1889 - Laurentino Gomes

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Copy right © 2013 by Editora Globo S. A. para a presente ediçãoCopyright © 2013 by Laurentino Gomes

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada oureproduzida —

em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravaçãoetc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a

expressa autorização da editora.Texto fixado conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua

Portuguesa(Decreto Legislativo nº 54, de 1995).

Editor responsável: Aida VeigaAssistente editorial: Elisa Martins

Preparação de texto: Clim EditorialRevisão: Araci dos Reis Galvão de França, Maria A. Medeiros e Carmen T. S.

CostaRevisão técnica: Milena da Silveira Pereira

Checagem: Simone CostaIndexação: Ampel Produções Editoriais

Projeto gráfico e diagramação: Crayon EditorialCapa: Alexandre Ferreira

Editor digital: Erick Santos CardosoProdução de ebook: S2 Books

1ª edição, 2013

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G612m

Gomes, Laurentino, 1956 -1889 : como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor

injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação daRepública no Brasil / Laurentino Gomes. - 1. ed. - São Paulo : Globo, 2013. il.

Inclui bibliografia e índiceISBN 978-85-250-5515-6

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1. Brasil - História - Proclamação da República, 1889. 2. Brasil - História -1822-1889. I. Título. II. Título: Mil oitocentos e oitenta e nove.

13-00819 CDD: 981.04CDU: 94(81).071

Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasiladquiridos por Editora Globo S. A.

Av. Jaguaré, 1485 — 05346-902 — São Paulo — SPwww.globolivros.com.br

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Para Carmen, cujo sorriso iluminou esta jornada.

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SUMÁRIO

Capa

Folha de rosto

Créditos

Dedicatória

Linha do tempo

INTRODUÇÃO

1. O PRÍNCIPE E O ASTRONAUTA

2. O GOLPE

3. O IMPÉRIO TROPICAL

4. A MIRAGEM

5. DOM PEDRO II

6. O SÉCULO DAS LUZES

7. OS REPUBLICANOS

8. A MOCIDADE MILITAR

9. A CHAMA NOS QUARTÉIS

10. O MARECHAL

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11. O PROFESSOR

12. OS ABOLICIONISTAS

13. A REDENTORA

14. O IMPERADOR CANSADO

15. O BAILE

16. A QUEDA

17. O ADEUS

18. OS BESTIALIZADOS

19. ORDEM E PROGRESSO

20. O DIFÍCIL COMEÇO

21. A RODA DA FORTUNA

22. O CABOCLO DO NORTE

23. PAIXÃO E MORTE

24. O DESAFIO

BIBLIOGRAFIA

AGRADECIMENTOS

ÍNDICE ONOMÁSTICO

Caderno de fotos

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O marechal Deodoro da Fonseca na Proclamação da República.Henrique Bernardelli/Acervo Academia Militar das Agulhas Negras

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FIM DE SÉCULO REVOLUCIONÁRIO

Alguns acontecimentos, ideias e invenções que marcaram o Brasile o mundo na época da Proclamação da República

Tropas da Tríplice Aliança ocupam Assunção, capital do Paraguai.Estreia em Milão a ópera O guarani, do brasileiro Carlos Gomes.O francês Júlio Verne publica Vinte mil léguas submarinas.Queda de Napoleão III e proclamação da Terceira República Francesa.Unificação da Itália.Publicado no Rio de Janeiro o Manifesto Republicano.A expectativa de vida na Inglaterra atinge 41 anos.Lei do Ventre Livre liberta filhos escravos nascidos a partirdessa data.Censo revela que o Brasil tem 8.419.672 habitantes livrese 1.510.806 escravos.Na Convenção de Itu, fazendeiros paulistas lançam manifestoem favor da República.Americanos começam a usar o arame farpado em suas fazendas.Bispo de Olinda é preso devido à Questão Religiosa,conflito entre o Império e a Igreja.Inaugurada em Paris a primeira exibição de pintores impressionistas.Alexander Graham Bell inventa o telefone.A Sétima Cavalaria do general George Custer é trucidada pelos índiosamericanos.Seca no Ceará mata 200 mil pessoas, um quarto da populaçãoda província.Thomas Edison inventa o fonógrafo.Thomas Edison desenvolve a lâmpada elétrica.Nasce o alemão Albert Einstein, futuro pai da Teoria da Relatividade.Criadas a Sociedade Brasileira contra a Escravidãoe a Associação Central Emancipadora.Invenção do papel higiênico, na Inglaterra.Machado de Assis publica Memórias póstumas de Brás Cubas.Maria Augusta Generoso Estrela, primeira médica brasileira, forma-se

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em Nova York.O czar Alexandre II é assassinado por radicais russos.James Garfield, presidente dos Estados Unidos, é mortoem atentado.Morre Charles Darwin, pai da Teoria da Evolução das Espécies.Inaugurada nos Estados Unidos a primeira usina hidrelétrica.O alemão Robert Koch descobre a bactéria causadora da tuberculose.Morre Karl Marx, autor do Manifesto Comunista de 1848.Inaugurada a ponte do Brooklin, em Nova York.O americano Lewis Waterman inventa a caneta-tinteiro.Construído em Chicago o primeiro arranha-céu do mundo.O americano Hiram Maxim inventa a metralhadora.A Lei dos Sexagenários liberta os escravos com maisde sessenta anos.Morre em Paris o escritor Victor Hugo, autor de Os miseráveis.O alemão Karl Benz inventa o motor a combustão interna.Começa a Questão Militar, que levaria à queda da monarquiano Brasil.Inaugurada em Nova York a Estátua da Liberdade.O farmacêutico John Pemberton inventa a coca-cola.Josephine Cochrane, dona de casa americana, patenteia amáquina de lavar roupa.Inundação no rio Amarelo mata 900 mil chineses.O americano George Eastman lança a câmera fotográfica Kodak.Cinco prostitutas são mortas em Londres por Jack, o Estripador.A princesa Isabel assina a Lei Áurea, pondo fim à escravidãono Brasil.Nascem o austríaco Adolf Hitler, futuro chanceler alemão, e o inglêsCharles Chaplin, futuro astro do cinema.Golpe liderado por Deodoro da Fonseca derruba a monarquia.O imperador Pedro II segue para o exílio na Europa.Inaugurada em Paris a Torre Eiffel.Convocada a Assembleia Constituinte, que faria a nova Constituiçãorepublicana.O pintor Vincent van Gogh comete suicídio na França.Metrô de Londres começa a usar trens movidos a eletricidade.Rudolf Diesel patenteia o motor que leva seu nome.Deodoro da Fonseca é eleito o primeiro presidente da República.Morre Benjamin Constant.Deodoro fecha o Congresso e renuncia. Assume Floriano Peixoto.O imperador Pedro II morre em Paris, aos 66 anos.Deodoro da Fonseca morre no Rio de Janeiro, aos 65 anos.O americano W. L. Judson inventa o zíper.Início da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul.

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Começa a Revolta da Armada contra Floriano Peixoto.Nova Zelândia reconhece direito de voto às mulheres.Charles Miller traz o futebol da Inglaterra para o Brasil.Termina a Revolta da Armada.Toma posse o primeiro presidente civil, Prudente de Morais.Em Paris, os irmãos Lumière inventam o cinema.O alemão Wilhelm Röntgen descobre o raio X.O austríaco Sigmund Freud cria uma nova ciência, a psicanálise.Termina a Revolução Federalista.Floriano Peixoto morre aos 56 anos.Começa no sertão da Bahia a Guerra de Canudos.Prudente de Morais sobrevive a um atentado no Rio de Janeiro.Os Estados Unidos anexam o Havaí.O presidente Campos Salles inicia a Política dos Governadores.

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“Senhor Barão, Vossa Excelência está preso!”

TENENTE ADOLFO PENA, ao dar voz de prisão ao Barão de Ladário,ministro da Marinha, na manhã de 15 de novembro de 1889

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INTRODUÇÃO

O QUINZE DE NOVEMBRO é uma data sem prestígio no calendário cívicobrasileiro. Ao contrário do Sete de Setembro, Dia da Independência,comemorado em todo o país com desfiles escolares e militares, o feriado daProclamação da República é uma festa tímida, geralmente ignorada pelamaioria das pessoas. Sua popularidade nem de longe se compara à de algumascelebrações regionais, como o Dois de Julho na Bahia, o Treze de Março noPiauí, o Vinte de Setembro no Rio Grande do Sul ou o Nove de Julho em SãoPaulo. Essas efemérides exaltam vitórias, confrontos ou revoltas locais,respectivamente a expulsão dos portugueses de Salvador; a Batalha do Jenipapono sertão piauiense ao final da Guerra da Independência; o início da RevoluçãoFarroupilha; e a Revolução Constitucionalista liderada pelos paulistas em 1932.São eventos históricos que nem todos os brasileiros conhecem, porém com osquais a população local fortemente se identifica. Isso não ocorre com a data dacriação da República brasileira.

Personagens republicanos como Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva,Rui Barbosa, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto são nomes onipresentes empraças e ruas das cidades brasileiras, mas pergunte a qualquer estudante doensino médio quem foram esses homens e a resposta certamente demorará a vir.Nas escolas ensina-se mais sobre o português Pedro Álvares Cabral, descobridordas terras de Santa Cruz, como o Brasil ainda era conhecido em 1500, ouTiradentes, o herói da Inconfidência Mineira de 1789, do que sobre os criadoresda República, episódio bem mais recente, ocorrido há pouco mais de um século.A história republicana é menos conhecida, menos estudada e ainda menoscelebrada do que os heróis e eventos do Brasil monárquico e imperial, quecobrem um período relativamente mais curto, de apenas 67 anos.

A julgar pela memória cívica nacional, o Brasil tem uma Repúblicamal-amada.

Esse estranho fenômeno de indiferença coletiva encontra explicações na

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forma como se processou a troca de regime. O dia 15 de novembro de 1889amanheceu repleto de promessas cujo significado na época as massas pobres,analfabetas e recém-saídas da escravidão desconheciam. Nas proclamações ediscursos dos propagandistas republicanos, anunciava-se o fim da tiraniarepresentada pelo “poder pessoal” do imperador Pedro II. Dizia-se que umcarcomido sistema de castas e privilégios, herdado ainda da época dacolonização portuguesa, acabava de ser posto por terra. Na nova era deprosperidade geral, inaugurada pela República, a construção de um futuroglorioso estava ao alcance das mãos. Haveria menos injustiça e maisoportunidades gerais. Chamados a participar da condução dos destinos nacionais,todos os brasileiros teriam, finalmente, vez, voz e voto.[1]

Havia, porém, uma contradição entre as promessas e a realidadedaquele momento. Diferentemente do que faziam supor os discursos e anúnciosoficiais, a República brasileira não resultou de uma campanha com intensaparticipação popular. Em vez disso, foi estabelecida por um golpe militar comescassa e tardia participação das lideranças civis. Apesar da intensa propagandarepublicana por meio de imprensa, panfletos, reuniões e comícios, a ideia damudança de regime político não deslanchava na população. Na última eleiçãoparlamentar do Império, realizada em 31 de agosto de 1889, o PartidoRepublicano elegeu somente dois deputados e nenhum senador. Os votos colhidospelos seus candidatos em todo o país não chegaram a 15% do total apurado. Oresultado era pior do que o obtido quatro anos antes, no pleito de 1885, quandoforam eleitos para a Câmara três deputados republicanos, entre eles os futurospresidentes da República Prudente de Morais (1894-1898) e Campos Salles(1898-1902). Sem eco nas urnas, os civis encontraram nos militares o elementode força que lhes faltava para a mudança do regime. A República brasileiranasceu descolada das ruas. “O povo assistiu àquilo bestializado”, segundo umafamosa frase do jornalista Aristides Lobo, testemunha dos acontecimentos.

Outra incongruência aparece na maneira como essa história vem sendocontada. “Um passeio militar” é a descrição mais comum que se vê nos livrossobre a Proclamação da República. A facilidade com que se derrubou umregime e se proclamou outro na manhã de 15 de novembro, sem reação popular,sem troca de tiros, sem protestos, parecia confirmar, uma vez mais, o mito deque as transformações políticas brasileiras se processam sempre de formapacífica. Essa imagem, no entanto, se desfoca por completo quando se avançaum pouco no calendário. Derrubada a Monarquia, o sonho de liberdade eampliação dos direitos rapidamente se dissipou. Em alguns anos, o país estavamergulhado na ditadura sob o comando de Floriano Peixoto, o “Marechal deFerro”, a quem ainda hoje se atribui o papel de salvador da República.

O sangue que deixou de correr em 1889 verteu em profusão nos dezanos seguintes, resultado do choque entre as expectativas e a realidade do novo

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regime. Duas guerras civis, somadas à Revolta da Armada, deixariam marcasprofundas no imaginário brasileiro. No sul, os dois anos e meio de combates daRevolução Federalista custaram a vida de mais de 10 mil pica-paus e maragatos,como eram chamados os combatentes dos dois lados do conflito. No sertão daBahia, o sacrifício épico da vila de Canudos resultou na morte de outras 25 milpessoas e uma história de humilhação para o Exército brasileiro, derrotado emtrês expedições consecutivas por um bando de jagunços e sertanejos pobres emal-armados, sob a liderança messiânica de Antônio Conselheiro, ao qual seatribuía, erroneamente, a ameaça de restauração da Monarquia. Somadas as 35mil vítimas, a República pagou em sangue um preço infinitamente maior do quea Guerra da Independência, cujo número de mortos teria ficado entre 2 mil e 3mil combatentes brasileiros e portugueses.[2]

As feridas abertas nesses conflitos marcaram profundamente a primeirafase republicana brasileira, na qual os militares tentaram organizar o novoregime mediante censura à imprensa, o Parlamento fechado mais de uma vez, aprisão e a deportação de opositores políticos para os confins da Amazônia. Adevolução do poder aos civis, com Prudente de Morais e Campos Salles,respectivamente terceiro e quarto presidentes, nem por isso aproximaria o poderdas ruas. A chamada República Velha, período que vai até 1930, secaracterizaria por uma equação política muito semelhante à dos últimos anos doImpério. No lugar dos barões do café do Vale do Paraíba, entravam osfazendeiros do oeste Paulista e de Minas Gerais. Por algum tempo, o número deeleitores diminuiu em relação ao total de votantes registrado nos anos finais doImpério. Nesta República — também conhecida como “dos Governadores” ou“do Café com Leite” — não haveria lugar para o povo, tanto quanto não havia nados militares de 1889. Quem mandava era a mesma aristocracia rural que haviadado as cartas na época da Monarquia.

A estranheza entre as promessas e a prática republicanas esclarece, emparte, a atual falta de prestígio do Quinze de Novembro no calendário cíviconacional.

Ainda hoje, poucos eventos na história brasileira são tão repletos decontrovérsia quanto a queda da Monarquia, em 1889. No livro Da Monarquia àRepública: momentos decisivos, a professora Emília Viotti da Costa, daUniversidade de São Paulo, faz uma detalhada reconstituição a respeito da formacomo essa sequência de eventos foi narrada e interpretada pelos historiadores,cronistas, cientistas sociais e outros estudiosos nos últimos 124 anos. Segundo ela,esta é uma história marcada pelo permanente conflito entre vencedores evencidos, entre republicanos e monarquistas, entre militares e civis, aos quaismais tarde vieram se juntar os muitos desiludidos com a experiência republicana.

Pela versão dos vencedores, a República teria sido sempre umaaspiração nacional. Seu ideário estaria na gênese da Inconfidência Mineira, da

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Revolução Pernambucana de 1817, na própria Independência em 1822, naConfederação do Equador em 1824, na Revolução Farroupilha de 1835 einúmeros outros conflitos e rebeliões sufocados primeiro pela coroa portuguesa e,depois, pelo Império brasileiro. Segundo esse ponto de vista, a Monarquia teriasido uma solução apenas temporária, imposta pelas elites brasileiras sobre avontade da nação em nome da defesa dos seus interesses pessoais ou de classe. ARepública seria, portanto, uma etapa inevitável do processo histórico nacional,apenas adiada por circunstâncias de cada momento.

Na versão dos derrotados, ao contrário, o Império, ao invés de ruína,teria sido a salvação do Brasil. Sem a Monarquia, argumentam, o país teriafatalmente se fragmentado na época da Independência, em três ou quatro naçõesautônomas que hoje herdariam como denominador comum apenas suas raízescoloniais e a língua portuguesa. Ao imperador caberia o papel de manter o Brasilunido, apaziguar os conflitos, tratar com tolerância e generosidade os adversários,além de converter um território selvagem e escassamente habitado num paísintegrado e respeitado entre as demais nações. Por essa perspectiva, a Monarquiateria raízes culturais e históricas mais profundas do que a República nanacionalidade brasileira, com força suficiente para enfrentar os desafios dofuturo, caso não tivesse sido abortada por uma traiçoeira quartelada na manhã de15 de novembro de 1889.

Observando-se o passado, percebe-se que as duas visões carecem deconsistência. A proclamação da República foi resultado mais do esgotamento daMonarquia do que do vigor dos ideais e da campanha republicanos. “A Repúblicafoi o resultado lógico da decomposição do regime monárquico”, afirmou ohistoriador pernambucano Oliveira Lima.[3] Durante 67 anos, o Impériobrasileiro funcionou como um gigante de pés de barro. Os salões do Impérioprocuravam imitar o ambiente e os hábitos de Viena, Versalhes e Madri, mas amoldura real compunha-se de pobreza e ignorância. Havia uma flagrantecontradição entre a corte de Petrópolis, que se julgava europeia, e a situaçãosocial dominada pela mão de obra cativa, na qual mais de 1 milhão de escravoseram considerados propriedade privada, sem direito algum à cidadania. NesseBrasil de faz de conta, destacava-se uma nobreza constituída, em sua maioria,por fazendeiros donos ou traficantes de escravos. Eram eles os sustentáculos dotrono, que, em contrapartida, lhes conferia títulos de nobreza não hereditária, tãoefêmera quanto a própria experiência monárquica brasileira.

Todo esse precário arcabouço político começou a ruir em 1888, com aassinatura da Lei Áurea, que abolia a escravidão no país. Os barões do café doVale do Paraíba, que dependiam da mão de obra cativa, se sentiram traídos pelacoroa. Se dependesse deles, a escravidão continuaria por mais alguns anos. Emcaso de abolição, sustentavam que os proprietários deveriam ser indenizados peloEstado. E isso não aconteceu. Como resultado, a Lei Áurea deu mais combustível

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à campanha republicana. Muitos antigos senhores de escravos, que até algunsmeses antes se diziam fiéis súditos do imperador, aderiram rapidamente àRepública.

Em seu estudo sobre a Proclamação da República, o historiadorpernambucano José Maria Bello demonstrou que republicanos civis e militaresforam apenas parte das forças que, direta ou indiretamente, contribuíram para aqueda do Império. Uma delas — e talvez a mais forte — era composta dospróprios monarquistas, “para os quais o Império perdera o derradeiroencanto”.[4] Esse “vasto e perigoso partido dos derrotados” incluía os liberais, osreformadores, os abolicionistas e os federalistas — gente como o pernambucanoJoaquim Nabuco e o baiano Rui Barbosa, que, até as vésperas do Quinze deNovembro, mantinham-se de certa forma fiéis à Monarquia, mas exigiam delareformas capazes de dar alguma sobrevida ao regime. Havia também o grupodos “desgostosos e displicentes”, como os fazendeiros feridos pela abolição daescravatura. Todos esses grupos, direta ou indiretamente, juntaram forças paradar o empurrão fatal que selaria o destino do Império brasileiro.

Some-se a isso o descontentamento reinante nos quartéis desde o final daGuerra do Paraguai, fator decisivo na queda da Monarquia. Oficiais e soldadosconsideravam-se injustiçados pelo governo do Império. Daí a conferir cartabranca ao marechal Deodoro da Fonseca para derrubar o trono foi apenas umpasso. “A intervenção militar na política e na sociedade é sinal de fraqueza tantodo Estado como da sociedade”, observou o historiador norte-americano Frank D.McCann, autor de Soldados da pátria, um alentado estudo sobre a história doExército brasileiro.[5] “O sentimento mais generalizado não era o da crença naRepública, mas sim o de descrença nas instituições monárquicas”, registrou obrasileiro Oliveira Vianna ao refletir sobre as promessas do Brasil monárquico,com suas instituições liberais, os rituais da nobreza e seus palácios de cristal emPetrópolis, e a dura realidade da escravidão, do analfabetismo e da fraudeeleitoral.[6]

O Império brasileiro caiu inerte, incapaz de mobilizar forças e reagircontra o golpe liderado por Deodoro. Apesar de todas as evidências de umaconspiração em andamento, o imperador Pedro II permaneceu em Petrópolis atéa tarde de 15 de novembro, ignorando os conselhos para que reagisse de algumaforma. Ao chegar ao Rio de Janeiro, perdeu um longo e precioso tempo,acreditando ingenuamente que no final tudo voltaria ao normal. “Conheço osbrasileiros, isso não vai dar em nada”, teria dito naquele dia. Só na madrugada de16 de novembro, quando o governo provisório republicano já estava anunciado, éque dom Pedro reuniu seus conselheiros mais próximos e tentou em vãoorganizar um novo ministério. Já era tarde. Nas províncias, a única reação emfavor da Monarquia ocorreu na Bahia, surpreendentemente liderada pelomarechal Hermes Ernesto da Fonseca, comandante de Armas de Salvador e

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irmão de Deodoro. Ao receber as notícias do golpe no Rio de Janeiro, Hermes daFonseca anunciou que permaneceria fiel ao imperador. Capitulou algumas horasmais tarde ao saber que o próprio irmão liderava a conjura republicana e quedom Pedro II, àquela altura, já estava a caminho do exílio na Europa. “Naverdade, a monarquia não foi derrubada, ela desmoronou”, anotou o jornalistafrancês Max Leclerc, que percorria o Brasil na época.[7]

Apesar de todas as conquistas de seu longo reinado, o legado de domPedro II permanece ainda hoje envolvido em controvérsia. Grande parte delaresulta, obviamente, da mudança de regime, em 1889. Dom Pedro era, naquelemomento, a personificação da Monarquia. Turvar sua imagem representava,para os vencedores republicanos, uma forma conveniente de legitimar o novoregime. A campanha republicana se esforçou sempre em apontá-lo como umhomem discricionário, detentor de um poder pessoal nocivo para as instituições.Para os perdedores monarquistas, ao contrário, o Quinze de Novembrorepresentava o fim de um sonho, no qual o imperador era o depositário degrandes esperanças que o país levaria muitas décadas a recuperar no futuro.Alguns historiadores, simpáticos ao antigo regime, se esforçaram para criar afigura de um soberano austero, culto e educado, bem-intencionado e totalmentededicado ao interesse público, cuja ação era constantemente solapada porministros e chefes políticos corruptos e interesseiros. É o caso de Oliveira Vianna,autor do hoje clássico O ocaso do Império. “Eram realmente os ministros os quedeturpavam as intenções do monarca”, escreveu o historiador. “Eram osministros os verdadeiros culpados de todas as deturpações do regime.”[8]

Igualmente discutível é ainda hoje o papel desempenhado pelo outroprotagonista desta história, o alagoano Manoel Deodoro da Fonseca, um militaridoso e enfermo, cujas forças em 1889 encontravam-se tão esgotadas quanto asdo próprio imperador Pedro II. Convertido tardiamente às ideias republicanas,Deodoro agiu aparentemente movido mais pelo ressentimento contra o governoimperial do que por qualquer convicção ideológica. Como se verá nos capítulosiniciais deste livro, o marechal relutou até onde pôde a promover a troca doregime, como exigiam as lideranças civis e os militares liderados pelo professore tenente-coronel Benjamin Constant. Ao contrário do que reza a história oficial,em nenhum momento o marechal proclamou a República ao longo daquele dia15 de novembro e só o fez tarde da noite, diante da pressão de seus companheirosde armas e também da inabilidade política do imperador, que, em umadesastrada e inútil tentativa de resistência, indicou para a chefia do ministériojustamente o maior de todos os adversários políticos de Deodoro, o senadorliberal gaúcho Gaspar Silveira Martins.

Decorrido mais de um século dos eventos de 1889, que avaliação sepoderia fazer hoje da República brasileira?

Uma república pode ter muitas faces. Dos 193 países que atualmente

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compõem a Organização das Nações Unidas (ONU), 149 se definem comorepublicanos, ou seja, 77% do total. Difícil, porém, é a tarefa de estabelecer comclareza o regime que os governa. A Coreia do Norte, por exemplo, éoficialmente chamada de “república democrática popular”, embora sejagovernada por uma dinastia, a dos Kim. O poder hereditário, que passa de umageração a outra dentro da mesma família, é uma característica dos regimesmonárquicos. A China se autodenomina igualmente uma “república popular”,mas é comandada por uma oligarquia de partido único, comunista na teoria ecapitalista na prática, com escassa participação popular. A Inglaterra, com seuestável e secular sistema representativo, no qual todo o poder, de fato, emana dopovo e em seu nome é exercido, poderia ser considerada hoje uma democraciarepublicana. Prefere, no entanto, ser chamada de monarquia parlamentarista, naqual a rainha exerce papel meramente figurativo. Brasil, Argentina, Alemanha eEstados Unidos são repúblicas federativas, mas cada qual tem o seu própriosistema eleitoral, diferentes instituições e distintos graus de autonomia para osestados e províncias.

A nomenclatura, portanto, não explica, por si só, o que é um regimerepublicano. Para entendê-lo, é preciso estudar as raízes de cada povo e suacultura, ou seja, o complexo conjunto de crenças, valores, sonhos, aspirações edificuldades que o move ou paralisa ao longo da história.

Durante décadas, o brasileiro relutou, com certa razão, a se identificarcom a sua tortuosa história republicana, permeada por golpes militares, ditaduras,intervenções e mudanças bruscas nas instituições e brevíssimos períodos deexercício da democracia. A boa notícia é que essa história mal-amada talvezesteja finalmente mudando. O Brasil exibe hoje ao mundo quase três décadas deexercício continuado da democracia, sem rupturas. Isso nunca aconteceu antes.É a primeira vez que todos os brasileiros estão sendo, de fato, chamados aparticipar da construção nacional. Apesar das dificuldades óbvias do presente, aspromessas republicanas começam a ser postas em prática na forma de maiseducação, mais saúde, mais trabalho e mais oportunidades para todos.

É curioso observar que este momento de transformação coincidetambém com outro fenômeno inteiramente novo na sociedade brasileira. É ointeresse pelo estudo da história do Brasil. Ele pode ser observado no mercadoeditorial de livros, que nunca vendeu tantas obras sobre o tema, e no grandenúmero de títulos de revistas, sites de internet e outras publicações dedicadas aoassunto. Por que história se tornou um tema popular nos últimos anos? Existemvárias respostas possíveis, mas uma delas é seguramente que os brasileiros estãoolhando o passado em busca de explicações para o país de hoje. Dessa maneira,procuram também se aparelhar mais adequadamente para a construção dofuturo. Isso também é uma excelente notícia. Uma sociedade que não estudahistória não consegue entender a si própria porque desconhece suas raízes e as

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razões que a trouxeram até aqui. E, se não consegue entender a si mesma,provavelmente também não estará preparada para construir o futuro de formaorganizada. O estudo de história é hoje, talvez até mais do que qualquer outradisciplina, uma ferramenta fundamental na construção do Brasil dos nossossonhos em um novo ambiente de democracia.

O propósito deste livro é oferecer uma modesta contribuição nesteambiente de transformação e renovado interesse pela história do Brasil. Fiel àfórmula das minhas obras anteriores — 1808 e 1822 —, procuro usar aqui alinguagem e a técnica jornalísticas como recursos que julgo capazes de tornarhistória um tema acessível e atraente para um público mais amplo, não habituadoa se interessar pelo assunto. Acredito que, escrita em linguagem adequada, ahistória pode se tornar um tema interessante, irresistível e divertido, sem,contudo, resvalar na banalidade. Esse desafio é hoje especialmente importantequando se trata de atrair a atenção de uma geração jovem bastante avessa àleitura.

Como obra de cunho jornalístico, este livro não pretende, nem poderia,oferecer respostas para questões mais profundas envolvendo a históriarepublicana, sobre as quais inúmeros e bons estudiosos acadêmicos já sedebruçaram com diferentes graus de sucesso ao longo dos anos. O objetivo é tãosomente relatar sob a ótica da reportagem alguns dos momentos mais cruciaisdaquela época, de maneira a retirá-los da relativa obscuridade em que seencontram hoje na memória nacional. Caberá aos leitores refletir se deles épossível retirar lições que sejam úteis na edificação do futuro. “Qualquer queseja o futuro, para nós, que cremos na nação forte e indivisível, é consolador veros obstáculos vencidos”, observou certa vez o historiador Américo JacobinaLacombe. “Isso nos anima a entrever um futuro justo e próspero.”[9]

Por fim, uma breve explicação sobre a estrutura deste livro: os capítulos1 e 2 antecipam, como em fotografias instantâneas, dois momentos daProclamação da República. O primeiro é um acontecimento repleto desimbolismo — a pitoresca história de um príncipe da família imperial pego desurpresa pela mudança do regime, destituído de seus títulos e honrarias e daprópria condição de cidadão brasileiro enquanto tripulava um navio da Marinhade Guerra nacional do outro lado do planeta. O segundo é uma descrição dasequência de eventos nas horas que antecederam a queda do Império. Os quatrocapítulos seguintes oferecem um panorama do Segundo Reinado, um perfil doimperador Pedro II e das transformações do revolucionário século XIX queafetariam profundamente o ambiente político, econômico e social no Brasil. Oscapítulos 7 a 13 tratam da campanha republicana, da chamada Questão Militar,da Abolição, em 1888, e de seus protagonistas. Os capítulos 14 a 17 retomam,com maiores detalhes, os eventos relacionados à troca do regime, o exílio e amorte de Pedro II na Europa. A parte final do livro é dedicada à implantação e à

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consolidação do novo regime, incluindo um pequeno balanço, no derradeirocapítulo, da história republicana brasileira até os dias atuais.

Laurentino Gomes,Itu, São Paulo, abril de 2013

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“Vocês fizeram a República que nãoserviu para nada. Aqui agora, como antes,

continuam mandando os Caiado”

CAPITÃO FELICÍSSIMO DO ESPÍRITO SANTO CARDOSO, bisavôdo

presidente Fernando Henrique Cardoso, em telegrama enviado de Goiás aofilho, Joaquim Inácio, que ajudara a proclamar a República em 1889

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1. O PRÍNCIPE E O ASTRONAUTA

NAS ÚLTIMAS SEMANAS DE 1889, a tripulação de um navio brasileiroancorado no porto de Colombo, capital do Ceilão (atual Sri Lanka), foi pega desurpresa pelas notícias alarmantes que chegavam do outro lado do mundo. Ocruzador Almirante Barroso partira do Rio de Janeiro em 27 de outubro do anoanterior para uma grande aventura. O objetivo era completar em menos de doisanos a circum-navegação do globo terrestre, jornada de 36.691 milhas náuticasou cerca de 68 mil quilômetros. Para realizar tão importante e arriscada missão,a Marinha do Brasil designara alguns de seus melhores oficiais e marinheiros euma de suas embarcações de guerra mais modernas. Movido a propulsão mista— a vela e a vapor —, o Almirante Barroso pesava 2.050 toneladas, tinha 71metros de comprimento, levava 340 tripulantes e viajava equipado com seiscanhões e dez metralhadoras. Desde a partida, havia sido alvo de homenagens erecepções calorosas em diversos portos estrangeiros.[10]

Depois de cruzar o temido cabo Horn, no extremo sul do continenteamericano, o navio brasileiro passara algumas semanas em Valparaíso, no Chile,onde a tripulação fora saudada com um baile de gala oferecido pelas autoridadeslocais. Em seguida, tinha enfrentado o imenso e ainda relativamentedesconhecido oceano Pacífico, com escalas em Sy dney, na Austrália;Yokohama e Nagasaki, no Japão; Xangai e Hong Kong, na China; e Achém, naIndonésia. Foram meses de isolamento do resto do mundo, comunicando-seraramente com o Brasil. Uma semana antes do Natal de 1889, ao atracar emColombo, o almirante Custódio José de Mello, comandante do navio, encontrou àsua espera um telegrama com uma notícia extraordinária.

Brasil República... — anunciava a mensagem. — Bandeira mesma semcoroa...

Despachado do Rio de Janeiro no dia 17 de dezembro, o telegrama, naverdade, só confirmava os rumores que a tripulação tinha ouvido na escalaanterior, na Indonésia. Conforme notícias de segunda mão transmitidas pela

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tripulação de um navio holandês ali ancorado, o governo do Brasil havia sidoderrubado. Mais do que isso, o país passara por uma drástica mudança deregime. O Império brasileiro, até então visto como a mais sólida, estável eduradoura experiência de governo na América Latina, com 67 anos de história,desabara na manhã de 15 de novembro. A Monarquia cedera lugar à República.O austero e admirado imperador Pedro II, um dos homens mais cultos da época,que ocupara o trono por quase meio século, fora obrigado a sair do país com todaa família imperial. Vivia agora exilado na Europa, banido para sempre do soloem que nascera. Enquanto isso, o comando da nova República estava entregue àsmãos de um marechal já idoso e bastante doente, o alagoano Manoel Deodoro daFonseca.

À primeira vista, eram informações tão improváveis que, na escalaindonésia, Custódio de Mello preferiu ignorá-las e seguir viagem na crença deque o Império brasileiro continuava forte e sólido, como sempre fora. Estava tãoseguro disso que, no dia 2 de dezembro, aniversário do imperador Pedro II,ordenou que a bandeira imperial fosse hasteada a bordo e saudada por toda atripulação, como mandava o regulamento da Marinha e como se nenhumamudança tivesse ocorrido no Brasil. O telegrama recebido no Ceilão, no entanto,não deixava margem para dúvidas. O país tornara-se, de fato, uma República.Segundo as instruções oficiais enviadas do Rio de Janeiro, a bandeira nacionalcontinuava praticamente a mesma, com seu largo retângulo verde sobreposto porum losango amarelo. Desaparecia apenas a coroa imperial, que até entãoocupava o centro do pavilhão. Até aquele momento, porém, ninguém sabiaexatamente o que colocar no lugar da coroa. O comunicado avisava que o naviosó receberia a nova e definitiva bandeira republicana quando chegasse aNápoles, na Itália, meses mais tarde. Um segundo telegrama dizia que, até lá, ocomandante teria de improvisar:

Ice agora mesma (bandeira) nacional, substituindo coroa estrelavermelha.Em resumo, enquanto não se soubesse exatamente que símbolo haveria

no centro da bandeira republicana, Custódio de Mello deveria apenas trocar acoroa imperial por uma estrela vermelha — coincidentemente, símbolo doPartido dos Trabalhadores, que, um século mais tarde, assumiria o governo daRepública brasileira. Na falta de informações mais precisas, o almirante decidiuseguir à risca as instruções telegráficas: chamou o oficial imediato e ordenou-lheque desenhasse às pressas uma estrela vermelha, logo costurada sobre a coroaque até então figurava nas diversas bandeiras usadas no navio. Havia, porém, umsegundo problema a resolver, este ainda mais complicado do que o primeiro. Eraa presença a bordo do segundo-tenente Augusto Leopoldo de Saxe-Coburgo eBragança, de 22 anos, mais conhecido como príncipe dom Augusto.

Até a partida do Rio de Janeiro, dom Augusto era uma das figuras mais

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importantes da hierarquia social brasileira. Filho da princesa Leopoldina, falecidaalguns anos antes, e neto do imperador Pedro II, ocupava a condição de herdeiropresuntivo do trono, quarto colocado na linha sucessória do Império, depois da tia,a princesa Isabel, do primo, Pedro de Alcântara, e do irmão mais velho, PedroAugusto. Tamanho prestígio fizera dele um tripulante especial do AlmiranteBarroso, alvo de deferências em todas as escalas feitas pelo navio. O telegramarecebido em Colombo, no entanto, o transformava em uma excentricidade abordo. Como o governo provisório republicano havia banido toda a famíliaimperial do território nacional, dom Augusto estava impedido de continuar aviagem como oficial da Marinha. Deveria desembarcar imediatamente. Mais doque isso, na prática, enquanto cruzava o oceano Pacífico, ele tinha perdido não sóo posto de oficial e o título de príncipe, mas a própria cidadania brasileira. Eranaquele momento um homem sem pátria.

Essa incômoda circunstância colocava o príncipe dom Augusto emsituação parecida àquela que, um século depois, enfrentaria o astronautasoviético Sergei Krikalev. Em 18 de maio de 1991, ou seja, 101 anos após aProclamação da República no Brasil, Krikalev foi lançado ao espaço na basesoviética de Baikonur, no Cazaquistão, impulsionado por um foguete Próton.Estava em órbita da Terra a bordo da estação MIR quando lhe chegou pelo rádio anotícia de que seu país deixara de existir. A União Soviética, uma das maissólidas instituições na história da humanidade ao longo do século XX, implodirasob a pressão da Glasnost, o processo de abertura política desencadeado algumtempo antes pelo líder Mikhail Gorbachev. As incertezas políticas daquelemomento obrigaram Krikalev a continuar sua jornada espacial por mais cincomeses, o dobro do tempo previsto inicialmente, até que as novas autoridadesdecidissem trazê-lo de volta, em 25 de março de 1992. Os 313 dias em quepermaneceu à deriva no espaço, somados aos de outras missões de queparticipou, o transformaram no ser humano que mais tempo permaneceu emórbita até hoje, um total de 803 dias, nove horas e 39 minutos.

No caso do Almirante Barroso, o Brasil, tal qual a tripulação o conheceraantes da partida do Rio de Janeiro, também deixara de existir no final de 1889,mas a situação do príncipe era até mais incerta do que a do astronauta soviético.Afinal, depois de uma longa espera no espaço, Krikalev conseguiu voltar ao seupaís, a Rússia. Dom Augusto não teria essa oportunidade. O telegrama recebidopor Custódio de Mello era categórico a respeito das intenções do novo governoprovisório republicano.

— Príncipe peça demissão serviço, determinava de forma seca amensagem.

Ao mostrar o telegrama a dom Augusto, Custódio de Mello estavavisivelmente constrangido diante das ordens que chegavam do Rio de Janeiro.

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Além de herdeiro do trono, o príncipe era até então um oficial exemplar daMarinha brasileira. Nos anos anteriores, sua dedicação ao serviço militar haviasido sempre elogiada. Em 1886, ao fazer uma viagem de instrução aos EstadosUnidos, a bordo do mesmo cruzador Almirante Barroso, sob o comando doalmirante Luís Filipe de Saldanha da Gama, fora recebido em audiência pelopresidente Stephen Grover Cleveland. Nada disso, porém, seria levado em contanaquele momento crítico. Depois de ler o documento em silêncio, dom Augustoprocurou ganhar tempo. Respondeu que só tomaria uma decisão depois deconsultar o avô, o imperador Pedro II.

— Sua Alteza faça como lhe convier — respondeu-lhe o almirante.As horas seguintes foram de grande tensão e expectativa. Com a

conivência da tripulação, dom Augusto conseguiu comunicar-se por telegramacom o avô, a essa altura exilado na Europa. A resposta veio logo, patriótica, masinútil diante da urgência da decisão a ser tomada:

— Sirva o Brasil, seu avô Pedro.[11]Na manhã seguinte, 18 de dezembro, dom Augusto procurou o

comandante para informar que, em vez de renunciar, concordava em pedirlicença do serviço militar brasileiro por seis meses. Aliviado, Custódio de Mellotelegrafou imediatamente ao novo ministro republicano da Marinha, almiranteEduardo Wandenkolk, comunicando a decisão. Recebeu uma resposta igualmentedúbia, mas suficiente para selar o destino do jovem príncipe:

— Príncipe peça renúncia cargo, outorgo licença.Feitas as contas de quanto deveria receber pelo serviço prestado nos

meses anteriores, dom Augusto desembarcou do Almirante Barroso no dia 20 dedezembro. Antes foi homenageado pelos demais tripulantes com um último eemocionado jantar nos salões do Hotel Oriental, frequentado pelos estrangeirosque visitavam a capital do Ceilão. Ali, o príncipe distribuiu parte de seuspertences aos colegas de farda. Ao mais pobre, ofereceu um piano, que haviadeixado no Palácio Leopoldina, no Rio de Janeiro. A outro, entregou a espada,pedindo, comovido, que a levasse de volta ao Brasil. Por fim, transferiu o restantede sua bagagem para outro navio e, de Colombo, seguiu ao encontro dosfamiliares na França. Morreria na Áustria, 32 anos mais tarde, sem jamais terpisado novamente em solo brasileiro.[12]

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2. O GOLPE

NA MANHÃ DE 7 DE novembro de 1889, uma quinta-feira, o advogadoFrancisco Glicério de Cerqueira Leite recebeu pelo telégrafo em seu escritóriode Campinas, interior paulista, uma curta mensagem:

Venha já!O remetente era Manuel Ferraz de Campos Salles, advogado, deputado

provincial de São Paulo e futuro presidente da República. Apesar da aparênciacifrada do texto, Glicério sabia exatamente o significado do telegrama. Naquelesdias, os republicanos paulistas andavam alvoroçados com as notícias do Rio deJaneiro. As informações mais preocupantes tinham chegado na véspera, 6 denovembro. Seu portador era o poeta, jornalista e professor pernambucano JoséJoaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, futuro autor da letrado Hino da República. Medeiros e Albuquerque fora despachado para São Paulopelo paraibano e também jornalista Aristides da Silveira Lobo com a missão deavisar as lideranças republicanas locais que uma revolução estouraria na capitala qualquer momento.[13]

Ainda com o telegrama na mão, Glicério consultou o relógio. Comofaltasse uma hora para a saída do trem para São Paulo, não haveria tempo depassar em casa e trocar as roupas. Por isso, recorreu ao telefone, novidadetecnológica recém-chegada ao Brasil e já disponível em Campinas. Assim,conseguiu pedir à mulher que lhe preparasse uma bagagem para oito dias, mas,por precaução, não lhe contou o destino da viagem. Um portador entregou-lhe amala com as roupas quando estava a caminho da estação.

O advogado campineiro — que hoje dá nome à Baixada do Glicério,área degradada do centro da capital paulista — chegou a São Paulo ao cair datarde e imediatamente reuniu-se com Campos Salles e outro chefe republicano, omineiro Bernardino José de Campos Júnior. A gravidade do momento exigiamáximo cuidado. Por isso, os três — todos ligados à maçonaria — passaram anoite preparando um código secreto de comunicações a ser usado por Glicério

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quando chegasse ao Rio de Janeiro. Pela linguagem cifrada que escolheram,determinadas letras seriam substituídas por símbolos que só os três participantesda reunião poderiam decifrar. Na manhã seguinte, 8 de novembro, mal refeitoda noite passada em claro, Glicério rumou novamente de trem para a capital doImpério, onde uma semana mais tarde participaria de um dos acontecimentosmais decisivos da história brasileira — a queda do Império e a Proclamação daRepública.[14]

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, Glicério pôde compreender toda adimensão dos acontecimentos. O ambiente era de tensão. A conjuração estavapor todo lado. Conspirava-se nas casas particulares, nas escolas, nas redações dosjornais, nos salões e nas confeitarias da rua do Ouvidor, nas praças públicas e nosteatros líricos. Conspirava-se principalmente nos quartéis do Exército. O climaentre os militares era de franca rebelião contra o governo. Tramava-se aderrubada do ministério liderado pelo mineiro Afonso Celso de Assis Figueiredo,o visconde de Ouro Preto, apontado como hostil às Forças Armadas. Uma parteda oficialidade mais jovem queria mais do que isso. Queria a troca da Monarquiapela República.

Às onze horas da noite de 6 de novembro, três dias antes da chegada deGlicério à capital, um grupo de militares havia se reunido na casa do tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, professor de matemática daEscola Militar da Praia Vermelha e diretor do Instituto dos Meninos Cegos. Oobjetivo era tratar dos preparativos para a revolução. Entre eles estavam ocapitão Antônio Adolfo da Fontoura Mena Barreto, os tenentes Saturnino Cardosoe Sebastião Bandeira, o aluno da Escola de Guerra Aníbal Elói Cardoso e oalferes Joaquim Inácio Batista Cardoso. Na conversa, todos se manifestaram deacordo com o uso das armas para depor a Monarquia. Combinou-se um planopelo qual os participantes ficariam encarregados de agitar os ânimos nos quartéis,estocar armamento e munição e traçar em detalhes o golpe a ser desfechado nosdias seguintes. A certa altura, porém, Benjamin Constant mostrou-se preocupadocom o destino do imperador Pedro II.

— O que devemos fazer do nosso imperador? — perguntou.Fez-se um minuto de silêncio, quebrado pelo alferes Joaquim Inácio:— Exila-se — propôs.— Mas se resistir? — insistiu Benjamin.— Fuzila-se! — sentenciou Joaquim Inácio.Benjamin assustou-se com tamanho sangue-frio:— Oh, o senhor é sanguinário! Ao contrário, devemos rodeá-lo de todas

as garantias e considerações, porque é um nosso patrício muito digno.[15]Por uma ironia da história, o “sanguinário” Joaquim Inácio Cardoso,

então com 29 anos, viria a ser avô de um futuro presidente da República, omanso Fernando Henrique Cardoso. Para fortuna de Pedro II, no dia 15 de

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novembro haveria de prevalecer a posição de Benjamin. Em vez de fuzilado,como queria Joaquim Inácio, o imperador seria despachado para o exílio.

Até aquele momento, a conspiração tinha sido essencialmente militar,mas entre os republicanos civis a agitação também era grande. Artigos nosjornais assinados, entre outros, pelo advogado baiano Rui Barbosa de Oliveira epelo jornalista fluminense Quintino Antônio Ferreira de Sousa Bocaiúvapregavam abertamente a República, objeto de concorridas e ruidosasmanifestações promovidas pelo advogado Antônio da Silva Jardim e pelo médicoe jornalista José Lopes da Silva Trovão. Alguns incitavam os militares contra ogoverno imperial, como era o caso dos textos incendiários do gaúcho Júlio Pratesde Castilhos no jornal A Federação, de Porto Alegre, mas raros eram os civis quetinham conhecimento da real movimentação nos quartéis. Eles só foraminformados disso no começo de novembro. Era esse o conteúdo da mensagemque Medeiros e Albuquerque levara a São Paulo naquela semana.

Dois dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, Francisco Glicério foilevado por Aristides Lobo à presença do marechal alagoano Manoel Deodoro daFonseca, em reunião da qual também participaram Quintino Bocaiúva, RuiBarbosa, Benjamin Constant, o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro e doisoficiais da Marinha, o almirante Eduardo Wandenkolk e o capitão de fragataFrederico Guilherme Lorena. Aos 62 anos, com a vida marcada por atosheroicos na Guerra do Paraguai e sucessivos desentendimentos com asautoridades imperiais, Deodoro era o depositário de todas as esperanças dosconspiradores republicanos.

O problema é que, àquela altura, o marechal estava gravementeenfermo. Passava o tempo todo na cama. Temia-se que morresse a qualquermomento. Glicério ficou impressionado com seu aspecto ao vê-lo pela primeiravez às voltas com uma crise de dispneia, falta crônica de ar produzida porarteriosclerose. Atirado sobre o sofá, envolto em um roupão, o marechal nemsequer reunia condições para vestir a farda. O peito arfava, e ele mal conseguiafalar. O quadro era tão desalentador que, pelos cálculos do advogado campineiro,Deodoro não sobreviveria mais do que algumas horas. E, nesse caso, as chancesde sucesso da revolução seriam mínimas. Além de muito doente, o marechal atéaquele momento relutava em assumir a liderança do movimento contra ogoverno imperial. Menos animado ainda estava em relação à hipótese deproclamar a República.

Por essas razões, o encontro na noite de 11 de novembro, segunda-feira,apesar de rápido, foi tenso. Benjamin Constant afirmou que não bastava derrubaro ministério sem trocar o regime. A preservação da Monarquia, segundo ele,serviria apenas para agravar os problemas. Era preciso fazer a República. “Estáprovado que a Monarquia no Brasil é incompatível com um regime de liberdadepolítica”, argumentou Benjamin. “Para que a intervenção do Exército se legitime

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aos olhos da nação e pelo julgamento de nossas próprias consciências, énecessário que a sua ação se dirija à destruição da Monarquia e à proclamaçãoda República, recolhendo-se em seguida aos seus quartéis e entregando ogoverno ao poder civil.”[16]

Quando terminou de falar, fez-se um profundo silêncio à espera de umareação de Deodoro. Nas semanas anteriores, sempre que fora exposto a taisargumentos, o marechal optara pela precaução e pelo adiamento das decisões.Dessa vez, para surpresa de todos, sua atitude mudara. Depois de recuperar ofôlego abatido por mais uma crise de dispneia, começou a falar pausadamente:

— Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que está velho e aquem respeito muito.

Fez uma pausa, como se lhe faltasse o ar, mas emendou em seguida, deforma categórica:

— Benjamin, o velho já não regula, porque, se ele regulasse, nãohaveria esta perseguição contra o Exército. Portanto, já não há outro remédio,leve a breca a Monarquia!

Depois de mais uma pausa, acrescentou:— Ele assim o quer, façamos a República. Benjamin e eu cuidaremos

da ação militar. O senhor Quintino e os seus amigos organizem o resto.[17]E fez um gesto de quem lava as mãos.Era o sinal que todos esperavam.Feita a divisão de tarefas, cada um se dirigiu para sua casa. No dia

seguinte, enquanto os militares se ocupavam da revolução armada, os civiscomeçaram a organizar o futuro governo provisório republicano. Foi disso quetrataram Quintino Bocaiúva e Francisco Glicério reunidos na casa de AristidesLobo.

Até aquele momento não se tinha certeza a respeito da data precisa darevolta. Nas reuniões realizadas na casa de Deodoro e Benjamin, osconspiradores trabalhavam com duas possibilidades. A primeira, mais provável,seria a tarde do dia 16 de novembro, um sábado, quando todos os ministrosestariam reunidos com o visconde de Ouro Preto.[18] A segunda era 20 denovembro, quarta-feira seguinte. Nesse dia se reuniriam pela primeira vez no Riode Janeiro os deputados e senadores eleitos em agosto. A abertura da nova sessãolegislativa contaria com a presença do imperador Pedro II, de membros dafamília imperial e de todo o ministério. Em qualquer das hipóteses, os militarescercariam o prédio, prenderiam os ministros, destituiriam o governo eanunciariam a mudança de regime.

Tudo parecia se encaminhar para o desfecho combinado, mas o estadode saúde de Deodoro inspirava cuidados cada vez maiores. Na tarde de 14 denovembro, quinta-feira, Glicério e Aristides Lobo andavam pelo largo de SãoFrancisco, no centro da cidade, quando viram Benjamin Constant descer de um

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bonde. Era um homem desolado:— Venho da casa de Deodoro — explicou-lhes o professor e tenente-

coronel. — Creio que ele não amanhece, e se ele morrer, a revolução estágorada. Os senhores são civis, podem salvar-se; nós, militares, arrostaremos asconsequências das nossas responsabilidades.[19] Nas horas seguintes, no entanto,os acontecimentos se precipitariam a tal velocidade que fugiriam ao controle dosrevolucionários — e acabariam por tirar Deodoro da cama contra sua própriavontade.

Enquanto Glicério e Aristides se encontravam com Benjamin, um boatocomeçou a tomar conta do centro do Rio de Janeiro. Dizia-se que o governo tinhaordenado a prisão de Deodoro e determinado a transferência de várias unidadesmilitares para outras regiões do país, em uma tentativa de conter os focos derebelião nos quartéis. Falava-se também que o visconde de Ouro Preto planejavadissolver o Exército e substituí-lo pela Guarda Nacional, supostamente mais fiel àMonarquia.

Os rumores eram plantados de forma proposital na rua do Ouvidor —definida pelo historiador Anfriso Fialho como “coração e ouvidos do Rio deJaneiro”[20] — por uma das lideranças do golpe em andamento, o majorFrederico Sólon de Sampaio Ribeiro, futuro sogro do escritor Euclides da Cunha.Seu objetivo era, obviamente, acirrar os ânimos contra o governo. Naquela tarde,antes de sair de casa rumo ao centro da cidade, Sólon Ribeiro vestira calça epaletó marrons, chapéu de feltro preto, óculos de aros azuis.[21] Acreditava que,com essa indumentária civil, a ação seria mais bem-sucedida do que seaparecesse usando a costumeira farda militar. E, de fato, foi o que aconteceu. Darua do Ouvidor o boato rapidamente chegou aos quartéis e colocou emandamento a máquina da revolução.

Ao cair da tarde desse mesmo dia 14, o ministro da Guerra, RufinoEnéias Gustavo Galvão, visconde de Maracaju, recebeu do marechal alagoanoFloriano Vieira Peixoto um bilhete premonitório: “A esta hora deve V. Exa. terconhecimento de que tramam algo por aí além; não dê importância; tanto quantoseria preciso, confie na lealdade dos chefes, que já estão alertas”.[22]

Era um jogo de faz de conta, que transformaria Floriano Peixoto nafigura mais enigmática da história da Proclamação da República, como se veráem capítulo adiante. Ocupante de um dos mais altos cargos na hierarquia militardo Império, o de ajudante-general do Exército, cabia a ele ser fiel ao imperadore seguir as ordens do governo do visconde de Ouro Preto. As informaçõesatualmente disponíveis, porém, comprovam que Floriano Peixoto àquela altura jáestava envolvido com os republicanos. Seu bilhete ao ministro da Guerra eraapenas uma tentativa de dar às autoridades uma ilusória sensação de segurançaenquanto as tropas se preparavam para derrubar o Império.

Algumas horas antes de enviar o bilhete ao ministro, Floriano tivera um

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encontro reservado com Deodoro, seu conterrâneo de Alagoas, no qual se tratoudo golpe planejado por Benjamin e pelas lideranças civis republicanas. Omarechal explicou a Floriano que, a seu ver, todas as possibilidades denegociação com o governo estavam esgotadas. O momento era de ação.Anunciou também que se colocaria à frente dos revoltosos.

— Se a coisa é contra os casacas, lá em casa tenho ainda a minhaespingarda velha — limitou-se a responder Floriano.

“Casaca” era a forma pejorativa pela qual os militares se referiam àsautoridades civis.

Alertado a respeito do bilhete de Floriano, o visconde de Ouro Preto deuordens ao chefe de polícia, conselheiro José Basson de Miranda Osório, para“descobrir a verdade do que porventura se tramasse”, segundo relataria depoisem suas memórias.[23] Por volta das onze horas da noite, o ministro teve aconfirmação de seus temores: o chefe de polícia informava que a SegundaBrigada do Exército, aquartelada em São Cristóvão, marchava para o Campo deSantana (atual praça da República, na época também conhecida como praça daAclamação). Igualmente rebelados estavam o Primeiro e o Nono Regimentos deCavalaria e o Segundo Regimento de Artilharia.

Na tentativa de melhor acompanhar os acontecimentos, Ouro Pretoseguiu primeiro para a Secretaria de Polícia, situada no centro da cidade. Alichegando, mandou chamar Floriano Peixoto, que o informou a respeito dolevante do Segundo Regimento de Artilharia. O marechal disse ter tomadoconhecimento da rebelião por um aviso que lhe trouxera pessoalmente oajudante de ordens do comandante do batalhão.

— E por que não o prendeu? — perguntou-lhe um surpreso Ouro Preto.— Para ganhar tempo e se poder acautelar — desconversou Floriano.Segundo o marechal explicou ao ministro, se o ajudante de ordens não

voltasse ao quartel, os militares rebelados, supondo que o ministério estavaprevenido, se poriam em movimento mais rapidamente, dificultando a reação dogoverno. Ouro Preto discordou novamente da atitude de Floriano:

— É mister prender os oficiais e os soldados, distribuindo-osconvenientemente por fortalezas e quartéis — alertou. — Ordeno-lhe que assimproceda, senhor marechal!

Uma vez mais, o ardiloso Floriano desconversou, limitando-se a dizerque usaria toda a energia necessária e que havia tomado as “providênciasprecisas”.[24]

Por volta das três horas da madrugada, Ouro Preto decidiu se transferirpara o Arsenal da Marinha, cujas instalações se distribuíam entre o sopé domorro de São Bento, rente ao mar, e a ilha das Cobras, sede do Comando Navalbrasileiro. Por precaução, despachou um telegrama ao imperador, que seencontrava em Petrópolis, dando conta da revolta militar. O tom da mensagem,

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no entanto, dava a entender que o ministro ainda tinha total controle da situação.“O governo toma as providências necessárias para conter os insubordinados efazer respeitar a lei”, tranquilizou. O imperador só recebeu esse telegrama pelamanhã, quando, aparentemente, já era tarde para reagir. Às vésperas decompletar 64 anos, velho e cansado, dom Pedro II sofria de diabetes. Naquelanoite, estava tão debilitado quanto o marechal Deodoro. Por isso, havia serecolhido mais cedo. Quem recebeu o telegrama de Ouro Preto foi seu médicoparticular, Claudio Velho da Mota Maia, o conde da Mota Maia, que estava devigília no palácio de Petrópolis, refúgio da família imperial nos meses de verão.Ao ler a mensagem, Mota Maia achou que não era o caso de incomodar omonarca. Preferiu deixá-lo dormir enquanto o Império mergulhava no abismo.

Ao alvorecer do dia 15, uma sexta-feira, diante das notícias de que maistropas rebeladas marchavam para o centro da cidade, o visconde de Ouro Pretotomou mais uma decisão, da qual haveria de se arrepender pelo resto da vida.Por sugestão do ministro da Guerra, transferiu-se do Arsenal da Marinha para oQuartel-General do Exército, situado no Campo de Santana, vizinho à atualestação da estrada de ferro Central do Brasil (na época, chamada de dom PedroII). Mais tarde, Ouro Preto confessaria ter cometido um erro estratégico fatal. OCampo de Santana era exatamente o ponto de convergência das tropas rebeladas.

Se tivesse permanecido no Arsenal da Marinha, o ministro estaria maisbem protegido do que no Quartel do Exército. Até aquele momento, a Marinha semostrava mais fiel ao governo imperial do que o Exército, este sim o foco detoda a rebelião. Vizinha do Arsenal e isolada do continente por um pequenotrecho de mar, a ilha das Cobras, sede do Comando Naval, imporia obstáculo àchegada dos revoltosos e poderia também oferecer uma rota de fuga pela baíade Guanabara, em caso de necessidade. Ou seja, na hora mais crítica doseventos, o visconde de Ouro Preto mudou-se para dentro da cova dos leões, ondeo seu governo seria acuado e destroçado com a Monarquia brasileira. “Fomosmiseravelmente traídos”, queixou-se depois ao ministro da Agricultura, Lourençode Albuquerque. “Chamaram-nos para esta ratoeira a fim de que nãopudéssemos organizar lá fora a resistência; antes me houvessem matado!”[25]

Ao chegar ao Quartel-General do Exército, Ouro Preto foi recebido cominformações cada vez mais inquietantes. Várias guarnições militares marchavamem direção ao Campo de Santana. Apesar disso, as ruas nas imediações estavamdesertas. Nenhuma tropa fiel ao governo, nenhum obstáculo ou cordão deisolamento, nada havia sido mobilizado para proteger o ministério. No pátiointerno do quartel e na praça em frente, um número reduzido de soldados semantinha em atitude de completa indiferença, com os braços cruzados e asarmas em posição de descanso, como se nada de anormal estivesse acontecendo.“Quem contemplasse aquela força, suporia que ali se achava para uma simplesparada ou acompanhamento de procissão”, descreveria Ouro Preto em suas

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memórias.[26] Dali despachou um segundo telegrama a dom Pedro II, este emtom de urgência:

Senhor, dois batalhões revoltados. Venha. Ouro Preto.A notícia da movimentação das tropas pegou de surpresa também as

lideranças republicanas, entre elas o próprio Benjamin Constant, que, em suacasa, dormia tranquilamente quando foi acordado por volta das três horas damadrugada pelos tenentes Adolfo Pena e Lauro Müller. Ao se dar conta de que arevolução havia se precipitado, despachou o tenente Pena com a missão deavisar os civis Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo e os comandantes EduardoWandenkolk e Frederico Lorena, da Marinha. Antes de sair de casa, recomendouà mulher:

— Caso te chegue a notícia de que fomos vencidos, queime todos essesdocumentos. Vou cumprir o meu dever!

Depois, à paisana seguiu de carro com Lauro Müller ao encontro deDeodoro. Encontrou o marechal de cama, às voltas com mais uma crise dedispneia. Deodoro ouviu as notícias e prometeu que, assim que melhorasse umpouco, iria se juntar às forças rebeladas. Pela sua aparência, no entanto,Benjamin julgou que isso não aconteceria e rumou ao encontro das tropas noquartel de São Cristóvão. Ao chegar ali, foi recebido com vivas pelos militares efez um breve discurso:

— Estou no meio dos meus amigos. Chegou o momento de vermosquem sabe morrer pela pátria. Se formos vencidos, guardemos a última balapara que nos salvemos da vergonha do aprisionamento.

Em seguida, trocou as roupas civis pela farda e se posicionou no meiodos soldados que se dirigiam para o Campo de Santana.[27]

Como o objetivo era depor o governo, as tropas marchavam sembandeira. Desavisado, no entanto, o sargento Ignácio Teixeira da CunhaBustamante, do Segundo Regimento de Artilharia, carregava o estandarteimperial, que lhe tinha sido entregue por um oficial superior. Assim, perfilou-secom seus camaradas de farda, como sempre fizera. Ao chegar à esquina da ruado Imperador com a Figueira de Melo, alguém o alertou que não ficava bemportar um símbolo do Império no momento de derrubada da Monarquia.Bustamante percebeu o deslize e, sem alternativa, enrolou a bandeira e atirou-apara dentro da janela de uma casa nas imediações.[28]

Outro caso pitoresco envolveu um grupo de estudantes. Por orientaçãode Aristides Lobo, ao cair da tarde de 14 de novembro o estudante de engenhariaIldefonso Simões Lopes, presidente do Clube Republicano Rio-Grandense,percorreu vários alojamentos estudantis no centro da cidade conclamando osmoradores a se dirigirem ao quartel do Segundo Regimento de Artilharia, ondereceberiam armas e se incorporariam às tropas rebeladas. A adesão foiimediata. Pouco depois da meia-noite, os estudantes pegaram um bonde e

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seguiram para o quartel. A certa altura, porém, o bonde parou ao lado de outroque vinha na direção contrária. Dentro dele estava Frederico Guilherme Lorena,o oficial da Marinha que voltava da casa de Deodoro frustrado com o rumo dosfatos. Ao ver os estudantes, Lorena anunciou que a revolução estava adiadaporque o marechal, gravemente enfermo, talvez não chegasse com vida àmanhã seguinte. E, sem a presença de Deodoro, nada se poderia fazer. Aoouvirem o relato, os estudantes mudaram de bonde e, na companhia de Lorena,retornaram a seus alojamentos, perdendo assim a chance de testemunhar aProclamação da República.[29]

O historiador Celso Castro, um dos maiores especialistas brasileiros notema, afirma que na manhã de 15 de novembro “a grande maioria dos soldadosque integravam as tropas golpistas em 15 de novembro não estava consciente deque se pretendia derrubar a Monarquia”. Segundo ele, nem alguns oficiais oestavam. Eram, portanto, participantes involuntários do drama, levados por seussuperiores dos quartéis para o Campo de Santana. Por essa razão, vários deles searrependeriam do papel desempenhado naquele dia. Pouco mais de um mêsapós a Proclamação da República, em 18 de dezembro, estourou uma rebeliãode soldados no Segundo Regimento de Artilharia, justamente uma das unidadesque haviam participado do golpe. Os soldados queriam a restauração daMonarquia e a volta de dom Pedro II ao Brasil. Foram todos punidos, bem comoos participantes de outras revoltas isoladas contra a República registradas emdiferentes regiões do país.[30]

O dia 15 de novembro estava amanhecendo quando o marechalDeodoro conseguiu, enfim, uma trégua na crise de dispneia que o fizera passar anoite em claro. Naquela madrugada estivera tão abatido que, para se virar nacama, precisava da ajuda de dois oficiais, segundo contou mais tarde o seumédico particular, Carlos Gross. “Deodoro proclamou a República sem o meuconsentimento”, afirmou Gross. Segundo ele, durante a noite, Deodoro e amulher, Mariana, tinham tido uma áspera discussão. Preocupada, ela queriaimpedir por todos os meios que ele saísse de casa. O marechal, no entanto,insistia em se levantar da cama. Ao final, com a mediação de outros familiares,decidiu-se que Carlos Gross teria a palavra final. O que o médico decidisse seriarespeitado por todos. “Se dependesse de mim, ele não sairia”, afirmaria Grossdepois. Isso só não aconteceu por uma ironia do destino: o soldado encarregadode chamar o médico foi procurá-lo no endereço errado. Passou horasvasculhando a rua da Quitanda, embora Gross morasse na rua dos Ourives.Quando finalmente o achou, era tarde. Contrariando as restrições da mulher,Deodoro já tinha saído para comandar as tropas contra o Império.[31]

Fraco e cambaleante, Deodoro vestiu a farda, pediu que colocassem oselim de sua montaria dentro de um saco e tomou uma charrete em companhiado alferes Augusto Cincinato de Araújo, seu primo, para ir se encontrar com as

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tropas. Na rua Senador Eusébio, altura do Gasômetro, viu as forças sublevadasque vinham na direção contrária comandadas pelo tenente-coronel João Batistada Silva Teles, tendo ao lado Benjamin Constant. Como ainda se sentia muitodebilitado, continuou de charrete o restante da jornada.

Ao chegar próximo do Campo de Santana, o marechal pediu paramontar a cavalo, apesar dos protestos dos oficiais, temerosos de que o velhocomandante não tivesse forças para se manter sobre o animal. Por precaução, oalferes Eduardo Barbosa cedeu-lhe o cavalo baio número 6, considerado omenos fogoso na tropa do Primeiro Regimento de Cavalaria. Herói involuntáriode uma escolha casual, o pacato animal seria o primeiro beneficiário daRepública brasileira. Aposentado do serviço militar por serviços relevantesprestados ao novo regime, passaria o resto dos seus dias sem fazer nada, vivendoconfortavelmente no estábulo do seu quartel no Rio de Janeiro.[32] Anos maistarde, ao recordar o episódio enquanto posava para o famoso quadro do pintorHenrique Bernardelli em que aparece sobre o animal, de quepe na mão,proclamando a República, Deodoro diria:

— Vejam os senhores, quem lucrou no meio de tudo aquilo foi ocavalo![33]

Na manhã de 15 de novembro, para surpresa geral, um Deodorotransfigurado surgiu diante dos oficiais e soldados tão logo assumiu o lugar na selado baio número 6. Com voz firme e decidida, começou a disparar ordens e aorganizar as tropas. Em nada lembrava o ancião agonizante que BenjaminConstant e o capitão Lorena haviam encontrado de cama no dia anterior. Aocomando do marechal, seiscentos homens armados com espadas, fuzis edezesseis canhões postaram-se em frente ao quartel onde estavam reunidos OuroPreto e seus ministros. Era um número relativamente pequeno comparado aos1.096 homens que, recrutados às pressas, estavam encarregados de proteger oedifício. As forças supostamente leais ao Império eram constituídas por soldadosdo próprio Exército, marinheiros, bombeiros e policiais militares sob o comandodo general José de Almeida Barreto.

Sem que o governo soubesse, entretanto, o general José de AlmeidaBarreto também estava comprometido com os revolucionários. Era, contudo, umoficial sem a plena confiança de Deodoro. Por isso, ao observar de longe aformação das tropas diante do quartel, Deodoro chamou um oficial e determinouque levasse ao general a ordem para mudar de posição e colocar-se ao seu ladoesquerdo. Passados quinze minutos, notou que Almeida Barreto ainda nãocumprira a determinação. Deodoro repetiu o comando e uma vez mais não foiatendido. Irritado, chamou novamente o oficial e explodiu:

— Menino, vá dizer ao Barreto que faça o que já por duas vezes lheordenei, ou então que meta sua espada no c..., pois não preciso dele!

A frase de Deodoro, pelo seu óbvio conteúdo chulo, tem sido relatada de

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forma cautelosa nos livros de história. O general Jacques Ourique, um dosconspiradores de 1889, se refere a uma “frase impulsiva e vigorosa”.[34]Raimundo Magalhães Júnior, biógrafo de Deodoro, menciona “uma exclamaçãoviolenta”.[35] O coronel Ernesto Senna cita o episódio duas vezes em seu livroDeodoro: subsídios para a história. Em nenhuma delas, no entanto, reproduz apalavra usada por Deodoro. Na primeira, diz que o marechal deu “um recadoum tanto enérgico e sugestivo...”. Na segunda, que Deodoro mandou Barretometer “a espada... na bainha”. O historiador Heitor Ly ra, biógrafo de dom PedroII e autor de quatro volumes sobre a queda do Império, chegou perto da grafia dopalavrão, embora ainda de forma não totalmente explícita, como se vê na frasereproduzida acima.[36] O uso de reticências indica que a expressão correta erabem conhecida entre as testemunhas do acontecimento.[37]

Controvérsias à parte, a frase funcionou bem. Dessa vez, a ordem foicumprida de imediato pelo general Almeida Barreto que, ao reposicionar suastropas sob o comando de Deodoro, deixou exposta sua adesão ao golperepublicano e a total fragilidade do governo diante da circunstância.

Logo em seguida começaram a aparecer os civis, incluindo o jornalistaQuintino Bocaiúva, que montava um cavalo também emprestado pelas tropasrebeladas. Uma ausência notada foi a do advogado Silva Jardim, um dos homensque nos meses anteriores mais se empenharam na propaganda republicanapercorrendo o país para fazer conferências e fundar clubes e jornais favoráveis ànova causa. Desafeto de Quintino Bocaiúva, Silva Jardim não foi avisado damovimentação das tropas e perdeu a chance de testemunhar o momento maiscrucial da Proclamação da República. Por essa razão, se tornaria um homemamargurado pelo resto da vida. Dois anos mais tarde, em viagem ao sul da Itália,sofreria uma morte épica, tragado pela cratera do vulcão Vesúvio, em Pompeia.Seu corpo jamais foi recuperado.

No momento em que Deodoro cercava o quartel do Exército, de dentrodo edifício o visconde de Ouro Preto disparava ordens para que providênciasenérgicas e imediatas fossem tomadas. Ninguém parecia lhe dar ouvidos. Ao seulado, Floriano Peixoto mantinha atitude de total serenidade, como sedesconhecesse a gravidade da situação. Enquanto isso, o general AlmeidaBarreto, que o ministro julgava responsável pela sua segurança, mas que àquelaaltura já se submetera às ordens de Deodoro, “passeava e conversava na extensavaranda”, como se estivesse no mais calmo dos dias, segundo o relato de OuroPreto.[38]

Foi então que Floriano Peixoto adiantou-se e avisou Ouro Preto queDeodoro havia lhe pedido uma “conferência”.

— Conferência! — explodiu o ministro. — Mande V. Exa. intimá-lo aque se retire, e empregue a força para fazer cumprir essa ordem. Essa é adecisão única do governo!

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Em vez seguir a ordem de Ouro Preto, Floriano se afastou, foi até avaranda da sala vizinha, voltou, tornou a percorrer a varanda, depois desceu asescadas, montou a cavalo, desfilou diante da força dentro do pátio, mas semtomar nenhuma atitude para deter os revoltosos.

Nesse momento, apareceu numa rua lateral o carro do ministro daMarinha, José da Costa Azevedo, barão de Ladário. Vinha se juntar ao ministério,já reunido no interior do edifício.[39] Deodoro mandou que os tenentes AdolfoPena e Lauro Müller o prendessem. Os dois oficiais se aproximaram do ministroquando ele saía do carro.

— Senhor barão, Vossa Excelência está preso! — gritou o tenente Pena.Em vez de se render, Ladário sacou uma pistola e disparou em direção

ao oficial, que revidou de imediato. Ambos erraram o alvo. Ladário sacou outrapistola e deu um segundo tiro. Errou novamente, mas dessa vez foi alvejado porquatro disparos, que o atingiram em várias partes do corpo. A distância, Deodorogritou:

— Não atirem! Não matem esse homem!Com as roupas empapadas de sangue, Ladário procurou refúgio em uma

loja próxima, mas caiu na calçada antes de chegar à porta do estabelecimento.Levado a um hospital, sobreviveu milagrosamente. Semanas mais tarde,anunciaria seu apoio ao novo governo provisório republicano.

Na sala dos ministros, Ouro Preto continuava a disparar ordens:— Essa artilharia pode ser tomada à baioneta — afirmou apontando para

as armas dos militares rebeldes.— É impossível — alguém lhe respondeu. — As peças estão assentadas

de modo que qualquer surtida será varrida à metralha!— Por que deixaram então que tomassem tais posições? — indignou-se o

ministro. — No Paraguai, os nossos soldados apoderavam-se de artilharia embem piores condições.

Floriano, que voltava lá de baixo, encerrou o diálogo com uma frasecurta e reveladora da sua posição:

— Sim, mas lá tínhamos pela frente inimigos, e aqui somos todosbrasileiros![40]

Ao ouvir a resposta de Floriano, o ministro finalmente entendeu queestava sozinho. Resistir seria inútil. Diante disso, redigiu ali mesmo seu terceiro eúltimo telegrama a dom Pedro II em Petrópolis, no qual selava de vez a sorte daMonarquia no Brasil:

Senhor — O ministério, sitiado no Quartel-General da Guerra, à exceçãodo Sr. Ministro da Marinha, que consta achar-se ferido em uma casapróxima, tendo por mais de uma vez ordenado debalde, por órgão dopresidente do Conselho e do ministro da Guerra, que se repelisse pelaforça a intimação armada do Marechal Deodoro para pedir sua

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exoneração, e diante da declaração feita pelos generais visconde deMaracaju, Floriano Peixoto e barão do Rio Apa de que, por não contaremcom a força reunida, não há possibilidade de resistir com eficácia,deponho nas augustas mãos de Vossa Majestade o seu pedido dedemissão. A tropa acaba de confraternizar com o Marechal Deodoro,abrindo-lhe as portas do Quartel.Dom Pedro II recebeu o telegrama do visconde de Ouro Preto por volta

das onze horas da manhã. Ao dar-se, finalmente, conta da gravidade da situação,decidiu retornar ao Rio de Janeiro, ordenando que lhe preparassem um tremespecial, que o levaria direto ao centro da cidade.

A decisão de dom Pedro II é até hoje motivo de controvérsia. Umahipótese muito discutida pelos monarquistas nos anos seguintes foi que oimperador poderia ter permanecido em Petrópolis. Dali teria condições derecuar para Minas Gerais e eventualmente organizar a resistência ao golperepublicano. Essa hipótese chegou a ser sugerida ao conde d’Eu, marido daprincesa Isabel, no próprio dia 15 de novembro de 1889, pelo engenheiro AndréRebouças, abolicionista amigo da família imperial. Só não foi levada emconsideração por um problema de comunicação. Naquele momento, dom Pedrojá estava no trem a caminho do Rio de Janeiro. Avisá-lo para recuar seriapraticamente impossível. Enquanto o monarca descia a serra, no Ministério daGuerra o clima era de confraternização entre os vitoriosos e de completadesolação entre os perdedores.

Pouco depois das nove horas da manhã, Deodoro aproximara-se do pátiodo quartel e determinara que o portão lhe fosse aberto.

— Apresentar armas — ordenou. — Toquem o hino!Em seguida, mandou que o tenente-coronel Teles intimasse o ministério

a se render. Ao entrar na sala, Teles foi recebido pelo visconde de Ouro Preto:— Os senhores, o que querem? — perguntou o chefe do ministério.— A brigada quer a retirada do ministério — respondeu o oficial.Nesse instante, ouviu-se um grande clamor no interior do edifício

seguido do som de clarins e salvas de artilharia. Era Deodoro que, sem esperarpela resposta, subia ao salão onde estavam os ministros. Quando sua figuraimponente, de barba cerrada e olhos penetrantes, transpôs o umbral da porta, fez-se um profundo silêncio. Todos pareciam compreender a importância daquelemomento.

De pé, diante do ministério, Deodoro fez um discurso permeado dequeixas. Explicou que assumira a liderança do movimento para vingar asinjustiças e ofensas cometidas pelo governo contra os militares. Disse que só oExército sabia sacrificar-se pela pátria. E que, apesar disso, era maltratado pelospolíticos, que só sabiam cuidar dos seus interesses pessoais. Afirmou que estavadoente, mas que, mesmo assim, aceitara assumir o comando das tropas porque

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não era homem de recuar diante de perigo algum. Temia somente a Deus.Lembrou os serviços que prestara na Guerra do Paraguai, na qual passara trêsnoites e três dias combatendo o inimigo dentro de um pântano, com a roupaencharcada e a água até a cintura — “sacrifício que Vossa Excelência não podeavaliar”, acrescentou, dirigindo-se ao visconde de Ouro Preto. Por fim, avisouque todo o ministério estava demitido e que um novo governo seria organizado deacordo com uma lista de nomes que ele próprio levaria ao imperador.

Esse pequeno detalhe indica que, até aquele momento, Deodoro aindanão estava totalmente convencido a proclamar a República. Se estivesse depondoa Monarquia, e não apenas o gabinete chefiado por Ouro Preto, por que levariauma nova lista de ministros à aprovação do imperador? É um enigma que atéhoje desafia os estudiosos da personalidade do marechal e do papel crucial quedesempenhou naquele dia. O que dificulta o trabalho dos historiadores é a guerrade fatos entre monarquistas e republicanos que se estabeleceu nos anos seguintes.Fatos e mitos se misturam nessa batalha pela verdade histórica. Cada lado seencarregou de espalhar versões contraditórias, de acordo com seus própriosinteresses. O alferes e mais tarde marechal Cândido Mariano da Silva Rondon,que estava ao lado de Deodoro naquele momento, contou tê-lo ouvido gritar umviva ao imperador Pedro II, saudação habitual naquela época. A mesma históriafoi relatada pelo ministro do Chile no Rio de Janeiro em despacho diplomáticopara seu governo em Santiago. Deodoro nunca negou ter dado esse viva aoimperador, mas a história oficial republicana sempre se esforçou para ocultar oepisódio.

De concreto sabe-se que Deodoro em nenhum momento proclamou oudeu vivas à República, que nas horas seguintes se imporia como um fatoconsumado diante da incapacidade do poder imperial de resistir à própriaimplosão. Ao encerrar o improvisado discurso, Deodoro afirmou também quetodos os ministros poderiam se retirar para suas casas, com exceção de OuroPreto e do conselheiro Cândido de Oliveira, ministro da Justiça, que ficarampresos ali mesmo até segunda ordem.

Ouro Preto ouviu tudo em silêncio. Quando Deodoro parou de falar,declarou:

— Não é só no campo de batalha que se serve à pátria e por ela sefazem sacrifícios. Estar aqui ouvindo o marechal, neste momento, não é somenosa passar alguns dias e noites num pantanal. Fico ciente do que resolveu a meurespeito. É o vencedor: pode ficar com o que lhe aprouver. Submeto-me àforça.[41]

Deodoro virou as costas e desceu as escadas do quartel. Apesar deenfermo e exausto pelos acontecimentos das últimas horas, ainda teve forçaspara montar a cavalo e desfilar com a tropa pelo centro da cidade.

O clima entre civis e militares revoltosos era de completa euforia, com

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um senão: faltava proclamar a República. Deodoro, apesar de ter demonstradofirmeza ao destituir o ministério, ainda não anunciara formalmente a mudançade regime. Ainda no Quartel-General, numa tentativa de forçar uma definiçãodo marechal, Quintino Bocaiúva dera instruções a Sampaio Ferraz, um jovemjornalista e promotor público, para que fizesse um pronunciamento a favor daRepública diante das tropas. Seguindo as instruções, Ferraz colocou-se diante dasgrades e gritou:

— Viva a República!Ao ouvi-lo, Deodoro determinou que se calasse.— Ainda é cedo — avisou o marechal. — Não convêm, por ora, as

aclamações![42]Horas mais tarde, quando desfilava ao lado de Deodoro com as tropas na

rua do Ouvidor, Benjamin Constant encontrou-se com Aníbal Falcão, positivista echefe republicano de Pernambuco, e alertou:

— Agitem o povo. A República não está proclamada!Em depoimento anos depois, Falcão confessou que, ao ouvir a

declaração “do mestre”, foi tomado por “verdadeiro assombro” e “umsentimento de angústia que, naquele momento, oprimiu o meu coração”.[43]

Angustiado também estava Benjamin Constant com a ideia de que a tãoaguardada oportunidade de proclamar a República se perdesse caso Deodoro nãotomasse uma atitude. O marechal, no entanto, ouvia tudo em silêncio, sem nadaresponder. Terminado o desfile, voltou para a modesta casa em que morava, emfrente ao Campo de Santana e a alguns metros do local onde havia destituído oministério. Exaurido, caiu na cama. Mariana, sua mulher, postou-se na porta doquarto e não permitiu que mais ninguém se aproximasse do marechal.

A República teria de esperar.Ao ouvir de Benjamin Constant a notícia de que a República ainda não

estava proclamada, Aníbal Falcão correu para a redação do jornal Cidade doRio, de propriedade do abolicionista José do Patrocínio. Ali, em companhia dopróprio Patrocínio e de outros dois líderes republicanos — Pardal Mallet e SilvaJardim — redigiu às pressas a única proclamação formal da República ouvidanaquele dia. “Era necessário um movimento popular, audaz e rapidamenteorganizado a fim de que, antes de qualquer deliberação do governo (...), fosseproclamada a República”, explicou mais tarde Falcão.

A moção, redigida de forma tortuosa por Falcão no jornal de Patrocínio,era endereçada aos “Senhores representantes do Exército e da ArmadaNacional”. Anunciava que “o povo, reunido em massa na Câmara Municipal, fezproclamar, na forma da lei ainda vigente, pelo vereador mais moço (o próprioPatrocínio, então com 36 anos), após a gloriosa revolução que ipso facto aboliu aMonarquia no Brasil — o governo republicano”. Acrescentava que “os abaixo-assinados”, intitulados “órgãos espontâneos da população do Rio de Janeiro”,

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estavam “convencidos de que os representantes das Classes Militares, quevirtualmente exercem as funções de governo no Brasil, sancionarão esteato”.[44]

“O povo em massa reunido na Câmara Municipal” não passava, naverdade, de meia dúzia de jornalistas e intelectuais.

Vereador e líder abolicionista negro nascido em Campos dosGoy tacazes, filho bastardo de um padre com uma escrava, José do Patrocínioera uma figura controvertida. Até as vésperas de 15 de novembro, declarava-seum fiel súdito e aliado da princesa Isabel. Atribui-se a ele o título de “ARedentora” dado à princesa após a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de1888. Entusiasmado com a abolição, que tanto defendera, Patrocínio tambémajudou a criar uma “guarda negra”, composta de escravos libertos, mulatos ecapoeiras, com o objetivo de defender os direitos da princesa e assegurar oTerceiro Reinado após a morte do imperador Pedro II. Essas convicçõesmonarquistas, porém, desapareceram todas na tarde de 15 de novembro, quandoPatrocínio decidiu assumir a glória efêmera que Deodoro parecia recusar. Seriaele um dos muitos republicanos de última hora que o Brasil haveria de conhecernaqueles tumultuados dias. Concluído o texto da moção, o grupo se dirigiu àCâmara Municipal.[45] A improvisada cerimônia de Proclamação da Repúblicaaconteceu por volta das seis horas da tarde. Na falta de símbolos genuinamentebrasileiros que representassem o novo regime, foi preciso improvisar. Cantou-sea Marselhesa, o hino nacional da França, e hasteou-se uma bandeira cujodesenho imitava os traços do estandarte dos Estados Unidos da América,substituindo-se apenas as cores azul e branco das faixas horizontais pelas coresverde e amarelo. Essa bandeira, originalmente usada pelo Clube RepublicanoLopes Trovão, seria mais tarde substituída pela atual, com a expressão “Ordem eProgresso” inspirada nos ideais do Apostolado Positivista, grupo de seguidores dofilósofo francês Auguste Comte, que pregava uma ditadura republicana comosolução para o Brasil.

Após a cerimônia na Câmara Municipal, os manifestantes se dirigiram àcasa de Deodoro. Pretendiam entregar-lhe a moção redigida no jornal de José doPatrocínio. Como o marechal estava de cama, proibido pela mulher de recebervisitas, coube a Benjamin Constant atendê-los. Depois de ouvi-los, Benjamin,agora mais cauteloso do que no momento em que desfilara com as tropas pelocentro da cidade, afirmou que “o governo provisório saberá levar em conta amanifestação da população do Rio de Janeiro”. Por fim, anunciou que, nomomento oportuno, a nação seria consultada sobre a troca de regime. Omanifesto que o governo provisório divulgou naquela noite, assinado porDeodoro, anunciava que o Exército e a Armada tinham decretado a deposição dafamília imperial e o fim da Monarquia, mas em nenhum momento mencionavaa palavra república.[46] A consulta prometida por Benjamin Constant

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aconteceria somente um século mais tarde. Em abril de 1993, ou seja, 103 anosapós 15 de novembro de 1889, os brasileiros finalmente foram chamados adecidir em plebiscito nacional se o Brasil deveria ser uma monarquia ou umarepública.

Venceu a República.

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3. O IMPÉRIO TROPICAL

NO ANO DA PROCLAMAÇÃO DA República, o Brasil tinha cerca de 14milhões de habitantes, 7% da população atual. De cada cem brasileiros, somentequinze sabiam ler e escrever o próprio nome. Os demais nunca tinhamfrequentado uma sala de aula. Entre os negros e escravos recém-libertos, oíndice de analfabetismo era ainda maior, superior a 99%. Só uma em cada seiscrianças com idade entre seis e quinze anos frequentava a escola. Em todo o paíshavia 7.500 escolas primárias com 300 mil alunos matriculados.[47] Nosestabelecimentos secundários, o número caía de forma dramática: apenas 12 milestudantes. Oito mil pessoas tinham educação superior — uma para cada grupode 1.750 habitantes.[48] A agricultura respondia por 70% de todas as riquezasnacionais, e a imensa maioria da população se concentrava no campo. Oito entredez brasileiros moravam na zona rural. O café dominava a pauta de exportação.Sozinho, o Brasil fornecia cerca de 60% da produção mundial.

Desde a época da Independência o país tinha feito progressossignificativos, embora ainda muito aquém de suas necessidades em alguns itens.As fronteiras estavam definidas e consolidadas, com exceção de um trecho naregião do Rio da Prata e do estado do Acre, que em 1903 seria comprado daBolívia por 2,9 milhões de libras esterlinas em negociação conduzida pelo barãodo Rio Branco. Ao manter intacto um território pouco inferior à soma de todos ospaíses europeus, os brasileiros haviam alcançado uma façanha que nenhum dosseus vizinhos conseguira realizar. O Brasil se mantivera unido, enquanto a antigaAmérica espanhola se fragmentara nas guerras civis do começo do século.Revoltas regionais e rebeliões separatistas, que até metade do século XIX

ameaçaram a integridade territorial, tinham sido superadas com muito sacrifício.Como se isso não fosse suficiente, o país tinha ainda passado por outraexperiência traumática, a Guerra do Paraguai, maior de todos os conflitosarmados da história da América do Sul.

Iniciada em novembro de 1864, a Guerra do Paraguai foi travada por

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mais de cinco anos, até março de 1870. Ceifou a vida de centenas de milhares depessoas, das quais 33 mil brasileiros. O preço mais alto coube, obviamente, aoParaguai, o país derrotado. A população paraguaia, estimada em 406 milhabitantes no começo da guerra, reduziu-se à metade. O custo econômicotambém foi altíssimo. Só do lado brasileiro foram gastos 614 mil contos de réis,onze vezes o orçamento do governo para o ano de 1864, agravando um deficitque já era grande e que o Império carregaria até sua queda.[49]

O Brasil se viu forçado a entrar no conflito pela inabilidade política epela ambição desmedida do ditador paraguaio, Francisco Solano López.Determinado a ampliar o poder de seu país na região do rio da Prata e a construiruma saída para o Atlântico, Solano López aprisionou em Assunção um naviobrasileiro sem prévia declaração de guerra, invadiu o norte da Argentina e acidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e ocupou a região de Corumbá, noPantanal mato-grossense. Sem a opção de resolver as diferenças pela viadiplomática, restou ao Brasil defender seus interesses nos campos de batalha. Aguerra seria mais longa e desgastante do que se previa. No início dos combates, oExército brasileiro era reduzido e mal organizado. Suas tropas somavam 18 milhomens contra um contingente paraguaio de 64 mil soldados reforçado por umaretaguarda de veteranos calculada em 28 mil reservistas. O cenário desfavorávelmudou graças a uma aliança até então considerada improvável, reunindo rivaishistóricos — Brasil, Argentina e Uruguai — contra o inimigo comum. Achamada Tríplice Aliança aniquilou as esperanças de sucesso de Solano López.Nos anos finais da guerra, no entanto, os brasileiros lutaram praticamentesozinhos, sob o comando do mítico Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque deCaxias, uma vez que argentinos e uruguaios, às voltas com rivalidades internas,pouco puderam contribuir.

Internamente, a guerra produziu alguns efeitos colaterais importantes.Nunca antes tantos brasileiros haviam juntado forças em torno de uma causacomum. Gente de todas as regiões pegou em armas para defender o país.Calcula-se que pelo menos 135 mil homens foram mobilizados. Mais de um terçodesse total, cerca de 55 mil, fazia parte do chamado corpo de Voluntários daPátria, composto de soldados que se alistaram espontaneamente. Nos campos doParaguai, brasileiros de cor branca lutaram ao lado de escravos, negros emulatos, índios e mestiços. Ribeirinhos da Amazônia e sertanejos do Nordesteencontraram-se pela primeira vez com gaúchos, paulistas e catarinenses. Oimperador Pedro II, chamado de o “Voluntário Número Um”, transferiu-sepessoalmente à frente de batalha, enfrentando o frio e a intempérie numabarraca de campanha. Tudo isso havia produzido um sentimento de unidadenacional que o país não conhecera nem mesmo no tempo da sua Independência.Os símbolos nacionais foram valorizados. O hino era tocado no embarque dastropas. A bandeira tremulava à frente dos batalhões e nos mastros dos navios.

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Finda a Guerra do Paraguai, o país entrara em uma fase decisiva detransformações. No campo político, reavivou-se a campanha abolicionista, emfavor da libertação de todos os escravos. A resistência dos fazendeiros e barõesdo café, que dependiam da mão cativa para cultivar suas lavouras, fora enorme,mas, também nesse caso, brasileiros de todas as cores e regiões acabaram seunindo em torno de uma mesma aspiração, que levou milhares de pessoas àsruas na fase final da jornada. O resultado tinha sido a Lei Áurea, que, assinadapela princesa Isabel no dia 13 de maio de 1888, colocara fim a quase quatroséculos de escravidão. Ainda como decorrência da guerra, o Exército sefortalecera. A presença dos militares como força política nas décadas seguintesseria um fator decisivo para a queda da Monarquia e a Proclamação daRepública.

Em 1889, as regiões mais distantes, por muito tempo isoladas devido àdificuldade de acesso, tinham sido mapeadas, ocupadas e integradas, graças emboa parte às novas tecnologias de transporte e comunicação. Havia 9.200quilômetros de ferrovias em funcionamento e outros 9 mil em construção. Ovolume de cartas despachado pelos correios triplicou entre 1881 e 1889. Nesseano, 55 milhões de cartas da correspondência oficial e privada transitavam peloscorreios, número que chegaria a 200 milhões dez anos mais tarde.[50] Otelégrafo, inventado em meados do século, permitia enviar e receber mensagensinstantâneas a qualquer distância. O total de linhas telegráficas quintuplicara emuma década e meia, saltando de 3.469 quilômetros em 1873 para 18 mil em1889.[51] O número de mensagens telegráficas despachadas anualmente saltarade 233 em 1861 para 528.161 em 1887, ano em que os brasileiros trocaram 7milhões de palavras por esse novo meio de comunicação.[52] A navegaçãocosteira a vapor, inaugurada em março de 1838, reduzira a menos da metade otempo de viagem entre o Rio de Janeiro e Belém, no Pará.

O contato com o resto do mundo também fora alterado de formaexpressiva. Na época dos barcos a vela, uma viagem entre o Brasil e a Europademorava cerca de dois meses. Tinha sido esse o tempo que a frota do prínciperegente dom João levara para cruzar o Atlântico em 1808, de Lisboa a Salvador,fugindo das tropas do imperador francês Napoleão Bonaparte. Agora, com osnavios a vapor, era possível ir do Rio de Janeiro a Liverpool, na Inglaterra, emexatos 28 dias a bordo dos ágeis e confortáveis packet boats ingleses, nome que,traduzido para o português, passou a ser chamado de paquete. Segundo ohistoriador Luiz Felipe de Alencastro, a viagem era feita com tal precisão eregularidade que o bom humor carioca associou o nome paquete ao ciclomenstrual feminino, igualmente de 28 dias, em média.[53] Marco dessaintegração com o mundo havia sido a inauguração, no dia 22 de junho de 1874,do primeiro cabo submarino ligando o Rio de Janeiro à Europa. Instalado noprédio da Biblioteca Nacional, o imperador Pedro II celebrou o acontecimento

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despachando telegramas ao papa Pio IX, à rainha Vitória, da Inglaterra, aoimperador Guilherme, da Alemanha, ao rei Victor Emanuel, da Itália, aopresidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant, e ao presidente da França,marechal Mac-Mahon.

Em meados do século, pouco antes da Guerra do Paraguai, o Brasilhavia testemunhado ainda algumas mudanças no seu mapa político. OAmazonas, desmembrado do vizinho Pará, se tornara província autônoma em1850. No sul, o Paraná, até então a Quinta Comarca de São Paulo, tambémganhara autonomia em 1853. Outras três províncias ganharam novas capitais: emAlagoas, Maceió foi promovida a sede do governo em 1839; no Piauí, Vila Novado Poti substituiu Oeiras em 1852, sendo rebatizada com o nome de Teresina emhomenagem à imperatriz Teresa Cristina, mulher de dom Pedro II; e, por fim, noSergipe, Aracaju tomou o lugar de São Cristóvão em 1855.

Capital do Império, com 522.651 habitantes, o Rio de Janeiro aumentarasua população nove vezes desde a chegada de dom João e a família realportuguesa. O porto carioca era o mais movimentado do Brasil. A renda de suaalfândega representava 32% da arrecadação geral do Império. A cidade quemais crescia em 1889, no entanto, era São Paulo, que chegaria a 239.820habitantes no Censo de 1900. Sua população se multiplicaria por dez em apenascinquenta anos, impulsionada em grande parte pelos novos imigrantesestrangeiros que chegavam ao Brasil para substituir nas lavouras a recém-abolidamão de obra escrava. Salvador, capital colonial até 1763, tinha 174.412 habitantese apresentava crescimento estável, enquanto no Recife, com 111.556, apopulação declinava em razão da crise da lavoura açucareira.

Na Amazônia, um fenômeno a ser observado era o crescimento deBelém, que registraria 96.560 habitantes no Censo de 1900, impulsionado pelafebre da borracha. Desde que o americano Charles Goody ear inventara oprocesso de vulcanização, em 1839, o produto era usado na fabricação demangueiras, chapéus e capas de chuva, correias industriais e outros artigos. Suaprocura aumentaria ainda mais nos anos seguintes, com o surgimento da indústriaautomobilística, transformando os seringais da Amazônia brasileira em umimenso eldorado verde.[54]

Nas grandes capitais, a paisagem urbana se transformara por completo.Em algumas delas, as ruas centrais eram iluminadas por lampiões a gás, maiseficientes do que as antigas lanternas a óleo de baleia, de manutenção difícil efuncionamento incerto. O telégrafo contribuíra para a proliferação dos jornais ea circulação mais rápida de notícias. A imprensa, que chegara tardiamente aoBrasil com dom João em 1808, passara por uma fase de rápida expansão nasdécadas seguintes. Em 1876 já se publicavam cinquenta jornais no Rio deJaneiro, mais de quarenta em São Paulo, trinta em Pernambuco, 27 na Bahia e22 no Pará.[55] Invenção mais recente, o telefone chegou a São Paulo, Salvador,

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Rio de Janeiro, Campinas e Porto Alegre nos últimos dez anos do Império. Entre1872 e 1895 também foram instaladas redes de tráfego urbano em Salvador, Riode Janeiro, São Luís, Recife, Campinas e São Paulo. Em 1887, sete linhas debonde transportavam 1,5 milhão de passageiros por ano na capital paulista.[56]

O Rio de Janeiro era a vitrine de todas as mudanças. A cidade receberaarborização em 1820, calçamento com paralelepípedos em 1853, iluminação agás em 1854, bondes puxados a burro em 1859, rede de esgoto em 1862,abastecimento domiciliar de água em 1874. Os primeiros bondes elétricoschegariam em 1892. O nome bonde vinha da palavra inglesa bond, cupons empapel que as concessionárias emitiam para driblar a falta de troco no pagamentodas passagens. Eram empresas estrangeiras, como a americana BotanicalGarden Railroad Company, cujos carros ligavam o centro da cidade ao largo doMachado. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1883, vindo do Sul, o jornalistaalemão Carlos von Koseritz, diretor do jornal Gazeta de Porto Alegre, ficouimpressionado ao observar que, ali, todo mundo andava de bonde, incluindoministros, deputados, senadores, barões e viscondes. “Não creio que exista outracidade no mundo em que haja tantas linhas de bonde”, anotou Koseritz. “Émesmo incrível como milhares e milhares de pessoas aqui viajam de bonde.Toda a cidade, desde Santa Teresa até a Tijuca é, durante léguas, cortada porlinhas de bonde em todas as direções, e em todas elas se encontram bondes decinco em cinco minutos, e estão sempre completamente cheios.”[57]

Maçom e arguto observador da realidade brasileira, Koseritz tinhachegado ao Brasil em 1851 como mercenário contratado para lutar na guerracontra o ditador argentino Juan Manuel de Rosas. Quando o navio atracou noporto de Rio Grande, no litoral gaúcho, desembarcou fingindo-se de doente. Emseguida, desertou e, a pé, caminhou três dias até Pelotas, onde se estabeleceucomo editor de livros didáticos e de um jornal voltado para a colônia alemã.Naquele tempo Pelotas era a mais rica das cidades gaúchas. No mercado local,arrematavam-se 300 mil bois gordos por ano. A carne, salgada e curtida nascharqueadas, servia de alimento para os escravos nas lavouras de café de SãoPaulo e Rio de Janeiro. Graças à prosperidade trazida pelas charqueadas, acidade tinha caixa-d’água importada da França, ruas calçadas e servidas por redede gás encanado. Numa população de 20 mil pessoas, 9 mil eram escravas.

Em 1883, já na condição de um prestigiado editor e escritor, Koseritzteve a sensação de adentrar outro mundo ao chegar à capital do Império. Ali,nada tinha a ver com a realidade acanhada e relativamente modesta observadana província onde morava. “Tudo roda e trepida pelas ruas, fazendo sobre ocalçamento de paralelepípedos um barulho verdadeiramente infernal”, para oqual contribuem com seus pregões os “vendedores de frutas, de jornais, debilhetes, engraxates”, observou o jornalista alemão. “Nas ruas maismovimentadas”, onde transitam as pessoas elegantes, ouve-se “falar quase tanto

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o francês como o português”. Koseritz ficou também impressionado com ocaráter alegre e despreocupado do povo carioca. Apesar da escravidão e dapobreza, que ainda dominavam a paisagem, nas ruas cantava-se e ria-se o tempotodo. As festas e os batuques eram frequentes. A observação levou-o a umacuriosa conclusão sociológica. Segundo ele, numa terra de clima tão generoso eameno, dificilmente haveria espaço para revoluções sociais: “Um povorelativamente bem vestido e alimentado ao qual o clima do país permite, emcaso de necessidade, dormir sobre um banco do jardim público, não atiradinamite, mas ri facilmente, faz boas e más pilhérias e não respeita muito asmajestades terrenas”.

O Rio de Janeiro surpreendeu Koseritz pelo seu aspecto cosmopolita. Asmulheres, até algum tempo antes proibidas de sair de casa, eram vistas nas ruascom vestidos longos, chapéus e sombrinhas coloridas. A Confeitaria Carcelervendia sorvete ao preço de 320 réis o cone, produzido em fábrica de geloimportada dos Estados Unidos. A rua do Ouvidor concentrava as casas decomércio mais elegantes. Era um espelho da Europa nos trópicos, comoindicavam os nomes de algumas de suas lojas: La Belle Amazone, Notre Dame deParis, Wallerstein et Masset e Desmarais. Os homens se vestiam pelo figurinoinglês. As mulheres, pelo francês. Um anúncio da empresa Buarque & Maya, depropriedade dos engenheiros Manuel Buarque de Macedo e Raimundo de CastroMay a, colocava à venda uma novidade revolucionária, as “machinas deescrever”, comercializadas nos Estados Unidos desde 1867:

Com estas machinas se escreve três vezes mais depressa do que à mão. Oseu uso é hoje geral em toda a União Americana, de onde toda a correspondênciavem escrita à machina, o que por si só constitui uma prova irrefutável de suagrande vantagem.[58]

Outro anúncio, de 1851, divulgava o leilão, na rua Direita, de seis cavaloseuropeus, “perfeitamente ensinados para sela, sem defeitos nem vícios, mansos aponto de poderem servir para montaria de senhora”. Um deles, chamadoWaterloo, era vencedor de corridas no hipódromo de Somerset, naInglaterra.[59]

Almoçava-se às dez horas da manhã e jantava-se às quatro da tarde. Ànoite, uma ceia, por volta das oito horas. Nos restaurantes mais populares, arefeição custava 600 réis. Um copo de refresco saía por 200 réis. O cafezinho,por 60 réis. Um prato típico era composto de sopa, bife, arroz com galinha,feijão, farinha, marmelada ou doce de figo, frutas. A vida noturna era animada.Os teatros, sempre lotados, faziam parte do circuito de companhias e astrosinternacionais, como a cantora lírica italiana Adelaide Ristori, a mais famosa daépoca, que se tornou amiga e confidente do imperador Pedro II até a morte.[60]

“Das cidades que tenho visto, não conheço nenhuma tão barulhentacomo o Rio”, escreveu Ina von Binzer, professora alemã contratada para educar

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os filhos de um rico cafeicultor do Vale do Paraíba, em carta à amiga Grete navéspera do Natal de 1881. “Vendedores de água, vendedores de jornal (...),vendedores de balas, de cigarros, de sorvetes; italianos apregoando peixe;realejos e outros instrumentos, não se levando em conta os inúmeros pianossoando janelas afora, tudo isso atroa pelas ruas estreitas, onde os sons estridentesse prolongam indefinidamente. (...) Complete essa festa dos ouvidos com ocrepitar dos foguetes queimados dia e noite. (...) Além do barulho ensurdecedor,(...) a sujeira e a desordem. As calçadas, principalmente nos bairros comerciais,são tão sujas como o leito das ruas.”[61]

Também no Rio de Janeiro funcionava a escola mais importante doBrasil. Era o Imperial Colégio Pedro II, criado em 1837. Tinha a prerrogativaexclusiva de conferir ao aluno o valioso título de bacharel em Letras, um diplomadifícil de obter, mas que dava o direito a entrar automaticamente em qualquerdas raras escolas de ensino superior existentes, como as prestigiadas faculdadesde Direito de São Paulo e do Recife. Era, portanto, a chave que dava ingresso aorestrito grupo social frequentador dos salões da Monarquia. Em 1887, dos 569alunos do Pedro II, só doze receberam a láurea de bacharel. O diploma era tãoprecioso que o imperador acompanhava pessoalmente as provas. “Era como sesaísse do Imperial Colégio um pequeno príncipe. Com direito a todos os acessosque dependessem da inteligência aprimorada pelo saber humano”, escreveu osociólogo pernambucano Gilberto Frey re.[62]

Como o alemão Koseritz, o jornalista francês Max Leclerc achou tudomuito estranho ao aportar no Rio de Janeiro no final de dezembro de 1889.Segundo ele, havia uma contradição entre a paisagem e o clima da cidade,castigada pelo sol inclemente dos trópicos, e a forma como as pessoas se vestiame se comportavam nas ruas, tentando imitar a moda e os costumes da Europa:

Sob um clima abrasador, em uma cidade onde o termômetro atingefacilmente os 40 graus à sombra, (...) os brasileiros se obstinam a viver ea se vestir como se fossem europeus. Eles trabalham nas horas maisquentes do dia, das 9 da manhã às quatro da tarde, como se fossemnegociantes londrinos. Eles passeiam nas ruas trajando jaquetões escuros,cartolas de copa alta e se submetem ao martírio com a mais perfeitaresignação. O problema é que, apesar das aparências, eles não dispõemde meios para viver nos trópicos. A municipalidade do Rio de Janeiro nãogarante sequer o saneamento adequado da cidade, periodicamenteassolada pela febre amarela.[63]Nos meses de verão, a sede da corte ficava entregue aos comerciantes,

funcionários públicos de cargos burocráticos, escravos recém-libertos e àpopulação mais pobre. Quem era poderoso, rico ou famoso mudava-se paraPetrópolis, a cidade imperial de paisagem europeia, clima ameno e agradável,plantada nas encostas da serra fluminense.

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A vida social em Petrópolis se dividia entre as mansões da nobreza, oshotéis de luxo e os passeios de carro, a cavalo ou a pé pelas ruas bemarborizadas. O Hotel Bragança, inaugurado em 1848, tinha 92 quartos e um salãode refeições para 200 pessoas. Era o local preferido para festas, bailes econcertos. Depois vinha o Hotel Oriental, do turco Said Ali, onde se hospedara oduque Maximiliano, primo austríaco de Pedro II, ao visitar o Brasil em 1859 —cinco anos antes de ser coroado imperador do México e oito antes de ser fuziladopelas tropas republicanas de Benito Juárez. O Hotel Orleans, inaugurado em1883, reunia a sociedade imperial depois da missa aos domingos. O Palácio deCristal que, segundo observou o historiador Heitor Ly ra, “nunca foi palácio nemnunca foi de cristal”, tinha sido um presente de dom Pedro à princesa Isabel.Destinava-se às exposições de horticultura. Havia dois teatros, o Floresta e oProgresso, e uma cervejaria, a Bohemia, a mais antiga do país, fundada em 1853pelo colono alemão Henrique Kremer. A Casa das Duchas reunia a clientelamasculina para banhos quentes. Um dos frequentadores mais assíduos era opróprio imperador Pedro II. A Crémerie Buisson oferecia queijos e manteigafrescos, importados da Europa.[64]

Essa ilha de sofisticação europeia estava plantada no meio de uma densae luxuriante mata tropical brasileira, cujas plantas e animais exóticos fascinavamos viajantes estrangeiros. Uma carta de novembro de 1867 enviada pela princesaLeopoldina, filha caçula de dom Pedro II, à irmã mais velha, Isabel, contava quedos aposentos no palácio imperial era possível ouvir “o concerto dos sapos” nafloresta vizinha. Segundo ela, nas noites anteriores, o quintal do palácio havia sidovisitado por uma onça, que atacara os animais domésticos. “Ainda bem que aonça não comeu senão galinhas”, relatava a princesa, aliviada pelo fato de seuscoelhos de estimação terem sido poupados pelo animal selvagem.[65]

Nos primeiros anos do reinado de dom Pedro II, levavam-se dois dias deviagem em barcaças e diligências para chegar a Petrópolis. Na véspera daProclamação da República, o percurso era coberto em apenas duas horas nosvagões da estrada de ferro Mauá, inaugurada em meados do século. Da estaçãoda praia Formosa, no centro do Rio de Janeiro, ia-se de trem convencional até opé da serra fluminense. Nesse ponto, os passageiros faziam baldeação para umsegundo trecho da ferrovia a cremalheira, equipada com um conjunto deengrenagens e cabos de aço que literalmente puxava locomotiva e vagões até oalto da montanha, já na entrada de Petrópolis.

A ligação ferroviária entre Rio de Janeiro e Petrópolis — a primeira doBrasil — tinha sido uma iniciativa de Irineu Evangelista de Sousa, barão e maistarde visconde de Mauá, o homem mais rico e mais empreendedor de todo oSegundo Reinado. Em 1867, a fortuna pessoal de Mauá era calculada em 115 milcontos de réis, 18,5% superior a todo o orçamento do Império para aquele ano.Seu patrimônio incluía 100 mil cabeças de gado, diversas fazendas, dezenove

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bancos no Brasil, na Argentina, no Uruguai, na Inglaterra e nos Estados Unidos eum estaleiro, o de Ponta da Areia, no Rio de Janeiro, que fabricava 72 navios porano, alguns dos quais eram vistos no rio Amazonas, na foz do rio da Prata oucruzando a linha do Equador rumo à Europa e à América do Norte.[66]

Dono de fábricas, bancos e estradas de ferro, Mauá era um personagemexótico em um país agrícola e até então dependente de mão de obra escrava. Suahistória representa uma encruzilhada nos caminhos do desenvolvimento daeconomia brasileira. Mauá advogava a industrialização acelerada do Brasil,processo no qual julgava que o país já estivesse muito atrasado. Os númeroscomprovavam essa tese. Em 1868, existiam nos Estados Unidos 353.863manufaturas, contra apenas duzentas no Brasil. As ferrovias norte-americanasalcançavam nessa época mais de 50 mil quilômetros. A primeira linhatranscontinental, ligando Nova York, no oceano Atlântico, a São Francisco, noPacífico, ficara pronta em 1869. A Inglaterra, país do tamanho da província doCeará, já tinha 5 mil quilômetros de estradas de ferro, enquanto o Brasil, comterritório 65 vezes maior, acabava de inaugurar a sua primeira, em 1854, comminguados 14,5 quilômetros do Rio de Janeiro a Petrópolis — e curiosamentepara facilitar os deslocamentos da corte nas férias de verão, e não para escoar asriquezas da terra.

Mauá foi à falência em 1875, em boa parte devido às dificuldades definanciamento para seus projetos. Foi impossível convencer o Império a fornecero capital necessário para os seus grandes empreendimentos industriais e deinfraestrutura. Morreu antes de completar 76 anos, em 21 de outubro de 1889,três semanas antes da Proclamação da República, sem ver realizada atransformação que sonhava para o país.[67] Profundamente dependente daagricultura de exportação, o Brasil continuaria a canalizar todos os seus esforçospara a grande lavoura. Era ela a base de sustentação do Império tropical. Econtinuaria a ser a da República até pelo menos meados do século XX.

A sociedade brasileira era conservadora e patriarcal, fenômeno que seobservava com mais nitidez longe das capitais. A vida social se regulava pelasmissas, procissões, cerimônias e feriados religiosos. Até 1852, os dias santossomavam 41 feriados ao longo do ano. A aristocracia rural mandava em tudo. Arealidade nacional nos anos que antecederam a abolição da escravidão e aProclamação da República podia ser resumida em uma frase atribuída aosenador gaúcho Gaspar Silveira Martins:

O Brasil é o café, e o café é o negro!O café produzira uma drástica alteração no eixo econômico do país. Nos

duzentos primeiros anos da colonização, a riqueza brasileira se concentrara naregião Nordeste, no chamado ciclo do açúcar. Depois migrara para MinasGerais, na corrida do ouro e do diamante que marcou a primeira metade doséculo XVIII. Por essa época, Francisco de Melo Palheta, sargento-mor do Pará,

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contrabandeou de um viveiro de Caiena as primeiras sementes e mudas de café,planta originária das terras altas da Etiópia e até então cultivada em segredo naGuiana Francesa. Depois de aclimatadas em Belém, as mudas logo chegariamao Vale do Paraíba, entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Começava ali a febre do“Ouro Verde”. O produto, que na época da Independência representava apenas18% do total da pauta de exportações brasileiras, em 1889 já alcançava 68%, ouseja, quase dois terços do total. O número de sacas exportadas saltou de 129 milem 1820 para 5,5 milhões em 1889.[68]

Duas grandes mudanças demográficas também marcaram o ciclo docafé. A primeira foi a transferência maciça de escravos da região Nordeste parao Sul e o Sudeste do país. Essa migração forçada, que se verá com mais detalhesno capítulo sobre os abolicionistas, começou por volta de 1850, após a aprovaçãoda chamada Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu definitivamente o tráfico deescravos da África para o Brasil. Como a lavoura canavieira estava em crise noNordeste, os senhores de engenho passaram a vender para os fazendeiros de caféde São Paulo e Rio de Janeiro a mão de obra cativa que consideravam ociosa.Criou-se dessa maneira um intenso tráfico negreiro interprovincial quecontinuaria até as vésperas da aprovação da Lei Áurea.

O segundo fenômeno demográfico do ciclo do café foi a chegada decentenas de milhares de imigrantes europeus. A importação de colonosestrangeiros era um projeto antigo, ainda da época da corte de dom João no Riode Janeiro, mas tinha sido adiada devido à abundância de mão de obra escrava.Com a proibição do tráfico em 1850, tudo mudou. Os preços dos escravosdispararam. Mesmo com o tráfico interprovincial, a escassez da mão de obracativa era cada vez maior. Trazer imigrantes brancos para trabalhar nas lavourascomo trabalhadores assalariados em lugar dos escravos ganhou senso deurgência. Entre 1886 e 1900 São Paulo receberia 1 milhão de imigranteseuropeus — quase o dobro de toda a população escrava existente no país no anoda Abolição. O estado de São Paulo sozinho concentrou mais da metade dosimigrantes, 529.187 no total.[69]

A imigração estrangeira chegou tarde ao Brasil e em número muitomenor do que o desejável porque o país nunca conseguiu criar o ambiente paraatrair colonos livres. Paraíso do latifúndio, o Brasil tinha, em 1865, 80% de suasáreas cultiváveis nas mãos dos grandes proprietários. Ser dono de terras eescravos era sinônimo de prestígio social e poder político, mas, em grande parte,eram fazendas improdutivas, que em nada contribuíam para a produção deriquezas. “O monopólio da terra para deixá-la estéril e desaproveitada é odioso ecausa de inúmeros e gravíssimos males sociais”, criticou, em 1887, o cariocaAlfredo d’Escragnolle Taunay , futuro visconde de Taunay .[70]

Abolicionistas como o pernambucano Joaquim Nabuco e o baiano AndréRebouças defendiam a criação de um imposto territorial como forma de acabar

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com o latifúndio improdutivo e democratizar a propriedade da terra.Acreditavam que essa medida, junto com a abolição da escravidão, elevaria opaís a um novo patamar de desenvolvimento. “Uma é o complemento da outra”,escreveu Nabuco. “Ninguém neste país contribui para as despesas do Estado emproporção dos seus haveres. O pobre carregado de filhos paga mais impostos (...)do que o rico sem família. (...) Acabar com a escravidão não basta; é precisodestruir a obra da escravidão.”[71]

O governo imperial resistiu a todas as tentativas de mudar esse quadro.Enquanto durou a Monarquia, o imposto territorial jamais conseguiu aprovaçãono Congresso. Em vez de buscar a “democracia agrária” sonhada por Nabuco eRebouças, o Brasil fez uma reforma agrária às avessas, concentrando ainda maisa terra nas mãos de poucos proprietários. Ao contrário dos Estados Unidos, que,por meio do Homestead Act, uma lei de 1862, autorizou a doação de terras atodos os que nela desejassem se instalar, no Brasil a Lei de Terras de 1850ergueu barreiras à aquisição delas por parte dos imigrantes pobres que chegavamda Europa. As terras públicas seriam vendidas à vista e a preços suficientementealtos para evitar o acesso à propriedade por parte dos futuros colonos. Alémdisso, estrangeiros que tivessem passagens financiadas para vir ao Brasil estavamproibidos de comprar terras até três anos após a chegada. Era uma forma deobrigá-los a trabalhar nas fazendas no lugar dos escravos antes de conseguir, amuito custo, juntar a poupança necessária para comprar uma pequenapropriedade. Na época da aprovação do Homestead Act, os Estados Unidos jáhaviam atraído mais de 5 milhões de imigrantes, especialmente da Europa. NoBrasil, o número não passava de 50 mil. Com as novas leis de posse da terra, adiferença aumentou ainda mais.[72]

Além de tardio, o projeto de imigração foi executado, na maioria dasvezes, de forma improvisada, quando não desastrada. Uma das primeirastentativas aconteceu por iniciativa do senador paulista Nicolau de CamposVergueiro. Vergueiro havia obtido da coroa portuguesa doações de vastasporções de terras na região de Piracicaba, Limeira e Rio Claro, no interior de SãoPaulo. Em 1846, iniciou o assentamento de imigrantes europeus na sua fazendaIbicaba pelo sistema de parceria. As primeiras 364 famílias vinham da Bavária eda Prússia, na atual Alemanha. Antes de partir da Europa, os colonos assinavamum contrato pelo qual o fazendeiro se comprometia a lhes pagar as passagens denavio, transporte e alimentação até o local de trabalho. Em troca, assumiam ocompromisso de cultivar as lavouras até ressarcir o proprietário inteiramentedesses valores, pagando 6% de juros ao ano. Receberiam uma parte da produçãode café, mas eram obrigados a vendê-la ao próprio fazendeiro pelo preço que lheconviesse e do qual seriam abatidos os custos de transporte e beneficiamento dosgrãos, entre outros.

Ao chegar ao Brasil, os imigrantes logo perceberam que as exigências

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contratuais de Vergueiro os colocavam na situação de escravos brancos. Comoresultado, em fevereiro de 1857 uma revolta de estrangeiros estourou na fazendaIbicaba. Os colonos alegavam que o fazendeiro lhes comprava o café por preçosinferiores aos do mercado, mas ao mesmo tempo lhes vendia mercadorias apreços extorsivos. Muitos deles, depois de trabalhar vários anos, se encontravammais endividados do que na época da chegada ao Brasil. O tratamento dispensadopelos feitores era semelhante ao vigente nas antigas senzalas.

Alguns desses imigrantes voltaram para a Europa, onde escreveramlivros denunciando a fraude da imigração para o Brasil. “Os colonos se achamsujeitos a uma nova espécie de escravidão, mais vantajosa para os patrões doque a verdadeira, pois recebem os europeus por preços bem mais moderados doque os dos africanos”, reclamou o suíço Thomas Davatz, no livro Memórias deum colono no Brasil, no qual relata sua experiência de dois anos na fazendaIbicaba. “Não passam de pobres coitados miseravelmente espoliados, deperfeitos escravos, nem mais nem menos.”[73]

A culpa por tal situação, no entender de Davatz, cabia aos fazendeiros etambém ao governo imperial brasileiro, que permitia propaganda enganosa feitapelo Brasil na Europa com o objetivo de atrair imigrantes pobres. “O tratamentomiserável dos colonos na província de São Paulo tem sua origem e sua base nãoapenas no modo de pensar e de agir próprio aos fazendeiros, donos das colônias,mas também no (...) das altas autoridades públicas do Brasil”, escreveu. “Ogoverno desse país sustenta e até pratica, embora indiretamente, semelhantesembustes.”[74]

As denúncias de maus-tratos levaram alguns países, como a Prússia, aproibir a vinda de imigrantes para o Brasil. Em 1885, também o governo italianopublicou uma circular na qual desaconselhava seus cidadãos a migrar para SãoPaulo, apontada como uma região insalubre e perigosa.[75] “Estamos numcírculo vicioso”, reclamava o liberal pernambucano Holanda Cavalcanti, em1850. “Não podemos ter colonos enquanto o país não se fizer digno de serhabitado por homens livres, enquanto eles não tiverem certeza de achar entre nósa felicidade, mas sem colonos não podemos fazer isso.”[76]

Todas essas dificuldades resultavam de passivos sociais, econômicos epolíticos que o Brasil carregava desde a sua fundação. A construção do paísdepois da Independência havia sido difícil e tortuosa. O Império era imenso,diversificado, complexo, difícil de administrar. De um lado, havia um grandeterritório, repleto de riquezas naturais e oportunidades. De outro, escravidão,analfabetismo, isolamento e rivalidades políticas e regionais. “Amalgamaçãomuito difícil será a liga de tanto metal heterogêneo, (...) em um corpo sólido epolítico”, escrevia em 1812, de forma profética, o mineralogista José Bonifáciode Andrada e Silva, futuro Patriarca da Independência.[77] Bonifácio acreditavaque a única maneira de evitar a guerra civil e manter a integridade territorial era

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equipar o Brasil independente com um “centro de força e unidade” sob o regimede monarquia constitucional e a liderança do imperador Pedro I. Foi essa afórmula imperial que triunfou em 1822. Sua implantação, porém, custaria muitosangue e sacrifício.

Os nove anos do Primeiro Reinado haviam sido de grande instabilidade,marcados pelo conflito entre o Parlamento e a índole autoritária de dom Pedro I,pelos escândalos de sua vida pessoal e pela suspeição, por parte dos brasileiros,de que o imperador se preocupava mais com os interesses de Portugal do quecom os do Brasil. Sua abdicação, em 7 de abril de 1831, foi interpretada pormuitos como a “nacionalização da Independência”. Finalmente os destinosnacionais estavam nas mãos dos próprios brasileiros. A condução do processo, noentanto, cobria-se de incertezas. A partida de dom Pedro I para a Europa,embora comemorada nas ruas, criara um vácuo de poder no coração doImpério. Naquele momento, o herdeiro da coroa, Pedro de Alcântara, era umacriança de apenas cinco anos, idade insuficiente para assumir o trono. Enquantonão atingisse a maioridade, o país seria conduzido por regentes, homens quegovernavam em nome do futuro imperador.

No período da Regência, entre 1831 e 1840, o Brasil testemunhou umclima de excitação e liberdades políticas sem precedentes. Lideranças liberais,como o fluminense Evaristo da Veiga e o mineiro Teófilo Ottoni, que haviamlutado contra o absolutismo de dom Pedro I, defendiam a redução do podermonárquico, a ampliação dos direitos individuais e da autonomia das províncias.O padre Diogo Antônio Feijó, ministro da Justiça e depois regente do Império,promoveu uma profunda reforma nas Forças Armadas. O Exército foipraticamente dissolvido. Em seu lugar organizou-se a Guarda Nacional, sobcontrole civil, inspirada nas milícias de cidadãos da Revolução Francesa. A pátriaem armas zelaria pela própria segurança.

Um segundo marco da descentralização foi o Código de ProcessoCriminal de 1832, que criou nova hierarquia de juízes. A figura-chave era o juizde paz, magistrado local, sem formação em Direito nem remuneração fixa,eleito por um ano, para julgar pequenas causas, conter os conflitos e zelar pelaordem. Tinha como auxiliares os inspetores de quarteirão, moradores designadospara vigiar setores com pelo menos 25 residências. Segundo a lei, cabia aoinspetor de quarteirão, entre outras responsabilidades, “obrigar a assinar termosde bem viver aos vadios, mendigos, ébrios habituais, prostitutas desordeiras, aosturbulentos; que, por palavras ou ações ofendem os bons costumes, atranquilidade pública e a paz das famílias”.[78] Em 1834, o Ato Adicional àConstituição, votado pela Câmara dos Deputados, ampliou a autonomia dasprovíncias mediante a criação das assembleias provinciais, com poderes parafixar despesas locais e criar os impostos necessários para cobri-las. O Conselhode Estado, órgão supremo do Poder Executivo nacional, subordinado apenas ao

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imperador, foi abolido.A experiência, no entanto, rapidamente fracassou. O enfraquecimento

do poder central revelou-se incapaz de conter a agitação nas províncias. Entre1831 e 1848 o país foi sacudido por nada menos que 22 revoltas regionais. Foramvinte no período regencial e mais duas já no Segundo Reinado — a RevoluçãoLiberal, ocorrida em 1842 em São Paulo e Minas Gerais, e a Praieira, dePernambuco, em 1848. Só no Rio de Janeiro houve cinco levantes entre 1831 e1832.

As rebeliões da Regência tinham caráter difuso, com reivindicações àsvezes difíceis de entender. Nasceram quase todas nos grupos mais humildes dapopulação. De certa forma, refletiam um sentimento de orfandade no processode Independência do Brasil entre a população pobre e analfabeta. O Brasilrompera vínculos com Portugal sem alterar a estrutura social vigente até então.A escravidão fora mantida, tanto quanto o analfabetismo, o latifúndio e aconcentração de riquezas. Essa população deixada à margem do processo pegouem armas no período da Regência, aproveitando-se do enfraquecimento dopoder central e das rivalidades dos chefes regionais. “As camadas pobres dapopulação rural expressaram suas queixas contra mudanças que não entendiam eeram distantes de seu mundo”, observou o historiador Boris Fausto.[79]

A revolta dos Cabanos, ocorrida em Pernambuco e Alagoas entre 1832 e1835, mobilizou pequenos agricultores e sertanejos da Zona da Mata e doAgreste. Lutava pela volta de dom Pedro I ao Brasil e em defesa da religiãocatólica. Perdeu força com a notícia da morte do primeiro imperador, ocorridaem Portugal no dia 24 de setembro de 1834. Entre 1835 e 1840, o Pará foiagitado pela Cabanagem (que não deve ser confundida com a dos Cabanos dePernambuco). Belém, a capital paraense, foi tomada por índios e ribeirinhosliderados por Eduardo Angelim, um cearense de 21 anos. Os rebeldesproclamaram a independência do Pará e também diziam defender a religiãocatólica. O número de mortos é calculado em 30 mil, equivalente a 20% dapopulação da província, fazendo da Cabanagem a mais sangrenta de todas asrevoluções brasileiras do Império.

Nesse mesmo período, o Maranhão foi assolado pela Balaiada,movimento que tinha como líderes o vaqueiro Raimundo Gomes, Francisco dosAnjos Ferreira, fazedor de balaios, e dom Cosme, líder negro de escravosfugidos. Os rebeldes ocuparam a cidade de Caxias, segunda maior cidade daprovíncia, mas foram cercados e derrotados pelo então tenente-coronel LuísAlves de Lima e Silva. Como recompensa pela vitória das tropas imperiais, Limae Silva ganhou o título de barão de Caxias (seria promovido a duque de Caxiasapós a vitória na Guerra do Paraguai).

Na Bahia, escravos, brancos e negros libertos se enfrentaram nas ruas deSalvador na chamada Revolta do Malês, liderada por escravos muçulmanos em

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janeiro de 1835. Pregavam a abolição dos cativos muçulmanos e o assassinato detodos os brancos. Setenta pessoas morreram. Dois anos mais tarde, a Sabinada,liderada pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, proclamou aindependência da República Baiana, derrotada em março de 1838. Cerca de1.800 pessoas morreram ao longo de quatro meses de luta.

A Revolução Farroupilha, do Rio Grande do Sul, foi uma exceção nessequadro de erupção na base da pirâmide social brasileira. Durou de 1835 a 1845 e,ao contrário das demais rebeliões regionais, mobilizou os grupos mais ricos einfluentes da sociedade gaúcha, em especial a elite dos estancieiros, produtoresde gado da província. Entre outras reivindicações, os fazendeiros gaúchosreclamavam dos impostos cobrados na produção de gado e de charque, principalfonte de riqueza da província. Também se queixavam da excessiva interferênciado poder central nos seus negócios. Queriam acabar com a taxação do gado nafronteira com o Uruguai, estabelecendo a livre circulação dos rebanhos quepossuíam entre os dois países. Alguns defendiam o fim da Monarquia e aproclamação de uma República Federativa no Brasil. Outros, mais exaltados,propunham até mesmo a criação de um estado independente no sul junto com osuruguaios. Por essas razões, a Farroupilha foi a revolta que mais ameaçou aintegridade territorial brasileira.

Os farroupilhas tinham como líderes os generais Bento Gonçalves eDavid Canabarro, ambos estancieiros e veteranos da Guerra Cisplatina, queresultara na independência do Uruguai, em 1828. Também contavam com oapoio de alguns revolucionários italianos refugiados no Brasil, entre eles GiuseppeGaribaldi, que mais tarde desempenharia papel vital na unificação da Itália. Arevolta começou com a tomada da capital, Porto Alegre, em 20 de setembro de1835, data até hoje celebrada no calendário cívico gaúcho. Um ano mais tarde,no dia 11 de setembro de 1836, foi proclamada a República Rio-Grandense, sob apresidência de Bento Gonçalves e tendo como capital a cidade de Piratini. Em1839, revolucionários comandados por Garibaldi proclamariam também aRepública Juliana, em Santa Catarina.

O governo imperial enfrentou a revolução gaúcha por meio de combatese também de concessões aos farroupilhas. Nomeado comandante-chefe doexército em operações e presidente da província em 1842, Caxias assinou a pazcom o general Canabarro três anos mais tarde. Pelo acordo, os revoltosos foramanistiados, e seus oficiais incorporados ao Exército nacional. O governo imperialassumiu as dívidas da República de Piratini. Atual patrono do Exército brasileiro,Caxias foi a principal liderança militar do Império desde os conflitos da Regênciaaté o final da Guerra do Paraguai. Por essa razão, passou também para a históriacom o título “O Pacificador”. Morreu em 1880.

As rebeliões mostravam que o experimento político brasileiro pós-abdicação do imperador Pedro I era instável demais para ser deixado à própria

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sorte. Era preciso estabelecer algum controle sobre ele. “Este Império encontra-se nas vésperas de sua dissolução, ou pelo menos de uma crise cujo resultado nãopode ser senão fatal”, assustou-se o representante inglês ao observar o quadro emsetembro de 1839.[80] “A unidade do Brasil é apenas aparente”, observou outrovisitante estrangeiro, o conde de Suzannet, ao percorrer o país entre 1842 e 1843.“Todas as províncias estão buscando a sua própria independência.”[81]

Nessa mesma época, o jornalista conservador Justiniano José da Rochaafirmava que a Monarquia representava a única solução capaz de evitar afragmentação territorial do Brasil. Era, portanto, preciso dotar o trono de apoiopolítico. O alicerce estaria, segundo ele, no grande comércio e na grandeagricultura. “Dê o governo a essas duas classes toda a consideração, vincule-aspor todos os modos à organização estabelecida, identifique-as com as instituiçõesdo país, e o futuro estará em máxima parte consolidado.”[82]

A receita prescrita por Justiniano José da Rocha resultou no movimentochamado Regresso, um retorno ao velho e bem-sucedido modelo português deconcentração total dos poderes. O objetivo era devolver ao governo central asprerrogativas que havia perdido em favor das províncias na primeira fase daRegência. Esse período, iniciado com a posse do regente Pedro de Araújo Lima,futuro marquês de Olinda, em 1838, marca a consolidação do Estado imperial noBrasil. “Fui liberal”, justificou-se nesse mesmo ano, em tom de mea-culpa, omineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos. “A liberdade era nova no país, estavanas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas ideias práticas. (...) Hoje,porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudoganharam e muito comprometeram; a sociedade, que até então corria o riscopelo poder, corre agora risco pela desorganização e pela anarquia. Como entãoquis, quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista.”[83]Desgostoso com a obra do Regresso, o também mineiro Teófilo Ottoni, políticode convicções republicanas, iria liderar a Revolução Liberal de 1842, sendovencido por Caxias na Batalha de Santa Luzia, Minas Gerais.

No Regresso, o poder das assembleias provinciais foi reduzido. A GuardaNacional ficou sob controle do Ministério da Justiça, que também passou anomear os magistrados. Os juízes de paz, eleitos localmente, perderam ospoderes de polícia, transferidos para juízes e delegados nomeados pelo podercentral. O Conselho de Estado, braço direito do imperador, seria recriado em1841. Dele participava a mais fina flor da aristocracia brasileira, homens degrande saber, riqueza e experiência política, encarregados de orientar o monarcanas suas decisões.

Símbolo máximo da centralização foi a campanha pela antecipação damaioridade de Pedro II, a essa altura um adolescente ainda imberbe. “Oimperador-menino converteu-se na esperança de todos aqueles que, cansados daexperiência regencial, buscavam fórmulas de assegurar a sobrevivência do

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Império em meio à crise”, anotaram os historiadores Lúcia Maria Bastos Pereiradas Neves e Humberto Fernandes Machado.[84] Pela Constituição brasileira, oimperador só poderia assumir o trono com dezoito anos. Era preciso, portanto,reformar a lei antes de coroá-lo. Em abril de 1840, os liberais fundaram aSociedade Promotora da Maioridade do Imperador, na casa do padre e senadorcearense José Martiniano de Alencar, pai do futuro escritor José de Alencar.Tinham o apoio do mordomo imperial Paulo Barbosa, em cuja chácara, situadadentro da Quinta da Boa Vista e do palácio de São Cristóvão, aconteceram asreuniões seguintes.[85] O tutor, marquês de Itanhaém, teria igualmenteconcordado com a ideia.

Apresentado na Câmara e no Senado, o projeto de antecipação damaioridade foi derrotado mais de uma vez. Por essa razão, os chefes liberaisdecidiram levar a questão para as ruas.

Cartazes afixados nas paredes e muros do Rio de Janeiropropagandeavam:

Queremos Pedro Segundo,Embora não tenha idade;A nação dispensa a lei,E viva a maioridade![86]No dia 22 de julho de 1840, o regente Araújo Lima, à frente de um

grupo de deputados e senadores, levou um manifesto ao jovem Pedro II, pedindoque aceitasse ser aclamado imperador de imediato. Orientado pelos seus tutores,o menino teria respondido sem titubear:

— Quero já![87]Dessa forma, à revelia da Constituição, no dia seguinte dom Pedro II foi

declarado maior e aclamado imperador diante das câmaras reunidas, episódioque passou para a história como “O Golpe da Maioridade”. Começava ali o longoSegundo Reinado, que seria interrompido por outro golpe, o da República, quasemeio século mais tarde, na manhã de 15 de novembro de 1889.

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4. A MIRAGEM

QUEM VIAJA ATUALMENTE PELO BRASIL , em busca dos raros locaishistóricos que a memória nacional preservou, depara-se vez ou outra com umpaís perdido no tempo. Seus resquícios estão em museus, casas de fazenda,palácios, bibliotecas e prédios públicos do século XIX. São lugares de arquiteturabonita e elegante, de aspecto mais europeu do que tropical. Alguns exemplos sãoa Chácara da Baronesa, na cidade gaúcha de Pelotas, o Palácio do Catete, no Riode Janeiro, e os casarões das fazendas de café no Vale do Paraíba. De todos eles,o mais simbólico é a cidade imperial de Petrópolis, o refúgio da corte no verãodo Rio de Janeiro até as vésperas da Proclamação da República.

Hoje o que mais impressiona em Petrópolis é a sensação de estranhezaquando se olha em volta. Ali, duas cidades convivem no mesmo espaço. Aprimeira é a cidade histórica, situada na área central. As avenidas largas earborizadas, os canteiros bem cuidados, o Palácio de Cristal, os antigos hotéis deluxo, as mansões onde vivia a nobreza e o corpo diplomático, a imponente igrejamatriz que hoje guarda os restos mortais do imperador Pedro II e da imperatrizTeresa Cristina — tudo ali remete a um cenário de corte europeia. No palácioimperial, os turistas são convidados a calçar pantufas de tecido macio para nãoferir o delicado piso de mármore importado de Carrara, na Itália, enquantopercorrem salas decoradas com quadros pintados a óleo e mesas repletas deporcelana chinesa, talheres de prata e taças de cristal. Os jardins e os detalhes daarquitetura lembram Versalhes, na França, ou Schönbrunn, em Viena, naÁustria. Essa é a Petrópolis imperial do século XIX.

A outra Petrópolis é maior e mais recente. Construída de formaatabalhoada a partir de meados do século XX, encontra-se afastada do centro, nosbairros de classe média, onde pessoas comuns habitam prédios de apartamento,estudam, trabalham e se divertem em uma rotina muito parecida com a dosbrasileiros de outras regiões. Nessa segunda cidade, a paisagem urbana e aqualidade de vida ainda são melhores do que a da maioria das cidades brasileiras,

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mas a arquitetura de concreto, mediana e sem imaginação, nem de longe secompara à dos edifícios da suntuosa Petrópolis imperial. A distância entre casas eprédios diminui. Há menos áreas ajardinadas, a vegetação torna-se rarefeita e,nas ruas, os pedestres disputam espaço com os carros conduzidos por motoristasimpacientes.

A sensação de estranhamento, porém, cresce à medida que o viajantedesce as encostas da serra em direção à baixada fluminense. No caminho, outradura realidade se impõe diante dos olhos. Ali o que prevalece é o panoramapobre e monótono dos morros e favelas. A arquitetura elegante da estânciahistórica e turística dá lugar aos barracos inacabados, feitos de lajes de concretoe paredes nuas de tijolos sem revestimento. Esgotos correm a céu aberto e hálixo acumulado nas ruas tomadas por vendedores ambulantes. O cinturão depobreza que ali se vê é muito semelhante ao que hoje domina a paisagem naperiferia de todas as capitais e grandes cidades brasileiras.

Cápsula de tempo preservada na serra fluminense, Petrópolis étestemunha de uma miragem histórica. Miragem, como se sabe, é uma ilusão deótica que distorce a percepção da realidade. Visto de Petrópolis, o Brasil daépoca do Império é uma terra mais imaginária do que real. Às vésperas daProclamação da República, havia ali um país que aparentava ser mais civilizado,rico, elegante e educado do que de fato era ou seria no futuro. Aos diplomatas evisitantes estrangeiros, apresentava-se como um império destinado a ser grande,poderoso, desenvolvido, ilustrado — um “gigante adormecido em berçoesplêndido”, como dizia a própria letra do Hino Nacional. No futuro, seria capazde assombrar seus congêneres europeus. O imperador Pedro II e a bela cidadeserrana batizada com seu nome eram o símbolo disso tudo. Esse Brasil de sonhos,no entanto, confrontava-se com outro, real e bem diferente, criando umacontradição difícil de sustentar no longo prazo.

Euclides da Cunha — engenheiro, escritor, ativista republicano em 1889e autor de Os sertões, uma das mais importantes obras literárias brasileiras —certa vez definiu o Brasil como “o único caso histórico de uma nacionalidadefeita por uma teoria política”.[88] Segundo ele, as instituições nacionaisconstruídas no Império baseavam-se em conceitos políticos e filosóficosimportados de fora, que pouco tinham a ver com a realidade observada nas ruase nos campos de um território ermo, pobre e atrasado. O Brasil da teoria eradiferente do Brasil da prática.

A construção desse país de sonhos estava confiada a uma aristocraciarelativamente pequena, que mandava seus filhos estudar na França ou naInglaterra, tinha contato com as ideias liberais discutidas em universidadeseuropeias, mas tirava sua riqueza da exploração da mão de obra cativa e dolatifúndio. Leis e rituais da Monarquia procuravam imitar o pensamento e oambiente dos salões europeus, mas a moldura real compunha-se de pobreza e

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ignorância. “A elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos”, definiu ohistoriador mineiro José Murilo de Carvalho.[89]

A primeira Constituição brasileira, outorgada pelo imperador Pedro I em1824, era considerada uma das mais avançadas do mundo na definição dosdireitos individuais e na liberdade de imprensa, mas em nenhum momentomencionava a existência de escravos no país. O artigo 179 definia a liberdade e aigualdade como direitos inalienáveis do homem, enquanto mais de 1 milhão debrasileiros permaneciam cativos nas senzalas, podendo ser comprados ouvendidos como uma mercadoria qualquer, sujeitos ainda a açoites, uso decorrentes nos pés, marcação do corpo com ferro em brasa e outras puniçõesconforme a vontade do seu dono. “A aristocracia daqui é uma caricatura daeuropeia”, observou o jornalista alemão Carlos von Koseritz, diretor do jornalGazeta de Porto Alegre, ao visitar o Rio de Janeiro nos estertores do Império. “Osbarões do café vivem com um luxo que não é respeitável, pois tem origem nasenzala do negro e no chicote do feitor.”

O Brasil imaginário, desconectado do Brasil real, não foi obra do acaso,mas resultado de uma necessidade — pelo menos do ponto de vista daslideranças que conduziram o processo de Independência e a organização do paísno Primeiro e no Segundo Reinados. Como se viu no capítulo anterior, em 1822 oBrasil independente de Portugal parecia a todos um experimento perigosamenteinstável. Havia riscos de toda natureza pela frente. Escravos, pobres e analfabetoscompunham a maioria da população. As divergências regionais eram enormes.O receio de uma guerra civil, que ameaçasse a unidade nacional, ou de umarebelião dos cativos contra seus senhores tirava o sono da minoria branca. Oarranjo político do novo Brasil precisava levar em conta todos esses riscos emedos. “Tratava-se (...) de construir quase do nada uma organização quecosturasse politicamente o imenso arquipélago social e econômico em queconsistia a ex-colônia portuguesa”, escreveu José Murilo de Carvalho.[90]

Os riscos do processo de ruptura com Portugal eram tantos que aaristocracia brasileira optou pelo caminho mais conservador e seguro. Em vez dese arriscar em uma revolução republicana — a exemplo do que faziam todos osdemais países da América —, preferiu se congregar em torno do imperadorPedro I como forma de evitar o caos de uma guerra civil ou étnica que, emalguns momentos, parecia fatal. Conseguiu, dessa forma, preservar os seusinteresses e viabilizar um projeto único na América. O Brasil se converteu emuma “flor exótica” no continente, segundo a definição de alguns historiadores. Ouseja, uma monarquia cercada de repúblicas por todos os lados. Começava ali oque o historiador José Murilo de Carvalho chamou de “construção da ordem” etambém de “teatro de sombras”, no qual os personagens representavam papéisque nem sempre correspondiam à realidade nacional.

Os atores desse “teatro de sombras” compunham uma nobreza exótica e

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tropical. Ao contrário da Europa, onde os títulos de nobreza eram hereditários, ouseja, passavam de pai para filho, no Brasil as honrarias se extinguiam com amorte dos seus respectivos detentores. Eram, portanto, um estado passageiro, tãoprecário e perecível quanto a própria experiência monárquica na históriabrasileira.[91] A farta distribuição desses títulos, iniciada com a chegada da cortede dom João ao Rio de Janeiro em 1808, resultava de uma relação de troca defavores entre a coroa e os senhores da terra. Traficantes de escravos,fazendeiros, donos de engenho, pecuaristas, charqueadores e comerciantesdavam o apoio político, financeiro e militar necessário para a sustentação dotrono. Em troca, recebiam do monarca posições de influência no governo,benefícios e privilégios nos negócios públicos e, especialmente, títulos de nobreza.

Usadas como moeda de barganha nas relações do poder, as honrariaseram concedidas em maior número nos momentos de crise, nos quais o tronoprecisava angariar apoio mais rapidamente. Nos seus oito primeiros anos noBrasil, dom João havia outorgado mais títulos de nobreza do que em todos ostrezentos anos anteriores da história da Monarquia portuguesa. Era um momentoem que a corte portuguesa estava particularmente necessitada de apoio político efinanceiro, devido à invasão da metrópole pelas tropas do imperador francêsNapoleão Bonaparte. “Em Portugal, para fazer-se um conde se pediamquinhentos anos; no Brasil, quinhentos contos”, ironizou o historiador baiano PedroCalmon.[92]

Entre a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1815,e a Proclamação da República, em 1889, foram distribuídos no Brasil 1.400títulos de nobreza, média de dezenove por ano. O ritmo das concessões, noentanto, mais do que quintuplicou nos dezoito meses que antecederam a queda daMonarquia. No total, foram 155 títulos de nobreza concedidos entre a publicaçãoda Lei Áurea, em maio de 1888, e o golpe protagonizado por Deodoro daFonseca em novembro do ano seguinte. Diante do clima de tensão entre osmilitares e os civis que precedeu a Proclamação da República, o visconde deMaracaju, ministro da Guerra, propôs que os títulos fossem usados como armapara seduzir os oficiais nos quartéis. Pelo seu plano, a todos os marechais decampo seriam franqueados, indistintamente, o título de barão. Cada brigadeiro,por sua vez, receberia a Ordem da Rosa, outra cobiçada honraria do Império.“Não convém generalizar”, reagiu o visconde de Ouro Preto, chefe do gabinetede ministros e ele próprio de nobreza recente, detentor do título desde 13 de junhode 1888, um mês após a Lei Áurea. Ainda assim, nas vésperas do Quinze deNovembro, nada menos que 35 coronéis da Guarda Nacional receberam o títulode barão.[93]

“A concessão de títulos nobiliárquicos em tais ocasiões, (...) para finspuramente eleitorais, era já tradicional na história política do Brasil”, anotou ohistoriador Heitor Ly ra. “Estamos todos marqueses!”, zombou em artigo no

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j or na l Diário de Notícias o baiano Rui Barbosa, ao criticar a inflaçãonobiliárquica, segundo ele responsável pela legião de “fidalgos baratos” e pela“profusão de graças repartidas em matulagem entre os que comem e bebem noalguidar oficial (...); essa nobiliarquia de cabala, fidalguia de baiucaeleitoral”.[94]

A Guerra do Paraguai representou outro momento crítico, em que ashonrarias monárquicas eram usadas para seduzir os senhores da terra. Umdecreto baixado em 6 de novembro de 1866, durante o governo do conselheiroZacarias de Góis e Vasconcelos, chefe do Partido Liberal fluminense,determinava que os proprietários que tomassem a iniciativa de libertar os seusescravos para lutar na guerra receberiam títulos de nobreza. Era uma situaçãocuriosa: os escravos pegariam em armas e exporiam a vida lutando contra ossoldados de Solano López, enquanto seus donos, sem correr nenhum risco, setornariam barões do Império. Ao tomar conhecimento da notícia, BenjaminConstant, futuro fundador da República brasileira, que se encontrava na frente debatalha, reagiu com ironia:

— Que patriotismo! Quanto é moralizador o nosso governo e o nossopaís! Que belo futuro nos espera. (...) três ou quatro escravos bastam para osmaiores títulos de nobreza que o Império possa dar.[95]

Nos nove anos do Primeiro Reinado, o imperador Pedro I fez 150 nobres,média de dezesseis por ano, menos da metade do ritmo do pai, que distribuiu 42títulos por ano entre a criação do Reino Unido, em 1815, e a volta da corte paraPortugal, em 1821. A parcimônia, no entanto, era apenas aparente. Pedro I usouas honrarias para alimentar os escândalos amorosos que marcaram sua vidapessoal. As irmãs Domitila e Maria Benedita de Castro Canto e Melo, ambasamantes do imperador, foram promovidas respectivamente a marquesa deSantos e baronesa de Sorocaba. Isabel Maria, filha bastarda do relacionamentode dom Pedro com Domitila, ganhou o título de duquesa de Goiás e o direito deser chamada de “alteza”, tratamento normalmente reservado às princesas.Também foi condecorada com a Ordem do Cruzeiro.

O Brasil só teve dois títulos de duque, o mais importante na galerianobiliárquica. Um foi para Isabel Maria. O outro para Luís Alves de Lima eSilva, o duque de Caxias. Era uma estranha contradição. Caxias tinha dado umacontribuição decisiva para a consolidação do Império brasileiro, combatendo asrevoluções da Regência e comandando o Exército no momento mais difícil daGuerra do Paraguai. O mérito do título da duquesa de Goiás provinhaexclusivamente da cama, de uma aventura escandalosa do primeiro imperadorcom a marquesa de Santos. Nessa circunstância, era impossível que os brasileiroslevassem muito a sério os títulos da nobreza imperial. O título de barão, o menorda nobiliarquia, banalizou-se de tal forma que virou motivo de chacota e deuorigem a um dito popular:

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Sai daí, cão, que te faço barão![96]Cerca de trezentos cafeicultores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de

Janeiro — a nata da aristocracia rural brasileira no final do Segundo Reinado e osque mais se ressentiam da abolição da escravatura — receberam títulos denobreza. Eram barões em sua maioria — os famosos barões do café. Os LeiteRibeiro, de Vassouras, tinham oito barões e dois viscondes na família. No mesmomunicípio, os Werneck tinham cinco barões. Os Avelar, seis barões e trêsviscondes.[97]

Os títulos de nobreza custavam pequenas fortunas aos agraciados, queeram arrecadadas pelo Tesouro imperial. Para ostentar o título de duque eranecessário desembolsar 2:450$000 (dois contos e quatrocentos e cinquenta milréis). O de marquês, um pouco menos, 2:020$000. Em seguida vinham os títulosde conde, visconde e barão com grandeza, tabelados a 1:575$000. Por fim,visconde e barão, que custavam, respectivamente, 1:025$000 e 750$000. Pode-seter uma ideia desses valores comparando-os com o salário médio de umtrabalhador braçal na época. Um vendedor ambulante em São Paulo ganhavaentre 280 e 350 réis por dia. Carpinteiros, alfaiates e soldados recebiam em tornode 600 réis diários.[98] O título de barão custava, portanto, o equivalente a quatroou cinco anos de trabalho desses profissionais.

O escritor sergipano Tobias Barreto se referia à “nobreza feita à mão”que produzia fidalgos de nomes pitorescos como o barão de Bojuru, título dado aobrigadeiro Inocêncio Veloso Pederneiras; o barão de Batovi, com o qual foiagraciado o marechal de campo Manuel de Almeida da Gama Lobo CoelhoD’Eça; ou o barão de São Sepé, atribuído ao tenente-general Luís José Pereira deCarvalho.[99] O alemão Carlos von Koseritz divertiu-se ao ver a chegada danobreza brasileira para a abertura das câmaras em 1883:

Uma depois da outra pararam as velhas carruagens diante da entrada eesvaziaram a sua carga: uma dama de honra (a baronesa de Suruí) velhae horrenda, mas fortemente decotada e cinco ou seis militares da corte,metidos em uniformes verdes outrora brilhantes, bordados a ouro, otricórnio sob o braço, o espadim à cinta e as pernas finas metidas emcalções e meias de sedas — assim saltaram eles dos seus carros, fazendopensar num carnaval.[100]A peculiar galeria brasileira de nobres compunha o cenário do teatro de

sombras monárquico, cujos atores principais eram o próprio soberano, seusconselheiros e ministros, senadores e deputados, presidentes de província,comandantes de armas, coronéis da Guarda Nacional e uma vasta teiaburocrática de cargos menores que se espalhava pelas regiões mais distantes dopaís e tudo controlava na vida brasileira. O Estado imperial era forte ecentralizado. Em 1885, o governo central respondia por 77% do total da receitapública no Brasil, cabendo às províncias 18% e aos municípios minguados 5%.

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O peso da máquina pública também era expressivo nas despesas. Entre1825 e 1888, o império acumulou um deficit de 855,8 mil contos de réis. Ogoverno não tinha como cobrir seus gastos e dependia de empréstimos externos,que nunca eram pagos em sua totalidade. O deficit vinha desde a época daIndependência, quando o Brasil fora obrigado a indenizar Portugal e a tomar seteempréstimos da Inglaterra, em um total de 10 milhões de libras esterlinas. Em1863, quase meio século após a Independência, o país ainda se via forçado acontratar outros empréstimos de 3 milhões de libras esterlinas para cobrir osjuros daquelas despesas iniciais.[101]

O governo controlava e se metia em tudo. Um sistema dessa formaorganizado era inibidor do risco e da livre-iniciativa. Até 1881, ou seja, oito anosantes da República, nenhuma sociedade anônima poderia funcionar semautorização do Conselho de Estado, principal órgão de assessoria do imperador,composto dos homens mais ricos e influentes do país. Era “o cérebro daMonarquia”, na definição do historiador e ensaísta mineiro João Camilo deOliveira Torres.[102] O governo central regulamentava e também amparava asempresas, locais e estrangeiras, autorizando ou proibindo seu funcionamento,proporcionando subsídios, garantindo juros favorecidos, definindo prioridades eassegurando isenções fiscais.[103]

Um dos resultados óbvios da excessiva presença do Estado na vidanacional foi a proliferação do empreguismo público. Um levantamento dohistoriador José Murilo de Carvalho mostra que, em 1877, o Brasil tinha 5,4funcionários públicos para cada mil habitantes. O índice era mais de duas vezessuperior ao dos Estados Unidos nessa mesma época, de apenas 2,4 funcionáriospor mil habitantes. O emprego público representava 70% das despesas dogoverno em 1889. “O funcionalismo é um cancro que devora e aniquila as forçasdo país, prejudicial não só no aumento das despesas, como pela desorganizaçãodo serviço”, afirmava o médico cearense Liberato de Castro Carreira, senadordo Império nos sete anos anteriores à República.[104] “Esta moléstia —endêmica no Brasil — é um de seus grandes males”, escreveu o mineiro AfonsoCelso de Assis Figueiredo, antes de se tornar visconde de Ouro Preto e chefe doúltimo gabinete de ministros.[105]

O abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco definiu o empreguismopúblico como um “viveiro político” porque fornecia ao governo os instrumentospara a criação de uma rede de clientelismo, capaz de abrigar “todos os pobresinteligentes, todos os que têm ambição e capacidade, mas não têm meios, e quesão a grande maioria dos nossos homens de merecimento”. O resultado, segundoNabuco, era a atrofia em quase todas as áreas do conhecimento nacional. “Issosignifica que o país está fechado em todas as direções”, afirmou. “Muitasavenidas que poderiam oferecer um meio de vida a homens de talento, mas semqualidades mercantis, como a literatura, a ciência, a imprensa, o magistério, não

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passam ainda de vielas; e outras, em que homens práticos, de tendênciasindustriais, poderiam prosperar, são por falta de crédito, ou pela estreiteza docomércio, ou pela estrutura rudimentar da nossa vida econômica, outras tantasportas muradas.”[106]

Durante o Primeiro e o Segundo Reinados, 40% dos senadores brasileirosreceberam títulos de nobreza. Entre os presidentes do Senado, a proporção denobres era ainda maior, 80% do total. Os senadores eram vitalícios, nomeadospelo imperador. No ano da Proclamação da República, cinco delespermaneciam no Senado já havia quatro décadas. O barão de Souza Queiroz,mais antigo de todos, fora nomeado em 1848. “O apoio desses homens eradecisivo para obter-se um empréstimo bancário, um posto na burocracia, umapensão do governo, a aprovação de uma empresa ou companhia por ações, oupara o êxito numa carreira política”, anotou a historiadora Emília Viotti da Costa.“A sociedade brasileira estava permeada de alto a baixo pela prática e pela éticada patronagem.”[107]

A rede de clientelismo se estendia por virtualmente todos os aspectos davida nacional. “Quem não tem padrinho morre pagão”, ensinava um dito popularem voga na época. A praga do apadrinhamento refletia-se também no meiointelectual. Os principais poetas e romancistas do Império eram funcionáriospúblicos, incluindo Machado de Assis, José de Alencar, Raul Pompeia eGonçalves Dias. “O emprego público era procurado principalmente comosinecura, como fonte estável de rendimentos”, observou José Murilo de Carvalho.“A maioria dos escritores da época, por exemplo, sobrevivia à custa de algumemprego público que deles exigia muito pouco.”[108]

No Brasil imperial, escrever, pintar, compor era um meio de ascensãosocial, o ingresso para frequentar ambientes e os salões da corte até entãovetados aos intelectuais, especialmente se fossem negros e mulatos — caso dopróprio Machado de Assis. Escritores, poetas, pintores e compositores erampagos, com bolsas de estudo ou empregos públicos, para esculpir nas artes oconceito de nação desejado pelo Império. A condição é que suas obrasrefletissem o esforço de retratar o país ideal em confronto com a barbárie dopaís real. O próprio dom Pedro II financiou com seus recursos pessoais os estudosde vários pintores e compositores na Europa. Pode-se medir o grau dedependência dos artistas e intelectuais em relação ao trono pelos termos da cartaque o compositor Carlos Gomes endereçou ao imperador em dezembro de 1867,ao concluir uma de suas obras:

Senhor,Aos pés do excelso trono de Vossa Majestade Imperial venhorespeitosamente depor a humilde valsa “A Estrella Brasileira” pedindopermissão para oferecê-la a Sua Alteza a Sereníssima Princesa SenhoraD. Isabel Cristina, a quem a dediquei.

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Trabalho mesquinho, pálido reflexo do imenso amor e dedicação quetributo à Vossa Majestade Imperial e toda a sua Augusta Família, sirva-lhe de égide o Augusto nome do Anjo de Bondade sob cujas asas buscouproteção.Permita Vossa Majestade que aproveite o ensejo para beijar-lhe aaugusta mão e confessar-me

De Vossa Majestade ImperialO mais reverente e humilde súdito

Carlos Gomes[109]Os artistas enviados para a Europa de lá voltavam repletos de modelos

artísticos e iconográficos que pouco tinham a ver com a realidade brasileira. Osquadros de Victor Meirelles e Pedro Américo, as óperas de Carlos Gomes e osromances açucarados de José de Alencar refletiam o que se fazia na Europa enão a dura realidade tropical brasileira. O romantismo, fonte na qual bebiam,buscava redescobrir as raízes da nacionalidade brasileira, mas a matéria-primaeram modelos europeus. Coube a eles a tarefa de idealização do índio, a essaaltura já dizimado em toda a costa brasileira e segregado às regiões maisdistantes, onde não poderia causar problemas aos brancos. Os negros e mulatos,estes sim uma onipresença na realidade brasileira, eram ignorados nessas obrasde arte — e só iriam aparecer mais tarde, nos trabalhos de Aluísio Azevedo,Tobias Barreto, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, entre outros.

Marco desse esforço de construção de um Brasil idealizado foi a criaçãodo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o IHGB, em 1838. Inspirado nomodelo do Institut Historique, da França, congregava a elite intelectual eeconômica da época e tinha como objetivo ser um centro de estudos sobre o país,estimulando a pesquisa histórica, científica e literária. Era financiado pelogoverno, que contribuía com 75% do seu orçamento. Dom Pedro foi sempre umde seus mais assíduos frequentadores. No total, presidiu 506 sessões, de dezembrode 1849 a 7 de novembro de 1889, uma semana antes da Proclamação daRepública.[110] Caberia ao IHGB a tarefa de “fundação da nacionalidade”, naspalavras de um seus criadores, o cônego Januário da Cunha Barbosa, um dosexpoentes da maçonaria no Rio de Janeiro durante o processo de Independência,em 1822. Era preciso, segundo ele, “não deixar mais ao gênio especulador dosestrangeiros a tarefa de escrever a nossa história”.[111] Nascia dessa forma atão controvertida “história oficial”, empenhada em esculpir o imaginárionacional com base em vultos e personagens exaltados como heróis nacionais,cujos efeitos até hoje se fazem sentir nos bancos escolares.

Observado pela perspectiva da história oficial, o Brasil do SegundoReinado seria um modelo de democracia. As eleições aconteciam comregularidade exemplar. Os cinquenta senadores eram escolhidos pelo imperadorem uma lista tríplice dos candidatos mais votados em cada província. A Câmara,

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com 120 deputados, era renovada a cada quatro anos. Os debates no Parlamentoeram elegantes e civilizados. Na aparência, tratava-se de uma monarquiaconstitucional e parlamentarista, regime pelo qual os eleitores escolhem seusrepresentantes e, com base no resultado das urnas, o monarca nomeia o chefe degabinete encarregado de organizar o ministério. Na prática, era bem diferente.

As eleições eram de fachada, pautadas pela fraude e pela perseguiçãoaos opositores. Frequentemente roubadas, as urnas reapareciam mais tarderecheadas de votos que davam vitória confortável ao chefão regional e, às vezespor descuido, somavam mais do que o total de eleitores registrados. Como o votonão era secreto, os coronéis locais vigiavam a escolha dos seus protegidos eusavam a polícia para impedir que eleitores da oposição votassem. “Quando ovoto será livre?”, perguntava, ingenuamente, a princesa Isabel em carta ao pai,em setembro de 1868, ao testemunhar da janela da casa em que estavahospedada no balneário de Campanha, Minas Gerais, policiais ameaçarem jogarna cadeia os eleitores da oposição que se atrevessem a votar nas eleiçõesmunicipais.[112] “Somos um país de pobretões para meia dúzia de ricos”,constatou o senador Cândido Mendes de Almeida em 1873, ao analisar o sistemaeleitoral. “Como levantar a cabeça para eleger câmaras independentes quepossam resistir aos desmandos e ao arbítrio do governo?”[113]

Inspirado no modelo europeu, o sistema judicial brasileiro eraigualmente exemplar. Pela Constituição, todo cidadão — categoria na qual nãoestavam incluídos os escravos — tinha direito de recorrer à Justiça paraassegurar os seus direitos. O ritual previa amplo direito de defesa dos réus, sópassíveis de condenação depois de esgotados todos os recursos. Ninguém podiaser preso sem culpa comprovada. O direito de liberdade de expressão era tãoamplo no Brasil quanto nos países mais desenvolvidos. Na prática, a execução dalei dependia mesmo dos chefes locais, que mandavam prender adversários ousoltar aliados de acordo com suas conveniências. “O braço da justiça não é nembastante longo nem bastante forte para abrir as porteiras das fazendas”, escreveuJoaquim Nabuco, ao fazer um retrospecto das instituições imperiais em1886.[114]

Dois partidos dominaram a cena política do Segundo Reinado, o Liberale o Conservador. Definir com clareza as diferenças entre eles tem sido umatarefa árdua para os historiadores. Os conservadores tinham representação maisforte nas províncias do Nordeste e, em geral, favoreciam a centralização dopoder imperial, enquanto os liberais representavam as províncias do Sul e Sudeste— especialmente São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul — e defendiamuma maior descentralização em favor da autonomia regional. No passado, algunsestudiosos também se esforçaram para vincular os conservadores à aristocraciarural e escravocrata, enquanto os liberais teriam seus interesses mais associadosaos profissionais liberais e comerciantes urbanos. Na verdade, não existia entre

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os dois partidos uma clara fronteira ideológica. Ambos refletiam mais rivalidadesregionais do que programas distintos de governo. Em Pernambuco, oconservador Pedro de Araújo Lima, marquês de Olinda, e seu rival, AntônioFrancisco de Paula de Holanda Cavalcanti de Albuquerque, visconde deAlbuquerque, eram ambos senhores de engenho. Tinham riqueza e posição socialequivalentes. Araújo Lima foi conservador até 1862. Depois pulou para o PartidoLiberal. Na Bahia, Manuel Pinto de Sousa Dantas, chefe dos liberais, começou acarreira como protegido de João Maurício Wanderley, o barão de Cotegipe, líderdos conservadores.

Papel igualmente dúbio era o do imperador. Pela Constituição de 1824,cabia a ele o exercício do chamado Poder Moderador. Invenção brasileira,inspirada nas ideias do pensador franco-suíço Henri-Benjamin Constant deRebecque, o Poder Moderador se sobrepunha e arbitrava eventuais divergênciasentre os outros três — Executivo, Legislativo e Judiciário. Era uma tentativa dereconciliar a Monarquia com liberdade, direitos civis e Constituição. Na opiniãode Benjamin Constant de Rebecque, seria tarefa do soberano mediar, balanceare restringir o choque entre os poderes. No caso do Brasil, entre as atribuições doimperador estavam a faculdade de nomear e demitir livremente os ministros,dissolver a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições parlamentares.

O artigo 98 da Constituição afirmava que o Poder Moderador era “achave de toda a organização política, delegado privativamente ao imperador,que, nessa condição, é o responsável pela manutenção da independência, doequilíbrio e da harmonia entre os poderes públicos”. O artigo seguinte afirmava:“A pessoa do imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito aresponsabilidade alguma”. Lidos ao pé da letra, os dois artigos davam a entenderque o imperador brasileiro era um monarca absoluto à moda antiga. Na prática,a simples existência de uma Constituição indicava que o poder imperial tinhaalgum limite. Isso valia especialmente para o caso de dom Pedro II, que semprese empenhou em passar a imagem de um soberano tolerante e magnânimo.

O historiador Sérgio Buarque de Holanda fala numa “constituição nãoescrita”, diferente da Constituição real, que ditava a política do imperador maisde acordo com as conveniências do jogo de poder do que na letra da lei.[115] AConstituição real, por exemplo, autorizava a dissolução da Câmara dos Deputadosapenas “nos casos em que o exigir a salvação do Estado”. Inferia-se que amedida seria adotada somente em situações extremas, de grave criseinstitucional. A rigor, nunca houve uma emergência dessa natureza em todo oSegundo Reinado, mas dom Pedro II, valendo-se de suas prerrogativas, dissolveua Câmara inúmeras vezes com o simples objetivo de promover a rotatividade dospartidos no poder. Nos 49 anos do Segundo Reinado, dom Pedro II teve 36gabinetes, em média um a cada um ano e quatro meses. Executava, dessaforma, uma lei não escrita, com a devida complacência dos dois partidos.

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Sempre que um deles estivesse na oposição, sem chances de chegar ao poderpelas urnas devido a fraude eleitoral, a única forma de voltar a ser governo eraesperar que o imperador dissolvesse a Câmara e convocasse novo ministério.

Pela Constituição, presumia-se que o ministério deveria merecer aconfiança da Câmara dos Deputados para se manter no governo. Era assim quefuncionavam os modelos clássicos de parlamentarismo europeu, especialmente obritânico. Na realidade, a formação do governo dependia mais da vontade doimperador do que do resultado das urnas. Em geral, usando os privilégios doPoder Moderador, dom Pedro II primeiro dissolvia a Câmara e depois nomeava ochefe de gabinete, cujo ministério se encarregava de assegurar a vitória nasurnas mediante a corrupção e o ataque aos adversários. Era, portanto, umparlamentarismo às avessas. O governo manipulava as eleições e, por meiodelas, compunha uma Câmara de Deputados subordinada aos seus desejos, e nãoo contrário. Nas eleições de 1848, o novo gabinete chefiado por Pedro de AraújoLima, o marquês de Olinda, conseguiu a proeza de reduzir a bancada deoposição, liberal, a apenas um deputado. “O partido que subia ao poderderrubava tudo — quer dizer, sacudia para fora dos cargos públicos, locais,provinciais e gerais, todos os ocupantes adversários”, relatou o historiadorOliveira Vianna. “Era uma vassourada geral, que deixava o campo inteiramentelimpo e aberto ao assalto dos vencedores.”[116]

“Entre nós, o que há de organizado é o Estado, não é a Nação”, dizia, em1887, o sergipano Tobias Barreto. “É o governo, é a administração, por seus altosfuncionários na corte, por seus sub-rogados nas províncias, por seus ínfimoscaudatários nos municípios, não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido,sem outro liame entre si, a não ser a comunhão da língua, dos maus costumes edo servilismo.”[117] Visão parecida tinha o francês Louis Couty, professorestrangeiro da Escola Politécnica da Corte. Segundo ele, nas vésperas daProclamação da República, faltava ao Brasil “um povo fortemente organizado,povo de trabalhadores e pequenos proprietários independentes (...) por si, sem umEstado-Maior constituído de comandantes de toda a espécie ou de coronéis daGuarda Nacional”.[118]

O ponto-chave do modelo tinha a ver com a noção de cidadania, ou seja,quem podia votar e ser votado, representar e ser representado no Império, quemtinha acesso ao controle dos recursos do Estado. Em resumo, quem mandava equem era mandado. As primeiras restrições à cidadania apareceram logo naseleições para a constituinte de 1823, convocadas após o Grito do Ipiranga. Paraser eleitor era necessário ser homem, proprietário de terra ou outro bem de raiz,com idade mínima de vinte anos. Mulheres, escravos, índios, assalariados,estrangeiros e pessoas que não professassem a religião católica estavamexcluídos. A Constituição de 1824 aumentou a restrição de idade para 25 anos epela primeira vez introduziu o critério de renda mínima para os votantes. Para

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garantir o controle do resultado, as eleições eram indiretas em duas etapas. Naprimeira votava o pequeno eleitorado composto de homens com renda anuallíquida de pelo menos 100 mil réis. Cabia a eles escolher um colégio eleitoralmais restrito que, na segunda fase, se encarregaria de apontar os deputados,senadores e membros dos conselhos das províncias. A exigência de renda anualmínima para os candidatos a esses postos quadruplicava, de 100 mil para 400 milréis anuais.

Uma lei de 1846 dobrou a renda mínima dos eleitores para 200 mil réis.Era muito, considerando que, nessa época, o salário médio anual em umaprovíncia rica, como Minas Gerais, não passava de 144 mil réis. Por fim, areforma eleitoral conduzida pelo conselheiro José Antônio Saraiva em 1881estabeleceu pela primeira vez o voto direto para as eleições legislativas,acabando a distinção entre votantes e eleitores. Em contrapartida, excluiu osanalfabetos. Como resultado, o percentual de votantes, que tinha sido de 10,8% dototal da população em 1872, caiu para 0,8% em 1886. Havia casos de deputadosque se elegiam com pouco mais de uma centena de votos. “A manutenção doenvolvimento popular em níveis baixos foi um traço constante da lógica dosistema político”, afirmou José Murilo de Carvalho. Essa lógica se manteria nasprimeiras décadas do regime republicano, também caracterizado pelo diminutonúmero de votantes.[119]

Ao construir um estado forte e centralizado, o Império conseguiu vencerum primeiro desafio que, na época da Independência, parecia insuperável: amanutenção da integridade territorial e o controle das tensões sociais e regionais,em especial as que envolviam os escravos. Fracassaria, no entanto, no segundo emaior desafio, o de forjar uma nação capaz de integrar todos os brasileiros em“um corpo sólido e político” — segundo a expressão de José Bonifácio citada nocapítulo anterior. Ou seja, a tarefa da construção da cidadania. A escravidão, oanalfabetismo, a concentração de riquezas e a exclusão da imensa maioria dapopulação do processo eleitoral se manteriam como marcas registradas doImpério até as vésperas de sua agonia final, em 1889.

Com sua peculiar capacidade de observar a realidade sob ângulos novos,o sociólogo pernambucano Gilberto Frey re afirmou: “A Monarquia (...) nuncaaceitou de modo direto e franco o desafio do trópico úmido à civilizaçãobrasileira. Contornou-o sempre”.[120]

Caberia à República enfrentar esse segundo desafio — mas o preço pagoseria altíssimo, como se verá mais adiante neste livro.

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5. DOM PEDRO II

PEDRO DE ALCÂNTARA JOÃO CARLOS Leopoldo Salvador BibianoFrancisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga deHabsburgo e Bragança, mais conhecido como dom Pedro II, governou o Brasilpor 49 anos, três meses e 22 dias. No século XIX, só a rainha Vitória, daInglaterra, permaneceu mais tempo no trono do que ele, um total de 63 anos, setemeses e dois dias. Quando assumiu o trono, no dia 23 de julho de 1840, era umadolescente ainda imberbe. Tinha quinze anos incompletos. Ao ser deposto pelaRepública, em 1889, a duas semanas de completar 64 anos, era um senhor debarbas brancas, semblante cansado e muito mais envelhecido do que indicaria aidade real, como se verá em detalhes em outro capítulo deste livro. Sofria dediabetes, dependia de cuidados médicos permanentes e, em algumas ocasiões,nem mesmo tinha forças para se levantar e se vestir sozinho.

Ao final de quase meio século na condução dos destinos brasileiros,deixava um legado impressionante. A unidade do país estava, finalmente,consolidada. A escravidão havia sido abolida no ano anterior. O Impérioenfrentara rebeliões regionais e guerras externas mantendo sempre o mesmosistema representativo, com a realização ininterrupta de eleições. A Constituiçãoe os regulamentos básicos também haviam permanecido os mesmos, semrupturas. Seria esse, até hoje, o conjunto de leis mais duradouro de toda a históriabrasileira. Havia um sistema judiciário em funcionamento, em que as pessoastinham direito de defesa e ninguém seria condenado sem prévio julgamento. Aimprensa gozava de liberdade de expressão. Como se viu no capítulo anterior,muitos desses atributos eram mais aparentes do que reais, porém, graças a eles, oBrasil se mantivera como uma nação relativamente estável, ao contrário dosvizinhos, dominados por caudilhos e permanentemente às voltas com golpes deestado e guerras civis.

Dom Pedro II era um homem tímido, arredio a festas, bailes, cerimôniaspúblicas e eventos sociais. À primeira vista, causava boa impressão pelos cabelos

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aloirados, os olhos muito azuis, a estatura imponente, a barba cerrada, que lhedavam um ar pragmático e circunspecto. Bastava que abrisse a boca para queessa boa imagem inicial rapidamente se esvanecesse: a voz era aflautada, fina eaguda, como em falsete, mais própria de um adolescente em início da puberdadedo que de um adulto. Em dias de cerimônia, aparecia em meias de seda,deixando à mostra as pernas muito finas, que destoavam do físicoavantajado.[121] Vestia-se de negro e deixava-se fotografar sempre com umlivro nas mãos, como a indicar que, em um país carente de cultura e educação, osoberano era um exemplo a ser seguido. Ele próprio, no entanto, se encarregavade menosprezar seus dotes culturais dizendo-se produto mais do esforço do quedo talento intelectual. “Cada vez reconheço mais que sei muito menos do quemuita gente e que não é pela inteligência que me distingo, muito embora comperseverança tudo possa aprender”, afirmou em 1879 em carta à amigacondessa de Barral.

Até falecer no exílio na madrugada de 5 de dezembro de 1891 em ummodesto apartamento de hotel em Paris, Pedro de Alcântara, como gostava deser chamado, carregou em um só corpo dois personagens distintos. O primeirofoi o ser humano em carne e osso, cuja existência esteve sempre marcada pelatragédia familiar, pela orfandade de pai e mãe e pela carência afetiva desde amais tenra idade. O segundo foi o mito, sustentáculo de um império do NovoMundo e de um Brasil que, em determinados momentos, necessitavadesesperadamente de um símbolo que o conduzisse ao futuro em meio àsameaças de rupturas de toda ordem. Dom Pedro incorporou esses doispersonagens e com eles conviveu com certa dificuldade, segundo revelam suascartas, diários e apontamentos nas margens dos muitos livros que leu e anotou.Era essa também a impressão que deixava nos diplomatas e outraspersonalidades que o visitavam no Rio de Janeiro. “O imperador não fala nunca”,estranhou o francês conde Suzannet. “Encara com olhar fixo e sem expressão.Cumprimenta ou responde apenas por um meneio de cabeça ou um movimentode mão. Deixa-nos uma impressão desagradável este príncipe (...) que parecetão triste e tão infeliz.”[122]

Pedro, o homem em carne e osso, nasceu com 47 centímetros namadrugada de 2 de dezembro de 1825. Era o sétimo filho do imperador Pedro I eda imperatriz Leopoldina e o terceiro príncipe homem da dinastia portuguesa dosBragança a nascer no Brasil. Os dois primeiros, Miguel e João Carlos, morreramainda recém-nascidos, parecendo confirmar uma antiga maldição que, segundose dizia, acompanhava a família de Bragança. Por essa lenda, todos osprimogênitos homens da casa real morreriam antes de assumir a coroa — o quede fato aconteceu até a Proclamação da República no Brasil, em 1889, e emPortugal, em 1910. Além de Miguel e João Carlos, Pedro e Leopoldina só tinhamtido filhas. Maria da Glória, a mais velha, seria rainha de Portugal, com o nome

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de Maria II. Em seguida vieram Januária Maria, Paula Mariana e FranciscaCarolina. Por fim, quando o casamento dos pais já estava esgarçado peloescândalo do romance do imperador com Domitila de Castro Canto e Melo, amarquesa de Santos, nasceu o pequeno Pedro de Alcântara. A mãe, Leopoldina,morreria no ano seguinte, maltratada pelo marido e mergulhada em uma crisede depressão e abandono que escandalizou a Europa.

Pedro II, o mito, começou a entrar em cena no dia 7 de abril de 1831,data da abdicação de seu pai ao trono brasileiro. Naquela madrugada, dom PedroI refugiou-se a bordo de uma nau inglesa e zarpou para a Europa, na companhiada segunda mulher, a imperatriz Amélia, enquanto as ruas do Rio de Janeiroeram ocupadas pela multidão que exigia a sua queda. A imagem de herói daIndependência, conquistada nove anos antes às margens do riacho Ipiranga, emSão Paulo, havia sido corroída pelos escândalos da vida pessoal, pela índoleautoritária e pelo impossível equilíbrio entre os interesses brasileiros eportugueses que dizia defender. Ao partir, deixava para trás, no Palácio de SãoCristóvão, o pequeno Pedro II, de cinco anos, em companhia de três das quatroirmãs mais velhas. As crianças estavam dormindo quando o casal imperial seesgueirou na escuridão até a vizinha praia do Caju para embarcar no navioinglês. Pai e filho nunca mais se reencontraram. Em vez disso, trocariam cartasrepletas de sofrimento e emoção até a morte de dom Pedro em Portugal, trêsanos mais tarde. “Tenho tantas saudades de Vossa Majestade Imperial e tantapena de lhe não beijar a mão”, dizia uma dessas cartinhas, em que a letra miúdado imperador-menino aparece trêmula e insegura. Em outra, dilacerado pelasaudade, pedia que o pai lhe enviasse uma mecha de cabelo como recordação.

O Brasil vivia uma fase turbulenta, às voltas com as revoluções regionaisdo período da Regência. Tudo fazia prever o desastre. A chance de o país semanter unido era mínima. Na falta de qualquer outro elo capaz de assegurar aintegridade nacional, coube àquele garoto triste e franzino ser o depositário detodas as esperanças dos brasileiros naquele momento. “Este menino é o únicoentre os brasileiros que liga o presente ao passado”, observou o botânico francêsAuguste de Saint-Hilaire, que na época percorria o Brasil.[123]

Chamado de “órfão da nação”, foi, desde a infância, um homemprisioneiro do próprio destino, alvo das intrigas que faziam dele instrumento dojogo de poder na corte do Rio de Janeiro. Teve de se conformar. Ao embarcarpara a Europa, dom Pedro I nomeara como tutor do filho o santista JoséBonifácio de Andrada e Silva, um homem sábio, determinado e experiente, cujaatuação em 1822 lhe valhera o título de Patriarca da Independência. A estaturapolítica de Bonifácio, no entanto, era insuportável para uma parte da elitebrasileira, que o via com desconfiança e o queria longe do trono. Afastado datutoria em 1833, o Patriarca foi preso por “conspiração e perturbação da ordempública”. Acusavam-no de liderar um complô para trazer dom Pedro I de volta

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ao Brasil. Julgado à revelia e absolvido depois de dois anos, Bonifácio recolheu-seem exílio voluntário à ilha de Paquetá, na baía de Guanabara, até morrer, em1838, desiludido com os rumos do país que ajudara a criar.

Segundo tutor de dom Pedro II, o fluminense Manuel Inácio de AndradeSouto Maior Pinto Coelho, marquês de Itanhaém, preparou ao assumir umdetalhado regulamento, que todos os encarregados da educação e da rotina dojovem imperador deveriam seguir ao pé da letra. Essa rigorosa rotina de estudose exercícios diários ia das sete da manhã, hora de despertar seguida de toalete eoração, às dez da noite, hora de apagar a luz e dormir:

Oito horas: comida, evitando-se que o menino coma demasiado. Refeiçãofeita na presença do médico;Das nove às onze horas e meia: aulas, estudo, descanso. Pequenosbrinquedos dentro do Paço. Toalete para refeição;À uma da tarde, refeição, em presença do médico, do camarista e dacamareira-mor, os quais têm como dever entreter a conversação,evitando-se ao mesmo tempo que ela descambe para assuntosdesagradáveis, e procurando que se encaminhe, de preferência, sobre otempo ou sobre assuntos científicos.Nenhum criado, mesmo particular, tem autorização para se dirigir aopríncipe. Apenas pode responder às suas perguntas.Após o almoço, todos devem se empenhar para que a criança não façaesforços exagerados, não pule, não corra, não durma, não brinque.Passeios no jardim quando o tempo permitir. Esses passeios devemcomeçar às quatro e meia da tarde e terminam às cinco. Quer a pé, quera cavalo, os exercícios devem ser moderados.Se após esses exercícios o príncipe estiver suado, nova toalete, mudançade roupa e, depois, leitura de pequenos contos.Às oito da noite: orações.Às nove: ceia.Depois da ceia: leitura até as dez da noite.Às dez, apagar a luz e dormir.Tudo era regulado e controlado. Os médicos cuidavam da temperatura

do banho. As camareiras, da roupa, que deveria sempre combinar com a estaçãodo ano e a temperatura do ambiente. O imperador-menino só podia visitar asirmãs após o almoço, quando o quarto delas já estivesse arrumado e nãohouvesse nenhuma peça íntima de vestuário feminino à vista, segundo instruçõesexpressas de frei Pedro de Santa Mariana e Sousa, que governava os aposentosde dom Pedro. Vindo do Seminário Mariano de Olinda, Pernambuco, o frei eraum homem extremamente rigoroso. Aos 51 anos, em 1833, cuidava daorientação espiritual do príncipe e era também seu professor de latim ematemática.

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Os deputados supervisionavam a educação do imperador em relatóriosperiódicos que seus mestres enviavam à Câmara. O de 1837 anunciava que elefalava e escrevia francês, lia e traduzia inglês. O de 1838 dizia que era umestudante dedicado e disciplinado. O do ano seguinte informava que o alunodominava bem o latim e tinha deixado todas as brincadeiras para só ler eestudar.[124] Com sete anos, já era capaz de conversar em inglês com odiplomata britânico Henry S. Foxe, que o visitou no Palácio de São Cristóvão. Fezdos idiomas estrangeiros uma de suas paixões. Ao atingir a idade adulta,conseguia se comunicar em seis línguas, além do próprio português, segundo odepoimento da princesa Teresa da Bavária, que o visitou no Rio de Janeiro:francês, inglês, alemão, italiano, espanhol, provençal. Também estudou grego,latim, hebraico, russo, árabe, sânscrito e tupi-guarani. No próprio navio que olevou para o exílio, em 1889, enquanto o mundo parecia desmoronar ao seuredor, dedicou parte do tempo a traduzir do alemão para o português A canção dosino, poema em 426 versos de Friedrich Schiller.

Tinha a saúde precária. Como o pai, sofria de epilepsia, síndrome quefaz o paciente perder os sentidos e se debater em convulsões. Há registros devários ataques entre 1827 e 1840.[125] Em 1833, teve uma crise nervosa, deorigem desconhecida, mas aparentemente causada pela carência afetiva. Emoutubro de 1834, semanas após receber a notícia da morte de dom Pedro I emPortugal, teve “um ataque de febre cerebral” seguida de “frequentes dores noestômago”, segundo relatos da época. A recuperação foi lenta e difícil. Algunschegaram a duvidar que sobrevivesse. “O menino continua com saúde débil, detemperamento nervoso”, registrou em 1835 seu tutor, o marquês deItanhaém.[126]

Na ausência da mãe e da madrasta, apegou-se a Mariana Carlota deVerna Magalhães Coutinho, futura condessa de Belmonte, dama da corteencarregada de sua criação a quem chamava de Dadama. Era uma viúvaportuguesa, muito religiosa, que chegara ao Brasil com a corte de dom João em1808. “Pedro II passou uma infância tristíssima, na qual experimentou carênciaemocional e manipulação psicológica”, escreveu o historiador britânico RoderickJ. Barman. “Refugiou-se no mundo dos estudos, particularmente nos livros, quelhe davam prazer e uma sensação de segurança.”[127]

O papel de instituição que lhe estava destinado desde a infância fez comque tudo lhe chegasse de forma antecipada, como se precisasse envelhecer àspressas para dar um ar de seriedade ao também jovem país entregue ao seucomando. Assim foi no ritual da corte, em que era tratado como um adultoembora a aparência fosse de uma criança. Ao conhecer o menino aos doze anos,em janeiro de 1838, o príncipe de Joinville, futuro cunhado pelo casamento coma princesa Francisca, anotou em seu diário: “Seus modos são os de um homemde quarenta anos”.[128] Assim foi também na coroação, ainda no início da

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adolescência, antecipando de forma atabalhoada a maioridade que, pelaConstituição do Império, só deveria chegar aos dezoito anos. Em 1840, àsvésperas de assumir o trono no chamado Golpe da Maioridade, era um rapaz“alto, cabelos louro-bronzeados, magro, olhos azuis”, segundo a descrição deLídia Besouchet.[129] Ao atingir a idade adulta, tinha 1,90 metro de altura e acabeça grande. Só a voz fina e aguda destoava do conjunto e lembrava umainfância perdida pela orfandade precoce.

A cerimônia de sagração e coroação, realizada em 18 de julho de 1841,durou nove dias, encerrada com um baile de gala para 1.200 convidados no Paçoda Cidade. O traje do imperador, símbolo da tropicalização da dinastia deBragança no Brasil, compunha-se de um manto verde decorado com ramos decacau e tabaco coberto por uma murça feita de penas de galo-da-serra. A peçatinha sido confeccionada por índios tiriós para a coroação do seu pai, dom PedroI, em 1822. Nos anos 1860, seria substituída por outra, feita de penas de papo detucano. O cetro, de ouro maciço, tinha 1,76 metro, bem maior do que a estaturado jovem imperador. Na cabeça, a coroa, com altura de dezesseis polegadas, eraigualmente pesada e feita especialmente para a ocasião.[130] “Como me custaum cortejo, como mói!”, reclamou o imperador-menino em anotação em seudiário.[131]

À pressa da coroação seguiu-se a do casamento, por procuração, emmaio de 1843, sete meses antes de completar dezoito anos de idade. A noiva,Teresa Cristina Maria, era três anos e nove meses mais velha do que ele. Irmã dorei de Nápoles e princesa das Duas Sicílias, descendia dos Habsburgo e dosBourbon, duas das casas imperiais mais importantes da Europa. Sua chegada aoBrasil representou uma das muitas decepções que o imperador acumulou navida. No começo daquele ano, os diplomatas brasileiros encarregados denegociar o casamento na Europa lhe tinham enviado três imagens da princesa.Na primeira, a que mais lhe chamou a atenção, Teresa Cristina aparecia comouma jovem de traços delicados, olhar insinuante, os ombros e o busto generosoemoldurados por um colar de pérolas. Ao fundo, a silhueta do vulcão Vesúvio,símbolo de Nápoles. Dom Pedro gostou de imediato. Ao conhecê-lapessoalmente em setembro de 1843, porém, levou um susto. Ao contrário do queindicavam as imagens, Teresa Cristina era feia, baixa, rechonchuda e mancavade uma perna. Tinha braços curtos e mãos gorduchas. O rosto redondoemoldurava um olhar inexpressivo, no qual se destacava o nariz comprido epontiagudo. Os cabelos negros e lisos partiam-se ao meio e ficavam presos emforma de coque à moda usada na época pelas matronas italianas.

A primeira reação do imperador, ao vê-la no convés do navio que atrouxe da Itália para o Rio de Janeiro, foi rejeitá-la. Era tarde. Naquela época,casamentos entre príncipes envolviam negócios de Estado e não competia aosnoivos fazer escolhas. Inconformado, o imperador chorou nos braços da

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condessa de Belmonte. “Enganaram-me, Dadama”, teria reclamado.[132] “Elepassou várias semanas recusando-se a ter relações sexuais com a esposa etratando-a com glacial indiferença”, conta o historiador Roderick Barman.[133]Teresa Cristina, ao contrário, apaixonou-se de imediato pelo marido. “Eu nãofaço senão pensar em você, meu querido Pedro”, escreveu-lhe em julho de1844, durante uma breve separação.

Superadas as dificuldades iniciais, dom Pedro manteve com a imperatrizum relacionamento educado, morno e protocolar, como tudo o que envolvia oseu personagem mito-instituição. A vida do casal esteve marcada pela tragédiadesde o início. Dos quatro filhos, dois morreram antes de completar dois anos —Afonso, nascido em fevereiro de 1845; e Pedro Afonso, que veio à luz em julhode 1848. Confirmava-se dessa forma, uma vez mais, a temível maldição dosBragança. Restou a dom Pedro uma descendência só de mulheres. Isabel,herdeira do trono e futura regente do Império, nasceu em 1846. LeopoldinaTeresa, em 1847, mas esta também só viveria até os 23 anos. A morte dosegundo filho causou um profundo abalo no imperador, que a ele dedicou umsoneto repleto de tristeza:

Tive o mais funesto dos destinosVi-me sem pai, sem mãe na infância linda,E morrem-me os filhos pequeninos.[134]Fora do casamento, dom Pedro II teve uma vida amorosa mais

movimentada do que faz supor a história oficial, mas, ao contrário do pai,conseguiu manter-se sempre discreto, relativamente protegido da curiosidadepública. Enquanto dom Pedro I envolveu-se em relações escandalosas, como oromance com a marquesa de Santos, o filho conseguiu preservar a imagem demarido fiel e bem-comportado. Era só aparência, no entanto. A historiadoraLídia Besouchet catalogou uma lista de catorze namoradas conhecidas de domPedro II. O número não é tão grande quanto o das amantes de dom Pedro I, masinclui atrizes, várias damas da corte e até a mulher do embaixador uruguaio,André Lamas. “Viveria inteiramente tranquilo em minha consciência se meucoração já fosse um pouco mais velho do que eu; contudo respeito e estimosinceramente a minha mulher”, anotou o imperador em seu diário dos anos de1861 e 1862, revelando certa culpa pelos relacionamentos extraconjugais.

Muitas dessas paixões foram platônicas, mais idealizadas do queconcretizadas. Outras deixaram marcas inegáveis de intimidade que foram muitoalém do flerte casual nos salões da corte. “Que loucuras cometemos na cama dedois travesseiros”, escreveu o imperador em 7 de maio de 1880 a Ana MariaCavalcanti de Albuquerque, condessa de Villeneuve, mulher de Júlio Constânciode Villeneuve, conde de mesmo nome e dono do Jornal do Commercio. “Nãoconsigo mais segurar a pena, ardo de desejo de te cobrir de carícias.” Elarespondia as cartas no mesmo tom. “Cada uma de tuas expressões tão

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apaixonadas me fazem estremecer de amor”, registrou em uma delas, avisandoque incluía no envelope uma foto com o vestido decotado, como ele pedira. “Eute amo e sou tua de toda a minha alma.” Nascida em 1834, Ana Maria era noveanos mais nova que dom Pedro. Com ela o imperador manteve encontrossecretos em Bruxelas, Paris e Rio de Janeiro.[135]

A lista de supostas amantes incluiu Anne de Baligand, a quem domPedro enviou presentes e cartas apaixonadas durante a viagem à Rússia, em1876; Vera de Haritoff, célebre pela beleza e pelo ciúme que provocava entre oshomens; Eponine Octaviano, primeira mulher de Francisco Octaviano, jornalistae político do Partido Liberal, companheiro de infância do imperador. Os arquivosguardam cinco cartas de Eponine para o monarca, com letra miúda eredondinha, começando sempre por “Meu Amorzinho” ou “Meu Queridinho”.Em uma delas, reza pela recuperação do imperador porque o quer ver “bom eforte para o meu prazer”. Ao final escreve: “Adeus, meu querido, amor deoutras, mesmo assim eu te quero muitíssimo. Aceite mil beijos amorosos e oabraço de tua sempre tua”. Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, ascartas revelam sempre um toque oportunista. Em duas delas fez pedidos deemprego, para o filho e para o cunhado.[136] Nas anotações do diário pessoal dedom Pedro em Cannes, já às vésperas de sua morte, em 1891, aparece cominsistência o nome misterioso de Antônia. Segundo a historiadora LídiaBesouchet, era uma prima de dom Pedro em segundo grau, neta de dom Miguel,irmão de dom Pedro I, com quem teria tido um relacionamento secreto.[137]

Nenhuma dessas paixões se comparou à que ligou dom Pedro II à baianaLuísa Margarida Portugal de Barros, condessa de Barral. Nove anos mais velhado que o imperador, Luísa era uma mulher de meia-idade, estatura mediana,pele morena, nariz bem desenhado e grandes olhos negros. Os cabelos lisos eparcialmente grisalhos lhe davam um ar de experiência e sofisticação. Vestia-secom estilo e demonstrava autoconfiança nas rodas sociais. Além de português,falava francês e inglês com fluência e elegância. Era brasileira de nascimento,mas passara a maior parte de sua vida nos salões europeus. Seu pai, DomingosBorges de Barros, visconde de Pedra Branca, dono de fazendas no RecôncavoBaiano, fora deputado nas cortes portuguesas de Lisboa e primeiro embaixadorbrasileiro em Paris após a Independência. Em 1837, Luísa casou-se com umnobre francês, Jean Joseph Horace Eugène de Barral, o conde de Barral. Foidama de honra de dona Francisca, irmã de dom Pedro II e casada com o príncipede Joinville. Em 1856, o imperador contratou-a para supervisionar a educaçãodas duas filhas, Isabel e Leopoldina. Começava ali uma história de amor queduraria até o fim da Monarquia brasileira e o exílio do imperador na Europa.“Foram almas gêmeas e unidas até o fim, cujos corações não envelheceram”,observou a historiadora Mary Del Priore, autora de uma biografia dacondessa.[138]

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A condessa de Barral permaneceu nove anos na corte do Rio de Janeiroe exerceu sobre dom Pedro um fascínio como nenhuma outra mulher. Ela foisua maior e mais íntima confidente até o fim da vida. Quem mais sofreu comisso foi a imperatriz Teresa Cristina, que a detestava, mas, conformada com seudestino de mulher feia e insossa, dissimulou os sentimentos, fazendo vistas grossasà óbvia paixão do marido pela rival baiana. O imperador e a condessa trocaramcentenas de cartas ao longo de mais de duas décadas. Ele recomendava que elaas destruísse, em uma vã tentativa de impedir que seus segredos fossemrevelados. O desejo foi atendido apenas em parte. Hoje se conhecem cerca detrezentas cartas de dom Pedro para a condessa e outras noventa dela para ele. Éuma correspondência que revela, como nenhum documento ou fonte histórica, adimensão humana do imperador. “Adeus, cara amiga! Nada me interessacompletamente longe de você”, escreveu ele durante a viagem ao Egito, em1881. “Olho sempre com imensas saudades para os quartinhos do anexo do HotelLeuenroth”, acrescentou em 23 de fevereiro de 1876, indicando o local emPetrópolis onde, supostamente, teriam mantido encontros íntimos. “Nunca penseique tivesse tantas saudades de Você”, afirmou em 1º de agosto de 1879. DomPedro e a condessa morreram no mesmo ano, 1891, ela em janeiro, ele emdezembro, sem nunca deixar de se corresponder e se encontrar quando asviagens permitiam.

Nos trinta primeiros anos do seu reinado, dom Pedro II viajou bastantepelo território brasileiro, mas nunca se animou a ir para o exterior. Em 1845,quatro anos após a coroação, esteve no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina eem São Paulo (incluindo passagem pelo território do Paraná, que nessa épocaainda não tinha conquistado sua autonomia). Era uma viagem de grandesignificado político. O principal alvo era a província do Rio Grande do Sul, queacabara de se reintegrar ao Império ao final de dez anos da RevoluçãoFarroupilha. Dom Pedro recebeu os cumprimentos de Bento Gonçalves, chefe darevolução. Dois anos depois percorreu o interior do estado do Rio de Janeiro,onde reinavam os barões do café, principais sustentáculos da Monarquia. Entre1859 e 1860 visitou a região Nordeste, sendo recebido com festa na Paraíba, emPernambuco, Sergipe, Bahia, Alagoas e, antes de retornar ao Rio de Janeiro,passando pelo Espírito Santo. Mais tarde, em 1881, iria também a Minas Gerais.

A primeira viagem ao exterior aconteceu em 1871, em roteiro queincluiu Europa e Oriente Médio. Ao chegar a Lisboa, primeira escala da viagem,teve de permanecer em quarentena por dez dias devido a uma epidemia de febreamarela. O escritor Eça de Queiroz, que o viu pela primeira vez nessa ocasião, ochamou de “Pedro da Mala”, em virtude de uma pequena valise de couro escuroque sempre carregava consigo nas viagens, e ficou encantado ao observar anaturalidade com que se relacionava com o povo nas ruas:

Na praça da Figueira misturou-se com o povo e com as vendedeiras, de

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uma dessas comprou três enormes maçãs que ele próprio levou para ocarro e pagou generosamente com meia libra.Nos documentos oficiais, assinava-se como “Imperador”, mas nas

viagens ao exterior e depois do exílio, fazia questão de ser chamado,singelamente, de Pedro de Alcântara. “Não me trate de Vossa Majestade”,implorou ao jornalista James J. O’Kelly , do New York Herald, que o acompanhouna viagem aos Estados Unidos em 1876, ano do primeiro centenário daIndependência americana. “Chamo-me Monsieur de Alcântara, que é o nomesob o qual faço minhas viagens. E não gosto de outro tratamento”.[139] Asviagens ao exterior incluíram diversos países europeus, Estados Unidos, Egito,Grécia, Jerusalém e outras localidades da Ásia Menor.

A complexa personalidade de dom Pedro II revela um conjunto notávelde heranças familiares. A paixão pela ciência e pelos livros era um legado damãe, Leopoldina. Do avô, dom João VI, herdou uma característica muito peculiarda real dinastia de Bragança: o gosto por carne de frango. Como se viu no livro1808, dom João gostava de franguinhos passados na manteiga, que levava nobolso da algibeira para comer durante os frequentes passeios ao redor do Rio deJaneiro. Mais elegante, o neto Pedro II preferia canja de galinha e, a exemplo dopai, comia depressa. As reclamações dos convidados eram frequentes.

O protocolo da corte previa que, uma vez terminada a refeição, se oimperador se levantasse da mesa, todos os presentes deveriam segui-lo. Oproblema é que, com muita frequência, isso ocorria no momento em que muitosdos convidados nem sequer tinham começado a comer. Era comum iremembora com fome. Por essa razão, alguns, mais precavidos, almoçavam oujantavam antes de sair de casa para o encontro com o imperador. Outros saíamdo palácio e iam direto para o restaurante mais próximo. Um desses jantares,oferecido ao filho do imperador Alexandre II da Rússia, durou vinte minutos.Dom Pedro fez o brinde e se retirou para o salão ao lado. Além de ruim, acomida estava fria e foi mal servida por empregados vestidos com displicência,segundo o depoimento de um convidado.[140]

Do pai, herdou a austeridade no uso do dinheiro público. A dotação dafamília real, de oitocentos contos por ano, nunca mudou durante todo o SegundoReinado e acabou corroída pela inflação. No início representava 3% da despesado governo central. No final, estava reduzida a 0,5%. Para não depender dedinheiro público, recorria a empréstimos dos amigos e aliados. Foram 24empréstimos no total. Em 1867, mandou descontar 25% de sua dotaçãoorçamentária como contribuição para o esforço de guerra contra o Paraguai.Também usava o dinheiro para custear bolsas de estudos no exterior para jovensque julgava talentosos. Ao todo, 151 estudantes obtiveram ajuda de custo doimperador, 41 dos quais para estágios fora do país. Entre eles estavam os pintoresPedro Américo e Almeida Júnior e a carioca Maria Augusta Generoso Estrela,

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primeira brasileira a obter o diploma de Medicina (formada em Nova York,porque até então o ensino superior era proibido para mulheres no Brasil). “Nadadevo, e quando contraio uma dívida cuido logo de pagá-la”, anotou dom Pedro IIem seu diário. “E a escrituração de todas as despesas de minha casa pode serexaminada a qualquer hora. Não ajunto dinheiro.”[141]

Como o pai, era também meticuloso na administração dos negóciospúblicos. Envolvia-se em tudo, mesmo nos detalhes mais insignificantes. Essacaracterística fazia dele “um modelo de empregado público, um exemplarburocrata, (...) sisudo, metódico, pautado, grave...”, na definição do folcloristapotiguar Luís da Câmara Cascudo.[142] Parecia querer mostrar trabalho,desmentir a impressão de que ocupava o trono apenas por direito dinástico, semfazer esforço. No ano de 1857, leu e anotou mais de quatrocentos recortes dejornais que chegavam das províncias com notícias das diversas regiões.[143]Quase levou à loucura Ângelo Muniz da Silva Ferraz, futuro barão de Uruguaianae então ministro da Guerra, na viagem que fez ao Rio Grande do Sul com os doisgenros no começo da Guerra do Paraguai. “O imperador atropela tudo”,reclamou Ferraz em carta ao conselheiro José Antônio Saraiva. “Em dois diascom suas marchas forçadas estragou toda a cavalhada e a boiada das carretas ecarretilhas; não quer ouvir ninguém nas marchas, não dá descanso. (...) Estouenvelhecendo e me mortificando.”

Numa viagem à Bahia, em 1859, dom Pedro II percorreu trinta cidadesdo Recôncavo em dez dias, média de três localidades a cada 24 horas. Umrepórter do jornal A Marmota registrou:

O imperador é incansável; de manhã muito cedo, quando ainda muitosoperários estejam na cama, já ele é visto na rua, visitando repartições,quartéis, estabelecimentos públicos, estradas...Jovem no Rio de Janeiro do final do Segundo Reinado, o escritor Rodrigo

Otávio gravou em suas memórias a forte impressão causada pela correria doimperador nas ruas da cidade:

“Foi sempre com sobressalto e exaltação patriótica que na minhamocidade eu via o imperador. Ver o imperador era, aliás, ver passar ocortejo imperial. Em frente dois batedores de espada desembainhada, aseguir a grande sege, puxada a quatro com lacaios montados nasalimárias, tendo por detrás, de pé, ainda outros dois, todos com unschapéus de veludo redondos, de pala; e por fim o grande piquete, queseguia ao lado da portinhola do coche. O cortejo passava; toda a genteparava, olhava, tirava o chapéu e, como eu, sem dúvida, se inundava commaior ou menor intensidade, de um eflúvio estranho, (...) de sobrenatural,de inacessível. Geralmente, na passagem do cortejo imperial, pouco sevia do Imperador; dele, sentado no fundo do carro sombrio, na disparadaem que passava, quando a vista o alcançava, apenas se vislumbrava o

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branco das grandes barbas.”[144]Um resumo de suas ideias a respeito do Brasil e do exercício da política

pode ser observado no documento que deixou por escrito à filha, princesa Isabel,em 1871, ano em que ela assumiu a regência do Império pela primeira vezdurante sua viagem à Europa. Ao todo são 26 páginas manuscritas, nas quais oimperador trata de eleições, administração, educação política (“a principalnecessidade do povo brasileiro”), comunicação, colonização e emancipação,relações externas e exercício do Poder Moderador, entre os outros assuntos quejulgava merecer a atenção do monarca brasileiro. Com letra miúda ecaprichada, orientava a filha a prestar atenção na opinião nacional, “dificílimoestudo”, antes de tomar decisões. Isabel deveria se manter acima das paixõespartidárias, mas sem considerar “como excessos as aspirações naturais e justasdos partidos”. Para isso, deveria ouvir, “com discreta reserva das opiniõespróprias, as pessoas honestas e mais inteligentes de todos os partidos”. Deveriatambém ficar atenta ao que se publicava na imprensa e ao que se discutia nascâmaras legislativas das províncias.[145]

Generoso, recomendava tolerância em relação aos adversários políticosinternos: “Entendo que a anistia deve-se sempre conceder, mais cedo ou maistarde, pelos crimes políticos”. Isso valia especialmente em relação à liberdade deimprensa, que deveria ter autonomia para atacar o próprio soberano: “Os ataquesao imperador, quando ele tem consciência de haver procurado proceder bem,não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo, ou desabafopartidário”. Em resumo, para ele, o exercício da política era, sobretudo, umaquestão moral, de foro mais íntimo do que público. “Tudo depende daconsciência e da inteligência do imperador e dos ministros.” Em seguida,alertava Isabel de que “a consciência também pode se apaixonar”. Por fim,lembrava que “nosso sistema de governo é o da calma e da paciência” —sistema que, segundo ele, “o imperador deve ser o primeiro a respeitar, e fazerrespeitar”.[146]

Cartas e documentos sugerem que, embora fosse o imperador do Brasil,dom Pedro II tinha inegáveis simpatias republicanas. Em junho de 1891, já noexílio, anotou à margem de um livro que estava lendo:

Desejaria (...) que a civilização do Brasil já admitisse o sistemarepublicano, que, para mim, é o mais perfeito, como podem sê-lo ascoisas humanas. Creiam que eu só desejava contribuir para um estadosocial em que a República pudesse ser “plantada” (...) por mim e darsazonados frutos.[147]Ao escritor, poeta e historiador português Alexandre Herculano, que

recusara uma honraria do Império alegando convicções republicanas, escreveu:“Também não sou partidário em absoluto de nenhum sistema de governo”,acrescentando que, para o Brasil, a melhor alternativa seria uma república com

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presidente hereditário. “Difícil é a posição de um monarca nesta época detransição”, escreveu à condessa de Barral, dizendo-se desconfortável na posiçãode imperador. Se dependesse de sua vontade, preferia ser apenas um presidenteda República temporário: “Eu, de certo modo, poderia ser melhor e mais felizpresidente da República do que imperador constitucional”.[148]

Os traços republicanos de dom Pedro II, a essa altura já bem conhecidosno mundo todo, levaram o presidente da Venezuela, Rojas Paúl, a reagir deforma irônica ao saber da notícia da queda do Império brasileiro, em 1889:

— Foi-se a única república da América!

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6. O SÉCULO DAS LUZES

EM 1876, A JOVEM REPÚBLICA dos Estados Unidos comemorou o primeirocentenário de sua Independência com um evento de encher os olhos. Realizadana cidade de Filadélfia, a “Exposição Internacional de Arte, Manufatura eProdutos do Solo e das Minas” ocupava uma área de 1,2 milhão de metrosquadrados, igual à soma de 290 campos de futebol ou quase o tamanho doParque do Ibirapuera, em São Paulo. Reunia 60 mil expositores de 37 paísesdistribuídos em 250 pavilhões e recebeu 9 milhões de visitantes, o equivalente a20% da população americana na época. A feira era um símbolo do gênioempreendedor da nova potência industrial emergente da América do Norte.Entre as últimas novidades da ciência e da tecnologia ali exibidas estavam aRemington Number 1, primeira máquina de escrever comercializada por E.Remington & Sons, um modelo de motor a combustão interna que nos anosseguintes Henry Ford usaria para construir seu primeiro automóvel e um sistemaautomático de envio de mensagens telegráficas desenvolvido por Thomas Edison,também inventor da lâmpada elétrica e do fonógrafo (aparelho capaz dereproduzir sons).

Nesse ambiente de excitação e curiosidade, o professor escocêsAlexander Graham Bell, de 29 anos, parecia deslocado. Seus primeiros dias nafeira foram de desânimo e frustração. Ele trazia de Boston, cidade em quemorava, uma engenhoca chamada provisoriamente de “novo aparato acionadopela voz humana”. Ao chegar a Filadélfia, descobriu que parte da fiação tinha seextraviado com a bagagem. Enquanto tentava recuperá-la às pressas, deu-seconta de que a organização da feira lhe destinara uma pequena mesa de madeiraescondida no fundo de um corredor distante. Era um espaço pouco frequentadopelos visitantes e fora do roteiro dos juízes encarregados de avaliar e premiar asinvenções. Como se inscrevera na última hora, seu nome nem sequer apareciana programação oficial da exposição. A chance de que alguém visse o seuinvento era mínima.[149]

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Tudo isso mudou devido a uma extraordinária coincidência. Em um finalde tarde, o acabrunhado Graham Bell observava a distância, no pavilhão centralda feira, os juízes se preparando para ir embora sem ter passado pelo local emque exibia o seu novo aparelho. De repente, uma voz fina e esganiçada chamou-lhe a atenção:

— Mister Graham Bell?Ao se virar, Graham deparou-se com um senhor de barbas brancas e

olhos muito azuis. Usava roupas escuras, cartola e bengala. Era o imperador doBrasil, dom Pedro II. Os dois tinham se conhecido semanas antes, em Boston,onde Graham Bell criara uma escola para surdos-mudos, assunto de grandeinteresse do soberano. O imperador lhe pedira para assistir a uma das aulas eficara impressionado com os métodos utilizados pelo jovem escocês. Depois,acompanhado de numerosa comitiva, tinha seguido viagem para a Filadélfia,onde participara da cerimônia de abertura da exposição ao lado do presidenteUlysses Grant. Primeiro monarca a visitar os Estados Unidos, era a maiorcelebridade internacional convidada para o evento. Nos três meses anteriores,visitara diversas regiões do país, sempre tratado com deferência e admiração.Sua presença, destacada quase que diariamente nos jornais, atraía multidões dejornalistas e curiosos, exigindo às vezes intervenção da polícia para evitartumultos. Ao se reencontrar casualmente com Graham Bell no saguão da feira,estava acompanhando os juízes, como convidado de honra, no trabalho deavaliação dos inventos.

— O que o senhor está fazendo aqui? — perguntou dom Pedro.Graham Bell contou-lhe que acabara de patentear um mecanismo capaz

de transmitir a voz humana, mas, cheio de modéstia, explicou que se tratava deum protótipo ainda passível de muitos ajustes e aperfeiçoamentos.

— Ah, então precisamos dar uma olhada nisso... — reagiu dom Pedro.A cena que se seguiu é hoje parte dos grandes momentos da história da

ciência. Escoltado pelo imperador do Brasil, por um batalhão de repórteres efotógrafos e pelos juízes, que, àquela altura, tinham desistido de ir embora,Graham Bell esgueirou-se pelas escadas e corredores da exposição até o obscurolocal em que haviam confinado a sua aparelhagem. Ao chegar lá, pediu que domPedro II se postasse a uma distância de cerca de cem metros e mantivesse juntoaos ouvidos uma pequena concha metálica conectada a um fio de cobre. Porfim, atravessou a galeria e, no extremo oposto da fiação, pronunciou as seguintespalavras, retiradas da peça Hamlet, de William Shakespeare:

— To be or not to be (Ser ou não ser).— Meu Deus, isso fala! — exclamou dom Pedro II. — Eu escuto! Eu

escuto![150]Em seguida, pulando da cadeira, correu ao encontro de Graham Bell

para cumprimentá-lo pela proeza.

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Mais tarde rebatizado como telefone, o “novo aparato acionado pela vozhumana” seria considerado a maior de todas as novidades apresentadas naExposição Universal da Filadélfia. Foi também um dos marcos mais importantesdo século XIX, chamado de “Século das Luzes” devido a uma série de inovaçõescientíficas e tecnológicas que mudaram de forma radical a vida das pessoas. Elasafetaram praticamente todas as atividades humanas, mas tiveram especialimpacto nas áreas de transporte e comunicação. Seus efeitos podem serobservados ainda hoje na maneira como as pessoas viajam, estudam, trabalhamou se divertem. Um conjunto ainda mais notável de transformações ocorreu nasideias, alterando radicalmente a forma como as sociedades se organizavam e segovernavam até então. Foi um período marcado por guerras e revoluções queabalaram crenças e convicções, redesenharam fronteiras de países, derrubaramsistemas de governo e estabeleceram novos padrões de convivência entre osseres humanos.

Para ter uma noção da importância do século XIX, basta ver aimpressionante galeria de pensadores, inventores, cientistas, artistas erevolucionários que viveram nessa época. Alguns exemplos:

Na ciência e na tecnologia, Robert Fulton, Michael Faraday, Jean-Baptiste Lamarck, Pierre Laplace, Charles Darwin, Alexander Graham Bell,Thomas Edison, Karl Benz, Gottlieb Daimler, Irmãos Auguste e Louis Lumière,Louis Pasteur, Sigmund Freud, Max Planck.

Na literatura, Johann Wolfgang von Goethe, Stendhal, Mary Shelley,Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, Jane Austen, Leon Tolstoi, Fiódor Dostoiévski,Alexandre Dumas, Victor Hugo, Honoré de Balzac, Gustave Flaubert, CharlesDickens, Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson, Júlio Verne, Mark Twain,Henry James, Oscar Wilde, Walt Whitman.

Na pintura, Francisco de Goy a, John Constable, Édouard Manet, ClaudeMonet, Eugène Delacroix, Edgar Degas, Jean-Auguste Ingres, Pierre-AugusteRenoir, Paul Cézanne, Camille Pissarro, Edvard Munch, Vincent van Gogh.

Na música, Ludwig van Beethoven, Joseph Hay dn, Franz Schubert,Gioachino Rossini, Niccolò Paganini, Richard Wagner, Frédéric Chopin,Giuseppe Verdi, Robert Schumann, Hector Berlioz, Georges Bizet, Franz Liszt,Johannes Brahms, Piotr Tchaikovsky , Claude Debussy .

Na filosofia, Friedrich Nietzsche, Georg Friedrich Hegel, Auguste Comte,Herbert Spencer, Karl Marx, Friedrich Engels.

Os prenúncios do vendaval transformador haviam se manifestado aindano século anterior. A Revolução Industrial, na Inglaterra, tinha transformado porcompleto os meios de produção. Graças ao uso da tecnologia do vapor, asfábricas inglesas passaram a produzir bens e mercadorias numa escala até entãonunca vista. A Independência dos Estados Unidos, em 1776, criara a primeira

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democracia republicana da história moderna e servira de inspiração para aRevolução Francesa de 1789. Até então, com raras exceções, os países eramgovernados por reis e imperadores, que reivindicavam direitos divinos paradirigir os destinos dos povos. No novo regime havia outra fonte de poder, aprópria sociedade organizada e consciente do seu papel político na condução dascoisas públicas. “Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”,era o seu lema. Os revolucionários franceses haviam proclamado a DeclaraçãoUniversal dos Direitos do Homem, segundo a qual todas as pessoas nascem livrese iguais em dignidade e direitos.

As ideias do século XIX ecoavam essas transformações. Reivindicava-sea redistribuição das riquezas e dos privilégios na sociedade, incluindo apropriedade da terra e dos meios de produção. No campo, agricultores pobrespassaram a defender a reforma agrária. Nas cidades, a burguesia — camada dapopulação que se havia enriquecido no comércio e em outras atividades, mas nãotinha título de nobreza — passou a exigir que o pagamento de impostos estivessecondicionado à participação nos negócios do Estado. A taxação era acontrapartida do direito de representação: só pagaria impostos quem tivesse voz evoto. Nas fábricas, operários exigiam melhores salários e condições de trabalho,a prerrogativa de se organizar em sindicatos e, eventualmente, de entrar emgreve na defesa de seus interesses. “Proletários do mundo, uni-vos”, conclamavao alemão Karl Marx no Manifesto Comunista de 1848.

O Brasil, obviamente, sofria o impacto de todas essas transformações,embora elas chegassem ao país sempre com certo atraso. Um exemplo dissohavia sido a própria Independência, em 1822, precipitada pelas guerrasnapoleônicas na Europa. A invasão de Portugal pelas tropas francesas forçara acorte do príncipe regente dom João a fugir para o Rio de Janeiro, em 1808,iniciando um processo irreversível que levaria à ruptura dos vínculos entrecolônia e metrópole catorze anos mais tarde. Nas décadas seguintes, ferrovias,serviços de iluminação pública, redes de cabos telegráficos e telefônicos, jornaisdiários e serviços postais organizados, entre outras novidades, haviam ampliadoem muito a capacidade de movimentação de pessoas e informações. Àsvésperas da Proclamação da República, novos meios de produção, transporte ecomércio tinham mudado o regime de trabalho e as relações sociais. Jovensoficiais do Exército, abolicionistas, professores e advogados, jornalistas,escritores e intelectuais que ajudaram a derrubar a Monarquia brasileira estavamprofundamente influenciados por ideias desenvolvidas, discutidas e às vezestestadas ao custo de muito sangue e sacrifício em outros países em uma série deeventos decisivos na história da humanidade.

Curiosamente, muitas dessas convicções eram compartilhadas pelopróprio dom Pedro II, cujo regime em breve tombaria vitimado pelastransformações do século. O imperador acompanhava de perto a discussão das

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ideias e o ritmo das invenções que modificavam a face do planeta. O telefone,encomendado por ele pessoalmente a Graham Bell enquanto viajava pelosEstados Unidos, chegou ao Rio de Janeiro quatro anos mais tarde — antes aindade ser adotado em alguns países europeus supostamente mais desenvolvidos doque o Brasil. Foi também dos primeiros a adotar a fotografia, definida peloescritor americano Edgar Allan Poe como “o mais extraordinário triunfo daciência moderna”.[151] Dom Pedro era chamado de “primeiro soberano-fotógrafo” do mundo. Sua vida e seu reinado foram documentados em detalhespela nova tecnologia desenvolvida em 1839 pelo francês Mandé Daguerre.

Nas suas viagens ao exterior, dom Pedro II foi colecionando umaimpressionante galeria de celebridades internacionais do meio artístico, científicoe intelectual, com as quais se correspondeu até o fim da vida. A lista inclui osportugueses Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, osfranceses Victor Hugo, Lamartine e Pasteur, o alemão Richard Wagner. Umexemplo da devoção e do respeito que dedicava aos intelectuais e às ideias doséculo XIX foi seu encontro com Victor Hugo, em 1877, em Paris. Aos 75 anos,autor de algumas das obras mais importantes da literatura universal, como oromance Os miseráveis, Victor Hugo era a maior celebridade da França naépoca. Havia se convertido também em ativista político radical, senador daesquerda republicana, e detestava os regimes monárquicos. Ele e dom Pedro IIestavam, portanto, em lados opostos do espectro político. Aparentemente,nenhum dos dois teria nada a ganhar com um encontro que pudesse ser divulgadopublicamente. Para os monarquistas, soaria como uma concessão desnecessáriaaos ideais republicanos, que a essa altura já tinha um número considerável deadeptos no Brasil. Para os republicanos, franceses e brasileiros, também soariamal a reunião de um de seus maiores expoentes mundiais com um velhomonarca, que acusavam de gastar o tempo ocioso em tertúlias intelectuais naEuropa.

Dom Pedro ignorou todas as ponderações e decidiu, por conta própria,procurar Victor Hugo, a quem admirava profundamente. Por intermédio daembaixada brasileira, mandou perguntar se o escritor concordaria em visitá-lo nohotel em que estava hospedado em Paris. A resposta veio seca e dura: “VictorHugo não vai à casa de ninguém...”. Depois de mais duas tentativas e duasrecusas, dom Pedro decidiu ir pessoalmente, e sozinho, ao apartamento doescritor, situado no quarto andar de um prédio da rue de Clichy, 21, no centro dacapital francesa. Sem aviso prévio, bateu à sua porta na manhã de 22 de maio. Asurpresa desarmou o grande escritor, que não só concordou em receber o ilustrevisitante como se tornou amigo e admirador dele pelo resto da vida. O primeiroencontro durou várias horas. Dois dias mais tarde, foi a vez de Victor Hugo visitá-lo no hotel. No dia 29, novamente o imperador foi à casa dele. Victor Hugomorreu oito anos mais tarde, em 1885. O respeito entre os dois era tão grande

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que, ao saber da morte de dom Pedro, em 1891, a filha do escritor fez questão deprestar-lhe homenagens fúnebres.

Navios a vapor, locomotivas, o telégrafo e o telefone encolheram omundo no século XIX em uma escala jamais imaginada. Até então os sereshumanos se moviam a pé, a cavalo, em carruagens, barcos a remo ou navios avela. Essencialmente, eram os mesmos meios de transporte usados nos 10 milanos anteriores, desde o estabelecimento da agricultura e o surgimento dasprimeiras cidades na região da Mesopotâmia. Cem anos mais tarde, tudo setransformara por completo. Em 1900, as pessoas viajavam de trem, navios avapor, automóveis movidos a motor de combustão interna. Inaugurado nesse ano,o metrô subterrâneo de Paris transportaria 15 milhões de pessoas nos primeirosdoze meses de operações. Três anos depois, uma nova e revolucionária forma detransporte entraria em cena, o avião, desenvolvido quase simultaneamente nosEstados Unidos pelos irmãos Orville e Wilbur Wright e na França pelo brasileiroAlberto Santos Dumont.

Em 1800, uma viagem oceânica entre a Inglaterra e a Índia,contornando o cabo da Boa Esperança, no sul da África, demorava sete meses.No final do século, graças aos navios a vapor inventados em 1807 peloamericano Robert Fulton e à abertura do canal de Suez, no mar Vermelho, em1869, esse tempo havia se reduzido para apenas duas semanas. Às vésperas daPrimeira Guerra Mundial, em 1914, a extensão de ferrovias nos quatro principaispaíses envolvidos no conflito — Grã-Bretanha, França, Alemanha e Rússia — erade aproximadamente 200 mil quilômetros, equivalente à metade da distânciaentre a Terra e a Lua. Nessa mesma época, o número de carros e caminhõestrafegando pelas estradas do continente europeu era superior a 2 milhões.[152]

Nos meios de comunicação o impacto das novas tecnologias foi aindamaior do que nos transportes. No começo do século XIX, cartas e notíciasviajavam na mesma velocidade das pessoas, a pé ou transportadas em lombos decavalos, carroças e navios. Uma correspondência despachada de Lisboademorava dois meses para chegar ao Rio de Janeiro. Impressoras mecânicas avapor, o telégrafo e o telefone mudaram tudo. A informação, que antes viajavapor terra ou por mar, agora era transmitida de maneira instantânea na forma desinais elétricos por cabos metálicos. Em 1880, apenas 43 anos após a invenção dotelégrafo pelos ingleses William Fothergill Cooke e Charles Wheatstone, o planetajá era coberto por uma rede de cabos submarinos de 156 mil quilômetros,conectando lugares tão distantes quanto Inglaterra, Canadá, Índia, Brasil, África eAustrália. No começo do século, o papel representava um terço do custo total deum livro ou exemplar de jornal. Cem anos mais tarde, graças a processosindustriais mais eficientes, essa proporção havia caído para apenas um décimodo valor inicial. O gasto menor com matéria-prima contribuiu para o aumento nacirculação de jornais e livros. O número de leitores se ampliou.

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Na Inglaterra, uma em cada vinte pessoas lia jornais dominicais em1850. Meio século mais tarde, em 1900, o número era de uma em três. Em 1814,o jornal Times, de Londres, começou a ser publicado em impressoras movidas avapor. Em 1850, Julius Reuter criou a primeira agência noticiosa do mundo,capaz de suprir jornais de diferentes países com informações atualizadasdiariamente. Em 1870, os próprios jornalistas já eram capazes de transmitir suasreportagens por telégrafo, criando uma nova categoria de profissionais, oschamados repórteres correspondentes ou enviados especiais, que trabalhavamlonge das redações, muitas vezes acompanhando o desenrolar de uma guerradiretamente nas frentes de batalha. Nos anos seguintes passariam a incorporartambém o telefone e a fotografia à sua rotina de trabalho. O impacto político douso da informação e do conhecimento foi imediato. Novos leitores, mais beminformados, passaram a pressionar os governos a tomar decisões com a mesmaagilidade. “Opinião se fabrica com tinta e papel”, constatou o escritor francêsHonoré de Balzac.[153]

O século XIX viu nascer ou florescer uma longa lista de ideologiascaracterizadas pelo sufixo “ismo”, como liberalismo e capitalismo, socialismo ecomunismo, nacionalismo e imperialismo. Cada uma delas propunha um novomodelo de sociedade e caminhos diferentes para atingi-lo. Liberais e capitalistasdefendiam liberdade de mercado e de iniciativa, interferência mínima do Estadona economia e na vida das pessoas, a acumulação de capital como forma degerar novos empreendimentos, mais empregos, maior produção de bens eserviços. Socialistas defendiam o oposto: maior envolvimento do Estado naorganização de todas as atividades, na redistribuição de oportunidades entre osmais e os menos favorecidos, redes de proteção para os mais pobres. Comunistaseram mais radicais. Afirmavam que a História se caracterizava por umairreconciliável luta de classes entre nobres e plebeus, ricos e pobres, capitalistas etrabalhadores. Caberia aos trabalhadores industriais, os chamados proletários,liderar a revolução contra o monopólio do capital e dos meios de produção eassumir o controle do Estado, que, no futuro, distribuiria as oportunidadesigualmente de acordo com as potencialidades de cada indivíduo.

O nacionalismo e o patriotismo exaltavam o sentimento nacional e,muitas vezes, a superioridade de uma nação sobre outra. Outro “ismo”, oimperialismo, serviu de desculpa para que os países europeus repartissem entre sivastas porções do planeta, em especial a África, em forma de colônias oumercados dependentes do seu poder econômico e militar. As ferramentas dosnovos impérios coloniais eram as metralhadoras, os fuzis, os trens de carga e osbarcos encouraçados. Avanços no saneamento e na medicina também deramcontribuição decisiva na ocupação de novos territórios. Com a descoberta daquinina, substância usada para prevenir e tratar a malária, as potências europeiasconseguiram pela primeira vez adentrar os rios africanos e fatiar o continente

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entre si. O império britânico estendeu seus domínios por todo o planeta, a pontode se orgulhar de que, sob sua bandeira, o sol jamais se punha. Até as vésperasda Primeira Guerra Mundial, cerca de 444 milhões de seres humanos, um quartoda população do planeta, eram súditos diretos ou indiretos da rainha Vitória.[154]

As grandes ideologias do século XIX tinham em comum a noção de queera possível reformar as sociedades e o Estado para acelerar o progressohumano rumo a uma era de maior prosperidade e felicidade geral. Acreditava-se que a ciência e a tecnologia seriam capazes de conduzir os seres humanos aum novo patamar de desenvolvimento, conforto e autorrealização. Dizia-se queuma era de obscurantismo, ignorância e superstição ficara para trás, sepultadapelo uso da razão como instrumento infalível para explicar não só os fenômenosda natureza, mas também o funcionamento da sociedade. “Deus está morto”,concluía o filósofo alemão Friedrich Nietzsche no seu clássico Assim falouZaratustra. O francês Auguste Comte sustentava que a observação dosfenômenos sociais, em especial pela lente da História, e o cuidadosoplanejamento das ações levaria necessariamente a um futuro melhor. O séculoXX — marcado por duas grandes guerras mundiais, o uso da bomba atômica emHiroshima e Nagasaki e uma sequência inacreditável de genocídios — acabariapor desmentir boa parte dessas crenças. No final do século XIX, porém, elaspareciam seguir um curso predeterminado e irrevogável. Novas descobertas naárea de ciências naturais pareciam confirmá-las.

Em 1859, Charles Darwin publicou um livro revolucionário de títulolongo: Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservaçãodas raças favorecidas na disputa pela vida. No estudo, baseado em viagens pordiversos continentes e pesquisas de laboratório, Darwin argumentava que todas asespécies de vida existentes no planeta tinham evoluído de formas anteriores, pormeio de um processo de seleção natural, incluindo os próprios seres humanos,que, segundo o naturalista inglês, teriam evoluído a partir de um ancestralcomum com os macacos. O livro produziu uma onda de choque porque colocavaem xeque um dogma religioso importante. Segundo a Bíblia, Deus teria criado oUniverso, a Terra e todos os seres vivos em seis dias, incluindo o homem e amulher. Sendo produto da sabedoria divina, essas formas de vida teriam de sernecessariamente perfeitas e imutáveis. Darwin, ele próprio um protestante àsvoltas com crises de consciência pelas suas descobertas, sustentava o contrário:todos os seres vivos estariam em permanente mutação, sujeitos a um processoerrático de seleção natural que dependeria mais de um processo de tentativas,erros e acertos do que de um desígnio previamente determinado. Nem sempre omelhor e o mais forte sobreviveriam. Dependendo do ambiente e dacircunstância, uma forma de vida supostamente inferior poderia triunfar sobreoutra, mais forte e aparentemente mais evoluída.

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O impacto da teoria de Darwin não ficou restrito ao campo da biologia.Na filosofia, na política e na economia pensadores como Herbert Spencer e KarlMarx acreditavam que as premissas da evolução pela seleção natural eramaplicáveis também às ciências sociais e econômicas. Seria possível que associedades evoluíssem da mesma forma que os seres vivos, por um mecanismointerno de seleção natural? Isso parecia fazer todo o sentido numa época em que,graças às revoluções industriais, científicas e tecnológicas, as sociedades estavamem rápido processo de transformação. Durante o século XIX, a população docontinente europeu saltou de 205 milhões em 1800 para 414 milhões, sem contaroutros 38 milhões que emigraram para outras partes do mundo, entre elas Brasile Estados Unidos. Cidades como Londres, Paris, São Petersburgo e Berlimdobraram ou até triplicaram de tamanho em apenas cinquenta anos.

Maior concentração urbana significava maior transformação política.Pessoas que antes viviam isoladas no campo, a quilômetros de distância umas dasoutras, agora frequentavam os mesmos ambientes, participavam de festaspúblicas, encontravam-se em missas e cultos dominicais. Operários empregadosem linhas de produção industrial agora podiam se reunir no final do expedientepara discutir e reagir ao que julgavam injustiça dos chefes e patrões, e decidiraté paralisar a fábrica para forçá-lo a voltar atrás. O resultado foi a eclosão domovimento operário e dos sindicatos, com poder político até então nunca visto. Aurbanização acelerada também criou o que alguns observadores chamavam de“massas anônimas e perigosas”, matéria-prima para rebeliões repentinas eanárquicas que pareciam fugir a qualquer tipo de controle das instituições. Foi ocaso da Comuna de Paris, a maior revolução popular do século, entre os dias 18de março e 28 de maio de 1871, na qual, em número estimado, 20 mil pessoasforam executadas de forma sumária nos subúrbios da capital francesa.

Em 1866, ao contemplar o panorama devastador das transformaçõesocorridas na história da humanidade ao longo das décadas anteriores, o escritorrusso Fiódor Dostoiévski resumiu suas conclusões na história do criminoso RodionRaskólnikov, protagonista de seu romance mais famoso, Crime e castigo. Noinício do livro, Raskólnikov, um ex-estudante pobre da cidade de São Petersburgo,mata de forma inescrupulosa uma velha agiota, proprietária de uma casa depenhores, por duas razões. A primeira é roubar o dinheiro dela e usá-lo pararealizar boas obras, como contrapartida para o crime pavoroso que cometera. Asegunda, testar a hipótese de que algumas pessoas seriam naturalmente capazesde praticar esse tipo de atrocidade sem sofrer grandes dilemas de consciência.Trata-se, portanto, de um personagem símbolo de um século em que, graças aosuposto avanço das ciências e das ideias políticas, os seres humanos julgavam-seno pleno controle de seus atos, inclusive para matar.

Na parte final do romance, já preso e condenado pela justiça,Raskólnikov tem um sonho, no qual ele se vê como parte de um mundo que sofre

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“um flagelo terrível e sem precedentes”:“Aldeias, cidades, povos inteiros eram atacados por aquela moléstia eperdiam a razão. (...) Ninguém se entendia sobre o bem e sobre o mal,nem sabia quem se havia de condenar e quem se havia de absolver.Matavam-se uns aos outros, movidos por uma cólera absurda. (...)Abandonaram os ofícios mais corriqueiros, porque cada um propunha asua ideia, as suas reformas e nunca havia acordo. A agricultura tambémfoi abandonada. Aqui e acolá homens reuniam-se em grupos,combinavam uma ação em comum, juravam não se separar — mas uminstante depois começavam a fazer outra coisa inteiramente diferentedaquela que acabaram de acordar, punham-se a acusar-se uns aosoutros, a bater-se, a apunhalar-se. Houve incêndios e fome. Homens ecoisas pereciam. O flagelo estendia-se cada vez mais. No mundo inteirosó podiam salvar-se alguns homens, predestinados a refazer o gênerohumano, a renovar a terra, mas ninguém via esses homens em partealguma, ninguém ouvia as suas palavras”.[155]Dificilmente poderia haver melhor descrição do turbulento século XIX.

Foi nesse clima de mudança e ruptura que se deu a Proclamação da Repúblicano Brasil.

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7. OS REPUBLICANOS

UMA DEMORADA E RUIDOSA SALVA de palmas acolheu o advogadoAntônio da Silva Jardim no plenário da Câmara Municipal de Campinas, interiorde São Paulo, na noite de 26 de fevereiro de 1888. O orador acabara de chegarde Santos, onde morava, e trazia uma mensagem radical para a plateia alireunida: a execução sumária de membros da família imperial brasileira queeventualmente resistissem à troca da Monarquia pelo regime republicano. Naopinião de Silva Jardim, os republicanos deveriam aproveitar o ano seguinte,primeiro centenário da Revolução Francesa, para instalar o novo regime. Àfamília imperial seriam dadas duas opções. A primeira, o exílio, na Europa depreferência. A segunda, em caso de resistência, morte em praça pública emnome dos interesses nacionais. Lembrava que, em 1789, os revolucionáriosparisienses haviam executado na guilhotina o rei Luís XVI e a rainha MariaAntonieta, entre outros nobres franceses. A atitude, segundo ele, deveria guiar osbrasileiros nas difíceis decisões a serem tomadas nos meses seguintes.

— Execução? Sim, execução! — afirmou Silva naquela noite, o olharfixo na plateia. — Matar, sim, se tanto for preciso; matar![156]

O inflamado discurso de Silva Jardim era parte da propagandarepublicana, que àquela altura empolgava os brasileiros mais bem informados emoradores dos grandes centros urbanos. Em 1889, havia em todo o Brasil 237clubes republicanos, 204 dos quais concentrados nas províncias do Sul e doSudeste. Um total de 74 jornais pregava abertamente a queda do Império efuncionava livremente nas diversas regiões.[157] Alguns tinham nomes curiosos,como O Mequetrefe, do Rio de Janeiro. Outros títulos indicavam a sua tendênciarevolucionária, caso de O Combate, O Atirador Franco e A Revolução. Os maisimportantes, cujos artigos causavam grande repercussão na corte, eram a Gazetade Notícias, dirigida por Ferreira de Araújo, o Diário de Notícias, que tinha RuiBarbosa como colaborador, e O País, de Quintino Bocaiúva. Nos pasquins epublicações satíricas, o imperador Pedro II era chamado de “Pedro Banana” ou

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“Pedro Caju”. A pena demolidora do baiano Rui Barbosa se referia ao soberanocomo “figura decadente de velho coroado” e à Monarquia como “coisa senil,gangrenosa, contagiosa, que apodrecia no Brasil”.

Antônio da Silva Jardim era o mais radical de todos os propagandistasrepublicanos. Nascido em uma localidade do estado do Rio de Janeiro, Vila deCapivari, e formado pela Escola de Direito de São Paulo, era casado na cidadede Santos com uma sobrinha-neta de José Bonifácio de Andrade e Silva, oPatriarca da Independência. Nos meses que antecederam a queda da Monarquia,percorreu diversas regiões do Brasil fazendo discursos incendiários. Numaincursão a Minas Gerais, visitou 27 cidades em trinta dias, viajando a cavalo, emcarro de boi ou mesmo a pé. “A revolução brasileira deve estalar pujante evitoriosa no ano de 1889; não além!”, anunciava, para delírio das multidões quese reuniam para ouvi-lo. “Para nós, como para toda a humanidade, este anosolene é de bom agouro para a liberdade.”[158]

Muitas vezes Silva Jardim enfrentava ambientes hostis. Na cidadefluminense de Paraíba do Sul, reduto dos barões do café na região do Vale doParaíba, falou sob uma chuva de pedras disparadas da rua por adeptos do regimemonárquico. Alguns dos convidados saíram feridos. Em outra ocasião, no Rio deJaneiro, teve de interromper o discurso ao ser atacado pela Guarda Negra, amilícia organizada pelo abolicionista José do Patrocínio e composta de escravoslibertos simpatizantes da princesa Isabel, herdeira do trono.

Nem todos os republicanos eram tão radicais quanto Silva Jardim.Alguns, mais moderados, como o jornalista Quintino Bocaiúva, preferiam atéesperar a morte do idoso imperador Pedro II para, só então, fazer a troca deregime. Outros, como o professor e tenente-coronel Benjamin Constant,achavam que a revolução teria de acontecer o mais rapidamente possível,porém, nesse caso, a família imperial deveria ser tratada com todo o respeito econsideração. Alguns, como o paulista Campos Salles, acreditavam que seriapossível chegar à República pelas urnas, convencendo os eleitorespaulatinamente de que o novo regime era a melhor opção ao estágio dedesenvolvimento do país e também a mais adequada aos novos ventos libertáriosque sopravam da Europa e dos Estados Unidos. Outros discordavam frontalmentedessa alternativa por acreditar que o corrompido sistema eleitoral do Impériojamais permitiria o acesso dos republicanos ao poder em eleições regulares. Asolução, portanto, deveria ser revolucionária. Era o caso do gaúcho Júlio Pratesde Castilhos, do paraense Lauro Nina Sodré e Silva e do próprio Silva Jardim,todos famosos pelos seus discursos e artigos incendiários.

Apesar das divergências circunstanciais quanto ao meio de chegar aonovo regime, a campanha republicana ecoava um sonho alimentado por muitosbrasileiros em diversos períodos da história nacional. Até então, o Brasil tinha sidogovernado sempre sob o regime monárquico, no qual todo poder emanava do

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soberano e em seu nome era exercido. Foram 322 anos de administração dacoroa portuguesa durante o período colonial — do Descobrimento, em 1500, atéa Independência, em 1822 — mais 67 anos do Primeiro e do Segundo Reinados,sob a liderança dos imperadores Pedro I e Pedro II. Os republicanos defendiamuma mudança radical nesse sistema. A palavra “república” vem do latim ResPublica, expressão usada para designar a coisa pública, ou seja, os bens coletivosou os recursos do Estado. Sob o regime republicano, o poder seria exercido porrepresentantes eleitos pelo povo com vistas a servir ao interesse comum, ou seja,à coisa pública.

Em nome desse conceito, na segunda metade do século XIX o país tinhajá uma história republicana significativa, embora trágica. Nela contabilizavam-sealguns mártires que hoje figuram no panteão dos heróis nacionais, caso domineiro Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado na ConjuraçãoMineira de 1789, e do pernambucano Joaquim do Amor Divino Rabelo, o freiCaneca, fuzilado na Confederação do Equador de 1824. Ambos morreramdefendendo o sonho de fazer do Brasil uma República semelhante aos seusvizinhos do continente americano.

Além da Conjuração Mineira e da Confederação do Equador, o idealrepublicano estivera por trás de episódios como a Guerra dos Mascates, de 1710,em Pernambuco; a Revolta dos Alfaiates (também chamada de ConjuraçãoBaiana), de 1798; a Revolução Pernambucana, de 1817; a Sabinada, de 1837, naBahia; a Revolução Farroupilha, de 1835, no Rio Grande do Sul; e a RevoluçãoPraieira, de 1848, novamente em Pernambuco. Na Independência, era esse oprojeto de Brasil defendido pelas correntes mais radicais da maçonaria, queincluíam o advogado Joaquim Gonçalves Ledo, o brigadeiro Domingos AlvesBranco Muniz Barreto, o médico Cipriano J. Barata de Almeida e o cônegoJanuário da Cunha Barbosa. “Pedro I sem II”, defendia nessa época o jornalistaJoão Soares Lisboa, redator do jornal Correio do Rio de Janeiro, dando aentender que a Monarquia seria apenas uma solução transitória durante o períodode rompimento dos vínculos com Portugal. Depois, o país deveria caminharrapidamente para a República.

Um dos primeiros jornais republicanos de que se tem notícia no Brasilfoi o Sentinela do Serro, publicado em Minas Gerais entre 1830 e 1832, sob adireção de Teófilo Ottoni, advogado e político liberal. “Somos de opinião que sedeve lentamente republicanizar a Constituição do Brasil”, propunha o jornalmineiro mais de meio século antes da Proclamação da República.[159] Em1869, um jovem estudante chamado Julio Cesar da Fonseca Filho teve de seesconder da polícia depois de publicar na cidade de Aracati, no litoral cearense, aprimeira e única edição do jornal Barrete Phrygio, referência ao chapéu usadocomo símbolo dos revolucionários franceses. Impresso em papel vermelho para

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demarcar ainda mais a sua posição política, o jornal dizia-se “monitor darevolução e da República” e trazia mensagens que, mais tarde, soariamproféticas:

Façamos a República!Fora o rei!Cuidado com o Exército: onde ele predomina, a liberdade é uma

mentira.[160]Reprimidas pelas autoridades quando ameaçavam a integridade nacional

(caso das revoltas regionais) ou simplesmente toleradas (caso dos ataques aoimperador na imprensa), essas iniciativas eram em geral vistas comomovimentos isolados, que não chegavam de fato a ameaçar as instituições daMonarquia. O cenário começaria a mudar não propriamente por força do ideáriorepublicano, mas devido a uma rachadura no edifício imperial. Em julho de1868, o imperador Pedro II insistiu em nomear um ministério dominado pelosconservadores, desprezando a opinião da maioria liberal na Câmara dosDeputados. Era uma forma de prestigiar o duque de Caxias, líder do PartidoConservador no Rio Grande do Sul e àquela altura personagem fundamental nacondução da Guerra do Paraguai, mas representava uma mudança drástica noritual de poder do Segundo Reinado, no qual o ministério refletia sempre acomposição da Câmara. Sentindo-se desprestigiados, os liberais divulgaram ummanifesto em que acusavam o soberano de promover um “golpe de estado”.Dois anos mais tarde, alguns deles deixariam o Partido Liberal para aderir àcausa republicana, que, a partir daí, ganharia um vigor até então nunca visto.

O dia 3 de novembro de 1870 é considerado pelos historiadores como omarco do início da jornada política que levaria à queda do Império duas décadasdepois. Nessa data foi criado no Rio de Janeiro o primeiro clube republicano doBrasil. Dele faziam parte os jornalistas Quintino Bocaiúva, Francisco RangelPestana, Aristides da Silveira Lobo, Miguel Vieira Ferreira e Antônio FerreiraViana, os advogados Henrique Limpo de Abreu e Salvador de Mendonça, omédico José Lopes da Silva Trovão e o engenheiro Cristiano Benedito Ottoni.Eram quase todos dissidentes do Partido Liberal, ainda magoados com a atitudetomada por dom Pedro II em 1868. Na reunião inaugural do clube, foramtomadas três decisões: a redação de um manifesto à nação, a criação de umpartido republicano e o lançamento de um jornal que expressaria as ideias dogrupo.[161]

Redigido por uma comissão chefiada pelo advogado Joaquim SaldanhaMarinho, ex-deputado liberal por Pernambuco, ex-governador das províncias deSão Paulo e Minas Gerais e grão-mestre da maçonaria, o Manifesto Republicanofoi publicado em 3 de dezembro de 1870 no primeiro número de A República,jornal de quatro páginas com tiragem de 2 mil exemplares e três edições porsemana. Em resumo, o texto tentava provar que a monarquia já não

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representava os anseios da nação, criticava o “poder pessoal” do imperadorPedro II e terminava com uma frase emblemática:

Somos da América e queremos ser americanos.Entre os 58 signatários do Manifesto Republicano contavam-se doze

advogados, oito jornalistas, nove médicos, quatro engenheiros, três funcionáriospúblicos, dois professores, nove comerciantes e um fazendeiro.[162] Arepercussão foi tímida. O próprio dom Pedro II, ao saber da notícia, não lhe deuimportância. “Ora, se os brasileiros não me quiserem para seu imperador, ireiser professor”, teria dito ao marquês de São Vicente, presidente do Conselho deMinistros, que o aconselhara a defender a Monarquia e a reagir contra osresponsáveis pela publicação.[163]

Apesar da pequena repercussão inicial, o Manifesto de 1870 lançou assementes para que iniciativas semelhantes brotassem em outras regiões. Nos doisanos seguintes, foram lançados 21 jornais republicanos em todo o país. Da listafaziam parte o Argos, no Amazonas; O Futuro, no Pará; O Amigo do Povo, noPiauí; A República Federativa, O Seis de Março, O Americano e O Manifesto, emPernam buco; O Horizonte, na Bahia; O Correio Paulistano, A Gazeta deCampinas, O Sorocabano e O Comércio de Santos, em São Paulo; e O Antonino,no Paraná. No Rio Grande do Sul, o primeiro jornal republicano foi ADemocracia, lançado em fevereiro de 1872 por Francisco Cunha. O maisimportante, no entanto, foi A Federação, inaugurado em janeiro de 1884, sob adireção de Venâncio Aires e, depois, de Júlio de Castilhos, dois dos personagensmais importantes da história da Proclamação da República.

Em Minas Gerais, O Jequitinhonha, publicado na cidade de Diamantinapor Joaquim Felício dos Santos, declarou sua adesão à ideia republicana em 1º dejaneiro de 1871. “Os amigos que compõem a redação de O Jequitinhonharesolvem aderir explicitamente ao programa do Clube Republicanorecentemente criado no Rio de Janeiro como noticiamos”, anunciava o jornalnessa edição, dizendo-se também órgão oficial do novo Partido Republicanom ineiro. O Jequitinhonha foi à falência quatro anos mais tarde, mas logosurgiram outras publicações com o mesmo ideário, caso de O Colombo, dacidade de Campanha, e O Movimento, de Ouro Preto.

Coube a Itu, no interior de São Paulo, ser o berço do mais bemorganizado movimento republicano brasileiro. Nessa cidade aconteceu, em 1873,a Convenção de Itu, marco da fundação do Partido Republicano Paulista (PRP),cuja atuação seria decisiva na queda do Império, em 1889, e principalmente naconsolidação do novo regime nos anos seguintes. A convenção foi realizada nacasa do fazendeiro Carlos de Vasconcelos de Almeida Prado, onde hoje funcionao Museu Republicano, instituição mantida pela Universidade de São Paulo. Tinhao objetivo de “autorizar uma eleição de representantes para um futuro congresso

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republicano com sede na capital”, ou seja, na cidade de São Paulo.Presidida pelo fazendeiro João Tibiriçá Piratininga e secretariada por

Américo Brasiliense de Almeida e Mello, ex-deputado paulista e ex-presidentedas províncias da Paraíba e do Rio de Janeiro, reunia a fina flor da agriculturacafeeira na região. Estiveram presentes delegados de dezesseis municípiospaulistas e uma comissão do Rio de Janeiro. Dos 133 convencionais, 78 sedeclaravam agricultores. Entre os demais 55 participantes, havia de tudo umpouco, incluindo dez advogados, oito médicos, cinco jornalistas, farmacêuticos,dentistas e alguns comerciantes de escravos.[164] Uma das presenças de maiordestaque foi a de Campos Salles, representante de Pirassununga e futuropresidente da República. Outro futuro presidente, Prudente José de Morais eBarros, teve seu nome incluído entre os participantes mais tarde, embora nãocomparecesse à reunião nem fosse ainda republicano nessa época.[165]

Há uma ironia na história da Convenção de Itu: o mais importante eventoda propaganda republicana em São Paulo teve de pegar carona em umacomemoração da Monarquia para alcançar a repercussão desejada. A dataescolhida para o encontro, 18 de abril de 1873, foi planejada para coincidir coma inauguração da Estrada de Ferro Ituana, construída com capitais privados edestinada a conectar a região de Itu aos trilhos da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. A solenidade de abertura da nova ferrovia, ocorrida no dia anterior,atraiu as atenções da imprensa e do mundo oficial. Tratava-se de um evento dogoverno imperial, mas era tudo de que os republicanos precisavam. Ao anoitecerdo dia 17, todos os convidados para a inauguração se dirigiram ao largo daMatriz, onde republicanos misturados aos simpatizantes da Monarquia ouvirambandas de música e assistiram à queima de fogos promovida pelas autoridades doImpério para celebrar o novo ramal ferroviário. No dia seguinte, os republicanosse reuniriam no solar dos Almeida Prado, bem ao lado da igreja Matriz, paradiscutir as bases do movimento que lutaria pela mudança do regime.[166] Àsvésperas de ser reativado como atração turística, depois de muitos anos deabandono, um trecho dessa antiga estrada de ferro, com sete quilômetros deextensão entre Itu e a vizinha cidade de Salto, é hoje chamado de “TremRepublicano”, em mais uma prova de que a história, quase sempre, é contada ereescrita pela ótica dos vencedores.

Itu foi escolhida para sediar a convenção de 1873 não apenas pelacoincidência da data relacionada à inauguração do ramal ferroviário. Situada acerca de cem quilômetros de São Paulo, entre Campinas, Piracicaba e Sorocaba,essa cidade refletia, no final do século, as profundas mudanças ocorridas naeconomia cafeeira nos anos anteriores. Como se viu nos capítulos anteriores, nasegunda metade do século o café era a principal riqueza brasileira. O eixo daprodução, no entanto, havia se deslocado rapidamente do Vale do Paraíba paraas terras férteis da nova fronteira agrícola do oeste paulista, a região dominada

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pelos fazendeiros republicanos. Haviam mudado também as técnicas de cultivo eas relações de trabalho nas lavouras. “O fazendeiro dessa área distinguia-se peloespírito progressista”, observou a historiadora Emília Viotti da Costa. “Procuravaaperfeiçoar os métodos de beneficiamento do café, tentava substituir o escravopelo imigrante, subscrevia capitais para ampliação da rede ferroviária e para acriação de organismos de crédito. Era um pioneiro, ativo e empreendedor.”[167]

O contraste entre a moderna lavoura cafeeira do oeste paulista e asdecadentes propriedades escravagistas do Vale do Paraíba era marcante. Nosanos derradeiros do Império, cerca de setecentas dessas antigas fazendas, comum total de 35 mil escravos, estavam hipotecadas ao Banco do Brasil nasprovíncias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo por faltade pagamento das dívidas. Seus donos estavam quebrados.[168] O cultivo do caféno Vale do Paraíba pautava-se em técnicas rudimentares. A produtividade erabaixíssima. A abundância de terra e mão de obra escrava desobrigava os barõesa realizar investimentos para melhorar as técnicas de produção.

Em todo o Vale do Paraíba, os cafeeiros eram plantados nas encostas,sem nenhum cuidado para deter a erosão do solo. Depois de quinze a dezoitoanos, toda a camada fértil tinha sido lavada pelas chuvas e carregada para ofundo dos vales e dos rios. Para trás ficava a terra desmatada e improdutivapontilhada de cupinzeiros que se veem ainda hoje na região. Em vez de usaradubo para tentar recuperá-las, os fazendeiros simplesmente derrubavam asmatas vizinhas e abriam novas lavouras, que, depois de uma ou duas décadas,tinham de ser igualmente abandonadas. Eram as “lavouras nômades”, nadefinição do francês Louis Couty, professor de ciências agrícolas que visitou aregião alguns anos antes da Proclamação da República. “Em geral cultivamoshoje a terra como há um ou dois séculos, e o regime de trabalho escravo é aúnica explicação plausível para esse retardamento da principal de nossasindústrias em acompanhar o movimento das ideias”, diagnosticava o Relatório doMinistério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas de 1882.[169]

Situação bem diferente era a das novas fazendas de Campinas, RioClaro, Itu, Piracicaba, Pirassununga e outras cidades do oeste paulista. Emboraainda usassem mão de obra cativa, os cafeicultores dessa região foram pioneirosna substituição dos escravos pelo trabalho assalariado de imigrantes europeus —caso de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, dono da fazenda Ibicaba, emLimeira, já visto em capítulo anterior. Outras mudanças ocorreram nobeneficiamento do café, etapa executada após a colheita e a secagem dos grãos.Máquinas modernas, como despolpadores, ventiladores e separadores,realizavam sozinhas a tarefa que, antes, exigia o trabalho de até noventaescravos. Também aumentaram a produtividade média das fazendas e elevarama qualidade final do produto, que passou a ter preços melhores do que o de seusconcorrentes do Vale do Paraíba. Os custos diminuíram.[170]

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A prosperidade resultante desse surto de desenvolvimento impressionavaa todos. Ao passar por Campinas em 1859, o jornalista e escritor Augusto EmílioZaluar ficou admirado ao observar que a cidade tinha três fábricas de licores,duas de cerveja, uma de velas de cera, uma de chapéus, três hotéis, diversasalfaiatarias, sapateiros, um jornal, quatro igrejas e um teatro — “melhor do queo da capital” e que “faz honra ao bom gosto e a riqueza da população”, segundoanotou.

Além de mudar o cenário de decadência até então reinante no Vale doParaíba, a nova fronteira agrícola injetou novas ideias e reivindicações políticasna elite cafeeira do Brasil. A forma como os fazendeiros do oeste paulista viam oBrasil e seu futuro era bem diferente daquela dos barões do Vale do Paraíba.Para eles, a Monarquia já não se encaixava no modelo de país que almejavam.A solução tinha de vir da República. “O Vale era um baluarte de reacionários,apoiados na tradição, enquanto os fazendeiros paulistas tinham uma consciênciaempreendedora”, explicaram os historiadores Lúcia Maria Bastos Pereira dasNeves e Humberto Fernandes Machado.[171]

Em 1874, alguns dos fazendeiros participantes da Convenção de Itu sereuniram novamente em Campinas com o objetivo de angariar fundos para acriação do órgão oficial do novo Partido Republicano Paulista. No ano seguinteera lançado A Província de S. Paulo, jornal que, mais tarde rebatizado com onome de O Estado de S. Paulo, marcaria profundamente, até hoje, a história daimprensa brasileira. Seu “plano de ação”, redigido por Américo Brasiliense edatado de 2 de outubro de 1874, defendia a “descentralização completa” doEstado brasileiro, liberdade de ensino e aprendizagem obrigatória, separaçãoentre Igreja e Estado, casamento e registro civil de nascimentos e mortes,secularização dos cemitérios, Senado temporário e eletivo, “eleição direta sobrebases democráticas” e, como meta particularmente desejada pelos paulistas,“presidentes de províncias eleitos por estas”.[172] Embora o novo jornal evitasse,pelo menos no início, declarar-se confessamente favorável à queda daMonarquia, seus dezessete proprietários eram todos conhecidos chefesrepublicanos, incluindo os dois diretores e sócios principais, Francisco RangelPestana e Américo Brasílio de Campos.

Nos anos que se seguiram à divulgação do seu primeiro manifesto no Riode Janeiro e à Convenção de Itu, os republicanos brasileiros enfrentaram umdilema que se revelaria insuperável. Era a escassez de votos. Apesar da reaçãode entusiasmo do público nas conferências de Silva Jardim e dos artigosinflamados na imprensa, a campanha republicana não encontrava eco nas urnas.Por mais animados que fossem os comícios e por mais barulhenta que fosse acampanha, com raras exceções seus candidatos simplesmente não conseguiamreunir votos suficientes para se eleger. É como se o eleitorado brasileiro fossesurdo às ideias e promessas do novo regime. Obviamente, parte dessa frustração

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se devia aos vícios do sistema eleitoral do Império, totalmente controlado peloschefões da política local, habituados a mandar prender os adversários e a fraudaras urnas para garantir a eleição de seus protegidos. Mas isso era apenas parte doproblema.

Mesmo nas cidades maiores, como Rio de Janeiro e São Paulo,supostamente menos vulneráveis à manipulação dos coronéis da Monarquia, osresultados eleitorais dos republicanos haviam sido, sistematicamente, medíocresao longo de duas décadas. Nas eleições de agosto de 1889, ou seja, três mesesantes da Proclamação da República, a soma dos votos republicanos em todo opaís não chegou a 15% do total. Só Minas Gerais conseguiu eleger doisrepresentantes do partido à Câmara dos Deputados — Martiniano das Chagas eGabriel de Almeida Magalhães. Nas outras províncias, a lista dos derrotadosincluía figurões como Campos Salles, Prudente de Morais, Júlio de Mesquita,Francisco Glicério, Aristides Lobo e Lopes Trovão. No Paraná, Vicente Machadoda Silva Leme obteve minguados trinta votos. No Sergipe, o desempenho deSílvio Romero foi ainda pior, apenas seis votos — o dele próprio e de mais cincoamigos e familiares. No Maranhão, os republicanos simplesmente deixaram dedisputar as eleições por falta de candidatos.[173]

Além de fracos eleitoralmente, os republicanos estavam divididos. Haviaentre eles rivalidades profundas e irreconciliáveis. No primeiro congressonacional do Partido Republicano, realizado em junho de 1887 no Rio de Janeiro,compareceram delegados de apenas nove províncias mais a capital, Rio deJaneiro. No segundo, em outubro do ano seguinte, também na sede da corte,estavam representadas apenas seis províncias. Só em maio de 1889, quase vinteanos após a publicação do Manifesto de 1870 e seis meses antes do Quinze deNovembro, conseguiram eleger seu primeiro presidente nacional, o jornalistaQuintino Bocaiúva. Ainda assim, com a deserção de Silva Jardim e seus aliados,que julgavam Bocaiúva excessivamente moderado e tolerante com a políticaimperial.

As maiores divergências relacionavam-se à fórmula de república a serimplantada no Brasil e ao caminho para chegar a ela. Os cafeicultores do oestepaulista e parte dos jornalistas, professores, advogados e intelectuais do Rio deJaneiro autores do Manifesto Republicano de 1870 sonhavam com umademocracia liberal e federalista, semelhante à dos Estados Unidos, com sufrágiouniversal e liberdade de expressão, que resguardasse, porém, os direitos depropriedade e o livre-comércio. Na ala mais radical dos civis, representada porSilva Jardim e Lopes Trovão, estavam os chamados jacobinos, admiradores daRevolução Francesa e defensores da instalação da República medianteinsurreição popular nas ruas e até a execução da família imperial. Um terceirogrupo era formado pelos positivistas, seguidores da doutrina do filósofo francêsAuguste Comte e que pregavam a instalação de uma ditadura republicana. Eram

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comandados no Rio de Janeiro por Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes,e no Rio Grande do Sul pelo advogado Júlio de Castilhos. Essa corrente tinhagrande influência no meio militar, onde se destacava o professor e tenente-coronel Benjamin Constant, líder da chamada “mocidade militar”, como se verácom mais detalhes no próximo capítulo.

Outro foco de divergências estava relacionado à escravidão, o maior detodos os problemas brasileiros na época. No Manifesto de 1870 e no documentoaprovado na Convenção de Itu, os republicanos passaram ao largo do tema. Aabolição da escravatura, diziam os fazendeiros paulistas, deveria ser tratada“mais ou menos lentamente” pelas províncias, de acordo com as possibilidadesde substituição do escravo pela mão de obra livre e levando em conta sempre o“respeito aos direitos adquiridos”. A resolução de Itu foi aprovada contra o únicovoto do advogado abolicionista Luís Gonzaga Pinto da Gama, que protestoucontra “as concessões feitas à opressão e ao crime”. Por causa dessasdiferenças, Gama se afastou do Partido Republicano Paulista.[174]

O motivo da omissão era óbvio: muitos dos signatários, incluindo afamília do futuro presidente Campos Salles, eram senhores de escravos. Seriademais esperar que defendessem a abolição contra seus interesses pessoais. Emuma população de 10.821 habitantes, o município de Itu contava na época com4.425 escravos. Ou seja, de cada dez ituanos, quatro eram cativos. Numa cartaao amigo e correligionário Bernardino de Campos, em 10 de julho de 1884, oadvogado campineiro Francisco Glicério definiu bem a posição dos republicanosem relação ao assunto: “Nosso objetivo é fundar a República, e não libertar osescravos”. No seu entender, a escravidão era uma herança da Monarquia,portanto caberia ao Império resolver o problema e arcar com os imensos custospolíticos que a decisão envolvia. Por isso, recomendava que os republicanosevitassem o desgaste distanciando-se do tema na sua propaganda. “Toda reservaem nossa atitude nos trará imensos resultados”, aconselhava.[175]

As obras de Alberto Sales, um dos ideólogos do movimento republicanopaulista, oferecem um resumo das ideias dos fazendeiros a respeito daescravidão. São conceitos que hoje soariam racistas e preconceituosos, mas que,na época, eram discutidos com muita naturalidade na imprensa, nos livros e emdiscursos no Parlamento. “O africano, além de ser muito diferente do europeu,debaixo de muitos pontos de vista anatômicos e fisiológicos, ainda se acha em umgrau muito embrionário da evolução mental”, sustentava Alberto Sales. Segundoele, a ausência de “desenvolvimento e de consistência” no cérebro dos escravosteria contribuído para a degeneração racial brasileira. “A raça africana”,afirmava, “pela sua inferioridade moral e pela sua inaptidão social e política,sendo introduzida brusca e violentamente no seio de população inteiramentedistinta, certamente não podia contribuir para o seu desenvolvimento moral eintelectual, senão para o seu atraso.” Acrescentava que “São Paulo ficou ainda

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por mais tempo livre do flagelo” devido ao número relativamente menor deescravos e de miscigenação racial em suas lavouras, o que, por sua vez, teriafeito da região “o centro de um notável desenvolvimento moral eintelectual”.[176]

Até 1889, os diferentes grupos republicanos agiam de forma isolada,com pouca articulação entre si, mas todos aderiram rapidamente na madrugadade 15 de novembro ao golpe do marechal Deodoro da Fonseca, que, por sua vez,até então não se identificava com nenhuma dessas facções — e, segundo todas asevidências, nem republicano era. Em uma reunião realizada em 21 de março de1889 na fazenda da Reserva, propriedade de Júlio de Castilhos situada na regiãomissioneira, os republicanos gaúchos traçavam um programa que não deixavadúvidas a respeito dos passos a seguir em direção à República:

O Império devia ser atacado antes da implantação do Terceiro Reinado,isto é, quando menos espera o ataque; o método preferível é voltar contrao Império suas próprias armas, isto é, fazê-lo atacar pelo Exército, sob ainfluência e direção do Partido Republicano.[177]O texto é um indicativo de que a soma das dificuldades eleitorais com as

divergências internas jogou os civis no colo dos militares. Sem ressonância nasurnas, o Partido Republicano passou a enxergar no Exército um instrumento paraacelerar a mudança de regime. Cabia-lhes fomentar ao máximo as divergênciasentre os militares e as autoridades imperiais. Nos meses seguintes, o jornal AFederação, dirigido por Júlio de Castilhos, aproveitaria todas as oportunidadespara explorar os ressentimentos e as fissuras abertas entre o comando militar e ogoverno imperial. Em razão disso, a troca de regime, em vez de percorrer umcaminho mais suave e institucional, como desejavam algumas das liderançasrepublicanas mais moderadas, veio por um golpe planejado às escondidas eexecutado na calada da noite.

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8. A MOCIDADE MILITAR

AO DESEMBARCAR NO RIO DE JANEIRO, em 1879, o estudante cearenseJosé Bevilacqua ficou deslumbrado com a vida na corte. No primeiro passeiopelo centro da cidade encantou-se com os bondes puxados a burro, novidade queainda não existia no Ceará. Transportavam milhares de pessoas e cortavam acidade em várias direções. As elegantes vitrines das lojas da rua do Ouvidorfaiscavam com a última moda de Paris e Londres. Os cafés, onde se reuniam ospolíticos e intelectuais, estavam sempre lotados. Nas ruas, jornaleirosapregoavam em voz alta as últimas notícias que chegavam pelo telégrafo. Otropel de animais de carga se confundia com o alarido dos vendedoresambulantes. Numa carta aos pais, contou ter achado tudo “muito bonito eadmirável”. Por fim, sentenciou:

— O Rio de Janeiro é o Brasil e a rua do Ouvidor é o Rio de Janeiro!Com apenas dezesseis anos, Bevilacqua vinha de uma pequena cidade do

interior cearense, onde sua mãe era professora primária e seu pai, mestre deobras. Decidira se mudar para o Rio de Janeiro com o objetivo de completar osestudos e ingressar em uma faculdade, privilégio ainda muito raro entre jovensbrasileiros de sua idade. Naquela época, filhos de famílias pobres, como ele, sótinham duas alternativas para fazer um curso superior: ser padre ou militar.Bevilacqua tentou as duas. Primeiro foi seminarista em Belém, no Pará. Aoperceber que não tinha vocação religiosa, sentou praça no Exército, pré-requisitopara ingressar na Escola Militar da Praia Vermelha, na capital do Império. Essadecisão também o lançaria no olho do furacão responsável pela Proclamação daRepública.

O Rio de Janeiro e a Escola Militar da Praia Vermelha eram o celeiro da“mocidade militar”, grupo de aspirantes, cadetes e oficiais que prepararia eexecutaria o golpe contra a Monarquia em 15 de novembro de 1889.[178]Bevilacqua estaria na tropa que nesse dia desfilou pelo centro da capital emcomemoração à queda do Império. Eram todos jovens com perfis muito

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semelhantes, caso do capitão Serzedelo Corrêa, seu colega de academia. Nascidono Pará em 1858, órfão desde criança, Corrêa estudou no Seminário Menor deSanto Antônio, em Belém. Em 1874, também aos dezesseis anos, alistou-se noExército e desse modo foi admitido na Escola Militar.

A mocidade militar foi o fermento de um bolo ao qual se juntariam maistarde, já às vésperas do golpe, os demais ingredientes da Proclamação daRepública, incluindo oficiais militares mais veteranos, como os marechaisDeodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, os fazendeiros do oeste paulista e toda agaleria de jornalistas, advogados e intelectuais republicanos. As relaçõesprofissionais e pessoais desse grupo eram tão estreitas que o cearense Bevilacquaviria a ser genro de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, professor naescola da Praia Vermelha e mentor intelectual desse grupo de jovens. Tambémcolega de Bevilacqua, o fluminense Euclides da Cunha, futuro jornalista, escritore autor do clássico Os sertões, casaria com a filha do major Sólon Ribeiro,igualmente integrante do grupo.

Aluno da Escola Militar, em junho de 1888 Euclides da Cunha, entãocom 22 anos, definia-se como “um operário do futuro” em artigo para a Revistada Família Acadêmica. “Hoje”, escrevia ele, “que os nossos ideais são, de fato,os verdadeiros e únicos materiais para a prodigiosa construção da civilizaçãopátria — nós, os operários do futuro, (...) devemos em breve atirar na ação toda afortaleza de nossa vitalidade, todos os brilhos do nosso espírito, todas as energiasdo nosso caráter (...).” Em outro artigo afirmou que “o republicano brasileirodeve ser, sobretudo, eminentemente revolucionário”.[179]

Na Escola Militar estudava-se muito. O currículo incluía álgebra,geometria analítica, cálculo diferencial, física experimental, química orgânica,trigonometria esférica, ótica, astronomia, geodesia, desenho topográfico, tática,estratégia e história militar, direito internacional, noções de economia política ede arquitetura civil e militar. Era ali também que estudantes pobres, vindos dasmais diferentes regiões do Brasil, entravam em contato com as ideias quenaquele momento germinavam revoluções ao redor do mundo. Por isso, a escolaera também chamada de “O Tabernáculo da Ciência”. Seus alunos seidentificavam como “os científicos”, homens contaminados pelo Século dasLuzes, imbuídos da missão de entender e transformar o mundo.

Nenhum pensador teve tanta influência sobre o pensamento damocidade militar do Rio de Janeiro quanto o francês Auguste Comte. Com 1,59metro de altura, rosto marcado pela varíola e uma cicatriz na orelha direita,resultado de um golpe de sabre que sofrera durante uma briga na adolescência,Isidore Auguste Marie François Xavier Comte foi o pai do “positivismo”,conjunto de ideias filosóficas e políticas que seduziu profundamente toda umageração de intelectuais brasileiros na segunda metade do século XIX, em especialno meio militar. Nascido em janeiro de 1798, Comte apoiava os ideais da

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Revolução Francesa, que incluíam o fim da Monarquia, a ampliação dos direitosindividuais, a separação entre Estado e religião, mas assustava-se com o carátersanguinário que a revolução tinha adquirido, especialmente durante o chamadoRegime do Terror, em que milhares de pessoas foram decapitadas na guilhotinapor divergências políticas.

Ao contrário dos Estados Unidos, um modelo relativamente estável deRepública, no começo do século XIX o experimento francês parecia não terlimites. Após a revolução, a Monarquia e a República foram derrubadas erestauradas na França inúmeras vezes, sempre em meio a novos banhos desangue. O Regime do Terror havia dado lugar às guerras napoleônicas, nas quaisos franceses tentaram impor pela força das armas as ideias que a revoluçãofalhara em implantar nas assembleias populares. Após a derrota de NapoleãoBonaparte em Waterloo, em 1815, reis e governantes civis se revezariam nopoder por mais de meio século, até 1870, ano da consolidação da Repúblicafrancesa. Cada fase vinha com novas receitas para velhos problemas. As ideiasde Comte, resultado de sua experiência pessoal, procuravam dar certa ordem aocaos instalado no continente europeu nessa época.

O positivismo de Comte baseia-se em um sistema filosófico chamado“Lei dos Três Estados”. Por ele, o ser humano passaria por três etapas distintas deevolução. A primeira seria a fase teológica, na qual as pessoas tentariam explicaros mistérios da natureza pela crença na ação de espíritos e elementos mágicos.Seria um estágio marcado pela confiança absoluta nos fenômenos sobrenaturais.A imaginação se revelaria sempre mais forte do que a razão. Sociedades aindapresas à fase teológica tenderiam a aceitar a ideia de que a autoridade dos reis eo poder do Estado teriam uma origem divina, decorrentes de uma delegaçãosobrenatural e não de um pacto livre entre as pessoas. A monarquia, portanto,seria o regime de governo natural de um estágio ingênuo e primitivo na evoluçãohumana, mais próximo da barbárie do que da racionalidade.

O segundo estado na evolução humana, segundo Comte, seria ometafísico. A imaginação daria lugar à argumentação abstrata. A ação dosobrenatural seria substituída pela força das ideias. Nesse patamar estariam, porexemplo, os filósofos gregos, que passaram a usar a razão para explicar osfenômenos naturais. Em decorrência dessa mudança de foco, a organização e ogoverno das nações passariam a basear-se na soberania popular, não mais emuma suposta origem divina. Este seria, porém, um estágio evolutivo apenasintermediário, no qual os seres humanos ainda não teriam acesso ao instrumentomais fundamental na aquisição do conhecimento — o método científico. Aciência só passaria a orientar o entendimento e as ações humanas na faseseguinte, a terceira na escala de valores de Auguste Comte, que ele chamou deestado “científico” ou “positivo”.

No ponto de vista de Comte, era para esse terceiro estágio que boa parte

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dos seres humanos se encaminhava no século XIX — pelo menos nas sociedadesque ele julgava mais educadas e desenvolvidas, caso dos países europeus. Noestado “positivo”, a ciência assumiria, finalmente, o papel de orientadora doconhecimento e da evolução dos povos. Pela cuidadosa observação científica dosfenômenos seria possível, em primeiro lugar, tirar conclusões seguras a respeitodo universo e também do comportamento humano. O passo seguinte seria o daação transformadora no ambiente social. O correto entendimento das leisnaturais e sociais tornaria possível não só explicar o presente, mas tambémprever e organizar o futuro.

Como se vê, o sistema de Comte resultava da aplicação pura e simplesdos princípios das ciências exatas nas ciências humanas. Da mesma formacomo, na matemática, dois mais dois são quatro, na história também haveriaelementos concretos que, devidamente analisados e interpretados, poderiamlevar a conclusões lógicas e desdobramentos previsíveis. Essa noção estaria nabase da moderna sociologia, ciência da qual Comte é considerado o fundador.Dela resultou também a expressão “Ordem e Progresso”, que hoje figura nocentro da bandeira nacional brasileira. No entendimento de Comte, se existe umaordem estática nas sociedades, possível de ser compreendida pela observaçãocientífica, haveria também uma dinâmica social, responsável pelas leis do seudesenvolvimento, ou seja, o progresso. Uma vez entendida a ordem da sociedadeseria possível reformar as suas instituições de maneira a acelerar o seuprogresso.

No pensamento do filósofo francês estava, igualmente, a gênese de outroconceito que moveu as paixões dos “científicos” da Escola Militar da PraiaVermelha — o da ditadura republicana. A tarefa de reformar a sociedade,segundo a proposta de Comte, deveria ser levada a cabo por uma elite científicae intelectual situada na vanguarda dos três estágios evolutivos. Orientado pelaciência, consciente de seu elevado papel na sociedade positiva, esse grupo seriacapaz de estabelecer e executar planos rumo a um futuro de paz e prosperidadegerais. A enorme massa da população, pobre, analfabeta e ignorante, teria de serconduzida e controlada pela elite republicana, por ainda não estar pronta paraparticipar ativamente do processo de transformação. A República, portanto,deveria ser implantada de cima para baixo, de maneira a prevenir insurreições edesordens populares que pudessem ameaçar a boa marcha dos acontecimentos.

Auguste Comte levou tão a sério o seu sistema que, nos anos finais de suavida, havia plantado as sementes de uma nova religião baseada nos conceitos dopositivismo. A “Religião da Humanidade” tinha templos decorados com símbolose instrumentos científicos nos quais os fiéis se reuniam. No seu códigodoutrinário, a figura de um Deus cristão era substituída pela própria humanidade.Nos nichos até então ocupados pela enorme galeria de santos de devoção católicaentravam os grandes vultos do pensamento humano. Desse modo, em lugar de

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são Paulo, são Pedro e santo Antônio, os fiéis eram orientados a cultuar Homero,Aristóteles, Dante, Gutenberg, Shakespeare, Descartes e outros grandes nomesdas ciências e da filosofia.

Enquanto desenvolvia os fundamentos da “Religião da Humanidade”,Auguste Comte apaixonou-se por Clotilde de Vaux, dezessete anos mais nova doque ele. Vinham ambos de um primeiro casamento fracassado. Ele a definiucomo sua “arrebatadora paixão crepuscular”. Sob inspiração dela, Comteescreveu uma de suas derradeiras obras, o Sistema de filosofia política, basedoutrinária da religião positivista, em cujo panteão a própria Clotilde figurariacomo santa e musa inspiradora de todos os discípulos.

Após a morte de Clotilde, Comte proclamou-se o primeiro SumoPontífice da nova religião, adotou o voto de castidade e recolheu-se em casa,onde passou a consumir um copo de leite pela manhã e um pedaço de carne comlegumes à noite, às vezes acompanhado de pão seco, em “solidariedade aos quenão dispunham sequer disso para saciar a fome”. Morreu em 1857, aos 59anos.[180]

Na segunda metade do século XIX, o positivismo já estava emdecadência na Europa, tanto como religião quanto como sistema filosófico. NoBrasil, no entanto, chegaria ao apogeu nessa época e seria o germe da grandetransformação ocorrida em 1889 — como demonstra o lema “Ordem eProgresso” inserido na bandeira nacional. “Para termos uma República estável,feliz e próspera, é necessário que o governo seja ditatorial, e não parlamentar”,defendeu em discurso de 14 de dezembro de 1889, um mês após a Proclamaçãoda República, o ministro da Agricultura do novo governo provisório, o gaúchoDemétrio Nunes Ribeiro, fiel seguidor do ideário de Auguste Comte.[181]

A primeira agremiação positivista brasileira foi criada no Rio de Janeiroem abril de 1876 com o objetivo de “promover um curso científico” e construiruma biblioteca. Entre os sete fundadores estavam dois professores da EscolaMilitar da Praia Vermelha, o então major Benjamin Constant e o engenheiromilitar Roberto Trompowsky Leitão de Almeida. Cinco anos mais tarde, aagremiação entraria em crise. Dois de seus membros, Miguel Lemos eRaimundo Teixeira Mendes, ex-alunos da Escola Politécnica, insistiram emtransformá-la em igreja Positivista do Brasil, subordinada à orientação de PierreLaffite, sucessor espiritual de Comte na França. Benjamin Constant e outrossócios pediram o afastamento alegando discordar dos desdobramentos religiososdas ideias do filósofo francês. Algum tempo mais tarde, ao tratar do tema com ofuturo visconde de Taunay, Benjamin recomendou: “Não siga apertadamente osistema todo (...); em não poucos pontos dele me aparto, nem pratico a religiãoda humanidade, mas estude os livros do mestre; discipline as suas ideias”.

A partir daí a história do positivismo no Brasil ficou dividida em duasvertentes. A primeira, religiosa, tornou-se irrelevante. Em 1890, primeiro ano da

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República, a “Igreja da Humanidade” contava com apenas 159 adeptos em todoo país.[182] Como ideologia política, no entanto, as ideias de Comte teriam umimpacto enorme e duradouro na história republicana. Alguns estudiososchegaram a estabelecer ligações entre elas e a Revolução de 1930, liderada pelogaúcho Getúlio Vargas, ele próprio um ex-adepto do positivismo. Da mesmaforma, haveria no golpe militar de 1964 um eco positivista tardio, tãoprofundamente arraigado no pensamento militar estaria a ideia de um grupoiluminado capaz de conduzir de forma ditatorial os rumos da perigosamenteinstável República brasileira.

Em 1878, os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha criaram umclube secreto republicano, que funcionava em uma pequena casa no bairro deBotafogo. Outro clube, também secreto, foi fundado em 1885, sob o disfarce deassociação beneficente. Seus sócios recebiam regularmente os exemplares de AFederação, jornal republicano dirigido no Rio Grande do Sul pelo positivista Júliode Castilhos. Esse grupo se caracterizava pela rejeição às práticas religiosastradicionais, vistas como retrógradas e próprias da primeira fase de evoluçãohumana descrita por Auguste Comte.

Os jovens “científicos” da Escola Militar se declaravam ateus ouagnósticos. Para eles, o desafio da reforma das instituições incluía mudar aprópria religião católica, tida como uma das razões do atraso brasileiro. “Temospelo catolicismo, e pelas entidades que o representam, o mesmo religiosorespeito que tem o arqueólogo pelos restos da civilização antiga escavados sob osmontões de ruínas”, escreveu o tenente Lauro Sodré, estudante da Escola Militarentre 1876 e 1884, que na República se tornaria o primeiro governador do Pará.“A Bíblia do futuro é o livro da ciência.”[183]

Em 1886, Lauro Sodré fundou em Belém o primeiro clube republicanodo Pará, cujo objetivo seria “a eliminação da realeza, que, para nós, representa acausa do nosso atraso”. A linguagem do manifesto divulgado por Sodré eraincendiária, pregando abertamente a revolução popular armada contra aMonarquia:

Cremos firmemente que há de vir de baixo a revolução destinada aquebrar as armas da tirania, consagrando os instrumentos da democracia.Nós reconhecemos aos povos o direito à insurreição. Há momentos emque os empecilhos levantados pelo obscurantismo contra o avanço daengrenagem social têm de ser removidos pela força das multidões. (...) Ésobre as ruínas e os destroços do passado que se levantará o futuro.Progredir é continuar, mas a construção tem por preliminar indispensávela demolição.[184]A propagação dessas ideias em um país católico e conservador gerava

desconforto e preocupações. Exemplo disso é um episódio engraçado envolvendoo cearense José Bevilacqua e sua família. Em abril de 1886, quando ele já era

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um membro ativo das reuniões e sociedades secretas da mocidade militar, suamãe ficou assustada ao saber que o filho iria morar em uma “república” deestudante. No interior do Ceará, onde ela morava, a simples menção da palavra“república” era considerada perigosa. Por carta, o filho procurou tranquilizá-laexplicando tratar-se de um mal-entendido:

Não tem razão para sentir calafrios ante a palavra República; emprimeiro lugar porque ela simboliza a forma de governo em que osdireitos dos cidadãos são melhor definidos, porquanto não admitindoprivilégios de famílias ou de classes, as leis igualam todos os cidadãos e aúnica distinção é aquela que é oriunda do mérito e das virtudesindividuais (...); demais ali tratava-se de uma casa de estudantes, quecostuma-se designar por esse nome.[185]Em resumo, a “república” que tanto assustava a mãe de Bevilacqua não

passava de um alojamento estudantil — denominação ainda hoje utilizada emcidades de concentração universitária, caso de Ouro Preto, em Minas Gerais.Mas era justamente em locais como esse que germinava, em 1889, a semente daderrubada do Império. E não por acaso se chamavam repúblicas.

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9. A CHAMA NOS QUARTÉIS

COMEÇOU PELO PIAUÍ O RASTILHO do incêndio que atearia fogo aosquartéis e botaria abaixo o edifício imperial brasileiro. Foi a chamada QuestãoMilitar, série de conflitos envolvendo o Exército e o governo imperial entreagosto de 1886 e maio de 1887 e cujos desdobramentos levaria ao golpe contra aMonarquia dois anos e meio mais tarde. Ela abriria fendas profundas nasrelações hierárquicas, criando um ambiente de insubordinação no qual os chefesmilitares passaram a se pronunciar abertamente contra o comando civil doImpério. A situação chegou a tal ponto que, às vésperas da Proclamação daRepública, a Monarquia não tinha mais autoridade para impor disciplina aosquartéis, deixando as Forças Armadas uma instituição à deriva e à mercê damaré revolucionária que assediava o trono.

Em fevereiro de 1886, durante viagem de inspeção ao Piauí, o coronelErnesto Augusto da Cunha Matos apontou diversas irregularidades administrativascometidas pelo capitão Pedro José de Lima, comandante da Companhia deInfantaria e ligado ao Partido Conservador. As denúncias citavam casos dedesvio do dinheiro que deveria ser usado na remuneração dos soldados e roubode fardamento e material pertencentes ao Exército. Em julho, o deputadopiauiense Simplício Coelho de Resende tomou as dores do acusado, seu amigo ecorreligionário. Em discurso na Câmara, tentou desqualificar a imagem deCunha Matos afirmando que, na Guerra do Paraguai, havia traído seus colegas defarda ao dirigir a artilharia inimiga contra as tropas brasileiras. O coronel reagiuao discurso publicando violentos artigos contra o deputado nos jornais cariocas. Ogoverno avaliou sua atitude como uma quebra do regulamento que proibia aosmilitares usar a imprensa na discussão de assuntos políticos ou corporativos. Poressa razão, o ministro da Guerra, deputado Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves,mandou prendê-lo por dois dias.[186]

A partir daí, a Questão Militar ganharia contornos cada vez mais graves.A punição de Cunha Matos, considerada injusta por outros oficiais, gerou novos

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pronunciamentos e trocas de acusações entre militares e civis, em uma reaçãoem cadeia cuja velocidade pegaria de surpresa as autoridades governamentais.No início de agosto, o assunto chegou ao Senado, que reunia as mais importantespersonalidades políticas do Império. Senador do Partido Liberal pelo Rio Grandedo Sul, o general José Antônio Correia da Câmara, visconde de Pelotas, saiu emdefesa de Cunha Matos. Afirmou que a punição decretada pelo ministro daGuerra era uma ofensa a todos os oficiais do Exército. Cunha Matos, em suaopinião, fora “ferido em sua honra militar, no que tem o soldado de maisrespeitável”. Portanto, tinha todo o direito de se defender pela imprensa.

O visconde de Pelotas era das figuras mais importantes do Exércitobrasileiro. Ficara conhecido por comandar o destacamento que, em 1870,surpreendeu e matou o ditador paraguaio Francisco Solano López em Cerro Corá,pondo fim à Guerra do Paraguai. Por essa razão, fora agraciado pelo imperadorPedro II com o título de visconde, que já pertencera ao avô, estancieiro no RioGrande do Sul. Sua entrada em cena dava, portanto, um peso maior aosincidentes. Também contribuiu para reabrir antigas feridas ainda malcicatrizadas no relacionamento entre o governo e as Forças Armadas.

Em aparte ao discurso de Pelotas, o senador Felipe Franco de Sá, ex-ministro da Guerra, lembrou outro episódio de indisciplina nos quartéis no qualestivera envolvido em 1884. Em abril daquele ano, a Escola de Tiro de CampoGrande, Rio de Janeiro, comandada pelo tenente-coronel Sena Madureira,recebeu com festa a visita de uma estrela do movimento abolicionista brasileiro,o jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”, comoficara conhecido depois de promover um boicote ao embarque de escravos noporto de Fortaleza. A homenagem foi considerada um ato de indisciplina pelogoverno, uma vez que, até aquele momento, o Império brasileiro ainda era,oficialmente, escravocrata. Por lei, cabia ao Exército brasileiro auxiliar a tarefados “capitães do mato”, encarregados de recapturar escravos fugitivos.Interpelado por Franco de Sá, então ministro da Guerra, Sena Madureira serecusou a dar explicações sobre a iniciativa de seus comandados. Acaboudemitido do posto e repreendido formalmente em ordem do dia. Agora senador,o ex-ministro só lamentava não ter sido ainda mais rigoroso na punição,considerando que na ocasião Sena Madureira também usara os jornais paraatacá-lo.

Ao saber dos comentários do senador Franco de Sá, Sena Madureira, quea essa altura comandava a Escola de Artilharia de Rio Pardo, no Rio Grande doSul, decidiu usar novamente a imprensa para se defender. Em artigo publicadono jornal republicano A Federação, de Júlio de Castilhos, afirmou:

Nós, velhos soldados, nem sempre tomamos a sério os generaisimprovisados que perpassam rápida e obscuramente pelas altas regiõesdo poder.

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No estágio seguinte, a Questão Militar passaria a envolver as mais altasautoridades do Império e ninguém menos do que o futuro proclamador daRepública, o marechal Deodoro da Fonseca, então comandante de Armas epresidente em exercício da Província do Rio Grande do Sul. Nessa condição,Deodoro era o superior hierárquico de Sena Madureira e teria de responder pelasua atitude. No dia 2 de setembro, o ajudante general do Exército, ManuelAntonio da Fonseca Costa, visconde da Gávea, interpelou o marechal. Queriasaber se o coronel havia pedido autorização para se pronunciar nas páginas dojornal gaúcho. Por telegrama, Deodoro respondeu que não, mas em seguidadespachou por correio um ofício no qual defendia a atitude do subordinado.Fazendo coro aos argumentos usados pelo visconde de Pelotas no Senado,lembrava que Sena Madureira fora agredido publicamente por Franco de Sá.Tinha, portanto, o direito de também se pronunciar do mesmo modo. Além disso,argumentava que a legislação proibia a discussão pública apenas entre militares.Como uma das partes era um senador, ou seja, uma autoridade civil, oregulamento militar não deveria ser aplicado nesse caso.

Um ato de precipitação do governo jogou mais lenha na fogueira. Antesque o ofício de Deodoro chegasse ao Rio de Janeiro, o ministro Alfredo Chavespuniu Sena Madureira com repreensão, medida que desagradou ao marechal emexeu nos brios da oficialidade gaúcha. No dia 30 de setembro, oficiais daguarnição do Rio Grande do Sul pediram a Deodoro autorização para umareunião destinada a prestar solidariedade ao coronel punido. O marechalconcordou. Na reunião, com a participação dos alunos da Escola Militar de PortoAlegre, os oficiais decidiram delegar a Sena Madureira poderes para advogar“os interesses da classe militar”. No dia seguinte, também os alunos da EscolaMilitar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, reuniram-se para solidarizar-secom os colegas gaúchos. Os promotores da reunião foram presos por ordem doministro da Guerra.

Nessa sequência de eventos, um episódio até então restrito às rivalidadesda política piauiense rapidamente ganhou repercussão e dimensões nacionais. Jánão se tratava mais de uma rixa entre dois oficiais de médio escalão nahierarquia das Forças Armadas. Agora era o Exército inteiro que se diziaofendido e maltratado pelo governo. Tratava-se de uma “questão de honra daclasse militar”, segundo enfatizavam os pronunciamentos. Os republicanos civis,por sua vez, enxergaram na Questão Militar a oportunidade que esperavam paraatacar o Império. Em artigo sob o título “Arbítrio e inépcia”, publicado no dia 23de setembro no seu jornal, A Federação, Júlio de Castilhos afirmou que aMonarquia estava ofendendo a honra do Exército, instituição que, no seuentender, era um símbolo da honra nacional. Ao atacar o Exército, portanto, ogoverno feria a própria dignidade nacional. Em outro artigo, no dia 30, diziatratar-se de “uma questão de honra militar, de dignidade do Exército, e afeta

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diretamente os mais respeitáveis interesses morais da nossa Pátria”.Como se viu em capítulo anterior, nos anos finais da Monarquia os

militares sentiam-se frustrados, mal recompensados, desprestigiados pelogoverno. Reclamavam dos soldos, congelados havia muitos anos, da redução dosefetivos das Forças Armadas depois da Guerra do Paraguai, da demora naspromoções, da falta de modernização dos equipamentos e regulamentos. Essas eoutras reivindicações apareciam com frequência em artigos dos jornais OSoldado e Tribuna Militar e da Revista Militar Brasileira. O ambiente deexpectativas frustradas favorecia o clima de indisciplina e revolta. Segundo umrelatório apresentado no Senado pelo visconde de Pelotas, em 1884 tinhamocorrido 7.526 prisões por indisciplina no Exército, número muito elevado paraum efetivo de 13.500 homens.

— Não temos Exército; (...) e a sua disciplina é péssima, queixava-se osenador gaúcho. — Mais de metade do efetivo do Exército esteve na prisão! Enão foram apenas praças de pré (soldados rasos). Desses, 54 eram oficiais.[187]

Um caso grave de indisciplina ocorrera em outubro de 1883, depois queo jornal O Corsário, do Rio de Janeiro, criticou o mau uso do recrutamentomilitar para fins políticos e atacou o comportamento de oficiais do 1º Regimentode Cavalaria da Corte. Em resposta, um grupo de oficiais e soldados doregimento invadiu a sede do jornal e destruiu a tipografia na qual era impresso.Ameaçado de morte, o editor Apulcro de Castro pediu proteção à polícia. Foiinútil. O jornalista acabou morto a facadas e tiros no vestíbulo do próprio quartel-general da polícia. Um inquérito, logo arquivado, apontou onze oficiais comoresponsáveis pelo assassinato. Nenhum foi punido. Entre os acusados estava ocapitão Antônio Moreira César, que, anos mais tarde, ficaria famoso porcomandar fuzilamentos de rebeldes em Santa Catarina e perderia a vida nocomando de uma expedição derrotada de forma humilhante pelos jagunços deAntônio Conselheiro na Guerra de Canudos, na Bahia.

Nos meses de outubro e novembro de 1886, a crise da Questão Militarchegava aos escalões mais altos do governo e da hierarquia militar, com trocasde mensagens entre o presidente do Conselho de Ministros, João MaurícioWanderley, barão de Cotegipe, e o marechal Deodoro. Em uma carta, Cotegipealertava Deodoro para o perigo de um “Exército deliberante”, que, futuramente,poderia voltar-se contra a liberdade civil da nação. O marechal respondeu que osfatos ocorridos até então humilhavam os militares e fazia alusões a um supostoplano do governo de extinguir ou reduzir o Exército, cujas funções passariampara a Guarda Nacional. “Se a sorte determinar o rebaixamento da classemilitar”, escrevia Deodoro, “no dia em que eu desconfiar que à frente desoldados não passarei de um comandante superior da Guarda Nacional (...) esimples vulto político, quebrarei minha espada e, envergonhado, irei procurar,como meio de vida e a exemplo de muitos, uma cadeira de deputado, para

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também poder insultar a quem quer que seja”.Irritado com essa carta, cujo tom julgava inaceitável, Cotegipe decidiu

exonerar Deodoro das funções que exercia no Rio Grande do Sul e transferi-lopara o Rio de Janeiro, onde ficaria à espera de uma nova missão, ainda nãodefinida. Em solidariedade ao marechal, Sena Madureira também pediuexoneração do comando da Escola de Artilharia de Rio Pardo. No dia 8 dejaneiro de 1887, ambos foram homenageados pelos colegas de farda em PortoAlegre. No dia 10, embarcaram no mesmo navio, o vapor Rio Paraná, emdireção ao Rio de Janeiro. A crise iniciada no Piauí e até então relativamentecontida no Sul agora se deslocava para o coração da corte imperial.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, no dia 26, Deodoro e Sena Madureiraforam recebidos como heróis pela mocidade militar. Sabendo que homenagensestavam sendo preparadas a eles em várias unidades do Exército, o governotentou tomar precauções. Por ordem do barão de Cotegipe, o comandante daEscola Militar da Praia Vermelha, general Severiano Martins da Fonseca, irmãode Deodoro, mandou fechar os portões da instituição. Era uma tentativa deimpedir manifestações a favor dos dois rebeldes que chegavam do Sul. Foi inútil.Os estudantes ignoraram a proibição, pularam o muro e, fardados, foram aoencontro de Deodoro e Sena Madureira. O aluno catarinense Lauro Müller falouem nome dos colegas. Constrangido, Severiano pediu demissão do posto.

No dia 2 de fevereiro, Deodoro e Sena Madureira compareceram a umanova reunião no Teatro Recreio Dramático escoltados pelo então major eprofessor Benjamin Constant. Estavam presentes cerca de duzentos militares, dosquais 180 eram alunos da Escola da Praia Vermelha. Tratava-se, portanto, demais uma manifestação da “mocidade militar”. Pela proposta apresentada nareunião, os militares presentes não se considerariam satisfeitos até que o governocancelasse as notas de advertência que tinham sido dadas a Cunha Matos e SenaMadureira. Animado com as manifestações de solidariedade, o marechal fez umdiscurso alertando que “a disciplina militar exige o brio e a dignidade da farda dosoldado”. Acrescentou que, “sem brio e sem dignidade, o soldado não cumprirá odever que lhe é imposto: o dever de sangue!”. Ao terminar, foi ovacionado de pépela mocidade militar.

Nessa reunião, Deodoro também foi escolhido para levar pessoalmenteao imperador Pedro II o pedido de cancelamento das punições. Cumpriu a tarefaà risca, sem levar em conta que, no episódio, a hierarquia militar havia sido postade cabeça para baixo; desta vez, eram alunos de uma escola militar que diziam aum marechal o que fazer, e não vice-versa. No dia 5, Deodoro apresentou-se noPalácio de São Cristóvão com o peito coberto pelas condecorações que haviaconquistado na Guerra do Paraguai e entregou uma carta ao imperador na qualcriticava as punições e pedia que ele resolvesse a questão em favor dos militaresofendidos. “A disciplina militar não permite ao soldado receber afrontas e

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vilipêndios; a disciplina quer no soldado — e isso no mais alto grau — brio,dignidade e honra”, insistia o documento, repetindo quase as mesmas palavrasque o marechal usara no discurso perante os estudantes.[188]

Alarmado com a atitude de Deodoro, no mesmo dia o ministro daGuerra, Alfredo Chaves, sugeriu a reforma do marechal. O imperador preferiucontemporizar e recusou a proposta. O ministro pediu demissão. O substituto,Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, anunciou que as punições poderiam sercanceladas desde que os atingidos pedissem. Sena Madureira e Cunha Matos, noentanto, se negaram terminantemente a pedir o cancelamento. Exigiam que ogoverno tomasse a iniciativa por conta própria. Receberam o apoio de Deodoro,mas foram censurados por Benjamin Constant, ciente do perigo representadopela resistência da ala mais radical diante do gesto conciliatório do governo.

— Os senhores são uns turbulentos que querem fazer a República —alertou o major-professor. — Devem requerer o trancamento das notas.

— Cortem-me a mão, mas não requeiro — teria respondido de prontoMadureira.[189]

Em 14 de maio de 1887, Deodoro e o visconde de Pelotas assinaram ummanifesto “ao Parlamento e à Nação” no qual criticavam o governo “que nosludibria, arrancando-nos a dignidade de cidadãos armados, para não nos deixarmais que a subserviência dos janízaros”. A expressão “janízaros” referia-se aoexército de escravos dos sultões do Império Otomano. O impasse só foi resolvidono dia 20 de maio, data em que o Senado aprovou uma moção na qual“convidava” o governo a cancelar as notas de punição, o que aconteceu logo emseguida. A questão parecia encerrada, mas na prática era público que o governocapitulara de forma humilhante perante um grupo de oficiais e estudantesrebeldes. Estava quebrada a cadeia de comando que durante todo o SegundoReinado subordinara os militares ao poder civil e fizera do Brasil um paísdiferente de todos os demais vizinhos latino-americanos, permanentemente àsvoltas com quarteladas e golpes de Estado.

O óbvio enfraquecimento do governo na Questão Militar produziu umanova aliança dentro das Forças Armadas reunindo três grupos que, até então,agiam dispersos. O primeiro era a já conhecida mocidade militar, que tinha seuprincipal reduto na Escola Militar da Praia Vermelha. O segundo, os oficiaisrepublicanos situados na faixa intermediária da carreira, caso do próprio SenaMadureira e de Benjamin Constant. O terceiro e último grupo era o dos generaisda velha guarda, Deodoro e o visconde de Pelotas, veteranos da Guerra doParaguai que, a rigor, não compartilhavam até então do entusiasmo pelaRepública demonstrado pela mocidade militar e pelos oficiais mais jovens, masforam empurrados para dentro da conspiração republicana devido aosressentimentos contra o governo acumulados até então.

Sentindo-se vitoriosas, as lideranças desses três grupos passaram a agir

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de forma articulada, em busca de pretexto para novos confrontos com o governo,a essa altura desgastado pelos episódios anteriores. Uma consequência foi afundação do Clube Militar, em 26 de junho de 1887, entidade que, a partir dali,teria papel importante na articulação do golpe republicano. O objetivo do clubeera “unir a classe para a defesa de nossos interesses comuns e prepararmo-nospara a luta que teremos de sustentar contra as becas”, segundo a explicação deSena Madureira, um de seus fundadores.

A expressão “becas” era uma referência jocosa às autoridades civis,oriundas em sua maioria das escolas de Direito. Filhos de famílias ricas eprestigiadas, os “becas”, às vezes também chamados de “casacas”, dominavamos principais postos do governo e eram vistos como hostis pelos militares deorigem mais humilde. É interessante observar a constante referência aosmilitares como uma “classe” situada à parte e, supostamente, acima dosinteresses mundanos alimentados pelos civis. “Generalizara-se entre os militaresa convicção de que só os homens de farda eram puros e patriotas, ao passo queos civis, os casacas, como diziam, eram corruptos, venais e sem nenhumsentimento patriótico”, observou a historiadora Emília Viotti da Costa.[190]

Cerca de 150 militares participaram da primeira sessão do clube, no qualforam aprovados os estatutos. Entre outras disposições, o documento afirmavaque caberia ao clube “defender pela imprensa e junto aos poderes do Estado osdireitos e legítimos interesses da classe militar”. O marechal Deodoro da Fonsecafoi eleito presidente. Como vice, ficou o capitão de mar e guerra Custódio José deMello, até então presidente do Clube Naval. Benjamin Constant ocupou o cargode tesoureiro. Uma das primeiras ações políticas concretas do clube foi apoiar,no mesmo ano de sua criação, a candidatura de Deodoro ao Senado pelo Rio deJaneiro. O marechal ficou em quarto e último lugar, recebendo apenas 7,6% dototal de votos, mas sua candidatura serviu para manter acesa a chama nosquartéis e aproximar os militares de outros movimentos, como os abolicionistas,que também se engajaram na sua candidatura.

Enquanto isso, os atos de indisciplina sucediam-se a todo momento. Umcaso de grande repercussão aconteceu no dia 3 de novembro de 1888, durante avisita do conselheiro Tomás Coelho, ministro da Guerra, à Escola Militar da PraiaVermelha. No dia anterior, um grupo de alunos, todos republicanos fervorosos,havia combinado um ato de protesto diante do ministro. Pelo plano, no momentoem que Tomás Coelho passasse a tropa em revista, em vez de apresentar armas,todos dariam vivas à República. Na hora “h”, porém, os estudantes negaramfogo, assustados com a ameaça de punições previstas no regulamento militar. Aúnica exceção foi o cadete Euclides Rodrigues da Cunha (o futuro autor de Ossertões). No instante em que o ministro passou à sua frente, Euclides tentouquebrar a espada arcando a lâmina com as duas mãos. Em seguida, jogou aarma ao chão de forma ostensiva. Como resultado, foi expulso da Escola Militar

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e trancafiado durante um mês na fortaleza de Santa Cruz. Foi solto no dia em queo comandante da fortaleza recebeu pelo telégrafo a seguinte mensagem:

Euclides da Cunha, liberdade.Era uma ordem do imperador Pedro II. Livre da cadeia, Euclides

matriculou-se na Escola Politécnica e de lá voltou para a Escola Militar após aProclamação da República, um ano mais tarde.[191]

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10. O MARECHAL

ATÉ AS VÉSPERAS DE 15 de novembro de 1889, Manoel Deodoro da Fonseca,o fundador da República, não era republicano. Pelo menos é o que indica acorrespondência que trocou um ano antes com o sobrinho Clodoaldo da Fonseca,aluno da Escola Militar de Porto Alegre. Integrante da “mocidade militar”liderada por Benjamin Constant, admirador das ideias do francês Auguste Comtee ardoroso defensor da República, Clodoaldo escreveu uma carta ao tio emmeados de 1888 na qual expressava suas convicções. Recebeu em resposta umareprimenda:

República no Brasil é coisa impossível, porque será uma verdadeiradesgraça — escreveu Deodoro. Os brasileiros estão e estarão muito maleducados para republicanos. O único sustentáculo do nosso Brasil é aMonarquia; se mal com ela, pior sem ela.Em outra carta, pouco depois, o marechal recomendou ao sobrinho:Não te metas em questões republicanas, porquanto República no Brasil edesgraça completa é a mesma coisa; os brasileiros nunca se prepararãopara isso, porque sempre lhes faltarão educação e respeito.[192]Documentos como esses ajudam a explicar os momentos de indecisão

demonstrados por Deodoro no dia 15 de novembro. Nos momentos cruciais dogolpe que liquidaria o Império, o marechal ainda relutava em assumir o papelque lhe caberia na história, contra a opinião de outras lideranças militares e civisque o pressionavam para proclamar oficialmente a República. “Deodoro aindanão tinha (...) a mais leve inclinação pelo regime que se pretendia fundar”,assegura seu biógrafo Raimundo Magalhães Júnior.[193] Aparentemente, só seconverteu ao projeto republicano forçado pelas circunstâncias e a contragosto, aoperceber que a mudança de regime se tornara inevitável.

Nascido na província de Alagoas em 5 de agosto de 1827, Deodoro daFonseca cresceu em uma família de militares. Seu pai, natural de Pernambuco,chamava-se Manoel Mendes da Fonseca Galvão, mas, preocupado com a

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cacofonia gerada pela proximidade das sílabas ca e ga, eliminara o Galvão dosobrenome. Mendes da Fonseca ingressara no Exército em 1806, dois anos antesda chegada da corte de dom João ao Brasil, como praça de infantaria. Após aIndependência, em 1822, ajudara a suprir de armas e munições as tropasimperiais de dom Pedro I que expulsaram os portugueses da Bahia. Promovido aalferes logo em seguida, fora transferido do Recife para Alagoas, onde se casoucom Rosa Maria Paulina, dezessete anos mais nova do que ele. O casal teve dezfilhos — oito homens e duas mulheres. Como era comum naquela época,Mendes da Fonseca acabou se envolvendo na política local. Eleito vereador,chegou a acumular as funções de chefe de polícia e juiz de direito interino na vilade Alagoas, a primeira capital da província, atual município de MarechalDeodoro.[194]

Em 1839, quando Deodoro tinha doze anos de idade e seu pai ocupava oposto de major, os habitantes da vila de Alagoas, onde moravam, souberam danotícia de que a capital da província seria mudada para Maceió, 27 quilômetrosao norte. Pelo plano já traçado, o primeiro órgão a ser transferido para a novasede de governo seria a Tesouraria da Fazenda. Feroz opositor da mudança,Mendes da Fonseca reuniu seus comandados, dirigiu-se ao palácio e depôs opresidente da província, Agostinho da Silva Neves. Por uma ironia do calendário,a rebelião, logo sufocada, aconteceu no dia 15 de novembro, exato meio séculoantes do golpe que o filho do major lideraria em 1889 contra a Monarquia.Sitiado por tropas imperiais despachadas de Pernambuco e da Bahia, Mendes daFonseca fugiu para o Sergipe, onde foi preso e enviado para a sede da corte, noRio de Janeiro. Submetido a Conselho de Guerra, conseguiu ser absolvido emmaio do ano seguinte, mas a ousadia lhe custou caro.[195]

Reformado no posto de tenente-coronel após a fracassada revolta,Mendes da Fonseca terminou a vida endividado e perseguido pelos credores.Como não tinha dinheiro para sustentar a família, fez com que todos os filhos sealistassem no Exército. Em 1854, enviou um apelo patético ao imperador Pedro IIsuplicando por auxílio financeiro que o ajudasse a saldar as dívidas e permitir queos três filhos mais jovens completassem os estudos:

Minha família, coitada, sempre mantida pelo apertado repuxo, já não dejustas economias, mas de dolorosas misérias, nunca comeu mais do que onecessário para não morrer de fome, nunca trajou luxo, ainda não viu asparedes internas de um teatro, nunca foi mesmo a um baile dos muitosconcorridos nesta Corte, onde vivemos há quinze anos.[196]Até hoje não se sabe se a súplica do patriarca dos Fonseca foi atendida.

Manuel Mendes da Fonseca morreu em 24 de agosto de 1859, quando Deodorotinha 32 anos e era capitão do Exército. As dificuldades da família teriamdeixado profundas marcas na personalidade do futuro proclamador da Repúblicabrasileira. Segundo seu biógrafo Raimundo Magalhães Júnior, o fracasso do golpe

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liderado pelo pai em 1839 teria também influência decisiva no seucomportamento meio século mais tarde, quando pegou em armas contra oImpério. Na manhã de 15 de novembro de 1889, Deodoro muito provavelmentetinha vivas na memória as dificuldades enfrentadas pelo pai naquele episódio e,portanto, sabia perfeitamente as consequências de um novo eventual fracasso.Tudo isso, segundo Magalhães Júnior, teria contribuído para sua indecisão dianteda perspectiva de derrubar o imperador Pedro II do trono e proclamar aRepública.[197]

No Exército, Deodoro pertencia à categoria dos “tarimbeiros”, comoeram conhecidos os oficiais veteranos da Guerra do Paraguai e oriundos defamílias pobres. A expressão fazia referência à tarimba, estrado de madeirausado como cama improvisada nos acampamentos de guerra. Era um símbolodas agruras que esses militares haviam enfrentado ao longo da carreira, vivendoem condições precárias nos alojamentos e quartéis, mudando com frequência decidade, enquanto lutavam em defesa do Império brasileiro. “Deodoro era umpobre homem, de alma franca e cavalheiresca”, definiu o historiador OliveiraVianna. “Pertencia bem ao tipo das naturezas ardentes e francas, capazes dededicações profundas, mas também de antipatias irredutíveis.”[198] RaimundoMagalhães Júnior, seu biógrafo, o descreveu como “uma figura imponente ebizarra, de olhar vivo, agudo, penetrante, revelando determinação em cada gestoe em cada atitude”.[199]

Aluno da turma de 1843 na Escola Militar, onde fez o curso de artilharia,Deodoro teve uma carreira apagada e difícil até a Guerra do Paraguai. Seubatismo de fogo aconteceu em 1849, durante a Revolução Praieira dePernambuco, onde combateu nas fileiras das tropas imperiais. Depois disso, seucurrículo registra repetidos casos de indisciplina, sempre por desacato ouproblemas com os superiores imediatos. Em menos de dois anos foi preso cincovezes. O comportamento explosivo seria sua marca até o fim da vida.

Promovido a capitão em 1856 e transferido para Mato Grosso, Deodorocasou-se em Cuiabá, quatro anos mais tarde, com Mariana Cecília de SousaMeireles, órfã de um capitão do Exército e um ano mais velha do que ele. Ocasal nunca teve filhos. Em 1864, então com 37 anos, foi despachado para aGuerra do Paraguai. Seria a grande experiência de sua vida — e também a detoda a sua família. Dos sete irmãos homens de Deodoro, seis partiram para aguerra. Três deles morreram nos campos de batalha. Deodoro permaneceu seisanos fora do Brasil lutando contra os paraguaios. Nesse período, foi promovidosucessivamente a major, tenente-coronel e coronel, sempre por atos de bravura.“Só tive um protetor: Solano López”, diria mais tarde em uma entrevista aojornal Diário da Manhã, em Santos, litoral paulista. “Devo a ele, que provocou aGuerra do Paraguai, a minha carreira.”[200] Ferido na batalha de Itororó,embarcou para o Brasil em meados de 1870, quando o conflito já chegava ao

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fim. Em 1874, com o peito repleto de medalhas e outros galardões, foipromovido a brigadeiro, posto equivalente ao de general na atual hierarquia doExército. Com essa patente, serviu em diversas regiões do país.

Depois da Guerra do Paraguai, a segunda grande transformação na vidade Deodoro aconteceria em 1883, ano em que foi nomeado comandante dearmas da província do Rio Grande do Sul e começou a se envolver cada vez maiscom a política local. Ali também começaram suas divergências com oestancieiro e conselheiro do Império Gaspar Silveira Martins, a mais importantefigura da política gaúcha naquele período. O historiador Hélio Silva afirma que abriga entre os dois tinha origem em “uma competição em que aparece uma belasenhora da época”. Seria a baronesa de Triunfo, viúva bonita e elegante,fazendeira e filha do general gaúcho Andrade Neves. Nessa disputa, Deodorolevara a pior. Silveira Martins, um homem galanteador, mais culto, inteligente eviajado do que o marechal, teria conquistado o coração da bela baronesa — edesde então as relações entre os dois azedaram de vez.[201] Seria a notícia daescolha de Silveira Martins para chefiar o ministério de dom Pedro II na noite de15 de novembro de 1889 que levaria o até então relutante Deodoro a aderirdefinitivamente à República, como se verá em capítulo mais adiante.

Em 1886, depois de um breve retorno ao Rio de Janeiro, Deodoro passoua acumular o comando de armas com a presidência interina da província do RioGrande do Sul, em substituição ao amigo pernambucano Henrique Pereira deLucena, futuro barão de Lucena, que, eleito deputado, tivera de renunciar aocargo. Na condição de presidente provisório, coube a Deodoro o privilégio deinaugurar a primeira linha telefônica de Porto Alegre, novidade que chegava aosgaúchos apenas dez anos depois de exibida pela primeira vez por Graham Bell adom Pedro II na Exposição Universal da Filadélfia de 1876. Foi de Deodoro oprimeiro “alô” ouvido na sede da Companhia Telefônica em 15 de setembro de1886. Porto Alegre era a sexta cidade brasileira a adotar a invenção, depois deRio de Janeiro, Petrópolis, Niterói, São Paulo e Santos. O comércio ficou com amaioria dos primeiros aparelhos. A assinatura anual, de 120 mil réis pagosadiantados, equivalia ao salário de um funcionário público de categoriamédia.[202]

Deodoro encontrava-se nessa poderosa condição — de simultaneamentechefe militar e civil dos gaúchos — quando estourou a chamada Questão Militar.De lá seguiria para o Rio de Janeiro, onde se envolveria com a “mocidademilitar” de Benjamin Constant e passaria a participar ativamente da conspiraçãocontra o Império. Anfriso Fialho, oficial do Exército e deputado piauiense que oconheceu nessa ocasião, descreveu o marechal da seguinte forma:

É alto, magro, moreno bronzeado, tem os olhos negros e penetrantes,lábios finos, nariz pontudo e aquilino, narinas rasgadas: todos estes traçosdão-lhe à fisionomia uma aparência de águia e de grande energia. Usa

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toda a barba, curta, quase branca; os cabelos ainda pretos e rarefeitos noalto da cabeça, formando uma calva em coroa irregular; tem ombroslargos e quadrados, mantém-se direito como um soldado perfilado.[203]Outra testemunha da época, o coronel e futuro historiador Ernesto Senna

relatou que, a despeito da aspereza da vida na caserna, Deodoro conhecia latim egostava de música. Segundo ele, o marechal tinha o curioso hábito de cruzar osdedos e rodar os polegares enquanto conversava sentado em uma poltrona.Vaidoso, costumava aparecer à porta da Alfaiataria Rabelo, situada na rua doOuvidor, Rio de Janeiro, trajando roupas civis. “Quase sempre usava chapéu alto,preto, fraque curto da mesma cor, um tanto apertado na cintura, calça larga,deixando ver pendente do colete a corrente do relógio”, descreveu ErnestoSenna. Usava também uma bengala “cujo cabo representava a cabeça de umfrade”.[204]

No final de 1888, superados os momentos mais tensos da QuestãoMilitar, o governo buscava um motivo para afastar o marechal Deodoro do Riode Janeiro e do centro das conspirações. O pretexto surgiu quando Paraguai eBolívia romperam relações em virtude de uma disputa territorial na região doChaco. Temia-se que uma guerra entre os dois países pudesse ameaçar asfronteiras do Brasil. Com a desculpa de que o clima de tensão exigia a presençade um oficial de alta patente na região, o Ministério da Guerra despachounovamente o marechal para Mato Grosso com a dupla função de comandante dearmas da província e chefe de uma expedição militar de observação dasfronteiras. “Na realidade, tratava-se de um desterro mal disfarçado”, comoobservou o historiador Celso Castro.[205] Embarcou para Cuiabá em 27 dedezembro, deixando Benjamin Constant na presidência interina do Clube Militar.

Ao chegar a Mato Grosso, Deodoro deu-se conta de que fora, de fato,atraiçoado. Não havia muito o que fazer ali. A disputa entre Bolívia e Paraguaiestava longe de representar qualquer ameaça aos interesses brasileiros. Surpresamaior ele teve ao ser informado de que o governo havia nomeado paraadministrar Mato Grosso o coronel Cunha Matos — aquele mesmo oficial quehavia detonado a Questão Militar durante uma visita de inspeção ao Piauí. Nacondição de comandante de armas da província, Deodoro estaria subordinado aonovo governador. Portanto, ele, um marechal, iria responder a um coronel! Porfim, Deodoro recebeu a notícia de que o conselheiro Gaspar Silveira Martins, seurival na vida privada e na política gaúcha, acabara de ser nomeado para apresidência da província do Rio Grande do Sul. Foi a gota d’água. Irritado com oque julgava ser uma afronta direta aos seus brios pessoais, o marechalabandonou o posto sem antes pedir autorização e tomou um navio de volta para oRio de Janeiro sem nunca ter exercido as novas funções.

A caminho da capital, Deodoro viajava triste também com a notícia dofalecimento do irmão Severiano, ocorrido em março, durante seu desterro em

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Mato Grosso. Severiano Martins da Fonseca tinha sido, de todos os irmãos, o maispróximo da Monarquia. Fora conselheiro de guerra do imperador, veador (cargoequivalente ao de inspetor ou intendente) da imperatriz Teresa Cristina,comendador das ordens de Cristo e de Aviz, oficial da Rosa e do Cruzeiro. Em 2de março de 1889, dom Pedro II o agraciou com o título de barão de Alagoas“com grandeza”, em retribuição aos bons serviços prestados ao Império. Morreudezessete dias mais tarde. Deodoro tinha grande admiração por ele e costumavaouvir os seus conselhos. Por isso, ficara transtornado ao saber da morte do irmão.“Morreu a única pessoa que ainda podia me conter”, afirmou na ocasião.[206]

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1889,Deodoro era, portanto, um copo de mágoa já transbordado. E, mais do que antes,convertia-se no candidato natural da “mocidade militar” e dos oficiaisrepublicanos para assumir a liderança da revolução.

Em 14 de setembro de 1889, dia seguinte ao do retorno do marechalDeodoro de Mato Grosso sem autorização prévia do governo imperial, umincidente menor ocorreu no Rio de Janeiro. Ao visitar a repartição do Tesouro, opresidente do Conselho de Ministros, visconde de Ouro Preto, não encontrou emseu posto o comandante da guarda, que, pelo protocolo, deveria prestar-lhecontinência. Pelo relato do ministro, o tenente Pedro Carolino estava dormindo.Na versão dos republicanos, tinha ido ao banheiro. Sentindo-se ofendido em suaautoridade, Ouro Preto mandou prendê-lo. Os jornais republicanos O País eDiário de Notícias publicaram artigos em que criticavam a “ignorância” doministro. Dessa maneira, o tenente, que até então era uma figura apagada e“bem pouco estimado dos seus colegas”, segundo o depoimento de Ximeno deVilleroy, foi promovido a celebridade da noite para o dia. Em cartas aopresidente do Clube Militar, dizia-se injustiçado e ultrajado pelo presidente doConselho de Ministros.

No dia 16 de setembro, quarenta sócios do Clube Militar enviaram umrequerimento a Deodoro no qual pediam que se convocasse uma reunião com oobjetivo de “tratar-se de negócio urgente e relativo aos direitos e garantias daclasse”.[207] Todos os signatários eram tenentes ou alferes-alunos da EscolaSuperior de Guerra, ou seja, a “mocidade militar” de Benjamin Constant.Deodoro devolveu o requerimento com uma mensagem curta e seca: “Por oranão há necessidade de reunir-se a sessão pedida”. O caso do tenente Carolinoera, de fato, irrelevante, uma falta disciplinar menor que poderia ter sido tratadacom uma advertência ou uma pequena punição dentro da cadeia de comandomilitar. No clima explosivo que se instalara entre os militares e o governo, noentanto, tudo era pretexto para a radicalização. Os republicanos aproveitaram aocasião para esticar a já morna Questão Militar. Era a arrancada final doprocesso que levaria ao golpe de 15 de novembro.

Pelos jornais, os civis continuavam a instigar os militares contra o

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governo imperial. No dia 10 de novembro, um artigo no diário O País, dirigidopor Quintino Bocaiúva, botou lenha na fogueira ao anunciar supostas medidas queo governo estaria preparando contra militares rebeldes. “Entre as medidaspreviamente asseguradas para a instalação do Terceiro Reinado, nos consta queserá apresentado ao Parlamento, pelo governo imperial, um plano dedesmobilização do Exército”, afirmava o jornal. Pelo plano, as forças doExército até então concentradas no Rio de Janeiro seriam espalhadas “pela vastasuperfície do Império”, em contingentes pequenos, “distribuindo-se, para essefim, os batalhões pelas províncias”. À Guarda Nacional, mais fiel à Monarquia,ficaria confiada a guarda da capital do Império. Outras medidas afetavam ovalor do soldo dos militares e autorizavam o governo a demitir qualquer oficialsem processo prévio.[208]

Em outra manobra desastrada, às vésperas do golpe de 15 de novembro,o governo havia transferido para o Rio de Janeiro alguns oficiais gaúchosconhecidos pela militância e pela radicalização na campanha republicana. Eramo major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, de 46 anos, filho de um fazendeirogaúcho ligado aos liberais. Sólon passara a maior parte de sua carreira no RioGrande do Sul, mas, com a ascensão de Silveira Martins à presidência daprovíncia, foi removido para o Rio de Janeiro, onde passou a comandar o 9ºRegimento de Cavalaria em São Cristóvão. No dia 6 de outubro de 1889 tambémchegou à corte, vindo do Rio Grande do Sul, o capitão Antônio Adolfo daFontoura Mena Barreto, de 43 anos. Como Deodoro, era opositor de SilveiraMartins, vítima do expurgo promovido pelo novo presidente da província. Aochegar ao Rio de Janeiro, passou a servir no mesmo 9º Regimento comandadopor Sólon Ribeiro, onde também estava o alferes Joaquim Inácio Batista Cardoso.Nos dois meses seguintes, os três oficiais teriam participação fundamental naorganização do golpe republicano. Desse modo, enquanto tentava “limpar” asfileiras do Exército no Rio Grande do Sul, vistas como um foco de subversãorepublicana, o governo na verdade reforçava o poder de fogo dos conspiradoresconcentrando-os no próprio coração do Império, o Rio de Janeiro.

Os temores se confirmaram no dia 10 de novembro, quando o 22ºBatalhão de Infantaria, conhecido reduto da campanha republicana, embarcouno navio Maranhão com destino ao Amazonas. Era comandado pelo coronelCarlos Magno. Ele e seus oficiais ficariam sabendo da Proclamação daRepública ao chegar a Pernambuco às sete horas da manhã do dia 16.Retornariam ao Rio de Janeiro só em 2 de janeiro de 1890.[209]

Tudo isso teve a força de um estopim aceso no ânimo dos militares jáem franco estado de rebelião.

No dia 14, interrogado sobre os boatos pelo ministro da Guerra, viscondede Maracaju, Floriano Peixoto respondeu:

— Estamos sobre um vulcão![210]

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Sem que o visconde soubesse, entre os que alimentavam o combustíveldentro do vulcão estava ninguém menos que o próprio Floriano, a essa altura jácomprometido com os republicanos.

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11. O PROFESSOR

A MAIS CONHECIDA IMAGEM DA Proclamação da República é um quadro aóleo do pintor Henrique Bernardelli exposto hoje na biblioteca da AcademiaMilitar das Agulhas Negras, situada no município de Resende, Rio de Janeiro.Reproduzida nos livros didáticos do ensino fundamental, essa é a versão oficialdos acontecimentos que passou para a história. Nela, o marechal Deodoro daFonseca aparece sobre um fogoso cavalo baio que domina todo o primeiro plano.Com o braço direito esticado segura o quepe, a indicar um gesto de viva àRepública. O olhar fixo para o alto, a barba e o cabelo eriçados, o porte rijo emarcial, tudo indica ardor, energia e determinação. Ao fundo, relegadas aosegundo plano, aparecem diversas figuras de tamanho reduzido e tons escuros,meras coadjuvantes da cena principal dominada por Deodoro e seu cavalo. Sóum especialista conseguiria discernir suas identidades. Ali estão, entre outros, ojornalista Quintino Bocaiúva e o professor e tenente-coronel Benjamin ConstantBotelho de Magalhães. Dos dois, Benjamin é o mais injustiçado pelo planorelativamente obscuro a que o relegou Bernardelli.

Ao contrário do que sugere o quadro, Benjamin não foi um personagemsecundário na queda do Império. A rigor, deveria estar em primeiro plano, talvezcom destaque ainda maior do que o dado ao marechal Deodoro. Foi ele océrebro da revolução de 1889, “o catequista, o apóstolo, o evangelizador, odoutrinador, a cabeça pensante, o preceptor, o mestre, o ídolo da juventudemilitar”, na definição do historiador José Murilo de Carvalho.[211] A Deodorocaberia um papel simbólico importante, o de catalisador das energias do meiomilitar. Sem ele, o golpe de 15 de novembro provavelmente teria fracassado. Erao único chefe das Forças Armadas com autoridade e legitimidade suficientespara se colocar à frente das tropas e confrontar o governo imperial. Sem a préviaação doutrinadora de Benjamin, porém, é possível que Deodoro nem sequertivesse tropas a comandar naquele dia. Por essa razão, o historiador VicenteLicínio Cardoso definiu a Proclamação da República como um caso único na

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História do Brasil — “o de uma revolução política dirigida por um professor dematemática”.[212]

Alvo de grande polêmica desde os primeiros dias do novo regime, oquadro de Henrique Bernardelli reflete uma sina que parecia acompanharBenjamin Constant. O fundador da República injustiçado pela história oficial foidesde sempre um herói improvável. Sua trajetória pessoal esteve, desde ocomeço, marcada pela tragédia. Órfão de pai aos treze anos, tentou suicídioatirando-se às águas barrentas de um ribeirão. Salvo por uma escrava, mudou adata do aniversário para marcar o que considerava o dia do seu “segundonascimento”. Aos quinze, tornou-se arrimo de família, responsável pelo sustentodos quatro irmãos menores, da mãe e de uma tia. A mãe enlouqueceu emseguida e teve de ser internada em um hospício. Às voltas com dificuldadesfinanceiras, Benjamin alistou-se no Exército, mas sempre vestiu a farda acontragosto. Preferia usar roupas civis e ser reconhecido como professor dematemática. Apesar do inegável talento em sala de aula, foi inúmeras vezespreterido em concursos e promoções em favor de candidatos menosqualificados. Dizia-se infeliz e injustiçado na carreira militar. O espírito rebeldecustou-lhe diversas prisões por insubordinação. Teve participação controversa naGuerra do Paraguai. Suas cartas despachadas do campo de batalha revelam umhomem empenhado em desmentir a fama de medroso.

A soma de todos esses atributos impôs aos estudiosos de BenjaminConstant um desafio complicado na hora de traçar-lhe o perfil psicológico. Cartase anotações guardadas no seu arquivo pessoal, somadas aos depoimentos daspessoas que com ele conviveram, poderiam sugerir uma personalidadedepressiva, quadro caracterizado por reduzida autoestima e crises persecutóriasque, muitas vezes, beiram a paranoia. O historiador Renato Lemos, autor de umaalentada e bem documentada biografia do personagem, preferiu resumir odiagnóstico a uma expressão brasileira em voga no final do século XIX. Segundoele, Benjamin sofria de “síndrome do caiporismo”.[213]

O “caiporismo” tem origem em uma conhecida figura mitológica dofolclore brasileiro, o Caipora. Na descrição do folclorista potiguar Luís daCâmara Cascudo, trata-se de “um pequeno indígena, escuro, ágil, nu ou usandotanga, fumando cachimbo, doido pela cachaça e pelo fumo, reinando sobre todosos animais e fazendo pactos com os caçadores, matando-os quando descobrem osegredo”. Ainda segundo Câmara Cascudo, na região Nordeste o Caipora faz-sepassar por “uma indiazinha, amiga do contato humano, mas ciumenta e ferozquando traída” e quem a encontra “fica infeliz nos negócios e em tudo quantoempreender.”[214] Em resumo, o portador do “caiporismo” é um azarado navida. Dificilmente poderia haver melhor moldura para enquadrar BenjaminConstant.

As referências ao próprio “caiporismo” são frequentes nos textos e

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bilhetes de Benjamin Constant. “Se a não tenho feito feliz, não é porque não odeseje e muito e não tenha feito esforço para isso, é porque não o quer a minhamá sorte”, afirmou em correspondência à mulher, Maria Joaquina, em fevereirode 1867, quando estava na Guerra do Paraguai. Na mesma carta, Benjamin serefere à ida para os campos de batalha como uma prova cabal do mau agouroque o acompanhava, restando assim “curvar a cabeça à sorte que nunca (me)quis ser favorável e seguir o caminho que a honra e o dever (me) apontam”. Odestino ruim seria, no seu entender, uma herança familiar. “Parece que um maufado acompanha-me e à minha família (e não) cansa de perseguir-nos”, anotou.

Benjamin Constant era um homem corpulento, mas de estatura reduzidapara os padrões atuais, media apenas 1,55 metro. Usava óculos ovais, sem hastes,sustentados por um cordão preso à casaca. O bigode espesso caía sobre os cantosda boca, emoldurando um cavanhaque ralo. Andava e falava de formacadenciada, com voz cavernosa. A expressão era séria, compenetrada. Em lugarda farda militar, preferia sair à rua sempre de sobrecasaca preta, calça e gravatada mesma cor. Frequentava pouco os lugares públicos e nunca bebia álcool.[215]

No começo de 1889, era um homem de grande prestígio no Rio deJaneiro. A “mocidade militar” o havia promovido à condição de mentorintelectual e líder espiritual na jornada rumo à esperada revolução. Nas reuniõesdos oficiais republicanos, sua presença serena ajudava a moderar os ânimos edar algum rumo à crise deflagrada pela espinhosa Questão Militar. Era tambémcortejado pelos republicanos civis, que o viam como um elo fundamental deligação no meio militar. Entre seus admiradores contava-se ninguém menos doque o imperador Pedro II, que anos antes o convidara para dar aulas dematemática aos netos no Palácio da Quinta da Boa Vista. Benjamin aceitara oconvite, mas logo pedira demissão do cargo por não suportar o maucomportamento dos príncipes.

Apesar da boa reputação, às vésperas da Proclamação da RepúblicaBenjamin Constant andava visivelmente frustrado e assombrado pelas injustiçasque lhe marcavam o caminho. Na carreira militar, sentia-se estacionado,caroneado e mal reconhecido. Conseguiu ser promovido a tenente-coronel emmaio de 1888, depois de treze longos anos de espera no posto de major. Emborativesse lutado no Paraguai, a promoção veio não por merecimento, comogostaria, mas por antiguidade. Como professor, ganhava mal e trabalhava muito.Para pagar as contas domésticas, era obrigado a acumular diversos empregos efazer dívidas frequentes, como revelam as anotações do seu arquivo pessoal. Emjunho de 1887, devia ao Banco Auxiliar, do Rio de Janeiro, 3:160$320, somaequivalente a seis meses de seus salários como professor. As decepções na vidaprofissional, somadas à personalidade persecutória, o levaram a se distanciar doambiente da Monarquia, onde via as portas se fecharem, e a abraçar a causarepublicana. “A malfadada vida foi o caldo de cultura da radicalização política

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de Benjamin Constant”, afirmou Renato Lemos.[216]Benjamin nasceu em 9 de fevereiro de 1837 em localidade próxima a

Niterói. Era o primeiro dos cinco filhos de Leopoldo Henrique Botelho deMagalhães, voluntário do Exército português que, transferido para o Rio deJaneiro no início de 1822, aderiu às forças comandadas por dom Pedro I edecidiu permanecer no Brasil após a Independência. O nome escolhido para ofilho, indicador das convicções políticas do pai, foi uma homenagem a Henri-Benjamin Constant de Rebecque, o pensador franco-suíço (citado em capítuloanterior) cujas ideias inspiraram a introdução do Poder Moderador naConstituição brasileira de 1824 e tiveram grande influência na política doPrimeiro Reinado.

Depois de lutar pela causa de dom Pedro I na guerra da Independência,Leopoldo Henrique dera baixa do Exército, mas, às voltas com dificuldadesfinanceiras, fora obrigado a mudar de cidade com frequência e exercer diversasprofissões. Foi professor e dono de escola em Macaé e Magé, Rio de Janeiro, epadeiro em Petrópolis, na serra fluminense. Por fim, aceitou o convite paraadministrar uma fazenda de propriedade do barão de Lage em Minas Gerais. Ali,morreu de febre tifoide, em 15 de outubro 1849, dia assinalado nas memórias dofilho Benjamin como o do “trovão do infortúnio”. A morte do patriarca foi umacatástrofe para a família. Benjamin tentou o suicídio, sendo salvo pela escrava. Amãe começou a demonstrar os primeiros sinais de loucura, que a levaria aterminar a vida trancafiada em um hospício.

Em 1850, Benjamin matriculou-se no curso de latim do colégio doMosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro. Seu histórico escolar revela um alunosem motivação. No primeiro ano, foi colocado de castigo, obrigado apermanecer de pé diante dos alunos e do professor, em razão dos inúmeros erroscometidos nas lições. No segundo, teve 57 faltas em um total de 182 dias de aulae foi novamente submetido a castigos que incluíram o uso de palmatória. Noterceiro ano, frequentou as aulas só até março e desistiu do curso.[217] Emseguida, alistou-se como voluntário do Exército, condição para a entrada naEscola Militar da Praia Vermelha, porém, uma vez mais, revelou-se um maualuno, sendo reprovado no primeiro ano.

Em 1858, último ano do curso de engenharia, protagonizou um famosoepisódio de indisciplina em uma ocasião em que os estudantes foramconsiderados suspeitos de um roubo ocorrido na escola. No momento em que oajudante se preparava para ler a ordem do dia contendo a acusação docomandante, Benjamin tomou as dores dos colegas. Irritado, arrancou o papeldas mãos do oficial e, depois de atirá-lo ao chão e pisoteá-lo, anunciou:

— Esta ordem do dia não há de ser lida, porque é um insulto aos alunos!O inesperado gesto de Benjamin desencadeou uma rebelião que varreu

as salas e corredores da Escola Militar durante três dias. No final, vários alunos

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foram expulsos ou presos, entre eles o próprio Benjamin, que passou 25 diasdetido na fortaleza da Laje, situada na entrada da baía de Guanabara. O episódiodesde cedo revelou um traço de comportamento que o acompanharia pelo restoda vida — o da solidariedade irrestrita com os seus colegas de farda, em especialos estudantes das escolas em que dava aulas.[218]

Aos dezoito anos, ainda como estudante de engenharia, começou a daraulas de matemática, função que exerceu pelo resto da vida — na EscolaNormal, no Instituto Comercial, no Instituto dos Cegos, na Escola Central, naPolitécnica e, finalmente, na própria Escola Militar da Praia Vermelha. Foi umacarreira marcada pelas frustrações e pela injustiça. Benjamin tentou cinco vezesa cadeira de professor titular em concursos públicos. Em todas elas, embora seclassificasse sempre em primeiro lugar, a vaga acabou ficando com umcandidato menos qualificado graças ao apadrinhamento político, muito comumno Segundo Reinado. Em uma dessas ocasiões, em 1862, concorreu à cadeira dematemática da Escola Normal do Rio de Janeiro. Como sempre, classificou-seem primeiro lugar, porém a vaga ficou com o segundo colocado, que tinha apreferência do presidente da província. A mágoa foi tão grande que Benjaminchegou a preencher um requerimento ao ministro da Guerra pedindo demissãodo serviço militar, ato que não se confirmou.

Em abril de 1863, aos 26 anos, casou-se com Maria Joaquina, queacabara de completar quinze anos. Era filha do catarinense Claudio Luís daCosta, diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e homem influente nacorte imperial. Cirurgião formado pela Escola de Medicina do Rio de Janeiro,Claudio era sogro do escritor e poeta maranhense Antônio Gonçalves Dias.Também fora amigo do escritor, político e pintor Manoel de Araújo Porto Alegree do pintor Jean-Baptiste Debret — um dos principais integrantes da MissãoArtística Francesa trazida para o Brasil por dom João VI. Em 1825, recebera dedom Pedro I a comenda de Cavaleiro da Ordem de Cristo. Em 1855, tornara-semembro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que reunia algunsdos mais importantes intelectuais da época. O casamento com Maria Joaquinafuncionaria, desse modo, como uma alavanca de ascensão social para BenjaminConstant, depois das inúmeras frustrações da carreira militar e do magistériopúblico. Por coincidência, no mesmo ano do casamento, Benjamin tentou novoconcurso, para a vaga de professor titular do Instituto Comercial. Classificou-senovamente em primeiro lugar e dessa vez, finalmente, foi nomeado para a vaga.

Convocado para a Guerra do Paraguai, permaneceu apenas um ano nafrente de batalha, sem nunca participar diretamente dos combates. Em vez disso,atuou em tarefas de abastecimento das tropas, construção de trincheiras eelaboração de esboços topográficos. Nas cartas que enviou para a família nesseperíodo fica evidente o seu desinteresse pela carreira militar. “Trago às costasuma pesada farda que nenhum futuro dá a ninguém neste nosso desgraçado país,

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e que, no entanto, impõe-me deveres”, escreveu em 29 de março de 1867.Referindo-se à guerra, dizia esperar que “toda esta porcaria acabe o maisdepressa possível”. Em outra carta, semanas mais tarde, prometia “dar parte dedoente e pedir inspeção de saúde para retirar-me ao Brasil” tão logo fossepossível. De fato, Benjamin Constant recebeu licença de saúde em agosto de1867, dois meses após escrever a carta. Segundo os registros médicos, teriacontraído malária no Paraguai. Ele desembarcou no Rio de Janeiro em outubro,às voltas com uma crise febril, e, mediante sucessivas renovações da licença desaúde, nunca mais voltou à guerra. Em 1869, com a morte do sogro, assumiu seulugar na direção do Instituto dos Meninos Cegos, entidade situada nasproximidades do Pão de Açúcar e que hoje leva seu nome.

Um manuscrito de Benjamin Constant localizado em seus arquivos peloantropólogo e historiador Celso Castro revela que, em 1868, ele ensaiou umpedido de demissão do Exército, “deixando a carreira das armas e seguindo outra(a do magistério), a que o suplicante se tem dedicado e para a qual sente a maisdecidida vocação”. O requerimento não chegou a ser encaminhado, e Benjaminprosseguiu na carreira militar a contragosto. No título de eleitor que tirou em1881, no campo reservado à profissão declarou “magistério”, em vez de militar.Oito anos mais tarde, em agosto de 1889, às vésperas da Proclamação daRepública, ao renovar o título e já promovido ao posto de tenente-coronel,declarou novamente “magistério”.[219]

A carreira de Benjamin no magistério contém um segundo episódiocurioso envolvendo o imperador dom Pedro II (no primeiro, já citado acima, oimperador o convidou para dar aulas aos netos, tarefa que ele exerceu por poucotempo). Em 1872, ao prestar concurso para uma vaga na Escola Militar da PraiaVermelha na presença do monarca, Benjamin fez questão de avisar a bancaexaminadora de que professava as ideias do francês Auguste Comte. Foi umaatitude corajosa, uma vez que os positivistas, seguidores de Comte, defendiam atroca da monarquia pela república. Apesar de honesta, a confissão, no entanto,implicava algum risco. Ao admitir o credo positivista e suas inclinaçõesrepublicanas diante do próprio imperador do Brasil, Benjamin poderia perder avaga de professor antes mesmo de começar a disputá-la. Para surpresa de todos,o imperador, ao ser consultado sobre a questão, respondeu que não via problemaalgum. Benjamin prestou o concurso, passou em primeiro lugar e foiimediatamente nomeado para o cargo.

A junção do magistério com a fé positivista o levariam ao encontro damocidade militar e ao destino que lhe era reservado na história republicanabrasileira. “A partir do final de 1886, a biografia de Benjamin Constant não podeser desvinculada de sua relação com a “mocidade militar”, observou CelsoCastro. “É no ‘Dr. Benjamin’ que os jovens oficiais ‘científicos’ irão se fixar nabusca por um líder da conspiração republicana.”[220]

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No agradecimento aos alunos ao final das aulas de 1888, Benjaminenumerou o que, no seu ponto de vista, eram “os altos destinos sociais e políticosreservados ao Exército brasileiro” no futuro próximo:

Os exércitos têm hoje um alto destino a desempenhar: concorrer deconcerto com as outras classes para o advento do regime industrial epacífico, para o fraternal congraçamento dos povos — servindo àsinstituições em nome dos altos interesses da pátria e da humanidade, eenquanto elas satisfazem a esse nobre objetivo. (...) Daí resulta que maisainda do que as outras classes precisa aliar à sua conveniente instruçãoteórica uma sã instrução geral e cívica. Porque há uma ciência que eladeve conhecer muito mais do que a ciência da guerra, é a ciência da paz.Um exército ignorante e sem a conveniente educação moral e cívica,embora perito nas operações de guerra, poderá ser uma boa espadasempre vencedora nas lutas materiais, mas será também uma espada dedois gumes que tanto poderá ferir a pátria, como aos inimigos dela.Seria em nome desses princípios que os jovens seguidores de Benjamin

Constant ergueriam suas armas contra o Império no ano seguinte.Em maio de 1888, quando Benjamin Constant, finalmente, conseguiu a

promoção ao posto de tenente-coronel, por antiguidade, os estudantes da EscolaMilitar aproveitaram a ocasião para lhe prestar grandes homenagens. Entreoutros mimos, o novo coronel recebeu de presente um exemplar do livroSynthèse subjective, de Auguste Comte, ricamente encadernado e encerradonum estojo com a inscrição do lema do positivismo gravado em letras douradas:“O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim”. Na dedicatória,lia-se: “Ao venerando mestre Benjamin Constant Botelho de Magalhães.Homenagem dos alunos da Escola Militar da Corte”. Para comprar o presente, osestudantes haviam promovido uma lista de subscrição com 163 assinaturas e umtotal de 69 mil réis arrecadados. Benjamin ficou profundamente tocado pelashomenagens. A partir daí, sua ligação com os jovens científicos da Escola Militarseria indissolúvel.

Nos dias que antecederam o golpe de 15 de novembro, uma vez mais,Benjamin recebeu dos estudantes e jovens oficiais inúmeras homenagens. No dia26 de outubro, ao terminar a aula, o professor viu a sala ser invadida por alunos eoficiais inferiores. “Mestre! Nós delegamos em ti o nosso modo de pensar, deagir e de sentir na transformação republicana de nossa pátria”, afirmou oalferes-aluno Tasso Fragoso. Uma mensagem assinada por 39 alunos da EscolaMilitar, também entregue na ocasião, terminava com apelo idêntico:

Mestre, sede o nosso guia em busca da terra da promissão — o solo daliberdade![221]Na mesma ocasião, os estudantes lhe entregaram seis abaixo-assinados

secretos, conhecidos como “pactos de sangue”, que lhe hipotecavam

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solidariedade irrestrita até a morte em sua atuação como representante da classemilitar contra o governo. Ao todo, 173 pessoas assinaram os “pactos de sangue”,todas militares. Entre elas havia apenas dois oficiais superiores. Os restanteseram 13 capitães, 37 tenentes e 120 alunos de escolas militares (mais umsignatário cuja patente até hoje não foi possível identificar). Os alunos da EscolaMilitar da Praia Vermelha e da então recém-criada Escola Superior de Guerrarepresentam, portanto, 70% do total de signatários.

Alarmado com a movimentação da “mocidade militar” em torno deBenjamin, o governo bem que tentou neutralizá-la. No começo de 1889, dividiu aescola miliar em duas. Na primeira unidade, na Praia Vermelha, permaneceramsomente os cursos de infantaria e cavalaria. Para a segunda, denominada EscolaSuperior de Guerra e instalada no bairro de São Cristóvão, foram transferidostodos os alferes-alunos que frequentavam os cursos das armas consideradas“científicas”. Com a mudança, o governo também tentou cooptar BenjaminConstant, convidado a assumir a direção da nova ESG, cargo que ele recusou.Acreditava-se que, com a criação da nova escola, o governo faria desaparecer oclima de indisciplina e “promiscuidade” hierárquica entre os alunos que até entãoimperava na Praia Vermelha.

O tiro saiu pela culatra. Segundo anotou Celso Castro, a instalação da ESG

em São Cristóvão teve como principal resultado fomentar o ambiente deinsurreição no próprio bairro em que morava o imperador e onde estavamsediados o 1º Regimento de Cavalaria e o 2º Regimento de Artilharia, duas dasunidades militares mais importantes da corte. Seriam essas as primeiras tropasque marchariam em direção ao campo de Santana para derrubar o governo namadrugada de 15 de novembro de 1889. São Cristóvão havia se tornado, assim, onovo reduto da “mocidade militar”.[222]

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12. OS ABOLICIONISTAS

NOS ÚLTIMOS ANOS DO IMPÉRIO , o Brasil testemunhou um acontecimentosem precedentes na sua história. O movimento abolicionista, que levou àlibertação dos escravos pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888, foi a primeiracampanha de dimensões nacionais com participação popular. Nunca antes tantosbrasileiros se haviam mobilizado de forma tão intensa por uma causa comum,nem mesmo durante a Guerra do Paraguai. Envolvendo todas as regiões eclasses sociais, carregou multidões a comícios e manifestações públicas,dominou as páginas dos jornais e os debates no Parlamento e mudou de formadramática as relações políticas e sociais que até então vigoravam no país. Comoefeito colateral, deu o empurrão que faltava para a queda da Monarquia e aproclamação da República. “Nunca se viu no Império, nem se veria depois,como nessa época, um movimento que empolgasse tanto a consciência danação”, observou o historiador Heitor Ly ra.[223]

Até a campanha abolicionista, a escravidão era uma sólida instituiçãonacional, que parecia imune às transformações e aos ventos libertários do séculoXIX. O Brasil foi o maior território escravagista do hemisfério ocidental por maisde 350 anos. Estima-se que, de um total de 10 milhões de cativos africanostrazidos para as Américas nesse período, 40% tiveram como destino terrasbrasileiras. Foi também o país que mais tempo resistiu a pôr fim ao comércionegreiro e o último do continente americano a abolir a mão de obra escrava —quinze anos depois de Porto Rico e dois depois de Cuba. “Neste país, os pretosrepresentam o papel principal; acho que, no fundo, são mais senhores do queescravos dos brasileiros”, anotou em seu diário de agosto de 1881 a educadoraalemã Ina von Binzer, contratada para dar aulas aos filhos de cafeicultores doVale do Paraíba e da região de Rio Claro, interior de São Paulo. “Todo o trabalhoé realizado pelos pretos, toda riqueza é adquirida por mãos negras, porque obrasileiro (branco) não trabalha.”[224]

Viciado em escravidão, o Brasil resistiu enquanto pôde aos esforços

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abolicionistas. Em meados do século XIX, a situação chegou a tal ponto que aInglaterra, maior potência econômica e militar do planeta e cuja opinião públicaexigia a imediata abolição do tráfico negreiro, passou a dedicar ao Brasiltratamento equivalente ao reservado aos estados barbarescos do Norte da Áfricaenvolvidos com a pirataria. Sob a mira dos canhões britânicos, navios negreiroseram aprisionados a caminho do litoral brasileiro e submetidos à Corte de Justiçainglesa, que geralmente confiscava as embarcações e devolvia suas cargashumanas ao litoral africano. Nada disso parecia amedrontar os traficantes.

A primeira lei brasileira de combate ao comércio negreiro, aprovadaem 1831 por pressão do governo britânico, nunca pegou. Era, como se dizia naépoca, “uma lei para inglês ver”. Mesmo oficialmente proibido no país econdenado por tratados internacionais, o tráfico continuou de forma intensa e sobas vistas grossas das autoridades. Calcula-se que entre 1840 e 1850 entraram noBrasil, em média, de 30 mil a 40 mil escravos africanos por ano. O contrabando,altamente lucrativo, compensava os riscos. Em 1843, o capitão de um navionegreiro pagava na África cerca de 30 mil réis por escravo e o revendia noBrasil por soma vinte vezes maior.[225]

Como a fiscalização em águas internacionais parecia não surtir efeito, nocomeço de 1850 a Marinha britânica passou a atacar os portos brasileiros embusca de negreiros. No episódio de maior repercussão, um navio inglês trocoutiros com o forte situado na entrada da baía de Paranaguá, no litoral paranaense,atingindo cinco embarcações que ali estavam ancoradas. Era, obviamente, umacircunstância humilhante para o governo imperial, desafiado em sua soberaniaterritorial por uma nação estrangeira. Assustado com a pressão dos ingleses,nesse mesmo ano o Parlamento brasileiro aprovou a chamada Lei Eusébio deQueiroz, que, finalmente, acabou com o tráfico. Os últimos desembarquesclandestinos de que se tem notícia ocorreram em 1856, seis anos após apublicação da nova lei. O fato foi denunciado pela imprensa, e os quinhentosafricanos desembarcados foram imediatamente postos em liberdade.

O fim do tráfico negreiro com a África criou uma nova forma decomércio de escravos no Brasil, já citado brevemente em um dos capítulosanteriores, desta vez entre as províncias do norte e as do sul. Donos de engenhosde açúcar em decadência no Nordeste passaram a vender os seus cativos para osbarões do café do Vale do Paraíba e de Minas Gerais. O resultado foi a maiormigração forçada de pessoas em toda a história brasileira. No espaço de apenasdez anos, entre 1864 e 1874, o número de escravos nas províncias nordestinasdeclinou de 774 mil para 435 mil. Enquanto isso, nas regiões cafeeiras apopulação escrava saltou de 645 mil para 809 mil. Só na província de São Paulo,o número mais do que dobrou, de 80 mil para 174 mil cativos.[226] Aconcorrência interna também fez o preço dos cativos triplicar entre 1855 e 1875.Os impostos regionais cobrados pela saída do escravo — equivalentes ao atual

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ICMS — se tornaram um item importante no orçamento dos governos provinciais.Em 1862, a maior parte da arrecadação do governo alagoano era gerada pelaexportação de escravos para o sul.[227]

Depois da Lei Eusébio de Queiroz, o país demorou mais de duas décadaspara dar um novo passo rumo à abolição. A Lei do Ventre Livre, de 1871,estabelecia que todo filho de escrava nascido no Brasil a partir daquela data terialiberdade mediante as seguintes condições: o proprietário dos escravos poderiamanter a criança junto aos pais na senzala até os oito anos de idade, quando entãoteria a opção de entregar o menor ao governo, em troca de indenização de 600mil réis, ou continuar com ele até os 21 anos. Os defensores da nova lei previamque o tempo se encarregaria de acabar com a escravidão brasileira. À medidaque morressem os escravos mais velhos e nascessem as crianças livres, onúmero de cativos diminuiria até não haver mais traço deles no país. Dessamaneira, o problema se resolveria naturalmente sem maiores sobressaltos ouprejuízos para a ordem estabelecida. “Não perturbem a marcha do elementoservil”, alertou pouco antes de morrer o visconde do Rio Branco, responsávelpela aprovação da lei.[228] Os críticos da medida, no entanto, discordavam desseponto de vista. Diziam que, na prática, o problema continuava do mesmotamanho e que, uma vez mais, o país havia encontrado uma forma de empurrá-lo com a barriga.

Sob a vigência da Lei do Ventre Livre, a maioria dos proprietáriospreferiu manter os filhos das escravas no cativeiro após os oito anos de idade emvez de entregá-los ao governo mediante a indenização prometida. Ou seja, osfazendeiros continuaram a utilizá-los como mão de obra cativa, como se nadativesse mudado. Em 1882, onze anos depois da aprovação da lei, um relatório doMinistério da Agricultura informava que apenas 58 crianças em todo o Brasilhaviam sido entregues aos tutores oficiais. Todas as demais permaneceram nasfazendas, vivendo na companhia dos pais nas senzalas e trabalhando nas lavourasdebaixo da vigilância dos feitores. A lei previa também que, para viabilizar afiscalização, os fazendeiros tinham de registrar o nascimento das crianças.Poucos fizeram isso. Com a conivência dos párocos locais, a quem cabia fazer osregistros, eles fraudavam as certidões de batismo, como se as crianças tivessemnascido antes da Lei do Ventre Livre. O abolicionista pernambucano JoaquimNabuco calculava que, nesse ritmo, ainda haveria escravidão no Brasil atémeados do século XX.[229]

Contrariando todas as expectativas, a situação mudaria de formasurpreendente nos anos seguintes em razão do movimento abolicionista. O tema,que até então era sistematicamente evitado em discussões públicas, de repenteganhou as praças e ruas de todo o país. Clubes antiescravistas começaram abrotar em ritmo acelerado em todas as províncias, caso da SociedadeAbolicionista Cearense, da Libertadora Pernambucana, da Abolicionista do

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Espírito Santo e da Libertadora Sul-Rio-Grandense. A mobilização culminou coma criação da Confederação Abolicionista, reunindo treze associações menores eque, a partir dali, passou a organizar a campanha. Panfletos, manifestos, jornais elivros contra a escravidão eram produzidos aos milhares no Brasil inteiro.Discursos e palestras dos líderes abolicionistas atraíam multidões. Em São Paulo,o advogado Luís Gama organizava uma campanha jurídica para libertarescravos apoiando-se na lei de 1831 — aquela que, oficialmente, abolira o tráficonegreiro, mas que nunca tinha sido respeitada pelos traficantes. Nos tribunais,Gama conseguiu provar que uma boa parte dos cativos existentes nas lavouraspaulistas nessa época havia entrado no país depois de 1831, portanto legalmenteestavam livres.

Baiano de Itaparica, filho de uma negra livre e de um fidalgo português,o mulato Luís Gama tornara-se abolicionista depois de viver na pele as injustiçasda escravidão. Era ainda uma criança de dez anos quando seu pai, às voltas comdificuldades financeiras, não teve pudores de vendê-lo como escravo para umcomerciante do Rio de Janeiro. Levado mais tarde para Campinas, interior deSão Paulo, fugiu do cativeiro, estudou letras como autodidata e tornou-se umrábula — praticante da advocacia sem diploma universitário. Era um homemousado e corajoso. Sozinho conseguiu libertar mais de quinhentos escravos. Emum famoso processo de 1870, defendeu um escravo que matara o seu senhor.Seu argumento assustou os fazendeiros: todo cativo que mata o seu dono age emlegítima defesa. Por defender posições como essa, Gama recebia ameaças demorte e andava armado. Faleceu vítima de diabetes em 1882, aos 52 anos, semver a sua obra coroada.

Após a morte de Luís Gama, dois homens de perfis opostos passaram adominar a cena do movimento abolicionista — o pernambucano JoaquimNabuco e o fluminense José do Patrocínio, fundadores da Sociedade Brasileiracontra a Escravidão, em 1880. Nascido no Recife em 1849, Nabuco era filho deum dos mais importantes políticos do Império, o senador Nabuco de Araújo. Foiamamentado por uma mulher negra e passou a infância longe da família em um“engenho de fogo morto” — propriedade da zona da mata de Pernambuco queainda cultivava cana, mas não produzia açúcar. Aos oito anos, mudou-se para acasa dos pais, no Rio de Janeiro, e passou a frequentar os salões da corteimperial. Era um ambiente solene, que valorizava a etiqueta, a oratória e osgestos teatrais. No Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, foi colega de RodriguesAlves, futuro presidente da República. Mais tarde, como estudante de Direito daFaculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, tornou-se amigo de CastroAlves, Rui Barbosa e de outro futuro presidente, Afonso Pena. Ao lado deMachado de Assis, seria um dos fundadores da Academia Brasileira deLetras.[230]

Em um país de analfabetos, rural e atrasado, Nabuco era um homem

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cosmopolita. Passou a maior parte de sua vida viajando pela Europa e pelosEstados Unidos e privou da amizade de alguns dos homens mais influentes do seutempo, como o presidente americano Theodore Roosevelt. Em Londres, ondemorou, manteve intenso contato com o movimento abolicionista britânico.Magro, com 1,86 metro de altura, usava pulseira de ouro, chapéu de palha,sapatos ingleses e roupas impecáveis. Tornou-se conhecido como “Quincas, oBelo”. Na juventude, foi um dândi — estilo de vida celebrizado por intelectuaiseuropeus, como Oscar Wilde e Marcel Proust, que valorizava a aparência e ocomportamento mundano dos salões.

Em uma viagem de navio para a Europa, Nabuco conheceu EufrásiaTeixeira Leite, com quem teria um longo e apaixonado relacionamento. Eufrásiaera neta do barão de Itambé, por sua vez irmão do barão de Vassouras, ou seja,gente da fina flor da aristocracia rural do Segundo Reinado. O casal secorrespondeu por catorze anos, mas o romance não prosperou devido a barreiraspolíticas e familiares. Nabuco, o absolutista, era filho de um político de carreira.Como não tinha bens de raiz, às vezes se submetia a trabalhos menores paraganhar a vida, como ser correspondente de um jornal carioca em Londres.Eufrásia, ao contrário, vinha de uma família que era o símbolo da riqueza e opróprio sustentáculo da escravatura no Vale do Paraíba. Estavam, portanto, emlados opostos na política e na conta bancária. Terminado o romance comEufrásia, Nabuco casou-se tarde, aos quarenta anos, com Evelina Soares,dezesseis anos mais jovem do que ele, filha de barão e educada na França, masnem de longe dona de fortuna comparável a dos Teixeira Leite. Com ela teveduas filhas e três filhos.

Em artigos de jornal e discursos que atraíam multidões no Recife,Nabuco dizia que o Brasil estava condenado a continuar no atraso enquanto nãoresolvesse de forma satisfatória a herança escravocrata. Para ele, não bastavalibertar os escravos. Era preciso incorporá-los à sociedade como cidadãos depleno direito. O regime de escravidão, dizia, corrompia tudo e impedia que asociedade evoluísse. “A escravidão não consentiu que nos organizássemos, e sempovo as instituições não têm raízes, a opinião não tem apoio, a sociedade não temalicerces”, escreveu.

Defensor das instituições, Nabuco afirmava que fora delas não haviasolução para os conflitos da sociedade brasileira. “É no Parlamento que aemancipação deve ser decidida — e não na praça pública”, defendeu durante acampanha abolicionista.[231] Achava que a monarquia parlamentar, à modainglesa, era preferível à república — embora tenha recusado um título denobreza, o de visconde, que lhe foi oferecido pelo imperador Pedro II após aassinatura da Lei Áurea. Segundo ele, em um país de instituições fracas como oBrasil, seria difícil construir uma democracia sólida como a americana apenaspela mudança do regime monárquico pelo republicano. “A grande questão para

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a democracia brasileira não é a monarquia, é a escravidão”, dizia.Como seu colega pernambucano, José do Patrocínio teve uma vida digna

de roteiro de cinema, mas suas origens sociais eram muito diferentes. Nascidoem 1853 na vila de São Salvador dos Campos dos Goy tacazes, norte do Rio deJaneiro, era filho do vigário da cidade, o cônego João Carlos Monteiro, e de umaescrava, a jovem Justina Maria do Espírito Santo.[232] Fazendeiro, dono de umnumeroso plantel de escravos, vereador, deputado provincial e filiado à LojaMaçônica Firme União, o padre João Carlos era famoso pelas bebedeiras,jogatinas e aventuras sexuais. Teve inúmeros filhos com as jovens escravas, dasquais se servia sem qualquer pudor — como, aliás, era comum em todo o Brasilnaquela época. Justina, a mãe de Patrocínio, havia sido entregue a ele quandotinha doze ou treze anos, como presente de Emerenciana Ribeiro do EspíritoSanto, uma fiel da paróquia de Campos, dona de escravos e, segundo acreditamos biógrafos, também amante do padre.

Em 1868, aos catorze anos, Patrocínio deixou o município de Campos,sem que o padre jamais o reconhecesse como filho. No Rio de Janeiro trabalhoucomo servente aprendiz na Santa Casa de Misericórdia e, graças ao apoio de umprofessor da Escola de Medicina, conseguiu estudar e fazer o curso de farmácia.Em vez de seguir a carreira de farmacêutico, no entanto, virou professor ejornalista. Casou-se com uma de suas alunas, Maria Henriqueta de Sena Figueira,filha do capitão Emiliano Rosa de Sena, avô do futuro pintor Di Cavalcanti. Coma ajuda do sogro, um homem bastante rico, republicano e abolicionista, comprouseu próprio jornal, Cidade do Rio, por cuja redação passariam nomes famosos,como o poeta Olavo Bilac e o engenheiro André Rebouças, também umimportante abolicionista e amigo da princesa Isabel.

Patrocínio foi um jornalista agressivo e polêmico, cuja pena nãopoupava ninguém, nem mesmo os amigos e aliados republicanos. Na política, suabiografia é pontilhada de contradições. Como se viu nos capítulos iniciais destelivro, na tarde de 15 de novembro de 1889, enquanto o marechal Deodoro aindarelutava em aceitar a mudança do regime, Patrocínio tomou a iniciativa deproclamar a República perante um grupo reunido na Câmara Municipal do Riode Janeiro. Ao que tudo indica, no entanto, no fundo, era mais abolicionista doque republicano. Em 1888, após a assinatura da Lei Áurea, ficara de tal formagrato ao papel desempenhado pela princesa Isabel que deu a ela o título de “ARedentora”. Também se atribui a Patrocínio a criação da Guarda Negra, milíciacomposta de ex-escravos que tinha por objetivo defender o trono e o TerceiroReinado.

Companheiros de jornada abolicionista, Nabuco e Patrocínio sedistanciaram na República. Desgostoso com a queda da Monarquia, opernambucano se retirou da política por alguns anos, mas logo faria as pazes como novo regime por amor à vida diplomática. Em 1905 foi nomeado primeiro

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embaixador da República Brasileira nos Estados Unidos, responsável por umtrabalho exemplar de aproximação entre os dois países. Morreu em Washington,em 17 de janeiro de 1910, aos sessenta anos. Seu prestígio era tão elevado que ogoverno americano fez questão de lhe dar homenagens só reservadas aos chefesde Estado. Transportado de Nova York para o Brasil em um navio de guerra, seucorpo foi sepultado no Recife em meio a grande comoção popular.

José do Patrocínio, ao contrário, perdeu rapidamente as ilusões emrelação ao regime que ajudara a fundar. No governo Floriano Peixoto, foi presoe deportado para uma localidade distante no Amazonas. Anistiado, retornou aoRio de Janeiro, mas teve de passar meses escondido na casa de parentes. Aoabandonar a política, tornou-se um homem fascinado pelas invenções querevolucionavam o mundo. Foi um dos primeiros brasileiros a importar umautomóvel, da França e movido à vapor, em 1892. E também o primeiro a seenvolver em um acidente de trânsito: seu carro espatifou-se de encontro a umaárvore algumas semanas após desembarcar no Rio de Janeiro. No fim da vida,tentou construir um balão dirigível, com o qual sonhava sobrevoar a cidade. Oarcabouço do seu projeto ainda estava em construção quando chegou de Paris anotícia de que o também brasileiro Alberto dos Santos Dumont havia acabado decircundar a Torre Eiffel com invento semelhante. Morreu em 1905, aos 51 anos,pobre e vivendo de favores dos amigos no bairro de Engenho de Dentro, no Riode Janeiro.

O abolicionismo de André Rebouças, Luís Gama, Joaquim Nabuco eJosé do Patrocínio era um movimento urbano, enquanto a escravidãopermanecia como uma realidade rural. Na segunda metade do século XIX,

ocorrera um declínio acentuado no número de escravos urbanos em todo oBrasil. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a população total praticamentedobrara entre 1864 e 1887, enquanto o número de cativos caíra de 100 mil para 7mil no mesmo período. Em São Paulo, os 4 mil escravos registrados em 1872reduziam-se a seiscentos em 1886.[233] Na campanha abolicionista havia,portanto, dois Brasis em confronto. O primeiro, o dos defensores do fim daescravidão, era representado pelos advogados, professores, médicos, jornalistas eoutras profissões urbanas — um país que frequentava escolas, atualizava-se pelosjornais, reunia-se nos cafés para discutir as ideias e novidades do século XIX. Ooutro Brasil era o dos fazendeiros, ainda muito parecido com o da época dacolônia — agrário, isolado, analfabeto, sem comunicações e conservador.

Os debates da época refletiam esse confronto. Em junho de 1884, oImperial Instituto Baiano de Agricultura enviou uma petição à Câmara dosDeputados na qual reclamava do movimento abolicionista. “A escravidão tendoentrado em nossos costumes, em nossos hábitos, em toda a nossa vida social epolítica, acha-se por tal forma a ela vinculada que extingui-la de momento serácomprometer a vida nacional, perturbar sua economia interna, lançar esta na

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indigência, na senda do crime e no precipício de uma ruína incontável”, alertavao documento.[234] Parlamentares escravocratas ecoavam as reivindicações dosfazendeiros evocando em seus discursos um cenário de catástrofe. “Osabolicionistas são salteadores; mas, para estes, tenho o meu revólver!”,ameaçava Martinho de Campos, do Partido Liberal.[235] “Quem se atreverá adecretar de chofre uma medida que vai de encontro à vida da nossa pátria, queserá a morte da lavoura e da indústria, o esfacelamento, a destruição e a ruínadeste vasto Império?”, perguntava o gaúcho Gaspar Silveira Martins.[236]

Em 1884, Ceará e Amazonas se tornaram as primeiras províncias aabolir a escravidão no Brasil — quatro anos antes da Lei Áurea. Um motivo éque, nessas regiões, o trabalho cativo deixara de ser importante para a economia.No censo de 1872, os escravos representavam apenas 4,5% do total da populaçãocearense. No Amazonas, a proporção era ainda menor, de 1,7%.[237] Acabarcom a escravidão nessas províncias teria, portanto, pouco impacto na economialocal, ao contrário do que acontecia no sul do Brasil, especialmente no Vale doParaíba, cujas fazendas de café dependiam totalmente dos cativos. Ainda assim,as decisões tomadas por cearenses e amazonenses tiveram grande repercussãonacional pelo seu óbvio significado político. Era uma vitória do movimentoabolicionista e foi usada como ferramenta de propaganda até mesmo na Europa.

Um episódio ocorrido em 1881 no porto de Fortaleza contribuiu paraatrair as atenções para a luta contra a escravidão no Ceará. Foi o boicote aoembarque de cativos liderado pelo jangadeiro Francisco José do Nascimento, naépoca conhecido como “Chico da Matilde” e mais tarde rebatizado como“Dragão do Mar”. Durante três dias, Nascimento e os colegas se recusaram atransportar para os navios um grupo de escravos vendidos para fazendeiros do suldo país. Em represália, o jangadeiro foi demitido do cargo de prático da barraque ocupava na Capitania dos Portos do Ceará. A punição, no entanto, opromoveu de imediato à condição de herói do movimento abolicionistabrasileiro.[238]

Em março de 1884, José do Patrocínio estava em Paris, fazendopropaganda do movimento abolicionista, quando recebeu a notícia de que, graçasà luta do “Dragão do Mar” e seus jangadeiros, o presidente do Ceará, Sátiro Dias,acabara de anunciar o fim da escravidão na província. Alguns dias mais tarde, aoembarcar de volta para o Rio de Janeiro, trazia como troféu na bagagem umacartinha do escritor Victor Hugo celebrando o feito cearense:

Uma província do Brasil acaba de declarar a escravidão abolida (...) estanotícia tem um alcance imenso. (...) O Brasil infligiu na escravidão umgolpe decisivo. O Brasil tem um imperador, e este é mais do que umimperador, é um homem. Que continue. Nós lhe damos os parabéns e ohomenageamos. Antes do final do século, a escravidão terá desaparecidoda Terra. A liberdade é a lei humana.[239]

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Nos primeiros anos do movimento abolicionista, o imperador Pedro IIguardara uma atitude de reserva em relação ao assunto. Temia ferir os interessesda aristocracia rural que compunha a base de sustentação da Monarquia. A todosestava claro que, sem uma ação mais firme do monarca, a solução do problemanão avançaria. “A escravidão brasileira é irmã gêmea da Monarquia”, escreveuo autor anônimo de um panfleto publicado em 1884 no Rio de Janeiro com otítulo Carta de um agricultor à Sua Majestade o Imperador sobre a questão doelemento escravo. “As duas instituições se defendem, ambas pelos mesmosargumentos: a tradição, o costume e a lei.”[240]

Sob pressão das ruas, em 28 de setembro de 1885 o governo deu,finalmente, mais um passo rumo à abolição. Foi a chamada Lei dosSexagenários, que libertava todos os escravos com mais de sessenta anos. Naprática, era mais um paliativo. A expectativa de vida entre os escravos era tãoínfima que chegar aos sessenta anos no cativeiro seria quase um milagre. Alémdisso, libertar um escravo nessa idade, já bastante avançada para a época,equivalia a abandoná-lo à própria sorte, justamente quando ele mais precisava deabrigo e proteção do senhor que o havia explorado a vida toda.

A lentidão do governo serviu de combustível para a campanhaabolicionista. Em 1886, cinco cativos foram presos na cidade de Paraíba do Sul,província do Rio de Janeiro, acusados de matar o feitor. Um deles foi condenadoà prisão perpétua. Os demais, a trezentas chibatadas cada um. Era um númerotão grande de açoites que a pena demorou três dias para ser cumprida. Ao final,com as costas lanhadas pelo chicote, os quatro foram obrigados a voltar a pé dacidade até a fazenda onde trabalhavam. No caminho, dois morreram. Os outrosdesmaiaram e foram transportados em carros de boi. A repercussão do episódiofoi tão grande que, em poucos dias, o Senado aprovou uma lei colocando fim naspunições com açoites.[241]

Em São Paulo, um grupo mais radical chamado “Os Caifazes”, lideradopelo advogado republicano e maçom Antônio Bento, promovia a fuga em massados escravos, surrava os capitães do mato contratados para recapturá-los,ameaçava os fazendeiros e feitores acusados de maus-tratos. Sob a proteçãodesse grupo, foi organizado o mais famoso quilombo da época, o do Jabaquara.Situado nas imediações das cidades de Santos e Cubatão, na baixada santista,chegou a reunir 10 mil escravos fugidos.

No Rio de Janeiro, a Confederação Abolicionista, de José do Patrocínio,também criou um esquema para proteger escravos fugidos por meio de cartas dealforria falsificadas. O nome e a assinatura do proprietário eram fictícios, mas aconfederação se encarregava de legalizar o documento com carimbo e firmareconhecida graças à cumplicidade do juiz da 2ª Vara Cível, Julio Accioly deBrito, e do tabelião Bustamante Sá, ambos ferrenhos abolicionistas. Dessamaneira, o escravo fugitivo podia circular livremente pelas ruas da cidade sem

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se preocupar com a polícia.[242] Preocupados com o grande número de fugas,alguns proprietários apressaram-se em conceder alforrias verdadeiras sobdeterminadas condições. Os escravos eram emancipados, mas assumiam aobrigação de trabalhar nas fazendas por um período que variava de dois a cincoanos. Desse modo foram registradas em São Paulo 40 mil alforrias em menos deum ano.[243]

Ainda no Rio de Janeiro, a Confederação Abolicionista iniciou umacampanha para libertar os escravos nos quarteirões do centro da cidade. Umadas primeiras a aceitar o desafio foi a rua Uruguaiana, onde funcionava o jornalGazeta da Tarde. Em seguida foi a vez da badalada rua do Ouvidor, onde foramlibertados de uma só vez os 28 escravos do proprietário da Confeitaria Paschoal.Foi um ato de grande poder simbólico. A confeitaria era o local de reunião depoetas, políticos e escritores. Na mesma época, o Centro Abolicionista da EscolaPolitécnica, que tinha à frente André Rebouças e Benjamin Constant, obteve alibertação dos escravos do largo São Francisco de Paula. O movimentoabolicionista avançava, desse modo, como em um campo de batalha: cada rua,cada praça, cada metro conquistado merecia uma celebração.

Em 1887, duas vozes que até então relutavam em defender os escravoscerraram fileiras com os abolicionistas. A primeira foi a do Partido Republicanopaulista, que decidiu apoiar publicamente um projeto de lei libertando todos osescravos brasileiros até 14 de julho de 1889, data do primeiro centenário daRevolução Francesa. A segunda foi a da Igreja católica, que até então, comexceção de vozes isoladas, nunca fizera uma condenação oficial à escravidão.

Em outubro desse mesmo ano, um manifesto do Clube Militar assinadopelo marechal Deodoro pedia à regente princesa Isabel que o Exército não fossemais utilizado na caça aos escravos fugitivos:

Senhora, os oficiais, membros do Clube Militar, pedem a Vossa AltezaImperial vênia para dirigir ao governo Imperial um pedido, que é antesuma súplica. Eles todos (...) esperam que o Governo Imperial nãoconsinta que, nos destacamentos do Exército que seguem para interior,(...) os soldados sejam encarregados da captura de pobres negros quefogem à escravidão, ou porque vivam já cansados de sofrer-lhe oshorrores, ou porque um raio de luz da liberdade lhes tenha aquecido ocoração e iluminado a alma.[244]No começo de 1888, a maré abolicionista atingira tal ímpeto que incluía

ninguém menos que os filhos da princesa Isabel, netos de dom Pedro II. Amigoda família imperial, o engenheiro André Rebouças conta em seu diário que nessaépoca catorze escravos africanos foragidos de fazendas vizinhas a Petrópolisforam convidados a almoçar com os príncipes — supostamente de formaclandestina — no palácio imperial. Com o apoio da mãe, os príncipes tambéminauguraram um jornalzinho abolicionista chamado Correio Imperial, dirigido

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pelo mais velho deles, dom Pedro de Alcântara de Orleans e Bragança. Naedição de 21 de fevereiro, referindo-se à emancipação de escravos iniciada emPetrópolis, o jornal anunciava:

Para coroar esta bela obra, falta somente que os senhores de escravos,inspirando-se em sentimentos generosos, facilitem por seu lado aemancipação, diminuindo, ao menos, o valor dos libertandos destacidade.[245]No final de março daquele ano, a aristocrática e imperial Petrópolis foi

declarada livre da escravidão. Liderada pela princesa Isabel, uma comissão demoradores arrecadara os fundos necessários para comprar a liberdade de 102dos 127 cativos existentes na cidade. Curiosamente, na cerimônia de entrega dascartas de alforria, apareceram mais cinquenta escravos fugitivos, pedindo paraserem incluídos entre os beneficiados pela ação. Ali mesmo foi providenciadauma nova arrecadação de fundos para libertá-los.[246]

O recado era claro: a tarefa de eliminar a escravidão passava das ruaspara o trono do Brasil. Era essa a agenda da princesa Isabel ao assumir aRegência do Império pela terceira e última vez, em junho de 1887, durante maisuma viagem do pai ao exterior. Por determinação da regente, na abertura dasessão legislativa, em 8 de maio do ano seguinte, o ministro da Agricultura,conselheiro Rodrigo Augusto da Silva, apresentou um projeto de aboliçãoincondicional dos escravos. A medida foi promulgada no prazo de apenas cincodias. Oitenta e três deputados votaram a favor do projeto. Apenas nove contra,todos membros do Partido Conservador. Com exceção de um deputado dePernambuco, todos os demais eram representantes da província do Rio deJaneiro, o último reduto da escravidão no Império e “a mais reacionária” nadefinição do abolicionista Joaquim Nabuco.

Mais de 5 mil pessoas se reuniram nas proximidades do prédio daCâmara para acompanhar a discussão. No dia 13 de maio, um domingo, Isabeldeslocou-se de Petrópolis para o Rio de Janeiro, para assinar a nova lei. Umaonda de entusiasmo tomou conta das ruas. “Foi o único delírio popular que melembro de ter visto”, relatou o escritor Machado de Assis.[247] Seguiram-se trêsdias de celebrações públicas, ofuscadas apenas pela chegada das notícias deagravamento do estado de saúde do imperador na Europa.

A abolição, segundo o historiador pernambucano Manuel de OliveiraLima, significou o resgate do grande erro ainda da época da Independência doBrasil, que libertara politicamente os brancos sem libertar socialmente os negros.O custo desse resgate, no entanto, seria o próprio holocausto do Império e seuidoso monarca. “Eu vejo a Monarquia em sério perigo e quase condenada”,escreveu Joaquim Nabuco ao barão de Penedo doze dias após a assinatura da LeiÁurea. “A princesa tornou-se muito popular, mas as classes (conservadoras)fogem dela e a lavoura está republicana.” [248]

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Ao todo, cerca de 700 mil escravos ganharam a liberdade com a LeiÁurea. Em proporção ao total de habitantes do país, era um númerorelativamente pequeno. Na época da Independência, o Brasil tinha cerca de 1,5milhão de cativos, que representavam quase 40% do total da população. Em1888, essa proporção tinha caído para apenas 5%. Mesmo assim, os ex-escravosforam abandonados à própria sorte. No Brasil não houve nada parecido com oFreedmen’s Bureau, instituição criada pelo governo americano para darassistência aos escravos libertos após a Guerra da Secessão. “A Lei Áurea aboliaa escravidão, mas não o seu legado”, observou a historiadora Emília Viotti daCosta.[249] Mesmo entre os abolicionistas, foram poucos os que manifestaramalguma preocupação com a sorte dos ex-cativos. “Estavam mais interessados emlivrar a sociedade brasileira do câncer da escravidão do que em cuidar da sortedos libertos”, acrescentou Viotti da Costa. “Uma vez conquistada a abolição, amaioria deu-se por satisfeita: tinha alcançado seu objetivo.”[250]

Além do abandono a que foram relegados os ex-cativos, havia um traçomais sutil e duradouro da escravidão que, a rigor, jamais se apagou na culturabrasileira. É o preconceito contra negros e mulatos. Exemplo disso é a históriaenvolvendo três fundadores da Academia Brasileira de Letras contada pelaprofessora Emília Viotti da Costa. Segundo ela, quando Machado de Assismorreu, um de seus amigos, o escritor paraense José Veríssimo, escreveu umartigo de jornal em sua homenagem. Violou, no entanto, uma convenção socialao chamar o falecido de “o mulato Machado de Assis”. Joaquim Nabuco, que leuo artigo, não gostou da expressão e pediu a Veríssimo que a retirasse do texto.“Seu artigo no jornal está belíssimo”, escreveu o grande abolicionistapernambucano. “Mas esta frase causou-me arrepio. (...) Rogo-lhe que tire isso(...). A palavra não é literária e é pejorativa. (...) O Machado para mim era umbranco e creio que por tal se tomava...”

Como imaginava Nabuco, Machado de Assis, de fato, passara a vidaatormentado por três pesadelos: os ataques epiléticos frequentes, as origensmodestas e a cor escura da pele. Casou-se com uma mulher branca, manteveuma atitude discreta em relação à campanha abolicionista e suas obras literáriassão povoadas por personagens de pele clara. Raras vezes se referiu a negros oumulatos em seus romances e contos. “Todos sabiam que Machado era ummulato, mas reconhecer isso publicamente seria uma gafe, uma ofensa aMachado”, resumiu Viotti da Costa.[251]

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13. A REDENTORA

GETÚLIO DORNELLES VARGAS, o mais importante personagem daRepública brasileira no século XX, era ainda um menino de quatro anos quando osvereadores de sua cidade, São Borja, no Rio Grande do Sul, viraram notícianacional devido a uma polêmica decisão. Em requerimento aprovado no dia 13de janeiro de 1888, a Câmara Municipal gaúcha propunha que, no caso defalecimento do imperador Pedro II, os brasileiros fossem consultados a respeitoda oportunidade ou não de um terceiro reinado. Segundo o texto do documento,caberia ao país decidir, “por meio de um plebiscito, se convém a sucessão notrono brasileiro de uma senhora obcecada por uma educação religiosa e casadacom um príncipe estrangeiro”.

À primeira vista, poderia parecer mais uma das inúmeras atitudes semconsequências que as Câmaras Municipais ainda hoje adotam em todo o Brasil.Na verdade, era bem mais do que isso. Tratava-se de ação orquestrada de umaparte da maçonaria brasileira contra a princesa Isabel, herdeira da coroa, e seumarido, o francês Gastão de Orleans, conde d’Eu.[252]

Um ano antes de chegar ao plenário da Câmara de São Borja, a propostafora submetida à discussão dos membros da loja maçônica local, chamada“Vigilância e Fé”, nos seguintes termos:

A Maçonaria que se levante, opondo-se firmemente, no caso fatal damorte do imperante, à sucessão de Isabel. Que evite por todos os meioshonrosos, embora violentos, a coroação da princesa. O povo que segoverne e a Maçonaria que intervenha para a fundação de um governolivre e moralizado.O autor da iniciativa, Aparício Mariense da Silva, era, além de maçom,

fazendeiro e vereador. Na política local estava ligado ao coronel Manuel doNascimento Vargas, pai do menino Getúlio e correligionário do cheferepublicano Júlio de Castilhos. Aprovada pela Câmara de São Borja depois depassar pelo crivo dos membros da loja “Vigilância e Fé”, a proposta foi em

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seguida enviada a diversas outras entidades maçônicas brasileiras, ondepontificavam alguns nomes importantes do movimento republicano, como osfuturos presidentes Campos Salles e Prudente de Morais, Quintino Bocaiúva,Benjamin Constant, Rangel Pestana, Francisco Glicério, Américo Brasiliense,Ubaldino do Amaral, Aristides Lobo, Bernardino de Campos e Lauro Sodré.Dividido entre monarquistas e republicanos, o Grande Oriente do Brasil, órgãomáximo da maçonaria no Rio de Janeiro, se absteve de tomar uma posiçãooficial, o que não impediu que representações regionais aderissem de imediato àproposta dos gaúchos. Foi o caso das lojas “Independência e Regeneração III”, deCampinas, e “Estrela D’Oeste”, de Ribeirão Preto, que aprovaram moçõessemelhantes em junho de 1888.

Apesar da mobilização das lojas maçônicas, a decisão da Câmara deSão Borja poderia ter caído no vazio não fosse a reação precipitada do presidenteinterino da província do Rio Grande do Sul, o advogado Joaquim Jacinto deMendonça. Conservador, adversário do grupo de Manuel Vargas e AparícioMariense da Silva, Mendonça determinou que os vereadores fossem afastadosdos seus cargos e processados. Foi o que bastou para que se levantasse umclamor nacional em solidariedade aos gaúchos. Jornais e panfletos de todo o paíspassaram a repercutir o assunto e a atacar o governo imperial.

Em Santos, litoral paulista, o advogado Antônio da Silva Jardim,igualmente membro da maçonaria, promoveu uma grande manifestação públicaque marcaria o início de sua épica campanha republicana nas demaisregiões.[253] Diversas Câmaras Municipais aprovaram requerimentos de igualteor no Rio Grande do Sul, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.Curiosamente, o processo contra os vereadores não prosperou na Justiça, ondepromotores e juízes ligados à maçonaria se encarregaram de sustar seuandamento.[254]

O episódio envolvendo a Câmara de São Borja ilustra o papel dúbiodesempenhado pela princesa Isabel nos acontecimentos que levaram àProclamação da República. Ao assinar a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888,Isabel propiciou um derradeiro e fugaz momento de popularidade da Monarquiabrasileira, já abalada pelos conflitos da Questão Militar e pelo avanço dapropaganda republicana. Em razão disso, recebeu homenagens e celebrações emtodo o país, em especial por parte de negros, mulatos e ex-escravos que viam naprincesa a protetora que jamais haviam tido em toda a história brasileira. Comose viu nos capítulos anteriores, um deles, o mulato e abolicionista José doPatrocínio, lhe deu o título de “A Redentora”, com o qual é reconhecida até hojeentre os brasileiros. A mesma Lei Áurea, no entanto, tirou do trono o seu maissólido pilar de sustentação: a aristocracia rural e escravagista representada,principalmente, pelos barões do café do Vale do Paraíba.

Para os senhores de escravos, a abolição havia sido um atentado contra o

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direito de propriedade. Eles consideravam os cativos um bem particular, tãovalioso quanto as fazendas, as lavouras de café e cana, os engenhos de açúcar eoutros itens de seu patrimônio. Forçados a aceitar o fim da escravidão depois dedécadas de resistência, exigiam que o governo concordasse, ao menos, emindenizá-los pelos prejuízos que julgavam sofrer. Os abolicionistas, porém,discordavam desse ponto de vista. Um deles, o engenheiro André Rebouças,sustentava que, após a abolição, quem deveria receber indenização não eram osproprietários, mas os escravos, em razão do trabalho forçado e dos abusos a queforam submetidos ao longo da vida.

O governo adotou essa linha por uma questão prática: aos preçosvigentes na época da Lei Áurea, os 700 mil escravos ainda existentes no paísvaleriam cerca de 210 milhões de contos de réis, enquanto o orçamento geral doImpério não passava de 165 milhões de contos de réis.[255] Indenizar ossenhores de escravos seria, portanto, impossível. Ao ver suas reivindicaçõesignoradas, a aristocracia rural sentiu-se traída pela Monarquia. Como resultado,nos meses seguintes à assinatura da lei, aderiu em massa à causa republicana.

A abolição foi apenas parte do problema envolvendo a princesa imperiale a sucessão do trono brasileiro. Profundamente religiosa e conservadora, ela eraapontada pelos críticos como sendo mais fiel às orientações da Igreja do que aosinteresses dos brasileiros. “Hoje nós passamos o dia todo na igreja, começandopor assistir à missa”, escreveu Isabel ao marido em 15 de outubro de 1875.“Estou muito cansada com a lavagem da igreja”, relatou em outra ocasião,referindo-se à limpeza semanal da catedral de Petrópolis.[256] Emreconhecimento à assinatura da Lei Áurea, o papa Leão XIII lhe concedeu a Rosade Ouro, uma das mais altas honrarias do Vaticano. Ao recebê-la das mãos donúncio apostólico na capela imperial do Rio de Janeiro, em 28 de setembro de1888, Isabel prestou um juramento de obediência ao papa. Isso só contribuiu paraa erosão de sua imagem entre os republicanos, que na época defendiam aseparação entre os poderes da Igreja e do Estado. Para eles era inaceitável que aeventual futura imperatriz do Brasil se subordinasse ao Vaticano de maneira tãoincondicional.

A reação contra Isabel pode ser medida por uma carta que o fazendeiroCândido Teixeira Tostes, um dos homens mais ricos de Minas Gerais, conhecidocomo o “rei do café” na região de Juiz de Fora, enviou na época ao amigo efuturo genro Saint-Clair José de Miranda Carvalho. No texto, Cândido Tostes serefere à Lei Áurea como “celebrírrima lei de 13 de maio, obra monumentaldessa idiota que só pensa hoje na Rosa de Ouro que lhe foi conferida pelo papa eque espera alcançar do mesmo ser canonizada muito brevemente”.Acrescentava em seguida: “Felizmente o que vai acontecer é ser enxotada pelabarra afora. (...) Caminhamos a passos de gigante para riscarmos da Américaessa instituição que se chama Monarquia”.[257]

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Os republicanos também acusavam a princesa de ser excessivamentesubmissa ao marido. Na imprensa, dizia-se que, na eventualidade da morte doimperador Pedro II, seria o conde d’Eu o verdadeiro soberano brasileiro. Nessecaso, o Brasil voltaria a ser governado por um príncipe estrangeiro como haviaacontecido até a abdicação de dom Pedro I ao trono, em 1831. “O reinado deIsabel e Gastão de Orleans (...) será a nossa desonra, governo de agiotagem, desacristia, da pátria em balcão, do punhal covarde e assassino vibrado nas trevas”,afirmava o jornal A República Federal, da Bahia.[258] “O terceiro reinado é ogoverno do terror e do sangue”, ecoava Aristides Lobo no Diário Popular, de SãoPaulo. “Ou o partido republicano resolve-se a esmagar a víbora que o pretendesufocar, ou realmente terá de sucumbir.”[259]Silva Jardim se referia à princesacomo “uma senhora de espírito ignorante, frágil e fútil, educada pelo marido nocarolismo de sacristia, não na religião, em saraus burgueses”.[260]

Isabel e a maçonaria estavam em rota de colisão desde a chamadaQuestão Religiosa, série de conflitos envolvendo o governo brasileiro e oVaticano entre 1872 e 1875. Na época, os poderes da Igreja e do Estado seconfundiam e se misturavam. Por uma prerrogativa chamada “padroado”,herdada ainda da Monarquia portuguesa, o monarca era simultaneamente ochefe do Estado e o representante supremo da Santa Sé no país. Cabia a elenomear bispos e padres, que recebiam salários do governo e lhe deviamobediência, como todos os demais funcionários. Também por esse privilégiocompetia ao imperador sancionar bulas e decisões papais antes que entrassemem vigor no país. Tudo isso funcionou relativamente bem até meados do séculoXIX, quando as cisões começaram a aflorar.

Uma das divergências dizia respeito à maçonaria. Alvo de críticas porparte da Igreja, a maçonaria tinha grande influência na política brasileira. Entreos maçons proeminentes da época estava José Maria da Silva Paranhos, ovisconde do Rio Branco. Chefe do gabinete de ministros responsável pelapromulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, Rio Branco era também o grão-mestre — ou seja, líder supremo — da maçonaria brasileira. O próprioimperador Pedro II, embora nunca tenha se filiado à maçonaria, frequentava aslojas e acompanhava com interesse as discussões políticas e filosóficas que aliocorriam. Por essa razão, o imperador deixou de sancionar algumas bulas dopapa Pio IX que proibiam os fiéis católicos de frequentar as lojas maçônicas.Enquanto o soberano não se manifestasse, as decisões do papa não teriam valorlegal no Brasil, o que gerou um problema para os bispos e padres, obrigados aoptar entre as orientações do Vaticano e as do governo imperial que pagava osseus salários.

O conflito veio à tona em dois episódios quase simultâneos. Em marçode 1872, o Grande Oriente do Brasil promoveu no Rio de Janeiro uma festa em

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homenagem ao visconde de Rio Branco pela promulgação da Lei do VentreLivre. Entre os presentes estava o próprio imperador. O orador escolhido parahomenagear o ministro foi um padre maçom, José Luís de Almeida Martins. Fielà orientação do papa, o então bispo do Rio de Janeiro, dom Pedro Maria deLacerda, qualificou o ato de indisciplina e puniu o sacerdote com a suspensão desuas ordens.[261] Na mesma época, uma loja maçônica do Recife mandoucelebrar missa em comemoração ao seu aniversário de fundação. O bispo deOlinda, dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, proibiu a cerimônia edeterminou a excomunhão de todo fiel católico que continuasse a frequentar aslojas maçônicas.

Posição semelhante foi adotada pelo bispo de Belém, dom Antônio deMacedo Costa, em solidariedade ao colega pernambucano. Chamado a opinar, ogoverno anunciou que, antes de responder ao papa, bispos e padres brasileirosdeviam obediência ao imperador. “O bispo é um empregado público”,determinava o parecer assinado pelo senador Nabuco de Araújo, pai doabolicionista Joaquim Nabuco. Em 1874, dom Vital e dom Macedo Costa foramjulgados e condenados a quatro anos de prisão com trabalho forçado, pena depoisreduzida para prisão simples por interferência do imperador Pedro II.[262]

Católica fervorosa, a princesa Isabel, que estava em viagem à Europa,tomou as dores dos bispos. “O governo quer-se também meter demais em coisasque não deveriam ser de seu alcance”, protestou em carta enviada ao pai. A seuver, o governo imperial deveria zelar pelos direitos dos cidadãos brasileiros e pelocumprimento da Constituição, mas nada disso faria sentido “se não obedecemosem primeiro lugar à Igreja”.[263] Em 1875, os bispos foram anistiados medianteum acordo diplomático previamente negociado com o Vaticano. Maçons erepublicanos, porém, nunca se conformaram com o desfecho do caso e menosainda com o papel desempenhado pela herdeira do trono. A concessão da anistiaaos bispos foi atribuída à influência da princesa Isabel. A vingança viria duasdécadas mais tarde, às vésperas do golpe republicano.

Isabel foi herdeira do trono brasileiro por 43 anos, entre 1846, ano de seunascimento, e 1889, data da queda da Monarquia. Governou o Brasil em trêsocasiões, na condição de princesa regente, sempre durante as viagens de seu paiao exterior. Além dela, só outras oito mulheres em todo o mundo ocuparam oposto de autoridade máxima de seus países durante o século XIX: Maria II, dePortugal (a filha primogênita de dom Pedro I); Vitória, da Grã-Bretanha; IsabellaII, da Espanha; Liliuokalani, do Havaí; Guilhermina, da Holanda; Maria Cristinade Bourbon, de Napóles; Maria Cristina de Habsburgo, da Espanha; e Emma deWaldeck e Py rmont, da Holanda.[264]

Mulher e candidata ao mais alto posto na administração pública do Brasilimperial, Isabel era uma excentricidade em um mundo masculino, conservadore patriarcal. No século XIX, prevalecia no país a noção de que as mulheres

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deveriam ser educadas para assumir o papel de esposa e mãe. Por lei, estavamproibidas de votar e serem votadas. A elas estava também proibido o acesso aoensino superior, privativo dos homens, o que obrigou a carioca Maria AugustaGeneroso Estrela, primeira médica brasileira, a obter o diploma em Nova York,em 1881, conforme se viu em capítulo anterior. Defendido já em 1832 pelapotiguar Nísia Floresta (precursora do abolicionismo, da República e da luta pelaigualdade de gênero no Brasil), o direito das mulheres à educação e ao votodemoraria um século para virar realidade. O sufrágio feminino, ignorado pelaprimeira Constituição brasileira, de 1824, seria novamente recusado pelaprimeira assembleia constituinte republicana, de 1891, e só incorporado aoCódigo Eleitoral por Getúlio Vargas em 1932, ainda assim com restrições.

Ao assumir a regência pela primeira vez, em maio de 1871, com 25anos e nenhuma experiência política, Isabel viu-se à frente de um gabineteministerial composto de sete homens maduros e circunspectos. Caberia a ela,ainda que temporariamente, governar um país de 10 milhões de habitantes edimensões continentais. Em vez de se assustar, escreveu uma carta bem-humorada ao pai, que estava na Europa:

Coisa tão esquisita ver-me assim do pé para a mão uma espécie deimperador sem mudar de pele, sem ter uma barba, sem ter uma barrigamuito grande.Na mesma carta, brincava dizendo que um eventual colapso do

ministério na ausência do pai a deixaria de “calças pardas”, expressãoequivalente a “borrar a cueca” no ambiente masculino.[265]

Isabel nasceu no final da tarde de 29 de julho de 1846, depois de umprolongado trabalho de parto da mãe, a imperatriz Teresa Cristina. Seguindo atradição, o pai, dom Pedro II, a levou imediatamente à presença de um grupocomposto de ministros, conselheiros de Estado e dos presidentes da Câmara e doSenado — todos homens. Como exigia a lei, ali mesmo firmou-se umadeclaração oficial em três vias na qual todos a reconheciam como herdeirapresuntiva ao trono. A pequena princesa foi alimentada por uma ama de leitebranca e católica, selecionada na comunidade de imigrantes teuto-suíços deNova Friburgo, e batizada no dia 15 de novembro daquele ano na capela imperialdo Rio de Janeiro com água benta trazida do rio Jordão, na Palestina (o mesmorio em que o profeta João Batista batizara Jesus Cristo, segundo os Evangelhos).Recebeu o nome de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela GabrielaRafaela Gonzaga. Até a adolescência, assinava as cartas como Isabel Cristina, ouapenas as iniciais “IC”.

Na infância, Isabel submeteu-se com a irmã, Leopoldina, um ano maisnova do que ela, a um formidável programa de educação concebido pelopai.[266] A rotina diária de estudos prolongava-se por nove horas e meia, seisdias por semana. Incluía aulas de latim, inglês, francês e alemão, história de

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Portugal, da França e da Inglaterra, literatura portuguesa e francesa, geografia egeologia, astronomia, química, física, geometria e aritmética, desenho, piano edança. Mais tarde, passaram a incluir também o italiano e o grego, história dafilosofia e economia política. No começo, o imperador encarregava-sepessoalmente das aulas de geometria e astronomia. Chegou a escrever umtratado sobre astronomia para as princesas.

Ao completar catorze anos, em 1860, Isabel foi oficialmenteapresentada à corte em cerimônia pública. Um cortejo de seis carruagensescoltadas por funcionários do palácio e dois esquadrões de cavalaria saiu doPaço de São Cristóvão levando a princesa. Ao chegar ao prédio do Senado, nocentro do Rio de Janeiro, foi recebida por uma comissão de parlamentares. Noplenário, como previa o regimento, jurou “manter a religião católica apostólicaromana, observar a Constituição política da Nação brasileira e ser obediente àsleis e ao imperador”.

Isabel estudou muito, mas curiosamente, vivendo numa sociedadeconservadora e masculina, cresceu ignorante das peculiaridades do própriocorpo. É o que se depreende da carta que escreveu ao marido, o conde d’Eu, emagosto de 1865. Referia-se ao próprio ciclo menstrual: “Este mês eu tive menos omeu período, já não o tenho hoje. Diga, será que não terei o período no próximomês se você não voltar? Eu não sei nada dessas coisas, querido, e não me atrevoa perguntar senão a você”. Nesse mesmo ano, recebeu do marido, em viagemcom o imperador Pedro II ao sul do país, rigorosas instruções sobre como secomportar na sua ausência:

Nunca recebas homens, a não ser na companhia de outra mulherNão relaxes na postura: fica erguida e bem plantada nos dois pésCuida do teu físicoTodas as noites e na missa, reza pelo Brasil, por mim e por teu paiRelê tudo isto algumas vezesObediente ao marido, Isabel respondeu também por carta:Li o teu bilhete e vou tentar fazer o que me pedes[267]Como era comum nos regimes monárquicos, o casamento com o conde

d’Eu resultou de uma longa e meticulosa discussão entre o Império brasileiro ealgumas das famílias reais mais importantes da Europa. Dom Pedro IIpessoalmente cuidou de tudo, conduzindo uma negociação em bloco, que incluiuo destino não só de Isabel, mas também da filha mais nova, Leopoldina. Coube aele pesquisar, negociar e acertar o casamento de ambas. Em carta ao cunhado,príncipe de Joinville, que o ajudou a encontrar os candidatos na Europa,reafirmou que Isabel “há de casar com quem eu escolher, no que ela concordapor ser muito boa filha”. Isabel e Leopoldina só souberam da identidade dosfuturos maridos vinte dias antes que chegassem ao Rio de Janeiro. Eram osprimos Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orleans, o conde d’Eu, e Luís

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Augusto Maria Eudes de Saxe-Coburgo-Gotha, o duque de Saxe, tambémconhecido como Gousty . Tinham 22 e 19 anos, respectivamente.

A negociação, que durou seis meses, “muito se assemelhou a umatransação imobiliária moderna”, na definição do historiador britânico Roderick J.Barman, autor de uma biografia da princesa Isabel.[268] Os contratos decasamento previam, entre outras coisas, transferência de propriedade, rendasvitalícias previstas em orçamento público, indenizações em caso de algumimprevisto. “Nós lhe despachamos mercadoria de primeira”, comemorou o reida Bélgica, Leopoldo I, tio dos dois rapazes, ao saber que estavam a caminho doBrasil. Como se, de fato, fossem mercadorias, os noivos eram descritos emdetalhes nas cartas trocadas entre as autoridades envolvidas na transação. Umexemplo é a carta que o príncipe de Joinville teve a precaução de enviar a domPedro II em fevereiro de 1864, na qual enumerava as qualidades e também umdefeito do futuro genro do imperador:

Ele é alto, forte, bonito, bom, gentil e muito simpático, muito instruído,amante do estudo e, ademais, já tem certo renome militar, 21 anos. É umpouco surdo, é verdade, mas não tanto que chegue a ser umaenfermidade.O imperador respondeu em seguida dizendo ter repassado todos os

detalhes às princesas:Transmiti-lhes a informação (...) sem omitir, porém, a surdez do conded’Eu, a fim de evitar qualquer surpresa.Curiosamente, enquanto os noivos viajavam para o Brasil, ainda não se

sabia exatamente quem casaria com quem. O acordo previamente negociadopor dom Pedro II e o cunhado previa apenas que os dois primos se casariam comas princesas brasileiras, sem especificar a quem estavam destinados. Ahistoriadora Mary Del Priore conta que, durante a viagem a bordo do navioParaná, que os trouxe da Europa, Gastão e Gousty teriam disputado as noivas emjogos de cartas e até em dados.[269]

Só a 4 de setembro de 1864, dois dias após o desembarque dos noivos noRio de Janeiro, o imperador Pedro II teve condições de comunicar oficialmenteao representante francês encarregado de acompanhar os rapazes na condição deconselheiro que Isabel escolhera Gastão, ficando Gousty para Leopoldina. Umaanotação no diário da princesa Isabel confirma a incerteza da escolha até aquelemomento:

Pensava-se no conde d’Eu para a minha irmã e no duque de Saxe paramim. Deus e os nossos corações decidiram diferentemente.A primeira impressão dos noivos ao ver Isabel e Leopoldina no Rio de

Janeiro não foi nada boa. “As princesas são feias”, afirmou o conde d’Eu emcarta à irmã, Marguerite d’Orleans, que morava em Londres. “Mas a segunda édecididamente pior do que a outra, mais baixa, mais atarracada e, em suma,

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menos simpática”, completou, referindo-se a Leopoldina. Em outracorrespondência, duas semanas mais tarde, alertou a irmã: “Para que não tesurpreendas ao conhecer minha Isabel, aviso-te que ela nada tem de bonito; temsobretudo uma característica que me chamou a atenção. É que lhe faltamcompletamente as sobrancelhas. Mas o conjunto de seu porte e de sua pessoa égracioso”. Mesma avaliação faria meses mais tarde o tio de Isabel, príncipe deJoinville, ao conhecê-la durante a viagem de lua de mel na Europa. “A mulher éfeia na plena expressão da palavra”, relatou à irmã, Clementina. “Ela é umaprincesa feia, mas tem um ar bom e evidentemente recebeu uma educaçãomuito acurada.”[270]

Isabel e o conde d’Eu casaram-se em cerimônia realizada na capelaimperial em 15 de outubro de 1864, dia em que uma tempestade de granizocausou grandes estragos no Rio de Janeiro. Para comemorar o casamento, aprincesa pediu ao pai que libertasse dez escravos do Palácio de São Cristóvão. Ocasal passou sua primeira noite e mais duas semanas em Petrópolis, na casa dafamília de uma amiga de infância da princesa, antes de seguir para a Europa emviagem de lua de mel que incluiu Portugal, Inglaterra, Bélgica, Alemanha,Áustria e Espanha.

Sabe-se da iniciação sexual da princesa, nessa primeira noite, pela cartaque ela escreveu ao marido um ano mais tarde:

Decerto esta noite eu vou dormir mais do que há um ano, mas quediferença! Eu estava agitada, é verdade, mas, deves compreender, estavatão contente e feliz!!!Em outra carta, no dia seguinte, novas recordações:Hoje faz um ano que me deste um beijo de manhã, ao te levantares. Comoisso me agradou!!!Começava ali uma relação apaixonada, que duraria pela vida toda, mas

uma sombra haveria de turvar os anos iniciais do casamento: o casal demoroudez anos para ter filhos — o que afinal de contas era a principal obrigação daherdeira do trono brasileiro, segundo observou a historiadora Mary Del Priore.Fofocas maldosas na corte perguntavam se a princesa seria infértil ou se o“reprodutor” francês não funcionava. Enquanto isso, para constrangimento aindamaior do casal imperial, os cunhados Gousty e Leopoldina tinham um filho porano.

Em 1869, ainda às voltas com as dificuldades em ter filhos, o conde d’Euconseguiu convencer o imperador Pedro II a enviá-lo para a Guerra do Paraguai.Era uma reivindicação antiga. Até então, ele sentia-se inútil e pouco prestigiadono Rio de Janeiro. Ir para a guerra seria uma forma de demonstrar seus talentosmilitares e também assumir as altas responsabilidades que julgava merecer naadministração do Império. “Fragilizado na cama, é provável que quisessecompensar sua frustração nos campos de batalha”, observou Mary Del Priore.

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“Se não era capaz de insuflar vida, podia semear a morte.”[271]O conde d’Eu foi nomeado comandante supremo das tropas brasileiras

no Paraguai no dia 22 de março de 1869 em razão de uma crise envolvendo oentão marquês de Caxias, cuja liderança havia sido, até aquele momento,fundamental para a vitória dos aliados. Em janeiro daquele ano, as forças aliadashaviam entrado finalmente em Assunção, uma cidade abandonada à própriasorte pelo ditador paraguaio Solano López, a essa altura refugiado na cordilheira.Idoso e enfermo, Caxias, comandante em chefe da Tríplice Aliança, achava que,com a ocupação da capital inimiga, o conflito, iniciado em 1864, chegara ao fim.Caçar Solano López seria prolongá-lo muito além do necessário. “A guerrachegou ao seu termo”, proclamou na ordem do dia expedida a 14 de janeiro. “OExército e a esquadra brasileira podem ufanar-se de haver combatido pela maisjusta e santa de todas as causas.” Não era esse, porém, o entendimento de domP edro II. “Eu não negocio com López! É uma questão de honra, e eu nãotransijo!”, escreveu o imperador em carta à amiga condessa de Barral.[272]Contrariado, Caxias pediu demissão e voltou para casa sem dar satisfações aogoverno imperial. Caberia ao conde d’Eu terminar a tarefa fazendo a caçada aSolano López. “Seria uma etapa despida de glórias”, observou o historiadorVasco Mariz.[273]

Ao chegar a Assunção, o conde d’Eu tinha 27 anos de idade. Um oficialbrasileiro, Alfredo d’Escragnolle Taunay, futuro visconde de Taunay, que oconheceu na ocasião, registrou em suas memórias detalhes curiosos de suaaparência e personalidade:

Um narigão temível, (...) desajeitado, deselegante, frequentementedespenteado, vestia-se mal, não dançava bem, instável no trato diário,meio surdo, avarento e propenso ao desânimo e à depressão (...). Seusotaque áspero, por vezes demasiado acentuado, desagradava.[274]Estranhamente, uma das primeiras decisões tomadas pelo conde ao

chegar ao Paraguai foi abolir a escravidão no país vizinho. A notícia causouenorme surpresa entre os brasileiros. Por um lado, confirmava os sincerossentimentos abolicionistas da família imperial brasileira. Por outro, criava umadissonância entre a realidade do país vencedor e a do vencido. O Brasil queimpunha a abolição no Paraguai era ainda um país escravocrata convicto. O pior,no entanto, ainda estava por vir.

O ditador paraguaio foi morto pelas tropas brasileiras na localidade deCerro Corá em março de 1870, mais de um ano após a ocupação de Assunção.Acuado e sem meios de se defender, usou como escudos mulheres, crianças,velhos e adolescentes, que foram trucidados sem piedade pelas tropas brasileiras.Os números são imprecisos, mas alguns historiadores falam em mais de 100 milmortos, entre 10% e 15% da população paraguaia, de 1 milhão de habitantesnessa época. O massacre, considerado desnecessário por muitos estudiosos,

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manchou de maneira irremediável a biografia do conde d’Eu. Júlio JoséChiavenato, autor de uma história do conflito sob a ótica da esquerda de 1979, oacusou de “sádico” e “sanguinário”, responsável por “uma crônica fantásticapelos crimes que cometeu”.[275] Francisco Doratioto, um pesquisador maisequilibrado e criterioso no uso das fontes, ainda assim o descreveu como umcriminoso de guerra, capaz de degolar prisioneiros desarmados e executar asangue-frio mulheres, crianças e adolescentes na caçada final a SolanoLópez.[276]

De regresso ao Rio de Janeiro, em abril de 1870, o conde d’Eu foirecebido com festas nas ruas e homenagens oficiais. Logo chegariam ao fimtambém suas angústias conjugais. Em 15 de outubro de 1875, Isabel deu à luz otão aguardado primogênito, batizado com o nome do avô, Pedro de Alcântara. Osegundo filho, Luís, viria em 1878. O terceiro, Antônio, em 1881. “Afinal, oreprodutor francês funcionava bem...”, cutucou o historiador Vasco Mariz. [277]A felicidade do casal, no entanto, seria rapidamente ofuscada pelas dificuldadespolíticas enfrentadas pela Monarquia brasileira.

Isabel e o conde d’Eu se tornaram o alvo predileto dos ataques dacampanha republicana, acusados de serem os responsáveis por virtualmentetodas as mazelas nacionais. Entre outras críticas, o conde era apontado comodono de cortiços miseráveis no centro do Rio de Janeiro, onde exploraria deforma desumana os moradores pobres cobrando-lhes aluguéis extorsivos. Diziamaté que cobrava pessoalmente esses aluguéis. Um de seus biógrafos, o historiadore sociólogo potiguar Luís da Câmara Cascudo, garante que nada disso eraverdade.[278] Nem por isso a imprensa republicana lhe dava trégua.

“Gastão de Orleans, conde d’Eu, (...) é o futuro imperador do Brasil”,sentenciou a República Federal, da Bahia, em abril de 1889. “É clerical,intolerante, monarquista de direito divino, aristocrata, usurário, avarento. (...) Oque esperar deste rebento corrompido, filho degenerado de uma família que trazno sangue o gérmen de todos os vícios que coram de apresentar-se à luz dosol?”[279] Em público, o conde suportava tudo em silêncio, mas reclamava dasituação nas cartas enviadas à família na Europa. “Estou cansado de ser usadoaqui como bode expiatório pela imprensa, ostensivamente responsabilizado portudo, sem na realidade ter voz nem influência”, queixou-se em correspondênciaao pai.

Isabel, por sua vez, era atacada pelo conservadorismo e pelo apegoextremado à religião católica. O fanatismo da princesa causava profundairritação nas lideranças políticas, que a viam mais empenhada em cumprir suasobrigações religiosas do que em preocupar-se com os destinos do país. “Estouconvencido de que o terceiro reinado será uma desgraça”, escreveu emdezembro de 1887 o jornalista João Capistrano de Abreu a José Maria da SilvaParanhos Júnior, futuro barão do Rio Branco. “A princesa não tem popularidade

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e, infelizmente, faltam-lhe muitas outras qualidades para ocupar o lugar do pai”,reforçou o Jornal do Commercio, o mais importante da época.[280]

Essas críticas eram compartilhadas não apenas pelos republicanos, mastambém pelos monarquistas, e continuariam mesmo depois da Proclamação daRepública. Episódio exemplar disso foi o encontro que o chefe liberal gaúchoGaspar Silveira Martins, um monarquista convicto, relatou ter tido com aprincesa em novembro de 1891, já durante o exílio da família imperial em Paris.Ao tomar conhecimento de que o marechal Deodoro havia dissolvido oCongresso Nacional e implantado uma ditadura de fato no Brasil, Silveira Martinsprocurou Isabel e insistiu inutilmente para que ela retornasse ao país com amissão de liderar os esforços pela restauração da Monarquia. A princesa,segundo o político gaúcho, teria recusado a proposta alegando ser antes de tudocatólica. Como tal, não poderia deixar a cargo de professores brasileirosrepublicanos a educação dos filhos, cuja alma ela julgava na obrigação desalvar.

— Então, senhora, seu destino é o convento — teria respondido SilveiraMartins, dando por encerradas as esperanças de restauração do trono.[281]

A princesa morreu no exílio, em 14 de novembro de 1921, aos 75 anos.Seus restos mortais, transferidos finalmente para o Brasil em 1953, repousamatualmente na catedral de Petrópolis, ao lado do marido, conde d’Eu, e do pai eda mãe, Pedro II e Teresa Cristina. Ainda hoje, mais de um século após aProclamação da República, Isabel continua a ser uma personalidade popularentre os brasileiros. Entre seus admiradores monarquistas existe até ummovimento destinado a convencer a Igreja católica a canonizá-la, ou seja,declará-la oficialmente santa.

Sua popularidade entre as pessoas mais pobres foi comprovadarecentemente em concurso nacional promovido pelo Sistema Brasileiro deTelevisão, o SBT, rede de comunicação que tem seu público principal nas classesC e D. Em meados de 2012, os telespectadores foram convidados a votar emuma lista de celebridades históricas para a escolha de “O maior brasileiro detodos os tempos”. Como se podia prever, a relação trazia excentricidades como ogoleiro Marcos, do Palmeiras, e o bispo Edir Macedo, fundador da IgrejaUniversal do Reino de Deus. Igualmente previsível foi a vitória final do mineiroChico Xavier, o médium espírita de Uberaba, Minas Gerais, falecido em 2002.Ainda assim, causou surpresa observar entre os finalistas a princesa Isabel aolado de Alberto Santos Dumont, superando em popularidade outros nomesimportantes, como Tiradentes, os presidentes Juscelino Kubitschek e GetúlioVargas e o próprio imperador Pedro II.

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14. O IMPERADOR CANSADO

UM ENIGMA DESAFIA ATÉ HOJE historiadores e outros estudiosos daProclamação da República no Brasil. Apesar de todas as evidências de umaconspiração em andamento, o governo imperial permaneceu inerte. Nos diasanteriores ao golpe republicano, o imperador Pedro II comportou-se o tempo todocomo se nenhuma ameaça rondasse o trono. A seu ver, estava tudo tãoabsolutamente calmo que julgou desnecessário reunir-se com qualquer membrodo governo nos dias que antecederam a queda do Império. Nenhum de seusministros, por sua vez, preocupou-se em alertá-lo sobre os insistentes boatos quetomavam conta da cidade e sobre o óbvio clima de agitação nos quartéis.Proclamada a República, nenhum comandante de armas ou governador deprovíncia saiu em defesa da Monarquia. As reações foram raras e isoladas, namaioria dos casos nas camadas mais humildes da população, que, obviamente,não tinham meios para contrapor-se ao fato consumado. Como explicar tamanhaapatia?

Max Leclerc, o jornalista francês que percorria o Brasil na época —citado nos capítulos iniciais deste livro —, registrou:

A revolução está terminada e ninguém parece discuti-la. Mas aconteceuque os que fizeram a revolução não tinham de modo nenhum a intençãode fazê-la e há atualmente na América um presidente da República àforça. (...) Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil. Eracontra Ouro Preto e não contra a Monarquia. (...) A Monarquia caíra.Colheram-na sem esforço como um fruto maduro. Ninguém levantou umdedo para defendê-la.[282]Mais adiante, falando da verdadeira causa da queda do Império, Leclerc

afirmou que a própria Monarquia, obsoleta e incapaz de se reinventar, foradecisiva para o triunfo republicano:

O edifício imperial, mal construído, edificado para outros tempos e outrosdestinos, já não bastava às necessidades dos novos tempos. Incapaz de

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resistir à pressão das ideias, das coisas e dos homens novos, já se tornaracaduco e tinha seus alicerces abalados.[283]Ninguém simbolizava mais esse quadro de letargia e torpor do que o

próprio monarca. No crepúsculo do Segundo Reinado, um dom Pedro II doente,cansado e “velho antes do tempo”, como definiu o sociólogo pernambucanoGilberto Frey re, nem de longe lembrava a figura poderosa e carismática que porquase meio século conduzira com firmeza, paciência e sabedoria os destinos danação.[284] Confrontado com o avanço da propaganda republicana e aindisciplina nos quartéis gerada pela Questão Militar, parecia incapaz de exercera liderança que o momento exigia. “O imperador cada vez mais esquecido dascoisas presentes e alheio aos assuntos políticos”, anotou o visconde de Taunay emseu diário de 19 de abril de 1889.[285]

Como já se viu em capítulo anterior, dom Pedro II era um homem frágil,na juventude sujeito a frequentes ataques de epilepsia e, a partir da meia-idade,vítima de diabetes. Os problemas de saúde se agravaram muito nos dois anosfinais do seu reinado. Em fevereiro de 1887, enquanto assistia a um concerto noHotel Bragança de Petrópolis, foi atacado por uma dor de cabeça tão forte que seviu obrigado a se retirar do camarote em que estava. O desconforto persistiu pordois meses. Em abril, os médicos diagnosticaram um ataque de febre palustre,agravado pelo avanço do diabetes. Sua memória ficou bastante abalada. Algunsauxiliares chegaram a suspeitar que estivesse perdendo a sanidade mental. Aprincesa Isabel, que se encontrava na Europa, foi chamada a voltar às pressas aoBrasil. “Fiquei muito mal impressionado com o aspecto do imperador”, escreveuo barão Von Seiller, representante da Áustria no Rio de Janeiro. “Envelheceumuito, está magro, o rosto abatido e não tem a mesma alegria de antes. Dá aimpressão, às vezes, de que tem dificuldade em falar. Em suma, é um homemdoente.”[286]

O quadro pareceu tão grave que os médicos aconselharam tratamentona Europa. Embarcou no dia 30 de junho de 1887, em companhia da imperatriz edo neto Pedro Augusto, enquanto a princesa Isabel assumia a regência pelaterceira vez. Na sua ausência, de um ano e dois meses, era tal a convicção deque o imperador não retornaria com vida que, em artigo no jornal O Paiz, ojornalista republicano Quintino Bocaiúva referiu-se ao navio que o transportavacomo “esquife da Monarquia”.[287] Na Europa, dom Pedro II ficou aos cuidadosdos professores Charles Bouchard e Jean-Martin Charcot, duas sumidadesmédicas. Internado durante dois meses em uma estação de águas terapêuticas naSuíça, pareceu se recuperar. Na manhã de 3 de maio, no entanto, teve umasúbita recaída em Milão. Chamado às pressas, seu médico particular, ClaudioVelho da Mota Maia, registrou que o aspecto de dom Pedro era assustador.Prostrado na cama do hotel, parecia agonizar. Chegou a receber a extrema-unção de um padre convocado às pressas, enquanto os médicos lhe aplicavam

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injeções de cafeína, um poderoso estimulante.A situação era tão delicada que, ao receber o telegrama do Brasil com

notícia da aprovação da Lei Áurea, a imperatriz Teresa Cristina inicialmenterelutou em mostrá-lo ao marido. Temia que a emoção pudesse agravar-lhe oestado de saúde. Por fim, decidiu que era melhor contar logo as novidades queele esperava havia muito tempo. Dom Pedro II abriu lentamente os olhos e malteve forças para perguntar:

— Não há mais escravos no Brasil?— Não há — respondeu a imperatriz. — A lei foi votada no dia 13; a

escravidão está abolida.— Demos graças a Deus — murmurou dom Pedro. — Grande povo!

Grande povo!E desatou a chorar copiosamente.[288]Ao retornar da Europa, em agosto de 1888, tinha a aparência de inválido,

sem ânimo para nada e incapaz de conduzir os destinos da nação. “Todo osistema de governo, que durante quarenta anos dependera da orientação e dainspiração do imperador, perdeu o rumo nos meses que se seguiram ao seuretorno”, observou o historiador britânico Roderick J. Barman.[289] “Aos 62anos”, relatou Heitor Ly ra, biógrafo de Pedro II, “dava a impressão de umhomem velho de corpo e de espírito, com a aparência de um ancião, barba ecabelos embranquecidos, andar pesado e arrastado — o todo um ar de homemcansado.”[290]

Tornou-se forte o rumor de uma abdicação em favor da princesa Isabel,o que, por sua vez, só fez aumentar a resistência a um eventual terceiro reinado,pelas suspeitas que a princesa e o marido despertavam entre boa parte da elitebrasileira. Uma hipótese muito discutida foi que a própria Isabel tambémabdicaria em favor do sobrinho, o príncipe Pedro Augusto, filho de sua falecidairmã Leopoldina. Afastaria assim o risco de que o trono brasileiro fosse ocupado,indiretamente, por um estrangeiro, o francês conde d’Eu.

Aos 22 anos, formado em engenharia pela antiga Escola Politécnica,com especialização em mineralogia, Pedro Augusto era um rapaz bonito einteligente. Acima de tudo, era homem, portanto um candidato mais ao gosto daelite imperial masculina. Este jovem príncipe teria, porém, um triste fim, vítimade um grave distúrbio mental. Em 1892, três anos após a queda da Monarquia,seria internado pelo pai em um sanatório na Áustria, depois de tentar o suicídioatirando-se das janelas do Palácio de Coburgo, em Viena. Seus acessos deloucura atraíram a atenção de um médico já famoso na época, Sigmund Freud,pai da moderna psicanálise. Pedro Augusto jamais saiu do sanatório, ondemorreu em julho de 1934, aos 68 anos.

As preocupações a respeito da saúde do imperador e sua capacidade deconduzir os destinos da nação eram partilhadas na família real. “Nunca, nos

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últimos quarenta anos, a situação da Monarquia brasileira pareceu mais instáveldo que hoje”, escreveu o conde d’Eu numa carta ao pai, o duque de Nemours,em 23 de agosto de 1888. “O declínio da Monarquia não faz senão se acentuarcada vez mais”, anotou em outra carta, de novembro do mesmo ano. “Oimperador, por maior que seja a sua boa vontade, já é incapaz de governar comogovernava antes de adoecer.”

Em maio de 1889, o conde d’Eu anunciou que faria uma longa viagemàs províncias do Norte e do Nordeste. O objetivo era defender o Império contraos ataques cada vez mais agressivos dos republicanos. Dificilmente haveria piorgaroto-propaganda para a Monarquia. O conde viajou sozinho, deixando aprincesa Isabel no Rio de Janeiro. Os críticos viram nisso a prova de que, naeventualidade de um terceiro reinado, seria ele o verdadeiro imperador do Brasil.Ciente da impopularidade do adversário, o advogado Silva Jardim decidiu sair-lheao encalço. Aonde fosse o conde, lá estaria também o mais radical dospropagandistas republicanos. Por coincidência, embarcaram no mesmo navio. Oconde foi recebido com festas em todas as cidades, mas logo se confirmou a suafalta de habilidade política. Em discurso premonitório no Recife, afirmou que, sea Monarquia fosse derrubada pela República, a família imperial teria de deixar oBrasil. A declaração causou polêmica no Rio de Janeiro. Enquanto isso, SilvaJardim enfrentava problemas com a polícia em meio a manifestações a favor econtra o Império.

No dia 15 de julho, quando a família imperial saía do teatro no Rio deJaneiro, alguém gritou “Viva a República!”. Em seguida, ouviu-se um tiro derevólver, que teria passado de raspão no coche de dom Pedro II. O autor dodisparo, o português Adriano Augusto do Vale, preso em seguida, era umcaixeiro desempregado, sem nenhuma ligação com o movimento republicano.No momento da prisão, estava embriagado, na porta de um bar onde, diante dosfregueses, vangloriava-se em alta voz de haver atirado contra o imperador,prometendo voltar à carga visto ter errado o alvo.[291] Era um caso banal, masserviu de combustível no clima de radicalização reinante na cidade. Em respostaao suposto atentado, o chefe da polícia do Rio de Janeiro, conselheiro José Bassonde Miranda Osório, publicou um edital proibindo qualquer pessoa de dar vivas àRepública, medida que logo caiu em descrédito.

Enquanto isso, o governo perdia apoio também no Congresso. Àsvésperas da viagem do conde d’Eu, caiu o ministério de João Alfredo Correia deOliveira, responsável pela aprovação da Lei Áurea. Em seu lugar assumiu ovisconde de Ouro Preto, chefe do último gabinete do Império. Aos 52 anos,deputado por Minas Gerais desde 1864 e senador a partir de 1879, formado pelaFaculdade de Direito de São Paulo, era o candidato favorito da princesa Isabel.Todos viam sua chegada ao poder como uma preparação para o impopularterceiro reinado.

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Antes de Ouro Preto, dom Pedro II tentara convencer o liberal baianoJosé Antônio Saraiva a assumir o posto. Saraiva recusara alegando problemas desaúde, mas teve a coragem de entabular com o imperador uma conversa francaa respeito do que, na sua opinião, viria a ocorrer nos meses seguintes. Na suaopinião, a República parecia inevitável. Era preciso preparar o país para recebê-la. Preocupava-o a possibilidade de anarquia e derramamento de sangue numaeventual mudança de regime pela via revolucionária. Sugeriu que, porprecaução, o governo tomasse a iniciativa de propor reformas para atender aalgumas reivindicações republicanas, como a federação, de modo a tornar atransição o menos dolorosa possível.

— E o reino da minha filha? — perguntou-lhe o imperador.— O reinado de vossa filha não é deste mundo — teria lhe respondido o

político baiano, fazendo ver ao imperador que o “devotamento ao clericalismo”da princesa Isabel e a impopularidade do marido, conde d’Eu, tornavam ahipótese de um terceiro reinado inviável.[292]

Ao assumir o governo, Ouro Preto apresentou ao Congresso umambicioso programa de reformas. Propôs o fim da vitaliciedade no Senado, aredução dos poderes do Conselho de Estado, que passaria a ser um órgãomeramente administrativo, sem funções executivas, a eleição das autoridadesmunicipais, a escolha dos presidentes e vice-presidentes das províncias entre oscandidatos mais votados (e não mais por mera indicação do imperador), osufrágio universal, liberdade de culto, reforma no sistema de educação a fim deestimular a iniciativa privada. “A situação do país define-se, a meu ver, por umafrase: necessidade urgente e imprescindível de reformas liberais”, resumiu onovo chefe do gabinente.

À primeira vista, era um programa ousado, mas na prática tratava-se damesma proposta apresentada duas décadas antes pelo mesmo Partido Liberalagora comandado por Ouro Preto, sem nunca ter sido colocada em prática. Paraos republicanos era mais uma cabal demonstração de que o Império não seriacapaz de reformar-se a si mesmo, travado pelas suas próprias forças internas,uma prova de que só a mudança de regime poderia levar o país adiante. Por essarazão, ao ouvir o discurso de Ouro Preto, Pedro Luiz Soares de Sousa, deputadoconservador pelo Rio de Janeiro, levantou-se e gritou:

— É o começo da República!Ao que o ministro retrucou:— Não, é a inutilização da República.Ou seja, até aquele momento Ouro Preto ainda acreditava que o

Império teria condições de atender às reivindicações que vinham das ruas e,dessa forma, assegurar a própria sobrevivência, pelo menos por mais algumtempo. Foi desmentido pelos acontecimentos das semanas seguintes.

Irritado com a apresentação do programa de reformas dos liberais, o

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deputado conservador Gomes de Castro, do Maranhão, apresentou uma moçãode desconfiança ao ministério, que foi aprovada por 79 votos contra vinte. “Oresultado da votação testemunhava a incapacidade dos grupos dominantes deaceitar a mudança e as reformas necessárias”, observou a historiadora EmíliaViotti da Costa.[293] Durante os acalorados debates, dois deputados — oadvogado Cesário Alvim, de Minas Gerais, e o padre João Manuel de Carvalho,do Rio Grande do Norte — subiram à tribuna para fazer profissão de férepublicana.

— Não nos iludamos, a República está feita — afirmou João Manuel. —Ela existe de fato em todos os espíritos, em todos os corações brasileiros.[294]

Diante do impasse produzido pela moção de desconfiança, o imperadordecidiu, pela última vez nos 67 anos da Monarquia, dissolver a Câmara econvocar novas eleições, em uma tentativa de recompor a base aliada noParlamento. Realizado em 31 de agosto, o pleito, de fato, conferiu maioriaesmagadora ao partido do governo, como tinha acontecido ao longo de todo oSegundo Reinado. Dessa vez, no entanto, os novos deputados não teriam tempo deassumir seus mandatos.

A República chegaria antes.

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15. O BAILE

NOS DIAS ENSOLARADOS E SEM neblina do Rio de Janeiro, toda vez que osaviões fazem a aproximação do aeroporto Santos Dumont a partir da ponte Rio-Niterói, os passageiros têm oportunidade de contemplar um marco da queda doImpério brasileiro. É uma ilhota rochosa, dominada por um edifício de coresverdeada em estilo gótico provençal, que aparece sob a asa direita segundosantes que a aeronave toque a pista de pouso. Ali aconteceu o famoso Baile daIlha Fiscal. Foi o último grande evento social da Monarquia brasileira, realizadona noite de 9 de novembro de 1889, um sábado, em homenagem aos oficiais emarinheiros do encouraçado chileno Almirante Cochrane.

As relações do Brasil com o Chile sempre foram as mais cordiaispossíveis. Entre todas as nações sul-americanas vizinhas, eram as que tinhammenos conflitos e mais interesses comuns, situação que, a rigor, se mantém atéhoje. Além disso, no final do século XIX os dois países eram vistos comopoliticamente os mais estáveis da região, diferentes de todos os demais, sempreenvolvidos em golpes militares e lutas entre caudilhos locais. Por essas razões, asdemonstrações recíprocas de amizade entre chilenos e brasileiros incluíam visitasfrequentes de diplomatas e autoridades e também de navios das respectivasMarinhas de Guerra. Em janeiro daquele ano, o cruzador brasileiro AlmiranteBarroso, já citado no primeiro capítulo deste livro, havia passado várias semanasno porto de Valparaíso, escala de sua viagem de navegação ao redor do mundo.Como levava a bordo um neto de dom Pedro II, o tenente e príncipe domAugusto, fora alvo de grandes deferências por parte do governo chileno.

O Almirante Cochrane entrou na baía de Guanabara no dia 11 de outubrodaquele ano. Vinha de um período de reformas na Inglaterra. Comandado pelocapitão Constantino Bannen, tinha capacidade para 210 tripulantes e carregavatreze canhões, onze metralhadoras e três tubos lançadores de torpedos. Forabatizado com o nome de um herói compartilhado por chilenos e brasileiros nahistória da Independência dos dois países, o almirante escocês Thomas

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Alexander Cochrane, mercenário contratado para comandar as forças navais doChile e do Brasil contra espanhóis e portugueses, respectivamente, entre 1817 e1823. Oficiais e marinheiros chilenos permaneceram no Rio de Janeiro até 18 dedezembro e acabaram se tornando, involuntariamente, personagens importantesda história da Proclamação da República. Durante as dez semanas de suatemporada carioca, participaram da celebração das bodas de prata do casamentoda princesa Isabel e do conde d’Eu e foram alvos de diversas homenagens —primeiro por parte dos monarquistas e, depois de 15 de novembro, dosrepublicanos.

Duas semanas antes do baile, em 23 de outubro, os chilenos haviamtestemunhado, também de forma involuntária, um dos muitos incidentes daqueleperíodo envolvendo os militares e o governo imperial. O fato ocorreu durante umbanquete oferecido pela Escola Militar da Praia Vermelha à tripulação doAlmirante Cochrane. Entre os convidados estava o tenente-coronel BenjaminConstant, ídolo da “mocidade militar”. O que deveria ser apenas uma festa decaráter diplomático acabou se transformando numa celebração republicana. Osalunos aproveitaram a ocasião para homenagear o professor Benjamin napresença do ministro interino da Guerra, Cândido de Oliveira.

— Viva o mestre Benjamin Constant! — gritou o aluno Vicente deAzevedo.

Seguiram-se quinze minutos de vivas, palmas e flores. Benjamin tomoua palavra e fez um discurso violento contra o Império. Reclamou contra otratamento dado aos militares pelas autoridades e terminou dizendo que “sob afarda de cada soldado pulsa o coração de um cidadão e de um patriota!”.

Sentindo-se ofendido pelo discurso, o ministro Cândido de Oliveiraretirou-se antes de Benjamin acabar de falar. Enquanto o ministro deixava orecinto, ouviu-se de várias partes do salão um brado jocoso dos estudantes:

— Viva a República... do Chile!Ao tomar conhecimento do incidente, o visconde de Ouro Preto criticou

o ministro Cândido de Oliveira dizendo que, em vez de se retirar do salão, deveriater prendido o tenente-coronel imediatamente e na frente dos alunos e oficiaischilenos. Em seguida, procurou o imperador, sugerindo que Benjamin fossesubstituído no comando da ESG e punido pelo novo diretor. Para sua grandesurpresa, dom Pedro II respondeu:

— Olha, o Benjamin é uma excelente criatura, incapaz de violências, éhomem de X mais B, e além disso muito meu amigo. Mande chamá-lo, fale comfranqueza e verá que ele acabará voltando ao bom caminho! [295]

Por essas e outras razões, o Baile da Ilha Fiscal foi um evento semparalelo em quase meio século de Segundo Reinado. A corte de dom Pedro II erafamosa pela ausência de festas, saraus ou celebrações sociais. O historiador JoséMurilo de Carvalho chegou a incluir esse aspecto entre os motivos para a queda

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do Império. Segundo ele, em todos os outros lugares do mundo em que aMonarquia fora bem-sucedida o regime sempre contou com uma cortesocialmente atuante e, se possível, brilhante. Era nas festas, bailes e concertosque a nobreza acertava negócios públicos e particulares, combinava o casamentode seus filhos e promovia alianças políticas que, ao final das contas, asseguravama sobrevivência dos tronos. “As cortes tradicionalmente atraíam e congregavamas elites sociais, e distribuíam títulos e benesses”, observou o historiador mineiro.“Eram focos de sociabilidade, acercavam os reis da elite e fortaleciam aslealdades sociais.”[296] Mais afeito aos livros do que às festas, dom Pedro IIabriu mão disso tudo.

Até a recepção da ilha Fiscal, uma semana antes da Proclamação daRepública, o último grande baile oferecido pelo imperador tinha ocorrido quasequatro décadas antes, em 31 de agosto de 1852, no encerramento da sessãolegislativa. Compareceram 548 senhoras e 962 cavalheiros. A festa terminou àscinco horas da manhã. A partir daí, a corte brasileira murchara por completo. Asatividades sociais se fragmentaram pelos salões de casas particulares. Oimperador deixou de ser o ponto de convergência dessas reuniões. Muitoraramente ia aos bailes do Cassino Fluminense, mas logo voltava para casaexausto e entediado. “Que maçada”, anotou em seu diário em 1880. Sua falta deânimo pelos eventos dessa natureza preocupava o restante da família imperial.“Tudo isso é de um efeito péssimo”, reclamava da Europa, em tom profético, aprincesa Francisca, irmã de dom Pedro. “Pode fazer mal ao prestígio social daMonarquia. Se ele nos foge estamos perdidos sem dúvida.”[297] A professoraalemã Ina von Binzer, já citada neste livro e que morava no Rio de Janeiro naépoca, confirmou:

Vida social praticamente não existe fora dos limites do corpo diplomático;o imperador não dá recepções.[298]Com exceção do palácio imperial de Petrópolis, as instalações da corte

brasileira surpreendiam os viajantes e diplomatas pelo aspecto de abandono edecadência. “Uma barraca”, definiu o jornalista alemão Carlos von Koseritz aovisitar o Paço da Cidade, no centro do Rio de Janeiro, em 1883. Segundo ele, ocasarão que abrigara a corte do príncipe regente dom João ao chegar ao Brasilem 1808, naquela ocasião, apresentava-se “velho, pobre, arruinado, maltratado,nunca pintado de novo”. Todo o andar térreo estava alugado a negociantes ebarbeiros, o que dava ao edifício uma aparência mais de feira livre ou mercadopúblico do que de palácio real.[299] Outro que se surpreendeu com odespojamento e a falta de charme da corte foi o escritor português RamalhoOrtigão. “Sem mundanismo, sem arte, sem moda, sem equipagens, semuniformes, sem festas, sem flores, sem bibelôs, o Palácio de São Cristóvão eraum desterro mortífero para toda gente alegre, para todos os homens novos, paratodas as mulheres bonitas”, registrou Ortigão.[300]

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Inicialmente programado para o dia 19 de outubro, o Baile da Ilha Fiscalteve de ser adiado pela chegada de notícias tristes de Portugal. O rei dom Luís I,sobrinho de dom Pedro II, estava muito enfermo e agonizante. Temia-se que nãosobrevivesse mais do que alguns dias, portanto não faria sentido promover umacelebração da Monarquia brasileira em ambiente de luto dos seus parenteseuropeus. Dom Luís morreu, de fato, no próprio dia 19 de outubro, quando umanova data já estava marcada para o baile, 9 de novembro. Sem que osorganizadores da festa soubessem, no entanto, haveria uma segunda coincidênciasinistra no calendário. Naquela mesma noite, enquanto a nobreza estivessecelebrando na ilha Fiscal, grande número de oficiais se reuniria no Clube Militar,a pouca distância dali, sob a presidência do tenente-coronel Benjamin Constant,para tratar dos últimos detalhes necessários ao golpe contra a Monarquia.

Vistas hoje, à distância de mais de um século, todas essas coincidências— a morte de um rei em Portugal, a reunião dos militares republicanos, umacelebração incomum da nobreza exatos seis dias antes da queda do Império —conferem ao Baile da Ilha Fiscal um forte valor simbólico. Para anfitriões,homenageados e convidados da época, no entanto, tratava-se apenas da maior emais desejada festa promovida pela Monarquia brasileira em todos os seus 67anos de história, ou seja, desde que o país se tornara independente.

O local escolhido chamara-se ilha dos Ratos durante o período colonial.Fora rebatizado como ilha Fiscal em abril de 1889, data da inauguração dopalacete destinado a servir de posto avançado da aduana responsável pelafiscalização das cargas e pelo recolhimento dos impostos e taxas dos navios queentravam e saíam do porto do Rio de Janeiro. Sua localização, nas proximidadesda ilha das Cobras e da fortaleza de São José, quartel-general da Marinha deGuerra do Brasil, o tornava especialmente seguro para esse fim.

Projetado pelo engenheiro Adolpho José Del Vecchio, o palacete danova aduana ocupava uma área de 2.300 metros quadrados, com 68 metros defrente e 28 metros de fundos. Sua arquitetura era toda uma celebração àMonarquia. Os vitrais coloridos nas paredes laterais destacavam o busto doimperador Pedro II com seu uniforme de almirante, a coroa e o brasão da casaimperial. Um segundo vitral, no lado oposto, mostrava a princesa Isabel, herdeirado trono, também emoldurada pela coroa. O piso era feito com madeiras nobresdas selvas brasileiras, símbolo da riqueza e da vastidão do Império. A heráldicamonárquica se espalhava por todas as janelas e vitrais dos amplos salõesadornados de peças de bronze e portas vermelhas de ferro batido.

Para rematar tão esplendorosa arquitetura fora instalada na torre centralum gigantesco farol de 60 mil watts, suficiente para iluminar grande parte dabaía de Guanabara em todas as direções, facilitando a fiscalização do tráfegonoturno de navios. Nessa mesma torre, um relógio conectado por cabos elétricosao Observatório Astronômico Imperial permanecia iluminado à noite,

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possibilitando aos comandantes saber com precisão a hora de chegada ou partidade suas embarcações. Por fim, um cabo submarino permitia a comunicaçãoentre a ilha e o prédio principal da aduana, situado no continente, por uma linhatelefônica recém-chegada dos Estados Unidos. Toda essa parafernáliatecnológica, que encantava os cariocas em dias normais, foi reforçada para anoite do baile. Utilizou-se o que havia de melhor, mais surpreendente, mais fino eelegante na época para tornar a ocasião inesquecível, com ênfase na luz elétrica— novidade que, ainda pouco conhecida pelos brasileiros, reforçava o caráterinovador do Império.

A casa León Rodde se encarregou da iluminação do palacete comenergia fornecida por quatro motores instalados em uma barcaça nasextremidades da ilha. Ao todo havia 14 mil lâmpadas e faróis postados em locaisestratégicos para destacar o ambiente e seus convidados. Ao anoitecer, ospoderosos refletores de três grandes navios — os brasileiros Riachuelo eAquidabã e o próprio encouraçado chileno alvo das homenagens, AlmiranteCochrane — foram dirigidos para os edifícios das imediações, inundando de luz oPaço da Cidade, a Capela Imperial e a Igreja do Carmo. Outras pequenasembarcações ostentavam lanternas venezianas, como se as águas da baíaestivessem pontilhadas de centenas de pirilampos. “Parecia um sonho de poetaaquela ilha em festa emergindo do mar, transbordante de luz e gala”, descreveuo jornalista Medeiros e Albuquerque, que naquele mesmo dia tinha retornado deSão Paulo, onde fora avisar os republicanos paulistas da iminência da revoluçãoem andamento.[301] “Era como se a ilha tivesse sido transformada em umaterra mágica”, anotou Claudio Costa Braga, oficial da Marinha brasileira e autorde um livro sobre o baile.[302]

Um belo bosque artificial de palmeiras tropicais, construídoespecialmente para a ocasião, surpreendia os convidados logo na chegada dailha, em frente ao ancoradouro. Nos ângulos do edifício se erguiam as pérgulasdestinadas a abrigar as orquestras. O terraço, também transformado em bosqueartificial, ficou reservado para a banda de música do Arsenal de Guerra. Os seissalões internos, três de cada lado do primeiro piso, estavam ornados com asbandeiras nacionais do Brasil e do Chile, coroas de flores, frisos dourados eprateados, espelhos e jarros de porcelana. No primeiro deles, à direita daentrada, destacavam-se os retratos pintados a óleo do almirante Cochrane e deoutro oficial britânico herói da Independência dos dois países, capitão Joe PascoeGrenfell. Para a família imperial, fora providenciado um espaço privativo nesseprimeiro salão equipado com banheiro.

O bufê seria servido sobre mesas de ferro e madeira em um pavilhãoarmado sobre 21 colunas que ocupava toda a frente da ilha. A ConfeitariaPaschoal, a preferida do imperador, responsabilizou-se pelo cardápio. Preparadopor quarenta cozinheiros e cinquenta ajudantes, era composto de onze pratos

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quentes, quinze frios, doze opções de sobremesas, incluindo 12 mil porções desorvete de diversos sabores.

Os convidados começaram a chegar ao entardecer de um diaensolarado, de céu claro e luminoso. Eram as pessoas mais importantes doImpério — ministros, senadores, deputados, barões, viscondes, marqueses, altosfuncionários públicos, diplomatas e oficiais militares de primeiro escalão. Aotodo foram distribuídos 3 mil convites, mas estima-se que o número de presenteschegou a 4.500, o que significa que, para cada dois convidados, havia um penetrano baile. Ao anoitecer, cerca de setecentas carruagens se enfileiravam em frenteao cais Pharoux, atual praça XV de Novembro, onde as pessoas eram entretidaspela banda de música do Corpo Militar de Polícia em uniformes de gala,enquanto esperavam pelos barcos que as levariam até a ilha.

Por volta das 21 horas, o som de uma corneta anunciou a chegada doimperador e da imperatriz. Dom Pedro trajava a habitual casaca preta. Nalapela, o “fiel carneirinho”, símbolo da Ordem do Tosão de Ouro, a suacondecoração preferida. A imperatriz usava um longo vestido negro comadornos de contas de vidro. Foram ambos imediatamente transportados para ailha e entraram no salão principal ao som do Hino Nacional brasileiro. O futuroescritor Rodrigo Otávio, então um jovem de 23 anos, registrou em suasmemórias:

Aí vi o imperador cercado de sua família, de ministros de Estado, dediplomatas. Salvo a imponência do porte, era o menos aparatoso naquelaroda de fardões bordados e peitos engalanados de grã-cruzes e brilhantesveneras. Cabeça descoberta, casaca preta, folgada, ostentava dom Pedrono peito apenas um penduricalho, o precioso carneirinho pendente danobilíssima Ordem do Tosão de Ouro. Embevecido na maravilha daquelanoite e no deslumbramento daquela festa, o velho monarca não imaginavaque, naquela mesma hora se estava concertando, num pequeno sobradodo Campo de Santana, o trambolhão do Império, e que os dias do seureinado estavam contados...[303]A expressão “trambolhão do Império”, usada por Rodrigo Otávio, se

referia à reunião do Clube Militar, que, naquela mesma noite (como se viuanteriormente), discutia os detalhes finais do golpe de 15 de novembro.

Conta-se que, ao desembarcar na ilha, dom Pedro II teria tropeçado notapete e perdido o equilíbrio por alguns segundos. Várias pessoas correram parasocorrê-lo, mas o imperador logo recuperou o passo e comentou de forma bem-humorada:

— A Monarquia tropeçou, mas não caiu...Uma hora após a entrada triunfal do imperador e da imperatriz

chegaram o conde d’Eu e a princesa Isabel, que usava um vestido igualmenteescuro com listras brancas, emoldurado no peito por um bordado em ouro. Na

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cabeça, um diadema de brilhantes. Como o cais estava muito congestionado porcarruagens e pessoas, o casal imperial teve de esperar cerca de uma hora atéque o próximo barco o levasse à ilha. “Fiquei transpirando no meio da multidão”,reclamou depois o conde em carta à condessa de Barral.

O baile começou por volta das 23 horas. Inspirado nos saraus das corteseuropeias, o programa oferecia várias opções de danças simultâneas emdiferentes salões, na seguinte sequência de ritmos: quadrilha, valsa, polca,lanceiros, valsa novamente, polca, quadrilha, valsa, lanceiros, valsa, mazurca,polca e “galope final”. O imperador dançou uma única vez, com a filhaadolescente do barão Sampaio Vianna, que naquele dia completava quinze anos.O engenheiro André Rebouças, abolicionista amigo da família imperial e um dospoucos negros convidados para o baile, passou a noite conversando, sem searriscar a convidar nenhuma das damas (brancas) presentes a acompanhá-lo nadança. Temia ser rejeitado por sua cor. Ao observar isso, já depois da meia-noite, o conde d’Eu sugeriu à princesa Isabel que tomasse a iniciativa de valsarcom o engenheiro, o que ela fez imediatamente para surpresa de toda acorte.[304] A ceia foi servida à uma hora da madrugada. A família imperial seretirou quinze minutos mais tarde, com exceção do príncipe Pedro Augusto, quecontinuou a dançar animado madrugada adentro.

Quem não tinha sido convidado se conformou em disputar um lugar aolongo do cais, de onde podia ver a iluminação feérica da ilha, ouvir o som dasorquestras e observar o vaivém dos barcos ocupados em transportar osconvidados. Uma dessas testemunhas foi Benjamin Constant, recém-saído dasessão do Clube Militar na qual os sócios lhe delegaram poderes para “tirar aclasse militar de um estado de coisas incompatível com a sua honra e adignidade”. Por volta das onze da noite, encerrada a sessão do clube, Benjaminhavia retornado para casa, segundo o diário de sua filha Bernardina, então umaadolescente de dezesseis anos. Ao chegar lá, porém, não encontrou a mulhernem as filhas. Como muitos moradores do Rio de Janeiro, elas tinham ido aocentro da cidade ver de longe o movimento do baile. Ao saber disso, ele foi aoencontro da família. No cais, perguntou se uma das barcas poderia levá-los até asimediações da ilha, só para ver as luzes de perto, sem desembarcar.Responderam que não. Só com convite. “Então papai tratou um escaler (pequenobarco) a 1$ por pessoa e vimos perfeitamente a ilha, o baile e as pessoas”,escreveu Bernardina no seu diário. “Chegamos em casa às três horas e tanto damadrugada.” Na manhã seguinte, exausta pela noitada fora de casa, ela faltou àaula.[305]

A festa varou a noite. Os últimos convidados foram embora ao alvorecerdo domingo, no exato momento em que nuvens premonitórias encobriram o solnascente. Pouco depois, um aguaceiro como havia muito não se via no Rio deJaneiro desabou sobre a cidade. Como em toda folia de arromba, o ambiente da

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madrugada havia sido bem menos elegante do que as primeiras horas do baile.Devido ao excesso de penetras, os banheiros entraram em colapso. No meio danoite, as latrinas começaram a transbordar. Um odor desagradável inundou ossalões. No banheiro das mulheres foi necessário usar baldes como vasossanitários improvisados. O alto consumo de bebidas alcoólicas fez com quemuitos convidados perdessem a compostura. Um grupo de oficiais da GuardaNacional espancou um cavalheiro que havia criticado a guarnição em alta voz.

Nos dias seguintes, os empregados encarregados de recolher o lixo efazer a limpeza da ilha catalogaram uma lista curiosa de despojos, que os jornaisrepublicanos reproduziram com grande alegria. Entre os objetos encontradoshavia dezessete ligas femininas, usadas na época para prender as roupas íntimasdas senhoras na altura da coxa; 23 almofadinhas, adereços também conhecidoscomo “puffs” e que serviam para dar contorno ao corpo das mulheres sob osvestidos; oito raminhos de corpinho, peça do vestuário destinada a esconder odecote e o começo dos seios; sete xales e mantilhas; nove dragonas militares; oitocartolas (chapéus masculinos de copa alta); e dezesseis sombrinhas.

Ainda segundo o balanço publicado nos jornais, na festa foramconsumidos 3 mil pratos de sopa, cinquenta caixas de peixes grandes, oitocentaslatas de lagosta, oitocentos quilos de camarões, cem latas de salmão, 3 mil latasde ervilhas, 1.200 latas de aspargos, quatrocentas diferentes saladas, oitocentaslatas de trufas, 12 mil frituras, 3.500 peças de caça miúda, 1.500 costeletas decarneiro, 1.200 frangos, 250 galinhas, quinhentos perus, 64 faisões, oitenta patos,23 cabritos, 25 cabeças de porco, 18 mil frutas, 1.200 pratos de doces, 20 milsanduíches, 14 mil sorvetes, 50 mil quilos de gelo — tudo isso regado a 10 millitros de cerveja, oitenta caixas de champanhe, vinte de vinho branco, 78 devinho tinto, incluindo os prestigiados Bordeaux e Borgonha franceses, noventavinhos de sobremesa, além de 26 de conhaques, vermutes e outros licores.

Alguns dias após a Proclamação da República, enquanto as notícias dobaile ainda repercutiam nos jornais, Rui Barbosa, novo ministro da Fazenda dogoverno provisório, decidiu fazer uma visita de inspeção à ilha Fiscal. Estavaacompanhado dos jornalistas Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva e outrosexpoentes do novo regime. Um dos presentes ficou escandalizado ao ver opalacete repleto de símbolos monárquicos e sugeriu que pelo menos o brasãoimperial fosse eliminado da fachada:

— Como, pois, o Brasil republicano conserva um bem nacional com asarmas da Monarquia! Convém derrubá-lo!

Para sorte do patrimônio histórico nacional, o engenheiro Del Vecchio,autor do projeto arquitetônico, que também estava presente, interveio deimediato em tom de súplica:

— Não, senhores! Por Deus! Se mereço algo da República, à qual possoservir com a mesma lealdade e o mesmo espírito de sacrifício com que servi ao

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Império, peço que não toquem neste emblema. É uma obra-prima!Diante desse apelo, o escudo imperial foi mantido. E lá hoje ainda se

encontra, como testemunha silenciosa de um Brasil que deixou de existir naquelanoite de 9 de novembro de 1889.

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16. A QUEDA

NA VÉSPERA DA PROCLAMAÇÃO DA República, 14 de novembro, domPedro II passou um dia tranquilo no Rio de Janeiro. As horas finais do seu longoreinado foram consumidas em programa ameno e protocolar, marcado peladespreocupação com os acontecimentos políticos. Naquela manhã, o imperador,que habitualmente passava os meses de verão em Petrópolis, decidiu descer àcapital. Ao chegar de trem, dirigiu-se ao Imperial Colégio Pedro II, onde assistiua uma das provas do concurso para professor substituto da cadeira de inglês.Depois almoçou no Paço da Cidade, o mesmo local onde, no dia seguinte, ficariapreso por algumas horas antes de ser deportado para a Europa. À tarde, visitou aImprensa Nacional e as instalações do Diário Oficial. Segundo a notícia publicadanaquela edição do jornal, dom Pedro chegou por volta das 14h30, visitoudemoradamente as oficinas, conversou com diretores e funcionários, pedindoexplicações sobre as máquinas e o processo de impressão. No final da tarde,tomou o trem de volta para Petrópolis.[306]

No momento em que o imperador retornava ao seu paraíso serrano, osmilitares e republicanos civis faziam um balanço da conspiração em andamento.Um documento existente nos arquivos de Benjamin Constant, intitulado“Indicações úteis”, revela seu empenho em planejar em minúcias os passosnecessários ao sucesso do golpe:

Precisa-se tomar a um tempo e à noite as seguintes posições — Arsenalde Guerra, de Marinha, Alfândega, Tesouro Nacional, Estação Centraldos Telégrafos, da Estrada de Ferro Pedro II, dos telefones — fábricas dapólvora da Estrela e Conceição, Escola de Tiro, o Realengo e Campinho.Para isso é preciso que se possa contar com o pessoal do batalhão deengenheiros da Escola de Tiro e da fábrica de pólvora. Contar com osguardas do Arsenal de Guerra, de Marinha e fábrica da Conceição, a fimde sorrateiramente à noite introduzir lá pessoal apropriado para depoispodermos tomar conta. (...) Prender no maior sigilo possível todo o

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ministério e mais aderentes importantes.[307]Pelo grau de detalhe, o documento comprova que até o último momento

os militares ainda temiam alguma reação por parte das autoridades imperiais.Todo o cuidado, portanto, seria pouco. Nada disso aconteceu.

Na manhã de 15 de novembro, o conde d’Eu, marido da princesa Isabel,saiu com os filhos para um passeio a cavalo na praia de Botafogo. A cidade lhepareceu absolutamente normal. Nada indicava a importância do drama quenaquele exato momento se desenrolava no Campo de Santana, a algunsquilômetros dali. Ao retornar para casa, por volta das dez horas, foi surpreendidopela chegada do barão de Ivinhema e do visconde da Penha. Vinham“esbaforidos”, segundo relatou mais tarde à condessa de Barral, comunicar arevolta da 2ª Brigada e da Escola Militar. Traziam também notícias do barão deLadário, o ministro da Marinha, que, segundo rumores até então incertos,encontrava-se gravemente ferido. Talvez já estivesse até morto. Outrosconhecidos apareceram em seguida, entre eles o engenheiro André Rebouças, ovisconde de Taunay e os barões de Muritiba, do Catete e de Ramiz, este últimopreceptor dos pequenos príncipes, filhos do casal imperial. Por fim chegou oalferes Ismael Falcão com a notícia de que o marechal Deodoro da Fonseca, otenente-coronel Benjamin Constant e o jornalista Quintino Bocaiúva estavam noquartel-general à frente dos revoltosos.

— Neste caso, a Monarquia está perdida! — foi a reação do conde d’Eu.Novas informações iam chegando a todo momento. Dizia-se que o

ministério havia sido derrubado e que o chefe do gabinete, visconde de OuroPreto, estava preso por ordem de Deodoro. Oficiais militares e republicanos civistinham desfilado à frente das tropas pelo centro da cidade sob aplausos. Ninguémsabia exatamente que providências tomar diante de notícias tão alarmantes.

Por fim, André Rebouças sugeriu que todos se retirassem paraPetrópolis, de onde se poderia organizar a resistência contra os republicanos.Isabel e o conde d’Eu concordaram com a proposta, mas lembraram que, antes,seria conveniente avisar o próprio imperador. Uma tentativa de ligação portelefone falhou. Ainda assim, decidiu-se levar o plano adiante. Como seriaarriscado viajar de trem até o pé da serra fluminense, optou-se pelo percursomais longo e demorado, de barco pela baía de Guanabara, sob proteção daMarinha. Os únicos a embarcar, no entanto, foram os pequenos príncipes —Pedro de Alcântara, catorze anos, Luís Felipe, onze, e Antônio Gastão, oito —acompanhados do preceptor barão de Ramiz.

Naquela mesma hora o próprio imperador tomava decisão oposta.Depois de ler os telegramas que lhe enviara o visconde de Ouro Preto, pediu quelhe preparasse um trem às pressas para descer ao Rio de Janeiro. Isabel e conded’Eu tinham acabado de despachar os filhos para Petrópolis quando souberamdisso também por telegrama, o último que a família imperial conseguiu receber

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antes que as comunicações fossem interceptadas pelos militares. Resolveramentão permanecer na capital em vez de ir ao encontro do imperador, cujo tremespecial chegou por volta das duas da tarde. Segundo relato do seu médicoparticular, conde da Mota Maia, dom Pedro II fez todo o percurso semdemonstrar qualquer preocupação com o que estava ocorrendo. “Veio lendojornais e revistas científicas, declarando que tudo se arranjaria bem”, relatou oconde.

Ainda sem saber que decisão tomar, dom Pedro II e a família dirigiram-se ao Paço da Cidade, na atual praça XV, onde foram saudados pela guarda dehonra como de praxe. Lá dentro, o visconde de Taunay tomou a palavra ecomeçou a expor o plano que André Rebouças havia apresentado naquela manhãao conde d’Eu. Era preciso recrutar o maior número possível de aliados, retornarimediatamente a Petrópolis e, de lá, seguir para Minas Gerais, a fim de organizara resistência contra o golpe militar. O imperador, porém, não lhe deu a mínimaatenção. Em meio à confusão reinante, era o único que parecia guardar absolutacalma. A todo momento, repetia que tudo não passava de “fogo de palha”:

— Conheço os brasileiros, isso não vai dar em nada — afirmou.[308]Diante da insistência dos que o cercavam para que tomasse alguma

atitude, anunciou que a solução era “dissolver os batalhões”, ou seja,desmobilizar as forças rebeldes lideradas por Deodoro.

— Dizer é fácil — contrapôs o conde d’Eu. — Como quer o senhordissolver tropas que estão contra nós? É preciso primeiro constituir um novogoverno, pois o anterior se demitiu.

— Eu não aceito essa demissão — respondeu o imperador.— Mas, se os ministros estão prisioneiros dos revoltosos, como quer o

senhor que eles continuem a governar? — insistiu o conde d’Eu.O Brasil vivia, de fato, uma situação única na sua história naquele

momento. O derradeiro ministério do governo imperial havia sido deposto pelasarmas do marechal Deodoro, mas a República ainda não estava proclamada.Àquela altura, portanto, o regime não era monárquico nem republicano. OParlamento, por sua vez, estava em recesso. Pelo regimento, a Câmara e oSenado só deveriam se reunir cinco dias mais tarde. Para todos os efeitos, ochefe supremo da nação era o imperador, mas na prática já não tinha poderalgum porque nada poderia fazer sem consultar Deodoro, o homem fortedaquele dia. Este, por sua vez, encontrava-se enfermo, prostrado na cama, semque ninguém se arriscasse a dizer se teria forças para sobreviver até o diaseguinte. Desse modo, o país estava, simultaneamente, sem Poder Executivo esem Poder Legislativo, ou seja, sem governo nenhum, mergulhado em vácuopolítico que perduraria até tarde da noite.

Como se estivesse cego aos acontecimentos, dom Pedro II insistia em vero visconde de Ouro Preto. O ministro deposto conseguiu chegar ao Paço por volta

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das quatro horas da tarde. Sua situação era, entre todos os presentes, a maisprecária. Pela manhã, Deodoro havia decretado sua prisão, mas logo voltaraatrás, permitindo que se recolhesse em casa. Às sete da noite, após avistar-secom o imperador, no entanto, Ouro Preto seria preso novamente e deportadopara a Europa a bordo de um navio alemão, sem ter tempo para se despedir dafamília e dos amigos ou mesmo fazer as malas.

Depois de ouvir de Ouro Preto o relato detalhado do que se passara noquartel-general, dom Pedro II finalmente se convenceu de que era necessáriocompor outro ministério. Perguntou ao ministro demissionário quem poderia sero substituto. Ouro Preto, em um erro de avaliação que até hoje intriga oshistoriadores, sugeriu o nome do senador gaúcho Gaspar Silveira Martins, “ohomem da situação”, segundo explicou ao imperador. “Lembra bem”,respondeu dom Pedro II. “Avise-o para vir falar-me.”

Na realidade, Silveira Martins era a pior escolha naquele momento porvários motivos. O primeiro é que não se encontrava no Rio de Janeiro. Eleitosenador, estava a bordo de um navio, a caminho do Rio de Janeiro, na companhiados deputados gaúchos que tomariam posse no dia 20. Partira de Porto Alegre nodia 12, numa viagem que incluía uma escala na cidade de Desterro, futuraFlorianópolis, em Santa Catarina. Só chegaria à capital no dia 17, portanto doisdias após o golpe militar, sem condições de tomar as decisões urgentes que omomento exigia. Pior que isso, era um adversário pessoal do marechal Deodoro.Indicá-lo para compor o novo ministério naquela altura era, portanto, cutucar aonça com vara curta, uma provocação que soaria inaceitável ao marechal.

Confiando na indicação de Ouro Preto, no entanto, dom Pedro decidiuque a formação do novo ministério deveria esperar pela chegada do senadorSilveira Martins no dia 17. Até lá, o Brasil ficaria sem governo. Mais tarde, oimperador justificaria sua desastrada escolha dizendo que, naquele momento,“ignorava o estado das relações de Silveira Martins com Deodoro” — o que ésurpreendente em um monarca que ao longo de sua vida, antes de tomardecisões, se tornara conhecido pela obsessão com que procurava se informarsobre as pessoas e os acontecimentos nos seus mínimos detalhes.

A indicação do nome de Silveira Martins, na definição do historiadorHeitor Ly ra, “foi a gota d’água que fez transbordar o copo já cheio”. Ao saber danotícia, Deodoro, que até aquele momento parecia relutar entre derrubar aMonarquia ou apenas sugerir um novo ministério ao imperador, decidiu-sefinalmente a aceitar a proclamação da República e a constituição de um governoprovisório.

Quando soube da decisão de dom Pedro II, o conde d’Eu ficou alarmado:— Como pensar em ficar três dias sem governo nas presentes

circunstâncias? — exclamou.— Vamos esperar — limitou-se a responder o imperador.

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— Mas dizem que o governo provisório já está formado, com Deodoro,Bocaiúva e Benjamin Constant! — insistiu o conde d’Eu. — Amanhã pela manhã,senão mesmo esta noite, o senhor verá as proclamações afixadas.

— Convoque ao menos o Conselho de Estado para esclarecê-lo —atalhou a princesa Isabel, que acompanhava o diálogo.

— Mais tarde — declarou serenamente o imperador, encerrando aconversa.

O jantar foi servido às cinco horas. Cansados de insistir com oimperador, conde d’Eu e Isabel decidiram tomar a iniciativa e fazer umaconsulta informal aos conselheiros de Estado que se encontrassem no Rio deJaneiro. Dom Pedro II aceitou a iniciativa sem reclamar. Já começava aanoitecer quando chegaram os primeiros conselheiros, mas as opiniões entre eleseram as mais contraditórias. Os baianos Manuel Pinto de Sousa Dantas e JoséAntônio Saraiva achavam, como o imperador, que o golpe ia dar em nada. Ovisconde de Taunay, ao contrário, entendia que a solução era procurar Deodoroimediatamente em busca de um acordo para a crise.

A discussão se fazia à revelia de dom Pedro II, que parecia continuaralheio aos acontecimentos. Afinal, chegou-se à conclusão de que era necessárioenviar dois senadores dos partidos imperiais — o Liberal e o Conservador — paraconversar com Deodoro. Os escolhidos foram o baiano Sousa Dantas e oparanaense Manoel Francisco Correia. Ambos voltaram minutos depois dizendoque nem sequer tinham conseguido ser recebidos pelo marechal. Encontraram aporta da casa fechada. Os criados disseram não saber onde ele se encontrava.

Por volta das onze horas da noite, a princesa Isabel conseguiu finalmenteconvencer o pai a promover uma reunião formal dos onze conselheiros presentesno Rio de Janeiro. Foi a última reunião do governo do Império, embora, paratodos os efeitos, naquele momento a Monarquia já não existisse mais no Brasil. Areunião do Conselho de Estado durou cerca de duas horas. A decisão unânime foique dom Pedro deveria constituir um novo governo o mais rapidamente possível,mas antes seria preciso entender-se com Deodoro. Em vez de esperar pelachegada de Silveira Martins, decidiu-se indicar o baiano José Antônio Saraivapara liderar o novo ministério. Saraiva, que tinha voltado para casa, foi procuradopelo marquês de Paranaguá, João Lustosa da Cunha, e levado de volta ao Paçoda Cidade por volta da uma hora da madrugada do dia 16.

— O Conselho de Estado pleno acaba de recomendar-me a organizaçãode novo ministério — comunicou-lhe o imperador. — Mandei-o chamar paraencarregá-lo dessa tarefa.

Antes de aceitar o cargo, Saraiva redigiu uma carta a Deodoro na qualexplicava ter sido escolhido para compor o ministério, mas que nada faria sem aconcordância do marechal. Era uma decisão surpreendente, pois, na prática,implicava reconhecer que quem mandava no país naquele momento não era

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mais o imperador, mas o marechal. Encarregado de levar a carta à residência deDeodoro, o major catarinense Roberto Trompowsky (atual patrono do Magistériodo Exército, na época professor da Escola Militar da Praia Vermelha) retornoucom a resposta por volta das três horas da madrugada. Deodoro, que o receberana cama, avisava que não tinha nada a declarar a respeito porque, segundo disse,“já agora é tarde”. A República estava declarada e o novo governo provisórioconstituído.

A República, de fato, estava proclamada, mas só provisoriamente, talera a indecisão de Deodoro em relação à mudança de regime. Como se viu nosprimeiros capítulos, horas antes o marechal assinara um manifesto à nação,anunciando a deposição da família imperial, mas sem mencionar a palavrarepública. A incerteza gerada por esse ato levou o paulista Francisco Glicério areunir às pressas um grupo de republicanos, entre eles, Alberto Torres, J. A.Magalhães Castro e Benjamin Constant. Todos se dirigiram à casa de Deodorocom o objetivo de pressioná-lo a tomar uma atitude mais firme. Lá chegando,explicaram ao marechal a situação delicada em que o país se encontrava, semgoverno. A cada hora que passasse, aumentaria a possibilidade de uma reaçãodas forças imperiais. Deodoro, uma vez mais, procurou ganhar tempo, mas,diante da notícia da nomeação de Silveira Martins para a chefia do gabinete,finalmente concordou com a proclamação da República, desde que a expressão“provisória” fosse incluída nas comunicações que o novo governo faria a seguir.

Benjamin levou seus companheiros para o Instituto dos Meninos Cegos,do qual era diretor, onde foram tomadas as primeiras decisões do governoprovisório republicano. O Executivo ficou composto da seguinte forma:

Deodoro da Fonseca — Chefe do Governo ProvisórioBenjamin Constant — Ministro da GuerraQuintino Bocaiúva — Ministro das Relações ExterioresRui Barbosa — Ministro da FazendaAristides Lobo — Ministro do InteriorCampos Salles — Ministro da JustiçaEduardo Wandenkolk — Ministro da MarinhaFaltava escolher o Ministro da Agricultura. Na reunião na casa de

Deodoro, o paulista Francisco Glicério havia lembrado a necessidade de incluirum representante do Rio Grande do Sul, estado importante na campanharepublicana. Sugerira a nomeação de Demétrio Ribeiro, positivista históricoligado a Júlio de Castilhos. O marechal reagira com estranheza: “Nunca ouvifalar neste nome”. Glicério insistira dizendo que Demétrio era um moço degrande talento e cultura. Seria um excelente ministro. “Bem... Conhecer, eu nãoo conheço. Mas, já que os senhores insistem, eu o nomeio”, concordara afinalDeodoro, ficando assim o primeiro ministério da República composto de umintegrante até então completamente estranho ao chefe de governo.[309]

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No Instituto dos Meninos Cegos, foi também lavrado o primeiro decretodo governo republicano. Mais enfático do que o manifesto assinado antes porDeodoro, comunicava em seus artigos iniciais:

Art. 1º. Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma degoverno da Nação Brasileira a República Federativa.Art. 2º. As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficamconstituindo os Estados Unidos do Brasil.O decreto dispunha ainda que, oportunamente, cada Estado faria sua

própria Constituição, elegeria seus representantes para uma assembleiaconstituinte do Brasil e tomaria todas as providências para manter a ordem, asegurança pública, a defesa e a garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos.Anunciava também que nas regiões em que faltasse ao governo local meios paragarantir a ordem haveria intervenção federal.

Como o Congresso ainda estivesse em recesso, no dia seguinte todos osmembros do novo governo provisório foram à Câmara Municipal do Rio deJaneiro prestar juramento perante os vereadores. Era mais uma cena inusitada.O governo federal do Brasil, ou seja, a instância máxima do Poder Exercutivonacional, prestava juramento diante dos representantes de um poder municipal.Mas era a única forma de dar alguma cor de legitimidade a uma República quejá no seu berço nascera de um golpe armado, descolada das ruas, sem qualquerparticipação popular. Por uma dessas ironias da história, três semanas mais tarde,no dia 7 de dezembro de 1889, a mesma Câmara Municipal seria dissolvida pelogoverno republicano, devido ao “estado de decadência, (...) sua deficienteorganização e limitados meios de ação”. Em lugar da Câmara, até então eleitapor voto direto, foi criado um Conselho Municipal, composto de sete membros,todos nomeados pelo governo provisório sem referendo nas urnas.[310]

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17. O ADEUS

UM VULTO SE ESGUEIROU PELAS ruas mal iluminadas do centro do Rio deJaneiro na madrugada de 17 de novembro de 1889, um domingo. Era o jornalistae escritor Raul Pompeia. Ao chegar ao largo do Paço, atual praça XV, encontrouas ruas bloqueadas pelos soldados da cavalaria de armas em punho. Ocultando-seentre as sombras das árvores e edifícios, passou a acompanhar o movimento napraça. O trânsito de pessoas e carruagens havia sido fechado com cordões deisolamento. De tempos em tempos ouviam-se ao longe o disparo de armas defogo e o crepitar das patas dos cavalos no calçamento das ruas. O clima era detensão e expectativa. “Sentia-se todo aquele imenso ermo ocupado pela vontadepoderosa da revolução”, anotou. De seu posto de observação, Pompeiatestemunhou o último ato da Monarquia no Brasil, a partida da família imperialpara o exílio:

Às três da madrugada menos alguns minutos, entrou pela praça um rumorde carruagem. Para as bandas do largo houve um ruidoso tumulto dearmas e cavalos. As patrulhas que passeavam de ronda retiraram-se todasa ocupar as entradas do largo, pelo meio do qual, através das árvores,iluminando sinistramente a solidão, perfilavam-se os postes melancólicosdos lampiões de gás.Apareceu, então, o préstito dos exilados.Nada mais triste. Um coche negro, puxado a passo por dois cavalos quese adiantavam de cabeça baixa, como se dormissem andando. À frente,duas senhoras de negro, a pé, cobertas de véus, como a buscar caminhopara o triste veículo. Fechando a marcha, um grupo de cavaleiros, que aperspectiva noturna detalhava em negro perfil.Divisavam-se vagamente, sobre o grupo, os penachos vermelhos dasbarretinas de cavalaria.O vagaroso comboio atravessou em linha reta, do Paço em direção aomolhe do cais Pharoux. Ao aproximar-se do cais, apresentaram-se alguns

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militares a cavalo, que formavam em caminho.— É aqui o embarque? Perguntou timidamente uma das senhoras de pretoaos militares. O cavaleiro, que parecia oficial, respondeu com gesto largode braço e uma atenciosa inclinação de corpo.Por meio dos lampiões que ladeiam a entrada do molhe passaram assenhoras. Seguiu-se o coche fechado.Quase na extremidade do molhe, o carro parou e o senhor dom Pedro deAlcântara apeou-se — um vulto indistinto, entre outros vultos distantes —para pisar pela última vez a terra da pátria.[311]As últimas horas da família imperial no Brasil foram marcadas pela

tristeza e por algumas cenas de desespero. Na madrugada do sábado dia 16,quando o major Roberto Trompowsky retornou da casa de Deodoro com anotícia de que “já era tarde” para aceitar a indicação de um novo ministérioimperial, a consternação foi geral. “Todos compreenderam afinal que o Impérioestava definitivamente liquidado”, escreveu Heitor Ly ra.[312] Nada mais haviaa fazer para salvar a Monarquia brasileira.

Uma ordem do novo governo provisório republicano, recebida por voltadas dez horas da manhã, determinava que ninguém entrasse ou saísse do PaçoImperial. A partir daquele momento, dom Pedro II era prisioneiro em seu própriopalácio. O conde d’Eu chegou a conceber um plano de fuga pelo qual a famíliaimperial usaria uma passagem secreta do Paço para burlar a vigilância dassentinelas republicanas e pedir asilo a bordo do encouraçado chileno AlmiranteCochrane, cujos oficiais haviam sido homenageados no Baile da Ilha Fiscal nasemana anterior. Dom Pedro II rechaçou a ideia dizendo que, em momentocomo aquele, jamais confiaria seu destino às mãos de estrangeiros. O plano, dequalquer forma, estava destinado a fracassar porque minutos depois apresentou-se no palácio o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro com nova mensagemdo governo provisório para dom Pedro.

Futuro sogro do escritor Euclides da Cunha, Sólon Ribeiro era aqueleoficial, citado no segundo capítulo deste livro, que na noite de 14 de novembrohavia precipitado o golpe ao espalhar na rua do Ouvidor o boato sobre a prisão deDeodoro e a dissolução do Exército. Desta vez, ao postar-se diante do imperadordeposto, ficou tão perturbado que não sabia a forma pela qual deveria tratá-lo.Primeiro chamou-o de “Vossa Excelência”, tratamento tipicamente republicano.Ao perceber o deslize, mudou para “Vossa Alteza”. Por fim, optou por “VossaMajestade”, a forma pela qual dom Pedro II fora chamado nos 49 anosanteriores sob o regime monárquico.[313]

— Venho da parte do governo provisório entregar respeitosamente aVossa Majestade esta mensagem — explicou o major, ainda mal refeito daconfusão. — Não tem Vossa Majestade uma resposta a dar?

— Por ora não — respondeu dom Pedro.

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— Então, posso me retirar? — perguntou o oficial.— Sim — encerrou dom Pedro, visivelmente apático diante da situação.No documento, assinado pelo marechal Deodoro já na condição de

chefe da nação, o governo provisório comunicava ao imperador a sua destituiçãoe a mudança de regime. Depois de determinar que a família imperial deixasse opaís no prazo máximo de 24 horas, terminava com uma frase repleta designificado histórico:

O país conta que sabereis imitar, na submissão aos seus desejos, oexemplo do primeiro imperador, em 7 de abril de 1831.Era uma lembrança tenebrosa dos acontecimentos semelhantes

ocorridos mais de meio século antes, quando dom Pedro I se vira forçado aabdicar o trono brasileiro e seguir para a Europa.

Ao ouvir a notícia, a imperatriz Teresa Cristina caiu prostrada numapoltrona. A princesa Isabel e algumas senhoras que a rodeavam começaram achorar de forma convulsiva. Dom Pedro II, com apoio do barão de Loreto,sentou-se para redigir a resposta ao governo provisório. Na aparência, estavatranquilo. A letra hesitante, porém, revelava o nervosismo.

À vista da representação escrita, que me foi escrita... — começou.Ao perceber a repetição da palavra “escrita”, deixou de lado a folha e

reiniciou o texto, dessa vez de forma definitiva:À vista da representação escrita, que me foi entregue hoje, às três horasda tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com todaa minha família para a Europa, amanhã, deixando esta pátria, de nósestremecida, à qual me esforcei por dar constantes testemunhos deentranhado amor e dedicação, durante quase meio século, em quedesempenhei o cargo de Chefe da Nação. Ausentando-me, pois, eu comtodas as pessoas de minha família, conservarei do Brasil a mais saudosalembrança, fazendo ardentes votos por sua grandeza e prosperidade. Riode Janeiro, 16 de novembro de 1889. Dom Pedro d’Alcântara.A forma pela qual dom Pedro II assinou essa mensagem revela que,

finalmente, tinha plena consciência do momento em que vivia. Durante quasemeio século, ele sempre assinara seus textos oficiais como “Imperador”,indicando que era, sem sombra de dúvida, o chefe de Estado e da Nação. Dessavez, no entanto, usava seu nome privado, “Pedro de Alcântara”, com o qualcostumava se identificar nas viagens ao exterior sob a justificativa de que, forado Brasil, deveria ser tratado como um cidadão comum, e não como ummonarca. Assim continuaria a rubricar cartas, bilhetes e anotações até morrer noexílio, dois anos mais tarde.[314]

Durante todo o dia 16, a família imperial ficou detida no Paço. DomPedro II impressionava a todos pela calma, mais aparente do que real, com quereagia aos acontecimentos. Ao visconde de Taunay, que a certa altura lhe falou

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sobre o desastre que significava a queda da Monarquia e a vitória dosrepublicanos, respondeu:

— Pois se tudo está perdido, haja calma. Eu não tenho medo doinfortúnio.

Seguiram-se algumas cenas cômicas. O mordomo da casa imperial,visconde de Nogueira da Gama, por exemplo, submeteu à assinatura de domPedro II vários documentos oficiais, como se ignorasse que, àquela altura, oimperador já não governava. Foi o caso de um decreto concedendo o título debarão de Novais a um empresário de São Paulo, o comerciante e industrial EliasDias Novais. Seria esse o último título nobiliárquico distribuído pelo Império —isso quando a Monarquia já deixara de existir no Brasil.[315]

A postura serena do imperador mudaria por volta da 1h30 da madrugadado dia 17, quando chegou ao Paço o tenente-coronel gaúcho João Nepomucenode Medeiros Mallet com a notícia da mudança de planos do governo republicano.O prazo inicial de 24 horas, dado anteriormente pelo major Sólon Ribeiro, forarevisto. A família imperial deveria partir imediatamente para o exílio. Foi umsusto. Antes, o embarque estava marcado para as duas horas da tarde do diaseguinte, o que deixava tempo de sobra para descansar e tentar organizar ascoisas antes de se dirigir para o cais. Exaustos pelos acontecimentos e emoçõesdo dia anterior, todos tinham se recolhido por volta das onze horas da noite,portanto, mal tinham pego no sono quando foram tirados da cama pelas novasordens.

Assim, despertados ainda no primeiro sono, os prisioneiros do Paçoforam chegando um a um ao salão principal. O conde d’Eu, o primeiro aaparecer, ouviu de Mallet a explicação de que a mudança de planos se devia aotemor, por parte do governo provisório, de manifestações hostis à famíliaimperial no caso de um embarque à luz do dia. Receava-se até mesmo umatentado contra a vida do imperador.

Nesse momento, ouviu-se a voz de dom Pedro II, o último a acordar.Vestia casaca preta e trazia na mão a inseparável cartola:

— O que é isto? — interpelou ao ver o tenente-coronel Mallet. — Entãovou embarcar a esta hora da noite?

O oficial respondeu que a decisão era do governo.— Que governo? — insistiu o imperador, visivelmente irritado.— O governo da República...— Deodoro também está metido nisso?— Está, sim, senhor. Ele é o chefe do governo.— Então estão todos malucos!O desespero tomou conta também da princesa Isabel, que temia pela

sorte dos três filhos, àquela altura voltando de Petrópolis para o Rio de Janeiro:— Senhor Mallet, como é isto, os senhores estão doidos? Que lhes

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fizemos nós? Senhor Mallet, é aqui que tenho minhas afeições! Os senhores estãodoidos? Hão de se arrepender!

O oficial assegurou a Isabel que haveria tempo suficiente para achegada dos príncipes.

O imperador, por sua vez, continuava inconformado com a hora dapartida.

— Não sou nenhum fugido! — repetia. — Não sou nenhum fugido, parasair assim...

Por fim, depois de ouvir as ponderações do barão de Jaceguai, almiranteArtur Silveira da Mota, sobre os riscos da partida no dia seguinte à luz do sol ediante da previsível multidão aglomerada no cais, conformou-se:

— O senhor tem razão. Para evitar conflitos inúteis...Eram 2h46 da madrugada quando a família imperial começou a deixar

o Paço em direção ao navio que a aguardava na baía de Guanabara. Foi nessemomento que Raul Pompeia testemunhou a cena descrita na abertura destecapítulo. Dom Pedro, a princesa Isabel e o conde d’Eu acomodaram-se dentro deuma carruagem. Os demais seguiram a pé. No cais, entraram todos numa lanchado Arsenal de Guerra, guardada por quatro cadetes. Como o embarque foraantecipado, primeiro tiveram de ser encaminhados ao cruzador Parnaíba. Aliaguardariam a chegada dos três pequenos príncipes e só então navegariam paraa ilha Grande, ao encontro do vapor Alagoas, que os levaria para a Europa.

Na escuridão fechada daquela noite chuvosa, foi difícil distinguir oscontornos do cruzador Parnaíba. Ao se aproximar do navio, o tenente-coronelMallet ordenou que os marinheiros baixassem as escadas e, nesse momento, foitomado por um pânico súbito, segundo contaria mais tarde ao historiador TobiasMonteiro. O mar estava muito agitado, e a lancha só precariamente se mantinhaalinhada às escadas. E se o idoso imperador caísse no mar durante o embarque?Todos iriam culpá-lo pela tragédia, ponderou Mallet. Assustado, resolveu que,nesse caso, mergulharia para salvar o monarca ou morrer com ele. Felizmente,nada disso aconteceu. Com um impulso mais firme, o oficial conseguiu colocardom Pedro a salvo sobre as escadas do navio. Em seguida, ajudou a imperatriz afazer o mesmo e deu por terminada sua angustiante missão.

Apesar do cansaço, dom Pedro II recusou-se a descer até o camaroteque haviam preparado para ele. Preferiu ficar sobre o tombadilho do navio, ondeos marinheiros estenderam um toldo que o protegia do orvalho e da umidade damadrugada. Por volta das dez horas da manhã, finalmente chegaram dePetrópolis os príncipes filhos de Isabel e conde d’Eu. O alívio foi geral.

Pouco antes da partida, um oficial subiu a bordo com a notícia de que ogoverno republicano daria uma ajuda de 5 mil contos de réis para custear asdespesas do imperador no exílio. Era uma grande fortuna na época, equivalente acerca de 70 milhões de dólares ou 150 milhões de reais hoje, mas dom Pedro II

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limitou-se a receber o papel, sem dar uma resposta conclusiva. Esse gesto seriamotivo de uma grande controvérsia nos anos seguintes. Para o governorepublicano, dom Pedro ao receber o documento havia, implicitamente, aceitadoa ajuda financeira. Isso faria com que, ao chegar a Portugal semanas mais tarde,fosse acusado por um jornalista de ter “vendido a Monarquia brasileira” por umasoma em dinheiro.

O fato é que, ao chegar a São Vicente, no arquipélago de Cabo Verde,duas semanas após a partida do Brasil, dom Pedro enviaria uma carta ao governoprovisório renunciando formalmente a qualquer ajuda financeira, além dosalário mensal a que já tinha direito por lei enquanto monarca. A atitude foiconsiderada insolente pelo governo republicano, que, em represália, resolveubanir para sempre a família imperial do território brasileiro. A renúncia aodinheiro custaria também grandes humilhações a dom Pedro, obrigado arecorrer a empréstimos de amigos para pagar suas contas na Europa até morrer,em 1891.

Por volta do meio-dia de 17 de novembro, o Parnaíba levantou âncoras ecomeçou a se mover em direção à saída da baía de Guanabara. No final datarde, estava diante da ilha Grande, onde os aguardava o vapor Alagoas. Era noitefechada quando a família real foi transferida para esse navio, maior e maisadequado a uma viagem até a Europa. O comandante ofereceu ao imperadorseu próprio camarote, situado na parte de cima da embarcação. Dom Pedrorecusou. Preferia ficar na parte de baixo, mais protegida do frio quando chegasseao hemisfério norte. À uma hora da madrugada do dia 18, o Alagoas finalmenterecolheu âncoras e começou a se afastar do litoral fluminense.

Ao saber da partida do imperador, Benjamin Constant afirmou:— Está cumprido o mais doloroso dos nossos deveres.[316]Por determinação do governo provisório, um navio de guerra, o

encouraçado Riachuelo, foi destacado para comboiar a família imperial.Oficialmente, o motivo era protegê-la de qualquer surpresa em alto-mar. Naverdade, tratava-se de impedir que algum dos passageiros tentasse desembarcarem qualquer ponto da costa brasileira. Como o Riachuelo era um barco maislento e pesado do que o Alagoas, a viagem durante a primeira semana foimonótona e cansativa. Afinal, os comandantes chegaram à conclusão de que eramelhor deixar o Alagoas seguir sozinho, enquanto o Riachuelo retornava ao portode saída.

No dia 24 de novembro, o vapor passou ao largo de Fernando deNoronha, última porção do território nacional à vista. Quando o arquipélago jáera um pontinho negro no horizonte, alguém teve a ideia de despachar de voltaum pombo-correio com uma mensagem de adeus. “Saudades do Brasil”,escreveu o imperador em um pedaço de papel, assinado por todos e atado às

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pernas do pombo. A ave foi impelida por uma rajada de vento, mas, depois de sedistanciar alguns metros da amurada do navio, começou a perder altura até cairnas ondas e ser tragada pelo mar turbulento. Terminava assim, de formamelancólica, a derradeira tentativa de dom Pedro II de manter contato com aterra em que nascera e reinara por quase meio século.

A travessia do Atlântico se arrastou por três semanas. Na manhã de 7 dedezembro, quando o Alagoas finalmente atracou no porto de Lisboa, a famíliaimperial foi recebida pelo rei Carlos I, sobrinho-neto de dom Pedro IIrecentemente elevado ao trono português. Uma das testemunhas desse momentohistórico foi o pernambucano Manuel de Oliveira Lima, futuro diplomata ehistoriador do Império, então um estudante de 21 anos na capital portuguesa.Como todos os jovens da época, Oliveira Lima era republicano, mas não resistiuà tentação de subir a bordo do Alagoas para ver de perto o imperador destronadodo Brasil. O seu relato:

A manhã estava linda, dessas radiosas e estimulantes manhãs dedezembro de que Portugal tem o privilégio. Bandos de gaivotasesvoaçavam em redor dos navios, balouçando-se (...) sobre as águas quefaiscavam ao sol. (...) Quando cheguei a bordo, (...) o imperador estavano último convés, sentado num banco entre Penedo e seu cunhado Aguiarde Andrade, ministro de Lisboa, conversando. Sua nobre fisionomia nãodenotava o menor constrangimento. Era de uma serenidade olímpica. (...)Logo depois desceram todos para o almoço, dom Pedro sentando-se àcabeceira da mesa, no lugar do capitão. Ele simbolizava na verdade opiloto que o Brasil indiferente e ingrato desembarcara, quando julgarapassado todos os escolhos.[317]A chegada da família imperial foi uma cena carregada de simbolismo

para brasileiros e portugueses. Daquele mesmo ponto do rio Tejo, a esquadra dePedro Álvares Cabral partira no início de 1500 para descobrir o Brasil sob osauspícios da coroa portuguesa. Havia dois séculos e meio que uma mesma realdinastia, a dos Bragança, governava os dois países. O fim dessa longa históriamonárquica ligando os dois povos seria marcado por uma estranha coincidência:no mesmo dia 15 de novembro de 1889, enquanto dom Pedro perdia o trono noBrasil, nascia em Lisboa o último rei de Portugal, dom Manuel II. Na antigametrópole, porém, a mudança de regime se daria de forma ainda maistraumática do que no Brasil. Dom Carlos I, pai de dom Manuel II, seriaassassinado com um tiro de carabina em 1908, dois anos antes da proclamaçãoda República portuguesa, em 5 de outubro de 1910.

Ao desembarcar em Lisboa, dom Pedro II recusou o palácio que lhe foioferecido pelo sobrinho-rei, preferindo hospedar-se no Hotel Bragança, comoum cidadão comum. Como não tinha dinheiro para pagar a conta, teve de

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socorrer-se de um empréstimo de Manuel Joaquim Alves Machado, ricocomerciante português que fizera fortuna em negócios no Brasil. Aos jornalistasque a todo momento o interpelavam sobre a Proclamação da República e apossibilidade de voltar a governar o Brasil, limitava-se a responder:

— Se me chamassem, iria. Por que não?Nas duas semanas seguintes, cumpriu na capital portuguesa um

programa de despedidas. Na igreja de São Vicente de Fora, ajoelhou-se e rezoudiante do túmulo do pai, dom Pedro I. Fazia 58 anos que o vira pela última vez, namadrugada de 7 de abril de 1831, data da abdicação do primeiro imperador aotrono brasileiro. No mosteiro dos Jerônimos, depositou no túmulo do escritor ehistoriador Alexandre Herculano, falecido em 1877, uma coroa de flores com osseguintes dizeres:

Só rico em saber. 16 de dezembro de 1889. Pedro.O compromisso seguinte foi o mais doloroso de todos — o reencontro

com o romancista Camilo Castelo Branco, por quem tinha profunda admiração, aponto de havê-lo condecorado com a Ordem da Rosa. Velho, cego, doente eempobrecido, Castelo Branco vivia no andar térreo de uma casa em ruínas nocentro da cidade. Tinha alucinações frequentes e gritava de dor à noite. DomPedro, que o conhecia desde a primeira visita a Portugal, em 1871, mandouperguntar se poderia visitá-lo. O escritor recusou, dizendo que, naquelascondições, preferia não rever o amigo. “A visita de Vossa Majestade, nadolorosa situação em que me encontro, seria para os meus cruéis padecimentosuma exacerbação”, explicou em um bilhete manuscrito. “Além das nevralgiasque me forçam a gritar, estou febril, cego e surdo. Não queira Vossa Majestadepresenciar este horrendo espetáculo.”

Dom Pedro ignorou o bilhete e foi visitá-lo mesmo assim. Chegou desurpresa à casa de Camilo. Seguiu-se um diálogo repleto de emoção e tristeza,presenciado pela sobrinha do escritor, Ana Correia:

— Meu Camilo, console-se. Há de voltar a ter a vista.— Meu senhor, a cegueira é a antecâmara da minha sepultura.— Perdi o trono, estou exilado, e não voltar à pátria é viver penando.— Resigne-se Vossa Majestade. Tem luz nos seus olhos.— Sim, meu Camilo, mas falta-me o sol de lá!Despediram-se abraçados, em lágrimas. Camilo Castelo Branco

suicidou-se no primeiro dia de junho de 1890 com um tiro de revólver natêmpora direita. Dom Pedro II receberia a notícia só meses mais tarde, quando jáestava em Paris.[318]

Depois de Lisboa, o imperador seguiu para a cidade do Porto, onde umanova e devastadora tragédia o aguardava. No dia 28 de dezembro, enquantovisitava a Escola de Belas-Artes, foi chamado às pressas de volta ao hotel. Aimperatriz Teresa Cristina acabara de falecer, vítima de ataque cardíaco.

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Custa-me a escrever, mas preciso não sucumbir — anotou em seudiário. — Não sei o que farei agora. Só o estudo me consolará de minha dor.

O mineiro Afonso Celso de Figueiredo Júnior, filho do visconde de OuroPreto, que o visitou nesse dia, registrou em suas memórias o estado de prostraçãodo imperador:

A um canto a cama desfeita, em frente um lavatório comum, no centrolarga mesa coberta de livros e papéis. Um sofá, algumas cadeirascompletavam a mobília. Tudo frio, desolado e nu. (...) Os joelhos envoltosnuma coberta ordinária, trajando velho sobretudo, dom Pedro II liasentando à mesa um grande livro, apoiando a cabeça na mão. Ao nosavistar, acenou para que nos aproximássemos. Meu pai curvou-se parabeijar-lhe a testa. O imperador lançou-lhe os braços aos ombros eestreitou-se demoradamente contra o peito. Depois ordenou que nossentássemos perto dele. Notei-lhe a funda lividez. Calafrios arrepiavam-lhe a cútis por vezes. Houve alguns minutos de doloroso silêncio...Após o sepultamento da imperatriz, dom Pedro II viajou para a França,

última etapa do seu exílio. Ali reviu também pela última vez a condessa deBarral, a baiana que, ao longo de meio século, fora a verdadeira dona de seucoração. Ela morreu, pouco antes de completar 75 anos, em 14 de janeiro de1891, dia em que o imperador anotou em seu diário:

Duas horas e cinco. Morreu a condessa de Barral, minha amiga desde1848 e de ver todos os dias quando educava minhas filhas.No dia seguinte, registrou novamente:Não posso esquecer a morte da Barral. Hei de fazer-lhe meu sonetoquando o espírito estiver mais calmo...O poema, simplório e de rima forçada como todos os que compôs na

vida, dizia:Durante meio século de amizadeTalento e graça em ti bem me encontravaE o tempo junto a ti nunca duravaEm toda a sua diuturnidade[319]Dom Pedro II morreu no início da madrugada de 5 de dezembro de

1891. Acabara de completar 66 anos e estava hospedado no Hotel Berdford,lugar relativamente modesto situado na rua de l’Arcade, em Paris. No quarto seachavam cerca de trinta brasileiros, incluindo a princesa Isabel e o marido,conde d’Eu. O governo francês lhe deu honras de chefe de Estado com exéquiasrealizadas na igreja Madeleine, o que irritou profundamente os republicanosbrasileiros. Dali o caixão seguiu de trem para Lisboa, chão de seus antepassados,onde foi sepultado no mausoléu real de São Vicente de Fora, ao lado da esposa,Teresa Cristina.

No dia da morte do imperador, ao abrir o armário em que estavam seus

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pertences pessoais, o conde d’Eu encontrou um pequeno embrulho contendo umasubstância escura e um bilhete com a seguinte mensagem:

É terra de meu país; desejo que seja posta no meu caixão, se eu morrerfora de minha pátria.

As últimas sete palavras dessa frase indicam que, até o leito de morte,dom Pedro II alimentou secretamente a ilusão de um dia retornar ao Brasil. Isso,de fato, aconteceria, mas só trinta anos mais tarde. Em 1920, o presidenteEpitácio Pessoa revogou, finalmente, o decreto republicano que banira a famíliaimperial do território nacional. Em 8 de janeiro do ano seguinte, os restos mortaisdo imperador e da imperatriz foram trasladados para a catedral de Petrópolis,onde se encontram atualmente.

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18. OS BESTIALIZADOS

NO ROMANCE ESAÚ E JACÓ, o escritor Machado de Assis descreve de formabem-humorada as aflições de um de seus personagens às voltas com osacontecimentos de 15 de novembro de 1889. Custódio, o fictício dono de umaconfeitaria situada na rua do Catete, acordou naquela manhã alarmado pelasnotícias a respeito da Proclamação da República. Dias antes, por infelicidade,havia encomendado a pintura de nova placa para identificar, com letras bemgrandes e coloridas, o nome de seu estabelecimento:

Confeitaria do Império.Combinado o preço, Custódio voltara tranquilo para casa deixando o

pintor às voltas com o seu trabalho. Só ao acordar na manhã do dia 15 deu-seconta da confusão em que se metera. A Monarquia brasileira, que ele pretendiahomenagear com a placa, acabara de cair. Era preciso sustar a pinturaimediatamente. “Pare no d...”, foi a mensagem que despachou com urgênciapara o pintor. Para seu desespero, no entanto, descobriu que o profissional jáconcluíra a tarefa. Lá estava agora a nova placa, com a tinta ainda frescaanunciando:

Confeitaria do Império.E logo no centro da cidade, onde militares e civis republicanos

comemoravam a queda do antigo regime e a instalação da República!Custódio rapidamente chegou à conclusão de que deveria providenciar a

mudança do nome e a confecção de outra placa. Antes, porém, foi pedir aopinião do vizinho, o sábio e experiente conselheiro Aires. Manter “Confeitaria doImpério”, concordou Aires, poderia soar uma provocação ao novo regime.

— Que tal “Confeitaria da República”? — sugeriu.À primeira vista, parecia boa ideia, mas Custódio lembrou-se de que,

àquela altura, o ambiente político continuava incerto. Algumas pessoas aindaacreditavam na restauração da Monarquia e, se houvesse uma reviravolta nosdias seguintes, perderia dinheiro mandando pintar a nova placa. Uma alternativa

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seria mudar para “Confeitaria do Governo”, designação que, segundo explicouAires, “tanto serve para um regime como para outro”. O precavido Custódioponderou que, também nesse caso, haveria problemas. Nenhum governo deixade ter oposição. Os adversários do novo regime poderiam quebrar-lhe a tabuleta.A solução por fim adotada foi:

Confeitaria do CustódioSeria essa, portanto, a nova denominação do estabelecimento, levando

em conta que “um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação políticaou figuração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos doisregimes”, conforme ponderou-lhe o conselheiro Aires.[320]

Essa curiosa anedota literária resume o clima de espanto da populaçãodo Rio de Janeiro naquele dia. Fruto de uma conspiração entre militares e umnúmero reduzido de civis, a Proclamação da República pegou a todos desurpresa. Ao ver o desfile das tropas comandadas por Deodoro no centro dacidade naquela manhã, ninguém saberia dizer com certeza do que se tratava. Otom do noticiário parecia contraditório. Havia uma revolução em andamento,anunciavam os jornais, mas o clima geral era de ordem e tranquilidade.

“Ninguém parecia muito entusiasmado”, relatou o correspondente dojornal americano The New York Times . Segundo ele, ao passar pela rua Primeirode Março, no centro da cidade, os militares vitoriosos deram vivas econfraternizaram com os civis, mas não receberam de volta nenhumademonstração de entusiasmo popular.[321] “O povo assistiu àquilo bestializado,atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”, afirmou o jornalista e cheferepublicano Aristides Lobo em artigo para o Diário Popular, de São Paulo.“Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada. Era um fenômenodigno de ver-se.” No mesmo artigo, Aristides Lobo explicava que, “por ora, a cordo governo é puramente militar”, uma vez que “o fato foi deles, deles só, porquea colaboração do elemento civil foi quase nula”.[322]

Depoimentos de outras testemunhas confirmam o clima geral de apatia.O embaixador da Áustria no Rio de Janeiro, conde de Weisersheimb, emrelatório despachado para Viena cinco dias após a Proclamação da República,afirmou:

A grande massa da população, tudo quanto não pertencia ao PartidoRepublicano, relativamente fraco, ou à gente ávida de novidades, ficoucompletamente indiferente a essa comédia, encenada por uma minoriadecidida.Semelhante foi o relato do embaixador francês, conde de Chaillou, no

dia 18 de novembro:Dois mil homens comandados por um soldado revoltado bastaram parafazer uma revolução que não estava preparada, ao menos para já.Informações particulares permitem afirmar que os próprios vencedores

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não previam, no começo do movimento, as condições radicais que eledevia ter.[323]As notícias da queda do Império se espalharam rapidamente graças ao

telégrafo. Na tarde de 15 de novembro, seguindo instruções de BenjaminConstant, o tenente José Augusto Vinhais tomou posse da Repartição Geral dosTelégrafos no Rio de Janeiro, até então chefiada pelo barão de Capanema. Dalipassou a disparar mensagens para os presidentes das províncias anunciando aimplantação da República, embora até aquele momento o novo regime ainda nãoestivesse oficializado pelo governo provisório. Ao contrário do que se poderiaesperar, a repercussão diante de tão extraordinário acontecimento foi mínima. Aresignação foi geral.

Curiosamente, a reação monárquica mais importante ocorreu na Bahia,liderada por ninguém menos do que o irmão do marechal Deodoro, o generalHermes Ernesto da Fonseca, governador de Armas da província. Ao receber asnotícias do Rio de Janeiro, Hermes da Fonseca anunciou que permaneceria fielao imperador Pedro II. Às dez horas da manhã do dia 16, despachou umtelegrama ao governador do Pará, Silvino Cavalcanti de Albuquerque, no qualavisava que pretendia resistir à República. Pedia que Silvino o acompanhasse nadecisão. De início, o governador paraense concordou, mas no meio da tarde foiobrigado a renunciar, depois que tropas leais a Deodoro, incluindo o contingentedo Corpo de Bombeiros, cercaram o palácio em Belém. Ao deixar o cargo,Silvino lavrou um protesto em nome “do direito, da honra e da pátria”, queentregou ao chefe republicano Paes de Carvalho.[324]

Enquanto isso, na Bahia, o general Hermes da Fonseca capitulava aosaber que o próprio irmão liderava a Proclamação da República e que, àquelaaltura, o imperador já estava a caminho do exílio na Europa. “Eu sou republicanodesde o dia 15 de novembro, mas o meu irmão Hermes é de 16”, diria maistarde o marechal Deodoro, ao se referir ao episódio de forma divertida.[325]

Com exceção desse caso pitoresco, os protestos em outras regiões doBrasil foram isolados e sem consequência. Em Desterro, atual Florianópolis, aoouvir a notícia do golpe no Rio de Janeiro, os soldados de um batalhão do Exércitose sublevaram dando vivas à Monarquia. “Foi necessário mandar fazer fogo,resultando dois a três mortos”, anunciava um despacho enviado a BenjaminConstant, ministro da Guerra. Segundo o mesmo documento, cerca de trintasoldados ainda estavam desaparecidos. No Maranhão, um grupo de ex-escravos,que julgava dever sua libertação à Monarquia, foi igualmente reprimido a tirospelo comandante do 5º Batalhão do Exército, major Tavares Torres, adepto dopositivismo republicano.[326]

Na foz do rio Apa, em Mato Grosso, a guarnição militar local só tomouconhecimento da queda do Império mais de um mês depois, em 20 de dezembro.Publicada a ordem do dia com a notícia, cerca de 25 soldados negros reagiram

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dando “morras à República” e “vivas à Monarquia”. Como os ex-escravosmaranhenses, alegavam que não apoiariam a nova forma de governo porquehaviam sido libertos do cativeiro pela princesa Isabel. Diante de uma ordem docomandante, que mandou prendê-los, puseram fogo no quartel. Um delesmorreu.[327]

Se entre pobres, soldados rasos e ex-escravos ainda houve algumprotesto, o restante da população — em especial aquela parcela que tinha algumariqueza, poder e influência política — aderiu à República com a maiornaturalidade e sem pensar duas vezes. O Senado do Império, onde tinham assentoas maiores sumidades da Monarquia, não formulou qualquer voto de protesto aose reunir pela última vez, em 16 de dezembro. “Dom Pedro II viu-se só eabandonado”, observou o historiador Manuel de Oliveira Lima. “A Monarquia noBrasil caiu sem ter tido quem morresse por ela”, observou o sociólogo GilbertoFrey re[328]. “Esqueceram-me mais depressa do que eu esperava”, queixou-se opróprio imperador ao filho do visconde de Ouro Preto, em Paris.[329]

As adesões mais rápidas e entusiasmadas vieram de proeminentespolíticos monarquistas, condes, viscondes, barões e outros fidalgos, apontadoscomo o sustentáculo do Império. Da Europa o barão de Tefé (almirante AntônioLuís von Hoonholtz) mandou um telegrama ao marechal Deodoro felicitando-opor “ter libertado a pátria da opressão”. O barão Homem de Melo (professorFrancisco Inácio Marcondes Homem de Melo) desfilou pelas ruas do Rio deJaneiro com as tropas de Deodoro na tarde de 15 de novembro. Sete dias depoismandou carta a Quintino Bocaiúva chamando-o de “meu particular amigo”. Obarão da Passagem (almirante Delfim Carlos de Carvalho) elogiou osrepublicanos por “terem libertado a pátria de um domínio intolerável”.[330] Oconde de Araruama (fazendeiro Bento Carneiro da Silva) anunciou emcomunicado aos seus amigos de Macaé e Barra de São João estar aderindo àRepública por considerar esse “o melhor serviço que se pode fazer à pátria”. Ovisconde de Bom Conselho (advogado José Bento da Cunha Figueiredo) escreveuàs autoridades expressando “máxima adesão e obediência” à República edesejando que o novo governo fosse feliz “na sua importante tarefa de conservara paz interna e externa, estreitando cada vez mais os laços de íntima fraternidadeentre os brasileiros”.[331]

Até mesmo o preceptor dos filhos da princesa Isabel, Benjamin FranklinRamiz Galvão, barão de Ramiz, pulou o muro tão logo pôde. Semanas após aProclamação da República, já tendo renunciado ao título de barão, foi nomeadodiretor da Inspetoria-Geral de Instrução Pública por indicação de BenjaminConstant. Em discurso um ano mais tarde comparou Deodoro a GeorgeWashington, primeiro presidente e herói da Independência dos EstadosUnidos.[332]

Entre os adesistas imperiais dizia-se que a República era “um fato

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consumado”, diante do qual não cabia qualquer reação. Um caso exemplar foi ode José Antônio Saraiva, o conselheiro do Império que, na madrugada de 16 denovembro, dom Pedro II chamara para recompor o ministério, em última edesesperada tentativa de preservar a coroa. Saraiva aderiu ao novo regime diasapós a partida do imperador para o exílio. Em telegrama ao ex-deputadopernambucano Ulisses Viana, no dia 20 de novembro, avisou que a Repúblicatinha chegado para ficar e que seria inútil resistir a ela. “Devemos adotá-la eservi-la”, recomendou. Um ano mais tarde, estaria entre os representantes eleitospara a nova assembleia constituinte republicana. Logo, porém, renunciou aomandato recolhendo-se ao anonimato em seu engenho de Ipojuca, naBahia.[333]

Atitude de rara dignidade teve o governador de São Paulo, general Coutode Magalhães, veterano sertanista, desbravador da bacia do rio Araguaia e heróida Guerra do Paraguai. Magalhães, um monarquista convicto, soube daProclamação da República ainda no dia 15 de novembro. No dia seguinte,entregou o cargo a uma comissão formada por Campos Salles, Rangel Pestana,Martinho Prado Jr., entre outros republicanos. Foi tratado com respeito ao deixaro palácio, então situado no Pátio do Colégio, mas recusou o convite para ir ao Riode Janeiro prestar reverências às novas autoridades constituídas. “Tendo (...) sidohá pouco funcionário de alta confiança do governo decaído, julgo que a minhaida ao palácio para cumprimentar oficialmente o governo provisório não teriaoutro efeito além de aumentar de mais um nome a longa lista daqueles que osrepublicanos antigos devem considerar como pretendentes importunos dosproventos e honras de uma situação que não ajudaram a criar”, justificou-se ovelho general.

O festival de adesões logo se propagou também entre advogados,escritores, médicos, jornalistas e outros profissionais. No dia 20 de novembro, umgrupo de intelectuais reuniu-se no teatro Variedades com o objetivo de elegeruma comissão encarregada de “manifestar por qualquer modo ao governoprovisório da República dos Estados Unidos do Brasil a adesão franca dos homensde letras do Brasil”. Entre os escolhidos para compor a representação estavam osergipano Sílvio Romero, o gaúcho Pardal Mallet, o carioca Olavo Bilac, oalagoano Guimarães Passos e os maranhenses Aluísio de Azevedo e CoelhoNeto.[334]

Em muitos casos, “não bastava aderir; era preciso tornar público o ato”,como registrou o historiador Renato Lemos.[335] Foi o que fizeram 94 médicosautores de “uma lista aberta” publicada pelo jornal O Correio do Povo na qualdeclaravam apoio ao novo regime. Também se manifestaram os empregados docomércio, o Centro Família Espírita, o Grande Oriente do Brasil, o diretor e osempregados da Casa da Moeda, a União Operária e a Comissão dos Homens deLetras, entre outras instituições. Um fenômeno particularmente curioso foi a

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corrida aos atestados de participação na Proclamação da República. Assinadospor Benjamin Constant e outras lideranças, esses documentos certificavam que orequerente era republicano de primeira hora. Mais tarde, serviriam para abrir-lhes as portas dos cofres, empregos e outros privilégios nas repartições públicas.

O “fato consumado” foi também o argumento utilizado pelosrepublicanos civis para justificar a instalação do novo regime pela força dasarmas — e não pelo pronunciamento das urnas, como muitos defendiam atéentão. No dia 19 de novembro, o jornal A Federação, de Porto Alegre, dirigidopor Júlio de Castilhos, informava:

Governa nosso Estado e nossa Pátria uma ditadura. É uma necessidadedos tempos que atravessamos. Essa ditadura foi instituída para o bem. Nãoé a ordem imposta pelo deslumbramento faiscante das baionetas. É aordem natural, resultado necessário de um movimento que obedece a leisindefectíveis.[336]Mesma linha de raciocínio seguiu o advogado Martim Francisco Ribeiro

de Andrada, sobrinho-neto do Patriarca da Independência, José Bonifácio, aoexplicar no dia 22 de novembro a apatia dos paulistas perante o golpe militar:

Sei que o governo militar agora triunfante discrepa da índoleconservadora dos habitantes da zona paulista. Sei que, em regiãoagricultada como a nossa, dificilmente se tolera o mando de sargentos;cumpre, porém, observar que o governo atual é ótimo, porque é o únicopossível (...).[337]No Rio de Janeiro, o Diário de Notícias, jornal de Rui Barbosa,

orquestrava o coro de lisonja aos militares, protagonistas e senhores absolutos damudança do regime. “O Exército tendo tudo nas mãos, tudo deu ao povo...”,afirmava um de seus artigos. “Os militares, depois de alcançada a vitória,depositaram nas mãos do povo os destinos da nação, demonstrando não teremambição alguma”, insistia outro texto.[338] Ao contrário do que fazia supor ootimismo desses artigos, os meses seguintes seriam de censura e repressão ajornalistas, intelectuais e eventuais opositores que ousassem levantar a voz contraas decisões do novo governo.

O regime instalado desmentia grande parte da campanha republicanaque mobilizara o país nos anos anteriores. Nos discursos, agitadores popularescomo Silva Jardim e Lopes Trovão reproduziam a retórica da RevoluçãoFrancesa convocando o povo a participar ativamente da transformação nas ruas.O Manifesto Republicano de 1870 afirmava que a Monarquia brasileira eraincompatível com soberania nacional. O poder, segundo seus autores, deveria sebasear na vontade popular. O que se viu nos dez anos seguintes à implantação daRepública foi o oposto disso. “Os militares (...) julgaram-se donos e salvadores daRepública, com o direito de intervir assim que lhes parecesse conveniente”, notouJosé Murilo de Carvalho.[339]

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Um decreto de 23 de dezembro de 1889, portanto cinco semanas após atroca de regime, ameaçava jornalistas de oposição com “as penas dos artigos deguerra, arcabuzamento inclusive”. A expressão “arcabuzamento” significavaexecução por arcabuz, arma típica do século XIX, ou seja, fuzilamento. Emmarço de 1890, um novo decreto previa punições a todas as pessoas acusadas depôr em circulação, pela imprensa, pelo telégrafo ou por qualquer outro meio,“falsas notícias e boatos alarmantes, dentro ou fora do país, (...) que sereferissem à indisciplina do Exército, à estabilidade das instituições ou à ordempública”. Na prática, era uma censura à imprensa, onde essas notícias e rumoresfrequentemente apareciam.

Fortalecido por esses decretos, o porrete da polícia passou a funcionarnas redações com frequência alarmante. Assustado com o clima de repressão, oj ornal O Estado de S. Paulo, fundado alguns anos antes com o nome de AProvíncia de São Paulo e que até então tinha sido porta-voz das ideiasrepublicanas, protestou em editorial no dia 26 de março de 1890. A liberdade deimprensa, reclamava o jornal, “tem hoje na República garantias menos segurase menos eficazes do que as que lhe dava a Monarquia”.

Em Pernambuco, a polícia mandou prender e rasgar todos osexemplares do jornal O Tribuno, que criticara os primeiros atos do governoprovisório. Em 28 de março de 1890, o Diário do Grão-Pará, de Belém, teve asportas arrombadas e as caixas de tipos de chumbo empasteladas, impedindo queo jornal circulasse por vários dias. Também foram detidos e espancados osredatores do Diário de Notícias e de A Província do Pará. No Rio Grande do Sulforam presos Daniel Job, redator do Mercantil, Henrique Hasslocher, gerente daFolha da Tarde , e Carlos von Koseritz, diretor da redação do jornal Reforma.Koseritz teve um ataque cardíaco e morreu antes de ser transferido para o Rio deJaneiro. Outras notícias de ataques a jornais chegavam da Paraíba, do Ceará, doPiauí, do Maranhão e da Bahia.[340]

Na noite de 29 de novembro de 1890, a redação do jornal A Tribuna,situada na travessa do Ouvidor, número 31, centro do Rio de Janeiro, cujosjornalistas se arriscavam a criticar os atos do governo provisório, foi ocupadapelos militares. Divididos em três grupos, os assaltantes quebraram tudo o queencontraram pela frente, inclusive móveis e máquinas tipográficas. Foramespancados os redatores, revisores, conferentes, gráficos e funcionáriosadministrativos e até clientes do jornal que naquele momento estavam sendoatendidos no balcão. Um dos revisores, Jerônimo Ferreira Romariz, morreu ummês mais tarde em consequência dos ferimentos.

As frustrações com o novo regime podem ser resumidas no telegramaque, no dia 21 de dezembro de 1889, Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, ex-senador do Império e capitão da Guarda Nacional em Goiás, enviou ao filho

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Joaquim Inácio Cardoso, alferes do Exército e ativo participante da Proclamaçãoda República no Rio de Janeiro. “Vocês fizeram a República que não serviu paranada”, reclamava o capitão. “Aqui agora, como antes, continuam mandando osCaiado”.[341] Joaquim Inácio, já citado em outro capítulo, seria o avô do futuropresidente da República Fernando Henrique Cardoso, cujo governo, mais de umséculo após a Proclamação da República, contaria em Goiás com o apoio dodeputado Ronaldo Caiado, ex-presidente da UDR (União Democrática Ruralista)contra o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que reivindicavareforma agrária, uma das muitas promessas adiadas pelo regime republicano.

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19. ORDEM E PROGRESSO

PROCLAMADA A REPÚBLICA, UMA DAS primeiras providências do novoregime foi redesenhar parte da geografia brasileira. Estradas, ruas, praças,escolas, repartições públicas e até cidades inteiras tiveram suas denominaçõesalteradas para homenagear os heróis republicanos. Estátuas, obeliscos, chafarizese outros monumentos foram construídos em ritmo frenético para celebrar oacontecimento. No Rio de Janeiro, ao todo 46 logradouros mudaram de nome. Asruas da Constituição e do Imperador passaram a ser chamadas oficialmentecomo do Governo Provisório e do Exército Libertador. A praça Dom Pedro II, olargo da Imperatriz e a rua da Princesa tornaram-se, respectivamente, praça doMarechal Deodoro, praça Quintino Bocaiúva e rua Rui Barbosa. Até mesmo viasde nomes singelos e poéticos, tão peculiares na época da colonização portuguesa,foram vítimas da síndrome rebatizatória do governo. A rua da Misericórdia virourua do Batalhão Acadêmico. O Beco das Cancelas foi reclassificado comotravessa e passou a ostentar o nome do dr. Vicente de Sousa, um dos líderes civisda revolução hoje menos lembrado.

Iniciativas semelhantes foram adotadas na maioria das cidades, queainda hoje exibem no seu mapa os nomes de personalidades republicanas, comoFloriano Peixoto, Silva Jardim e Benjamin Constant. Há casos curiosos, como oda principal via de comércio de Petrópolis, Rio de Janeiro, denominada rua doImperador até 1889, ano em que teve seu nome alterado para avenida Quinze deNovembro, em homenagem à data da Proclamação da República, mas voltou ase chamar do Imperador noventa anos mais tarde, em 1979, por decisão daCâmara Municipal, como forma de agradar aos turistas que buscam na cidadeserrana os últimos e maltratados vestígios do Império brasileiro.

O objetivo dessas medidas não era apenas exaltar a República. Tratava-se, principalmente, de eliminar o mais rapidamente da paisagem os vestígios daMonarquia. Um decreto do governo provisório suprimiu de imediato adenominação “imperial” de todos os estabelecimentos ligados ao Ministério do

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Interior. Desse modo, o venerando Imperial Colégio Dom Pedro II, fundado em1837, passou a chamar-se Instituto Nacional de Instrução Secundária e, emseguida, Ginásio Nacional. Só em 1911 voltaria a ter sua designação original. OArquivo Público do Império virou Arquivo Público Nacional, enquanto a ferroviaDom Pedro II tornou-se Estrada de Ferro Central do Brasil.[342]

O esforço incluiu ainda a criação de datas cívicas, a mudança dabandeira, uma tentativa fracassada de alterar o próprio hino nacional e até aadoção de novo tratamento dispensado às autoridades. Por lei, “Saúde eFraternidade”, divisa emprestada da maçonaria e usada na Revolução Francesa,converteu-se em saudação obrigatória no Brasil republicano. Na correspondênciaoficial adotou-se o tratamento de “Cidadão” em lugar do mais cerimonioso“Vossa Excelência” dos tempos do Império. Assim, ofícios e despachos dogoverno passaram a trazer expressões como “Cidadão Presidente”, “CidadãoMinistro” e “Cidadão General”.

Ao mudar o protocolo oficial, erguer monumentos, criar datas cívicas erebatizar ruas, praças e instituições com os nomes de novos heróis nacionais, oregime procurava, na verdade, conquistar corações e mentes dos brasileiros atéentão arredios ou apáticos diante da Proclamação da República. No fundo,buscava-se dar uma nova identidade ao país, descolada de seu passadomonárquico, projeto que acabaria por alterar o próprio ensino de história doBrasil e teria grande impacto nos livros didáticos, no jornalismo, na literatura, noteatro, na pintura e em outras formas de arte. “Heróis são símbolos poderosos,encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros deidentificação”, escreveu o mineiro José Murilo de Carvalho, autor de A formaçãodas almas, excelente estudo sobre a construção do imaginário republicano noBrasil. “São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração doscidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos.”[343]

Um caso de particular interesse, analisado em profundidade por JoséMurilo de Carvalho, envolve a figura de Joaquim José da Silva Xavier, oTiradentes. Até a Proclamação da República, o mártir da Inconfidência Mineiraocupava um papel dúbio e secundário na galeria dos heróis nacionais. Emborafosse um precursor do movimento pela Independência, esse papel o colocava nacondição de concorrente de um herói mais ao gosto da Monarquia, o imperadorPedro I, protagonista do Grito do Ipiranga em 1822. Além disso, participara deuma conspiração republicana contra a Monarquia portuguesa, da qual o Impériobrasileiro havia herdado suas raízes e principais características. Sua sentença demorte na forca, em 1792, fora assinada por ninguém menos que a bisavó doimperador Pedro II, a rainha dona Maria I, também conhecida como “a rainhalouca”.

Por essas razões, Tiradentes havia passado quase um século em relativaobscuridade na história oficial brasileira. Com exceção de iniciativas isoladas,

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ninguém no Brasil imperial tinha muito interesse em promovê-lo a símbolo dasaspirações nacionais. A partir de 1889, ele renasceu das cinzas na condição deherói republicano. Nos anos seguintes, sua imagem seria usada de formahabilidosa para promover o novo regime. A primeira comemoração oficial doseu martírio aconteceu no Rio de Janeiro no dia 21 de abril de 1890, cumprindo-se um decreto que transformava a data em feriado nacional junto com o Quinzede Novembro. Os artistas contribuíram para o sucesso da construção do novomito associando a iconografia de Tiradentes à de Jesus Cristo — apelo poderosoem um país de forte tradição católica. Em quadros e reproduções da época, omártir da Inconfidência aparece de barbas e cabelos compridos, ar sereno,vestindo uma túnica branca, sob a estrutura da forca que lembra a cruz noCalvário. Desfiles comemorativos da Inconfidência remetiam à encenação daVia-Sacra, na Sexta-Feira da Paixão. Um artigo publicado no jornal O Paiz em21 de abril de 1891 se referia à “vaporosa e diáfana figura do mártir daInconfidência, pálida e aureolada, serena e doce como a de JesusNazareno”.[344]

Símbolos máximos do novo regime, o hino e a bandeira nacionaisconsumiram longas horas de discussões. Nos anos finais do Império, o antigo hinonacional brasileiro, com música de Francisco Manuel da Silva, era consideradomonárquico e decadente pelos republicanos. Sua letra estava em desuso haviamuito tempo. Por essa razão, até 1889 os adversários da Monarquia costumavamcantar em passeatas e reuniões a Marselhesa, marcha celebrizada pelaRevolução Francesa e depois adotada oficialmente como hino nacional daFrança. Em 1888, o jovem poeta e jornalista José Joaquim de Campos da Costade Medeiros e Albuquerque (aquele mensageiro, citado na abertura do segundocapítulo deste livro, encarregado de avisar os republicanos paulistas sobre aconspiração no Rio de Janeiro) publicou na revista O Mequetrefe, do Rio deJaneiro, a letra do que ele propunha ser o futuro Hino da República FederalBrasileira, com o seguinte estribilho:

Liberdade! Liberdade!Abre as asas sobre nós.Das lutas, na tempestade,Dá que ouçamos tua voz!Feita a Proclamação da República, o ministro do Interior, Aristides Lobo,

iniciou uma campanha para que a letra de Medeiros e Albuquerque, seu amigo ecorreligionário, fosse, de fato, adotada como novo Hino Nacional. Faltava sócompor a música, para a qual abriu-se um concurso público por decreto de 22 denovembro de 1889. Um acontecimento inesperado, porém, colocou por terra osplanos do ministro e restaurou de imediato a glória perdida do antigo HinoNacional. No dia 15 de janeiro de 1890, quando a República celebrava seusegundo mês de existência, a Marinha promoveu um desfile pelo centro do Rio

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de Janeiro. Ao final foi servido um lanche no Palácio do Itamaraty, com apresença de Deodoro, na ocasião aclamado “generalíssimo”, ou seja, chefeabsoluto das Forças Armadas nacionais. Como era de costume em celebraçõesrepublicanas, uma banda militar começou a tocar a Marselhesa. O povo, que atudo assistia da rua, reagiu mal aos acordes da marcha francesa e começou apedir aos gritos:

O Hino Nacional! O Hino Nacional!Preocupados, os organizadores da festa foram consultar Deodoro, que,

percebendo o desconforto da multidão, ordenou que a banda executasse o velhohino dos tempos do Império. A emoção tomou conta de todos os presentes, quereconheciam naqueles acordes a lembrança de tantas vitórias épicas como aIndependência, o fim da Guerra do Paraguai e a Abolição da Escravatura.Contaminado pelo entusiasmo popular, o marechal determinou que as bandasmilitares percorressem o centro da cidade tocando o até então desprezado hino.

O episódio, no entanto, deixava o governo provisório com um problemaadicional: o que fazer com o concurso anunciado pelo Ministério do Interior paraa escolha do novo hino nacional republicano? Para não desagradar aoscompositores já inscritos, decidiu-se levá-lo adiante, mas também dessa vez avoz do povo atrapalhou os planos oficiais. Na audição pública do concurso,realizada no dia 20 de janeiro no Teatro Lírico, Deodoro avaliou pacientementetodas as composições candidatas, algumas de qualidade sofrível mesmo paraouvidos mais habituados ao ruído das casernas do que à música dos salões. Nofinal, antes que o vencedor fosse anunciado, algumas vozes na plateiacomeçaram a pedir novamente:

— O hino antigo! O hino antigo!O maestro que regia a cerimônia lançou um olhar interrogativo para o

marechal, que, uma vez mais, aprovou o pedido:— Toque o velho! Faça-lhes a vontade...Foi o que bastou para o teatro vir abaixo. Diante das inequívocas

demonstrações de júbilo, ali mesmo, na frente do povo, foi lavrado o decreto denúmero 171, que mantinha a composição de Francisco Manuel da Silva comoHino Nacional Brasileiro. A ela seria acrescentada depois apenas uma nova letra,de autoria de Joaquim Osório Duque-Estrada. “A impressão que a composiçãode Francisco Manuel produziu no nosso público não se descreve”, relatou umrepórter do jornal O Paiz. “Foi um delírio!”[345] Como prêmio de consolo, acomposição de Medeiros e Albuquerque, agora com música do maestroLeopoldo Miguez, foi adotada como hino oficial da Proclamação daRepública.[346]

Tão polêmicas quanto a decisão sobre o Hino Nacional foram asdiscussões envolvendo a nova bandeira republicana, estabelecida pelo decreto denúmero 4, de 19 de novembro de 1889 — data hoje celebrada nas escolas como

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o Dia da Bandeira. Idealizado pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, oestandarte nacional da época do Império tinha o fundo verde sobreposto por umgrande losango amarelo, no centro do qual apareciam o brasão e a coroaimperiais emoldurados por ramos de café e tabaco. Na tarde de 15 de novembrode 1889, como ainda não houvesse uma bandeira nacional republicana,vereadores e intelectuais utilizaram o símbolo do Clube Republicano LopesTrovão na improvisada cerimônia de Proclamação da República organizada porJosé do Patrocínio na Câmara Municipal. Era uma imitação da bandeira dosEstados Unidos com cores diferentes. Uma bandeira também de estiloamericano foi hasteada a bordo do navio Alagoas, que levou a família imperialpara o exílio. Esses dois estandartes refletiam o fascínio que a jovem e dinâmicaRepública da América do Norte exercia sobre os brasileiros na época. Isso sepodia comprovar também no próprio nome do país adotado pelo governoprovisório: República Federativa dos Estados Unidos do Brasil.

Essas referências aos Estados Unidos desagradavam, no entanto, a partedos militares mais nacionalistas e, em especial, os adeptos do ApostoladoPositivista, cujo líder, Teixeira Mendes, dizia tratar-se de “uma imitação servil”dos símbolos de outra nação. Os positivistas afirmavam que o Brasil republicanodeveria adotar sua própria bandeira e encomendaram um modelo ao pintorDécio Villares, imediatamente aceito pelo marechal Deodoro por sugestão deBenjamin Constant. Nele, mantinham-se o desenho e as cores originais dabandeira do Império, substituindo-se apenas a coroa por um círculo azul com asestrelas que representariam o céu do Rio de Janeiro na manhã de 15 denovembro de 1889. “As cores da nossa antiga bandeira recordam as lutas e asvitórias gloriosas do Exército e da armada na defesa da pátria”, justificava odecreto do governo provisório. “Essas cores, independentemente da forma degoverno, simbolizam a perpetuidade e integridade da pátria entre as outrasnações.”

A nova bandeira provocou grande controvérsia por duas razões. Aprimeira foi a posição das estrelas. Um especialista consultado em Paris pelocorrespondente do jornal Gazeta de Notícias explicou que a dimensão do Cruzeirodo Sul estava exagerada, e o eixo da constelação em relação ao polo sulinvertido. Alguns críticos diziam, de forma sarcástica, que, tendo derrubado aMonarquia, o governo provisório queria levar a revolução também aos céus emudar a astronomia.[347] O erro foi, de fato, comprovado mais tarde, resultandoem nova versão da bandeira, utilizada até hoje.

Uma segunda polêmica envolveu a divisa “Ordem e Progresso”,colocada no centro da esfera azul. O bispo do Rio de Janeiro se recusou aabençoar a nova bandeira alegando que ela continha apologia de uma seitadivergente da religião católica. De fato, a expressão resumia a doutrina dofrancês Auguste Comte e adotada como lema pelos fiéis da Igreja positivista: “O

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amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Apesar da forteoposição, a divisa foi mantida na bandeira graças ao apoio de Benjamin Constant,um admirador de Comte. Do lema original, no entanto, eliminou-se o amor,preferindo-se reforçar a ideia de ordem e progresso, conceitos que osrepublicanos julgavam mais urgentes naquela nova fase da vida nacional. Adespeito da ênfase na bandeira, porém, os primeiros passos da República seriamde pouca ordem, minguado progresso — e, definitivamente, nenhum amor. É oque se verá nos capítulos seguintes.

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20. O DIFÍCIL COMEÇO

NOS SEUS QUINZE MESES DE duração — entre 15 de novembro de 1889 e 25de fevereiro de 1891 —, o governo provisório dedicou-se a intensa atividadelegislativa. “Cada ministério era uma fábrica de leis. Cada ministro valia por umcongresso”, observou Raimundo Magalhães Júnior, biógrafo de Deodoro. “Erapreciso suprimir embaraços, suprir lacunas, substituir leis feitas no interesse daMonarquia por outras que atendessem às necessidades do novo regime.”[348]Alguns desses decretos e leis de gabinete eram importantes, como o quedeterminou a separação entre a Igreja e o Estado e o que estabeleceu ocasamento civil. Outros pareciam, à primeira vista, mesquinhos, mera retaliaçãoao regime deposto.

Havia dificuldades de toda natureza pela frente, a começar pela falta dequadros republicanos para ocupar os postos-chaves da administração e a poucaexperiência dos novos governantes. Durante o primeiro ano do regime, arotatividade nos governos estaduais foi altíssima. O Rio Grande do Norte teve dezadministrações. Minas Gerais, seis; Paraná, seis; Pernambuco, oito; e Sergipe,sete.[349] Habituado à vida na caserna e desconfiado das reais intenções doscivis, que ele conhecia pouco, Deodoro preferiu de início delegar esses cargosaos seus companheiros de armas. Por essa razão, os militares dominaram porcompleto a cena política brasileira.

Para o governo do Amazonas foi nomeado o jovem tenente de artilhariaAugusto Ximeno de Villeroy, de 27 anos, parceiro de Deodoro e BenjaminConstant nas conspirações para a derrubada da Monarquia. Para o Piauí, ocapitão de mar e guerra José Marques Guimarães, que não aceitou o cargo,sendo substituído por outro militar, o coronel Gregório Taumaturgo de Azevedo.Também em Goiás, o primeiro escolhido, o tenente-coronel Bernardo Vasques,recusou o posto, sendo trocado por um oficial mais jovem, o capitão RodolfoGustavo da Paixão. Em Mato Grosso, assumiu o brigadeiro Antônio MariaCoelho. Em Alagoas, o tenente reformado Pedro Paulino da Fonseca, irmão de

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Deodoro. Em Santa Catarina, o tenente Lauro Severiano Müller. EmPernambuco, o general José Simeão de Oliveira. O Paraná teve quatrogovernadores militares em poucos meses: o brigadeiro Francisco José CardosoJúnior, o contra-almirante José Marques Guimarães, o tenente-coronel InocêncioSerzedelo Corrêa e o coronel José de Aguiar Cerqueira. Pelo governo do RioGrande do Sul passaram, sucessivamente, dois marechais e dois generais noperíodo de apenas sete meses: José Antônio Correia da Câmara, visconde dePelotas; Júlio Anacleto Falcão da Frota; Carlos Machado Bittencourt e, por fim,Cândido José da Costa.

No dia 19 de dezembro, pouco mais de um mês depois da posse dogoverno provisório, foi decretada uma reorganização geral do Exércitoaumentando o número de unidades. O objetivo principal era liberar vagas parapromoções — até então uma das principais queixas contra as autoridadesimperiais. As promoções foram aceleradas mediante a transferência para areserva de muitos oficiais veteranos. Dessa forma, abria-se caminho para aascensão dos mais jovens. Dos 28 generais da ativa em 1890, dez forampromovidos e nove reformados. Dos 54 tenentes-coronéis, quatro seriampromovidos a generais de brigada e trinta a coronéis nos dois anos seguintes. Oano de 1889 encerrou-se com aumento de 50% nos soldos militares, que assimatingiam o patamar mais alto em todo o decorrer do século XIX — superior atémesmo ao que se pagava durante a Guerra do Paraguai. “O golpe de 1889proporcionou aos militares benefícios imediatos”, observou o antropólogo ehistoriador Celso Castro.[350]

Em janeiro de 1890, uma lista de promoções por “serviços relevantes”beneficiou quase todos os oficiais envolvidos na conspiração republicana.Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro e futuro presidente da República,passou de capitão a major e tenente-coronel em menos de um ano. Lauro Sodré,que antes do golpe era tenente e auxiliar de ensino na Escola Superior de Guerra,terminou o ano seguinte como major e lente catedrático da instituição. O alunoJosé Maria Moreira Guimarães foi promovido sucessivamente a alferes,segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão, ajudante de ordens do governador deseu estado natal, Sergipe, e, por fim, professor do Colégio Militar. Isso tudo nointervalo de apenas dois anos.

Até quem não tinha participado diretamente dos eventos de 15 denovembro acabou beneficiado de alguma forma. Foi o caso do tenente-coronelJacques Ourique. Embora estivesse envolvido na conspiração, no dia daProclamação da República Ourique acordou tarde e chegou atrasado ao centrodo Rio de Janeiro, quando as tropas já se confraternizavam depois da derrubadado ministério de Ouro Preto. Ainda assim, ganhou o posto de coronel, sendo maistarde promovido a general.

No dia 25 de maio de 1890, Deodoro conferiu a todos os ministros a

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patente de general, em retribuição aos serviços prestados à pátria na mudança doregime. A promoção a um dos postos mais altos da hierarquia do Exército incluíaos civis, como Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva e Francisco Glicério. Emboranunca tivessem envergado uma farda na vida, os três passaram a ser tratadospor, respectivamente, “general Barbosa”, “general Bocaiúva” e “generalGlicério”, com direito a receber soldos e aposentadorias compatíveis com oposto. Ao tomar conhecimento das novidades, o monarquista Eduardo Pradoreagiu com ironia: “O Quinze de Novembro não foi, portanto, um ato heroico; foium bom negócio”.[351]

Em meio ao bate-cabeça do governo provisório, o esforço dereorganização do Brasil deu um passo importante a 3 de dezembro de 1889,dezoito dias após a Proclamação da República, com a nomeação de umacomissão de cinco juristas para elaborar o projeto da nova Constituiçãobrasileira. Caberia à futura assembleia constituinte, composta de representantesde todos os estados, aprová-lo mais tarde. Ainda em novembro de 1889, o DiárioOficial começara a publicar em capítulos a íntegra da Constituição dos EstadosUnidos da América. Em seguida, divulgou a Constituição da Confederação Suíçae, por fim, a da República da Argentina. Desse modo, imaginava-se que osfuturos constituintes pudessem ir se familiarizando com as peculiaridades de cadasistema republicano, de maneira a escolher depois o que julgassem maisconveniente para o Brasil.

Presidida por Joaquim Saldanha Marinho, veterano signatário doManifesto de 1870 e considerado o Patriarca da República, a comissão de juristaselaborou três pareceres que, depois de fundidos e editados por Rui Barbosa,resultaram no projeto submetido à Constituinte. Deodoro, embora tivesse escassaeducação jurídica, fez questão de dar diversos palpites. À margem de um artigoque previa mandato de nove anos para os senadores, anotou: “Nove anos émuito!”. A Constituinte, porém, manteria a redação original. O velho marechaltambém achou estranha a proposta do artigo 20, pela qual os parlamentaresteriam imunidade jurídica, não podendo ser presos ou processados no exercíciodo mandato. “O homem sério, verdadeiro e de caráter nobre não admite odisposto neste artigo”, discordou. Também nesse caso prevaleceria a opinião dosconstituintes e a imunidade parlamentar seria aprovada.[352] Deodoro relutouainda em aceitar o princípio de independência entre Executivo e Legislativo. Fielà tradição imperial, na qual fora educado, achava que o chefe do governodeveria ter a prerrogativa de dissolver o Congresso sempre que julgassenecessário — exatamente como havia feito o imperador Pedro II nos 67 anosanteriores.[353]

Vencidos todos os obstáculos iniciais, a Constituinte instalou-se no dia 15de novembro de 1890, primeiro aniversário do novo regime. Composta de 205membros, dos quais 40 militares, reunia-se inicialmente no edifício do Cassino

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Fluminense, na rua do Passeio. Depois se transferiu para o antigo PalácioImperial da Boa Vista, em São Cristóvão. Os trabalhos eram dirigidos pelocircunspecto Prudente de Morais, o líder republicano paulista que quatro anosdepois se tornaria o primeiro presidente civil da República. No dia 24 defevereiro de 1891, o país finalmente adotava sua nova Constituição republicana.As principais novidades eram as seguintes:

O Brasil convertia-se em uma República Federativa constituída por vinteestados autônomos e um distrito federal, a cidade do Rio de Janeiro, ondefuncionaria a sede do governo até que se construísse uma nova capital, noplanalto central do país.

A União compunha-se de três poderes harmônicos e independentes entresi: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Chefe do Poder Executivo, o presidente da República seria eleito a cadaquatro anos, sem direito a reeleição. Todos os brasileiros natos, homens emaiores de 35 anos, poderiam concorrer ao posto.

O vice-presidente da República, igualmente eleito por quatro anos,exerceria, simultaneamente, a presidência do Senado Federal. Caberia a elesubstituir o presidente sempre que necessário, inclusive em caso de morte, masse a vacância ocorresse antes de completados dois anos do exercício do mandatoseria realizada nova eleição. Esse item seria o motivo da grande crise do governoFloriano Peixoto, após a renúncia e morte de Deodoro.

O Poder Legislativo seria exercido em duas instâncias: o Senado Federal,composto de três senadores para cada estado, e a Câmara dos Deputados, comrepresentantes eleitos de forma proporcional ao total de habitantes, em númeromínimo de quatro por estado. À Câmara competiria a iniciativa de propor leis,criar impostos, fixar os quadros das Forças Armadas e discutir projetosapresentados pelo Executivo, além de instaurar e votar eventuais processoscontra o presidente da República. O Senado funcionaria como uma instânciarevisora dos projetos da Câmara, mas teria também a prerrogativa de aprovar asnomeações dos juízes do Supremo Tribunal Federal, dos representantesdiplomáticos estrangeiros e do prefeito do Distrito Federal.

O Poder Judiciário compunha-se de duas jurisdições. A primeira seria ada Justiça Federal, a cargo da União, exercida por um Supremo Tribunal Federal,composto de quinze juízes nomeados pelo presidente da República e aprovadospelo Senado e pelos juízes federais de primeira instância. Caberia a eles julgartodas as causas envolvendo a Constituição federal, as relações entre os estados ea União, bem como envolvendo estrangeiros. À outra jurisdição, das justiçasestaduais, caberia julgar todas as causas de direito comum não reservadas àcompetência federal. Nesse caso, porém, haveria sempre a possibilidade derecurso ao Supremo Tribunal Federal.

A organização dos estados espelhava a estrutura dos três poderes da

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União — Executivo, Legislativo e Judiciário. Eleitos pelo voto direto,governadores e deputados estaduais teriam a competência de tomar decisões elegislar sobre vários temas, incluindo a definição do orçamento regional, acobrança de determinados impostos e a criação de polícias locais. Seria, porém,de responsabilidade da União a manutenção da forma republicana federativa, orestabelecimento da ordem nos estados por requisição dos próprios governoslocais, a execução de leis e sentenças emanadas dos poderes federais. O governocentral teria ainda a prerrogativa de intervir em qualquer região do país em casode agressão estrangeira ou de invasão de um estado por outro.

Além de definir a estrutura do Estado e suas instituições, a Constituiçãoassegurava a todos os residentes no país, brasileiros ou estrangeiros, os direitosrelativos à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Igualmentegarantidos estavam os direitos de associação, de representação aos poderespúblicos, de locomoção, de inviolabilidade do domicílio, de liberdade deimprensa e de tribuna, independentemente de censura prévia, e liberdadereligiosa.

As eleições seriam feitas por sufrágio universal e secreto, do qualtomariam parte todos os cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos, comexceção dos mendigos, analfabetos, soldados e religiosos de ordens monásticas.Durante as discussões, um deputado chegou a propor o direito de voto àsmulheres, mas seus colegas reagiram escandalizados. “Essa aspiração se meafigura imoral e anárquica”, alarmou-se Moniz Freire, representante do EspíritoSanto. “No dia em que a convertêssemos em lei pelo voto do Congresso, teríamosdecretado a dissolução da família brasileira.”[354] O voto feminino no Brasil,como se leu em capítulo anterior, seria transformado em lei somente quatrodécadas mais tarde, em 1932.

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21. A RODA DA FORTUNA

NOS PRIMEIROS MESES DE 1890 uma série de editais curiosos começou aaparecer nos jornais do Rio de Janeiro. Anunciavam a criação de bancos,fábricas, empresas de comércio e navegação, projetos de colonização etransporte, ferrovias, companhias telefônicas, hotéis, restaurantes e outrosnegócios. As pessoas eram convidadas a participar desses empreendimentos nacondição de acionistas. A expectativa de lucros astronômicos das novas empresasoferecia a possibilidade de rápida fortuna. Quem não tivesse dinheiro para entrarna sociedade poderia recorrer a empréstimos bancários de longo prazo a jurosmódicos. Depois de pagar o banco, em tempo relativamente curto, uma vez queos negócios se diziam extremamente promissores, seria possível embolsar umaboa soma. Tudo muito fácil e muito simples.

Entre as oportunidades apresentadas ao mercado, havia de tudo.Algumas iniciativas tinham aparência sóbria, caso da Empresa IndustrialMelhoramentos do Brasil, situada à rua do Hospício, 103, Rio de Janeiro,comandada pelo engenheiro Paulo de Frontin, que dava aos acionistas a chancede participar de um empreendimento destinado à “exploração de privilégios econcessões do governo federal e dos Estados do Brasil” na área de obraspúblicas. Outras eram bastante pitorescas, como a Companhia Industrial de Matee Coca, cujo objetivo seria explorar no Paraná uma “planta muito semelhante àcoca boliviana, com todas as suas aplicações terapêuticas e riquíssima emcocaína”. Um terceiro anúncio, o da Companhia Empresa Funerária, propunha-se a “estabelecer um serviço perfeito para a condução dos cadáveres à últimamorada”, mediante o fornecimento de “carros elegantes e asseados” e “criadospara segurar o caixão do defunto”.[355]

Quem observasse esses anúncios — e eram dezenas deles todos os dias— teria a nítida impressão de que um novo e arrojado Brasil se estava erguendopraticamente do nada. Onde antes havia apenas uma economia agrária erudimentar, movida a mão de obra escrava, marcada pelo latifúndio, pela

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pobreza e pelo analfabetismo, agora nascia uma nação empreendedora, ousada,de economia complexa e variada. Graças ao novo e repentino surto deprosperidade, estradas de ferro iriam cortar as lonjuras do interior, encurtandodistâncias. Empresas de comunicação aproximariam as pessoas oferecendoserviços de telefone, telégrafo e correios. Os rios da Amazônia e do Centro-Oesteseriam aproveitados para a navegação de passageiros e transporte de carga. Ascidades, até então escuras e imundas, receberiam iluminação pública, redes deesgoto e fornecimento de água tratada. As terras férteis do Paraná, do RioGrande do Sul, de São Paulo e Goiás seriam finalmente colonizadas poragricultores que teriam crédito e apoio para produzir e exportar numa escala atéentão nunca vista. Prósperas lavouras irrigadas e fazendas de gado brotariam nosertão nordestino. Haveria mineração de fosfato no arquipélago de Abrolhos, naBahia, produção de cerveja em São Paulo, construção de estaleiros navais efabricação de gelo e de tecidos no Rio de Janeiro, onde uma empresa secandidatava também a inaugurar restaurantes, rinques de patinação, salões debaile e jogos, além de um hotel à beira-mar.

Infelizmente, nada disso era realidade. Os anúncios de jornaisretratavam apenas um Brasil fictício, um país de papel composto de títulos,certidões e contratos alimentados por uma ciranda financeira como nunca se virana história brasileira. O fenômeno, que refletia as expectativas de prosperidadegeral oferecidas pela recém-instalada República, durou poucos meses. Como empasse de mágica, gerou algumas fortunas relâmpago, destruiu inúmeras outrascom a mesma velocidade e passou para a história com o nome Encilhamento.“Por dois anos, o novo regime pareceu uma autêntica República de banqueiros,onde a lei era enriquecer a todo custo com dinheiro de especulação”, definiu ohistoriador José Murilo de Carvalho.[356] “Quem não viu aquilo não viu nada”,afirmou Machado de Assis no romance Esaú e Jacó. “Cascatas de ideias, deinvenções, de concessões rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para sefazerem contos de réis, centenas de contos, milhares, milhares de milhares,milhares de milhares de milhares de contos de réis.”[357]

Encilhamento vem do verbo “encilhar”, ato de colocar e apertar osarreios dos cavalos antes das provas de turfe. As corridas eram um esporte muitopopular nas grandes cidades brasileiras no final do século XIX. Só no Rio deJaneiro havia quatro diferentes hipódromos onde se disputavam provassimultâneas. O encilhamento dos animais acontecia minutos antes do início dopáreo, quando os frequentadores, sempre em busca de bons palpites, arriscavama sorte apostando freneticamente em favoritos e azarões. Ali fortunas eramproduzidas ou destruídas em minutos, dependendo da sorte e do gosto dosapostadores pelo risco. Dificilmente haveria termo melhor para definir aprimeira grande corrida especulativa no Brasil.

Na falta de uma Bolsa organizada de ações, os papéis eram negociados

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nas ruas, esquinas, mesas de bares e restaurantes, com a mesma sofreguidãocom que se faziam as apostas no jóquei. “Para se ter dinheiro, era necessárioapenas um pouco de imaginação”, explicou o historiador Leôncio Basbaum.[358]Bastava inventar o nome de uma empresa, como Banco Popular de São Paulo,Estrada de Ferro do Acre, Nacional Manufatura de Charutos ou Companhia paraa Criação de Porcos Holandeses — todas denominações que, de fato,apareceram nos anúncios de jornais durante o Encilhamento. A seguir, pedia-seo reconhecimento legal da empresa, no qual se descrevia a atividade do novoempreendimento.

Com a autorização em mãos, o suposto empresário estava livre paraimprimir ações no valor e na quantidade que o mercado estivesse disposto acomprar. Como nas apostas em cavalos, esses títulos às vezes alcançavam preçosaltíssimos no decorrer de algumas horas. Simples pedaços de papel com valorinicial de face de 5 mil réis passavam a valer dez ou vinte vezes antes do cair datarde. O autor da ideia embolsava o dinheiro, que, em vez de ser aplicado eminvestimentos produtivos na economia, era rapidamente queimado na maisdescontrolada farra consumista.

O Encilhamento foi estimulado por um decreto que o jurista baiano RuiBarbosa, ministro da Fazenda do governo provisório, publicou no dia 17 dejaneiro de 1890, sem o conhecimento dos demais colegas de ministério. Ochamado decreto dos bancos emissores mudou o critério pelo qual o governofabricava dinheiro e oferecia crédito à praça. Até então, a emissão de papel-moeda no Brasil estava atrelada ao ouro. Ou seja, a quantidade de dinheiro emcirculação deveria refletir exatamente as reservas do país em metal precioso.Era uma garantia de que a emissão de moeda não geraria inflação. Rui Barbosaalterou esse parâmetro ao autorizar a criação de dez novos bancos, que,distribuídos pelas diferentes regiões, poderiam fazer emissões lastreadas emtítulos da dívida pública federal. Os bancos emitiam dinheiro e o governogarantia. Quem precisasse de crédito poderia recorrer a essas instituições paraobter o dinheiro necessário para a criação de uma empresa ou ampliação denegócios já existentes. Na aparência, era uma boa ideia. O saldo, porém, foicatastrófico.

Ao assumir o Ministério da Fazenda, em novembro do ano anterior, RuiBarbosa havia anunciado um programa austero de governo na economia. “Olema do novo regime”, avisou em 28 de dezembro de 1889, “deve ser fugir dosempréstimos e organizar a amortização; não contrair novas dívidas e reservar,ainda que com sacrifício, nos seus orçamentos quinhão sério ao resgate.”[359]Nessa ocasião, por iniciativa dos alunos da Escola Militar da Praia Vermelha,promoveu-se até uma subscrição patriótica, pela qual as pessoas eramconvidadas a doar suas joias particulares — alianças de casamento, anéis,brincos e colares — para um fundo destinado a resgatar a antiquíssima dívida

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externa brasileira, que àquela altura somava 30 milhões de libras esterlinas. Adívida interna era o dobro disso. A prometida política de austeridade foi por águaabaixo com o decreto dos bancos emissores.

Estimulada pela fabricação desenfreada de dinheiro, a inflação atingiuníveis altíssimos. O total de moeda em circulação no país, que em novembro de1889 somava 191 mil contos de réis, passou a crescer mês a mês. Em novembrode 1891, ao fim do governo do marechal Deodoro, chegava a 511 mil contos deréis. Ou seja, no prazo de dois anos, o governo republicano emitira 320 mil contosde réis, montante 167% acima da base monetária herdada da Monarquia.[360]Como resultado, os aluguéis triplicaram, o padrão de vida declinou. A dívida dogoverno não só deixou de ser paga, como aumentou nos anos seguintes.

A maioria dos novos bancos quebrou sem honrar seus compromissos. OBanco Emissor de Pernambuco colocou no mercado papéis no valor de meiomilhão de libras esterlinas, equivalente a cerca de 65 milhões de dólares ou 145milhões de reais em valor de hoje.[361] Desse total, conseguiu honrar apenas100 mil libras. O Tesouro Nacional se viu obrigado a assumir o saldo de 400 mil.Ainda maior foi o calote do novo Banco dos Estados Unidos do Brasil, que,devidamente autorizado e garantido pelo governo, contraiu empréstimo externode 1 milhão de libras esterlinas. Pagou somente 100 mil libras, deixando que oTesouro Nacional arcasse com a dívida restante de 900 mil libras. No total dasoperações, os cofres públicos perderam mais de 2,5 milhões de libras esterlinas— cerca de 325 milhões de dólares ou 720 milhões de reais, em valores atuais.

O Encilhamento, como se pode imaginar, deixou profundas cicatrizes nabiografia de Rui Barbosa. Ele passaria para a história como um dos maioresjuristas brasileiros, defensor incondicional das liberdades civis, mas tambémcomo um financista ingênuo e desastrado que, por algum tempo, acreditou sercapaz de resolver um crônico problema da economia — a falta de capitais —pela simples fabricação de dinheiro em papel. É um erro, porém, atribuir a eleresponsabilidade exclusiva pela jogatina financeira em que o país mergulhounaquele período. A ação de Rui Barbosa apenas acelerou um fenômeno que jávinha acontecendo desde a época da Abolição, uma fase de ampliação do créditopara novos negócios no país. O decreto dos bancos emissores de janeiro de 1890forneceu, porém, o fermento para que a bolha, já em crescimento, inchasse deforma repentina.[362]

Outra medida controvertida de Rui Barbosa foi o decreto quedeterminava a queima de todos os registros do comércio de escravos. Ajustificativa oficial era eliminar dos arquivos — e, portanto, da memória nacional— os vestígios de um capítulo que julgava vergonhoso para os brasileiros. Narealidade, o objetivo era tornar impossível compensar os prejuízos que ossenhores de escravos pudessem eventualmente reclamar na Justiça. Para apesquisa histórica, foi um prejuízo irreparável, privada para sempre de

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documentos preciosos sobre a escravidão.A história do Encilhamento é repleta de personagens fascinantes. Alguns

são hoje nomes de cidade, praças e ruas. É o caso do engenheiro Paulo deFrontin, que dá nome a dois municípios brasileiros, um no Paraná e o outro no Riode Janeiro. O conselheiro Francisco de Paula Mayrink, também nome demunicípios no Paraná e em São Paulo, ganhou tanto dinheiro durante oEncilhamento que adquiriu o Palácio do Catete, um marco da arquiteturaimperial no Rio de Janeiro (atual Museu da República), mais tarde transferido aogoverno federal para pagamento de dívidas. Ambos fizeram e perderam valoresincalculáveis na roda da fortuna.

Um caso à parte é o do escocês John Henry Lowndes. Nascido emGlasgow em janeiro de 1861, Lowndes chegou ao Brasil com a família aos seisanos de idade. Aventureiro e destemido, aos treze já estava em Belém, no Pará,onde trabalhou no fornecimento de mercadorias a seringueiros e ribeirinhos. Opagamento era feito em borracha e outros produtos da floresta amazônica. Nosanos seguintes sobreviveu a um naufrágio e a tentativas de assassinato. De voltaao Rio de Janeiro, montou uma fábrica de tecidos. Durante o Encilhamento, foiincorporador de diversas indústrias têxteis, como a Cordoalha Nacional, Tecidosde São Cristóvão, Manufatura de Rendas, Industrial de Ouro Preto, Tecidos SãoJoão, Tecelagem Fluminense e Nacional de Tecidos de Meia, que juntou emuma holding chamada União Industrial São Sebastião. Também criou bancos e aCompanhia Geral de Estradas de Ferro do Brasil, cuja falência daria origem àmaior de todas as quebras ao final da bolha especulativa.

A fortuna pessoal de Lowndes incluía nove fábricas, 155 casas, váriasfazendas de café e açúcar, diversos navios, além de ações e títulos de empresas.No auge da euforia financeira, em outubro de 1890, por sua iniciativa os jornaiscariocas ostentavam anúncios de página inteira convocando a população parauma grande manifestação em homenagem ao ministro Rui Barbosa. “As classesindustrial e operária resolveram manifestar seu reconhecimento ao primeirogoverno da República e, especialmente, ao senhor ministro da Fazenda, pelapromulgação de seus decretos tendentes a melhorar a posição das duas classes”,dizia o texto do anúncio. O programa incluía uma parada de empresários eautoridades pela rua do Ouvidor, precedidos por um conjunto de doze clarins, quepediam passagem à população.[363]

Sebastião Pinho, considerado o maior de todos os especuladores doEncilhamento, começou a vida como modesto vendedor de bilhetes de loteria noRio de Janeiro. Em 1890, lançou no mercado ações de cinco companhias de umasó vez. No ano seguinte, mais quatro, uma delas chamada Banco de Paris e Rio.A soma de todos os seus empreendimentos chegou a 295 mil contos de réis, ou 25milhões de libras esterlinas, valor astronômico, equivalente a quase o total dadívida externa brasileira na época (cerca de 3,2 bilhões de dólares, ou 7 bilhões

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de reais hoje). Sua relação de bens pessoais incluía o terreno onde, anos maistarde, o empresário Eduardo Palassin Guinle, também personagem doEncilhamento, construiria o Palácio das Laranjeiras. Sebastião era sócio de JoãoBatista Vianna Drummond, barão de Drummond, mineiro de Itabira cujosnegócios incluíam o Banco dos Imigrantes, a Companhia Centro Pastoris doBrasil, a Empresa Industrial do Norte e Oeste do Brasil, a Fábrica de TecidosLázaro e o Banco Italiano. Drummond ficaria conhecido, no entanto, por outrosdois feitos: a criação do bairro de Vila Isabel e a invenção do jogo do bicho,ainda hoje dominado pelos seus descendentes.

Os milionários do Encilhamento gastaram suas fortunas meteóricascomprando joias, casas, fazendas e, em especial, títulos de nobreza. Depois daqueda da Monarquia brasileira, essas honrarias passaram a ser oferecidas pelogoverno português, que cobrava somas altíssimas por elas. O escocês Lowndescomprou em Portugal dois títulos de nobreza, primeiro de visconde e, depois, deconde de Leopoldina. O eslovaco Luiz Matheus May lasky, especializado nolançamento de ações de estradas de ferro, comprou o título de visconde deSapucaí. Sebastião Pinho foi feito conde Sebastião Pinho em junho de 1891.Também eram cobiçados os títulos honoríficos distribuídos pelo Vaticano, todosde conde, em troca de generosas doações a instituições católicas. Entre aspersonalidades distinguidas com o título de conde pela Santa Sé destacam-sePaulo de Frontin, Modesto Leal, Afonso Celso (filho do visconde de Ouro Preto,último chefe de gabinete da Monarquia) e os irmãos Fernando e Cândido Mendesde Almeida.

A febre contaminou todos os setores da sociedade. O venerado InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838 e que teve dom Pedro II comopatrono, abriu suas portas para os novos milionários, valendo-se de um artigo nosseus estatutos que previa a admissão como sócios beneméritos de pessoas quefizessem donativos à instituição superiores a 2.000$000 em dinheiro ou objetos devalor. Dessa forma, entraram no IHGB, entre outros, Albino da Costa Lima Braga,incorporador da Companhia de Fabricação de Gelo, o comendador Antônio JoséGomes Brandão, presidente dos Bancos de Crédito Universal e ColonizadorAgrícola, e Luiz Augusto Ferreira de Almeida, diretor da Companhia Curtumespela Eletricidade. Em 1891, o IHGB também elegeria o novo homem forte domomento, o marechal Deodoro da Fonseca, seu presidente de honra, atitude queos antigos monarquistas e amigos do imperador exilado consideraraminaceitável.

Muitos escritores e intelectuais deixaram-se contaminar pela cirandafinanceira. Entre os intelectuais que enriqueceram na ciranda do Encilhamentoestavam o teatrólogo Artur de Azevedo, o jornalista José do Patrocínio e oescritor Júlio Ribeiro, autor do romance A carne. O poeta e escritor curitibanoEmílio de Menezes comprou um palácio em Petrópolis e uma casa no Rio de

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Janeiro, onde promovia festas de arromba para os amigos. No final, perdeu tudo.“Ficou rico sem fazer força (...) nadou em ouro e gastou a rodo”, escreveu seubiógrafo Raimundo de Menezes. No final, “debatia-se numa misériadeplorável”.[364]

A maioria dos empreendimentos lançados no Encilhamento fracassou.Alguns, no entanto, lançaram raízes e prosperaram. Um deles se incorporaria deforma definitiva à paisagem carioca. Em 8 de janeiro de 1891 foi criada, comcapital de 15 mil contos de réis, a Companhia de Construções Civis, que tinhacomo sócios os cunhados Otto Simon e Theodoro Eduardo Duvivier e era dirigidapelos engenheiros Antonio de Paula Freitas e Carlos César de Oliveira Sampaio.Seu objetivo era explorar uma área agreste, distante alguns quilômetros do centroda cidade do Rio de Janeiro, onde se pretendia fazer um loteamento. Assimnasceu o atual bairro de Copacabana.

Outros exemplos de sucesso foram a Companhia Antarctica Paulista,que se tornaria uma das mais respeitadas cervejarias brasileiras, incorporadamais tarde ao Grupo Ambev; e a Companhia Melhoramentos de São Paulo.Estabelecida pelo coronel Antônio Proost Rodovalho em 12 de setembro de 1890,a Melhoramentos é ainda hoje um dos mais importantes grupos empresariaisbrasileiros, com operações na áreas editorial, gráfica e de produção de papel ecelulose, entre outras atividades. De todas as iniciativas, no entanto, a maissimbólica foi o surgimento das bolsas de ações que nas décadas seguintesajudariam a organizar o mercado brasileiro de modo a evitar aventurassemelhantes ao Encilhamento. Uma delas, a Bolsa de Valores de São Paulo, aBovespa, criada em 1890 por iniciativa de Emílio Rangel Pestana com o nome deBolsa Livre de São Paulo, é hoje uma instituição sólida e respeitada.

O Encilhamento foi o motivo da primeira de uma série de crisesministeriais do governo Deodoro da Fonseca. “Arrebentou como uma bomba noseio do governo provisório”, definiu Dunshee de Abranches.[365] Inconformadocom as medidas bancárias que Rui Barbosa adotara sem ouvir os demais colegasde ministério, o gaúcho Demétrio Ribeiro demitiu-se da pasta da Agricultura,sendo substituído por Francisco Glicério. Aristides Lobo, desiludido com os rumosdo novo regime, afastou-se do ministério do Interior, sendo trocado pelo mineiroCesário Alvim. Quintino Bocaiúva pediu demissão duas vezes do Ministério dasRelações Exteriores. De todas as brigas no seio do governo, a mais ruidosa foi aque resultou na saída de Benjamin Constant do Ministério da Guerra.

Na reunião ministerial de 27 de setembro de 1890, um sábado, apóshabitual discussão acalorada de outros assuntos polêmicos, Deodoro reclamou danomeação do tesoureiro dos Correios no Rio Grande do Norte. O governador,Xavier da Silveira, havia proposto um nome, aprovado por Deodoro. Benjamin,que supervisionava a repartição, nomeara outro.

— Muito tenho sido traído — queixou-se o marechal.

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Depois de ouvir em silêncio por alguns minutos, Benjamin tentou seexplicar, alegando que o cargo não era tão importante e que, na sua opinião,Deodoro estava fazendo “tempestade em um copo d’água”. O marechal nãodeixou que terminasse de falar:

— O senhor é um traidor! — insistiu. — Traiu-me nas promoções!— Como? — devolveu o ministro.Para surpresa de todo o ministério, seguiu-se uma troca de insultos até

que Benjamin, já fora de si, anunciou seu pedido de demissão:— Não seja tolo! — afirmou, encarando Deodoro. — Não sou mais seu

ministro, o senhor é um marechal de papelão. Eu nunca tive medo de monarcasde carne e osso quanto mais dos de papelão.

Cada vez mais enraivecido, Deodoro atirou-se sobre o ministro e, dededo em riste, desafiou-o a acertar as diferenças em um duelo:

— Para militares como nós, só um duelo! — afirmou o marechal.— Pois que seja — replicou Benjamin. — Tragam armas e decidamos

tudo neste momento, que eu não temo em nenhum terreno.O duelo foi evitado pela intervenção dos demais ministros, porém

Deodoro e Benjamin passaram mais de um mês sem se falar.[366] Benjaminmorreu quatro meses mais tarde, no dia 22 de janeiro de 1891, magoado com osrumos da República que ajudara a fundar. Boatos, nunca comprovados,afirmavam que nas últimas semanas de vida teria perdido a sanidade mental.

O ministério de Deodoro passaria por uma crise ainda mais aguda em 17de janeiro de 1891 — uma semana antes da morte de Benjamin. O motivo foi odecreto de concessão do porto das Torres, no Rio Grande do Sul, que Deodororeivindicava para um amigo, Trajano Viriato de Medeiros, com empréstimos ajuros privilegiados. Os ministros resistiam à medida temendo ser envolvidos numóbvio caso de favoritismo político por parte do chefe de governo. Na abertura dareunião ministerial, Deodoro anunciou que não mais assinaria qualquer atoadministrativo até que fosse lavrado o decreto de concessão do porto em favor doamigo. Ofendidos, os ministros se retiraram e, quatro dias mais tarde, pediramdemissão coletiva. Deodoro não se deu por vencido. Aceitou de imediato a saídade todos e entregou a chefia do ministério ao pernambucano Henrique Pereira deLucena, barão de Lucena, seu amigo e monarquista recém-convertido à causarepublicana.

O governo provisório republicano chegou ao fim em 25 de fevereiro de1891 (dia seguinte à promulgação da nova Constituição), quando o CongressoNacional elegeu, por via indireta, o primeiro presidente da República. Ovencedor, como se poderia imaginar, foi o próprio marechal Deodoro daFonseca, o candidato favorito dos militares, que teve 129 votos contra 97 dados aocivil Prudente de Morais. Seu governo, no entanto, já nascia condenado aofracasso e implodiria de forma traumática exatos nove meses mais tarde. O

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Encilhamento de Rui Barbosa, as brigas no ministério, o gênio difícil domarechal, entre outros problemas, mostravam que os desafios do novo regimeeram muito maiores do que imaginavam os jovens idealistas de 1889. Nessemomento, entraria em cena um dos personagens mais enigmáticos econtrovertidos de toda a história brasileira — o alagoano Floriano Peixoto,também conhecido como o “Marechal de Ferro”.

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22. O CABOCLO DO NORTE

VELHO, GRAVEMENTE ENFERMO, SEM FORÇAS nem paciência para reagiràs pressões, Deodoro da Fonseca renunciou ao mandato no dia 23 de novembrode 1891, passando o governo ao vice-presidente, Floriano Peixoto, alagoano emarechal como ele. As semanas anteriores foram marcadas por convulsões emtodo o país. O clímax do conflito se dera no dia 3 de novembro de 1891, quando omarechal, em mais uma de suas atitudes intempestivas e autoritárias, dissolvera oCongresso Nacional.

— Não posso por mais tempo suportar esse Congresso; é de mister queele desapareça para a felicidade do Brasil — ordenou Deodoro ao barão deLucena, chefe do ministério. — Prepare o decreto de dissolução.[367]

As relações entre o marechal e o Congresso tinham azedado desde antesde sua eleição indireta para a Presidência da República, em 25 de fevereirodaquele ano. No dia anterior, ao dar por encerrados os seus trabalhos, aAssembleia Constituinte aprovara uma moção apresentada pelo senador QuintinoBocaiúva, declarando Benjamin Constant, falecido algumas semanas antes, overdadeiro fundador da República brasileira e um “belo modelo de virtudes” noqual os futuros governantes deveriam se inspirar. O vaidoso Deodoro julgou adecisão inaceitável. Afinal, acreditava ser ele o pai do novo regime, ficandotodos os demais no papel de meros coadjuvantes, como bem demonstrava suapose para o quadro do pintor Henrique Bernardelli citado em outro capítulo.

No chamado Golpe de Três de Novembro, três semanas antes darenúncia, Deodoro mandara publicar dois decretos que, na prática, colocavam opaís sob o tacão da ditadura militar. O primeiro dissolvia o Congresso. O segundoinstaurava o estado de sítio, pelo qual ficavam suspensas todas as disposições danova Constituição republicana relativas aos direitos individuais e políticos. A partirdaquele momento, qualquer pessoa poderia ser presa sem direito a habeas corpusou defesa prévia. Forças militares cercaram os edifícios da Câmara e do Senado.Vários opositores foram presos, incluindo Quintino Bocaiúva e outros

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republicanos civis que na manhã de 15 de novembro estiveram ao lado domarechal no momento de derrubar a monarquia.

Assustados, os governadores de início apoiaram a ação de Deodoro, coma única exceção do paraense Lauro Sodré, antigo correligionário de BenjaminConstant. O resultado foi uma onda de protestos e rebeliões em todo o país. NoRio Grande do Sul, um grupo depôs o positivista Júlio de Castilhos do governo doEstado, substituindo-o por uma junta administrativa, jocosamente apelidada degovernicho. No Rio de Janeiro, os funcionários da Estrada de Ferro Central doBrasil entraram em greve. A principal reação, no entanto, veio da Marinha,reduto de simpatias monarquistas que nunca se aliara totalmente ao governorepublicano. Na manhã de 23 de novembro, o almirante Custódio José de Melloameaçou bombardear a cidade caso Deodoro não voltasse atrás nas suasdecisões. O impasse durou algumas horas, sem que um só tiro fosse disparado.Atacado por todos os lados e incapaz de encontrar uma saída política para olabirinto em que transformara o próprio governo, só restou ao velho marechal arenúncia.

— Assino o decreto de alforria do derradeiro escravo do Brasil — teriadito ao rubricar o documento de renúncia. — Não quero aumentar o número deviúvas e órfãos em meu país. Mandem chamar o Floriano. Não sou maispresidente da República e vou pedir a minha reforma.[368]

Deodoro morreu nove meses mais tarde, em agosto de 1892, sendoenterrado à paisana, sem honras militares, como era seu desejo.

Floriano Peixoto conduziu o governo mais tenso e violento dos primeirosanos da República. Ao assumir o cargo, encontrou pela frente, entre outrosobstáculos, uma crise financeira sem precedentes, profundas divergências entreas lideranças republicanas, a oposição da Marinha, ameaçando bombardear acapital, e uma crise política no Rio Grande do Sul que logo se converteria emguerra civil. Enfrentou todos esses problemas de forma obstinada, subjugandoimplacavelmente a todos os que ousaram atravessar-lhe o caminho. Logo aotomar posse, promoveu uma limpeza geral na máquina republicana. Aliados deDeodoro e suspeitos de simpatia à Monarquia foram afastados.

Nacionalista e centralizador, Floriano Peixoto aproveitou o ambiente decrise para reforçar o seu poder pessoal. Passaria para a história como o“Marechal de Ferro” e também como o “Consolidador da República”. Semanasapós assumir o cargo, forçou novamente o Congresso a encerrar seus trabalhos,alegando que ameaças de restauração da Monarquia exigiam a mão forte de umExecutivo sem o obstáculo das divergências políticas no Parlamento. Em seguida,governou o país sob estado de sítio, mandando prender e deportar os opositores.Nunca o país esteve tão dividido e nunca tantos brasileiros perderiam a vida emdefesa de suas paixões políticas. O sangue derramado nesse período iria definirpara sempre os rumos da República brasileira.

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Magro, franzino, pálido, com os olhos esbugalhados, o rosto sem luz esem alegria, Floriano Peixoto “mais parecia um sargento escriturário que ummarechal”, segundo a definição do historiador Leôncio Basbaum.[369] Em casa,vestia-se como um “caboclo do Norte”, conforme gostava de ser chamado:calça e jaleco de brim e a camisa sem goma. Nas cerimônias públicas,apresentava-se sempre fardado de forma impecável, ostentando no peito todas asmedalhas conquistadas na Guerra do Paraguai. Era um militar por excelência.Sua vida particular foi sempre obscura, cercada de mistério. Serzedelo Corrêa,seu ministro da Fazenda, conta que certa vez foi visitar o marechal de surpresaem sua casa. Ao chegar lá, encontrou-o de cócoras na cozinha, a comer numafrigideira colocada no chão. Histórias como essa alimentaram a suspeita de queFloriano fosse um alcoólatra às escondidas.

O “Marechal de Ferro” foi sempre um enigma para jornalistas,historiadores, biógrafos, escritores e cronistas, pela dificuldade em decifrar seucaráter. Ao tentar descrevê-lo, todos desenvolveram ao longo dos anos umacuriosa tendência de compará-lo a animais peçonhentos e traiçoeiros da faunabrasileira. “Floriano Peixoto tinha o ar de tenebroso molusco”, afirmou AlbertoRangel. “Em todo ele havia um quê de jabuti e de jaguatirica.”[370] ParaOliveira Vianna, o marechal era dono de “um temperamento apático e frio, umaalma com a temperatura de batráquio, cujo entusiasmo ardia sem chama”.[371]Euclides da Cunha o descreveu como uma “figura insolúvel e dúbia, (...) com seuaspecto característico de eterno convalescente e o seu olhar perdido caindo sobretodos sem se fitar em ninguém”. Segundo Euclides, Floriano despontou nocenário nacional não pelas suas qualidades pessoais, mas pela ausência dealternativas em um momento de grande aridez política. Cresceu e agigantou-sedevido ao enorme vácuo produzido pela realidade que se impôs aos sonhosrepublicanos. Traduzia, portanto, mais a fraqueza do que a robustez brasileira,segundo este texto de Euclides para o jornal O Estado de S. Paulo:

O herói, que foi um enigma para os seus contemporâneos pelacircunstância claríssima de ser um excêntrico entre eles, será para aposteridade um problema insolúvel pela inópia completa de atos quejustifiquem tão elevado renome. (...) Cresceu, prodigiosamente, à medidaque prodigiosamente diminuiu a energia nacional. Subiu, sem se elevar —porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se àfrente de um país, sem avançar — porque era o Brasil quem recuava...(...) E foi assim — esquivo, indiferente e impassível — que ele penetrou naHistória.[372]Palavras semelhantes foram usadas pelo jurista Rui Barbosa no texto que

escreveu do exílio, na Inglaterra, durante a fase mais dura da repressão contra osopositores de Floriano:

Há um gênero de ambição inerte e retraída, como certos répteis, que se

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enrosca na obscuridade, à espreita da ocasião que lhe passe ao alcancedo bote. Os indivíduos dessa família moral, silenciosos, escorregadios etraiçoeiros, passam às vezes a maior parte da existência quase ignorados,até que a oportunidade fatal os favoreça. Então o instinto originário lhesdesperta as faculdades dormentes, a espinha desentorpecida coleia-lhessob as descargas de um fluido sutil, e veem-se esses preguiçosos, essesflácidos, esses sonolentos desenvolver inesperadamente a distensibilidade,a flexibilidade e a tenacidade das serpentes constritoras.[373]Floriano nasceu em 30 de abril de 1839 no engenho Riacho Grande,

situado na vila de Pióca, estado de Alagoas. Foi o quinto de dez filhos de ManoelVieira de Araújo Peixoto e Ana Joaquina de Albuquerque Peixoto, agricultorespobres. Como os pais não tinham meios para sustentar a numerosa prole, aindarecém-nascido foi entregue ao tio, coronel José Vieira de Araújo Peixoto, umhomem poderoso e de muito mais recursos, a quem caberia lhe dar a educaçãoprimária. Aos dezesseis anos, transferiu-se para o Rio de Janeiro, ondefrequentou o Colégio São Pedro de Alcântara. Aos dezoito, alistou-se no Exército.Em 1861, matriculou-se na Escola Militar da Praia Vermelha, onde teve comocolega Juca Paranhos, futuro barão do Rio Branco. Em fevereiro de 1865, oentão tenente Peixoto, de 25 anos, marchou para a Guerra do Paraguai à frentedo 1º Batalhão de Artilharia a Pé. Lá permaneceria pelos cinco anos seguintes,enquanto durou a guerra.

Floriano tomou parte de algumas das maiores batalhas da Guerra doParaguai, incluindo as de Tuiuti, Itororó, Lomas Valentinas e Angustura. Emtodas elas destacou-se pela bravura. No dia 1º de outubro de 1866, foi citado naordem do dia do comando da Tríplice Aliança por “coragem, galhardia, calma eboa ordem”. Três semanas mais tarde, em 26 de outubro, nova citação:“Inteligente, zeloso e honrado no cumprimento dos deveres”.[374] Pelos bonsserviços na defesa da pátria, foi promovido a capitão, major e, por fim, tenente-coronel.

Também nos campos do Paraguai se criou o mito de que Floriano teria o“corpo fechado” — expressão usada no candomblé para definir a pessoa que,protegida por um orixá, é capaz de se expor ao perigo sem se ferir ou morrer.Dizia-se que as balas inimigas simplesmente não o atingiam. Por diversas vezesenfrentou situações de grande risco, sujeitando-se à carga das forças paraguaiase conseguindo sair-se ileso de todas elas. Medeiros e Albuquerque conta que,durante uma batalha, um grupo de brasileiros estava parado em um terrenoaberto quando uma granada caiu ao lado com o pavio fumegando. A reaçãoinstintiva dos soldados foi de fugir em debandada. Floriano, no entanto, jogou ocavalo em cima da granada e ordenou:

— Firme!Milagrosamente, o pavio se apagou. Caso a granada tivesse explodido,

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Floriano e o cavalo ficariam em pedaços. Sua atitude destemida fez com que ossoldados restabelecessem a ordem e reagissem à ofensiva do inimigo. E reforçoua lenda de que teria corpo fechado.

Floriano estava entre as forças brasileiras que mataram Solano López, oditador paraguaio, em Cerro Corá. “Que espetáculo, meu caro amigo!”, relatou aTibúrcio Ferreira de Souza, seu companheiro de Escola Militar no Rio de Janeiro.“Não é possível descrever a alegria que causou o cadáver de López, essemalvado que surrava a própria mãe.” Ao retornar ao Rio de Janeiro, no final daguerra, exibia no peito várias condecorações, incluindo as medalhas do MéritoMilitar e da Ordem de Cristo, grau de Cavaleiro. Em 11 de maio de 1872, casou-se em Alagoas com Josina Vieira Peixoto, sua prima e meia-irmã, filha do tio epai adotivo José Vieira de Araújo Peixoto. O casal teria oito filhos, dos quaiscinco mulheres.

Terminada a guerra, a carreira militar de Floriano burocratizou-se,como a de tantos outros oficiais que haviam passado pelos campos de batalha. Foicomandante de armas em Pernambuco e no Ceará, onde participoudiscretamente da campanha abolicionista. Em 1884, nomeado presidente ecomandante de armas da província de Mato Grosso, notabilizou-se pela repressãoaos bororos, na época índios arredios que, pressionados pelos fazendeiros,ameaçavam invadir a capital, Cuiabá. Ainda em Mato Grosso, alistou-se nasfileiras do Partido Liberal, antes de ser transferido para o Rio de Janeiro, no postode comandante da 2ª Brigada do Exército. Promovido a marechal de campo nasvésperas da Proclamação da República, assumiu o posto de ajudante-general doExército, função na qual desempenharia o seu ainda hoje controvertido eenigmático papel no golpe de 15 de novembro.

Ao contrário de Benjamin Constant e do próprio Deodoro da Fonseca,Floriano nunca chegou a conspirar abertamente contra o governo imperialdurante a chamada Questão Militar. O tempo todo se manteve em cima do muro,hora dando a entender que defenderia a Monarquia contra os revoltosos, orasinalizando aos militares que poderiam contar com seu apoio — ou, pelo menos,com a sua omissão — no caso de um golpe republicano. “Sou carneiro de músicade batalhão”, definiu-se certa vez em conversa com o barão de Lucena, ministrode Deodoro da Fonseca. “Para onde vai a música, lá vai o carneiro...”[375]. Essepapel dúbio fez com que, mais tarde, ao fazer um balanço dos acontecimentos de1889, o visconde de Ouro Preto o acusasse de traição.

Existem vagas informações, não confirmadas, de que Floriano teriaassinado um memorando secreto de apoio à República em 1870. Seria umdocumento paralelo ao Manifesto Republicano publicado na mesma época peloscivis, mantido em segredo para que seus signatários, militares do Exército oufuncionários públicos, não sofressem represálias do governo imperial. Nunca seencontraram documentos que confirmassem a existência desse abaixo-assinado

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sigiloso. Na falta de provas, parece mais um esforço de seus biógrafos eadmiradores para lustrar a sua biografia depois que a República já estavaconsolidada.

Uma carta enviada por Floriano Peixoto ao general João Neiva em 10 dejulho de 1887, tratando da Questão Militar, resume as contradições que otransformaram em enigma:

Vi a solução da questão da classe, excedeu sem dúvida a expectativa detodos. Fato único que prova exuberantemente a podridão que vai por estepobre país e, portanto, a necessidade da ditadura militar para expurgá-la.Como liberal, que sou, não posso querer para meu país o governo daespada, mas não há quem desconheça, e aí estão os exemplos, de que éele que sabe purificar o sangue do corpo social que, como o nosso, estácorrompido.[376]Como se vê no texto, por um lado, Floriano definia-se como liberal,

contrário ao governo da espada. Por outro, achava que a solução era a ditadura.E foi com a espada que governou o Brasil do primeiro ao último dia do seumandato como segundo presidente da República. Ao mandar prender, deportarou mesmo executar seus adversários, usava uma curiosa semântica, dizendoatropelar a lei para salvar a República e a Constituição. Certa ocasião, diante dosauxiliares que, no Palácio do Itamaraty, procuravam encontrar um meio de daraparência de legalidade às medidas repressivas que o governo adotava, encerroua conversa dizendo:

— Está bem. Fiquem discutindo, que eu vou mandando prender![377]Ao suspender as garantias constitucionais na Segunda Revolta da

Armada, em 1893, defendeu-se das acusações com a seguinte frase ouvida peloministro Cassiano do Nascimento:

— Amigo, quando a situação e as instituições correm perigo, o meudever é guardar a Constituição em uma gaveta, livrá-la da rebeldia e, no diaseguinte, entregá-la ao povo, limpa e imaculada...[378]

Guardar a Constituição na gaveta significava ironicamente ignorar todosos princípios constitucionais e baixar o porrete nos adversários até que o próprioFloriano julgasse que a situação estivesse sob controle. Aí, sim, devidamente“limpa e imaculada”, segundo suas próprias palavras, a Constituição seriadevolvida ao povo para que fizesse bom uso dela.

Com seu moralismo radical, regenerador e nacionalista, Floriano Peixotoencarnava um mito recorrente na história brasileira — o do salvador da pátria.Apresentava-se como o guerreiro forte, austero e solitário, que, imbuído de bonspropósitos, conseguia resgatar a pátria de suas mais profundas atribulações. Issotalvez explique a surpreendente popularidade que alcançou ao final da vida,apesar do seu notório desprezo pela opinião pública. Como sucessor de Deodoro,recusou a residência oficial e continuou a morar na mesma casa modesta de

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subúrbio, onde viveria até morrer.Durante os momentos mais tensos do seu governo, saía escondido pelos

fundos do Palácio do Itamaraty, às duas horas da madrugada, de maneira aburlar a segurança encarregada de proteger-lhe a vida e, sozinho, tomava obonde para voltar para casa. Pagava a passagem do próprio bolso. Certa vez foisurpreendido dentro do bonde pelo jornalista Medeiros e Albuquerque. Omarechal, temendo ser identificado pelos demais passageiros, colocou o dedosobre os lábios, pedindo que o jornalista ficasse calado. Minucioso e detalhista àfrente do governo, gostava de receber cartas anônimas, com denúncias emexericos às vezes contra os próprios aliados. Ministros foram nomeados edemitidos apenas pelas revelações dessas cartas, segundo Medeiros eAlbuquerque.[379]

Tinha enorme desprezo pelos rituais do cargo. Durante todo o seugoverno, recebeu uma única vez o corpo diplomático acreditado no Brasil. Acerimônia, rápida e sem discursos, aconteceu em 5 de dezembro de 1891, porcoincidência o dia da morte do imperador Pedro II em Paris. O embaixador dosEstados Unidos, Thomas L. Thompson, teve de esperar seis meses por umaaudiência para a entrega de suas credenciais, condição essencial para o início dasua missão diplomática. O presidente alegava sempre estar “indisposto” e semtempo para recebê-lo. Desfeita semelhante teve o ministro da França, AugusteGérard, que, ao encerrar sua missão no Brasil, pediu uma audiência paradespedir-se de Floriano. Em vez do presidente, apareceu para recebê-lo “umanegra alimentando um filho do marechal”, segundo o diplomata relatou emParis. Depois de ouvir a mesma desculpa — de que Floriano encontrava-se“indisposto” —, Gérard embarcou furioso para a França.[380]

Grande parte da oposição a Floriano dizia respeito à legitimidade do seugoverno. O artigo 42 da nova Constituição republicana previa que “...no caso devaga, por qualquer causa, da presidência ou vice-presidência não houveremainda decorridos dois anos do período presidencial, proceder-se-á a novaeleição”. Como Deodoro renunciara ainda no primeiro ano de seu mandato,teoricamente caberia a Floriano convocar novas eleições de imediato. Omarechal ignorou solenemente a disposição constitucional e se manteve firme nocargo por mais três anos. Alegava que a exigência de convocação de eleições sóse aplicaria a presidentes eleitos diretamente pelo povo. Como Deodoro tinha sidoeleito pelo Congresso, de forma indireta, seu governo constituiria, portanto, umaexceção. De forma precavida, usou sempre, até o último dia do mandato, o títulode vice-presidente.

Em 31 de março de 1892, treze comandantes das Forças Armadasassinaram um documento no qual exigiam a convocação imediata das eleições.Acusavam Floriano de desobedecer à Constituição. “A continuar por mais temposemelhante estado de desorganização geral do país, será convertida a obra de 15

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de novembro de 1889 na mais completa anarquia”, alertavam. Entre ossignatários estavam o almirante Eduardo Wandenkolk, ministro da Marinha doprimeiro governo provisório, e o general João Severiano da Fonseca, irmão deDeodoro. Na mesma noite, Floriano demitiu todos os generais de suas funções emandou reformá-los por medida administrativa.

Inconformados com a atitude do marechal, intelectuais do Rio de Janeirodecidiram promover uma “passeata cívica” em homenagem a Deodoro daFonseca. O proclamador da República, àquela altura gravemente enfermo e àsvésperas da morte, ainda era visto como a esperança dos opositores de Floriano.Ao tomar conhecimento da passeata, o “Marechal de Ferro” saiu de casa nossubúrbios, desceu do bonde no centro da cidade e pessoalmente deu voz de prisãoaos manifestantes, entre os quais se encontravam alguns dos generaisreformados.

Para se precaver contra eventuais novos protestos, o marechal decretouestado de sítio por 72 horas. No dia seguinte, vários opositores seriam presos edeportados para os confins da Amazônia. Como entre eles havia algunsdeputados, o jurista Rui Barbosa impetrou habeas corpus perante o SupremoTribunal Federal alegando que a prisão contrariava os direitos à liberdade deexpressão e à imunidade dos parlamentares. Enquanto os ministros se reuniampara discutir o pedido, Floriano ameaçou:

— Se os juízes do Tribunal concederem habeas corpus aos políticos, eunão sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez,necessitarão.

Assustado, o Supremo negou o habeas corpus. Rui Barbosa, tambémameaçado de prisão, refugiou-se na Inglaterra. Indignado com a situação, oveterano Saldanha Marinho pronunciou uma frase famosa:

— Não era essa a República dos meus sonhos!O pior, no entanto, ainda estava por vir.

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23. PAIXÃO E MORTE

NO FINAL DE NOVEMBRO DE 1893, uma notícia publicada pelo diárioargentino La Prensa chamou a atenção do escritor americano Ambrose Bierce,correspondente em Buenos Aires do jornal Tribune, de Nova York. O artigo diziaque na semana anterior setecentas pessoas haviam sido degoladas depois de umconfronto na localidade de Rio Negro, a cerca de vinte quilômetros da cidadegaúcha de Bagé. Alarmado com a informação, Bierce arrumou as malas àspressas e seguiu para o Rio Grande do Sul. Ao chegar a Rio Negro deparou-secom uma cena de horror.

Na porteira do curral de uma fazenda de gado, havia lama ressequidaempapada de sangue humano. Uma lagoa vizinha exalava um insuportável odorde carniça, supostamente de carne humana em decomposição. Bandos de urubussobrevoavam o local dando-lhe um aspecto sinistro. Ao entrevistar as pessoas,Bierce não conseguiu apurar o número exato de mortos, mas falava-se emcentenas. Dias mais tarde ele relatou os detalhes dessa investigação macabra emreportagem publicada pelo seu jornal:

Contei duas dezenas de cadáveres de homens degolados e duas mulheresmortas a tiros. Alguns cadáveres apodrecem, juntamente com cavalosdestripados, sob o sol abrasador. Outros são comidos por bandos de cãese corvos. Vi alguns crânios dispersos pela terra. Todos os cadáveres, ou oque resta deles, jazem completamente nus, pois os soldados costumamdespir os mortos, a fim de vestir ou vender suas roupas, mesmoensanguentadas. Um vento seco levanta poeira, mas não conseguedissipar o odor gordo e mole da carniça que flutua em toda parte,impregnando as pessoas e as coisas. Tudo tresanda a morte e podridão,provocando uma náusea desesperadora. A custo reprimo a vontade devomitar.[381]Segundo Bierce apurou, a matança começara pouco depois do meio-dia

e prosseguira toda a noite, até a manhã seguinte. Trancafiadas no curral, sob a

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mira de armas de fogo, as vítimas eram chamadas a se dirigir, uma a uma, até aporteira do curral. Ao chegar ali, recebiam um golpe certeiro de facão nagarganta, à maneira como na época se costumava sangrar animais noscorredores de um matadouro. “Há uma espantosa quantidade de sangue seco nasproximidades da porteira do mangueirão: grossas camadas de sangue ressequidonas pedras, no madeirame da porteira, no chão de terra”, contou Bierce. “Trata-se, sem sombra de dúvida, de sangue humano. Uma quantidade imensa desangue deve ter sido ali derramada.”

O ritual de sangue testemunhado pelo jornalista americano ocorreudurante a chamada Revolução Federalista de 1893 no Rio Grande do Sul, na qualse estima que entre 10 mil e 12 mil pessoas perderam a vida — incluindo cercade 2 mil vítimas de degolas coletivas. De um lado estavam os republicanos fiéisao presidente Floriano Peixoto e ao governador Júlio de Castilhos, tambémconhecidos como legalistas ou pica-paus devido à cor do uniforme que usavam.De outro, os rebeldes federalistas, chamados de maragatos, sob a chefia políticade Gaspar Silveira Martins, recém-retornado do exílio, e o comando militar docaudilho uruguaio Gumercindo Saraiva. Maragato era o nome que se dava noUruguai aos descendentes de imigrantes oriundos da localidade de Maragataria,situada na província de León, na Espanha. Esses espanhóis de origem berberehaviam trazido para a região do rio da Prata no começo do século XIX o uso dabombacha — calças muito largas, apertadas acima do tornozelo — que aindahoje serve para identificar a indumentária tradicional do gaúcho.

Mestiços de europeus, índios e negros, os maragatos eram um povorústico que lutava por comida e pela possibilidade de saquear as regiõesocupadas. Combatiam a cavalo e eram hábeis no uso da lança, da espada e dofacão. Tinham como principal reduto o departamento de Cerro Largo noUruguai, onde cerca de 70% das terras pertenciam aos fazendeiros gaúchos,incluindo o liberal Silveira Martins, que ali nascera.[382] Foram eles osresponsáveis pelo massacre de Rio Negro descrito na reportagem de Bierce parao jornal Tribune. Semanas mais tarde, em abril de 1894, os pica-paus legalistasde Floriano Peixoto e Júlio de Castilhos vingariam a cena promovendo outradegola geral na localidade de Boi Preto, perto de Palmeira das Missões, ondeforam mortos de modo semelhante 370 maragatos.

As degolas da Revolução Federalista são um exemplo eloquente doclima de ódio que se instalou no Brasil nos anos seguintes à Proclamação daRepública, em especial no período entre a ascensão de Floriano Peixoto, emnovembro de 1891, e a posse do segundo presidente civil, Campos Salles, seteanos mais tarde. Massacres, fuzilamentos, prisões e exílios forçados foram opreço que o novo regime pagou pela própria consolidação. “A fatalidade dasrevoluções é que sem os exaltados não é possível fazê-las e com eles éimpossível governar”, escreveu o deputado e abolicionista pernambucano

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Joaquim Nabuco.[383]São episódios que os livros oficiais da história do Brasil ainda hoje

relutam em descrever em toda a sua crueza. Em um deles, ocorrido em 16 deabril de 1894, o coronel Moreira César, florianista e positivista fanático,promoveu um banho de sangue na cidade de Desterro, capital de Santa Catarina,ao fuzilar sumariamente 185 revoltosos. O país só tomou conhecimento domassacre depois da posse de Prudente de Morais, primeiro presidente civil, emnovembro daquele ano. Para humilhação dos catarinenses, a capital seriarebatizada com o nome de Florianópolis, em homenagem ao patrocinador dacarnificina. Até hoje muitos de seus moradores defendem o retorno ao nomeoriginal.

Em 1893, o Rio Grande do Sul era, na definição do historiador JoséMaria Bello, “o ponto nevrálgico da República”, uma região de paixões políticasexaltadas ao extremo.[384] Durante todo o século XIX, os gaúchos tinham vividosob permanente estado de conflagração. Na Revolução Farroupilha, de 1835 a1845, estima-se que 3.400 pessoas morreram. Coube também aos gaúchos a cotamaior de sacrifício em vidas humanas durante as guerras do Segundo Reinado naregião do Prata, em especial a do Paraguai. Como resultado das sucessivasmatanças, calcula-se que, em 1889, havia duas mulheres para cada homem noRio Grande do Sul. A população masculina havia sido devastada pelas guerrasregionais.

Nos anos que antecederam a Proclamação da República, o Rio Grandedo Sul funcionou também como um laboratório para as novas ideias que iriamtransformar a história brasileira. Ali estavam alguns dos mais importantesteóricos do futuro regime, entre eles os advogados e pecuaristas JoaquimFrancisco de Assis Brasil, José Gomes Pinheiro Machado e Júlio Prates deCastilhos. Cada um tinha sua própria concepção a respeito da República ideal.Assis Brasil era liberal. Pinheiro Machado, conservador. Castilhos, positivista eautoritário. Tinham como adversário comum o também advogado e pecuaristaGaspar Silveira Martins, monarquista convicto, líder do Partido Liberal,conselheiro do Império e conhecido na corte de dom Pedro II como o “rei do RioGrande”.

O confronto dessas ideias no momento de implantar o novo regimejogou o Rio Grande do Sul mais uma vez em um turbilhão político. Em apenasdois anos, entre 15 de novembro de 1889, data da Proclamação da República noRio de Janeiro, e 12 de novembro de 1891, dia da deposição de Júlio de Castilhos,seu primeiro mandatário eleito, o Rio Grande do Sul teve dezoito governadores,média de um a cada quarenta dias. “Este estado é o pesadelo do governo do Riode Janeiro e parece tão ingovernável quanto seus países vizinhos”, escreveu oamericano Ambrose Bierce.

Chefe dos republicanos históricos, Júlio de Castilhos nasceu em 1860 e

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cresceu em uma estância do interior gaúcho. Aos dezessete anos matriculou-sena Faculdade de Direito de São Paulo, onde se encantou com a doutrinapositivista de Auguste Comte. Baixo, gorducho, com olhos escuros e umabarbicha usada para esconder as marcas da varíola contraída na infância, eragago e tinha de fazer um esforço penoso para articular as palavras. Na escola,sua gaguez era tamanha que não conseguia responder aos pontos da prova oral.Os professores o passavam mesmo assim porque sabiam que era um alunoestudioso. Curiosamente, quando discursava com entusiasmo, do alto de umatribuna, a gaguez desaparecia por completo, transformando-o em orador fluente.Ao retornar ao Rio Grande do Sul, depois de formar-se em São Paulo, associou-se a Venâncio Aires na propaganda republicana à frente do jornal A Federação,fundado em 1884. Foi a trincheira de onde voltou suas baterias contra o Império,contra a escravidão e, especialmente, contra Gaspar Silveira Martins.

Alto, corpulento, de barriga roliça e barba branca, Silveira Martins eratambém um orador inflamado cujos discursos, com voz de trovão e gestos largos,magnetizava as plateias. “Parecia, já em vida, talhado no bronze”, segundo adefinição do jornalista e historiador gaúcho Décio Freitas.[385] Apaixonado peloslivros, recitava de memória trechos de Edgar Allan Poe, Shakespeare,Baudelaire, Renan e Victor Hugo — o que o tornava uma excentricidade em umpaís no qual mais de 80% dos habitantes eram analfabetos. Nos anos finais daMonarquia, ganhara fama de antiabolicionista ao declarar: “Amo mais minhapátria do que o negro”. Costumava se referir ao adversário Castilhos de formamaldosa como “aquele gaguinho de A Federação”.[386]

Silveira Martins, como se viu nos capítulos anteriores, foi o homem quena noite de 15 de novembro de 1889 o imperador Pedro II buscara nomear para achefia do ministério, em uma última e desastrada tentativa de salvar aMonarquia. Preso em Desterro, atual Florianópolis, naquele mesmo dia, foraexilado na Europa, de onde voltaria em 1892. Nesse ínterim, a política do RioGrande do Sul fora entregue ao grupo político comandado por Júlio de Castilhos.

Deputado à Assembleia Nacional Constituinte de 1890 e 1891, Castilhosse destacara como o campeão da corrente ultrafederalista e positivista.Acreditava que, para se consolidar, a República precisava antes passar por umafase ditatorial. Suas propostas estavam todas alinhadas a esse objetivo, decentralização do poder na figura do ditador republicano. Na Constituinte nacionalessas ideias não vingaram, mas ele as transformaria em lei, a ferro e fogo, naredação da nova Constituição estadual gaúcha meses mais tarde. Coube a eleescrever o anteprojeto praticamente sozinho, ignorando por completo assugestões de outros juristas da comissão nomeada com esse fim. Em seguida, otexto foi aprovado de forma esmagadora pela Assembleia Constituinte estadualcontrolada pelo próprio Castilhos.

Como principais novidades, a Constituição republicana gaúcha previa

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que as leis não seriam elaboradas pelo Parlamento, mas pelo chefe do PoderExecutivo; o vice-governador (ou vice-presidente do Estado, como se dizia naépoca), em vez de eleito nas urnas, seria escolhido também pelo titular; por fim,o governador poderia ser reeleito tantas vezes quantas estivesse disposto aconcorrer — e o eleitorado, a apoiá-lo. A soma de todos esses poderestransformava o novo governador republicano gaúcho em um ditador na prática.Como o voto era aberto (não secreto) e manipulado pelos chefes regionaisadeptos de Castilhos, o dispositivo da reeleição lhe garantia a permanência nopoder por período indefinido, sem dar chances aos adversários.

A Constituição positivista de Júlio de Castilhos e sua rivalidade visceralcom Silveira Martins, somadas às dificuldades iniciais da República brasileira,serviriam de combustível para a sangrenta Revolução Federalista que por doisanos iria dilacerar o Rio Grande do Sul.

Castilhos foi eleito governador constitucional do Rio Grande do Sul emjulho de 1891, mesmo mês em que a sua Constituição pessoal era promulgadapela assembleia estadual. Em novembro, apoiou o golpe de Deodoro, que fechouo Congresso. Como resultado, acabou deposto em uma rebelião autodenominadade “popular” e substituído por uma junta de governo, logo apelidada pelosgaúchos de governicho. Envenenada pelas próprias rivalidades, a junta duroupouco tempo, passando o governo ao general Barreto Leite. Dias depois, Castilhose seus aliados arrombaram as portas de um edifício público em Porto Alegre eali instalaram um governo paralelo que reivindicava ser o legítimo representantedos gaúchos. Assustado, o general Barreto Leite refugiou-se a bordo dacanhoneira Marajó. Em nova eleição, dessa vez sem concorrentes, Castilhos foieleito governador novamente, tomando posse em 25 de janeiro de 1893. De voltaao poder, passou a governar com mão de ferro. Em resposta, os federalistas deSilveira Martins, que defendiam a reforma da Constituição gaúcha e a renúnciado governador, pegaram em armas.

Duas semanas depois da posse de Castilhos no governo do Estado, ocaudilho Gumercindo Saraiva deixou seu refúgio no Uruguai e, à frente de umatropa estimada em quinhentos homens, invadiu o Rio Grande do Sul. Um segundogrupo, comandado pelo general João Nunes da Silva Tavares, conhecido comoJoca Tavares, ocupou outra região, com uma força de cerca de 3 mil homens.Acuado, o governador logo conseguiu convencer Floriano Peixoto de que olevante federalista não era apenas uma guerra dos gaúchos, mas uma tentativade restauração da Monarquia chefiada por Silveira Martins. Tratava-se, portanto,de um ataque à própria República federal. A partir daí os destinos de Floriano eCastilhos estariam definitivamente interligados.

Um fato novo ocorrido no Rio de Janeiro deu dimensões nacionais à lutaaté então restrita ao Sul. Foi a Segunda Revolta da Armada, deflagrada no dia 6de setembro pelo almirante Custódio José de Mello. A primeira revolta, também

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liderada por Custódio, tinha ocorrido em novembro de 1891 e forçado a renúnciade Deodoro. Dessa vez, protegido a bordo do encouraçado Aquidabã, o almirantedeclarou-se em guerra contra Floriano determinando que os navios de guerraancorados no Rio de Janeiro apontassem os seus canhões para a cidade.Ameaçava disparar caso o marechal não convocasse novas eleições para aPresidência da República.

Ao mesmo tempo, dois cruzadores de guerra tomaram Desterro, acapital de Santa Catarina, recebendo apoio do governador e dos deputadosestaduais. Em Buenos Aires, o almirante Eduardo Wandenkolk, que tinha sido oprimeiro ministro da Marinha na República, tomou de assalto o navio Júpiter,carregado de armas e munições destinadas ao Rio de Janeiro, desviando-o para oRio Grande do Sul. No dia 7 de dezembro, também o almirante Saldanha daGama, veterano e respeitado oficial da Marinha Imperial, aderiu à revoltadivulgando um manifesto no qual deixava claro o seu desejo de restaurar aMonarquia.

Em despacho para Lisboa, o embaixador português, Carlos EugênioCorrêa da Silva, conde de Paço d’Arcos, descreveu as “cenas de terror” quetomaram conta do Rio de Janeiro diante da ameaça de bombardeio:

As lojas fechavam, as casas eram abandonadas pelas famílias e pelas ruase praças viam-se mulheres, crianças e homens que, enlouquecidos peloterror, procuravam em desesperada fuga alcançar os subúrbios dacidade, onde ao menos não ouvissem o troar da artilharia e o assobiar dosprojéteis.[387]Floriano aproveitou a oportunidade e, uma vez mais, usou habilmente o

temor da restauração para esmagar os adversários. Pressionado, o Congressoconcedeu-lhe autorização para decretar estado de sítio pelo tempo que julgassenecessário. Partidários do marechal organizaram os chamados batalhõespatrióticos, milícias compostas de voluntários civis e militares dispostos adefender a jovem República brasileira. “É preciso lembrar que a República estásendo espreitada por um inimigo poderoso”, alertava na Câmara o deputadoCosta Júnior, aliado de Floriano. “Sabemos, senhores, que existem ainda no Brasilsinceros partidários da Monarquia; é um partido fraco só porque lhe faltacoragem para dizer o que quer, mas todos nós sabemos que não lhe faltahabilidade e perseverança para reconquistar o poder explorando os nossoserros.”[388]

Floriano venceu a Segunda Revolta da Armada pelo cansaço. Nos seismeses em que durou o impasse, os navios rebelados limitaram-se a disparar umúnico tiro, que atingiu a torre da igreja da Candelária, sem produzir maioresestragos. No Sul, Wandenkolk tentou em vão tomar a cidade gaúcha de RioGrande, sendo repelido pelas tropas federais. Um planejado encontro com asforças de Gumercindo Saraiva também fracassou, obrigando o almirante a se

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render às forças de Floriano vitoriosas em Santa Catarina.No Rio de Janeiro, Custódio de Mello e seus oficiais refugiaram-se a

bordo de navios portugueses. Floriano deixou-os partir mediante a promessa deque só seriam desembarcados em Portugal. Os navios, no entanto, saíram doporto do Rio de Janeiro e tomaram o rumo da Bacia do Prata, onde os rebeldesda Marinha se juntaram aos combatentes da Revolução Federalista. Indignado,Floriano rompeu relações com Portugal. Passou a usar também o ressentimentocontra os estrangeiros, especialmente os oriundos da antiga metrópole, paraarrebanhar apoio interno. Portugueses foram espancados nas ruas do Rio deJaneiro. Suas lojas, depredadas e incendiadas. Para evitar retaliações, algunscomerciantes mandaram afixar na fachada de suas lojas placas com os dizeres“Somos amigos do Brasil” ou “Casa florianista”.

Enquanto isso, Gumercindo Saraiva empreendia uma épica marcha de2.500 quilômetros com idas e vindas entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina eParaná, na qual travou cinco grandes batalhas e setenta combates menorescontra as tropas federais e os pica-paus de Júlio de Castilhos. A mais decisiva foio chamado Cerco da Lapa. Durante 26 dias, essa pequena e bela cidade dearquitetura colonial situada 72 quilômetros ao sul de Curitiba resistiu ao cerco dasforças de Gumercindo, que tentavam avançar rumo a São Paulo e Rio deJaneiro. Os soldados legalistas estavam sob o comando do coronel AntônioErnesto Gomes Carneiro, veterano da Guerra do Paraguai que, antes, na capitalda República, recebera de Floriano Peixoto uma ordem curta e incisiva:

Resistir até o último homem.E foi isso que o bravo Gomes Carneiro fez até ser alvejado por um tiro

no dia 7 de fevereiro, morrendo dois dias depois. A heroica resistência da Lapadeu a Floriano Peixoto tempo suficiente para reorganizar suas forças e deter oavanço federalista.

Morto Gomes Carneiro, Gumercindo Saraiva pôde, enfim, avançar parao norte, mas o tempo perdido no cerco à pequena cidade paranaense anulou suaschances de sucesso. No dia 20 de fevereiro, acampou nos arredores de Curitiba,abandonada pelo governador Vicente Machado, e ameaçou invadir e saquear acapital paranaense caso as autoridades não lhe pagassem um “empréstimo deguerra”. A agressão foi evitada graças à intervenção do comerciante efazendeiro Ildefonso Pereira Correia, o barão do Cerro Azul. Maior produtor deerva-mate do mundo e um dos homens mais ricos do Paraná, Ildefonsoconseguiu reunir a soma de dinheiro exigida por Gumercindo e pagar o resgatecom a ajuda da Associação Comercial. Meses mais tarde, quando as tropaslegalistas do general Ewerton Quadros ocuparam a cidade, ele e outros cincocolaboradores foram presos, sob a acusação de colaborar com os rebeldesmaragatos. Na madrugada de 20 de maio de 1894, os seis prisioneiros foramretirados das celas e colocados em um vagão de trem que tinha como destino a

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cidade de Paranaguá, no litoral. Dali, segundo lhe disseram, seriam levados parajulgamento no Rio de Janeiro. A viagem, no entanto, acabou de forma trágica naSerra do Mar, onde foram todos fuzilados e jogados do alto de um precipício.

Depois de Curitiba, Gumercindo Saraiva marchou para Ponta Grossa e adivisa com São Paulo, de onde enviou um telegrama a Floriano Peixotointimando-o a renunciar sob ameaça de levar suas tropas até o Rio de Janeiro.Àquela altura, no entanto, a causa dos federalistas gaúchos já estava perdida.Para chegar ao Rio de Janeiro, Gumercindo teria de atravessar o estado de SãoPaulo, cujos chefes republicanos estavam comprometidos com Floriano. Semalternativa, diante da óbvia conclusão de que sem o apoio dos paulistas nãohaveria como derrubar o “Marechal de Ferro”, Gumercindo empreendeu umalonga e penosa retirada de volta ao território gaúcho. Foi morto em 10 de agostode 1894 em um local chamado Carovi, município de Santiago do Boqueirão,atingido pela bala de um franco-atirador. A Federação, o jornal de Júlio deCastilhos, dedicou-lhe um obituário rancoroso, que bem refletia o clima de ódioque se instalara entre os gaúchos:

Pesada como os Andes te seja a terra que o teu cadáver maldito profanou(...). Caiam sobre essa cova asquerosa todas as mágoas concentradas dasmães que sacrificaste, das esposas que ofendeste, das virgens quepoluíste, besta-fera do sul, carrasco do Rio Grande.[389]Sepultado em uma cova rasa, Gumercindo teve o seu cadáver profanado

três vezes por diferentes chefes pica-paus, todos interessados em se assegurar deque o caudilho estava mesmo morto. Na última delas, segundo um relato nuncacomprovado, a cabeça do caudilho teria sido decepada a golpes de facão elevada ao Palácio do Governo em Porto Alegre, onde Júlio de Castilhos pôde,enfim, certificar-se pessoalmente do fim do seu mais temido adversário.

Em 23 de agosto de 1895, um armistício colocou fim à RevoluçãoFederalista. Um mês depois, todos os envolvidos foram anistiados pelo governofederal. Silveira Martins embarcou outra vez para o exílio. Morreu em um hotelde Montevidéu no dia 23 de julho de 1901 — segundo diziam os boatos, dividindoa cama com uma bela mulher. Castilhos faleceu dois anos mais tarde, em 24 deoutubro de 1903, de câncer na garganta. O poder pessoal que implantou aodomar os adversários da Revolução Federalista, no entanto, manteve-se incólumepor várias décadas. Seu sucessor e fiel seguidor, Antonio Augusto Borges deMedeiros, um ex-colega da Faculdade de Direito em São Paulo, governou o RioGrande do Sul por 25 anos, reelegendo-se por quatro vezes. Na históriarepublicana brasileira, nenhum governador exerceu o cargo por tanto tempo.

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24. O DESAFIO

NO DIA 2 DE NOVEMBRO de 1894, o paulista Prudente José de Morais eBarros, primeiro presidente civil da República, chegou ao Rio de Janeiro paratomar posse. Estava sozinho e desamparado. Ao descer do trem que otransportara de São Paulo, ninguém apareceu para cumprimentá-lo. Enquantocaminhava pela estação, pôde observar que o saguão havia sido decorado comflores naturais, mas já estavam todas murchas e sem vida. As pétalas mirradaseram uma homenagem não a ele, mas a um grupo de generais uruguaios que porali passara dias antes. Dirigiu-se em seguida ao Hotel dos Estrangeiros. Etambém ali não encontrou ninguém para recepcioná-lo. Na manhã seguinte,ainda sozinho no hotel, despachou um telegrama ao marechal Floriano Peixoto,no qual pedia uma audiência para tratar da transmissão de cargo. A resposta veiodias depois. Floriano, muito ocupado, avisou que marcaria o encontro quandotivesse agenda livre. A audiência nunca aconteceu.

Na data da posse, 15 de novembro, aniversário da República, Prudentede Morais vestiu-se de acordo com o protocolo e aguardou que fossem buscá-lono hotel. Uma vez mais, ninguém apareceu. Depois de muita espera, decidiusocorrer-se de um carro de aluguel. Veio “um calhambeque em péssimoestado”, conduzido por um “cocheiro mal-enjambrado”, na descrição dohistoriador Hélio Silva.[390] Foi nesse veículo sem pompa que o novo presidentechegou ao antigo Palácio do Conde dos Arcos, no centro da cidade, quando então,finalmente, surgiu alguém do mundo oficial para recepcioná-lo. Cassiano doNascimento, secretário de Floriano, fez um pequeno discurso dizendo que, emnome do marechal, transmitia o cargo ao novo governante. Em seguida,despediu-se de Prudente de Morais e foi embora. Para voltar ao hotel, como nãohouvesse carro oficial à sua disposição, o presidente se viu obrigado a pegarcarona com o embaixador da Inglaterra.

Foi nesse clima de má vontade e fim de festa que a República brasileirapassou pela primeira vez das mãos dos militares para os civis. Floriano Peixoto,

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que não apoiou a eleição do sucessor, nem sequer se deu ao trabalho detransmitir-lhe o cargo, menos ainda de colocá-lo a par dos desafios que teria pelafrente. Ao chegar para o primeiro dia de trabalho, na manhã seguinte, Prudentede Morais encontrou um palácio abandonado, sem ao menos uma escrivaninhaou uma cadeira onde pudesse se sentar. Os poucos armários restantes estavamcom as gavetas vazias. O encosto das poltronas havia sido rasgado a pontaços debaionetas. Na sala dos fundos, que dava para o jardim, localizou um caixão demadeira aberto, no qual estavam depositados jornais velhos, papéis rasgados egarrafas vazias de cerveja.

A cena da posse era uma antecipação das dificuldades que aguardavamo novo presidente. Os problemas eram enormes. Tudo indicava o caminho dofracasso. A guerra civil ainda em andamento no Sul mantinha vivo um medoantigo, o da fragmentação territorial. Era como um fantasma que pairava sobre ofuturo do país. O escritor português Eça de Queiroz afirmava que, derrubado oImpério, o Brasil também desapareceria, reduzindo-se a “um antigo nome davelha geografia política”. Segundo ele, “daqui a pouco, o que foi o Império estaráfracionado em repúblicas independentes, de maior ou menor importância”. Ofrancês Claude Henri Gorceix, professor na Escola de Minas de Ouro Preto, faziaprevisões igualmente sombrias. No seu entender, o Brasil logo “cairá empedaços, o Norte devendo necessariamente separar-se do Sul, cujos interessessão tão diferentes”. O jornal Times, de Londres, também previa a divisãoterritorial, resultante, entre outras razões, das “dificuldades para a distribuição dadívida do Império”.[391]

O caos dos primeiros anos da República fez crescer entre a elite civil aconstatação de que era preciso afastar os militares da política o maisrapidamente possível. “O militarismo, governo da espada pela espada, arruína asinstituições militares”, escreveria o baiano Rui Barbosa. “O militarismo está parao Exército como o fanatismo para a religião, como o charlatanismo para aciência, como o industrialismo para a indústria, como o mercantilismo para ocomércio, como o cesarismo para a realeza, como o demagogismo para ademocracia, como o absolutismo para a ordem, como o egoísmo para oeu.”[392]

Em junho de 1893, com o país ainda às voltas com a RevoluçãoFederalista e a Revolta da Armada, fundou-se no Rio de Janeiro, sob a liderançado paulista Francisco Glicério, o Partido Republicano Federal, resultante da fusãodo Partido Republicano Paulista com clubes republicanos estaduais. A datamarca o início do esforço para colocar ordem na República sob a liderança civil.

O programa do novo partido defendia a volta aos princípios consagradosna Constituição de 1891, com ênfase nas liberdades individuais e na autonomiados estados. Na ocasião decidiu-se também lançar o nome de Prudente deMorais como candidato à Presidência, escolha ratificada pelos delegados

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republicanos a 25 de setembro de 1893. Floriano Peixoto teve de se curvar àvontade do PRF porque, sem o apoio dos paulistas, dificilmente conseguiria venceros gaúchos federalistas de Silveira Martins e Gumercindo Saraiva, que, àquelaaltura, ainda ameaçavam marchar para o Rio de Janeiro.

Em uma população de 15 milhões de habitantes, Prudente de Morais foieleito com 276.583 votos contra 38.291 de seu principal adversário, o mineiroAfonso Pena. Ou seja, apenas 2% dos brasileiros participaram da escolha doprimeiro presidente civil da República. Os índices de abstenção foram elevados.Na capital, para um eleitorado total de 110 mil pessoas, houve apenas 7.857votos. Para a Vice-Presidência foi eleito o médico baiano Manuel VitorinoPereira. O PRF conquistou ainda a totalidade das cadeiras da Câmara dosDeputados e um terço do Senado, cuja presidência também ficou com umrepresentante do partido.

A vitória de Prudente de Morais foi confirmada em 1º de março de1894, mas poucos apostavam que ele assumiria o cargo. Nos meses anteriores,entre o lançamento da candidatura e a eleição, Floriano conseguira, finalmente,subjugar a Revolta da Armada e a Revolução Federalista. Estava, portanto, noauge do seu poder, apontado como o herói que havia impedido o esfacelamentodas instituições republicanas. Por essa razão, na véspera da posse, os moradoresdo Rio de Janeiro estavam alarmados com os boatos de que ele não entregaria ocargo ao sucessor. Dizia-se que forças militares, dominadas por partidáriosradicais de Floriano conhecidos como “jacobinos”, estavam mobilizadas paraimpedir que Prudente de Morais subisse as escadarias do Palácio do Itamaraty.“Tinha-se a impressão de que havia qualquer coisa de muito grave a temer-se”,descreveu o jornalista e escritor carioca Max Fleiuss. “Falava-se baixo, amedo.”[393]

Para surpresa de todos, o enigma de Floriano se manifestarianovamente. A posse de Prudente de Morais ocorreu em clima de tranquilidade,sem nenhuma reação por parte do Exército ou dos “jacobinos”. O marechal,porém, não o esperou para transmitir-lhe o cargo, como previa o cerimonial. Emvez disso, no último dia do seu mandato, tomou um bonde, pagou a passagem dopróprio bolso e, tão sozinho quanto o sucessor, rumou para sua modesta casa desubúrbio e se afastou por completo da vida pública. Floriano Peixoto morreu nodia 29 de junho de 1895, deixando um texto que hoje é considerado o seutestamento:

A vós, que sois moços e trazeis vivo e ardente no coração o amor dapátria e da república, a vós corre o dever de ampará-la e defendê-la dosataques insidiosos dos inimigos. Diz-se e repete-se que ela estáconsolidada e não corre perigo. Não vos fieis nisso, nem vos deixeisapanhar de surpresa. O fermento da restauração agita-se em uma açãolenta, mas contínua e surda. Alerta, pois![394]

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A morte do “Marechal de Ferro” foi chorada por multidões quetomaram as ruas e praças de todo o país tão logo a informação se espalhou. Osjornais que traziam a notícia se esgotaram rapidamente no Rio de Janeiro. Lojase repartições públicas fecharam as portas em sinal de luto. Bandeiras foramhasteadas a meio pau. As exéquias duraram vários dias. O cortejo que levou ocorpo até a igreja de Santa Cruz dos Militares foi acompanhado por milhares depessoas. A certa altura, o carro fúnebre se desatrelou dos animais que o puxavame o povo se encarregou ele próprio de conduzir o caixão até o túmulo, nocemitério de Botafogo.[395]

Ao tomar posse, Prudente de Morais promoveu uma limpeza naestrutura de poder montada por Floriano. O objetivo era a desmilitarização dopaís. As medidas incluíam a demissão de funcionários contratadosirregularmente, a exoneração de oficiais que ocupavam cargos civis, atransferência de outros para guarnições fora da capital e um veto ao aumento dosquadros do Exército projetado no final do governo anterior. O novo presidentetambém promoveu o reatamento das relações com Portugal, rompidas porFloriano durante a Revolta da Armada. Por fim, em uma tentativa de pacificar opaís e fazê-lo retornar à normalidade, anistiou os rebeldes da RevoluçãoFederalista e da Revolta da Armada.

A reação dos radicais “jacobinos” florianistas foi imediata. Aodesembarcar no Rio de Janeiro, o embaixador português foi recebido com umachuva de ovos e frutas podres e até algumas pedradas. Novos problemasdiplomáticos contribuíram para aumentar a tensão. Em julho de 1895, a ilha daTrindade, situada a aproximadamente 1.200 quilômetros do litoral do EspíritoSanto, foi ocupada pela Inglaterra, com a desculpa de ali instalar uma estaçãotelegráfica. A França também fez algumas incursões abaixo do rio Oiapoque,invadindo o Amapá a partir da Guiana Francesa. Alguns povoados próximos dafronteira foram atacados e incendiados. Em vez de recorrer às armas, Prudentepreferiu o arbitramento internacional — de Portugal, no caso da ilha da Trindade;e da Suíça, no caso do Amapá. Em ambos, o Brasil teve pareceres favoráveis. Osradicais florianistas, no entanto, queriam ações mais enérgicas. “(...) Nãopodemos consentir que se atire a República em um abismo, o que não será difícilnas mãos de um Prudente de Morais”, avisava um editorial do jornal O Jacobino.“Somos partidários da ditadura militar, única capaz de fortalecê-la e continuar aobra ingente de Floriano Peixoto, fazendo-a respeitada e prestigiada perante oestrangeiro.”[396]

Enquanto isso, outro drama desenrolava-se no sertão da Bahia — osacrifício épico da vila de Canudos. O conflito custaria a vida de cerca de 25 milpessoas e uma história de humilhação para o Exército brasileiro, derrotado emtrês expedições consecutivas por um bando de jagunços e sertanejos pobres,analfabetos e mal armados, sob a liderança do messiânico Antônio Conselheiro.

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Entre os mortos de Canudos estava o coronel Moreira César, o autor do massacre(citado no capítulo anterior) de 185 rebeldes em Desterro, futura Florianópolis,durante o governo Floriano Peixoto. “Depois de Canudos, o Exército ficou emruínas”, escreveu o historiador americano Frank D. McCann.[397] Como se veriae m Os sertões, a obra monumental de Euclides da Cunha, Canudos foi umespasmo violento de um Brasil ermo, miserável, analfabeto, dominado pelofanatismo. Mas, naqueles dias, serviu de argumento para os radicais, interessadosem apontar a revolta como uma prova de que a restauração monárquica estavaem andamento. Dizia-se que Antônio Conselheiro recebia armas, munição, gadoe dinheiro do conde d’Eu, marido da princesa Isabel. Exilado na Europa, o condeàquela altura não tinha a menor noção do que se passava na Bahia.

O que mudou a sorte de Prudente de Morais foi um acontecimentodramático, no qual o presidente quase perdeu a vida. No dia 5 de novembro de1897, Prudente iria recepcionar dois batalhões do Exército que retornavam deCanudos. Dos 12 mil homens que lutaram no cerco aos jagunços de AntônioConselheiro, 5 mil haviam morrido. O desembarque se daria no Arsenal deGuerra, prédio no centro do Rio de Janeiro que hoje abriga o Museu HistóricoNacional. Quando o presidente atravessou o pátio, sobre ele saltou MarcelinoBispo, um anspeçada (posto inferior ao de cabo, hoje inexistente na hierarquia doExército), que tentou matá-lo a facadas. Prudente foi salvo pela interferência doministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, que, ao se interporentre ele e o assassino, recebeu os golpes fatais, morrendo em seguida.

O inquérito instaurado após a morte de Bittencourt revelou um vastocomplô contra o primeiro presidente civil. Além de Marcelino Bispo, 22 pessoasseriam responsabilizadas pelo atentado, incluindo ninguém menos que o vice-presidente da República, o baiano Manuel Vitorino Pereira, e o chefe republicanopaulista Francisco Glicério. Descobriu-se também que a tentativa de assassinatonão fora a primeira. Nas anteriores, Prudente escapara de forma milagrosa semsaber o risco que correra. A conspiração se estendia por vários estados.

Ao tomar conhecimento das notícias, a população se voltou a favor dopresidente. Três jornais ligados aos radicais — República, Folha da Tarde e OJacobino — foram atacados pela multidão. Prudente aproveitou a ocasião para, aexemplo do que havia feito Floriano Peixoto, reforçar os seus poderes. O ClubeMilitar, apontado como foco radical, foi fechado. Uma vez mais o CongressoNacional autorizou o presidente a governar sob estado de sítio, mediante asuspensão de algumas garantias constitucionais. “O atentado de 5 de novembroforneceu assim a Prudente a desejada oportunidade para o completo desmontedo grupo que lhe ameaçava o poder”, anotou a professora Suely Robles Reis deQueiroz.[398]

Fortalecido pela repercussão do atentado, Prudente de Morais teve,finalmente, a tranquilidade necessária para concluir seu governo livre das

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conspirações, realizar as eleições de 1898 e transferir o poder para o seuconterrâneo Campos Salles, o segundo civil na Presidência da República. CamposSalles foi eleito com 174.578 votos contra 16.534 dados ao candidato da oposição,o paraense Lauro Sodré. Entre outras dificuldades, pegou o Brasil sem dinheiropara honrar seus compromissos internacionais. O governo se viu forçado arenegociar a suspensão de suas dívidas por onze anos, até 1911. Na prática, eraum regime de moratória, que fechava o acesso do país a novos empréstimos noexterior. Em 1900, a situação econômica era tão alarmante que metade dosbancos foi à falência.

Na cerimônia de posse, Campos Salles anunciou uma “política nacionalde tolerância e concórdia”. Tratava-se de uma vasta aliança entre o governocentral e os chefes políticos regionais, que, em troca do apoio ao presidente,tinham total liberdade para mandar em seus domínios de acordo com os seusinteresses. Começava ali a chamada “política dos governadores”, que dominariaa República Velha brasileira até a Revolução de 1930. “O governo federalentregava cada um dos estados à facção que dele primeiro se apoderasse”,observou o jurista e sociólogo Raymundo Faoro. “Contanto que se pusesse nasmãos do presidente da República, esse grupo de exploradores privilegiadosreceberia dele a mais ilimitada outorga, para servilizar, corromper e roubar aspopulações.”[399]

As oligarquias se perpetuariam em todo o país, caso dos Acioly noCeará, dos Nery no Amazonas e dos Rosa e Silva em Pernambuco. No até entãoinstável Rio Grande do Sul, o presidente Borges de Medeiros, discípulo de Júlio deCastilhos, ficaria no poder por longos 25 anos, como se viu no capítulo anterior.“A fraude eleitoral campeava por toda parte, favorecida pelo voto a descoberto epela falta de independência do eleitorado”, explicou a historiadora Emília Viottida Costa. “Nos pleitos, a oposição era sistematicamente sacrificada.”[400] RuiBarbosa definiu esse sistema como um grande condomínio caracterizado pelo“absolutismo de uma oligarquia tão opressiva em cada um de seus feudos quantoa dos mandarins e paxás”.[401]

No fundo, o novo sistema era muito semelhante ao dos velhos tempos daMonarquia. Em vez de um imperador vitalício, governava o país um presidenteda República eleito ou reeleito a cada quatro anos, mas a diferença era apenasnominal e de aparência. Os agentes mudavam de nome, mas os papéispermaneciam os mesmos. No lugar da antiga aristocracia escravagista do açúcare do café, figuravam os grandes fazendeiros do oeste paulista e de Minas Gerais.Onde antes havia barões e viscondes, entravam os caciques políticos locais,muitos deles, curiosamente, antigos coronéis da Guarda Nacional, dando origemà expressão “coronelismo”.

O pacto não escrito entre o presidente e os governadores, representantesdessas oligarquias, assegurava ao governo maioria no Congresso. O sistema

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eleitoral era tão fraudulento quanto antes. A justiça era executada à revelia dalei, de acordo com a vontade desses chefetes regionais. O antigo sistema de tomalá dá cá, inaugurado por dom João na chegada da corte ao Brasil mediante atroca de privilégios nos negócios públicos por apoio ao governo, manteve-seinabalável. Na prática, a República brasileira, para se viabilizar, teve de vestir amáscara da Monarquia. “A República”, observou Raymundo Faoro, “depois dedez anos de tropeços, descarta-se, como o Império (...), do mais sedicioso eanárquico de seus componentes: o povo.”[402]

E assim permaneceria pelos cem anos seguintes, marcados por golpes erupturas entremeados por breves e instáveis períodos de democracia, até queuma outra República, inteiramente nova, começasse a nascer — proclamada nãopor generais ou fazendeiros, mas pelo tão temido componente “sedicioso eanárquico”. Em 1984, nove anos antes da realização do plebiscito anunciado porBenjamin Constant na noite de 15 de novembro de 1889, ruas e praças de todo oBrasil foram palco de coloridas, emocionadas e pacíficas manifestaçõespolíticas, nas quais milhões de pessoas exigiam o direito de eleger seusrepresentantes. A Campanha das Diretas, que pôs fim a duas décadas de regimemilitar, abriu o caminho para que a República pudesse, finalmente, incorporar opovo na construção de seu futuro.

É desse desafio que os brasileiros se encarregam atualmente.

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VAINFAS, Ronaldo (organização). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Riode Janeiro: Objetiva, 2002.VIANA, J. F. Oliveira. O ocaso do Império. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,1959.VILLEROY, A. Ximeno de. Benjamin Constant e a política republicana. Rio deJaneiro, 1928.

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VITA, Luís Washington. Alberto Sales, ideólogo da República. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1965.FONTES ELETRÔNICASBRENDON, Piers. The decline and fall of the British Empire: 1781-1997. New York:Alfred Knopf, 2008.Britannica Online Encyclopedia, em britannica.com.

CAMPOS PORTO, Manuel Ernesto de. Apontamentos para a história da República dosEstados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890, emopenlibrary .org.DOLNICK, Edward. The Clockwork Universe — Isaac Newton, the Royal Society,and the birth of the modern world. London: HarperCollins, 2011.

FURTADO, João Pinto. “Uma República entre dois mundos: Inconfidência Mineira,historiografia e temporalidade”. Revista Brasileira de História, vol. 23, ano 42,2001 (versão on-line).GLEICK, James. The Information — a history, a theory, a flood. New York:Pantheon Books, 2011.MILLARD, Candice. Destiny of the republic: a tale of madness, medicine, and themurder of a president. New York: Doubleday , 2011.

Re v is ta Veja, edição especial “República”, setembro de 1989, emveja.abril.com.br/historia/republica/indice.shtml.SMIL, Vaclav. Creating the Twentieth Century — technical innovations of 1867-1914 and their lasting impact. New York: Oxford University Press, 2005.

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OUTRAS FONTES:The Manuel Cardozo Files — Republican Movement. Oliveira Lima Library,Washington.

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AGRADECIMENTOS

DIVERSAS PESSOAS E INSTITUIÇÕES CONTRIBUÍRAM para que este livroexistisse. Sou grato aos professores Thomas Cohen e Maria Angela Leal,respectivamente diretor e curadora da Biblioteca Oliveira Lima da UniversidadeCatólica da América, em Washington, pelo acesso à preciosa coleção de livros edocumentos sobre o tema ali guardada. Igualmente decisivos na fase de pesquisada obra foram a gentileza e a eficiência dos funcionários da Biblioteca doCongresso Americano, também em Washington, e da biblioteca central daUniversidade Estadual da Pensilvânia, a Penn State, em University Park, nosEstados Unidos, onde morei e estudei durante todo o ano de 2012. No Rio deJaneiro, tive a orientação e a generosa acolhida de sempre da professora VeraBottrel Tostes, diretora do Museu Histórico Nacional, e do almirante Armando deSenna Bittencourt, diretor do Patrimônio Histórico e Cultural da Marinha.Fundamentais foram as sugestões bibliográficas oferecidas pelo embaixadorVasco Mariz e pelo historiador Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, ambosmembros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Na visita aoMuseu da República, fui recebido pela diretora, Magaly Cabral, e peloshistoriadores Elisabeth Abel e Marcos Rodrigues. No Museu Casa de BenjaminConstant, tive como guia o historiador Marcos Felipe de Brum Lopes. Em Juiz deFora, Douglas Fasolato e sua equipe tiveram a gentileza de me abrir as portas doMuseu Mariano Procópio, que se encontrava fechado ao público devido aoprojeto de reforma do prédio e restauração do acervo. Na pesquisa iconográficarealizada no Museu Imperial de Petrópolis, contei com o apoio de Thais C.Martins, Neibe M. da Costa e Ana Luísa Camargo. A jornalista Camila RamosGomes, minha filha, organizou a coleta de reportagens, ensaios, estudosacadêmicos, números e séries estatísticas entre os anos finais do Império e oinício da República. Graças ao empenho do advogado Eduardo Rocha Virmond,então presidente da Academia Paranaense de Letras, tive acesso, em primeiramão, à supreendente Biblioteca Norton Macedo, recentemente entregue aos

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cuidados da instituição, onde garimpei fontes raramente disponíveis em outrosacervos. Milena da Silveira Pereira, doutora em História e Cultura Social eprofessora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp,Campus de Franca, responsabilizou-se pela meticulosa revisão técnica do textofinal, que também teve importante contribuição do professor Jonas Soares deSouza, ex-diretor do Museu Republicano de Itu. Agradeço também a SimoneCosta pelo trabalho de checagem final. Devo, por fim, um agradecimentoespecial a Marcos Strecker, Aida Veiga e Elisa Martins, respectivamente diretoreditorial, editora e assistente editorial da Globo Livros, pelo gentil e cuidadosotrabalho de edição e revisão dos originais, sem o qual a consistência e acredibilidade desta obra correriam grandes riscos.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

Adelaide RistoriAdolf HitlerAdolpho José Del VecchioAdolfo PeñaAdriano Augusto do ValeAfonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de Ouro PretoAfonso Pedro de Alcântara e BragançaAfonso PenaAgostinho da Silva NevesAguiar de AndradeAlbert Einstein 11Alberto RangelAlberto SalesAlberto Santos DumontAlberto TorresAlbino da Costa Lima BragaAlexander Graham BellAlexandre II, czarAlexandre DumasAlexandre HerculanoAlfredo ChavesAlfredo d’Escragnolle Taunay , visconde de TaunayAlfredo Rodrigues Fernandes ChavesAlmeida GarrettAlmeida JúniorAlphonse de LamartineAluísio AzevedoAmbrose BierceAmélia, imperatriz do BrasilAmérico Brasiliense de Almeida e MelloAmérico Brasílio de Campos

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Américo Jacobina LacombeAna Correia (sobrinha de Camilo Castelo Branco)Ana Joaquina de Albuquerque PeixotoAna Maria Cavalcanti de Albuquerque, condessa de VilleneuveAndrade NevesAndré LamasAndré RebouçasAnfriso FialhoÂngelo Muniz da Silva Ferraz, barão de UruguaianaAníbal FalcãoAnne de BaligandAntônio Adolfo da Fontoura Mena BarretoAntonio Augusto Borges de MedeirosAntônio ConselheiroAntônio Ernesto Gomes CarneiroAntônio Ferreira VianaAntônio Francisco de Paula de Holanda Cavalcanti de Albuquerque, visconde de

AlbuquerqueAntônio Gonçalves DiasAntônio José Gomes BrandãoAntônio Luís von Hoonholtz, barão de TeféAntônio de Macedo CostaAntônio Maria CoelhoAntônio Moreira CésarAntonio de Paula FreitasAntônio PedroAntônio Proost RodovalhoAntônio da Silva JardimAparício Mariense da SilvaApulcro de CastroAristides da Silveira LoboAristótelesArtur de AzevedoArtur Silveira da Mota, barão de JaceguaiAuguste de Saint-HilaireAuguste GérardAuguste Marie François Xavier ComteAuguste e Louis Lumière ver Irmãos LumièreAugusto Cincinato de AraújoAugusto Emílio ZaluarAugusto Leopoldo de Saxe-Coburgo e Bragança, príncipeAugusto Ximeno de VilleroyBarão de CapanemaBarão do CateteBarão de Cotegipe, João Maurício WanderleyBarão de Itambé

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Barão de IvinhemaBarão de LoretoBarão de MuritibaBarão de PenedoBarão de RamizBarão de Souza QueirozBarão do Rio ApaBarão do Rio Branco ver José Maria da Silva ParanhosBarão Sampaio ViannaBarão de VassourasBarão Von SeillerBarreto LeiteBenito Juárez -Benjamin Constant Botelho de MagalhãesBenjamin Franklin Ramiz Galvão, barão de RamizBento Carneiro da Silva, conde de AraruamaBento GonçalvesBernardina Botelho de MagalhãesBernardino José de Campos JúniorBernardo Pereira de VasconcelosBernardo VasquesBoris FaustoBustamante SáCamille PissarroCamilo Castelo Branco-Cândido José da CostaCândido Mariano da Silva RondonCândido Mendes de AlmeidaCândido de OliveiraCândido Teixeira TostesCarlos I, rei de Portugal -Carlos César de Oliveira SampaioCarlos Eugênio Corrêa da Silva, conde Paço d’ArcosCarlos GomesCarlos GrossCarlos Machado BittencourtCarlos MagnoCarlos de Vasconcelos de Almeida PradoCarlos von KoseritzCassiano do NascimentoCastro AlvesCelso CastroCesário AlvimCharles BaudelaireCharles Bouchard

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Charles ChaplinCharles Darwin-Charles DickensCharles Goody earCharles MillerCharles WheatstoneChico XavierCipriano J. Barata de AlmeidaClaude DebussyClaude Henri GorceixClaude MonetClaudio Costa BragaClaudio Luís da CostaClaudio Velho da Mota Maia, conde da Mota MaiaClodoaldo da FonsecaClotilde de VauxCoelho NetoConde de ChaillouConde de SuzannetConde de WeisersheimbConstantino BannenCosta JúniorCouto de MagalhãesCristiano Benedito OttoniCustódio José de MelloD. CosmeD. João VI, rei de PortugalD. Pedro I, imperador do BrasilD. Pedro II, imperador do BrasilDaniel JobDante AlighieriDavid CanabarroDécio FreitasDécio VillaresDelfim Carlos de Carvalho, barão da PassagemDemétrio Nunes RibeiroDeodoro da Fonseca ver Manoel Deodoro da FonsecaDi CavalcantiDiogo Antônio FeijóDomingos Alves Branco Muniz BarretoDomingos Borges de Barros, visconde de Pedra BrancaDomitila de Castro Canto e Melo, marquesa de SantosDunshee de AbranchesDuque MaximilianoDuque de Nemours

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Eça de QueirozEdgar Allan PoeEdgar DegasEdir MacedoÉdouard ManetEduardo AngelimEduardo BarbosaEduardo Palassin GuinleEduardo PradoEduardo WandenkolkEdvard MunchElias Dias Novais, barão de NovaisEmerenciana Ribeiro do Espírito SantoEmília Viotti da CostaEmiliano Rosa de SenaEmílio de MenezesEmílio Rangel PestanaEmma de Waldeck e Py rmont, rainha da HolandaEpitácio PessoaEponine OctavianoErnest RenanErnesto Augusto da Cunha MatosErnesto SennaEuclides Rodrigues da Cunha,Eufrásia Teixeira LeiteEugène DelacroixEvaristo da VeigaEvelina SoaresEwerton QuadrosFelicíssimo do Espírito Santo CardosoFelipe Franco de SáFernando Henrique CardosoFernando Mendes de AlmeidaFerreira de AraújoFiódor DostoiévskiFloriano Vieira Peixoto, o “Marechal de Ferro”Francisca Carolina de Bragança, princesaFrancisco dos Anjos FerreiraFrancisco CunhaFrancisco DoratiotoFrancisco Glicério de Cerqueira LeiteFrancisco de GoyaFrancisco Inácio Marcondes Homem de Melo, barão Homem de MeloFrancisco José Cardoso JúniorFrancisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”Francisco Manuel da Silva

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Francisco de Melo PalhetaFrancisco OctavianoFrancisco de Paula May rinkFrancisco Rangel PestanaFrancisco Sabino Álvares da Rocha VieiraFrancisco Solano LópezFrank D. McCannFranz LisztFranz SchubertFrédéric ChopinFrederico Guilherme LorenaFrederico Sólon de Sampaio RibeiroFriedrich EngelsFriedrich NietzscheFriedrich SchillerGabriel de Almeida MagalhãesGaspar Silveira MartinsGeorg Friedrich HegelGeorge CusterGeorge EastmanGeorge WashingtonGeorges BizetGetúlio Dornelles VargasGilberto Frey reGioachino RossiniGiuseppe GaribaldiGiuseppe VerdiGomes de CastroGonçalves DiasGottlieb DaimlerGregório Taumaturgo de AzevedoGuilherme, imperador da AlemanhaGuilhermina, rainha da HolandaGuimarães PassosGumercindo SaraivaGustave FlaubertHector BerliozHeitor Ly raHélio SilvaHenri-Benjamin Constant de RebecqueHenrique BernardelliHenrique HasslocherHenrique KremerHenrique Limpo de AbreuHenrique Pereira de Lucena, barão de LucenaHenry Ford

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Henry JamesHenry S. FoxeHerbert SpencerHermes Ernesto da FonsecaHiram MaximHolanda CavalcantiHomeroHonoré de BalzacHumberto Fernandes MachadoIgnácio Teixeira da Cunha BustamanteIldefonso Pereira Correia, barão do Cerro AzulIldefonso Simões LopesIna von BinzerInocêncio Serzedelo CorrêaInocêncio Veloso Pederneiras, barão de BojuruIrineu Evangelista de Sousa, visconde de MauáIrmãos GrimmIrmãos LumièreIrmãos WrightIsabel do Brasil, princesaIsabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga ver Isabel

do BrasilIsabel Maria de Alcântara Brasileira, duquesa de GoiásIsabela II, rainha da EspanhaIsmael FalcãoJ. A. Magalhães CastroJack, o EstripadorJacob e Wilhelm Grimm ver Irmãos GrimmJacques OuriqueJames GarfieldJames J. O’KellyJane AustenJanuária Maria de BragançaJanuário da Cunha Barbosa, cônegoJean-Auguste IngresJean-Baptiste DebretJean-Baptiste LamarckJean Joseph Horace Eugène de Barral, conde de BarralJean-Martin CharcotJerônimo Ferreira RomarizJesus CristoJoão Alfredo Correia de OliveiraJoão BatistaJoão Batista da Silva TelesJoão Batista Vianna Drummond, barão de Drummond

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João Camilo de Oliveira TorresJoão Capistrano de AbreuJoão Carlos de BragançaJoão Carlos MonteiroJoão Lustosa da Cunha, marquês de ParanaguáJoão Manuel de CarvalhoJoão Maurício Wanderley , barão de CotegipeJoão NeivaJoão Nepomuceno de Medeiros MalletJoão Nunes da Silva TavaresJoão Severiano da FonsecaJoão Soares LisboaJoão Tibiriçá PiratiningaJoaquim do Amor Divino Rabelo, o frei CanecaJoaquim Delfino Ribeiro da LuzJoaquim Felício dos SantosJoaquim Francisco de Assis BrasilJoaquim Gonçalves LedoJoaquim Inácio Batista CardosoJoaquim Inácio CardosoJoaquim Jacinto de MendonçaJoaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”Joaquim NabucoJoaquim Osório Duque-EstradaJoaquim Saldanha MarinhoJoe Pascoe GrenfellJohann Wolfgang von GoetheJohannes BrahmsJohannes GutenbergJohn ConstableJohn Henry LowndesJohn PembertonJosé de AlencarJosé de Almeida Barreto -José Antônio Correia da Câmara, visconde de PelotasJosé Antônio Saraiva,José Augusto VinhaisJosé Basson de Miranda OsórioJosé Bento da Cunha Figueiredo, visconde de Bom ConselhoJosé BevilacquaJosé Bonifácio de Andrada e SilvaJosé Cerqueira de AguiarJosé da Costa Azevedo, barão de LadárioJosé Gomes Pinheiro MachadoJosé Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e AlbuquerqueJosé Lopes da Silva Trovão

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José Luís de Almeida MartinsJosé Maria BelloJosé Maria Moreira GuimarãesJosé Maria da Silva Paranhos, barão do Rio Branco (posteriormente, visconde)José Marques GuimarãesJosé Martiniano de AlencarJosé de Miranda CarvalhoJosé Murilo de CarvalhoJosé do PatrocínioJosé Simeão de OliveiraJosé VeríssimoJosé Vieira de Araújo PeixotoJoseph HaydnJosephine CochraneJosina Vieira de Araújo PeixotoJuan Manuel de RosasJulio Accioly de BritoJúlio Anacleto Falcão da FrotaJulio Cesar da Fonseca FilhoJúlio Constâncio de Villeneuve, conde de VillaneuveJúlio José ChiavenatoJúlio de MesquitaJúlio Prates de CastilhosJúlio RibeiroJúlio VerneJulius ReuterJuscelino KubitschekJustina Maria do Espírito SantoJustiniano José da RochaKarl BenzKarl MarxKim, dinastia chinesaLauro Müller,Lauro Nina Sodré e SilvaLauro Severiano MüllerLauro SodréLeão XIII, papaLeón RoddeLeon TolstoiLeôncio BasbaumLeopoldina de Bragança e Bourbon, princesaLeopoldina, imperatrizLeopoldo I, rei da BélgicaLeopoldo Henrique Botelho de MagalhãesLeopoldo Miguez

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Lewis WatermanLiberato de Castro CarreiraLídia BesouchetLiliuokalani, rainha do HavaíLouis CoutyLouis PasteurLourenço de AlbuquerqueLúcia Maria Bastos Pereira das NevesLudwig van BeethovenLuís ILuís Alves de Lima e Silva, duque de Caxias ,Luís Augusto Maria Eudes de Saxe-Coburgo-Gotha, duque de Saxe (conhecido

por Gousty )Luís da Câmara CascudoLuís FelipeLuís Filipe Maria Fernando Gastão de Orleans, conde d’EuLuís Filipe de Saldanha da GamaLuís Gonzaga Pinto da GamaLuís José Pereira de Carvalho, barão de São SepéLuísa Margarida Portugal de Barros, condessa de BarralLuiz Augusto Ferreira de AlmeidaLuiz Felipe de AlencastroLuiz Matheus May laskyMachado de AssisMac-Mahon, presidente da FrançaMandé DaguerreManoel de Araújo Porto AlegreManoel Deodoro da FonsecaManoel Francisco CorreiaManoel Mendes da Fonseca GalvãoManoel Vieira de Araújo PeixotoManuel II, rei de PortugalManuel de Almeida da Gama Lobo Coelho D’Eça, barão de BatoviManuel Buarque de MacedoManuel Ferraz de Campos SallesManuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, marquês de ItanhaémManuel Joaquim Alves MachadoManuel do Nascimento VargasManuel de Oliveira LimaManuel Pinto de Sousa DantasManuel Vitorino PereiraMarcel ProustMarcelino BispoMarcos Roberto Silveira ReisMarguerite d’Orleans

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Maria I, a “rainha louca”Maria II, rainha de PortugalMaria Antonieta, rainha da FrançaMaria Augusta Generoso EstrelaMaria Benedita de Castro Canto e Melo, baronesa de SorocabaMaria Cristina de Habsburgo, rainha da EspanhaMaria Cristina de Bourbon, rainha de NápolesMaria da Glória de Bragança ver Maria II, rainha de PortugalMaria Henriqueta de Sena FigueiraMaria Joaquina Botelho de MagalhãesMariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, condessa de BelmonteMariana Cecília de Sousa Meireles da FonsecaMark TwainMarquês de São VicenteMartim Francisco Ribeiro de AndradaMartinho de CamposMartinho Prado Jr.Martiniano das ChagasMary Del PrioreMary ShelleyMax FleiussMax LeclercMax PlanckMichael FaradayMiguel de BragançaMiguel LemosMiguel Vieira FerreiraMikhail GorbachevModesto LealMoniz FreireNabuco de AraújoNapoleão BonaparteNapoleão IIINiccolò PaganiniNicolau Pereira de Campos VergueiroNísia FlorestaOlavo BilacOliveira LimaOliveira Vianna,Orville e Wilbur Wright ver Irmãos WrightOscar WildeOtto SimonPaes de CarvalhoPardal MalletPaul Cézanne

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Paula Mariana de BragançaPaulo BarbosaPaulo de FrontinPedro Afonso de Bragança e BourbonPedro de Alcântara de Orleans e BragançaPedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de

Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Habsburgo e Bragançaver D. Pedro II, imperador do Brasil

Pedro de AlcântaraPedro Álvares CabralPedro AméricoPedro de Araújo Lima, marquês de OlindaPedro Augusto de Saxe-Coburgo e BragançaPedro CalmonPedro CarolinoPedro José de LimaPedro Maria de LacerdaPedro Paulino da FonsecaPedro de Santa Mariana e SousaPierre-Auguste RenoirPierre LaffitePierre LaplacePio IX, papaPiotr TchaikovskyPrudente José de Morais e BarrosQuintino Antônio Ferreira de Sousa BocaiúvaRaimundo de Castro MayaRaimundo GomesRaimundo Magalhães JúniorRaimundo de MenezesRaimundo Teixeira MendesRamalho OrtigãoRaul PompeiaRaymundo FaoroRenato LemosRené DescartesRichard WagnerRobert FultonRobert KochRobert Louis StevensonRobert SchumannRoberto Trompowsky Leitão de AlmeidaRoderick J. BarmanRodolfo Gustavo da PaixãoRodrigo Augusto da Silva

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Rodrigo OtávioRodrigues AlvesRojas PaúlRonaldo CaiadoRosa Maria PaulinaRudolf DieselRufino Enéias Gustavo Galvão, visconde de MaracajuRui Barbosa de OliveiraSaid AliSalvador de MendonçaSampaio FerrazSanto AntônioSão PauloSão PedroSátiro DiasSaturnino CardosoSebastião BandeiraSebastião PinhoSena MadureiraSergei KrikalevSérgio Buarque de HolandaSeveriano Martins da Fonseca, barão de AlagoasSigmund FreudSilvino Cavalcanti de AlbuquerqueSílvio RomeroSimplício Coelho de ResendeStendhalStephen Grover ClevelandSuely Robles Reis de QueirozTarsila do AmaralTasso FragosoTavares TorresTeófilo OttoniTeresa Cristina Maria, imperatriz do BrasilTeresa, princesa da BaváriaTheodore RooseveltTheodoro Eduardo DuvivierThomas Alexander CochraneThomas DavatzThomas EdisonThomas L. ThompsonTibúrcio Ferreira de SouzaTobias BarretoTobias MonteiroTomás CoelhoTrajano Viriato de Medeiros

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Ubaldino do AmaralUlisses VianaUlysses Grant, presidente dos EUA

Venâncio AiresVera de HaritoffVicente Licínio CardosoVicente Machado da Silva LemeVictor Emanuel, rei da ItáliaVictor HugoVictor MeirellesVincent van GoghVisconde da Gávea, Manoel Antonio da Fonseca CostaVisconde de Nogueira da GamaVisconde da PenhaVisconde do Rio Branco ver José Maria da Silva ParanhosVital Maria Gonçalves de OliveiraVitória, rainha da InglaterraW. L. JudsonWalt WhitmanWilhelm RöentgenWilliam Fothergill CookeWilliam ShakespeareXavier da SilveiraZacarias de Góis e Vasconcelos

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Baile da Ilha Fiscal, o último da monarquia: uma festa repleta de mauspresságios

Francisco Aureliano de Figueiredo e Melo/Foto de José MoraesFranceschi/Acervo Museu Histórico Nacional/Ibram/Ministério da Cultura

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Deodoro da Fonseca: a espada contra o ImpérioFrancisco Pastor/Acervo Fundação Biblioteca Nacional – Brasil

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Ouro Preto: um visconde preso na ratoeiraAffonso Celso/Livraria do Globo (1935)/Acervo Editora Globo

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Combate Naval do Riachuelo: as cicatrizes da Guerra do Paraguai no caminhoda República

Victor Meirelles de Lima/Acervo Museu Histórico Nacional/Ibram/Ministério daCultura

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O imperador Pedro II vestido de gaúcho, em Uruguaiana: “Voluntário NúmeroUm”

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Luiz Terragno/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Pedro II, em 1872: as pernas muito finas destoavam do físico avantajadoPedro Américo de Figueiredo e Mello/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério

da Cultura

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Pedro II aos cinco anos, em 1830: órfão da naçãoArmand Julien Pallière/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Príncipe dom Augusto com a família: expulso de um navio brasileiro no CeilãoCarl Pietzner/Acervo Museu Imperial/ Ibram/Ministério da Cultura

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Amolação interrompida: cena ruralAlmeida Júnior/Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo – Brasil

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Congada em Minas Gerais: as marcas da escravidãoRuy Santos/Coleção Princesa Isabel

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Palácio imperial de Petrópolis: a miragem monárquica descolada do Brasil realFriedrich Hagedorn/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Teresa Cristina: feia, baixa e rechonchuda, mancava de uma pernaA. Lemoine/Imp. Lemercier/Acervo Museu Mariano Procópio

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Condessa de Barral: a grande história de amor na vida de Pedro IIAcervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Família imperial em Petrópolis: relacionamento educado, morno e protocolarFrançois Renée Moreaux/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Juramento da princesa Isabel, em 1875: uma mulher no comando de um paísmachista e patriarcal

Victor Meirelles de Lima/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Isabel, com livro de orações: carola e conservadoraJosé Irineu de Sousa/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Conde d’Eu em uniforme de guerra: genocídio nos campos do ParaguaiReprodução de Raul Lopes de um original fotográfico de Alberto

Henschel/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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José do Patrocínio: filho de padre com escravaAcervo Fundação Biblioteca Nacional – Brasil

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Joaquim Nabuco: educado e cosmopolitaDucasble & Co/Acervo Fundação Joaquim Nabuco

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Aprovação da Lei Áurea: vitória dos abolicionistasAntônio Luiz Ferreira/Coleção Princesa Isabel

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Coroação de Pedro II e partida da família imperial para o exílio: fim de umsonho nos trópicos

Carlos Oswald/Acervo Museu Imperial/Ibram/Ministério da Cultura

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Enterro de Pedro II em Lisboa: no caixão, um travesseiro com terra do BrasilAutor desconhecido/Coleção Princesa Isabel

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O francês Auguste Comte: inspirador da ditadura republicanaHulton Archive/Getty Images

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Benjamin Constant: um líder perseguido pelo fantasma do fracassoPacheco & Filho/Museu Casa de Benjamin Constant/Ibram/Ministério da Cultura

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Escola Militar da Praia Vermelha: o celeiro da Mocidade MilitarMarc Ferrez/Coleção Princesa Isabel

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Rui Barbosa: textos incendiáriosAcervo Fundação Biblioteca Nacional – Brasil

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Quintino Bocaiúva: o líder civilHenrique Rosén & Cia/Acervo Fundação Getúlio Vargas – CPDOC

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Silva Jardim: queria executar a família imperialOscar Pereira da Silva/Fotografia de Helio Nobre/Acervo Museu

Republicano/Museu Paulista/USP

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Vista do Rio de Janeiro: a capital era a vitrina das transformações no ImpérioMarc Ferrez/Coleção Princesa Isabel

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Saldanha Marinho: cabeça do Manifesto Republicano de 1870Autor desconhecido/Fotografia de Helio Nobre/Acervo Museu

Republicano/Museu Paulista/USP

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Floriano Peixoto: o “Marechal de Ferro”Oscar Pereira da Silva/Fotografia de Helio Nobre/Acervo Museu

Republicano/Museu Paulista/USP

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Rendição em Canudos: uma guerra no fim do mundoFotografia de Flávio de Barros/Coleção Canudos/Acervo Museu da

República/Ibram/Ministério da Cultura

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Canhões da Revolta da Armada, no Rio de Janeiro: cidade em pânico ameaçadade bombardeio

Marc Ferrez/Acervo Fundação Biblioteca Nacional – Brasil

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Silveira Martins: chefe dos maragatosBiblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin – USP

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Júlio de Castilhos: líder dos pica-pausVicente Cervásio (pintura a óleo sobre fotografia do atelier Calegari)/Acervo

Museu Júlio de Castilhos

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Revolução Federalista: um ritual de sangue, degolas e assassinatosAcervo Museu da República/Ibram/Ministério da Cultura

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Prudente de Morais: sozinho no palácio abandonadoFrancisco Pastor/Acervo Fundação Biblioteca Nacional – Brasil

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Campos Salles: a República imita o estilo da MonarquiaOscar Pereira da Silva/Fotografia de Helio Nobre/Acervo Museu

Republicano/Museu Paulista/USP

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A Convenção de Itu, de 1873: os fazendeiros entram na campanha republicanaJonas de Barros/Fotografia de Helio Nobre/Acervo do Museu Republicano/Museu

Paulista/USP

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Tiradentes esquartejado: de vítima da Monarquia a herói republicanoPedro Américo de Figueiredo e Mello/Acervo Museu Mariano Procópio

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Alegoria da República: o esforço para conquistar corações e mentesHelios Seelinger/Acervo Museu Histórico Nacional/Ibram/Ministério da Cultura

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O compromisso constitucional de 1891: tentativa de colocar ordem no caos dosprimeiros anos da República

Aurélio de Figueiredo/Acervo Museu da República/Ibram/Ministério da Cultura

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[1] Para as promessas republicanas em 1889, ver a coleção de artigos de jornaise revistas da época publicada em Manoel Ernesto de Campos Porto,Apontamentos para a história da República dos Estados Unidos do Brazil, livrodigital disponível gratuitamente em www.openlibrary .org.[2] Para um cálculo aproximado dos mortos na Guerra da Independência, verLaurentino Gomes, 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e umescocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, p. 163.

[3] Oliveira Lima, Sept ans de république au Brésil (1889-1896), p. 14.

[4] José Maria Bello, História da República, 1889-1954: síntese de sessenta ecinco anos de vida brasileira, p. 24.

[5] Frank D. McCann, Soldados da pátria: história do Exército brasileiro (1889-1937), p. 14.

[6] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, p. 97.

[7] Max Leclerc, Lettres du Brésil (1890), p. 173.

[8] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, pp. 55 e 57.

[9] Américo Jacobina Lacombe, na apresentação de Hélio Silva, 1889: aRepública não esperou o amanhecer.

[10] Para a viagem do Almirante Barroso, ver Custódio José de Mello, Vinte e ummeses ao redor do planeta: descrição da viagem de circum-navegação docruzador “Almirante Barroso”, 1896.

[11] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, A intriga: retrospecto deintricados acontecimentos históricos e suas consequências no Brasil Imperial, pp.347-349.[12] A escritora e historiadora Mary Del Priore afirma em seu livro O príncipemaldito, pp. 275-277, que dom Augusto tentou uma única vez retornar ao Brasil,em novembro de 1891, durante a crise que levaria à renúncia do marechalDeodoro da Fonseca à Presidência da República. À frente de um grupo demonarquistas que julgava possível a restauração do regime, dom Augusto teriaatravessado o Atlântico a bordo de uma fragata austríaca e ancorado na baía deTodos-os-Santos. Ali teria esperado inutilmente por uma prometida insurreiçãoque o aclamaria imperador do Brasil. Impedido de desembarcar pelasautoridades baianas, teria retornado à Europa depois de alguns dias. Essa versão,no entanto, é contestada de forma categórica pelo neto de dom Augusto, otambém escritor e historiador dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança,membro, como Mary Del Priore, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro(IHGB). Consultado por e-mail durante as pesquisas para este livro, dom Carlos

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garantiu ao autor que seu avô jamais retornou ao Brasil depois de ser forçado adesembarcar do navio Almirante Barroso no porto de Colombo. Segundo ele, asuposta tentativa de desembarque na Bahia não passou de um boato corrente naépoca.[13] Depoimento de Medeiros e Albuquerque a Leôncio Correia, A verdadehistórica sobre o 15 de Novembro, p. 133.

[14] Tobias Monteiro, “A conspiração e o Quinze de Novembro”, em HildonRocha, Utopias e realidades da República: da proclamação de Deodoro àditadura de Floriano, pp. 154 e seguintes.

[15] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, pp. 30 e 91.

[16] A descrição é de Francisco Glicério, em Hélio Silva, 1889: a República nãoesperou o amanhecer, p. 122.

[17] Depoimento do coronel José Bevilacqua, citado em Leôncio Correia, Averdade histórica sobre o 15 de Novembro, p. 93.

[18] Depoimento do general Jacques Ourique, citado em Leôncio Correia, Averdade histórica sobre o 15 de Novembro, p. 93.

[19] Heitor Ly ra, História de Dom Pedro II, vol. III, p. 94.

[20] Anfriso Fialho, História da fundação da República no Brasil, p. 85.

[21] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, p. 41.

[22] O relato é do visconde de Ouro Preto, em Advento da ditadura militar noBrasil, p. 46.

[23] Ibidem, p. 48.[24] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II, pp.63-64.[25] Heitor Ly ra, História de Dom Pedro II, vol. III, p. 94.

[26] Visconde de Ouro Preto, Advento da ditadura militar no Brasil, p. 59.

[27] A descrição é de Evaristo de Moraes, “A conspiração”, em Hildon Rocha,Utopias e realidades da República, pp. 109 e seguintes.

[28] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, p. 53.

[29] Depoimento do general Jacques Ourique, Deodoro e a verdade histórica, p.177.[30] Celso Castro, A Proclamação da República, p. 77.

[31] Depoimento de Carlos Gross ao repórter Walter Prestes, do jornal O Globo,

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em Deodoro e a verdade histórica, pp. 131 e seguintes.

[32] Manoel Pio Corrêa, O cavalo que proclamou a República, pp. 13-14.

[33] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, p. 133.

[34] Deodoro e a verdade histórica, p. 175.

[35] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro, p. 70.

[36] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. II, p. 277.

[37] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, pp. 56 e 72.

[38] Visconde de Ouro Preto, em Advento da ditadura militar no Brasil, p. 62.

[39] Além do visconde de Ouro Preto, chefe do gabinete e ministro da Fazenda,estavam presentes os ministros da Guerra, visconde de Maracaju; do Império,barão de Loreto; da Justiça, Cândido de Oliveira; da Agricultura, Lourenço deAlbuquerque; e de Negócios Estrangeiros, José Francisco Diana.[40] Visconde de Ouro Preto, em Advento da ditadura militar no Brasil, p. 66.

[41] Ibidem, p. 70.[42] Depoimento do general Jacques Ourique, em Deodoro e a verdade histórica,p. 175.[43] Depoimento de Aníbal Falcão a Ximeno de Villeroy, citado em RenatoLemos, Benjamin Constant: vida e história, p. 409.

[44] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. II, p. 361.

[45] Faziam parte do grupo Aníbal Falcão, José do Patrocínio, Silva Jardim,Pardal Mallet, Lopes Trovão, Campos da Paz, Almeida Pernambuco, João Clapp,Olavo Bilac, Luís Murat, Magalhães Castro, Alberto Torres e o padre deputadoJoão Manuel de Carvalho.[46] Manuel Ernesto de Campos Porto, Apontamentos para a história daRepública dos Estados Unidos do Brasil, pp. 10-11.

[47] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, p. 165.

[48] Celso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e açãopolítica, p. 27.

[49] O orçamento para 1864 previa receita de 51 mil contos de réis e despesa de54 mil contos de réis. Para um resumo da situação financeira dos 67 anos doImpério brasileiro, ver Liberato de Castro Carreira, História financeira eorçamentária do Império do Brasil, vol. II, pp. 663-665.

[50] Conforme Frederico J. de Santa-Anna Nery, Le Brésil en 1889, p. 469; e

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José Maria Bello, História da República, 1889-1954: síntese de sessenta e cincoanos de vida brasileira, p. 48.

[51] Leôncio Basbaum, História sincera da República, vol. I, pp. 107-108.

[52] Frederico J. de Santa-Anna Nery , Le Brésil en 1889, p. 471.

[53] Luiz Felipe de Alencastro em História da vida privada no Brasil, vol. II, pp.39-40.[54] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos, p.268.[55] Leôncio Basbaum, História sincera da República, vol. I, p. 111.

[56] Emília Viotti da Costa em Leslie Bethell (org.), Brazil: Empire and Republic,1822-1930, p. 166.

[57] Elmar Bones, A espada de Floriano, pp. 14 e seguintes.

[58] Ney Carvalho, O Encilhamento: anatomia de uma bolha brasileira, p. 128.

[59] Luiz Felipe Alencastro em História da vida privada no Brasil, vol. II, p. 37.

[60] Para a história do relacionamento entre dom Pedro II e Adelaide Ristori, verCarlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, O imperador e a atriz: dom Pedro II eAdelaide Ristori; para um panorama mais detalhado da vida social do Rio deJaneiro em meados do século XIX, ver Lilia M. Schwarcz, As barbas doimperador: d. Pedro II, um monarca nos trópicos, pp. 106 e seguintes.

[61] Ina von Binzer, Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadoraalemã no Brasil, pp. 53 e 60.

[62] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, p. 165.

[63] Max Leclerc, Lettres du Brésil, pp. 54-55.

[64] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, pp. 46-47.

[65] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, Intriga: retrospecto de intricadosacontecimentos históricos e suas consequências no Brasil Imperial, p. 255.

[66] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 59.

[67] Para a biografia de Mauá, ver Jorge Caldeira, Mauá: empresário doImpério, 1995.

[68] Leôncio Basbaum, História sincera da República, vol. I, p. 121.

[69] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República, p. 255.

[70] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República, p. 281.

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[71] Joaquim Nabuco, “Campanha abolicionista no Recife, 1884”, em EssencialJoaquim Nabuco, pp. 116-117.

[72] Para uma análise detalhada da política de terras no Império, ver José Murilode Carvalho, A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras:a política imperial, pp. 329-354; para a comparação entre a política de terras nosEstados Unidos e no Brasil, ver Emília Viotti da Costa, Da Monarquia àRepública, pp. 184 e 186.

[73] Thomas Davatz, Memórias de um colono no Brasil (1850), pp. 87-88.

[74] Ibidem, p. 182.[75] Boris Fausto, História concisa do Brasil, p. 114.

[76] Jorge Caldeira, Mauá: empresário do império, p. 222.

[77] Maria Odila Leite da Silva Dias, A interiorização da metrópole e outrosestudos, p. 136.

[78] João Camilo de Oliveira Torres, A democracia coroada, p. 312.

[79] Boris Fausto, História concisa do Brasil, p. 88.

[80] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, p. 137.

[81] José Murilo de Carvalho em Leslie Bethell (org.), Brazil: Empire andRepublica, 1822-1930, p. 83.

[82] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem; Teatro de sombras, p. 254.

[83] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República, p. 150.

[84] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, p. 137.

[85] José Murilo de Carvalho, Dom Pedro II, p. 38.

[86] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, p. 139.

[87] Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, em D. Pedro II, pp. 39-40, aresposta incisiva do jovem imperador teria sido um mito criado pelos liberaispara justificar o golpe da maioridade. Dom Pedro II jamais teria pronunciado afrase “Quero já”. Em vez disso, ao ser consultado se queria assumir o poder,teria primeiro respondido com um lacônico “sim”. Perguntado, a seguir, sequeria assumir já, respondera “já”. A soma das duas respostas daria, portanto,“Sim, já”, em lugar do famoso “Quero já!”.

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[88] Euclides da Cunha, “À margem da história”, em Obras completas, vol. I, p.374.[89] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem: a elite política imperial;Teatro de sombras: a política imperial , p. 65. Para uma análise mais detalhadadas contradições entre o “Brasil ideal” e o “Brasil real”, ver também LúciaMaria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, O Império doBrasil.

[90] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem; Teatro de sombras, p. 393.

[91] Para uma comparação da Monarquia europeia com a brasileira, ver AngelaMarques da Costa em Lilia M. Schwarcz, em As barbas do imperador, p. 192.

[92] Pedro Calmon, O rei do Brasil: a vida de d. João VI, p. 149.

[93] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II, p.8.[94] Heitor Ly ra, História da queda do Império, pp. 377-378.

[95] Renato Lemos, Benjamin Constant: vida e história, p. 141.

[96] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, p. 273.

[97] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem; Teatro de sombras, p. 258.

[98] Maria Odila Leite da Silva Dias, Quotidiano e poder em São Paulo no séculoXIX, citada em Lilia M. Schwarcz, As barbas do imperador: d. Pedro II, ummonarca nos trópicos, p. 572.

[99] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II, p.8.[100] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 25.

[101] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem; Teatro de sombras , pp.268-273.[102] João Camilo de Oliveira Torres, A democracia coroada: teoria política doImpério do Brasil, p. 186.

[103] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos, p.143.[104] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem, pp. 162-163.

[105] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, p. 281.

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[106] Joaquim Nabuco, O abolicionismo, em Essencial Joaquim Nabuco, p. 86.

[107] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República, pp. 142 e 167.

[108] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem, p. 56.

[109] Bruno da Silva Antunes de Cerqueira, D. Isabel I, a Redentora, p. 161.

[110] A presença de dom Pedro II marcou de tal forma a história do IHGB que,depois de 1889, a cadeira até então usada pelo imperador foi coberta parasempre com um tecido e nunca mais usada por nenhum outro membro dainstituição, em sinal de respeito pelo monarca deposto.[111] Lilia Schwarcz, As barbas do imperador, p. 127.

[112] Roderick J. Barman, Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no séculoXIX, p. 135.

[113] Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira, vol. 5,p. 85.[114] Joaquim Nabuco, “O eclipse do abolicionismo”, em Essencial JoaquimNabuco, p. 185.

[115] Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira, vol. 5,pp. 21 e seguintes.[116] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, p. 35.

[117] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, p. 235.

[118] Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira, vol. 5,p. 75.[119] José Murilo de Carvalho, A construção da ordem; Teatro de sombras , p.395.[120] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, p. 698.

[121] A descrição é de Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilizaçãobrasileira, vol. 5, pp. 16-17.

[122] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II: ser ou não ser, pp. 44-45.

[123] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 31.

[124] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II, pp. 29-30.

[125] Ibidem, p. 13.[126] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 36.

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[127] Roderick J. Barman, Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no séculoXIX, p. 33.

[128] Lilia M. Schwarcz, As barbas do imperador: d. Pedro II, um monarca nostrópicos, p. 58.

[129] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 38.

[130] A descrição é de Lilia M. Schwarcz, As barbas do imperador, pp. 78 e 79.

[131] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II, p. 41.

[132] Ibidem, p. 54.[133] Roderick J. Barman, Princesa Isabel do Brasil, p. 33.

[134] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II, p. 52.

[135] Ibidem, pp. 74-75.[136] Ibidem, p. 74.[137] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 12.

[138] Mary Del Priore, Condessa de Barral: a paixão do imperador, p. 235.

[139] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, O imperador e a atriz: domPedro II e Adelaide Ristori, p. 102.

[140] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II, pp. 93-94.

[141] Ibidem, pp. 97-100.[142] Luís da Câmara Cascudo, Conde d’Eu, p. 62.

[143] Sérgio Buarque de Holanda, Capítulos da história do Império, pp. 135-137.

[144] Ibidem, pp. 123-125.[145] Pedro II, Conselhos à princesa Isabel de como melhor governar, p. 3.

[146] Ibidem, pp. 17-21.[147] José Maria dos Santos, “O fim do Segundo Reinado”, em Hildon Rocha,Utopias e realidades da República: da proclamação de Deodoro à ditadura deFloriano, p. 262.

[148] Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira, vol. 5,p. 237.[149] O relato da história de Graham Bell na Exposição da Filadélfia é baseadoem Candice Millard, Destiny of the republic: a tale of madness, medicine, and themurder of a president, 2011.

[150] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, O imperador e a atriz: dom

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Pedro II e Adelaide Ristori, p. 102.

[151] Lilia M. Schwarcz, As barbas do imperador: d. Pedro II, um monarca nostrópicos, p. 346.

[152] Matthew S. Anderson, The ascendancy of Europe: 1815-1914, pp. 135-160.

[153] T. C. W Blanning, The Nineteenth Century: Europe, 1789-1914, p. 25.

[154] Niall Ferguson, The Nineteenth Century, p. 124.

[155] Fiódor Dostoiévski, Crime e castigo, pp. 549-550.

[156] Antônio da Silva Jardim, A pátria em perigo, em Propaganda republicana(1888-1889), p. 85.

[157] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, pp. 106 e 109.

[158] Antônio da Silva Jardim, “Carta política ao país e ao Partido Republicano”,em Propaganda republicana (1888-1889), p. 328.

[159] Heitor Ly ra, História da queda do império, vol. II, p. 91.

[160] The Manuel Cardoso Files — Republican Movement, Oliveira LimaLibrary , Washington.[161] George C. A. Boehrer, Da Monarquia à República: história do PartidoRepublicano do Brasil (1870-1889), pp. 31-40.

[162] Leôncio Basbaum, História sincera da República, vol. I, p. 208.

[163] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 126.

[164] Idem, História da queda do Império, vol. III, p. 26.

[165] George C. A. Boehrer, Da Monarquia à República: história do PartidoRepublicano do Brasil (1870-1889), p. 77.

[166] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. III, p. 26.

[167] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República, p. 482.

[168] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 29.

[169] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, p. 152.

[170] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos, pp.318-326.[171] Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, OImpério do Brasil, pp. 162-163.

[172] Sérgio Corrêa da Costa, Brasil, segredo de Estado: incursão descontraída

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pela história do país, p. 191.

[173] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. II, pp. 74-116.

[174] Leôncio Basbaum, História sincera da República, p. 224.

[175] Heitor Ly ra, História da queda do Império, p. 32.

[176] Luis Washington Vita, Alberto Sales: ideólogo da República, pp. 106-107.

[177] Celso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e açãopolítica, p. 178.

[178] Para o perfil dos alunos da Escola Militar e seu papel na Proclamação daRepública, ver Celso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura eação política.

[179] Ibidem, pp. 124 e 142.[180] Elmar Bones, A espada de Floriano, pp. 55-56.

[181] Aurelino Leal, “A comissão constitucional”, em Hildon Rocha, Utopias erealidades da República: da proclamação de Deodoro à ditadura de Floriano, pp.127-128.[182] João Cruz Costa, O positivismo na República: notas sobre a história dopositivismo no Brasil, p. 48.

[183] Lauro Sodré, Crenças e opiniões, p. 77.

[184] Celso Castro, Os militares e a República, p. 82.

[185] Ibidem, p. 84.[186] O relato da sequência de eventos da Questão Militar é baseado em CelsoCastro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política, pp.85-103.[187] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, p. 140; e Raimundo MagalhãesJúnior, Deodoro, p. 199.

[188] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 245.

[189] Ibidem, p. 252.[190] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos, p.486.[191] Leôncio Correia, A verdade histórica sobre o 15 de Novembro, p. 185.

[192] Leôncio Correia, A verdade histórica sobre o 15 de Novembro, pp. 181-182.

[193] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 334.

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[194] Para a biografia de Mendes da Fonseca, ver Raimundo Magalhães Júnior,Deodoro: a espada contra o Império, pp. 11-22.

[195] Leôncio Correia, A verdade histórica sobre o 15 de Novembro, pp. 23-24.

[196] Celso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e açãopolítica, p. 82.

[197] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 20.

[198] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, pp. 182-183.

[199] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 197.

[200] Deodoro e a verdade histórica, p. 76.

[201] Hélio Silva, 1889: a República não esperou o amanhecer, pp. 441 e 552.

[202] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 34.

[203] Anfriso Fialho, História da fundação da República no Brasil, p. 36.

[204] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, p. 131.

[205] Celso Castro, Os militares e a República, p. 134.

[206] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 348.

[207] Celso Castro, Os militares e a República, p. 159.

[208] Claudio da Costa Braga, El último baile del Imperio, p. 29.

[209] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, p. 33.

[210] Ibidem, p. 41.[211] José Murilo de Carvalho, A formação das almas, p. 40.

[212] Vicente Licínio Cardoso, “Benjamin Constant, o fundador da República”,em Hildon Rocha, Utopias e realidades da República: da proclamação deDeodoro à ditadura de Floriano, p. 135.

[213] Renato Lemos, Benjamin Constant: vida e história, pp. 104 e seguintes.

[214] Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do folclore brasileiro, pp. 177-178.

[215] As descrições são de Renato Lemos, Benjamin Constant, p. 272; e CelsoCastro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política, p. 139.

[216] Renato Lemos, Benjamin Constant, p. 303.

[217] Ibidem, p. 28.[218] Ibidem, p. 46.[219] Celso Castro, Os militares e a República, pp. 111 e 119.

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[220] Ibidem, p. 105.[221] Ibidem, p. 171.[222] Ibidem, pp. 150-151.[223] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 10.

[224] Ina von Binzer, Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadoraalemã no Brasil, p. 34.

[225] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos, p.285.[226] Boris Fausto, História concisa do Brasil, p. 112.

[227] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República, p. 302.

[228] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 9.

[229] Joaquim Nabuco, O abolicionismo, em Essencial Joaquim Nabuco, p. 104.

[230] Para um bom e resumido perfil do abolicionista pernambucano, verAngela Alonso, Joaquim Nabuco.

[231] Ibidem, p. 132.[232] As informações são de Uelinton Farias Alves, José do Patrocínio: aimorredoura cor do bronze, livro cujo subtítulo é inspirado nos versos que o poetaOlavo Bilac dedicou ao grande abolicionista em 1905, ano de sua morte.[233] Emília Viotti da Costa, A abolição, pp. 62-63.

[234] Ibidem, p. 82.[235] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 307.

[236] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, pp. 24-26.

[237] Emília Viotti da Costa, A abolição, p. 63.

[238] Luciana Cavalcante, Dragão do mar, pp. 9-30.

[239] Uelinton Farias Alves, José do Patrocínio: a imorredoura cor do bronze, p.175.[240] Oliveira Lima, Sept ans de République au Brésil (1889-1896), p. 7.

[241] Antonio Penalves Rocha, Abolicionistas brasileiros e ingleses: a coligaçãoentre Joaquim Nabuco e a British and Foreign Anti-Slavery Society (1880-1902),pp. 99-100.[242] Uelinton Faria Alves, José do Patrocínio, pp. 192-194.

[243] Emília Viotti da Costa, A abolição, p. 120.

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[244] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, pp. 69-70.

[245] Uelinton Faria Alves, José do Patrocínio: a imorredoura cor de bronze, p.205.[246] Antonio Penalves Rocha, Abolicionistas brasileiros e ingleses, p. 211.

[247] Emília Viotti da Costa, A abolição, p. 127.

[248] Citado em Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, pp. 23-31.

[249] Emília Viotti da Costa, A abolição, p. 12.

[250] Ibidem, p. 134.[251] Idem, Da Monarquia à República: momentos decisivos, p. 378.

[252] Para a ação da maçonaria na Proclamação da República, ver JoséCastellani, A maçonaria brasileira na década da abolição e da República.

[253] Maria Fernanda Lombardi Fernandes, “Um radical a ferro e fogo”, Revistade História da Biblioteca Nacional, nº 5, novembro de 2005, pp. 42-45.

[254] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. I, p. 42.

[255] Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio, Uma breve história do Brasil, p.210.[256] Roderick J. Barman, Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no séculoXIX, p. 181.

[257] Carta de Cândido Bernardino Teixeira Tostes (1842-1927) a Saint-Clair deMiranda Carvalho, 7 de julho de 1888, arquivo pessoal de Douglas Fasolato, Juizde Fora.[258] “A República Federal”, 11 de novembro de 1888, em The Manuel CardosoFiles — Republican Movement, Oliveira Lima Library , Washington.

[259] Diário Popular de 9 de fevereiro de 1889, em The Manuel Cardoso Files —Republican Movement, Oliveira Lima Library , Washington.

[260] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. I, p. 175.

[261] Lídia Besouchet, José Maria Paranhos, visconde do Rio Branco: ensaiohistórico-biográfico, p. 229.

[262] Leôncio Basbaum, História sincera da República, vol. I, p. 262.

[263] Roderick J. Barman, Princesa Isabel do Brasil, p. 184.

[264] Ibidem, p. 16.[265] Ibidem, pp. 158-159.

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[266] A expressão é de Roderick J. Barman, idem, p. 67.[267] Ibidem, pp. 71 e 111.[268] Ibidem, p. 87.[269] Mary Del Priore, “Consortes nos trópicos: dois príncipes da casa de Françano Brasil”, Revista do IHGB, nº 444, p. 281.

[270] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, A intriga: retrospectiva deintricados acontecimentos históricos e suas consequências no Brasil Imperial, p.159.[271] Mary Del Priore, “Consortes nos trópicos”, Revista do IHGB, nº 444, p. 283.

[272] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 90.

[273] Vasco Mariz, Depois da glória: ensaios históricos sobre personalidades eepisódios controvertidos da história do Brasil e de Portugal, p. 309.

[274] Alfredo d’Escragnolle Taunay, Memórias do visconde de Taunay , pp. 452-454.[275] Júlio José Chiavenato, Genocídio americano: a guerra do Paraguai, pp.141 e 142.[276] Francisco Doratioto, Maldita guerra: nova história da guerra do Paraguai,pp. 396 e seguintes.[277] Vasco Mariz, Depois da glória: ensaios históricos sobre personalidades eepisódios controvertidos da história do Brasil e de Portugal, p. 315.

[278] Luís da Câmara Cascudo, Conde d’Eu, pp. 110-112.

[279] “A República Federal”, 28 de abril de 1889, em The Manuel Cardoso Files— Republican Movement, Oliveira Lima Library , Washington.

[280] Roderick J. Barman, Princesa Isabel do Brasil, p. 255.

[281] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II: ser ou não ser, p. 236.

[282] Max Leclerc, Lettres du Brésil, pp. 7-14.

[283] Ibidem, p. 174.[284] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, p. 99.

[285] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II: ser ou não ser, p. 201.

[286] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 54.

[287] Idem, História da queda do Império, vol. II, p. 169.

[288] Idem, História de dom Pedro II, vol. III, pp. 61-62.

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[289] Roderick J. Barman, Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no séculoXIX, p. 254.

[290] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. II, p. 145.

[291] Anfriso Fialho, História da fundação da República no Brasil, p. 65.

[292] José Maria dos Santos, “O fim do Segundo Reinado”, em Hildon Rocha,Utopias e realidades da República: da proclamação de Deodoro à ditadura deFloriano, p. 262.

[293] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos, p.490.[294] Deodoro e a verdade histórica, p. 195.

[295] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, pp. 35-36.[296] José Murilo de Carvalho, D. Pedro II: ser ou não ser, p. 90.

[297] Ibidem, pp. 90-91.[298] Ina von Binzer, Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadoraalemã no Brasil, p. 61.

[299] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 25.

[300] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, p. 97.

[301] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 118.

[302] Claudio Costa Braga, El último baile del Império: el baile de la Isla Fiscal,p. 51.[303] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol II, p. 180.

[304] Luís da Câmara Cascudo, Conde d’Eu, p. 116.

[305] Bernardina Botelho de Magalhães, O diário de Bernardina: da Monarquia àRepública pela filha de Benjamin Constant, p. 80.

[306] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II,pp. 58-59.[307] Celso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e açãopolítica, p. 185.

[308] A descrição dos diálogos e acontecimentos no Paço Imperial entre a tardede 15 de novembro e a madrugada de 17 são de Heitor Ly ra, História de domPedro II, vol. III, pp. 101 e seguintes.

[309] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II, p.

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50.[310] Ibidem, vol. II, p. 89.

[311] Raul Pompeia, “Uma noite histórica”, em Hildon Rocha, Utopias erealidades da República: da proclamação de Deodoro à ditatura de Floriano, pp.22-27.[312] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 109.

[313] O relato sobre o encontro do major Sólon com dom Pedro II é de ummanuscrito da princesa Isabel, Memória para os meus filhos, reproduzido emBruno da Silva Antunes de Cerqueira (org.), D. Isabel I, a Redentora, pp. 80-88.

[314] A observação sobre a assinatura é de Heitor Ly ra, História de dom PedroII, vol. III, p. 191.

[315] Idem, História da queda do Império, vol. III, p. 417.

[316] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 378.

[317] Oliveira Lima, Memórias: estas minhas reminiscências, pp. 59-60.

[318] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, pp. 146-147.

[319] Lídia Besouchet, Exílio e morte do imperador, p. 405.

[320] Machado de Assis, Esaú e Jacó, pp. 121-126.

[321] “The fall of Dom Pedro”, The New York Times , 16/12/1889, citado emCelso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política,p. 192.[322] Diário Popular, de São Paulo, 18 de novembro de 1889, citado em HélioSilva, 1889: a República não esperou o amanhecer, p. 87.

[323] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 97.

[324] Emmanuel Sodré, Lauro Sodré na história da República, p. 38.

[325] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 93.

[326] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, pp. CXIII e 12.

[327] Celso Castro, Os militares e a República, p. 194.

[328] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, p. 9.

[329] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, pp. 119 e 158.

[330] Ibidem, p. 206.[331] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, pp. 6 e seguintes.

[332] Heitor Ly ra, História de dom Pedro II, vol. III, p. 158.

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[333] Idem, História da queda do Império, p. 355.

[334] Renato Lemos, Benjamin Constant: vida e história, p. 441.

[335] Ibidem, p. 418.[336] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 127.

[337] Suely Robles Reis de Queiroz, Os radicais da República: jacobinismo,ideologia e ação, 1893-1897, p. 257.

[338] Gilberto Frey re, Ordem e Progresso, pp. 48-49.

[339] José Murilo de Carvalho, Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repúblicaque não foi, p. 22.

[340] Para um relatório detalhado sobre o tema, ver Carlos de Laet, Décadarepublicana — a imprensa, pp. 195-261. Embora se trate de uma investigaçãoconduzida por um monarquista, suas informações nunca foram contestadas.[341] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 130.

[342] Para uma lista da mudança de nomenclaturas de lugares e instituições noRio de Janeiro republicano, ver Renato Lemos, Benjamin Constant: vida ehistória, pp. 442 e seguintes.

[343] José Murilo de Carvalho, A formação das almas, p. 55.

[344] Ibidem, pp. 55-73.[345] Ibidem, p. 127.[346] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, pp.133-139.[347] José Murilo de Carvalho, A formação das almas, p. 114.

[348] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II, p.105.[349] Renato Lessa, A invenção republicana: Campos Sales, as bases edecadência da Primeira República brasileira, p. 83.

[350] Celso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e açãopolítica, pp. 195 e seguintes.

[351] Renato Lemos, Benjamin Constant: vida e história, p. 468.

[352] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II,pp. 209-211.[353] José Maria Bello, História da República, 1889-1954, p. 69.

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[354] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, vol. II, p.210.[355] Ney Carvalho, O Encilhamento: anatomia de uma bolha brasileira, pp. 104,163-164.[356] José Murilo de Carvalho, Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repúblicaque não foi, p. 20.

[357] Machado de Assis, Esaú e Jacó, p. 141.

[358] Leôncio Basbaum, História sincera da República, vol. II, p. 35.

[359] Citado em visconde de Ouro Preto, Década republicana — Finanças, p. 65.

[360] Ney Carvalho, O Encilhamento, pp. 189-190.

[361] Para a conversão de libras esterlinas no final do século XIX para valores emdólares americanos de hoje, verhttp://uwacadweb.uwyo.edu/numimage/Currency .htm.[362] Para uma análise mais aprofundada e relativamente isenta do fenômenoda ampliação do crédito e da ação de Rui Barbosa, ver Ney Carvalho, OEncilhamento.

[363] Ibidem, p. 149.[364] Citado em Ney Carvalho, idem, p. 133.[365] Dunshee de Abranches, Atas e atos do governo provisório, p. 15.

[366] Ernesto Senna, Deodoro: subsídios para a história, pp. 137-138; e Dunsheede Abranches, Atas e atos do governo provisório, p. 384.

[367] José Maria Bello, História da República, 1889-1954, p. 78.

[368] Deodoro e a verdade histórica, p. 6.

[369] Leôncio Basbaum, História sincera da República, vol. II, p. 25.

[370] Alberto Rangel, Floriano Peixoto, o arbitrário da legalidade, em HildonRocha, Utopias e realidades da República, pp. 55 e seguintes.

[371] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, p. 183.

[372] Euclides da Cunha, “O Marechal de Ferro”, em O Estado de S. Paulo, 29de junho de 1904.[373] Rui Barbosa, “Cartas de Inglaterra”, citado em Essencial Joaquim Nabuco,p. 565.[374] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 102.

[375] José Maria Bello, História da República, p. 78.

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[376] Oliveira Vianna, O ocaso do Império, p. 131.

[377] Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira, p. 337.

[378] Suely Robles Reis de Queiroz, Os radicais da República: jacobinismo,ideologia e ação, 1893-1897, p. 148.

[379] Medeiros e Albuquerque, “A famosa trindade do Quinze de Novembro —Deodoro, Rui e Floriano”, em Hildon Rocha, Utopias e realidades da República,pp. 47-52.[380] Sergio Corrêa da Costa, Brasil, segredo de Estado: incursão descontraídapela história do país, pp. 257-282.

[381] Transcrição da reportagem de Ambrose Bierce em Décio Freitas, Ohomem que inventou a ditadura no Brasil, pp. 119 e seguintes.

[382] Décio Freitas, O homem que inventou a ditadura no Brasil, p. 105.

[383] Citado em Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra oImpério, p. 9.

[384] José Maria Bello, História da República, 1889-1954, p. 97.

[385] Décio Freitas, O homem que inventou a ditadura no Brasil, pp. 55-56.

[386] Ibidem, pp. 39-41, com base nas anotações de Ambrose Bierce.[387] Suely Robles Reis de Queiroz, Os radicais da República: jacobinismo,ideologia e ação, 1893-1897, p. 21.

[388] Ibidem, p. 23.[389] Décio Freitas, O homem que inventou a ditadura no Brasil, p. 157.

[390] Hélio Silva, 1889: a República não esperou o amanhecer, pp. 237 eseguintes.[391] Heitor Ly ra, História da queda do Império, vol. I, p. 311.

[392] Suely Robles Reis de Queiroz, Os radicais da República: jacobinismo,ideologia e ação, 1893-1897, p. 94.

[393] Ibidem, p. 28.[394] Francolino Camêu e Artur Vieira Peixoto, Floriano Peixoto: vida egoverno, p. 9.

[395] Suely Robles Reis de Queiroz, Os radicais da República, p. 129.

[396] Ibidem, p. 91.[397] Frank D. McCann, Soldados da pátria: história do Exército brasileiro

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(1889-1937), p. 102.

[398] Suely Robles Reis de Queiroz, Os radicais da República, p. 79.

[399] Ray mundo Faoro, Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro, p. 648.

[400] Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à República: momentos decisivos, p.399.[401] Citado em Renato Lessa, A invenção republicana: Campos Sales, as bases ea decadência da Primeira República brasileira, p. 153.

[402] Ray mundo Faoro, Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro, p. 645

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SumárioFolha de rosto 5Créditos 7Dedicatória 10SUMÁRIO 12Linha do tempo 17INTRODUÇÃO 231. O PRÍNCIPE E OASTRONAUTA 34

2. O GOLPE 383. O IMPÉRIOTROPICAL 55

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4. A MIRAGEM 725. DOM PEDRO II 856. O SÉCULO DASLUZES 98

7. OSREPUBLICANOS 108

8. A MOCIDADEMILITAR 119

9. A CHAMA NOSQUARTÉIS 126

10. O MARECHAL 13411. O PROFESSOR 14212. OS

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ABOLICIONISTAS 15013. A REDENTORA 16214. O IMPERADORCANSADO 174

15. O BAILE 18016. A QUEDA 18917. O ADEUS 19618. OSBESTIALIZADOS 206

19. ORDEM EPROGRESSO 214

20. O DIFÍCILCOMEÇO 220

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21. A RODA DAFORTUNA

225

22. O CABOCLO DONORTE 234

23. PAIXÃO EMORTE 242

24. O DESAFIO 250BIBLIOGRAFIA 257AGRADECIMENTOS 266ÍNDICEONOMÁSTICO 268

Caderno de fotos 282