1968 Eles So Queriam Mudar o Mundo

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Transcript of 1968 Eles So Queriam Mudar o Mundo

  • Table of ContentCapaSumrioApresentaoJaneiro

    Prenncio de primavera, conflitos antigos e coraes novosDavi e GoliasBrasil na roda-vivaPara Chico Buarque, o fim de um processo efervescenteA antropofagia de Z Celso, por Macksen LuizDa Lua Paz ArmadaMy generation68, marco na moda do mundo, por Iesa RodriguesBonnie and ClydeA ditadura grega liberta TheodorakisO Ano Tt

    Ho Chi Minh, o IluminadorVo Nguyen Giap, a Raposa da SelvaESPECIAL: Uma gerao encontra o seu destino, por Monica HortaHo Chi Minh, o IluminadorVo Nguyen Giap, a Raposa da SelvaESPECIAL: Uma gerao encontra o seu destino, por Monica Horta

    FevereiroAvanos e recuos no VietnSeguindo os passos de Rosa ParksO ministro da Justia dos Panteras NegrasBeatles saem em busca de um sentido na vidaO comeo do fim dos garotos de Liverpool, por Jamari FranaOs excedentesOs movimentos revolucionrios no BrasilUm empurro nefasto no autor de PonteioAgitaoNo teatro, a resistncia entra em cenaA opinio do teatroAgitao em Nanterre

    ESPECIAL: O sofrimento silencioso dos vietnamitasPara que remoer, por Chu DinPara que remoer, por Chu DinESPECIAL: O sofrimento silencioso dos vietnamitas

    Para que remoer, por Chu DinPara que remoer, por Chu Din

    MaroMorte no CalabouoA gerao 68 na Europa, segundo o historiador Tony JudtMy Lai, o massacre dos inocentes

  • O Vietn de Antonio CalladoA cano subversiva dos StonesVelhos problemas, novo presidente

    ESPECIAL: Contracultura, a voz do caos americanoESPECIAL: Contracultura, a voz do caos americano

    AbrilCavalos e espadas contra padresEles que amavam tanto a revoluo: Carlos MarighellaTrs tiros na cabea de Rudi, o pacifistaEles que amavam tanto a revoluo: Honestino GuimaresPanteras afiam suas garrasOlhei ao redor e vi a terra prometida. Talvez no chegue lUm sonho de liberdadeCharme, a nova arma poltica

    ESPECIAL: Estruturas abertas, por Glria FerreiraESPECIAL: Estruturas abertas, por Glria Ferreira

    MaioPrimeiro de maioTintas, pincis e estilinguesO maio que marcou a FranaDas salas de aula s barricadasOperrios entram na luta. Governo tremeEles que amavam tanto a revoluo: Daniel Cohn-BenditEles que amavam tanto a revoluo: Alain KrivineComuna e bandeiras vermelhas, sabor de revoluoCortina fecha em Cannes, por Pedro ButcherNegros e pobres marcham sobre WashingtonO movimento se espalha pela Europa

    ESPECIAL: O que os franceses queriam era poetizar a vidaESPECIAL: O que os franceses queriam era poetizar a vida

    JunhoRebeldes e revolucionrios no mesmo barcoEles que amavam tanto a revoluo: Fernando GabeiraMemria e fantasia, por Lucia MuratDisperso francesaLugar de louco fora do asilo, por Cludio CordovilConflitos em toda parteTiros no prncipe do popTragdia americana

    Bob, a CIA, a mfia e os cubanosESPECIAL: Procura-se uma utopiaBob, a CIA, a mfia e os cubanosESPECIAL: Procura-se uma utopia

    JulhoA atrao pela ma que reluziaAs aventuras do dirio de CheBomba na ABI

  • Eles que amavam tanto a revoluo: Jos IbrahinO domnio do mal: O beb de RosemaryVidal Sassoon, o fazedor de cabeasO pacifismo e o monoplio nuclearOrgulho e luta contra a discriminaoE o samba pediu passagemA tragdia de Biafra

    ESPECIAL: No compasso de todos os ritmosESPECIAL: No compasso de todos os ritmos

    AgostoAgosto, ms do desgostoNovilngua nativa, por Trik de SouzaPrimavera sem floresTropiclia, segundo CaetanoVero dos tanquesA invaso que tentou destruir uma ideiaA usina de energia continua aNa batalha contra a guerra

    ESPECIAL: O destino dos Sete de Chicago, por Eduardo GraaESPECIAL: O destino dos Sete de Chicago, por Eduardo Graa

    SetembroNuvens negras no Planalto CentralQueda do ditador no derruba a ditaduraA vaia em Sabi e a torcida por Vandr O exlio e o protestoMulheres na linha de frenteMulheres em cena!, por Schuma SchumaherCarrancas e guardas vermelhosEntre o rock e o comunismoPessoas de plstico

    Filmes estrangeiros lanados em 1968ESPECIAL: O Grande Salto que no foi adianteFilmes estrangeiros lanados em 1968ESPECIAL: O Grande Salto que no foi adiante

    OutubroPancadaria na Maria AntniaIbina Uma derrota histricaEles que amavam tanto a revoluo: Jos DirceuPlano de Burnier: terror no RioTimothy Leary, de Harvard a guru do LSDGuerrilha matou militar americanoTragdia e festa no MxicoO pdio da discrdiaMilitares na Amrica LatinaApolo no espao e Jackie na Grcia

    Miss Brasil 68ESPECIAL: A Escola de Frankfurt no pensamento de uma geraoMiss Brasil 68

  • ESPECIAL: A Escola de Frankfurt no pensamento de uma geraoNovembro

    Eleies na terra do Tio SamA calma que antecede a tempestadeUm estilo novo e literrio no jornalismoO que vem de l1968, comemorar o qu?, por Jean-Franois VilletardDrop City, a comunidade hippie que inventou a Drop Art

    O som que vinha das vitrolasCinema Marginal Udigrudi tupiniquim, por Pedro ButcherA mais completa traduoESPECIAL: Depois da radicalizao, direita volver!, por Claudia AntunesO som que vinha das vitrolasCinema Marginal Udigrudi tupiniquim, por Pedro ButcherA mais completa traduoESPECIAL: Depois da radicalizao, direita volver!, por Claudia Antunes

    DezembroNuvens cinzentas no horizonteSinal de alerta para a linha duraRainha adiou o xeque-mateO fatdico AI-5Quem tem medo do Tropicalismo?O planeta visto da celaRolling Stones e o circo que ningum viuBombas, espionagem e a Terra vista de longe

    Viemos em paz, em nome de toda a humanidadeESPECIAL: 1968: nasce a Teologia da Libertao, por Frei BettoViemos em paz, em nome de toda a humanidadeESPECIAL: 1968: nasce a Teologia da Libertao, por Frei Betto

    Concluso: A insurreio do desejoCronologiaReferncias bibliogrficasAgradecimentosCrditos das ilustraesndice onomsticoCopyright

  • A Vera Slvia e a todos os que ousaram e ousam sonhar em mudar o mundo.

  • Preparado para o embate: estudante picha a igreja da Calendria, no Rio, com o bolso cheio de bolas de gude que seriamespalhadas no asfalto para derrubar a cavalaria

  • PApresentao

    assaram-se 40 anos e 1968 continua desafiando as incontveis iniciativas para explic-lo. Paraquem procura compreend-lo, 1968 segue intrigante e provocador. Foram muitas as formas deinterpret-lo ao longo do tempo: ano louco, enigmtico, revolucionrio, utpico, radical, rebelde,

    mtico, inesperado, surpreendente, proftico, das iluses perdidas. Adjetivos no faltam. A pergunta queainda busca resposta no tempo : qual o vnculo entre tantos e to espantosos episdios e o curto espaode 366 dias desse ano, alm de tudo, bissexto?

    Nem mesmo aqueles que estiveram no olho do furaco, no centro dos acontecimentos, sabemresponder com convico. Uma coisa certa. Quem lanar um olhar curioso sobre o sculo passado verque 1968 se destaca claramente entre todos os outros. Mesmo em relao a anos como 1989, da queda doMuro de Berlim, e 1991, da dissoluo da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS). Adimenso universal, a repercusso e o extraordinrio significado dos eventos que agitaram seus diascolocam 1968 em um patamar nico em todo o sculo XX.

    Longe de esgotar o assunto, este livro faz um passeio pelos ricos acontecimentos daquele perodo, natentativa de ajudar, especialmente as novas geraes, a entender por que 68 foi to representativo. Queele sirva de instrumento para analisar os fatos que marcam nossas vidas at hoje. No mosaico dessesacontecimentos, possvel, talvez, encontrar a pista.

    Profeticamente, 1968 foi escolhido pela Organizao das Naes Unidas (ONU) como AnoInternacional dos Direitos Humanos. Para o povo de Cuba, ele foi o Ano do Guerrilheiro Heroico. Umahomenagem a Ernesto Che Guevara, assassinado pela CIA, no dia 9 de outubro de 1967, no miservelvilarejo de La Higuera, nos Andes bolivianos. A luta pelos direitos humanos e a guerrilha forampersonagens marcantes na histria de 68.

    Ainda em plena ressaca das festas de 31 de dezembro de 1967, o amanhecer de 1 de janeiro de 1968descortinou um mundo dividido em dois blocos liderados, respectivamente, pela Unio Sovitica e pelosEstados Unidos. Socialismo e capitalismo. No havia alternativas: era um ou outro. A lgica dominanteera a da Guerra Fria. Os dois blocos tinham o poder de destruir vrias vezes a Terra como se fossepossvel com seus gigantescos arsenais nucleares. Por isso, ningum atacava ningum, mesmo com aexistncia de algumas zonas de guerra quente, como o Vietn, no Sudeste Asitico. Cada um zelavaciumenta e cuidadosamente por sua rea de influncia. Era essa a decepcionante herana que cabia humanidade desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

    Os problemas que subsistiam no impediam que os poderosos respirassem, no limiar de 68, a euforiagerada pelo perodo de maior prosperidade e crescimento de toda a histria do mundo industrializado.Para a maioria dos jovens, no entanto, era um ambiente insatisfatrio, autoritrio e injusto. Em um planetainiciando um irreversvel e acelerado processo de globalizao, com as primeiras transmisses ao vivopela televiso, via satlite, encurtando extraordinariamente as distncias entre tempo e espao, no eranada espantoso que jovens de formao, tradio e histria to diferentes como alemes, italianos,americanos, etopes, escandinavos, brasileiros, franceses, tchecos, eslovacos, mexicanos, chineses ejaponeses se rebelassem e encontrassem em seus protestos que curiosamente tinham alvos em comum,como o autoritarismo inspirao para criar novas formas de luta.

    A onda de rebeldia que percorreu o globo em 68 foi inspirada, de um lado, por reivindicaesespecficas de cada realidade nacional no Brasil, a luta contra a ditadura militar, impulsionada por umsentimento libertrio contra o opressivo autoritarismo que permeava as relaes no interior das famlias,nas escolas e universidades, nas empresas e na vida cotidiana dentro de uma sociedade de consumo e

  • comunicao de massas que sofria a doena de uma deformada prosperidade.Mas no era s isso. Jovens de todo o planeta alimentavam tambm uma generosa e generalizada

    revolta contra o mundo bipolar, os valores sociais ultrapassados, o falso moralismo, a represso sexual,as injustias sociais e a guerra no Vietn, onde um poderoso pas imperialista exercia uma agresso cruelcontra uma pequena e subdesenvolvida nao do Terceiro Mundo. Uma guerra que repercutia e tambmera travada no territrio americano, especialmente nas universidades, onde milhares de estudantesprotestavam quase diariamente contra o recrutamento obrigatrio para o servio militar, apoiados poruma opinio pblica crescentemente contrria guerra e revoltada com o nmero de mortos e feridosamericanos. Aos 18 anos, os jovens eram convocados para lutar e morrer no Vietn. No entanto, elessequer tinham o direito de votar. Teriam ainda que esperar mais trs anos para completar 21 e poderescolher um presidente.

    Na Europa, a existncia de uma cortina de ferro separando realidades diferentes no evitava que ajuventude protestasse dos dois lados contra regimes igualmente incapazes de corresponder a seus sonhos,exigncias e esperanas. Do lado oriental, especialmente na Polnia, na Romnia e na entoTchecoslovquia, as duras condies de vida e a implacvel represso da polcia poltica no impediamas manifestaes dos jovens contra a censura, o frustrante socialismo real e o burocrtico e repressivomarxismo oficial vigente no Leste Europeu. Protestos vistos com crescente mau humor pela poderosaUnio Sovitica, ciosa guardi da disciplina, da ordem e da paz dos cemitrios em suas repblicas.

    Ano de muitas audcias. Em que o sonho no era apenas fazer uma reforma ou uma recauchutagem nasopressivas estruturas existentes. O poder da imaginao tinha sido liberado. Os estudantes, que erguerambarricadas no Centro de Paris e nas aleias das bem-cuidadas universidades americanas e tomaram as ruasna bela e secular Praga e em muitas outras cidades, queriam uma nova vida. Seus cantos, suas palavrasde ordem, suas bandeiras e cartazes no vinham do passado. Representavam o futuro. Contra ocentralismo, queriam autogesto. Contra o autoritarismo, propunham assembleias-gerais. Rebelio erevoluo nunca estiveram to prximas.

    Em Praga, o premonitrio sonho libertrio duraria apenas o fugaz tempo de uma primavera, at que ostanques esmagassem a florescente liberdade que, entretanto, voltaria inexoravelmente alguns anos depoiscom fora irresistvel para derrubar muros, cortinas e tiranos.

    1968 foi, para os americanos, de tirar o flego. Pouco depois da passagem do ano, o barulho doespocar das garrafas de champanhe se confundiu com os disparos dos vietcongues, dedicadoscamponeses durante o dia, imbatveis guerrilheiros noite, que, calados com suas humildes sandlias desola de borracha, desceram das montanhas do Vietn do Norte para colocar em xeque o mais poderosoExrcito do mundo na ofensiva do Tt (Ano Novo chins), um dos acontecimentos capitais do ano.

    A guerra foi levada ao corao de Saigon e a embaixada americana um dos lugares mais protegidosdo mundo chegou a ser tomada pelos guerrilheiros. Se os vietcongues no conseguiram atingir noterreno militar todos os seus objetivos, a ofensiva do Tt teve um efeito devastador na opinio pblica ecolocou definitivamente a maioria dos americanos contra a guerra, fez Lyndon Johnson desistir dedisputar a reeleio, expulsou os democratas da Casa Branca, elegeu Richard Nixon presidente e forouo incio da conferncia de paz em Paris.

    Nos Estados Unidos, lderes continuaram servindo de alvos preferenciais para tiros de radicais e/oudesequilibrados. Robert Kennedy e Martin Luther King foram abatidos. Tribos de todas as cores,tendncias e bandeiras soltaram a voz nas ruas e estradas da Amrica: pacifistas, hippies, yippies,Panteras Negras, feministas, homossexuais, militaristas, libertrios, militantes dos direitos civis,republicanos e democratas. O debate ideolgico foi intenso, temperado muitas vezes pelos cassetetes,bombas de gs e at mesmo tiros da polcia. Com a morte de Luther King, muitos negros considerarambloqueado o caminho pacfico para conquistar os direitos civis e optaram pela luta armada. Foi um ano

  • de muitos e sangrentos conflitos raciais.Na enigmtica China, a chamada Grande Revoluo Cultural e Proletria mobilizava em 1968 mais de

    20 milhes de jovens chineses. Armados do Livro vermelho com os pensamentos do camarada Mao, elessacudiram as tradicionais estruturas de seu milenar pas, como se a histria estivesse comeando do zero,naquele instante. O passado era revisto e refeito. Os guardas vermelhos, como se autointitulava a versochinesa da gerao 68, se lanaram numa incontrolvel onda de perseguies polticas que fugiu aocontrole de seu comandante, Mao, a quem cultuavam como um deus. Lderes e intelectuais foramperseguidos, humilhados e assassinados. Nem o extraordinrio patrimnio cultural escapou da friapurificadora. Templos, esculturas, manuscritos e livros foram destrudos por falta de contedorevolucionrio. No final de 68, com a economia e a vida no pas mergulhadas no caos, Mao, o GrandeTimoneiro, tentou mudar o rumo do barco para evitar o naufrgio, como j tinha feito antes por ocasiodo Grande Salto para a Frente, outra campanha fracassada.

    Ano de muitos protestos. De vitrias e derrotas para os movimentos populares. No Mxico, estudantesque manifestavam contra a disfarada ditadura mexicana foram massacrados na tristemente famosa praade Tlatelolco, na Cidade do Mxico. Nunca se soube o nmero de mortos, feridos e desaparecidos. OsJogos Olmpicos, realizados tambm no Mxico, foram marcados pela primeira vez na histriaolmpica por manifestaes de atletas americanos negros contra o racismo existente nos EstadosUnidos. No Japo, estudantes enfrentaram a polcia em interminveis batalhas, protestando contra o usode seu pas como base de reabastecimento das foras americanas que combatiam no Vietn.

    Em todo o mundo, protestos mobilizaram jovens quase cotidianamente ao longo de 1968, mas emnenhum deles as manifestaes tiveram a dimenso das que ocorreram em maio, na Frana. O que haviacomeado como uma banal reivindicao em uma universidade no subrbio de Paris, Nanterre, sobre odireito de moas e rapazes partilharem os mesmos alojamentos estudantis, se transformou ao longo doms numa quase revoluo, com 10 milhes de operrios em greve, a cidade sitiada, barricadas noQuartier Latin e o poder em xeque.

    Mas foi provavelmente no comportamento, cultura e contracultura, que a gerao 68 deixou maisfortemente sua assinatura, sua marca, sua herana. Foi um ano extraordinrio, em que a comunicaoinstantnea acertou suas fronteiras com o tamanho exato do mundo. A msica, principalmente o rock,tornou-se um dos meios fundamentais para os jovens expressarem suas alegrias e tristezas, angstias erevolta, protesto e esperana no futuro. Janis Joplin, Jimi Hendrix, Beatles, Jim Morrison, Bob DylanAs convenes existiam para serem quebradas. Muitos jovens deixaram o cabelo crescer, passaram ausar roupas coloridas e a se enfeitar com flores. Pregaram o amor livre e a no violncia. Novas formasde organizao familiar foram propostas.

    Uma talentosa gerao de msicos brasileiros chegou aos palcos em 68, revolucionando a MPB.Festivais da cano revelaram autores. Caetano e Gil burilaram o Tropicalismo, um movimento paraacabar com todos os outros movimentos, buscando uma estimulante interao entre diferentesmanifestaes artsticas. No teatro e no cinema, Jos Celso Martinez Corra e Glauber Rocha causaramespanto e admirao e abriram novos espaos para a arte.

    Tudo isso incomodava os militares no poder. O teatro, em peas como Roda viva, foi alvo de brutaisataques terroristas. Na msica, os autores eram obrigados a inventar subterfgios para enganar aimplacvel e quase sempre estpida censura.

    Os estudantes brasileiros estiveram nas ruas durante quase todo o ano, enfrentando a feroz repressodo governo militar. Lutavam por suas reivindicaes, por liberdade e pelo fim da ditadura. No fim doano, com a promulgao do Ato Institucional n.5 (AI-5), os militares, depois de quatro anos no poder,finalmente tiraram o disfarce e assumiram plenamente as feies do regime que impunham. Uma ditaduracruel e desptica. To cruel que, alm do uso indiscriminado da tortura contra presos polticos, foi capaz

  • de alimentar planos insanos de utilizar o Para-Sar, uma unidade de elite da Fora Area especializada emsalvar vidas humanas, na eliminao fsica dos oponentes da ditadura. Atos terroristas contra apopulao civil entre eles a exploso do gasmetro no Centro do Rio de Janeiro e o envenenamento dasfontes de abastecimento de gua da cidade faziam parte dos planos dos militares linha-dura. Planossinistros que foram neutralizados pelas denncias de um militar democrata.

    A herana de 1968 polmica, rica e se faz sentir at hoje. Foi o ano deflagrador de uma srie dereivindicaes sociais, polticas e culturais que continuam sem soluo. Indicou a necessidade da criaode uma nova ordem mundial voltada fundamentalmente para o homem, com a implantao da igualdadeentre os sexos, do respeito vida e ao meio ambiente, do planejamento ecolgico e da defesa dosdireitos das minorias. E o mais importante: ensinou que uma sociedade no feita apenas para reproduzira si mesma num crculo vicioso, mas tambm estar em permanente transformao, visando atender snecessidades e aspiraes de sua populao.

    De onde surgiram inspirao e flego para tanta movimentao reunida num s ano? O fato que, emum determinado momento, algum no se conformou e escreveu com letras firmes num muro de Paris:Seja realista, pea o impossvel.

  • Janeiro

    Prenncio de primavera, conflitos antigos e coraes novos

    O ano de 1967 terminara sem grandes sobressaltos, mas ventos revolucionrios traziam eletricidade aonovo ano que se anunciava. No incio de janeiro, em Havana, Fidel Castro decretava, sintomaticamente,que 1968 seria o Ano do Guerrilheiro Heroico. Tratava-se de uma homenagem a Che Guevara, quetravara seu ltimo combate na Amrica Latina no vale do rio Yuro, na Bolvia, em 8 de outubro de 1967,e fora executado no dia seguinte. O esprito de Che, portanto, j reinava por decreto sobre 1968. Seumartrio pela causa revolucionria serviria para que, durante muito tempo, inmeros jovens seinspirassem em seu exemplo.

    Em Paris, a polcia tenta conter a marcha dos estudantes

    A alegria de um casamento hippie numa praa de Nova York

    O ano comeava entre balanos de tnicas indianas e calas boca de sino e rodopios de saias longascom rendas e paets. Pierre Cardin lanara roupas geomtricas e as garotas se vestiam com as minissaias

  • criadas por Mary Quant ou, se fossem mais caretas, com vestidos evas e meias arrasto. Havia,porm, sinais reveladores em todo o mundo, desde o incio da dcada, de que, logo frente, a energiaque pairava no ar se transformaria em turbulncia.

    Na Europa Oriental, sob o domnio vigilante da hoje extinta Unio Sovitica, algumas mudanasdespontavam. Com a pretenso de ampliar a liberdade de expresso e reabilitar as vtimas do stalinismo,o bem-intencionado reformista e democrata Alexander Dubcek acabava de ascender, no dia 5 de janeiro,ao cargo de primeiro-secretrio do Partido Comunista da ento Tchecoslovquia, ainda parcialmenteencoberta pela chamada Cortina de Ferro. Comeava a ganhar fora o movimento que se tornariaconhecido como Primavera de Praga e que apontava na direo de uma lenta distenso.

    Dubcek defendia o socialismo de rosto humano. Junto com ele, um grupo de jovens intelectuaisconquistava espao no Partido Comunista tcheco. Dubcek decidira fazer uma reforma profunda naestrutura poltica do pas, com a inteno de remover todos os vestgios do autoritarismo que eleconsiderava uma aberrao no sistema socialista.

    No Oriente Mdio, os conflitos de 1967 ainda ecoavam. Na fronteira de Israel com a Jordnia, houvetroca de tiros e ataques com msseis no primeiro dia de 1968. A regio tinha sido palco de choquesrecentes entre rabes e judeus meses antes, entre 5 e 10 de junho, durante a Guerra dos Seis Dias, comfulminantes ataques de Israel a bases areas egpcias e bombardeios da Jordnia em Jerusalm. Noconfronto, o Exrcito de Israel derrotara as foras do Egito, da Jordnia e da Sria, passando a ocupargrandes extenses de Jerusalm Oriental, da Cisjordnia e da Faixa de Gaza, alm do deserto egpcio doSinai e das colinas srias de Gol, ampliando sua rea trs vezes. Acreditava-se, ento, que os territriosocupados poderiam servir como moedas de troca em negociaes de paz com os pases rabes, mas apermanncia das hostilidades mostrava, no incio de 1968, que uma soluo pacfica estava cada vezmais difcil na regio.

    Uma boa notcia, porm, vinha da frica do Sul. O cirurgio Christian Barnard e sua equipe haviamrealizado com sucesso, em 2 de janeiro, o segundo transplante de corao do mundo. O primeiro forafeito em dezembro de 1967 e transformara instantaneamente o desconhecido mdico sul-africano emcelebridade mundial. O paciente do primeiro transplante morrera 18 dias depois, de pneumonia, porcausa dos remdios para evitar a rejeio do rgo. Mas as esperanas de cura de doenas cardacas portransplante estavam definitivamente postas sobre a mesa.

    Davi e Golias

    Em uma pennsula do Sudeste Asitico, era travada uma guerra entre Davi e Golias. Considerado o maispolmico e violento conflito armado da segunda metade do sculo XX, foi o estopim para a insurreiode milhares de jovens no mundo inteiro. De um lado, o Vietn, que vivia do plantio de arroz e cujopadro de vida, baseado em uma cultura ancestral, era vrias vezes inferior ao menos desenvolvido dosestados americanos. De outro, os Estados Unidos, a mais rica e poderosa nao do mundo, capaz derealizar intervenes militares em escala planetria e arrasar, com bombardeios nucleares, qualquervestgio de vida sobre a Terra.

    O conflito na Indochina vinha de longe. Em 1946, o Vietminh, sob o comando do lder revolucionriocomunista Ho Chi Minh, formara um Estado no norte do Vietn. Comeava a luta armada entre o Vietminhe os colonizadores franceses, que, em 1949, impuseram Bao Da como imperador do Vietn. O confrontoteve um de seus pontos culminantes com o processo de descolonizao, quando os norte-vietnamitas,liderados por Ho e com o apoio da China, derrotaram os franceses, obrigando-os a aceitar suaindependncia em 1950.

    O Vietminh continuou a luta pelo controle do territrio. Em 1954, os franceses retiraram-se, aps

  • terem sido humilhantemente vencidos na histrica batalha de Dien Bien Phu. No mesmo ano, aConferncia de Genebra reconheceu a independncia da Indochina francesa, que envolvia o Laos, oCamboja e o Vietn. Um armistcio consolidou a separao do Vietn, que ficou dividido em dois peloparalelo 17: a Repblica Democrtica do Vietn (ou Vietn do Norte), pr-sovitica e sob o regimecomunista de Ho Chi Minh, e o Vietn do Sul, com a monarquia encabeada por Bao Da. Em 1955, umgolpe militar liderado por Ngo Dinh Diem deps a monarquia, instaurando uma repblica ditatorial querecebeu apoio americano.

    Era mais um desdobramento da Doutrina Truman, criada nos Estados Unidos para conter a expansocomunista. Os americanos passaram a apoiar a poltica repressiva de Saigon, no Vietn do Sul, o queincentivou o surgimento da Frente Nacional de Libertao do Vietn. O brao armado desse movimentode oposio, a guerrilha vietcongue, contava com o apoio dos comunistas de Hani, no Vietn do Norte,que, por sua vez, proclamavam a inteno de reunificar o pas.

    Os Estados Unidos, no entanto, s entraram oficialmente na guerra em 1964, sob o falso pretexto deque dois destrieres seus haviam sido atacados por lanchas norte-vietnamitas em guas internacionais dogolfo de Tonquim. O presidente Lyndon B. Johnson ordenou, ento, bombardeios de represlia sobre oVietn do Norte. A guerra passou a atingir diretamente o Norte, que at aquele momento ajudava osvietcongues no Sul com alimentos e armas. Os Estados Unidos comearam a mandar para o Vietn partedos 540 mil soldados que seriam enviados at sua retirada, em 1973. Comeava, ento, a guerra quemobilizaria o mundo na dcada de 1960.

  • Jovens americanos protestam contra a guerra no Vietn

    Logo no primeiro dia de janeiro de 1968, o senador americano Robert Kennedy desembarcou emSaigon para estudar a situao dos refugiados e das vtimas civis. O conflito se mostrava terrivelmentesangrento e comeava a provocar um sentimento de repulsa em vrios pases e entre a prpria populaoamericana, que exigia o fim da guerra. A televiso exibia diariamente, via satlite, uma conquistatecnolgica que ensaiava ento seus primeiros passos, as cenas dilacerantes dos combates. E, na sala deestar, as famlias viam seus filhos, irmos, maridos e pais morrerem.

    No mesmo ano em que declararam guerra ao Vietn, os Estados Unidos apoiaram o golpe contra opresidente brasileiro Joo Goulart, considerado simpatizante do comunismo sovitico pelo governo deWashington. As provas do apoio vieram muitos anos depois, quando se soube que o ento embaixadorLincoln Gordon e seu adido militar, o coronel Vernon Walters, participaram ativamente das decises queantecederam o 31 de maro de 1964. Documentos comprovaram que Gordon sabia da existncia de umaoperao montada pela CIA para dar respaldo ao golpe, caso houvesse resistncia. A operao sechamava Brother Sam e contava com navios de guerra americanos de prontido no litoral do Nordestebrasileiro.

    Em 1968, havia um forte sentimento antiamericano entre setores intelectuais, artsticos e estudantisbrasileiros, que manifestavam seu repdio aos Estados Unidos com palavras de ordem do tipo yankeego home e abaixo o imperialismo escritas nos muros das cidades. O Vietn era apenas mais umarazo para que, sobretudo os jovens, manifestassem sua rejeio ingerncia americana nos assuntosinternos brasileiros. Quase 40 anos depois, documentos secretos da diplomacia americana que vieram

  • tona em Washington mostraram que, em 1973 e 1974, o governo de Richard Nixon tinha conhecimento doque se passava no Brasil. O embaixador dos Estados Unidos em Braslia, John Crimmins, informaraNixon dos mtodos da ditadura (tortura, assassinatos), mas recomendou discrio para no atrapalharnem a estratgia de influenciar a poltica brasileira, nem a venda de armas ao pas. O telegramaenviado por Crimmins ao Departamento de Estado dizia o seguinte:

    O programa americano de assistncia segurana do Brasil uma ferramenta essencial aos nossosesforos de influenciar a poltica brasileira. O programa vem sendo efetivo em comear arestabelecer os EUA como fonte primria de equipamento, treinamento e doutrina para as ForasArmadas do Brasil. Interessa-nos muito, porm, consolidar e expandir nossos ganhos recentes naproviso de equipamento militar ao Brasil.

    Brasil na roda-viva

    A criao cultural no Brasil estava em ebulio, embora enfrentasse uma atuante censura desde o golpede 1964 e o pas se encontrasse em plena ditadura. Mas o ambiente cultural vinha de anos frteis ecriativos em que as artes dialogaram como nunca entre si, refletindo conscientizao poltica e desejo detransformao.

    O Cinema Novo criara uma esttica inovadora no Brasil. O teatro revolucionara a cena artstica noRio e em So Paulo. A msica se encarregava do protesto mais explcito e o pblico pedia mais. Nosanos 60, os jovens cinemanovistas entre eles Glauber Rocha, Cac Diegues, Joaquim Pedro deAndrade, Arnaldo Jabor, David Neves se entusiasmavam com o engajamento e a forma diferente deatuar adotada pelos grupos do Teatro de Arena e do Teatro Opinio e iam buscar ali os atores de seusfilmes. Nas artes plsticas, textos, imagens e objetos passaram a ser as referncias da nova arteconceitual, que valorizava a obra por si s. Nessa poca de interao entre obra e espectador, asinstalaes eram um dos meios preferidos pelos artistas, que, para terem projeo, precisavam serengajados e de vanguarda. Era um tempo em que a arte tinha que ter opinio. E tinha.

    O Teatro de Arena, criado em So Paulo nos anos 50, injetava poltica na dramaturgia brasileira. Em1958, apresentara Eles no usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, que ajudaria a consolidar oteatro revolucionrio. O Cinema Novo rompera com o passado e entrava em sintonia perfeita com aefervescncia intelectual e o embrionrio movimento estudantil. Glauber Rocha esquentara as turbinaslanando, em 1967, Terra em transe. Eram os sinais da intensa inquietao que vinha se mostrando desdeo incio da dcada.

    A msica, mais forte do que nunca, vinha de um ano pleno, com artistas que se firmariam no cenriomusical at os dias de hoje. Para se ter uma ideia, sua fora era tanta que, numa mesma edio doFestival da Record, em 1967, consagraram-se canes emblemticas como Ponteio, de Edu Lobo eCapinam; Roda viva, de Chico Buarque; Domingo no parque, de Gilberto Gil; Alegria, alegria, deCaetano Veloso; Eu e a brisa, de Johnny Alf. O solo estava arado. Em 1968, dentro e fora dos festivais,as canes de protesto ganhariam espao e se multiplicariam.

  • Oprimidos pela censura, intelectuais e artistas provocavam as autoridades. Chico Buarque se afastavada imagem de bom garoto que ganhara com A banda, em 1966, e sacudia o teatro com a primeira peade sua autoria, Roda viva, que estreou no Rio em 15 de janeiro de 1968. Montado pelo diretor do TeatroOficina, Jos Celso Martinez Corra, o espetculo demolia o star system da poca e criticava duramenteo artista que vendia a alma em troca da fama. Roda viva conta a histria de um compositor que usadopela mquina da televiso e depois jogado fora. Com Marieta Severo, Heleno Pestse e Antonio Pedronos papis centrais, logo virou sucesso e passou a ser marca de crtica ditadura militar.

    Para Chico Buarque, o fim de um processo efervescente

    Eu no era um bom conspirador, diz Chico Buarque. E no era mesmo. Tanto que um dia, quando aatriz Tnia Carrero telefonou para lhe dizer de forma cifrada que haveria um encontro com oprncipe russo em sua casa, Chico ficou paralisado, sem dizer nada, por alguns segundos. Depoisexclamou: Ah, o Vladimir! Terminava ali, antes mesmo de comear, sua fugaz carreira deconspirador poltico. Com essa simples frase, ele detonava o sigilo sobre um encontro clandestinoque um grupo de artistas, entre eles Tnia, planejava fazer em torno de Vladimir Palmeira, um dosprincipais lderes estudantis dos anos 60. Do encontro, o compositor no se lembra. Acho que fuidesconvidado no ato.

    Nessa poca, Chico morava no Rio e no se envolvia em nenhuma atividade poltica. Suaexperincia com a censura se limitava proibio pela Marinha da msica Tamandar, em 1965, euma ou outra coisa aqui e ali. A impresso mais forte que guarda de 1968 no a do comeo de coisaalguma, mas a do fim de um processo.

    At 1968, era tudo muito festeiro, a barra no tinha pesado ainda nem para os movimentosestudantis nem para as artes. A veio o AI-5. Lembro que estava em minha casa noite com o [Hugo]Carvana, assistindo televiso, quando o AI-5 foi anunciado em cadeia nacional. Lembro-me doCarvana dizendo em tom solene: Estamos fodidos

    bem verdade que a classe artstica na msica, no teatro comeou a fazer oposio aogoverno militar no dia 1 de abril de 1964. A resistncia comeou ali. E a agitao poltica existiumuito fortemente entre 1964 e 1968, porque havia uma certa liberdade. A censura, antes de 1968, erabem amena. O Gama e Silva, que era ministro da Justia, recebia os artistas, havia interlocuo.Recebia tambm as lideranas estudantis, que eram a vanguarda nessa luta. Lembro que osespetculos em cartaz eram bastante fortes. No se sentia o taco da censura. No havia a censurainstitucionalizada, a censura prvia. Esta se estabeleceu com o AI-5.

    O que havia antes eram movimentos paramilitares, como no caso da agresso aos atores do Rodaviva, em So Paulo. Isso era assustador. Ouvi uma frase de um general que dizia: Se essa pea no

  • tinha nada de mais por que vocs acham que ns fomos obrigados a intervir? Isso j mostrava que osagressores de Roda viva estavam prximos do poder. Era a linha dura tentando ganhar a disputadentro do Exrcito, onde sempre existiu uma linha mais razovel e um pessoal mais selvagem.Depois, quando apareceu o AI-5, a impresso que a gente tinha era de que esses grupos paramilitarestinham assumido o poder.

    Antes do AI-5, havia uma efervescncia e uma alegria. Os estudantes, que foram golpeados em1964 com o fechamento da UNE, estavam se sentindo com fora para recuperar o espao perdido.Minha impresso de que os artistas iam um pouco a reboque dessa juventude. Nesse tempo noexistia poltica partidria. A gente estava se sentindo com fora para fazer cobranas ao governomilitar, na poca um tanto enfraquecido. Alm disso, havia os movimentos estudantis internacionais, eas palavras de ordem l de fora foram incorporadas aqui. Eu achava aquilo meio fogo de palha, napoca, meio alegria. que maio de 1968, na Frana, tinha um glamour muito forte, ento muita gentese deixou levar por isso e foi fundo. Mas, no dia 13 de dezembro, a barra pesou. Acabou abrincadeira. O clima pesou. A gente chegava no bar e ouvia os comentrios de que a imprensa estavacensurada.

    No Brasil, 1968 vinha vindo desde 1964 os movimentos de contestao, a revolta estudantil, asmudanas comportamentais. Roda viva estreou em1968, mas comeou a ser montada em 1967. O quehouve de mais grave em 1968 foi o AI-5, que acabou com a brincadeira. A veio a grandetransformao, a grande porrada. Os artistas viajaram ou se calaram.

    Depois do AI-5, o Brasil se descolou do mundo e permaneceu descolado muito tempo. A censuratambm atingia as coisas que vinham de fora. No cinema no passava Laranja mecnica [de 1971]nem O ltimo tango em Paris [de 1972, s liberado no Brasil em 1979]. O Brasil comeou a ficarisolado, uma espcie de um imenso Portugal. Perdeu a conexo. A ideia do regime militar de se criaruma ilha de desenvolvimento tinha a ver com o que Salazar tinha feito em Portugal. Foi um atrasocultural pela falta de informao. O mesmo aconteceu aqui. Para mim, o revertrio do AI-5 foi umagrande surpresa. Tomei um susto.

    A direo de Z Celso tornava o espetculo polmico e histrico, por usar a pea como pretexto paraa construo de um espetculo-manifesto ao qual chamava de teatro de agresso. Chico no se ops livre criao do diretor. Na segunda montagem de Roda viva, em So Paulo, em julho, com Marlia Prano lugar de Marieta Severo, militantes do Comando de Caa aos Comunistas (CCC), junto com policiais,invadiram o Teatro Ruth Escobar, espancando artistas e pblico e destruindo cenrio, figurinos eequipamento tcnico. Mais tarde, soube-se que haviam confundido Roda viva com outra encenao nomesmo teatro, Feira paulista de opinio, em que um ator defecava dentro de um capacete. O Comando iaatacar essa pea, mas enganou-se de horrio e, para no perder a viagem, agrediu os atores de Roda viva.No dia seguinte, Chico Buarque estava na plateia para apoiar o grupo e a comeou um movimentoorganizado em defesa de Roda viva e contra a ao da censura nos palcos.

    Depoimento

    A antropofagia de Z Celso

    Jos Celso Martinez Corra, que inaugurou as bases do Tropicalismo no palco em 1967, com areinveno de Oswald de Andrade em O rei da vela, e que no incio de 1968 provocou polmica ao

  • encenar Roda viva, de Chico Buarque, marca ainda esse ano ao levar cena Galileu Galilei, deBertolt Brecht. As duas montagens anteriores contriburam para que o diretor aproximasse odramaturgo alemo das vertentes que incidiam sobre aquele momento histrico: a reafirmao danacionalidade e o enfrentamento da ditadura. Z Celso transformou o cientista que nega a verdadecientfica diante das presses da Inquisio em um homem que, mesmo submetido, no abdica dacerteza, que se provar incontestvel no futuro. No sem razo, o diretor encerrou o espetculotropicalisticamente, com Galileu e os demais personagens danando ao som de Banho de Lua, umrockzinho cantado por Celly Campelo. Estticas e reflexes se encontraram num ponto deconvergncia improvvel e, desse modo, a geleia geral se completou, antropofagicamente.

    MACKSEN LUIZjornalista e crtico teatral

    O clima geral era de tenso. No meio estudantil, os nimos tambm se acirravam. Secundaristascomeavam a protestar por mais vagas nas universidades e contra o mau funcionamento do restaurante doCalabouo, uma precria e provisria instalao no Aterro do Flamengo, no Rio, que atendia estudantescarentes e entidades estudantis. No dia 15 de janeiro, saram s ruas em passeata. Em Belo Horizonte,estudantes fizeram manifestao contra a ditadura militar, em frente Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Minas Gerais.

    Quanto mais aumentavam, entre os estudantes, a inquietao e o sentimento de revolta, mais o governomilitar se preparava para a represso. No dia 4 de janeiro, foi baixado o decreto-lei n.348,regulamentando e fortalecendo as Divises de Segurana e Informaes dos ministrios civis. Em 8 dejaneiro, o general Costa e Silva decretou a ampliao dos poderes da Secretaria-Geral do Conselho deSegurana Nacional. O CSN, criado pelo artigo 162 da Constituio de 1937 com a funo de estudar asquestes relativas segurana nacional, ganhava poder. Se veria depois, em setembro de 1969, que oConselho seria o rgo de mais alto nvel de assessoramento direto do presidente da Repblica, naformulao e na execuo da poltica de segurana nacional, conforme o decreto-lei n.900.

    Roda viva fez muito sucesso, mas os militares no gostaram

    Da Lua Paz Armada

  • Costa e Silva amplia seus poderes

    Em Cabo Kennedy, na Flrida, o programa espacial americano ganhava flego com o lanamento, em 7de janeiro, da Surveyor 7, a ltima sonda de uma srie destinada a testar a viabilidade de um pouso naLua, preparando o terreno para o programa Apolo. O resultado foi satisfatrio e, em 20 de julho de 1969,a Apolo 11 levaria os primeiros homens a pisar na Lua. E, mais fantstico ainda, os traria de volta.

    Mas nem s de intenes pacficas se alimentavam os projetos cientficos nos Estados Unidos. Em 19de janeiro, realizava-se no deserto de Nevada o mais potente teste nuclear subterrneo, num poo de 975metros de profundidade. A era nuclear havia comeado oficialmente em 1945, quando os americanoslanaram as primeiras bombas atmicas contra Hiroshima e Nagasaki, no Japo, durante a SegundaGuerra Mundial. A partir da, os Estados Unidos tornaram-se uma forte e temida potncia nuclear, quedisputaria com a Unio Sovitica a hegemonia poltica, econmica e militar no mundo.

    A Guerra Fria, talvez a mais cnica modalidade de guerra moderna, que estabelecia entre as duassuperpotncias um conflito nos campos poltico e ideolgico sem embate militar, incentivava, no entanto,confrontos armados na sia, na frica e na Amrica Latina. Dava-se a esse perodo o nome de PazArmada, pois acreditava-se que, enquanto houvesse um equilbrio blico entre as duas potncias, a pazestaria garantida, pois uma sabia que no seria atacada pela outra. E ambas, dedicadas corridaarmamentista, j possuam arsenais nucleares que poderiam acabar vrias vezes com o planeta, empoucos minutos.

    Para amenizar os nimos e tentar manter a harmonia, Estados Unidos e Unio Sovitica assinaram, nodia 18 de janeiro, em Genebra, um tratado de no proliferao de armas atmicas. Por ironia, trs diasdepois um bombardeiro americano B-52 caa na Groenlndia com quatro bombas nucleares.

    My generation

  • A cratera que uma bomba atmica podia deixar na superfcie da Terra talvez no fosse to profundaquanto o abismo entre geraes na dcada de 1960. No ano de 1968, em particular, a questo do gap degeraes era to crucial que os jovens passavam boa parte do tempo falando de sua gerao excepcional,como na msica My generation (Talking bout/ My generation), da banda de rock inglesa The Who,includa no primeiro disco do grupo, lanado em 1965. Normalmente, os acontecimentos soreconhecidos como relevantes em retrospecto, mas o curioso, em 1968, foi a importncia que seuscontemporneos deram poca e a si prprios. Esse choque geracional na Europa, por exemplo, tinhacomo origem as transformaes, sobretudo na rea da educao, ocorridas a partir da dcada de 1950. E,no incio de 1968, j se podia sentir a ebulio juvenil que desencadearia a revolta estudantil.

    A rebeldia dos jovens era, a princpio, uma questo de estilo. O pesadelo da gerao de seus pais eraalimentado pela cultura do sexo, drogas e rock n roll que se espraiava ano adentro. A chegada da plulaanticoncepcional, em 1960, j adubara o territrio do comportamento juvenil com a semente da liberdadesexual. Mas enquanto no comeo dos anos 60 a revoluo sexual era uma promessa, em 1968 a histriaera outra. As experincias com drogas se tornaram reais e o sexo passou a ser uma trincheira.

    The Who, a banda que lanou My generation, msica que traduziu a poca

    Depoimento

    68, marco na moda do mundo

  • O padro de beleza mudou e as modelos que faziam sucesso eram Twiggy (no alto) e Veruska (centro).Mary Quant lanava aminissaia

    Nunca as mudanas foram to radicais e sbitas na moda, que mal se recuperava da crise do ps-guerra. A prpria capital do estilo, Paris, viveu a rebeldia dos jovens que participavam dosmovimentos que culminariam com os confrontos nas ruas, em maio de 68. Yves Saint-Laurent,estilista que comeava a se firmar como criador, foi o primeiro a observar que algo estava mudando ea fazer colees inspiradas no jeito de vestir dos estudantes da Sorbonne, dos motoqueiros da RiveGauche, enfim, a tirar ideias da vestimenta das ruas. Quanto aos outros colegas, ainda se mantinhamprotegidos no silncio e elegncia dos atelis e das Maisons.

    Mas no era essa a moda que os jovens queriam. Eles preferiam a mistura de estampas e casacosde couro, do jeito que os Beatles voltaram usando da viagem ndia, naquele ano de 1968, em buscada sabedoria do guru indiano Maharishi Mahesh Yogi. Eles queriam a liberdade de usar calas jeans,saias curtas e cabelos naturais.

    No Brasil, o incio da dcada foi o apogeu da Casa Canad, dos sapatos de verniz do Chagas, dasrevistas de moda com modelos da Rhodia, da Fenit, primeira feira de moda do pas, em So Paulo.Depois de 1964, a juventude desandou a protestar contra a famlia burguesa, as mes que andavam decabeles desfiados e escarpins, vestidos Pucci e bolsas Gucci. Nas universidades, a moda era o

  • bluso de goleiro, da rua da Alfndega, a cala Lee importada, comprada em Copacabana, e assandlias franciscanas. Os cabelos lisos e longos ou crespos e fartos pareciam dispensar pentes. Naala masculina, a barba virou obrigatria.

    Foi uma poca de rebeldia contra as tradies e as propostas da gerao anterior. Ao mesmotempo, abriu o caminho para a democratizao da moda. Quanto s ideias que surgiam por trs dasportas das Maisons Dior, Cardin, Courrges, Paco Rabanne, no se pode dizer que tenham ido almdas poucas clientes que insistiam em seguir a moda oficial e resistiam ao rejuvenescimento do visual,pela adeso chamada antimoda. Em compensao, os jovens designers de moda do sculo XXI nose cansam de olhar e buscar referncias nas colees rejeitadas dos estilistas.

    IESA RODRIGUESjornalista, especialista em moda

    Carnaby Street, em Londres, estava na moda. Em toda a Europa viam-se roupas coloridas, com umcerto look andrgino, e modelos deliberadamente feitos para vestir mal quem tivesse mais de 30 anos.Calas de veludo vermelho e camisetas pretas justas se tornaram um uniforme. Embora o lado frvolo de68, que idolatrava a moda, a cultura pop e o sexo, pudesse parecer apenas afronta e exibio dajuventude, era a forma que a nova gerao havia encontrado para romper com as ideias das antigaslideranas polticas que comandavam o Velho Mundo, como Adenauer, na Alemanha; De Gaulle, naFrana; Kruschev, na Unio Sovitica; Franco, na Espanha; e Salazar, em Portugal.

    Com a exploso demogrfica em meados dos anos 60, a Europa passou a ter mais jovens, de todas asclasses sociais, concluindo o ensino mdio, enquanto na dcada anterior a maior parte deixava a escoladepois de apenas alguns anos no ensino fundamental (antigos primrio e ginsio). O fenmeno implicoumudanas sociais inquietantes: quanto mais os jovens avanavam na escolaridade e obtinham treinamentoprofissional e at empregos, mais se ampliava a distncia entre eles e seus pais. Isso intensificou oconflito de geraes que, se antes restringia-se ao universo familiar, agora passava a pressionar osistema universitrio obsoleto, desenhado para atender a uma elite minoritria. Os jovens queriam terdireito a cursar a universidade e os investimentos dos governos depois da Segunda Guerra haviam sidoconcentrados no ensino fundamental, prioridade naquele momento.

    Em 1949, a Espanha tinha 50 mil jovens em universidades; a Gr-Bretanha, menos de 100 mil; e aFrana, pouco mais de 130 mil. No comeo dos anos 60, os europeus com exceo dos britnicos, quemantiveram o ensino universitrio voltado para uma minoria privilegiada comearam a mudar as regraseducacionais para permitir a entrada de um maior nmero de alunos. As exigncias foram afrouxadas, asuniversidades ficaram superlotadas e o ensino comeou a se deteriorar. Na Alemanha, por exemplo, ondeem 1950 havia 108 mil universitrios, no final da dcada de 1960 havia 400 mil.

    Ainda assim, a maioria dos jovens europeus no cursava universidade em 1968, sobretudo os filhosde operrios e camponeses. Estes experimentaram de forma diferente o ano de 68, quando todo omovimento jovem parecia girar em torno da universidade. Suas ideias polticas provavelmente no eramas mesmas, mas a verdade que, quanto mudana no comportamento, eles compartilhavam dos anseiosdos universitrios.

    O primeiro distrbio estudantil do ano aconteceu na Espanha, em 12 de janeiro, quando aUniversidade de Madri foi palco de confrontos entre policiais e estudantes, que haviam entrado em grevepor tempo ilimitado. Logo depois, no dia 15, o mesmo tipo de incidente estourou nas universidadesfrancesas, sobretudo em Caen e Nanterre. No dia 26, estudantes e operrios comearam a mostrar paravaler sua disposio para a luta: operrios grevistas da Saviem, fbrica de caminhes em Caen, naFrana, fizeram violenta manifestao. No mesmo dia, ocorreram incidentes em Fougres e de novo na

  • Universidade de Nanterre, cujo campus tinha sido invadido pela polcia para pr fim a um comcio deestudantes enrag, o que deixou o corpo docente e os estudantes enfurecidos. No dia 29, a polciafinalmente invadiu e ocupou a Universidade de Madri. O clmax de toda essa inquietao se daria umpouco mais adiante, em maio.

    Bonnie and Clyde

    Em janeiro de 68, estreava na Europa e nos Estados Unidos um filme considerado o primeiro da nova erado cinema hollywoodiano, por quebrar tabus e fazer sucesso entre o pblico jovem. Era Bonnie andClyde, dirigido por Arthur Penn. Tratava-se da histria de dois jovens apaixonados, ladres de banco,que circulavam pelo centro dos Estados Unidos durante a Grande Depresso. O casal reforava nosjovens a ideia do antiestablishment e da quebra de todas as regras.

    Produzido e lanado num pas que se lembrava bem da era de violncia do gangsterismo, ainda serecuperava do trauma do assassinato do presidente John Kennedy e via aumentar a tenso provocada porconflitos raciais, o filme causou, a princpio, repulsa e indignao entre os crticos. Por adotar, comhumor, o ponto de vista dos criminosos, foi visto como perigoso. Paralelamente, surgiam revistas,programas de televiso, lojas e indstrias dedicados exclusivamente aos jovens e que passariam adepender de seu consumo. Em 1968, esses produtos atravessavam as fronteiras nacionais com umafacilidade sem precedentes e a cultura de massas tornou-se internacional por definio.

    A ditadura grega liberta Theodorakis

    A Grcia viveu, entre 1967 e 1974, uma ditadura, a chamada Ditadura dos Coronis. Em 1967, com oapoio dos Estados Unidos, militares liderados por Georgios Papadopoulos deram um golpe e instauraramum regime militar no pas, reforando a represso anticomunista. Os militares, numa deciso unilateral,aboliram a monarquia em 1973, o que desencadeou uma onda de protestos no ano seguinte e obrigou osmilitares a devolverem o governo aos civis. Em 1974, iniciou-se o processo de redemocratizao.

    Em 1968, Mikis Theodorakis, um dos mais populares compositores da Grcia, saa da priso. Seutrabalho havia sido banido pelo novo regime e Theodorakis refugiara-se na clandestinidade, sendo presoem seguida, por conclamar os gregos a lutarem contra a ditadura militar. Quando foi solto, devido apresses internacionais, seguiu para Paris. A partir de ento, tornou-se militante dos direitos humanos efundou um comit de intelectuais e artistas para ajudar os curdos, foi membro do movimento pelalibertao do lder africano Nelson Mandela e ajudou a fundar o movimento Cultura para a Paz.

    Nascido em 1925 na ilha de Chios, Theodorakis sempre misturou msica e poltica. conhecidointernacionalmente por ter composto as trilhas dos filmes Zorba, o grego, Z A orgia do poder eSerpico. Passara boa parte da Guerra Civil Grega (1945-48) em esconderijos ou campos de prisioneirose se identificava com a esquerda. Foi preso e torturado vrias vezes e sempre lutou para continuar suasatividades musicais. Acabou criando um novo estilo de msica grega.

    O Ano Tt

    Enquanto a oposio Guerra do Vietn crescia em todo o mundo, uma espetacular ofensiva guerrilheiramostrava que seria impossvel para os americanos derrotarem militarmente o vietcongue. O Ano Novolunar chins-vietnamita, o Tt, trazia uma esperana de paz, uma expectativa de conciliao. Mas, naverdade, aconteceu o oposto. Em 30 de janeiro de 1968, as foras apoiadas por Hani e lideradas pelo

  • general Vo Nguyen Giap, numa surpreendente ofensiva, tomaram de assalto 36 cidades sul-vietnamitas econseguiram entrar em Hu e Saigon, onde chegaram a ocupar a embaixada americana, um dos lugaresmais protegidos do mundo. Os vietcongues perderam mais de 30 mil homens nessa operao arriscada,que provocou uma derrota moral nas Foras Armadas americanas. O vietcongue saiu do ataque com umtriunfo poltico. Afinal, provou ser capaz de vencer a guerra e frustrar a expectativa dos Estados Unidos.

    Ho Chi Minh, o Iluminador

    Lder comunista e principal articulador da luta no Vietn contra o domnio francs, e depois contra umVietn do Sul apoiado pelos Estados Unidos, Ho Chi Minh comeou a vida como professor rural noVietn e acabou protagonista da luta anticolonial no Sudeste Asitico. O Iluminador ou Aquele queIlumina, como ficou conhecido, nasceu Nguyen Tat Thanh, no Vietn, em 1890. Seu pai, Nguyen SinhHuy, professor que tinha fama de ser extremamente inteligente, era nacionalista e ensinou os filhos aresistir ao domnio francs. Sua filha conseguiu emprego trabalhando para o Exrcito francs, masacabou condenada priso perptua por roubar armas que um dia ela esperava fossem servir para aluta pela independncia vietnamita.

    Ho trabalhou temporariamente como professor, at se empregar como cozinheiro num naviofrancs e viajar pelo mundo inteiro. Em uma de suas viagens, desembarcou no Rio de Janeiro paratratamento de sade e ficou hospedado, por cerca de trs meses, em uma penso em Santa Teresa.Mais tarde, em 1924, ao encontrar-se em Moscou com os jornalistas e militantes socialistasbrasileiros Astrojildo Pereira e Rodolfo Coutinho, Ho revelaria como ficara impressionado com aZona do Mangue (antiga regio de prostituio), com seu cheiro ftido e seu mercado do sexo,segundo ele, um subproduto do capitalismo nas condies do atraso semicolonial.

    Em 1917, Ho estabeleceu-se em Paris, onde leu os livros de Karl Marx, tornou-se comunista e umdos fundadores do PC francs. Ele acreditava, conforme escreveu em carta a um amigo, que era deverde um comunista voltar sua terra e fazer contato com as massas, organizar, unir e trein-las, paraento lider-las na luta pela liberdade e a independncia. Mas Ho sabia que, se voltasse ao Vietn,seria preso pelas autoridades francesas. Por isso, antes de retornar, foi viver na China, junto fronteira vietnamita, onde ajudou compatriotas exilados a criar a Liga Revolucionria do Vietn. Em1930, fundou em Hong Kong o Partido Comunista Indochins. Foi preso e, aps ser solto, em 1933,viajou para a ento Unio Sovitica, onde ficou alguns anos se recuperando de uma tuberculose. Em1938, voltou China e serviu como conselheiro na militncia armada comunista do pas.

    Quando o Japo ocupou o Vietn, em 1941, enquanto a Frana se encontrava ocupada pelosalemes, Ho ajudou a fundar o Vietminh, movimento independentista de orientao comunista quelutou contra os japoneses. Em agosto de 1945, com a rendio do Japo, o Vietminh tomou o poder eproclamou a Repblica Democrtica do Vietn (RDV) em Hani. Ho Chi Minh se tornou presidente.Mas os franceses no estavam dispostos a conceder a independncia de suas colnias e a guerra

  • explodiu em 1946.Por volta de 1945, Roosevelt, Churchill e Stlin decidiram que o Vietn seria dividido em dois: o

    Norte seria controlado pelos chineses e o Sul, pelos britnicos. A Frana tentou retomar o controlesobre o Vietn. Os ingleses concordaram em sair e a China deixou o pas em troca de garantias daFrana de que esta abriria mo de seus direitos sobre os territrios na China. E, claro, os francesesno reconheceram o governo de Ho Chi Minh e os conflitos ressurgiram, com o Vietminh, em 1953,controlando grandes reas do norte do pas. Ho j tinha o apoio da China comunista de Mao Ts-tung,que derrotara Chiang Kai-Shek. A Frana dominava o sul e instalou no poder o antigo imperadorvietnamita, Bao Da.

    Por oito anos, os guerrilheiros do Vietminh combateram as tropas francesas nas montanhas earrozais do Vietn. A luta foi conduzida pelo general Vo Nguyen Giap, a Raposa da Selva, queliderou o Vietminh vitria, em maro de 1954, derrotando os franceses na decisiva Batalha de DienBien Phu, e foi, a vida toda, leal companheiro de lutas de Ho.

    No final da dcada de 1960, Ho, que j estava com a sade debilitada, no chegou a ver aunificao e a libertao de seu pas. Em 3 de setembro de 1969, morreu em Hani, de ataquecardaco. Com a conquista comunista do Sul, em 1975, Saigon foi renomeada como Cidade Ho ChiMinh, para homenagear aquele que fora a alma da revoluo e da luta do Vietn por suaindependncia. Em um trecho do livro O caminho que me levou ao leninismo, ele escreveu:

    Em primeiro lugar, foi o patriotismo, e no o comunismo, que me levou a acreditar em Lnin e naTerceira Internacional. Aos poucos, durante a luta e enquanto estudava o marxismo-leninismoparalelamente s minhas participaes nas atividades prticas, eu me dei conta de forma gradativa deque somente o socialismo e o comunismo poderiam libertar as naes oprimidas e o povo trabalhadorao redor do mundo da escravido.

    Vo Nguyen Giap (no alto, esq.) e Ho Chi Minh (ao centro), arquitetos da vitria

    Vo Nguyen Giap, a Raposa da Selva

  • Companheiro de Ho Chi Minh, Vo Nguyen Giap nasceu em 1912, estudou na Universidade de Hani,fez doutorado em economia e, como Ho, tambm comeou a vida como professor, s que de histria.Aliou-se ao Partido Comunista e sempre se ops ao domnio francs. Foi preso em 1939, escapoupara a China, onde juntou-se ao Vietminh, enquanto no Vietn sua irm era capturada e executada esua mulher mandada para a priso, onde morreria. Responsvel por organizar a resistncia aosjaponeses entre 1942 e 1945, Giap foi o grande estrategista da luta contra os franceses.

    Comandante francs no Vietn, o general Navarre armou um plano para atrair Giap a uma batalhana qual ele seria forado a organizar um ataque macio contra as tropas da Frana em Dien Bien Phu.Giap aceitou o desafio, mas, no lugar de fazer um grande ataque, optou por cercar a vila, cavando umaenorme trincheira com tneis que se interconectavam em torno de Dien Bien Phu. Dessa forma, oVietminh pde se aproximar dos soldados franceses, protegendo a cidade. Giap levou para lmilitantes do Vietminh de todo o pas eram 70 mil soldados, cinco vezes mais que os franceses. Emmaro de 1954, lanava sua ofensiva vitoriosa. Os franceses se renderam em 7 de maio e, poucodepois, decidiram pela retirada das tropas do Vietn.

    Negociaes subsequentes em Genebra dividiram o pas, restando apenas a parte norte aoVietminh. A RDV, tendo ainda Ho Chi Minh na presidncia, concentrou seus esforos na construode uma sociedade comunista. No comeo dos anos 60, o conflito no Sul foi retomado porguerrilheiros comunistas que organizaram uma insurgncia contra o governo de Saigon, apoiado pelosEstados Unidos. Giap permaneceu como comandante em chefe do Vietminh durante toda a Guerra doVietn.

    Em outubro de 1972, negociadores quase chegaram a uma soluo para o conflito, que envolvia aretirada dos americanos em troca do cessar-fogo e da devoluo de 566 prisioneiros americanos.Mas Richard Nixon no se sentia seguro. Mandou bombardear Hani e Haiphong para forar osvietcongues a se retirarem do Sul. Foi o bombardeio mais intenso da histria mundial at ento. Em11 dias, 100 mil bombas foram lanadas sobre as duas cidades. O poder destrutivo foi equivalente acinco vezes o da bomba jogada em Hiroshima. Jornais de todo o mundo acusaram o genocdio, abarbrie da Idade da Pedra e a selvageria sem sentido. Os norte-vietnamitas se mantiveramfirmes e, em janeiro de 1973, Nixon assinava o plano de paz proposto no ano anterior.

    As ltimas tropas americanas deixaram o Vietn em maro de 1973. Pouco depois de um ano, emabril de 1975, a Frente Nacional de Libertao do Vietn do Sul, dos vietcongues, entrava em Saigonpara estabelecer a Repblica Socialista do Vietn, unificando o pas. No novo governo, Giap assumiuo Ministrio da Defesa e foi tambm nomeado vice-primeiro-ministro.

    Uma gerao encontra o seu destino

    MONICA HORTA

    Se 1968 fosse gente, seria uma pessoa muito especialQuando os fogos de artifcio anunciaram a sua chegada, dois gigantes do cu estavam surgindo na

    linha do horizonte.Para os astrlogos de antigamente, o destino da pessoa, do pas ou do acontecimento que estava

    retratado num mapa astral era determinado primordialmente pelos planetas que nasciam junto com ele.Mas os astrlogos de antigamente no conheciam nem Urano, nem Netuno, nem Pluto. Os trs planetasexteriores a Saturno, o ltimo visvel a olho nu, caminham lentamente e suas posies no cu constelamum destino que compartilhado por toda uma gerao.

  • Em 1 de janeiro de 68, Urano e Pluto estavam muito prximos um do outro e prometiam um anoraro, de mudanas profundas e violentas destinadas a deixar uma marca muito difcil de apagar. QuandoPluto, o planeta das grandes transformaes, se encontra com Urano, o senhor de todas as revolues, ocu promete mudanas to explcitas quanto as provocadas pelos terremotos. Esse encontro s aconteceuma vez a cada 200 anos. No sculo XVI, coincidiu com a inveno da imprensa; no sculo XVIII, comas descobertas de Newton, que alis foi tambm um grande astrlogo.

    No sculo XX, aconteceu no signo de Virgem, um sinal de que uma velha ordem estava acabando e umaviso de que quem quisesse aceitar alegremente o novo tempo no poderia ter medo do caos. Ao mesmotempo, Netuno, o senhor do inconsciente ou do imaginrio coletivo, passava pelo signo de Escorpio evestia as transformaes mais radicais, at mesmo a morte, com um vu de seduo quase irresistvel.Com Netuno em Escorpio, o perigo divino, maravilhoso

    Monica Horta astrloga e jornalista

    E Netuno ainda contava com o apoio luxuoso de Vnus, a senhora do amor e da imaginao: o que erasonho tinha acabado de virar paixo.

    provvel que vrias pessoas tenham nascido neste dia e nesta hora, cada uma tendo de lidar com aslimitaes do seu corpo, com as determinaes da sua cultura e da sua classe social. Portanto, donas depersonalidades muito diferentes. Mesmo assim, d para afirmar com segurana que todas tm em comumuma maneira especial de estar no mundo, uma energia forte, ao mesmo tempo construtiva e destrutiva,uma imaginao delirante e uma determinao quase obsessiva de transformar sonhos em realidade.

    Se fosse gente, 1968 teria sido carismtico, sedutor, ao mesmo tempo realista e louco. E teria tido quedar conta de um destino to difcil quanto fascinante, de uma histria feita de vitrias inesquecveis ederrotas cruis. E teria sido capaz de afirmar com absoluta segurana que quem sabe faz a hora, noespera acontecer

    Mas a histria no se faz s com indivduos, e as mudanas coletivas so provocadas por geraes.Nada do que aconteceu teria acontecido se 1968, cumprindo um destino muito anterior a ele, no

    tivesse se encontrado com os jovens de uma outra gerao. E como se define uma gerao? Os critriosso mltiplos e dependem da escala de valores de quem os define. Para quem gosta de msica, geraorock and roll Para quem acredita que o tempo marcado pelos grandes conflitos, gerao do ps-guerra Para quem observa o mundo do ponto de vista da astrologia, gerao de Pluto em Leo!

    Pluto um planeta que mexe com propores. o dono da chave do tamanho. Quando ele passa porum signo, o tema a ele relacionado ganha uma importncia especial, se transforma numa questo de vidaou morte. Para ilustrar esta afirmao com uma experincia mais prxima, basta voltarmos ao ano de1982. Quando Pluto entrou em Escorpio, um signo que est diretamente ligado sexualidade,comearam a chegar as notcias de uma misteriosa peste que estava matando os gays em So Francisco.Durante os 14 anos que se seguiram, a aids obrigou a humanidade a fazer uma reviso profunda das suasescolhas e comportamentos sexuais. De uma hora para outra, independente dos avanos da cincia e damedicina, o sexo tinha se transformado numa questo de vida ou morte. Em 1994, Pluto entrou emSagitrio. A cura da aids no fora encontrada, a epidemia continuava matando milhes de pessoas, masessa no era mais a questo central. Sagitrio est ligado f, s crenas que determinam o nossocomportamento social. Com Pluto em Sagitrio, voltamos a viver uma guerra santa. Retornamos aoconflito aberto entre o Isl e o mundo cristo que parecia ter se encerrado no tempo das Cruzadas,quando Pluto tambm estava em Sagitrio. Em 2008, Pluto comeou sua passagem pelo signo deCapricrnio e a humanidade vai ver balanar toda a estrutura hierrquica do mundo moderno

  • A gerao de Pluto em Leo comeou a nascer em outubro de 1937 e foi testemunha ocular de umtempo em que a afirmao do ego se tornou imperativa. Durante os 30 anos anteriores, Pluto tinhapasseado pelo signo de Cncer e acabado de vez com a ideia de que a famlia, como clula mater dasociedade, merecia o sacrifcio da individualidade, do prazer e da criatividade. Libertadas do jugofamiliar, as crianas que nasceram entre 1937 e 1956 foram obrigadas a procurar motivaes individuaispara suas vidas. Individuais em termos

    Os mais velhos dessa gerao ainda tinham Urano e Netuno em signos de terra, com Netunoexatamente no local do cu que Pluto e Urano iriam revolucionar em 68. Apesar de terem sidoconvidados, os primeiros representantes da gerao de Pluto em Leo chegaram festa meiodesanimados, como se desconfiassem das prprias iluses.

    Mas as coisas j estavam diferentes para uma turma que nasceu a partir de 1942. Esses pensavammais rpido, tinham uma inteligncia investigativa, fascinada por novos caminhos, sempre pronta adescobrir alternativas para as velhas ideias. Tudo isso porque Urano, o planeta do consciente coletivo,tinha entrado no signo de Gmeos, aquele que fala de linguagem e desperta o desejo de uma comunicaomais ampla, mais rpida e universal. Um desejo que s seria atendido no final do sculo XX, quandoUrano em Aqurio trouxe a exploso da internet. Ele j tinha oferecido essa nova maneira de pensar aosque haviam nascido entre agosto e setembro de 41, mas aparentemente voltou rpido para trs e s seestabeleceu em Gmeos em 1942.

    Nesse ano aconteceu outra mudana importante no cu. Netuno entrou em Libra, inundou oinconsciente coletivo com o sonho de um mundo ideal e comeou a forjar a gerao que ia se jogar decabea na festa de 68. Assim como tinha acontecido com Urano, Netuno tambm cedeu tentao dorecuo e s encampou integralmente o ideal libriano em setembro de 43.

    Mas o ncleo duro da gerao 68 comeou mesmo a nascer em agosto de 1946. A partir da e at maiode 1949, Saturno, o planeta da razo, foi fazer companhia a Pluto no signo de Leo e passou a exigir de

  • quem nasceu nesse tempo explicaes racionais para as questes de toda uma gerao. Questionou oimpulso individualista de Leo e imps a ideia de que o eu s tinha valor quando colocava suacriatividade a servio de um ideal coletivo.

    A grande massa de estudantes que foi para a rua em 1968 nasceu nesse perodo e tinha como marcaregistrada astrolgica as presenas de Pluto e Saturno em Leo, de Netuno em Libra e de Urano emGmeos.

    Para entender o que aconteceu em 68, podemos brincar com o recurso de imaginar um estudantehipottico que teria nascido no dia 2 de agosto de 1946. Se voc nasceu exatamente nesse dia, vai ficarvaidoso (o que no novidade para um leonino). Se no, no se preocupe todos os que nasceram nessapoca, independentemente do signo solar, compartilham desta natureza: nosso estudante arquetpico eraegoico, orgulhoso e criativo. Fascinado pelo pensamento terico e inebriado pela conscincia de serprotagonista de um momento histrico. Marte e Vnus, no final do signo de Virgem, tinham esperado avida inteira pelo encontro com 1968. Quando Pluto e Urano chegaram a esse mesmo lugar do cu, nossoheri estava pronto para embarcar de corpo e alma numa aventura apaixonante.

    A razo? Desta vez ela no ia criar problemas A maior inimiga dos grandes amores tinha passadopelo menos quatro anos ocupada em construir teorias e tinha assumido compromissos muito srios comideias capazes de melhorar o mundo. Em 68, a razo tinha pressa, queria ao e se irritavaprofundamente com qualquer um que viesse com aquela velha histria de esperar para que as condieshistricas estivessem dadas. Em oposio ao Netuno de Libra da gerao 68, Saturno exigia a realizaoconcreta e imediata dos ideais que tinham alimentado seus sonhos. Quando Saturno passa por ries,ningum tem muita pacincia para aturar frustraes. Quem sabe faz a hora

    E todo o poder foi dado imaginaoA energia extraordinria que estava no cu no primeiro dia de 1968caiu como uma luva, ou desabou como uma tempestade, sobre os jovens que tiveram a coragem de

    viver todas as promessas do cu.Quem pegou a conjuno entre Pluto e Urano em um ponto muito sensvel de seu mapa individual

    sentiu as consequncias de sua prpria audcia de forma dramtica, e muitos, talvez alguns dos melhoresdessa gerao, no resistiram ao seu peso e ficaram pelo caminho. Outros tiveram a ventura de aproveitaro potencial de regenerao que vinha do cu e refizeram suas vidas a partir de novos parmetros. Mascom certeza ningum passou inclume. Nem quem sambou na pista, nem quem foi de galeria

    Em 1968, o mundo estava mudando numa velocidade muito maior do que muda sempre. E umespetculo como esse no acontece a toda hora. Por isso, no d pra cobrar dos jovens de hoje umapaixo e uma entrega que uma gerao privilegiada recebeu do cu. Quem pertence gerao 68 sabeque participou de um momento raro e por isso vai carregar sempre uma linda e dolorosa melancolia.

    Lembrar de 68 como lembrar de um grande amor

  • Fevereiro

    Avanos e recuos no Vietn

    A Guerra do Vietn continuava e se tornava, cada vez mais, um smbolo da arrogncia imperialistaamericana em todo o mundo. Logo no primeiro dia de fevereiro, os guerrilheiros vietconguesconseguiram estabelecer um governo revolucionrio em Hu, antiga capital imperial de Annam (nafronteira entre o Vietn do Norte e o do Sul), e comearam a aparecer em certos bairros de Saigon,capital sul-vietnamita. Ao final de quatro dias de combates sangrentos, alguns bolses vietcongues aindaresistiam. Mas os combates prosseguiam em Saigon, com as tropas norte-vietnamitas fazendo uso detanques soviticos e estabelecendo pontos de apoio avanados em torno da base americana de Khe Sanh,nos arredores da cidade, palco de confrontos violentos durante grande parte da guerra. O presidente sul-vietnamita, Nguyen van Thieu, exigiu da Assembleia de seu pas plenos poderes durante um ano. Em 6 defevereiro, os marines retomaram Hu, mas no completamente. Pouco depois, Hani se declarou prontapara as negociaes, desde que cessassem os bombardeios americanos.

    Na Frana, em 7 de fevereiro, os chamados Comits Vietn fizeram uma manifestao de oposio aum encontro internacional de apoio interveno dos Estados Unidos no Vietn, que se realizaria emParis. Em 18 de fevereiro, em Berlim, na ento Alemanha Ocidental, mais de 10 mil estudantes saram sruas para protestar contra a guerra, liderados por Rudi Dutschke, principal lder estudantil do pas.

    O presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, anunciou, em 12 de fevereiro, sua disposio deencontrar-se imediatamente com os norte-vietnamitas. No dia seguinte, os americanos bombardearam asposies vietcongues na periferia de Saigon, apesar de a proposta de cessar-fogo americana ter sidoestabelecida por um perodo de 18 dias. Finalmente, no dia 23, chegava ao fim a resistncia vietcongueem Hu, depois de mais de trs semanas. O resultado foi a disseminao da fome na cidade e em suaperiferia, que haviam sido esvaziadas e isoladas.

    O lder estudantil alemo Rudi Dutschke: protesto contra a guerra

  • Seguindo os passos de Rosa Parks

    Enquanto o confronto no Vietn era alvo de crticas dentro e fora dos Estados Unidos, uma outra guerrairreconcilivel crescia nas entranhas do solo americano: a luta dos negros pelos direitos civis nosEstados Unidos. Desde 1955, quando a costureira negra Rosa Parks se recusara a obedecer lei doapartheid racial no Alabama, no cedendo seu lugar no nibus a um homem branco que exigia que ela seretirasse do setor destinado aos brancos, a campanha dos negros por seus direitos crescera e seorganizara, conseguindo, em 1968, uma mobilizao nunca vista. Em 8 de fevereiro, uma manifestao denegros na Carolina do Sul deixou trs mortos e 34 feridos.

    Desde a Guerra Civil, o pas jamais estivera to dividido quanto em 1968. O Movimento dos DireitosCivis nos Estados Unidos, que comeara em 1955 e se intensificara nos anos 60, com o surgimento deorganizaes negras como o Black Power e o Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras), lutavapelo fim da segregao racial nos Estados Unidos. Em Nova York, Hubert Rap Brown, at entopresidente do Student Nonviolent Coordinating Committee (SNCC) Comit Estudantil No Violento ,abandonou as crenas pacifistas e passou a defender uma revoluo negra para que nossa raa possaviver, conforme dizia. Aderiu ao Partido dos Panteras Negras e ganhou fama de extremista.

    O ministro da Justia dos Panteras Negras

    Famoso por ter proclamado, nos anos 60, que a violncia to americana quanto a torta de cereja(violence is as American as cherry pie), Rap Brown, batizado Jamil Abdullah al-Amin depois deconverter-se ao islamismo na priso, em meados da dcada de 1970, nasceu em Baton Rouge, naLouisiana, em 1943, como Hubert Gerold Brown. Ainda estudante, na Southern University, juntou-se organizao de direitos civis conhecida como Student Nonviolent Coordinating Committee (SNCC).No incio, o comit era um movimento pacifista, mas foi se tornando agressivo medida que oprprio Brown e seus companheiros, entre eles Stokely Carmichael (lder negro que tambmpertenceu ao SNCC e depois juntou-se aos Panteras Negras), comeavam a adotar uma postura maisviolenta em relao luta pelos direitos civis.

    Em 1967, Brown tornou-se diretor nacional da organizao e, em 1968, abandonou a poltica deno violncia ao associar seu grupo ao Partido dos Panteras Negras, organizao negra radicalfundada por Bobby Seale e Huey Newton. Em pouco tempo, Brown assumia o posto de ministro daJustia dos Panteras Negras e conclamava seus pares luta, exortando-os revoluo violenta eproclamando: Se a Amrica no ceder, ns vamos queim-la.

    Pouco depois, em 1969, Brown publicou Die, Nigger, Die , livro de memrias polticas em quevoltou suas baterias contra aqueles que considerava traidores afro-americanos, rendidos aosbrancos. Sua autobiografia tida nos meios intelectuais americanos como um documento histricovital, por revelar as atitudes poltico-sociais e as expectativas de uma poca.

    No comeo de 1970, Brown foi acusado de incitar a violncia durante uma manifestao emCambridge, Maryland, e acabou condenado em Nova Orleans por porte de arma em dois estados.Brown desapareceu em 1970 antes de ser julgado em Maryland. Ferido a bala em 1972, quandoexecutava um assalto a mo armada, em Nova York, foi preso e condenado em 1974.

    Durante o cumprimento de sua pena, converteu-se genuinamente ao Isl, experimentando umaprofunda transformao interior. Ao sair da priso de Attica, em 1976, abriu uma quitanda emAtlanta, Gergia, tornou-se palestrante e passou a escrever para o Dial Press. Alm disso, era lderda Comunidade Muulmana de Atlanta. Em maro de 2000, foi preso por atirar em dois policiais

  • negros e matar um deles, quando estes foram sua loja prend-lo por roubo, no Alabama. RapBrown/ Al-Amin cumpre pena de priso perptua.

    Rosa Parks, que se tornou smbolo da luta dos negros nos Estados Unidos, morreu em Detroit, noestado de Michigan, em 2005.

    Beatles saem em busca de um sentido na vida

    O esprito de 68 era de luta, mas tambm, e sobretudo, de busca de um sentido novo para a existncia quepermitisse aposentar os ideais das geraes passadas. Com os Beatles era um pouco diferente. Era o anode Revolution, mas tambm de baladas mais suaves, como Hey Jude e Hello goodbye. E tambm oano em que partiram para a ndia para estudar, meditar e tentar encontrar a espiritualidade. Saram embusca de uma espiritualidade que iria influenciar as geraes de jovens hippies. A viagem disseminou oconceito de que o Oriente espiritual tinha algo a ensinar ao Ocidente racional. George Harrison explicavaassim o desejo do grupo: Voc pode ter tudo na vida. Ns somos os Beatles, no somos? Podemos tertudo o que o dinheiro pode comprar. E toda a fama com que poderamos sonhar. E da? No amor. No sade.

    Os Beatles j eram, a esta altura, ricos e famosos, e partiram no dia 10 de fevereiro atrs da verdadee da paz que o dinheiro no podia comprar. Seguiam os passos do cultuado escritor Hermann Hesse, quese inspirou em sua visita ndia, em 1911, para escrever Sidarta, sobre um homem em busca deautoconhecimento. Muito mais que Hesse, os Beatles levariam milhares de hippies a procurar no Orientea resposta para a existncia.

    Com suas mulheres, viajaram para Rishikesh, um grande centro de estudos de ioga, depois deassistirem a uma palestra do guru Maharishi Mahesh Yogi e decidirem tornarem-se seus discpulos,convencidos por George. Entretanto, a lua de mel com Maharishi no duraria muito. Aps algumassemanas, uma das integrantes do entourage dos Beatles que inclua a atriz Mia Farrow, o cantor MikeLove e o msico Donovan acusou Maharishi de assedi-la sexualmente. Diz a lenda que a vtima foi aprpria Mia Farrow. Nunca se soube se a acusao era verdadeira. O certo que John Lennon foiembora furioso (mais tarde escreveu a msica satrica Sexy sadie para Maharishi). Ringo Starr jretornara a Londres antes do incidente e Paul McCartney tambm. George ficou um tempo maior, j queestava apaixonado pelos instrumentos e pela filosofia indiana. De qualquer modo, John diria nessapoca: Se os Beatles e os anos 60 tinham alguma mensagem, essa mensagem era: aprenda a nadar.Ponto. E depois de aprender, nade, nade. Voc constri seu prprio sonho. Essa a histria dos Beatles,no ?

    O melhor resultado da viagem ndia, porm, foi o lbum branco, dos Beatles, composto basicamentedurante seu retiro em Rishikesh, e cuja gravao em estdio levou quase oito meses de trabalho. Foram30 msicas dispostas em dois LPs, numa coletnea de vrios estilos musicais que iam do rock n roll aoblues, do reggae ao soul, country e pop. O disco mais diversificado da banda era tambm o primeiroindcio de separao do grupo.

  • Os Beatles foram para a ndia buscar um sentido para a vida junto ao guru Maharishi. Na volta, lanaram o lbum branco

    Depoimento

    O comeo do fim dos garotos de Liverpool

    Os Beatles chegaram ao ponto mximo da carreira em 1967, quando lanaram o lbum Sgt. PeppersLonely Hearts Club Band, precedido por outra obra-prima, o LP Revolver (1966). Em 1968, John,Paul, George e Ringo comearam a implodir. Eles tiveram sua trip transcendental na ndia, comreflexos duradouros apenas em George Harrison, interessado no assunto desde 1965, quandoconheceu a ctara e a filosofia indiana durante as filmagens de Help.

    Em julho de 1968, lanaram o longa animado de vanguarda Yellow Submarine . Em agosto, um deseus mais populares singles, com Hey Jude e Revolution, foi direto para o primeiro lugar evenderia 6 milhes de cpias. Paul fizera Hey Jude em solidariedade a Julian Lennon, filho de Johncom Cynthia Lennon. Cynthia foi trocada nesse ano por Yoko Ono, xingada injustamente por muitoscomo a coveira dos Beatles.

    Enquanto gravavam o duplo lbum branco que levaria o nome da banda, investiram numagravadora, a Apple, que teve sucesso inicial com Those Were the Days , da cantora Mary Hopkins,produzido por Paul McCartney, e tambm contrataram um jovem cantor folk, James Taylor. Abriram abutique Apple, mas a iniciativa no deu certo por falta de tino comercial: roupas eram dadas ouroubadas, por exemplo, sem que providncias fossem tomadas.

    A sede da Apple, centralizando todos os negcios, era uma festa com dezenas de parasitassugando a banda de todas as maneiras possveis. Cheios de boas intenes, os Beatles se viram nomeio de um verdadeiro inferno que ameaou lev-los bancarrota. Para completar, j andavam seestranhando, com as individualidades sobrepondo-se ao coletivo.

    Ringo Starr sentiu-se excludo e deixou a banda em 22 de agosto, mas foi convencido a voltar em3 de setembro, quando encontrou sua bateria cheia de flores. O material trazido em grande parte dandia formou as 30 faixas do disco, gravadas sem a integrao do passado, com cada Beatle cuidandode suas canes. Mesmo assim, o lbum branco revelou enorme riqueza de estilos e grandescomposies.

    O experimentalismo de Revolution #9 (John) contrastava com o rock rasgado de Back in the

  • USSR (Paul) e Everybodys got something to hide except for me and my monkey (John). Haviaainda uma cano precursora do heavy metal (Helter Skelter, de Paul), grandes baladas como Iwill (Paul), Long long long (George) e Julia (John), blues (Yer blues, de John), dixie (Honeypie, de Paul), barroco (Piggies, de George). Entre outras coisas.

    Depois do lbum branco, lanado em 22 de novembro de 1968, os Beatles lanaram apenas umgrande LP, Abbey Road, e duas trilhas: Let it Be, do documentrio que registrava uma pretensa voltaao passado, e Yellow Submarine, feita de sobras de estdio.1968 foi o comeo do fim.

    JAMARI FRANAjornalista e autor do livro Vamo bat lata, uma biografia dos Paralamas do Sucesso

    RevolutionJohn Lennon e Paul McCartney

    RevolutionJohn Lennon e Paul McCartney

    You say you want a revolutionWell you knowWe all want to change the worldYou tell me that its evolutionWell you knowWe all want to change the worldBut when you talk about destructionDont you know you can count me out (in)*Dont you know its gonna be alrightAlright / Alright

    Voc diz que quer a revoluoPois sabe como Queremos todos mudar o mundoVoc me conta que a evoluoPois sabe como Queremos todos mudar o mundoMas quando voc me fala de destruioFique sabendo que eu estou fora (dentro)Fique sabendo que vai dar tudo certoTudo certo

    You say you got a real solutionWell you knowWed all love to see the plan

    You ask me for a contributionWell you knowWere all doing what we canIf you want money for people with minds that hateAll I can tell you is brother you have to waitDont you know its gonna be alrightAlright / Alright

    Voc diz que tem uma boa soluoPois sabe como Adoraramos ver o seu planoVoc me pede uma contribuioPois sabe como Est todo mundo fazendo o que podeSe voc quer grana para gente com dio na menteS posso dizer, meu irmo, que tem de esperarFique sabendo que vai dar tudo certoTudo certo

    You say youll change the constitutionWell you knowWed all love to change your headYou tell me its the institutionWell you knowYou better free your mind insteadBut if you go carrying pictures of Chairman MaoYou aint going to make it with anyone anyhowDont you know its gonna be alrightAlright ALRIGHT ALRIGHT ALRIGHT ALRIGHT ALRIGHT

    ALRIGHT ALRIGHT

    Voc diz que vai mudar a ConstituioPois sabe como Adoraramos mudar a sua cabeaVoc conta que a instituioPois sabe como Devia preferir libertar a sua menteMas se quer sair com um retrato do presidente MaoNo vai se dar bem com ningum nem a pauFique sabendo que vai dar tudo certoTudo certo / Tudo certo

    Traduo de Sergio Flaksman

    * A verso original da letra de Revolution diz when you talk about destruction you can count me out. Na gravaoregistrada no lbum branco, com o ttulo de Revolution 1, John Lennon acrescentou um in ao final do verso, dizendo depois em

  • entrevistas que, como no tinha conseguido se decidir quanto a essa questo, preferira deixar as duas opes na letra.

    A constante presena de Yoko Ono e os primeiros problemas com a Apple fizeram deste um discotenso. Ringo chegou a abandonar o grupo, mas retornou uma semana depois. Ali a banda se despedia dasua fase psicodlica, que chegou ao auge com Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band . O lbum branco,com a capa totalmente branca, era justamente o contrrio e era o prenncio do que seria a msica pop dosanos 70.

    Uma curiosidade: a visita dos Beatles ndia tambm serviu para que alguns cientistas mais ousadosmergulhassem no estudo da meditao transcendental e abrissem uma porta para a sua influncia naneurocincia.

    Os excedentes

    A filosofia pacifista indiana conquistava milhares de jovens, mas, em vrios lugares do mundo, boa parteda juventude se dedicava luta estudantil. Enquanto na Arglia, em 2 de fevereiro, 8 mil estudantesfaziam paralisao contra a interferncia do governo em seu diretrio (quatro dias depois, a polciainvadiria a universidade de Argel para expulsar os grevistas), estudantes espanhis, que haviam entradoem greve em janeiro, agitavam a Universidade de Madri. No Brasil, aumentava a insatisfao com osrumos que a universidade tomava.

    A crise do aparelho universitrio brasileiro se apresentava sem cerimnia e se traduzia na carncia devagas na escola pblica, no arcasmo dos currculos (pouco adaptados s novas necessidades dodesenvolvimento econmico no pas), na falta de equipamentos e instalaes e na existncia da ctedravitalcia de professores. Em 1968, o movimento estudantil brasileiro ainda atuava isoladamente, comapoio espordico das classes populares e da classe mdia.

    Antes de 1964, a maior procura por vagas nas universidades pblicas resultara numa ampliao donmero de universitrios, o que atendia ao sonho da classe mdia urbana. Mas, com o golpe, issomudaria. Como o governo militar resolvera adotar uma poltica de conteno de despesas em reas noprodutivas, o nmero de vagas diminura e aumentara o total de alunos excedentes. No interessava ditadura investir nas universidades. Afinal, um povo instrudo sempre mais perigoso para os donos dopoder.

    E m Movimento estudantil no Brasil, Antonio Mendes Junior, um dos grandes historiadores dessemovimento, afirma que a participao poltica dos estudantes num contexto em que a sociedade civilestava reprimida, oprimida e amordaada serviu como desencadeador de movimentos sociais maisamplos. Assim, a carncia de vagas universitrias, que inviabilizava o projeto de ascenso social daclasse mdia pela via da educao, acabou levando-a a aderir ao movimento estudantil, como forma de

  • dar vazo sua insatisfao.Outro motivo para a radicalizao das demandas estudantis, segundo a pesquisadora Helosa Souza

    Martins em seu texto O movimento estudantil e a ditadura militar 1964-68, foi a poltica educacionaladotada pelo governo, que respondeu crescente presso do movimento estudantil com uma proposta dereforma universitria de cima para baixo. A chamada reforma consentida propunha a reorganizao doaparelho universitrio em unidades de ensino, como meio de pr fim ctedra, e o vestibular unificado eclassificatrio, para resolver o problema dos excedentes, alm de medidas que levariam a umaprogressiva privatizao do ensino superior. Desse modo, a orientao da reforma tratava a educaocomo um pr-requisito para que se atingissem as metas do desenvolvimento econmico, devendo aestrutura educacional subordinar-se aos objetivos estabelecidos para o crescimento do pas.

    A influncia da ideologia americana traduzia-se nesse projeto privatista de educao, que envolviaacordos entre o Ministrio da Educao e Cultura (MEC) e a United States Agency for InternationalDevelopment (Usaid) e motivava revoltas estudantis. Os acordos MEC-Usaid refletiam a reformauniversitria proposta em 1967 pelo MEC, na qual se adotava o modelo americano de educao, ou seja,o direcionamento da formao educacional dos jovens para o atendimento das necessidades econmicasdas empresas capitalistas (mo de obra especializada).

    Isso correspondia forte influncia de tcnicos americanos da Usaid, que atuavam junto ao MEC porsolicitao do governo brasileiro, gerando uma srie de acordos para orientar a poltica educacional. Asmanifestaes estudantis eram os mais expressivos meios de denncia e reao contra a subordinao aosobjetivos e diretrizes dos Estados Unidos. Em seu artigo, Helosa afirma:

    Na ruas de So Paulo, jovens protestam contra o acordo MEC-Usaid

    A reforma universitria consentida atacava, portanto, fortemente, os objetivos centrais e histricosdo movimento universitrio de classe mdia no Brasil que almejava financiamento pelo Estado daexpanso da matrcula e que queria ascender socialmente, via aquisio de uma profisso de grausuperior. Atacava tambm o desejo que ela possua de participao (cogesto) nas decisesuniversitrias.

    A insatisfao geral levou s ruas do Rio de Janeiro, em 15 de fevereiro, estudantes aprovados novestibular, mas sem vagas nas universidades. No dia 23, foi a vez de os alunos excedentes de So Paulofazerem passeata. O movimento estudantil defendia uma reforma que privilegiasse o ensino gratuito e aautonomia universitria nos planos administrativo, didtico e financeiro, alm de lutar pela admisso no

  • campus de todos os que conseguissem mdia suficiente no vestibular. Apresentava um ideal de educaocomo forma de produzir indivduos crticos, questionadores e preocupados com a realidade nacional, eno como meio de formar tcnicos, mo de obra qualificada e passiva para responder ao projetodesenvolvimentista da ditadura militar.

    Portanto, em 68, alm da luta contra a reforma consentida e em prol da democratizao nauniversidade, o movimento estudantil se tornou tambm antiditadura, representando uma resistncia poltica repressiva do Estado. Em 68, os estudantes conseguiram adiar a implantao da reformauniversitria, mas, no ano seguinte, ela finalmente foi adotada. Em relao luta contra a ditadura, aresistncia foi mais difcil.

    Os movimentos revolucionrios no Brasil

    Os movimentos revolucionrios que vinham se formando para combater a ditadura militar seorganizavam, se desfaziam, tornavam-se dissidncias uns dos outros, mas continuavam na luta contra oregime militar. Um assalto a banco em So Paulo, em 8 de fevereiro, marcou uma das primeiras aes deguerrilha urbana atribudas aos movimentos de esquerda.

    Uma das mais antigas organizaes revolucionrias criadas no Brasil foi o Partido ComunistaBrasileiro (PCB). Antes existiam, principalmente entre imigrantes em So Paulo, apenas pequenos gruposanarquistas. No comeo da dcada de 1960, o PCB sofreu sua primeira grande ciso,