio de uma expressiva parcela dos

congressistas, com os quais se reuniu, apresentando um programa de governo,

e insistindo em que não seria possível ao país suportar uma paralisia mais

demorada naqueles graves momentos da vida nacional.

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Investido em sua missão, vai Bernardino à casa de Prudente. Não foi fácil o

trabalho de convencer o Presidente a aceitar a proposta para trocar o ministério.

O Presidente enfermo achava que o ato de seu substituto era uma traição que

não podia ser aceita. Retrucou Bernardino que a negociação de um novo

ministério era o melhor que se podia conseguir naquele momento e que a recusa

daria aos seus inimigos o pretexto que estavam procurando para aplicar um

golpe de estado. Disse mais que ele, Bernardino, fora convidado para ocupar a

pasta da Fazenda, o que lhe permitia acompanhar os acontecimentos e estar

atento a uma eventual conspiração. Só assim Prudente concordou em escolher,

entre os nomes listados, os que achava melhores para o novo ministério.

Cabe ponderar que, apesar de sua infidelidade, Vitorino não estava de todo

errado quando insistia que era preciso assumir o governo na sua totalidade.

Havia tarefas que exigiam inteira dedicação e total mobilidade e, entre elas,

estavam os graves acontecimentos que se desenvolviam na Bahia.

A guerra de Canudos

Foi numa época bem distante que, nos sertões do nordeste brasileiro, onde

o rio São Francisco separa os Estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia, surgiu

Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido simplesmente como Antônio

Conselheiro, nascido em 1828 na pequena cidade de Quixeramobim, Ceará.

Com mais de sessenta anos, meio louco, como registra a história oficial,

encontra na extrema miséria da região, aliada a uma profunda ignorância do

roceiro quanto às coisas mais rudimentares da vida, um campo propício para sua

pregação política e religiosa. Suas ideias eram um emaranhado quase

incompreensível, misturando um catolicismo caboclo com a profecia da

restauração do trono e a volta de D. Pedro II, que, a essa altura, já havia até

falecido.

Era mais uma manifestação cabocla do sebastianismo que, séculos atrás, já

tinha levado o próprio padre Vieira aos tribunais da Inquisição e que a tradição

fez criar raízes profundas e perenes de norte a sul do Brasil, impressionando os

homens mais simples, que nunca ouviram falar no rei D.Sebastião, mas que,

respeitosos e atemorizados, esperavam o evento de acontecimentos fantásticos

que revolucionariam suas próprias vidas.

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É nesse caldo de cultura que se desenvolvem as ideias de Antônio

Conselheiro o qual, reunindo uma pequena multidão de ignorantes e desvalidos

da sorte, convenceu-os a acompanha-lo na busca de um paraíso terrestre. Foi

assim que, após longa peregrinação, fundaram a comunidade de Canudos ao

nordeste da Bahia.

Uma análise superficial da situação já permitiria ao governador da Bahia,

Luís Viana, perceber que esse punhado de fanáticos não se constituía em

ameaça ao regime. Seu problema era a fome, a miséria, a pouca ou nenhuma

instrução, a falta de perspectivas com relação ao futuro, a procura de um melhor

porvir, já que o presente nada lhes oferecia.

A própria pregação de Antônio Conselheiro sobre a restauração da

monarquia era vaga, não tendo ele qualquer possibilidade de coordenar forças

para uma ação prática. Este era indubitavelmente um problema social e não um

caso de polícia.

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Assim não pensou o governador, que tratou de aniquilar sem demora aquele

foco de revolta, contando com o apoio do novo governo federal, agora nas mãos

do Presidente interino, Manuel Vitorino Pereira, também um baiano e com

predisposição para o uso da força, como argumento mais eficaz que o

convencimento.

Por outro lado, se o governo contava com a força, os fanáticos contavam

com sua suposta predestinação. Assim, as duas primeiras expedições que o

governador enviou contra o arraial de Canudos, a partir de 1896, fracassaram.

No ano seguinte, foi o governo federal que enviou tropas de reforços, que

também foram aniquiladas. Alarmado com a situação, o governo central ordena

ao Exército que prepare um contingente especial, com 6 mil homens que,

finalmente, consegue tomar e arrasar o arraial, morrendo Antônio Conselheiro e,

praticamente, toda a população.

De 10 mil habitantes, aproximadamente, ficaram vivos não mais que 400

prisioneiros, entre velhos, mulheres e crianças. Antônio Conselheiro teve a

cabeça decepada e transformada em troféu. Essa última fase da guerra ocorreu

já com Prudente de Morais de volta ao cargo.

Da parte do governo, o saldo da guerra também foi estarrecedor. Mais de

cinco mil homens morreram nas quatro investidas à cidadela. Os que voltaram,

na sua maioria, tiveram que suportar não apenas as sequelas da guerra, como

o abandono das próprias autoridades.

Prudente reassume

o governo

Aflito e angustiado com os rumos que iam tomando as coisas na Bahia,

Prudente de Morais, ainda em casa, preocupava-se também com a conspiração

em andamento para afastá-lo definitivamente do governo. Não teve dúvidas. No

dia 4 de março de 1897, sem aviso prévio, apareceu no Palácio, não encontrando

o vice. No uso de suas prerrogativas, simplesmente reassumiu o governo e

mandou entregar a Manuel Vitorino um comunicado de que cessara sua

interinidade e que, desde aquele momento, ele não era mais o Presidente em

exercício.

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Assim foi o retorno do Presidente, na brilhante narrativa do jornalista e

historiador Hélio Silva:

"À saída da estação, toma um carro de praça. A carruagem roda

pela cidade, no passo tardo de suas velhas alimárias, no rumo do

Catete. A sentinela, surpreendida, alerta a manhã de sol com sua

clarinada estridente, chamando a guarda para a continência

presidencial. Mas não é o vistoso landau da Presidência que entra,

e sim um modesto fiacre de aluguel, descendo dele, magro e ereto,

na verticalidade que o caracteriza, Prudente de Morais. Minutos

depois, um cabo da guarda leva a Manuel Vitorino o ofício em que

o presidente comunica haver reassumido o Governo."

Aparado, desta forma, o golpe em andamento, o próximo passo era resolver

a crise na Bahia e apagar o incêndio que se formara no Rio de Janeiro.

Sobre Canudos, já fizemos o relato sucinto no tópico anterior. Quanto ao Rio

de Janeiro, o retorno inesperado de Prudente ao Governo trouxe espanto, mas

não arrefeceu os ânimos. Durante sua ausência, se formaram brigadas

paramilitares com nomes patrióticos, como Brigada Tiradentes, ou Benjamin

Constant ou Frei Caneca, ou Deodoro, ou Moreira Cesar.

Prudente tinha dificuldades em contê-las. A todo momento, essas milícias

fardadas apareciam nas ruas, sendo dissolvidas pela polícia, mas em pouco,

voltavam à carga. O presidente se achava no ponto mais baixo de sua

popularidade e a desordem parecia totalmente fora de controle, até que um

trágico incidente veio reverter a situação.

O atentado

Em 5 de novembro de 1897, Prudente de Morais, em companhia de seu

ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, vai ao cais do porto

para receber, em pessoa, alguns batalhões que voltavam da guerra de Canudos.

Em certo momento, repentinamente, um anspeçada [soldado, aspirante a

cabo] aponta uma pistola ao Presidente, mas a arma falha no tiro. Então, o

ministro da Guerra e mais o coronel Mendes de Morais tentam dominar o

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rebelde, mas, na luta que se segue, o soldado consegue sacar um punhal,

atingindo mortalmente o general Bittencourt.

A tragédia comoveu a cidade do Rio de Janeiro e a imprensa, que se voltaram,

quase unânimes, no apoio ao Governo e ao restabelecimento da ordem. Com o

assentimento do Congresso, foi decretado o Estado de Sítio. Calam-se os

jornais, desaparecem as milícias. Passeatas se fazem nas ruas, mas, desta vez

para dar apoio ao Governo.

Alguns políticos da oposição, como o deputado Pinheiro Machado, são

presos, ignorando-se novamente a imunidade parlamentar. Francisco Glicério

(que indicou Prudente como candidato em 1894) teve de fugir para São Paulo,

onde permaneceu escondido. Manuel Vitorino é denunciado à Justiça. Fecha-se

o Clube Militar.

O atentado de 5 de novembro deu ao Presidente os poderes extraordinários

de que ele necessitava para ficar acima dos conspiradores e dispor de

instrumentos que possibilitassem o esmagamento total do golpe em andamento.

A cidade, antes em polvorosa, voltou à paz. Os correligionários rebeldes

reaproximam-se do presidente.

O Exército, antes florianista, mostrou-se extremamente sensibilizado com a

morte do marechal Bittencourt, tomando medidas rígidas para restabelecer a

disciplina na sua forma mais ortodoxa, livre da contaminação política e voltando-

se exclusivamente para suas atividades profissionais.

A última etapa da pacificação nacional teve um preço alto, com o sacrifício de

um dos mais valiosos auxiliares do Presidente, mas, finalmente, esse trabalho

estava terminado. O país voltou à paz e à ordem. Restava, agora, cuidar das

finanças públicas, mas isso é tarefa que só o próximo governo conseguirá

realizar.

A missão a que se propôs o Presidente estava cumprida. Prudente de Morais

termina seu mandato e volta para Piracicaba, onde morre, em 3 de dezembro de

1902, vitimado pela tuberculose que o atingira e que foi o ponto inicial de todo o

drama por que atravessou o país durante o seu governo.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO QUATRO

A RECUPERAÇÃO FINANCEIRA

CAMPOS SALES - 1898-1902

E começaram os tempos difíceis. Em janeiro de 1899, dois

meses após a posse de Campos Sales, o governo teve de cumprir

uma das cláusulas contratuais do "funding loan", que era a retirada

de circulação de papel moeda no valor do empréstimo de

emergência, para incineração, evitando que tal empréstimo viesse

a ser um dinheiro a mais para realimentar a inflação. O programa

incluía também o aumento de impostos, sempre recebido com

descontentamento geral. Havia ainda o aumento de taxas

aduaneiras e outras, uma forma indireta de se retirar o dinheiro da

circulação. O universo de contribuintes foi aumentado com a

taxação de todas as fontes visíveis de produção e trabalho.

Passada a turbulência que se seguiu à Proclamação da República, e

serenados os ânimos, após o governo de Prudente de Morais, o Brasil tinha seu

acerto a fazer com a comunidade financeira, uma decisão que estava sendo

protelada desde os tempos do Império.

Com efeito, a Guerra do Paraguai exigiu enormes gastos com a formação e

deslocamento de tropas, com a compra de material bélico, com a construção de

navios para reforçar a Armada. Passada a guerra, as despesas tiveram de

continuar, para permitir recomposição da vida nacional, após a desmobilização

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das tropas, e para resolver os problemas de um batalhão de mutilados ou de

portadores de outras sequelas deixadas pelas condições da vida em campanha.

Os gabinetes que se seguiram, até o último deles, chefiado pelo Visconde de

Ouro Preto, só fizeram piorar a situação.

A República recebeu do Império essas pesada herança e, como se não

bastasse tudo isso, meteu-se na malfadada experiência do encilhamento, que

descontrolou definitivamente a economia do país.

O plano de Rui Barbosa, ministro da Fazenda do Governo Provisório, até

que era simples e, pelo que diziam, até já tinha dado certo em outros países,

como na vizinha Argentina.

Primeiro, ignora-se o padrão monetário, que tem o ouro como lastro.

Segundo, emite-se a descoberto uma certa soma de dinheiro, colocando-

o na praça sob a forma de empréstimos para a criação e fomento de novas

empresas, capazes de produzir riqueza.

Terceiro, a riqueza gerada equilibra a oferta e a procura, permitindo a

recomposição do padrão monetário e, como num passe de mágica, o país

se enriquece e se solidifica, permitindo o reinício do círculo vicioso, já

ampliado na forma de uma espiral.

É o que, nos dias de hoje, se convencionou chamar de pedaladas. E como

o coelho surgiria da cartola vazia, isso ninguém se preocupou em perguntar.

Então, o sonho virou pesadelo. O empréstimo fácil gerou empreendimentos

igualmente fáceis e mal estruturados, que jamais poderiam dar certo. Os bem-

intencionados se puseram em aventuras fantásticas, cujos resultados ficaram

longe do retorno esperado. Os mal-intencionados (e quantos!) se aproveitaram

da situação para projetar empresas fantasmas ou para especular na Bolsa de

Valores.

Na hora da verdade, as empresas não produziram e os negócios

mirabolantes estouraram tal qual uma bolha de sabão. Caiu a Bolsa e

desequilibrou-se o

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mercado, gerando uma espiral inflacionária, com a desvalorização da moeda

interna e o aumento da dívida externa do país.

O governo de Floriano Peixoto, que se seguiu a Deodoro, não pôde deter-se

no problema, pois havia uma questão emergente a resolver, qual seja, o

restabelecimento da ordem pública, que ameaçava a estabilidade do regime. Se

por um lado obteve sucesso, agindo com mão de ferro para aplacar a rebeldia,

por outro, gerou ódios contra o poder constituído, entregando ao sucessor uma

panela de pressão entupida e pronta para explodir.

Prudente de Morais também não pôde cuidar da dívida externa, pois cabia

a ele outra tarefa, ainda mais importante, qual seja, a de desobstruir as válvulas

desse enorme caldeirão, cuidando de promover a pacificação nacional. Assim,

ficou para Campos Sales, o quarto Presidente do Brasil, a missão de atacar os

problemas econômico-financeiros que afligiam o país e impediam o seu

desenvolvimento.

Quem era Campos Sales

Manuel Ferraz de Campos Sales nasceu em Campinas, no ano de 1841.

Formou-se em Direito na Faculdade do largo de São Francisco, elegendo-se

deputado provincial em 1867. Era um republicano histórico, tendo promovido e

participado da organização do Partido Republicano que, por um quarto de

século, marcou sua presença no parlamento do Império, vindo a se tornar, a

partir de 1889, na principal vertente política da República.

Em 1885, elege-se deputado federal e, em 1889, integra o ministério de

Deodoro, ocupando a pasta da Justiça. Em 1896, torna-se presidente do Estado

de São Paulo mas, já no ano seguinte, se desincompatibiliza, para atender o

chamado do partido, candidatando-se à presidência da República.

Eleito, passa a ser o quarto presidente do Brasil, e o segundo indicado por

São Paulo, representando os interesses da aristocracia rural paulista e mineira.

Assim, ao mesmo tempo em que manteve um favorecimento à agricultura, com

protecionismo e com uma política de valorização do café, por outro lado, colocou

em segundo plano o setor industrial, que sobreviveu à custa de muitos

sacrifícios, sofrendo violentamente o impacto da política de estabilização

financeira do país.

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A opinião de Campos Sales se traduz na declaração de que o Brasil tem

uma vocação voltada para a agricultura, devendo dedicar-se àquilo que sabe

fazer, e importando tudo o mais. Esse preconceito prevaleceu até o governo de

Juscelino Kubitschek (1955-1960), quando um plano de desenvolvimento pôs a

indústria nacional em seu lugar merecido. Até então, a expressão "indústria

brasileira" era sinônimo de produto de segunda categoria.

O desafio da proposta orçamentária

O orçamento proposto pelo Congresso para o ano de 1898 apresentava um

quadro sombrio da situação financeira. Mesmo limitando-se à previsão das

despesas essenciais de governo, deixando de lado a pretensão ao

desenvolvimento, ainda restava um déficit de cinco milhões de libras esterlinas

(cerca de 60 milhões de dólares).

Transcorriam negociações para a venda de uma parte de nossa esquadra

para os Estados Unidos, que, na época, estavam em guerra com a Espanha,

pela libertação de Cuba. Admitindo-se que esse negócio pudesse render um

milhão de libras, teríamos ainda de buscar no mercado financeiro internacional

outros quatro milhões para fechar as contas, operação quase impossível, em

face da desconfiança dos banqueiros com relação à capacidade do Brasil em

saldar os compromissos de uma nova dívida.

Foi do próprio Campos Sales a ideia de fazer uma viagem à Europa, como

Presidente eleito, para sondar a receptividade de nossos credores quanto ao

estabelecimento de um funding loan [contrato de consolidação de dívida]

renegociando os débitos já contraídos e fazendo um novo empréstimo para

enfrentar o déficit orçamentário.

Embora difícil, não era de todo impossível sensibilizar os banqueiros, aos

quais não interessava uma situação de insolvência do país, pois isso dificultaria

o recebimento dos atrasados e ainda colocaria em sério risco o intercâmbio

comercial e abalaria os investimentos estrangeiros já realizados no Brasil.

Ademais, esse tipo de solução já havia contemplado a Argentina, a mesma

que, ao tempo do encilhamento, se dizia ter encontrado sucesso na ciranda

financeira. Pois a Argentina não só teve de refinanciar sua dívida externa como,

mais tarde, ainda denunciou o contrato assinado pelo governo anterior,

conseguindo um adendo com a redução dos juros inicialmente previstos.

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Prudente de Morais, em fim de mandato, já pensava mesmo em enviar um

emissário ao velho continente e o oferecimento de Campos Sales veio a calhar,

não só pela sua capacidade e habilidade de negociador, mas também pela

autoridade que lhe dava a condição de Presidente eleito. Era ele que pretendia

negociar a dívida, e era ele mesmo que deveria tirar o país de seu estado de

insolvência, criando condições para o pagamento de um novo débito

consolidado.

A viagem e as negociações

Em abril de 1898, um mês após sua eleição, parte Campos Sales para a

Europa, visitando Paris, e depois Londres, encontrando receptividade à proposta

de uma renegociação. Essa vinha sendo também a ideia dos credores, aos quais

uma concordata, em último caso, seria melhor que o estado de total bancarrota.

Uma minuta de contrato para o funding loan já se achava até preparada, nas

mãos dos credores e, em cima dela é que se desenvolveram as negociações.

Como início, o Banco Rothschild oferecia um empréstimo de emergência

de 10 milhões de libras, exigindo como garantia todas as rendas alfandegárias,

mais as receitas da Estrada de Ferro Central do Brasil e do serviço de

abastecimento de água do Rio de Janeiro.

Em contrapartida, o Brasil deveria retirar do mercado e incinerar igual

quantidade de moeda brasileira, considerando a taxa de conversão do dia. Os

bancos credores organizariam um trust [coligação para uma ação conjunta] e

fariam a moratória da dívida consolidada até que o empréstimo de emergência

fosse pago, comprometendo-se o Brasil a não recorrer a novos saques

financiados enquanto durasse a moratória.

A solução proposta interessava a Prudente de Morais, que se vexava em

passar ao sucessor um país em estado pré-falimentar. Interessava também a

Campos Sales, que, assim, assumiria o governo com um problema não resolvido

mas, pelo menos, encaminhado para uma solução, a qual, já se sabia, viria a

custar um enorme sacrifício à nação.

Apesar da tragédia social proporcionada por qualquer ajuste feito com

seriedade, era do temperamento do novo presidente o ataque frontal aos

problemas, dispensando soluções de fachada. Não ignorava ele que, com o

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aperto financeiro, o maior sacrifício seria exigido daqueles que menos tem a dar,

transformando o empobrecimento em miséria e a miséria em indigência. Mas

não havia outro caminho possível para restabelecer a saúde financeira do país.

Implicações políticas

O medo da doença acaba levando as pessoas a aceitar, mesmo a

contragosto, o remédio amargo e as restrições que o médico lhes impõe. Pelo

menos era o que pensava o novo Presidente, empossado em 15 de novembro

de 1898.

Assim, ao formar o seu ministério, esperava contar com a submissão da

sociedade à nova emergência e descartou as indicações políticas, dando ao seu

gabinete uma característica puramente técnica. Foram escolhidos os seguintes

nomes:

Guerra, marechal João Nepomuceno de Medeiros Mallet; Relações

Exteriores, Olinto de Magalhães; Justiça, Interior e Instrução Pública,

Epitácio da Silva Pessoa; Viação e Obras Públicas, Severino dos Santos

Vieira; Marinha. almirante Carlos Baltazar da Silveira.

O novo Presidente introduziu em seu governo outra modificação que deveria

ter acontecido desde os tempos de Deodoro: determinou que, doravante, todos

os despachos com os ministros seriam feitos isoladamente, acabando de vez

com as reuniões coletivas do ministério.

É até curioso que essa medida não houvera sido tomada pelos governos

anteriores. Em 1889 o regime passou a ser republicano e presidencialista, mas

as reuniões com os ministros continuaram a parecer mais as de um gabinete

parlamentarista. O Presidente sentava-se à cabeceira de uma grande mesa, com

os ministros à sua volta, participando eles de todas as discussões e influindo

naquelas decisões que em nada diziam respeito à sua pasta.

Campos Sales, afinal, assumiu a postura de um governo presidencialista,

reafirmando sua prerrogativa de admitir e demitir ministros, de tratar com cada

um os problemas da respectiva pasta, e de assumir o bônus ou o ônus pelas

decisões tomadas.

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Ao contrário do que esperava, porém, o novo ministério não foi bem aceito.

Reservas se faziam principalmente com relação aos dois ministros militares,

general Mallet e almirante Baltazar. Dentro do Exército houve pressão, dentre os

mais graduados, para a substituição de ambos os nomes por outros de maior

confiança da alta oficialidade. Era o florianismo, ainda presente nos quartéis.

Ainda no seio militar, surgiram restrições ao nome de Epitácio Pessoa,

acusado de ser anti-florianista e anti-militarista, sendo seu nome vetado, apesar

de tratar-se de pasta de natureza civil.

Campos Sales, porém, estava determinado a aplicar rigidamente o princípio

presidencialista, segundo o qual quem governa e escolhe seus ministros é o

Presidente. Não negociou cargos, nem transigiu em seu direito de nomear

ministros, como não usou critérios políticos para fazer das nomeações uma

moeda de troca. O ministério era seu e ponto final.

Os anos de vacas magras

E começaram os tempos difíceis. Em janeiro de 1899, dois meses após a

posse, o governo teve de cumprir uma das cláusulas contratuais do funding loan,

que era a retirada de circulação de papel moeda no valor do empréstimo de

emergência, para incineração, evitando que tal empréstimo viesse a ser um

dinheiro a mais para realimentar a inflação.

O programa incluía também o aumento de impostos, sempre recebido com

descontentamento geral. Havia ainda o aumento de taxas aduaneiras e outras,

uma forma indireta de se retirar o dinheiro da circulação. O universo de

contribuintes foi aumentado com a taxação de todas as fontes visíveis de

produção e trabalho.

Era a deflação que chegava, abalando o comércio e o crédito, bem como

onerando nossos dois principais produtos de exportação, o café no sudeste, e a

borracha, que ainda era uma fonte de sustentação da economia no norte do país.

Vieram as falências de empresas até então respeitáveis.

O próprio Banco da República, restringida sua capacidade de emissão de

moeda, viu-se em dificuldades financeiras, suspendendo pagamentos e criando

pânico na praça. Parecia o fim do mundo que chegava, naquele sombrio final de

século.

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O "coronelismo" a serviço do país

Maquiavel, político, historiador e filósofo (1469-1527) sustentava a tese de

que os políticos devem ter em mente, objetivamente, os fins a atingir, colocando

em segundo plano os preconceitos de ordem moral, já que, aos políticos, foi dada

a tremenda responsabilidade de apresentar resultados que contemplem o bem-

estar do povo sob seu governo. É certo que o pensador florentino sempre teve

seus discípulos no Brasil, ainda que não se confessassem como tal.

Em efetivo, o próprio Campos Sales, no objetivo nobre de criar raízes nos

Estados brasileiros, deu uma ajeitada na Constituição brasileira, criando uma

Comissão Verificadora, com poderes para alterar, à vista de todos, os resultados

consagrados nas urnas.

Para entender melhor o assunto, voltemos aos tempos do Império, mais

precisamente ao período regencial, quando foram criadas as Guardas Nacionais.

Diferentemente do Exército, que tem seu corpo efetivo e profissional, as Guardas

se apoiavam nas polícias-militares dos municípios, organizadas e mantidas

pelos latifundiários, que as usavam, como é natural, para a defesa de seus

próprios conceitos de ordem pública.

Essas guardas foram incorporadas à Guarda Nacional e os latifundiários que

as controlavam receberam a patente de coronel. Foi esta a origem dos coronéis

do sertão, e de sua política de ação, que passou a ser conhecida como

coronelismo e que, até os dias de hoje, se faz presente na vida nacional.

Não nos apressemos a condenar os governos regenciais por essa

arbitrariedade. Na ausência de um policiamento eficaz e centralizado, o

coronelismo simbolizava a ordem pública e o coronel, descontados os abusos

sempre cometidos, era a garantia de estabilidade social, contra a desordem que

se instalaria por todo país se não existisse essa figura de autoridade.

Não demorou que o coronelismo se consolidasse, também, como uma força

política, influindo nos destinos de sua cidade e, se possível, de seu Estado.

Pois era essa força emergente que Campos Sales pretendia usar, prestigiando

a autoridade estadual e trazendo o apoio dos Governadores ao seu governo.

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A Comissão de Reconhecimento

de Poderes

Foi nessa intenção, pois, que o presidente da República criou a Comissão

de Reconhecimento de Poderes, com objetivo simples e claro de fortalecer os

poderes estaduais. Essa Comissão se reuniria logo após as eleições, antes da

diplomação dos eleitos, e sua missão era a de filtrar os nomes escolhidos pelo

eleitorado, dando às bancadas de cada Estado a feição do Governador eleito,

ou seja, representando os coronéis que, naquele Estado e naquele momento,

eram o símbolo da ordem política e social.

A Comissão era formada pelo presidente da Câmara Federal da legislatura

anterior e por mais três deputados por ele mesmo escolhidos. Tinha como

objetivo examinar a lista dos candidatos que receberam maior votação, riscando

dessa relação todos os inimigos políticos do Governador de seu Estado que, por

serem adversários, poderiam dificultar os atos administrativos do governo

estadual, prejudicando, em consequência, o conjunto da população. Os que não

estivessem sintonizados com o Governador de seu Estado, simplesmente eram

impedidos de tomar posse, sendo substituídos por outros mais afinados com a

administração.

Em contrapartida, os governadores eleitos se propunham apoiar

irrestritamente o presidente da República em todos os seus atos, garantindo a

execução das decisões federais em seus respectivos Estados, sem contestação.

Era uma política de compadres, um acordo espúrio que fraudava a vontade das

urnas, e que recebeu a denominação de Política dos Governadores.

Moral à parte, como aconselhava Maquiavel, o princípio fortaleceu os

governos estaduais e, por tabela, criou um governo central forte e autoritário,

capaz de enfrentar a oposição às duras medidas de ordem econômica,

necessárias para vencer a crise financeira.

Fim de Governo

Com o artifício da Comissão Verificadora e com a firmeza na aplicação das

medidas solicitadas para tirar o país do lodaçal em que se encontrava, Campos

Sales chega ao fim de seu mandato com economia do país plenamente

restabelecida e com as finanças em ordem, o suficiente para permitir ao seu

sucessor um governo de desenvolvimento.

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Conquistou tudo, o Presidente, menos a simpatia popular. Campos Sales

terminou seu governo com o menor índice de popularidade jamais registrado

pelos seus antecessores, fato que os jornais de oposição faziam questão de

alardear, e que a população do Rio de Janeiro não fez por esconder.

No dia 15 de novembro de 1902, a faixa presidencial é transferida para o

novo Presidente, Rodrigues Alves, enquanto Campos Sales se retira, com a

consciência tranquila de um dever cumprido. Mas, no trajeto do palácio

presidencial à estação da Central do Brasil, onde tomaria o trem de volta para

São Paulo, uma multidão se comprimia nos dois lados das ruas, fazendo-se ouvir

uma estridente vaia que, pela voz do Rio de Janeiro, representava sentimento

do povo de todo o Brasil. O historiador José Maria Bello sintetiza a passagem

de Campos Sales pela Presidência:

"Depois de um longo e penoso sacrifício exigido da comunidade brasileira,

transmitia ao seu sucessor uma casa em ordem, com a escrita equilibrada.

Degradara-se ainda mais a política republicana, com a Política dos

Governadores; aviltara-se a significação democrática do Parlamento;

diluíam-se as derradeiras esperanças no livre jogo das instituições

representativas; o seu confessado suborno a imprensa, como que

oficializara a corrupção jornalística; à sombra de seu plano de extrema

deflação monetária, tinham feito excelentes negócios banqueiros e

especuladores estrangeiros e nacionais. No entanto, ao seu saldo, levava

Campos Sales a sua perfeita probidade pessoal, a sua tolerância e a

firmeza com que respeitara os seus compromissos de governo. Sem os

seus quatro anos de compressão fiscal, seria muito difícil a Rodrigues

Alves iniciar um grande programa de obras públicas."

Viu como o estudo da História do Brasil é importante para o conhecimento

atual do país em que vivemos? Quem não conhece a História, está fadado a

repeti-la, é o que diz a voz popular. E alguns acrescentam que está fadado a

repeti-la, sim, mas em tom de farsa.

Só para fechar este capítulo. Campos Sales voltou para São Paulo, onde

grupos adrede preparados se concentravam para aplaudi-lo. Em 1905,

estudantes da Faculdade de Direito tentaram articular, sem sucesso a sua volta

à presidência da República. Não fez fortuna na presidência, embora outros

tantos tenham enriquecido com suas medidas de contenção. Em 1909, voltou à

política, como senador e foi no exercício desse cargo que a morte veio encontrá-

lo para dar-lhe o descanso final, no ano de 1913.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO CINCO

SANEAMENTO E DESENVOLVIMENTO

RODRIGUES ALVES - 1902-1906

O movimento anti-vacina começou com protestos de rua, logo

descambando para a desordem. No dia 10 de novembro de 1904,

bandos de arruaceiros, insuflados por agitadores profissionais,

tomaram as ruas do Rio de Janeiro, provocando depredações e

destruindo principalmente os lampiões a gás usados na iluminação

da cidade. A agitação durou três dias, com a perturbação do

trânsito e a destruição de ruas, de onde foram arrancadas as

pedras para formar barricadas e, por fim, os revoltosos se puseram

em confronto as forças policiais. Não tardaria que o movimento se

alastrasse, atingindo uma situação incontrolável, quando a ele

aderiram também as forças do Exército. Não era mais uma revolta,

era uma guerra.

Um grande mal, que assolava o Brasil republicano, era a ausência de

partidos fortes, que tivessem um contingente eleitoral capaz de se fazer

representar com energia e eficácia, de norte a sul do país. Com o surgimento da

República, e facilitados pela nova Constituição, fundaram-se partidos estaduais

que se coligavam para participar de pleitos nacionais, mas sem perder sua face

provinciana. Francisco Glicério até tentou reunir todas essas forças numa grande

corrente de união nacional, fundando o PRF-Partido Republicano Federal, que

elegeu Prudente de Morais e Campos Sales, mas, tirando-se dele o invólucro

federalista, por dentro permaneciam as mesmas correntes estaduais com as

quais se tinha de negociar para eleger um Presidente da República.

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- 058 -

Aproveitando-se dessa inexistência de unidade partidária, Campos Sales

criara, no período anterior, uma força política sob o comando do governo central

e representada pela Política dos Governadores, já vista no capítulo anterior, mas

que sempre é oportuno recapitular.

O artifício consistia em nomear uma Comissão de Verificação, que analisava

os nomes de todos os deputados eleitos, descartando aqueles que faziam

oposição em seu próprio Estado, e substituindo-os por suplentes que rezavam

pela cartilha do Governador de plantão. Com isso, fortalecia-se os governos

estaduais que, em reciprocidade, apoiavam, com restrições mínimas, os atos do

governo federal.

A unidade nacional, polarizada em torno do presidente da República, supria

a lacuna deixada pela fraqueza dos partidos, criando-se, assim, um quarto poder,

inconstitucional, mas efetivo, que lembrava muito o Poder Moderador dos

tempos do Império. Assim, aproximando-se o fim do mandato de Campos Sales,

com esse poderoso instrumento nas mãos, foi ele que assumiu a tarefa de

coordenar sua própria sucessão, dentro do partido governista.

Candidatos em penca

Muitos eram os postulantes à candidatura presidencial dentro da ala

governista, todos apresentando suas credenciais de republicanos históricos,

aqueles que, de longa data, firmaram sua posição a favor da República e, por

fazerem oposição ao Império, não usufruíram, naquela época, as vantagens

proporcionadas pelo poder.

Proclamada a República, foram vozes destacadas na defesa do novo

Regime e, nessa condição, se julgavam aptos a pleitear a homologação de sua

candidatura.

Entre eles, estavam Quintino Bocaiuva, presidente do Estado do Rio de

Janeiro, Francisco Silviano Brandão, presidente de Minas Gerais, Bernardino de

Campos, um fiel amigo e colaborador do governo de Prudente de Morais, Rui

Barbosa, ilustre jurista, responsável pelo texto final do anteprojeto da

Constituição de 1891 e José Gomes Pinheiro Machado, correligionário do

presidente do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, um nome que vinha se

projetando na política nacional.

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- 059 -

Com o poder decisão em suas mãos, o presidente da República examinou

todos os nomes propostos, descartando-os um a um, sempre no objetivo de

encontrar um candidato de consenso entre os governadores.

Quintino Bocaiúva não tinha sido feliz como governador e deixou o Estado do

Rio em estado pré-falimentar; Silviano Brandão não encontrava muita

ressonância em alguns Estados, sendo entretanto um bom nome para compor a

chapa como vice, representando a aristocracia mineira; Bernardino seria uma

boa escolha, porém, seu espírito independente e resoluto ameaçava a política

de austeridade que marcou o governo Campos Sales, e que tanto sacrifício

custou à nação; Rui Barbosa tinha tudo a seu favor, mas lhe faltava projeção

política junto aos governadores, cuja atuação, como vimos, era fundamental para

o sucesso da nova política. O mesmo acontecia com Pinheiro Machado,

excessivamente regionalista.

O consenso e a eleição

Em seu gabinete, silenciosamente, Campos Sales costurava uma aliança

que apontava para outro nome, fora do círculo dos intitulados republicanos

históricos. Era o presidente do Estado de São Paulo, Rodrigues Alves, um

político que desenvolveu sua carreira dentro da monarquia e que só aderiu à

causa republicana no último momento, quando percebeu que o Império vivia

seus últimos dias, uma evidência que àquela altura, já havia sido constatada até

pelo imperador.

Contra seu nome, levantaram-se vozes consagradas da política paulista,

como as de Prudente de Morais, Adolfo Gordo, Cerqueira Cesar, Júlio de

Mesquita e Alfredo Pujol, os quais, juntamente com outros próceres paulistas,

lançaram dois manifestos contra o candidato escolhido pelo governo central.

Todavia, esses protestos não ultrapassaram as divisas do Estado, sinal de que,

como previra Campos Sales, o nome apresentado estaria recebendo um apoio

quase unânime dos governadores.

Dentro da chamada política do café com leite, foram, pois, lançadas as

candidaturas do paulista Rodrigues Alves, para presidente, e do mineiro Silviano

Brandão para vice, ambos eleitos em 1º de março de 1902. Quis o destino que

Silviano Brandão morresse antes da posse. Com esse imprevisto, Rodrigues

Alves tomou posse sozinho, no dia 15 de novembro de 1902, e um novo vice foi

eleito em 18 de fevereiro de 1903, recaindo a escolha sobre outro mineiro,

Afonso Pena, ex-deputado e ex-presidente de Minas Gerais.

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- 060 -

Quem era Rodrigues Alves

O Conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves nasceu em

Guaratinguetá no ano de 1848 e pertencia a uma família de latifundiários.

Completou os estudos de 2º grau no Colégio Pedro II, sendo colega de turma de

Joaquim Nabuco. Na Faculdade de Direito de São Paulo teve forte liderança

entre seus pares, escreveu artigos para vários jornais da época e chegou a dirigir

um deles, do Partido Conservador em São Paulo. Já formado em direito, acabou

ingressando nesse partido, deixando a banca para dedicar-se exclusivamente à

política.

Embora pertencendo à ala conservadora, tinha ideias avançadas. Em 1872,

como deputado provincial, apresentou um projeto que estabelecia o ensino

público, obrigatório e gratuito, para o primeiro grau, provocando um saudável

debate em torno do assunto.

Em 1887, já era deputado federal e tinha seu nome indicado para Presidente

de São Paulo, ganhando as eleições. Quando governador, já fervilhava o

ambiente, agitado pela causa abolicionista. As opiniões se dividiam e os conflitos

mais exaltados entre defensores do abolicionismo e do escravagismo eram

reprimidos com energia pelo novo presidente da Província. De sua parte, embora

freando os excessos, Rodrigues Alves se confessava abolicionista, mas defendia

uma política gradual para a extinção do trabalho escravo, como, aliás, já vinha

sendo adotada pelo Império.

Sua presença política era constante e notável. Por duas vezes foi ministro

da Fazenda, por duas vezes ocupou o Senado Federal, fez parte da Assembleia

Constituinte e, em 1902, já no período republicano, voltou ao governo do Estado

de São Paulo.

A princesa Isabel, quando regente do Império, concedeu-lhe o título de

Conselheiro, que ficou como que incorporado ao seu nome próprio. Essa

designação lhe cabia muito bem e fazia jus ao seu temperamento "discreto,

sereno, liberal e sincero, mais atento à realidade das doutrinas, austero e

respeitável, sabendo sobrepor os interesses públicos aos partidários ou

particulares."

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Empossado, tornou-se o quinto presidente da República. Originário da

aristocracia rural e proprietário de fazendas de café, encarnava bem a política

agrária imposta por São Paulo e Minas Gerais, embora com uma visão bem mais

ampla dos problemas nacionais.

O Ministério

Tal como seu antecessor, Rodrigues Alves dispensou a participação política

na organização de seu ministério, preferindo escolher pessoalmente cada nome,

seguindo critérios estritamente técnicos. Mas, ao contrário de Campos Sales, era

sua intenção dar maior mobilidade aos ministros, fixando linhas gerais e

deixando aos seus auxiliares uma ampla liberdade de decisão.

O governo se iniciou com o seguinte Ministério:

Relações Exteriores, José Joaquim Seabra (J.J.Seabra), que o exerceu

interinamente até a nomeação subsequente do Barão do Rio Branco;

Justiça, Interior e Instrução Pública, Felix Gaspar de Barros e Almeida;

Fazenda, José Leopoldo de Bulhões Jardim; Viação e Obras Públicas,

general Lauro Severiano Müller, ex-governador de Santa Catarina;

Guerra, marechal Francisco de Paula Argollo; Marinha, contra-almirante

Júlio Cesar de Noronha.

É preciso dar um destaque especial para a nomeação do engenheiro

Francisco Pereira Passos para prefeito do Distrito Federal, pois sua atuação foi

muito importante dentro do projeto de saneamento e desenvolvimento dessa

cidade.

Rio de Janeiro, uma

cidade doente

Quem conhece a cidade do Rio de Janeiro hoje, com toda sua pujança e

beleza, inscrita entre as primeiras no roteiro turístico internacional, nem sequer

imagina o estado deplorável de abandono em que ela se achava no início do

século XX, a despeito de ter abrigado o reinado e de ser a sede do governo

presidencial republicano.

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As ruas do Rio de Janeiro eram estreitas e sujas. Os casarões, velhos e mal

construídos, se transformaram em grandes cortiços, onde se apinhava a

população carioca, num ambiente de promiscuidade e sem qualquer

preocupação com a higiene. Aos donos de tais cortições, o objetivo principal era

arrancar o dinheiro que pudessem, trazendo retorno rápido ao investimento,

totalmente despreocupados com higiene e saúde.

Facilitadas pelo ambiente contaminado, as pestes corriam soltas pelas

casas e ruas, não distinguindo os amontoados populares, das casas mais

abastadas, atingidas pela sujeira geral que se espalhava por tudo, terra, mar e

ar.

Rodrigues Alves, quando morava em seu palacete da rua Senador

Vergueiro, assistiu a morte da própria filha, atingida pela febre amarela. E além

da febre, havia a peste bubônica, a varíola...

A situação chegou a tal ponto que os navios estrangeiros puseram o porto

do Rio sob quarentena, passando ao largo, com medo de que o ar doentio

pudesse contaminar sua tripulação ou seus passageiros.

Aportar no Rio era sinônimo de morte. E se isso acontecia com o viajante

acidental, imagine-se então, com a população, obrigada a conviver dia e noite

com esse tenebroso ambiente. Era preciso fazer alguma coisa, e imediatamente.

Assim desejava o Presidente e esse era, também, o anseio da população do

Distrito Federal.

O sanitarista Osvaldo Cruz

Para sua sorte, a cidade contava com um homem sob medida para aquele

momento e para aquela missão. Osvaldo Cruz, então na juventude de seus trinta

anos, apresentava já um currículo apreciável. Cientista, médico e sanitarista,

teve a oportunidade de fazer um estágio no Instituto Pasteur, em Paris,

especializando seus estudos em bacteriologia.

Quando o Diretor do Serviço de Saúde Pública do Distrito Federal

necessitava nomear um técnico para o Instituto Soroterápico de Manguinhos,

escreveu para a França, consultando o Dr. Émile Roux, discípulo de Pasteur e

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um dos nomes mundialmente consagrados em soroterapia, pedindo que lhe

indicasse alguém confiável para essa função. E o dr. Roux respondeu que no

Brasil havia um cientista plenamente capaz para se desincumbir da tarefa, que

outro não era senão o próprio Osvaldo Cruz. Foi ele nomeado e desenvolveu

seu trabalho com competência, sendo promovido a diretor do próprio Instituto,

onde o novo presidente da República foi buscá-lo para assumir a difícil tarefa de

saneamento da cidade.

Osvaldo Cruz já havia estudado detidamente o assunto. Opondo-se às

crenças ainda alimentadas pela medicina tradicional, acompanhara atentamente

o trabalho desenvolvido pelo médico e cientista cubano, dr. Carlos Finlay (1833-

1915), que identificou o mosquito transmissor da febre amarela, desenvolveu um

trabalho eficiente em sua própria terra e erradicou essa doença em Cuba.

Tinha pleno conhecimento, também, dos estudos do cientista inglês Edward

Jenner (1749-1823), que desenvolvera uma vacina contra a varíola, já conhecida

no Brasil, pois D.João VI, em 1811, fizera sua importação, mandando vacinar

toda a cidade do Rio.

Assim, dominada a técnica, o que se necessitava para iniciar o saneamento,

era a planificação, com a criação de leis que lhe dessem o amparo e de equipes

que realizassem o trabalho.

A febre amarela

Tudo parecia, pois, muito simples. O Presidente desejava sanear a cidade,

contava com recursos para realizar a obra, tinha a colaboração de um cientista

respeitável e, finalmente, era desejo de toda a população que melhorassem as

condições de saúde no Distrito Federal.

Mas, até na classe médica, havia correntes que negavam ser a febre amarela

transmitida por mosquitos. Outros aceitavam a tese, mas não concordavam com

a vacina, achando que o caminho único e possível para a erradicação estava na

desinfecção do solo, ideia que chegou até a sensibilizar Rodrigues Alves, por ser

mais simples e causar menos danos políticos.

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Sondado a respeito, Osvaldo Cruz rechaçou a ideia e ameaçou pedir

demissão se o projeto fosse alterado. Assim, o Presidente concordou em que o

plano se desenvolvesse como fora concebido, isto é, com a aplicação obrigatória

da vacina.

Quanto se fez de oposição ao governo durante a execução do plano, nem

é bom contar. A população se sentiu atingida em sua liberdade de decisão, a

oposição encontrou um motivo sólido para atacar o governo e se colocar ao lado

do povo e os jornais, muito interessados em aumentar sua tiragem, atingiram

duramente, tanto o Presidente como o responsável pela campanha de

erradicação.

Todos tinham bons motivos para se colocar contra o projeto. Quando

recebida uma denúncia de doença, não se deixava por menos: as brigadas

sanitárias invadiam a casa suspeita, isolavam o doente, faziam a limpeza e

desinfeção do local e eliminavam os focos de mosquitos por toda a vizinhança,

recebendo em troca o ódio daqueles que tiveram seu domicílio violado.

Vencida a resistência, ainda que pelo uso da força e ao arrepio da

Constituição, a verdade é que os casos de morte pela febre foram diminuindo

ano a ano. De 584 óbitos em 1903, esse número caiu para 4 em 1908 (já no

governo de Afonso Pena). Em 1909, não se registrou nenhum caso de morte

pela febre amarela. Estava vencida a luta contra a doença, mas o desgaste

político fora imenso.

A peste bubônica

Velha conhecida dos marinheiros, a peste bubônica era típica da sujeira e

proliferação de ratos e insetos, muito comum nos navios, e agora comum

também em terra, no Rio de Janeiro. Havia até um calendário de alternância

entre a febre amarela e a peste bubônica: aquela era comum nos dias quentes

e úmidos do verão; esta se desenvolvia principalmente no inverno, facilitada pela

sujeira generalizada dos portos e dos casarões, onde proliferavam os ratos e

insetos de toda espécie.

A eliminação da peste bubônica, pois, dependia da mudança das condições

de higiene nas ruas e nas casas e o ataque a ela se deu com a realização de

obras públicas pela Prefeitura, assunto que é tratado em outro tópico.

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A varíola e as desordens

Vimos a energia que teve de ser aplicada pelo Governo para garantir o

processo de erradicação da febre amarela e soubemos da invasão de domicílios

e do processo violento para subjugar a população aos intentos do governo,

causando uma revolta íntima e dando combustível suficiente para políticos e

jornais da oposição. Apesar dos protestos e das revoltas, a ordem pública foi,

entretanto, mantida.

Pretendia o governo repetir o mesmo processo para o combate à varíola e,

desta vez, precaveu-se com uma lei específica, votada a duras penas no

Congresso Nacional, e regulamentada pela mão de Osvaldo Cruz Previa essa

lei a aplicação de vacina obrigatória nas crianças, com doses de reforços, de

período em período. Era também obrigatória a vacinação de adultos, não se

admitindo nem em pensamento que alguém se recusasse a recebê-la, dado que

a erradicação do mal somente seria possível se toda a população fosse

imunizada.

O grande erro, em ambas as campanhas foi que se substituiu a força do

convencimento pela força da lei, aplicada pela coerção, se necessária, até com

o uso do contingente policial. Já escaldada pela primeira experiência, a

população do Rio de Janeiro não estava disposta a ser usada, outra vez, como

cobaia de experimentos, tanto mais que a vacina consistia na inoculação, no

organismo humano, de germes da própria doença, algo que, ao cidadão comum,

parecia um contra-senso e um perigo à saúde pública.

Ao coro de protestos que se seguiu, juntaram-se, alegremente as vozes da

oposição e da imprensa, com destaque especial ao Correio da Manhã, bem

como de positivistas, infiltrados em todos os setores da vida pública, inclusive na

esfera militar. Entre pessoas de cultura, inclusive médicos, encontravam-se

muitos que duvidavam da eficácia da vacina, outros aceitavam sua eficácia, mas

se insurgiam contra a obrigatoriedade da aplicação e muitos, simplesmente,

encontravam na ocasião um pretexto para a insurreição.

O movimento anti-vacina começou com protestos de rua, logo descambando

para a desordem. No dia 10 de novembro de 1904, bandos de arruaceiros,

insuflados por agitadores profissionais, tomaram as ruas da cidade, provocando

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depredações e destruindo principalmente os lampiões a gás usados na

iluminação da cidade. A agitação durou três dias, com a perturbação do trânsito

e a destruição de ruas, de onde foram arrancadas as pedras para formar

barricadas e, por fim, os revoltosos se puseram em confronto as forças policiais.

Não tardaria que o movimento se alastrasse, atingindo uma situação

incontrolável, quando a ele aderiram também as forças do Exército. Não era uma

revolta, era uma guerra.

A "Guerra da Vacina"

A participação militar, que deu proporções maiores ao descontentamento

popular, envolveu substancialmente as escolas militares do Realengo e da Praia

Vermelha. Na primeira, o movimento foi logo sufocado pelo general Hermes da

Fonseca. Já na segunda a o movimento tomou vulto com a rebeldia do general

Travassos e do senador Lauro Sodré, que também era um oficial-militar.

No dia 14 de novembro, Rodrigues Alves recebeu em audiência o general

Olímpio da Silveira que, fazendo uma ponte entre os militares revoltosos, trouxe

algumas reivindicações, incluindo o afastamento do ministro da Justiça,

J.J.Seabra. Entendeu o Presidente que não havia campo para negociações e

advertiu que usaria todos os recursos à sua disposição para garantir a

manutenção da ordem.

Chegada a noite, o general Travassos e o senador Sodré tomaram um bonde

e se dirigiram para a Escola Militar da Praia Vermelha onde depuseram o seu

comandante. Então, o primeiro assumiu o comando dos militares sublevados e

no dia seguinte, 15 de novembro de 1904, levou-os à rua intentando tomar de

assalto o Palácio do Catete. Antes de lá chegarem, porém, houve um choque

frontal com as tropas legalistas, comandadas pessoalmente pelos ministros da

Guerra e da Viação, respectivamente general Argolo e general Lauro Müller.

Não tiveram sucesso os chefes do levante. O general Travassos foi ferido

na perna e morreu dois dias depois, vítima de um choque pós-operatório. Lauro

Sodré escondeu-se em casa de um amigo, mas foi localizado e preso. Dominada

a rebelião, começaram as prisões, centenas delas. Decretou-se o Estado de

Sítio. A Escola Militar da Praia Vermelha foi fechada e seus alunos expulsos. O

jornal Correio da Manhã, tido como incitador da revolta, teve sua publicação

suspensa e a imprensa em geral passou a ser censurada.

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Ficaram, pois, prejudicadas as comemorações do 15º aniversário da

Proclamação da República. Nem havia o que comemorar. Com a sublevação

militar e o envolvimento de oficiais graduados, quebrou-se a disciplina,

comprometendo a unidade militar e, ademais, ainda havia focos de insurreição

civil nas ruas.

Soube-se mais tarde que a "Guerra da Vacina" era um pretexto para uma

revolução de âmbito nacional, envolvendo outros Estados, notadamente Bahia e

Pernambuco. A determinação do Governo em dominar a revolta no Rio de

Janeiro e punir com rigor os amotinados, impediu que o movimento se alastrasse

por outras partes do país.

Limpeza e urbanização

do Rio de Janeiro

Já dissemos atrás, quando nos referíamos à peste bubônica, que nenhum

plano de saúde daria certo sem a higienização da cidade, retirando-lhe o aspecto

doentio e criando condições sanitárias que impedissem o desenvolvimento de

epidemias. Para isso, era necessária a realização de obras públicas de vulto,

que o governo, sozinho, não teria como fazer, seja pela falta de uma estrutura

de engenharia especializada, seja pela falta de recursos financeiros para um

empreendimento dessa monta.

De sua parte, o governo não podia buscar esses recursos no exterior, pois,

por cláusula contratual, o país estava proibido de realizar novos empréstimos

enquanto perdurasse a moratória da dívida externa. Essa situação não servia ao

Brasil, que precisava de capitais para o desenvolvimento, nem agradava aos

banqueiros, aos quais interessava reiniciar seus empréstimos ao país, agora que

as finanças estavam em ordem. Como sair dessa situação?

Para equacionar o problema, desenvolveu-se um projeto que matava dois

coelhos com uma só cajadada, e este consistia em entregar a execução das

obras públicas a empresas privadas, dentro de um processo de terceirização.

Com efeito, várias empreiteiras foram organizadas como sociedades

anônimas de construção, ficando encarregadas de arregimentar mão-de-obra

adequada e, como empresas privadas, esses empreiteiros negociaram

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empréstimos diretamente com os banqueiros internacionais, permitindo o aporte

de dinheiro, sem a quebra das regras contratuais da moratória assinada pelo

governo.

Foi assim que o prefeito Francisco Pereira Passos pôde remodelar a cidade,

derrubando velhos casarões, construindo largas avenidas e realizando obras de

infra-estrutura para controlar o meio ambiente. Esse trabalho iniciou-se logo na

primeira fase do governo de Rodrigues Alves, em 1903.

Para dar mobilidade ao prefeito, foi assinada uma lei específica,

concedendo-lhe amplos poderes de ação. Essa extensão de poderes não

encontrou unanimidade. Rui Barbosa criticou o que considerava excesso de

poderes nas mãos de um só homem e outros o seguiram em discursos que foram

se tornando mais inflamados, à medida em que o próprio direito de propriedade

ia sendo questionado com a desapropriação de imóveis para andamento do

projeto.

Mudando a cara da cidade

Foi assim, pois, que o Rio de Janeiro conseguiu ser reurbanizado. Ao

término do mandato, o prefeito havia mudado a cara da cidade, conforme

descreve Hélio Silva:

"Mas quando Passos leu, perante o Conselho Municipal, a sua última

mensagem de prefeito, a cidade tinha mudado, com as aberturas das

avenidas Mem de Sá, Salvador de Sá, Gomes Freire, Passos, Beira Mar,

Atlântica; o alargamento das ruas Trezes de Maio, Carioca, Assembléia,

Sete de Setembro, Marechal Floriano, Visconde de Inhaúma, Acre,

Visconde do Rio Branco, Frei Caneca, Camerino, Catete, Laranjeiras,

bulevar 28 de Setembro; construção ou reconstrução do cais Pharoux e

dos Mineiros, largo da Glória, do Róssio, do Machado, de São Domingos,

do Passo e do campo de São Cristóvão. Cortavam-se ou arrasavam-se

os morros do Castelo e do Senado, para abrir novas vias de comunicação.

A velha metrópole desaparecia, dando lugar ao Teatro Municipal, à Escola

de Belas Artes, à Biblioteca Nacional, todo o conjunto de novos edifícios

da avenida Central, as redações do Jornal do Comercio, do Jornal do

Brasil, de O País. As sedes do Clube Naval, Militar, Jockey Club Brasileiro.

Em 1906, Copacabana surge no plano da cidade, a avenida Nossa

Senhora de Copacabana, as ruas Santa Clara e Barroso (Siqueira

Campos), Salvador Correia (Princesa Isabel). Ainda não figura o traçado

da Vila de Ipanema, com a sua praia do Arpoador. Nem Leblon e a Lagoa

Rodrigo de Freitas tinham sido incluídos no processo de urbanização.

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Houve, também, a reconstrução do cais do porto, outro foco de doenças,

eliminando-se as pontes e plataformas de madeira e substituindo-as pelo

concreto. Cuidou-se do aprofundamento das águas, permitindo que navios de

grande calado pudessem chegar até o cais, evitando o trabalho e o custo do

transbordo para embarcações menores. Enfim, o Rio de Janeiro ganhou nova

aparência e nova vida, num projeto de longo prazo, que colocou a cidade entre

as maiores, mais importantes, e mais belas do mundo.

Embora com menor alarde, outras obras se realizaram pelo país afora, dentro

de um programa integrado de desenvolvimento. Não chamaram tanto a atenção

quanto as do Rio de Janeiro, por ser este a capital do país, e por ter um

considerável aglomerado populacional.

Nessa época, o Rio tinha 700 mil habitantes, amontoados no centro e

circunvizinhanças. Assim, os problemas ali tornavam-se mais complicados que

em outros lugares. Na contrapartida, quando solucionados, os resultados se

faziam ouvir aos quatro cantos do país.

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A diplomacia de Rio Branco

Outro homem ajustado seu tempo, foi José Maria da Silva Paranhos Junior,

barão do Rio Branco, nascido no Rio de Janeiro em 1845, filho do Visconde do

Rio Branco. Ainda criança, acompanhou o pai ao sul do país, quando se

negociava com a Argentina e o Uruguai a adesão do Brasil à guerra contra o

Paraguai. Interessou-se logo pela carreira diplomática e foi nesse campo que

prestou inúmeros serviços à pátria, recebendo até uma citação elogiosa do

próprio Rui Barbosa que o chamou de Deus Terminus (nos limites de Deus).

No governo Prudente de Morais, já se havia resolvido algumas questões

territoriais envolvendo a disputa com a Guiana Francesa pelo Amapá, a solução

definitiva com relação ao território das Missões, na divisa com a Argentina e a

questão levantada com a invasão, pela Inglaterra, da ilha da Trindade.

Assumindo agora o Ministério da Justiça, em substituição a J.J.Seabra, resolveu

outra pendência territorial, desta vez envolvendo questões de divisa com a

Guiana Inglesa.

Mas nenhum problema deu tanto trabalho e envolveu tantas negociações

como a questão territorial entre Brasil e Bolívia pela posse do território do Acre.

A questão do Acre

Não era uma simples disputa por questões de limite. O território do Acre

envolvia problemas econômicos, que recrudesceram com o ciclo da borracha e

a solução era difícil, mesmo em se contando com a cooperação das partes

envolvidas, e se constituía em desafio até para o hábil e experiente Rio Branco.

No princípio, era apenas uma selva, que os brasileiros foram invadindo e

povoando, sem maiores transtornos. A povoação se fez sob as vistas do governo

boliviano que não encontrava motivos para disputa. Os limites entre os dois

países nem estavam claramente definidos naquela região. Um tratado

diplomático chegara a ser assinado em 1867 pelo governo imperial mas não foi

aplicado por qualquer das partes.

As dificuldades maiores começaram em 1895, quando um aventureiro

espanhol se dispôs a levantar os moradores da região, acenando-lhes com a

possibilidade de criar ali um território autônomo, o que ameaçava a integridade

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territorial tanto do Brasil como da Bolívia. Ambos os países reiniciaram as

conversações, resultando em um novo tratado, assinado no mesmo ano. Em

1899 esse tratado foi consolidado por outro, envolvendo terras mais ao norte do

Acre, o que gerou protestos do Peru, pois a área agora envolvida era limítrofe

aos três países. Assim, a questão ficou em suspenso por tempo indeterminado,

até que uma atitude inusitada e intempestiva da Bolívia elevou a temperatura ao

ponto da fervura.

Envolvimento dos

Estados Unidos

Aconteceu que, em 1901, o governo boliviano, com o assentimento do

Congresso daquele país, e no desprezo total pelos interesses dos seus vizinhos,

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entregou todo o território do Acre ao Bolivian Syndicate, um cartel formado de

capitalistas norte-americanos, ao qual cabia explorar e administrar a área com

plenos poderes, com o que ficava ameaçada a soberania não só do Brasil, da

Bolívia e do Peru, como de toda a região norte do nosso continente, incluindo

Equador, Colômbia e Venezuela.

Na época, os Estados Unidos manifestavam abertamente sua vocação

imperialista, retirando Cuba da influência espanhola e envolvendo-se em

conflitos na América Central. Pode-se imaginar o perigo que representava a

existência de um Estado independente americano em região tão estratégica e

envolvendo a borracha, matéria prima essencial, encontrada só na Amazônia.

Aumentava a preocupação, porque esses Syndicates [cartéis], proliferavam

em outras partes do planeta e tinham um claro objetivo de firmar presença

americana em áreas do interesse daquele país, garantido sua influência cultural,

política e econômica.

Enquanto o Brasil estudava a melhor maneira de enfrentar o problema,

aconteceu que a reação veio espontaneamente dos brasileiros ali residentes,

chefiados por Plácido de Castro, nascido no Rio Grande do Sul, mas com

residência fixada no Acre.

Foi em agosto de 1902 que Plácido levantou o patriotismo dos brasileiros ali

residentes e iniciou um movimento armado contra a Bolívia. A guerra se

espalhou por todo o território, conseguindo os patriotas expulsar as forças

bolivianas estacionadas em Puerto Alonso.

A essa altura, a Bolívia preparava uma reação, com o envio de mais tropas

para a região, objetivando dominar o conflito. Por sua vez, tropas brasileiras

também foram deslocadas para a área, visando proteger a população e os

nossos interesses na região.

Enquanto, por um lado, as partes conflitantes tomavam uma posição de

força, por outro lado, o ministro da Justiça, Barão do Rio Branco agia, por via

diplomática, procurando fazer com que a Bolívia cancelasse o contrato assinado

com os empresários ianques. Depois, o Barão, por sua conta e risco, cuidou de

afastar da disputa o sindicato americano, conseguindo sua desistência do

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empreendimento, em troca de uma indenização, pelo Brasil, no valor de 126 mil

libras..

Por fim, intensificou suas gestões com a diplomacia boliviana para liquidar

de vez a questão do Acre, evitando que o problema voltasse à tona no futuro.

Em 17 de novembro de 1903, finalmente, foi assinado o Tratado de Petrópolis,

em que ficava validada a posse e soberania do Brasil sobre todo o território do

Acre.

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Não saiu barato, para o Brasil, o tratado de paz. Como indenização, a Bolívia

recebia dois milhões de libras. Ademais, o Brasil se comprometia a efetivar a

construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, cortando a floresta

amazônica. Mas a compensação era grande, pois ficavam anexados ao território

brasileiro mais 180 mil quilômetros quadrados de terra rica em seringais e, com

os impostos arrecadados nos anos seguintes, foi possível ressarcir o país das

despesas havidas.

Além do mais, e não é pouco, evitou-se uma guerra entre Brasil e Bolívia, a

qual, envolvendo também interesses americanos, ninguém sabe como iria

terminar.

Outras questões de menor importância, envolvendo conflitos com o Peru

(divisas com o Acre), Equador, Colômbia, Venezuela e Guiana Holandesa, foram

resolvidas com a ação paciente desse hábil negociador.

Fim de governo

O tempo é o melhor juiz. Administrando os problemas nacionais com

determinação, Rodrigues Alves conseguiu colocar contra si setores expressivos

da sociedade brasileira e despertar a ira da população, principalmente do Rio de

Janeiro. Ao fim de mandato, ainda não estava assentada a poeira, mas as vozes

dissidentes não encontravam a mesma repercussão dos primeiros tempos.

A obra de saneamento e desenvolvimento estava realizada. O Rio de Janeiro

renasceu e o país permanecia em paz. A despeito das grandes despesas

realizadas durante a gestão, em consequência das obras contratadas, a situação

econômica do país era boa e o plano de estabilização de seu antecessor,

permanecia firme. Realizou-se um bom trabalho, mas os cofres públicos não

foram delapidados.

Mais uma etapa da vida nacional estava cumprida. Rodrigues Alves,

deixando a presidência, ainda se elege, uma vez mais, governador do Estado de

São Paulo, e depois, senador da República. Em 1818, volta a ser eleito

presidente da República, mas, desta vez, não chega a tomar posse. As razões,

você conhecerá, quando chegar o momento.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO SEIS

UM MANDATO E DOIS PRESIDENTES

AFONSO PENA E NILO PEÇANHA - 1906-1910

Durante o período de Afonso Pena, havia dois blocos em

destaque, que influíam nos destinos do governo. Um deles era

formado por jovens entusiasmados, mas românticos e

inexperientes, e, por isso, ficou conhecido como o Jardim da

Infância. Era comandado pelo mineiro Carlos Peixoto Filho,

presidente da Câmara, de 35 anos. O outro bloco tinha como líder

inconteste o gaúcho José Gomes Pinheiro Machado, sexagenário,

no auge de sua carreira política, e formava o Bloco do Morro da

Graça, onde residia o chefe.

Não há mal que sempre dure, nem há bem que nunca acabe. Sobretudo em

política, que tem uma dinâmica própria, capaz de fazer implodir os planos mais

consistentes, reduzindo-os, num piscar de olhos, a um monte de entulho. E um

projeto para durar mil anos, desaparece instantaneamente, como num passe de

mágica, assim que mudem os fatores que lhe davam sustentação.

Dois governos atrás, o Presidente Campos Sales criara a Política dos

Governadores, que, fraudando a vontade das urnas, permitia aos governos

estaduais comandar bancadas fortes dentro do Congresso Nacional e, em troca,

essas bancadas eram colocadas a serviço dos interesses do governo central.

Foi assim que o Presidente conseguiu levar adiante seu rígido plano de

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recuperação financeira para, em seguida, comandar o processo de sucessão e,

por fim, pôde entregar ao presidente eleito uma casa em ordem.

Foi também da mesma maneira que Rodrigues Alves suportou a tremenda

pressão da sociedade contra seu plano de erradicação dos surtos epidêmicos

que atingiam o Rio de Janeiro e, também em nível nacional, encetar a política de

desenvolvimento que o país estava a reclamar. Para um e outro estadista, não

lhes faltou o apoio dos caciques estaduais, e das bancadas que eles

comandavam.

Todavia, a força da Política dos Governadores, em muito se assemelha à

dureza dos diamantes, capazes de cortar os mais rígidos materiais, mas que, a

um toque bem dado, perdem sua estrutura, estilhaçando-se em milhares de

pedaços.

E foi o que aconteceu quando a oligarquia cafeeira pretendeu transferir para

os cofres do governo os prejuízos que se anunciavam com a superprodução e a

ameaça de baixa dos preços do café. Acenaram eles para a política de proteção

aos investimentos, um vício de que o capitalismo brasileiro não conseguiu se

livrar até os dias de hoje.

Esta é a regra geral. Com as vacas gordas, se faz a capitalização dos lucros,

no melhor estilo liberal; com as vacas magras, promove-se a socialização dos

prejuízos, com uma volúpia que não se encontra nem nos regimes de economia

estatal centralizada.

O Convênio de Taubaté

A crise do café era um acontecimento previsível a quem acompanhasse o

desenvolvimento dessa cultura. A lavoura cafeeira, que estava concentrada no

Estado do Rio de Janeiro, atravessou as fronteiras e caminhou por São Paulo,

em direção ao vale do Paraíba. Avançando mais, encontrou as terras roxas,

ainda virgens. Depois, seguindo por Campinas em direção à Alta Paulista,

pretendiam alcançar as barrancas do rio Paraná e, de Sorocaba, iam em direção

à Alta Sorocabana, num caminho que parecia nunca mais ter fim.

O Brasil era um país de vocação agrícola, como já o dissera um Presidente,

todavia, sequer tínhamos um ministério da agricultura para prover a

diversificação das plantações de forma a garantir várias culturas, com

perspectivas de encontrar mercado que as absorvesse.

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Deixando na conta dos fazendeiros, num liberalismo perigoso e

inconsequente, a corrida se deu exclusivamente em favor do café, sem levar em

conta que o mercado tem uma capacidade limitada de compra. E aconteceu que,

em 1905, São Paulo tinha plantados já 600 milhões de pés de café, com uma

produção pronta e encalhada de 11 milhões de sacas de 60 quilos.

Alarmados com a bomba que estava para explodir, reuniram-se na cidade de

Taubaté, vale do Paraíba, os presidentes do Estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá,

de Minas Gerais, Francisco Sales, e do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, resultando

desse encontro um convênio, assinado em 26 de fevereiro de 1906, pelo qual se

iniciava uma política de preços mínimos, lastreados em ouro, sobretaxando o

valor-ouro, e recomendando empréstimos para a estocagem do produto com

objetivo de forçar a alta no mercado. Esse acordo previa, também, uma política

de contenção de plantio, taxando-se violentamente qualquer novo

empreendimento nesse setor.

Quem pagaria essa conta? Ah, sim, a execução do projeto era transferida ao

governo federal, que nem fora consultado a respeito, o qual deveria arrecadar a

taxa-ouro e aplicá-la no pagamento das dívidas contraídas pelo Estado.

Rodrigues Alves, já em fim de governo, ao saber do convênio, manifestou-se

contra ele e, no que toca ao governo federal, não tomou qualquer providência

para tornar possível sua execução.

Em represália, os cafeicultores resolveram interferir diretamente na sucessão

presidencial, articulando, eles mesmos, as candidaturas do mineiro Afonso

Pena, para presidente, e do governador fluminense Nilo Peçanha, para vice.

São Paulo, que já tinha feito três presidentes consecutivos, preferia abrir a

mão de um quarto candidato para evitar que o nome escolhido pelo Presidente

viesse a contrariar os seus interesses.

Afonso Pena, o escolhido, estava comprometido com a política do café, e Nilo

Peçanha, como governador do Rio, era um dos signatários do Convênio de

Taubaté. Falhou a Política dos Governadores e Rodrigues Alves, deixou, assim,

de fazer o seu sucessor.

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Os postulantes à presidência

O candidato presidencial do gosto do Presidente seria Bernardino de Campos,

mas este praticamente queimou sua candidatura com uma entrevista

contundente dada ao jornalista Alcindo Guanabara, do jornal O País, em que

criticava o presidente Rodrigues Alves e pedia uma revisão constitucional para

reorganizar a nação, atingindo também, em sua fala, outras forças presentes na

vida nacional, como a oligarquia rural.

O gaúcho Pinheiro Machado, a esta altura, já tinha domínio político amplo, era

líder de uma forte bancada no Congresso Nacional e pretendia se lançar

candidato, levantando a bandeira de seu Estado, o Rio Grande do Sul.

Sua estratégia, bem-sucedida, foi usar o apoio dos estudantes de Direito de

São Paulo para lançar a candidatura de Campos Sales, com o objetivo de dividir

os paulistas e, assim, enfraquecer a pré-candidatura de Bernardino de Campos.

Resultou que os três saíram enfraquecidos e, nessa situação, não lhes restou

alternativa senão apoiar Afonso Pena.

Para os articuladores desta opção, só faltava agora neutralizar a candidatura

de Rui Barbosa, pleiteada pelo Estado da Bahia. Mas ele próprio se convenceu

da inviabilidade de seu nome e, por fim, resolveu, também apoiar Afonso Pena,

que foi eleito em março e tomou posse em 15 de novembro de 1906.

Note-se que, com a máquina dominando tudo, o eleitorado tinha muito pouco

a decidir, pois já recebia da cúpula um prato feito, e a opção era pegar ou largar.

As forças políticas se aglutinavam em torno de um único nome, limitando ou

eliminando a liberdade de escolha.

Ademais, o voto não era obrigatório, as mulheres não tinham direito a voto e

o alistamento dos eleitores era feito pelos próprios partidos, através de seus

cabos eleitorais. Nesse processo de alistamento eleitoral, criava-se facilidades

para os correligionários e dificuldades à oposição.

Por fim, se tudo isso falhasse, o voto a descoberto, ou a bico de pena permitia

o controle da vontade dos eleitores. E, se ainda assim a votação estivesse

apertada, era possível falsear as atas eleitorais, até chegar ao resultado

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pretendido. Com todos esses recursos, durante a primeira República, o sistema

nunca perdeu uma eleição. E, como se viu, na mais completa lisura.

Quem era Afonso Pena

Afonso Augusto Moreira Pena, nascido em Minas Gerais em 1847, não era

um republicano histórico. Toda sua carreira política se desenvolveu à sombra do

Império, ao qual serviu até o último momento.

Estudou na Faculdade de Direito do largo de São Francisco, juntamente com

Rodrigues Alves. Ingressa depois no Partido Liberal e, em 1874, se elege

deputado provincial. Quatro anos mais tarde, vai para a Câmara de Deputados,

onde cumpre quatro legislaturas, de 1878 a 1889, quando houve a mudança do

regime. Servindo o Império, foi ministro da Guerra em 1882, da Agricultura em

1883 e da Justiça em 1885.

Proclamada a República, elege-se deputado constituinte em 1890. Depois, em

1892, passa a ser o presidente do Estado de Minas Gerais. Terminado o

mandato, torna-se, por três anos, presidente do Banco da República. Em 1899

elege-se senador, voltando ao parlamento.

Quando se tornou Presidente do Estado, em 1892, a capital de Minas Gerais

ainda era a Vila Rica do Ouro Preto. Cuidou, pois, de construir, 40 quilômetros

ao norte, uma nova cidade, planificada, destinada a ser em definitivo a capital de

Minas Gerais.

Foi assim que surgiu Belo Horizonte, inaugurada na passagem de governo

ao seu sucessor. Em sua homenagem, a via principal da cidade tem o nome de

avenida Afonso Pena.

Mergulhado de corpo e alma na política brasileira, por mais de 30 anos, em

contato diuturno com os problemas nacionais, parecia ser, dentre todos, o mais

apto a galgar o posto mais alto da vida pública, qual seja, a Presidência da

República.

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As forças políticas

Tomando-se como exemplo os Estados Unidos da América, constatamos a

existência, naquele país, de duas correntes de opinião, que se aglutinam,

respectivamente, em torno do Partido Republicano e do Partido Democrata.

Há centenas de minorias com liberdade para se expressar politicamente,

mas, na essência, os únicos que tem peso suficiente para influir são os

republicanos e os democratas, dominando o cenário em um bipartidarismo

natural, posto que representam, em sua quase totalidade, as duas principais

correntes da opinião nacional.

Ao contrário, a cultura política do Brasil (e isto vale até os dias de hoje) nunca

proporcionou a criação de partidos políticos fortes, com ideologia marcante,

capazes de representar as várias correntes de opinião pública.

Na prática, a política brasileira não se desenvolve em torno de partidos, mas

de blocos de interesse que, ao sabor dos acontecimentos, se formam e se

desmancham, para voltar mais tarde com nova composição e novos interesses.

Durante o período de Afonso Pena, havia também dois blocos em destaque,

que influíam nos destinos do governo. Um deles era formado por jovens

entusiasmados, mas românticos e inexperientes, e, por isso, ficou conhecido

como o Jardim da Infância. Era comandado pelo mineiro Carlos Peixoto Filho,

presidente da Câmara, de 35 anos.

O outro bloco tinha como líder inconteste o gaúcho José Gomes Pinheiro

Machado, sexagenário, no auge de sua carreira política, e formava o Bloco do

Morro da Graça, onde residia o chefe.

Já vimos, em tópico anterior, a habilidade de Pinheiro Machado em atrair

Campos Sales para a disputa eleitoral, dividindo São Paulo e permitindo a

eleição de um mineiro para a Presidência. E é ele que vem dar trabalho ao novo

governo que, para não perder sua sustentação no Congresso, teve de apoiar-se

no Jardim da Infância de Peixoto Filho.

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O Ministério

O primeiro ministério de Afonso Pena ficou assim formado:

Relações Exteriores, José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio

Branco, 61 anos, nome incontestável mesmo entre os oposicionistas do

governo; Justiça, Interior e Instrução Pública, Augusto Tavares Lima, 47

anos, ex governador de Minas; Fazenda, Davi Moretzson Campista,

carioca, 43 anos, deputado federal; Viação e Obras Públicas, Miguel

Calmon du Pin e Almeida, baiano, descendente do Marquês de Abrantes;

Guerra, marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, 51 anos, sobrinho do

marechal Deodoro. Este foi, mais tarde, substituído pelo general Luís

Mendes de Morais, primo do ex-presidente, Prudente de Morais; Marinha,

Almirante Alexandrino de Alencar, gaúcho, 58 anos, um dos participantes

da Proclamação da República.

O governo de Afonso Pena

Com a casa deixada em ordem pelos seus antecessores e com o crédito

exterior reabilitado, Afonso Pena não tinha qualquer compromisso com a

austeridade econômica, e tinha todos os compromissos com a minoria que lhe

propiciou a candidatura e garantiu sua eleição.

O Convênio de Taubaté, que alterara os rumos das eleições presidenciais,

estava agora aprovado pelo Congresso Nacional, por maioria esmagadora. Na

Câmara, a aprovação se deu por 107 contra 15 votos e no Senado, por 31 contra

6 votos. Essa votação tinha acontecido ao final do governo de Rodrigues Alves,

e a revelia deste.

Como a criação de uma Caixa de Conversão, conforme previsto no Convênio,

dependia de leis complementares, os interessados esperaram a mudança de

governo para concluir os trâmites, o que aconteceu sem maiores problemas.

Afonso Pena, que, quando governador de Minas, já construíra uma cidade

para abrigar a nova Capital do Estado, sonhava agora em marcar sua passagem

pela Presidência da República com a realização de grandes obras, abrangendo

o país inteiro. Incluia, em seus planos, ferrovias cortando o Brasil por todos os

quadrantes, e a tão sonhada ferrovia Norte-Sul, ligando Belém do Pará a Porto

Alegre.

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Num primeiro momento, as linhas já existentes seriam prolongadas, ao norte,

até as barrancas do Rio São Francisco e, ao sul, partindo de São Paulo, pela

Alta Sorocabana, e atravessando os Estados do Paraná e Santa Catarina, até a

capital do Rio Grande do Sul.

Na Alta Paulista, partindo de Bauru, um novo ramal seguiria a noroeste,

atravessando o Estado do Mato Grosso, até chegar a Santa Cruz de la Sierra,

na Bolívia. E projetava, mais, reforma de portos, melhoria da vida nas cidades,

subsídio às indústrias, etc., etc.

O Brasil vivia um daqueles momentos de euforia, esquecendo-se de um

detalhe muito importante: todo o progresso vinha sendo conseguido com o

dinheiro fácil dos empréstimos no exterior, ou seja, sacava-se outra vez sobre o

futuro, deixando as dívidas para serem pagas pelos governos seguintes. Era

mais uma das pedaladas, as quais o Brasil se acostumou a ver no decorrer de

sua história.

Pondo-se de lado esse fato, no mais, o quadriênio foi profícuo em obras,

embora não tenha conseguido levar a efeito todo o plano, por demais ambicioso

para um período tão curto.

Rondon, o marechal da paz

Dentro do plano de expansão e desenvolvimento do governo Afonso Pena,

surge mais um nome para a página de heróis brasileiros: Cândido Mariano da

Silva Rondon, nascido em 1865 na cidade de Mimoso, Estado do Mato Grosso.

Estudou na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro e, em 1890,

formou-se em Ciências Físicas, Naturais e Matemáticas.

Em 1894 ingressa para a comissão construtora de linhas telegráficas que

ligam Goiás a Mato Grosso. É nessa atividade que surge sua primeira

oportunidade de contato com rudes fazendeiros, escravos maltratados e índios

desconfiados e hostis para com os homens brancos.

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Desenvolve, então um trabalho de pacificação, conseguindo dos órgãos

governamentais a demarcação de terras de vários povos indígenas. Sem esse

programa paralelo de relacionamento com as tribos selvagens, seria impraticável

a instalação das linhas telegráficas em pleno sertão, e menos ainda, garantir o

seu funcionamento regular, evitando depredações.

Assim, em 1910, conseguiu que o governo promovesse a criação do Serviço

de Proteção ao Índio (SPI), precursor da FUNAI, que ficou sob sua direção.

Com esse processo integrado de engenharia e de socialização dos silvícolas,

foi possível fazer com que a rede de telégrafos chegasse até o Estado do Acre,

atravessando quase dois mil quilômetros de florestas e desenvolvendo uma

riquíssima experiência com a participação, também, de geógrafos e naturalistas.

Seu trabalho foi, finalmente, reconhecido quando, em 1955, o Congresso

Nacional aprovou uma lei especial que lhe dava o posto de marechal do Exército.

Rondon veio a falecer em 1958.

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Imigração e progresso

No governo Afonso Pena surgiu uma nova onda imigratória, de várias

nacionalidades e para diversos pontos do país. Os italianos foram para o interior

de São Paulo, os alemães, para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os

poloneses e russos, para o Paraná, chegam novas levas de portugueses e

também de libaneses, estes últimos que a população se habituou chamar,

carinhosamente de turcos.

A economia continuava centralizada no café e na borracha, produtos dos quais

ainda éramos os grandes exportadores. Da borracha por exemplo, o Brasil

conseguia suprir 80 por cento das necessidades do mercado internacional.

Com relação à borracha, vivendo o presente mas desdenhando o futuro,

vivemos uma situação que não perduraria por muitos anos, pois, dependendo

exclusivamente de seringueiras nativas, e sem que os produtores se

preocupassem em fazer uma plantação regular e ordenada, acabamos perdendo

mercado para outros novos países, especialmente a Malásia.

O país podia contar, afinal, com um modesto desenvolvimento industrial, com

tecelagens e indústrias de bens de consumo, tudo para venda no mercado

interno. O futuro da indústria era promissor, pelos incentivos oficiais que recebia

e pela chegada de imigrantes que vinham reforçar a mão-de-obra nas cidades.

Diplomacia

O Barão do Rio Branco, confirmado uma vez mais na pasta de Relações

Exteriores, prosseguiu em seu trabalho diplomático de resolver questões com os

países vizinhos, atuando no sentido de delimitar as fronteiras passíveis de litígio,

especialmente com a Colômbia, a Venezuela, o Peru e o Uruguai.

Em 1907, Rui Barbosa foi indicado para representar o Brasil na Conferência

de Paz de Haia (Holanda), defendendo ardorosamente o princípio de igualdade

de todas as nações soberanas, independentemente de sua projeção.

Rui impressionou a todos com sua oratória e, num feito extraordinário, obteve

a aprovação de seu projeto de criar uma Carta Internacional de Arbitragem para

resolver conflitos internacionais.

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Tamanha a impressão causou que seu nome foi incluído entre os Sete Sábios

de Haia, assim escolhidos: Rui Barbosa, Barão Marshal, Nelidoff, Choate, Kapos

Meye, Léon Bourgeois (Prêmio Nobel da Paz em 1920) e Conde Tornieli. Para

nós, Rui ficou para sempre conhecido como A Águia de Haia.

A sucessão presidencial

Descuidando-se do fato de que o poder central já não tinha mais aquela força

que lhe era dada pela Política dos Governadores, Afonso Pena, pretendendo

seguir o exemplo de seus antecessores, assumiu a tarefa de coordenar a

escolha de um candidato às próximas eleições presidenciais e jogou todas as

cartas sobre o nome de seu ministro da Fazenda, o jovem Davi Campista,

contrariando, com isso, as pretensões veladas de outros auxiliares e, o que é

pior, levantando a fúria do todo poderoso Pinheiro Machado, que detinha o

controle do Congresso Nacional.

O escolhido pelo Presidente, como se recorda, era um dos egressos do Jardim

da Infância e não tinham, nem ele, nem seus companheiros, lastro político para

sustentar uma luta dessa envergadura.

Entre os governistas, a candidatura não despertou interesse maior. Se os

caciques republicanos não lhe faziam franca oposição, também não tinham

motivos para cruzar lanças nesse terrível embate que é o processo eleitoral,

menos ainda se dispunham a queimar seu prestígio por um nome de menor

projeção, e que não tinha qualquer identificação com as forças políticas

dominantes.

Já o grande opositor, Pinheiro Machado, viu nesse lance a grande

oportunidade de provocar uma cisão dentro do governo e, manhosamente,

insinuando-se entre oficiais militares de prestígio, conseguiu convencer o seu

conterrâneo marechal Hermes da Fonseca, então ministro da Guerra, a se lançar

candidato, reavivando o saudosismo dos governos fortes de Deodoro e Floriano.

Era o florianismo que renascia do meio das cinzas.

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Os acontecimentos se precipitam. Em 12 de maio de 1909, aniversário do

Hermes, o capitão Jorge Pinheiro, lança a candidatura do marechal, fazendo, em

presença do ministro, severas críticas ao governo.

Animado, o marechal apresenta a Afonso Pena uma carta seca e ríspida,

pedindo demissão do Ministério. Na ocasião, assegurou ao Presidente que não

se envolveria no processo eleitoral, mas, no dia seguinte, enviou uma carta a

Afonso Pena, retificando sua posição.

Rui Barbosa, sondado a respeito por Pinheiro Machado, descarta seu apoio,

não por ser o candidato um militar, mas pelo tom militarista com que a campanha

havia sido lançada.

Finalmente, no dia 19, em protesto contra tal candidatura, o deputado Carlos

Peixoto Filho, renuncia à presidência da Câmara, solidarizando-se com o

presidente da República. Com essa renúncia, bem intencionada mas ineficaz,

desfaz-se também o bloco de apoio presidencial, o chamado Jardim de Infância.

O Presidente ficou só, completamente só. O golpe foi pesado demais,

levando-o à depressão, à doença e ao fim. No dia 14 de junho de 1909, após

dois meses de crise política, morria Afonso Pena, assumindo em seu lugar o

vice, Nilo Peçanha.

Quem era Nilo Peçanha

Nilo Procópio Peçanha nasceu em Campos, Estado do Rio, em 1867. Vindo

de origem humilde, lutou muito para realizar seus estudos na própria cidade

natal. Concluído o colégio, foi para Recife, onde matriculou-se na Faculdade de

Direito. No ano de 1887, já advogado, retornou à cidade de Campos onde

montou um escritório de advocacia.

Idealista e vivamente interessado pela política e pelos problemas sociais do

país, participou da campanha abolicionista e, depois, lutou pela Proclamação da

República. Foi deputado constituinte, deputado federal e, em 1903, elege-se

governador do Rio de Janeiro, em substituição a Quintino Bocaiúva. Em 1906,

elege-se vice-presidente da República.

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Assumindo o governo, pela morte de Afonso Pena, reorganizou o gabinete,

criando um novo ministério para cuidar de assuntos da agricultura, indústria e

comércio. Foram seus ministros:

Relações Exteriores, Barão do Rio Branco; Justiça, Esmeraldino

Bandeira; Fazenda, Leopoldo de Bulhões; Viação, Francisco de Sá;

Guerra, Carlos Eugênio de Andrade Guimarães; Marinha, Alexandrino de

Alencar; Agricultura, Indústria e Comércio, Antônio Cândido Rodrigues.

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Embora sendo um político habilidoso, não teve como registrar sua passagem

pelo governo, tanto mais que assumiu para si a responsabilidade de prosseguir

o plano traçado por seu antecessor. Ademais, além do curto tempo que lhe

restava, pouco mais de um ano, recebeu o governo embaralhado com a disputa

presidencial, que se desenvolvia com dinâmica própria, afetando a presidência

da República, sem que o Presidente pudesse fazer alguma coisa para mudar o

rumo dos acontecimentos.

Como se não bastasse, havia desentendimentos entre ruralistas mineiros e

paulistas sobre a execução do Convênio de Taubaté, ocasionando disputas que

se prolongaram até o fim do mandato.

Honra lhe seja feita, teve a humildade de dar continuidade ao governo anterior,

não se induzindo à tentação de criar novos planos para um período tão curto

(faltavam 15 meses para se encerrar o mandato), o que seria ineficaz e custoso

para o país.

Entregue a faixa presidencial ao sucessor, permaneceu na vida política, tendo

sido uma vez mais Governador do Rio de Janeiro, elegeu-se duas vezes

senador, foi Ministro das Relações Exteriores no governo de Venceslau Brás e

tentou voltar à presidência em 1921, sendo derrotado. Faleceu no Rio de Janeiro,

em 31 de março de 1924.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO SETE

A POLÍTICA DE SALVAÇÃO NACIONAL

HERMES DA FONSECA - 1910-1914

A campanha à presidência da República teve um cenário bem

definido de polarização. De um lado, o candidato militarista,

marechal Hermes da Fonseca e, de outro, o candidato civilista Rui

Barbosa. Um dos pontos positivos da candidatura Hermes foi a

reação do Movimento Civilista que, pela primeira vez, na História

da República, levou o povo às ruas, pelo país afora, ouvindo e

aplaudindo a oratória brilhante de Rui Barbosa e criando um divisor

de águas na política nacional. Como o voto era facultativo e

sabidamente fraudado, o alistamento da classe média era

insignificante, já que ninguém se propunha a entrar num jogo de

cartas marcadas, referendando um processo inválido.

Os acontecimentos que levaram à candidatura de Hermes da Fonseca, foram

antes o resultado de uma trapalhada aprontada pelo próprio presidente Afonso

Pena, ao apresentar o nome de seu jovem ministro, Davi Moretzson Campista

como candidato oficial do governo, sem fazer antes qualquer sondagem às

forças que lhe davam sustentação. Maior prudência seria necessária, não

apenas em atenção aos seus aliados, mas porque Campista era egresso do

Jardim de Infância e tal indicação ia bater de frente contra a bancada controlada

pelo seu opositor, Pinheiro Machado, provocando um terremoto no Congresso.

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- 090 -

Ainda em tempo de recuar, Afonso Pena insistiu em manter essa indicação, e

não foi por falta de aviso. Consultado, Rui Barbosa expôs sua opinião, alto e a

bom som, alertando o Presidente sobre a imaturidade do candidato, além do que

este não tinha tradição para conseguir se impor às correntes políticas nos vários

Estados.

Tentou o Presidente obter apoio de São Paulo e Minas mas só recebeu

evasivas. Consultando o Barão do Rio Branco, reserva moral da nação, este

escusou-se diplomaticamente a se envolver no assunto.

Que mais faltava, a guisa de sinalização, para indicar ao Presidente que o

caminho escolhido era incerto e perigoso, e deveria ser abandonado? Pois o

recuo, lamentavelmente, não estava em seus planos, e aconteceu o previsível.

No Congresso, Pinheiro Machado, que era militar, começou, então, a articular

a candidatura do Ministro da Guerra, marechal Hermes da Fonseca, o que levou

Carlos Peixoto Filho a renunciar à presidência da Câmara, perdendo o

Presidente a sua já precária base parlamentar.

No Exército, militares saudosos do florianismo, lançaram a candidatura do

marechal como representativa das Forças Armadas, dando-lhe, pois, um caráter

militarista, mal disfarçado com o nome do civil Venceslau Brás, apontado para

vice.

Civilismo versus militarismo

Forma-se, então, um movimento oposicionista, com a candidatura civilista de

Rui Barbosa, tendo como vice o ex-governador de São Paulo, Albuquerque Lins,

ambos sustentados, em sua campanha, com o dinheiro dos cafeicultores

paulistas e, portanto, sujeitos a um esquema político pré-definido.

Viajando pelo Brasil, Rui Barbosa se atirou à sua pregação com um fervor

missionário, levantando multidões, ao denunciar a máquina política montada

desde os primórdios da República, que impunha nomes, controlava a votação e,

como se não bastasse, fraudava as atas, para garantir a eleição de seu

escolhido.

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Procurando isentar-se de qualquer preconceito contra o Exército, Rui

Barbosa, em carta a Hermes da Fonseca, deixa claro que "...a farda de que veste

[o marechal] não constitui objeção ao exercício dessa magistratura suprema.

Nada exclui, entre nós, o militar, de servir ao país nesse posto, uma vez que ele

se não confira ao militar, mas ao cidadão. (...) Assim, se o honrado marechal

saísse do Congresso, do seio de um partido, ou de um passado político para a

situação de chefe do Poder Executivo, o fato seria natural e a sua candidatura

teria sido acolhida com o meu imediato assentimento".

Posta nestes termos, a campanha deixava de ser um embate entre dois

candidatos à presidência, transformando-se claramente em confronto entre o

civilismo, representado por Rui Barbosa, e o militarismo, na pessoa do marechal

Hermes da Fonseca.

Assim se desenvolveu a propaganda, e a pregação de Rui deu origem ao

chamado Movimento Civilista, que levantou o país durante todo o ano de 1909,

até as eleições de 1910.

O Movimento Civilista

Um dos pontos positivos da candidatura Hermes foi a reação do Movimento

Civilista que, pela primeira vez, na História da República, levou o povo às ruas,

pelo país afora, ouvindo e aplaudindo a oratória brilhante de Rui Barbosa e

criando um divisor de águas na política nacional.

Como o voto era facultativo e sabidamente fraudado, o alistamento da classe

média era insignificante, já que ninguém se propunha a entrar num jogo de cartas

marcadas, referendando um processo inválido.

A situação não mudou e o próprio Rui antecipava isso nas campanhas,

deixando claro que a possibilidade de ganhar nas urnas e ser validado pelo pela

Comissão Verificadora era praticamente nula, mas, a voz que não se conseguia

ouvir nas urnas, tinha agora a possibilidade de se fazer ouvir nas ruas.

Os eternos ausentes, desta vez, se alistaram e incentivaram outros a fazê-lo.

A classe média começou a exercer sua função na política nacional, como

formadora de opiniões e multiplicadora de idéias. E Rui Barbosa lançou o seu

Credo Político, como base de sustentação ao governo, que vale à pena ler:

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"Creio na Liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na

Lei, a primeira das suas necessidades; creio que, neste regime, soberano

é só o Direito, interpretado pelos tribunais; creio que a República decai

porque se deixou estragar, confiando-se às usurpações das forças; creio

que a Federação perecerá se continuar a não acatar a justiça; creio no

Governo do povo pelo povo; creio, porém, que o Governo Popular tem a

base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional, pelo

desenvolvimento nacional do ensino, para a qual as maiores liberdades

do erário constituirão sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza

comum; creio na Tribuna sem fúrias, e na Imprensa sem restrições;

porque acredito no poder da razão e da verdade; Creio na moderação e

na tolerância, no progresso e na tradição; no respeito e na disciplina, na

impotência fatal dos incompetentes e no valor insuprível das

capacidades."

E Hermes ganhou a eleição...

Tudo aconteceu direitinho como Rui antecipara em sua campanha. Em 1º de

março de 1910 um novo eleitorado foi às urnas para registrar a sua vontade e,

mais uma vez, a escolha popular foi fraudada, deste o sufrágio até a confirmação

pela Comissão Verificadora.

A principal concentração eleitoral do país estava nas capitais e foi nelas que

Rui conseguiu arregimentar a maior quantidade de novos eleitores. No interior,

o voto de cabresto e o poder sem fim dos coronéis impediam maior avanço da

oposição.

Pois foi nas capitais que as sessões eleitorais, na sua maioria, não se abriram,

seja pela falta de mesários, ou por conflitos que impediram seu funcionamento.

O próprio Rui Barbosa e seus assessores passaram o dia procurando por uma

sessão que estivesse aberta e na qual pudessem votar.

Durante a apuração, as fraudes ocorreram de um lado e do outro. Partidários

da oposição, tal qual seus adversários, souberam bem manipular as atas,

falseando-as em proveito próprio. O jornal O País fez vazar uma circular

endereçada aos chefes civilistas, na qual se recomendava que, ao preencher as

atas nas sessões eleitorais sob seu controle, fizessem diminuir 20 por cento no

total de votos de Hermes, acrescentando-os ao total de votos de Rui.

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Rui Barbosa ganhou, com pequena vantagem, no Distrito Federal (Rio de

Janeiro), em sua terra natal, a Bahia, e nos Estados sob o controle da oligarquia

que o apoiou, como em São Paulo e Minas Gerais.

No restante do país, o resultado a favor de Hermes da Fonseca foi

acachapante. Por exemplo, no bloco de Estados formado por Amazonas, Pará,

Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte, cerca de 95 por cento dos votos válidos

foram para Hermes da Fonseca.

A luta de Rui Barbosa prosseguiu no Congresso Nacional, junto à Comissão

Verificadora e, mais tarde, na Justiça, procurando provar a inelegibilidade do

vencedor, já que ele era um candidato sem título de eleitor, não estando, pois,

no gozo de seus plenos direitos políticos, conforme determinava a lei. O

marechal era alistável (tinha direitos) mas não se alistou (perdeu esses direitos).

Toda retórica resultou nula. O nome de Hermes foi homologado e, em 15 de

novembro de 1910, era o marechal empossado na presidência da República, em

substituição a Nilo Peçanha.

Quem era Hermes da Fonseca

Hermes Rodrigues da Fonseca nasceu em 1855 na cidade de São Gabriel,

Rio Grande do Sul, 300 quilômetros a sudoeste de Porto Alegre. Era sobrinho do

marechal Deodoro e, bem cedo, abraçou a carreira militar. Mantendo-se

afastado da política, seu nome não alcançou, durante o Império e no início da

República, a notoriedade do tio. Em 1906, foi ministro da Guerra do governo

Afonso Pena e só então, obteve o posto de marechal do Exército.

Foi eleito presidente da República em março de 1910, e como ainda faltavam

mais de oito meses para a posse, aproveitou esse lapso para fazer uma

tumultuada viagem à Europa.

Ao passar pela Alemanha, foi convidado pelo Kaiser Guilherme II para assistir

manobras militares. Esse ato provocou protestos de seus adversários, e uma

reação negativa por parte da França, pois o treinamento de nosso pessoal de

Exército e Marinha era feito pela missão militar francesa, surgindo, então, a

desconfiança de que o interesse de Hermes era romper o contrato vigente e

assinar um acordo com a Alemanha para prosseguir na tarefa.

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Já em Portugal, sua visita trouxe uma infeliz coincidência, pois, quando era

recepcionado pelo rei, chega a notícia de que se iniciara a revolução republicana

que pôs fim ao Império luso.

Durante seu governo, morre sua esposa, e Hermes vem a contrair núpcias

com a jornalista e caricaturista Nair de Teffé, que não perdoava, na ironia de

seus traços, as figuras mais representativas da política (diz uma piada que

Hermes se casou com a jornalista só para se livrar dela no jornal...)

Nair de Tffé foi uma das mais avançadas figuras femininas da primeira

República. Introduziu nos salões a música popular brasileira, numa época em

que nossas modinhas eram consideradas música de taverna. E não teve dúvidas

em apoiar a vilipendiada compositora Chiquinha Gonzaga, levando-a para tocar

e cantar no palácio.

Pelos anos sessenta, já viúva, e com a parca aposentadoria que recebia dos

cofres públicos, dedicou-se a criar algumas crianças que adotara. E, presente a

um programa de TV, não hesitou em fazer uma caricatura do então presidente

Costa e Silva.

O novo ministério ficou assim constituído:

Relações Exteriores, José Maria da Silva Paranhos, Barão do Rio

Branco; Justiça, Interior e Instrução Pública, Rivadávia da Cunha

Corrêa; Fazenda, Francisco Antônio de Sales; Viação e Obras

Públicas, J.J.Seabra; Agricultura, Pedro de Toledo; Guerra, general

Emilio Dantas Barreto; Marinha, Almirante Joaquim Marques

Batista de Leão.

Durante a festa, um canhonaço

No dia 22 de novembro de 1910, sete dias após a posse, quando se verificava

uma recepção a bordo do navio português Adamastor, com a presença do novo

Presidente e de todo o ministério, ouve-se um sonoro troar de canhão, vindo de

uma das peças da esquadra brasileira, causando preocupação e alarme entre

os presentes.

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A mudança de governo não se fazia em clima de absoluta tranquilidade. O

Presidente, se contava com ampla cobertura das Forças Armadas, não era

unanimidade entre os militares e, como já se viu, tinha uma oposição consistente,

vinda de interesses contrariados e momentaneamente fora do poder. Além do

mais, na formação de seu Ministério, foi afastado o nome do anterior ministro da

Marinha, almirante Alexandrino de Alencar, despertando animosidade nos meios

castristas.

Tudo isso passava instantaneamente pela cabeça daqueles que participavam

da festividade, menos a verdadeira razão daquele tiro inusitado, que nada tinha

de saudação ao novo governo. Não era a Marinha, como arma, que se revoltava,

mas sim os marinheiros da esquadra, sob a chefia de João Cândido, marinheiro

de primeira classe. A sedição envolvia os navios Minas Gerais (sede da revolta),

São Paulo, Deodoro e Bahia, ameaçando se alastrar pelos demais vasos de

guerra.

Em radiograma ao presidente da República, transmitiram suas

reivindicações: queriam a abolição do castigo da chibata, humilhante, doloroso

e mutilador.

A Revolta da Chibata

O castigo pela chibata (chicote com pregos) não era coisa nova e vinha, já,

desde os tempos do Império. Abolido pelo Governo Provisório, foi reintroduzido

por um decreto, ainda no mesmo governo, dado que os oficiais da Marinha

consideravam impossível manter a ordem dentro da corporação, se não

tivessem um meio eficaz de coerção à indisciplina dos marinheiros.

E não era para menos. À falta de voluntários, os marinheiros eram recrutados

pelos processos mais variados e, muito à revelia dos escolhidos, para um

período de serviço de quinze anos. Entre eles havia tanto gente da pior espécie,

recolhida a bordo, quanto meninos de doze ou treze anos, expulsos de casa

pelos pais, e que iniciavam o aprendizado da profissão como grumetes.

A disciplina se fazia rígida até para os padrões militares, com trabalho pesado

e prolongado, e com raríssimas folgas para pisar em terra firme. Era a

escravidão, abolida no fim do Império, mas que permanecia com todos os seus

horrores a bordo dos navios, recebendo a chancela da lei.

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Qualquer marinheiro faltoso, dependendo da gravidade de sua falta, recebia

desde uma pena leve, como prisão numa solitária, por três dias, até a pena de

25 chibatadas, limite raramente respeitado, podendo a violência ser estendida

até a inconsciência e a morte do infeliz. A aplicação da chibata era tão frequente

que havia até mesmo carrascos designados dentro de cada navio, para a

aplicação do castigo.

Os protestos dos marinheiros já vinham sendo feitos veladamente, por

bilhetes anônimos, que, se descobriu, eram redigidos por um marinheiro

intelectual, Francisco Dias Martins, conhecido como mão negra.

Não conseguindo, nem assim, sensibilizar os oficiais, agora, a revolta estoura

com toda sua fúria, ficando o mão negra encarregado da comunicação escrita.

O comando permaneceu nas mãos de João Cândido, rude marinheiro, incapaz

de medir as consequências de cada ato e de deter as mãos assassinas que, com

seus atos de barbárie, iam criando uma situação irreversível e tornando

impossível a conciliação.

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A vitória aparente

Para se ter ideia da violência, nenhum oficial a bordo, do mais graduado, ao

mais simples, ficou vivo. Foram todos mortos e colocados em câmara-ardente.

Depois, os marinheiros, em radiogramas enviados à terra exigiam além da

eliminação da chibata, também a anistia geral pelos crimes cometidos. Exigiam

mais - pasmem! - a presença, a bordo, do próprio presidente da República, para

completar as negociações, ameaçando destruir a cidade, se não fossem

atendidos em seus desejos.

A situação era tensa. Com o poder de fogo que tinham, os rebelados podiam,

de fato, destruir qualquer alvo à sua volta, dentro da baía da Guanabara. Uma

reação pelas forças de terra não ajudaria muito, na medida em que muitas vidas

seriam perdidas, além do que estaríamos destruindo o melhor do nosso

patrimônio naval.

O deputado José Carlos de Carvalho, oficial da Marinha, com autorização do

Congresso, vai a bordo e constata a gravidade da situação. De lá traz para a

terra o último marinheiro chicoteado, que foi estopim da revolta, deixando-o em

estado grave num hospital. No depoimento do próprio deputado, "...as costas

desse marinheiro assemelham-se a uma tainha lanhada para ser salgada".

Era o dia 25 de novembro de 1910. No palácio do Governo, reúnem-se o

Presidente, os ministros e gente experiente da política, analisando a situação.

Foi o conselheiro Rodrigues Alves que, perguntado, deu a palavra final. Se não

havia outro caminho, que então se concedesse a anistia, não porque a

merecessem, mas para não mergulhar o país em tragédia ainda maior.

O Congresso, a contragosto, e sob protestos de muitos, votou favoravel à tal

anistia. Ao cair da tarde, o Presidente assinou a lei, coadjuvado pelo ministro da

Marinha, pelo chefe de Polícia e pelo deputado José Carlos de Carvalho.

Ainda nesse dia, a anistia foi aceita a bordo, contrariando a muitos, pois o

objetivo central, que era a eliminação da chibata, não havia sido atingido. Mesmo

assim, uma mensagem enviada ao oficial da Marinha e deputado José Carlos de

Carvalho, transmitia a concordância, anunciava a entrega da esquadra e fazia

uma ameaça:

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"Entraremos amanhã ao meio-dia. Agradecemos os seus bons

ofícios em favor da nossa causa. Se houver qualquer falsidade, o

senhor sofrerá as consequências. Estamos dispostos a vender caro

as nossas vidas - Os revoltosos."

Passaram-se poucos dias e nova rebelião estoura, pela mesma razão, mas

esta de menores proporções, envolvendo pessoal de base na ilha das Cobras e

mais os marinheiros de um vaso de guerra.

Calcularam mal, estes outros marinheiros, os efeitos de seu movimento, pois

desta vez, não envolvendo a população da cidade, o Governo sentiu-se seguro

para ordenar o bombardeio contra a ilha, morrendo quase todos, dentre os

seiscentos revoltosos.

A repressão severa

Para o Governo, esta nova revolta resultou em lucro. Alarmado com a

reincidência e com o temor de que a situação saísse do controle, o Congresso

não teve dúvidas em aprovar o Estado de Sítio.

A trágica ironia era que os mesmos que antes defendiam a anistia, incluindo

Rui Barbosa, agora clamavam pela necessidade de medidas excepcionais para

o controle absoluto da situação.

E, suprema das ironias, no bombardeio contra ilha das Cobras, foram

utilizados os navios Minas Gerais, São Paulo e Deodoro, os mesmos que, dias

antes, haviam ameaçado bombardear a cidade do Rio, pondo em xeque as

instituições.

Amparadas pela suspensão de parte das garantias constitucionais, as forças

policiais foram às ruas fazendo uma operação de varredura, na qual prenderam

indiscriminadamente marinheiros e civis, criminosos ou não.

Muitos dos marinheiros presos estavam garantidos pela anistia concedida

anteriormente, entre eles o chefe da revolta, João Cândido. Entre os civis se

achavam desocupados inconsequentes e um punhado de prostitutas. Era um

vale tudo, amparado pelo estado de exceção.

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O navio cargueiro "Satélite" partiu, então, para a Amazônia, levando, segundo

relato de bordo, uma carga de "105 marinheiros, 292 vagabundos (sic), 44

mulheres e 50 praças do Exército". Seguindo instruções, a maior parte dos

homens foi entregue à "Comissão Rondon" para trabalhos forçados. Os

restantes, inaptos para o serviço, foram simplesmente abandonados na floresta,

distantes um do outro, para não haver possibilidade de se reorganizarem.

Os prisioneiros que ficaram no Rio de Janeiro foram, posteriormente,

encerrados em uma cela solitária no presídio da ilha das Cobras, sendo que

apenas dois sobreviveram, um deles, o próprio João Cândido que, mais tarde,

fez a narrativa de toda a tragédia. Mas este já é um assunto que não cabe neste

espaço.

Apenas um comentário final. Não se pode nem de longe inculpar Hermes da

Fonseca pelos excessos cometidos. Os que conheceram o marechal, apontam-

no como brando, pacífico e bondoso, voltado para sua atividade militar e pouco

afeito à política e às ações repressivas.

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- 100 -

Por outro lado, João Cândido, e os demais líderes da primeira sedição, não

tinham a exata noção de proporções, quando chacinaram todos os oficiais dos

navios rebelados, criando uma situação de todo irreversível. Daí para diante, o

espírito corporativo no seio militar esperava apenas uma oportunidade para a

desforra, e esta apareceu com a suspensão das garantias constitucionais, pela

decretação do Estado de Sítio. O resto, já se sabe.

A “Política de Salvação Nacional”

Os problemas políticos nos Estados da Federação vinham de longe, desde as

últimas eleições estaduais, ocorridas há três anos, nas quais os ganhadores

jubilavam e os perdedores, sentindo-se esbulhados, esperavam a hora oportuna

para uma revanche. Não eram forças populares em ação, mas oligarquias que

lutavam com unhas e dentes para aumentar a sua fatia de poder.

O início do governo Hermes da Fonseca era um complicado tabuleiro de

xadrez. No Congresso, permanecia o poder de Pinheiro Machado, que se

estendia aos governadores em sua órbita de influência. Havia também a

presença do deputado Fonseca Hermes e do deputado capitão Mário Hermes.

O primeiro era irmão do marechal e líder da maioria na Câmara. O segundo era

filho de Hermes e líder da bancada da Bahia.

Dentro do Ministério, ponteavam, pelo menos, duas forças contrárias a

Pinheiro Machado e com pretensões políticas em seus respectivos Estados.

Eram o Ministro da Viação, José Joaquim Seabra, baiano, e o Ministro da Guerra,

general Emilio Dantas Barreto, pernambucano. Ambos representavam correntes

atuantes na capital federal, mas estavam vivendo seus momentos de ostracismo

nos próprios Estados de origem.

Junte-se a tudo isso o fato de que, 1911, renovavam-se as Câmara

Municipais e 1912 era o ano de eleições para renovação dos governos estaduais,

assembleias legislativas e, em alguns Estados, também, do senado estadual.

Envolvendo-se na política regional, o governo central interveio o quanto pôde,

mudando os governos e alterando a composição de forças. Essas intervenções,

referendadas pelo Congresso, receberam oficialmente o nome de re-

saneamento político, mas a opinião pública, sarcasticamente, as chamou de

políticas de salvação.

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Estado do Rio de Janeiro

A primeira salvação envolveu o Estado do Rio de Janeiro, onde a presença do

governador Alfredo Backer era contestada pela oposição, surgindo em

consequência duas Assembleias Legislativas, uma de apoio ao governador

empossado e outra apoiando o governador em litígio.

Alfredo Backer consegue um habeas-corpus, legitimando-o no poder, mas o

Ministro da Justiça envia tropas federais àquele Estado sob a alegação de que

era necessário garantir o patrimônio público e o bom funcionamento das

repartições. Desta forma, impôs-se pela força, e alterou o governo local, dando

posse ao candidato de preferência do governo central.

Estado de Pernambuco

A política salvacionista em Pernambuco foi uma das mais complicadas, mas

era também a mais compensadora, pela força que este Estado possuía no

cenário nacional. O controle do Estado se achava com a família Rosa e Silva,

mais particularmente nas mãos de Francisco Assis Rosa e Silva, nome de

tradição e projeção, pois já fora conselheiro do Império e, na República, elegeu-

se vice-presidente, junto com Campos Sales.

Político hábil, não criou dificuldades a Campos Sales em seu governo.

Diplomata, era adversário de Pinheiro Machado, mas foi favorável à candidatura

de Hermes da Fonseca. E, desta maneira, ficou bem com ambas as forças

dominantes, tanto no Congresso como na Presidência.

Sabia avançar, mas tinha o bom senso de recuar, quando a situação assim o

aconselhasse. Tal flexibilidade garantia a família na proeminência da política

pernambucana.

Sua superioridade passou a ser contestada, entretanto, na formação do

Gabinete, quando foi nomeado para o Ministério da Guerra o general Emilio

Dantas Barreto, engrandecendo Pernambuco, mas diminuindo o campo de

manobra dos Rosa e Silva.

Candidatando-se a governador pela oposição, com o apoio do Barão de

Lucena e José Mariano, o general Dantas Barreto desequilibrou as forças,

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provocando o embate das duas facções, nos moldes do coronelismo, com

ocorrência de arruaças e lutas de emboscada. O Ministério da Guerra passou,

então, para as mãos do general Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva,

e Dantas Barreto seguiu para Recife, passando ele próprio a comandar a

campanha.

As eleições em Pernambuco, dentro do sistema fraudulento em voga, deram

vitória a Rosa e Silva, enquanto a oposição se declarava vitoriosa com Dantas

Barreto. As lutas nas ruas se intensificaram, a polícia estadual se rebelou, com

apoio dos praças do Exército.

O governador interino, Estácio Coimbra, não tendo condições de resistir,

renunciou ao governo, deixando sem base política o seu padrinho Rosa e Silva.

Foi o momento para o bote final. O Congresso Estadual (Assembleia e Senado

local) considerou vitorioso o general Dantas Barreto, homologando seu nome.

Trocando-se o comando militar, assumiu o coronel Abílio de Noronha, partidário

do ex-ministro da Guerra e permaneceu nesse posto até garantir a posse do

general Dantas Barreto no governo do Estado. Estava, pois, concluída a segunda

operação salvadora.

Estado da Bahia

A salvação na Bahia envolvia os interesses do ministro J.J.Seabra, a quem

interessava reassumir o controle total da política estadual, contando com o apoio

aberto do presidente da República, o qual chegou a fazer uma visita à Bahia,

acompanhado de seu ministro da Viação.

A reação veio por José Marcelino e Severino Vieira, que controlavam o

Congresso estadual (assembleia e senado) e o governo do Estado.

Pronto para a reação, o governo do Estado aumentou seu efetivo policial,

recrutando jagunços, trazidos dos sertões e até retirados da cadeia, onde

cumpriam penas pelos crimes cometidos. Ou seja, gente descompromissada

com a vida e disposta ao que der e vier. Eram já 4.500 militares, e mais de

seiscentos policiais civis, todos de alta periculosidade.

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Ocorridas as eleições municipais, em 1911, houve como de costume,

divergência de resultados. Para garantir sua posição, o governo em exercício

sitiou a cidade, interditando inclusive o Congresso e impedindo os parlamentares

de exercer sua função. A justiça lhes concedeu o habeas-corpus e o governador

Aurélio Viana recusou-se a cumprir a ordem judicial.

Estava aí o pretexto para a intervenção. O Governo federal ordenou que o

general Sotero de Menezes pusesse suas tropas na garantia da lei, o que não

aconteceu, pois o efetivo do Exército era menos de um terço do efetivo da polícia

estadual.

Dado que o governador insistisse em descumprir o mandado judicial, Sotero

preferiu bombardear a capital, pelos fortes de São Marcelo e Barbalho, criando

pânico na cidade e obrigando o governador Aurélio Viana a renunciar.

No Rio de Janeiro, renunciava, também, o ministro da Marinha, em protesto

pelo bombardeio. Reposto no governo, Aurélio Viana volta a renunciar, dias

depois.

Realizaram-se, por último, as eleições para Governador e, contrariando a

rotina, o nome do vencedor, J.J.Seabra, não foi contestado, sendo ele

empossado, pacificamente, como governador da Bahia. A terceira salvação

estava consumada.

Estado do Ceará

No Ceará, de há muito, a política era controlada pela família Accioly.

Pressentindo que seu Estado seria o próximo a ser contemplado com a salvação,

o governador Antônio Nogueira Accioly, que aspirava pela reeleição, cuidou de

aumentar seu efetivo policial, nos mesmos moldes e pelo mesmo processo

utilizado na Bahia.

Em dezembro de 1911, desistiu da reeleição, mas impôs como candidato

José Joaquim Domingues Carneiro, que lhe era obediente e continuaria a zelar

pelos interesses da oligarquia que controlava o poder.

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A oposição, apoiando-se no militarismo, apresentou um candidato saído dos

quartéis, o coronel Marcos Franco Rabelo. A este candidato reuniram-se,

também, todas as forças políticas que, por mais de vinte anos, se achavam

afastadas do poder.

A partir daí, choques entre a polícia e a oposição passaram a ser frequentes.

Em 21 de janeiro de 1912, um domingo, a polícia dissolveu com extrema

violência uma passeata de crianças e mulheres, que promoviam a campanha do

coronel Rabelo.

Recusando-se, o governador, a entregar ao Exército o policiamento das ruas,

foram convocados Tiros de Guerra de outras cidades para virem à capital, para

participar da luta.

No dia 23, se concretizava a intervenção, com as tropas federais nas ruas. O

governador tentou, então outra manobra. Renunciou, entregando o governo ao

sucessor legal, Mauricio Gracho Cardoso, que era seu genro. A transferência foi

impugnada e, no cargo, foi investido o dr. José Boaventura Bastos, em 24 de

janeiro de 1912.

Em 12 de fevereiro, contrapondo-se à candidatura oposicionista do coronel

Marcos Franco Rabelo, o grupo Accioly lançou, então, outro militar, o general

Bezerril Fontenelle.

Não ficou nem para um, nem para outro. Marcos Franco Rabello, da oposição,

ganhou, tomou posse, mas não conseguiu maioria na Assembleia.

Resumo da ópera: o grupo contrário obteve um habeas-corpus, instalou outra

Assembleia paralela em Juazeiro e deu posse a Floro Bartolomeu, representante

do Padre Cícero, que começava a despontar no cenário político. Reinou a paz

no Ceará.

Estado de Alagoas

Era a família Malta que detinha o poder no Estado de Alagoas, protegida

também por Pinheiro Machado e com uma solidez de concreto, que nenhuma

política salvadora, aparentemente poderia derrubar.

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Embora o presidente da República fosse do Rio Grande do Sul, é bom que

se lembre que sua família tem origem em Alagoas, onde nasceu o tio, marechal

Deodoro, e onde vivia toda a sua parentela.

Foi assim que, contra a vontade de Hermes, o grupo de salvadores, que

representava a oposição, à procura de um nome para governador, resolveu

lançar a candidatura do general Clodoaldo da Fonseca, um primo-irmão do

Presidente, pouco afeito às lides políticas, mas que não resistiu ao convite para

galgar tão alto cargo.

Os Maltas não deixaram por menos, e apresentaram a candidatura do general

Olímpio da Fonseca, também parente do Presidente. Ficou então uma situação

curiosa, que seria cômica, se não fosse trágica. Tínhamos agora dois candidatos,

os dois militares, e os dois parentes do chefe da Nação que, a esta altura, ainda

que quisesse, não teria mais condições para apoiar o candidato dos salvadores.

Não durou muito a divisão. O próprio general Olímpio refletiu melhor e desistiu

da candidatura, ficando a vaga em aberto. Enquanto se procurava um novo nome

para substitui-lo, aconteceu que o governador Euclides Malta mandou reprimir

uma manifestação de adeptos do general Clodoaldo, que se realizava na praça

principal da cidade, com mortos e feridos de um e outro lado.

A reação popular a esse acontecimento foi grande e fortaleceu os

oposicionistas. A essa altura, a vitória da oposição era tida como certa e ninguém

queria queimar seu futuro político aceitando apresentar-se como candidato do

governo, pelo que, à falta de um opositor, Clodoaldo da Fonseca foi eleito e

empossado. Estava consumada outra salvação, e esta com sabor especial, por

implodir a estrutura de concreto representada pela oligarquia dos Maltas.

Outras salvações

Vencida a força da inércia, o mecanismo das salvações passa a funcionar

quase que automaticamente, e as oligarquias que dominavam os outros Estados

foram caindo, uma a uma, sem grandes dificuldades. São Paulo livrou-se da

ação salvadora, indicando para a sucessão do governador Albuquerque Lins, o

respeitável nome do conselheiro Rodrigues Alves, ex-governador e ex-

Presidente, contra o qual ninguém teria coragem de levantar a voz.

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No Rio Grande do Sul, a presença de Borges de Medeiros, herdeiro político

de Júlio de Castilhos, não recomendava qualquer espécie de intervenção.

Borges de Medeiros, através de sucessivas reeleições, vinha dominando o

governo do Estado desde 1898 e, vamos adiantar, ainda ficaria no poder até o

ano de 1926, quando blancos e colorados se ajustam para um nome de

consenso, o de Getúlio Dorneles Vargas. Mas isso é futuro. O importante é saber

que, no Rio Grande do Sul, o status foi mantido.

O gaúcho Pinheiro Machado garantiu o prestígio no Estado natal, mas foi o

grande perdedor na Política de Salvação Nacional, pois teve seu caminho

cortado, passo a passo, em quase todos os Estados do país, tornando-se um

gigante de pés de barro, imenso ainda, mas sem condições de se sustentar na

nova ordem da política nacional.

O governo Hermes da Fonseca

Aos tantos problemas que atribularam o governo Hermes da Fonseca, ao final

de mandato, pode-se acrescentar mais um, de caráter internacional, mas que

viria afetar diretamente o Brasil.

Em 1912, com a derrocada do Império Turco-Otomano, rebelam-se os povos

iugoslavos, iniciando uma guerra local contra os turcos, numa coalizão formada

por Montenegro, Macedônia, Sérvia, Grécia, Bulgária e Albânia.

Derrotados os turcos, começam as lutas internas, o prenúncio da Primeira

Guerra Mundial, que, em 1914, começaria bem ali, em Serajevo (Bosnia-

Herzegovina).

Com o aumento da tensão internacional, os capitais externos começam a

escassear, balançando a já precária situação financeira do Brasil, que se vê

obrigado a recorrer a outra moratória.

Os problemas econômicos se agravam com a queda na exportação da

borracha, que agora enfrenta a concorrência asiática. Cai a renda proveniente

da exportação do café, provocando um déficit na balança comercial.

Concorrendo com a dívida externa, aumentam também os déficits

orçamentários. O festival com dinheiro alheio, que começou no governo de

Afonso Pena, mais precisamente a partir do Convênio de Taubaté, acabou.

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Nesse quadro sombrio, nem era possível fazer uma administração grandiosa.

Hermes da Fonseca se limitou a prosseguir as obras projetadas por Afonso Pena

e continuadas por Nilo Peçanha, ampliando a rede ferroviária e estendendo,

tanto quanto possível, a rede telegráfica.

Foi em seu governo que se construíu o Forte de Copacabana, que, anos mais

tarde, em 1922, viriam a ser palco de outra revolta militar, em apoio ao próprio

Hermes. Também esse é um assunto para o futuro.

Um olhar sobre o futuro. Terminado o mandato, e passando o governo ao seu

sucessor, Hermes envolve-se, pelo menos indiretamente, nas revoltas de 1922,

é preso, depois é libertado, e retira-se para Petrópolis, onde morre, em 1923.

Com a morte do marechal Hermes, termina a participação da sua família na vida

política nacional.

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Post-scriptum

Na vida do marechal presidente, a figura de destaque é a

de sua segunda mulher, a jornalista e caricaturista Nair de

Teffé Hermes da Fonseca, que deu vida social ao palácio,

resgatando a música popular e prestigiando a figura da

compositora Chiquinha Gonzaga.

Em 1922, quando Hermes foi preso, suspeito de

participação nas revoltas militares, ela o acompanhou,

questionando não só o marechal reformado que o prendeu,

como o fato de ter sido posto em prisão militar sob o

comando de um coronel, patente inferior à dele.

Morto o marechal Hermes, dona Nair de Tefé adotou, em

sua vida, várias crianças, as quais sustentava e educava às

próprias expensas, com uma humilde pensão recebida a

partir do falecimento do marido.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO OITO

O CAMINHO PARA A PAZ

VENCESLAU BRÁS - 1914-1918

Nem as sete pragas do Egito, reunidas, causaram tanto estrago e

geraram tamanho pavor quanto a Gripe Espanhola, que chegou ao

Brasil em março de 1918 e teve sua presença marcada nos meses

seguintes. As escolas fecharam, depois fechou o comércio e ficou

semi-paralisada toda a atividade produtiva. Todas as mãos

disponíveis foram mobilizadas, de médicos e enfermeiros até

voluntários que, a última hora, foram instruídos para prestar os

mais elementares socorros. Nada disso evitou a imensa tragédia.

Os mortos eram recolhidos pelas ruas, empilhados em caminhões

e jogados em valas comuns, até que nem coveiros havia mais para

abrir essas valas, tendo-se que mobilizar tropas militares para

realizar o trabalho. Foi um dos grandes desafios enfrentados pelo

governo do pacato mineiro Venceslau Brás.

Transporte-se o leitor, por alguns momentos, para uma perdida cidade no

interior brasileiro. Por entre as árvores do bosque, um rio serpenteia, levando

suas águas ao destino final de quase todos os rios, que é o imenso oceano.

Numa curva, um pouco mais adiante, as águas se espraiam na várzea,

formando um remanso. O curso de água, até então agitado, faz uma pausa,

como se estivesse a tomar novo fôlego, antes de prosseguir sua longa viagem.

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Numa de suas margens, encontramos um paciente pescador, que ajeita o

caniço, coloca a isca que ele mesmo preparou e joga a linha sobre as águas. Em

seguida, recosta-se ao tronco de uma árvore, cerra os olhos, como que

dormitando, e põe-se a filosofar sobre a vida, o país, a política e o mundo em

que vive, do qual participa intensamente, porém, num ritmo diferente de seus

companheiros.

Se tal cena se passa nas primeiras décadas do século 20, se a região é o

sul de Minas Gerais, e se a cidade escolhida para compor esta imagem for

Brasópolis ou Itajubá, muito provavelmente, o tranquilo pescador outro não é

senão o sereno político mineiro Venceslau Brás Pereira Gomes.

Em busca de um sucessor

Bem distante desse cenário, no Rio de Janeiro, na segunda metade do ano

de 1913, o ambiente era totalmente diverso. Centro nervoso do país, a política

do Distrito Federal fervilhava com as negociações para a escolha do sucessor

do marechal Hermes da Fonseca.

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Um dos postulantes, pelos governistas, era Pinheiro Machado, embora

negasse isso sistematicamente. O outro, representando a oposição, era, uma

vez mais, Rui Barbosa, que sonhava em reencetar a campanha civilista de 1909.

Apesar de ter sido uma vítima indireta da Política de Salvação Nacional, que

tirou do poder dos Estados os seus mais fiéis correligionários, Pinheiro Machado

procurava, ainda, articular sua própria candidatura. Para tanto, aplicava uma

tática diversionista, lançando outros nomes que, em seguida, eram queimados,

tal como já ocorrera em eleição anterior.

Primeiro, ensaiou a candidatura de Rui Barbosa como nome de conciliação

nacional. Rui aceitou estudar a proposta, mas encerrou o assunto, quando lhe

foi colocada, como condição, a sua desistência a qualquer ideia de revisão

constitucional.

Pinheiro Machado já contava com essa recusa. Procurou, então o gaúcho

Sabino Barroso, nome de prestígio e projeção, certo de que ele rejeitaria o

convite. Como Sabino aceitou prontamente a candidatura, Pinheiro

desconversou, encerrando o assunto.

O terceiro a ser consultado, e vetado em seguida, foi o mineiro Francisco

Sales, que, quando ministro da Fazenda, teve um de seus atos questionado pelo

Tribunal de Contas, o qual levantou suspeitas quanto à lisura do processo.

Assim, a indicação do seu nome serviu apenas para tirá-lo da competição.

Passou, então, para o nome do governador do Rio de Janeiro, Oliveira

Botelho, de quem obteve uma resposta negativa.

A segunda vertente

As forças de São Paulo e de Minas Gerais, adversas a Pinheiro Machado, e

sonhando com o retorno da política do café com leite, reagiram às manobras

citadas e apresentaram Venceslau Brás, como um nome de consenso. Era um

político despretensioso, de gênio pacífico e conciliador.

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Quando vice-presidente do Estado de Minas, Venceslau não criou

dificuldades ao governador João Pinheiro. Muito pelo contrário, por decisão

própria afastou-se da política até a morte deste, em 1909, quando, como vice-

Governador que era, teve de assumir o governo e, ainda assim, manteve a

política de seu antecessor, atraindo as simpatias daqueles que se achavam na

órbita do poder.

Eleito vice-presidente da República, em 1910, passou a ser oficialmente o

presidente do Senado, conforme mandava a Constituição vigente. Preferiu,

entretanto, retirar-se para Itajubá, afastando-se da política, com o que deu plena

liberdade de movimentos, tanto ao presidente da República, marechal Hermes

da Fonseca, como ao senador Pinheiro Machado que, como vice-presidente do

Senado, substituiu Venceslau no trabalho de articulação política.

Poderia haver melhor nome? O raciocínio dos governistas, tanto no bloco de

Pinheiro Machado, quanto no dos adversários deste, era que, uma vez eleito

Presidente, Venceslau Brás se renderia às articulações políticas vindas de fora,

sem fazer oposição aos interesses dos grupos políticos dominantes.

Não havia mais o que discutir. E assim, por unanimidade, escolheu-se o

mineiro Venceslau Brás para Presidente, compondo chapa com o maranhense

Urbano dos Santos, para vice.

Os adversários, por sua vez, firmaram posição, lançando o baiano Rui

Barbosa e o paulista Alfredo Ellis, ambos apoiados pelo governador da Bahia,

J.J.Seabra.

Que não iam ganhar, já sabiam. O que verificaram logo é que não havia mais

ambiente para arregimentar as massas, numa nova campanha civilista, como em

1909, até mesmo pela falta da motivação principal, que seria um opositor saído

dos quartéis.

Havia um protagonista, Rui Barbosa, mas faltava o antagonista, um papel

que, certamente, não cabia na personalidade de Venceslau Brás. Reconhecendo

essa realidade, Rui anunciou sua desistência à candidatura, chegando-se, pois,

às eleições, com uma chapa única. Realizado o pleito, em 1º de março de 1914,

contaram-se 532 mil votos para Venceslau Brás e 47 mil votos de simpatia para

Rui Barbosa. Note-se que, para

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uma população em torno de 45 milhões de almas, o comparecimento às urnas

foi insignificante, revelando, novamente, a desilusão dos grandes centros pela

política nacional.

Assim, no dia 15 de novembro de 1914, com apoio quase irrestrito, Venceslau

Brás era empossado presidente da República, para um mandato de quatro anos.

Quem era Venceslau Brás

Venceslau Brás Pereira Gomes nasceu na cidade de Brasópolis, próximo a

Itajubá, em 1868. Na adolescência, mudou-se para São Paulo, onde completou

seu curso secundário, matriculando-se, em seguida, na Faculdade de Direito do

largo de São Francisco. Formado, volta ao interior de Minas, trabalhando, então,

como promotor público.

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Em Minas Gerais, elege-se deputado estadual por duas vezes e, em 1902,

vai para a Câmara Federal. Em 1906 é eleito vice-Presidente de seu Estado e,

em 1909, substitui o governador João Pinheiro, que falecera. Em 1910, é eleito

vice-Presidente da República (por consequência, também presidente do Senado

Federal), mas retira-se para Itajubá, onde passa a maior parte de seu mandato.

Agora, eleito e empossado presidente da República, Venceslau Brás

organiza seu Ministério como segue:

Justiça, Interior e Instrução, Carlos Maximiniano Pereira dos

Santos, gaúcho e colorado; Exterior, Lauro Severiano Müller

catarinense e descendente de alemães, que vinha já ocupando a

pasta desde a morte do barão do Rio Branco; Fazenda, Sabino

Barroso, gaúcho e homem de confiança do Presidente; Agricultura,

João Pandiá Calógeras, engenheiro fluminense; Guerra, José

Caetano de Faria, gaúcho e opositor de Pinheiro Machado;

Marinha, almirante Alexandrino Faria de Alencar, gaúcho, que

vinha do governo anterior; Viação, Augusto Tavares de Lira;

Prefeito do Distrito Federal, Aurelino Leal, nome da confiança de

Pinheiro Machado.

Como se percebe, uma boa parte do Ministério atendia a indicações do Rio

Grande do Sul, fruto de entendimentos com o senador Pinheiro Machado e com

o governador Borges de Medeiros.

Os vícios da República

Infelizmente, muito do tempo de um Presidente era tomado, não em atos

administrativos do interesse da Nação, mas em resolver questões políticas e

legais, resultantes do sistema eleitoral vigente.

Como se disse em capítulos precedentes, a República levava consigo vícios

congênitos, como o voto de cabresto, as eleições abertas, registradas a bico de

pena, as atas eleitorais falsificadas e, sobretudo, as Comissões de Verificação

formadas nos parlamentos para referendar ou modificar o resultado das eleições.

Tudo isso acabava por provocar batalhas judiciais, gerando sentenças que,

na maioria das vezes, não eram cumpridas pelos vencedores, os quais detinham

o poder e a força policial para garantir suas posições.

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Assumindo a Presidência, Venceslau encontrou alguns desses casos

pendentes e, com as eleições estaduais que se realizariam nos anos seguintes,

outros novos casos surgiriam, atormentando a vida do chefe da Nação e

colocando-o entre dois fogos. O peso era maior para o novo Presidente, dado o

compromisso assumido anteriormente, pelo qual as forças policiais seriam

sempre colocadas para defender as decisões da justiça, ainda quando o governo

não concordasse com elas.

Foi assim que se resolveram as questões surgidas nos Estados de

Pernambuco, Piauí, Amazonas, Alagoas, Espírito Santo e Goiás.

Mas houve um caso, o do Estado do Rio, envolvendo o ex-presidente Nilo

Peçanha, que merece ser visto em separado, pela maneira inusitada com que

ele se desenvolveu, e que comprometia a independência dos três poderes da

República.

O caso do Estado do Rio

O impasse criado no governo do Estado do Rio de Janeiro era uma bomba

de efeito retardado que surgiu nas últimas eleições estaduais, dois anos atrás, e

que Hermes da Fonseca vinha cozinhando, lentamente, em banho-maria,

passando seu teor explosivo ao sucessor, Venceslau Brás, com todas as honras

e glórias.

A querela vinha de longe e envolvia disputas pessoais, além do interesse

puro e simples pelo poder.

Nilo Peçanha, em 1908, elegeu seu sucessor no Estado, o correligionário

Oliveira Botelho, contando com sua fidelidade. Botelho, entretanto, rompeu com

o chefe, passando a apoiar ostensivamente o bloco político do senador Pinheiro

Machado.

Nas eleições a governador, em 1912, Oliveira Botelho, inopinadamente,

lança o nome de Feliciano Sodré, figura pouco conhecida, mas do agrado de

Pinheiro Machado. Furioso com a traição, Nilo Peçanha candidata-se, ele

mesmo, para fazer frente aos seus desafetos.

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Claro que, tendo sido governador do Rio de Janeiro e Presidente da

República, enfrentando um adversário desconhecido do eleitorado, Nilo tinha

todas as chances de vencer as eleições.

Precavendo-se, o governador convoca a Assembleia Legislativa, onde conta

com a maioria, e trata alterar a composição das forças na mesa da Assembleia

que deverá verificar os resultados das eleições e determinar qual dos nomes

será referendado.

Retirando os nilistas dessa composição, o governador garante o sucesso das

manobras que se farão na verificação dos resultados, momento em que a

Assembleia deverá referendar o nome daquele que, segundo ela, foi o escolhido

das urnas.

Indignada, a oposição nilista apresenta recurso junto ao Supremo Tribunal

Federal, o qual anula o ato e manda restabelecer a antiga mesa da Assembleia.

Já a Assembleia Legislativa, orientada pelo governador, decide não cumprir

a ordem do STF e impede a entrada da oposição em plenário.

O governo, reforçando sua posição, manda cercar o prédio da Assembleia

com tropas policiais. Como resultado, passa a haver, então, dualidade de

legislativos, uma Assembléia apoiada pelo governador e outra firmada no

acórdão do STF.

A crise em nível federal

A posse do governador fluminense, sabe Deus qual seria, estava para ocorrer

a 31 de dezembro de 1914 e, como o marechal Hermes deixaria a Presidência

em 15 de novembro, era preciso agir com rapidez.

Os governistas, a 2 de outubro, solicitaram intervenção federal no Estado do

Rio. O presidente da República, apoiando o candidato de Pinheiro Machado,

aceita o pedido e envia mensagem ao Congresso, criticando a decisão do

Supremo e solicitando que este vote o Estado de Sítio para descumprir o

mandado judicial.

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Na Câmara Federal, o deputado Fernando Mendes também critica o STF e

pede que seja votada censura Suprema Corte pela decisão tomada. Essa moção

absurda é retirada do Parecer à mensagem sobre o Estado de Sítio, sob a

alegação, mais absurda ainda, de que censurar o Supremo não é função da

Câmara, mas do Senado!

Em 15 de novembro de 1914, sai Hermes e entra Venceslau, que havia

jurado cumprir as decisões judiciais, sem entrar no juízo de valores das

resoluções.

Havendo interferido inicialmente na formação do Ministério, Pinheiro

Machado pensava estar com força suficiente para acuar o novo presidente da

República e vai ao Palácio, ameaçando retirar todo o Ministério sob seu controle

e mais o apoio de suas bancadas na Câmara e no Senado, se o Presidente

insistisse em enviar tropas na defesa da lei.

Nesse instante, Pinheiro percebeu que o mineiro sossegado e conciliador

não era tão fácil de manobrar como havia parecido a princípio. Venceslau reagiu

com energia, dispondo-se ele mesmo a demitir o Ministério, substituindo os

nomes indicados pelo gaúcho e colocando em seu lugar políticos vindos de

outras partes do país, que fossem igualmente capazes, e que, diferentemente,

estivessem dispostos a servir o país. Não havia mais o que conversar.

Em 27 de dezembro, quatro dias antes da posse, o grupo governista

estadual manda ao Presidente uma representação pedindo providências contra

a indevida interferência do Supremo Tribunal Federal em assuntos do Estado do

Rio. Na forma da lei, o Presidente encaminha tal representação ao Congresso,

que, entretanto, caminhava para o recesso de fim de ano, pelo que houve muita

agitação, mas nenhuma posição foi firmada.

O epílogo de uma crise

Havendo dualidade de Assembleias, conforme já dissemos acima, em 31 de

dezembro, passou a haver também uma dualidade de Governadores: Feliciano

Sodré foi empossado pelos governistas, enquanto que Nilo Peçanha era

empossado pela oposição.

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O Estado achava-se agora em ponto de confronto, numa tensão tal que

qualquer incidente poderia realmente levar à eclosão de uma guerra civil.

O assunto arrastou-se por mais oito meses, até que, em 8 de setembro de

1915, ocorre o inesperado assassinato do senador Pinheiro Machado, que dava

sustentação aos governistas fluminenses.

Foi água na fervura. Perdendo sua base de apoio, os governistas desistiram

da luta e Nilo Peçanha, por fim, é reconhecido como Presidente do Estado do

Rio, para um mandato que vai até 31 de dezembro de 1918.

A crise que atingiu o Estado do Rio de Janeiro por mais de um ano não foi

maior que as questões levantadas nos outros Estados, em disputas

semelhantes. Ela é contada aqui em separado e com destaque, para mostrar

como, naquela época, era difícil a aplicação do princípio de independência entre

os três poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Usando de todos os estratagemas, cada um dos poderes independentes

interferia abertamente na ação dos outros dois, causando desordens e

tumultuando a vida do país.

O governo de Venceslau Brás se desenvolveu, todo ele, dentro do clima

proporcionado pela Primeira Grande Guerra. Ela começou em 28 de junho de

1914, quatro meses antes da sua posse, e terminou em 11 de novembro de

1918, quatro dias antes do término do seu mandato, com a entrega da faixa ao

seu sucessor.

Assim, as diretrizes do governo ficaram limitadas e condicionadas a esse

importante acontecimento histórico que, embora ocorrendo na Europa, influiu

decisivamente na vida das três Américas.

Na primeira fase, participaram da guerra, como inimigos a Alemanha, a

Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária; como amigos, a Inglaterra (Império

Britânico), a França e a Rússia czarista, acompanhadas, também, pela Sérvia e

Montenegro (Iuguslávia) e pela Bélgica (Países Baixos)

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A Itália, embora aliada da Alemanha, acabou assinando um acordo secreto

com a Inglaterra, passando para este segundo bloco. Em 1917, saiu a Rússia,

premida pelos acontecimentos internos com a derrubada do Império e a

instituição do regime soviético.

Em compensação, nesse mesmo momento, entraram na guerra, ao lado dos

aliados, os Estados Unidos, o Brasil e os países da América Central.

Permaneceram na neutralidade Argentina, México, Chile, Venezuela e Paraguai.

Era a globalização de uma guerra que até aqui dizia respeito principalmente aos

países europeus.

Quanto ao Uruguai, Peru, Equador e Bolívia, estes ficaram em cima do muro,

rompendo relações com os países inimigos, mas sem qualquer outro

envolvimento.

Parece complicado, não? Mas foram quatro anos, em que as forças se

compuseram e se recompuseram, premidas por outros acontecimentos paralelos

à guerra.

A partir de 1917, o Brasil teve bombardeados vários navios mercantes. Em

represália, fez a apreensão outros tantos navios alemães que se achavam na

baía da Guanabara, bem como da canhoneira Eber, ancorada em Salvador.

O ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, que vinha prestando bons

serviços na diplomacia desde a morte do barão de Rio Branco, sofreu grandes

pressões, por ser de origem alemã, e teve de renunciar, sendo substituído por

Nilo Peçanha, que deixou o governo do Rio para atender essa emergência.

O Brasil se manteve na neutralidade, em relação à guerra, até 1º de junho

de 1917, quando foi decretado o Estado de Beligerância, precursor do Estado de

Guerra.

Quatro meses depois, a situação se agravou e, em 26 de outubro de 1918, o

Congresso Nacional "Reconhece e proclama o Estado de Guerra iniciado pelo

Império alemão contra o Brasil".

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Nossa participação efetiva se deu com o envio, ao campo de batalha, de

médicos cirurgiões, auxiliados por um grupo de estudantes de medicina.

Também enviamos soldados, mas apenas para guardar o hospital brasileiro de

campanha.

No plano interno, desde a retração dos capitais estrangeiros, no fim do

governo Hermes da Fonseca, a situação ficou delicada, a ponto de termos de

recorrer a uma nova moratória da dívida externa. Depois, com a guerra em

andamento e o Brasil ainda em neutralidade, aumentamos nossas exportações

de produtos agrícolas e matérias primas.

Impossibilitados de importar indiscriminadamente como fazíamos antes,

tivemos que recompor a indústria nacional, azeitando as velhas máquinas

enferrujadas e colocando-as novamente na produção de bens de consumo.

Sem peças de reposição, tivemos de recorrer à mecânica nacional. Com isso,

ativou-se a economia interna, resultando na geração de novos empregos. Como

resultado de todas essas mudanças, ao término da guerra, nossa balança

comercial tinha um apreciável saldo positivo.

A ronda da morte

O ano de 1918 foi marcado por outro acontecimento, paralelo à guerra, mas

tão terrível como esta, como se a ira divina se abatesse sobre a humanidade

com o intuito de destruí-la, antes que os homens o fizessem com suas próprias

mãos.

Falamos aqui da gripe espanhola, importada da Europa, mas que chegou ao

Brasil com toda a fúria, despertando horrores, causando desorientação geral, e

enlutando centenas de milhares de famílias. Ficamos sem saber ao certo

quantos morreram, pois não havia tempo nem condições para identificar os

mortos.

Nem as sete pragas do Egito, reunidas, causaram tanto estrago e geraram

tamanho pavor quanto esta hecatombe, provocada pela epidemia, que chegou

ao Brasil em março de 1918 e teve sua presença marcada nos meses seguintes.

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As escolas fecharam, depois fechou o comércio e ficou semi-paralisada a

atividade produtiva. Todas as mãos disponíveis foram mobilizadas, de médicos

e enfermeiros até voluntários que, a última hora, foram instruídos para prestar

os mais elementares socorros.

Nada disso evitou a imensa tragédia. Os mortos eram recolhidos pelas ruas,

empilhados em caminhões e jogados em valas comuns, até que nem coveiros

havia mais para abrir essas valas, tendo-se que mobilizar tropas militares para

realizar o trabalho.

Ao fim, realizou-se a contagem dos prejuízos materiais, já que não se pôde

contabilizar as perdas em vidas humanas.

Passado o pior, veio o retorno das atividades rotineiras. As férias escolares

se prolongaram pelo ano inteiro e o Congresso Nacional aprovou um projeto,

passando de ano todos os alunos da rede escolar, independentemente de

exames.

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O Brasil sacudiu a poeira, deu a volta por cima, e reiniciou a vida, tal como

havia feito após a guerra do Paraguai. Mas os que viveram não esqueceram

jamais, e contavam aos seus descendentes, com a vivacidade de quem esteve

presente, o horror daqueles momentos.

Não que não tivéssemos, depois disso, outras gripes igualmente perigosas.

Nos anos 50, por exemplo, registraram-se as epidemias da gripe coreana e,

depois, da gripe asiática. Mas, a esta altura, já havia meios rápidos para deter

sua propagação, e o mundo contava, também, com poderosos remédios,

capazes de cortar o mal antes que ele se agravasse.

Já em 1918, houve a surpresa e o despreparo, além da falta de saneamento

básico, juntando-se, pois, vários fatores que contribuíram para transformar uma

grande epidemia numa enorme tragédia.

A Guerra do Contestado

Em 1912, a divisa entre Paraná e Santa Catarina era alvo de uma longa

disputa entre os dois Estados. Tratava-se de uma vasta extensão de terras, indo

desde o Rio Chopin, a oeste, até o Rio Negro, a leste.

O governo de Santa Catarina apegava-se a uma documentação bastante

antiga, que provava serem aquelas terras, originariamente, de seu Estado.

O Paraná contestava com o conceito de posse efetiva, ou seja, mais

importante que os títulos era a ocupação das áreas contestadas cujo

desenvolvimento era fruto do trabalho deste Estado.

A par da luta entre as duas unidades de uma mesma federação, eclodia outro

movimento, de caráter popular e místico, resultante da miséria, do descaso social

e de interesses econômicos, centralizados na produção da erva-mate.

Terminada a construção da estrada de ferro ligando São Paulo ao Rio Grande

do Sul, os trabalhadores envolvidos nesse projeto foram simplesmente

dispensados e abandonados ao desemprego.

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Com a valorização das terras às margens da nova ferrovia, estas foram

concedidas a grandes companhias interessadas em projetos de colonização,

trazendo, em consequência, a expulsão de posseiros que faziam nelas uma

agricultura de subsistência.

A estes desocupados, junta-se uma terceira categoria, a dos jagunços,

descompromissados com a lei e a ordem.

Toda essa população de excluídos passa a afluir para as áreas em litígio, que

não pertenciam nem ao Paraná, nem a Santa Catarina, já que sua posse estava

sendo contestada por ambos os Estados.

Faltava apenas um líder carismático para levantar ali um movimento

messiânico, como ocorrera em Canudos. Esse líder surgiu em 1912 na figura do

monge José Maria, um biótipo do caboclo brasileiro que, à moda de Antônio

Conselheiro, trazia também longos cabelos e barba espessa, dedicando-se a

curas milagrosas e a pregar a restauração da monarquia.

Como em Canudos, também aqui o governo resolveu ignorar as questões

sociais envolvidas no drama, preferindo atacar os rebeldes, de frente, com forças

policiais.

Com menos sorte que Antônio Conselheiro, o monge líder do Contestado,

morre logo no primeiro embate com a polícia. Não obstante, os fanáticos

prosseguem na empreitada, confiantes de que o líder ressurgiria dentre os

mortos para retomar o comando.

Quatro longos anos se seguiram, com os rebelados enfrentando as forças

legais, quase sempre, levando a melhor.

Decidindo liquidar de vez com o problema, o governo manda, então, formar

um exército de sete mil homens, entregando-o ao comando do general Fernando

Setembrino de Carvalho. A essa altura, começava-se a formar a nossa força

aérea e os aviões fizeram sua estreia guerreando contra os próprios brasileiros.

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Era trabalho dos aviões dispersar os agrupamentos revoltosos, abrindo

espaço para a penetração das forças de terra. Muitos desses infelizes, que não

foram chacinados na operação de guerra, acabaram por morrer de doenças

endêmicas como o tifo e a febre. Mas ainda sobrou um pequeno contingente,

que se dispunha a prosseguir até a morte em sua guerra santa.

Em 1916, a situação começou a se acomodar, quando uma negociação

consciente e descomprometida levou os dois governos estaduais a um acordo

sobre os limites do Paraná e Santa Catarina, estabelecendo-se assim as

responsabilidades de cada um pela ordem pública e social nos territórios.

A paz com os revoltosos, passou, então, a ser uma questão de tempo, de

firmeza e de habilidade na condução do assunto pelos próprios governos

estaduais. Nem foi preciso convocar o Exército Nacional, como havia sugerido o

general Setembrino, em seu relatório final.

Fim de governo

Considerados todos os componentes que limitaram a ação do governo central

nesses quatro anos, especialmente o conflito mundial que afetou todos os países

do globo e, igualmente, o Brasil, o saldo do governo Venceslau Brás é,

certamente, positivo.

A moratória internacional já tinha sido acertada no governo Hermes da

Fonseca. Coube a Venceslau fazer um governo de austeridade, cortando gastos,

reduzindo cargos públicos ao mínimo e emitindo letras do tesouro para captação

de recursos, as sabinadas, nome dado em alusão ao ministro da Fazenda,

Sabino Barroso.

A guerra, longe de nos causar despesas, ajudou a consertar nossa precária

situação econômico-financeira. Aumentamos as exportações, reativamos o setor

produtivo, gerando novos empregos, e terminamos o período com um superávit

em nossa balança comercial.

O presidente maleável, como muitos achavam, mostrou que tinha energia e

disposição suficiente para enfrentar os problemas, sem precisar de uma

eminência parda a dirigir-lhe os passos e determinar seus atos.

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Terminado o governo, e transferida a faixa ao seu sucessor, Venceslau Brás

abandonou a carreira política e voltou para seu lugar de origem, a microrregião

de Itajubá, onde o velho rio, descansando um pouco mais sobre o remanso,

esperava pela volta do saudoso companheiro.

O ex-Presidente, pôde, então, retornar ao habitual sistema de vida, ajustado

ao ritmo da natureza, com a qual conviveu até os seus 98 anos de idade, muito

bem vividos. Morreu em 1966, a tempo de ver, em sua longa vida, caírem três

repúblicas, e ainda a tempo de ver o surgimento de um Regime Militar, com o

qual o país teve de conviver por 21 anos.

Que Deus o tenha em sua companhia.

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1918 - Termina a Primeira Guerra Mundial

1918 - A Gripe Espanhola

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Paulo Victorino

CAPÍTULO NOVE

AS ESTRUTURAS DO PODER

DELFIM MOREIRA E EPITÁCIO PESSOA

Começa, em 5 de julho de 1922, a rebelião que deu origem ao

tenentismo, responsável por todo um ciclo revolucionário que iria

desaguar na Revolução de 1930, com o fim da Primeira República.

O movimento deveria eclodir no Rio de Janeiro, pela madrugada,

com uma operação coordenada, envolvendo a Vila Militar, a Escola

Militar e o Forte de Copacabana, além de outros quartéis isolados,

mais a. 1ª Companhia. Ferroviária, instalada em Deodoro, cujo

comando caberia ao capitão Luís Carlos Prestes. Entrariam em

armas, também, os quartéis de Curitiba e as guarnições de Mato

Grosso, estas últimas sob o comando do general Clodoaldo da

Fonseca, primo-irmão do marechal Hermes.

Deitado sobre a relva, o menino contemplava o céu azul, com um infindável

agrupamento de nuvenzinhas brancas, assemelhando-se a um rebanho de

carneiros pastando na imensidão das alturas.

Adolescente, com um futuro promissor à sua frente, ele jamais conseguiria

prever a borrasca pronta a se desencadear sobre o país a partir de 1918,

abalando as estruturas do poder, solapando rapidamente os alicerces da

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Primeira República, e fazendo com que, doze anos após, a imensa estrutura

política que sustentava o país viesse a desabar num só golpe, tal e qual um

castelo de cartas, afetando a vida de todos.

Com efeito, naquele ano de 1918, tudo ia muito bem para o país. A Primeira

Guerra Mundial permitiu restabelecer nossa balança comercial. Renasceu a

indústria nacional, fazendo lembrar os tempos de Mauá, e, nas cidades,

aumentou a demanda por mão de obra, originando uma nova classe de

trabalhadores e desenvolvendo outro tipo de sindicalismo, mais consistente e

organizado.

No cenário mundial, os frágeis acordos entre os Estados, como a Tríplice

Aliança e a Entente Cordiale, origens distantes do grande conflito, foram

substituídos pela Liga das Nações, uma associação de todos os países em um

único e sólido bloco, com um mesmo propósito e um só pensamento. As novas

ideias entusiasmavam os acadêmicos.

O Brasil contava agora com sua grande oportunidade de se desenvolver e

procurar um lugar entre os mais avançados países do globo. O governo de

Venceslau Brás mostrou que era possível ao Presidente administrar o país com

base na lei e no respeito à Constituição, sem se submeter a forças externas. Que

mais faltaria para o país deslanchar rumo ao futuro?

Até mesmo a transição de governo parecia transcorrer calma e tranquila.

Morto Pinheiro Machado, vítima de mãos assassinas, no atentado ocorrido em 8

de setembro de 1915, a sucessão voltou ao âmbito da política do café com leite.

A bola da vez volta para São Paulo e o conselheiro Rodrigues Alves é apontado

para a sucessão presidencial, sem quaisquer contestações.

Completando a chapa, entra o mineiro Delfim Moreira na vice-presidência. As

eleições transcorrem em clima de paz, no dia 1º de março de 1918, com chapa

única, e a posse, conforme a Constituição, estava prevista para 15 de novembro

de 1918.

Fim da Bonança

Os meses seguintes mostraram que a realidade não era assim tão colorida.

Rodrigues Alves, como outros tantos, foi vítima da gripe espanhola, que eclodiu

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em março, logo após as eleições. Conseguiu recuperar-se desse mal, porém

teve agravado o seu estado geral de saúde e não pode comparecer à posse, em

15 de novembro, assumindo o governo, provisoriamente, o vice-Presidente,

Delfim Moreira.

Ciente de sua interinidade, o vice confirmou o Ministério escolhido pelo titular,

composto dos seguintes nomes:

Relações Exteriores, Domício da Gama; Justiça, Interior e

Instrução Pública, Urbano dos Santos da Costa Araújo; Fazenda.

Amaro Cavalcanti, que declinou, sendo substituído por João

Ribeiro; Viação e Obras Públicas, Afrânio de Melo Franco;

Agricultura, Indústria e Comércio, Antônio de Pádua Sales; Guerra,

Pandiá Calógeras; Marinha, Almirante Antônio Coutinho Gomes

Pereira. Pela primeira vez, um civil é empossado no Ministério da

Guerra, mas a situação transitória do governo não aconselhava

contestação nos quartéis, ao menos naquele momento.

Rodrigues Alves muda-se de Guaratinguetá para o Rio de Janeiro,

passando a morar numa casa da rua Senador Vergueiro, a mesma em que

residira quando assumiu a Presidência pela primeira vez, de onde mantinha

contatos diários com o seu vice. Por essa razão, a casa ficou conhecida

carinhosamente como Catetinho, em alusão ao palácio presidencial.

Quanto ao governo provisório, este foi ironicamente cognominado de

Regência Republicana. O brasileiro não perde sua espirituosidade nem nos

momentos mais difíceis...

Contrariando as previsões mais otimistas, em 17 de janeiro de 1919, dois

meses após o dia em que deveria ter tomado posse, Rodrigues Alves veio a

falecer e, como não havia transcorrido metade de seu mandato, a Constituição

mandava convocar novas eleições.

Sem problemas, dado que Delfim não ambicionava o continuísmo e, por outro

lado, sofria de esclerose, não tendo condições de enfrentar um mandato de

quatro anos. Além disso, sem bases políticas, seu nome havia sido apontado

apenas para compor a chapa e não exatamente para governar.

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A nova campanha presidencial

Encerrou-se, com este episódio, o curto período de tranquilidade política,

iniciado com a escolha do Conselheiro. O presidente de São Paulo, Altino

Arantes, insistia em que o novo candidato também deveria ser paulista, com o

que não concordava seu colega, o presidente de Minas, Artur Bernardes. Por

outro lado, o Rio Grande do Sul passou a influir diretamente, pela figura mais

representativa do Estado, o governador Borges de Medeiros, herdeiro político de

Júlio de Castilhos, e tendo à sua volta o mais ferrenho conservadorismo e

provincialismo do extremo sul.

No desempate, acorda-se em buscar um nome longe das influências

sulistas e a escolha recai sobre um fazendeiro da Paraíba, Epitácio Pessoa. O

novo candidato é um homem de imenso saber político e jurídico. Por sinal que,

neste momento, se encontra na França, participando da Conferência de Paz,

que se ocupava em dividir, entre as nações vencedoras, o espólio dos vencidos

na Primeira Guerra Mundial, mais especialmente da Alemanha e,

discricionariamente, aplicava aos perdedores as sanções necessárias. O vice, já

se sabe, continua sendo Delfim Moreira, já eleito e empossado no tempo devido.

Perdedor na Convenção que escolheu o candidato governista, Rui Barbosa

parte para uma candidatura de oposição, apoiado por Nilo Peçanha, e lança-se,

uma vez mais, na jornada cívica pelo país, sabendo, embora, que o jogo da

sucessão já estava decidido.

Realizadas as eleições, em 13 de abril de 1919, Epitácio Pessoa recebe

249.342 votos e Rui Barbosa, 118.303 votos.

Apenas para registro, Rui Barbosa pensou, inicialmente, em puxar o tapete

do Presidente eleito, usando de todo o seu saber jurídico. Apegava-se ele ao

fato de que Epitácio fora aposentado no STF por incapacidade física

permanente. Ora, contestava Rui, se ele era fisicamente incapaz para exercer o

cargo de juiz, como poderia ser considerado capaz para ocupar o mais alto

cargo, que é a presidência da República? Afinal, Rui desistiu de sua retórica e

aceitou a vitória do opositor.

A posse ocorre em 28 de julho de 1919 e, um mês depois, outra morte vem

tumultuar o processo. Desta vez falecia o vice-Presidente, Delfim Moreira, e

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novas eleições foram realizadas para escolher seu sucessor, Francisco Álvares

Bueno de Paiva, até então senador federal por Minas Gerais.

Quem era Epitácio Pessoa

Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa nasceu em Umbuzeiro, pequena cidade

ao sul da Paraíba, na divisa com Pernambuco, sendo sobrinho do Barão de

Lucena, político pernambucano e ex-ministro no governo de Deodoro da

Fonseca.

Estudou na Faculdade de Direito em Recife e, aos 25 anos, elegeu-se

deputado constituinte. Foi ministro da Justiça de Campos Sales, mas renunciou

por desentendimentos com o Presidente que, apesar disso, indicou seu nome

para ministro do Supremo Tribunal Federal, onde se aposentou por incapacidade

física, conforme bem lembrou Rui Barbosa.

Na eleição, encontramo-lo na França, participando da Conferência de Paz,

onde defendeu, com um brilhantismo que faz lembrar Rui, as duas reivindicações

básicas do Brasil nas reparações de Guerra. Uma delas era o dinheiro que o

Brasil tinha depositado no Banco alemão, proveniente da venda de quase dois

milhões de sacas de café, depósito esse que a Alemanha bloqueou quando

nosso país lhe declarou guerra.

O crédito era incontestável, mas Inglaterra e França queriam que a

indenização se fizesse pela conversão do marco de após guerra e não pelo

marco no dia do depósito. Essa simples questão de câmbio daria ao Brasil um

prejuízo em torno de 90 por cento do valor original. Com a interferência dos

Estados Unidos, o Brasil conseguiu receber a indenização por seu valor real.

Outra questão que exigiu grande capacidade de negociação se referia aos

navios apresados na baía da Guanabara, em represália ao afundamento, pela

Alemanha, de vários navios mercantes brasileiros.

O Brasil desejava ficar com as embarcações alemãs, mediante justa

indenização, mas Inglaterra e França também tinham interesse de incorporá-las

às suas frotas. Mais uma vez, a mediação dos Estados Unidos levou à vitória

das posições brasileiras.

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Aí vem o Presidente!

Eleito presidente da República, e faltando quase três meses para a posse,

Epitácio, com a família, resolve ficar na Europa, recebendo homenagens e

aproveitando convites que lhe foram feitos por vários chefes de Estado.

Começa, então, uma viagem encantada, como só um príncipe dos velhos

tempos sonharia ter. Primeiro vai à Bélgica, onde é recebido solenemente pelo

rei Alberto e pela rainha Elisabeth, hospedando-se no palácio real. Regressando

a Paris, recebe homenagens na Universidade de Paris e na Câmara de

Deputados, além de ter um encontro com a colônia brasileira ali residente.

Em seguida, um trem real vem à França especialmente a buscá-lo para uma

viagem à Itália, onde é recebido pessoalmente pelo rei, acompanhado da corte.

Aproveitando o ensejo de sua presença na Península, faz uma visita protocolar

ao papa Benedito XV.

Voltando a Paris, é acolhido com pompa e recebe condecorações. Em

seguida, um destroier inglês o leva a Londres, onde é recepcionado pela família

real, visita o parlamento e cumpre um extenso programa.

Um cruzador inglês o leva, agora, até Lisboa, sendo recebido com

entusiasmo pelo presidente da República, e com reservas pelos monarquistas.

Volta, então à França, onde o governo lhe coloca à disposição um cruzador

para levá-lo aos Estados Unidos. O navio fica à deriva em pleno oceano.

Grandes problemas? De maneira alguma. Comunicado por telégrafo, o

governo americano apressa-se em enviar um navio transporte, que recolhe toda

a comitiva presidencial, transportando-a sã e salva para Nova York.

Sua chegada aos Estados Unidos faria inveja até ao Imperador D. Pedro II

que, em seus melhores momentos, jamais tivera tão festiva recepção. O navio

Imperator, transportando o Presidente eleito e sua comitiva, aproximou-se do

porto de Nova York escoltado por uma esquadra de destroieres americanos,

enquanto o forte anunciava a sua chegada com 21 salvas de canhão,

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representando os nossos 20 Estados, mais o Distrito Federal. Cada descarga

era correspondida pelos canhões das outras fortalezas.

De Nova York, segue para o Canadá e, no início de julho, volta a Boston,

ainda em tempo de assistir as comemorações do 143º aniversário da

Independência dos Estados Unidos.

Dois dias depois, usando um encouraçado que lhe fora colocado à

disposição pelo governo americano, Epitácio Pessoa retorna, enfim, ao Brasil,

fazendo uma escala no seu Estado natal para receber homenagens dos

paraibanos.

Prossegue, depois, na viagem, chegando triunfalmente no Rio de Janeiro,

em 21 de julho de 1919, sete dias antes da posse. Então, navios de guerra do

Brasil fazem escolta ao destroier americano, em sua entrada na baía da

Guanabara.

O Ministério

Anunciando seu Ministério, o Presidente, já empossado em 28 de julho de

1919, cria o primeiro confronto com as Forças Armadas, ao confirmar o nome de

Pandiá Calógeras, um civil, para ocupar o Ministério da Guerra. E fez mais,

confirmando também outro civil, João Pedro da Veiga Miranda, para o Ministério

da Marinha. Foi o primeiro ministério da República que, ao seu início, não contou

com a participação de militares.

Não tardou a reação. Logo após escolhido o Gabinete, Epitácio recebe em

sua casa a visita do almirante Antônio Coutinho Gomes Pereira, ex-ministro da

Marinha durante interinidade de Delfim Moreira, o qual manifesta sua

preocupação com relação ao estado de ânimo dos quartéis, conforme

depoimento do próprio Presidente:

"Na véspera da minha posse, às 11h30 da noite, em minha

residência, um dos mais prestigiosos generais da Armada me

aconselhava a recuar daquele propósito, para não expor o país às

vicissitudes de um movimento armado. Respondi-lhe como devia:

'Amanhã a imprensa publicará a nomeação de um civil para a Pasta

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da Marinha; a Armada, digo mal, os indisciplinados da Armada que

tomem a responsabilidade de perturbar a ordem constitucional da

República pelo fato de não querer o presidente, no uso

incontestável de seu incontestável direito, reconhecer-lhes título de

propriedade sobre uma das Pastas do Governo. Resistirei e

veremos como se comporta a nação'. No dia seguinte, com efeito,

os jornais davam a nomeação de dois ministros civis para as Pastas

militares."

O Ministério completo era assim formado:

Relações Exteriores, José Manuel de Azevedo Marques, por São

Paulo; Justiça, Interior e Instrução Pública, Alfredo Pinto Vieira de

Melo; Agricultura, Indústria e Comércio, Ildefonso Simões Lopes,

pelo Rio Grande do Sul; Fazenda, Homero Batista, pelo Rio Grande

do Sul; Viação e Obras Públicas, José Pires do Rio, engenheiro

paulista; Guerra, João Pandiá Calógeras, por Minas Gerais;

Marinha, Raul Soares, também por Minas Gerais.

Obras do governo

Sendo de origem nordestina, e conhecedor dos terríveis problemas gerados

pela seca, que transformava a pobreza em miséria, e a miséria em indigência

total, Epitácio Pessoa cuidou de incluir, pela primeira vez na História da

República, um programa sério de combate à seca.

Não foi por acaso que pôs, no ministério da Viação, o engenheiro Pires do

Rio, que já dirigira a Inspetoria de Obras contra as Secas, conhecendo os

métodos empregados até então, que consistiam simplesmente em criar frentes

de trabalho para minorar a tragédia durante os períodos críticos, sem nenhum

trabalho de estrutura para assentar os retirantes em suas cidades de origem.

Infelizmente, muitas das obras iniciadas tiveram de ser interrompidas pela

forte pressão dos barões do café que achavam um desperdício empregar verbas

no cultivo da indigência, quando esse dinheiro, segundo eles, poderia ser melhor

empregado no incremento da cultura cafeeira, gerando maior quantidade de

empregos. E com a interrupção do programa, muitos dos empreendimentos

ficaram inacabados, inutilizando os recursos despendidos.

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No que tange às Forças Armadas, cuidou-se da remodelação do Exército, da

reconstrução de unidades navais e do adestramento do pessoal.

Redimindo uma dívida moral que vinha desde a Proclamação da República,

Epitácio revogou o decreto de banimento da família real, fazendo trasladar para

o Brasil os restos mortais do Imperador Pedro II e da Imperatriz Tereza Cristina.

Uma das grandes obras de urbanização no Rio de Janeiro foi o desaterro do

morro do Castelo com um avanço para o mar, formando uma explanada onde se

construíram as obras para a exposição do 1º Centenário da Independência, que

ocorreria em 1922.

Mas também cometeu os mesmos erros de seus antecessores. Tentou

suspender a sangria de recursos públicos com a valorização artificial do café,

medida corretíssima. Mas, pressionado uma vez mais pela oligarquia cafeeira,

voltou atrás, reavivando o Convênio de Taubaté, que mantinha uma caixa de

conversão com reservas para a sustentação dos preços.

Assim, ao contentar os fazendeiros, desgostou os industriais que, a esta

altura, já tinham um peso político apreciável para se fazer ouvir.

Desvalorizou, também, a moeda, provocando a inflação. O aumento de

custo de vida gerou manifestações de rua que foram reprimidas com violência.

A sucessão

Depois da posse, qualquer Presidente tinha de gastar a primeira metade de

seu quadriênio resolvendo questões com os Estados, e a outra metade

resolvendo questões com a sucessão presidencial.

Para Epitácio, a primeira parte até que foi simples, resumindo-se a uma

intervenção na Bahia para garantir a posse de seu correligionário, J.J.Seabra,

cuja vitória era contestada pela oposição, liderada por Rui Barbosa.

O problema maior estava na sucessão, cuja discussão incendiou o ambiente

político dois anos antes das eleições. Lançou-se o nome de Artur Bernardes,

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governador de Minas, aceito sem restrições, sofrendo só a oposição feita pelo

governador gaúcho, Borges de Medeiros. Quanto à vice-presidência, Epitácio

sugeriu que o nome viesse do nordeste, o que provocou, desde logo, uma

disputa pela indicação, entre J.J.Seabra, da Bahia, e José Bezerra, de

Pernambuco. Epitácio optou por um terceiro nome, o do maranhense Urbano

dos Santos, que já havia sido vice de Venceslau Brás.

Não se conformando com a solução, um grupo de políticos passou para a

oposição, criando um movimento que ficou conhecido como Reação

Republicana, e que lançou como candidatos o fluminense Nilo Peçanha para

Presidente e, para vice, o baiano J.J.Seabra, que tanta celeuma causara há

pouco, para empossar-se no governo da Bahia.

As cartas “apócrifas” de

Arthur Bernardes

Nunca uma campanha republicana se desenvolvera em nível tão baixo e

jamais se utilizara de expedientes tão mesquinhos, nos quais o que menos influía

eram os interesses da nação.

O episódio que mais agitou o período foi o de duas cartas, escritas em junho

de 1921 e atribuídas a Artur Bernardes, nas quais este faz desconsiderações ao

Exército e, especialmente, ao marechal Hermes da Fonseca, ao qual chama de

sargentão sem compostura".

Os envolvidos no rumoroso caso foram, de um lado, os cidadãos Oldemar

Lacerda e Jacinto Guimarães, desconhecidos dos meios políticos, que

confessaram, mais tarde, terem falsificado as missivas, a mando não se sabe de

quem, porque a ninguém interessou investigar.

Do outro lado, estavam o senador Irineu Machado, que acolheu os dois

cidadãos e encaminhou as cartas, como verdadeiras, para o jornal Correio da

Manhã, e o jornalista Mário Rodrigues, diretor-substituto do jornal, que não só

publicou as cartas, como também fez pesados comentários contra Artur

Bernardes.

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De todos, o único a parar na cadeia foi o imprudente jornalista. O senador

estava protegido por imunidade parlamentar. Os dois mentores da carta

assinaram uma ata, em maio de 1922, confessando a falsificação. Logo em

seguida foram liberados sem que se abrisse inquérito contra eles, nem tampouco

foram julgados, a qualquer tempo, pelo crime supostamente cometido.

Com isso, ficou a desconfiança, sempre presente, de que as cartas poderiam

mesmo ser verdadeiras, e que a confissão teria sido um arranjo político. Se

verdadeiras ou falsas tais cartas, jamais se saberá.

As eleições presidenciais se realizaram em 1º de março de 1922, com a

vitória certa de Artur Bernardes, mas, a partir daí os acontecimentos, nas áreas

política e militar, caminharam com a velocidade e a violência de um furacão.

A questão de Pernambuco

Era governador de Pernambuco Severino Pinheiro, apoiado por Rosa e Silva

e Manuel Borba. A família de Epitácio Pessoa estava na oposição, apoiando o

bloco político de Estácio Coimbra e Dantas Barreto.

Na campanha pela sucessão estadual, os governistas apoiavam o senador

José Henrique Carneiro da Cunha, enquanto a oposição se fixava no nome do

prefeito de Recife, Lima Castro.

No apoio à oposição, pretextando a preservação da ordem, o presidente

Epitácio manda o coronel Jaime Pessoa para comandar as tropas aquarteladas

em Recife. Foram, também, requisitadas forças da Paraíba para reforçar o

efetivo pernambucano.

A campanha desenvolveu-se pelos mesmos caminhos tortos sobre os quais

transitavam, corriqueiramente, as campanhas políticas no Nordeste. As tropas

iam à rua para manter a ordem e, na repressão havia tiroteios, invasão de jornais

e atos de força que, em pouco tempo, criaram na população um estado de

pânico.

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Houve, então, um incidente maior, que serviu para jogar gasolina no fogo.

Uma patrulha estacionada na entrada da cidade tinha como missão eliminar o

governador do Estado, no caminho ao Palácio, sendo sua referência apenas a

descrição do carro que seria usado pela autoridade.

Por uma infeliz coincidência, na hora errada e no lugar errado, passava outro

carro semelhante ao do governador, que foi prontamente fuzilado, matando seu

ocupante, Tomás Coelho, um advogado alheio a qualquer movimento político.

Exames periciais comprovaram que o tiro partiu de uma carabina Mauser, de uso

privado das Forças Armadas.

O motim

Iniciava-se o tumultuado mês de julho de 1922. Contrária às violências em

que, involuntariamente, tinha que se envolver, rebelou-se a jovem oficialidade de

Pernambuco e o tenente Oliveira Leite, em boa fé, enviou um telegrama ao

Ministro da Guerra, denunciando seu superior, o coronel Jaime Pessoa. Em

consequência de seu ato, foi punido com prisão.

Alguns de seus colegas, sentindo ser inútil qualquer reclamação ao Governo

central, fazem um apelo ao presidente do Clube Militar, marechal Hermes da

Fonseca, que vai ao socorro dos rebelados, enviando-lhes uma mensagem de

ânimo, incitando-os à luta, e afirmando que "os governos passam, e o Exército

fica".

Interpelado pelo Ministro da Guerra, o marechal confirma a autoria do

telegrama, recebendo voz de prisão e sendo mantido, quase que incomunicável,

no quartel do 3º Regimento de Infantaria, sob o comando do Cel. Severino

Correia.

Ato contínuo, seus companheiros assumem, solidariamente a

responsabilidade pelo teor do telegrama e, em represália, o governo manda

fechar o Clube Militar.

O episódio, no início circunscrito ao Estado de Pernambuco, torna-se agora

um problema nacional, levantando o ânimo da jovem oficialidade em vários

pontos do país, sobretudo no Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso.

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Jamais se apurou se as revoltas que se seguiram foram resultado de uma

explosão imanente, ou se eram fruto de uma conspiração há muito engendrada,

cuja senha foi o telegrama de Hermes aos jovens militares pernambucanos.

A revolta de 5 de julho de 1922

Começa aqui a rebelião que iria se desdobrar na formação do tenentismo,

responsável por todo um ciclo revolucionário que iria desaguar na Revolução de

1930, com o fim da Primeira República.

O movimento deveria eclodir no Rio de Janeiro, na madrugada de 5 de julho

de 1922, com uma operação coordenada, envolvendo a Vila Militar, a Escola

Militar e o Forte de Copacabana, além de outros quartéis isolados.

Merece registro, apenas, a 1ª Cia. Ferroviária, instalada em Deodoro, cujo

comando caberia ao capitão Luís Carlos Prestes, mas que não chegou a entrar

em ação, dado que Prestes contraiu tifo, ficando preso ao leito.

Entrariam em armas, também, os quartéis de Curitiba e as guarnições de

Mato Grosso, estas últimas sob o comando do general Clodoaldo da Fonseca,

primo-irmão do marechal Hermes.

No Paraná o movimento foi abortado desde o início, pela traição de um dos

envolvidos no plano. No Mato Grosso, a sublevação também não teve muito

sucesso, e a rendição foi assinada, sem maiores danos.

O grande problema, como não poderia deixar de ser, foi a cidade do Rio de

Janeiro, sede do Governo central, do Clube Militar ora fechado, e onde se achava

o marechal Hermes. Este após 17 horas de prisão, foi libertado, indo para o hotel

onde residia e depois, despistando os que o vigiavam, fugiu e abrigou-se na

chácara de um de seus filhos, Mário Hermes, militar e deputado federal.

A Vila Militar

Uma falha nas comunicações levou ao fracasso do levante na Vila Militar,

uma das peças chaves da rebelião. Tinha ficado entendido que, uma vez liberto,

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o marechal acharia um meio de se deslocar até aquele local e a sua chegada

seria a senha para que os dois regimentos revoltosos descessem à cidade.

Segundo um depoimento prestado mais tarde pelo já então brigadeiro

Eduardo Gomes, houve um mal-entendido quanto ao teor da mensagem,

achando o marechal que deveria aguardar na chácara pela passagem dos

regimentos, quando lhe seria entregue o comando.

Esse desentendimento resultou fatal, pois a rebelião, contida a tempo,

permitiu que se reorganizassem as forças leais ao governo, as quais foram, mais

tarde, utilizadas na repressão à Escola Militar.

A Escola Militar

A rebelião na Escola Militar contava com um comando selecionado, composto

de vários instrutores e tinha tudo para dar certo. Entre os rebelados estavam

Juarez Távora, Odilio Denys, Stênio Caio de Albuquerque Lima e Edmundo de

Macedo Soares.

O comando geral coube ao coronel José Maria Xavier de Brito, veterano da

guerra de Canudos e, neste momento, dirigindo a Fábrica de Cartuchos do

Realengo, também envolvida na conjuração.

Na operação, cuidou-se de vigiar o comandante da Escola, general Monteiro

de Barros, que foi impedido de sair de sua casa, após uma troca de tiros. Sob

vigia estavam também os soldados suspeitos de contrariar o movimento.

Na hora combinada, a Escola saiu em direção à Vila Militar onde, pensavam,

já encontrariam um contingente de rebelados aos quais deveriam se juntar. Ao

caminho, receberam um mensageiro informando que a sublevação naquele local

fracassou e a tropa estava de prontidão, sob o controle dos oficiais leais ao

governo.

Para testar a real situação, os rebelados tiveram a infeliz ideia de disparar

alguns tiros contra a Vila Militar. Foi como atirar pedras a um vespeiro. Unidades

formadas em combate deixaram os quartéis e avançaram no contra-ataque, num

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confronto que, logo no início, deixou morto o cadete Irapuã Xavier, além de outro

que ficou ferido.

Não havia condições de enfrentamento e a causa estava sabidamente

perdida. Em ordem, os alunos voltaram à Escola por ordens do próprio coronel-

comandante Xavier de Brito. No livro de ocorrências, o tenente Juarez Távora

registrou os acontecimentos, segundo sua própria versão, e os amotinados

ficaram no aguardo das consequências. Por volta do meio-dia houve prisões em

massa, sendo os prisioneiros levados para vários locais, inclusive para a ilha das

Cobras.

O Forte de Copacabana

O mais grave dos movimentos, nesse 5 de julho, foi o que ocorreu no Forte

da Igrejinha, ou Forte de Copacabana, subordinado ao 1º Distrito de Artilharia da

Costa. Era comandante da Artilharia o General Bonifácio da Costa e o Forte se

achava sob o comando do capitão Euclides Hermes, filho do marechal.

Ao raiar do dia, como já vimos, estavam debelados os movimentos da Vila

e da Escola. Muitos dos oficiais que não tinham conseguido se juntar aos

rebelados, mas que faziam parte da conspiração, trataram de buscar abrigo no

único lugar seguro, que, naquele momento, era o Forte. Assim, além de sua

população habitual, achavam-se lá, homiziados, mais de trezentos oficiais e

praças.

Cumprindo ordens do ministro Pandiá Calógeras, o General Bonifácio se

dirigiu ao Forte com o capitão José da Silva Barbosa, a quem pretendia entregar

o comando, substituindo o filho de Hermes. Ambos foram presos.

Mais tarde, dois outros tenentes legalistas foram ao Forte ver o que acontecia

e um deles, o tenente Mário Tamarindo Carpenter aderiu à revolta e lá ficou.

Pouco depois, outros sessenta militares que se achavam no Forte do Vigia

comunicaram ao seu comandante que estavam aderindo à revolta.

Sequestraram um bonde e foram se juntar aos companheiros de Copacabana.

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Iniciou-se a ação armada, primeiro com tiros secos de canhão, apenas para

permitir que a população fugisse. Depois, um novo canhonaço, desta vez com

carga pesada, direcionado ao QG do Exército, mas que caiu na casa ao lado,

matando três civis.

O ministro da Guerra, o civil Pandiá Calógeras, em pessoa, telefonou aos

rebeldes e repreendeu-os pelo tiro errado que causou vítimas no edifício ao lado.

Não devia ter feito isso. Corrigindo a posição do canhão, os rebelados mandaram

novo tiro, certeiro, que atingiu em cheio o Quartel General, levando à retirada o

ministro e todo o seu Estado Maior.

Reforçava-se assim a tese daqueles que reprovaram a nomeação de um civil

para o Ministério da Guerra. Faltava-lhe a malicia que só a vida de caserna traz.

O mito dos Dezoito do Forte

Embora vitorioso, o Forte não podia se sustentar por muito tempo e os chefes

tinham consciência de que a repressão aniquilaria a todos.

O capitão Euclides Hermes saiu para parlamentar com o ministro Pandiá

Calógeras e foi preso. De todo aquele contingente abrigado na fortaleza, que já

não era tão segura, a maioria resolveu se retirar, ficando apenas 28 homens: o

1º tenente Siqueira Campos, o 1º tenente Eduardo Gomes, o 2º tenente Newton

Prado e o 2º tenente Mário Tamarindo Carpenter, mais soldados, praças e

alguns civis.

A reação legalista começou a se fazer sentir, lenta e pesadamente, sobre o

Forte, que se achava cercado e acuado, sem condições de luta contra todas

essas forças de terra e de mar, dispostas a manter a ordem legal. Não adiantava

prosseguir, pois a derrota era apenas uma questão de tempo.

Decidiram, então, ir à rua e marchar sobre o Palácio, de peito aberto, fazendo

um avanço suicida e inconsequente. Dos 28 que se achavam no Forte, apenas

17 se dispuseram ir ao sacrifício. A Bandeira Nacional foi, então, cortada em 18

pedaços (cortar em 17 pedaços iguais seria muito complicado). Cada um

recebeu uma daquelas tiras e o 1º tenente Siqueira Campos ficou com duas

delas.

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Caminhando pela rua, encontraram um cidadão gaúcho, Otávio Correia, que

se juntou ao batalhão. Completaram-se, assim, os 18 que caminharam para a

morte e que se transformaram nos heróis do Dezoito do Forte.

Sem proteção, e sem condições de ataque, pouquíssimos sobreviveram. Dos

quatro tenentes, Carpenter morreu na hora, Newton Prado, gravemente ferido,

morreu depois. Siqueira Campos, ferido, sobreviveu e ainda participou de outros

movimentos, até 1930, quando afogou-se, após voltar de um encontro com Luís

Carlos Prestes.

O único sobrevivente foi Eduardo Gomes, que, ao correr da história,

participou do movimento tenentista e, depois, na 2ª República tornou-se

Brigadeiro do Ar e fundador da Força Aérea Brasileira. Em 1946 foi candidato à

Presidência da República e, até 1981, quando faleceu, teve participação ativa na

vida política brasileira.

Vale a expressão popular, segundo a qual viúvo é quem morre. Eduardo

Gomes sobreviveu aos seus colegas e teve tempo para construir uma biografia.

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Independência e morte

Estavam comprometidas de vez as comemorações dos 100 anos de

Independência do Brasil, cujas festividades vinham sendo ansiosamente

aguardadas nos últimos anos. Não havia mais os cadetes da Escola Militar, com

suas fardas imponentes para brilhar na abertura dos desfiles.

Parte da jovem oficialidade, e dos soldados que aderiram a ela, se viu

envolvida em grossos processos judiciais, que ainda se arrastariam por muitos

anos, antes de chegar à anistia geral. A grande exposição planejada para o

pavilhão na esplanada do Castelo se realizou, mas sem o mesmo brilho.

Os desfiles também aconteceram, mas o que se passava pela cabeça

daqueles jovens, depois de todos os acontecimentos vividos há pouco mais de

um mês?

Como se sentia o Governo, incluídos, nessa expressão, também o Senado

e a Câmara, caixas de repercussão da opinião nacional, incluídos ainda a Justiça

e o Ministério Público, envolvidos desenrolar dos processos contra os jovens

militares? E como se sentia, toda ela, a cidade do Rio de Janeiro, depois desses

acontecimentos?

O movimento de 5 de julho de 1922, marcado pela morte, foi na verdade o

nascimento de uma nova mentalidade, dentro e fora da caserna, gerando a

continuidade de movimentos revolucionários que enfraqueceram as oligarquias

dominantes, minando a base de sustentação dos governos fortes, os quais, a

partir dessa data, tiveram de conviver com um poder paralelo que, poucos anos

mais tarde, chegaria ao ápice, com a derrubada da Primeira República.

Quanto a Epitácio Pessoa, completou seu mandato em 15 de novembro de

1922, sendo, logo após, nomeado juiz da Corte Permanente de Justiça

Internacional de Haia, onde permanece até a queda da Primeira República, em

1930.

Então, retira-se à vida privada e morre, em 1942, aos 77 anos, vítima do mal

de Parkison.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO DEZ

A REVOLUÇÃO DOS "TENENTES"

ARTUR BERNARDES - 1922-1926

De 13 de maio de 1925 a 3 de fevereiro de 1927, os guerrilheiros

se deslocaram em direção ao centro-oeste e nordeste do país. Em

1927, o movimento se dissolveu, por vontade própria, confiante de

que já havia abalado as estruturas do poder. Pela sua grande

habilidade tática, Prestes logo se destacou entre os demais. Pela

primeira vez na história da República, um movimento revoltoso

apaixonou a opinião pública, que, geralmente, permanecia alheia a

esses acontecimentos. Muitas lendas surgiram, misturando a

verdade histórica e o mito e dificultando distinguir um do outro. A

guerrilha ficou conhecida como “Coluna Prestes” e seu mentor, Luiz

Carlos Prestes recebeu o cognome de "O Cavaleiro da Esperança".

O ano de 1922 foi um divisor de águas, dentro da Primeira República. Não

que a classe política, de alguma forma, tenha se reabilitado. Os métodos de ação

continuavam os mesmos: eleições fraudadas, dualidade de poderes,

interferências do poder central nas unidades da federação, decretação frequente

de estado de sítio, enfim, os mesmos velhos costumes que iam passando de um

governo para outro, transformando a democracia numa ficção.

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Todavia, o episódio das cartas supostamente escritas pelo candidato à

Presidência, Artur Bernardes, aviltando o Exército e seus oficiais, coloca em

marcha um processo revolucionário que se estende por oito anos, minando as

estruturas da República Velha e provocando sua queda.

Não importa se tais escritos são verdadeiros ou falsos. Vale sim que o

episódio é o combustível que faltava para atear fogo ao sistema social vigente,

a busca de outro que contemple, com novas regras, as multidões condenadas a

uma vida de pobreza, por vezes, indigente. Pelo menos, a intenção confessa era

essa.

O mentor de processo, em seu início, foi o ex-Presidente, marechal Hermes

da Fonseca, entusiasmando a jovem oficialidade e motivando-a a empreender

as mais rebeldes e impensadas revoltas, todas elas derrotadas no campo militar,

mas trazendo aos governos um desgaste político irreparável.

A faísca que provocou o incêndio veio de Pernambuco e a chama espalhou-

se para o Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso. Ao morrer o marechal, a ação

tinha já moto próprio, gerando um movimento guerrilheiro que, durante dois anos,

percorreu o país, para se autodissolver, quando concluiu que os resultados

políticos da operação já estavam alcançados.

Esses jovens, que promoveram o processo conhecido como tenentismo,

atravessaram os anos vinte e marcaram sua presença nas décadas seguintes.

Dois deles, bem mais tarde, foram candidatos à presidência da República.

Eduardo Gomes tornou-se brigadeiro e coube a ele fundar a Força Aérea

Brasileira.

Os nomes de muitos outros nos são familiares e aparecem, ora ocupando

ministérios, ora envolvendo-se em acontecimentos sequentes da vida

nacional.Vale a pena, pois, conhecer o fascinante trajeto do tenentismo e ver

como ele mudou a história do país.

A campanha eleitoral

Artur Bernardes já era candidato à presidência da República quando, a 10 de

outubro de 1921, surgem as cartas a ele atribuídas, tendo como destinatário o

líder político mineiro Raul Soares. Todo o escândalo em torno do assunto não

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impediu o prosseguimento da campanha eleitoral, como não evitou, também,

que Bernardes ganhasse as eleições, que se realizaram em 1º de março de

1922, derrotando Nilo Peçanha, seu opositor na Reação Republicana.

O restante do ano desenvolveu-se em tumulto generalizado, com revoltas

militares e prisões em massa, conforme já foi contado no capítulo anterior.

Dentro desse clima tumultuado é que se deu a posse do novo Presidente, na

data prevista, ou seja, em 15 de novembro de 1922.

O vice-Presidente eleito, Urbano dos Santos, morreu dois meses após a

eleição. Aproveitando-se disso, J.J.Seabra, o candidato a vice pela oposição, vai

ao Supremo Tribunal Federal para pleitear sua posse no lugar do falecido, já que

ele foi o segundo mais votado. Só poderia ser, pois havia apenas dois

candidatos...

O STF negou provimento ao recurso e a manobra não logrou êxito. Então,

foi eleito para o cargo o deputado Estácio de Albuquerque Coimbra, que era o

líder do Governo na Câmara Federal.

Quem era Artur Bernardes

Artur da Silva Bernardes nasceu em 1875 em Viçosa, 150 quilômetros a

sudeste de Belo Horizonte. Formado em Direito, inicia sua carreira pública como

vereador em sua pequena cidade e logo demonstra sua capacidade de

comunicação e arregimentação política.

Torna-se primeiro deputado estadual e, depois, deputado federal. Destaca-

se como secretário de Finanças do governo de Minas e acaba se elegendo

presidente (governador) do Estado.

Sua projeção em nível nacional se dá com a candidatura à presidência da

República, dentro do esquema café com leite, mas enfrenta uma forte oposição,

tanto durante a campanha, como no decorrer de seu quadriênio. Basta lembrar

que, dos 48 meses de governo, 44 se desenrolaram sob estado de sítio, com a

suspensão de garantias constitucionais.

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Dois de seus opositores morrem logo no primeiro ano de governo: o marechal

Hermes da Fonseca, pivô das revoltas militares, e o tribuno Rui Barbosa. Os

outros adversários, quando pôde, ele não perdeu oportunidade de neutralizá-los,

de modo a não atrapalhar sua gestão. Entre eles, o fluminense Nilo Peçanha,

líder da Reação Republicana, e o gaúcho Borges de Medeiros, que se

manifestou contra sua candidatura.

Formou seu primeiro Ministério com os seguintes nomes:

Relações Exteriores, José Felix Alves Pacheco, piauiense; Justiça,

Interior e Instrução Pública, João Luís Alves, mineiro; Fazenda,

Rafael de Abreu Sampaio Vidal, paulista; Viação e Obras Públicas,

Francisco Sá, cearense, que já havia ocupado o cargo na gestão

de Nilo Peçanha; Agricultura, Indústria e Comércio, Miguel Calmon

du Pin e Almeida, baiano; Guerra, general Fernando Setembrino de

Carvalho, gaúcho; Marinha, almirante Alexandrino Faria de

Alencar, gaúcho. Este último veio a falecer em 1926, sendo, então

substituído pelo almirante Arnaldo Siqueira Pinto da Luz.

Nilo Peçanha e a

sucessão fluminense

Assumindo a Presidência, Bernardes sente sua autoridade contestada no

outro lado da baía da Guanabara, no Estado do Rio de Janeiro, quando são

eleitos governador e vice, respectivamente, Raul Fernandes e Artur Leandro de

Araújo Costa, ambos apoiados por seu opositor na campanha federal, Nilo

Peçanha. Os candidatos da simpatia do Presidente eram Feliciano Pires de

Abreu Sodré e Paulino de Souza (respectivamente para governador e vice).

Seguiu-se o de sempre. As eleições foram fraudadas, sob o controle nilista.

Então, instalaram-se duas Assembleias Legislativas, cada uma com sua

Comissão de Verificação de Poderes. A primeira reconheceu e empossou Raul

Fernandes, nilista; a segunda fez a mesma coisa com Feliciano Sodré,

bernardista.

O advogado de Raul Fermamdes, nada menos que Assis Chateaubriand,

obtém um habeas-corpus no Supremo Tribunal Federal. Bernardes encaminha

o caso ao Congresso para que este se incumba de referendar um dos nomes,

logicamente, o de sua escolha.

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Então, como ocorressem distúrbios nas ruas de Niterói, o presidente da

República decreta intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, dissolve as

Assembleias Legislativas e convoca novas eleições, nas quais teve o cuidado de

garantir a vitória de seu preferido, Feliciano Sodré.

Estava anulada no Estado, pelo menos em seu governo, a interferência

política de Nilo Peçanha.

Borges de Medeiros e

a sucessão gaúcha

No Rio Grande do Sul, é exagero falar em sucessão, pois, desde 1898 que

Borges de Medeiros vem sendo o sucessor dele mesmo, permanecendo

continuamente no poder, salvo em raros momentos em que teve de se licenciar,

quando, então, era substituído pelo vice, por sinal, nomeado pelo próprio

governador.

Na campanha sucessória de 1922, entretanto, o caudilho teve de enfrentar

um forte opositor, Assis Brasil, que saiu de seu exílio voluntário no Castelo de

Pedras Altas, para dar-lhe combate franco e aberto, numa aliança popular que

recebeu o nome de Aliança Libertadora.

As eleições se deram em 25 de novembro de 1922. De um lado e do outro a

fraude foi utilizada sem cerimônias. Como conta o escritor gaúcho, Mem de Sá,

"todos podiam votar. Podiam e votavam umas dez vezes, em mesas

eleitorais diferentes, em municípios próximos. Os mortos, quisessem ou

não, votavam também, engordando as urnas..."

Venceu Borges de Medeiros, cujo nome foi, a contragosto, chancelado pela

Comissão de Constituição de Poderes, formada pelos deputados Getúlio Vargas,

Ariosto Pinto e José Vasconcelos Pinto.

Como não alcançasse os três quartos do eleitorado, conforme mandava a

Constituição, Borges não titubeou em fazer sua interpretação pessoal da Carta.

Para ele, bastava eliminar os eleitores inscritos, mas que não votaram, que o

quorum seria alcançado. E todos os que lhe eram fiéis disseram Amém.

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A revolução gaúcha

de 1923

Desta vez, a reeleição não foi assimilada pacificamente. Estourou uma

revolução, com Assis Brasil ao centro, mas retirando de suas tocas as velhas

raposas que dominavam em várias regiões do Estado, muitas delas vindas da

Revolução Federalista de 1893. Destaca-se o general Honório de Lemes.

Ignorante, semianalfabeto, mas com uma habilidade inata para a guerra,

conhecedor da topografia como nenhum outro, o general tinha seu próprio

exército, formado principalmente de lanceiros, homens que ninguém vencia no

combate corpo a corpo ou à pequena distância, até onde alcançassem suas

longas e poderosas lanças. E depois da vitória, vinha a degola dos feridos,

conforme tradição gaúcha, para que estes não lhes viesse interceptar o caminho

mais tarde.

O grito de guerra partiu de Passo Fundo, dado pelo deputado Artur Caetano

que, em 24 de janeiro de 1923, enviou um telegrama ao presidente da República,

informando que estava se movimentando com 4.000 revolucionários os quais só

deixariam as armas quando Borges, por sua vez, deixasse o poder.

Essa guerra civil, como conta Batista Luzardo, era

"alimentada a churrasco, fumo e mate, e cuja característica foi a

mobilidade das unidades em campanha, teve como chefes

supremos Borges de Medeiros, do lado governista, assessorado

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pelo comandante da Brigada Militar, Cel. Afonso Emilio Massot, e

por vários oficiais de Exército, instrutores; e do lado revolucionário,

Assis Brasil, na liderança teórica, e os caudilhos Honório de Lemes

(fronteira do Sudoeste), Leonel Rocha (região norte), Estácio

Azambuja (região centro-sul), José Antônio Neto (Zeca Neto,

região sul). Os comandantes republicanos foram Firmino de Paula,

Flores da Cunha, Juvêncio Lemos, Firmino Paim Filho e Claudino

Nunes Pereira."

Reina a paz nos pampas

Renascia, assim a luta entre os blancos, donos do poder desde a

Proclamação da República, e os colorados, sempre na oposição.

A intervenção conciliatória do governo federal não poderia tardar, pois a

guerra, tal como estava colocada, fazendo renascer ódios antigos, não

terminaria "enquanto não tombasse o último gaúcho".

Primeiro, Bernardes envia para o Rio Grande do Sul o ex-ministro da Justiça,

o potiguar Augusto Tavares de Lira que, estranho ao ambiente sul-riograndense,

não obteve êxito.

Depois, segue para o sul o próprio ministro da Guerra, general Setembrino de

Carvalho, este sim, gaúcho, conhecedor do estado de espírito dos contendores

e hábil negociador.

O trem do general foi estacionado num desvio em Bagé, bem distante de

Borges e de Assis, para evitar influências indesejáveis em sua missão.

Funcionou como importante elo entre o general e as partes conflitantes, o major

Euclides de Oliveira Figueiredo (pai do futuro Presidente João Batista

Figueiredo) que, em momento crucial, chegou a salvar as negociações,

discutindo com o governador, sem prévia anuência, algumas cláusulas da

minuta, recusadas por este.

Finalmente, em 14 de dezembro de 1923, após onze meses de luta

sangrenta, foi assinada a Ata de Pacificação do Rio Grande do Sul, que ficou

conhecida como Pacto de Pedras Altas. Tinha dez cláusulas e estabelecia o

seguinte:

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a) O governador empossado permanece no cargo até o final do

mandato;

b) não haverá mais reeleição;

c) o vice-Governador, até então nomeado pelo titular, passará a ser

eleito por voto direto;

d) a Constituição será modificada para se adaptar às normas

federais.

e) finalmente, o acordo concede uma anistia geral dos revoltosos,

selando a pacificação do Estado.

Contidas as lutas regionais, ainda que sem eliminar totalmente ódios e

prevenções, os chimangos e os maragatos, talvez sem o saber, estão prontos

para uma investida maior nos próximos anos, que é a derrubada da Primeira

República e a tomada do Poder Central, onde Getúlio Vargas permaneceria, sem

a menor cerimônia, por quinze anos.

Militares de 1922

são julgados

Desde as fracassadas revoltas de 5 de julho de 1922, o processo militar

contra os vencidos ia se encaminhando para um desfecho satisfatório a todas as

partes. Os militares revoltosos, presos em quantidade, foram bem tratados na

prisão e, depois de algum tempo, receberam liberdade condicional, enquanto

prosseguia o julgamento. A despeito da ação judicial, o 1º tenente Juarez Távora

chegou a ser promovido a capitão, fazendo antever que, uma vez julgados, as

penas seriam brandas.

Os jovens militares até concordavam com as penalidades previstas em lei,

mas esperavam ser capitulados no art. 111 do Código Penal Militar, com

aplicação de pena de prisão por dois anos, sem perda de patente, e com

readmissão à ativa do Exército.

Para surpresa geral, porém, o enquadramento se fez pelo art. 107, sendo eles

condenados a três anos, com expulsão do Exército e cassação dos postos e das

divisas.

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Nessa situação, não tendo mais nada a perder, os envolvidos passaram para

a clandestinidade, iniciando uma conspiração contra o governo central,

procurando atrair sobretudo as forças militares e forças estaduais, instaladas no

sul e sudeste do país.

As sondagens se fizeram inicialmente em Ponta Grossa-PR e Florianópolis-

SC, onde se estabeleceu contato com os sobreviventes da guerra do Contestado

(1912-1916).

No Rio Grande do Sul, se achava em atividade normal o capitão Luís Carlos

Prestes. Como se lembra, ele não chegara a participar das revoltas de 1922 por

estar doente.

Assim, não envolvido no processo como revoltoso, pediu sua transferência

para o Batalhão Ferroviário em Santo Ângelo, onde servia como engenheiro,

mantendo a patente de capitão.

Osvaldo Cordeiro de Farias, também em cômoda situação, servia em uma

unidade de Artilharia, em Santa Maria. Havia articulações por toda a corporação

com o objetivo de fazer um levante em data a ser combinada.

Para o sul seguiu, também, Juarez Távora que, mais tarde, em momento

oportuno, regressou a São Paulo, para reunir-se a seus irmãos Joaquim Távora

e Fernando Távora.

A revolução de 1924

em São Paulo

Em São Paulo, no bairro do Pari, próximo aos quartéis da Luz, morava

Joaquim Távora. Em sua casa, reuniam-se os principais líderes da conspiração

no Estado, entre eles o major Miguel Costa, comandante da Força Pública,

Newton Estilac Leal, Filinto Müller e Diogo de Figueiredo, este último, irmão de

Euclides Figueiredo, que encontramos há pouco como emissário no Rio Grande

do Sul.

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Os conjurados mantinham contato com as guarnições de Pouso Alegre, Três

Corações e Itajubá, no sul de Minas.

Em situação de suspeita neutralidade ficava o major Bertoldo Klinger, que

achava prematuro desencadear um processo revolucionário apenas com os

elementos de que dispunham.

Estávamos em março e o levante em São Paulo deveria ocorrer em 5 de

julho de 1924, dia em que se comemorava o segundo aniversário das revoltas

de 1922.

Cabia ao Paraná e Santa Catarina deter o avanço de tropas legalistas pela

serra do Mar, especialmente as que fossem desembarcadas no porto de

Paranaguá. O Rio enfrentaria, no próprio local, as forças governistas, impedindo

seu avanço. O Rio Grande do Sul esperaria seu momento para se manifestar

revoltoso.

Bloqueios seriam feitos, ainda, na subida de Santos e no vale do Paraíba,

neutralizando-se, assim, de todos os lados, os reforços que os legalistas

pretendessem enviar à capital paulista.

Cabia a São Paulo o peso maior das manobras, mas algumas pedras

surgiram no caminho. O 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna resistia em

aderir ao plano.

Por outro lado, o major Klinger, até então neutro, dava sinais de impaciência,

podendo inesperadamente tornar-se um delator, o que comprometeria o sucesso

da conspiração.

Nos outros flancos, tudo parecia em ordem. O major Miguel Costa

comandaria o Regimento de Cavalaria da P.M. paulista, apoiado pelo 4º

Batalhão de Cavalaria em Santana.

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O 2º Grupo de Artilharia e o 4º R.I., ambos em Quitaúna (zona oeste da

Capital paulista), avançariam até Pinheiros, ficando mais próximos da cidade.

Seriam tomados depois o Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo

estadual, as estações da São Paulo Railway e da Sorocabana, ambas no bairro

da Luz, a poucos quarteirões da cadeia pública e dos quartéis da Força Pública.

Ao mesmo tempo, se tomaria o telégrafo nacional, no centro da cidade, e a

estação da Central do Brasil, no Brás. O vale do Paraíba se rebelaria com os 5º

e 6º R.I.s, em Lorena e Caçapava, fechando o caminho entre São Paulo e Rio.

Um novo nome aparece agora, majestoso, o do general Isidoro Dias Lopes, já

reformado, até então desconhecido do grande público e até mesmo de alguns

setores mais informados, como a imprensa.

Após encontro com ele, Júlio de Mesquita Filho, do jornal O Estado de São

Paulo o descreve como uma

"figura pequenina e enxuta de um velho vestido à paisana e

protegido contra o frio, que era intenso, por um sobretudo preto com

a gola levantada e trazendo na cabeça um chapéu de pano preto

com a aba descida sobre os olhos. Vinha fazendo um cigarro de

palha. Ao ver-nos, levantou a cabeça, deixando-nos ver dois olhos

verdes e faiscantes de vivacidade e malícia".

Como lugar-tenente, estava o major Miguel Costa, comandante da Força

Pública do Estado de São Paulo. Outro nome de prestígio, o major Klinger,

permaneceu, desde o início, numa duvidosa neutralidade.

Os azares do levante

Ao final da noite de 4 de julho, o general Abilio de Noronha, comandante da

2ª Região Militar achava-se no Consulado Americano, participando das

comemorações do Independence Day, quando tomou conhecimento da rebelião

a estourar à zero hora do dia 5.

De imediato, dirigiu-se aos quartéis da Força Pública no bairro da Luz e,

chegando antes que os revoltosos, assumiu o comando dos soldados que ali

estavam, aos quais se acrescentava os que chegavam para a mudança de turno.

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No Corpo Escola, o general encontrou o capitão Joaquim Távora, ao qual

deu ordem de prisão, originando um bate-boca entre os dois. Chega, então o

general Isidoro Dias Lopes, comandante da Revolução, que prende o general

Abílio e seu Estado Maior fazendo cessar, momentaneamente, a reação ao

movimento. Todo o restante das tropas estava nas ruas cumprindo, cada uma,

a tarefa que lhe foi entregue.

Falhou, entretanto o bloqueio das tropas legalistas e estas conseguiram se

instalar ao leste da Capital, iniciando o bombardeio à cidade. Numa das missões

a que fora incumbido, o capitão Joaquim Távora saiu gravemente ferido,

morrendo dias após. Assim, logo ao início, a revolução perde um de seus

mentores e peça importante no comando.

Sendo difícil atingir a todos os agrupamentos revoltosos, as forças legalistas,

a partir de 12 de julho, passaram a bombardear a população civil, de forma a

estabelecer um estado de pânico, bem como assestaram contra o parque fabril,

na zona leste da Capital, visando destruí-lo.

O objetivo era o de provocar a rendição dos revolucionários, obrigando-os a

encerrar a ação para não ver a perda inútil de vidas humanas e a destruição do

patrimônio econômico da cidade.

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A retirada dos civis

Quem viu as imagens, sempre impressionantes, de retirantes num país em

guerra, pode fazer ideia do que se seguiu. Milhares de pessoas apavoradas

caminhavam pelas ruas, transportando como podiam crianças, velhos e doentes,

bem como carregando os poucos pertences que podiam levar. Esses infelizes

seguiam para o outro lado da cidade (zona sul e zona oeste), invadindo bairros

mais distantes, onde os residentes procuravam dar-lhes abrigo e conseguir o

alimento, a essa altura difícil, pela falta de abastecimento.

O governador Carlos de Campos retirou-se para Guaiauna (Central do

Brasil), lugar seguro e até confortável ao leste da cidade, onde reuniu-se às

tropas governistas.

Já o prefeito de São Paulo, Firminiano Pinto permaneceu em seu posto,

juntando-se ao presidente da Associação Comercial, José Carlos de Macedo

Soares e a outros nomes ilustres de São Paulo, na tentativa de organizar a

sociedade, quanto fosse possível, no socorro emergencial aos desabrigados,

fugitivos dos próprios lares e atirados à rua em pleno inverno.

A tática das forças legalistas contra a cidade deu certo. Para não causar

maiores danos à população civil, e para evitar que todo o parque industrial fosse

destruído, os revoltosos não tiveram outra solução a não ser a retirada das

tropas, o que ainda pôde ser feito em boa ordem.

Controlando parte das ferrovias (Sorocabana e São Paulo Railway), as tropas

revoltosas seguiram para Itirapina e Bauru. Depois, dispersando-se por vários

itinerários, reuniram-se outra vez às barrancas do rio Paraná, apresando vários

vapores e conduzindo o pessoal, rio abaixo, para a foz do rio Iguaçu, e depois

para Guaíra.

Estamos, agora, em 26 de setembro de 1924. Ali, nas margens do rio Paraná,

os revoltosos aguardam a definição das lutas que vão se desenrolar no sul do

país, de cujo andamento depende a estratégia a ser traçada para os meses

futuros.

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Sublevação no Rio

Grande do Sul

No início de outubro, chegam a Foz do Iguaçu vários revoltosos, vindos do

Rio Grande do Sul, entre eles, o tenente Siqueira Campos, um dos sobreviventes

dos Dezoito do Forte; Alfredo Canabarro, representando o general Honório de

Lemes, de quem já ouvimos falar na guerra civil do ano anterior, e Dr. Anacleto

Firmo, representando o líder da Aliança Libertadora, Assis Brasil.

Ficou decidido que Juarez Távora partiria incógnito para o Sul, a fim de

estabelecer os contatos com a resistência civil e, principalmente, na área militar,

onde tinha bons relacionamentos.

Na madrugada de 29 de outubro de 1924, iniciou-se o movimento

revolucionário, simultaneamente nas guarnições de Uruguaiana, São Borja, São

Luís e Santo Ângelo, acompanhadas depois por Alegrete e Cachoeira do Sul.

Em Uruguaiana, chegou, depois, o general Honório de Lemes, a quem foi

entregue o comando da praça.

A luta prosseguiu por alguns meses, com algumas vitórias e uma série de

insucessos, de tal sorte que, ao findar-se o mês de março de 1925 os rebeldes

contavam com um pequeno contingente, para lutar contra as tropas legalistas,

que tinham efetivo dez vezes maior e provisão regular de munição e de víveres.

Não havia, pois, condições de se prosseguir na luta, e a decisão foi a de

bater em retirada, subindo em direção a Sete Quedas e Foz do Iguaçu, para

encontrar-se com os remanescentes da revolução paulista.

Essa decisão foi tomada num encontro, em São Borja, de três lideranças: o

capitão Luís Carlos Prestes, o tenente Siqueira Campos e o tenente João

Alberto.

Sendo Prestes o mais graduado entre os três, coube a ele assumir o

comando.

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O encontro das

duas frentes

Iniciou-se, pois, a marcha em busca do novo destino. Em verdade, seria fácil

às tropas legalistas liquidar de vez com os rebeldes, tanto mais que alguns

prisioneiros conseguiram fugir e, ao se apresentarem de volta, deram ao

comando legal várias informações sobre o contingente revoltoso, que, sabemos,

era pequeno, estava cansado e praticamente sem munições.

Seguindo ao novo destino, um fator influiu a favor dos rebeldes. As tropas

legalistas eram do Exército e este, como se sabe, tinha sérias restrições ao

presidente Artur Bernardes, desde o episódio das cartas apócrifas.

Cumprindo sua obrigação, os legalistas atacaram os focos revolucionários,

extinguindo a revolução no sul, mas não pretendiam ir muito além disso. Apenas,

vez por outra, fustigavam os retirantes, quando poderiam simplesmente

massacrá-los. Com isso, deram a eles a oportunidade de uma retirada sem

maiores complicações.

Uma vez reunidas as forças de São Paulo e dos Estados sulinos,

especialmente do Rio Grande do Sul, ficou decidido empreender, a partir daquele

momento, uma luta de movimentos, usando a tática de guerrilha, mais adequada

em face da desproporção de recursos materiais e humanos. Aos revoltosos,

daqui em diante seria difícil renovar homens, armamentos e munição.

Surge a “Coluna Prestes”

O general Isidoro Dias Lopes, comandante da revolução, tinha já idade

avançada para dirigir operações de guerrilha, combinando-se, então, que ele se

internaria em um país vizinho (o local escolhido foi Paso de los Libres, Paraguai),

sendo o comando efetivo entregue a Miguel Costa. Já o general Isidoro, patente

maior e nome respeitado no Exército, permanecia comandante geral, mas sem

participar da ação direta.

As patentes militares dos participantes, a partir deste momento, foram

alteradas com comissionamentos feitos pelo general Isidoro, para estabelecer

uma hierarquia de comando dentro da tropa.

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Foi, então, nomeado um Comando Maior que, após as promoções, ficou

assim constituído:

General Miguel Costa, comandante da Divisão; coronel Luís Carlos

Prestes, chefe da Divisão; tenente-coronel Juarez Távora, sub-

chefe; major Paulo Krügger, assistente; capitão Geri Aldo,

assistente; capitão Lourenço Moreira Lima, ajudante-secretário.

Estamos, então, em 13 de maio de 1925. Mais tarde, objetivando eliminar

dissidências entre os comandados, especialmente, desentendimentos entre

gaúchos e paulistas, a Divisão foi separada em quatro Destacamentos, assim

comandados:

1º Destacamento, tenente-coronel Cordeiro de Farias;

2º Destacamento, tenente-coronel João Alberto;

3º Destacamento, tenente-coronel Siqueira Campos;

4º Destacamento, tenente-coronel Djalma Dutra.

Inicia-se, então, o deslocamento, em direção ao centro-oeste e nordeste do

país, num movimento que duraria até 3 de fevereiro de 1927. Pela sua grande

habilidade tática,

Prestes logo se destacou entre os demais. Pela primeira vez na história da

República, um movimento revoltoso apaixonou a opinião pública, que,

geralmente, permanecia alheia a esses acontecimentos. Muitas lendas surgiram,

misturando a verdade histórica e o mito e dificultando distinguir um do outro. A

guerrilha ficou conhecida como Coluna Prestes e seu mentor, Luiz Carlos

Prestes recebeu o cognome de "O Cavaleiro da Esperança".

A longa marcha

pelo Brasil

A quilometragem feita nessa marcha, contando-se desde a partida do Rio

Grande do Sul, passando pela junção das tropas no rio Paraná, e indo até a

desmobilização é bastante discutida. O historiador José Maria Bello fala em 10

mil quilômetros, o general Miguel Costa estabelece 16 mil quilômetros e Prestes,

mais entusiasmado, chega a falar em 26 mil quilômetros. Mais cautelosos,

fiquemos com o primeiro número, que já é uma caminhada e tanto...

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Com algumas reservas, pode-se estabelecer o seguinte roteiro, desde o sul:

Rio Grande do Sul, Paraná, Paraguai, Mato Grosso, Goiás, norte

de Minas, Bahia, Goiás novamente, Maranhão (atravessando o

atual Estado de Tocantins), Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,

Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Goiás, e,

finalmente, Mato Grosso, onde a Coluna se dissolveu, buscando

asilo na Bolívia. De lá, eles emigram, aos poucos, para a Argentina,

onde seria mais fácil arrumar trabalho para garantir a

sobrevivência.

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Notas à margem

Impossível narrar todos os acontecimentos dessa jornada. No Nordeste, o

Governo pretendeu conseguir o apoio do Padre Cícero, o qual, acompanhando

a euforia da população, recusou-se a combater os revoltosos. No norte de Minas,

a Coluna atraiu as forças legalistas para as margens do rio São Francisco. E,

enquanto estas esperavam que os guerrilheiros atravessassem o rio para dar-

lhes combate, estes já haviam retornado pelo mesmo caminho, fazendo sua

travessia no ponto original.

Em Arraias-MT, Siqueira Campos entrou em uma igreja, a pretexto de rezar

e, usando um papel amarelado e gasto, desenhou um mapa do tesouro que

estaria guardado nos alicerces do prédio E colocou o falso mapa em um canto

qualquer, certo de que, um dia. algum fiel o encontraria e não resistiria à tentação

de derrubar o templo para descobrir a fortuna.

Em Carolina-MA, o bacharel Lourenço Moreira Lima, cartorário, se

entusiasmou de tal maneira que resolveu queimar todos os processos de

cobrança de impostos atrasados, recebendo aplausos dos devedores.

Próximo a Teresina-PI, Juarez Távora é aprisionado por forças legalistas,

ficando definitivamente fora da campanha. Foi encaminhado para a prisão em

um quartel do Rio de Janeiro, onde tentou uma fuga, sendo recapturado. Foi,

então, com dezenas de outros detidos, colocado em um navio, que ficou à

deriva, esperando por novas instruções. Finalmente, estabeleceu-se como

destino final a ilha da Trindade, a mais isolada de todas as prisões. Entre os

companheiros de prisão estava o 1º tenente Eduardo Gomes, sobrevivente dos

Dezoito do Forte.

Em 1926, Washington Luiz assumia a presidência da República. No Rio

Grande do Sul, estourava outra revolta, liderada por Alcides e Nelson

Etchegoven, no Regimento de Artilharia Montada de Cruz Alta, logo sufocada.

O ambiente fervilhava por toda parte. Começara a contagem regressiva para

o fim da República Velha.

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Um governo sem obras

Costumava-se dizer, na época, que Artur Bernardes conseguiu ser o pior

dentre todos os Presidentes que passaram pela República. Por certo não sabiam

que outros, ainda piores, ciriam depois...

Mas, talvez a voz do povo estivesse certa. Epitácio Pessoa quando, em uma

reunião de cúpula, meses após a eleição de 1922, deixou implícita sua opinião

de que a renúncia de Bernardes antes da posse poderia ser uma solução para

os males que, naquele momento, afligiam o Brasil.

Com efeito, afora a tremenda agitação que cercou todo o quadriênio, não se

consegue encontrar nada de importante que marque a passagem de Artur

Bernardes pelo poder. Apenas ligeiras modificações na Constituição de 1891,

restringindo o uso do habeas corpus e aumentando-lhe o poder presidencial.

Alterara a constituição para facilitar a administração, não evitou que, em

quase todo o período de governo, vigorasse um quase permanente estado de

sítio, com a suspensão de garantias constitucionais.

Estabeleceu férias de 15 dias por ano para os trabalhadores, mas, na

ausência de uma legislação trabalhista consistente, nada impedia o empregador

de despedir, sem ônus, o empregado que estivesse chegando no tempo de

aproveitar esse direito.

Em 1927, Bernardes elege-se senador. Em 1934 faz-se deputado federal

para uma Câmara que Getúlio Vargas fechou três anos depois.

Volta a se eleger em 1946 e em 1954 para, em seguida exercer uma função

burocrática na Comissão Nacional do Petróleo, onde morre, logo após, em 1955.

Não deixou saudades.

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Paulo Victorino

CAPÍTULO ONZE

O CANTO DO CISNE

WASHINGTON LUÍS - 1926-1930

Getúlio Vargas perde as eleições presidenciais de 1930 e até

reconhece a derrota, mas, logo em seguida, uma notícia percorre

as linhas telegráficas, de norte ao sul, colocando em comoção o

país inteiro: João Pessoa, o companheiro de chapa de Getúlio fora

assassinado em Recife! Não se sabia ainda as causas do crime,

que tinha motivação na política regional, mas com um claro

desdobramento de um crime passional. Entretanto, a comoção

nacional, transformada em revolta contra o governo federal, foi

suficientemente explorada pelos opositores para acelerar o

processo revolucionário.

"Governar é construir estradas". Com esta frase, Washington Luís sintetiza

sua passagem pela Presidência (governo) do Estado de São Paulo, entre 1920

e 1924, quando, findo o mandato, transferiu o poder para Carlos de Campos

(Este último viria enfrentar, pouco depois, a revolução comandada pelo general

Isidoro Dias Lopes, conforme já foi contado no Capítulo 10).

Bem antes, em 1921, pouco depois de empossado governador, Washington

Luís já tinha seu nome cogitado para a sucessão presidencial de 1926. De

acordo com a política do café com leite, em 1914 coube a Minas Gerais ocupar

a presidência da República, com Venceslau Brás.

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Em 1918 foi eleito um paulista, Rodrigues Alves, que morreu sem assumir.

Então, o mineiro Delfim Moreira, Presidente em exercício, convocou novas

eleições. Os Estados de São Paulo, Minas e, agora, também o Rio Grande do

Sul, pelejaram para ter a primazia da indicação. Para baixar a temperatura, que

se achava em ponto de fervura, foi acertado o nome do paraibano Epitácio

Pessoa, como consenso.

Tudo isso já foi comentado em capítulos anteriores. Falta acrescentar que,

em 1921, para concordar com o lançamento do mineiro Artur Bernardes, os

caciques paulistas exigiram que, desde aquele momento, se firmasse um

compromisso, aceitando o nome do então governador Washington Luís como

candidato à sucessão presidencial de 1926.

Com este arranjo, foi possível saber, com uma antecipação de quatro anos,

quem seria o príncipe eleito para a sucessão de um governo que ainda nem

tomara posse, e nem sequer tinha começado a campanha eleitoral.

Chegamos, enfim a 1926. Washington Luís elegeu-se sem enfrentar

qualquer oposição. Rui Barbosa, o tribuno das grandes campanhas civilistas

havia morrido, e assim também Pinheiro Machado, cuja influência, antes, se

fizera sentir em todos os cantos do país.

Nilo Peçanha, por sua vez, fora anulado politicamente pela ação do

presidente Bernardes. Desta maneira, no pleito ocorrido em 1º de março de

1926, venceu a chapa única, com Washington Luís para Presidente e Fernando

de Melo Viana (mineiro) para vice.

A posse ocorreu em 15 de novembro de 1926. Se não houve aplausos,

ocorreu pelo menos alívio geral com a saída de Artur Bernardes, cujo poder

plenipotenciário não era mais suportado por ninguém, seja na sociedade civil, na

política ou nos quartéis.

O governo de Artur Bernardes havia sido de tal forma desastrado que

qualquer um que viesse a substituí-lo, por pior que fosse, deveria trazer uma

mudança de ares.

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Usando uma expressão popular, com a saída de Bernardes, tirou-se da sala

o velho e mal-cheiroso bode. Com isso o ar se tornou mais respirável e até dava

para suportar as goteiras e rachaduras que comprometiam esse velho casarão

chamado Brasil.

Quem era Washington Luís

Washington Luís Pereira de Sousa nasceu em Macaé, Estado do Rio, em

1869, mas toda sua atividade política esteve ligada a São Paulo. Fez seus

primeiros estudos no Colégio Pedro 2º, do Rio de Janeiro, transferindo-se depois

para a capital paulista, onde cursou a Faculdade de Direito do largo de São

Francisco.

Terminado o curso, tornou-se promotor público em Barra Mansa, Estado do

Rio, para voltar, mais tarde, a São Paulo, montando um escritório de advocacia

na cidade de Batatais. Iniciou a carreira política como vereador e, depois, como

prefeito.

Exerceu cargos públicos no governo estadual paulista e, em 1914, elegeu-

se prefeito de São Paulo. Finalmente, em 1920, assume o governo do Estado,

de onde sai para a presidência da República.

Tinha o porte de um nobre. Vestia-se bem, aparecia em público com

frequência e dava ao seu governo um toque de autoridade aristocrática, uma

autoridade que não admitia ser contestada e que também não delegava seus

poderes a ninguém. Essa independência começa a se notar já na formação do

primeiro Ministério, escolhido por intuição própria, sem interferências políticas.

Estes foram os auxiliares nomeados:

Relações Exteriores, Otávio Mangabeira; Justiça, Interior e

Instrução Pública, Augusto Viana de Castelo; Fazenda, Getúlio

Dorneles Vargas; Viação e Obras Públicas, Victor Konder;

Agricultura, Geminiano Lira de Castro; Guerra, general Nestor

Sezefredo de Passos; Marinha, Arnaldo de Siqueira Pinto da Luz.

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Consertando as finanças públicas

O novo Presidente saiu com uma vantagem sobre seus antecessores, pois

teve a oportunidade de iniciar o mandato governando de fato. Nenhuma

pendência ficara do quadriênio anterior. Não havia dualidade de Assembleias

Legislativas, nem disputas judiciais para a conquista do poder nos Estados.

Mudanças na Constituição, formuladas por inspiração de seu antecessor,

limitaram o uso do habeas-corpus, de que se lançava mão para defender cargos

ou posições.

O primeiro ato do novo Presidente foi suspender o estado de sítio. Depois,

voltou sua atenção para o eterno problema nacional, que é o descontrole das

finanças públicas.

Lembremos que Epitácio Pessoa (1918-1922) realizara obras por todo o

país e, de quebra, mesmo que a contragosto, sustentara os preços do café,

dentro do estabelecido pelo Convênio de Taubaté, provocando uma sangria nos

cofres públicos.

Já Artur Bernardes (1922-1926) passou os quatro anos de seu governo

combatendo movimentos revoltosos, o que ocasionou despesas com armas e

munições, bem como com deslocamento de tropas de um ponto a outro do

território. O resultado foi que, ao fim de tudo, mais uma vez, o país se achava

endividado e inadimplente.

Com Getúlio Dorneles Vargas no Ministério da Fazenda, iniciou-se, então,

uma política contencionista para equilibrar o volume de moeda em circulação

com as reservas de ouro que lhe serviam de lastro.

Foi aprovado no Congresso Nacional o projeto de reforma monetária

proposto pelo governo. Em substituição ao padrão real foi criada uma nova

moeda, o cruzeiro, cuja circulação começaria quando se tivesse concluído o

processo de estabilização. Em verdade, o cruzeiro só viria a ser usado 15 anos

mais tarde pelo mesmo Getúlio, não mais como ministro, mas como chefe do

Estado Novo.

Apesar do esforço para estabilizar a economia, vários fatores contribuíram

para deter o andamento do plano. Um deles foi proporcionado pelo próprio

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ministro da Fazenda, Getúlio Vargas, que se afastou do Ministério para concorrer

ao governo de seu Estado, o Rio Grande do Sul, onde as mudanças na

Constituição puseram fim aos 28 anos de reinado de Borges de Medeiros.

Substituído no ministério por Francisco Chaves de Oliveira Botelho,

prosseguiu-se na aplicação do plano até que, em 1929, sofremos as

repercussões do crack na Bolsa de Nova York. Essa quebra originou depressão

nos Estados Unidos, com reflexos em todo o mundo, atingindo particularmente

o Brasil, que dependia, e muito, da importação, tendo como produto de troca

quase que tão somente o café.

O equilíbrio financeiro veio a ser alcançado muitos anos depois, já na Segunda

República, após um longo período de crise, que levou a população a um

empobrecimento ainda maior, trazendo desemprego em massa e contenção dos

salários.

Café em crise

A economia nacional sempre se ressentiu de uma política global, com

planificação adequada, capaz de criar, dentro do país, uma estrutura suficiente

para enfrentar as idas e vindas da economia mundial.

Os bons preços encontrados no mercado internacional para nosso produto

básico de exportação, o café, criavam a ilusão de uma segurança duradoura e,

a cada crise, o governo federal acabava por sustentar o prejuízo dos produtores,

às custas do resto do país.

Essa política de sustentação do café, feita pelo governo central, foi extinta

em 1924, quando Artur Bernardes transferiu para os Estados a responsabilidade

de estabelecer, cada um por sua conta, um sistema garantidor de preços. São

Paulo, principal produtor, criou, então, o Instituto do Café do Estado de São

Paulo.

Nesta nova entidade, vieram a se repetir os mesmos erros do passado. Os

produtores, a cada ano, estabeleciam as cotas de exportação e o excedente era

estocado.

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Para garantir a manutenção desses estoques, o Instituto fazia empréstimos

no exterior e esse dinheiro, repassado ao Estado, financiava os agricultores,

como se o produto tivesse sido, de fato, vendido. A mágica era engenhosa, mas

ilusória, como todo o trabalho de prestidigitação.

A crise mundial de 1929 veio acabar com a farra. Cessou o empréstimo feito

por bancos estrangeiros. Os preços, conseguidos, não pelo abastecimento do

mercado, mas pela especulação, repentinamente, despencaram ao seu nível

mais baixo.

Como se não bastasse a queda na demanda, naquele momento, tínhamos

retidas em estoque 22 milhões de sacas de café, estoques que, é bom lembrar,

estavam sendo mantidos com empréstimos bancários.

Rapidamente, a situação se deteriorou, atingindo os Bancos, repercutindo no

comércio e na indústria, causando primeiro demissões em massa, depois

falências, depois mais demissões. Era o caos que se instalava, desta vez, sem

que se conseguisse enxergar uma luz ao fim do túnel.

Esse momento, embora sofrido, e até por causa disso, serve como um

tratamento de choque para a nação. Habituadas a assistir passivamente os erros

e abusos de governos e/ou de classes dirigentes, as vítimas saem agora para a

reação, culpando o poder público por todos os males de que padece o país.

Surge um sentimento generalizado de revolta, que se espalha e contamina

a todos. A crise polariza as correntes de opinião e as centraliza num só

pensamento. É o material combustível que se acumula e que, a uma centelha,

pode-se inflamar, causando grande incêndio. É nesse estado de espírito,

perigoso, mas desafiante, que encontramos o Brasil, ao final da década de vinte.

O navio segue seu curso

As oligarquias permanecem refratárias aos problemas nacionais. O assunto

em pauta agora, com a antecedência costumeira, é a sucessão presidencial. O

nome que desponta é o do governador de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de

Andrada, descendente do patriarca José Bonifácio.

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Antônio Carlos, professor, advogado, jornalista, com uma carreira política

respeitável, apresenta quase todos os qualificativos para assumir a presidência

da República.

Só há um problema, um único problema, mas que se revela o ponto fraco

de seu brilhante currículo. As ideias econômicas de Antônio Carlos seguem o

caminho oposto às do Presidente, e a conjuntura, delicada e grave, não

aconselha mudar um programa de saneamento que vem dando certo.

Washington Luís mostra-se inclinado, pois, a escolher um outro paulista, de

sua inteira confiança, que possa garantir a continuidade de sua política. As

atenções voltam-se para o governador de São Paulo, Júlio Prestes, filho do

coronel Fernando Prestes, que havia sido vice-Governador na gestão de Carlos

de Campos.

O governador tinha, pois, tradição política e estreita convivência com a

administração pública. O problema consiste em que ele era paulista e a vez era

dos mineiros.

A decisão foi considerada por Washington Luís uma questão fechada, não

sendo passível de entendimentos que contemplassem outras alternativas.

Então, por imposição, foram homologadas as candidaturas do paulista Júlio

Prestes de Albuquerque, para Presidente, e do baiano Vital Henriques Batista

Soares, para vice. Este último já havia sido deputado federal e senador da

República e era, no momento, governador de seu Estado.

Embora não desejassem um enfrentamento direto com o poder central,

vários próceres políticos mineiros se fechavam em torno do nome de Antônio

Carlos. Em último caso, até aceitariam outra solução alternativa, buscando-se

nomes em outros Estados, mas sempre sob orientação e chancela de Minas

Gerais.

Leite com churrasco

Em 17 de junho de 1929, reúnem-se no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, de um

lado, o deputado José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão do governador

Antônio Carlos e líder da bancada mineira na Câmara Federal; de outro, o

deputado João Neves da Fontoura, representante do governador Getúlio Vargas,

e líder da bancada gaúcha na Câmara Federal.

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Devidamente autorizados por seus respectivos caciques, os dois firmam um

pacto político nos seguintes termos:

Se o presidente da República indicar o nome de Antônio Carlos,

os gaúchos o aceitarão sem restrição.

Se o Presidente indicar um outro mineiro que não Antônio Carlos,

os gaúchos aceitarão, desde que a vice-Presidência caiba ao Rio

Grande do Sul.

Se o Presidente se fixar em nome de outro Estado qualquer, o Rio

Grande do Sul lançará sua própria candidatura de oposição, na

pessoa de Getúlio Vargas ou na de Borges de Medeiros,

comprometendo-se Minas Gerais a aceitar irrestritamente qualquer

um dos dois nomes.

Este acordo ficou conhecido como o Pacto do Hotel Glória e, embora firmado

pelos dois líderes de bancada, tinha o pleno assentimento das lideranças

políticas nos respectivos Estados, dispostos que estavam a fazer oposição ao

governo central, se este insistisse no propósito de impor um nome paulista para

a sucessão.

Surge a Aliança Liberal

Formalizada a candidatura oficial, formou-se logo um bloco de oposição,

reunindo as correntes contrárias num enorme saco de gatos que foi batizado

como Aliança Liberal. Este bloco lançou as candidaturas do governador gaúcho

Getúlio Vargas para Presidente e do governador paraibano João Pessoa,

sobrinho de Epitácio, para vice.

A Aliança surgiu no Rio de Janeiro em 5 de agosto de 1929, numa grande

concentração, à qual compareceu o que havia de mais expressivo na oposição

à candidatura oficial.

A nova frente reunia o apoio de correntes as mais diversas. Por Minas

Gerais, tínhamos os ex-Presidentes Venceslau Brás, Epitácio Pessoa e Artur

Bernardes; o tenentismo se fazia representar com Juarez Távora, João Alberto,

Eduardo Gomes, Juraci Magalhães e outros; no Rio Grande do Sul, blancos e

colorados, pela primeira vez, estavam juntos: Borges de Medeiros, João Neves

da Fontoura, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, Lindolfo Collor e Batista

Luzardo, entre outros, apoiavam seu conterrâneo.

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Claro está que cada um deles tinha motivação própria, tratando-se de uma

mistura ocasional, feita ao sabor dos acontecimentos, sem a química que a

transformasse numa substância homogênea. Num processo de decantação,

todos os elementos apareceriam, de novo, cada um formando sua própria

camada.

Se Minas Gerais apoiava a candidatura gaúcha e dispensava até a indicação

da vice-Presidência, que foi entregue a um paraibano, isso não quer dizer que

se contentavam, os mineiros, com um segundo plano na política nacional.

Esperavam apenas por um momento para se projetar novamente no cenário com

o destaque a que Minas tinha direito.

Por outro lado, pode parecer estranho que os tenentes se entregassem,

repentinamente, às oligarquias que ousaram combater a ponto de sacrificar sua

carreira, seu futuro e sua tranquilidade.

É que, por detrás da candidatura oficial, os líderes tenentistas, tanto os que

se estavam no país quanto os exilados, retomavam a conspiração

revolucionária.

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Juarez Távora, por exemplo, já fora da prisão, de onde havia novamente

fugido, recebeu do general Isidoro Dias Lopes um comissionamento na mesma

patente e, nessa condição, articulava a conspiração no Norte e Nordeste,

aguardando a senha para sublevar os quartéis militares. É bom relembrar que

Isidoro, general da reserva, mas com forte prestígio na caserna e entre os

revolucionários, era a eminência parda dos movimentos revolucionários e um

comissionamento chancelado por ele tinha o reconhecimento implícito dos

demais.

No Sul do país, o sentimento revolucionário também era patente, e até com

o conhecimento do governador e candidato a Presidente, Getúlio Vargas, o qual,

entretanto, oficialmente, se manifestava contra a rebelião armada, jurava

fidelidade ao presidente da República, e proibia os seus correligionários políticos

de fazer, nos palanques, qualquer propaganda subversiva. Tudo era Mise en

scène

A candidatura Vargas, assim, era uma cortina a encobrir o processo

revolucionário que estava em andamento e que, no momento oportuno, deveria

eclodir.

Um comício na Esplanada

A plataforma de governo do candidato deveria ser lida por Getúlio Vargas em

recinto fechado, na Capital Federal, com a presença das classes políticas e

empresariais que lhe estavam dando apoio. Não havia intenção de se fustigar o

presidente da República com uma manifestação popular diante de suas próprias

barbas. A capital fora escolhida porque ela era o caldeirão político onde

fervilhavam as ideias e criavam-se os fatos políticos.

A tolice do governo central foi tentar impedir que o ato político acontecesse

dentro de seu território. Os locais públicos dependem de alvará de

funcionamento e de outras facilidades concedidas pelo governo. Assim, se

tornam dependentes do poder público, não lhes sendo conveniente desagradar

àqueles que, em última instância, devem recorrer.

Foi assim que, por toda a cidade do Rio de Janeiro, não se encontrou um

lugar fechado onde realizar a reunião. Decidiu-se, assim, fazer o comício em

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local aberto, sendo escolhida para a concentração a esplanada do Castelo, local

que fora recentemente remodelado para as comemorações do 1º Centenário da

Independência.

Noticiado o comício para o dia 1º de janeiro de 1930, grande multidão se

concentrou nas calçadas para dar vivas a Getúlio e João Pessoa, que seguiam

em um mesmo carro. Ao chegar na Esplanada o povo que seguia a comitiva se

juntou a outra multidão que lá se encontrava para aplaudir o futuro presidente da

República.

Foi assim que um ato solene e restrito se tornou em uma manifestação

popular jamais vista por essa geração. Acontecimento semelhante, no Rio de

Janeiro, só no longínquo ano de 1820, quando o povo, reunido em frente ao

palácio real, exigia que D. João VI assinasse a Constituição Espanhola até que

fossem convocadas as cortes de Lisboa para preparar a primeira Constituição

da Revolução Liberal portuguesa.

A "Tomada da Bastilha"

Washington Luís respeitava profundamente Getúlio Vargas que, por sua

vez, se dizia fiel ao Presidente, a despeito de estar candidato pela oposição.

Havia até um acordo secreto, pelo qual um e outro se comprometiam a respeitar

os territórios políticos de cada um. Durante a campanha, Washington proibiria o

candidato oficial de visitar o Rio Grande do Sul e, por sua vez, Getúlio não

visitaria o Estado de São Paulo.

Acordos existem para serem rompidos. Convidado por jovens políticos

paulistas, Vargas arriscou-se a fazer uma visita protocolar a São Paulo, para ser

recebido por líderes oposicionistas, em manifestação singela e reservada.

Escolheu-se uma praça, ao lado do Pátio do Colégio, onde não caberia mais de

uma centena de pessoas.

O candidato chega de trem em 3 de janeiro de 1930 tendo, no desembarque,

a sua primeira surpresa. A praça fronteiriça à Estação do Norte achava-se

tomada por uma multidão, esperando pelo candidato.

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Contrafeito, Getúlio atravessa o aglomerado, conseguindo entrar no carro

que o levaria ao centro da cidade, assim que o povo se dispersasse. Nada de

dispersão. Ao contrário, o povo seguia entusiasmado, fechando a marcha atrás

da comitiva.

A grande e imprevista passeata seguiu pela avenida Rangel Pestana, o

parque D.Pedro e a ladeira general Carneiro, num percurso de aproximadamente

dois quilômetros, durante o qual outras pessoas abandonavam as casas ou

deixavam as calçadas, juntando-se ao cortejo, que ia se engrossando à medida

que chegava a cidade.

Qual não foi o susto dos políticos reunidos na pracinha, quando viram aquela

massa humana, subindo a ladeira em sua direção, logo atrás da comitiva. Pouco

acostumados ao contato com o povo, não tinham a menor ideia das reações que

se seguiriam ao encontro das duas procissões.

Chegando, finalmente ao local, com os políticos na praça e o povo tomando

a ladeira, alguém tentou inutilmente, pronunciar um discurso de saudação.

Outros procuraram, também, discursar, sem qualquer resultado. A multidão,

uníssona e constante, gritava uma palavra de ordem, surgida de momento e sem

ensaio prévio: "Nós queremos Getúlio... Nós queremos Getúlio".

Estava registrada a consagração popular da candidatura Getúlio Vargas, de

forma imanente, sem qualquer coordenação política e, mesmo, à revelia dos

políticos. A campanha fugia às mãos das lideranças, menos às de Getúlio, que

tinha um sexto sentido para perceber o nascimento de uma nova corrente,

firmada no apoio popular. Tal manifestação de apoio, que se prolongou até sua

morte, recebeu o nome de Queremismo.

Dentro do Queremismo, Getúlio construiu uma nova maneira de se fazer

política, conhecida por Populismo, que consistia em manipular a opinião pública,

dizendo ao povo aquilo que ele quer ouvir e criando a impressão de que o

governo está trabalhando com finalidade principal de atender aos seus anseios.

No correr dos tempos outros líderes políticos seguiriam a mesma tática, mas

não como Getúlio, que, somando seus dois governos, ficou no poder central por

quase duas décadas, sendo odiado por muitos, mas venerado pela classe

trabalhadora, cognominado por esta como o Pai dos Pobres.

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Nas eleições, o de sempre

Em 1º de março de 1930 ocorreram as eleições e os políticos tiveram sua

última oportunidade de falsear os resultados através da fraude. De um e outro

lado, repetiu-se, com grande desfaçatez, a operação mistificadora, com os votos

clonados, as atas falsificadas, e os resultados proclamados sem o menor

escrúpulo. Era a República em descrédito, destruindo-se a si mesma em atos de

corrupção, de pretensa esperteza e de completa deterioração moral.

O resultado, já previsto, foi a eleição de Júlio Prestes. Na oposição, Getúlio

se conformara com as regras do jogo e chegara até a aceitar oficialmente a

derrota quando, em 26 de julho de 1930 uma notícia percorre as linhas

telegráficas, de norte ao sul, colocando em comoção o país inteiro: João Pessoa,

o companheiro de chapa de Getúlio fora assassinado em Recife!

Não se sabia ainda as causas do crime, que tinha motivação na política

regional, com desdobramentos de um crime passional. A primeira impressão

causada nos políticos e na opinião pública era que se tratava de contenda ligada

à campanha presidencial.

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Como na política, assim como na ciência, nada se perde, tudo se transforma,

a comoção popular, transformada em revolta contra o governo federal, foi

suficientemente explorada pelos opositores para acelerar o processo

revolucionário.

Revolução em marcha

No Sul, os preparativos para a revolução iam adiantados, com Getúlio no

centro da conspiração, muito embora ele, com extrema habilidade, mantivesse

a aparência de ordem, prosseguindo no seu dia-a-dia como governador do

Estado.

Para comandar o levante, foi trazido um revolucionário de última hora, o

tenente-coronel Góis Monteiro, totalmente estranho ao movimento tenentista.

No Nordeste, estabelecido em Paraíba, estava Juarez Távora, com uma

patente comissionada, e, com habilidade e paciência, fazia as articulações

político-militares por toda a região.

A data finalmente acertada era 3 de outubro de 1930. O início estava

marcado para as 17h30, já que o expediente nas repartições se encerrava às

17h00, diminuindo a movimentação nesses locais.

Por um mal-entendido na troca de telegramas cifrados, Juarez Távora

entendeu que o Sul havia aceito sua sugestão para iniciar o movimento só na

madrugada do dia 4, causando com isso uma defasagem de horário que quase

põe a perder o levante, por eliminar o efeito surpresa.

Em Porto Alegre, o movimento sedicioso começou com a Guarda Civil,

tomando de assalto o Quartel General da 2ª R.M. e prendendo seu comandante,

o general Gil de Almeida.

No Norte, ainda que com atraso, foram tomadas as praças de Recife e a

capital da Paraíba, espalhando-se a rebelião, em seguida, para o restante da

região.

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Por ser mais apropriado, este assunto será comentado em capítulo aparte.

Por ora, basta deixar registrado que nos dois flancos, do Sul e do Nordeste, a

revolução se espalhou rapidamente, surpreendendo os próprios líderes.

No Norte, o comando militar era de Juarez Távora, enquanto que a liderança

civil era do Dr. José Américo. No Sul, a revolução seguiu para o Rio de Janeiro

comandada pelo general Góis Monteiro e a liderança civil incontestável era a do

governador Getúlio Vargas.

Quando as tropas sulistas se aproximavam do entroncamento de Itararé,

onde deveria ocorrer a mais sangrenta de todas as batalhas, no confronto com

as tropas legalistas ali acantonadas, chega a notícia surpreendente: Washington

Luís renunciara à presidência da República, assumindo o poder uma Junta

Militar, chamada de Junta Governativa, formada pelos generais Tasso Fragoso

e Mena Barreto, e pelo almirante Isaias de Noronha.

Caiu, de podre, a Primeira República. A nova fase que se inicia, a partir

deste momento, muda radicalmente a maneira de se fazer política, alterando os

costumes e modificando os métodos empregados.

Isso não quer dizer que a nova República seja melhor que o período que a

antecedeu. Apenas mudaram-se os hábitos e deslocou-se o eixo de influência,

contudo o povo permaneceu afastado das decisões.

Na Primeira República havia eleições e corrupção eleitoral, contaminando o

processo republicano. Já na Segunda República, simplificou-se o processo e

simplesmente as eleições foram suprimidas. Getúlio governou por 15 anos,

sendo os primeiros quatro anos com poder absoluto, sem constituição nem

Congresso. Depois, por três anos, com uma constituição promulgada que

ninguém respeitou. Por fim, nos últimos oito anos, com a constituição do Estado

Novo que ele mandou redigir e ele mesmo outorgou. Nesta, mais uma vez, sem

congresso, nem povo, e como o poder absoluto nas mãos do Pesidente.

A peça teatral intitulada Um Tiro no Peito cunhou uma fala reveladora da

cidadania cassada:

"O povo entra na História pela porta dos fundos".

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Paulo Victorino

CAPÍTULO DOZE

O FIM DA PRIMEIRA REPÚBLICA

A REVOLUÇÃO DE 1930

No dia 3 de outubro de 1930, a data fatal para o levante, um

acontecimento inesperado facilitou os preparativos finais. No dia

anterior, falecera o grande herói das revoluções de 1893 e 1923, o

general Honório de Lemes. Como era de se esperar, os jornais

deram destaque e repercussão a esse fato, desviando, assim, a

atenção da população e das autoridades. Não houve sequer

desconfianças quando os alunos das escolas de Porto Alegre

foram dispensados das aulas mais cedo que de costume. No

palácio, Getúlio despachava como se fosse mais um dia de

trabalho. Nos bastidores, tudo estava preparado para o levante. A

não ser que surgisse algum outro fato novo e inesperado, a

articulação, muito bem cuidada, oferecia todas as condições de

sucesso.

O presidente Washington Luís (1926-1930) tinha tudo para ser um monarca.

Fosse ele nascido de uma daquelas dinastias que dominavam a Europa do

Século 18, por certo faria boa figura entre os déspotas esclarecidos. Tinha a

finura de um nobre, a inteligência viva e o raciocínio límpido.

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Mas, no reverso da moeda, Washington Luís era também inflexível em suas

decisões. Uma vez determinado o caminho a seguir para a equação de um

problema, não vacilava, não admitia interferências, não negociava. E a

negociação, já se sabe, é a alma da política;

Foi com esse personalismo, próprio de seu temperamento, que ele, no

momento em que julgou oportuno, assumiu a decisão de apresentar, como

candidato à sucessão presidencial, o governador de São Paulo, Júlio Prestes de

Albuquerque. por achá-lo em condições de prosseguir a política econômica

iniciada em seu governo, que vinha corrigindo distorções deixadas pelos

governos anteriores.

A manutenção do plano econômico precisava ser feita com todo rigor para

não pôr a perder os sacrifícios já feitos. Isso tornava-se ainda mais importante,

naquele momento, porque a crise mundial, desencadeada pela quebra da Bolsa

de Nova York, em 1929, atingiu o Brasil de forma dramática, fechando as portas

dos Bancos estrangeiros para novos empréstimos e paralisando os embarques

de café, nosso produto básico de exportação.

Todavia, sua insistência em considerar questão fechada o nome de Júlio

Prestes causou descontentamentos nos meios políticos e ocasionou o

surgimento de uma candidatura de oposição, que apresentou, para Presidente,

o nome de Getúlio Dorneles Vargas (governador gaúcho), e para vice, João

Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (governador paraibano), ambos contando

com o apoio de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (governador de Minas

Gerais).

Esse movimento de oposição tomou o nome de Aliança Liberal e os

aliancistas se tornaram a base civil do futuro movimento revolucionário.

A partir daí o ambiente torna-se tenso. Os partidários de uma e outra

candidatura fustigam-se uns aos outros, gerando violentas discussões que, não

raro, descambam para o enfrentamento físico.

Sendo a Câmara Federal uma caixa de ressonância do que acontece nas

ruas, não é de estranhar que tais lutas repercutam no plenário e nos corredores

do parlamento, com acusações mútuas e pedidos de satisfações pela parte que

se sente atingida. A paixão leva ao descontrole, e o descontrole leva à tragédia.

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O problema do quorum

na Câmara Federal

Hoje, a facilidade do transporte aéreo permite que deputados e senadores

viajem semanalmente aos seus Estados de origem para um contato com as

bases, retornando à capital federal no início de cada semana.

Naquele tempo, isso não era possível, pois o transporte se fazia

principalmente por trem, raramente por rodovia, e, nos Estados mais longínquos,

até por navio.

Assim, por razões de ordem prática, o período legislativo se iniciava

somente no mês de maio, para encerrar-se em 31 de dezembro. Por 8 meses

seguidos, os congressistas ficavam na Capital Federal, longe de seus Estados e

de suas bases políticas.

Outro detalhe característico de nossos parlamentos: no mundo inteiro, a

obstrução dos trabalhos é uma arma da minoria, que se valem desse recurso

para retardar a ação da maioria, geralmente governista, obrigando-a buscar um

entendimento com a parte mais fraca. No Brasil é diferente. É a maioria que,

pelas mais diversas razões, usa o recurso da obstrução.

O final de 1929 veio encontrar o Congresso, sobretudo a Câmara Federal,

na efervescência de uma campanha eleitoral exaltada, que era levada ao

plenário na forma de inflamados discursos. Para evitar que a oposição usasse a

tribuna como palanque eleitoral, os governistas obstruíam a abertura das

sessões, negando o quorum para a realização dos trabalhos. Era comum que o

plenário estivesse cheio, mas, contados apenas aqueles que responderam a

chamada, não se conseguia mais que 20 ou 30 deputados oficialmente

presentes.

Os populares que acompanhavam a campanha de Getúlio Vargas logo se

aperceberam disso e passaram a ir, todas as tardes, à Câmara. Como as

galerias estavam interditadas ao público, a oposição vinha, então, às escadarias,

onde realizava comícios, atingindo, com sua retórica, os candidatos governistas.

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Esta era a rotina. A oposição falava, o povo aplaudia os mocinhos e vaiava

os bandidos. Não faltavam os agitadores de plantão, que, no meio da plateia,

provocavam confusão e desordem. Na sacada, em tom de deboche, alguns

deputados governistas sempre acompanhavam o ato.

Assassinato do deputado

Sousa Filho

No dia 26 de dezembro de 1929, num desses comícios, o filho do deputado

Luís Simões Lopes, em inflamado discurso, fez algumas referências irônicas e

desairosas sobre o deputado governista Sousa Filho, arrancando aplausos do

público. O parlamentar, que se achava também na sacada, ouviu e não gostou.

Mais tarde, quando os oposicionistas se recolhiam ao interior do prédio,

Souza Filho interpelou o moço, agressivamente, dirigindo-lhe uma série de

impropérios. No ardor da mocidade, Simões Lopes (o filho) rebentou sua bengala

nas costas do agressor que, em revide, sacou de um punhal.

Numa reação instintiva, Simões Lopes (o filho) deu alguns passos atrás mas,

tendo sido interceptado em seu caminho, sabe-se lá por quem, caiu, ficando à

mercê do agressor, pronto para fincar-lhe o punhal. Nesse momento, então, o

Simões Lopes (o pai), acorrendo ao socorro do filho, sacou de um revolver e deu

um tiro certeiro e fulminante no desafeto. Na confusão, os deputados aliancistas

Plínio Casado e Adolfo Bergamini retiraram do local o agressor e o levaram para

lugar seguro.

No dia seguinte, pela primeira vez em muito tempo, houve quorum na

Câmara Federal, para a sessão de homenagem ao deputado assassinado, cujo

velório acontecia no salão nobre. Apesar de ameaçados, os aliancistas também

compareceram, já que Souza Filho era um grande adversário, mas um bom

amigo de todos eles. Em nome da Aliança Liberal, discursou o deputado Lindolfo

Collor, lamentando o acontecimento e enaltecendo a personalidade do falecido.

O trágico acontecimento arrefeceu os ânimos da campanha no edifício da

Câmara Federal, mas não diminuiu as atividades de um e outro lado para fazer

de seu candidato o escolhido das urnas. Cinco dias depois, encerra-se o período

legislativo e cada um viaja ao seu Estado para acompanhar as eleições, que

ocorreriam em 1º de março de 1930.

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O episódio que

mudou a História

Já dissemos, no capítulo anterior que, nas eleições presidenciais ganhou o

candidato oficial, Júlio Prestes e seu oposicionista, Getúlio Vargas,

protocolarmente, aceitada a derrota. Mas a política é dinâmica e a única coisa

certa nela é a incerteza.

No dia 26 de julho de 1930, é assassinado o governador da Paraíba e ex-

candidato à vice-Presidência da República, João Pessoa. O mandante era seu

desafeto, João Dantas, um dos caciques da política paraibana. Sua morte trouxe

um forte abalo nos meios políticos e junto ao povo, em todo o país.

Cresceu, então, um sentimento de ódio e revolta contra o governo federal,

por se imaginar tratar-se de um crime ligado às recentes eleições presidenciais.

Em realidade, esse desenlace, que já era previsto, tinha motivos passionais e,

também, raízes na política regional, contrariada pela administração estadual.

A República de Princesa

(Estado de Paraíba)

Para entender, é preciso retroceder no tempo. Ao término do mandato do

governador paraibano, João Suassuna, em 1926, João Pessoa assume o cargo

e constata que os cofres do Estado estão vazios, o pagamento a fornecedores

não vem sendo feito, o funcionalismo não recebe seus proventos há algum

tempo e o Estado se se encontra em situação pré-falimentar.

Com energia e determinação, o novo governador começa um processo de

saneamento financeiro, combatendo a sonegação e obtendo, assim, de

imediato, um desafogo que lhe permitiu cobrir parte dos salários atrasados e

programar o início do pagamento aos fornecedores.

Todavia, essa fúria arrecadadora desagradou aos caciques políticos do

Estado que, como os marajás da antiga Índia, não se achavam na obrigação de

recolher impostos ou, pelo menos, não pretendiam fazê-lo com tamanha

religiosidade.

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Com isso, o clima de tensão entre o governador e as forças político-

econômicas do Estado manteve-se tenso durante todo o governo. O ponto de

explosão foi atingido em 1929, quando João Pessoa, já candidato à vice-

presidência da República, baixou um decreto que impedia, no Estado, a

reeleição de deputados federais, limitando, assim, a ação de seus opositores.

Como se tal não bastasse, abriu uma odiosa exceção ao seu primo, Carlos

Pessoa, que, este sim, poderia recandidatar-se.

A sudoeste da Paraíba ficava a pequena cidade de Princesa, feudo do

coronel José Pereira, que controlava, com seu poder e seus jagunços, todo o

oeste do Estado, de cima a baixo. Fraudando o resultado das urnas, mantinha

ele não só um elenco de deputados estaduais como, também, controlava uma

pequena bancada na Câmara Federal, conhecida como os deputados de

Princesa. Atingido frontalmente em seus interesses, o chefe político protesta

junto ao governador, sem resultado.

Sentindo-se prejudicado com o resultado das eleições, João Pereira se

rebela e, em 1º de junho de 1930, assina o Decreto nº 1, proclamando a

Independência de Princesa, que se considera, a partir de então, separada da

Paraíba.

Por consequência, inicia-se uma guerra civil dentro do Estado, que o

governo legal tinha dificuldades de reprimir, pois o ministério da Guerra lhe

recusava a compra legal do material bélico necessário, enquanto seu opositor

conseguia armas e munições no mercado do contrabando.

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Enfrentando João Dantas

Outro chefe político de prestígio era João Dantas, que dominava parte do

sertão paraibano e tinha parentesco com o ex-Governador João Suassuna. João

Dantas se sentia agastado e diminuído, e o governador João Pessoa nada fazia

para melhorar seu relacionamento com este poderoso adversário, pelo contrário,

não perdia oportunidade para atingi-lo.

Foi assim que, em uma diligência policial, sob um pretexto qualquer,

mandou prender familiares de Dantas, entre eles várias mulheres, provocando

indignação, ódio e um sentimento de vingança.

Algum tempo depois, a polícia recebeu um comunicado de suposto assalto

no escritório de João Dantas e, comparecendo ao local, constatou que não havia

ninguém. Mesmo assim, arrombou a porta e apreendeu livros, armas e

documentos. Muitos dos papéis recolhidos eram particulares e confidenciais e,

entre eles, haviam algumas cartas denunciadoras de um romance entre João

Dantas e a poetisa Anaíde Beiriz, com uma linguagem bastante escandalosa

para a época.

Melhor é ter bons inimigos do que maus amigos. Pois não é que pessoas

ligadas ao Governador, desejando agradá-lo, fizeram publicar uma dessas

cartas na primeira página do Jornal Oficial do Estado?

O romance, até então velado, passou a ser do conhecimento geral,

causando transtornos a João Dantas e obrigando Anaídes a mudar-se para

Pernambuco, onde a repercussão, imaginava-se, seria menor.

Mesmo assim, para João Dantas, tratava-se de uma questão de honra, e

como tal tinha que ser tratada. Era só esperar o momento, que não tardaria.

Confronto com o governo federal

Voltemos, outra vez, à campanha eleitoral. Sendo candidato a vice-

Presidente pela oposição, João Pessoa não teve escrúpulos em barrar a

propaganda do candidato governista, Julio Prestes, dentro do Estado da

Paraíba. Assumiu a direção dessa campanha o desembargador Heráclito

Cavalcanti.

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Em represália, o governador baixou um decreto afastando-o de suas

funções públicas, sob a alegação de que, ao adotar uma corrente política, deixou

ele de ter a isenção requerida a um juiz.

O Presidente da República, então, manda um telegrama ao desembargador,

transmitindo-lhe sua solidariedade, sendo rebatido pelo governador.

Houve então as eleições federais, em 1º de março de 1930 e, como se

esperava, João Pessoa conseguiu reverter a seu favor a nova bancada

paraibana, graças ao artifício já mencionado em tópico anterior.

Pelo menos aparentemente ele tinha ganho, porque, dentro do sistema

montado pelo presidente Afonso Pena (1906-1910), a votação de cada candidato

deveria ser submetida logo após a uma Comissão de Verificadora de Poderes,

para analisar cada nome, antes de confirmá-lo eleito.

Essa comissão, formada pelo Presidente da antiga legislatura, mais dois de

seus deputados, analisou com especial carinho os deputados eleitos pelos três

Estados que comandaram a oposição ao governo federal, ou seja, Minas Gerais,

Rio Grande do Sul e Paraíba. Foram, então, cortados e substituídos todos

aqueles nomes que o governo federal considerou inconvenientes, alterando a

seu favor as bancadas dos três Estados.

Coube à Paraíba uma atenção maior, dado as provocações havidas durante

a campanha. Desse Estado foram cortados praticamente todos os aliados de

João Pessoa, enquanto se considerava legitimamente eleitos os deputados da

República de Princesa.

João Pessoa estava duplamente derrotado: perdera a eleição presidencial,

na qual formava a chapa com Getúlio Vargas, e perdera sua bancada na Câmara

Federal, com o corte de quase todos os seus correligionários.

O assassinato de João Pessoa

Foi nesse clima que, em 26 de junho de 1930, João Pessoa viajou a Recife,

ao que se sabe, para visitar um amigo doente e, ao mesmo tempo, manter alguns

contatos políticos.

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Ao fim da tarde, encontrava-se na Confeitaria Glória, tomando sorvete em

companhia do jornalista Caio de Lima Cavalcanti, quando um desconhecido para

à sua frente e descarrega uma arma a queima-roupa, fulminando-o

instantaneamente.

Os desconhecidos, bem como um acompanhante, foram prontamente

dominados e presos. O crime, soube-se depois, teve como mandante João

Dantas, que foi recolhido à prisão, onde, meses depois, apareceu morto.

Estava completada a tragédia, em que um crime de natureza passional se

misturava a todo um emaranhado político, envolvendo tramas, violência, fraude,

muita esperteza e, por fim, a justiça feita com as próprias mãos.

Pela precariedade do telégrafo, a notícia levou algumas horas para se

espalhar pelo país, mas, ao chegar a cada ponto, causava comoção e revolta,

criando sempre a ideia de crime político, ligado às eleições presidenciais.

Especialmente na Paraíba, o povo foi às ruas à caça de adversários de João

Pessoa. Muitos tiveram tempo de fugir, outros foram duramente atingidos. Quase

todos tiveram suas casas saqueadas e, depois, incendiadas.

Em São Borja, no outro extremo do país, conta Alzira Vargas do Amaral

Peixoto, filha de Getúlio Vargas, que naquele momento tinha apenas 15 anos:

"Uma noite, fomos ao cinema com papai e mamãe, como de

costume. Noite de 26 de julho. Mal havia começado o filme,

acenderam-se as luzes e, do palco, alguém comunicou ao público

a dolorosa notícia: 'João Pessoa foi assassinado!' (...) A indignação

foi geral. Nada mais podia impedir a marcha da Revolução. Toda a

nação estava chocada."

A questão da Presidência já tinha se encerrado, a partir do momento em

que Getúlio Vargas reconheceu sua derrota e a eleição de Júlio Prestes.

Agora, reacendiam-se os ânimos. Os cronômetros eram novamente

ajustados e recomeçava, pela última vez, a contagem regressiva para o início da

Revolução.

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A marcha da Revolução

Verdade seja dita, se o assassinato de João Pessoa trouxe novo alento aos

revolucionários, na realidade a conspiração vinha sendo desenvolvida há bom

tempo, antes mesmo de se realizarem as eleições, cujos resultados, já se sabia,

seriam, como sempre foram, favoráveis ao governo. A derrota nas eleições, com

as fraudes do sistema, se tornaria uma bandeira da oposição, pretextando a

renovação dos costumes políticos.

Vejamos como andava a conspiração. Durante o trajeto da Coluna Prestes

(1924-1927) Juarez Távora, que fazia parte de seu Estado Maior, foi detido no

Piauí e, em seguida, remetido ao Rio de Janeiro, onde ficou prisioneiro, primeiro

na ilha de Trindade e, depois, na ilha das Cobras, de onde conseguiu fugir,

viajando incógnito para Montevidéu onde devia encontrar-se com exilados da

Coluna.

Nessa ocasião, obteve do general Isidoro Dias Lopes um comissionamento

na patente de general e, nessa condição, tratou de chegar ao nordeste, onde

começou as articulações com as forças políticas e militares da região. Seria ele

o comandante da operação no Nordeste.

Em Minas Gerais, havia o apoio furtivo do governador Antônio Carlos, que

não queria se comprometer com um movimento de contestação ao governo

federal, antes de ter segurança de que a ação pudesse trazer um resultado

eficaz.

Em 7 de setembro de 1930, Antônio Carlos transfere o governo de Minas a

Olegário Maciel, que havia sido eleito, ao mesmo tempo, presidente

(governador) do Estado e senador da República.

Assim, após assumir o governo de Minas, Olegário Maciel viaja para o Rio

de Janeiro para tomar posse no Senado e, nessa ocasião, mantém contato com

um dos articuladores da revolução, o gaúcho João Neves da Fontoura, ao qual

empenha a palavra de que dará, em seu Estado, toda a cobertura que se fizer

necessária.

No Rio Grande do Sul estava o núcleo principal da sublevação. Primeiro,

porque ali o governador continuava sendo Getúlio Dorneles Vargas; depois,

porque o Estado contava com um bom número de revolucionários de

movimentos anteriores; por fim, porque nos países limítrofes, Argentina e

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Uruguai, se encontravam asilados os participantes do movimento de 1924 e da

Coluna Prestes.

Aliás, próprio Luís Carlos Prestes continuava sendo cogitado para assumir

o comando da nova revolução, caso em que seria comissionado, também, na

patente de general.

Imprevistos enfraquecem

o comando

No decorrer da conspiração, que, como dissemos, começara muito antes

da morte de João Pessoa, dois acontecimentos inesperados surpreendem os

tenentistas e vem enfraquecer as articulações na área militar. Embora sem

comprometer o movimento em seu conjunto, esses fatos trouxeram um

enfraquecimento na liderança e um abalo junto aos tenentes comprometidos

com a revolta.

No início de maio, ainda exilado na Argentina, Luís Carlos Prestes

comunica sua intenção de aderir ao comunismo, partindo para a luta

revolucionária contra todo o sistema capitalista e não apenas ao governo

Washington Luís.

Segundo seu próprio depoimento, a longa marcha pelo Brasil, comandando

a Coluna Prestes, trouxe-lhe a convicção de que não era possível montar um

novo governo, apoiado nas mesmas oligarquias que controlam cada parte do

país.

Preocupados com o rumo em que seguiam as coisas, os tenentes Siqueira

Campos e João Alberto viajam para Buenos Aires e, no dia 7 de maio de 1930,

participam, os dois e mais outros exilados, de uma reunião com Luís Carlos

Prestes, em que este apresenta seu Manifesto Socialista, que iria divulgar nos

próximos dias.

Em vão tentaram seus companheiros fazê-lo desistir de seu propósito e,

como ninguém aderisse a suas ideias, a reunião tornou-se de todo inútil para

ambos os lados.

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No dia 9, pretendendo voltar rapidamente a Montevidéu, os dois tenentes

conseguiram um espaço no avião do Correio Aéreo, que decolou perigosamente,

à noite, sem instrumentos, com cinco pessoas a bordo, mais a carga normal de

correio.

Não se sabe qual a causa, o avião caiu nas águas geladas do mar, já em

território uruguaio. Dos cinco passageiros, somente João Alberto conseguiu

alcançar a praia. Siqueira Campos sentiu o choque térmico provocado pela água

gelada, teve cãibras e não conseguiu se movimentar, morrendo afogado.

Perderam-se, pois, de uma só vez, dois elementos de proa na causa

revolucionária, um por deserção e outro por acidente.

Prestes, é bom lembrar, foi o artífice da Coluna que percorreu o Brasil,

enquanto que Siqueira Campos participara de quase todos os movimentos

desde a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, a qual comandou em

companhia de Eduardo Gomes.

O levante no Rio

Grande do Sul

Depois de várias datas marcadas e desmarcadas, ficou finalmente decidido

que a revolução se iniciaria no dia 3 de outubro de 1930 às 5h30 da tarde, após

o fechamento das repartições civis e militares, quando o movimento nesses

locais se tornava insignificante.

Por uma falha de comunicação, Juarez Távora, no nordeste, entendeu que

a marcha se iniciaria à zero hora do dia 4 e esse mal entendido quase pôs a

perder a revolução.

Neste ponto, entra em cena um revolucionário de última hora, o tenente-

coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, cuja biografia assinala uma constante

mudança de posições, segundo suas próprias conveniências.

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Em 1930, sentindo a fraqueza do governo Washington Luís, aderiu aos

revolucionários; em 1932, lutou contra a Revolução Constitucionalista, em São

Paulo; em 1937 aderiu ao golpe de Estado que restabeleceu plenos poderes ao

ditador Getúlio Vargas; em 1945, aderiu a outro golpe, que derrubou o mesmo

Getúlio.

Neste momento, porém, em que o movimento revolucionário ia ter início, sua

presença era indispensável, pela patente militar, que lhe dava supremacia de

comando.

De sua parte, o governador Getúlio Vargas cuidava de manter um jogo duplo.

No palácio, mantinha o ritmo de trabalho normal, fazendo com que a rotina

parecesse inalterada, tanto no gabinete, quanto nos quartéis das policias

estaduais.

Paralelamente, utilizava seus auxiliares diretos na articulação do

movimento, entre eles, o próprio vice-Governador, Osvaldo Aranha. E, para

completar, dava ao comandante da 3ª Região Militar, general Gil de Almeida, a

segurança de estar cuidando da ordem, não havendo qualquer fundamento os

boatos sobre uma possível revolução.

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No dia 3 de outubro de 1930, a data fatal para o levante, um acontecimento

inesperado facilitou os preparativos finais. No dia anterior, falecera o grande

herói das revoluções de 1893 e 1923, o general Honório de Lemes. Como era

de se esperar, os jornais deram destaque e repercussão a esse fato, desviando,

assim, a atenção da população e das autoridades. Não houve sequer

desconfianças quando os alunos das escolas de Porto Alegre foram dispensados

das aulas mais cedo que de costume.

No palácio, Getúlio despachava como se fosse mais um dia de trabalho. Nos

bastidores, tudo estava preparado para o levante. A não ser que surgisse algum

outro fato novo e inesperado, a articulação, muito bem cuidada, oferecia todas

as condições de sucesso.

O Cavalo de Tróia

Já há algum tempo, para iludir a vigilância militar, a Guarda Civil do Estado,

todas as tardes, ao encerrar seu expediente, entrava em forma, desfilando em

frente ao Quartel General do Exército e prestando continência ao comandante

da 3ª Região Militar, general Gil de Almeida.

Diariamente, repetia-se a mesma rotina. Por volta das cinco horas,

encerrava-se o expediente. Às cinco e quinze, pontualmente, o general, de sua

janela, acompanhava a passagem do desfile e se tranquilizava. Se algum

movimento estivesse sendo articulado em Porto Alegre, por certo que não teria

a colaboração do governo estadual, ao qual estava subordinada a Guarda Civil.

Naquele dia 3 de outubro de 1930, no mesmo horário de sempre, as tropas

passaram em frente ao QG, só que, enquanto o primeiro grupo continuava o

desfile, o segundo saiu de forma, tomou de assalto a portaria e invadiu o quartel,

aprisionando o General-Comandante.

Em seguida, ao sinal dado por um foguete, ocorreu o levante nos demais

quartéis, que foram tomados sem maiores dificuldades. Por todo o Rio Grande

do Sul, assim como em Santa Catarina e no Paraná, a revolução obedeceu ao

horário determinado.

Isso só não aconteceu no Nordeste, onde o comando estava nas mãos de

Juarez Távora.

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Relógios fora de sincronia

Como no Sul, a articulação também seguia seu curso no Norte e Nordeste.

Ao aproximar-se a data fatal, já havia um comprometimento, maior ou menor, de

quartéis na Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do

Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. Toda a região estava, pois

fechada e parecia não haver maiores problemas.

Em 25 de setembro de 1930, Juarez Távora recebeu um telegrama cifrado

de Osvaldo Aranha (Rio Grande do Sul), informando que o início do levante

estava marcado para 3 de outubro, às 5h30 da tarde.

A data era ótima, pois nesse dia estavam escalados para o serviço em suas

unidades militares os tenentes Agildo Barata e Juraci Magalhães, ambos

comprometidos, e elementos importantes do esquema na Paraíba, onde se

achavam Juarez Távora e o comando revolucionário.

O problema estava no horário, pois dificilmente se conseguiria sublevar os

quartéis em plena luz do dia, sendo conveniente que o início acontecesse na

calada da noite.

Juarez pretendia iniciar o levante na madrugada do dia 4 de outubro e

propôs que a data fosse mudada também no Sul do país, todavia foi infeliz na

redação do telegrama, que saiu nos seguintes termos: "ciente pt peço licença

iniciar marcha dia 4".

Aí estava o erro, pois Iniciar o levante é uma coisa, iniciar a marcha é outra

totalmente diferente. A autorização do Sul veio, mas referindo-se à alteração do

horário para a movimentação das tropas, que já deveriam estar sublevadas no

final da tarde!

Ao fim do dia 3, havendo chegado ao Recife, onde pretendia acompanhar o

início das operações, Juarez Távora foi surpreendido com a notícia de que o

levante já se iniciara no Sul e que o governo federal expediu um alerta a todos

os Estados para se prevenirem contra qualquer alteração de ordem, colocando

as tropas em prontidão.

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Daí por diante, tudo correu mais por conta da capacidade de avaliação e

iniciativa de cada comandante. Por sorte, as reações se fizeram atropeladas,

mas a tempo certo. Em Recife, foi destruída a Central Telefônica cortando as

comunicações. Depois, retornando a Paraíba, Juarez encontrou as tropas

rebeladas e o povo às ruas. Dos outros Estados, foram chegando, aos poucos,

notícias animadoras sobre o resultado das operações. A primeira batalha estava

vencida.

Do Sul, a marcha para

o Rio de Janeiro

No Sul, como vimos, tudo caminhou dentro do previsto e as praças foram

tomadas sem resistência. Em seguida, formaram-se comboios ferroviários, que

subiriam em direção a São Paulo e, depois, seguiriam ao Rio de Janeiro, para a

tomada do poder.

De Porto Alegre, saíram as tropas sob o comando militar do tenente-coronel

Góis Monteiro e o comando civil do governador Getúlio Vargas. Somente

Osvaldo Aranha, teve de ficar em Porto Alegre, muito a contragosto, assumindo

o Governo estadual.

De Uruguaiana, divisa com a Argentina, parte o Destacamento Batista

Luzardo. Como a cidade fica a sudoeste do Rio Grande do Sul, o comboio fez

um itinerário diverso, sem passar em Porto Alegre, ficando de encontrar-se com

os demais num entroncamento ferroviário, já no Estado de São Paulo. O trem

seguiu, pois, por Alegrete, São Gabriel, Santa Maria, Tupanciretã, Júlio de

Castilhos, e Cruz Alta, até atravessar a fronteira com o Paraná, por Iraí.

Parando na estação em Santa Maria, segundo conta Luzardo, houve uma

invasão ao trem pela entusiasmada garotada do Colégio Santa Maria, que queria

participar da guerra.

Foi um custo para retirar os alunos e convencê-los de que sua missão,

naquele momento era estudar. Ainda assim, reiniciado o trajeto, descobriu-se

mais alguns clandestinos, que foram deixados na próxima estação, para

repatriamento.

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O trajeto das duas caravanas, tanto a de Getúlio quanto a de Luzardo, era

interrompido, em cada parada, por multidões que se postavam nas estações, de

lenço vermelho ao pescoço, saudando os revolucionários.

Em Santa Catarina, no próprio dia 3 de outubro, o general Felipe Portinho

havia dominado a situação a favor dos rebeldes. Blumenau foi instituída capital

provisória do Estado, assumindo, como interventor, o tenente-coronel Arnoldo

Mancebo. No Paraná, a luta foi vencida sob o comando do major (agora

comissionado como general) Plínio Tourinho, que há meses vinha cuidando da

articulação e, em 3 de outubro, colocou-se à frente dos revoltosos. Assumiu o

governo o seu irmão, general (da reserva) Mário Alves Monteiro Tourinho.

Restava, pois, a grande batalha que deveria ocorrer em São Paulo, no

entroncamento de Itararé, onde o governo federal concentrara a maior parte de

suas tropas, para barrar o avanço da frente revolucionária. A Batalha de Itararé,

todos já sabiam, seria a mais dura e sangrenta dentre todas aquelas de que já

participaram os tenentistas, já diremos por quê.

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Do Nordeste, a marcha

para o Sudeste

Voltemos ao nordeste, onde a situação já era de quase completo domínio,

após a perigosa oscilação causada pela desinteligência quanto aos horários de

início do levante. A esta altura, as notícias que chegavam ao comando indicavam

que os revolucionários dominavam a maior parte da região, devendo-se partir,

assim, para o trabalho de consolidação.

Juarez Távora, no comando geral do nordeste, nomeia José Américo de

Almeida como interventor da Paraíba e Chefe do Governo Provisório no Norte e

Nordeste, estabelecendo, assim, as bases civis do movimento.

Isto posto, passaram a ser nomeados os interventores nos Estados onde a

luta estava encerrada, quais sejam: Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba,

Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Os interventores, à falta de normas definidas em lei, passaram a governar

discricionariamente. A única orientação de caráter geral estava no telegrama

enviado pelo comandante militar, Juarez Távora, ao comandante civil no

Nordeste, José Américo, nestes termos:

"(...) Desaconselho dissolução imediata do poder judiciário que,

nesta fase transitória, deverá continuar funcionando normalmente,

apenas se reservando o Executivo Revolucionário o direito de

discutir suas decisões contrárias ao espírito da revolução. Todo

Poder Legislativo deve ser considerado inexistente, desde a data

do início da Revolução, como dupla medida, de moralização e

economia. Saudações. General Távora."

Mais coerente, o interventor do Maranhão, de uma vez, extinguiu o Poder

Judiciário, já que, na prática, ele deixa de existir se as suas decisões tiverem de

ser submetidas à aprovação ou não do interventor.

O beijo contido por trinta anos

Um registro à margem da História. Juarez Távora e José Américo seguiam,

por trem, de Recife para Maceió, a fim de resolver problemas surgidos, e, como

o tempo era curto, havia ordem para manter a estrada de ferro desobstruída, a

fim de que o carro-de-linha pudesse transitar sem paradas.

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Todavia, ao aproximar-se da estação de Quipapá, na Zona da Mata, divisa

de Pernambuco com Alagoas, uma pequena multidão se aglomerava sobre o

leito ferroviário, obrigando o carro-de-linha a parar, para não ocasionar um

múltiplo atropelamento.

Irritado, Juarez Távora desce do veículo mas, antes de qualquer reação,

uma jovem professorinha, sai da multidão e diz:

"General Juarez, como prova de gratidão do povo desta terra ao

libertador do Norte, quero somente dar-lhe um beijo!"

Beijo? Aquilo era uma revolução, não era uma maratona! Imediatamente o

comandante revolucionário mandou que a linha fosse desobstruída, retomou seu

lugar no carro e prosseguiu a viagem, deixando para trás toda uma população

desapontada.

O incidente ficou martelando na cabeça do general por um longo tempo.

Trinta anos depois, tendo de fazer uma viagem oficial ao Nordeste, procurou

saber se a professorinha de Quipapá ainda existia. Existia, sim, morava na

mesma cidade e ainda lecionava numa escola primária.

Foi assim que, no dia 16 de agosto de 1971, o general Juarez Távora

compareceu ao Grupo Escolar de São Benedito, distrito de Quipapá e, na

presença de todos os professores e alunos da escola, prestou uma homenagem

à professora Maria José Ramos, entregando-lhe uma "Rosa de Prata",

condecoração oferecida pelo comando da Escola Superior de Guerra.

A homenagem, na pessoa da professorinha, era estendida “a todas as

professoras primárias que se dedicam à benemérita tarefa de abrir os primeiros

caminhos à inteligência de nossas crianças, no interior do Brasil".

A Batalha de Itararé

No Sul, os comboios prosseguiam em direção ao Estado de São Paulo, com

encontro previsto no entroncamento de Itararé, divisa entre São Paulo e Paraná,

onde a paisagem muda bruscamente, e a terra fértil cede lugar a um grande

penhasco, às margens do rio, formando uma fortaleza natural, de onde um

exército dificilmente seria desalojado. Era ali, em Itararé, que o governo federal

mandara concentrar o maior peso de suas tropas, esperando a chegada dos

rebelados para o ataque fatal.

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Já no dia 3 de outubro de 1930, na hora marcada para o início do levante, a

vanguarda revolucionária, estacionada naquelas imediações, iniciara o ataque,

obrigando o delegado de polícia a pedir reforços nas cidades vizinhas, tanto de

São Paulo como do Paraná.

A luta se desenvolveu na forma de guerrilha, enquanto, do lado inimigo,

tropas legalistas iam chegando e tomando posição na fortaleza, sob o comando

do general Pais de Andrade. Ao final, juntaram-se cerca de 2.400 soldados, bem

armados e municiados.

A ação revolucionária tinha de ser muito bem planejada. Os revolucionários

possuíam um efetivo de 4.200 homens, mas faltava armamento leve (armas

automáticas), necessário para uma operação de deslocamento ligeiro. Havia

apenas uma arma para cada quinze homens, o que diminuía consideravelmente

seu poder de ataque.

Formaram-se, então, quatro destacamentos, sob o comando geral do

general Miguel Costa, com missões bem definidas. O coronel Silva Junior, bem

como Batista Lusardo (1º e 2º Destacamentos) fariam o ataque pela vanguarda;

Flores da Cunha e Alexandrino Bitencourt (2º e 3º Destacamentos) dariam a

cobertura de retaguarda.

O ataque estava programado para as 12 horas do dia 25 de outubro. Porém,

logo ao raiar desse dia, soa o toque de um clarim e um mensageiro vindo do Rio

de Janeiro atravessa a linha de combate, invadindo a área dos legalistas com

uma bandeira branca nas mãos e levando mensagem para ser entregue ao

general Paes de Andrade. Não era rendição dos revolucionários, pelo contrário,

estes é que ordenavam a rendição incondicional das tropas legalistas.

O mensageiro era o deputado federal Glicério Alves e a mensagem, logo a

seguir confirmada, dava conta de que Washington Luís renunciara à presidência

da República na noite do dia 24.

Estava terminada assim, de forma lacônica e frustrante, a Batalha de Itararé,

expressão usada até hoje para designar um grande embate que não chega a

acontecer de fato.

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Minas Gerais na Revolução

A missão de Minas Gerais, dentro do plano global, se restringia ao próprio

Estado e aos Estados limítrofes. Como o governador Olegário Maciel era já um

ancião de 75 anos de idade, essa condição transmitia ao presidente Washington

Luís um sentimento de tranquilidade, todavia, nos bastidores, a conspiração

prosseguia intensa.

Ao cair da tarde de 3 de outubro, iniciou-se o levante, com a prisão do

comandante interino da guarnição federal, que era o tenente-coronel José

Joaquim de Andrada, mas a rendição das tropas não se fez senão depois de

uma resistência que durou vários dias e ocasionou inúmeras baixas de ambos

os lados.

Tomada a praça de Belo Horizonte, o restante do Estado foi sendo

rapidamente dominado. Paralelamente, outros contingentes seguiram para a

Bahia, o Espírito Santo e Estado do Rio de Janeiro, saindo vitoriosos em suas

investidas, inclusive pelo fato de que o governo federal concentrava suas tropas

em Itararé, faltando reforços para outros pontos de luta.

Mesmo assim, a renúncia do presidente Washington Luís ainda colheu os

revolucionários de Minas em plena luta.

Epílogo

No Nordeste, um teco-teco revolucionário, comandado pelo aviador naval

Djalma Petit, desde o início do levante, vinha sendo usado para jogar folhetos

sobre as capitais, anunciando a tomada da praça e pedindo ao governador que

entregasse o cargo. Foi este o único avião da frota revolucionária.

O mesmo teco-teco levantou voo, em 27 de outubro de 1930, partindo de

Salvador, e levando Djalma Petit (o piloto), Juarez Távora (o comandante da

Revolução), seu secretário, tenente Mirocem Navarro, e o comandante da

Vanguarda Revolucionária, tenente Agildo Barata Ribeiro (que, mais tarde, a

exemplo de Prestes, bandeou-se para o comunismo).

Não houve imprevistos durante a viagem e todos chegaram ao Rio de

Janeiro sem mais percalços, no meio de aplausos de populares.

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No dia 30 de outubro, desembarcam no Rio, também, os revolucionários

vindos do Sul, tendo à frente seu líder, Getúlio Dorneles Vargas, que seria

empossado como Chefe do Governo Provisório.

A chegada de Getúlio, a queda do presidente Washington Luís e a instalação

da República Nova são assunto para um próximo capítulo.

“Onde é que amarrei meu cavalo?”

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Paulo Victorino

CAPÍTULO TREZE

O NAUFRÁGIO DO "TITANIC"

O PRESIDENTE É DEPOSTO

Crucificado em seu Governo, Washington Luiz, que não era melhor

nem pior que os outros que o precederam, carregou sobre suas

costas todos os pecados da República Velha, mal começada com

um golpe de Estado, mal continuada com um desrespeito

sistemático à ordem constitucional, e mal terminada com um novo

golpe, que viria implantar 15 anos de ditadura civil.

"O pensamento até parece coisa à-toa, mas como é que a gente voa,

quando começa a pensar..." Este trecho de uma música popular, bastante

conhecida, destaca o poder da imaginação para nos transportar, numa fração de

segundos, para os lugares mais distantes do universo, colocando-nos, com

absoluta segurança, dentro dos recintos mais bem policiados, onde ninguém

mais entraria impunemente.

Valendo-nos desse veículo virtual, seguro e rápido, vamos, com o leitor,

fazer uma viagem no tempo e no espaço.

Estamos agora na madrugada de 24 de outubro de 1930, uma sexta-feira,

na cidade do Rio de Janeiro, capital da República. Nas ruas, um movimento

desusado de tropas e viaturas militares, bem diferente do dia anterior, quando

havia apenas uma calmaria tensa, sinal das grandes tempestades.

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Estamos agora em frente ao Palácio Guanabara, onde é total o bloqueio,

com soldados fortemente armados, que não permitem a ninguém entrar ou sair

do prédio. Usando de nossa faculdade, proporcionada pela imaginação,

entramos sem ser vistos ou barrados, subimos ao primeiro andar e passamos à

sala de reuniões da presidência da República.

Ao extremo da longa mesa retangular, com toda sua majestade, se acha

sentado o presidente Washington Luís. Nos demais assentos, à sua esquerda e

à sua direita, o pequeno ministério (eram apenas sete ministros), mais os chefes

do gabinete civil e do gabinete militar.

A Junta Militar

A porta da sala se abre e, sem audiência marcada, entram, eretos e com

porte marcial, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto, juntamente com o

almirante Isaias de Noronha. Os três formam a Junta Militar recém instituída para

a transição republicana.

O Presidente se levanta e encara os três visitantes. Todos os ministros,

ficam, também, em pé, e voltam-se para o centro da cena, onde se inicia um

embaraçoso diálogo entre o general Fragoso e o Presidente:

"O senhor deve compreender a imensa mágoa que sentimos: o

patriotismo nos ditou a atitude que assumimos. Aqui estamos,

porém, para fornecer-lhe todas as garantias..."

O Presidente rebate: "Não as preciso. Dispenso-as."

E o General prossegue, ignorando a interrupção: "...porque sua vida esta

correndo perigo, e queremos preservá-la."

"Nunca fiz caso da vida e, neste momento, desprezo-a, mais do que nunca",

replica o Presidente.

"Neste caso, o senhor responderá por todas as consequências", ameaça o

General.

"Por todas", conclui o Presidente, com firmeza.

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O Presidente trazia ao coldre uma pistola. Os militares, como é natural,

também estavam armados. O Presidente, aparentemente sereno, encara com

firmeza seus interlocutores que, surpresos, ficam sem saber o que fazer. Por fim,

dão meia-volta e se retiram da sala.

Todos, então, voltam a sentar-se e a reunião prossegue do ponto em que

havia sido interrompida. Na parede, o relógio de pêndulo, marca, segundo a

segundo, o tempo que falta para o desfecho do drama.

Este diálogo, e as cenas que se seguem, foram emprestados de uma

testemunha viva dos fatos, o então ministro de Relações Exteriores, Otávio

Mangabeira.

A interferência do Cardeal

Mangabeira, sentindo inútil a resistência, pede licença, se retira da sala e

vai tomar providências que permitam uma saída honrosa a Washington Luís.

Tenta ligar para o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, mas

as linhas telefônicas estão cortadas. Aceita, então, o oferecimento de Tasso

Fragoso, que manda um oficial buscar o Cardeal, mas quem vem em seu lugar

é o vigário geral Monsenhor Costa Rego, para inteirar-se do que está

acontecendo.

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Foi uma inútil perda de tempo. O carro volta ao Palácio São Joaquim, sede

da Diocese, enquanto, no Palácio Guanabara, chega o 3º Regimento,

comandado pelo coronel José Pessoa, que toma todos os corredores e salas,

tornando prisioneiros os ocupantes do prédio. Antes não se podia entrar ou sair;

agora, não era nem possível circular de uma sala a outra.

Melhor para nós, que, estando invisíveis, não somos molestados por

ninguém. Assim, depois de longo e sofrido tempo, podemos ver o carro militar

chegando de volta e trazendo, desta vez, o próprio Cardeal, acompanhado do

Monsenhor, já nosso conhecido, e também de D. Benedito, Arcebispo de Vitória,

e amigo particular de Washington Luís.

Não subiu direto, o Cardeal. Ficou no saguão, reunido com o Comando

Maior, procurando assimilar os fatos e encontrar uma resposta à ansiedade de

todos, inclusive a dele mesmo.

Os três generais, que procuravam uma solução mais branda para o

Presidente, com uma prisão domiciliar na casa de D. Sebastião, foram

contrariados pelos demais oficiais, que desejavam prisão em quartel. Por fim,

chegaram a uma fórmula, ruim, mas a única admitida pelos militares.

O "Titanic" começa a afundar

D. Sebastião, então, subiu à sala de reuniões e comunicou o resultado das

conversações. Washington Luís ficaria preso no Forte de Copacabana; o

ministro da Guerra, no Forte São João; e o ministro da Justiça, no Quartel do 1º

Regimento da Cavalaria, em São Cristóvão.

"O Presidente abraçou, um por um, os seus ministros, o prefeito, os

membros de sua casa civil e militar, os seus filhos, em suma, os que lhe foram

companheiros naquela triste jornada.

Tinha, no rosto, o costumado sorriso. Não manifestava emoção. Houve,

entretanto, mais de um grupo que não conteve as lágrimas. (...) O palácio,

iluminado, era um grande navio soçobrando. Aqueles automóveis que partiam,

eram como embarcações buscando conduzir os náufragos à terra firme."

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Uma esponja virtual foi passada sobre o também virtual quadro-negro,

apagando toda a Primeira República e deixando-o pronto para receber uma nova

História, a História de uma Revolução Traída.

O fim da Primeira República

Formou-se uma comitiva de dois carros. No primeiro ia o Presidente deposto,

mais o Cardeal Arcebispo, D. Sebastião Leme, o general Tasso Fragoso e o

Arcebispo de Vitória, D. Benedito. No segundo, partiam o monsenhor Costa

Rego e alguns militares de proa.

Como, a despeito do forte policiamento, ainda assim, se ajuntasse uma

pequena massa popular em frente o palácio, as viaturas saíram pelo portão dos

fundos, seguindo pelo túnel velho até o Forte de Copacabana. Aquele mesmo

local que viu nascer a revolução tenentista, em 1922, com o episódio dos Dezoito

do Forte, agora assistia o epílogo, com a prisão do Presidente deposto.

Washington Luís, pouco tempo depois, foi deportado para a Europa,

amargando 17 anos de exílio. Só voltou ao Brasil em 1947, quando a Segunda

República também já era morta. Ficou residindo em São Paulo, sua terra por

adoção, e passou o resto da vida dedicando-se a estudos históricos, havendo

publicado um livro e vários trabalhos de pesquisa. Faleceu dez anos depois de

seu retorno, já com 87 anos de idade.

Crucificado em seu Governo, Washington Luiz, que não era melhor nem

pior que os outros que o precederam, carregou sobre suas costas todos os

pecados da República Velha, mal começada com um golpe de Estado, mal

continuada com um desrespeito sistemático à ordem constitucional, e mal

terminada com um novo golpe, que viria implantar 15 anos de ditadura civil. A

História que o julgue.

Page 208: 1889-1930 - PRIMEIRA REPÚBLICA A REPÚBLICA · PDF filePaulo Victorino 1889-1930 - PRIMEIRA REPÚBLICA A REPÚBLICA ARMADA (DE DEODORO A WASHINGTON LUÍS) 005 - Assim nascia a República

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