19711540 a Divina Providencia
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A DIVINA PROVIDÊNCIA
Por
Emanuel Swedenborg
A DIVINA PROVIDÊNCIA É 0 GOVERNO DO DIVINO
E DA DIVINA SABEDORIA DO SENHOR
1 - Para que se compreenda o que é a Divina Providência, e qual é o Governo do
Divino Amor e da Divina Sabedoria do Senhor, é importante que se saiba o que já foi
dito e mostrado sobre o Divino Amor e a Divina Sabedoria no Tratado sobre este
assunto; são as proposições seguintes: No Senhor o Divino Amor pertence à Divina
Sabedoria, e a Divina Sabedoria pertence ao Divino Amor, nº 34 a 39. O Divino
Amor e a Divina Sabedoria não podem senão ser e existir em outros criados por
eles, nº 47 a 51. Todas as cousas do Universo foram criadas pelo Divino Amor e
pela Divina Sabedoria, nºs 52, 53, 151 a 156. Todas as coisas do Universo são
recipientes do Divino Amor e da Divina Sabedoria, nº 55 a 60. O Senhor diante dos
anjos aparece como Sol; o Calor que dele procede é o Amor e a Luz que dele
procede é a Sabedoria, nºs 83 a 88; 89 a 92; 93 a 98; 296 a 301. O Divino Amor e a
Divina Sabedoria, que procedem do Senhor, fazem um, nº 99 a 102. O Senhor de
toda a eternidade, que é Jehovah, criou de Si mesmo, e não do nada, o Universo e
todas as cousas do Universo, nº 282 a 284; 290 a 295. Estas proposições são
demonstradas no Tratado intitulado A SABEDORIA ANGÉLICA SOBRE 0 DIVINO
AMOR E A DIVINA SABEDORIA.
2 - Por estas proposições confrontadas com o que foi explicado sobre a criação no
mesmo Tratado, pode-se ver, é verdade, que é o Governo do Divino Amor e da
Divina Sabedoria do Senhor que é chamado a Divina Providência; mas como lá se
tratava da Criação, e não da Conservação do estado das cousas após a criação, e
como esta conservação é o governo do Senhor, por isso vai se tratar aqui deste
assunto agora; mas, neste Artigo, se tratará da conservação da união do Divino
Amor e da Divina Sabedoria ou do Divino Bem e do Divino Vero, nas cousas que
foram criadas; falar-se-á disso nesta ordem: I. O Universo, com todas e cada, uma
das coisas que ele contém, foi criado do Divino Amor pela Divina Sabedoria. II. O
Divino Amor e a Divina Sabedoria procedem como um do Senhor. III. Este um está
em uma espécie de imagem em todas as cousas criadas. IV. É da Divina
Providência que todas as coisas criadas sejam no comum é na parte, um tal um; e,
se não o é, que assim seja tornado. V. O bem do amor não é mais o bem senão
tanto quanto se une ao vero da sabedoria, e o vero da sabedoria não é mais o vero
senão tanto quanto está unido ao bem do amor. VI. O bem do amor não unido ao
vero da sabedoria não é o bem em si, mas é um bem aparente; e o vero da
sabedoria não unido ao bem do amor não é o vero em si, mas é um vero aparente.
VII. O Senhor não tolera que alguma cousa seja dividida, por isso toda coisa deve
estar no bem e ao mesmo tempo no vero, ou no mal e ao mesmo tempo no falso.
VIII. O que está no bem e ao mesmo tempo no vero é alguma cousa e o que está no
mal e ao mesmo tempo no falso não é alguma cousa. IX. A Divina Providência do
Senhor faz com que o mal e ao mesmo tempo o falso sirvam para o equilíbrio, para
a relação e para a purificação, e assim para a conjunção do bem e do vero em
outrem.
3 - I. 0 Universo com todas e cada uma das coisas que ele contém, foi criado
do Divino Amor pela Divina Sabedoria.
Que o Senhor de toda eternidade, que é Jeová, seja quanto à Essência o Divino
Amor e a Divina, Sabedoria, e que de Si tenha, Ele mesmo, criado o Universo e
todas as cousas do universo, é o que foi demonstrado no Tratado DO DIVINO
AMOR E DA DIVINA SABEDORIA; daí resulta esta proposição, que o Universo, com
todas e cada uma das cousas que contém, foi criado do Divino Amor pela Divina
Sabedoria. No Tratado acima mencionado, foi também demonstrado que sem a
sabedoria o Amor nada pode fazer, e que sem o amor a Sabedoria também nada
pode fazer; pois o amor sem a sabedoria, ou a vontade sem o entendimento, nada
pode pensar, e mesmo nada pode ver nem sentir, nem pronunciar cousa alguma, é
por isso também que o amor sem a sabedoria, ou a vontade sem o entendimento
nada pode fazer; semelhantemente a sabedoria sem o amor, ou o entendimento
sem a vontade, nada pode pensar, e nada pode ver nem sentir, nem mesmo
pronunciar cousa alguma; é por isso que a sabedoria sem o amor, ou o
entendimento sem a vontade, nada pode fazer; com efeito, se o amor é retirado, não
há mais vontade alguma, nem por conseqüência ação alguma. Pois que isto existe
no homem quando ele faz alguma cousa, com mais forte razão existiu em Deus, que
é o Amor mesmo e a Sabedoria mesma, quando criou e fez o Universo e todas as
coisas do Universo. Que o Universo, com todas é cada uma das coisas que contém,
tenha sido criado do Divino Amor pela Divina Sabedoria, isso pode ser confirmado
por tudo que se apresenta à vista no mundo: Toma somente algum objeto em
particular, e examina-o com alguma sabedoria, e serás confirmado; toma uma
árvore, ou a sua semente, ou seu fruto, ou sua flor, ou sua folha; e recolhendo o que
há de sabedoria em ti, olha para este objeto com um bom microscópio, e verás
maravilhas; e os interiores que tu não vês são ainda mais admiráveis; considera a
ordem em sua sucessão, como a árvore cresce desde a semente; e examina se em
toda sucessão não há um contínuo esforço para se propagar mais para diante, pois
o último para onde ela tende é a semente, na qual o seu prolífico está de novo; se,
então, queres mesmo pensar espiritualmente - tu o podes se o queres - não verás aí
a sabedoria? E ainda se quiseres pensar espiritualmente até lá, verás que este
prolífico não vem da semente, nem do sol do mundo, que é puro fogo, mas que está
na semente por Deus Criador, a quem pertence à Sabedoria infinita, e que não
somente aí estava quando ela foi criada, mas aí está continuamente depois; pois a
sustentação é uma perpétua criação, do mesmo modo que a subsistência é uma
perpétua existência; dá-se com isto o mesmo que acontece quando do ato tu tiras a
vontade, a obra cessa; ou quando da palavra, tiras o pensamento, a palavra cessa;
ou quando do movimento tiras o esforço, o movimento cessa; em uma palavra,
quando do efeito tiras a causa, o efeito perece; e assim por diante. Em tudo o que foi
criado, foi posta, é verdade, uma força; mas a força nada faz por si mesma, age por
aquele que pôs a força. Olha ainda para algum outro objeto sobre a terra, por
exemplo, para um bicho-da-seda, para uma abelha ou para um outro animáculo, e
examina-o primeiro naturalmente, e por fim espiritualmente; e, então, se podes
pensar profundamente, serás tomado de admiração por tudo que o compõe; e se
deixas falar em tia sabedoria dirás em tua admiração: "Quem é que não vê aí o
Divino? Tudo aí pertence à Divina Sabedoria". Ficarás ainda mais maravilhado, se
considerares os usos de todas as cousas que foram criadas; como, em sua ordem,
eles vão sucessivamente até ao homem, e do homem ao Criador a quo (de que
provêm); e como da conjunção do Criador com o homem depende o encadeamento
de todas as cousas. Que o Divino Amor tenha criado todas as coisas, mas nada
tenha criado sem a Divina Sabedoria, ver-se-á no que segue.
4 - II. 0 Divino Amor e a Divina Sabedoria procedem como um do Senhor.
Isto é ainda evidente pelo que foi demonstrado no Tratado DO DIVINO AMOR E DA
DIVINA SABEDORIA, sobre tudo por estes Artigos: O Ser e o Existir no Senhor são
distintamente um, nº 14 a 17. No Senhor os infinitos são distintamente um, nº 17 a
22. O Divino Amor pertence à Divina Sabedoria, e a Divina Sabedoria pertence ao
Divino Amor, nº 34 a 39. O Amor sem o casamento com a Sabedoria não pode fazer
cousa alguma, nº 401 a 403. O Amor nada faz que não seja em conjunção com a
Sabedoria, nº 409 a 410. O Calor espiritual e a Luz espiritual procedendo do Senhor
como Sol fazem um como o Divino Amor e a Divina Sabedoria no Senhor são um, nº
99 a 102; pelo que foi demonstrado nestes Artigos, vê-se claramente a verdade
desta proposição. Mas como não se sabe como duas cousas distintas entre si
podem agir como um, vou mostrar aqui que um um (unum) não existe sem uma
forma, mas que a forma mesma faz este um; e também que a forma faz um um tanto
mais perfeitamente, quanto as coisas que entram na forma são distintamente
diferentes, e entretanto unidas. 1º Um um não existe, sem uma forma, mas a
forma mesma faz este um: Quem quer que pense com uma tensão da mente pode
ver claramente que um um não existe sem uma forma, e que se existe há uma
forma; com efeito, tudo que existe tem pela forma o que é chamado qualidade, e
também o que é chamado atributo; além disso, o que é chamado mudança de
estado, como também o que é chamado relação, e outras cousas semelhantes; é
por isso que, o que não está em uma forma não pertence a afeição alguma, o que
não pertence a afeição alguma, não pertence a, coisa alguma; a própria forma dá
tudo isso; e como todas as cousas que estão em uma forma, se a forma é perfeita,
se encaram mutuamente, como em uma cadeia um elo encara outro elo, segue-se
que a forma mesma faz um um, e assim um sujeito, ao qual se pode atribuir
qualidade, estado, afeição, por conseqüência alguma cousa, conforme a perfeição
da forma. É um tal um, tudo o que se vê com os olhos no mundo, e é também um tal
um tudo o que não se vê com os olhos, quer na natureza interior, quer no mundo
espiritual; é um tal um o homem, e é um tal um a sociedade humana; e é um tal um
a Igreja, e também todo o Céu angélico diante do Senhor; em uma palavra, é um tal
um o universo criado, não unicamente no comum, mas também em todo particular.
A fim de que todas as cousas em geral e em particular sejam formas, é
indispensável que Aquele que criou todas as cousas seja a Forma mesma, e que
desta forma mesma venham todas as cousas que foram criadas em formas; é isto
por conseqüência o que foi demonstrado no Tratado do Divino Amor e da Divina
Sabedoria, por exemplo, nestes Artigos. 0 Divino Amor e a Divina Sabedoria são
uma substância e uma forma, nº 40 a 43. 0 Divino Amor e a Divina Sabedoria são a
substância em si e a forma em si, assim o Eu mesmo e o único, nº 44 a 46. 0 Divino
Amor e a Divina Sabedoria no Senhor são um, nº 14 a 17 e 18 a 22. Procedem do
Senhor como um, nº 99 a 102; e em outros lugares. 2º A forma faz um um tanto
mais perfeitamente, quanto às coisas que entram na forma são distintamente
diferentes, e, entretanto unidas: Isto cabe dificilmente no entendimento, se o
entendimento não foi elevado, pois a aparência é que a forma não faz um um senão
por semelhanças de igualdade das coisas que constituem a forma; muitas vezes
conversei sobre este assunto com os anjos; eles me disseram que há aqui um
arcano que seus sábios percebem claramente, e que os que são menos sábios
percebem obscuramente; mas que a verdade é que a forma é tanto mais perfeita
quanto mais as coisas que a formam são distintamente diferentes, e não obstante
unidas de uma maneira singular; confirmavam isso pelas sociedades nos Céus, as
quais, tomadas em conjunto constituem a forma do Céu; e pelos Anjos de cada
Sociedade, nisto que quanto mais cada anjo é distintamente ele, assim livre, e ama
por conseqüência os consociados, como por si mesmo e por sua afeição, tanto mais
a, forma da sociedade é perfeita; ilustravam também isso pelo casamento da, bem e
do vero, nisto que quanto mais o bem e o vero são distintamente dois, tanto mais
podem fazer perfeitamente um; semelhantemente o amor e a sabedoria; e nisto que
a não distinção é o confuso, donde resulta toda imperfeição da forma. Mas como
cousas perfeitamente distintas são unidas, e assim fazem um, eles o confirmavam
também por vários exemplos, principalmente pelo que está no homem, em quem
cousas inumeráveis são assim distintas e não obstante unidas, distintas por
invólucros, e unidas por ligamentos; dá-se o mesmo com o amor e com todas as
cousas do amor, e com a sabedoria e todas as coisas da sabedoria, que não, são
percebidas senão como um. Ver maiores detalhes sobre este assunto no Tratado do
Divino Amor e da Divina Sabedoria, nº 14 a 22; e na Obra do Céu e do Inferno, nºs
56 e 489. Isto foi relatado, porque é da Sabedoria Angélica.
5. III. Este um está em uma sorte de imagem em todas as, cousas criadas.
Que o Divino Amor e a Divina Sabedoria, que no Senhor são um e procedem d'Ele
como um, estejam em uma sorte de imagem em todas as cousas criadas, pode-se
ver pelo que foi demonstrado aqui e ali no Tratado do Divino Amor e da Divina
Sabedoria, e sobretudo pelo que aí se vê nos nºs 47 a 51; 54 a 60; 282 a 284; 290 a
295; 316 a 318; 319 a 326; 349 a 357; nessas passagens foi demonstrado que o
Divino está em todas as coisas criadas, porque Deus Criador, que é o Senhor de
toda a eternidade, produziu de Si mesmo o Sol do mundo espiritual, e por este Sol
todas as cousas do Universo; que por conseqüência este Sol, que foi produzido do
Senhor e no qual está o Senhor, é não somente a primeira, mas também a única
substância de que todas as coisas provêm; e como é a única substância, segue-se
que esta substância está em toda cousa criada, mas com uma infinita variedade
segundo os usos. Ora, pois que há no Senhor o Divino Amor e a Divina Sabedoria, e
no Sol procedente do Senhor o Divino fogo e o Divino esplendor, e pelo Sol o calor
espiritual e a luz espiritual, e que estes dois fazem um, resulta dai que este um está
em uma sorte de imagem em todas as coisas criadas. Vem daí que todas as cousas
que estão no Universo se referem ao Bem e ao Vero, e mesmo à conjunção do bem
e do vero, ou o que dá no mesmo que todas as cousas do Universo se referem ao
Amor e à Sabedoria, e à conjunção do amor e da sabedoria, pois o bem pertence ao
amor, e o vero pertence à sabedoria; com efeito, o amor chama bem tudo que é
dele, e a sabedoria chama vero tudo que é dela; que sua conjunção esteja em toda
cousa criada, ver-se-á no que segue.
6. É reconhecido por muitos que há uma substância única, que é também a primeira,
da qual provêm todas as cousas; mas qual é esta substância não se sabe;
acredita-se que é de tal modo simples que nada há de mais simples, e que ela pode
ser assemelhada, ao ponto, que não tem dimensão alguma, e que é de um número
infinito destes pontos que existiram as formas de dimensões; mas isso é uma ilusão
que tem sua origem na idéia do espaço; pois é segundo esta idéia que um tal ponto
muito pequeno se apresenta; mas entretanto a verdade é que, quanto mais uma
£ousa é simples e pura, tanto mais é completa e plena o que faz com que, quanto
mais se olha interiormente um objeto, tanto mais se descobrem nele cousas
admiráveis, perfeitas e belas; e que assim na substância primeira há as cousas mais
admiráveis, as mais perfeitas e as mais belas. Que assim seja é porque a primeira
substância vem do Sol espiritual, que, como foi dito, procede do Senhor e no qual
está o Senhor, assim a única substância é este Sol mesmo, que, não estando no
espaço, é tudo em todas as coisas, e nas muito grandes e nas muito pequenas do
Universo criado. Pois que este Sol é a substância primeira e única, da qual
procedem todas as coisas, segue-se que nela há cousas infinitamente mais
numerosas que as que podem ser vistas nas substâncias que dela provêm, as quais
são chamadas substanciadas e por fim matérias; se aquelas não podem ser vistas
nestas, é porque descem deste Sol por graus de um duplo gênero, segundo os quais
todas as perfeições decrescem; vem dai que, como já foi dito quanto mais se olha
interiormente um objeto, tanto mais se descobrem nele cousas admiráveis, perfeitas
e belas. Isto foi dito para confirmar que o Divino está em uma sorte de imagem em
toda cousa criada, mas que é visto cada vez menos, descendo pelos graus, e ainda
menos quando o grau Inferior separado dó grau superior por oclusão é obstruído por
matérias terrestres. Mas isto não pode deixar de parecer obscuro, a não ser que se
tenha lido e compreendido o que foi demonstrado no Tratado do Divino Amor e da
Divina Sabedoria, sobre o Sol espiritual, nº 83 a 172; sobre Graus, nº 173 a 281; e
sobre a Criação do Universo, nº 282 a 357.
7. IV. É da Divina Providência que toda coma criada seja no comum e na parte,
um tal um.
E se não o é, que assim se torne, quer dizer que em toda cousa criada haja alguma
cousa do Divino Amor e ao mesmo tempo da Divina Sabedoria, ou, o que dá no
mesmo, que em toda cousa criada haja o bem e o vero; como o bem pertence ao
amor, e o vero à sabedoria, assim como foi dito acima, nº 5, é por isso que no que
segue, em lugar do amor e da sabedoria se dirá muitas vezes o bem e o vero, e em
lugar da união do amor e da sabedoria, o casamento do bem e do vero.
8. Pelo Artigo que precede, é evidente que o Divino Amor e a Divina Sabedoria que
no Senhor são um, e que procedem do Senhor como um, estão em uma sorte de
imagem em toda cousa criada por Ele; agora se dirá também alguma cousa deste
um, ou da união que é chamada casamento do bem e do vero. I. Este casamento
está no Senhor mesmo; pois, como foi dito, o Divino Amor e a Divina Sabedoria
n'Ele são um. II. Ele vem do Senhor, pois em tudo que procede do Senhor há o amor
e a sabedoria inteiramente unidos; estes dois procedem do Senhor como Sol, o
Divino Amor como Calor, e a Divina Sabedoria como Luz. III. São recebidos pelos
Anjos, é verdade, como dois, mas são unidos neles pelo Senhor; dá-se o mesmo
nos homens da Igreja. IV. É devido ao influxo do amor e da sabedoria procedendo
como um do Senhor nos anjos do Céu e nos homens da Igreja, e da recepção deste
amor e desta sabedoria pelos anjos e pelos homens, que o Senhor na Palavra é
chamado Noivo e Marido, e que o Céu e a Igreja são chamados Noiva e Esposa. V.
Portanto, tanto quanto o Céu e a Igreja no comum, e o anjo do Céu e o homem da
Igreja no particular, estão nesta união, ou no casamento do bem e do vero, tanto
mais estão na imagem e semelhança do Senhor, pois que estes dois no Senhor são
um, e mesmo são o Senhor. VI. O amor e a sabedoria no Céu e na Igreja no comum,
e no anjo do Céu e no homem da Igreja no particular, são um quando a Vontade e o
Entendimento, assim quando o bem e o vero fazem um; ou, o que é a mesma
cousa, quando a doutrina segundo a Palavra e a vida segundo esta doutrina fazem
um. VII. Mas como estes dois fazem um no homem e em todas as coisas do
homem, isso foi mostrado no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, 5ª
Parte, onde se trata da Criação do homem, e principalmente da Correspondência da
vontade e do entendimento com o coração e o pulmão, nº 385 e 432.
9. Mas como eles fazem um nas coisas que estão abaixo ou fora do homem, tanto
nas que estão no Reino animal, como nas que estão no Reino vegetal, isso será dito
aqui e ali no que segue; é preciso que estes três pontos sejam expostos antes:
Primeiramente: que no Universo, e em todas e cada uma das cousas do Universo,
que foram criadas pelo Senhor, há o casamento do bem e do vero. Segundamente:
que este casamento após a criação foi desunido no homem. Terceiramente: que é
da Divina Providência, que o que foi desunido se torne um, e que assim o
casamento do bem e do vero seja restabelecido. Estes três pontos foram
confirmados de várias maneiras no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria;
por isso é inútil confirmá-los mais; cada um também segundo a razão, que o
casamento do bem e do vero tendo estado por criação em toda cousa criada, e este
casamento tendo em seguida sido desunido, o Senhor opera continuamente para
que seja restabelecido que, por conseguinte a sua restauração, e portanto a
conjunção do Universo com o Senhor por meio do homem, são obra da Divina
Providência.
10. V. O bem do amor não é mais o bem senão tanto quanto está unido ao vero
da sabedoria, e o vero da sabedoria não é mais o vero senão tanto quanto está
unido ao bem do amor.
O bem e o vero tiram isto de sua origem; o bem em sua origem está no Senhor,
igualmente o vero, porque o Senhor é o Bem mesmo e o, Vero mesmo, e estes dois
n'Ele são um; daí vem que o bem nos anjos do Céu e nos homens da terra não é o
bem em si, senão tanto quanto está unido ao vero, e que o vero não é o vero em si,
senão tanto quanto está unido ao bem. Que todo bem e todo vero vêm do Senhor,
isso é sabido; assim como o bem faz um com o vero, e o vero com o bem, segue-se
que, para que o bem seja o bem em si, e que o vero seja o vero em si, é preciso que
façam um no recipiente, que é o anjo do Céu e o homem da terra.
11. Sabe-se, é verdade, que todas as cousas no Universo se referem ao bem e ao
vero, porque pelo bem é entendido o que universalmente abrange e envolve todas
as cousas do amor, e que pelo vero é entendido o que universalmente abrange e
envolve todas as cousas da sabedoria; mas não se sabe ainda que o bem não é
alguma cousa se não está unido ao vero, e que o vero não é alguma cousa se não
está unido ao bem; na verdade, parece que o bem seja alguma cousa sem o vero, e
que o vero seja alguma cousa sem o bem, mas entretanto isso não é; com efeito, o
amor, de que todas as produções são chamadas bens, é o Ser da coisa e a
sabedoria de que todas as produções são chamadas veros, é o Existir da cousa por
este Ser, como foi mostrado no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, nº 14
a 16; é por isso que, do mesmo modo que o Ser sem o Existir não é alguma cousa,
também o bem sem o vero não é alguma cousa, nem o vero sem o bem.
Semelhantemente, o que é o bem sem relação com alguma cousa? Pode ele ser
chamado bem? Pois não pertence à afeição alguma nem a percepção alguma;
aquilo que conjuntamente com o bem, afeta e se faz perceber e sentir, se refere ao
vero porque isso se refere ao que está no entendimento; diz a alguém puramente "o
Bem" e não "isto ou aquilo é um bem", o bem é alguma cousa? Mas depois disto ou
aquilo, que é percebido como um com o bem, ele é alguma cousa; esta união ao
bem não se faz em outra parte senão no entendimento, e o todo do entendimento se
refere ao vero. Dá-se o mesmo com o querer; o querer sem o saber, sem o perceber
o pensar daquilo que quer o homem, não é alguma coisa, mas com estes três se
torna alguma coisa; o todo do querer pertence ao amor e se refere ao bem, e o todo
do saber, do perceber e do pensar pertence ao entendimento e se refere ao vero;
por isto é evidente que querer não é alguma coisa, mas que querer isto ou aquilo é
alguma cousa. Dá-se o mesmo com todo uso, porque o uso é o bem; o uso se não
foi determinado para alguma cousa com a qual seja um, não é um uso, assim não é
alguma coisa, o uso tira do entendimento o seu alguma coisa, e aquilo que por
conseguinte está conjunto ou adjunto ao uso se refere ao vero, do qual o uso tira sua
qualidade. Por estas explicações, pode-se ver que o bem sem o vero não é alguma
cousa, que assim o vero sem o bem não é tampouco alguma coisa. Diz-se que o
bem com o vero e o vero com o bem são alguma cousa, donde se segue que o mal
com o falso e o falso com o mal, não são alguma cousa, pois estes são opostos
àqueles, e o oposto destrói, aqui destrói o alguma cousa; mas falar-se-á desse
assunto no que segue.
12. Mas existe um casamento do bem e do vero, na causa, e existe um casamento
do bem e do vero pela causa no efeito; o casamento do bem e do vero na causa é o
casamento da vontade e do entendimento, ou do amor e da sabedoria; em tudo que
o homem a quer e pensa, e que, por conseguinte conclui e se propõe há este
casamento; este casamento entra no efeito e o produz: mas ao efetuar estes dois
aparecem distintos, porque o simultâneo então faz o sucessivo; por exemplo,
quando o homem tem a vontade e o pensamento de se alimenta , de se vestir, de se
alojar, de fazer um comércio ou uma obra, de conversar, então ao mesmo tempo
primeiro ele quer e pensa, ou conclui e se propõe; quando determinou estas cousas
nos efeitos, então um sucede ao outro, mas não obstante fazem um continuamente
na vontade e no pensamento; os usos nestes efeitos pertencem ao amor ou ao bem,
os meios para os usos pertencem ao entendimento ou ao vero. Cada um pode
confirmar estes exemplos gerais por exemplos, especiais, desde que perceba
distintamente o que se refere ao bem do amor e o que se refere ao vero da
sabedoria, e distintamente como isto se refere na causa, e como se refere no efeito.
13. Foi dito algumas vezes que o amor faz a vida do homem, mas não é entendido o
amor separado da sabedoria, ou à bem separado do vero na causa, porque o amor
separado, ou o bem separado, não, é alguma cousa; é por isso que o amor que faz a
vida íntima do homem, a qual vem do Senhor, é o amor e a sabedoria juntos,
mesmo o amor que faz a vida do homem, tanto, quanto ele é recipiente; e não há
amor separado na causa, mas no efeito; pois o amor não pode ser entendido sem
sua qualidade, e a sua qualidade é a sabedoria; a qualidade ou à sabedoria não
pode existir senão por seu Ser, que é o amor; daí vem que eles sejam um; dá-se o
mesmo com o bem e o vero. Ora, como o vero vem do bem, do mesmo modo que a
sabedoria vem do amor, eis por que os dois tomados em conjunto são chamados
amor ou bem, pois o amor em sua forma é a sabedoria, e o bem em sua forma é o
vero; toda qualidade vem da forma e não de outra parte. Por explicações, pode-se
ver agora que o bem não é mais o bem senão tanto quanto foi unido a seu vero, e
que o vero não é mais o vero senão tanto quanto foi unido a seu bem.
14. VI. 0 bem do amor não unido, ao vero da sabedoria, não é o bem em si, mas
é um bem aparente, e o vero da sabedoria não unido ao bem do amor, não é o
vero em si, mas é um vero aparente.
A verdade é que não há bem algum que seja o bem em si se não está unido a seu
vero, nem vero algum que seja o vero em si se não está unido a seu bem; entretanto
há um bem separado do vero, e um vero separado do bem; está entre os hipócritas
e os bajuladores, entre os maus quaisquer que sejam, e entre os que estão no bem
natural sem estar em algum bem espiritual; uns e outros podem fazer o bem em
relação à Igreja, à Pátria, a uma Sociedade, ao Concidadão, aos Indigentes, aos
Pobres, às Viúvas e aos órfãos e podem também compreender os veros, pensar
neles pelo entendimento, falar deles e os ensinar segundo o pensamento; mas
entretanto estes bens e estes veros não são interiormente, nem por conseqüência
em si, bens e veros neles, mas são exteriormente bens e veros, assim unicamente
bens e veros em aparência, pois unicamente para eles e para o mundo, e não para o
bem mesmo e para o vero mesmo, por conseqüência não pelo bem e o vero,
também pertencem unicamente à boca e ao corpo e não ao coração; e podem ser
comparados ao ouro e à prata cobertos de escórias, ou à madeira podre, ou ao
estrume; e os veros enunciados podem ser comparados ao sopro da respiração que
é dissipado, ou a um fogo fátuo que se desvanece; não obstante no exterior
aparecem como reais; aparecem como tais neles, mas todavia podem parecer de
outro modo naqueles que escutam e recebem sem saber que são tais, pois o
externo afeta a cada um segundo o interno de cada um com efeito, o vero entra no
ouvido de outrem, qualquer que seja a boca que o pronuncia, e o recebe pela mente
segundo o estado e a qualidade, da mente. Naqueles que estão no bem natural pelo
hereditário, e que não estão em bem algum espiritual, a cousa é quase semelhante;
pois o interno de todo bem e de todo vero é espiritual, e este espiritual dissipa os
falsos e os males; mas o natural só os favorece; ora, favorecer os males e os falsos,
e fazer o bem, isso não concorda.
15. Se o bem pode ser separado do vero, e o vero ser separado do bem, e se após a
separação eles podem se apresentar como bem e como vero, é porque o homem
tem a faculdade de agir, que é chamada Liberdade, e a faculdade de compreender,
que é chamada Racionalidade; é pelo abuso destas faculdades que o homem pode
se mostrar nos externos inteiramente diferente do que é nos internos; que por
conseqüência o mau pode fazer o bem e dizer o vero, ou que o diabo pode
contrafazer o anjo de luz. Mas sobre este assunto ver no Tratado do Divino Amor e
da Divina Sabedoria os Artigos seguintes: A origem do mal vem do abuso das
faculdades que são próprias do homem, e são chamadas Racionalidade e
Liberdade, nº 264 a 270. Estas duas faculdades estão nos maus como estão nos
bons, nº 425. O amor sem o casamento com a sabedoria ou o bem sem o
casamento com o vero, nada pode fazer, nº 401. O amor nada, faz senão em
conjunção com a sabedoria ou o entendimento, nº 409. O amor se conjunta à
sabedoria ou ao entendimento e faz com que a sabedoria ou o entendimento seja
reciprocamente conjunto, nº 410 a 412. A sabedoria ou o entendimento pelo poder
que lhe dá o amor, pode ser elevado, e perceber as coisas que pertencem à luz
procedente do Céu, e as receber, nº 413. O amor pode igualmente ser elevado e
receber as coisas que pertencem ao calor procedente do Céu, se ama a sabedoria,
sua esposa, nesse grau, nºs 414, 415. De outro modo o amor retira de sua elevação
à sabedoria ou o entendimento, para que aja como um com ele, nº 416 a 418. O
amor é purificado no, entendimento, se são elevados juntos; e é maculado no
entendimento e pelo entendimento, se não são levados juntos, nº 419 a 421. 0 amor
purificado pela sabedoria no entendimento se toma espiritual e celeste; mas o amor
maculado no entendimento se toma sensual e corporal, nº 422 a 424. Dá-se com a
caridade e com a fé, e com sua conjunção, o mesmo que com o amor e com a
sabedoria e com sua conjunção, nº 427 a 430. 0 que é a caridade nos Céus, nº 431.
16. VII. 0 Senhor não permite que alguma coisa seja dividida. É por isso que
toda coisa deve estar ou no bom e ao mesmo tempo no vero ou no mal e ao
mesmo tempo no falso.
A Divina Providência do Senhor tem principalmente por fim que o homem esteja no
bem e ao mesmo tempo no vero, e age neste fim; pois assim o homem é seu bem é
seu amor, e também seu vero e sua sabedoria; com efeito, por isto o homem é
homem, pois então é a Imagem do Senhor; mas como o homem, enquanto vive no
mundo, pode estar no bem e ao mesmo tempo no falso, e também estar no mal e ao
mesmo tempo no vero, e mesmo estar no mal e ao mesmo tempo no bem, por
conseqüência ser como duplo, e como esta divisão destrói esta imagem e assim o
homem, em conseqüência a Divina Providência do Senhor tende, em todas e cada
uma de suas operações, a que esta divisão não aconteça; e como é melhor para o
homem estar no mal e ao mesmo tempo no falso, do que estar no bem e ao mesmo
tempo no mal, é por isso que o Senhor permite que ele esteja naquele estado, não
como o querendo, mas como não podendo se opor por causa do fim, que é a
salvação. Que o homem possa estar no mal e ao mesmo tempo no vero, e que o
Senhor não possa se opor a Isso por causa do fim que é a salvação, é porque o
entendimento do homem pode ser elevado à luz da sabedoria, e ver os veros, ou os
reconhecer quando os ouve, seu amor permanecendo embaixo; pois assim o
homem pode estar pelo entendimento no Céu, mas pelo amor no inferno; e não
pode ser recusado ao homem ser tal, porque não pode ser privado das duas
faculdades pelas quais é homem e distinto das bestas, e pelas quais somente pode
ser regenerado e por conseqüência salvo, a saber, a Racionalidade e a Liberdade;
pois por elas o homem pode agir segundo a sabedoria, e agir também segundo um
amor que não pertence à sabedoria, e pode pela sabedoria no alto ver o amor
embaixo, e assim os pensamentos, as intenções, as afeições, por conseqüência os
males e os falsos, e também os veros de sua vida e de sua doutrina, sem o
conhecimento e sem o reconhecimento dos quais em si, ele não pode ser
reformado. Já se falou destas duas faculdades, e se falará mais no que segue. Tal é
a causa pela qual o homem pode estar no bem e ao mesmo tempo no vero, e estar
no mal e ao mesmo tempo nos falsos, e também estar no bem e ao mesmo tempo
no falso, e estar no mal, e ao mesmo tempo no vero.
17. O homem no mundo pode dificilmente entrar em uma ou outra conjunção ou
união, quer dizer, na do bem e do vero ou na do mal e do falso, pois enquanto vive
no mundo é mantido em um estado de reforma ou de regeneração; mas todo
homem depois da morte entra em uma ou outra conjunção, porque então ele não
pode mais ser reformado e regenerado; então permanece tal qual foi pela vida no
mundo, quer dizer, tal qual foi para ele o amor reinante; se, portanto a vida do amor
do mal esteve nele, então lhe é tirado todo vero que tinha adquirido no mundo por
um mestre, pela pregação ou pela Palavra, e o vero sendo tirado ele se enche de
falsos que concordam com seu mal, como uma esponja se embebe de água; e, ao
contrário, se a vida do amor do bem esteve nele, então é afastado dele todo falso
que havia recebido no mundo ouvindo e lendo, e que não havia confirmado em si, e
em lugar do falso lhe é dado um vero que concorda com seu bem. Isto é entendido
por estas palavras do Senhor: "Tirai-lhe o talento, e dai-o ao que tem os dez
talentos; pois a quem quer que tem, será dado, a fim de que tenha abundantemente;
mas ao que não tem, mesmo aquilo que tem será tirado" (Mateus 4º, 25; Lucas 8º,
18; 19º, 24 a 26).
18. Se cada um depois da morte deve estar ou no bem e ao mesmo tempo no vero,
ou no mal e ao mesmo tempo no falso, é porque o bem e o mal não podem ser
conjuntos, nem o bem e ao mesmo tempo o falso do mal, nem o mal e ao mesmo
tempo o vero do bem, pois são opostos, e os opostos, combatem entre si, até que
um destrua o outro. Os que estão no mal e ao mesmo tempo no bem são entendidos
por estas palavras do Senhor à Igreja dos Laodiceanos, no Apocalipse: "Eu conheço
as tuas obras, que nem frio tu és, nem quente; melhor seria que frio tu fosses, ou
quente; mas porque morno tu és, e nem frio nem quente, acontece que te vomitarei
de minha boca'' (3º, 1,5 e 16); e também por estas palavras do Senhor: "Ninguém
pode a dois senhores servir, pois ou um ele odiará e o outro amará, ou a um se
ligará e ao outro desprezará" (Mat. 6º, 24).
19. VIII. Aquele que está no bem e ao mesmo tempo no vero é alguma coisa, e
o que está no mal e ao mesmo tempo no falso não é alguma coisa.
Que o que está no bem e ao mesmo tempo no vero seja alguma coisa, vê-se acima,
nº 11, donde se segue que o mal e ao mesmo tempo o falso não são alguma coisa.
Por não ser alguma coisa, é entendido nada ter do poder, nem da vida espiritual; os
que estão no mal e ao mesmo tempo no falso, os quais estão todos no inferno, têm,
é verdade, poder entre eles, pois o mau pode fazer mal, e o faz de mil maneiras,
entretanto pelo mal não pode fazer mal senão aos maus, mas não pode fazer mal
algum aos bons, e se faz mal aos bons, o que acontece algumas vezes, é por
conjunção com seu mal; daí vêm as tentações, que são infestações pelos maus no
homem, e por conseqüência combates pelos quais os bons pedem ser libertados de
seus males. Como não há coisa alguma do poder nos maus, resulta dai que diante
do Senhor todo o inferno é não somente como nada, mas não é absolutamente
coisa alguma quanto ao poder; que isto assim seja, é o que vi confirmado por um
grande número de experiências. Mas uma coisa surpreendente é que todos os maus
se acreditam poderosos, e que todos os bons se acreditam sem poder, isto provêm
de que os maus atribuem tudo à sua própria prudência, e assim à astúcia e à
malícia, e não atribuem coisa alguma ao Senhor, e que os bons nada atribuem à
própria prudência, mas atribuem tudo ao Senhor, que é Onipotente. Que o mal e o
falso não sejam coisa alguma, é também porque neles nada há da vida espiritual; é
por esta razão que a vida dos infernais é chamada não vida, mas morte, portanto,
pois que tudo que é alguma coisa pertence à vida, ser alguma coisa não pode
pertencer à morte.
20. Os que estão no mal e ao mesmo tempo nos veros podem ser comparados a
águias que voam alto, e que caem quando as asas lhes são tiradas; com efeito,
semelhantemente agem depois da morte, quando se tornaram espíritos, os homens
que compreenderam os veros, falaram deles, os ensinaram, e, entretanto não
elevaram de modo algum seus olhos para Deus em suas vidas; estes por seus
intelectuais se elevam ao alto, e por vezes entram nos Céus e contrafazem os anjos
de luz; mas quando os veros lhes são tirados e eles são expulsos, caem no inferno.
As águias significam também os homens de rapina que têm a vista Intelectual, e as
asas significam os veros espirituais. Diz-se que tais são os que não elevaram seus
olhos para Deus em sua vida; por elevar os olhos para Deus em sua vida, não é
entendida outra coisa senão pensar que tal ou tal mal é pecado contra Deus, e por
isso mesmo não o fazer.
21. IX. A Divina Providência do Senhor faz com que o mal e ao mesmo tempo o
falso sirvam para o equilíbrio, para a relação e para a purificação, e assim para
a conjunção do bem e do vem nos outros.
Por tudo que foi dito precedentemente, pode-se ver que a Divina Providência, do
Senhor opera continuamente, para que no homem o vero seja unido ao bem, e o
bem ao, vero; e isto, porque esta união é a Igreja e é o Céu; pois esta união está no
Senhor, e está em todas as cousas que procedem do Senhor; é por esta união que o
Céu é chamado casamento e a Igreja igualmente, por isso o Reino de Deus na
Palavra é comparado ao casamento; é por causa desta união que o sabbath na
Igreja israelita era a cousa mais santa do culto, pois significava esta união; vem daí
também que na Palavra e em todas e cada uma das coisas da Palavra há o
casamento do bem e do vero; sobre este casamento, ver a Doutrina da Nova
Jerusalém sobre a Escritura Santa, nº 80 a 90; o casamento do bem e do vero vem
do casamento do Senhor com a Igreja, e o casamento do Senhor com a Igreja vem
do casamento do Amor e da Sabedoria no Senhor, pois o bem pertence ao amor, e
o vero pertence à sabedoria. Por isto, pode-se ver que o objeto perpétuo da Divina
Providência é unir no homem o, bem ao vero e o vero ao bem, pois assim o homem
é unido ao Senhor.
22. Mas como muitos romperam e rompem este casamento, sobretudo pela
separação da fé e da caridade, pois a fé pertence ao vero e o vero pertence à fé, e a
caridade pertence ao bem e o bem pertence à caridade, e que por isso conjuntam
neles o mal e o falso, e assim se tornaram e se tornam opostos, foi provido pelo
Senhor de modo que não obstante sirvam para a conjunção do bem e do vero em
outros pelo equilíbrio, pela relação e pela purificação.
23. É provida pelo Senhor a conjunção do bem e do vero em outros pelo Equilíbrio
entre o Céu e o Inferno; pois do inferno é continuamente exalado o mal e ao mesmo
tempo o falso, e do Céu é continuamente exalado o bem e ao mesmo tempo o vero;
todo homem, enquanto vive no mundo, é mantido neste Equilíbrio, e por isso na
liberdade de pensar, de querer, de falar e de fazer, liberdade em que pode ser
reformado. Sobre este Equilíbrio, espiritual pelo qual o Livre está no homem, ver no
Tratado do Céu e do Inferno, nºs 589 a 596 e 597 a 603.
24. É provida pelo Senhor a conjunção do bem e do vero pela Relação; com efeito, o
bem não é conhecido tal qual é senão pela relação com um bem que é menor, e
pela oposição com o mal; todo perceptivo e todo sensitivo vem daí, porque sua
qualidade vem daí; pois assim todo prazer é percebido e sentido segundo um prazer
menor, e por meio de desprazer; toda beleza por meio de uma beleza menor, e por
meio da feiúra; igualmente todo bem pertencente ao amor é percebido e sentido por
um bem que é menor, e por meio do mal; e todo vero pertencente à sabedoria é
percebido e sentido por um vero menor, e por meio do falso; é preciso que haja
variedade em toda cousa desde seu máximo até seu mínimo e quando há também
variedade no seu oposto desde seu máximo até seu mínimo e que o equilíbrio
intervém, então segundo os graus de uma parte e de outra se faz um relativo, e a
percepção e a sensação de cousa ou aumentam ou diminuem. Mas é preciso que se
saiba que o oposto tira e também exalta as percepções e as sensações; ele as tira
quando se mistura, e as excita quando não se mistura, é por isso que o Senhor
separa com cuidado o bem e o mal, a fim de que não sejam misturados no homem,
do mesmo modo que separa o Céu e o inferno.
25. É provida pelo Senhor a conjunção do bem e do vero em outros pela Purificação,
que se faz de duas maneiras, de uma maneira pelas Tentações, e de outra pelas
Fermentações. As Tentações espirituais não são outra coisa senão combates contra
os males e os falsos que são exalados do inferno, e que afetam; por elas o homem é
purificado dos males e dos falsos, e nele o bem é conjunto ao vero, e o vero ao bem.
As Fermentações espirituais se fazem de várias maneiras, tanto nos Céus como na
terra; mas no mundo se ignora o que elas são, e como se fazem; com efeito, são
males e ao mesmo tempo falsos, que, lançados nas sociedades, fazem à mesma
cousa que os fermentos nas farinhas e nos mostos, pelos quais os heterogêneos
são separados e os homogêneos são conjuntos, e então há Dureza e clareza; são
estas fermentações que são entendidas por estas palavras do Senhor: "Semelhante
é o Reino dos Céus ao levedo que uma mulher, depois de o haver tomado, o
encerra em três medidas de farinha, até que tudo esteja fermentado" (Mateus 13º,
33; Lucas 13º, 21).
26. É provido pelo Senhor para estes usos por meio da conjunção do mal e do falso,
a qual está nos que estão no inferno; pois o Reino do Senhor, que está não somente
sobre o Céu, mas também sobre o inferno, é o Reino dos usos; e a Providência do
Senhor é que nele não haja nem uma pessoa nem uma cousa, por quem e pela qual
não se faça um uso.
A DIVINA PROVIDÊNCIA DO SENHOR TEM POR FIM UM CÉU PROVENIENTE
DO GÊNERO HUMANO
27. Que o Céu não seja formado de alguns anjos criados desde o começo, e que o
Inferno não venha de algum diabo que criado anjo de luz tenha sido precipitado do
Céu, mas que o Céu e o Inferno provenham do Gênero Humano, o Céu dos que
estão no amor do bem e, por conseguinte no entendimento do vero, e o Inferno dos
que estão no amor do mal e por conseguinte no entendimento do falso, é aquilo de
que tive o conhecimento e a prova por um comércio de longa duração com os anjos
e os espíritos; sobre este assunto, ver o que foi mostrado no Tratado do Céu e do
Inferno, nº 311 a 316; depois o que foi dito no 0púsculo sobre o Julgamento Final, nº
14 a 27; e na Continuação sobre o Julgamento Final e sobre o Mundo Espiritual,
desde o começo até ao fim. Ora, pois que o Céu provém do Gênero Humano, e é a
coabitação com o Senhor pela eternidade, segue-se que o Céu é para o Senhor o
fim da criação; e, pois que é o fim da criação, é o fim da Divina Providência do
Senhor. O Senhor criou o Universo não para Ele, mas para aqueles com os quais
Ele deve estar no Céu; pois o amor espiritual é tal que quer dar o que é seu a
outrem, e tanto quanto o pode, tanto está em seu Ser, em sua Paz e em sua
Beatitude; o amor espiritual tira isso do Divino Amor do Senhor, que é assim em um
grau infinito; segue-se dai que o Divino Amor, e por conseguinte a Divina
Providência tem por fim um Céu, que se compõe de homens tornados anjos, e que
se tornam anjos, aos quais o Senhor possa dar todas as beatitudes e todas as
felicidades que pertencem ao amor e à sabedoria, e as dar por Ele mesmo neles; e
não pode fazer de outro modo, porque sua imagem e sua semelhança estão neles
por criação; a sua imagem neles é a sabedoria, e a sua semelhança neles é o amor,
e o Senhor neles é o amor unido à sabedoria e a sabedoria unida ao amor; ou, o que
é o mesmo, o bem unido ao vero e o vero unido ao bem; falou-se desta união no
Artigo precedente. Todavia, como se ignora o que é o Céu no comum ou em muitos,
e o que é o Céu no particular ou em algum, e também o que é o Céu no mundo
espiritual, e o que é o Céu no mundo natural, e como entretanto é importante que se
o saiba, pois que o Céu é o fim da Divina Providência, vou mostrar isso em uma
sorte de luz nesta ordem: I. O Céu é a conjunção com o Senhor. II. O homem por
criação é tal, que pode ser conjunto cada vez mais de perto ao Senhor. III. Quanto
mais de perto o homem é conjunto ao Senhor, mais se torna sábio. IV. Quanto mais
de perto o homem é conjunto ao Senhor mais se torna feliz. V. Quanto mais de perto
o homem é conjunto ao Senhor, mais distintamente lhe parece que se pertence, e
mais nota claramente que pertence ao Senhor.
28. I. 0 Céu é a conjunção com o Senhor.
O Céu é o Céu não pelos anjos, mas pelo Senhor, pois o amor e a sabedoria em
que estão os anjos, e que fazem o Céu, vêm não deles, mas do Senhor, e são
mesmo o Senhor neles; e como o amor e a sabedoria pertencem ao Senhor, e são o
Senhor no Céu, e como o amor e a sabedoria fazem à vida dos anjos, é evidente por
isso que sua vida pertence ao Senhor, e é mesmo o Senhor; que os anjos vivem do
Senhor, eles mesmos o confessam; por isso pode-se ver que o Céu é a conjunção
com o Senhor. Mas como a conjunção com o Senhor existe diversamente, e como
por conseguinte o Céu em um não é semelhante ao Céu em outro, segue-se por
isso que o Céu é segundo a conjunção com o Senhor; que haja uma conjunção cada
vez mais próxima, e também uma conjunção cada vez mais afastada, ver-se-á no
Artigo seguinte. Aqui se dirá alguma coisa sobre esta conjunção, como se faz, e qual
é ela. Há uma conjunção do Senhor com os anjos, e dos anjos com o Senhor, assim
conjunção recíproca; o Senhor influí no amor da vida dos anjos, e os anjos recebem
o Senhor na sabedoria, e por ela se conjuntam reciprocamente ao Senhor. Todavia,
é preciso que se saiba bem que parece aos anjos como se eles mesmos se
conjuntassem ao Senhor pela sabedoria, mas que entretanto é o Senhor que os
conjunta a Ele pela sabedoria, pois sua sabedoria vem também do Senhor; é o
mesmo se se diz que o Senhor se conjunta aos anjos pelo bem, e que os anjos se
conjuntam reciprocamente ao Senhor pelo vero, pois todo bem pertence ao amor, e
todo vero pertence à sabedoria. Mas como esta conjunção recíproca é um arcano
que poucas pessoas podem compreender se não é explicado, vou, tanto quanto isso
pode ser feito desenvolvê-lo por explicações suscetíveis de serem seguidas: No
Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, nºs 404, 405, foi mostrado como o
amor se conjunta à sabedoria, isto é, que é pela afeição de saber, donde resulta a
afeição do vero; pela afeição de compreender, donde resulta a percepção do vero; e
pela afeição de ver o que se sabe o que se compreende, donde resulta o
pensamento; o Senhor influi em todas estas afeições, pois elas são derivações do
amor da vida de cada um, e os anjos recebem este influxo na percepção do vero e
no pensamento, pois é nestes que o influxo se manifesta a eles, e não nas afeições;
ora, como as percepções e os pensamentos aparecem aos anjos como sendo deles,
ainda que venham das afeições que procedem do Senhor, é por isto que há esta
aparência, de que os anjos se conjuntam reciprocamente ao Senhor, ainda que o
Senhor os conjunte a Ele, pois a afeição mesma produz estas percepções e estes
pensamentos, visto como a afeição que pertence ao amor é sua alma; com efeito,
cada se pode perceber nem pensar sem afeição, e cada um percebe e pensa
segundo a afeição; por estas explicações é evidente que a conjunção recíproca das
anjos com o Senhor é operada não por eles, mas como por eles. Tal é também a
conjunção do Senhor coma Igreja e da Igreja com o Senhor, a qual é chamada
Casamento celeste e espiritual.
29. Toda conjunção no mundo espiritual se faz pela inspeção; lá, quando alguém
pensa em um outro pela afeição de lhe falar, imediatamente o outro se torna
presente, e eles se vêem um ao outro face a face; dá-se o mesmo quando alguém
pensa em um outro pela afeição do amor; por esta afeição há conjunção, mas pela
outra há unicamente presença; isto é particular ao mundo espiritual; a razão disso é
que lá todos são espirituais, ao contrário do que se passa no Mundo natural, onde
todos são materiais; no Mundo natural uma cousa semelhante se faz nos homens
nas afeições e nos pensamentos de seu espírito; mas como no Mundo natural há
espaços, e como no Mundo espiritual os espaços são unicamente aparências, é por
isso que no Mundo espiritual o que está no pensamento de cada espírito é feito na
realidade. Isto foi dito a fim de que se saiba como se faz a conjunção do Senhor com
os anjos, e a aparente conjunção recíproca dos anjos com o Senhor; pois todos os
anjos voltam à face para o Senhor, e o Senhor os olha na fronte, mas os anjos
olham o Senhor nos olhos; e isto, porque a fronte corresponde ao amor e às
afeições do amor os olhos correspondem à sabedoria e às percepções da sabedoria;
entretanto os anjos não voltam por si mesmos a face para o Senhor, mas o Senhor
os volta para Ele, e os volta pelo influxo no amor de sua vida, e por este influxo entra
nas percepções e nos pensamentos, e volta assim os anjos. Em todas as cousas da
mente humana há um tal circulo do amor para os pensamentos, e pelos
pensamentos para o amor; este círculo pode ser chamado o círculo da vida. Sobre
este assunto, ver no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria alguns Artigos,
por exemplo, estes: Os Anjos voltam continuamente sua face para o Senhor como
Sol, nº 129 a 134. Todos os interiores tanto da mente como do corpo dos anjos
estão igualmente voltados para o Senhor como Sol, nº 135 a 139. Cada espírito,
qualquer que seja, se volta semelhantemente para seu amor dominante, nº 140 a
145. 0 amor se conjunta à sabedoria e faz com que a sabedoria seja reciprocamente
conjunta, nº 410 a 412. Os anjos estão no Senhor, e o Senhor está neles; e como os
anjos são recipientes, o Senhor só é o Céu, nº 113 a 118.
30. O Céu do Senhor no Mundo natural é chamado Igreja, e o anjo deste Céu é o
homem da Igreja que foi conjunto ao Senhor; e, além disso, este homem, após sua
saída do Mundo, se toma anjo do Céu espiritual; por isso é evidente que o que foi
dito do Céu angélico deve ser entendido igualmente do Céu humano, que é
chamado Igreja. Esta conjunção recíproca com o Senhor, a qual faz o Céu no
homem, foi revelada pelo Senhor nestes termos em João: "Habitai em Mim, e Eu em
vós; aquele que habita em Mim, e Eu nele, esse dá muito, fruto; pois sem Mim nada
podeis fazer" (15.0 4, 5, 7).
31. Por estas explicações, é evidente que o Senhor é o Céu, não somente no
comum em todos no Céu, mas também lá no particular em cada um; pois cada anjo
é um Céu na menor forma; de tantos céus quantos anjos há se compõe o Céu no
comum; que assim seja, vê-se no Tratado do Céu e do Inferno, nº 51 a 58. Pois que
isto é assim, que ninguém abrace portanto este erro, que em um grande número
surge no primeiro pensamento, a saber, que o Senhor está no Céu entre os anjos ou
que está entre eles como um Rei em seu Reino; Ele está quanto ao aspeto acima
deles no Sol espiritual, mas quanto à vida de seu amor e de sua sabedoria está
neles.
32. II. 0 homem pela criação é tal que pode ser conjunto cada vez de mais perto
ao Senhor.
Pode-se vê-lo pelo que foi mostrado no Tratado do Divino Amor e da Divina
Sabedoria, Terceira Parte, sobre os Graus, e especialmente nestes Artigos: Há no
homem por criação três graus discretos ou de altura, nº 230 a 235. Estes três graus
estão em cada homem desde o nascimento, e conforme são abertos o homem está
no Senhor, e o Senhor está no homem, nº 236 a 241. Todas as perfeições crescem
e sobem com os graus e segundo os graus, nº 199 a 204. Por isto é evidente que
por criação o homem é tal, que pode pelos graus ser conjunto cada vez de mais
perto ao Senhor. Mas é preciso absolutamente saber o que são os graus, e que os
há de dois gêneros, os graus discretos ou de altura, e os graus contínuos ou de
largura, e qual é a sua diferença; e também que em cada homem por criação e por
conseguinte desde o nascimento há três graus discretos ou de altura; que o homem,
quando nasce, entra no primeiro o grau que é chamado natural e que pode nele
aumentar este grau por continuidade até que se torne racional; que entra no
segundo grau, que é chamado espiritual, se vive segundo as leis espirituais da
ordem que são os Divinos Veros; e que pode mesmo entrar no terceiro grau, que é
chamado celeste, se vive segundo as leis celestes da ordem, que são os Divinos
Bens. Estes graus são abertos efetivamente pelo Senhor no homem conforme sua
vida no Mundo, mas não são abertos perceptivelmente e sensivelmente senão
depois de sua saída do mundo; e conforme são abertos e em seguida
aperfeiçoados, o homem é conjunto cada vez de mais perto com o Senhor. Esta
conjunção pela aproximação pode ser aumentada eternamente, e por isso nos anjos
ela é aumentada eternamente, mas entretanto o homem não pode chegar ao
primeiro grau do Amor e da Sabedoria do Senhor, ou atingir este grau, porque o
Senhor é Infinito e o anjo é finito, e porque não há relação entre o Infinito e o finito.
Como ninguém pode compreender o estado do homem, nem o estado de sua
elevação e de sua aproximação para o Senhor, a não ser que conheça estes graus,
por isso falou-se especialmente deles no Tratado do Divino Amor e da Divina
Sabedoria, nº 173 a 281.
33. Dir-se-á em poucas palavras como o homem pode ser conjunto cada vez de
mais perto ao Senhor, e em seguida como esta conjunção aparece cada vez mais
próxima. 1º Como o homem é conjunto cada vez de mais perto ao Senhor: Isso
se faz não pela ciência só, nem pela inteligência só, nem mesmo pela sabedoria só,
mas pela vida que lhes é conjunta; a vida do homem é seu amor, e o amor é de
várias espécies; em geral, há o amor do mal e o amor do bem; o amor do mal é o
amor de cometer adultério, de se vingar, de enganar, de blasfemar, de privar os
outros de seus bens; o amor do mal sente contentamento e, prazer pensando nestas
ações e em fazê-las; as derivações, que são as afeições deste amor, são em tão
grande número quanto há males pelos quais este amor se determinou; e as
percepções e os pensamentos deste amor em tão grande número quanto há falsos
que favorecem e confirmam estes males; estes falsos fazem um com os males, do
mesmo moda que o entendimento faz um com a vontade; não são separados um do
outro, porque um pertence ao outro. Ora, como o Senhor influi no amor da vida de
cada um, e pelas afeições nas percepções e nos pensamentos, e não vice-versa,
como foi dito acima, segue-se que ele não pode se conjuntar de mais perto senão
tanto quanto, o amor do mal com suas afeições, que são as cobiças, foi afastado; e
como estas cobiças residem no homem natural, e como o homem sente como se
agisse por si mesmo em tudo que faz pelo homem natural, o homem por
conseguinte deve afastar como por si mesmo os males desse amor, e então tanto
quanto os afasta, tanto o Senhor se aproxima de mais perto e se conjunta a ele;
cada um, pela razão, pode ver que as cobiças com seus prazeres obstruem e
fecham as portas ao Senhor, e que elas não podem ser expulsas pelo Senhor,
enquanto o homem mesmo mantém as portas fechadas, e de fora faz pressão e
empurra para que não sejam abertas; que seja o homem mesmo que deve abrir, isto
é evidente pelas palavras do Senhor, no Apocalipse: "Eis que estou à porta e bato;
se alguém ouve a minha voz e abre a porta, eu entrarei nele, e cearei com ele e ele
comigo" (3º, 20). É, portanto evidente que, tanto quanto alguém foge dos males
como diabólicos, e como se opondo à entrada do Senhor, tanto mais é conjunto
cada vez de mais perto ao Senhor, e que de muito perto é conjunto aquele que os
abomina como outros tantos diabos negros e ígneos, pois o mal e o diabo são um, e
o falso do mal e sacarias não um; pois que, do mesmo modo que há influxo do
Senhor no amor do bem e em suas afeições, e por elas nas percepções e nos
pensamentos, que provêm todos do bem em que está o homem, pelo que são veros,
do mesmo modo há influxo do diabo, isto é, do inferno, no amor do mal e em suas
afeições, que são cobiças, e por elas nas percepções e nos pensamentos, que
provêm todos do mal em que está o homem, pelo que são falsos. 2º Como esta
conjunção aparece cada vez mais próxima: Quanto mais os males foram
afastados no homem natural, por isso que foram postos em fuga e tomados em
aversão, tanto mais o homem é conjunto de mais perto ao Senhor; e como o amor e
a sabedoria, que são o Senhor mesmo, não estão no espaço, pois a afeição que
pertence ao amor e o pensamento que pertence à sabedoria nada têm de comum
com o espaço, em conseqüência o Senhor aparece mais próximo conforme a
conjunção pelo amor e pela sabedoria, e ao contrário mais afastado conforme a
rejeição do amor e da sabedoria; no mundo espiritual o espaço não existe, mas lá as
distâncias e as presenças são aparências segundo as semelhanças e as
dessemelhanças das afeições; pois, como já foi dito às afeições que pertencem ao
amor, e os pensamentos que pertencem à sabedoria, e que em si mesmos são
espirituais, não estão no espaço; sobre este assunto, ver o que foi mostrado no
Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, nºs7 a 10, 69 a 72, e em outros
lugares. A conjunção do Senhor com o homem, em quem os males foram afastados,
é entendida por estas palavras do Senhor: "Os puros de coração verão a Deus"
(Mat. 5º, 8); e por estas: "Aquele que tem os meus preceitos, e os faz, nele farei
morada" (João 14º, 21, 23); ter os preceitos é saber; e fazer os preceitos é amar;
pois se diz também nesta passagem: "Aquele que faz meus preceitos é aquele que
me ama".
34. III. Quanto mais de perto o homem está conjunto ao Senhor, mais se torna
sábio.
Pois que no homem por criação, e, por conseguinte desde o nascimento, há três
graus de vida, como acaba de ser dito, nº 32, há principalmente nele três graus da
sabedoria; estes graus é que são abertos no homem segundo a conjunção; são
abertos segundo o amor, pois o amor é a conjunção mesma; todavia, a elevação do
amor segundo os graus não é percebida senão obscuramente pelo homem, mas a
elevação da sabedoria é percebida claramente naqueles que sabem e vêem o que é
a sabedoria. A razão pela qual os graus da sabedoria são percebidos é que o amor
entra pelas afeições nas percepções, e nos pensamentos, e que estes se
apresentam à vista interna da mente, a qual corresponde à vista externa do corpo;
daí vem que a sabedoria aparece, e não do mesmo modo a afeição do amor que a
produz; dá-se com isto como com todas as cousas que são feitas efetivamente pelo
homem; nota-se como são operadas pelo corpo, mas não como o são pela alma; do
mesmo modo também percebe-se como o homem medita, percebe e pensa, mas
não como a alma destas meditações, percepções e pensamentos, que é a afeição
do bem e do vero, as produz. Todavia, há três graus da sabedoria, o natural, o
espiritual e o celeste; no grau natural da sabedoria está o homem enquanto vive no
mundo, este grau nele pode então ser aperfeiçoado ao mais alto ponto, e não
obstante não pode entrar no grau espiritual, porque este grau não está ligado ao
grau natural por continuidade, mas lhe é conjunto pelas correspondências; no grau
espiritual da sabedoria está o homem depois da morte, e este grau também é tal que
pode ser aperfeiçoado ao mais alto ponto, mas não obstante não pode entrar no
grau celeste da sabedoria, porque este grau também não está ligado ao grau
espiritual por continuidade, mas lhe é conjunto pelas correspondências; por estas
explicações, pode-se ver que a sabedoria pode ser elevada em razão tríplice, e que
em cada grau ela pode ser aperfeiçoada em razão simples até ao seu mais alto
ponto. Aquele que apreende as elevações e as perfeições destes graus pode de
alguma sorte perceber o que se diz da Sabedoria Angélica, que é inefável; esta
sabedoria também é de tal modo inefável que mil idéias do pensamento dos anjos,
segundo sua sabedoria, não podem apresentar senão uma única idéia do
pensamento dos homens, segundo sua sabedoria; estas novecentas e noventa e
nove outras idéias do pensamento dos anjos não podem entrar, pois são
sobrenaturais; que assim seja, é o que me foi dado saber muitas vezes por viva
experiência. Mas, como foi dito precedentemente, ninguém pode entrar nesta
sabedoria Inefável dos anjos senão pela conjunção com o Senhor, e segundo esta
conjunção, pois o Senhor só abre o grau espiritual e o grau celeste, mas somente
naqueles que são sábios pelo Senhor, e são sábios pelo Senhor os que rejeitam
para fora deles o diabo, isto é, o mal.
35. Não se creia, porém, que alguém tenha a sabedoria pelo fato de saber muitas
cousas, de percebê-las em uma certa luz, e poder falar delas com inteligência, a não
ser que a sabedoria seja conjunta ao amor; pois o amor por suas afeições a produz;
se não foi conjunta ao amor, é como um meteoro no ar que se dissipa, e como uma
estrê1a cadente; mas a sabedoria conjunta ao amor é como a luz permanente do
Sol e como uma estrela fixa; o homem tem o amor da sabedoria tanto quanto tem
em aversão à turba diabólica, isto é, às cobiças do mal e do falso.
36. A sabedoria, que vem à percepção, é a percepção do vero pela afeição do vero,
principalmente a percepção do vero espiritual; pois há o vero civil, o vero moral e o
vero espiritual; aqueles que estão na percepção do vero espiritual pela afeição deste
vero estão também na percepção do vero moral e na percepção do vero civil, pois a
percepção do vero espiritual é a alma destas percepções. Falei por vezes da
sabedoria com os anjos, que me disseram que a sabedoria é a conjunção com o
Senhor, porque o Senhor é a Sabedoria mesma, e que nesta conjunção entra aquele
que rejeita para longe de si o inferno, e que entra nela na mesma proporção em que
o rejeita; eles me disseram que representam a Sabedoria como um Palácio
magnífico e muito bem ornado, ao qual se sobe por doze degraus; que ninguém
sobe ao primeiro degrau senão pelo Senhor por meio da conjunção com Ele; que
cada um sobe segundo a conjunção, e que, à medida que sobe, percebe que
ninguém é sábio por si mesmo, mas que se é sábio pelo Senhor; além disso,
também, que as cousas que se sabe são relativamente às que não se sabe como
são algumas gotas de água relativamente a um grande lago. Pelos doze degraus do
Palácio da Sabedoria são significados os bens conjuntos aos veros e os veros
conjuntos aos bens.
37. IV. Quanto mais de perto o homem está conjunto ao Senhor, mais é feliz.
O que foi dito acima, nº 32 a 34, dos graus da vida e da sabedoria segundo a
conjunção com o Senhor, pode também ser dito dos graus da felicidade; com efeito,
as felicidades, ou as beatitudes e as alegrias, sobem conforme os graus superiores
da mente, que são chamados grau espiritual e grau celeste, são abertos no homem,
e estes graus após sua vida no mundo crescem eternamente.
38. Todo homem que está nos prazeres das cobiças do mal nada pode saber dos
prazeres das afeições do bem em que está o Céu angélico, pois estes dois gêneros
de prazeres são absolutamente opostos um ao outro nos internos, e, por
conseguinte interiormente nos externos, mas, na superfície mesma, diferem pouco;
com efeito, todo amor tem seus prazeres, mesmo o amor do mal naqueles que estão
nas cobiças, como o amor de cometer adultério, de se vingar, de enganar, de roubar,
de se entregar à crueldade, e mesmo, nos piores, de blasfemar as cousas santas da
Igreja, e de espalhar seu veneno contra Deus; a fonte desses prazeres é o amor de
dominar pelo amor de si; estes prazeres vêm das cobiças que o obsidiam os
interiores da mente, dimanam daí para o corpo, e aí excitam cousas impuras que
titilam as filhas; como conseqüência do prazer da mente segundo as cobiças nasce
o prazer do corpo, em que consistem e quais são as coisas impuras que titilam as
filhas de seu corpo, cada um depois da morte pode sabê-lo no Mundo espiritual; são,
em geral, coisas cadaverosas, excrementiciais, estercorosas, nidorosas e urinosas,
pois seus infernos abundam em semelhantes impurezas, que são correspondências,
como se vê no Tratado do Divino e da Divina Sabedoria, nº 422 a 424; mas depois
que entraram no inferno, estes prazeres vergonhosos são mudados em tormentos
medonhos. Isto foi dito a fim de que se possa compreender em que consiste e qual é
a felicidade do Céu, de que agora vai se falar; pois cada cousa é conhecida por seu
oposto.
39. As beatitudes, as alegrias, os prazeres e os encantos, em uma palavra, as
felicidades do Céu, não podem ser descritas por palavras, mas podem no Céu ser
percebidas pelos sentidos; com efeito, o que só é percebido pelos sentidos não pode
ser descrito, porque isso não cabe nas idéias do pensamento, e, por conseguinte
não cabe tampouco em palavras; pois o entendimento vê somente, e vê as cousas
que pertencem à sabedoria ou ao vero, e não, as que pertencem ao amor ou ao
bem; é por isso que essas felicidades são inexprimíveis, mas não obstante sobem
no mesmo grau que a sabedoria; suas variedades são infinitas e cada uma é
inefável; eu o ouvi dizer, e o percebi. Mas estas felicidades entram à medida que o
homem afasta as cobiças do amor do mal e do falso como por si mesmo, e não
obstante pelo Senhor, pois estas felicidades são as felicidades das afeições do bem
e do vero, e estas afeições são opostas às cobiças do amor do mal e do falso; as
afeições do amor do bem e do vero têm seu começo no Senhor, assim no íntimo, e
dai se espalham nos inferiores até aos últimos, e assim enchem o anjo, e fazem com
que todo ele seja por assim dizer uma delícia. Tais felicidades, com variedades
infinitas, estão em cada afeição do bem e do vero, sobretudo nas afeições da
sabedoria.
40. Os prazeres das cobiças do mal e os prazeres das afeições do bem não podem
ser comparados, porque interiormente nos prazeres das cobiças do mal há o diabo,
e interiormente nos prazeres das afeições do bem há o Senhor. Se se quer
comparações, os prazeres das cobiças do mal não podem ser comparados senão
aos prazeres lascivos das rãs nos pântanos, e aos das serpentes nos lugares
infectos; e os prazeres das afeições do bem podem ser comparados às delícias das
mentes (animi) nos jardins e nos canteiros matizados de flores; com efeito, coisas
semelhantes às que afetam as rãs e as serpentes afetam também nos infernos
aqueles que estão nas cobiças do mal; e cousas semelhantes às que afetam as
mentes nos jardins e nos canteiros afetam também nos Céus aqueles que estão nas
afeições do bem; pois, como foi dito acima, as coisas impuras afetam por
correspondência os maus, e as coisas puras afetam por correspondência os bons.
41. Por isto, pode-se ver que quanto mais de perto alguém está conjunto ao Senhor,
mais se torna feliz; mas esta felicidade se manifesta raramente no mundo, porque o
homem está então em um estado natural, e o estado natural comunica com o
espiritual não por continuidade, mas por correspondência; e esta comunicação não é
sentida senão por uma sorte de repouso e de paz da mente (animi), o que acontece,
sobretudo após os combates contra os males; mas quando o homem despe o
estado natural e entra no estado espiritual, o que acontece após sua salda do
mundo, a felicidade acima descrita se manifesta sucessivamente.
42. V. Quanto mais de perto o homem é conjunto ao Senhor, mais lhe parece
distintamente que ele se pertence, e mais nota claramente que pertence ao
Senhor.
Pela aparência, quanto mais alguém foi conjunto ao Senhor, menos se pertence;
uma tal aparência está em todos os maus, e também naqueles que, segundo sua
religião, crêem que não estão sob o jugo da lei, e que ninguém pode fazer o bem por
si mesmo; pois uns e outros não podem ver de outro modo, senão que não poder
nem pensar nem querer o mal, mas unicamente o bem, é não se pertencer; e porque
aqueles que foram conjuntos ao Senhor não querem e não podem nem pensar nem
querer o mal, eles concluem e si mesmos, segundo a aparência, que isso é não se
pertencer; e entretanto é absolutamente o contrário.
43. Há um livre infernal e há um livre celeste; é do livre infernal pensar e querer o
mal, e, tanto quanto as leis civis e morais não o impedem de pronunciar e fazer; ao
contrário, é do livre celeste pensar e querer o bem, e, tanto quanto se pode
pronunciá-lo e fazê-lo; tudo o que o homem pensa, quer, pronuncia e faz segundo o
livre, ele o percebe como seu, pois todo livre para cada um vem do seu amor; é por
isso que os que estão no amor do mal não podem senão perceber que o livre
infernal é o livre mesmo, mas os que estão no amor do bem percebem que o livre
celeste é o livre mesmo, por conseqüência uns e outros percebem que o oposto é o
servil; mas a verdade é que ninguém pode negar que um ou o outro seja o livre; pois
dois livres opostos entre si não podem, cada um em si, ser livres; além disso, não se
pode negar que ser conduzido pelo bem não seja o livre, e que ser conduzido pelo
mal não seja o servil; pois ser conduzido pelo bem é ser conduzido pelo Senhor, e
ser conduzido pelo mal é ser conduzido pelo diabo; ora, pois que tudo o que o
homem faz segundo o livre lhe parece ser seu, pois isso pertence a seu amor, e que,
como já foi dito, agir segundo seu amor é agir segundo o livre segue-se que a
conjunção com o Senhor faz com que apareça ao homem que ele é livre, e que por
conseguinte se pertence; e quanto mais próxima é a conjunção com o Senhor, mais
ele é livre e por conseguinte mais se pertence. Se lhe parece mais distintamente que
ele se pertence, é porque o Divino Amor é tal que quer que o que é seu seja de
outrem, assim do homem e do anjo; tal é todo amor espiritual, principalmente o
Divino Amor; e, além disso, o Senhor não constrange jamais quem quer que seja,
pois tudo a que alguém é constrangido não lhe parece ser seu, e o, que não lhe
parece ser seu não pode se tornar cousa de seu amor, não pode por conseqüência
lhe ser apropriado como seu; é por isso que o homem é continuamente conduzido
pelo Senhor no livre, e é também reformado e regenerado no livre. Mas se dirá mais
sobre este assunto no que segue; ver o que foi dito também acima, nº 4.
44. Se, quanto ao homem, quanto mais lhe parece distintamente que ele se
pertence, mais nota claramente que pertence ao Senhor, é porque quanto de mais
perto está conjunto ao Senhor, mais se torna sábio, como foi mostrado acima, nº 34
a 36; e a sabedoria ensina isso, e também o faz notar; os Anjos do terceiro Céu,
porque são os mais sábios dos Anjos, percebem também isso, e o chamam o livre
mesmo; mas ser conduzido por si mesmo é o que chamam o servil; eles dão mesmo
a razão disso, é que o Senhor influi imediatamente não nas cousas que pertencem à
sua percepção e a seu pensamento pela sabedoria, mas nas afeições do amor do
bem, e por estas naqueles, e que percebem o influxo na afeição pela qual têm a
sabedoria e que em seguida tudo o que pensam pela sabedoria se apresenta como
vindo deles mesmos, assim como sendo deles; e que por isto se faz a conjunção
recíproca.
45. Como a Divina Providência do Senhor tem por fim um Céu angélico proveniente
do gênero humano segue-se que ela tem por fim a conjunção do gênero humano
com o Senhor, nº 28 a 31; além disso, também que ela tem por fim que o homem
seja conjunto a Ele cada vez de mais perto, nº 32, 33, pois assim o homem tem um
Céu mais interior; além disso, ainda, que ela tem por fim que o homem por esta
conjunção se torne mais sábio, nº 34 a 36; e que se torne mais feliz, nº 37 a 41,
porque o homem tem o Céu pela sabedoria e segundo a sabedoria, e por ela
também a felicidade; e enfim que ela tem por fim que pareça ao homem mais
distintamente que ele se pertence, e que note mais claramente que pertence ao
Senhor, nº 42 a 44. Todas estas coisas pertencem à Divina Providência do Senhor,
porque todas estas cousas são o Céu, que ela tem por fim.
A DIVINA PROVIDÊNCIA DO SENHOR EM TUDO QUE FAZ VISA 0 INFINITO E 0
ETERNO
46. No Mundo Cristão sabe-se que Deus é Infinito e Eterno, pois na Doutrina da
Trindade, que tira seu nome de Atanásio, se diz que Deus Pai é Infinito, Eterno e
Onipotente; igualmente Deus Filho e Deus Espírito Santo, e que, entretanto são não
três Infinitos, três Eternos, três Onipotentes, mas Um Só; segue-se daí que, pois que
Deus é Infinito e Eterno, não se pode atribuir a Deus senão o Infinito e o Eterno. Mas
o que é o Infinito e o Eterno? Isso não pode ser compreendido pelo finito, e isso
também pode ser compreendido; isso não pode ser compreendido, porque o finito
não é capaz de conceber o infinito, e isto pode ser compreendido, porque há idéias
abstratas pelas quais pode-se ver que as coisas são, ainda que não se veja o que
elas são; há dessas idéias sobre o Infinito, por exemplo, que Deus, porque é Infinito,
ou que o Divino, porque é Infinito, é o Ser mesmo; que é a Essência mesma e a
Substância mesma; que é o Amor mesmo e a Sabedoria mesma, ou que é o Bem
mesmo e o Vero mesmo; que assim é o Eu Mesmo (Ipsum), ou antes, que é o
Homem Mesmo; além disso também, se se diz que o Infinito è Tudo, por exemplo,
que a Infinita Sabedoria é a Onisciência, e a Infinita Potência é a Onipotência. Mas a
verdade é que isto cai no, obscuro do pensamento, e pode do incompreensível cair
no negativo, se da idéia não se abstrai as cousas que o pensamento tira da
natureza, principalmente as que tiram dos dois próprios da natureza, que são o
espaço e o tempo, pois estas cousas não podem senão limitar as idéias, e fazer com
que as idéias abstratas sejam como não sendo alguma coisa; mas se pode ser feita
abstração destas cousas no homem, como se faz entre os anjos, o Infinito, pode
então ser compreendido por meio das cousas que acabam de ser mencionadas; e
por conseguinte pode-se também compreender que o homem é alguma coisa,
porque foi criado por Deus Infinito que é Tudo; que o homem é uma substância
limita, porque foi criado por Deus Infinito que é a Substância mesma; que o homem
é sabedoria,, porque foi criado por Deus Infinito que é a Sabedoria mesma; e assim
por diante; pois se Deus Infinito não fosse Tudo, não fosse a Substância mesma,
não fosse a Sabedoria mesma, o homem não seria alguma cousa, assim nada)
seria, ou seria unicamente uma idéia de que é, segundo os visionários chamados
idealistas. Pelo que foi mostrado no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria,
é evidente que a Divina Essência é o Amor e a Sabedoria, nº 28 a 39; que o Divino
Amor e a Divina Sabedoria são a Substância mesma e a Forma mesma, assim o Eu
Mesmo e Único, nº 40 a 46; e que Deus criou de Si Mesmo, e não do nada, o
Universo e todas as cousas do Universo, nº 282 a 284; segue-se daí que tudo o que
foi criado, e principalmente o homem, e nele o amor e a sabedoria, são alguma
coisa, e não unicamente uma idéia de que são; pois, se Deus não fosse Infinito, não
haveria o finito; se o Infinito não fosse tudo, não haveria alguma cousa; e se Deus
não tivesse criado de Si Mesmo todas as cousas, não haveria cousa alguma ou
nada; em uma palavra, Nós porque Deus É.
47. Ora, como se trata da Divina Providência, e aqui, que em tudo que ela faz visa o
infinito e o eterno, e como este assunto não pode ser distintamente tratado senão
por uma certa ordem, eis o que será esta ordem: I. O infinito em si e o Eterno em si
é a mesma coisa que o Divino. II. O Infinito e o Eterno em si não podem senão visar
o infinito e o eterno por si nos finitos. III. A Divina Providência em tudo que faz visa o
infinito e o eterno por si, sobretudo salvando o Gênero Humano. IV. A imagem do
Infinito e do Eterno existe no Céu Angélico proveniente do Gênero Humano salvado.
V. Visar o infinito e o eterno formando o Céu Angélico, para que esteja diante do
Senhor como um único Homem, que é a imagem do Senhor, é o íntimo da Divina
Providência.
48. I. O Infinito em si e o Eterno em si é a mesma coisa que o Divino.
Pode-se vê-lo pelo que foi mostrado em vários lugares no Tratado do Divino Amor e
da Divina Sabedoria. Que o Infinito em si e o Eterno em si seja o Divino, isso é tirado
da idéia angélica; os Anjos, não compreendem pelo Infinito outra coisa senão o
Divino Ser, nem pelo Eterno outra coisa senão o Divino Existir. Contudo, os homens
podem ver e não ver que o Infinito em si e o Eterno em si é o Divino; podem vê-lo
aqueles que não pensam no Infinito segundo o espaço, nem no Eterno segundo o
tempo; mas não podem vê-lo aqueles que pensam no Infinito e no Eterno segundo o
espaço e o tempo; assim podem vê-lo aqueles que pensam de uma maneira mais
elevada, isto é, interiormente no racional; mas não podem vê-lo aqueles que pensam
de uma maneira mais baixa, isto é, exteriormente. Os que podem vê-lo pensam que
não pode haver um infinito do espaço, nem por conseqüência um infinito do tempo
que é o eterno a quo, porque o infinito é sem fim primeiro nem último, ou sem
termos; pensam também que não pode tampouco haver um Infinito por si, porque
por si supõe um termo e um começo, ou um anterior a quo; que, por conseguinte é
frívolo dizer o Infinito e o Eterno por si, porque seria como se se dissesse o Ser por
si, o que é contraditório, pois o Infinito por si seria o Infinito pelo Infinito, e o Ser por
si seria o Ser pelo Ser, e este Infinito e este Ser, ou seriam a mesma cousa que o
Infinito, ou seriam finitos. Por estas cousas e outras semelhantes, que podem ser
vistas interiormente no racional, é evidente que há o Infinito em si e o Eterno em si, e
que um e outro é o Divino, de que todas as cousas procedem.
49. Sei que muitos dirão em si mesmos: Como se pode apreender interiormente em
seu racional alguma cousa sem espaço e sem tempo, e compreender que não
somente é, mas ainda que é o tudo, e que é o Eu Mesmo donde procedem todas as
cousas? Mas pensa interiormente se o amor ou alguma de suas afeições, se a
sabedoria ou alguma de suas percepções, e mesmo se o pensamento estão no
espaço e no tempo, e tu compreenderás que não estão; e como o Divino é o Amor
mesmo e a Sabedoria mesma, segue-se que o Divino não pode ser concebido no
espaço e no tempo, por conseguinte o Infinito tampouco; para que isto seja
percebido mais claramente, examina se o pensamento está no tempo e no espaço:
Supõe nele uma progressão de dez ou doze horas; este espaço de tempo não pode
te parecer como sendo de uma hora ou duas, e não pode também te parecer como
sendo de um dia ou dois? Ele se apresenta segundo o estado da afeição donde
provém o pensamento; se é uma afeição de alegria na qual não se pensa no tempo,
o pensamento de dez ou doze horas é apenas de uma hora ou duas; mas o contrário
acontece se é uma afeição de dor na qual se presta atenção ao tempo; daí é
evidente que o tempo é unicamente uma aparência segundo o estado da afeição
donde provém o pensamento; dá-se o mesmo com a distância do espaço no
pensamento, quer estejas passeando, quer estejas viajando.
50. Pois que os Anjos e os Espíritos são afeições que pertencem ao amor, e
pensamentos provindo destas afeições não estão por isso mesmo nem no espaço
nem no tempo, mas estão nas aparências do espaço e do tempo; a aparência do
espaço e do tempo é para eles segundo os estados das afeições e dos
pensamentos provenientes destas afeições; é por isso que quando algum deles
pensa segundo a afeição em um outro, com intenção de o ver, ou de conversar com
ele, imediatamente o outro está presente. Daí vem que há presença em cada
homem dos espíritos que estão com ele em uma afeição semelhante, de maus
espíritos com aquele que está na afeição de um mal semelhante, e de bons espíritos
com aquele que está na afeição de um bem semelhante; e estão de tal modo
presentes, que o homem está no meio deles coma alguém no meio de uma
sociedade: o espaço e o tempo nada fazem para a presença; e isto porque a afeição
e o pensamento que dela provêm não estão nem no espaço nem no tempo, e que os
espíritos e os anjos são afeições e pensamentos provenientes destas afeições. Que
isto assim seja é o que me foi dado saber por uma viva experiência de vários anos; e
também pelo fato de que conversei com muitos depois de sua morte, tanto com os
que pertenciam à Europa e a seus diversos reinos, como com os que pertenciam à
Ásia e à África e a seus diversos reinos, e estavam todos perto de mim; se, portanto
tivesse havido para eles espaço e tempo, teria havido viagem e tempo para essa
viagem. Além disso, todo homem sabe isso por um ínsito nele ou em sua mente; é
aquilo de que tive a prova, no fato de que ninguém pensou em alguma distância de
espaço, quando contei que tinha conversado com tal ou qual, que tinha morrido na
Ásia, na África ou na Europa; por exemplo, com Calvino, Lutero, Melanchton, ou
com algum Rei, algum Governador algum Sacerdote de uma região longínqua; e
mesmo não ocorreu ao pensamento de ninguém dizer: "Como pode ele conversar
com os que viveram nesses lugares? E como puderam eles vir a ele e estar
presentes, quando entretanto havia entre eles terras e mares?" Por isso se tornou
evidente também para mim, que ninguém pensa segundo o espaço e o tempo,
quando pensa nos que estão no Mundo espiritual. Que entretanto haja para aqueles
aparência de espaço e de tempo, vê-se no Tratado do Céu e do Inferno, nº 162 a
169; 191 a 199.
51. Ora, por estas explicações, pode-se ver que é preciso pensar no Infinito e no
Eterno, por conseqüência no Senhor sem o espaço e sem o tempo, e que se pode
pensar nisso; que é mesmo assim que pensam os que pensam interiormente no
racional, e que então o Infinito e o Eterno é a mesma cousa que o Divino; assim
pensam os anjos e os espíritos; pelo pensamento com abstração do tempo e do
espaço compreende-se a Divina Onipresença e a Divina Onipotência, e também o
Divino de toda eternidade, e de modo algum pelo pensamento ao qual está ligada a
idéia proveniente do espaço e do tempo. É portanto evidente que se pode pensar em
Deus de toda a eternidade, mas jamais na natureza de toda a eternidade; que por
conseqüência pode-se pensar na Criação do Universo por Deus, e de modo algum
na Criação pela natureza, pois os próprios da natureza são o espaço e o tempo. Que
o Divino seja sem espaço e sem tempo, vê-se no Tratado do Divino Amor e da
Divina Sabedoria, nº 7 a 10; 69 a 72; 73 a 76; e em outros lugares.
52. II. O Infinito e o Eterno em si não podem visar sendo o infinito e o eterno
por si nos finitos.
Pelo Infinito e o Eterno em si é entendido o Divino Mesmo, como acaba de ser
mostrado no Artigo precedente; pelos finitos são entendidas todas as cousas criadas
pelo Divino, e principalmente, os homens, os espíritos e os anjos, e visar o Infinito e
o Eterno por si nos finitos, é Se olhar, para si mesmo, neles, como o homem olha
sua imagem num espelho; que isso assim seja, é o que foi mostrado em vários
lugares no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, principalmente quando foi
demonstrado que no Universo criado há a imagem do homem, e que há a imagem
do infinito e do eterno, nº 317, 318, assim a imagem de Deus Criador, isto é, do
Senhor de toda a eternidade. Todavia, é preciso que se saiba que o Divino em si
está no Senhor, mas que o Divino por si é o Divino procedente dó Senhor nos
criados.
53. Mas para que isto seja mais plenamente compreendido, é preciso ilustrá-lo: O
Divino não pode visar outra cousa senão o Divino, e não pode visar noutra parte que
não seja nos criados por si; que assim seja, isto é evidente no fato de que ninguém
pode visar um outro senão pelo seu em si; aquele que ama um outro o encara
segundo seu amor em si; aquele que é sábio encara um outro segundo a sabedoria
em si; ele pode, é verdade, ver que o outro o ama ou não o ama, que é sábio ou que
não é sábio, mas vê isso pelo seu amor e sua sabedoria, é por isso que se conjunta
a ele tanto quanto o outro o ama como ele ama o outro, ou tanto quanto o outro é
sábio como ele, pois assim eles fazem um. Dá-se o mesmo com o Divino em si, pois
o Divino em si não pode se olhar por um outro, por exemplo, por um homem, um
espírito e um anjo, pois que neles nada há do Divino em si a quo (de quem tudo
procede); e olhar o Divino por um outro em que nada há do Divino, seria olhar o
Divino por cousa alguma de Divino, o que não é possível; vem daí que o Senhor
tenha sido conjunto ao homem, ao espírito e ao anjo, de tal sorte que tudo que se
refere ao Divino não vem deles, mas vem do Senhor; com efeito, sabe-se que todo
bem e todo vero, que está em alguém, vêm, não dele, mas do Senhor, e que, além
disso, não há mesmo pessoa alguma que possa nomear o Senhor, ou pronunciar
seus nomes de Jesus e de Cristo, a não ser pelo Senhor. Segue-se, portanto daí
que o Infinito e o Eterno, que é o mesmo que o Divino visa todas as cousas de uma
maneira infinita nos finitos, e que se conjunta a eles segundo o grau de recepção da
sabedoria e do amor neles. Em uma palavra, o Senhor não pode ter morada e
habitar no homem e no anjo senão naquilo que é d'Ele, e não no próprio deles, pois
o próprio deles é o mal, e então, mesmo que fosse o bem, seria sempre um finito,
que em si e por si não é suscetível de conter o Infinito. Por estas explicações é
evidente que jamais é possível que o finito olhe o Infinito, mas que é possível que o
Infinito vise o infinito por si nos finitos.
54. Parede que o Infinito não possa ser conjunto ao finito, porque não há relação
entre o infinito e o finito, e porque o finito não é suscetível de conter o infinito; mas
não obstante há conjunção, tanto porque o Infinito criou de si mesmo todas as
coisas, segundo o que foi demonstrado no Tratado do Divino Amor e da Divina
Sabedoria, nº 282 a 284, como porque o Infinito nos finitos não visa outra cousa
senão o infinito por si, e que este infinito pode aparecer nos finitos como estando
neles; desta, maneira há uma relação entre o finito e o infinito, não pelo finito, mas
pelo Infinito no finito; e também desta maneira o finito é suscetível de conter o
infinito, não o finito em si, mas o finito como em si, pelo Infinito por si no finito. Mas
no que segue se dirá mais sobre este assunto.
55. III. A Divina Providência em tudo que faz visa o infinito e o eterno por si,
sobretudo salvando o Gênero Humano.
O Infinito e o Eterno em si é o Divino Mesmo ou o Senhor em Si; o Infinito e o Eterno
por si é o Divino procedente ou Senhor nos outros, criados por Ele, assim nos
homens e nos anjos, e este Divino é o mesmo que a Divina Providência; pois o
Senhor pelo Divino por si provê a que todas as cousas sejam contidas na ordem, na
qual e pela qual elas foram criadas; e como o Divino Procedente efetua isso,
segue-se que tudo isso é a Divina Providência.
56. Que a Divina Providência, em tudo que faz, visa o infinito e o eterno por si,
pode-se vê-lo em que tudo o que foi criado avança do Primeiro, que é Infinito e
Eterno, para os últimos, e dos últimos para o Primeiro a quo (de que tudo procede),
como foi mostrado no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, na parte em
que se trata da Criação do Universo; e como em toda progressão há intimamente o
Primeiro a quo, segue-se que o Divino Procedente ou a Divina Providência em tudo
que faz visa alguma imagem do Infinito e do Eterno; visa isso em todas as cousas;
mas em algumas de uma maneira evidentemente perceptível, e em outras não; ela
apresenta esta imagem de uma maneira evidentemente perceptível na variedade de
todas as cousas, e na frutificação e na multiplicação de todas as cousas. A imagem
do Infinito e do Eterno na variedade de todas as cousas é manifesta no fato de que
não há uma cousa que seja a mesma que uma outra, e que não pode tampouco
havê-lo durante a eternidade; isso é bem visível pelas faces dos homens desde a
primeira criação, por conseqüência também por suas mentes (animi) de que as
faces são os tipos, e ainda pelas afeições, as percepções e os pensamentos, pois
são eles que compõem estas mentes. Daí vem que no Céu inteiro não há dois anjos
ou dois espíritos que sejam os mesmos, e que não pode tampouco haver durante a
eternidade; dá-se o mesmo com todo objeto da vista em um e outro mundo, tanto o
natural como o espiritual; por isto, pode-se ver que a Variedade é infinita e eterna. A
imagem do Infinito e do eterno na frutificação e na multiplicação de todas as cousas
é evidente pela faculdade dada às sementes no Reino vegetal, e à prolificação no
reino animal, sobretudo nos peixes, em que, se houvesse frutificação e multiplicação
segundo a faculdade, os espaços do globo inteiro e mesmo do Universo seriam
enchidos em um século; o que mostra claramente que nesta faculdade está
escondido um esforço de se propagar ao infinito; e como as frutificações e as
multiplicações não faltaram desde o começo da criação, e não faltarão durante a
eternidade, segue-se que nesta faculdade está também um esforço de se propagar
durante a eternidade.
57. Dá-se o mesmo nos homens quanto a suas afeições que pertencem ao amor, e
a suas percepções que pertencem à sabedoria; a variedade de umas e de outras é
infinita e eterna; igualmente suas frutificações e suas multiplicações que são
espirituais; homem algum goza de uma afeição e de uma percepção de tal modo
semelhante a uma afeição e a uma percepção de um outro que sejam as mesmas, e
isso não pode acontecer durante a eternidade; e do mesmo modo as afeições
podem ser frutificadas e as percepções multiplicadas sem fim; que as ciências não
possam jamais ser esgotadas, sabe-se. Esta faculdade de frutificação e de
multiplicação sem fim, ou ao infinito e eternamente, está nos naturais nos homens,
nos espirituais nos anjos espirituais, e nos celestes nos anjos celestes. Tais são não
somente as afeições, as percepções e as ciências no comum, mas também cada
uma, e mesmo a menor cousa que delas dependem, no particular. São tais porque
obtêm sua existência do Infinito e do Eterno em si pelo Infinito e o Eterno por si. Mas
como o finito nada tem do Divino em si, é por isso que nada há no Divino, nem
mesmo a menor cousa, no homem ou no anjo como lhe pertencendo, pois o homem
e o anjo são finitos, e são somente receptáculos, que em si mesmos são mortos; o
que é vivo neles vem do Divino procedente que lhes é conjunto, por contigüidade, e
que lhes aparece como sendo seu. Que assim seja, ver-se-á no que segue.
58. Se a Divina Providência visa o Infinito e o Eterno por si, sobretudo salvando o
Gênero Humano, é porque o fim da Divina Providência é o Céu proveniente do
Gênero Humano, como foi mostrado acima, nº 37 a 45; e como é esse o fim,
segue-se que é a reforma e a regeneração do homem, assim a salvação, que a
Divina Providência visa, sobretudo, pois o Céu se compõe dos que são salvos ou
que foram regenerados. Pois que regenerar o homem é unir nele o bem e o vero, ou
o amor e a sabedoria, do mesmo modo que foram unidos no Divino que procede do
Senhor, eis por que a Divina Providência visa isto, sobretudo salvando o gênero
humano; a imagem do infinito e do eterno não está no homem em outra parte senão
no casamento do bem e do vero. Que o Divino procedente faça isso no gênero
humano, é o que é notório por aqueles que, cheios do Divino procedente, que se
chama Espírito Santo, profetizaram, e de que se fala na Palavra; e por aqueles que
ilustrados vêem os Divinos veros na luz do Céu; principalmente nos anjos, que
percebem pelo sentido a presença, o influxo e a conjunção; mas estes notam
mesmo que a conjunção não é outra senão aquela que pode ser chamada adjunção.
59. Não se sabe ainda que a Divina Providência em toda progressão no homem,
visa seu estado eterno; com efeito, ela não pode visar outra cousa, porque o Divino
é Infinito e Eterno, e o Infinito e Eterno, ou o Divino, não está no tempo, e assim
todas as cousas futuras lhe são presentes; e como o Divino é tal, segue se que em
todas e em cada uma das cousas que faz há o eterno. Mas os que pensam pelo
tempo e o espaço dificilmente percebem isso, não somente porque amam os
temporais, mas também porque pensam pelo presente no mundo, e não pelo
presente no Céu; o presente no Céu é para eles tão ausente como a extremidade da
terra; aqueles, ao contrário, que estão no Divino, porque pensam pelo Senhor,
pensam também no eterno, quando pensam pelo presente, dizendo em si mesmos:
“O que não é eterno o que é”? O temporal não é comparativamente como nada? E
não se toma mesmo em nada quando acaba? O eterno é inteiramente diferente
desse estado. Que o Divino em todo homem, seja mau, seja bom, ao mesmo tempo
pelo eterno quando pensa pelo presente; e quando o homem pensa assim e vive ao
mesmo tempo assim, o Divino procedente nele, ou a Divina Providência, em toda
progressão, visa o estado de sua vida eterna no Céu, e o conduz para esse estado.
Que o Divino em todo homem, seja mau, seja bem, visa o eterno, ver-se-á no que
segue.
60. IV. A Imagem do Infinito e do Eterno existe no Céu angélico.
Entre as cousas que são necessárias conhecer há também o Céu angélico, pois
quem quer que tenha religião pensa no Céu e quer ir para lá; mas o Céu não é dado
senão aos que conhecem o caminho e o seguem; pode-se mesmo saber alguma
cousa desse caminho quando se conhece quais são os que constituem o Céu, e que
ninguém se torna anjo, ou vai para o Céu, a não ser que do mundo leve consigo o
angélico; e no angélico há o conhecimento do caminho pela ação de nele andar, e a
ação de nele andar pelo conhecimento do caminho. No mundo espiritual há também
na realidade caminhos, que conduzem a cada sociedade do Céu, e a cada
sociedade do inferno; e cada um vê como por si mesmo seu caminho; se o vê, é
porque lá há caminhos para cada amor, e a amor abre o caminho, e conduz cada
um para seus consociados; ninguém vê outros caminhos senão o de seu amor; por
isto é evidente que os anjos não são senão amores celestes, pois de outro modo
não teriam visto os caminhos que conduzem ao Céu. Mas isso pode se tornar mais
evidente por uma descrição do Céu.
61. O espírito de todo homem é afeição e por conseguinte pensamento, e como toda
afeição pertence ao amor, e todo pensamento ao entendimento, todo espírito é seu
amor e por conseguinte seu entendimento; é o que faz com que, quando o homem
pensa somente por seu espírito, o que acontece quando, em casa, medita em si
mesmo, pensa pela afeição que pertence a seu amor; por isto pode-se ver que
quando o homem se torna espírito, o que acontece depois da morte, ele é a afeição
de seu amor, e não está em um outro pensamento senão o que pertence à sua
afeição; é uma afeição má, isto é, uma cobiça, se teve o amor do mal, e uma afeição
boa, se teve o amor do bem; e cada um tem a afeição boa na proporção em que
foge dos males como pecados, ou a afeição má na proporção em que não foge
assim dos males. Ora, pois que todos os espíritos e todos os anjos são afeições, é
evidente que o Céu angélico inteiro não é senão o amor de todas as afeições do
bem, e por conseguinte a sabedoria de todas as percepções do vero; e pois que
todo bem e todo vero vêm do Senhor, e que o Senhor é o Amor mesmo e a
Sabedoria mesma, segue-se que o Céu angélico é a imagem do Senhor; e como o
Divino Amor e a Divina Sabedoria em sua Forma é Homem, segue-se também que o
Céu angélico não pode ser senão na forma humana; mas se dirá mais sobre este
assunto no Artigo seguinte.
62. Se o Céu angélico é a imagem do Infinito e do Eterno, é porque é a imagem do
Senhor, e o Senhor é o Infinito e o Eterno. A imagem do Infinito e do Eterno do
Senhor se manifesta nisto, que há miríades de miríades de anjos de que o Céu é
composto; que constituem tantas sociedades, quantas afeições comuns do amor
celeste há; que em cada sociedade, cada anjo é distintamente sua afeição; que de
tantas afeições no comum e no particular resulta a Forma do Céu, que é como um
diante do Senhor, não de outra forma senão como o homem é um; e que esta Forma
é eternamente aperfeiçoada segundo a pluralidade, pois quanto mais há os que
entram na forma do Amor Divino, que é a Forma das formas, mais a união se torna
perfeita. Por estas explicações é evidente que a imagem do Infinito e do Eterno
existe no Céu angélico.
63. Pelo conhecimento do Céu, dado por esta curta descrição, é evidente que a
afeição que pertence ao amor do bem faz o Céu no homem; mas quem é que sabe
isso hoje; e mesmo quem é que sabe o que é a afeição do amor do bem, e que as
afeições do amor do bem são inumeráveis, e mesmo infinitas? Pois, como foi dito
cada anjo é distintamente sua afeição, e a Forma do Céu é a forma de todas as
afeições do Divino Amor, que estão no Céu. Unir todas as afeições nesta forma,
ninguém mais o pode senão Aquele que é o Amor Mesmo e a Sabedoria Mesma, e
ao mesmo tempo Infinito e Eterno; pois o Infinito e o Eterno são o todo da forma, o
infinito na conjunção, e o eterno na perpetuidade; se o infinito e o eterno lhe fossem
tirados, no mesmo instante ela se dissiparia; que outro pode unir as afeições na
forma, e mesmo que outro pode unir o um desta forma? Pois seu um não pode ser
unido senão pela idéia universal de todos, e o universal de todos senão pela idéia
singular de cada um; há miríades de miríades de anjos que compõem esta forma, e
há miríades que entram nela em cada ano, e que aí entrarão durante a eternidade;
todas as crianças aí entram, e tantos adultos quantas afeições há do amor do bem.
Por estas explicações pode-se ver de novo a imagem do Infinito e do Eterno no Céu
angélico.
64. V. Visar o Infinito e o Eterno formando o Céu angélico, para que ele seja
diante do Senhor como um só Homem, que é a Imagem do Senhor, é o intimo
da Divina Providência.
Que o Céu inteiro seja como um único Homem diante do Senhor, e
semelhantemente toda Sociedade do Céu, e que resulta daí que cada anjo é homem
em uma forma perfeita, e que assim seja porque Deus Criador, que é o Senhor de
toda a eternidade, é Homem, vê-se no Tratado do Céu e do Inferno, nº 59 a 86; e
que seja por isso que há correspondência de todas as cousas do Céu com todas as
cousas do homem, nº 87 a 102. Que o Céu inteiro seja como um único Homem, eu
mesmo não o vi, porque o Céu inteiro não pode ser visto senão pelo Senhor só, mas
que uma Sociedade inteira do Céu, grande ou pequena, tenha aparecido como um
único homem é o que vi freqüentemente, e então me foi dito que a Sociedade maior,
que é o Céu em todo o complexo, aparece igualmente, mas diante do Senhor; e que
é por isso que cada anjo é homem em toda forma.
65. Pois que o Céu inteiro em presença do Senhor é como um único Homem, é por
isso que o Céu foi distinguido em tantas sociedades comuns quantos órgãos,
vísceras e membros há no homem; e cada Sociedade comum, em tantas
sociedades menos comuns ou particulares como há grandes partes em cada víscera
ou órgão; por isto, vê-se claramente qual é o Céu. Ora, pois que o Senhor é o
Homem Mesmo, e que o Céu é sua imagem, é Dor isso que se diz que estar no Céu
é estar no Senhor; que o Senhor seja o Homem Mesmo, vê-se no Tratado do Divino
Amor e da Divina Sabedoria, nº 11 a 13; 285 a 289.
66. Por estas explicações, pode-se de algum modo ver este arcano, que pode ser
chamado angélico; a saber, que cada afeição do bem e ao mesmo tempo do vero é
o homem em sua forma; pois tudo o que procede do Senhor deve a seu Divino Amor
ser afeição do bem, e a sua Divina Sabedoria ser afeição do vero. A afeição do vero,
que procede do Senhor, apresenta-se como, percepção e por conseguinte como
pensamento do vero no anjo e no homem, e isso, porque se presta atenção à
percepção e ao pensamento, e pouca à afeição de que eles provêm, e entretanto
procedem do Senhor com a afeição do vero como um.
67. Ora, pois que o homem por criação é o Céu na menor forma, e por conseguinte
a imagem do Senhor; e pois que o Céu consiste em tantas afeições quantos são os
anjos, e que cada afeição em sua forma é homem, segue-se que o contínuo da
Divina Providência é que o homem se torne céu na forma e por conseguinte imagem
do Senhor, e que, como isso se faz pela afeição do bem e do vero, ele se torne esta
afeição; está aí portanto o contínuo da Divina Providência; mas seu íntimo é que ele
esteja em tal ou tal lugar no Céu, ou em tal ou tal lugar no Homem Divino celeste,
pois assim está no Senhor. Mas isso se dá com aqueles que o Senhor pode conduzir
ao Céu; e como o Senhor prevê isso, Ele provê também continuamente a que o
homem se torne tal; pois assim, quem se deixa conduzir para o Céu é preparado
para seu lugar no Céu.
68. 0 Céu, como acaba de ser dito, é distinguido em tantas sociedades quantos
órgãos, vísceras e membros há no homem, e uma parte não pode estar ai em outro
lugar senão no seu; pois que os anjos são tais partes no Homem Divino celeste, e
que não há senão os que foram homens no mundo que se tomam anjos, segue-se
que o homem que se deixa conduzir para o Céu é continuamente preparado pelo
Senhor para seu lugar, o que se faz pela afeição do bem e do vero que a ele
corresponde; para este lugar é assim inscrito cada homem anjo após a sua, saída do
mundo. É este o íntimo da Divina Providência em relação ao Céu.
69. Mas o homem que não se deixa conduzir para o Céu nem inscrever para o Céu,
é preparado para seu lugar no inferno; pois por si mesmo tende continuamente para
o inferno mais profundo, mas é continuamente retirado dele pelo Senhor; e aquele
que não pode ser afastado é preparado para um lugar no inferno, para o qual é
assim inscrito logo após a sua saída do mundo; e esse lugar aí é oposto a um lugar
do Céu, pois o Inferno, está em oposição contra o Céu; é por isso que do mesmo
modo que o homem-anjo, segundo a afeição do bem e do vero, tem seu lugar
assinalado no Céu, o homem-diabo, segundo a afeição do mal e do falso, tem seu
lugar assinalado no inferno; com efeito, dois opostos postos em ordem em uma
situação semelhante em oposição um ao outro são contidos no encadeamento. É
este o Intimo da Divina Providência em relação ao inferno.
HÁ LEIS DA DIVINA PROVIDÊNCIA, AS QUAIS SÃO DESCONHECIDAS DOS
HOMENS
70. Que haja uma Divina Providência, sabe-se; mas o que esta Divina Providência,
não se sabe. Se não se sabe o que é a Divina Providência, é porque Suas Leis são
secretas, e estiveram até aqui escondidas na sabedoria entre os anjos, mas agora
elas vão ser reveladas, a fim de que se atribua ao Senhor o que lhe pertence, e que
não se atribua a algum homem o que não lhe pertence; com efeito, no mundo, a
maior parte atribui tudo a eles mesmos e à sua prudência, e o que não podem
atribuir assim, chamam de acaso ou contingente, não sabendo que a prudência
humana nada é, e que o acaso e o contingente são palavras vãs. Diz-se que as leis
da Divina Providência são secretas, e até aqui estiveram escondidas na sabedoria
entre os anjos; a causa é que no Mundo cristão o entendimento das cousas Divinas
foi fechado pela religião; e, por conseguinte, nestas cousas se tornou tão obtuso e
tão resistente, que o homem não pode porque não quis, ou não quis porque não
pode, em relação à Divina Providência, compreender outra cousa, senão que ela
existe, nem examinar pelo raciocínio se ela existe ou se não existe, se é somente
universal ou se é também particular; o entendimento fechado pela religião não pode
ir mais longe nas cousas Divinas. Mas como foi reconhecido na Igreja que o homem
por si mesmo não pode fazer o bem que em si é o bem, nem por si mesmo pensar o
vero que em si mesmo é o vero, e como isto é um com a Divina Providência, a
crença em um destes pontos depende por conseqüência da crença no outro; a fim
de que, portanto, um não seja afirmado e o outro negado, e que assim um e outro
caiam, é preciso absolutamente que seja revelado o que é a Divina Providência; mas
isso não pode ser revelado, se as Leis pelas quais o Senhor provê aos voluntários e
aos intelectuais do homem e os governa não sejam descobertas; pois estas leis
fazem conhecer o que é a Divina Providência, e só aquele que conhece o que ela é
pode reconhecê-la, porque então ele a vê; eis porque as Leis da Divina Providência,
até ao presente escondidas na sabedoria entre os anjos, são agora reveladas.
É UMA LEI DA DIVINA PROVIDÉNCIA QUE 0 HOMEM AJA PELO LIVRE
SEGUNDO A RAZÃO.
71. Que haja para o homem o livre de pensar e de querer como lhe agrada, mas não
o livre de dizer tudo o que pensa, nem o livre de fazer tudo o que quer, isso é sabido;
é porque o livre, que é aqui entendido, é o livre espiritual, e não o livre natural, senão
quando fazem um; pois pensar e querer é espiritual, mas dizer e fazer é natural; isso
é mesmo distinguido manifestamente no homem; pois o homem pode pensar o que
não diz, e querer o que não faz; por isso é evidente que o espiritual e o natural no
homem foram separados, é por isso que o homem não pode passar de um para o
outro senão por uma determinação; esta determinação pode ser comparada a uma
porta que antes deve ser fechada e deve ser aberta; mas esta porta se mantém
como aberta naqueles que pela razão pensam e querem segundo as leis civis do
reino e segundo as leis morais da sociedade, pois estes dizem o que pensam, e
fazem do mesmo modo o que querem; ao contrário, esta porta se mantém como
fechada naqueles que pensam e querem a que é contra essas leis; aquele que
presta atenção às suas vontades, e por conseguinte às suas ações, notará que uma
tal determinação sobrevém, e, freqüentemente, muitas vezes, em uma única
conversação e em uma única ação. Isto é posto como preliminar, a fim de que se
saiba que por agir pelo livre segundo a razão, é entendido pensar e querer
livremente, e, por conseguinte dizer e fazer livremente o que é segundo a razão.
72. Mas como poucos homens sabem que esta Lei pode ser uma Lei da Divina
Providência, sobretudo porque assim o homem tem também o livre de pensar o mal
e o falso, e como, entretanto a Divina Providência conduz continuamente o homem a
pensar e a querer o bem e o vero, é preciso, por conseguinte, para que isso seja
percebido, explicá-lo distintamente; isso será feito nesta ordem: I. O homem tem a
Razão e o Livre, ou a Racionalidade e a Liberdade; e estas duas faculdades estão
pelo Senhor no homem. II. Tudo o que o homem faz pelo livre, quer isso seja
conforme ou não conforme com a razão, desde que seja segundo sua razão, lhe
aparece como sendo seu. III. Tudo o que o homem faz pelo livre segundo seu
pensamento lhe é apropriado como sendo seu, e permanece. IV. Por estas duas
faculdades o homem é reformado e regenerado pelo Senhor, e sem elas não pode
ser nem reformado nem regenerado. V. Por meio destas duas faculdades o homem
pode ser reformado e regenerado tanto quanto pode ser levado por elas a
reconhecer que todo bem e todo vero que pensa e faz vem do Senhor, e não dele
mesmo. VI. A conjunção do Senhor com o homem, e a conjunção recíproca do
homem com o Senhor, se fazem por estas duas faculdades. VII. O Senhor, em toda
progressão de Sua Divina Providência, guarda intactas e como santas, estas duas
faculdades no homem. VIII. É por isso que é da Divina Providência que o homem aja
pelo livre segundo a razão.
73. I. O homem tem a Razão e o Livre, ou a Racionalidade e a Liberdade; e
estas duas faculdades estão pelo Senhor no homem.
Que o homem tenha a faculdade de compreender, que é a Racionalidade, e a
faculdade de pensar, de querer, de dizer e de fazer o que compreende, que é a
Liberdade; e que estas duas faculdades estejam pelo Senhor no homem, isso foi
mostrado no, Tratado do Divino Amor o da Divina Sabedoria, nºs 264 a 270, 425; e
também acima, nºs 43, 44. Mas como podem se elevar várias dúvidas sobre estas
duas faculdades, quando se leva os pensamentos sobre elas, quero desde o
começo, dizer algumas palavras sobre o Livre de agir segundo a razão no homem.
Mas antes é preciso que se saiba que todo Livre pertence ao amor, de tal modo que
o amor e o livre são um; e como o amor é a vida do homem, o Livre também
pertence à vida do homem; com efeito, todo prazer que o homem tem vem de seu
amor; não existe prazer algum de outra parte, e agir pelo prazer do amor é agir pelo
livre, pois o prazer conduz o homem como um rio conduz o que é levado sobre suas
águas segundo seu curso. Ora, como há vários amores, uns concordantes, os outros
discordantes, segue-se que há igualmente vários Livres; mas em geral há três
Livres: o Natural, a Racional, e o Espiritual. O Livre Natural está em cada homem
por herança; por ele o homem não ama senão a si mesmo e ao mundo; a primeira
vida do homem não é outra cousa; e coma todos os males existem por estes dois
gêneros de amor, e comam por conseguinte os males se tornam assim cousas do
amor, segue se que pensar e querer os males é o Livre natural do homem, e que,
quando ele os confirmou em si pelos raciocínios, age pela livre segundo a razão;
fazer assim os males é agir pela faculdade
que é chamada Liberdade, e os confirmar é agir pela faculdade que é chamada
Racionalidade. Por exemplo, é pelo amor em, que nasce que o homem quer cometer
adultério, enganar, blasfemar, vingar-se e quando confirma estes males em si e que
por isso os considera como lícitos, então pelo prazer de seu amor os pensa e os
quer livremente como se fosse segundo a razão, e tanto quanto a lei civil não o
retém, ele os diz e os faz; é da Divina Providência que seja permitido ao homem agir
assim, porque há nele o livre ou a Liberdade. O homem está neste livre por
natureza, porque está nele por herança; e neste livre estão os que pelos raciocínios
o confirmaram em si pelo prazer do amor de si e do mundo. O Livre Racional vem
do amor da reputação pela honra ou pelo lucro; o prazer deste amor é de se
apresentar na forma externa como homem moral; e porque o homem ama esta
reputação, ele não engana, não comete adultério, não se vinga, não blasfema; e
como esta conduta resulta da razão, ele age também pelo livre segundo a razão com
sinceridade, justiça, castidade e amizade; e pode mesmo pela
razão fazer bem disso; mas se sua razão é somente natural, e não ao mesmo tempo
espiritual este Livre é somente um Livre externo e não um livre interno, pois não obs
tante, interiormente ele não ama estes bens, mas só os ama exteriormente pela
reputação, como foi dito; é por isso que os bens que ele faz não são
em si mesmos bens; pode mesmo dizer que devem ser feitos para o bem público,
mas não diz imo pelo amor do bem público, o diz pelo amor de sua honra ou de seu
lucro; seu livre nada tira portanto do amor do bem público, nem da razão tampouco,
porque ela dá seu assentimento ao amor; é por isso que este Livre racional é
interiormente um Livre natural. Este Livre também é deixado a
cada um pela Divina Providência. O Livre Espiritual vem do amor da vida eterna;
neste amor, e no prazer deste amor, não entra ninguém mais senão aquele que
pensa que os males são pecados, e por isso mesmo não os quer, e que ao mesmo
tempo dirige seus olhos para o Senhor; desde que o homem faz isso, está neste
livre; pois o homem não pode não querer os males porque são pecados, e por isso
mesmo não os fazer, a não ser que seja pelo Livre interior ou superior, que procede
de seu amor interior ou superior. Este Livre não aparece no começo como livre,
ainda que, entretanto o seja; mais tarde, porém aparece como tal, e então o homem
age pelo livre mesmo segundo a razão, pensando, querendo, dizendo e fazendo o
bem e o vero. Este livre aumenta à medida que o livre natural decresce e se torna
servil e se conjunta com o Livre racional e o purifica. Cada um pode vir a este Livre,
desde que queira pensar que há uma Vida eterna, e que o prazer e a beatitude da
vida no tempo por um tempo não é senão como uma sombra que passa,
relativamente ao prazer e à beatitude da vida na eternidade pela eternidade, e o
homem pode pensar isso, se quiser, porque tem a Racionalidade e a Liberdade, e
porque o Senhor, de quem procedem estas duas faculdades, lhe dá continuamente
esse poder.
74. II. Tudo o que o homem faz pelo livre quer isso seja conformo ou não seja
conforme, com a razão, desde que seja segundo sua razão, lhe aparece como
sendo seu.
O que é a Racionalidade e o que é a Liberdade, que são próprias do homem, não se
pode ver mais claramente do que pela comparação dos homens com as bestas; pois
estas não têm racionalidade ou faculdade alguma de compreender, nem liberdade
ou faculdade alguma de querer livremente, e em conseqüência não têm nem
entendimento nem vontade; mas em lugar do entendimento elas têm uma ciência, e
em lugar da vontade têm uma, afeição, uma e outra natural; e como não têm estas
duas faculdades, não têm tampouco o pensamento, mas em lugar do pensamento
têm uma vista interna que faz um com sua vista externa por correspondência. Cada
afeição tem sua companheira como esposa, a afeição do amor natural tem a ciência,
a afeição do amor espiritual tem a inteligência, e a afeição do amor celeste a
sabedoria; pois a afeição sem sua companheira como esposa não é alguma cousa,
porque é como o ser sem o existir, e como a substância sem a forma, das quais não
se pode formar idéia alguma; daí vem que em tudo o que foi criado há alguma cousa
que pode se referir ao casamento do bem e do vero, como já foi mostrado várias
vezes; nas Bestas há o casamento da afeição e da ciência, a afeição aí pertence ao
bem natural, e a ciência ao vero natural. Ora, como a afeição e a ciência nelas
fazem absolutamente um, e que sua afeição não pode ser elevada acima de sua
ciência, nem sua ciência acima de sua afeição, e que se são elevadas o são uma e
outra ao mesmo tempo, e como não têm mente espiritual alguma, na qual ou na luz
e no calor da qual possam ser elevadas, eis por que não há nelas nem a faculdade
de compreender ou a racionalidade, nem a faculdade de querer livremente ou a
liberdade, mas há uma pura afeição natural com sua ciência; a afeição natural que
elas têm é a afeição de se alimentar, de se alojar, de se propagar, de fugir do que
lhes é nocivo e detestá-lo, com toda ciência que esta afeição requer; como tal é o
estado de sua vida, elas não podem pensar em si mesmas: "Eu quero, ou não quero
isto", nem "eu sei ou não sei isso", nem com mais forte razão, "eu compreendo isso,
e eu amo isso"; mas são impulsionadas segundo sua afeição pela ciência sem
racionalidade nem liberdade. Que sejam assim impulsionadas, isso provém não do
mundo natural, mas do mundo espiritual, pois não há uma única cousa do mundo
natural que esteja sem conexão com o mundo espiritual; toda causa produzindo um
efeito vem de lá; ver também sobre este assunto alguns detalhes, acima, nº 96.
75. Não se dá o mesmo com o homem; ele tem não somente a afeição do amor
natural, mas também a afeição do amor espiritual e a afeição do amor celeste; pois a
mente humana é de três graus, como foi mostrado no Tratado do Divino Amor e da
Divina Sabedoria, Terceira parte; é por isso que o homem pode ser elevado da
ciência natural à inteligência espiritual, e daí à sabedoria celeste, e por estas duas a
inteligência e a sabedoria dirigir seus olhares para o Senhor, e assim Lhe ser
conjunto, o que faz com que viva eternamente; mas esta elevação quanto à afeição
não se daria se ele não tivesse a faculdade de elevar o entendimento, pela
racionalidade, e de querer isso pela liberdade. O homem por estas duas faculdades
pode pensar dentro de si sobre as cousas que pelos sentidos do seu corpo percebe
fora de si, e pode também pensar de uma maneira superior sobre as cousas que
pensa de uma maneira interior; pois cada um pode dizer: "Pensei isto e penso isto";
além disso, "quis isto e quero isto"; além disso, também "compreendo que isto é
assim, gosto disso porque é de tal maneira"; e assim por diante; por Isto é evidente
que o homem pensa também acima do pensamento, e que o vê como abaixo dele; o
homem deve isso à Racionalidade e à Liberdade, à racionalidade pelo fato de poder
pensar de uma maneira superior, à liberdade pelo fato de pela afeição querer pensar
assim, pois se não tivesse a liberdade de pensar assim não teria a vontade, nem por
conseqüência o pensamento. É por isso que os que não querem compreender
senão o que pertence ao mundo e à natureza do mundo, e não o que é o bem e o
vero moral e espiritual, não podem ser elevados da ciência à inteligência nem, com
mais forte razão à sabedoria; pois obstruíram estas faculdades, assim não são
homens senão porque, pela Racionalidade e a Liberdade insitadas neles, podem
compreender se quiserem, e também porque podem querer. É por estas duas
faculdades que o homem pode pensar, e pelo pensamento falar; em tudo o mais, os
homens não são homens, são bestas, e alguns pelo abuso destas faculdades são
piores que as bestas.
76. Cada um, pela racionalidade não velada, pode ver ou apreender que o homem
não pode estar em afeição alguma de saber, nem em afeição alguma de
compreender, sem a aparência que isto é seu; pois todo prazer e todo
contentamento, assim tudo o que é da vontade, vem da afeição que pertence ao
amor; quem é que pode querer saber e querer compreender alguma cousa, se não
encontra algum atrativo da afeição? E quem é que pode ter este atrativo da afeição,
se aquilo com que é afetado não se apresenta como sendo seu? Se não tivesse
cousa alguma dele, mas que tudo fosse de outro, isto é, se alguém por suas
afeições infundisse alguma cousa na mente de um outro que não tivesse afeição
alguma de saber e de compreender como por si mesmo, será que este receberia? E
será mesmo que poderia receber? Não seria como aquele que é chamado bruto e
estúpido? Por isso pode-se ver claramente que, ainda que haja influxo de todas as
cousas que o homem percebe e conseqüentemente pensa e sabe, e que segundo a
percepção quer e faz, entretanto é da Divina, Providência do Senhor que isso
apareça como sendo do homem; pois, como foi dito de outro modo o homem nada
receberia, assim não poderia ser gratificado com inteligência alguma nem com
sabedoria alguma. Sabe-se que todo bem e todo vero pertencem não ao homem,
mas ao Senhor, e que, entretanto aparecem ao homem como sendo dele; e como
todo bem e todo vero aparecem assim, todas as cousas da Igreja e do Céu, por
conseguinte todas as do amor e da sabedoria, e também da caridade e da fé,
aparecem do mesmo modo, e, entretanto nada disso pertence ao homem; ninguém
as pode receber do Senhor, a não ser que lhe pareça percebê-las como por si
mesmo. Por isto pode-se ver a verdade desta proposição, que tudo o que o homem
faz pelo livre, quer seja conforme ou não conforme com a razão, desde que seja
segundo sua razão, lhe parece como sendo seu.
77. Quem é que, por sua faculdade, chamada racionalidade, não pode compreender
que tal ou tal bem é útil no comum, e que tal ou tal mal é nocivo no comum; por
exemplo, que a justiça, a sinceridade e a castidade do casamento são úteis no
comum, e que a injustiça, a não sinceridade e a escortação com as esposas dos
outros são nocivas no comum; que por conseqüência estes males em si mesmos
são prejudiciais, e que estes bens em si mesmos são vantajosos? Quem, portanto
não pode fazer disso o objeto de sua razão, desde que o queira? Ele tem a
racionalidade e tem a liberdade; e tanto quanto foge destes males nele porque são
nocivos no comum, tanto mais sua racionalidade e sua liberdade se desenvolvem se
manifestam, o dirigem e lhe dão a percepção e o poder; e tanto quanto faz isso,
tanto mais encara estes bens como um amigo a seus amigos. Dai em seguida, pela
sua faculdade que é chamada racionalidade, o homem pode concluir relativamente
aos bens que são úteis no comum no mundo espiritual, e relativamente aos males
que aí são nocivos, se apenas em lugar dos males ele percebe os pecados, e em
lugar dos bem as obras da caridade; isso também, o homem pode fazer objeto de
sua razão, desde que o queira, pois que tem a racionalidade e a liberdade; e tanto
quanto foge dos males como pecados, tanto mais sua racionalidade e sua liberdade
se desenvolvem, se manifestam, o dirigem e lhe dão a possibilidade de perceber e
de poder, e tanto quanto faz isso, tanto mais encara os bens da caridade como o
próximo encara o próximo por um amor de parte a parte. Ora, pois que o Senhor, por
causa da recepção e da conjunção, quer que tudo o que o homem faz livremente
segundo a razão lhe pareça como sendo seu, e que isso é segundo a razão mesma,
segue-se que o homem pode pela razão, porque é para sua eterna felicidade, querer
fugir dos males como pecados, e fazê-lo depois de ter implorado o Divino poder do
Senhor.
78. III. Tudo o que o homem faz pelo livre segundo seu pensamento lhe é
apropriado como sendo seu e permanece.
Isto resulta de que o próprio do homem e seu livre fazem um; o próprio do homem
pertence à sua vida, e o que o homem faz pela vida, o faz pelo livre; e também o
próprio do homem é o que pertence a seu amor, pois o amor é a vida de cada um, e
o que o homem faz pelo amor de sua vida, ele o faz pelo livre. Que o homem aja
pelo livre segundo o pensamento, é porque o que pertence à vida ou ao amor de
alguém é pensado também, e é confirmado pelo pensamento; e porque, quando isso
é confirmado, ele o faz pelo livre segundo o pensamento; pois tudo o que o homem
faz, o faz segundo a vontade pelo entendimento; e o livre pertence à vontade, e o
pensamento ao entendimento. O homem pode mesmo agir pelo livre contra e, razão;
e também pelo não-livre segundo a razão; mas estas ações não são apropriadas ao
homem, pertencem unicamente à sua boca e a seu corpo, e não a seu espírito ou a
seu coração; mas as que pertencem a seu espírito ou a seu coração, quando se
tornam também cousas da boca e do corpo, são apropriadas ao homem; que assim
seja, pode-se ilustrá-lo por vários exemplos, mas não é aqui o lugar. Por ser
apropriado ao homem, é entendido entrar em sua vida, e se tornar cousa de sua
vida, por conseqüência tornar-se seu próprio. Que o homem, entretanto não tenha
cousa alguma que lhe seja própria, mas que lhe pareça como se tivesse, ver-se-á no
que segue; aqui, é mostrado unicamente, que todo bem que o homem faz pelo livre
segundo a razão lhe é apropriado como seu, porque pensar, querer, dizer e fazer lhe
aparece como seu; entretanto o bem não pertence ao homem, mas ao Senhor no
homem; ver acima, nº 76. Mas como o mal é apropriado ao homem, ver-se-á em um
Artigo especial.
79. Diz-se que o que o homem faz pelo livre segundo a razão, isso também
permanece; com efeito, nada do que o homem se apropriou pode ser desenraizado,
pois isso se tornou cousa de seu amor e ao mesmo tempo de sua razão; ou de sua
vontade e ao mesmo tempo de seu entendimento, e, por conseguinte cousa de sua
vida; isto, é verdade, pode ser afastado, mas não obstante não pode ser rejeitado; e
quando isso é afastado, é transportado como do centro para as periferias, e aí fica; é
o que é entendido por "isto permanece". Por exemplo, se um homem em sua
infância e em sua adolescência se apropriou algum mal, fazendo-o pelo prazer de
seu amor; assim se enganou, blasfemou, se entregou à vingança, à escortação;
então, porque fez estes males pelo livre segundo seu pensamento, ele também os
apropriou; mas se depois faz penitência, se foge deles e os considera como pecados
que é preciso ter em aversão, e assim se abstém deles pelo livre segundo a razão,
então os bens aos quais estes males são opostos lhe são apropriados; estes bens
são então o centro, e afastam os males para as periferias, cada vez mais distantes,
conforme se abstém deles e os tem em aversão; mas entretanto eles não podem ser
rejeitados de sorte que se possa dizer que foram extirpados; todavia podem, quando
foram assim afastados, parecer como extirpados; isto se dá porque o homem é
afastado dos males pelo Senhor, e é mantido nos bens; assim acontece para todo
mal hereditário, e igualmente para todo mal atual do homem. É também o que vi
provado por experiência no Céu em alguns que, porque eram mantidos no bem pelo
Senhor, se acreditavam sem males; mas para que não cressem que o bem em que
estavam, fosse seu próprio foram enviados para fora do Céu, e repostos em seus
males, até que reconhecessem que estavam nos males por eles mesmos, mas nos
bens pelo Senhor; depois deste reconhecimento foram reconduzidos ao Céu. Que se
saiba, portanto que estes bens não são apropriados ao homem senão porque
pertencem constantemente ao Senhor no homem, e que, tanto quanto o homem
reconhece isso, o Senhor concede que o bem apareça ao homem como sendo dele,
isto é, concede que pareça ao homem que ele ama o próximo ou que tem a caridade
como por si mesmo, que crê ou que tem fé como por si mesmo, que faz o bem e
compreende o vero, e assim é sábio como por si mesmo; ilustrado por isto ele pode
ver o que ele é, e quanto é forte a aparência na qual o Senhor quer que o homem
esteja; e o Senhor quer isto para a salvação do homem, pois sem esta aparência
ninguém pode ser salvo. Sobre este assunto, ver também o que foi mostrado acima,
nº 42 a 45.
80. Nada do que o homem pensa somente, nem mesmo do que pensa querer, lhe é
apropriado, a não ser que ao mesmo tempo queira de tal modo a cousa, que
também a faça, quando tem a possibilidade; a razão disso, é que, quando por
conseguinte o homem a faz, é segundo a vontade pelo entendimento, ou segundo a
afeição da vontade pelo pensamento que ele o faz; mas, enquanto a cousa pertence
ao pensamento só, não pode ser apropriada, porque o entendimento não se
conjunta com a vontade, ou porque o pensamento do entendimento não se conjunta
com a afeição da vontade; mas é a vontade e sua afeição que se conjuntam, com o
entendimento e seu pensamento, como foi mostrado em vários lugares no Tratado
do Divino Amor e da Divina Sabedoria, Quinta Parte. É isto que é entendido por
estas palavras do Senhor: "O que entra na boca não toma impuro o homem, mas o
que do coração sai pela boca torna impuro o homem" (Mateus 15º, 14, 17, 18, 19),
pela boca no sentido espiritual, é entendido o pensamento, porque o pensamento
fala pela boca; e pelo coração neste sentido é entendida a afeição que pertence ao
amor; se o homem pensa e fala segundo esta afeição, se torna impuro; pelo coração
é também significada a afeição que pertence ao amor ou à vontade, e pela boca o
pensamento que pertence ao entendimento, em Lucas 6º, 45.
81. Os males que o homem crê lícitos, embora não os faça, lhe são também
apropriados; com efeito, o que é lícito no pensamento é lícito segundo a vontade,
pois há acordo; é por isso que, quando o homem crê lícito um mal, rompe o vínculo
interno a respeito desse mal, e não é demovido de o fazer senão por vínculos
externos, que são os medos; e como o espírito do homem é favorável a esse mal,
desde que os vínculos externos sejam eliminados, ele o faz porque o crê lícito; e,
enquanto espera, o faz continuamente em seu espírito; mas, sobre este assunto, ver
a Doutrina de Vida para a Nova Jerusalém, nº 108 a 113.
82. IV. Por estas duas faculdades o homem é reformado e regenerado pelo
Senhor, e sem elas não pode ser reformado nem regenerado.
O Senhor ensina que se alguém não é engendrado de novo, não pode ver o reino de
Deus (João 3º, 3, 5, 7), mas o que é ser engendrado de novo, ou ser regenerado,
poucas pessoas o sabem; isso provém de que não se soube o que é o amor e a
caridade, nem por conseqüência o que é a fé; pois aquele que não sabe o que é o
amor e a caridade não pode saber o que é a fé, pois que a caridade e a fé fazem
um, como o bem e o vero e como a afeição que pertence à vontade e o pensamento
que pertence ao entendimento; sobre esta união, ver no Tratado do Divino Amor e
da Divina Sabedoria, nº 427 e 431; e também na Doutrina da Nova Jerusalém, nº 13
a 24; e acima, nº 13 a 20.
83. Se ninguém pode entrar no Reino de Deus, a não ser que seja engendrado de
novo, é porque o homem, pelo hereditário que recebeu de seus pais, nasce nos
males de todo gênero, com a faculdade de poder, afastando estes males, se tornar
espiritual, e que, se não se torna espiritual, não pode entrar no Céu; de natural
tornar-se espiritual, é renascer ou ser regenerado. Mas para que se saiba como o
homem é regenerado, estas três causas devem ser examinadas: Qual é seu
primeiro estado, que é o estado de danação; qual é seu segundo estado, que é o
estado de reforma; e qual é seu terceiro estado, que é o estado de regeneração. O
primeiro estado do homem, que é o estado de danação, está em cada homem
pelo hereditário que ele recebe de seus pais, pois o homem nasce por isso no amor
de si e no amor do mundo, e por estes amores como fontes, nos males de todo
gênero; é pelos prazeres destes amores que ele é conduzido, e os prazeres fazem
com que não saiba que está nos males; pois todo prazer do amor não é sentido
senão como um bem; é por isso que, se o homem não é regenerado, não sabe outra
cousa senão que se amar e amar o mundo acima de todas as cousas é o bem
mesmo, e que dominar sobre todos os outros e possuir as riquezas de todos é o
bem supremo; daí também todo mal, pois não encara com amor nenhum outro
senão a ele só, e se olha a um outro com amor, é como um diabo olha para outro
diabo, e um ladrão para outro ladrão, quando agem como um. Aqueles que em si,
por seu prazer, confirmam estes amores, e os males que deles decorrem,
permanecem naturais e se tornam sensuais-corporais; e no próprio pensamento,
que pertence a seu espírito, são dementes; mas não obstante podem, quando estão
no mundo, falar e agir racionalmente e sabiamente, pois são homens, e têm por
conseqüência a racionalidade e a liberdade, mas fazem isso também pelo amor de
si e do mundo. Aqueles que depois da morte, quando se tornam espíritos, não
podem ter outro prazer senão esse que tiveram em seu espírito quando estavam no
mundo; e esse prazer é o prazer do homem infernal, que é mudado em desprazer e
em sofrimento horrível, o que é entendido na Palavra pelo tormento e o fogo infernal.
Por estas explicações, é evidente que o primeiro estado do homem é o estado de
danação; e que neste estado estão os que não se deixam regenerar. O segundo
estado do homem, que, é o estado de reforma, é quando o homem começa a
pensar no Céu pela alegria do Céu, e assim em Deus, de quem lhe vem a alegria do
Céu; mas pensa nisso a princípio pelo prazer de seu amor, a alegria do Céu é para
ele este prazer; mas enquanto este prazer reina com os prazeres dos males que
dele decorrem, não pode compreender outra cousa, senão que entrar no Céu é fazer
preces, escutar pregações, participar da Santa Ceia, dar aos pobres, socorrer os
indigentes, contribuir para as despesas dos templos, fazer donativos aos hospitais, e
outras cousas semelhantes; o homem nesse estado não sabe tampouco outra
cousa, senão que o que salva é unicamente pensar o que a religião ensina, quer
isso seja o que é chamado fé, ou o que é chamado fé e caridade; se não
compreende outra cousa, senão que pensar isso é o que salva, é porque não pensa
de modo algum nos males em cujos prazeres está, e enquanto os prazeres destes
males permanecem, os males permanecem também; seus prazeres vêm de sua
cobiça, que inspira continuamente os males, e mesmo os produz, quando algum
temor não impede. Enquanto os males permanecem nas cobiças e por conseguinte
nos prazeres de seu amor, não há fé alguma, caridade alguma, piedade alguma,
culto algum, a não ser nos externos unicamente; parece diante do mundo que os há,
mas não obstante, não os há; podem ser comparados às águas que correm de uma
fonte impura, e que não podem ser bebidas. Enquanto o homem é tal, que pensa no
Céu e em Deus segundo a religião, e não pensa de modo algum nos males como
pecados, está ainda no primeiro estado; mas entra no segundo ou no estado de
reforma, quando começa a pensar que há um pecado, e mais ainda quando pensa
que tal ou tal cousa é um pecado, e que há examina um pouco em si e não a quer.
O terceiro estado do homem, que é o estado de regeneração, sucede ao estado
precedente e é sua continuação; começa quando o homem se abstém dos males
porque são pecados; avança à medida que foge deles; é aperfeiçoado à medida que
combate contra eles; e então, à medida que pelo Senhor é vitorioso, é regenerado.
Naquele que é regenerado a ordem da vida é mudada, de natural se torna espiritual,
pois o natural separado do espiritual é contra a ordem, e o espiritual é segundo a
ordem; é por isso que o homem regenerado age pela caridade, e faz cousa de sua fé
o que pertence à caridade. Mas, entretanto ele não se torna espiritual senão tanto
quanto está nos veros, pois todo homem é regenerado pelos veros e pela vida
segundo os veros; com efeito, pelos veros ele conhece a vida, e pela vida faz os
veros; assim conjunta o bem e o vero, o que é o casamento espiritual, em que está o
Céu.
85. Que por estas duas faculdades, que são chamadas racionalidade e liberdade, o
homem seja reformado e regenerado, é porque pela Racionalidade pode
compreender e saber o que é o mal e o que é o bem, e por conseqüência o que é o
falso e o que é o vero; e que pela Liberdade pode querer o que compreende e sabe;
mas enquanto o prazer do amor do mal reina, não pode livremente querer o bem e o
vero, nem fazer deles cousa de sua razão, é por isso que não pode apropriá-los a si;
pois, como foi mostrado acima, as cousas que o homem faz pelo livre segundo a
razão lhe são apropriadas como sendo suas, e se não são apropriadas como sendo
suas, o homem não é nem reformado nem regenerado; e pela primeira vez ele age
pelo prazer do amor do bem e do vero, quando então o prazer do amor do mal e do
falso foi afastado; pois dois prazeres do amor, opostos entre si, não podem existir ao
mesma tempo; agir pelo prazer do amor, é agir pelo livre; e quando a razão é
favorável ao amor, é agir também segundo a razão.
86. Pois que o homem, tanto o mau como o bom, tem a racionalidade e a liberdade,
o mau como o bom pode compreender o vero e fazer o bem; mas o mau não o pode
pelo livre segundo a razão, enquanto que o bom o pode, porque o mau está no
prazer do amor do mal, e o bom está no prazer do amor do bem; é por isso que o
vero que o homem mau compreende e o bem que faz não lhe são apropriados, mas
são apropriados ao homem bom; e sem uma apropriação como sendo do homem
não há reforma nem regeneração. Com efeito, nos maus os males com os falsos
estão como no centro, e os bens com os veros, como nas periferias; mas nos bons
os bens com os veros estão no centro, e os males com os falsos, nas periferias; e de
uma parte e de outra as cousas que pertencem ao centro se espalham até às
periferias, do mesmo modo que um fogo que está no centro espalha o calor, e um
gelo que está no centro, o frio; assim os bens das periferias nos maus são
maculados pelos males do centro, e os males das periferias nos bons são adoçados
pelos bens do centro; é por esta razão que os males não danam o regenerado, e
que os bons não salvam o não-regenerado.
87. V. por meio destas duas faculdades o homem pode ser reformado e
regenerado, tanto quanto pode ser levado por elas a. reconhecer que todo bem
e todo vero que pensa e faz vem do Senhor, e não dele mesmo.
Acaba de ser dito o que é a reforma e o que é a regeneração; e também que o
homem é reformado e regenerado por estas duas faculdades, que são a
Racionalidade e a Liberdade; e como isto se faz por elas, dir-se-á ainda alguma
cousa a respeito. Da Racionalidade o homem obtém poder compreender, e da
Liberdade, poder querer, um e outro como por si mesmo; mas poder pelo livre
querer o bem, e por conseqüência segundo a razão fazê-lo, só o regenerado o pode;
o mau pode somente pelo livre querer o mal, e fazê-lo segundo seu pensamento,
que ele torna por confirmações como conforme a razão; pois o mal pode ser
confirmado do mesmo modo que o bem, mas o é por ilusões e aparências que,
quando são confirmadas, se tornam falsos; e quando o mal foi confirmado, ele se
mostra como conforme à razão.
88. Todo homem, que tem algum pensamento proveniente do entendimento interior,
pode ver que poder querer e poder compreender vêm não do homem, mas d'Aquele
a quem o poder mesmo, isto é, o Poder em sua essência, pertence; pensa somente
em ti mesmo: "Donde vem poder?" Não é d'Aquele em quem isto está em sua
potência mesma, isto é, em quem isto está n'Ele, e assim de Quem isto vem? É por
isso que poder em si é Divino. Para cada poder é preciso que haja uma permissão,
que deve ser dada, e, por conseguinte uma determinação vindo de um interior ou
superior a si; o olho não pode ver por si mesmo, nem o ouvido ouvir por si mesmo,
nem a boca falar por ela mesma, nem a mão agir por ela mesma, a permissão e, por
conseguinte, a determinação devem vir da mente; a mente não pode tampouco nem
pensar nem querer tal ou tal cousa por ela mesma, a não ser que haja algum interior
ou superior que determine a mente a isso; dá-se o mesmo com poder compreender
e poder querer, não podem vir de outra parte senão d'Aquele que em si pode querer
e pode compreender. Por estas explicações é evidente que estas duas faculdades,
que são chamadas Racionalidade e Liberdade, vêm do Senhor, e não do homem; e
porque vêm do Senhor, segue-se que o homem por ele mesmo nada quer e nada
compreende, mas que somente quer e compreende como por ele mesmo. Que
assim seja, é o que pode confirmar em si quem quer que saiba e creia que a
vontade de todo bem e o entendimento de todo vero vêm do Senhor, e não do
homem. Que o homem nada possa tomar por ele mesmo, nem fazer cousa
alguma por ele mesmo, é o que ensina a Palavra em João, 3º, 27; 15º, 5.
89. Ora, como cada querer vem do amor, e cada compreender vem da sabedoria,
segue-se que poder querer vem do Divino Amor, e que poder compreender vem da
Divina Sabedoria, assim, um e outro, do Senhor que é o Divino Amor Mesmo e a
Divina Sabedoria Mesma. Daí resulta que agir pelo livre segundo a razão não vem
de outra parte. Cada um age segundo a razão, porque o livre, do mesmo modo que
o amor, não pode ser separado do querer; mas no homem há um querer interior e
um querer exterior, e ele pode agir segundo o exterior e não ao mesmo tempo
segundo o interior; assim agem os hipócritas e os bajuladores; e não obstante o
querer exterior vem do livre, porque vem do amor de se mostrar diferente do que se
é, ou do amor de algum mal que se propõe pelo amor da vontade interior; mas,
como foi dito acima, o mau não pode, pelo livre segundo a razão, fazer senão o mal,
pois não pode pelo livre segundo a razão fazer o bem; pode fazê-lo, é verdade, mas
não pelo livre interior, que é o seu próprio livre, de que o livre exterior tira o fato de
não ser bom.
90. Diz-se que o homem pode ser reformado e regenerado, tanto quando pode ser
levado por estas duas faculdades a reconhecer que todo bem e todo vero que pensa
e faz vem do Senhor, e não dele mesmo; que o homem não possa reconhecer isso
senão por estas duas faculdades, é porque estas duas faculdades vêm do Senhor, e
pertencem ao Senhor no homem, como é evidente pelo que foi dito acima; segue-se
portanto que o homem não pode fazer isso por ele mesmo, mas que o faz pelo
Senhor; todas às vezes, entretanto, ele o pode fazer como por si mesmo, o Senhor
concede isso a cada um; que se creia que é por si mesmo, seja; entretanto se se é
sábio, reconhece-se que não é por si mesmo, de outro modo o vero que se pensa, e
o bem que se faz não são nem o vero nem o bem em si mesmos, pois o homem
está neles, e o Senhor não o está; e o bem no qual está o homem, se é feito para a
salvação, é um bem meritório, mas o bem no qual está o Senhor não é meritório.
91. Mas que o reconhecimento do Senhor e o reconhecimento de que todo bem e
todo vero vêm d'Ele façam com que o homem seja reformado e regenerado, é o que
poucos homens podem ver pelo entendimento; pois pode-se pensar em si mesmo:
"O que é que faz este reconhecimento, pois que o Senhor é Onipotente e quer a
salvação de todos, e que por conseguinte pode e quer, desde que seja levado à
misericórdia? "Mas pensar assim não é pensar pelo Senhor, nem por conseqüência
pela vista interior do entendimento, isto é, por alguma ilustração; por isso, se dirá
aqui em poucas palavras o que o reconhecimento opera. No mundo espiritual, onde
os espaços são somente aparências, a sabedoria faz a presença, e o amor faz a
conjunção; e vice-versa. Há um reconhecimento do Senhor pela sabedoria, e há um
reconhecimento do Senhor pelo amor; o reconhecimento do Senhor pela sabedoria,
reconhecimento que considerado em si mesmo é somente um conhecimento, existe
pela doutrina; e o reconhecimento do Senhor pelo amor existe pela vida segundo a
doutrina; este reconhecimento dá a conjunção, e o outro dá a presença; é por isso
que os que rejeitam a doutrina concernente ao Senhor se afastam d'Ele; e, como
também rejeitam a vida, separam-se do Senhor; todavia os que não rejeitam a
doutrina, mas a vida, estão presentes, mas não obstante, separados; são como
amigos que conversam entre si, mas não se amam mutuamente; e como dois
homens, dos quais um fala ao outro como um amigo, mas o odeia como a um
inimigo. Que isso assim seja, sabe-se por esta idéia comum, que aquele que ensina
bem e vive bem é salvo, mas não aquele que ensina bem e vive mal; e que aquele
que não reconhece Deus não pode ser salvo. Por estas explicações vê-se
claramente que sorte de religião se tem, quando se pensa no Senhor pela fé, assim
como chamam sua crença, e que nada se faz pela caridade; é por isso que o Senhor
diz: "Por que Me chamais: Senhor, Senhor, e não fazeis o que digo? Quem quer que
venha a Mim, e escute minhas palavras e as faça, é semelhante a um homem que
construiu uma casa, e pôs a fundação sobre a rocha; mas aquele que escuta, e não
faz, é semelhante a um homem que construiu uma casa sobre o húmus sem
fundação" (Lucas 6º, 46 a 49).
92. VI. A conjunção do Senhor com o homem e a conjunção recíproca do
homem com o Senhor se fazem por estas duas faculdades.
A Conjunção com o Senhor e a Regeneração são um, pois tanto quanto alguém é
conjunto ao Senhor, tanto foi regenerado; é por isso que, tudo o que foi dito acima
da regeneração, pode ser dito da conjunção, e o que é dito aqui da conjunção pode
ser dito da regeneração. Que haja uma conjunção do Senhor com o homem, e uma
conjunção recíproca do homem com o Senhor, é o que o Senhor mesmo ensina em
João: "Habita em Mim, e Eu em vós; aquele que habita em Mim, e Eu nele, esse
produz muito fruto" (15º, 4, 5). "Naquele dia conhecereis que vós estais em Mim, e
Eu em vós" (14º, 20). Pela razão só cada um pode ver que não há conjunção
alguma das mentes (Animi) a não ser que seja recíproca e que o recíproco conjunta;
se alguém ama um outro, e não é reciprocamente amado, então à medida que um
se aproxima o outro se retira; mas se se amam reciprocamente, então à medida que
um se aproxima o outro se aproxima também, e a conjunção se faz; o amor também
quer ser amado, isso é insitado nele, e tanto quanto é reciprocamente amado, tanto
está em si e em seu prazer. Por estas explicações é evidente que se o Senhor
somente amasse o homem, e não fosse reciprocamente amado pelo homem, o
Senhor se aproximaria e o homem se afastaria; assim o Senhor quereria
continuamente vir para perto do homem e entrar nele, e o homem se voltaria para
trás e iria embora; com os que estão no inferno isso é assim; mas com os que estão
no Céu, há conjunção mútua. Como o Senhor quer a conjunção com o homem para
a salvação do homem, Ele proveu também a que no homem haja o recíproco; o
recíproco no homem é que o bem que ele quer e faz pelo livre e o vero que ele
pensa e diz por este querer segundo a razão aparecem como vindo dele; e que este
bem em sua vontade e este vero em seu entendimento aparecem como sendo dele;
e mesmo este bem e este vero aparecem ao homem como vindo dele e como sendo
dele, absolutamente do mesmo modo que lhe pertencessem, não há diferença
alguma; examina se alguém, por um sentido qualquer, percebe de outro modo;
sobre esta aparência como por si mesmo, ver acima, nº 74 a 77; e sobre a
apropriação como sendo seu, nº 78 a 81; a única diferença, é que o homem deve
reconhecer que não é por ele mesmo que faz o bem e pensa o vero, mas que é pelo
Senhor, e que por conseqüência o bem que faz e o vero que pensa não lhe
pertence; pensar assim por algum amor da vontade, porque é a verdade, isso faz a
conjunção, pois desta maneira o homem olha para o Senhor e o Senhor olha para o
homem.
93. Qual é a diferença entre os que crêem que todo bem vem do Senhor, e os que
crêem que todo bem vem deles mesmos, me foi dado ouvir e ver no Mundo
espiritual: Os que crêem que o bem vem do Senhor voltam à face para o Senhor, e
recebem o prazer da beatitude do bem; mas os que crêem que o bem vem deles
mesmos olham para eles mesmos, e pensam em si que mereceram; e como olham
para eles mesmos, não podem senão perceber o prazer de seu bem, que é não o
prazer do bem, mas o prazer do mal; pois o próprio do homem é o mal, e o prazer do
mal percebido como bem é o inferno. Aqueles que fizeram o bem e acreditaram que
o fizeram por eles mesmos, se não recebem depois da morte este vero de que todo
bem vem do Senhor se misturam com os gênios infernais, e por fim fazem um com
eles; aqueles, ao contrário, que recebem este vero são reformados; mas nenhum
outro o recebe senão aqueles que dirigiram seus olhos para Deus em sua vida;
dirigir seus olhos para Deus em sua vida, não é outra cousa senão fugir dos males
como pecados.
94. A conjunção do Senhor com o homem e a conjunção recíproca do homem com o
Senhor se fazem por amar o próximo como a si mesmo e amar o Senhor acima de
todas as cousas; amar o próximo como a si mesmo não é outra cousa senão agir
com ele sem dissimulação e sem injustiça, não ter ódio e não exercer vingança
contra ele, não o ultrajar e não difamá-lo, não cometer adultério com sua esposa, e
não fazer contra ele outras cousas semelhantes; quem não pode ver que os que
fazem tais cousas não amam o próximo como a eles mesmos? Aqueles, ao
contrário, que não fazem tais cousas, porque são males contra o próximo e ao
mesmo tempo pecados contra o Senhor, agem com sinceridade, justiça, amizade e
fidelidade para com o próximo, e como o Senhor age igualmente, a conjunção
recíproca se opera; e quando há conjunção recíproca, tudo o que o homem faz ao
próximo, ele o faz pelo Senhor, e tudo o que homem faz pelo Senhor é o bem; e
então o próximo não é para ele uma pessoa, mas é o bem na pessoa. Amar o
Senhor acima de todas as cousas não é outra cousa senão não fazer mal à Palavra,
porque na Palavra está o Senhor, nem às cousas santas da Igreja, porque nas
cousas santas da Igreja está o Senhor, nem a alma de quem quer que seja, porque
a alma de cada um está na mão do Senhor; os que fogem dos males como pecados
enormes amam o Senhor acima de todas as cousas; mas isso não pode ser feito
senão por aqueles que amam o próximo como a si mesmos, pois estes dois amores
são conjuntos.
95. Como há uma conjunção do Senhor com o homem, e do homem com o Senhor,
é por isso que há duas Tábuas da lei, uma para o Senhor e a outra para o homem;
tanto quanto o homem faz como por si mesmo as leis de sua Tábua, tanto o Senhor
lhe concede fazer as leis da sua; mas o homem que não faz as leis de sua tábua,
que se referem todas ao amor do próximo, não pode fazer as leis da tábua do
Senhor, que se referem todas ao amor do Senhor; como um assassino, um ladrão,
um adúltero, um falso testemunho pode amar o Senhor? A razão não diz que ser tal
e amar o Senhor implica em contradição? O diabo não é tal, e pode ele não odiar
Deus? Mas quando o homem tem aversão, como infernais, aos assassinatos, aos
adultérios, aos roubos e aos falsos testemunhos, então pode amar Deus, pois então
desvia sua face do diabo para voltá-la para o Senhor; e quando volta a face para o
Senhor, lhe é dado o amor e a sabedoria, que entram no homem pela face e não por
trás da cabeça. Como a conjunção com o Senhor se faz assim e não de outro modo,
é por isso que estas duas Tábuas são chamadas aliança; ora a aliança existe entre
dois.
96. VII. 0 Senhor em toda progressão de sua Divina Providência guarda
intactas e como santas estas duas faculdades no homem.
As razões disto são que o homem, sem estas duas faculdades, não teria nem
entendimento nem vontade, e assim não seria homem; além disso, também, ele não
poderia sem estas duas faculdades, ser conjunto ao Senhor, nem por conseqüência
ser reformado e regenerado; além disso ainda, o homem sem estas duas faculdades
não teria nem imortalidade nem a vida eterna. Pelo conhecimento, dado no que
precede, do que é a Liberdade e a Racionalidade, que são estas duas faculdades,
pode-se ver, é verdade, que assim é, mas não se vê claramente, a menos que estas
razões sejam apresentadas à vista como conclusões; é preciso, portanto que cada
um seja ilustrado. O homem, sem estas duas faculdades, não teria nem
entendimento nem vontade, e assim não seria homem: Com efeito, o homem não
tem a vontade senão porque pode querer livremente como por si mesmo; e querer
livremente como por si mesmo vem desta faculdade continuamente dada ao homem
pelo Senhor que é chamada Liberdade; e o homem não tem entendimento senão
porque pode como por si mesmo compreender se tal cousa é conforme ou não com
a razão; e compreender se uma cousa é conforme ou não com a razão vem desta
outra faculdade dada continuamente ao homem pelo Senhor que é chamada
Racionalidade. Estas faculdades se conjuntam no homem como a Vontade e o
Entendimento; a saber, que, porque o homem pode querer, pode também
compreender, pois querer não existe sem compreender, compreender é seu
companheiro ou seu associado, sem o qual ele não pode ser; é por isso que, com a
faculdade que é chamada liberdade, é dada a faculdade que é chamada
racionalidade; se mesmo de compreender tirar querer, nada compreenderás; e tanto
quanto queres, tanto podes compreender desde que os meios, que são chamados
conhecimentos, estejam presentes ou sejam ao mesmo tempo abertos, pois os
conhecimentos são como os instrumentos na mão de um operário; diz-se: Tanto
quanto queres tu podes compreender, isto é, tanto quanto amas compreender, pois
a vontade e o amor fazem um; isto, é verdade, se apresenta como um paradoxo,
mas se apresenta assim aqueles que não amam compreender, e por conseguinte
não querem, e os que não querem dizem que não podem; mas no Artigo seguinte se
dirá quem são os que não podem e quem são os que podem dificilmente. Sem que
haja necessidade de confirmação, é evidente que se o homem não tivesse uma
Vontade pela faculdade é chamada Liberdade, e um Entendimento pela faculdade
que é chamada Racionalidade, ele não seria homem. As bestas não têm estas
faculdades; parece que as bestas também possuem querer, e que possuem
compreender, elas porém não o podem; é uma afeição natural, a qual em si mesma
é um desejo, com uma ciência sua companheira, que unicamente as conduzem e as
levam a fazer o que fazem; há, é verdade, em sua ciência o civil e o moral, elas não
estão porém acima desta ciência porque não têm o espiritual que dá a percepção do
moral, e por conseqüência pensar analiticamente; elas podem, na verdade, ser
instruídas para fazer alguma cousa; mas isso é unicamente um natural que se ajunta
à sua ciência e ao mesmo tempo à sua afeição, e se reproduz ou pela vista ou pelo
ouvido, mas jamais se torna nela uma cousa do pensamento, ainda menos uma
cousa da razão; sobre este assunto, ver acima, nº 74. O homem não poderia, sem
estas duas faculdades, ser conjunto ao Senhor, nem por conseqüência ser
reformado e regenerado, é o que foi mostrado acima; com efeito, o Senhor reside
nestas duas faculdades no homem tanto maus como bons, e por elas se conjunta a
cada homem; daí vem que o mau pode compreender tão bem quanto o bom, e que
nele haja em potência a vontade do bem e o entendimento do vero; se não há em
ato, é pelo abuso destas faculdades. Que o Senhor reside nestas faculdades em
cada homem, é pelo influxo da vontade do Senhor, porque quer ser recebido pelo
homem, fazer sua morada nele, e lhe dar as felicidades da vida eterna; estas cousas
pertencem à vontade do Senhor, porque pertencem a seu Divino Amor. É esta
Vontade do Senhor, que faz com que o que o homem pensa, diz, quer e faz, aparece
nele como sendo dele. Que o influxo da vontade do Senhor opera isto é o que pode
ser confirmado por várias particularidades do Mundo espiritual; pois às vezes o
Senhor imbui um Anjo com seu Divino, ao ponto de o Anjo não saber outra cousa,
senão que é o Senhor; assim foram imbuídos os Anjos que Abraão, Hagar, Gedeão
viram, os quais por isso são chamados Jeová, e dos quais se fala na Palavra; da
mesma maneira também um espírito pode ser imbuído por um outro ao ponto de não
saber outra cousa, senão que é esse outro; é o que vi muito freqüentemente;
sabe-se também no Céu que o Senhor opera todas as cousas pelo Querer, e o que
Ele quer é feito. Por estas explicações, é evidente que é por estas duas faculdades
que o Senhor se conjunta ao homem, e que faz com que o homem seja
reciprocamente conjunto. Mas como o homem, por estas faculdades, é
reciprocamente conjunto, e por conseqüência como por elas é reformado e
regenerado, isso foi dito acima, e se falará disso mais amplamente no que segue. O
homem, sem estas duas faculdades, não teria nem a imortalidade nem a vida
eterna, é uma conseqüência do que acaba de ser dito, que por elas há conjunção
com o Senhor, além de reforma e regeneração; pela conjunção o homem tem a
imortalidade, e pela reforma e a regeneração tem a vida eterna; e como por estas
faculdades há conjunção do Senhor com todo homem, tanto mau como bom, como
foi dito, é por isso que o homem tem a imortalidade; mas a vida eterna, isto é, a vida
do Céu, é para o homem em quem há conjunção recíproca desde os íntimos até aos
últimos. Por estas explicações, pode-se ver as razões pelas quais o Senhor, em toda
progressão de sua Divina Providência, guarda intactas e como santas estas duas
faculdades do homem.
97. VIII. É por isso que é da Divina Providência que o homem aja pelo livre
segundo a razão.
Agir pelo livre segundo a razão, e agir pela Liberdade e a Racionalidade, é a mesma
cousa; além disso, também, agir pela vontade e o entendimento é a mesma cousa;
mas outra cousa é agir pelo livre segundo a razão, ou pela liberdade e a
racionalidade, e outra cousa agir pelo livre mesmo segundo a razão mesma, ou pela
liberdade mesma e a racionalidade mesma; com efeito, o homem que faz o mal pelo
amor do mal, e que o confirma nele, age, é verdade, pelo livre segundo a razão, mas
contudo seu livre não é em si o livre ou o livre mesmo, mas é um livre, infernal, que
em si é o servil, e sua razão não é em si a razão, mas é uma razão ou bastarda, ou
falsa, ou aparente por confirmações; a verdade entretanto é que um e outro é da
Divina Providência; pois se o livre de querer o mal, e de fazer por confirmações que
seja como conforme a razão, fosse tirado do homem natural, a liberdade e a
racionalidade pereceriam, e ao mesmo tempo a vontade e o entendimento; e o
homem não poderia ser afastado dos males, nem ser reformado, nem por
conseqüência ser conjunto ao Senhor e viver pela eternidade; é por isso que o
Senhor guarda o Livre no homem, como o homem guarda a pupila de seu olho. Mas
não obstante o Senhor pelo livre desvia continuamente o homem dos males, e tanto
quanto pode pelo livre desviar, tanto pelo livre implanta os bens; assim
sucessivamente em lugar do livre infernal, introduz o Livre celeste.
98. Foi dito acima que todo homem tem a faculdade de querer, que é chamada
Liberdade, e a faculdade de compreender que é chamada Racionalidade; mas é
preciso que se saiba bem que estas duas faculdades foram como que inseridas no
homem, pois o humano mesmo está nelas; mas, como acaba de ser dito, outra,
cousa é agir pelo livre segundo a razão, e outra cousa agir pelo livre mesmo
segundo a razão mesma; só aqueles que se deixaram regenerar pelo Senhor agem
pelo livre mesmo segundo a razão mesma; todos os outros agem pelo livre segundo
um pensamento que fazem como conforme a razão. Entretanto todo homem, a não
ser que tenha nascido idiota ou extremamente estúpido pode chegar à razão
mesma, e por ela ao livre mesmo; mas se aí não chega, é por várias causas, que
serão desenvolvidas em seguida; aqui, se dirá unicamente quem são aqueles em
quem o Livre mesmo ou a Liberdade mesma, e ao mesmo tempo a Razão mesma
ou a Racionalidade mesma, não podem existir, e aqueles em quem podem
dificilmente existir. A Liberdade mesma e a Racionalidade mesma Mo podem existir
nos idiotas de nascimento, nem naqueles que mais tarde se tornaram idiotas,
enquanto são Idiotas. A Liberdade mesma e a Racionalidade mesma não podem
tampouco existir nos estúpidos e nos imbecis de nascença, nem em alguns que
assim se tomaram pelo entorpecimento do ócio, ou por um pesar que perverteu ou
inteiramente fechou os interiores da mente, ou pelo amor de uma vida bestial. A
Liberdade mesma e a Racionalidade mesma não podem tampouco existir, no Mundo
cristão, naqueles que negam absolutamente o Divino do Senhor e a santidade da
Palavra, e mantiveram esta negação confirmada neles até ao fim de sua vida; pois é
isto que é entendido pelo pecado contra o Espírito Santo, que não é remido nem
neste século nem no que está para vir, (Mateus 12º, 31, 32). A Liberdade mesma e a
Racionalidade mesma não podem tampouco existir naqueles que atribuem tudo à
natureza e nada ao Divino, e que por meio de raciocínios pelas cousas visíveis
fizeram isso o objeto de sua fé; pois estes são ateus. A Liberdade mesma e a
Racionalidade mesma podem dificilmente existir naqueles que muito se confirmaram
nos falsos da religião, porque aquele que confirma o falso nega o vero; mas àqueles
que não se confirmaram de qualquer religião que sejam elas podem existir; ver o
que foi relatado sobre este assunto na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a
Escritura Santa, nº 91 a 97. As criancinhas e as crianças não podem chegar à
Liberdade mesma nem à Racionalidade mesma, antes de terem atingido a idade da
adolescência, porque os interiores da mente do homem são sucessivamente
abertos; são, por enquanto, como sementes em um fruto não em maturidade, as
quais não podem germinar no húmus.
99. Foi dito que a Liberdade mesma e a Racionalidade mesma não podem existir
naqueles que negaram o Divino do Senhor e a santidade da Palavra nem naqueles
que se confirmaram pela natureza contra o Divino, e que podem dificilmente existir
naqueles que muito se confirmaram nos falsos dê religião; mas não obstante todos
esses não perderam estas faculdades mesmas; ouvi dizer por ateus, que se tinham
tornado diabos e satanases, que tinham compreendido os arcanos da sabedoria tão
bem como os anjos, mas unicamente quando os haviam ouvido expor por outros;
mas que, quando tinham voltado aos seus pensamentos, não os tinham
compreendido; era porque não o tinham querido; mas lhes foi mostrado que
poderiam mesmo o querer, se o amor e, por conseguinte o prazer do mal não os
afastasse; quando ouviram isso, compreenderam também, e mesmo afirmaram que
podiam, mas que não queriam poder, porque assim não poderiam querer o que
queriam, isto é, o mal pelo prazer de sua cobiça; freqüentemente ouvi, no Mundo
espiritual, cousas semelhantemente surpreendentes; por estas cousas fui
plenamente confirmado que cada homem tem a liberdade e a racionalidade, e que
cada um pode chegar à Liberdade mesma e à Racionalidade mesma, se fugir dos
males como pecados. Mas o adulto que, no Mundo, não chega à Liberdade mesma,
e à Racionalidade mesma, não pode jamais aí chegar depois da morte, pois então o
estado de sua vida permanece eternamente tal qual foi no mundo.
É UMA LEI DA DIVINA PROVIDÊNCIA QUE 0 HOMEM COMO POR SI MESMO AFASTE DO
HOMEM EXTERNO OS MALES COMO PECADOS; E 0 SENHOR PODE ASSIM, E NÃO DE
OUTRO MODO, AFASTAR OS MALES NO HOMEM INTERNO, E ENTAO AO MESMO TEMPO
NO HOMEM EXTERNO.
100. Cada um, pela razão só, pode ver que o Senhor, que é o Bem mesmo e o Vero mesmo, não
pode entrar no homem, a não ser que nele os males e os falsos tenham sido afastados, pois o
mal é oposto ao bem, e o falso é oposto ao vero; ora, dois opostos não podem jamais ser
misturados, mas quando um se aproxima do outro, se trava um combate que dura até que um
tenha cedido o lugar ao outro, e o que cede se retira, e o outro se apodera do lugar. Em uma
semelhante oposição se encontram o Céu e o Inferno, ou o Senhor e o diabo; cada um pode,
pela razão, pensar que o Senhor possa entrar onde reina o diabo, ou que o Céu possa estar lá
onde está o inferno? Quem é que, pela racionalidade dada a todo homem sensato, não vê que,
para que o Senhor entre, é preciso que o diabo seja expulso; ou que, para que o Céu entre, é
preciso que o inferno seja afastado? Esta oposição é entendida por estas palavras dirigidas do
Céu por Abraão ao rico no inferno: "Entre nós e vós um abismo imenso foi estabelecido, de sorte
que aqueles que querem atravessar daqui para vós não o podem, nem tampouco os de lá para
nós (não podem) passar" (Lucas 16º, 26). O mal mesmo é o inferno, e o bem mesmo é o Céu; ou,
o que é a mesma cousa, o mal mesmo é o diabo, e o bem mesmo é o Senhor; e o homem em
quem reina o mal é um inferno na menor forma, e o homem em quem reina o bem é um Céu na
menor forma. Isso sendo assim, como o Céu pode entrar no inferno, pois que entre eles foi
estabelecido um abismo tão imenso que não se pode passar de um para o outro? Segue-se daí,
que o inferno deve ser inteiramente afastado, para que o Senhor com o Céu possam entrar.
101. Mas um grande número de homens, principalmente os que se confirmaram na fé separada
da caridade, não sabem que estão no inferno, quando estão nos males; não sabem mesmo o que
são os males, por esta razão, que não pensam de modo algum nos males, dizendo que não
estão sob o jugo da lei, e que assim a lei não os condena; que, pois que não podem em cousa
alguma contribuir para a salvação, não podem afastar deles mal algum; e que, além disso, não
podem fazer por si mesmos bem algum; são estes que omitem pensar no mal, e porque omitem
pensar nisso estão continuamente no mal. Que sejam eles que são entendidos pelo Senhor sob
a designação de bodes em Mateus, 24º, 41 a 46, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a
Fé, nº 61 a 68; se diz deles no Vers. 41: "Afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno
preparado para o diabo e para seus anjos". Pois aqueles que não pensam de modo algum nos
males neles, isto é, que não se examinam, e por isso não renunciam a eles, não podem deixar de
ignorar o que é o mal, e então amam o mal pelo prazer que lhes traz; com efeito, aquele que
ignora o que é o mal, ama o mal, e aquele que omite pensar no mal está continuamente no mal, e
é como um cego que não vê; pois o pensamento vê o bem e o mal, como o olho vê o belo e o
feio; e o homem está no mal, não somente quando pensa e quer o mal, mas também quando crê
que o mal não aparece diante de Deus, e quando crê que, se aparece, é perdoado, pois desta
maneira pensa que está sem o mal; se aqueles se abstêm de fazer os males, se abstêm deles
não porque são pecados contra Deus, mas porque temem as leis e a perda da reputação; mas a
verdade é que os fazem em seu espírito, pois é o espírito do homem que pensa e quer; é por
isso que, o que o homem no mundo pensa em seu espírito, ele o faz após sua saída do mundo
quando se torna espírito. No Mundo espiritual, onde todo homem entra depois da morte, não se
pergunta a alguém: "Qual foi a tua fé?" Nem: "Qual foi a tua doutrina?" Mas: "Qual foi a tua
vida?" Por conseqüência se ele é tal ou tal; pois sabe-se que tal é a vida de alguém, tal é sua fé,
e mesmo tal é sua doutrina; pois a vida se faz uma doutrina e se faz uma fé.
102. Pelo que acaba de ser dito, pode-se ver que é uma Lei da Divina Providência que os males
sejam afastados do homem; pois se não são afastados, o Senhor não pode ser conjunto ao
homem, em, e levá-lo por Si ao Céu. Mas como se ignora que o homem deve como por si mesmo
afastar os males do homem externo, e que se o homem não faz isso como por si mesmo, o
Senhor não pode afastar os males dele no homem Interno, este assunto vai por conseqüência
ser apresentado diante da razão e em sua luz, nesta ordem: I. Cada homem tem um Externo e
um Interno do pensamento. II. 0 Externo do pensamento do homem é em si tal qual é seu Interno.
III. 0 Interno não pode ser purificado das cobiças do mal, enquanto os males do homem externo
não são afastados, porque eles obstruem. IV. Os males do homem Externo não podem ser
afastados pelo Senhor senão por meio do homem. V. O homem deve, portanto como por si
mesmo afastar do homem Externo os males. VI. Então o Senhor purifica o homem das cobiças do
mal no homem Interno, e dos males mesmos no homem Externo. VII. A ação contínua da Divina
Providência do Senhor consiste em conjuntar o homem a Si, e Ele ao homem, a fim de poder
dar-lhe as felicidades da vida eterna, o que não pode ser feito, senão tanto quanto os males com
suas cobiças são afastados.
103. I. Cada homem tem um Interno e um Externo do pensamento.
Pelo externo e o interno do pensamento é entendida aqui a mesma cousa que pelo homem
Externo e o homem Interno, pelos quais não é entendida outra cousa senão o externo e o interno
da vontade e do entendimento, pois a vontade e o entendimento fazem o homem; e como estes
dois se manifestam nos pensamentos, se diz o externo e o interno do pensamento. Ora, pois que
não é o corpo do homem, mas seu espírito, que quer e compreende, e, por conseguinte pensa,
segue-se que este externo e este interno são o externo e o interno do espírito do homem. 0 que o
corpo executa quer por palavras, quer por atos, não é senão um efeito proveniente do interno e
do externo de seu espírito, pois o corpo é unicamente uma obediência.
104. Que cada homem em idade adulta tenha um externo e um interno do pensamento, por
conseqüência um externo e um interno da vontade e do entendimento, ou um externo e um
interno do espírito, o que é a mesma cousa que o homem externo e o homem interno, isso é
evidente para quem quer que preste atenção aos pensamentos e às intenções de um outro
segundo suas palavras ou suas ações, e também às suas quando está em companhia e quando
não o está; pois um homem pode falar amigàvelmente com um outro pelo pensamento externo, e,
entretanto ser seu inimigo no pensamento interno; um homem pode falar do amor para com o
próximo e do amor em relação a Deus pelo pensamento externo, e ao mesmo tempo pela afeição
deste pensamento, quando, entretanto em seu pensamento interno não faz caso algum do
próximo, e não teme a Deus. Um homem pode também falar da justiça das leis civis, das virtudes
da vida moral, e das cousas que pertencem à doutrina e à vida espiritual, pelo pensamento
externo e ao mesmo tempo pela afeição externa, e, entretanto, quando está só consigo mesmo,
falar pelo pensamento e a afeição internos contra as leis civis, contra as virtudes morais, e contra
as cousas que pertencem à doutrina e à vida espiritual; assim fazem aqueles que estão nas
cobiças do mal, e que não obstante diante do mundo querem fazer ver que não estão nisso. A
maior parte também, quando ouvem os outros falar, dizem em si mesmo: "Estes pensam
interiormente em si, como pensam falando? Deve-se crer neles ou não? Quais são as suas
intenções?" Que nos bajuladores e nos hipócritas haja um duplo pensamento, isso é notório; com
efeito, eles podem se conter e velar para que seu pensamento interior não se descubra; e alguns
podem escondê-lo cada vez mais interiormente, e por assim dizer fechar as portas a fim de que
não se mostre. Que o homem tenha um pensamento exterior e um pensamento interior é o que é
bem evidente, no fato de que por seu pensamento interior ele pode ver seu pensamento exterior,
e também refletir sobre ele, julgar se é mau ou não. Se tal é a mente do homem, isso vem de que
ele recebeu duas faculdades, que deve ao Senhor, chamadas Liberdade e Racionalidade; se ele
não tivesse um externo e um interno do pensamento, não poderia por estas faculdades nem
perceber, nem ver mal algum nele, nem ser reformado; e mesmo não poderia falar, mas
unicamente proferiria sons como as bestas.
105. O interno do pensamento vem do amor da vida e de suas afeições e das percepções que
delas provêm; o externo do pensamento vem das cousas que estão na memória, e que servem
ao amor da vida como confirmações e como meios para o fim. O homem, desde a infância até à
juventude, está no externo do pensamento pela afeição de saber, que então, faz seu interno;
transpira também alguma cousa da cobiça e por conseqüência da inclinação proveniente do
amor da vida nascido com ele por seus pais; mas depois, segundo a maneira porque vive, se
forma o amor de sua vida, cujas afeições e, por conseguinte as percepções fazem o interno de
seu pensamento; e do amor de sua vida se forma o amor dos meios, cujos prazeres e
conseqüentemente as ciências retiradas da memória fazem o externo de seu pensamento.
106. II. O Externo do pensamento do homem é em si tal qual é seu Interno.
Que o homem, desde a cabeça até aos pés, seja tal qual é o amor de sua vida, é o que foi
mostrado acima; aqui, portanto será dito a princípio alguma cousa sobre o amor da vida do
homem, porque nada pode ser dito antes sobre as afeições que fazem com as percepções o
interno do homem, nem sobre os prazeres das afeições que fazem com os pensamentos o
externo do homem. Os amores são em grande número, mas há dois deles que são como
senhores e reis é o Amor celeste e o Amor infernal; o Amor celeste é o Amor para com o Senhor
e em relação ao próximo, e o Amor infernal é o amor de si e do mundo. Estes amores são
opostos um ao outro como o Céu e o inferno, pois aquele que está no amor de si e do mundo
não quer bem senão a ele mesmo, enquanto que aquele que está no amor para com o Senhor e
em relação ao próximo quer bem a todos. Estes dois Amores são os amores da vida do homem,
mas com muitas variedades; o Amor celeste é o amor da vida daqueles que o Senhor conduz, e
o Amor infernal é o amor da vida daqueles que o diabo conduz. Mas o Amor da vida de cada um
não pode existir sem as derivações, que são chamadas afeições; as derivações do amor infernal
são as afeições do mal e do falso, particularmente as cobiças; e as derivações do amor celeste
são as afeições do bem e do vero, particularmente as dileções. As afeições do amor infernal, que
são particularmente as cobiças, são em tão grande número quanto há males; e as afeições do
amor celeste, que são particularmente as dileções, são também em tão grande número quanto
há bens. O amor habita em suas afeições como um senhor em seu domínio, ou como um rei em
seu reino; o domínio ou o reino destes amores é estabelecido sobre as cousas que pertencem à
mente, isto é, à vontade e ao entendimento do homem, e conseqüentemente ao corpo. O Amor
da vida do homem por suas afeições e as percepções que delas provêm, e por seus prazeres e
os pensamentos que deles resultam, governa todo o homem, o interno de sua mente pelas
afeições e pelas percepções, e o Externo de sua mente pelos prazeres das afeições e pelos
pensamentos que delas resultam.
107. A forma deste governo pode de alguma sorte ser vista pelas correspondências: O Amor
celeste com as afeições do bem e do vero e as percepções que delas provêm, e ao mesmo
tempo com os prazeres destas afeições e os pensamentos que delas resultam, podem ser
comparados a uma Arvore notável por seus galhos, suas folhas e seus frutos; o amor da vida é
esta árvore, os galhos com as folhas são as afeições do bem e do vero com suas percepções, e
os frutos são os prazeres das afeições com seus pensamentos. Mas o Amor infernal com suas
afeições do mal e do falso que são as cobiças, e ao mesmo tempo com os prazeres destas
cobiças e os pensamentos que delas resultam, pode ser comparado a uma aranha e ao tecido de
sua teia; o amor mesmo é a aranha; as cobiças do mal e do falso com as astúcias interiores
destas cobiças são os fios em forma de rede mais próximos da sede da aranha; e os prazeres
destas cobiças com as maquinações artificiosas são os fios mais afastados, onde as moscas que
voam são presas, envolvidas e devoradas.
108. Por estas comparações pode-se ver, é verdade, a conjunção de todas as cousas da vontade
e do entendimento ou da mente do homem com o amor de sua vida, mas não, entretanto
racionalmente. Esta conjunção pode ser vista racionalmente desta maneira: Por toda parte há
três cousas juntas que fazem um; são chamadas fim, causa e efeito; o amor da vida é aí o fim, as
afeições com suas percepções são a causa, e os prazeres das afeições com seus pensamentos
são o efeito; pois do mesmo modo que o fim pela causa vem ao efeito, desse mesmo modo
também o amor por suas afeições vem para seus prazeres, e por suas percepções para seus
pensamentos; os efeitos mesmos estão nos prazeres da mente e nos pensamentos desses
prazeres, quando os prazeres pertencem à vontade e os pensamentos ao entendimento, assim
quando há pleno consentimento; são então os efeitos de seu espírito, e se não vêm a um ato do
corpo, estão entretanto como em um ato, quando há consentimento; estão também então ao
mesmo tempo no corpo, e aí habitam com o amor de sua vida, e aspiram ao ato, que se faz
desde que nada se oponha a isso; tais são as cobiças do mal, e os males mesmos, naqueles
que, em seu espírito, consideram os males como lícitos. Ora, do mesmo modo que o fim se
conjunta com a causa e pela causa com o efeito, desse mesmo modo o amor da vida se conjunta
com o interno do pensamento, e pelo interno com o externo; daí é evidente que o externo do
pensamento do homem é em si tal qual é seu interno, pois o fim põe seu todo na causa, e pela
causa no efeito, pois que nada há de essencial no efeito senão o que está na causa, e pela
causa no fim; e porque assim o fim é o essencial mesmo que entra na causa e no efeito, é por
isso que a causa e o efeito são chamados fim médio e fim último.
109. Parece às vezes que o Externo do pensamento do homem não é em si tal qual é o Interno;
mas isso acontece, porque o amor da vida com seus internos que o cercam coloca abaixo dele
um Lugar-tenente, que é chamado Amor dos Meios, e lhe encarrega de estar precavido e velar
para que não se mostre cousa alguma de suas cobiças. Este Lugar-tenente, portanto, pela
astúcia de seu Príncipe, que é o amor da vida, fala e age segundo as intuições civis do Reino,
segundo os princípios morais da razão, e segundo as cousas espirituais da Igreja; e em alguns
com tanta astúcia e esperteza que ninguém vê que eles não são tais como falam e agem, e por
fim por causa deste disfarce eles mal sabem que são outros; tais são todos os hipócritas, e tais
são os sacerdotes que de coração não fazem caso algum do próximo e não temem a Deus, e que
entretanto pregam sobre o amor do próximo e sobre o amor de Deus; tais são os juizes que
julgam segundo os presentes e as amizades enquanto que fingem zelo pela justiça e falam do
julgamento segundo a razão; tais são os negociantes que de coração são sem sinceridade e
fraudulentos, quando agem com sinceridade em vista do ganho; e tais são os adúlteros, quando,
pela racionalidade de que gozam todos os homens, falam da castidade do casamento; e assim
por diante. Mas se estes mesmos homens se despojam o Amor dos meios, este Lugar-tenente do
amor de sua vida, das vestimentas de púrpura e de fino linho de que os tinham envolvido, e o
revestem de sua roupa doméstica, então é absolutamente o contrário que eles pensam, e que
por vezes segundo o pensamento dizem com seus amigos mais íntimos que estão em um
semelhante amor da vida. Poder-se-ia crer que, quando pelo amor dos meios falaram com tanta
justiça, sinceridade e piedade, a qualidade do interno do pensamento não estava no externo de
seu pensamento; mas, entretanto aí estava, está neles a hipocrisia, está neles o amor de si e do
mundo, cuja astúcia é de se fazer uma reputação em vista da honra ou do ganho, até na última
aparência; esta qualidade do interno está no externo de seu pensamento, quando falam e agem
assim.
110. Mas naqueles que estão no amor celeste, o Interno e o Externo do pensamento, ou o
homem Interno e o homem Externo, fazem um quando falam, e não conhecem diferença; o amor
de sua vida com suas afeições do bem e suas percepções do vero é como a alma nas cousas
que pensam e que, por conseguinte dizem e fazem; se são sacerdotes pregam pelo amor em
relação ao próximo e pelo amor para com o Senhor; se são juizes, julgam segundo a justiça
mesma; se são negociantes, agem pela sinceridade mesma; se são casados, amam as esposas
segundo a castidade mesma; e assim por diante. O Amor de sua vida tem também por Lugar-
tenente um Amor dos meios, que ele instrui e dirige a fim de que aja pela prudência, e o reveste
de roupagens de zelo pelos veros, da doutrina e ao mesmo tempo pelos bens da vida.
111. III. 0 Interno não pode ser purificado das cobiças do mal, enquanto os males no
homem Externo não forem afastados, porque eles obstruem.
Do que foi dito acima resulta que o externo do pensamento do homem é em si tal qual é o interno
do seu pensamento, e que são coerentes como duas cousas das quais uma não somente está
interiormente na outra, mas vem da outra; é por isso que uma não pode ser separada sem que a
outra o seja ao mesmo tempo; dá-se assim com todo externo que vem de um interno, com todo
posterior que vem de um anterior, e com todo efeito que vem de uma causa. Ora, como as
cobiças, de companhia com as astúcias, fazem o interno do pensamento nos maus, e como os
prazeres das cobiças, de companhia com as maquinações, fazem o externo do pensamento
neles, e como estes e aquelas foram conjuntos em um, segue-se que o interno não pode ser
purificado das cobiças, enquanto os males no homem externo não forem afastados. É preciso
que se saiba que é a vontade interna do homem que está nas cobiças, e seu entendimento
interno que está nas astúcias, que é sua vontade externa que está nos prazeres das cobiças, e
seu entendimento externo que está nas maquinações provenientes das astúcias; cada um pode
ver que as cobiças e seus prazeres fazem um, e que estas quatro cousas estão em uma única
série, e fazem juntas como um só feixe; por isso é ainda evidente que o interno, que consiste em
cobiças, não pode ser rejeitado senão pelo afastamento do externo que consiste em males. As
cobiças por seus prazeres produzem os males, mas quando se acredita que os males são lícitos,
o que acontece pelo consenti" mento da vontade e do entendimento, os prazeres e os males
fazem um; que o consentimento seja o fato mesmo, isso é notório; é também o que o Senhor diz:
"Se alguém olhar para a mulher de um outro a ponto de cobiçá-la, já cometeu adultério com ela
em seu coração" (Mateus 5º, 28). Dá-se o mesmo com todos os outros amores.
112. Por isto pode-se ver, portanto que para que o homem seja purificado das cobiças do mal, é
preciso que os males sejam inteiramente afastados do homem externo, pois antes disso não há
saída para as cobiças, e se não há saída, as cobiças permanecem dentro, e exalam delas
mesmas os prazeres, e assim forçam o homem ao consentimento e por conseqüência ao fato; as
cobiças entram no corpo pelo externo do pensamento; quando, portanto há consentimento no
externo do pensamento, elas estão imediatamente no corpo; o prazer, que é sentido, está lá; que
tal qual é a mente, tal seja o corpo, assim o homem inteiro vê-se no Tratado do Divino Amor e da
Divina Sabedoria nº 362 a 370. Isto pode ser ilustrado por comparações e também por exemplos:
Por Comparações: As cobiças com seus prazeres podem ser comparadas ao fogo; quanto mais o
fogo é alimentado, mais se abrasa; e quanto mais o seu impulso é livre, mais se estende ao
largo, até ao ponto de consumir em uma cidade as casas, e em uma floresta as árvores; as
cobiças do mal são também, na Palavra, comparadas ao fogo, e os males das cobiças, a um
incêndio; as cobiças do mal com seus prazeres aparecem também no mundo espiritual como
fogos; o fogo infernal não é outra cousa. Podem também ser comparadas a dilúvios e a
inundações, quando os diques e os aterros foram desmoronados. Podem ainda ser comparadas
à gangrena e aos abscessos, que dão a morte ao corpo, quando se estendem, ou quando se
negligencia a sua cura. Por Exemplos: É bem evidente que se no homem externo os males não
são afastados, as cobiças com seus prazeres crescem e superabundam. Quanto mais um ladrão
rouba, mais cobiça roubar, ao ponto de que por fim não pode mais abster-se disso; dá-se o
mesmo com um fraudador à medida que frauda; dá-se o mesmo com o ódio e a vingança, com a
luxúria e a intemperança, com a escortação, a blasfêmia. Que o amor de dominar pelo amor de si
cresce à medida que os freios lhe são afrouxados, isso é sabido; dá-se o mesmo com o amor de
possuir bens pelo amor do mundo; parece que para estes amores não há limite ou fim. Por isto, é
evidente que, tanto quanto os males no homem externo não são afastados, tanto superabundam
as suas cobiças; e que as cobiças crescem na mesma proporção em que os freios são
afrouxados aos males.
113. O homem não pode perceber as cobiças de seu mal; percebe, é verdade, seus prazeres,
mas mesmo sobre eles reflete pouco, pois os prazeres deleitam os pensamentos e tiram as
reflexões; se portanto não soubesse de outra parte que são males, ele os chamaria bens, e os
cometeria pelo livre segundo a razão de seu pensamento; quando age assim, ele os apropria;
tanto os confirma como lícitos, tanto aumenta a corte do amor reinante, que é o amor de sua
vida; as cobiças compõem a corte desse amor, pois são como seus ministros e seus satélites,
pelos quais governa os exteriores que constituem seu reino; mas tal é o rei, tais são os ministros
e os satélites e tal é o reino; se o rei é diabo, seus ministros e seus satélites são loucuras, e os
súditos de seu reino são falsos de todo gênero, que os ministros, que são chamados sábios,
ainda que sejam insensatos fazem aparecer como veros, e reconhecer por veros, por meio de
raciocínios tirados de ilusões e por fantasias. Um tal estado do homem pode ser mudado, a não
ser que os males do homem externo sejam afastados? É mesmo assim que são afastadas as
cobiças que são coerentes com os males; de outro modo não há saída para as cobiças, pois
estão encerradas como em uma cidade sitiada, e como uma úlcera que está fechada.
114. IV. Os males no homem externo não podem ser afastados pelo Senhor senão por
meio do homem.
Em todas as Igrejas cristãs foi recebido como ponto de doutrina, que o homem, antes de se
aproximar da santa Comunhão, deve se examinar, ver e reconhecer seus pecados e fazer
penitência renunciando a eles e os rejeitando, porque vêm do diabo; e que de outro modo os
pecados não lhe são remidos, e que ele é danado; os Ingleses, embora estejam na doutrina da fé
só, ensinam não obstante abertamente, na Prece para a santa Comunhão, o exame, o
reconhecimento e a confissão dos pecados, a penitência e a renovação da vida, e ameaçam os
que não o fazem, dizendo que, neste caso, o diabo entrará neles como em Judas os encherá de
toda iniqüidade, e destruirá o corpo e a alma. Os Alemães, os Suecos e os Dinamarqueses
ensinam cousas semelhantes na Prece para a santa Comunhão, ameaçando mesmo que, se se
agir de outro modo, a gente se tornará passível das penas infernais e da danação eterna, por ter
misturado o santo e o profano. Estas ameaças são pronunciadas em altas vozes pelo sacerdote
diante daqueles que devem se apresentar à santa ceia, e são ouvidas por eles com um pleno
reconhecimento de que isso é assim. Entretanto as mesmas pessoas, quando ouvem no mesmo
dia pregar sobre a fé só, e dizer que a Lei não os condena, porque o Senhor a cumpriu por eles,
e que por elas mesmas não podem fazer bem algum sem que seja meritório, e que assim as
obras em si mesmas nada têm na salvação, mas que é a fé só que salva, voltam para suas casas
esquecendo completamente a confissão precedente, e rejeitando-a, tanto quanto pensam
segundo o sermão sobre a fé só. Agora, destas duas doutrinas, qual é a verdadeira? Esta ou
aquela? Duas cousas opostas uma a outra não podem ser verdadeiras; ou bem, sem exame,
nem conhecimento, nem reconhecimento, nem confissão, nem rejeição dos pecados, por
conseqüência sem penitência, não há remissão dos pecados, nem por conseqüência salvação,
mas uma danação eterna; ou bem, tais atos nada fazem para a salvação, porque o Senhor pela
paixão da cruz plenamente satisfez por todos os pecados dos homens em favor daqueles que
estão na fé, e que os que estão na fé só com a segurança de que isto é assim, e a confiança
sobre a imputação do mérito do Senhor, estão sem pecado, e aparecem diante de Deus como
aqueles cuja face bem lavada é brilhante. Por isto, é bem evidente que a religião comum de
todas as Igrejas no mundo cristão é que o homem deve se examinar, ver e reconhecer seus
pecados, e depois se abster deles, e que de outro modo não há salvação, mas danação. Que
esteja ai também a Divina verdade mesma vê-se claramente na Palavra pelas passagens onde
se manda o homem fazer penitência, por exemplo, estas: "Jesus disse: Fazei frutos dignos da
Penitência; já o machado à raiz da árvore está colocado; toda árvore que não produz fruto bom
será cortada, e ao fogo será lançada" (Lucas 3º, 8, 9). "Se não fizerdes Penitência todos vós
perecereis" (Lucas 13º 3, 5). "Jesus pregou o Evangelho do reino de Deus; fazei Penitência e
crede no Evangelho" (Marcos 1º, 14, 15). "Jesus enviou seus discípulos; e tendo partido,
pregaram que se fizesse Penitência" (Marcos 6º, 12). "Jesus disse aos Apóstolos que era preciso
que se pregasse a Penitência e a Remissão dos Pecados, entre todas as Nações" (Lucas 24º,
47). "João pregou um batismo de Penitência em Remissão de Pecados" (Marcos 1º, 4; Lucas 3º,
3). Pensa também nisto por algum entendimento, e, se tens religião, verás que a penitência dos
pecados é o caminho que conduz ao Céu, e que a fé separada da penitência não é a fé, e que
aqueles que não estão na fé, porque não fazem penitência, estão no caminho que conduz ao
inferno.
115. Aqueles que estão na fé separada da caridade e que se confirmaram por esta sentença de
Paulo aos Romanos, que pela fé o homem é justificado sem as obras da lei (3º, 28), esses
adoram esta sentença como os que adoram o sol, e se tomam como aqueles que fixam com
esforço os olhos sobre, o sol, o que faz com que sua vista, estando ofuscada, nada perceba por
meio da luz; com efeito, não vêm alguma cousa que é entendida nesta passagem pelas obras da
lei, a saber, que são as cerimônias descritas por Moisés em seus Livros, as quais aí são por toda
parte chamadas Lei, e que não são os preceitos do Decálogo; também, com receio de que
fossem entendidos os preceitos do Decálogo, explica ele esta passagem dizendo: "Aboliríamos
pois a Lei pela fé? Muito longe disso! Ao contrário, nós estabelecemos a lei" (Vers. 31 do mesmo
capítulo). Aqueles que, segundo esta sentença, se confirmaram na fé separada, esses, fixando
seus olhares sobre esta passagem como sobre o sol, não vêem, tampouco, quando Paulo
enumera as Leis da fé, que são as obras mesmas da caridade; o que é portanto a fé sem suas
leia? Não vêem tampouco as passagens onde ele enumera as más obras dizendo que os que as
fazem não podem entrar no Céu. Por aí se vê que cegueira foi introduzida por esta única
passagem mal entendida.
116. Que os males no homem Externo não possam ser afastados senão por meio do homem, é
porque é da Divina Providência do Senhor que tudo o que o homem ouve, vê, pensa, quer,
pronuncia e faz apareça absolutamente como sendo dele; que sem esta aparência não haveria
para o homem recepção alguma do Divino Vero, determinação alguma para fazer a bem,
apropriação alguma do amor e da sabedoria, nem da caridade e da fé, nem, por conseguinte
conjunção alguma com o Senhor, por conseguinte reforma alguma, regeneração alguma, e assim
salvação alguma é o que foi mostrado acima nº 71 a 95, e seguintes; é evidente que sem esta
aparêcia não pode haver nem penitência dos pecados, nem mesmo fé; além disso, também, que
o homem sem esta aparência não é homem, mas que, privado da vida racional, é semelhante à
besta. Consulta, se queres, a tua razão; será que aparece de outro modo, senão que o homem
pensa por si mesmo sobre o bem e sobre o vero tanto espiritual como moral e civil? E então
recebe este doutrinal de que todo bem e todo vero vêm do Senhor, que bem algum nem vero
algum vêm do homem, não reconhecerás tu por conseqüência que o homem deve fazer o bem e
pensar o vero como por ele mesmo, mas, entretanto reconhecer que é pelo Senhor; que por
conseqüência também o homem deve afastar os males como por si mesmo, mas, entretanto
reconhecer que o faz pelo Senhor?
117. Há muitos que não sabem que estão nos males, porque não os fazem nos externos, porque
temem as leis civis, e também a perda da reputação, e assim adquirem o costume e o hábito de
fugir dos males como nocivos à sua honra e a seus interesses; mas se não fogem dos males por
princípio de religião porque são pecados e contra Deus, então as cobiças do mal com seus
prazeres permanecem neles como águas impuras fechadas ou estagnadas; que examinem seus
pensamentos e suas intenções, e os acharão tais, desde que saibam o que é o pecado. Tais são
em grande número os que se confirmaram na fé separada da caridade, os quais, porque crêem
que a Lei não condena, não dão atenção aos pecados, e alguns duvidam que os haja, e pensam
que, se os há, não são pecados diante de Deus, porque foram perdoados. Tais são também os
moralistas naturais que acreditam que a vida civil e moral com sua prudência produz tudo; e que
a Divina Providência nada produz. Tais são ainda aqueles que procuram com muito cuidado uma
reputação e um renome de honestidade e de sinceridade pela honra ou pelo proveito. Mas os
que são tais, e que ao mesmo tempo desprezaram a religião, tornam-se espíritos de cobiças
depois da morte; aparecem a si mesmos como se fossem homens, mas aos outros de longe
como príapos; e vêem nas trevas, e não na luz como as corujas.
118. Do que precede resulta agora a confirmação do Artigo V, a saber: O homem deve,
portanto como por si mesmo afastar do homem Externo os males. É também o que foi
explicado nos três Artigos da Doutrina de Vida para a Nova Jerusalém; a saber, no primeiro, que,
ninguém pode fugir dos males como pecados, até ao ponto de os ter interiormente em aversão, a
não ser por combates contra eles, nº 92 a 100; no segundo, que o homem deve fugir dos males
como pecados, e combater contra eles como por si mesmo, nº 101 a 107; no terceiro, que se
alguém foge dos males por qualquer outro motivo, que não seja por serem pecados, não foge
deles mas faz unicamente com que não se mostrem diante do mundo, nº 108 a 113.
119. VI. Então o Senhor purifica o homem das cobiças do mal no homem Interno, e dos
males mesmos no homem Externo.
Se o Senhor purifica o homem das cobiças do mal, quando o homem afasta os males como por si
mesmo, é porque o Senhor não pode purificá-lo antes; pois os males estão no homem externo, e
as cobiças do mal estão no homem interno, e são coerentes com o mal como as raízes com o
tronco; se, portanto os males não são afastados, não há abertura; pois os males obstruem, e
fecham à porta, que não pode ser aberta pelo Senhor senão por meio do homem, assim como
acaba de ser mostrado. Quando o homem abre assim a porta como por ele mesmo, o Senhor
extirpa ao mesmo tempo as cobiças. É também porque o Senhor age no intimo do homem e pelo
íntimo no que segue até aos últimos, e porque a homem está ao mesmo tempo nos últimos; é por
isso que, enquanto os últimos são mantidos fechados pelo homem mesmo, nenhuma purificação
pode ser feita pelo Senhor; mas é feita unicamente pelo Senhor uma operação nos interiores, tal
como é a do Senhor, no inferno, de que o homem que está nas cobiças e ao mesmo tempo nos
males é a forma, operação que é unicamente uma disposição a fim de que um não destrua o
outro, e a fim de que o bem e o vero não sejam violados. Que o Senhor pressione e insista
continuamente para, que o homem lhe abra a porta, vê-se claramente pelas palavras do Senhor
no Apocalipse (3º, 20): "Eis que estou à porta e bato, se alguém ouve a minha voz e abre a porta,
eu entrarei nele, e cearei com ele e ele comigo".
120. O homem nada sabe do estado interior de sua mente ou de seu homem Interno; entretanto
há aí uma infinidade de cousas das quais nem uma só vem ao seu conhecimento; pois o Interno
do pensamento do homem, ou seu homem Interno, é seu espírito mesmo, e neste espírito há
cousas ao infinito, ou tão inumeráveis como no corpo do homem, e mesmo ainda mais
inumeráveis, pois o espírito do homem é em sua forma um homem, e todas as cousas do espírito
correspondem a todas as do homem em seu corpo. Ora, como o homem não sabe por sensação
alguma como seu espírito ou sua alma opera ao mesmo tempo e em particular em todas as
cousas de seu corpo, do mesmo modo também o homem não sabe como o Senhor opera em
todas as cousas de sua mente ou de sua alma, isto é, em todas as cousas de seu espírito; a
operação é continua; o homem não toma parte alguma nela; mas não obstante o Senhor não
pode purificar o homem de cobiça alguma do mal em seu espírito ou em seu homem Interno,
enquanto o homem mantiver o externo fechado; aquilo pelo qual o homem mantém seu externo
fechado são os males, cada um dos quais lhe aparece como um, embora em cada um haja uma
infinidade; quando o homem afasta um desses males como sendo um, o Senhor afasta os males
infinitos que estão nesse mal. É isto que é entendido por "então o Senhor purifica o homem das
cobiças do mal no homem interno, e dos males mesmos no homem externo".
121. Um grande número de homens imagina que o que purifica o homem dos males é
unicamente crer no que a Igreja ensina; e alguns imaginam que é fazer o bem; outros que é
saber, dizer e ensinar as cousas que são da Igreja; outros, ler a Palavra e os livros de piedade;
outros, freqüentar os templos, ouvir pregações, e, sobretudo apresentar-se à santa Ceia; outros,
renunciar ao mundo e se dedicar à piedade; outros confessar-se culpado de todos os pecados; e
assim por diante. Mas, entretanto todas estas cousas não purificam o homem, a não ser que ele
se examine, veja seus pecados, os reconheça se condene por causa deles, e faça penitência
renunciando a eles; e todas estas cousas ele deve fazê-las como por si mesmo, mas, entretanto
reconhecendo de coração que é pelo Senhor. Antes que isso seja feito, todas as cousas de que
se acaba de falar de nada servem, pois são ou meritórias ou hipócritas; e esses aparecem no
Céu diante dos anjos ou como belas prostitutas cuja corrupção espalha um odor infecto; ou como
mulheres feias que se embelezam com pinturas; ou como comediantes e palhaços nos teatros;
ou como macacos com roupas de homem. Más quando os males foram afastados, as cousas
acima mencionadas se tomam cousas do amor, e os que as fazem aparecem no Céu diante dos
anjos como belos homens, e como seus companheiros e seus consociados.
122. Mas é preciso que se saiba bem que o homem, para fazer penitência, deve elevar seus
olhos para o Senhor só; se os eleva para Deus Pai só, não pode ser purificado; não o pode
tampouco se é para o Pai por causa do Filho, nem se é para o filho como Homem somente; com
efeito, não há senão um único Deus, e o Senhor é esse Deus, pois seu Divino e seu Humano são
uma única Pessoa, como foi mostrado na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor. Para que
todo homem que deve fazer penitência eleve os olhos para o Senhor só, o Senhor instituiu a
Santa Ceia, que confirma a remissão dos pecados naqueles que fazem penitência; ela confirma,
porque nesta Ceia ou Comunhão cada um é levado a elevar os olhos para o Senhor só.
123. VIII. A ação contínua da Divina Providência do Senhor consiste em conjuntar o
homem a Si, e Ele ao homem, a fim de lhe dar as felicidades da vida eterna, o que não
pode ser feito, sendo tanto quanto os males com suas cobiças foram afastados.
Que a ação contínua da Divina Providência do Senhor consiste em conjuntar o homem a SI, e
Ela ao homem, e que seja esta conjunção que é chamada reforma e regeneração, e que em
conseqüência haja salvação para o homem, é o que foi mostrado acima, nº 27 a 45. Quem é que
não vê que a conjunção com o Senhor é a salvação? É o que vê quem quer que creia que os
homens, por criação, são as imagens e as semelhanças de Deus (Gênesis 1º, 26, 27), e saiba o
que é a imagem e a semelhança de Deus. Qual é o homem cuja razão é sã, que, quando pensa
por sua racionalidade e quer pensar por sua liberdade, possa crer que há três Deuses, iguais em
essência, e que o Divino Ser ou a Divina Essência pode ser dividida? Que haja um Trino em um
único Deus, isso pode ser pensado e compreendido, como se compreende que no anjo e no
homem há a alma e o corpo, e o procedente da vida pela alma e pelo corpo; e, pois que este
Trino em um não pode estar senão no Senhor, segue-se que a conjunção deve ser feita com o
Senhor. Faze uso da tua racionalidade e ao mesmo tempo da liberdade de pensar, e verás esta
verdade em sua luz; mas antes admite que há um Deus, que há um Céu, e que há uma vida
eterna. Ora, pois que há um único Deus, e que o homem por criação foi feito imagem e
semelhança de Deus, e, pois que pelo amor infernal, pelas cobiças desse amor, e pelos prazeres
destas cobiças, o homem entrou no amor de todos os males, e, por conseguinte destruiu nele a
imagem e a semelhança de Deus, segue-se que a ação contínua da Divina Providência do
Senhor consiste em conjuntar o homem a Si, e Ele ao homem, e assim fazer que seja sua
imagem; que seja a fim de que o Senhor possa dar ao homem as felicidades da vida eterna, é
ainda o que se segue, pois tal é o Divino Amor; mas que Ele não lhas possa dar, nem o fazer sua
imagem, a não ser que o homem afaste como por si mesmo os males no homem externo, é
porque o Senhor é não somente o Divino Amor, mas também a Divina Sabedoria, e o Divino
Amor nada faz senão pela e segundo a Divina Sabedoria; que o homem não possa ser conjunto
ao Senhor, e assim ser reformado, regenerado e salvo, a não ser que lhe seja permitido agir pelo
livre segundo a razão, pois por isso o homem é homem, isso é segundo a Divina Sabedoria do
Senhor, e tudo que é segundo a Divina Sabedoria do Senhor isso também pertence à sua Divina
Providência.
124. Ao que acaba de ser dito acrescentarei dois Arcanos da Sabedoria Angélica, pelos quais
pode-se ver qual é a Divina Providência; o primeiro, é que o Senhor jamais age no homem em
cousa alguma particular separadamente, sem agir ao mesmo tempo em todas as cousas do
homem; o segundo, é que o Senhor age pelos íntimos e pelos últimos ao mesmo tempo: 1º O
Senhor jamais age no homem em cousa alguma particular separadamente, sem agir ao
mesmo tempo em todas as cousas do homem: é porque todas as cousas do homem estão em
um tal encadeamento, e pelo encadeamento em uma tal forma, que elas agem não como várias
mas como uma só; que o homem quanto ao corpo esteja em um tal encadeamento, e pelo
encadeamento em uma tal forma, isso é sabido; a Mente humana está também em uma
semelhante forma pela conexão de todas as cousas que a compõe, pois a Mente humana é o
homem espiritual, e é mesmo efetivamente homem; daí vem que o espírito do homem, que é sua
mente no corpo, é homem em toda sua forma; também o homem depois da morte é igualmente
homem como no mundo, com a única diferença que rejeitou os despojos que constituíam seu
corpo no mundo. Ora, pois que a forma humana é tal, que todas as partes fazem o comum, que
age como uma única cousa segue-se que uma parte não pode ser removida do lugar, nem
mudada quanto ao estado, se não é do consentimento de todas as outras; pois se uma fosse
removida do lugar, e mudada quanto ao estado, a forma que deve agir como um sofreria. Por
isso, é evidente que o Senhor jamais age em cousa alguma particular sem agir ao mesmo tempo
em todas assim age o Senhor no Céu angélico inteiro, pois que o Céu angélico inteiro está em
relação ao Senhor como um só Homem; do mesmo modo também age o Senhor em cada anjo,
porque cada anjo é o Céu na menor forma; do mesmo modo ainda age em cada homem, de muito
perto em todas as cousas de sua mente, e por elas em todas as cousas de seu corpo;, pois a
mente do homem é seu espírito, e segundo a conjunção com o Senhor é um anjo, e o corpo é
uma obediência. Mas é preciso observar bem que o Senhor age singularmente e mesmo muito
singularmente em todo particular do homem, mas ao mesmo tempo por todas as cousas de sua
forma, e que não obstante não muda o estado de parte alguma ou de cousa alguma em
particular, a não ser de uma maneira conveniente para toda a forma; mas dir-se-á mais sobre
este assunto no que segue, quando for demonstrado que a Divina ]Providência do Senhor é
universal porque está nos singulares, e que é singular porque é universal; 2º O Senhor age
pelos íntimos e pelos últimos ao mesmo tempo: é porque assim, e não de outro modo, todas
e cada uma das cousas são contidas em encadeamento; pois os intermediários dependem dos
íntimos sucessivamente até aos últimos, e nos últimos estão juntos; com efeito, no Tratado do
Divino Amor e da Divina Sabedoria, Terceira Parte, foi mostrado que no último há o simultâneo
de todos a partir do primeiro. É mesmo por isso que o Senhor de toda a eternidade, ou Jeová,
veio ao mundo, e aí revestiu e tomou o Humano nos últimos, a fim de que dos primeiros pudesse
estar também nos últimos ao mesmo tempo, e assim dos primeiros pelos últimos governar o
mundo inteiro, e conseqüentemente salvar os homens que pode salvar segundo as Leis da
Divina Providência, que são também as Leis da Divina Sabedoria. Está, portanto aí o que foi
conhecido no Mundo Cristão, a saber, que nenhum mortal teria podido ser salvo, se o Senhor
não tivesse vindo ao Mundo; ver sobre este assunto a Doutrina da Nova Jerusalém sobre a fé, nº
35. Daí vem que o Senhor seja chamado o Primeiro e o último.
125. Estes Arcanos Angélicos foram dados como preliminares, a fim de que se possa
compreender como a Divina Providência do Senhor opera para conjuntar o homem a Si e Me ao
homem; esta operação não se faz separadamente em cousa alguma particular do homem, sem
se fazer ao mesmo tempo em todas; e se faz pelo íntimo do homem e por seus últimos ao mesmo
tempo; o intimo do homem é o amor de sua vida; os últimos são as cousas que estão no externo
do pensamento; os intermediários são as cousas que estão no interno de seu pensamento; o que
são estas cousas no homem mau, isso foi mostrado no que precede. Daí é de novo evidente que
o Senhor não pode agir pelos íntimos e pelos últimos ao mesmo tempo, sem que seja com o
homem, pois o homem está com o Senhor nos últimos; da maneira, portanto pela qual o homem
age nos últimos que dependem de seu arbítrio, porque estão no seu livre, da mesma maneira o
Senhor age pelos íntimos do homem, e nos sucessivos até aos últimos. As cousas que estão nos
íntimos do homem, e nos sucessivos desde os íntimos até aos últimos, são absolutamente
desconhecidas para o homem, e é por isso que o homem ignora absolutamente de que maneira
o Senhor aí opera; mas estas cousas são coerentes como um com os últimos, resulta daí que
não é necessário que o homem saiba outra cousa, senão que deve fugir dos males como
pecados, e voltar seus olhos para o Senhor. Assim, e não de outro modo, o amor de sua vida,
que de nascença é infernal, pode ser afastado pelo Senhor, e em seu lugar pode ser Implantado
o amor da vida celeste.
126. Quando o amor da vida celeste foi implantado pelo Senhor em lugar do amor da vida
infernal, as afeições do bem e do vero são implantadas em lugar das cobiças do mal e do falso;
os prazeres das afeições do bem são implantados em lugar das afeições do mal e do falso, e os
bens do amor celeste são implantados em lugar dos males do amor Infernal; então a prudência é
implantada em lugar da astúcia, e os pensamentos da sabedoria são implantados em lugar dos
pensamentos da malícia; assim o homem é engendrado uma segunda vez, e se torna novo.
Quais são os bens que substituem os males, vê-se na Doutrina de vida para a Nova Jerusalém,
nºs 67 a 73; 74 a 79; 80 a 86; 87 a 91. Vê-se aí também que, tanto quanto o homem foge dos
males como pecados e tem aversão a eles, tanto ama os veros da sabedoria, nºs 32, 41; além
disso, também tanto tem a fé e é espiritual, nº 42 a 52.
127. Que a religião comum em toda a Cristandade seja que o homem se examine, veja seus
pecados, os reconheça, os confesse diante de Deus e a eles renuncie, e que seja Isso a
penitência, a remissão dos pecados, e por conseqüência a salvação, é o que foi mostrado acima
pelas preces que se faz antes da Santa Comunhão em todas as Igrejas cristãs. Pode-se ainda
vê-lo pela Fé chamada Atanasiana, que foi recebida também em toda a Cristandade, onde estão
no fim estas palavras: “O Senhor virá para julgar os vivos e os mortos; ao seu advento os
que fizeram boas obras entrarão na vida eterna e os que as fizeram más entraram no fogo
eterno”.
128. Quem não sabe, pela Palavra, que cada um depois da morte tem por quinhão uma vida
segundo suas ações? Abre a Palavra, lê ai, e verás claramente; mas afasta então os
pensamentos concernentes à fé e à justificação pela fé só. O Senhor ensina isso por toda parte
na Palavra; seja para testemunho este pequeno número de passagens: "Toda árvore que não dá
bom fruto será cortada e lançada no fogo; pois por seus frutos os conhecereis" (Mat. 7º, 19, 20).
"Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, por teu nome não temos nós profetizado? E em
teu Nome muitos atos de força não temos feito? Mas então Eu lhes direi abertamente: Eu jamais
vos conheci, retirai-vos de Mim, vós que praticais iniqüidade" (Mat. 7º, 22, 23). "Quem quer que
ouça estas minhas palavras, e as faça, eu o compararei a um homem prudente que construiu sua
casa sobre a rocha; mas quem quer que ouça estas minhas palavras e não as faz será
comparado a um homem insensato que construiu sua casa sobre a areia" (Mat. 7º, 24, 26; Luc.
6º, 46 a 49). "O Filho do homem virá na glória de seu Pai, e então dará a cada um segundo suas
obras" (Mat. 16º 27). "O reino de Deus vos será tirado e será dado a uma Nação que dará seus
frutos" (Mat. 21º, 43). "Jesus disse: Minha mãe e meus irmãos são os que ouvem a palavra de
Deus e que a fazem" (Luc. 8º, 21). "Então começareis a ficar do lado de fora e a bater na porta,
dizendo: Senhor abre-nos; mas, respondendo, ele vos dirá: Retirai-vos de Mim, vós todos
obreiros de iniqüidade" (Luc. 13º, 25 a 27), "Os que tiverem feito boas obras sairão para uma
ressurreição de vida, e os que as tiverem feito más, para uma ressurreição de julgamento" (João
5º, 29). "Sabemos que aos pecadores, Deus não escuta; mas se alguém honra a Deus, e que
faça a sua vontade. Ele o escuta" (João 9º, 31). "Se sabeis estas cousas, felizes sereis, se as
fizerdes" (João 13º, 17). "Quem tem meus preceitos e os faz é esse que Me ama; e Eu o amarei,
e para ele virei, e morada nele farei" (João 14º, 15, 21 a 24). "Vós, meus amigos sois, se fazeis
tudo o que vos mando. Eu vos tenho escolhido para que deis fruto, e que vosso fruto
permaneça" (João 15º, 14, 16). "0 Senhor disse a João: Ao Anjo da Igreja de Éfeso escreve:
Conheço tuas obras. Tenho contra ti que a tua Caridade primeira tu abandonaste; Faz
penitência, e faz tuas primeiras obras; se não, tirarei teu candelabro de seu lugar" (Apoc. 2º, 1, 2,
4, 5). "Ao Anjo da Igreja dos Smirnianos escreve: Conheço tuas obras" (Apoc. 2º, 8, 9). "Ao Anjo
da Igreja de Pérgamo escreve: Conheço as tuas obras; faz penitência' (Apoc. 2º, 12, 13, 16). "Ao
Anjo da Igreja de Tiatira escreve: Conheço as tuas obras, e a tua Caridade, e tuas últimas obras
mais numerosas que as primeiras" (Apoc. 2º, 18, 19). "Ao Anjo da Igreja de Sardes escreve:
Conheço tuas obras, que tens nome de ser vivo, e és morto; não encontrei tuas obras perfeitas
diante de Deus; faz penitência" (Apoc. 3º, 1, 2, 3). “Ao Anjo da Igreja que está em Filadélfia
escreve: “Conheço tuas obras” (Apoc. 3º, 7, 8)”. Ao Anjo da Igreja dos Laodiceanos escreve:
"Conheço tuas obras; faz penitência" (Apoc. 3º, 14, 15, 19). “Ouvi uma voz do Céu que dizia:
“Escreve: Felizes os mortos que no Senhor morrem daqui por diante; suas obras os seguirão”
(Apoc. 14º, 13)”. “Um livro foi aberto, que é o livro da vida; e foram julgados os mortos, todos
segundo suas obras (Apoc. 20º, 12, 13)”. "Eis que venho breve, e minha recompensa comigo, a
fim de que dê a cada um segundo suas obras" (Apoc. 22º, 12). Estas passagens estão no Novo
Testamento; há ainda mais no Antigo Testamento, não referirei senão esta: “Mantém-te à porta
da Casa de Jeová; e aí proclama esta palavra: Assim diz Jeová Sabbaoth, o Deus de Israel:
Tornai boas as vossas vias e as vossas obras; não confieis em palavras de mentira, dizendo: o
Templo de Jeová, o Templo de Jeová, o Templo de Jeová, aqui; é roubando, matando,
cometendo adultério, e jurando falsamente, que vires depois, e vos mantereis diante de Mim
nesta Casa, sobre a qual é chamado o meu Nome, e que direis: Fomos libertados, enquanto que
fazeis estas abominações? Não é que caverna de ladrões se tornou esta Casa? Assim Eu, eis
que o vi; palavra de Jeová" (Jerem. 7º, 2, 3, 4, 9, 10, 11).
É UMA LEI DA DIVINA PROVIDÊNCIA, QUE 0 HOMEM NÃO SEJA CONSTRANGIDO POR
MEIOS EXTERNOS A PENSAR E A QUERER, ASSIM A CRER E A AMAR AS COUSAS QUE
PER TENCEM A RELIGIÃO; MAS QUE 0 HOMEM SE LEVE POR SI MESMO A ISSO, E
POR VEZES A ISSO SE CONSTRANJA.
129. Esta Lei da Divina Providência é uma conseqüência das duas leis precedentes, que são que
o homem aja pelo Livre segundo a razão, nº 71 a 79; e que aja por si mesmo, bem que seja pelo
Senhor, assim como por si mesmo, nº 100 a 128. Ora, como ser constrangido é agir não pelo
livre segundo a razão, nem por si mesmo, mas pelo não-livre, e por um outro, é por isso que esta
Lei da Divina Providência vem em ordem após as duas precedentes. Cada um sabe também que
ninguém pode ser constrangido a pensar o que não quer pensar, nem a querer o que pensa não
querer, não por conseqüência a crer o que não crê, menos ainda a crer o que não quer crer, nem
a amar o que não ama, menos ainda a amar o que não quer amar; pois o espírito do homem ou
sua mente, está em plena liberdade de pensar, de querer, de crer e de amar; está nesta
liberdade pelo influxo do mundo espiritual, que não constrange; pois é nesse mundo que está o
espírito ou a mente do homem, mas não está nesta liberdade pelo influxo do mundo natural, que
não é recebido, a não ser que eles ajam como um. O homem pode ser levado a dizer que pensa
e quer certas cousas, e que as crê e as ama, mas se elas não estão ou não se tornam conformes
com a sua afeição e, por conseguinte com a sua razão, ele não as pensa, não as quer, não as
crê e não as ama. O homem pode também ser constrangido a falar em favor da religião, e a agir
segundo a religião; mas não pode ser constrangido a pensar em seu favor por alguma fé, nem a
querer as cousas da religião por algum amor. Cada um também, nos reinos onde a justiça e o
julgamento são mantidos, é constrangido a não falar contra a religião, e a não agir contra ela;
mas, entretanto ninguém pode ser constrangido a pensar e a querer em seu favor; pois está na
liberdade de cada um, pensar e querer em favor do inferno, além disso, pensar e querer em favor
do Céu; mas a razão ensina qual é um e qual é o outro, e que sorte espera um e qual sorte
espera o outro, e é à vontade pela razão que pertence à opção e a escolha. Por isto, pode-se ver
que o Externo não pode constranger o Interno; é, entretanto, o que acontece algumas vezes;
mas que isso seja perigoso, é o que será demonstrado na ordem seguinte: I. Ninguém é
reformado pelos milagres nem pelos sinais, porque eles constrangem. II. Ninguém e reformado
por visões nem pelas conversações com os defuntos, porque elas constrangem. III. Ninguém é
reformado pelas ameaças nem pelos castigos, porque eles constrangem. IV. Ninguém é
reformado nos estados de não-racionalidade e de não-liberdade. V. Constranger-se a si mesmo,
não é contra a liberdade. VI. O homem Externo deve ser reformado pelo homem interno, e não
vice-versa.
130. I. Ninguém pode ser reformado pelos milagres nem pelos sinais, porque eles
constrangem.
Foi mostrado acima que há no homem um interno e um externo do pensamento, e que pelo
interno do pensamento o Senhor influi em seu externo no homem, e assim o ensina e o conduz;
além disso, também, que é da Divina Providência do Senhor que o homem aja pelo livre segundo
a razão; ora, um e outro no homem se tornaria nulo, se se fizessem milagres, e o homem por eles
seria forçado a crer. Que assim seja, pode-se ver racionalmente desta maneira: Não se pode
negar que os milagres não dão à crença e não persuadem fortemente senão que o que diz e
ensina aquele que faz milagres é verdadeiro; e que isso, no começo ocupa de tal modo o externo
do pensamento do homem, que este externo se acha por assim dizer ligado e fascinado; ora, o
homem é privado destas duas faculdades, que são chamadas racionalidade e liberdade, ao
ponto de não poder agir pelo livre segundo a razão, e então o Senhor não pode influir pelo
interno no externo de seu pensamento, mas unicamente deixa o homem confirmar por sua
racionalidade esta cousa, que pelo milagre se tornou um objeto da fé. O estado do pensamento
do homem é tal que pelo interno do pensamento ele vê a cousa no externo de seu pensamento
como em uma espécie de espelho; pois, como foi dito acima, o homem pode ver seu
pensamento, o que não pode acontecer senão pelo pensamento interior; e quando vê a cousa
como em um espelho, pode também voltá-la em todos os sentidos, e a formar, até que lhe pareça
bela; esta cousa se é uma verdade, pode ser comparada a uma moça ou a um rapaz, todos dois
belos e vivos; mas se o homem não pode voltar esta cousa em todos os sentidos nem a formar, e
que a creia unicamente pela persuasão introduzida pelo milagre, se então é uma verdade, pode
ser comparada a uma moça ou a um rapaz esculpidos em pedra ou madeira, na qual nada há de
vivo; pode também ser comparada a um objeto, que está continuamente diante dos olhos, e que
é visto só, e que esconde todos os objetos colocados de cada lado e atrás dele; pode ainda ser
comparada a um som contínuo no ouvido, o qual tira a percepção da harmonia produzida por
vários sons; os milagres introduzem uma semelhante cegueira e uma semelhante surdez na
mente humana. Dá-se o mesmo com toda cousa confirmada, que não é examinada por alguma
racionalidade antes que seja confirmada.
131. Por isto, a fé introduzida pelos milagres é não uma fé, mas uma persuasão, pois não há
racional algum nela, nem com mais forte razão espiritual algum; é unicamente um externo sem
interno; dá-se o mesmo com tudo que o homem faz por esta fé persuasiva, quer reconheça Deus,
quer lhe preste um culto em sua casa ou em templos, quer faça o bem. Quando só o milagre leva
o, homem ao reconhecimento, ao culto e à piedade, o homem age pelo homem natural e não
pelo homem espiritual; pois o milagre infunde a fé pelo caminho externo, e não pelo caminho
interno, assim pelo mundo e não pelo Céu, e o Senhor não entra no homem por um outro
caminho que não seja o caminho interno, que é pela Palavra, pela doutrina e pelas pregações
segundo a Palavra; e como os milagres fecham este caminho, é por isso que hoje não se faz
milagre algum.
132. Que tais sejam os milagres, pode-se ver claramente pelos milagres feitos diante do povo
judeu e israelita; embora estes vissem tantos milagres na terra do Egito, depois no mar de Suph,
e outros no deserto, e principalmente sobre a montanha do Sinai quando foi promulgada a Lei,
entretanto, um mês depois, Moisés tendo permanecido sobre esta montanha, eles fizeram um
Bezerro de ouro, e o reconheceram por Jeová que os havia tirado da terra, do Egito (Êxodo 32º,
4, 5, 6). Além disso, também pelos milagres feitos na terra de Canaã; e, contudo, de cada vez, se
retiraram do culto ordenado. Igualmente pelos milagres que o Senhor fez diante deles quando
estava no mundo, e, contudo eles 0 crucificaram. Se foram feitos milagres entre os judeus e os
israelitas, é porque eles eram homens inteiramente externos; não foram introduzidos na terra de
Canaã, senão a fim de representar a Igreja e seus internos pelos externos do culto; e como o
homem mau pode representar do mesmo modo que o bom, pois os externos do culto são
cerimônias que neles significavam todas elas os espirituais e os celestes; mais ainda, Abraão,
ainda que tivesse feito o bezerro de ouro e ordenado o seu culto (Êxodo 32º, 2, 3, 4, 5, 35), pode
não obstante representar o Senhor e sua obra de salvação; ora, como eles não podiam ser
levados pelos internos do culto a representar estes espirituais e estes celestes eram levados a
isso e mesmo forçados e constrangidos pelos milagres. Se não podiam ser levados a isso pelos
internos do culto, era porque não reconheciam o Senhor, embora toda a Palavra, que estava com
eles, não trate senão do Senhor só; e aquele que não reconhece o Senhor não pode receber
interno algum do culto; mas depois que o Senhor se manifestou, e foi recebido e reconhecido por
Deus eterno nas Igrejas, os milagres cessaram.
133. O efeito dos milagres é inteiramente outro nos bons, do que nos maus: Os bons não querem
milagres, mas crêem nos milagres que estão na Palavra; e se ouvem falar de um milagre, não lhe
dão atenção senão como a um fraco argumento que confirma sua fé, pois pensam segundo a
Palavra, assim pelo Senhor, e não pelo milagre. Mas é de outro modo com os maus; eles podem,
é verdade, pelos milagres ser forçados e constrangidos à fé, e mesmo ao culto e à piedade, mas
somente por outro tempo; pois dentro foram encerrados os males, cujas cobiças e
conseqüentemente seus prazeres agem continuamente no externo de seu culto e de sua
piedade; e para que saiam de sua prisão e se lancem para fora, levam seus pensamentos para o
milagre, e acabam por chamá-lo ilusão ou artifício, ou obra da natureza, e assim voltam a seus
males; ora, aquele que volta a seus males depois do culto, profana os veros e os bens do culto, e
a sorte dos profanadores depois da morte é a pior de todas; são eles que são entendidos pelas
palavras do Senhor em Mateus 12º, 43, 44, 45; seu último estado torna-se pior do que o primeiro.
Além disso, se se fizessem milagres entre os que não cressem pelos milagres relatados na
Palavra, seria preciso que se os fizesse continuamente, e diante dos olhos de todos que são tais.
Por isto, pode-se ver por que não se fazem milagres hoje.
134. II. Ninguém pode ser reformado por visões nem pelas conversas com os defuntos,
porque elas constrangem.
As visões são de dois gêneros, Divinas e diabólicas: As Visões Divinas se fazem por meio de
representativos no Céu; e as Visões diabólicas se fazem por operações mágicas no inferno; há
também Visões fantásticas que são ilusões de uma mente abstrata. As Visões Divinas, que se
fazem, como foi dito, por meio de representativos no Céu, são semelhantes às que tiveram os
profetas, que, quando elas tinham lugar, estavam não no corpo, mas em espírito; pois as visões
não podem aparecer a homem algum durante a vigília de seu corpo; é por isso que, quando
apareceram aos profetas, se diz também que eles estavam em espírito, como se vê pelas
passagens seguintes: Ezequiel diz: "O espírito me levou, e me conduziu à Caldéia, para a
catividade, na Visão de Deus, em Espírito de Deus; assim subiu sobre mim a Visão que vi" (11º,
1, 24). Diz-se também que o Espírito o elevou entre a terra e o Céu, e o levou a Jerusalém nas
Visões de Deus (8º, 3 e seg.). Estava igualmente em uma visão de Deus ou em espírito, quando
viu os quatros animais que eram Querubins (Cap. 1º a 10º); e também quando viu o novo Templo
e a nova Terra e o Anjo que os media (Cap. 40º a 48º). Que estava então na Visão de Deus, se
diz no Cap. 40º, 2; e em Espírito, no Cap. 43º, 5. Em um semelhante estado estava Zacarias
quando viu um homem a cavalo entre as murtas (Cap. 1º, 8 e segs.). Quando viu quatro cornos e
um homem tendo na mão um cordel de medir (Cap. 2º, 1, 3 e segs.). Quando viu um candelabro
e duas oliveiras (Cap. 4º, 1 e segs.). Quando viu um rolo que voava, e a efa (Cap. 5º, 1, 6),
Quando viu quatro carros saírem dentre quatro montanhas, e os cavalos (Cap. 6º, 1 e segs.). Em
um semelhante estado estava Daniel, quando viu quatro bestas subindo do mar (Cap. 6º, 1 e
segs.) e quando viu os combates do carneiro e do bode (Cap. 8º, 1 e segs.). Que tenha visto
estas cousas na visão de seu Espírito, ele disse (Caps. 7º, 1, 2, 7, 13; 8º 2; 10º, 1; 7; 8); disse
também que viu o Anjo Gabriel em visão (Cap. 9º, 21). Na visão do espírito estava também João,
quando viu as cousas que descreve no Apocalipse; assim, quando viu sete candelabros e no
meio o Filho do homem (Cap. 1º, 12 a 16). Quando viu um Trono no Céu, e Alguém sentado
sobre o trono, e os quatro Animais, que eram Querubins, ao redor do trono (Cap. 4º). Quando viu
o Livro de vida, que o Cordeiro tomou (Cap. 5º). Quando viu os cavalos que saíam do Livro (Cap.
6º). Quando viu sete anjos com trombetas (Cap. 8º). Quando viu o poço do abismo aberto, e
gafanhotos saindo dele (Cap. 9º). Quando viu o dragão e seu combate contra Miguel (Cap. 12º).
Quando viu duas bestas subindo, uma do mar, a outra da terra (Cap. 13º). Quando viu uma
mulher sobre uma besta cor de escarlate (Cap. 17º); e Babilônia destruída (Cap. 18º). Quando
viu um Céu novo e uma Terra nova, e a Santa Jerusalém descendo do Céu (Cap. 21º); e quando
viu um rio de água da vida (Cap. 22º). Que tenha visto estas cousas na visão do espírito, isso
está dito (Cap. 1º, 10; 4º, 2; 5º, 1; 7º, 1; 21º, 10). Tais foram às visões que apareceram do Céu
diante da vista de seu espírito, e não diante da vida de seu corpo. Não há semelhantes visões
hoje, pois, se as houvesse, não seriam compreendidas, porque se fazem por meio de
representativos, cada um dos quais significa internos da Igreja e arcanos do Céu. Que essas
visões devessem cessar, quando o Senhor viesse ao mundo, isto foi mesmo predito por Daniel
no Cap. 9º, 24. Quanto às Visões diabólicas, houve algumas vezes; eram introduzidas por
espíritos entusiastas e visionários que, pelo delírio em que estão se chamam Espírito Santo.
Mas, agora, estes espíritos foram reunidos pelo Senhor, e lançados em um inferno separado dos
infernos dos outros. Por isto, é evidente que ninguém pode ser reformado por outras visões
senão as que estão na Palavra. Há também Visões fantásticas, mas estas são puras ilusões de
uma mente abstrata.
134. (bis). Que ninguém tampouco seja reformado por conversas com os defuntos, vê-se por
estas palavras do Senhor a respeito do Rico no inferno e de Lázaro no selo de Abraão; com
efeito, "o Rico disse: Eu te peço pai Abraão, que envies Lázaro à casa de meu pai - pois tenho
cinco irmãos -, a fim de que lhes ateste isto, para que eles não venham também para este lugar
de tormento. Abraão lhe disse: Eles têm Moisés e os Profetas, ouçam-nos. Ora, este disse: Não,
pai Abraão, mas se algum dos mortos vier a eles, farão penitência. Ele lhe respondeu: Se a
Moisés e aos Profetas não escutam, quando mesmo algum dos mortos ressuscitasse, não seriam
tampouco persuadidos" (16º, 27 a 31). A conversa com os mortos produziria o mesmo efeito que
os milagres, de que se acaba de falar, a saber, que o homem seria persuadido e seria
constrangido ao culto durante um pouco de tempo; mas com isso priva o homem da
racionalidade, e encarcera ao mesmo tempo os males, como foi dito acima, esta fascinação ou
vinculo interno se rompe, e os males encarcerados fazem irrupção com o blasfemo e a
profanação; mas isso acontece somente quando os espíritos introduzem algum ponto dogmático
de religião; o que jamais é feito por algum bom espírito, nem com mais forte razão por algum anjo
do Céu.
135. Entretanto é permitido falar com os espíritos, mas raramente com os anjos do Céu, e isso foi
permitido a muitos nos séculos passados; quando isso é permitido, os espíritos falam com o
homem em sua língua natural, mas somente em poucas palavras; todavia, os que falam por
permissão do Senhor não dizem e não ensinam jamais cousa alguma que suprima o livre da
razão; pois o Senhor só ensina o homem, mas mediatamente pela Palavra na ilustração, de que
se falará no que segue; que isso seja assim, é o que me foi dado saber por minha própria
experiência; pois, desde muitos anos até ao presente, tenho falado com espíritos e com Anjos, e
espírito algum ousou, nem anjo algum quis me dizer cousa alguma, nem com mais forte razão me
instruir sobre cousa alguma da Palavra, ou sobre doutrinal algum segundo a Palavra, mas o
Senhor só - que se revelou a mim, e em seguida continuamente apareceu e aparece diante de
meus olhos como Sol, no qual Ele mesmo está, assim como aparece aos anjos - me tem instruído
e me tem ilustrado.
136. III. Ninguém é reformado pelas ameaças, nem pelos castigos, porque eles
constrangem.
Sabe-se que o externo não pode constranger o interno, mas que o interno pode constranger o
externo; além disso, sabe-se que o interno rejeita o constrangimento por parte do externo a um
tal ponto que se afasta; e sabe-se também que os prazeres externos atraem o interno para o
consentimento e o amor; pode-se mesmo saber que há um interno constrangido e um interno
livre. Mas todas estas cousas, embora sejam conhecidas, devem, entretanto ser ilustradas; pois
há um grande número de cousas que, desde que são ouvidas, são imediatamente percebidas
como verdadeiras, porque o são, e são, por conseguinte afirmadas; mas se não são ao mesmo
tempo confirmadas por meio de razões, podem ser anuladas por argumentações provenientes de
ilusões, e por fim ser negada; portanto as cousas que acabam de ser apresentadas como
conhecidas vão ser retomadas e confirmadas racionalmente. Primeiramente: O externo não
pode constranger o interno, mas o interno pode constranger o externo. Quem é que pode
ser constrangido ao ponto de crer e amar? Um homem não pode ser mais constrangido a crer, do
que pode ser constrangido a pensar que uma cousa é assim, quando pensa que ela não é assim;
e um homem não pode ser mais constrangido a amar, do que pode ser constrangido a querer o
que ele não quer; a, fé pertence também ao pensamento, e o amor pertence à vontade; todavia,
o interno pode ser constrangido pelo externo a não falar mal contra as leis do reino, os bons
costumes e as cousas santas da Igreja; o interno pode ser constrangido a isso pelas ameaças e
pelos castigos e é mesmo constrangido e deve ser constrangido a isso; mas este interno não é o
interno propriamente humano, é o interno que o homem tem em comum com as bestas, que, eles
também, podem ser constrangidos; o interno humano reside acima deste interno animal; aqui é
entendido o interno humano, que não pode ser constrangido. Segundamente: O interno rejeita
o constrangimento da parte do externo a um tal ponto que se afasta. Isto vem de que o
interno quer estar no livre, e ama o livre; pois o livre pertence ao amor ou à vida do homem,
como foi mostrado acima; quando, portanto o livre se sente constrangido, ele se retira por assim
dizer em si mesmo e se afasta, e considera o constrangimento como seu inimigo; pois o amor,
que faz a vida do homem, se irrita, e faz com que o homem pense que desta maneira ele não se
pertence, e que assim não vive por ele. Se o interno do homem é tal, é por uma lei da Divina
Providência do Senhor, a fim de que o homem aja pelo livre segundo a razão. Pôr isto é evidente
que é perigoso constranger os homens ao culto Divino por ameaças e por castigos. Mas há os
que se deixam constranger à religião, e há os que não se deixam constranger; os que se deixam
constranger à religião são, em grande número, católico-romanos; mas isso tem lugar naqueles
em quem nada há de interno no culto, mas onde tudo é externo; os que não se deixam
constranger são, em grande número, da nação inglesa, donde provém que o interno está em seu
culto, e que o que está no externo vem do interno; os interiores destes, quanto à religião,
aparecem na luz espiritual como nuvens brancas; mas os interiores dos precedentes, quanto à
religião, aparecem na luz do Céu como nuvens sombrias; no mundo espiritual um e outro
fenômeno pode ser visto, e quem o quer pode vê-lo, desde que entra nesse mundo depois da
morte; além disso, o culto constrangido encarcera os males, que então são escondidos como o
fogo na madeira sob as cinzas, fogo que se mantém e se estende continuamente até que rebente
em incêndio; ao contrário, o culto não constrangido, mas espontâneo não encarcera os males, é
por isso que os males são como fogos que imediatamente se inflamam e se dissipam. Por isto, é
evidente que o interno rejeita o constrangimento a um tal ponto que se afasta. Que o interno
possa constranger o externo, é porque o interno é como um senhor, e o externo é como um
servidor. Terceiramente: Os prazeres externos atraem o interno ao consentimento, e
também ao amor. Há prazeres de dois gêneros, os prazeres do entendimento e os prazeres da
vontade; os prazeres do entendimento são também os prazeres da sabedoria, e os prazeres da
vontade são também os prazeres do amor, pois a sabedoria pertence ao entendimento, e o amor
pertence à vontade, ora, pois que os prazeres do corpo e de seus sentidos, que são os prazeres
externos, fazem um com os prazeres internos que pertencem ao entendimento e à vontade,
segue-se que, do mesmo modo que o interno rejeita o constrangimento por parte do externo, a
um tal ponto que se afasta, do mesmo modo também considera com gratidão o prazer no
externo, ao ponto de se voltar para ele; assim há consentimento da parte do entendimento, e
amor da parte da vontade. Todas as criancinhas no mundo espiritual são introduzidas pelo
Senhor na sabedoria angélica, e por ela no amor celeste pelos prazeres e pelos encantos;
primeiramente, por belos objetos nas casas e por objetos encantadores nos jardins, depois pelos
representativos de espirituais que afetam de volúpia os interiores de sua mente, e por fim pelos
veros da sabedoria e do mesmo modo pelos bens do amor; assim, continuamente pelos prazeres
em sua ordem, primeiramente pelos prazeres do amor do entendimento e de sua sabedoria, e
por fim pelos prazeres do amor de sua vontade, que se torna o amor de sua vida, sob o qual
são mantidas subordinadas todas as outras cousas que entraram pelos prazeres. Isto tem lugar
porque tudo o que pertence ao entendimento e à vontade deve ser formado pelo externo antes
de ser formado pelo interno; pois tudo o que pertence ao entendimento e à vontade é
primeiramente formado pelas cousas que entram pelos sentidos do corpo, sobretudo pela vista e
pelo ouvido; mas quando o primeiro entendimento e a primeira vontade foram formados, o interno
do pensamento encara estas cousas como externos de seu pensamento, e então ou se conjunta
com elas, ou se separa delas; conjunta-se com elas se são prazeres, e separa-se delas se não
são prazeres. Todavia, é preciso que se saiba bem que o interno do entendimento não se
conjunta com o interno da vontade, mas que o interno da vontade se conjunta com o interno do
entendimento, e faz com que haja uma conjunção recíproca, a qual, entretanto, é formada pelo
interno da vontade, e de modo algum pelo interno do entendimento. Daí vem que o homem não
pode ser reformado pela fé só, mas que o pode ser pelo amor da vontade, o qual forma para ele
a fé. Em quarto lugar: Há um interno constrangido e um interno livre. Há um interno
constrangido naqueles que estão só no culto externo, sem que haja qualquer culto interno; pois
seu interno consiste em pensar e querer aquilo a que o externo é constrangido; estes são os que
estão no culto de homens vivos e de homens mortos, e por conseguinte no culto de ídolos, e na
fé dos milagres; neles não há outro interno senão o que é ao mesmo tempo externo. Mas
naqueles que estão no interno do culto, há um interno constrangido, seja pelo medo, seja pelo
amor; o interno constrangido pelo medo, está naqueles que estão no culto pelo medo do
tormento do inferno e de seu fogo; mas este interno não é o interno do pensamento, de que se
acaba de falar, é o externo do pensamento, que aqui é chamado interno porque pertence ao
pensamento; o interno do pensamento, de que se acaba de falar, não pode ser constrangido por
medo algum; mas pode ser constrangido pelo amor e pelo medo de perder o amor; o temor de
Deus, no sentido real, não é outra cousa; ser constrangido pelo amor e pelo medo de perder o
amor é se constranger a si mesmo; que se constranger a si mesmo não seja nem contra a
liberdade nem contra a racionalidade, é o que se verá em seguida.
137. Por isto, pode-se ver qual é o culto constrangido, e qual é o culto não-constrangido: O culto
constrangido é um culto corporal, inanimado, obscuro e triste; corporal, porque pertence ao corpo
e não à mente; inanimado, porque não tem em si a vida; obscuro, porque não tem em si o
entendimento; e triste, porque não tem em si o prazer do Céu. Mas o culto não-constrangido,
quando é real, é um culto espiritual, vivo, lúcido e alegre; espiritual, porque nele há pelo Senhor
o espírito; vivo, porque nele há pelo Senhor a vida; lúcido, porque nele há pelo Senhor a
sabedoria; e alegre, porque nele há pelo Senhor o Céu.
138. IV. Ninguém é reformado em um estado de não-racionalidade e de não-liberdade.
Foi mostrado acima que nada é apropriado ao homem, senão aquilo que ele mesmo faz pelo livre
segundo a razão; e isso porque o livre pertence à vontade e a razão ao entendimento, e que
quando o homem age pelo livre segundo a razão age pela vontade por meio de seu
entendimento, e que o que é feito na conjunção de um e de outro lhe é apropriado. Ora, como o
Senhor quer que o homem seja reformado e regenerado, ai fim de que tenha a vida eterna ou a
vida do Céu, e como ninguém pode ser reformado e regenerado se o bem não é apropriado à
sua vontade para ser como dele, e se o vero não é apropriado a seu entendimento para ser
também como dele, e como cousa alguma, pode ser apropriada a alguém senão o que é feito
pelo livre da vontade segundo a razão do entendimento, segue-se que ninguém é reformado nos
estados de não-liberdade e de não racionalidade. Há vários estados de não-liberdade e de
não-racionalidade; mas podem ser relacionados em geral a estes: Estados de medo, de
infortúnio, de moléstia do espírito (animus), de moléstia do corpo, de ignorância, e de cegueira do
entendimento. Vai se dizer alguma cousa sobre cada um desses estados em particular.
139. Que ninguém se reforma em Estado de medo, é porque o medo tira o livre e a razão, ou a
liberdade e a racionalidade; com efeito, o amor abre os interiores da mente, mas o medo os
fecha; e quando foram fechados, o homem pensa poucas cousas, e somente então as que se
oferecem a seu espírito (animus) e aos sentidos: tais são todos os medos que se apoderam do
animus. Que haja no homem um interno do pensamento e um externo do pensamento, isso foi
mostrado acima; o medo não pode jamais se apoderar do interno do pensamento, este interno
está sempre no livre, porque está no amor de sua vida; mas pode se apoderar do externo do
pensamento, e quando se apodera dele, o interno do pensamento é fechado; e quando foi
fechado, o homem não pode mais agir pelo livre segundo a razão, nem por conseqüência ser
reformado. O medo, que se apodera do externo do pensamento e fecha o interno é
principalmente o medo da perda da honra ou do ganho; mas o medo das penas civis e das penas
eclesiásticas externas não fecham, porque estas leis pronunciam unicamente penas para
aqueles que falam e agem contra as cousas civis do reino e as cousas espirituais da Igreja, mas
não para aqueles que pensam contra estas cousas. O medo das penas infernais se apodera, é
verdade, do externo do pensamento, mas unicamente por alguns momentos, algumas horas, ou
alguns dias, e este externo é em breve reposto em seu livre pelo interno do pensamento, que
pertence propriamente a seu espírito e ao amor de sua vida, e é chamado pensamento do
coração. Mas o medo da perda da honra e do ganho se apodera do externo do pensamento do
homem, e quando se apodera dele fecha o interno do pensamento por cima ao influxo do Céu, e
faz com que o homem não possa ser reformado; a razão disso é que o amor da vida de cada
homem é por nascimento o amor de si e do mundo; ora, o amor de si faz um com o amor da
honra, e o amor do mundo faz um com o amor do ganho; é por isso que, quando o homem está
na honra ou no ganho, temendo perdê-los, confirma em si os meios que lhe servem para a honra
e para o ganho, e que são tanto civis como eclesiásticos, pertencendo uns e outros ao Governo;
é o que faz igualmente aquele que não está ainda na honra ou no ganho, se aspira a eles; mas é
pelo medo da perda da reputação que procura honra ou ganho. Diz-se que este medo se
apodera do externo do pensamento, e fecha o interno por cima ao influxo do Céu; se diz que este
interno é fechado quando faz absolutamente um com o externo, pois então ele não está em si,
mas está no externo. Mas como os amores de si e do mundo são amores infernais, e as fontes
de todos os males, vê-se claramente qual é em si o interno do pensamento naqueles em quem
estes amores são os amores da vida, ou em quem reinam estes amores, a saber, que está cheio
das cobiças dos males de todo gênero. É o que não sabem os que, pelo medo da perda da
dignidade e da opulência, estão em uma forte persuasão sobre a religiosidade em que vivem,
principalmente na religiosidade pela qual são adorados como deidades, e ao mesmo tempo como
plutões no inferno; estes podem ser como que abrasados de zelo pela salvação das almas, e
isso, entretanto por um fogo infernal. Como este temor tira principalmente a Racionalidade
mesma e a Liberdade mesma, que são celestes por origem, é evidente que ela se opõe a que o
homem seja reformado.
140. Que ninguém seja reformado em um Estado de infortúnio, se então unicamente pensa em
Deus e implora socorro, é porque há estado constrangido; é por isso que, quando volta ao
estado livre, retoma ao estado precedente em que pensava pouco em Deus, se é que pensava; é
inteiramente diferente naqueles que antes, no estado livre, temiam a Deus. Por temer a, Deus, é
entendido temer ofendê-Lo; ora, temer ofendê-Lo é temer pecar; e isso não é medo, mas é amor;
aquele que ama alguém, não teme fazer-lhe mal? E quanto mais o ama, mais teme isso; sem
este temor o amor é insípido e superficial, pertencendo ao pensamento só e de maneira alguma
à vontade. Pelos estados de infortúnio são entendidos os estados de desespero produzidos
pelos perigos, por exemplo, nos combates, nos duelos, nos naufrágios, nas quedas, nos
incêndios, na perda iminente ou inopinada das riquezas, da função e por conseqüência da honra,
e em outros casos semelhantes; pensar em Deus nestas circunstâncias somente, é pensar n'Ele
não por Deus, mas por si mesmo; com efeito, a mente está então como que encarcerada no
corpo, assim não está em liberdade, e por conseguinte não está tampouco na racionalidade, sem
as quais não há reforma.
141. Que ninguém seja reformado no Estado de moléstia do espírito (animus), é porque a
moléstia do espírito (animus) tira a racionalidade, e, por conseguinte o livre de agir segundo a
razão; pois mente está doente e não sã, e a mente sã é racional, mas não a mente doente. Estas
moléstias são as melancolias, as consciências bastardas e falsas, as fantasias de diversos
gêneros, as dores do espírito (animus) produzidas pelos infortúnios, as ansiedades e as
angústias da mente que causam um vício do corpo, as quais são tomadas algumas vezes por
tentações, mas não o são porque as tentações reais têm por objetos os espirituais, e nelas à
mente tem sabedoria, mas estas têm por objetos os naturais, e nelas à mente é insensata.
142. Que ninguém seja reformado no Estado de moléstia do corpo é porque então a razão não
está no estado livre, pois o estado da mente depende do estado do corpo; quando o corpo está
doente a mente também está doente, quando não fosse senão porque está afastada do mundo,
pois a mente afastada do mundo pensa, é verdade, em Deus, mas não o é por Deus, pois não
está no livre da razão; no homem o livre da razão vem de que ele está no meio entre o Céu e o
mundo, e de que pode pensar pelo Céu e pelo mundo, e também pelo Céu no mundo, e pelo
mundo no Céu; quando, portanto o homem está doente, e pensa na morte, e no estado de sua
alma depois da morte, ele não está no mundo, e está abstraído pelo espírito; neste estado só
ninguém pode ser reformado; mas pode ser confirmado, se antes de cair doente tiver sido
reformado. Dá-se o mesmo com aqueles que renunciam ao mundo e a todos os negócios do
mundo, e não se ocupam senão em pensar em Deus, no Céu e na salvação; mas sobre este
assunto dir-se-á mais em outro lugar. É por isso que, se estes mesmos homens não foram
reformados antes da moléstia, se tomam depois dela, se morrem, tais quais tinham sido antes; é,
portanto iludir-se pensar que alguns homens podem fazer penitência, ou receber alguma fé nas
moléstias, pois nada há do ato nesta penitência, nem cousa alguma da caridade nesta fé; é por
isso que em uma e outra, tudo pertence à boca e nada ao coração.
143. Que ninguém seja reformado no Estado de ignorância, é porque toda reforma se faz pelos
veros e pela vida segundo os veros; aqueles, portanto que não conhecem os veros não podem
ser reformados; mas se desejam os veros por afeição pelos veros, são reformados no mundo
espiritual depois da morte.
144. Aqueles que estão no Estado de cegueira do entendimento não podem tampouco ser
reformados; eles também não conhecemos veros, nem a vida segundo os veros, pois o
entendimento deve ensiná-los, e a vontade deve fazê-los; e quando a vontade faz o que o
entendimento ensina, vive-se então segundo os veros; mas quando o entendimento ficou cego, a
vontade também fica fechada; e não se faz, pelo livre segundo a razão, senão o mal confirmado
no entendimento, que é o falso. Além da ignorância, o que cega também o entendimento é a
religião que ensina uma fé cega; além disso é a doutrina do falso; pois do modo por que os veros
abrem o entendimento, do mesmo modo os falsos o fecham; eles o fecham por cima, mas o
abrem por baixo, e o entendimento aberto unicamente por baixo não pode ver os veros, pode
unicamente confirmar tudo o que quiser, principalmente os falsos. O entendimento é cegado
também pelas cobiças do mal; tanto quanto a vontade está nelas, ela compele o entendimento a
confirmá-las, e tanto quando são confirmadas as cobiças do mal, tanto a vontade não pode estar
nas afeições do bem, nem por elas ver os veros, não, por conseqüência ser reformado. Seja por
exemplo aquele que está na cobiça do adultério; a sua vontade, que está no prazer de seu amor,
impele seu entendimento a confirmar o adultério, dizendo: "O que é o adultério? Que mal há
nele? Não é a mesma cousa que há entre um marido e sua esposa? Do adultério não podem
nascer igualmente crianças? A mulher não pode sem prejuízo admitir vários homens? O que tem
o espiritual de comum com isso?" Assim pensa o entendimento que então é a prostituta da
vontade, e se tomou tão estúpido por esse comércio ilícito com a vontade, que não pode ver que
o amor conjugal é o amor espiritual-celeste mesmo, que é a imagem do amor do Senhor e da
Igreja, donde mesmo se deriva, e que assim em si é santo, a castidade mesma, a pureza mesma
e a inocência mesma; que faz com que os homens sejam amores na forma, pois os esposos
podem se amar mutuamente pelos íntimos, e assim se formar em amor; que o adultério destrói
esta forma, e com ela a imagem do Senhor; e que, o que é horrível, o adúltero mistura sua vida
com a vida do marido na esposa deste, pois na semente está a vida do homem; e como isso é
profano, o inferno em conseqüência é chamado adultério, e ao contrário o Céu é chamado
casamento; o amor do adultério comunica mesmo com o inferno mais profundo, e o amor
verdadeiramente conjugal com o Céu íntimo; os membros da geração em um e outro sexo
correspondem também às sociedades do Céu íntimo. Estes detalhes foram referidos, a fim de
que se saiba quanto o entendimento se torna cego quando a vontade está na cobiça do mal; e
que no estado de cegueira do entendimento ninguém pode ser reformado.
145. V. Constranger-se a si mesmo não é contra a racionalidade, nem contra a liberdade.
Já foi mostrado que há no homem, um interno do pensamento e um externo do pensamento; que
eles são distintos como o anterior e o posterior, ou como o superior e o inferior; e que, como são
assim distintos, podem agir separadamente e agir conjuntamente; agem separadamente quando
o homem, pelo externo de seu pensamento, fala e faz diferentemente do que pensa e quer
interiormente; e agem conjuntamente quando ele fala e faz o que pensa e quer interiormente;
esta conduta é comum nos sinceros, e a outra nos não-sinceros. Ora, pois que o interno e o
externo da mente são assim distintos, o interno pode também combater contra o externo, e por
este combate forçá-lo ao consentimento; o combate tem lugar quando o homem pensa que os
males são pecados, e que em conseqüência quer renúncia a eles; pois quando há renúncia à
porta se abre, e desde que a porta é aberta as cobiças do mal que obsedavam o interno do
pensamento são expulsas pelo Senhor e em seu lugar são implantadas as afeições do bem; isto
tem lugar no interno do pensamento; mas como os prazeres das cobiças do mal que obsedam o
externo do pensamento, não podem ser expulsas ao mesmo tempo, eis por que há combate entre
o interno e o externo do pensamento; o interno quer expulsar estes prazeres, porque são os
prazeres do mal, e não concordam com as afeições do bem nas quais está então o interno, e em
lugar dos prazeres do mal ele quer pôr os prazeres do bem que concordam; são os prazeres do
bem que são chamados bens da caridade. Por esta contrariedade começa o combate que, se se
toma mais grave, é chamado tentação. Ora, como o homem é homem pelo interno de seu
pensamento, pois este interno é o espírito mesmo do homem, vê-se que o homem se constrange
a si mesmo, quando ele constrange o externo de seu pensamento ao consentimento, ou a
receber os prazeres de suas afeições, que são os bens da caridade. Que isto não seja nem
contra a racionalidade nem contra a liberdade, mas que seja conforme elas, vê-se claramente,
pois a racionalidade faz este combate, e a liberdade o executa; a liberdade mesma, com a
racionalidade, reside mesmo no homem interno, e por ele no externo. Quando, portanto o interno
é vencedor, o que acontece quando o interno reduziu o externo ao consentimento e à
obediência. a Liberdade mesma e a Racionalidade mesma são dadas ao homem pelo Senhor;
pois então pelo Senhor o homem é retirado do livre infernal, que em si é o servil, e é posto no
livre celeste, que em si é o livre mesmo, e há por ele consorciação com os anjos. Que os que
estão nos pecados sejam escravos, e que o Senhor torna livres aqueles que, pela Palavra,
recebem d'Ele a verdade, é o que Ele mesmo ensina em João 8º, 31 a 36.
146. Seja um exemplo para ilustração: Um homem tinha percebido o prazer nas fraudes e nos
roubos clandestinos, mas vê e reconhece interiormente que são pecados, e em conseqüência
quer renunciar a isso; quando renuncia a isso, o combate do homem interno contra o homem
externo começa; o homem interno está na afeição da sinceridade, mas o homem externo está
ainda no prazer da fraude; este prazer sendo absolutamente oposto ao prazer da sinceridade
não se retira, a não ser que seja constrangido, e ele não pode ser constrangido senão por um
combate; e então quando o homem interno é vencedor, o homem externo entra no prazer do
amor do sincero, que é a caridade; mais tarde, o prazer da fraude se torna pouco a pouco um
desprazer para ele. Dá-se o mesmo com todos os outros pecados, tais como os adultérios, e as
escortações, as vinganças e os ódios, as blasfêmias e as mentiras. Mas o combate mais difícil de
todos é o combate contra o amor de dominar pelo amor de si; aquele que subjuga este amor
subjuga facilmente todos os outros amores maus, porque este amor é a cabeça deles.
147. Dir-se-á também, em poucas palavras, como o Senhor expulsa as cobiças do mal que
assediam o homem interno desde o nascimento, e põe em seu lugar as afeições do bem, quando
o homem afasta como por si mesmo os males como pecados; já foi mostrado que há no homem
uma mente natural, uma mente espiritual, e uma mente celeste; que o homem está só na mente
natural, enquanto está nas cobiças do mal e em seus prazeres, e que durante todo esse tempo a
mente espiritual está fechada; mas logo que o homem, após exame, reconhece os males como
pecados contra Deus, porque são contra as leis Divinas, e quer por conseqüência renunciar a
eles, o Senhor abre a mente espiritual, e entra na mente natural pelas afeições do vero e do
bem, e também no racional, e por este racional dispõe em ordem as cousas que mais em baixo
no natural estão contra a ordem; é isto que aparece ao homem como um combate; e, aos que
muito se entregaram aos prazeres do mal, como uma tentação; pois há dor no espírito (animus),
quando a ordem de seus pensamentos é mudada. Ora, pois que há combate contra as cousas
que estão no homem mesmo e que o homem sente como suas, e como ninguém pode combater
contra si mesmo senão pelo que é interior a si e pelo livre que está lá, segue-se que o homem
interno combate então contra o homem externo, e pelo livre, e constrange o externo à
obediência; é isto, portanto constranger-se a si mesmo; que isso não seja nem contra a liberdade
nem contra a racionalidade, mas que seja conformemente a estas duas faculdades, isso é
evidente.
148. Além disso, todo homem quer ser livre, e afastar de si o não-livre ou o servil; toda criança
que está sob um preceptor quer ser independente (sui juris) e por conseqüência livre; igualmente
todo servidor sob seu patrão, e toda servente sob sua patroa; toda jovem quer sair da casa de
seu pai e se casar, a fim de agir livremente em sua própria casa; todo rapaz quer trabalhar,
comerciar, ou exercer algum emprego, enquanto está subordinado a outros, quer se subtrair à
sua autoridade, a fim de conduzir-se à sua vontade; todos os que se servem de seu próprio
movimento para chegar à liberdade se constrangem a si mesmos pelo livre segundo a razão,
mas pelo livre interior, pelo qual o livre exterior é considerado como o servil. Isto foi referido para
confirmar que constranger-se a si mesmo, não é nem contra a racionalidade nem contra a
liberdade.
149. Se o homem não deseja igualmente passar da servidão espiritual para a liberdade
espiritual, a primeira razão é que ele não sabe o que é o servil espiritual, nem o que é o livre
espiritual; não tem os veros que o instruam a respeito, e sem os veros crê-se que o servil
espiritual é o livre, e que o livre espiritual é o servil. Uma segunda razão, é que a religião do
Mundo Cristão fechou o entendimento, e que a fé só o selou, pois uma e outra pôs em torno de
si, como um muro de ferro, este dogma que as cousas teológicas são transcendentes, que por
conseqüência não podem ser apreciadas por nenhuma racionalidade, e que são para os cegos e
não para os que vêem; por isto foram escondidos os veros que ensinariam o que é a liberdade
espiritual. Uma terceira razão, é que poucos homens se examinam e vêem seus pecados, e
aquele que não os vê e não renuncia a eles, está no livre de seus pecados, que é o livre infernal,
em si o servil; e por este livre ver o livre celeste, que é o livre mesmo, é como em um nevoeiro
ver o dia, e sob uma nuvem negra o que pelo sol está acima. Daí vem que se ignora o que é o
livre celeste, e que a diferença entre este livre e o livre infernal é como a diferença entre o que é
vivo e o que é morto.
150. VI. 0 homem Externo deve ser reformado pelo homem Interno, e não vice-versa.
Pelo homem interno e pelo homem externo é entendida a mesma cousa que pelo interno e o
externo do pensamento, de que já se falou muitas vezes. Se o externo é reformado pelo interno,
é porque o interno influi no externo e não vice-versa. Que haja um influxo do espiritual no natural,
e não vice-versa, isso é sabido no mundo erudito; e que o homem interno deve ser purificado
primeiro e inovado, e por ele o homem externo, isso é sabido na Igreja; se isto é sabido, é porque
o Senhor e a razão o ditam; o Senhor o ensinou por estas palavras: "Ai de vós, hipócritas!
Porque limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estão cheios de rapina e de
intemperança. Fariseu cego, limpa primeiramente o interior do copo e do prato, a fim de que o
exterior se torne limpo", (Mat. 23º, 25, 26), que a razão o dita isso foi mostrado em muitos lugares
no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria. Com efeito, o que o Senhor ensina, ele dá
também ao homem percebê-lo pela razão; e isso, de duas maneiras; uma, em que ele vê em si
que a cousa é assim logo que a ouve; a outra, em que compreende isso por meio de razões. Ver
em si, é em seu homem interno; e compreender por meio de razões, é no homem externo; quem
é que não vê em si, ao ouvir, que o homem interno deve ser purificado primeiro, e por ele o
homem externo? Mas aquele que não recebe pelo influxo do Céu uma idéia comum sobre este
assunto pode ser iludido, quando consulta o externo de seu pensamento; por este externo só,
não se vê outra cousa, senão que as obras externas, que pertencem à caridade e à piedade,
salvam sem os internos; acontece o mesmo com as outras cousas; por exemplo, que a vista e o
ouvido influem no pensamento, o odor e o gosto na percepção, assim o externo no interno,
quando, entretanto é o contrário; se as cousas vistas e ouvidas parecem influir no pensamento, é
uma ilusão; pois o entendimento vê no olho e ouve no ouvido, e não vice-versa; acontece o
mesmo com o resto.
151. Mas aqui se dirá, em algumas palavras, como o homem interno é reformado, e por ele o
homem externo: O homem não é reformado por saber, compreender e ser sábio somente, nem
por conseqüência por pensar somente; mas o é por querer o que a ciência, a inteligência e a
sabedoria ensinam; quando o homem sabe, compreende e tem por sabedoria que há um Céu e
um inferno, que todo mal vem do inferno, e que todo bem vem do Céu, se então não quer o mal
porque vem do inferno, e quer o bem porque vem do Céu, está no primeiro grau da reforma, e na
salda do inferno para o Céu; quando o homem avança mais, e quer renunciar aos males, está no
segundo grau da reforma, e então fora do inferno, mas não ainda no Céu, ele o vê acima dele;
estará lá o inferno, a fim de que o homem seja reformado; mas se um é outro, tanto o externo
como o interno, não é reformado, o homem não foi reformado; o externo é reformado pelo
interno, quando o externo renuncia aos males que o interno não quer porque são Infernais, e
mais ainda, em razão disso, foge deles e combate contra eles; assim, o interno é o querer, e o
externo é o fazer, pois a não ser que alguém faça o que quer, há dentro o que ele não quer, e
isso por fim se toma o não querer. Por estas poucas explicações pode-se ver como o homem
externo é regenerado pelo homem interno; é isto também o que é entendido por estas palavras
do Senhor a Pedro: "Jesus disse: Se não te lavo, tu não tens parte comigo. Pedro lhe disse:
Senhor, não, meus pés somente, mas também as mãos e a cabeça. Jesus lhe disse: Aquele que
foi lavado não tem necessidade senão de ser lavado quanto aos pés, e está inteiramente limpo",
(João 13º, 8, 9, 10). Pela ablução, é entendida a ablução espiritual, que é a purificação dos
males; por lavar a cabeça e as mãos é entendido purificar o homem interno, e por lavar os pés é
entendido purificar o homem externo; que o homem externo deva ser purificado depois que o
homem interno foi purificado, isso é entendido por aquele que foi lavado não tem necessidade
senão de ser lavado quanto aos pés"; que toda purificação dos males seja feita pelo Senhor, Isso
é entendido por "se não te lavo, não tens parte comigo". Que entre os Judeus a ablução tenha
representado a purificação dos males, e que esta foi representada na Palavra pela ablução, e
que a purificação do homem natural ou externo seja significada pela ablução dos pés, é o que foi
mostrado em muitos lugares nos Arcanos Celestes.
152. Pois que há no homem um interno e um externo, e que um e outro deve ser reformado para
que o homem seja reformado, e pois que ninguém pode ser reformado, a não ser que se
examine, veja e reconheça seus males, e que em seguida renuncie a eles, segue-se que è
preciso examinar não somente o externo, mas também o interno; se o externo só é examinado, o
homem não vê outra cousa senão o que cometeu ou não efetivamente, por exemplo, que não
matou, que não cometeu adultério, que não roubou, nem prestou falso testemunho, e assim por
diante; assim examina os males de seu corpo e não os males de seu espírito, e entretanto as
males do espírito devem ser examinados, para que se possa ser reformado, pois o homem vive
espírito depois da morte, e todos os males que estão nêle permanecem; ora, o espírito não pode
ser examinado senão quando o homem presta atenção a seus pensamentos, e principalmente a
suas Intenções, pois as intenções são os pensamentos segundo a vontade; ai os males estão em
sua origem e em sua raiz, isto é, em suas cobiças e em seus prazeres se não são vistos e não
são reconhecidos, o homem está sempre nos males, ainda mesmo que nos externos não os
cometa; que pensar segundo a intenção, seja querer e fazer, Isso é evidente por estas palavras
do Senhor: "Quem quer que encare uma mulher para a cobiçar já cometeu adultério com ela em
seu coração", (Mat. 5º, 28). É por um tal exame do homem interno, que o homem externo é
essencialmente examinado.
153. Fiquei muitas vezes admirado d e que, embora todo o mundo cristão conheça que é preciso
fugir dos males como pecados, e que de outro modo eles não são remidos, e que se os pecados
não são remidos, não há salvação alguma, entretanto há apenas um só entre mil que o saiba;
informaram-se sobre isso no mundo espiritual, e isso foi reconhecido como exato; com efeito,
cada um no Mundo cristão o conhece pelas preces pronunciadas diante dos que se aproximam
da Santa Ceia, pois isso aí é dito abertamente; e entretanto quando se lhes pergunta se o
sabem, respondem que não, o sabem, e que não o souberam; isto provém de que não pensaram
nisso, e que a maior parte não pensou senão na fé, e na salvação por ela só. Fiquei também
admirado de que a fé só tenha de tal modo fechado os olhos, que os que se confirmaram nela,
quando lêem a Palavra nada vêem do que aí se diz do Amor, da Caridade e das Obras; é como
se tivessem com a fé posto um Indumento sobre todas as cousas da Palavra, do mesmo modo
que aquele que põe uma camada de vermelhão sobre uma escritura; depois disso cousa alguma
do que está em baixo se manifesta, e se alguma cousa se manifesta, isso é absorvido pela fé, e
se diz ser a fé.
É UMA LEI DA DIVINA PROVIDÊNCIA QUE 0 HOMEM SEJA CONDUZIDO E ENSINADO DO
CÉU PELO SENHOR, POR MEIO DA PALAVRA, DA DOUTRINA E DAS PREGAÇÕES
SEGUNDO A PALAVRA, E ISSO EM TODA A APARÊNCIA COMO POR ELE MESMO.
154. É segundo a aparência que o homem é conduzido e ensinado por ele mesmo, mas a
verdade é que o homem é conduzido e ensinado pelo Senhor só; os que confirmam em si à
aparência, e não ao mesmo tempo a verdade, não podem afastar deles os males como pecados;
mas os que confirmam em si a aparência e ao mesmo tempo a verdade o podem, pois os males
como pecados são afastados segundo a aparência pelo homem, e segundo a verdade pelo
Senhor; estes podem ser reformados, mas aqueles mãos o podem. Os que confirmam em si à
aparência e não ao mesmo tempo a verdade são todos idólatras interiores, pois são adoradores
de si mesmos e do mundo; se não têm religião, se tornam adoradores da natureza e assim ateus;
mas se têm religião, se contornar adoradores de homens e ao mesmo tempo de simulacros. São
estes que são entendidos no primeiro preceito do Decálogo, isto é, que adoram outros deuses;
mas os que confirmam em si à aparência, e ao mesmo tempo a verdade, tornam-se adoradores
do Senhor, pois o Senhor os eleva para fora de seu próprio, que está, na aparência, e os conduz
para a luz, em que está a verdade, e que é a verdade; e lhes concede perceber interiormente
que são conduzidos e ensinados não por eles mesmos, mas pelo Senhor. O racional de uns e de
outros pode parecer a muitos como semelhantes, mas são bem diferentes; o racional dos que
estão na aparência e ao mesmo tempo na verdade é um racional espiritual; mas o racional dos
que estão na aparência e não ao mesmo tempo na verdade é um racional natural; este racional
pode ser comparado a um jardim tal qual é na luz do inverno, mas o racional espiritual pode ser
comparado a um jardim tal qual é na luz da, primavera. Além disso, vários detalhes vão ser
dados sobre este assunto, na ordem seguinte: I. O homem é conduzido e ensinado pelo Senhor
só. II. O homem é conduzido e ensinado pelo Senhor só, por meio do Céu angélico e deste Céu.
III. O homem é conduzido pelo Senhor por meio do influxo, e ensinado por meio da ilustração. IV.
O homem é ensinado pelo Senhor por meio da Palavra, da doutrina e das pregações segundo a
Palavra, e assim imediatamente pelo Senhor só. V. O homem é conduzido e ensinado pelo
Senhor nos externos em toda aparência como por ele mesmo.
155. I - 0 homem é conduzido e ensinado pelo Senhor só.
Isso decorre como conseqüência universal, de tudo que foi mostrado no Tratado do Divino Amor
e da Divina Sabedoria, tanto sobre o Divino Amor do Senhor e sobre Sua Divina Sabedoria na
Primeira Parte, como sobre o Sol do Mundo espiritual e o Sol do Mundo natural na Segunda
Parte; além disso, também sobre os Graus na Terceira Parte, sobre a Criação do Universo na
Quarta Parte, e sobre a Criação do homem na Quinta Parte.
156. Se o homem é conduzido e ensinado pelo Senhor só, é porque ele vive pelo Senhor só, pois
a vontade de sua vida é conduzida, e o entendimento de sua vida é ensinado; mas isso é contra
a aparência, pois parece ao homem que vive por si mesmo, e, entretanto a verdade é que vive
pelo Senhor e não por ele mesmo; ora, como o homem, enquanto está no mundo, não pode ter a
percepção da sensação de que vive pelo Senhor só, pois que a aparência de que vive por ele
mesmo não lhe é tirada, pois sem ela o homem não é homem, isso, portanto deve ser provado
por meio de razões, que em seguida serão confirmadas pela experiência.
157. Que o homem vive pelo Senhor Só e não por ele mesmo, isso será provado por estas
razões: Que há uma única essência, uma única substância e uma única forma, de que provêm
todas as essências, todas as substâncias e todas as formas que foram criadas; que esta única
essência, substância e forma, é o Divino Amor e a Divina Sabedoria, de que provêm todas as
cousas que, no homem, se referem ao amor e à sabedoria; que é também o Bem mesmo e o
Vero mesmo, aos quais todas as cousas se referem; e que é isso a vida, da qual vem a vida de
todas as cousas e todas as cousas da vida; além disso também, que o único e o Eu Mesmo é
Onipresente, Onisciente e Onipotente; e que êste único e este Eu Mesmo, é o Senhor de toda
eternidade ou Jeová. Primeiramente: Há uma única essência, uma única substância e uma
única forma, de que provêm todas as essências, todas as substâncias e todas as formas
que foram criadas. No Tratado do Divino Amor e a Divina Sabedoria, nº 44 a 46, e na Segunda
Parte da mesma obra, foi mostrado, que o Sol do Céu angélico, que provém do Senhor, e no qual
está o Senhor, é esta única substância e forma, pela qual são todas as cousas que foram
criadas, e que não há e não pode haver cousa alguma que não seja por este Sol; que todas as
cousas provêm dele por derivações segundo os graus, isto foi demonstrado na Terceira Parte.
Quem é que, pela razão, não percebe e não reconhece que há uma única essência de que
provém toda essência, ou um único Ser de que provém todo ser? E o que é o ser de que provém
todo ser, senão o Ser mesmo? E o que é o Ser mesmo é também o único Ser e o Ser em Si. Pois
que assim é, e que cada um o percebe e o reconhece pela razão, e, aliás, pode percebê-lo e
reconhecê-lo, resulta daí outra cousa que não seja que o Ser que é o Divino mesmo, isto é,
Jeová é o tudo de todas as cousas que são e existem? É o mesmo se se diz que há uma única
substância de que provêm todas as cousas; e como uma substância sem uma forma nada é,
segue-se também que há uma única forma de que provêm todas as cousas. Que o Sol do Céu
angélico seja esta única substância e esta única forma; além disso, também como esta essência,
esta substância e esta forma são variadas nas cousas criadas, é o que foi demonstrado no
Tratado acima mencionado. Segundamente: Esta única essência, substância e forma é o
Divino Amor e a Divina Sabedoria, de que provêm todas as cousas que no homem se
referem ao amor e a sabedoria. Isto foi também mostrado completamente no Tratado sobre o
Divino Amor e a Divina Sabedoria. Todas as cousas, que no homem parecem viver, se referem à
vontade e ao entendimento nele, e cada um pela razão percebe e reconhece que estes dois
fazem a vida do homem; e a vida, que outra cousa é ela senão quero isto ou compreendo isto, ou
antes, amo isto e penso isto? E, pois que o homem quer o que ama, e pensa o que compreende,
todas as cousas da vontade se referem, portanto ao amor, e todas as do entendimento à
sabedoria; e como estes dois não podem existir em alguém por si mesmo, e não podem existir
senão por Aquele que é o Amor mesmo e a Sabedoria mesma, segue-se que Isto vem do Senhor
de toda a eternidade ou de Jeová; se isso não viesse d'Ele, o homem seria o amor mesmo e a
sabedoria mesma, por conseqüência Deus de toda a eternidade, o que a razão humana mesma
rejeita com horror. Pode alguma cousa existir, a não ser por um anterior a si? E este anterior,
pode ele existir a não ser ainda por anterior a si; e assim por diante até ao primeiro, que é em si?
Terceiramente: Igualmente, ele é o Bem mesmo e o Vero mesmo, aos quais todas as
cousas se referem. É recebido e reconhecido por todo homem que tem a razão, que Deus é o
Bem mesmo e o Vero mesmo, e que todo bem e todo vero vêm d'Ele que por conseqüência
também todo bem e todo vero não podem vir de outra parte que não seja o Bem mesmo e o Vero
mesmo; estas proposições são reconhecidas por todo homem razoável logo que são enunciadas;
quando em seguida se diz que o todo da vontade e do entendimento, ou o todo do amor e da
sabedoria, ou o, todo da afeição e do pensamento, no homem que é conduzido pelo Senhor, se
refere ao bem e ao vero, segue-se que tudo que êste homem quer e compreende, ou que ele
ama e gosta, ou de que é, afetado e que pensa, vem do Senhor; vem daí que, na Igreja, cada um
sabe que todo bem e todo vero do homem não é em si nem o bem nem o vero; mas que aquilo só
que vem do Senhor é o bem e o vero. Como estas cousas são a verdade, segue-se que tudo que
um tal homem quer e pensa vem do Senhor. Que todo homem, mau não possa tampouco querer
e pensar por uma outra origem, ver-se-á em seguida. Em quarto lugar: É isto a vida da qual
vêm à vida de todas as cousas e todas as cousas da vida. Isto foi mostrado em vários lugares
no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria. A razão humana, desde que o ouve dizer,
recebe também e reconhece que toda a vida do homem pertence à vontade e ao entendimento,
pois se a vontade e o entendimento são tirados o homem não vive; ou, o que é a mesma cousa,
que toda vida do homem pertence a seu amor e a seu pensamento, pois se o amor, e o
pensamento são tirados, ele não vive; ora, pois que o todo da vontade e do entendimento, ou o
todo do amor e do pensamento no homem vêm do Senhor, como foi dito acima, segue-se que o
todo da vida vem do Senhor. Em quinto lugar: O único e o Eu Mesmo é Onipresente,
Onisciente e Onipotente. Isto também, cada, cristão por sua doutrina, e cada gentio por sua
religião o reconhece; por isso também cada um, em qualquer lugar que esteja, pensa que Deus
está onde ele mesmo se encontra, e ora a Deus como presente; e, pois que cada um pensa
assim e ora assim, segue-se que não se pode pensar de outro modo, senão que Deus está em
toda parte, assim é Onipresente, que igualmente é Onisciente e Onipotente; é por isso que todo
homem que ora a Deus, suplica-Lhe de todo coração que o conduza, porque Ele o pode; assim
cada um reconhece então a Divina Onipresença, a Divina, Onisciência e a Divina Onipotência;
reconhece porque então volta à face para o Senhor e porque então esta verdade influi do
Senhor. Em sexto lugar. Este único e este Eu Mesmo é o Senhor de toda eternidade ou
Jeová. Na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor, foi mostrado que Deus é um em
essência e em pessoa; que este Deus é o Senhor; que o Divino Mesmo que é chamado Jeová
Pai, é o Senhor de toda eternidade; que o Divino Humano, é o Filho concebido de seu Divino de
toda eternidade, e nascido no Mundo; e que o Divino Procedente é o Espírito Santo. Diz-se o Eu
Mesmo e o único, porque precedentemente se disse que o Senhor de toda eternidade, ou Jeová,
é a Vida mesma, porque e o Amor Mesmo e a Sabedoria Mesma, ou o Bem Mesmo e o Vero
Mesmo, pelos quais todas as cousas são. Que o Senhor tenha criado de Si Mesmo todas as
cousas, e não do nada, vê-se no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, nº 282 a 284,
349 a 357. Pelas considerações acima, esta verdade, que o homem é conduzido e ensinado pelo
Senhor só, foi confirmada por meio de razões.
158. Esta mesma Verdade é confirmada nos anjos não somente por meio de razões, mas
também por vivas percepções, sobretudo nos anjos do Terceiro Céu; estes percebem o influxo do
Divino Amor e da Divina Sabedoria procedente do Senhor; e como o percebem, e por sua
sabedoria conhecem que o amor e a sabedoria são a vida, dizem em conseqüência que vivem
pelo Senhor e não por eles mesmos; e não somente dizem isso, mas ainda amam e querem que
isso seja assim; e entretanto estão sempre em toda a, aparência como se vivessem por si
mesmos, e mesmo em uma aparência mais forte que a dos outros anjos; pois, como foi
demonstrado acima, nº 42 a 45, quanto alguém está de mais perto conjunto ao, Senhor, mais
lhe parece distintamente que se pertence, e mais nota claramente que pertence ao Senhor.
Foi-me dado estar também desde vários anos em uma semelhante percepção, e ao mesmo
tempo em uma semelhante aparência, pelas quais fiquei inteiramente convencido de que não
quero e não penso cousa alguma por mim mesmo; e me foi dado também querer e amar isso.
Esta mesma cousa pode ser confirmada por vários outros exemplos do mundo espiritual, mas
estes dois bastam pelo momento.
159. Que o Senhor só tenha a vida, isto é evidente por estas passagens da Palavra: "Eu sou a
ressurreição e a vida; aquele que crê em Mim, ainda que morra, viverá" (João 11º, 25). "Eu sou o
caminho, a verdade e a vida" (João 14º, 6). "Deus ela em, a Palavra; n'Ela vida havia, e a vida
era a luz dos homens" (João 1º, 1, 4). A Palavra nesta passagem é o Senhor. "Como o Pai tem a
vida em Si Mesmo, assim Ele deu ao Filho ter a vida em Si Mesmo" (João 5º, 26). Que o homem
seja conduzido e ensinado pelo Senhor só, isso é evidente por estas passagens: "Sem Mim vós
nada podeis fazer" (João 15º, 5). "Um homem nada pode tomar, a não ser que lhe tenha sido
dado do Céu" (João 3º, 27). "Um homem não pode fazer branco ou preto um único cabelo" (Mat.
5º, 36); pelos cabelos, na Palavra, é significada a menor de todas as cousas. Que a vida dos
maus seja também da mesma origem, é o que será demonstrado no que segue, em seu Artigo;
aqui, isto será somente ilustrado por comparações: Do sol do mundo influi o calor e a luz, e eles
influem nas árvores que dão maus frutos, do mesmo modo que nas árvores que dão bons frutos,
e todas estas árvores vegetam e crescem da mesma maneira; as formas em que o calor influi
fazem esta diversidade, e não é o calor em si mesmo. Dá-se o mesmo com a luz, ela é
diversificada em cores segundo as formas em que influi, há cores belas e alegres, e há cores
feias e tristes, e, entretanto a luz é a mesma. Dá-se o mesmo com o influxo do calor espiritual,
que em si mesmo é o Amor, e com a luz espiritual, que em si mesma é a Sabedoria, procedendo
uma e outra do Sol do mundo espiritual; as formas em que influem fazem a diversidade, e não
são, em si mesmos, nem o calor que é amor, nem esta luz que é sabedoria; as formas em que
influem são as mentes humanas. Por isto é agora evidente que o homem é conduzido e ensinado
pelo Senhor só.
161. Quanto à vida dos animais, foi mostrado acima o que é, a saber, que é uma vida de afeição
puramente natural com sua ciência por companheira; e que é uma vida mediata correspondendo
à vida dos que estão no mundo espiritual.
162. II. O homem é conduzido e ensinado pelo Senhor só por meio do Céu angélico e
deste Céu.
Diz-se que o homem é conduzido pelo Senhor por meio do Céu angélico e deste Céu; por meio
do Céu angélico, é segundo a aparência; mas deste Céu é segundo a verdade; se por meio do
Céu angélico é uma aparência, é porque o Senhor aparece como Sol acima desse Céu; se deste
Céu é a verdade, é porque o Senhor está nesse Céu como a alma no homem; pois o Senhor é
Onipresente, e não está no espaço, assim como acaba de ser mostrado; é por isso que a
distância é uma aparência segundo a conjunção com Ele, e a conjunção é segundo a recepção
do amor e da sabedoria que procedem d'Ele; e como ninguém pode ser conjunto ao Senhor da
mesma maneira que Ele Mesmo é em Si, é por isso que Ele aparece aos anjos a distância como
Sol; mas não obstante Ele está em todo o Céu angélico como a alma no homem, e igualmente
em cada sociedade do Céu, e igualmente em cada anjo de uma sociedade, pois a alma do
homem é não somente a alma de todo, mas também a alma de cada parte. Mas como é segundo
a aparência que o Senhor governa todo o Céu, e por meio do Céu o Mundo, pelo Sol que
procede d'Ele e no qual Ele está, ver sobre este Sol o Tratado do Divino Amor e da Divina
Sabedoria, Segunda Parte, e como é permitido a cada homem falar segundo a aparência, e como
não se pode falar de outro modo, é por isso que é também permitido a quem quer que não está
na sabedoria mesma pensar que o Senhor governa todas as cousas em geral e em particular por
Seu Sol, e também que governa o Mundo por meio do Céu angélico; é mesmo segundo uma tal
aparência que pensam os anjos dos Céus inferiores; mas os anjos dos Céus superiores falam, é
verdade, segundo a aparência, mas pensam segundo a verdade, que é que do Céu angélico,
que procede d'Ele, o Senhor governa o Universo. Que os simples e os sábios falem da mesma
maneira, mas não pensem da mesma maneira, isto pode ser ilustrado pelo Sol do Mundo: Todos
falam deste Sol segundo a aparência, dizendo que se levanta e que se deita; mas ainda que os
sábios falem da mesma maneira, pensam entretanto que ele permanece imóvel; isto é também a
verdade, e aquilo é a aparência. A cousa pode ainda ser ilustrada pelas aparências no Mundo
espiritual, pois aí aparecem espaços e distâncias como no Mundo natural, mas, entretanto são
aparências segundo a diversidade das afeições e dos pensamentos provenientes das afeições.
Dá-se o mesmo com a aparência do Senhor em Seu Sol.
163. Ora, dir-se-á em poucas palavras como do Céu angélico o Senhor conduz e ensina a cada
homem. No Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, e, acima, neste Tratado sobre a
Divina Providência, além disso, também na Obra sobre o Céu e a Inferno, publicada em Londres
em 1758, fiz conhecer, pelo que vi e ouvi, que o Céu angélico inteiro aparece diante do Senhor
como um único Homem, e que dá-se o mesmo com cada sociedade do Céu, e que vem dai que
cada anjo e cada espírito é homem em uma forma perfeita; e nestes mesmos Tratados também
foi mostrado que o Céu é Céu, não pelo próprio dos anjos, mas pela recepção do Divino Amor e
da Divina Sabedoria do Senhor pelos anjos; por ai pode-se ver que o Senhor governa o Céu
angélico inteira como um só Homem; que este Céu, porque em si mesmo é Homem, é a imagem
mesma e a semelhança mesma do Senhor; que o Senhor Mesmo governa o Céu como a alma
governa o corpo; e que, como todo o gênero humano é governado pelo Senhor, ele é governado,
não por meio do Céu, mas do Céu pelo Senhor, por conseqüência por Si Mesmo, pois que Ele
Mesmo é o Céu, como foi dito.
164. Mas isto, sendo um arcano da Sabedoria angélica, não pode ser compreendido senão pelo
homem cuja mente espiritual foi aberta, pois êste pela conjunção com o Senhor é um anjo; este
homem, pelas proposições que precedem, pode compreender as que seguem: 1º Que todos,
tanto os homens como os anjos, estão no Senhor e o Senhor neles, segundo a conjunção com
Ele, ou, o que é a mesma cousa, segundo a recepção do amor e da sabedoria que procedem
d'Ele. 2º Que cada um deles obtém um lugar no Senhor, assim no Céu, segundo a qualidade da
conjunção, ou da recepção do Senhor. 3º Que cada um em seu lugar tem seu estado distinto dos
outros, e tira do comum sua tarefa segundo sua situação, sua função e sua necessidade,
absolutamente como cada parte no corpo humano. 4º Que cada homem é iniciado em seu lugar
pelo Senhor segundo sua vida. 5º Que cada homem desde a infância é introduzido neste Divino
Humano, cuja alma e a vida é o Senhor, e que é conduzido e ensinado pelo seu Divino Amor
segundo sua Divina Sabedoria, n'Ele e não fora d'Ele; mas que, o Livre não sendo tirado do
homem, o homem não pode ser conduzido e ensinado senão segundo a recepção como por si
mesmo. 6º Que os que recebem são levados a seus lugares por voltas e circuitos infinitos, quase
como o quilo é levado pelo mesentério e seus vasos lácteos à cisterna, e daí pelo conduto
torácico ao sangue, e assim à sua sede. 7º Que os que não recebem são separados dos que
estão no Divino Humano, como a matéria fecal e a urina são separados do homem. Estão aí
arcanos da Sabedoria angélica, que podem ser um pouco compreendidos pelo homem, mas há
um número muito grande deles que não podem ser compreendidos.
165. III. O homem é conduzido pelo Senhor por meio do influxo e ensinado por meio da
ilustração.
Se o homem é conduzido pelo Senhor por meio do influxo é porque ser conduzido e também
influir se dizem do amor e da vontade; e se o homem é ensinado pelo Senhor por meio da
ilustração, é porque ser ensinado e ser ilustrado se dizem propriamente da sabedoria e do
entendimento. Que o homem seja conduzido conforme seu amor por si mesmo e segundo este
amor pelos outros, e não pelo entendimento, isso é sabido; ele não é conduzido pelo e segundo
o entendimento senão quando o amor ou a vontade faz o entendimento; e, quando isso
acontece, pode-se dizer também do entendimento que ele é conduzido, mas entretanto não é
então o entendimento que é conduzido, é porém a vontade de que provém o entendimento.
Diz-se o influxo, porque é de uso dizer-se que a alma influi no corpo; que o influxo é espiritual e
não físico; e que a alma ou a, vida do homem é seu amor ou sua vontade, como foi mostrado
acima; e também porque o influxo é por comparação como o influxo do sangue no coração, e
pelo coração no pulmão; que haja correspondência do coração com a vontade, e do pulmão com
o entendimento, e que a conjunção da vontade com o entendimento seja como o influxo do
sangue vindo do coração ao pulmão, é o que foi mostrado no Tratado sobre o Divino Amor e a
Divina Sabedoria, nº 371 a 432.
166. Mas se o homem é ensinado por meio da ilustração é porque ser ensinado e também ser
ilustrado se dizem do entendimento; pois o entendimento, que é a vista interna do homem, não
pode ser esclarecido pela luz espiritual senão como o olho ou a vista externa do homem é
esclarecido pela luz natural; uma e outra são também ensinadas semelhantemente, mas a vista
interna, que pertence ao entendimento, pelos objetos espirituais, e a vista externa, que pertence
ao olho, pelos objetos naturais. Há uma luz espiritual e uma luz natural, uma e outra semelhantes
quanto à aparência externa, mas diferentes quanto à interna; pois a luz natural vem do Sol do
mundo natural, e por conseguinte é morta em si mesma, mas a luz espiritual vem do Sol do
mundo espiritual, e por conseguinte é viva em si mesma; é esta luz, e não a luz natural, que
ilumina o entendimento humano; a luminosidade (lueur) natural e racional não vem desta luz,
vem daquela; é chamada luminosidade (lueur) natural e racional porque é espiritual-natural; pois
há três graus de luz no mundo espiritual, a luz celeste, a luz espiritual e a luz espiritual-natural; a
luz celeste é uma luz de chama rutilante, esta luz é para os que estão no terceiro Céu; a luz
espiritual é uma luz de uma brancura resplandecente, esta luz é para os que estão no Céu
médio; médio; e a luz espiritual-natural é tal qual é a luz do dia em nosso Mundo, esta luz é para
os que estão no último Céu, e também para os do Mundo dos espíritos, que está entre o Céu e o
inferno; mas, neste mundo, esta luz está nos bons como a luz do verão, e ma maus como a luz
do inverno na terra. Entretanto, é preciso que se saiba que toda luz do Mundo espiritual nada
tem de comum com a luz do Mundo natural, elas diferem como o vivo do morto. Por isso é
evidente que não é a luz natural, tal qual é diante de nossos olhos, que ilumina o entendimento,
mas é a luz espiritual. 0 homem ignora Isso, porque até ao presente nada soube da luz espiritual.
Que a Luz espiritual seja na sua origem a Divina Sabedoria ou o Divino Vero, isso foi mostrado
na Obra sobre o Céu e o Inferno, nº 126 a 140.
167. Pois que se acaba de falar da luz do Céu, dir-se-á também alguma cousa da luz do inferno.
A luz no Inferno é também de três graus; a luz no Inferno mais baixo é como a luz de carvões
abrasados; a luz no Inferno médio é como a luz de uma chama de fornalha; e a luz no inferno
mais alto é como, a luz das velas, e para alguns como a luz noturna da Lua. Estas luzes não são
tampouco naturais, mas são espirituais, pois toda luz natural é morta e apaga o entendimento, e
os que estão no inferno têm a faculdade de compreender, que é chamada racionalidade, como
foi mostrado acima, e a racionalidade vem da luz espiritual e de modo algum da luz natural; mas
a luz espiritual, que lhes vem da racionalidade, é mudada em luz infernal, como a luz do dia em
trevas da noite. Entretanto todos os que estão no mundo espiritual, tanto os que estão nos Céus
como os que estão nos infernos, vêem em sua luz tão claramente como o homem durante o dia
na sua; e isto porque a vista do olho de todos foi formada para a recepção da luz em que está;
assim a vista do olho dos anjos do Céu para a recepção da luz na qual ela está, e a vista do olho
dos espíritos do inferno para a recepção da sua luz; é por comparação como para as corujas e os
morcegos, que vêem de noite os objetos tão claramente como os outros pássaros os vêem de
dia, pois seus olhos foram formados para a recepção de sua luz. Mas a diferença destas luzes é
manifestamente distinguida por aqueles que de uma luz olham para outra; assim, quando um
anjo do Céu olha no inferno, ele não vê aí senão uma obscuridade profunda; e quando um
espírito do inferno olha para o Céu não vê aí senão obscuridade; isto vem de que a Sabedoria
celeste é como a obscuridade para os que estão no inferno, e reciprocamente o falso infernal é
como a obscuridade para os que estão no Céu. Por isto pode-se ver que tal é para o homem o
entendimento, tal é para ele a luz, e que cada um entra em sua luz depois da morte, pois em uma
outra luz nada vê; e no Mundo espiritual, onde todos são espirituais, mesmo quanto ao corpo, os
olhos de todos foram formados para ver por sua luz; o amor da vida de cada um se faz um
entendimento, e por conseqüência também uma luz; com efeito, o amor é como o fogo da vida,
de onde provém a luz da vida.
168. Como há poucos que saibam alguma cousa da ilustração, em que está o entendimento do
homem que é ensinado pelo Senhor, falar-se-á disso aqui em poucas palavras. Há uma
ilustração interior e uma ilustração exterior pelo Senhor, há também uma ilustração interior e uma
ilustração exterior pelo homem; a ilustração interior pelo Senhor é que o homem, desde que ouve
dizer alguma cousa, percebe se o que se diz é verdadeiro ou não é verdadeiro; a ilustração
externa está em conseqüência no pensamento; a ilustração interior pelo homem vem da
confirmação só; e a ilustração exterior pelo homem vem da ciência só. Mas dir-se-á alguma
cousa destas ilustrações. O homem racionaI pela ilustração interior pelo Senhor percebe
imediatamente se as cousas que ouve são verdadeiras ou não; por exemplo, esta, que o amor é
a vida da fé ou que a fé vive pelo amor; o homem, pela ilustração interior, percebe também isto,
que tudo o que o homem ama ele o quer, e o que ele quer o faz, e que assim amar é fazer; além
disso ainda, que tudo o que o homem crê por amor, ele também o quer e o faz, e que assim, ter
fé, é também fazer; como ainda, que o ímpio não pode ter o amor de Deus, nem por
conseqüência a fé em Deus. 0 homem racional pela ilustração interior percebe também, desde
que as ouve estas verdades, que Deus é um; que é Onipresente; que todo bem vem d'Ele; além
disso, que todas as cousas se referem ao bem e ao vero; que todo bem vem do Bem Mesmo, e
que todo vero vem do Vero Mesmo. Estas verdades e outras semelhantes, o homem as percebe
interiormente em si, quando as ouve; se as percebe, é porque tem a racionalidade, e esta está
na luz do Céu que ilustra. A ilustração exterior é a ilustração do pensamento por esta ilustração
interior, e o pensamento está nesta ilustração enquanto permanece na percepção que lhe vem
da Ilustração interior, e tem ao mesmo tempo os conhecimentos do vero e do bem, pois tiram
destes conhecimentos as razões pelas quais confirma. O pensamento, por esta ilustração
exterior, vê a cousa de um e de outro lado; de um lado vê as razões que confirmam; de outro, vê
as aparências que invalidam; rejeita estas e recolhe aquelas. Mas a ilustração interior pelo
homem é inteiramente diferente; por ela o homem vê a cousa de um lado, e não a vê pelo outro;
e quando a confirmou, ele a vê em uma luz semelhante, quanto à aparência, na luz de que se
falou acima, mas é uma luz de inverno. Seja isto, por exemplo: Um juiz que, por presente e pelo
lucro, julga injustamente não vê outra cousa senão o justo em seu julgamento depois que o
confirmou por meio de leis e de razões; alguns vêem o Injusto, mas como não querem ver, eles o
obscurecem e o cegam, e assim não vêem; dá-se o mesmo com o juiz que pronuncia julgamentos
em razão da amizade, para captar o favor e para se ligar por afinidades. Tais homens agem da
mesma forma a respeito de tudo o que recebem da boca de um homem de autoridade, ou da
boca de um homem de reputação, ou que tiraram de sua própria inteligência; são cegos
racionais, pois sua vista vem dos falsos que confirmam; ora, os falsos fecham à vista e o vero a
abre. Tais homens não vêem vero algum pela luz do vero, nem justo algum pelo amor do justo,
mas vêem pela luz da confirmação, que é uma luz quimérica; no Mundo espiritual aparecem
como faces sem cabeça, ou como faces semelhantes a faces humanas por trás das quais teriam
cabeças de madeira; e são chamados bestas racionais, porque têm a racionalidade potencial. A
ilustração exterior pelo homem, está naqueles que pensam e falam pela ciência só impressa na
memória; estes são pouco capazes por si mesmos de confirmar alguma cousa.
169. Estão aí às diferenças as de ilustração, e conseqüentemente da percepção e do
pensamento; há uma ilustração efetiva pela luz espiritual, mas a ilustração mesma por esta luz
não se mostra à pessoa alguma no Mundo natural, porque a luz natural nada tem de comum com
a luz espiritual; entretanto esta ilustração me apareceu algumas vezes no Mundo espiritual; era
vista, naqueles que estavam na ilustração pelo Senhor, como alguma cousa luminosa em torno
de sua cabeça, com o brilho da cor da face humana. Mas, naqueles que estavam na ilustração
por eles mesmos, esta luz aparecia não em torno da cabeça, mas em torno da boca e acima do
queixo.
170. Além destas ilustrações, há ainda uma outra ilustração pela qual é revelado ao homem em
que fé, e em que Inteligência e em que sabedoria ele está; esta revelação é tal que ele mesmo
percebe isso nele; é enviado a uma sociedade onde há a fé real, e onde há a verdadeira
inteligência e a verdadeira sabedoria, e aí é aberta a racionalidade interior pela qual Ale vê sua
fé, sua inteligência e sua sabedoria, tais quais são, a ponto de ele as reconhecer; vi alguns que
voltavam daí, e os ouvi confessar que não tinha havido neles cousa alguma da fé, embora no
mundo tivessem acreditado que tinham uma muito grande e mais notável do que a de todos os
outros; a mesma cousa para sua inteligência e para sua sabedoria; eram os que tinham estado
na fé separada, e sem caridade alguma, e que tinham estado na própria inteligência.
171. IV. 0 homem é ensinado pelo Senhor por meio da Palavra, da doutrina e das pregações
segundo a Palavra e assim imediatamente pelo Senhor só.
Foi dito e mostrado acima que o homem é conduzido e ensinado pelo Senhor só, e que do Céu e
não por meio do Céu, ou de algum anjo do Céu; e, pois que ele é conduzido pelo Senhor só,
segue-se que é imediatamente e não mediatamente; mas como isso acontece, é o que será dito
agora.
172. Na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa foi mostrado que o Senhor é a
Palavra, e que toda doutrina da Igreja deve ser haurida na Palavra; ora, pois que o Senhor a
Palavra, segue-se que o homem que é ensinado segundo a Palavra é ensinado pelo Senhor só.
Mas isso sendo dificilmente apreendido, vai ser ilustrado nesta ordem: 1º O Senhor é a Palavra,
porque a Palavra vem d'Ele e trata d'Ele. 2º E porque ela é o Divino Vero e o Divino Bem. 3º
Assim, ser ensinado pela Palavra é o ser pelo Senhor. 4º E isto é feito mediatamente pelas
pregações, o que não afasta o imediato. Primeiramente. 0 Senhor é a Palavra porque a
Palavra vem d'Ele e trata d'Ele. Que a Palavra vem do Senhor, ninguém na Igreja o nega; mas
que a Palavra traía do Senhor só, não se nega, é verdade, e entretanto não se sabe; mas isso foi
mostrado na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor, nº 1 a 7 e nºs 37 a 44; e na Doutrina
da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nºs 62 a 69; 80 a 90; 98 a 100. Ora, pois que a
Palavra vem do Senhor só e trata do Senhor só, segue-se que, quando o homem é ensinado
segundo a Palavra, é ensinado pelo Senhor, pois a Palavra é o Divino; o que é que pode
comunicar o Divino e introduzi-lo nos corações senão o Divino mesmo de que vem a Palavra e
de que ela trata; é por isso que quando o Senhor fala de sua conjunção com os discípulos, diz:
"que eles permaneceriam n'Ele, e suas palavras neles'' (João 15º, 7); "que suas palavras eram
espírito e vida" (João 6º, 63); e "que Ele faz morada naqueles que guardam suas palavras" (João
14º, 20 a 24); é por isso que, pensar pelo Senhor, o é pela Palavra, como pela Palavra. Que
todas as cousas da Palavra tenham comunicação com o Céu, isso foi mostrado na Doutrina da
Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, desde o começo até o fim; e, pois que o Senhor é o
Céu, entende-se que todas as cousas da Palavra têm comunicação com o Senhor Mesmo; os
Anjos do Céu têm comunicação, é verdade, mas isso também pelo Senhor. Segundamente. 0
Senhor é a Palavra porque ela é o Divino Vero do Divino Bem. Que o Senhor seja a Palavra,
Ele o ensina em João nestes termos: "No começo era a Palavra, e a Palavra estava em Deus; e
Deus ela era, a Palavra. E a Palavra Carne foi feita, e habitou entre nós" (1º, 1, 14). Como esta
passagem até ao presente não foi entendida senão neste sentido que Deus ensinava o homem
pela Palavra, foi em conseqüência explicada supondo-se que era uma expressão elevada, que
significa que o Senhor não é a Palavra mesma; isso provém de que não se soube que pela
Palavra é entendido o Divino Vero do Divino Bem, ou, o que é a mesma cousa, a Divina
Sabedoria do Divino Amor; que este Vero e esta Sabedoria sejam o Senhor Mesmo, isso foi
mostrado no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria, Primeira Parte; e que Ele seja a
Palavra, isso foi mostrado na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa nº 1 a 86.
Dir-se-á também aqui em poucas palavras como o Senhor é o Divino Vero do Divino Bem: Todo
homem é homem, não pela face do corpo, mas pelo bem de seu amor e os veros de sua
sabedoria; e pois que o homem é homem por este bem e por estes veros, todo homem é também
seu vero e seu bem, ou seu amor e sua sabedoria; sem isso ele não é homem; mas o Senhor é o
Bem Mesmo e o Vero Mesmo, ou, o que é a mesma cousa, o Amor Mesmo e a Sabedoria
Mesma; e estes são a Palavra, que no começo estava em Deus, e que era Deus, e que Carne foi
feita. Terceiramente. Assim, ser ensinado segundo a Palavra, é o ser pelo Senhor Mesmo.
Porque é sê-lo pelo Bem Mesmo e o Vero Mesmo, ou pelo Amor Mesmo e a Sabedoria Mesma,
que são a Palavra, como foi dito; mas cada um é ensinado segundo o entendimento de seu amor;
o que está acima não permanece. Todos os que são ensinados pelo Senhor na Palavra, são
ensinados em poucos veros neste inundo, mas em um grande número quando se tomam anjos;
pois os interiores da Palavra, que são os Divinos Espirituais e os Divinos Celestes, são
implantados junto, mas não são abertos no homem senão depois da morte, no Céu, onde ele
está na sabedoria angélica que é inefável respectivamente à sabedoria humana, assim
respectivamente à sabedoria anterior. Que os Divinos espirituais e os Divinos Celestes, que
fazem a sabedoria angélica, estejam em todas e cada uma das cousas da Palavra, vê-se na
Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nº 5 a 26. Em quarto lugar. Isso é feito
mediatamente pelas pregações, o que não afasta o imediato. A Palavra não pode ser
ensinada senão mediatamente pelos pais, os mestres, os pregadores, os livros, e sobretudo por
sua leitura; entretanto ela não é ensinada por eles, mas o é pelo Senhor por meio deles; isso
também é conforme ao que é conhecido dos pregadores que dizem que falam não por eles
mesmos, mas pelo espírito de Deus, e que todo vero, do mesmo modo que todo bem, vêm de
Deus; podem, na verdade, dizer isso e o fazer penetrar no entendimento de um grande número
mas não no coração de quem quer que seja; e o que não está no coração perece no
entendimento, pelo coração é entendido o amor do homem. Por todas estas considerações
pode-se ver que o homem é conduzido e ensinado pelo Senhor só, e que o é imediatamente pelo
Senhor, quando o é pela Palavra. Está aqui um arcano da Sabedoria Angélica.
173. Que pela Palavra haja também luz para os que estão fora da Igreja e não têm a
Palavra, isso foi mostrado na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nº 104 a 113;
e como pela Palavra há luz para o homem, e por esta luz entendimento para ele, e como este
entendimento é tanto para os maus como para os bons, segue-se que, pela luz em sua origem,
há luz em suas derivações, que são as percepções e os pensamentos sobre uma cousa
qualquer; o Senhor disse "que sem Luz nada se pode fazer" (João 15º, 5); "que o homem nada
pode receber a não ser que lhe seja dado do Céu" (João 3º, 27); e "que o Pai que está nos Céus
faz levantar-se seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos" (Mateus 5º, 45);
pelo sol é entendido, aqui como em outros lugares na Palavra, em seu sentido espiritual, o Divino
Bem do Divino Amor, e pela chuva o Divino Vero da Divina Sabedoria; um e outro são dados aos
maus e aos bons, aos justos e aos injustos; pois se não fossem dados, não haveria nem
percepção nem pensamento para homem algum. Que haja somente uma vida única, pela qual a
vida está em todos, isso foi mostrado acima; ora, a percepção e o pensamento pertencem à vida;
a percepção e o pensamento vêm, portanto da mesma fonte de onde decorre a vida. Que toda
luz, que faz o entendimento, vem do Sol do Mundo espiritual, que é o Senhor, é o que já foi
amplamente demonstrado.
174. V. 0 homem é conduzido e ensinado pelo Senhor nos externos em toda aparência
como por ele mesmo.
Isto se faz nos externos e não nos internos. Ninguém sabe como o Senhor conduz e ensina o
homem nos seus internos, do mesmo modo que ninguém sabe como a alma opera para que o
olho veja, para que o ouvido ouça, para que a língua e a boca falem, para que o coração
impulsione o sangue, para que o pulmão respire, para que o estômago digira, para que o fígado
e o pâncreas disponham, para que os rins secretem, e inúmeras outras cousas; estas cousas
não vêm nem à percepção nem à sensação do homem; dá-se o mesmo com as que são feitas
pelo Senhor nas substâncias e nu formas interiores da mente, que são em número infinitamente
maior; as operações do Senhor nestas substâncias e nestas formas não são aparentes para o
homem; mas os efeitos mesmos que são em grande número são aparentes, e também algumas
causas dos efeitos; estes efeitos são os externos, nos quais o homem está juntamente com o
Senhor; e como os externos fazem um com os internos, pois são coerentes em uma única série,
é por isso que a disposição não pode ser feita nos internos pelo Senhor, senão segundo a
disposição é feita nos externos por meio do homem. Cada um sabe que o homem pensa, quer,
fala e age em toda aparência como por ele mesmo, e cada um pode ver que sem esta aparência
não haveria para o homem vontade alguma nem entendimento algum, assim afeição alguma,
nem pensamento algum, nem por conseqüência recepção alguma do bem e do vero procedendo
do Senhor; sendo isso assim, segue-se que sem esta aparência não haveria conhecimento
algum de Deus, caridade alguma nem fé alguma, e por conseqüência reforma alguma nem
regeneração alguma, assim nenhuma salvação; por isto, é evidente que esta aparência foi dada
ao homem pelo Senhor por causa de todos estes usos, e principalmente a fim de que houvesse
para ele um receptivo e um recíproco, pelos quais o Senhor possa ser conjunto ao homem e o
homem ao Senhor, e a fim de que por esta conjunção o homem viva eternamente. É esta
aparência que é entendida aqui.
É UMA LEI DA DIVINA PROVIDÊNCIA QUE O HOMEM NÃO PERCEBA E NÃO SINTA COUSA
ALGUMA DA OPERAÇÃO DA DIVINA PROVIDÊNCIA, MAS QUE NÃO OBSTANTE A
CONHEÇA E RECONHEÇA.
175. 0 homem natural que não crê na Divina Providência pensa em si mesmo: "0 que é a Divina
Providência, pois que os maus são elevados às honras e adquirem riquezas mais do que os bons
e que acontecem bem mais cousas deste gênero aos que não crêem na Divina Providência do
que aos que nela crêem; que mesmo os infiéis e os ímpios podem fazer ultrajes, causar prejuízos
e desastres, e por vezes dar a morte aos fiéis e aos piedosos, e isso por meio de astúcias e de
malícias?" E por conseqüência pensa "Não vejo pela experiência mesma, como na claridade do
dia, que as maquinações insidiosas, desde que o homem por um discurso engenhoso possa
fazer que apareçam como cousas leais e justas, prevalecem sobre a fidelidade e a justiça? Que
são todas as outras cousas, senão necessidades, conseqüências e casos fortuitos, nos, quais
não se manifesta cousa alguma da Divina Providência? As necessidades não pertencem à
natureza? As conseqüências não são causas que decorrem da ordem natural ou civil? E os
casos fortuitos não vêm eles, seja de causas que se ignora, seja sem causa alguma?" É assim
que pensa em si mesmo o homem natural, que nada atribui a Deus, mas que atribui tudo à
natureza; pois aquele que nada atribui a Deus, nada atribui tampouco à Divina Providência, pois
que Deus e a Divina Providência fazem um. Mas o homem espiritual diz ou pensa diferentemente
em si mesmo; ainda que pelo pensamento não perceba e pela vista do olho não, sinta a Divina
Providência em sua marcha, não obstante ele a conhece e reconhece. Ora, como as aparências
e, por conseguinte as ilusões acima mencionadas cegaram o entendimento, e coma o
entendimento não pode receber vista alguma, a não ser que as ilusões que causaram a cegueira,
e os falsos que produziram a obscuridade sejam dissipados; e como isso não pode ser feito
senão pelas verdades, que têm o poder de dissipar os falsos, é preciso por conseqüência que
estas sejam abertas, mas, para que o sejam distintamente, isso será feito nesta ordem: I. Se o
homem percebesse e sentisse a operação da Divina Providência não agiria pelo livre segundo a
razão, e nada lhe pareceria como vindo dele. Semelhantemente se o homem tivesse a
presciência dos acontecimentos. II. Se o homem visse manifestamente a Divina Providência, ele
se introduziria na ordem e na economia de sua marcha, e as perverteria e as destruiria. III. Se o
homem visse manifestamente a Divina Providência, ou negaria Deus, ou se faria Deus. IV. É
dado ao homem ver a Divina Providência por trás e não de face; além disso, também no estado
espiritual e não no estado natural.
176. I. Se o homem percebesse e sentisse a operação da Divina Providência não agiria
pelo livre segundo a razão, e nada lhe pareceria como vindo dele.
Semelhantemente se o homem tivesse a presciência dos acontecimentos.
Que seja uma Lei da Divina Providência que o homem aja pelo livre segundo a razão; além
disso, também, que tudo o que o homem quer, pensa, diz e faz, lhe pareça como vindo dele; e
que sem esta aparência não haveria para homem algum o seu, ou seu homem, assim para ele,
próprio algum, e por conseqüência imputação alguma, sem a qual seria indiferente que fizesse o
mal ou o bem, e que tivesse ou a fé em Deus ou a persuasão do inferno, que em uma palavra,
sem ela não seria homem, é o que foi mostrado acima à evidência do entendimento em Artigos
especiais. Aqui, agora, será mostrado que o homem não teria liberdade alguma de agir segundo
a razão, e que não haveria para ele aparência alguma de agir como por ele mesmo, se
percebesse e sentisse a operação da Divina Providência, pois que se a percebesse e a sentisse
seria também conduzido por ela; pois o Senhor conduz todos os homens por Sua Divina
Providência, e o homem não se conduz a si mesmo senão na aparência, como também foi
mostrado acima; se, portanto fosse conduzido ao ponto de ter disso uma viva percepção e uma
viva sensação, não teria consciência da vida, e então seria levado a produzir sons e a agir pouco
mais ou menos como um autômato; se, todavia tivesse consciência da vida, então não seria
conduzido senão como um homem tendo ferros nas mãos e nos pés, ou como uma besta de
carga à frente de uma carroça. Quem não vê que então o homem não teria livre algum? E se não
tivesse livre algum não teria tampouco razão alguma; pois cada um pensa pelo livre e no livre, e
tudo o que não pensa pelo livre e no livre lhe parece vir, não dele, mas de um outro; e mesmo se
examinas a cousa interiormente, perceberás que não haveria tampouco pensamento para o
homem, ainda menos a razão, e que assim não seria homem.
177. A operação da Divina Providência do Senhor é contínua, nisto que ela afasta o homem dos
males; se alguém percebesse e sentisse esta operação contínua, e não obstante não fosse
conduzido como um acorrentado, não resistiria ele continuamente? E então ou lutaria com Deus,
ou se imiscuiria na Divina Providência; neste segundo caso, ele se faria também Deus no
primeiro caso, se desprenderia dos laços e negaria Deus; isso torna-se bem evidente em que
haveria duas forças agindo continuamente uma contra a outra, da parte do homem a força do
mal, e da parte do Senhor a força do bem; e quando dois opostos agem um contra o outro, então
ou um é vencedor, ou ambos perecem; mas aqui se um é vencedor, os dois perecem; pois o mal,
que pertence ao homem, não recebe em um momento o bem que vem do Senhor; e o bem que
vem do Senhor não rejeita do homem o mal em um momento; se um ou outro se fizesse em um
momento, a vida não restaria no homem. Isto e várias outras conseqüências perigosas
seguir-se-iam, se o homem percebesse ou sentisse manifestamente a operação da Divina
Providência. Mas exemplos o demonstrarão claramente a seguir.
178. Se não é dado ao homem ter a presciência dos acontecimentos é também a fim de que
possa agir pelo livre segundo a razão; pois sabe-se que tudo o que o homem ama, ele quer, o
seu efeito, e se dirige para o efeito por meio da razão; além disso também, que não há cousa
alguma do que o homem medita com a razão, que não proceda do amor para chegar pelo
pensamento ao efeito; se portanto conhecesse por uma predição Divina o efeito ou o
acontecimento, a razão repousaria, e com a razão o amor,' pois o amor com a razão cessa no
efeito, e então por êste efeito começa um novo amor. 0 prazer mesmo da razão é, pelo amor no
pensamento, ver o efeito, não no efeito, mas antes do efeito, ou não no presente, mas no futuro;
daí vem ao homem o que se chama a Esperança, a qual cresce e decresce na razão, conforme
ela vê ou espera o acontecimento; este prazer é completado no acontecimento, mas em seguida
se apaga com o pensamento concernente ao acontecimento; aconteceria o mesmo com um
acontecimento conhecido de antemão. A mente do homem está continuamente nestas três
cousas, que são chamadas o fim, a causa e o efeito; se uma das três faltas, a mente humana não
está em sua vida; a afeição da vontade é o fim a quo, o pensamento do entendimento é a causa
per quam, e a ação do corpo, a palavra da boca, ou a sensação externa são os efeitos do fim
pelo pensamento; que a mente humana não esteja em sua vida, enquanto está unicamente na
afeição da vontade, e não além, e igualmente quando está unicamente no efeito, isto é evidente
para cada um; é por isso que não há vida para a mente por uma destas três cousas
separadamente, mas há vida pelas três conjuntamente; esta vida da mente será diminuída e se
retirará por um acontecimento predito.
179. Pois que a presciência das cousas futuras tira o humano mesmo, que é agir pelo livre
segundo a razão, é por isso que não é dado a pessoa alguma saber o futuro; mas é permitido a
cada um concluir pela razão sobre as cousas futuras; por conseguinte a razão com tudo o que
lhe pertence está na vida; daí vem que o homem não conhece sua sorte depois da morte, ou não
conhece um acontecimento antes que aconteça; pois se o conhecesse não pensaria mais por
seu interior como deve fazer ou viver para aí chegar, e este estado fecha os interiores de sua
mente, nos quais residem principalmente as duas faculdades de sua vida, que são a liberdade e
a racionalidade. 0 desejo de conhecer de antemão o futuro é inato na maior parte dos homens,
mas êste desejo tem sua origem no amor do mal; é por isso que é tirado dos que crêem na Divina
Providência, e lhes é dada a confiança de que o Senhor prepara a sua sorte, e por conseguinte
não a querem conhecer de antemão, com receio de se imiscuírem de alguma maneira na Divina
Providência; é o que o Senhor ensina por várias passagens em Lucas (Cap. 12º, 14 a 48). Que
esteja aí uma Lei da Divina Providência, é o que pode ser confirmado por um grande número de
exemplos do Mundo espiritual; pela maior parte, quando entram nesse mundo depois da morte,
querem saber sua sorte, mas lhes é respondido que se viveram bem a sua sorte está no Céu; e
que se viveram mal, está no inferno; mas como todos temem o Inferno, mesmo os maus,
perguntam o que devem fazer e o que devem crer para entrar no Céu; lhes é respondido: "Agi e
crede como quiserdes, mas sabei que não se faz o bem e não se crê no vero no Inferno, mas no
Céu; informai-vos sobre o que é o bem e o que é o vero; depois disso pensai no vero e fazei o
bem, se puderdes". Assim é deixado a cada um, no Mundo espiritual, agir pelo livre segundo a
razão, mas do modo porque se agiu em um, do mesmo modo se age no outro, pois a cada um
resta sua vida, e em conseqüência sua sorte, pois que a sorte pertence à vida.
180. II. Se o homem visse manifestamente a Divina Providência, ele se introduziria na
ordem e na economia de sua marcha, e as perverteria e as destruiria.
Para que esta proposição chegue distintamente à percepção do homem racional e também do
homem natural, ela vai ser ilustrada por exemplos nesta ordem: I. Os externos têm um tal vínculo
com os Internos que em toda operação fazem um. II. O homem está unicamente em alguns
externos com o Senhor, e, se estivesse ao mesmo tempo nos internos, perverteria e destruiria
toda a ordem e economia da marcha da Divina Providência. Mas, como foi dito, estas
proposições serão ilustradas por exemplos. Primeiramente: Os externos têm um tal vínculo
com os internos, que em toda operação fazem um. A ilustração, por exemplo, será feita aqui
por meio de algumas particularidades do corpo humano: Em todo o corpo e em cada parte há
externos e internos; os externos aí são chamados peles, membranas e invólucros; os internos
são formas diversamente compostas e tecidas de fibras nervosas e de vasos sanguíneos; o
invólucro que cerca entra por filamentos tirados dele em todos os interiores até aos íntimos;
assim o externo, que é o invólucro, se conjunta com todos os internos, que são as formas
orgânicas compostas de fibras e de vasos; segue-se que, do modo por que o externo age ou é
posto em ação, desse mesmo modo os internos agem e são postos em ação, pois todas as
cousas aí estão juntas em uma perpétua reunião. Toma somente no corpo algum invólucro
comum, por exemplo, a Pleura, que é o invólucro comum do Peito, ou do Coração e do Pulmão,
examina-a com olho de anatomista, e tu aprenderás que este invólucro comum, por diversas
circunvoluções e em seguida por filamentos tirados dela, cada vez mais delgados, entra nos
íntimos dos pulmões, até às menores ramificações bronquiais, e nos folículos mesmos, que são
os começos dos pulmões; sem falar de sua marcha em seguida pela traquéia-artéria na laringe
para a língua. Por aí vê-se que há uma perpétua conexão do extimo com os íntimos; é por isso
que, do modo como o extimo age ou é posto em ação, do mesmo modo também os interiores a
partir dos íntimos agem ou são postos em ação; é por isso que, quando este invólucro extimo,
que é a pleura, é ou inundado ou inlamado, ou cheio de úlceras, o pulmão sofre a partir dos
íntimos; e se o mal aumenta, toda a ação do pulmão cessa, e o homem morre. Dá-se o mesmo
por toda parte em todo o corpo, por exemplo, no Peritônio, invólucro comum de todas as vísceras
do abdome; além disso, também nos invólucros de cada víscera, como os do Estômago, do
Fígado, do Pâncreas, do Baço, dos Intestinos, do Mesentério, dos Rins, e dos órgãos da geração
de um e outro sexo; toma uma destas vísceras, e examina-a tu mesmo e verás, ou consulta
hábeis anatomistas, e tu os ouvirás dizer; toma, por exemplo, o Fígado, e notarás que há
conexão do Peritônio com o invólucro desta víscera, e pelo invólucro com seus íntimos; pois há
filamentos contínuos que dele saem e que entram para os interiores, e assim continuações até
aos íntimos e por conseguinte entre todas as partes uma ligação que é tal, que, quando o
invólucro age ou é posto em ação, toda a forma age igualmente ou é posta igualmente em ação.
Dá-se o mesmo com todas as outras vísceras; isto vem de que em toda forma o comum e o
particular, ou o universal e o singular, fazem um, por uma admirável conjunção. Que nas formas
espirituais e nas mudanças e variações de seus estados, que se referem às operações da
vontade e do entendimento, se dá o mesmo que nas formas naturais e em suas operações, que
se referem aos movimentos e às ações, ver-se-á em, seguida. Ora, como o homem em algumas
operações externas está ao mesmo tempo com o Senhor, e como a liberdade de agir segundo a
razão não é tirada de pessoa alguma, segue-se que o Senhor não pode agir nos internos de
modo diferente de como age com o homem nos externos; se portanto o homem não foge dos
males como pecados e não tem aversão a eles, o externo do pensamento e da vontade será
viciado e enfraquecido, e ao mesmo tempo seu interno, como o é a Pleura pela moléstia que é
chamada Pleurisia, de que o corpo morre. Segundamente: Se o homem estivesse ao mesmo
tempo nos internos, ele perverteria e destruiria toda ordem e economia da Divina
Providência. Isto também será ilustrado por exemplos do corpo humano: Se o homem
conhecesse todas as operações de um e de outro cérebro nas fibras, das fibras nos músculos, e
dos músculos nas ações, e que por este conhecimento dispusesse todas as cousas como dispõe
as ações, não perverteria e não destruiria ele tudo? Se o homem soubesse como o estômago
digere, como as vísceras que então em torno desempenham sua tarefa, elaboram o sangue, e o
distribuem para todas as necessidades da vida, e que dispusesse delas, como tem a disposição
dos externos, a saber, quando come e bebe, não perverteria e destruiria ele tudo? Pois que não
Me dispor o externo, que se apresenta como um, sem destruí-lo pela luxúria e pela
intemperança, o que seria se dispusesse também os internos, que são infinitos? Os internos,
portanto, a fim de que o homem não entre, neles por qualquer vontade, e não os submeta à sua
direção, foram inteiramente subtraídos à sua vontade, exceto os músculos que fazem o invólucro,
e se ignora mesmo como agem, sabe-se unicamente que agem. Dá-se o mesmo com todas as
outras partes; por exemplo, se o homem dispusesse os interiores do olho para ver, os interiores
do ouvido para ouvir, os interiores da língua para saborear, os interiores da pele para sentir, os
interiores do coração para o movimente sistólico, os interiores do pulmão para respirar, os
interiores do mesentério para distribuir o quilo, os interiores dos rins para secretar, os interiores
dos órgãos da geração para proliferar, os interiores do útero para aperfeiçoar o embrião e assim
por diante, não perverteria e destruiria ele de uma infinidade de maneiras a ordem da marcha da
Divina Providência nestas partes? É notório que o homem está nos externos; por exemplo, que
vê pelo olho, ouve pelo ouvido, saboreia pela língua, sente pela pele, respira pelo pulmão,
contribui para a propagação etc.; não é suficiente que ele conheça os externos, e que os
disponha para a saúde do corpo e da mente? Quando não pode isso, o que aconteceria, se
dispusesse também os internos? Por estas considerações é agora evidente que se o homem
visse manifestamente a Divina Providência, ele se imiscuiria na ordem e na economia de sua
marcha, e as perverteria e destruiria.
181. Que nos espirituais da mente se dá o mesmo que nos naturais do corpo, é porque todas as
cousas da mente correspondem a todas as do corpo; é por isso mesmo que a mente faz mover o
corpo nos externos, e no comum, à sua vontade; faz mover os olhos para ver, os ouvidos para
ouvir, a boca e a língua para comer e para beber, e também para falar, as mãos para fazer, os
pés para andar, os órgãos da geração para proliferar; a mente por estas operações faz mover
não somente os externos, mas também os internos em toda série, pelos íntimos os últimos e
pelos últimos os íntimos; assim quando faz mover a boca para falar, faz mover o pulmão, o
laringe, a glote, a língua, os lábios, e cada cousa distintamente segundo sua função,
simultaneamente, e também a face conforme a conveniência. Daí é evidente que o que foi dito
das formas naturais do corpo deve ser dito igualmente das formas espirituais da mente, e que o
que foi dito das operações naturais do corpo deve ser dito igualmente das operações espirituais
da mente; é por isso que, conforme o homem dispõe os externos, o Senhor dispõe os internos,
assim de uma forma se o homem dispõe os externos por ele mesmo, e de outra forma se dispõe
os externos pelo Senhor e ao mesmo tempo como por si mesmo. A Mente do homem é mesmo
homem em toda forma, pois é o espírito do homem, espírito que após a morte aparece homem
absolutamente como no mundo; e em conseqüência cousas semelhantes estão em, um e no
outro. Assim o que foi dito da conjunção dos externos com os internos no corpo deve ser
entendido também da conjunção dos externos com os internos na mente, com esta única
diferença que um é natural e o outro espiritual.
182. III. Se o homem visse manifestamente a Divina Providência ou negaria Deus ou se
faria Deus.
O homem puramente natural diz em si mesmo: “O que é a Divina Providência”? É outra cousa ou
mais do que uma palavra espalhada entre o vulgo pelos padres? Quem viu alguma cousa dela?
Não é pela prudência, a sabedoria, a astúcia e a malícia que tudo se faz no mundo?
Quanto às outras cousas que dai derivam não são elas necessidades, e
conseqüências, e mesmo em grande parte contingências? Será que a Divina
Providência se mantém escondida nestas cousas? Como pode ela estar nas
astúcias e nas velhacarias? E, entretanto se diz que a Divina Providência opera
todas as cousas! Faz-me vê-la, portanto, e eu crerei; pode alguém crer nela antes?”
Assim fala o homem puramente natural; mas de outro modo fala o homem espiritual;
este, porque reconhece Deus, reconhece também a Divina Providência, e mesmo a
vê; mas não pode manifestá-la a um homem que não pensa senão na natureza pela
natureza; pois este não pode elevar sua mente acima da natureza, nem ver nas
aparências da natureza alguma cousa da Divina Providência, ou, concluir alguma
cousa daí por suas leis, que são também as leia. da Divina, Sabedoria; se portanto a
visse manifestamente a misturaria com a natureza, e assim não somente a velaria
por ilusões, mas mesmo a profanaria; e, em lugar de a reconhecer, a negaria;e
aquele que de coração nega a Divina Providência nega Deus também. Ou se
pensará que é Deus que governa tudo, ou se pensará que é a natureza; o que pensa
que é Deus que governa tudo pensa que é o Amor mesmo e a Sabedoria mesma,
assim a Vida mesma; mas o que pensa que é a natureza que governa tudo, pensa
que é o calor natural e a luz natural, que entretanto em si mesmos são mortos,
porque procedem de um sol morto. Não é o vivo mesmo que governa o morto? O
morto pode governar alguma cousa? Se pensas que o morto pode se dar a vida, tu
és um, insensato; a vida deve vir da Vida.
183. Que parece inverossímil que se o homem visse manifestamente a Divina
Providência negaria Deus, é porque parece que se alguém a visse manifestamente
não poderia fazer outra cousa senão reconhecê-la, e assim não poderia fazer outra
cousa senão, reconhecer Deus; mas é, entretanto o contrário. A Divina Providência
não age jamais em união com o amor da vontade do homem, mas age
continuamente contra esse amor; pois o homem por seu mal hereditário está sempre
ansiando pelo inferno mais: profundo, mas o Senhor por Sua Providência o afasta
dele continuamente e o retira dai, primeiro para um inferno mais suave, depois o
retira do inferno, e por fim o eleva para Ele no Céu; esta operação da Divina
Providência é continua; se, portanto o homem visse manifestamente ou sentisse
manifestamente esta ação de afastar ou retirar, ele se irritaria e consideraria Deus
como um inimigo, e, de acordo com o mal de seu próprio, O negaria; é por isso que,
a fim de que o homem não saiba isso, ele é mantido no livre, pelo qual não sabe
absolutamente outra cousa, senão que se conduz a si mesmo. Mas exemplos vão
servir para ilustração: O homem pelo hereditário quer se tornar grande, e quer
também se tornar rico, e tanto quanto estes amores não são refreados, quer se
tornar maior e mais rico; e isso não o satisfará ainda, mas quererá se tornar maior
do que Deus mesmo, e possuir o Céu mesmo; esta cupidez está escondida
Intimamente no mal hereditário, e por conseguinte na vida do homem e na natureza
de sua vida. A Divina Providência não tira este mal em um momento pois se o
tirasse em um momento, o homem não viveria; mas o tira tácita e sucessivamente,
sem que o homem saiba cousa alguma; isso tem lugar pelo fato de ser permitido ao
homem agir segundo o pensamento que ele exprime segundo a razão, e então ela o
dissuade por diversos meios, tanto pelos meios racionais como pelos meios civis e
morais, e assim ele é dissuadido tanto quanto no livre pode ser dissuadido. 0 mal
não pode tampouco ser tirado de alguém, a não ser que se mostre, que seja visto e
seja reconhecido; é como uma chaga que não pode ser curada, se não for aberta.
Se portanto o homem soubesse e visse que o Senhor, por Sua Divina Providência,
opera assim contra o amor de sua vida, de que lhe vem o prazer supremo, não
poderia fazer outra cousa senão ir em sentido contrário, e exasperar-se, disputar,
dizer cousas duras, e por fim repelir por seu mal a operação da Divina Providência,
negando-a, e assim negando Deus, sobretudo se visse que ela se opõe a seus
sucessos, que é destituído da dignidade e privado da opulência. Todavia, é preciso
que se saiba que o Senhor jamais dissuade o homem de procurar as honras e de
adquirir riquezas, mas que o dissuade da cupidez de procurar as honras pela
preeminência só ou para ele mesmo, e da cupidez de adquirir riquezas pela
opulência só ou pelas riquezas; mas quando o dissuade destas cobiças, o introduz
no, amor dos usos, a fim de que considere a preeminência não para ele mesmo mas
para os usos, assim, a fim de que pertença aos usos e por conseguinte a ele
mesmo, e não a ele mesmo e por conseguinte aos usos; dá-se o mesmo com a
opulência. Que o Senhor humilha continuamente os soberbos e eleva os humildes,
Ele Mesmo o ensina em muitos lugares da Palavra, e o que Ele ensina na Palavra
pertence também à Divina Providência.
184. Dá-se o mesmo com qualquer outro mal, em que o homem pelo hereditário,
por exemplo, adultérios, fraudes, vinganças, blasfêmias, e outros males semelhantes
todos os quais não podem ser afastados senão quando a liberdade de os pensar e
de os querer foi deixada, e que assim o homem os afaste como por si mesmo, o,
que, entretanto não pode ser feita, a não ser que reconheça a Divina Providência, e
implore para que isso seja feito por ela; sem esta liberdade, e ao mesmo tempo sem
a Divina Providência, estes males seriam semelhantes a um veneno tomado e não
vomitado, que em breve se espalharia por toda parte e daria a morte; seriam ainda
semelhantes a uma moléstia do coração que destrói em pouco tempo todo o corpo.
185. Que assim seja, não se pode saber melhor do que pelos homens depois da
morte no mundo espiritual; lá, a maior parte dos que no mundo natural se tinham
tornado grandes e opulentos, e não tinham tido em vista nas honras e também nas
riquezas, senão a eles mesmos, falam a princípio de Deus e da Divina Providência
como se os tivessem reconhecido de coração; mas como então vêem
manifestamente a Divina Providência, e por ela a sua última sorte, quer dizer que
irão para o inferno, conjuntam-se lá com os diabos, e então não somente negam
Deus, mas ainda blasfemam; e em seguida caem no delírio de reconhecer como
seus deuses os diabos mais possantes, e de não desejar cousa alguma mais
ardentemente do que tornar-se também, eles mesmos, deuses.
186. Que o homem iria ao oposto de Deus, e mesmo o negaria, se visse
manifestamente as operações de sua Divina Providência, é porque o homem está no
prazer de seu amor; e este prazer faz a sua vida mesma; é por isso que quando o
homem é mantido no prazer de sua vida está em seu livre, pois o livre e este prazer
fazem um; se portanto percebesse que é continuamente dissuadido de seu prazer,
ele se irritaria como faria contra aquele que quisesse destruir sua vida, e que
consideraria como inimigo. A fim de que isso não aconteça, o Senhor não se mostra
manifestamente em Sua Divina Providência, mas por ela conduz o homem tão
tacitamente como o faz com um navio um rio tranqüilo ou uma corrente favorável;
por isso, o homem não sabe outra cousa senão que está continuamente em seu
próprio, pois o livre faz um com o próprio; daí é evidente que o livre apropria ao
homem o que a Divina Providência introduz o que não aconteceria se esta se
manifestasse; o que é apropriado é o que se torna cousa da vida.
187. IV. É dado ao homem ver a Divina Providência por detrás e não em face;
além disso, também no estado espiritual e não no estado natural.
Ver a Divina Providência por detrás e não em face é a ver após e não antes; e a ver
pelo estado espiritual e não pelo estado natural é a ver do Céu e não do Mundo.
Todos os que recebem o influxo do Céu e reconhecem a Divina Providência,
principalmente os que pela reforma se tornaram espirituais, quando vêem
acontecimentos em uma certa série admirável, vêem por assim dizer a Providência
por um reconhecimento interior, e a confessam; eles não a querem ver de face, isto
é, antes que exista, pois temem que sua vontade se imiscua em alguma cousa de
sua ordem e de sua economia. É de outro modo com os que admitem não o influxo
do Céu, mas unicamente o influxo do Mundo, e principalmente com os que,
confirmando neles as aparências, se tornaram naturais; eles nada vêem da Divina
Providência por detrás ou após ela, mas querem vê-la em face ou antes que exista;
e como a Divina Providência opera por meios, e como os meios se fazem pelos
homens ou pelo mundo, resulta que, seja que a vejam em face ou por detrás, eles a
atribuem ao homem ou à natureza, e assim se confirmam em negar sua existência.
Se a atribuem ao homem ou à natureza, é porque seu entendimento está fechado
por cima, e aberto unicamente por baixo, por conseqüência fechado do lado do Céu
e aberto do lado do mundo, e que do Mundo não se pode ver a Divina Providência,
enquanto que do Céu se pode. Algumas vezes pensei em mim mesmo, se estes
reconheceriam a Divina Providência, no caso em que seu entendimento fosse aberto
em cima, e onde veriam como na claridade do dia que em si mesma a natureza é
morta, e que em si mesma a inteligência humana é nula, mas que se uma e outra
aparecem ser é pelo influxo, e percebi que os que se confirmaram pela natureza e
pela prudência humana não reconheceriam a Divina Providência, porque a luz
natural, que influi de baixo, extinguiria imediatamente a luz espiritual que influi do
alto.
189. O homem que se tornou espiritual reconhecendo Deus, e sábio rejeitando o
próprio, vê a Divina Providência por toda parte do mundo, e em todas e cada uma
das cousas do mundo; se encara as cousas naturais, ele a vê; se encara as cousas
civis, ele a vê; se encara as cousas espirituais, ele a vê; e isto, tanto no que é
simultâneo como no que é sucessivo; nos fins, nas causas, nos efeitos, nos usos,
nas formas, no que é grande, e no que é pequeno ele a vê; principalmente na,
salvação dos homens, pelo fato de Jeová ter dado a Palavra, e por ela os instruiu
sobre Deus, sobre o Céu e o inferno, e sobre a vida eterna, e por Ele mesmo ter
vindo ao mundo para redimir e salvar os homens; pela luz espiritual o homem vê na
luz natural todas estas cousas e muitas outras, e nelas a Divina Providência. Mas o
homem puramente natural nada vê de tudo isso; é como aquele que vê um templo
magnífico, e ouve um pregador ilustre nas cousas Divinas, e que, reentrando em
casa, diz que não viu senão uma casa de pedra, e não ouviu senão um som
articulado; ou como um míope que entra em um jardim notável pelos frutos de toda
espécie, e que, de volta a casa, conta que viu somente uma floresta e árvores.
Quando tais homens, tornados Espíritos depois da morte, são elevados ao Céu
angélico onde todas as cousas são formas representativas do amor e da sabedoria,
nada vêem destas cousas, nem mesmo que elas aí estão; é o que vi acontecer a
vários que tinham negado a Divina Providência do Senhor.
190. Há um grande número de cousas constante que foram criadas, a fim de que as
cousas não constantes pudessem existir; as cousas constantes são as repetições
fixas do nascer e do pôr, do sol e da lua, e também das estrelas; seus
obscurecimentos pelas interposições que são chamadas eclipses; seu calor e sua
luz; os tempos do ano, que são chamados primavera, verão outono e inverno; e os
tempos do dia, que são a manhã, o meio-dia, à tarde e a noite; são também as
atmosferas, as águas, as terras consideradas em si mesmas; a faculdade vegetativa
no reino vegetal, e esta faculdade e também a faculdade prolífica no reino animal,
além disso, as cousas que por estas se fazem constantemente, quando são postas
em ação segundo as leis da ordem. Foi provido por criação a todas estas cousas e a
várias outras, a fim de que uma infinidade de cousas variáveis pudessem existir;
com efeito, as cousas variáveis não podem existir senão nas cousas constantes,
estáveis e certas. Mas isso será ilustrado por exemplos: As cousas variáveis da
vegetação não teriam lugar, se o nascer e o pôr do sol, e por conseguinte os calores
e as luzes, não fossem cousas constantes. As harmonias são de uma variedade
infinita, mas não teriam lugar, se as atmosferas em suas leis e os ouvidos em sua
forma não fossem constantes; as variedades da vista, que também são infinitas, não
existiriam, se o éter em suas leis e o olho em sua forma não fossem constantes;
semelhantemente às cores, se a luz não fosse constante; dá-se o mesmo com os
pensamentos, as palavras e as ações, que também são de uma variedade infinita,
elas não existiriam tampouco, se as partes orgânicas do corpo não fossem
constantes; uma, casa não deve ser constante, a fim de que cousas variáveis
possam aí ser feitas pelo homem? Igualmente um templo, a fim de que as diversas
cerimônias do culto, os sermões, as instruções e as meditações piedosas possam aí
se fazer? E assim por diante. Quanto ao que concerne às variedades mesmas que
se fazem nas cousas constantes, elas vão ao infinito e não têm fim, e, entretanto
não há jamais uma única absolutamente semelhante a uma outra em tudo o que
existe no Universo, e não haverá jamais nas cousas que se sucederão. Quem é que
dispõe estas variedades indo ao infinito e eternamente, para que estejam na ordem,
se não Aquele que criou as cousas constantes para este fim que as variedades
existissem nelas? E quem é que pode dispor as variedades infinitas da vida do
homem, se não é Aquele que é a Vida mesma, isto é, o Amor mesmo e a Sabedoria
mesma? Será que, sem a Divina Providência, que é como uma criação continua as
afeições infinitas dos homens e, por conseguinte seus pensamentos infinitos, e
assim os homens mesmos, podem ser dispostos para fazer um, as afeições e os
pensamento maus um único diabo, que é o Inferno; as afeições e os pensamentos
bons um único Senhor no Céu? Que todo o Céu angélico esteja na presença do
Senhor como um só Homem, que é Sua imagem e semelhança, e que todo o Inferno
seja no seu oposto como um único homem-monstro é o que já foi dito e mostrado
algumas vezes. Estas observações foram feitas porque alguns homens naturais
tiram mesmo das cousas constantes e estáveis, que são necessidades para este fim
que as variedades existam nelas, os argumentos de seu delírio em favor da natureza
e em favor da própria prudência.
A PRÓPRIA PRUDÊNCIA É NULA, E SOMENTE PARECE EXISTIR, E TAMBÉM
DEVE PARECER COMO EXISTIR; MAS A DIVINA PROVIDÊNCIA PELOS
MUITO-SINGULARES É UNIVERSAL.
191. Que a própria prudência seja nula, isto é absolutamente contra a aparência; e pois
que assim é, aquele que pela aparência está na crença de que a prudência humana faz
tudo, não pode ser convencido do contrário senão por meio de razões de uma
investigação profunda, que devem ser tiradas das causas; esta aparência é um efeito,
e as causas descobrem donde ela vem. Nesta preliminar dir-se-á alguma cousa da
crença comum sobre este assunto. Contra a aparência é o que ensina a Igreja, que o
amor e a fé, além disso, a sabedoria e a inteligência, por conseqüência a prudência, e
em geral todo bem e todo vero, vêm não do homem mas de Deus; quando se admite
estas verdades, deve-se também admitir que a própria prudência é nula, mas parece
somente existir; a prudência não vem senão da inteligência e da sabedoria, e estas
duas não vêm senão do entendimento e assim do pensamento do vero e do bem. 0
que acaba de ser dito é admitido e crido pelos que reconhecem a Divina Providência, e
não por aqueles que reconhecem a prudência humana só. Ora, ou o vero será o que
ensina a Igreja, que toda sabedoria e toda prudência vêm de Deus, ou bem será o que
ensina o Mundo, que toda sabedoria e toda prudência vêm do homem; pode-se
conciliar isso de outro modo que não seja dizendo que o que ensina a Igreja é o vero, e
o que ensina o Mundo é a aparência? Depois a Igreja confirma sua proposição pela
Palavra, mas o Mundo confirma a sua, pelo próprio; ora a Palavra vem de Deus, e o
próprio vem do homem. Como a prudência vem de Deus e não do homem, é por isso
que um homem cristão, quando está na devoção, pede a Deus para conduzir seus
pensamentos, seus desígnios e suas ações, e acrescenta que é porque ele não o pode
fazer por si mesmo; quando vê alguém fazer o bem, diz também que foi conduzido a
isso por Deus; e várias outras cousas semelhantes. Será que alguém pode falar assim,
a não ser que então o creia interiormente? E crê-lo interiormente, o é pelo Céu; mas
quando pensa em si mesmo, e reúne os argumentos em favor da prudência humana,
pode crer o contrário, e isso, o é pelo Mundo; mas a fé interna é vitoriosa naqueles que
de coração reconhecem Deus, e a fé externa é vitoriosa naqueles que de coração não
reconhecem Deus, ainda que de boca O reconheçam.
192. Foi dito que aquele que, pela aparência, está na fé segundo a qual a prudência
humana faz tudo não pode ser convencido do contrário senão por meio de razões de
uma investigação profunda, que devem ser tiradas das causas; portanto a fim de que
as razões tiradas das causas se apresentem com clareza ao entendimento, elas serão
expostas em sua ordem, que é esta: I. Todos os pensamentos do homem vêm das
afeições do amor de sua vida, e sem estas afeições não há e não pode haver
pensamento algum. II. As afeições do amor da vida do homem são conhecidas pelo
Senhor só. III. As afeições do amor da vida do homem são conduzidas pelo Senhor por
meio de Sua Divina Providência, e seus pensamentos de onde provém a prudência
humana o são ao mesmo tempo. IV. O Senhor por Sua Divina Providência reúne em
conjunto as afeições de todo o Gênero Humano em uma única forma, que é a forma
humana. V. Dai o Céu e o Inferno, que provêm do Gênero Humano, estarem em uma
tal forma. VI. Os que reconheceram a natureza só e a prudência humana só constituem
o inferno; e os que reconheceram Deus e Sua Divina Providência constituem o Céu.
VII. Todas estas cousas não podem ter lugar a não ser que pareça ao homem que por
si mesmo ele pensa e que por si mesmo dispõe.
193. I. Todos os pensamentos do homem vêm das afeições do amor de sua vida,
e sem estas afeições não há e não pode haver pensamento algum.
O que é o amor da vida, e o que são em sua essência as afeições e, por conseguinte
os pensamentos, e por elas as sensações e as ações que existem no corpo, é o que foi
mostrado acima neste Tratado, e também no que tem por título, A Sabedoria ria
Angélica sobre o Divino Amor e a Divina Sabedoria, especialmente na Primeira Parte e
na Quinta; ora, como destas cousas provêm as causas de onde decorre a prudência
humana como efeito, é necessário que seja também referido aqui alguma cousa a
respeito; pois o que foi escrito em outra parte não pode ser ligado por continuidade com
o que é escrito depois, a não ser que se o repita e que se o coloque sob os olhos.
Acima, neste Tratado, e no Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria acima
mencionado, foi demonstrado que no Senhor há o Divino Amor e a Divina Sabedoria, e
que estes dois são a Vida mesma; que por estes dois há no homem Vontade e
Entendimento; pelo Divino Amor Vontade, e pela Divina Sabedoria Entendimento; que
à vontade e ao entendimento correspondem no corpo, o coração e o pulmão; que daí
pode-se ver que, como a pulsação do coração junto à respiração do pulmão governa o
homem inteiro quanto a seu corpo, do mesmo modo a vontade junto ao entendimento
governa o homem inteiro quanto à sua mente; que assim há em cada homem dois
princípios da vida, um natural e o outro espiritual, e que o principio natural da vida é a
pulsação do coração, e o principio espiritual da vida a vontade da mente; que um e
outro se adjuntam um companheiro com o qual coabita e desempenha suas funções da
vida, e que o coração se conjunta o pulmão, e a vontade o entendimento. Ora, como a
alma da vontade é o amor e a alma do entendimento é a sabedoria, um e outro
procedendo do Senhor, segue-se que o amor é a vida de cada um, e que esta vida é
conforme o amor foi conjunto à sua sabedoria, ou, o que é a mesma cousa, que a
vontade é a vida de cada um, e que esta vida é conforme a vontade foi conjunta ao
entendimento; mas, sobre este assunto, pode-se ver mais acima, neste Tratado, e
principalmente na Sabedoria Angélica sobre o Divino Amor e a Divina
Sabedoria,Primeira e Quinta Partes.
194. Nestes mesmos tratados foi também demonstrado que o amor da vida produz de
si mesmo amores subalternos, que são chamados afeições; que estas são exteriores e
interiores, e que tomadas em conjunto elas fazem como um governo ou um reino, no
qual o amor da vida é como senhor ou rei; além disso, ainda foi demonstrado que estes
amores subalternos, ou estas afeições, se adjuntam companheiros, cada uma o seu;
as afeições interiores, companheiros que são chamados percepções, e as afeições
exteriores, companheiros que são chamados pensamentos; que cada uma coabita com
seu companheiro, e desempenha as funções da vida; e que a conjunção de uma e de
outra é como a do ser da vida com o existir da vida, conjunção que é tal que um não é
alguma cousa, a não ser que esteja ao mesmo tempo com o outro; pois o que é o ser
da vida se não existe, e o que é o existir da Vida se não provém do ser da vida? Além
disso, também, que a conjunção da vida é como a do som e da harmonia, ou do som e
da linguagem, e em geral como a do batimento do coração e a respiração do pulmão,
conjunção que é tal, que um não é alguma cousa sem o outro, e que um se toma
alguma cousa pela conjunção com o outro. As conjunções devem estar nelas, ou antes
são feitas por elas; seja por exemplo o som: Aquele que imagina que o som é alguma
cousa, se nele não há aquilo que distingue, se, engana; o som também corresponde à
afeição do homem, e porque há sempre no som alguma cousa que distingue, é por isso
que pelo som do homem que fala conhece-se a afeição de seu amor, e que pela
variação do som, que é a, linguagem, conhece-se seu pensamento; vem daí que pelo
som só daquele que fala os anjos mais sábios percebem os amores de sua vida, e ao
mesmo tempo certas afeições que são suas derivações. Estas cousas foram referidas
a fim de que se saiba que não há afeição sem seu pensamento, nem pensamento sem
sua afeição. Mas pode-se ver mais sobre este assunto neste Tratado, acima, e na
Sabedoria Angélica sobre o Divino Amor e a Divina Sabedoria.
195. Ora, como o amor da vida tem seu prazer, e sua sabedoria tem seu encanto,
dá-se o mesmo com toda afeição, que em sua essência é um amor subalterno derivado
do amor da vida, como um regato de sua fonte, ou como um ramo de sua árvore, ou
como uma artéria de seu coração; é por isso que cada afeição tem seu prazer, e, por
conseguinte cada percepção e cada pensamento têm seu encanto, donde resulta que
estes prazeres e estes encantos fazem à vida do homem. O que é a vida sem o prazer
e sem o encanto? Não é alguma cousa animada, é inanimada; diminui o prazer e o
encanto, e tu te tornarás frio e entorpecido, tira-os, e tu expirarás e morrerás; é pelos
prazeres das afeições, e pelos encantos das percepções e dos pensamentos, que há
calor vital. Pois que cada afeição tem seu prazer, e que, por conseguinte cada
pensamento tem seu encanto, pode-se ver donde vem o bem e o vero; além disso, o
que é o bem e o vero em sua essência, o bem é para cada um o que é o prazer de sua
afeição, e o que por conseqüência é o encanto de seu pensamento; com efeito, cada
um chama bem o que sente como prazer pela amor de sua vontade, e chama vero o
que por conseqüência percebe como encanto pela sabedoria de seu entendimento; um
e outro efluem do amor da vida como a água corre de uma fonte, ou como o sangue
corre do coração; tomados em conjunto, são como uma onda ou uma atmosfera na
qual está toda a mente humana. Estes dois, o prazer e o encanto, são espirituais na
mente, mas no corpo são naturais; de parte a parte fazem à vida do homem. Por isto,
vê-se claramente que cousa no homem é chamada bem, e que cousa é chamada vero;
além disso, também, que cousa no homem é chamada mal, e que cousa é chamada
falsa, a saber, que para ele o mal é o que destrói o prazer de sua afeição, e o falso é o
que em conseqüência destrói o encanto de seu pensamento; e que o mal por seu
prazer e o falso por seu encanto podem ser chamados e podem ser cridos o bem e o
vero. Os bens e os veros são, na verdade, mudanças e variações de estados das
formas da mente, mas estas mudanças e estas variações são percebidas e vivem
unicamente por seus prazeres e por seus encantos. Estes detalhes foram dados a fim
de que se saiba o que é a afeição e o pensamento em sua vida.
196. Ora, pois que é a mente do homem, e não o corpo, que pensa, e que pensa pelo
prazer de sua afeição; e, pois que a mente do homem é seu espírito, que vive depois
da morte, segue-se que o espírito do homem não é absolutamente senão a afeição e
conseqüentemente o pensamento. Que não possa haver pensamento algum sem uma
afeição, vê-se manifestamente pelos Espíritos e os Anjos no mundo espiritual, pelo fato
de que lá todos pensam pelas afeições do amor de sua, vida, e que cada um é cercado
pelo prazer destas afeições como por uma atmosfera; e pelo fato de que todos aí são
conjuntos segundo estas esferas exaladas de suas afeições por seus pensamentos;
cada um também pela esfera de sua vida é conhecido tal qual é. Por ai pode-se ver
que todo pensamento vem de uma afeição e é a forma de sua afeição. Dá-se o mesmo
com a vontade e o entendimento; dá-se o mesmo com o bem e o vero; e dá-se o
mesmo com a caridade e a fé.
197. II. As afeições do amor da vida do homem são conhecidas do Senhor só.
O homem conhece seus pensamentos e conseqüentemente suas intenções, porque os
vê em si; e como toda prudência provém daí, vê também em si a prudência; se então o
amor de sua vida é o amor de si, ele entra no fasto da própria inteligência, e se atribui a
prudência; e reúne argumentos por ela, e assim se afasta do reconhecimento da Divina
Providência; dá-se o mesmo se o amor do mundo é o amor de sua vida, mas
entretanto ele não se afasta então no mesmo grau. Por isto é evidente que estes dois
amores atribuem tudo ao homem e à sua prudência; e que examinando-os mais
interiormente vê-se que nada atribuem a Deus, nem cousa alguma à sua Providência;
quando portanto como por acaso ouvem dizer que é uma verdade, que a prudência
humana é nula e que é só a Divina Providência que governa tudo, se são
absolutamente ateus, riem disso; mas se retêm em sua memória alguma cousa da
religião, e se se lhes diz que toda sabedoria vem de Deus, afirmam esta proposição, é
verdade, desde que a ouvem pronunciar, mas não obstante, interiormente, em seu
espírito, a, negam. Tais são principalmente os sacerdotes que se amam mais do que a
Deus, e amam o mundo mais do que ao Céu, ou, o que é a mesma cousa, que adoram
Deus tendo em vista as honras e os proveitos, e não obstante pregaram que a caridade
e a fé, que todo bem e todo vero, que toda sabedoria e mesmo que toda prudência vêm
de Deus, e que nada disso vem do homem. Um dia, no Mundo espiritual, ouvi dois
sacerdotes discutirem com um embaixador a respeito da prudência humana, se ela
vem de Deus ou do homem; a discussão estava viva; todos três tinham crido de
coração a mesma cousa, a saber, que a prudência humana faz tudo, e que a Divina
Providência nada faz; mas os sacerdotes, que estavam então no zelo teológico, diziam
que cousa alguma da sabedoria e da prudência vem do homem; e como o embaixador
replicava que assim cousa alguma do pensamento não vinha tampouco do homem,
diziam que nada vinha dele. Ora, como foi percebido pelos Anjos que todos três
estavam na mesma fé, foi dito ao embaixador: "Reveste-te com roupas de sacerdote, e
crê que és sacerdote, e então fala". Este se revestiu com elas, e se acreditou
sacerdote, e então em altas vozes declarou que cousa alguma da sabedoria nem da
prudência pode jamais estar no homem senão por Deus, e o sustentava com sua
eloqüência habitual cheia de argumentos racionais. Em seguida foi dito também a
estes dois sacerdotes: "Tirai vossas vestimentas, e revesti-vos com roupas de ministros
políticos, e crede que sois embaixadores". E eles fizeram assim, e então pensaram
segundo seus interiores, e falaram conforme os argumentos que tinham
precedentemente alimentado dentro deles mesmos em favor da prudência humana
contra a Divina Providência. Todos três em seguida, porque estavam na mesma fé,
tornaram-se amigos de coração, e tomaram juntos o caminho da própria prudência, que
conduz ao inferno.
198. Foi mostrado acima que pensamento algum do homem existe senão por uma
certa afeição do amor de sua vida, e que o pensamento não é outra cousa senão a
forma da afeição; além disso também que o homem vê seu pensamento e não pode
ver sua afeição, pois esta, ele a sente, segue-se que é pela vista, que está na
aparência, que ele decide que a própria prudência faz tudo, e não pela afeição que não
é vista, mas que é sentida; com efeito, a afeição se manifesta unicamente por um certo
prazer do pensamento e uma certa delícia, do raciocínio sobre este prazer, e então este
prazer e esta delícia fazem um com o pensamento naqueles que estão na fé da própria
prudência pelo amor de si ou pelo amor do mundo; e o pensamento corre em seu
prazer como um navio na corrente de um rio, à qual o piloto não presta atenção, não
olhando senão para as velas que desfraldou.
199. O homem, é verdade, pode refletir sobre o prazer de sua afeição externa, quando
este prazer faz como um com o prazer de um sentido do corpo, mas a verdade é que
ele não reflete que este prazer vem do prazer de sua afeição no pensamento. Por
exemplo, quando um debochado vê uma prostituta, a vista de seu olho cintila com o
fogo da lascívia, e por isto sente o prazer em seu corpo, mas, entretanto não sente o
prazer de sua afeição ou de sua cobiça no pensamento, senão algum desejo ardente
em união com o corpo; dá-se o mesmo com um ladrão em uma floresta, quando vê
viajantes; e como um pirata no mar, quando vê navios; e dá-se o mesmo com outros;
que estes prazeres governam os pensamentos do homem, e que os pensamentos sem
eles nada sejam, isso é evidente; mas o homem crê que são unicamente pensamentos,
quando entretanto os pensamentos não são senão afeições compostas em formas pelo
amor de sua vida, a fim de que se manifestem na luz; pois toda afeição está no calor, e
todo pensamento está na luz. São estas as afeições externas do pensamento que, é
verdade, se manifestam na sensação do corpo, mas raramente no pensamento da
mente. Quanto às afeições internas do pensamento, pelas quais existem as afeições
externas, não se manifestam jamais diante do homem; o homem não sabe mais sobre
estas afeições, que um viajante que dorme em uma viatura sabe sobre o caminho que
percorre; nem mais do que se sente o movimento de rotação da Terra. Ora, pois que o
homem nada sabe das cousas que se passam nos interiores de sua mente, as quais
são tão infinitas, que não podem ser determinadas por números, e, entretanto estas
cousas externas pouco numerosas que chegam à vista do pensamento são produzidas
pelos interiores, e o Senhor só governa os interiores por Sua Divina Providência, e
governa conjuntamente com o homem estes externos pouco numerosos, como então
alguém pode dizer que sua própria prudência faz tudo? Se visses a descoberto
unicamente uma idéia do pensamento, verias mais maravilhas do que a língua pode
exprimir. Que nos interiores da mente do homem haja cousas tão infinitas que não
podem ser determinadas por números, isso é evidente pelas cousas infinitas do corpo,
das quais não chega à vista e ao sentido nada mais que uma única ação muito
simples, para a qual, entretanto concorrem milhares de fibras motrizes ou musculares,
milhares de fibras nervosas, milhares de vasos sanguíneos, milhares de cousas do
pulmão que devem cooperar em toda ação, milhares de cousas dos cérebros e da
espinha dorsal, e muito mais ainda no homem espiritual, que é a mente humana, de
que todas as cousas são as formas das afeições, e conseqüentemente as formas das
percepções e dos pensamentos. A alma, que dispõe os interiores, não dispõe também
as ações segundo os interiores? A alma do homem não é outra cousa senão o amor de
sua vontade, e, por conseguinte o amor de seu entendimento; tal é este amor, tal é o
homem inteiro; e se torna tal segundo a disposição nos externos, nos quais o homem
está ao mesmo tempo com o Senhor; se, portanto atribui todas as cousas a si mesmo
e à natureza, a alma se torna o amor de si; mas se atribui todas as cousas ao Senhor,
a alma se torna o amor do Senhor; este amor é o amor celeste, e aquele amor é o
amor infernal.
200. Ora, pois que os prazeres das afeições do homem o arrastam dos íntimos pelos
interiores para os exteriores, e por fim para os extremos que estão no corpo, como a
onda e a atmosfera arrastam um navio, e que nada disso aparece ao homem, senão o
que se faz nos extremos da mente e nos extremos do corro, como então o homem
pode se atribuir o Divino unicamente porque estes extremos pouco numerosos lhe
aparecem como seus? E ainda menos deve ele se atribuir o Divino, quando sabe, pela
Palavra, que o homem não pode tomar alguma cousa de si mesmo, a não ser que isso
lhe seja dado do Céu; e que sabe, pela Razão, que esta aparência lhe foi dada a fim de
que viva homem, que veja o que é o bem e o mal, que escolha, um ou outro, que se
aproprie o que escolheu, para poder reciprocamente ser conjunto ao Senhor, ser
reformado, regenerado, salvo e viver na eternidade. Que esta aparência tenha sido
dada ao homem, a fim de que aja pelo livre segundo a razão, assim coma por si
mesmo, e que não permaneça de braços cruzados esperando o influxo, é o que foi dito
e mostrado acima. Daí resulta a confirmação daquilo que devia ser demonstrado em
terceiro lugar, a saber: III. As afeições do amor da vida do homem são conduzidas
pelo Senhor por meio de Sua, Divina Providência, e seus pensamentos donde
provém a prudência humana o, são ao mesmo tempo.
201. IV. O Senhor por Sua Divina Providência reúne em conjunto as afeições de
todo o Gênero Humano em uma única forma, que é a forma humana.
Que seja isto o universal da Divina Providência, ver-se-á no parágrafo seguinte; os que
atribuem tudo à natureza atribuem também tudo à prudência humana; pois os que
atribuem tudo à natureza negam de coração Deus, e os que atribuem tudo à prudência
humana negam de coração a Divina Providência, um não é separado do outro.
Todavia, apesar disso, uns e outros, pela reputação de seu nome, e com o medo de a
perder, dizem de boca que a Divina Providência é universal, e que seus singulares
estão no homem, e que estes singulares no complexo são entendidos pela prudência
humana. Mas pensa em ti mesmo, o que é uma Providência universal, quando os
singulares foram separados dela; será outra cousa mais que uma simples palavra?
Pois chama-se universal o que é formado de singulares reunidos, como se chama
comum o que existe pelos particulares; se portanto separas os singulares, o que será
então o universal, senão como alguma cousa que dentro está vazia, assim como uma
superfície dentro da qual nada há, ou um complexo no qual não há cousa alguma? Se
me dissesse que a Divina Providência é um Governo universal, mas que somente o
todo é mantido em um encadeamento, e que as cousas que pertencem ao governo são
dispostas por outros, isso poderia ser chamado um governo universal? Rei algum tem
um governo como esse; pois se um rei permitisse à seus súditos governar todas as
cousas de seu reino, ele não seria mais um rei, mas somente seria chamado rei, assim
teria somente a dignidade de seu nome, sem ter a dignidade da cousa; em um tal rei
não se pode dizer que há um governo, nem com mais forte razão universal. A
Providência no Senhor é chamada prudência no homem; do mesmo modo que a
prudência não pode ser chamada universal em um rei que não se reserva senão o
nome de rei a fim de que o reino seja chamado reino, e seja assim mantido; desse
mesmo modo a Providência não poderia ser chamada universal, se os homens
provessem a tudo pela própria prudência. Dá-se o mesmo com o nome de Providência
universal e de governo universal, aplicado à natureza, quando se ouve dizer que Deus
criou o universo, e que deu à natureza a faculdade de produzir de si mesma todas as
cousas; que seria então a Providência universal, senão um termo metafísico, que além
do nome nada, é? Dentre os que atribuem à natureza tudo o que é produzido, e à
prudência humana tudo que se faz, e, entretanto dizem de boca que Deus criou a
natureza, há também muitos que não pensam tampouco na Divina Providência senão
como em uma palavra vazia de sentido. Mas o que é real é que a Divina Providência
está nos muito-singulares da natureza, e nos muito-singulares da Prudência humana, e
que é por estes muito-singulares que ela é universal.
202. A Divina Providência do Senhor é universal pelos muito-singulares nisto, que o
Senhor criou o universo, a fim de que exista por Ele uma Criação infinita e eterna; e
esta Criação existe por isso que o Senhor forma de homens o Céu, que diante d'Ele é
como um único homem, sua imagem e sua semelhança; que o Céu formado de
homens seja, tal em presença do Senhor, e que tenha sido o fim da criação, é o que foi
mostrado acima (nº 27 a 45); e que o Divino, em tudo que faz, tenha em vista o infinito
e o eterno (vê-se nº 56 a 69). O infinito e o eterno que o Senhor tem em vista formando
de homens o Seu Céu, é que ele seja aumentado ao infinito e eternamente, e que
assim Ele Mesmo habita constantemente no fim de Sua criação. E a esta Criação
infinita e eterna que o Senhor proveu pela criação do universo, e Ele está
constantemente nesta criação por Sua Divina Providência. Quem é que, sabendo e
crendo segundo a Doutrina da Igreja que Deus é Infinito e Eterno, pois em todas as
Igrejas do mundo cristão se diz que Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, é
Infinito, Eterno, Incriado, Onipotente; ver o símbolo de Atanásio, pode ser assaz
destituído de razão para, desde que o ouve, não afirmar que Deus, em sua grande obra
de criação, não pode ter tido em vista senão o infinito e o eterno; pois que outra cousa
pode Ele ter em vista, uma vez que age por Si? E que tem isso em vista no Gênero
Humano, de que forma Seu Céu? A Divina Providência pode, portanto ter por fim outra
cousa que não seja a Reforma do Gênero Humano e sua Salvação? Ora, ninguém
pode ser reformado por si mesmo por meio de sua prudência, mas se é reformado pelo
Senhor por meio de Sua Divina Providência; donde segue-se que se o Senhor não
conduz o homem a cada momento, mesmo o menor, o homem se retira do caminho da
reforma e perece; cada mudança e variação de estado da mente humana produz
alguma mudança e alguma variação na série das cousas presentes, e por
conseqüência das cousas seguintes; o que não será progressivamente na eternidade?
É como uma flecha lançada com um arco, se desde que parte se desviasse do alvo,
por pouco que fosse, à distância de uma ou de várias milhas o desvio seria imenso;
assim seria, se o Senhor, a cada momento, mesmo no menor, não dirigisse os estados
das mentes humanas. 0 Senhor faz isso segundo as leis de Sua Divina Providência; e
é conforme a estas leis que parece ao homem que ele se conduz a si mesmo; mas o
Senhor prevê como ele se conduzirá, e continuamente acomoda. Que as 'Leis de
permissão sejam também leis da Divina Providência; e que todo homem possa ser
reformado e regenerado; e que nada haja de predestinado, é o que se verá em
seguida.
203. Portanto, pois que todo homem depois da morte vive eternamente, e obtém
segundo sua vida um lugar ou no Céu, ou no Inferno, e que um e outro, tanto o Céu
como o inferno, deve estar em uma forma que age como um como já foi dito; e pois
que ninguém nesta forma pode obter um lugar que não seja o seu, segue-se que o
gênero humano sobre todo o globo está sob os auspícios do Senhor, e que cada um
desde a infância até ao fim de sua vida é conduzido por Ele nos muito-singulares, e
que seu lugar é previsto e ao mesmo tempo é provido. Daí é evidente que a Divina
Providência é universal, porque está nos muito-singulares, e que é isso a Criação
infinita e eterna, à qual o Senhor proveu por Ele Mesmo pela Criação do universo. O
homem nada vê desta Providência universal, e se a visse ela não poderia aparecer
diante de seus olhos senão como aparecem diante dos transeuntes os amontoados de
materiais esparsos e sem ordem, com os quais deve-se construir uma casa; mas
diante do Senhor aparece como um palácio magnífico cuja construção e
engrandecimento são contínuos.
204. V. 0 Céu e o Inferno estão em uma tal forma.
Que o Céu esteja na forma humana, isso foi mostrado, no Tratado do Céu e do Inferno
(impresso em Londres em 1758, nº 59 a 102), e também neste tratado em alguns
lugares; por isso é inútil confirmá-lo mais. Diz-se que o Inferno também está na forma
humana, mas está em uma forma humana monstruosa, tal como a do diabo, pelo qual
se entende o Inferno em todo o complexo; ele está na forma humana, porque os que
estão lá também nasceram homens, e têm também estas duas faculdades humanas,
que são chamadas Liberdade e Racionalidade, embora tenham abusado da Liberdade
para querer e fazer o mal, e da Racionalidade para pensá-lo e confirmá-lo.
205. VI. Os que reconheceram a natureza só e a prudência humana só constituem
o Inferno; e os que reconheceram Deus e Sua Divina Providência constituem o
Céu.
Todos os que levam uma vida há reconhecem interiormente a natureza só e a
prudência humana só; o reconhecimento de uma, e de outra está escondido dentro de
todo mal, por mais velado que seja pelos bens e pelos veros; estes são unicamente
vestimentas emprestadas, ou como perecíveis grinaldas de flores, cercando o mal, a
fim de que não, apareça em sua nudez. Que todos os que levam uma vida má
reconhecem interiormente a natureza só e a prudência humana só; ignora-se por causa
deste véu comum, pois ele subtrai isso à vista; mas a verdade é que eles as
reconhecem, como se pode ver pela origem e a causa deste reconhecimento; e, para
que seja desvendada, dir-se-á donde procede e o que é a própria prudência; em
seguida, donde procede e o que é a Divina Providência; além disso, que e quais são os
que reconhecem esta, e os que reconhecem aquela; e por fim, que os que reconhecem
a Divina Providência estão no Céu, e que os que reconhecem a própria prudência
estão no Inferno.
206. Donde procede e o que é a própria prudência.
Ela procede do próprio do homem, próprio que é sua natureza, e é chamada sua alma
derivada do pai; este próprio é o amor de si e em conseqüência o amor do mundo, ou o
amor do mundo e em conseqüência o amor de si; o amor de si é tal que se considera
só, e olha os outros ou como vis ou como de nenhuma importância; se considera
alguns como alguma cousa, é só enquanto o honram e o reverenciam. Intimamente
neste amor, com o esforço de frutificar e de prolificar na semente, está escondido, que
quer se tornar grande, e se é possível, se tornar rei, e se então o puder se tornar Deus;
tal é o diabo, porque ele é o amor mesmo de si; é tal que se adora a si mesmo, e não é
favorável senão àquele que o adora; um outro diabo semelhante, ele o odeia, porque
quer ser adorado só. Como não pode haver amor algum sem sua companheira, e como
a companheira do amor ou da vontade no homem é chamada entendimento, quando o
amor de si inspira seu amor ao entendimento, que é sua companheira, este amor aí se
torna, fasto, e é o fasto da própria inteligência; daí vem à própria prudência. Ora, como
o amor de si quer ser senhor do mundo, por conseqüência também Deus, as cobiças
do mal, que são derivados dele, têm nelas a vida por este amor; do mesmo modo as
percepções das cobiças, que são as astúcias; do mesmo modo também os prazeres
das cobiças, que são os males; e seus pensamentos que são os falsos; todos são
como servidores e ministros de seu senhor, e agem segundo todos os seus caprichos,
ignorando que não agem, mas que são postos em ação; são postos em ação pelo
amor de si por meio do fasto da própria inteligência; daí vem que em todo mal por sua
origem está escondida a própria prudência. Que o reconhecimento da natureza só aí
está escondido também, é porque o amor de si fechou a janela de seu teto, pela qual
se descobre o Céu, e também as janelas dos lados, para não ver e não ouvir que o
Senhor só governa tudo, que a natureza em si mesma é morta, que o próprio do
homem é o inferno, e que, por conseguinte o amor do próprio é o diabo; e então, as
janelas estando fechadas, ele está nas trevas; e ai faz para si uma lareira, perto da qual
se senta com sua companheira, e raciocinam amigavelmente em favor da natureza
contra Deus e em favor da própria prudência contra a Divina Providência.
207. Donde procede e o que é a Divina Providência.
É a Divina operação no homem que afastou o amor de si; pois o amor de si, como foi
dito, é o diabo; e as cobiças e os seus prazeres são os males de seu reino, que é o
inferno; este amor sendo afastado o Senhor entra com as afeições do amor do
próximo, abre a janela do teto, e em seguida as janelas dos lados, faz com que o
homem veja que há um Céu, que há uma vida depois da morte, e que há uma
felicidade eterna; e pela luz espiritual e ao mesmo tempo pelo amor espiritual, que
então influem, lhe faz reconhecer que Deus governa todas as cousas por Sua Divina
Providência.
208. Quem e quais são os que reconhecem isto, e os que reconhecem aquilo. Os
que reconhecem Deus e Sua Divina Providência são como os Anjos do Céu, que
sentem repugnância em ser conduzidos por si mesmos, e gostam de ser conduzidos
pelo Senhor, o índice de que são conduzidos pelo Senhor, é que amam o próximo.
Aqueles, ao contrário, que reconhecem a natureza e a própria prudência são como os
espíritos do inferno, que sentem repugnância em ser conduzidos pelo Senhor, e
gostam de ser conduzidos por si mesmos; se foram grandes de um Reino, querem
dominar sobre todas as cousas; semelhantemente, se foram primaz da Igreja; se foram
juizes, pervertem os julgamentos e exercem uma dominação sobre as leis; se foram
doutos, aplicam os científicos em confirmar o próprio do homem e a natureza; se foram
negociantes, agem como ladrões; se foram agricultores, agem como bandidos. Todos
são inimigos de Deus, e zombam da Divina Providência.
209. Uma cousa surpreendente, é que, quando o Céu é aberto aos que são tais, e que
se lhes diz que são insensatos, e que isso também é manifestado à sua percepção
mesma, o que se faz pelo influxo e pela ilustração, eles, entretanto, por indignação, se
fecham o Céu, e voltam suas vistas para a terra sob a qual está o inferno; isso
acontece no Mundo espiritual, para os que estão ainda fora do Inferno, e que são tais;
por aí vê-se claramente o erro dos que pensam: "Se eu visse o Céu, e ouvisse os anjos
me falarem, eu reconheceria"; seu entendimento entretanto reconhece, mas se a
vontade não reconhece ao mesmo tempo, a verdade é que não reconhecem; pois o
amor da vontade inspira ao entendimento tudo o que quer, e não vice-versa; mais
ainda, este amor destrói tudo o que no entendimento não vem dele.
210. VII. Todas as cousas não podem ter lugar, a não ser que pareça ao homem
que por si mesmo pensa e por si mesmo dispõe.
Que se não parecesse ao homem que vive por si mesmo, e que assim pensa e quer,
fala e age como por si mesmo, o homem não seria homem, isso foi plenamente
demonstrado no que precede. Segue-se daí que se o homem não dispõe como por sua
própria prudência, todas as cousas que pertencem à sua função e à sua vida, ele não
pode ser conduzido nem disposto pela Divina Previdência; pois seria como alguém que
se mantivesse com as mãos pendentes, a boca aberta, os olhos fechados e a
respiração retida, na espera do influxo; assim se despojaria do humano, que está nele
pela percepção e a sensação de que vive, pensa, quer e age como por si mesmo; e ao
mesmo tempo se despoja de suas duas faculdades, que são a Liberdade e a
Racionalidade, pelas quais é distinguido das bestas, que sem esta aparência homem
algum não teria nem o receptivo nem o recíproco, nem por conseqüência a
imortalidade, é o que foi demonstrado acima neste Tratado, e no Tratado do Divino
Amor e da Divina Sabedoria. Se portanto queres ser conduzido pela Divina
Providência, faz uso da prudência, como o servidor ou o intendente que administra
fielmente os bens de seu senhor; esta prudência é a mina, que foi dada aos servidores
para a fazer render, e de que devem prestar contas (Lucas 19º, 13 a 25; Mateus 24º, 14
a 31). A prudência mesma aparece ao homem como própria; e enquanto o homem crê
que ela lhe é própria, mantém fechado em si o inimigo mais encarniçado de Deus e da
Divina Providência, isto é, o amor de si; este amor habita nos interiores de cada
homem de nascença; se não o conheces, pois ele não quer ser conhecido, habita em
segurança, e guarda a porta, a fim de que não seja aberta pelo homem, e que assim
seja expulso pelo, Senhor. Esta porta é aberta pelo homem quando foge como por si
mesmo dos males como pecados, reconhecendo que é pelo Senhor. É com esta
prudência que a Divina Providência faz um.
211. Se a Divina Providência opera tão secretamente, que há apenas um ou outro que
saiba que ela existe, é a fim de que o homem não pereça; pois o próprio do homem,
que é sua vontade, jamais faz um com a Divina Providência; há no próprio do homem
uma inimizade inata contra ela; pois este próprio é a serpente que seduziu nossos
primeiros pais, e da qual se diz: "Inimizade porei entre ti e a mulher, e entre tua
semente e a sua semente, e sua semente te esmagará a cabeça" (Gênesis 3º, 15); a
serpente é o mal de todo gênero, sua cabeça é o amor de si, a semente da mulher é o
Senhor; a inimizade posta entre elas é entre o amor do próprio do homem e o Senhor,
por conseqüência também entre a própria prudência e a Divina Providência do Senhor,
pois a própria prudência não cessa de levantar esta cabeça, e a Divina Providência não
cessa de a abaixar. Se o homem sentisse isso, ele se irritaria e se arrebataria contra
Deus e pereceria; enquanto que não o sentindo pode se Irritar e se arrebatar contra os
homens, e contra ele mesmo, e também contra a fortuna, e por isso não perece. Daí
vem que o Senhor por Sua Divina Providência conduz continuamente o homem no
livre, e o livre não se apresenta ao homem senão como sendo seu próprio; ora,
conduzir no livre alguém oposto ao que conduz é como, elevar da terra um peso grande
e resistente com máquinas, pela força das quais a gravidade e a resistência não são
sentidas; é também como se alguém estivesse na casa de um inimigo que tivesse, sem
que ele o soubesse, a intenção de matá-lo, e que um amigo o fizesse sair por
passagens desconhecidas, e lhe revelasse em seguida a intenção do inimigo.
212. Quem é que não fala da fortuna, e quem é que não a reconhece, pois que fala
dela, e, pois que sabe dela alguma cousa pela experiência? Mas quem é que sabe o
que é a fortuna? Que seja alguma cousa, pois que é e, pois que acontece não se pode
negar; ora, ela não pode ser alguma cousa e não pode acontecer sem uma causa; mas
a causa desta alguma cousa ou da fortuna é desconhecida; todavia, para que não seja
negada só porque a causa é desconhecida, toma dados ou cartas, e joga, ou consulta
jogadores; quem dentre eles nega a fortuna? Pois jogam maravilhosamente, eles com
ela, e ela com eles; quem pode lutar contra ela, se ela se obstina? Enquanto sacodes
os dados, ou baralhas as cartas, não parece que ela sabe e dispõe os movimentos das
mãos, para favorecer segundo certa causa um mais do que outro? Esta causa pode vir
de outra parte que não seja a Divina Providência nos últimos, onde, pelas cousas
constantes e inconstantes, ela age maravilhosamente com a prudência humana, e ao
mesmo tempo se esconde? Que os Gentios tenham outrora reconhecido a Fortuna, e
lhe tenham elevado um templo, mesmo os italianos em Roma, isso é notório. Sobre
esta Fortuna, que é como acaba de ser dito, a Divina Providência nos últimos, me foi
dado saber muitas cousas que não me é permitido manifestar; por estas cousas
tornou-se evidente para mim que não é nem uma Alusão da mente, nem um jogo da
natureza, nem alguma cousa sem causa, pois isto nada é, mas que é um testemunho
ocular que a Divina Providência está nos muito-singulares dos pensamentos e das
ações dos homens. Pois que a Divina Providência está nos muito-singulares de cousas
tão vis e tão frívolas, por que não estaria ela nos muito-singulares de cousas nem vis
nem frívolas, que são as cousas da paz e da guerra no Mundo, e as cousas da
salvação e da vida no Céu.
213. Sei, porém, que a prudência humana arrasta para seu partido o racional mais do
que a Divina Providência o arrasta para o seu, por esta razão que a Divina Providência
não se manifesta, e a prudência humana está em evidência. Pode-se admitir mais
facilmente que há uma Vida única, que é Deus, e que todos os homens são recipientes
da vida que procede de Deus, como já foi mostrado várias vezes; e, entretanto, é a
mesma cousa, pois que a prudência pertence à vida. Quem é que, raciocinando, não
fala em favor da própria prudência e da natureza, quando raciocina pelo homem natural
ou externo? E quem é que raciocinando, não fala em favor da Divina Providência e de
Deus, quando raciocina pelo homem espiritual ou interno? Mas, eu te peço, direi a um
homem natural, escreve dois livros, e enche-os de argumentos plausíveis, prováveis e
verossímeis, sólidos segundo teu julgamento, um em favor da própria prudência, o
outro em favor da natureza; e em seguida põe-nos nas mãos de um Anjo, e eu sei que
ele escreverá embaixo estas poucas palavras: Todas estas cousas são Aparências e
Ilusões.
A DIVINA PROVIDÊNCIA CONSIDERA AS COUSAS ETERNAS, E NÃO
CONSIDERA AS TEMPORAIS SENÃO TANTO QUANTO ELAS CONCORDAM COM
AS ETERNAS.
214. Que a Divina Providência considera as cousas eternas, e não considera as
temporais senão tanto quanto elas fazem um com as eternas, isso vai ser demonstrado
nesta ordem: I. As cousas temporais se referem às dignidades e às riquezas, assim às
honras e aos ganhos no Mundo. II. As cousas eternas se referem às honras e às
riquezas espirituais, que pertencem ao amor e à sabedoria, no Céu. III. As cousas
temporais e as cousas eternas são separadas pelo homem, mas são conjuntas pelo
Senhor. IV. A conjunção das cousas temporais e das cousas eternas é a Divina
Providência do Senhor.
215. I. As cousas temporais se referem às dignidades e às riquezas, assim às
honras e aos ganhos, no Mundo.
Há um grande número de cousas temporais, mas não obstante todas se referem às
dignidades e às riquezas; pelas cousas temporais entende-se as que ou perecem com
o tempo, ou cessam com a vida do homem no mundo somente; mas pelas cousas
eternas entende-se as que não perecem e não cessam com o tempo, nem por
conseqüência com a vida no mundo. Pois que, como foi dito, todas as cousas
temporais se referem às dignidades e às riquezas, é importante conhecer os pontos
seguintes, a saber: O que são as dignidades e as riquezas, e donde vêm; qual é o
amor das dignidades e das riquezas por elas mesmas, e qual é o amor das dignidades
e das riquezas pelos usos; que estes dois amores são distintos entre si como o Inferno
e o Céu; que a diferença destes amores é dificilmente conhecida pelo homem; mas
cada um destes pontos vai ser tratado separadamente. Primeiramente: O que são as
dignidades e as riquezas, e donde vêm. As dignidades e as riquezas, nos tempos
antiqüíssimos, eram muito diferentes do que se tornaram depois sucessivamente; nos
tempos antiqüíssimos as dignidades não eram outras senão as que existem entre pais
e filhos; estas dignidades eram dignidades de amor, cheias de respeito e de veneração,
não por causa do nascimento que os filhos tinham recebido dos pais, mas por causa da
instrução e da sabedoria que deles recebiam o que era um segundo nascimento, em si
mesmo espiritual, pois que concernia a seu espírito; era esta a única dignidade nos
tempos antiqüíssimos, porque então se habitava separadamente por nações, famílias e
casas, e não sob governos como hoje; era no pai de família que estava esta dignidade;
esses tempos foram denominados séculos de ouro pelos escritores antigos. Mas
depois destes tempos, o amor de dominar pelo único prazer deste amor fez invasão
sucessivamente; e como a inimizade e a hostilidade contra os que não queriam se
submeter fizeram invasão ao mesmo tempo, a necessidade constrangeu as nações, as
famílias e as casas a se reunirem em assembléias, e a escolherem um chefe que no
princípio se chamava juiz, e posteriormente príncipe, e por fim rei e imperador; e então
começou-se também a se pôr em defesa por meio de torres, de parapeitos e de
muralhas. Semelhante a um contágio, se espalhou do juiz, do príncipe, do rei e do
imperador entre muitos, como da cabeça ao corpo; daí provieram os graus de
dignidades, e também as honras segundo as dignidades, e com elas o amor de si e o
fasto da própria prudência. Aconteceu o mesmo com o amor das riquezas; nos tempos
antiqüíssimos, quando as nações e as famílias habitavam entre si separadamente, não
havia outro amor das riquezas senão o de possuir as cousas necessárias à vida, que
se obtinha por meio de manadas de gado graúdo e miúdo, de campos, de prados e de
jardins, de que se tiravam os alimentos; no número das cousas necessárias à vida
estavam ainda às casas convenientes, guarnecidas de móveis de toda espécie, e
também as vestimentas; o cuidado e a administração de todas estas cousas formavam
a ocupação dos pais, dos filhos, dos criados e das criadas que estavam na casa. Mas
depois que o mor de dominar invadiu e destruiu esta República, o amor de possuir
riquezas além das necessidades também invadiu, e cresceu ao ponto de querer possuir
as riquezas de todos os outros. Estes dois amores são como irmãos consangüíneos;
com efeito, aquele que quer dominar sobre todas as cousas quer também possuir todas
as cousas; pois assim todos se tornam escravos, e aqueles sós são senhores; isso é
bem evidente por aqueles que no catolicismo-romano levaram seu domínio até ao Céu
sobre o trono do Senhor, onde se sentaram, pelo fato de que procuram também as
riquezas de toda a terra, e aumentam sem cessar seus tesouros. Segundamente:
Qual é o amor das dignidades e das riquezas por elas mesmas, e qual é o amor
das dignidades e das riquezas pelos usos. O amor das dignidades e das honras
pelas dignidades e as honras é o amor de si, propriamente o amor de dominar pelo
amor de si; e o amor das riquezas e da opulência pelas riquezas e a opulência é o
amor do mundo, propriamente o amor de possuir os bens dos outros por um meio
qualquer; mas o amor das dignidades e das riquezas pelos usos é o amor dos usos,
que é o mesmo que o amor do próximo; pois aquilo pelo qual o homem age é o fim a
quo, e o primeiro ou o principal, e as outras cousas são os meios e são secundárias.
Quanto ao amor das dignidades e das honras pelas dignidades e as honras, que é o
mesmo que o amor de si, e propriamente o mesmo que o amor de dominar pelo amor
de si, é o amor do próprio, e o próprio do homem é todo mal; vem dai que se diga que o
homem nasce em todo mal, e que seu hereditário não é outra cousa senão o mal; o
hereditário do homem é seu próprio, em que ele está, e no qual entra pelo amor de si, e
principalmente pelo amor de dominar pelo amor de si; pois o homem que está neste
amor não considera senão a si mesmo, e mergulha assim em seu próprio seus
pensamentos e suas afeições; daí vem que no amor de si há o amor de mal fazer; e
isso porque não ama o próximo, e só ama a si, e aquele que só ama a si não vê os
outros senão fora de si, ou os vê como homens vis, ou como homens de nada, que
despreza comparando-os a si mesmo; e considera como nada fazer-lhes mal; resulta
daí que aquele que está no amor de dominar pelo amor de si considera como nada
enganar o próximo, cometer adultério com sua esposa, caluniá-lo, aspirar contra ele à
vingança até à morte, exercer sobre ele crueldades, e outras cousas semelhantes; o
homem tem imo do diabo mesmo com o qual está conjunto, e pelo qual é conduzido, o
qual não é senão o amor de dominar pelo amor de si; e aquele que é conduzido pelo
diabo, isto é, pelo inferno, é conduzido a todos os males; e é conduzido continuamente
pelos prazeres destes males; daí vem que todos os que estão no inferno querem fazer
mal a todos, enquanto que os que estão no Céu querem fazer bem a todos. Por esta
oposição existe o que está no meio, onde está o homem; e o homem está aí como em
um equilíbrio, a fim de que possa se voltar ou para o inferno ou para o Céu; e tanto
quanto favorece os males do amor de si, tanto se volta para o inferno, mas tanto
quanto os afasta de si, tanto se volta para o Céu. Foi-me dado sentir qual é o prazer de
dominar pelo amor de si, e quão grande é; fui posto neste prazer, a fim de que o
conhecesse, ele era tal que ultrapassava todos os prazeres que estão no mundo; era o
prazer da mente inteira desde seus íntimos até seus últimos, mas no corpo não era
sentido senão como uma sorte de volúpia e de bem-estar por um intumescimento do
peito; foi-me dado sentir também que deste prazer, como de sua fonte, decorrem os
prazeres de todos os males, tais como os de cometer adultério, de se vingar, de
enganar, de blasfemar, e em geral de mal fazer. Há também um semelhante prazer no
amor, de possuir as riquezas dos outros por um meio qualquer e nas cobiças que são
suas derivações; mas entretanto não é no mesmo, grau, a não ser que este amor tenha
sido conjunto com o amor de si. Quanto ao que concerne às dignidades e às riquezas,
não por elas mesmas, mas pelos usos, não é o amor das dignidades e das riquezas,
mas é o amor dos usos, ao qual as dignidades e as, riquezas servem de meios; este
amor é celeste; mas falar-se-á mais, a respeito no que segue.
Terceiramente: Estes dois amores são distintos entre si como o Inferno e o Céu.
Isto é evidente pelas explicações que acabam de ser dadas; ajuntarei a essas: Todos
os que estão no amor de dominar pelo amor de si, estão, quanto ao espírito, no inferno,
o que quer que sejam, grandes ou pequenos;, e todos os que estão neste amor estão
no amor de todos os males, se não os cometem, a verdade é que em seu espírito os
acreditam, permitidos, e por conseguinte os cometem de corpo quando a dignidade, a
honra e o temor da lei não põem obstáculos; e, o que é mais, o amor de dominar pelo,
amor de si encerra intimamente em si o ódio contra Deus, por conseqüência contra os
Divinos que pertencem à Igreja, e principalmente contra o Senhor; se reconhecem
Deus, fazem isso unicamente de boca, e se reconhecemos Divinos da Igreja, o fazem
pelo temor da perda da honra. Se este amor encerra Intimamente o ódio contra o
Senhor, é porque neste amor há intimamente que ele quer ser Deus, pois ele se venera
e se adora só; daí vem que se alguém o honra, até ao ponto de dizer que ele tem em si
a Divina Sabedoria, e que é a Deidade do globo, ele o ama de todo coração. É
diferente no amor das dignidades e das riquezas pelos usos; este amor é celeste,
porque, como foi dito, é o mesmo que o amor do próximo. Pelos usos são entendidos
os bens, e, por conseguinte por fazer os usos, é entendido fazer os bens; e por fazer os
usos e os bens é entendido ser útil e prestar serviços aos outros; estes ainda que
estejam em uma dignidade e na opulência, não consideram, entretanto a dignidade e a
opulência senão como os meios para fazer usos, por conseqüência para serem úteis e
prestar serviços. São eles que são entendidos por estas palavras do Senhor: "Quem
quer que entre vós queira se tomar grande, que seja vosso servo; e quem quer que
queira ser primeiro, que seja vosso servidor" (Mateus 20º, 26, 27). São eles também a
quem é concedida pelo Senhor uma dominação no Céu, pois para eles a dominação é
um meio de fazer usos ou bens, por conseqüência servir, e quando os usos ou bens
são os fins ou os amores, então não são eles que dominam, mas é o Senhor, pois todo
bem vem do Senhor.
Em quarto lugar: A diferença deste amor é dificilmente conhecida pelo homem. É
porque a maior parte dos que estão em uma dignidade e na opulência também fazem
usos; mas não se sabe se fazem usos para eles mesmos, ou se os fazem para os
usos; e sabe-se tanto menos quanto naqueles que estão no amor de si e do mundo há
mais fogo e ardor para fazer os usos do que naqueles que não estão no amor de si e
do mundo; mas os primeiros fazem os usos pela reputação ou pelo ganho, assim para
eles mesmos; mas os que fazem os usos pelos usos, ou os bens pelos bens, os fazem
não por eles mesmos, mas pelo Senhor. A diferença entre ele dificilmente pode ser
conhecida pelo homem; e isto porque o homem não sabe se é conduzido pelo diabo,
ou se é conduzido pelo Senhor; o que é conduzido pelo diabo faz os usos por si e pelo
mundo; mas o que é conduzido pelo Senhor faz os usos pelo Senhor e pelo Céu; e
todos aqueles que fogem dos males como pecados fazem os usos pelo Senhor,
enquanto que aqueles que não fogem dos males como pecados fazem os usos pelo
diabo; pois o mal é o diabo, e o uso ou o bem é o Senhor; por isto, e não de uma outra
maneira, é conhecida a diferença; na forma externa um e outro parecem semelhantes,
mas na forma interna são inteiramente diferentes; um é como o ouro dentro do qual há
escórias, mas o outro é como o ouro que por dentro é ouro puro; um é também como
um fruto artificial que, na forma externa, parece como o fruto de uma árvore, embora,
entretanto seja cera colorida, dentro da qual há poeira ou betume; mas o outro é como
um fruto excelente, de um sabor e de um odor agradáveis, no qual há sementes.
216. II. As cousas eternas se referem às honras e às dignidades espirituais, que
pertencem ao amor e à sabedoria, no Céu.
Pois que o homem natural chama bens os prazeres do amor de si, que são também os
prazeres das cobiças do mal, e que também confirma que são bens, chama por
conseqüência bênçãos Divinas as honras e as riquezas; mas quando este homem
natural vê que os maus são elevados às honras e alcançam as riquezas do mesmo
modo que os bons; e, com mais forte razão, quando vê que os bons estão no desprezo
e na pobreza, enquanto que os maus estão na glória e na opulência, pensa em si
mesmo: 0 que é isto? Não pode ser a Divina Providência; pois se ela governa todas as
cousas cumulariam de honras e de riquezas os bons, e afligiria com a pobreza e o
desprezo os maus; e assim forçaria os maus a reconhecerem que há um Deus e uma
Divina Providência. Mas o homem natural, a não ser que tenha sido ilustrado pelo
homem espiritual, isto é, a não ser que seja ao mesmo tempo espiritual, que veja que
as honras e as riquezas podem ser Bênçãos, e podem também ser Maldições; e que,
quando são bênçãos, vêm de Deus, mas que, quando são maldições, vêm do diabo;
que haja também honras e riquezas que vêm do diabo, isso é sabido; pois vem daí que
ele seja chamado o príncipe do mundo. Ora, pois que se ignora quando as honras e as
riquezas são bênçãos, e quando são maldições, é preciso dizê-lo, mas isso o será
nesta ordem: 1º As honras e as riquezas são bênçãos, e são maldições. 2º As honras e
as riquezas, quando são bênçãos, são espirituais e eternas; mas quando são
maldições, são temporárias e perecíveis. 3º As honras e as riquezas, que são
maldições, relativamente às honras e às riquezas que são bênçãos, são como nada
relativamente a tudo, e como o que em si não é relativamente ao que em si é.
217. Estes três pontos vão agora ser separadamente ilustrados.
Primeiramente: As honras e as riquezas são bênçãos, e são maldições. A
experiência comum atesta que tanto os homens piedosos como os ímpios, ou tanto os
justos com os injustos, isto é, tanto os bons como os maus, estão nas dignidades e nas
riquezas; e, entretanto ninguém pode negar que os homens ímpios e injustos, isto é, os
maus, vão para o Inferno, e que os homens piedosos e justos, isto é, os bons, vão para
o Céu. Pois que isto é verdade segue-se que as dignidades e as riquezas ou as honras
e a opulência, são ou bênçãos ou maldições, e que nos bons são bênçãos, e nos maus
maldições. No Tratado do Céu e do Inferno, publicado em Londres em 1758, nº 357 a
365, foi mostrado que no Céu, e da mesma maneira no Inferno, há também tanto ricos
como pobres, e também tanto grandes como pequenos; donde é evidente que
naqueles que estão no Céu as dignidades e as riquezas no mundo foram bênçãos, e
que nos que estão no Inferno, elas foram, no mundo, maldições. Ora, todo homem, por
pouco que pense nisso consultando a razão, pode ver donde vem que elas sejam
bênçãos, e donde vem que sejam maldições; isto é, que são bênçãos naqueles que
não põem nelas o coração, e que são maldições naqueles que põem nelas o coração;
pôr nelas o coração é amar a si mesmo nelas, e não pôr nelas o coração é amar nelas
os usos e não a si mesmo. 0 que é a diferença entre estes dois amores, e qual é esta
diferença, isso foi dito acima, nº 215; é preciso acrescentar a isso que as dignidades e
as riquezas seduzem uns e não seduzem os outros; seduzem quando excitam os
amores do próprio do homem, que é o amor de si, o qual, como também foi dito acima,
é o amor do inferno, que é chamado diabo; mas não seduzem quando não excitam
este amor. Se os maus como os bons são elevados às honras, e alcançam as
riquezas, é porque os maus do mesmo modo que os bons fazem usos, mas os maus
pelas honras e o proveito de sua pessoa, e os bons pelas honras e o proveito da cousa
mesma; estes consideram as honras e o proveito da cousa como causas principais, e
as honras e o proveito de sua pessoa como causas instrumentais, enquanto que os
maus consideram as honras e o proveito da pessoa como causas principais, e as
honras e o proveito da cousa como, causas instrumentais; mas quem é que não vê que
a pessoa, a sua função e a sua honra são para a cousa que é administrada, e não
vice-versa? Quem é que não vê que o juiz é para a justiça, o magistrado para a cousa
comum, e o rei para o reino, e não vice-versa? É também por isso que, segundo as leis
do reino, cada um está em dignidade e honra segundo a dignidade da cousa de que
exerce a, função; e que existe uma diferença como entre o instrumental e o principal.
Aquele que atribui a si mesmo ou à sua pessoa a honra da cousa aparece no Mundo
espiritual, quando isso é representado, como um homem cujo corpo está invertido,
tendo os pés para cima e a cabeça para baixo.
Segundamente: As dignidades e as riquezas, quando são bênçãos, são
espirituais e eternas; e quando são maldições, são temporárias e perecíveis. No
Céu, há dignidades e riquezas como no mundo; pois lá há governos, e por
conseqüência administrações e funções, e há também comércios, e por conseqüência
riquezas, pois que há sociedades e assembléias. O Céu inteiro foi distinguido em dois
Reinos, dos quais um é chamado Reino celeste, e o outro, Reino espiritual, e cada
Reino foi dividido em inúmeras Sociedades, umas maiores, outras menores, todas as
quais, e todos em cada uma, foram dispostos em ordem segundo as diferenças do
amor e da sabedoria; as sociedades do Reino celeste, segundo as diferenças do amor
celeste, que é o amor para com o Senhor; e as sociedades do Reino espiritual,
segundo as diferenças do amor espiritual, que é o amor em relação ao próximo; pois
que há tais sociedades, e que todos os que estão nestas sociedades foram homens no
mundo, e, por conseguinte retêm em si os amores que tiveram no mundo, com esta
diferença que então são homens espirituais, e que as dignidades mesmas e as
riquezas mesmas são espirituais no Reino espiritual, e celestes no Reino celeste,
segue-se que os que têm mais amor e sabedoria do que os outros estão de preferência
aos outros nas dignidades e nas riquezas; são aqueles para os quais as dignidades e
as riquezas no mundo foram bênçãos. Por isto, pode-se ver quais são as dignidades e
as riquezas espirituais, a saber, que elas pertencem à cousa e não à pessoa; aqueles,
é verdade, que lá estão nas dignidades, estão na magnificência e na glória como os
reis na terra; mas não obstante não consideram a dignidade mesma como alguma
cousa, mas consideram os usos na administração e na função dos quais estão;
recebem, é verdade, honras, cada um as de sua dignidade; mas não se atribuem essas
honras, eles as atribuem aos usos mesmos; e como todos os usos vêm do Senhor,
eles as atribuem ao Senhor de quem procedem; tais são portanto as dignidades e as
riquezas espirituais, que são eternas. Mas é inteiramente diferente em relação àqueles
para os quais as dignidades e as riquezas no mundo foram maldições; como estes as
atribuíram a eles mesmos e não aos usos, e como não quiseram que os usos
dominassem sobre eles, mas queriam dominar sobre os usos, que não reputavam
como usos, senão tanto quanto serviam à sua honra e à sua glória, eles estão por
conseqüência no inferno, e aí são vis escravos, no desprezo e na miséria; é por isso
que, como estas dignidades e estas riquezas perecem, são chamadas temporais e
perecíveis. O Senhor dá sobre estas e sobre aquelas esta instrução: "Não ajunteis
tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem consomem, e os ladrões minam e roubam;
mas ajuntai tesouros no Céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os
ladrões não minam nem roubam; pois onde está o vosso tesouro, aí também está
vosso coração" (Mat. 6º, 19, 20, 21).
Terceiramente: As dignidades e as riquezas que são maldições, relativamente às
dignidades e às riquezas que são bênçãos, são como nada relativamente a tudo,
e como o que em si não é relativamente ao que em si é. Tudo o que perece e não
se torna alguma cousa não é interiormente em si alguma cousa; é verdade que
exteriormente é alguma cousa, e que isso aparece mesmo como muito, e a alguns
como tudo, enquanto isso dura, mas não interiormente em si; é como uma superfície
dentro da qual nada há; é também como um ator em um costume real, quando a peça
de teatro acabou; mas o que permanece pela eternidade é em si perpetuamente
alguma cousa, assim tudo; e isso também É, porque não cessa de ser.
218. III. As cousas temporais e as cousas eternas são separadas pelo homem,
mas são conjuntas pelo Senhor.
Se isso é assim é porque todas as cousas do homem são temporais, donde resulta que
o homem pode ser chamado temporal, e porque todas as cousas do Senhor são
eternas, donde resulta que o Senhor é chamado Eterno; e as cousas temporais são as
que têm um fim e perecem, mas cousas eternas não têm fim e não perecem. Que
estas duas espécies de cousas não possam ser conjuntas senão pela sabedoria infinita
do Senhor, e que assim possam ser conjuntas pelo Senhor e não pelo homem, cada
um pode vê-lo. Mas a fim de que se saiba que estas duas sortes de cousas são
separadas pelo homem, e são conjuntas pelo Senhor, isso vai ser demonstrado nesta
ordem: 1º O que são as cousas temporais e o que são as cousas eternas. 2º O homem
é temporal em si, e o Senhor é eterno em si, e por conseqüência do homem não pode
proceder senão o que é temporal, e do Senhor senão o que é eterno. 3º As cousas;
temporais separam delas as cousas eternas, e as cousas eternas se conjuntam as
cousas temporais. 4º O Senhor se conjunta o homem por meio das aparências. 5º E
por meio das correspondências.
219. Mas estas proposições vão ser separadamente ilustradas e confirmadas por elas
mesmas.
Primeiramente: O que são as cousas temporais, e o que são as cousas eternas.
As cousas temporais são todas as que são propriamente da natureza, e que, por
conseguinte são próprias do homem; as próprias da natureza são principalmente os
espaços e os tempos, uns e outros com limite e termo; as próprias do homem que
delas derivam são as cousas que pertencem à sua própria vontade e ao seu próprio
entendimento, e as que, por conseguinte pertencem à sua afeição e ao seu
pensamento, principalmente as que pertencem à sua prudência; que estas cousas
sejam finitas e limitadas isso é sabido. Mas cousas eternas são todas as cousas que
são o próprio do Senhor, e que por Ele são como próprios do homem; os próprios do
Senhor são todas as cousas Infinitas e eternas, assim sem tempo, por conseqüência
sem limite e sem fim; as que são, por conseguinte como próprios do homem são
igualmente infinitas e eternas; todavia, nada destas cousas pertence ao homem, mas
pertencem ao Senhor só no homem.
Segundamente: O homem é temporal em si, e o Senhor é eterno em si, e por
conseqüência do homem não pode proceder sendo o que é temporal, e do
Senhor sendo o que é eterno. Que o homem seja temporal em si, e que o Senhor
seja eterno em Si, isso foi dito acima. Pois que de alguém não pode proceder outra
cousa senão o que está nele, segue-se que do homem não pode proceder outra cousa
senão o que é temporal, e do Senhor outra cousa senão o que é eterno; com efeito, o
infinito não pode proceder do finito; que o possa proceder dele, é contraditório; não
obstante o infinito pode proceder do finito, não entretanto do finito, mas do infinito por
meio do finito; reciprocamente também, o finito não pode proceder do infinito; que o
possa proceder dele é contraditório do mesmo modo; não obstante o finito pode ser
produzido pelo infinito; mas isso não é proceder, é criar; sobre este assunto, ver a
Sabedoria Angélica sobre o Divino Amor e a Divina Sabedoria, desde o começo até ao
fim. É por isso que, se do Senhor procede o finito, como acontece em multas cousas
do homem, ele procede não do Senhor, mas do homem; e pode-se dizer proceder do
Senhor por meio do homem, porque isso aparece assim. Isto pode ser ilustrado por
estas palavras do Senhor: "Que a vossa palavra seja: Sim, sim; não, não; o que passa
disso vem do mal" (Mat. 5º, 37); tal é a linguagem para todos no terceiro Céu; pois eles
não raciocinam jamais sobre as cousas Divinas, a saber, se tal cousa é assim ou não é
assim; mas eles; vêem em si mesmos pelo Senhor que ela é assim ou não é assim; se
portanto se raciocina sobre as cousas Divinas, a saber, se são, assim ou não, é porque
não se as vê pelo Senhor, e que se quer vê-Ias por si mesmo, e o que o homem vê por
ele mesmo é o mal. Mas a verdade é que o Senhor quer não somente que o homem
pense e fale sobre as cousas Divinas, mas também que raciocine sobre elas, para este
fim que veja se tal cousa é assim ou não é assim; e este pensamento, esta linguagem,
ou este raciocínio, desde que tenha por fim ver a verdade, pode-se dizer que vem do
Senhor ao homem, mas é do homem que ele vem, até que veja a verdade e a
reconheça; todavia, é unicamente pelo Senhor que ele pode pensar, falar e raciocinar,
pois o pode pelas duas faculdades, que são chamadas Liberdade e Racionalidade,
faculdades que estão no homem pelo Senhor só.
Terceiramente: As cousas temporais separam delas as cousas eternas, e as
cousas eternas se conjuntam as cousas temporais. Pelas cousas temporais
separarem delas as cousas eternas, é entendido que o homem que é temporal faz
assim pelas cousas temporais nele; e pelas cousas eternas se conjuntarem, as cousas
temporais, é entendido que o Senhor que é eterno faz assim pelas cousas eternas
n'Ele, como foi dito acima. No que precede foi mostrado que há conjunção do Senhor
com o homem, e conjunção recíproca do homem com o Senhor, mas que a conjunção
recíproca do homem com o Senhor vem não do homem, mas do Senhor; além disso,
também, que a vontade do homem vai em sentido contrário à vontade do Senhor, ou, o
que é a mesma cousa, que a própria prudência do homem vai em sentido contrário à
Divina Providência do Senhor; destas proposições resulta que o homem pelas cousas
temporais separa dele as cousas eternas do Senhor, mas que o Senhor conjunta suas
cousas eternas às cousas temporais do homem, isto é, se conjunta ao homem e
conjunta o homem a Si; como este assunto foi tratado amplamente no que precede, é
inútil confirmá-lo mais.
Em quarto lugar: O Senhor se conjunta o homem por meio das aparências. Com
efeito, é uma aparência, que o homem por ele mesmo ama o próximo, faz o bem e diz
o vero; se isso não aparecesse ao homem como vindo dele, não amaria o próximo, não
faria o bem e não diria o vero, e assim não seria conjunto ao Senhor; mas como é do
Senhor que procedem o Amor, o Bem e o Vero, é evidente que o Senhor se conjunta o
homem por meio das aparências. Quanto a esta aparência, e à conjunção do Senhor
com o homem, e à conjunção recíproca do homem com o Senhor por esta aparência,
tratou-se plenamente disso acima.
Em quinto lugar: O Senhor se conjunta o homem por meio das correspondências.
Isto tem lugar por intermédio da Palavra, cujo sentido da letra consiste em puras
correspondências. Que por este sentido haja conjunção do Senhor com o homem, e
conjunção recíproca do homem com o Senhor, isso foi mostrado na Doutrina da Nova
Jerusalém sobre a Escritura Santa, desde o começo até ao fim.
220. IV. A conjunção das cousas temporais e das cousas eternas no homem é a
Divina Providência do Senhor.
Como esta verdade não pode alcançar a primeira percepção do entendimento, a não
ser que tudo que lhe concerne seja antes apresentado em ordem, e seja desenvolvido
e demonstrado segundo esta ordem, eis a que será seguida: 1º É da Divina
Providência que o homem pela morte se dispa das cousas naturais e temporais, e se
revista com as cousas espirituais e eternas. 2º O Senhor por Sua Divina Providência se
conjunta às cousas naturais por meio das espirituais, e às temporais por meio das
eternas, segundo os usos. 3º O Senhor se conjunta aos usos por meio das
correspondências, e assim por meio das aparências segundo as confirmações pelo
homem. 4º Uma tal conjunção das cousas temporais e das cousas eternas é a Divina
Providência.
Mas isto vai ser posto em uma luz mais clara por explicações.
Primeiramente: É da Divina Providência que o homem pela morte se dispa das
cousas naturais e temporais, e se revista com as cousas espirituais e eternas. As
cousas naturais e temporais são os extremos e os últimos, nos quais o homem entra
primeiro, o que acontece quando nasce, a fim de que em seguida possa ser introduzido
nos interiores e nos superiores; pois os extremos e os últimos são os continentes, e
estão no mundo natural; daí vem que anjo algum nem espírito algum foi criado
imediatamente, mas que todos primeiro nasceram homens, e foram assim introduzidos;
é dai que lhes vêm os extremos e os últimos, que em si mesmos são fixos e estáveis,
dentro dos quais e pelos quais os interiores podem ser contidos em encadeamento. O
homem se reveste primeiro das cousas mais grosseiras da natureza, o seu corpo é
composta delas; mas pela morte ele as despe e retém as cousas mais puras da
natureza que são as mais próximas dos espirituais, e estas cousas são então seus
continentes. Além disso, nos extremos ou últimos estão reunidos todos os interiores ou
superiores, como foi mostrado em seu lugar; é por isso que toda operação do Senhor
tem lugar pelos primeiros e pelos últimos ao mesmo tempo, assim no pleno. Mas como
os extremos e os últimos da natureza não podem receber as cousas espirituais e
eternas, para as quais a mente humana foi formada, tais como são em si mesmas, e
com entretanto o homem nasceu para que se torne espiritual e viva eternamente, eis
por que o homem se despe dos extremos e dos últimos da natureza, e retém
unicamente os naturais interiores que se ajustam e concordam com os espirituais e
celestes, e lhes servem de continente; isso se faz pela rejeição dos temporais e dos
naturais últimos, rejeição que é a morte do corpo. Segundamente: O Senhor por Sua
Providência se conjunta às cousas naturais por meio das espirituais, e às
temporais por meio das eternas, segundo os usos. As cousas naturais e temporais
não são unicamente as que são os próprios da natureza, mas são também as que são
os próprios dos homens no mundo natural; o homem pela morte se despe de umas e
outras, e se reveste com as espirituais e eternas que lhes correspondem; que ele, se
reveste delas segundo os usos, isso foi mostrado plenamente no que precede. Os
naturais que são os próprios da natureza se referem em geral aos tempos e aos
espaços, e em particular às cousas que se vê sobre a terra; o homem as abandona
pela morte, e em seu lugar recebe os espirituais, que são semelhantes quanto à face
externa ou quanto à aparência, mas não quanto à face interna ou quanto à essência
mesma; este assunto também foi tratado acima. Os temporais, que são os próprios do
homem no mundo natural, se referem em geral às dignidades e às riquezas, e em
particular às necessidades de cada homem, que são a alimentação, a vestimenta e a
habitação; o homem as despe e as abandona também pela morte, e se reveste e
recebe as que são semelhantes quanto à face externa ou quanto à aparência, mas não
quanto à face interna e sua essência segundo os usos das temporais no mundo; os
usos são os bens chamados bens da caridade. Por estas explicações pode-se ver que
o Senhor por Sua Divina Providência conjunta as cousas naturais e às temporais as
espirituais e as eternas, segundo os usos.
Terceiramente: O Senhor se conjunta aos usos por meio das correspondências, e
assim por meio das aparências segundo suas confirmações pelo homem. Como
esta proposição não pode deixar de parecer obscura aos que ainda não aprenderam
uma noção clara do que é a correspondência e do que é a aparência, é preciso por
conseqüência ilustrá-lo e assim explicá-lo por um exemplo: Todas as cousas da
Palavra são puras correspondências dos espirituais e dos celestes, e porque são
correspondências, são também aparências; quer dizer que Todas as cousas da Palavra
são Divinos Bens do Divino Amor e Divinos Veros da Divina Sabedoria, que são nus
em si mesmos, mas revestidos no sentido da letra da Palavra; é por isso que aparecem
como um homem em uma vestimenta que corresponde ao estado de seu amor e de
sua sabedoria; daí é evidente que se o homem confirma as aparências, é a mesma
cousa que se confirmasse que as roupas são homens; por isto as aparências se
tornariam ilusões; é diferente se o homem procura as verdades e as vê nas aparências.
Ora, como todos os usos, ou os veros e os bens da caridade, que o homem faz ao
próximo, ele os faz ou segundo as aparências ou segundo as verdades mesmas da
Palavra, segue-se que se os faz segundo as aparências confirmadas nele, está nas
ilusões, mas que se os faz segundo as verdades, os faz como convém. Por isto
pode-se ver o que é entendido por esta proposição: O Senhor se conjunta aos usos por
meio das correspondências, e assim por meio das aparências segundo suas
confirmações pelo homem.
Em quarto lugar: Uma tal conjunção das cousas temporais e das cousas eternas
é a Divina Providência. Para que esta proposição se apresente em uma certa luz
diante do entendimento, é preciso ilustrá-la por dois exemplos; um, que concerne às
dignidades e às honras; e o outro, que concerne às riquezas e à opulência; estas
cousas são, umas e outras, naturais e temporais na forma externa, mas na forma
interna são espirituais e eternas. As dignidades com suas honras são naturais e
temporais, quando nelas o homem se vê quanto à sua pessoa, e não vê nem a
República nem os usos, pois então o homem não pode fazer outra cousa senão pensar
dentro de si mesmo que a República é feita para ele, e não para a República; e é como
um rei que pensa que o reino e todos os homens que contém são feitos para ele, e não
para o reino e os habitantes. Mas estas mesmas dignidades com suas honras são
espirituais e eternas, quando o homem se encara quanto à sua pessoa por causa da
República e dos usos, e não considera a República e os usos por causa dele; se o
homem age desta última maneira, está então na verdade e na essência de sua
dignidade e de sua honra; mas se age da primeira maneira, está então na
correspondência e na aparência, e se as confirma em si, está nas ilusões, e não está
de outro modo em conjunção com o Senhor senão como os que estão nos falsos e, por
conseguinte nos males, pois as ilusões são falsos com os quais os males se
conjuntam; esses têm, é verdade, feito usos e bens, mas por eles mesmos, e não pelo
Senhor, assim puseram-se a si mesmos no lugar do Senhor. É a mesma cousa para as
riquezas e a opulência; elas são naturais e temporais e são espirituais e eternas; as
riquezas e a opulência são naturais e temporais naqueles que as vêm unicamente e se
vêem nelas, e que põem todo seu divertimento e todo seu prazer nestas duas cousas;
elas são, porém espirituais e eternas naqueles que vêem nelas os bons usos, e nos
usos a satisfação e o prazer interiores, e mesmo nestes o divertimento e o prazer
exteriores se tomam espirituais, e o temporal se torna eterno; é mesmo por isso que
estes, depois da morte, estão no Céu, e que aí estão em palácios, cujas formas
próprias ao uso resplandecem de ouro e pedras preciosas; eles não os encaram
entretanto senão como externos que tiram seu resplendor e seu brilho dos internos que
são os usos, donde lhes vêm este contentamento e este prazer, os quais em si
mesmos são a beatitude e a felicidade do Céu. Uma sorte contrária aguarda aqueles
que consideraram as riquezas e a opulência unicamente por elas e por eles mesmos,
assim segundo suas aparências e não segundo suas essências; quando estes se
despojam dela, o que acontece quando morrem se revestem de seus internos, que,
não sendo espirituais, não podem ser senão infernais; pois há neles quer um, quer
outro (o celeste ou o infernal); um e outro não podem estar aí ao mesmo tempo; daí em
lugar de riquezas eles têm a pobreza, e em lugar da opulência, a miséria. Pelos usos
entende-se não somente as necessidades, da vida, que se referem à alimentação, ao
vestuário e à habitação para si e para os seus, mas é entendido também o bem da
pátria, o bem da sociedade e o bem do concidadão. 0 comércio é um bem semelhante,
quando é o amor final, e o dinheiro o amor servindo de meio, desde que o comerciante
fuja das fraudes e dos artifícios e os tenha, em aversão como pecados; é diferente
quando o dinheiro é o amor final, e o comércio o amor servindo de meio, pois isto é a
avareza, que é a, raiz dos males; ver, a respeito da avareza, Luc. 12º, 15, e a parábola
que lhe concerne, Vers. 16 a 21.
O HOMEM NÃO É INTRODUZIDO INTERIORMENTE NOS VEROS DA FÉ E NOS
BENS DA CARIDADE, SENÃO TANTO QUANTO AI PODE SER MANTIDO ATÉ AO
FIM DA VIDA.
221. No Mundo Cristão, sabe-se que o Senhor quer a salvação de todos, e também
que Ele é Onipotente; é por isso que muitas pessoas concluem daí que Ele pode salvar
todo homem, e que salva os que imploram Sua misericórdia, principalmente os que a
imploram pela fórmula da fé recebida, que Deus Pai tenha piedade por causa do Filho,
sobretudo se ao mesmo tempo imploram a fim de receber esta fé; mas que seja
inteiramente diferente, ver-se-á no último Artigo deste Tratado, onde se explicará que o
Senhor não pode agir contra as leis de Sua Divina Providência, porque agir contra elas
seria agir contra Seu Divino Amor e contra Sua Divina Sabedoria, assim contra Ele
Mesmo; aí ver-se-á que uma tal Misericórdia imediata, não é possível, porque a
salvação do homem se faz por meios segundo os quais nenhum outro pode conduzir o
homem, senão Aquele que quer a salvação de todos e é ao mesmo tempo Onipotente,
assim o Senhor. São os meios pelos quais o homem é conduzido pelo Senhor que são
chamados as leis da Divina Providência, entre as quais está também esta, que o
homem não é posto interiormente nos veros da sabedoria e nos bens do amor, senão
tanto quanto pode aí ser mantido até ao fim da vida. Mas para que isto se apresente
claramente diante da razão, será dada uma explicação nesta ordem: I. O homem pode
ser introduzido na sabedoria das cousas espirituais, e também no amor destas cousas,
e não obstante não ser reformado. II. Se o homem depois se retira, e vai em sentido
contrário, profana as cousas santas. III. Há vários gêneros de profanação, mas este
gênero é o pior de todos. IV. É por isso que o Senhor não introduz interiormente o
homem nos veros da sabedoria e ao mesmo tempo nos bens do amor, senão tanto
quanto o homem pode aí ser mantido até ao fim da vida.
22. I. O homem pode ser introduzido na sabedoria das cousas espirituais, e
também no amor destas cousas, e não obstante não ser reformado.
Isto resulta de que o homem tem a racionalidade e a liberdade; pela racionalidade pode
ser elevado a uma sabedoria quase angélica; mas não obstante tal é o amor, tal é a
sabedoria; se o amor é celeste, e espiritual, a sabedoria também se torna celeste e
espiritual; mas se o amor é diabólico e infernal, a sabedoria também é diabólica e
infernal; esta, é verdade, pode então aparecer na forma externa, e assim diante dos
outros, como celeste e espiritual, mas na forma interna, que é sua essência mesma,
ela é diabólica e infernal, não fora do homem, mas dentro dele; não parece aos
homens que ela seja tal, porque os homens são naturais, e vêem e ouvem
naturalmente, e a forma externa é natural; mas parece aos anjos que ela é tal porque
os anjos são espirituais, e vêem e ouvem espiritualmente, e a forma interna é espiritual.
Por isto, é evidente que o homem pode ser introduzido na sabedoria das cousas
espirituais, e também no amor destas cousas, e não obstante não ser reformado; mas
então foi unicamente introduzido em seu amor natural, e não em seu amor espiritual;
isto vem de que o homem pode se introduzir a si mesmo no amor natural, mas o
Senhor só pode introduzi-lo no amor espiritual; e os que foram introduzidos no amor
espiritual são reformados, mas os que foram introduzidos unicamente no amor natural
não são reformados; pois estes pela maior parte são hipócritas, e muitos dentre eles da
ordem dos jesuítas; interiormente nada crêem de Divino, mas exteriormente jogam com
os Divinos como histriões.
223. Por numerosas experiências, no Mundo espiritual, me foi dado saber que o
homem possui em si mesmo a faculdade de compreender como os anjos mesmos os
arcanos da sabedoria; pois vi diabos ígneos que, logo que ouviam pronunciar arcanos
da sabedoria, não somente os compreendiam, mas falavam mesmo deles por sua
racionalidade; logo, porém que voltavam para seu amor diabólico, não os
compreendiam mais, e em lugar destes arcanos compreendiam cousas opostas que
eram da loucura, e esta loucura chamavam sabedoria; me foi dado mesmo ouvir que
quando estavam no estado de sabedoria riam-se de sua loucura, e que, quando
estavam no estado de loucura, riam-se da sabedoria. O homem que no mundo foi tal,
quando depois da morte se torna espírito, é ordinariamente posto alternativamente no
estado de sabedoria e no estado de loucura, a fim de que veja esta por aquela; mas
ainda que pela sabedoria vejam que desarrazoam, não obstante desde que a escolha
lhes é dada, o que tem lugar para cada um, se lançam no estado de loucura, e o
amam, e então têm ódio ao estado de sabedoria. A razão disso é que seu interno tem
sido diabólico, e seu externo tem sido como Divino; são estes que são entendidos
pelos diabos que se fazem anjos de luz, e por aquele que, na casa de núpcias, não
estava vestido com roupa de núpcia, e que foi lançado nas trevas exteriores (Mat. 22º,
11, 12, 13).
224. Quem é que não pode ver que há um interno pelo qual o externo existe; que por
conseqüência o externo tem sua essência no interno? E quem é que não sabe por
experiência que o externo pode se mostrar de outro modo que não seja segundo a
essência que provém do interno? Com efeito, isso se vê claramente nos hipócritas, nos
bajuladores, nos velhacos; e sabe-se, pelos comediantes e pelos palhaços, que o
homem pode tomar nos externos um caráter que não é o seu; pois estes sabem
representar reis, imperadores, e mesmo anjos, pelo som, a linguagem, a face, o gesto,
como se fossem estes personagens; e entretanto não são mais que histriões. Isto é dito
também porque o homem pode igualmente fazer o, sicofanta tanto nas cousas civis e
morais como nas cousas espirituais; e sabe-se ainda há muitos que agem assim.
Quando, portanto o interno em sua essência é infernal e o externo em sua forma se
mostra espiritual, e, entretanto o externo, como foi dito, tira sua essência do interno,
pergunta-se onde esta essência é escondida no externo; ela não se mostra nem no
gesto, nem no som, nem na linguagem, nem na face; mas não obstante está escondida
interiormente nestas quatro cousas; que aí esteja interiormente escondida é o que é
bem evidente por estas mesmas pessoas no Mundo espiritual; pois quando o homem
vem do Mundo natural para o Mundo espiritual, o que acontece quando ele morre,
deixa seus externos no corpo, e retém seus Internos que encerrou em seu espírito; e
então se seu interno foi infernal, ele aparece como um diabo, tal como tinha sido
também quanto a seu espírito quando vivia no mundo. Quem é que não reconhece que
todo homem deixa os externos com o corpo, e entra nos internos, quando se torna
espírito? A isto acrescentarei que no Mundo espiritual há comunicação das afeições e
dos pensamentos vindo das afeições, donde resulta que ninguém pode falar
diferentemente do que pensa; além disso, também que cada um aí muda a face, e se
torna semelhante a sua afeição, ao ponto de que pela face aparece tal qual é; por
vezes é permitido aos hipócritas falar diferentemente do que pensam, mas o som de
sua linguagem é ouvido Inteiramente em discordância com os interiores de seus
pensamentos, e por esta discordância eles são descobertos; por aí, pode-se ver que o
interno está interiormente escondido no som, na linguagem, na face e no gesto do
externo, e que isso não é percebido pelos homens no Mundo natural, mas é claramente
percebido pelos anjos no Mundo espiritual.
225. Por estas considerações, é agora evidente que o homem, enquanto vive no
Mundo natural, pode ser introduzido na sabedoria das cousas espirituais, e também no
amor destas cousas; e que isso, se faz e pode se fazer tanto nos que são inteiramente
naturais como nos que são espirituais; mas com esta diferença por isto estes são
reformados, e aqueles não o são; naqueles que não o são pode parecer que amam a
sabedoria, mas não a amam senão da maneira pela qual um adúltero ama uma mulher
nobre como uma cortesã a quem dirige palavras ternas e dá ricos vestidos; entretanto
nele diz a si mesmo: "Não é senão uma vil prostituta; lhe farei crer que a amo, porque é
favorável à minha paixão; mas se não fosse favorável, eu a rejeitaria". O homem
interno daquele que é inteiramente natural é este adúltero, e seu homem externo é esta
mulher.
226. II. Se o homem depois se retira e vai em sentido contrário, profana as cousas
santas.
Há vários gêneros de profanação das cousas santas; falar-se-á deles no Artigo
seguinte; mas este gênero é o mais grave de todos; pois os que são profanadores
deste gênero tornam-se, depois da morte, seres que não são mais homens; vivem, é
verdade, mas continuamente em delírios fantásticos; parece-lhes que voam no alto, e
quando estão em repouso divertem-se com suas fantasias que vêem como cousas
reais; e como não são mais homens, são chamados não por este ou aquela, mas
aquilo; mais ainda quando se apresentam à vista na luz do Céu, aparecem como
esqueletos, uns como esqueletos cor de osso, outros como esqueletos abrasados, e
outros como esqueletos dessecados. Que os profanadores deste gênero se tornem tais
depois da morte, é o que se ignora no mundo, e se ignora porque a causa não é
conhecida; a causa, mesma é que quando o homem reconhece primeiro os Divinos e
os crê, e em seguida se afasta deles e os nega, mistura as cousas santas com as
profanas; e, quando elas são misturadas, não podem mais ser separadas senão pela
destruição do todo. Mas, para que este assunto seja percebido mais claramente, vai
ser exposto na ordem seguinte: 1º Tudo o que o homem pensa, diz e faz pela vontade
lhe é apropriado e permanece, tanto o bem como o mal. 2º Mas o Senhor por Sua
Divina Providência provê e dispõe continuamente, para que o mal seja por si mesmo, e
o bem por si mesmo, e que assim eles possam ser separados. 3º Mas isso não pode
se fazer, se o homem primeiro reconhece os veros da fé e vive segundo esses veros, e
depois se afasta deles e os nega. 4º Então ele mistura o bem e o mal ao ponto de não
poderem ser separados. 5º E como o bem e o mal em cada homem devem ser
separados, e como no que é tal eles não podem ser separados, este é destruído por
conseqüência quanto a tudo o que é verdadeiramente humano.
227. São estas as causas pelas quais uma cousa tão enorme existe; mas estas causas
estando na obscuridade, porque se está na ignorância a seu respeito, elas vão ser
explicadas, a fim de que se apresentem com evidência diante do entendimento.
Primeiramente: Tudo o que o homem pensa, diz e faz pela vontade lhe é
apropriado e permanece, tanto o bem como o mal. Isto foi mostrado acima, nº 78 a,
81. Com efeito, o homem tem uma memória externa ou natural, e uma memória interna
ou espiritual; em sua memória interna foram inscritas todas e cada uma das cousas
que no mundo as pensou, disse e fez pela vontade, e elas aí estão todas de tal modo
que não falta uma só delas, esta memória é o livro de sua vida, que é aberto depois da
morte, e segundo o qual ele é julgado; sobre esta memória foram referidas muitas
cousas segundo a experiência mesma no Tratado do Céu e do Inferno, nº 461 a 465.
Segundamente: Mas o Senhor por Sua Divina Providência provê e dispõe
continuamente, para que o mal seja por si mesmo, e o bem por si mesmo, e que
assim possam ser separados. Cada homem está tanto no mal como no bem, pois
está no mal por si mesmo, e no bem pelo Senhor; e o homem não pode viver a não ser
que esteja em um e no outro, pois se estivesse em si só e assim no mal só, nada teria
da vida; e se estivesse no Senhor só e assim no bem só, nada teria tampouco da vida;
pois o homem neste gênero de vida seria como que sufocado, continuamente ofegante,
como um moribundo na agonia; e naquele gênero de vida seria extinto; pois o mal sem
bem algum em si é morto; é por isso que cada homem está em um e no outro; mas a
diferença é que um está interiormente no Senhor, e exteriormente como em si e que o
outro está interiormente em si, mas exteriormente como que no Senhor, e este está no
mal, e aquele no bem, todavia todos dois estão em um e no outro; se o mal aí está
também é porque está no bem da vida civil e moral, e também, exteriormente em
algum bem da vida espiritual, e, além disso, porque é mantido pelo Senhor na
racionalidade e na liberdade, a fim de que possa estar no bem; este bem é aquele pelo
qual todo homem, mesmo o mau, é conduzido pelo Senhor. Por estas explicações,
pode-se ver que o Senhor separa o mal e o bem, a fim de que um esteja no interior e o
outro no exterior, e que assim ele provê para que não se misturem.
Terceiramente: Mas isto não pode ser feito se o homem primeiro reconhece os
veros da fé e vive segundo estes veros, e depois se afasta deles e os nega. Isto é
evidente pelo que acaba de ser dito; primeiramente, que tudo o que o homem pensa,
diz e faz pela vontade lhe é apropriado e permanece; e, segundamente, porque o
Senhor por Sua Divina Providência, provê e dispõe continuamente, para que o bem
seja por si mesmo, e o mal por si mesmo, e que possam ser separados; também são
separados depois da morte pelo Senhor; naqueles que interiormente maus e
exteriormente bons o bem é tirado, e assim eles são, abandonados a seu mal; é o
contrário naqueles que são interiormente bons, e que exteriormente, como os outros
homens, se enriqueceram, procuraram as dignidades, acharam prazer em diversas
cousas mundanas e se entregaram a algumas cobiças; nestes, entretanto, o bem e o
mal não foram misturados, mas foram separados como o interno e o externo; assim na
forma externa, em muitas cousas foram semelhantes aos maus, mas não na forma
interna. Do outro lado, acontece o mesmo com os maus que na forma, externa se
mostraram como os bons, na piedade, no culto, na linguagem e nos fatos, e que,
entretanto na forma, interna foram maus, nestes também o mal foi separado do bem.
Mas naqueles que primeiro receberam os veros da fé e viveram segundo estes veros, e
que depois andaram em sentido contrário e os rejeitaram, e principalmente se os
negaram, os bens e os males não foram mais separados, mas se misturaram juntos;
pois o homem que é tal se apropriou o bem, e se apropriou também o mal, e por
conseqüência os conjuntou e misturou.
Em quarto lugar: Então mistura o bem e o mal ao ponto de não poderem mais ser
separados. Isto resulta do que acaba de ser dito; e se o mal não pode ser separado do
bem, nem o bem ser separado do mal, o homem não pode estar nem no Céu nem no
inferno; todo homem deve estar ou em um ou e outro; não pode estar em um e outro,
estaria assim ora no Céu, e ora no inferno; e quando estivesse no Céu agiria pelo
inferno, e quando estivesse no inferno agiria pelo Céu, assim destruiria a vida de todos
que estivessem em torno dele, a vida, celeste nos anjos, e a vida infernal nos diabos;
por isto a vida de cada um pereceria, pois a vida para cada um deve ser sua, ninguém
vive a vida de outrem, nem com mais forte razão em uma vida oposta. Vem dai que em
todo homem depois da morte, quando se torna espírito ou homem espiritual o Senhor
separa o bem do mal e o mal do bem; o bem do mal naqueles que estão interiormente
no mal e o mal do bem naqueles que estão interiormente no bem; o que é conforme às
Suas palavras: "A quem quer que tem será dado e terá em abundância e àquele que,
não, tem mesmo o que tem será tirado" (Mat. 13º, 12; 24-0, 29; Marc. 4º, 25; Luc. 8º,
18; 19º, 26).
Em quinto lugar. Como o bem e o mal em cada homem devem ser Separados, e
como naquele que é tal eles não podem ser separados, este por conseqüência é
destruído quanto a tudo que é verdadeiramente humano. O que é verdadeiramente
humano em cada homem vem da racionalidade, nisto que, se ele o quer, pode ver e
saber o que é o vero e o que é o bem, e também nisto que ele pode pela Liberdade
querer, pensar, dizer e fazer o bem e o vero, como já foi mostrado; mas esta liberdade
com sua racionalidade foi destruída naqueles que misturaram neles o bem e o mal,
pois esses não podem pelo bem ver o mal, nem pelo mal conhecer o bem, pois o bem
e o mal fazem um; por isso eles não têm mais a racionalidade em faculdade ou em
potência, nem por conseqüência liberdade alguma; é por isso mesmo que eles são
como puros delírios fantásticos, assim como já foi dito, e que aparecem não mais como
homens mas como ossos cobertos de alguma pele, e que por conseguinte, quando são
nomeados, se diz não este ou aquela, mas isto; tal é a sorte daqueles que misturam
desta maneira as cousas santas com as cousas profanas; mas há vários gêneros de
profanação, que entretanto não são tais; tratar-se-á deles no Artigo seguinte.
228. Todo homem que não conhece as cousas santas não as profana assim, pois
aquele que não as conhece não pode reconhecê-las e em seguida negá-las; portanto,
os que estão fora do Mundo Cristão, e nada sabem do Senhor, nem da Redenção, nem
da salvação por Ele, não profanam esta santidade, quando não a recebem, nem
mesmo quando falam contra ela. Os judeus mesmos não profanam tampouco esta
santidade, porque desde a infância não querem nem recebê-la nem reconhecê-la; seria
diferente se recebessem e reconhecessem, e em seguida negassem, o que entretanto
acontece raramente; com efeito, vários dentre eles a reconhecem exteriormente, e a
negam interiormente, e são semelhantes aos hipócritas. Mas profanam as cousas
santas por sua mistura com as cousas profanas, aqueles que a princípio recebem e
reconhecem, e em seguida se retiram e negam. Pouco importa que na infância e na
juventude se receba e se reconheça, todo cristão faz isso, pois então as cousas que
pertencem à fé e à caridade são recebidas e reconhecidas, não por alguma
racionalidade e alguma liberdade, isto é, não no entendimento pela vontade, mas
unicamente pela memória e a confiança no mestre; e se a isso se conforma a vida, é
por uma obediência cega; mas quando o homem entra no uso de sua racionalidade e
de sua liberdade, o que se faz sucessivamente à medida que cresce e se toma adulto,
se então reconhece os veros da fé e com eles conforma sua vida, e se depois os nega,
mistura as causas sentas com as profanas, e de homem que era se toma um monstro
tal como acaba de se dizer. Mas se o homem está no mal desde o tempo em que
entrou no gozo da racionalidade e da liberdade, isto é, desde o tempo em que se
tomou seu mestre (sui juris), mesmo durante a idade adulta, e se em seguida
reconhece os veros da fé, e vive segundo estes veros, desde que então persista neles
até ao fim de sua vida, ele não os mistura, pois então o Senhor separa os males da
vida anterior dos bens da vida posterior; assim é com todos que fazem penitência. Mas
dir-se-á mais sobre este assunto no que segue.
229. III. Há vários gêneros de profanação do santo, e este gênero é o pior de
todos. No sentido mais comum pela profanação entende-se toda impiedade, assim por
profanadores entende-se todos os ímpios, que de coração negam Deus, a santidade da
Palavra e, por conseguinte, os espirituais da Igreja, que são as cousas santas mesmas
de que falam também de uma maneira ímpia. Mas aqui se trata não daqueles, mas dos
que professam a crença e em Deus, que sustentam a santidade da Palavra, e que
reconhecem os espirituais da Igreja, a maior parte, entretanto de boca; se estes
profanam é porque o santo que procede da Palavra está neles e entre eles, e, porque o
que está neles e constitui uma parte de seu entendimento e de sua vontade, eles o
profanam; mas nos ímpios, que negam o Divino e os Divinos, nada há de santo que
eles possam profanar; estes últimos, é verdade, são profanadores, mas, entretanto não
são profanos.
230. A profanação do santo é entendida no Segundo Preceito do Decálogo por NÃO
PROFANARÁS O NOME DE TEU DEUS; e que não se deve profaná-lo isso é entendido na Oração
Dominical por SANTIFICADO SEJA TEU NOME. O que é entendido pelo Nome de Deus, há
apenas alguns, no Mundo Cristão, que o saibam; e isso porque não se sabe que no
Mundo espiritual não há nomes como no Mundo natural, mas que cada um é
denominado segundo a qualidade de seu amor e de sua sabedoria; com efeito, desde
que alguém entra em sociedade ou companhia com outras é imediatamente
denominado segundo sua qualidade nessa sociedade; a denominação é feita pela
língua espiritual, que é tal que pode dar um nome a cada cousa, porque lá cada letra do
alfabeto significa uma cousa, e porque várias letras reunidas em uma palavra, que
constituem o nome de uma pessoa, envolvem o estado inteiro da cousa; isto é uma das
maravilhas do mundo espiritual. Daí é evidente que pelo Nome de Deus na Palavra é
significado Deus com todo o Divino que está n'Ele, e que procede d'Ele; e como a
Palavra é o Divino procedente, ela é o Nome de Deus; e como todos os Divinos, que
são chamados espirituais da Igreja, vem da Palavra, eles são também o nome de
Deus. Por estas explicações, pode-se ver o que é entendido no Segundo Preceito do
Decálogo por TU NÃO PROFANARÁS O NOME DE DEUS; e na Oração Dominical por SANTIFICADO
SEJA TEU NOME. Cousas semelhantes são significadas pelo Nome de Deus e do Senhor
em um grande número de passagens na Palavra de um e outro Testamento, como em
Mat. 7º, 22; 1Oº, 22; 18º, 5, 20; 19º, 29; 21º, 9; 24º, 9, 10; João 1º, 12; 2º, 23; 3º, 17, 18;
12º, 13, 28; 14º, 13; 15º, 16; 16º, 23, 24, 26, 27; 17º, 6; 20º, 31; e, além disso, em
outros, e em um grande número de passagens do Antigo Testamento. Aquele que
conhece esta significação do Nome pode saber o que é significado por estas Palavras
do Senhor: "Quem recebe um profeta em nome de profeta, recompensa de profeta
obterá, e quem recebe um justo em nome de justo, recompensa de justo obterá; e
quem quer que tenha dado de beber a um destes pequenos um único copo de água
fria, não perderá a sua recompensa" (Mat. 10º, 41, 42). Aquele que, pelo nome de
profeta, de justo e de discípulo entende unicamente nesta passagem um profeta, um
justo e um discípulo, não sabe que há aí um outro sentido a não ser o único sentido da
letra; e não sabe tampouco o que é a recompensa de profeta, a recompensa de justo, e
a recompensa por um copo de água fria dado a um discípulo, quando, entretanto pelo
nome e a recompensa de profeta é entendido o estado e a felicidade daqueles que
estão nos Divinos veros, pelo nome e a recompensa de justo o estado e a felicidade
daqueles que estão nos Divinos bens, e pelo discípulo o estado daqueles que estão em
alguns espirituais da Igreja; o copo de água fria é alguma cousa do vero. Que a
qualidade do estado do amor e da sabedoria, ou do bem e do vero, seja significada
pelo Nome, vê-se também por estas palavras do Senhor: "Aquele que entra pela porta
é o pastor das ovelhas; o porteiro lhe abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e as suas
próprias ovelhas ele chama nome por nome, e as tira para fora" (João 10º, 2, 3);
chamar as ovelhas nome por nome é ensinar e conduzir quem quer que está no bem
da caridade segundo o estado de seu amor e de sua sabedoria; pela porta é entendido
o Senhor, como se vê ai pelo Vers. 9: "Eu sou a porta; por mim, se alguém entra, será
salvo". Por isto, é evidente que para poder ser salvo é preciso se dirigir ao Senhor
Mesmo; e que aquele que se dirige a Ele é um pastor de ovelhas; e que aquele que
não se dirige a Ele é um ladrão, como se diz no Vers. 1 do mesmo Capítulo.
231. Pois que pela profanação do santo é entendida a profanação por aqueles que
conhecem os veros da fé e os bens da caridade pela Palavra, e que também de
alguma maneira os reconhecem, e não por aqueles que não conhecem, nem por
aqueles que por impiedade os rejeitam inteiramente, o que vai seguir concerne por
conseqüência, não estes, mas os primeiros; há para eles vários gêneros de
profanação, uns mais leves, outros mais graves, mas podem ser referidos a estes sete.
O primeiro gênero de profanação é cometido por aqueles que fazem troca com a
Palavra e sobre a Palavra, ou com os Divinos da Igreja e sobre estes Divinos. Isso
acontece a alguns pelo mau hábito de tomar os nomes ou as locuções da Palavra, e
misturá-los a discursos pouco decentes, e por vezes obscenos; o que não pode deixar
de estar aliado a um certo desprezo pela Palavra, quando entretanto a Palavra em
todas e em cada cousa é Divina e santa; pois cada vocábulo aí encerra em seu seio
algum Divino, e tem por esse Divino comunicação com o Céu; mas este gênero de
profanação é mais leve ou mais grave segundo o reconhecimento da santidade da
Palavra, e a indecência do discurso no qual as expressões são introduzidas pelos que
fazem a troça.
O segundo gênero de profanação é cometido por aqueles que compreendem e
reconhecem os Divinos Veros, e, entretanto vivem de uma maneira oposta, a
estes veros. Todavia, os que somente os compreendem profanam mais levemente,
mas os que os reconhecem profanam mais gravemente; pois o entendimento não faz
senão ensinar, pouco mais ou menos como um pregador, e não se conjunta por si
mesmo com a vontade; mas o reconhecimento se conjunta, pois cousa alguma pode
ser reconhecida senão com o consentimento da vontade; entretanto esta conjunção é
diversa, e a profanação é segundo a conjunção, quando se vive de uma maneira
oposta aos veros que são reconhecidos; por exemplo, se alguém reconhece que as
vinganças e os ódios, os adultérios e as escortações, as fraudes e velhacarias, as
blasfêmias e as mentiras são pecados contra Deus, e não obstante os comete, está
neste gênero mais grave, de profanação; pois o Senhor disse: "O servidor que conhece
a vontade de seu senhor, e não faz segundo sua vontade, será batido muitas vezes"
(Luc. 12º, 47). E em outro lugar: "Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas agora
dizeis: Nós vemos; é por isso que o vosso pecado permanece" (João 9º, 41). Mas unia
cousa é reconhecer as aparências do vero, e outra cousa reconhecer os veros reais;
aqueles que reconhecem os veros reais, e não obstante não vivem segundo esses
veros, aparecem no mundo espiritual sem luz nem calor da vida no som e na
linguagem, como se fossem puras preguiças.
O Terceiro gênero de profanação é cometido por aqueles que aplicam o sentido
da letra da Palavra para confirmar maus amores e falsos princípios. A razão disso
é que a confirmação do falso é a negação do vero, e a confirmação do mal, a rejeição
do bem; ora, a Palavra em seu seio não é senão o Divino Vero e o Divino Bem; e no
último sentido, que é o sentido da letra, ela aparece não nos veros reais, exceto
quando dá a conhecer o Senhor e o caminho mesmo da salvação mas nos veros
revestidos, que são chamados aparências do vero; é por isso que este sentido pode
ser torcido para confirmar heresias de vários gêneros; ora aquele que confirma maus
amores faz violência aos Divinos Bens, e aquele que confirma falsos princípios faz
violência aos Divinos Veros; esta violência é chamada falsificação do vero, e aquela
adulteração do bem; uma e outra são entendidas na Palavra pelos sangues; pois o
Santo espiritual, que é também o espírito de verdade procedente do Senhor, está
interiormente em cada cousa do sentido da letra da Palavra; este santo é ferido,
quando a Palavra é falsificada ou adulterada; que esteja aí uma profanação, isto é
evidente.
O quarto gênero de profanação é cometido por aqueles que de boca pronunciam
cousas piedosas e santas, e fingem pelo tom da voz e pelo gesto ser afetados
pelo amor por elas, mas que de coração não as crêem nem as amam. A maior
parte dentre eles são hipócritas e fariseus; depois da morte todo vero e todo bem lhes
são tirados, e são depois enviados para as trevas exteriores. Os deste gênero, que se
confirmaram contra o, Divino e contra a Palavra, e, por conseguinte também contra os
espirituais da Palavra, ficam sentados nestas trevas, mudos, sem poder falar, querendo
balbuciar cousas piedosas e santas, como no Mundo, mas não o podem; pois no
Mundo espiritual cada um é forçado a falar como pensa; mas o hipócrita quer falar de
outro modo diferente do que pensa, daí existir em sua boca uma oposição, em
conseqüência da qual ele pode apenas balbuciar. Mas as hipocrisias são mais leves ou
mais graves, conforme as confirmações contra Deus, e os raciocínios no exterior em
favor de Deus.
O Quinto gênero de profanação é cometido por aqueles que se atribuem os
Divinos. São os que são entendidos por Lúcifer em Isaías, Cap. 14º; aí, por Lúcifer é
entendido Babel, como pode-se ver pelos Vers. 4 e 22 desse Capítulo, onde sua sorte
é mesmo descrita; são também os que são entendidos e descritos pela prostituta
sentada sobre uma besta escarlate, no Apocalipse, Cap. 17º. Babel e a Caldéia são
mencionadas em um grande número de passagens da Palavra, e por Babel é aí
entendida a profanação do bem, e pela Caldéia a profanação do vero, uma e outra
naqueles que se atribuem o Divino.
O Sexto gênero de profanação é cometido por aqueles que reconhecem a
Palavra, e, entretanto negam o Divino do Senhor. Estes no Mundo são chamados
Socinianos e alguns deles Arianos; a sorte de uns e de outros é invocar o Pai, e não o
Senhor, e orar Continuamente ao Pai, alguns também por causa do Filho, a fim de
serem admitidos no Céu, mas em vão, até que perdem toda esperança de serem
salvos; e então são enviados para o inferno entre os que negam Deus; são estes que
são entendidos pelos que blasfemam o Espírito Santo, aos quais não será perdoado
nem neste século nem no século futuro (Mat. 12º, 32); e isto porque Deus é um em
Pessoa e em Essência, em quem está a Trindade, e este Deus é o Senhor; e como o
Senhor é também o Céu, e como por conseguinte os que estão no Céu estão no
Senhor, é por isso que os que negam o Divino do Senhor não podem ser admitidos no
Céu, nem estar no Senhor. Que o Senhor seja o Céu, e que por conseguinte os que
estão no Céu estejam no Senhor, isso foi mostrado acima.
O Sétimo gênero de profanação é cometido por aqueles que primeiro
reconhecem os Divinos Veros, e vivem segundo estes veros, e depois se retiram
e os negam. Este gênero de profanação é o pior, pela razão de que misturam as
cousas santas com as profanas, ao ponto de não poderem ser separadas, e, entretanto
é preciso que sejam separadas, a fim de que se esteja ou no Céu, ou no Inferno; e
como isto não pode ser feito neles, todo intelectual humano e todo voluntário humano é
destruído, e eles não são mais homens, como já foi dito. Acontece quase à mesma
cousa aos que reconhecem de coração os Divinos na Palavra e da Igreja, e os
mergulham inteiramente em seu próprio, que é o amor de dominar sobre todas as
cousas, amor de que muito já se falou; pois, depois da morte, quando se tornam
espíritos, querem absolutamente ser conduzidos não pelo Senhor, mas por eles
mesmos, e quando a rédea é afrouxada a seu amor eles querem não somente dominar
sobre o Céu, mas também sobre o Senhor; e como não o podem, negam o Senhor, e
se tomam diabos. É preciso que se saiba que o amor da vida, que é também o amor
reinante, permanece em cada um depois da morte, e não pode ser retirado. Os
profanos deste gênero são entendidos pelos Mornos, de que se fala assim no
Apocalipse (3º, 14, 15): "Conheço as tuas obras, que nem frio és, nem quente; melhor
seria que frio tu fosses, ou quente; mas porque morno tu és, e nem frio nem quente, te
vomitarei da minha boca'‘. Este gênero de profanação está descrito assim pelo Senhor
em Mateus (12º, 43 a 45): "Quando o espírito imundo saiu do homem, percorre lugares
áridos, procurando repouso, mas não o encontra. Então diz: Voltarei para minha casa,
de onde saí; e, tendo vindo, a encontra vazia, varrida, e ornada para ele; vai, e toma
consigo sete outros espíritos piores do que ele; e, tendo entrado, moram lá; e o último
estado deste homem se torna pior que o primeiro"; a conversão do homem está
descrita aí pela saída do espírito imundo para fora dele; e o retorno aos primeiros
males, depois da rejeição dos veros e dos bens, é descrito pela volta do espírito
imundo com sete espíritos piores do que ele à casa ornada para ele; além disso, a
profanação do santo pelo profano é descrita por isto que o último estado deste homem
se tornou pior que o primeiro. A mesma causa é entendida por estas palavras dirigidas
por Jesus ao homem que Ele havia curado na piscina de Bethesda: "Não peques mais,
para que não te aconteça alguma coisa pior" (João 5º, 14). Que o Senhor provê a que o
homem não reconheça interiormente os veros, se deve depois se retirar e se tornar
profano, é o que é entendido por estas palavras: "Cegou seus olhos, e endureceu seu
coração, para que não vejam com os olhos, e não compreendam de coração, e que
não se convertam e eu os cure" (João 12º, 40); para que não se convertessem, e eu os
curasse, significa para que não reconhecessem os veros, e depois se retirassem, e
assim se tornassem profanos; é pela mesma razão que o Senhor falou por parábolas,
como Ele mesmo disse em Mateus (13º, 13). Se foi proibido aos judeus de comer a
gordura e o sangue (Levit. 3º, 17; 7º, 23, 25), isso significa que não deviam profanar as
cousas santas; pois a gordura significa o Divino Bem, e o sangue o Divino Vero. Que
uma, vez que o homem foi convertido deve persistir no bem e no vero até ao fim de sua
vida, o Senhor o ensina em Mateus (10º, 22): "Jesus disse: Quem perseverar até ao
fim, será salvo"; igualmente em Marcos (13º, 13).
232. IV. É por isso que o Senhor não introduz interiormente o homem nos veros
da sabedoria e ao mesmo tempo nos bens do amor, sendo tanto quanto o homem
pode aí ser mantido até ao fim de sua vida.
Para demonstrar isso, é preciso proceder distintamente, por duas razões; a primeira,
porque isso é importante para a salvação dos homens; a segunda, porque do
conhecimento desta lei depende o conhecimento das leis de permissão, de que se
tratará no Parágrafo seguinte; isto, com efeito, é importante para a salvação dos
homens; pois, como já foi dito, aquele que primeiro reconhece os Divinos da Palavra e
por conseqüência da Igreja, e que depois se retira deles, profana as cousas santas da
maneira mais grave. Portanto, a fim de que este Arcano da Divina Providência seja
desvendado, ao ponto de o homem racional poder vê-lo em sua luz, ele será
desenvolvido nesta série: 1º Nos interiores do homem não pode haver o mal e ao
mesmo tempo o bem, nem por conseqüência o falso do mal e ao mesmo tempo o vero
do bem. 2º O bem e o vero do bem não podem ser levados pelo Senhor aos interiores
do homem, a não ser tanto quanto o mal e o falso do mal são daí afastados. 3º Se o
bem com seu vero aí fosse levado antes, ou em maior proporção do que o mal com
seu falso tivessem sido afastados, o homem se retiraria do bem e retornaria a seu mal.
4º Quando o homem está no mal, muitos veros podem ser levados a seu entendimento,
e encerrados em sua memória, e, entretanto não ser profanados. 5º Mas o Senhor, por
Sua Divina Providência, provê com o maior cuidado, a que ele não seja recebido pela
vontade, antes que o homem afaste como por si mesmo o mal do homem externo, nem
em maior proporção o que o afasta. 6º Se fosse ante e em maior proporção, então a
vontade adulteraria o bem, e o entendimento falsificaria o vero, misturando-os com os
males e os falsos. 7º É por isso que o Senhor não introduz interiormente o homem nos
veres da sabedoria e nos bens do amor, senão tanto quanto o homem pode ser
mantido neles até ao fim da vida.
233. Portanto a fim de que este Arcano da Divina Providência seja desvendado de
maneira que o homem racional possa vê-lo em sua luz, as proposições que acabam de
ser apresentadas serão explicadas uma após outra.
Primeiramente: Nos interiores do homem não pode haver o mal e ao mesmo
tempo o bem, nem por conseqüência o falso do mal e ao mesmo tempo o vero do
bem. Pelos interiores do homem é entendido o interno do seu pensamento, do qual o
homem nada sabe antes de entrar no Mundo espiritual e em sua luz, o que acontece
após a morte; no mundo natural isso pode ser conhecido somente pelo prazer de seu
amor no externo de seu pensamento, e pelos males mesmos, quando os examina em
si; pois como foi mostrado acima, o interno do pensamento está ligado em uma tal
coerência com o externo do pensamento no homem, que não podem ser separados;
mas já se falou muito disso. Diz-se o bem e o vero do bem, e também o mal e o falso
do mal, porque não pode haver bem sem seu vero, nem mal sem seu falso; são, com
efeito, companheiros de leito ou esposos, pois a vida do bem tem lugar por seu vero, e
a vida do vero por seu bem; dá-se o mesmo com o mal e seu falso. Que nos interiores
do homem não possa haver o mal com seu falso e ao mesmo tempo o bem com seu
vero, isso pode ser visto sem explicação pelo homem racional; pois o mal é oposto ao
bem, e o bem é oposto ao mal, e dois opostos não podem estar juntos; há também
insitado em todo mal um ódio contra o bem, e em todo bem há insitado um amor de se
defender contra o mal, e de afastá-lo de si; daí resulta que um não pode estar ao
mesmo tempo com o outro; e, se fossem juntos, se elevaria a princípio um conflito e
um combate, e depois uma destruição; é mesmo o que o Senhor ensina nestas
palavras: "Todo reino dividido contra si mesmo é devastado, e toda cidade ou casa
dividida contra si mesma não subsistirá. Aquele que não está comigo é contra Mim, e
aquele que comigo não ajunta, espalha" (Mateus 12º, 25, 30). E em outro lugar:
"Ninguém pode servir a dois senhores ao mesmo tempo; pois, ou odiará a um, ou
amará o outro" (Mat. 6º 24). Dois opostos não podem estar juntos em uma mesma
substância ou em uma mesma forma, sem que ela seja dissipada ou que pereça; se
um avançasse e se aproximasse do outro, eles se separariam inteiramente como dois
inimigos, dos quais um se retiraria para seu acampamento ou para dentro de suas
muralhas, e o outro se manteria de fora; dá-se o mesmo com os bens e os males no
hipócrita; ele está em uns e nos outros, mas o mal está dentro e o bem está de fora, e
assim os dois foram separados, e não foram misturados. Por isso é evidente que o mal
com seu falso e o bem com seu vero não podem estar juntos.
Segundamente: O bem e o vero do bem não podem ser levados pelo Senhor aos
interiores do homem, a não ser tanto quanto o mal e o falso do mal foram
afastados daí. Isto é a conseqüência mesma do que precede; pois, visto que o mal e o
bem não podem estar juntos, o bem não pode ser trazido antes que o mal tenha sido
afastado. Diz-se nos interiores do homem, pelos quais é entendido o interno do
pensamento; trata-se destes interiores nos quais deve estar o Senhor ou o diabo; o
Senhor aí está após a reforma, e o diabo ai está antes da reforma; portanto, tanto
quanto o homem se deixa reformar, tanto o diabo é repelido, mas tanto quanto não se
deixa reformar, tanto o diabo permanece. Quem não pode ver que o Senhor não pode
entrar enquanto o diabo ai está, é que o diabo aí está tanto tempo quanto o homem
mantêm fechada a porta pela qual o homem está em comunicação com o Senhor? Que
o Senhor entra, quando por meio do homem esta porta é aberta, é o que ensina o
Senhor no Apocalipse (3º, 20): "Eu estou à porta, e bato; se alguém ouve a minha voz
e abre a porta, eu entrarei nele, e cearei com ele, e ele comigo"; a porta é aberta pelo
fato de o homem afastar o mal fugindo dele e tendo em aversão como infernal e
diabólico; pois quer se diga o mal ou o diabo, é a mesma cousa; e vice-versa, quer se
diga o bem ou o Senhor, é a mesma cousa; pois em todo bem há interiormente o
Senhor, e em todo :mal há interiormente o diabo. Por isto, a verdade desta proposição
e evidente.
Terceiramente: Se o bem com seu vero aí fosse levado antes, ou em maior
proporção do que o mal com seu falso fosse afastado, o homem se retiraria do
bem, e retornaria a seu mal. A razão disso é que o mal prevaleceria; e o que
prevalece é vencedor, senão no momento, ao menos depois; enquanto o mal prevalece
ainda, o bem não pode ser levado aos apartamentos íntimos, mas fica unicamente no
vestíbulo, pois que, como foi dito o mal e o bem não podem estar juntos, e o que está
unicamente no vestíbulo é repelido por seu inimigo que está nos apartamentos; daí
vem que o homem se retira do bem e volta para o mal, o que é o pior gênero de
profanação. Além disso, o prazer mesmo da vida do homem é de amar-se a si mesmo
e amar o mundo acima de todas as cousas; este prazer não pode ser afastado em um
momento, mas é afastado pouco a pouco; ora, tanto quanto resta deste, prazer, tanto
nele prevalece o mal; e este mal não pode ser afastado senão tanto quanto o amor de
si se torna amor dos usos, ou tanto quanto o amor de dominar tem por fim os usos e
não o homem mesmo; pois desta maneira os usos fazem a cabeça, e o amor de si ou
amor de dominar faz primeiro o corpo sob a cabeça, e depois os pés sobre os quais
caminha. Quem é que não vê que o bem deve fazer a cabeça, e que quando o bem faz
a cabeça o Senhor está aí, e que o bem e os usos são um? Quem é que não vê que se
o mal faz a cabeça, o diabo está aí, e que, como não obstante se deve receber o bem
civil e o bem moral, e também na forma externa o bem espiritual, este faz os pés e as
plantas, e é calcado aos pés? Portanto, pois que o estado da vida do homem deve ser
invertido, de sorte que o que está em cima esteja embaixo, e que esta inversão não
pode ser feita em um momento, pois o supremo prazer da vida, que vem do amor de si
e do amor da dominação, não pode ser diminuído e mudado em amor dos usos senão
pouco a pouco, é por isso que o bem não pode ser levado aí pelo Senhor antes, nem
em maior proporção do que a do afastamento do mal, e que se fosse antes ou em
maior proporção, o homem se retiraria do bem e retornaria a seu mal.
Em quarto lugar: Quando o homem está no mal, muitos veros podem ser levados
ao seu entendimento, e errados na memória, e, entretanto não podem ser
profanados. A razão disso é que a entendimento não influi na, vontade, mas a vontade
influi no entendimento; e como o entendimento não influi na vontade, muitos veros
podem ser recebidos pelo entendimento, e ser encerrados na memória, e entretanto
não ser misturados com o mal da vontade; por conseqüência as cousas santas não
podem ser profanadas; e, além disso, é do dever de cada um aprender os veros pela
Palavra ou com os pregadores, depositá-los em sua memória, e levar seus
pensamentos sobre eles; pois pelos veros que estão na memória, e que dai vêm ao
pensamento, o entendimento ensinará à vontade, isto é, ao homem o que deve fazer;
está ai portanto o principal meio de reforma; quando os veros estão unicamente no
entendimento e por conseguinte na memória, não estão no homem, mas estão fora
dele. A memória do homem pode ser comparada ao ventrículo ruminatório de certos
animais, no, qual depositam o alimento; enquanto está lá, não está em seu, corpo, mas
está fora do corpo; mas à medida que o retiram de, lá e o devoram, ele se torna uma
cousa de sua vida, e o corpo é alimentado; na memória do homem há não alimentos
materiais, mas alimentos espirituais, que são entendidos pelos veros, e são em si
mesmos conhecimentos; tanto o homem os retira da memória pensando, como se
ruminasse tanto sua mente espiritual é alimentada; é o amor da vontade que os deseja
e por assim, dizer os apetece, e faz com que sejam hauridos e alimentados; se este
amor é mau, deseja e por assim dizer apetece cousas impuras; mas se é bom, deseja
e por assim dizer apetece cousas puras, e as que não convêm, ele as separa, as
repele e as rejeita, o que se faz de diferentes maneiras.
Em quinto lugar: Mas o Senhor por Sua Divina Providência provê com o maior
cuidado a que não sejam recebidos antes que o homem afaste como por si
mesmo o mal de seu homem externo, nem em maior proporção do que o afastam.
Com efeito, o que procede da vontade vai ao homem e lhe é apropriado, e se torna
cousa de sua vida; e na vida mesma que no homem, vem da vontade, o mal e o bem
não podem estar juntos, pois assim ela pereceria; mas podem estar um e outro no
entendimento, onde são chamados falsos do mal e veros do bem, entretanto, não
juntos, de outro modo o homem não poderia pelo bem ver o mal, nem pelo mal
conhecer o bem; mas aí estão distintos e separados como uma casa em interiores e
exteriores. Quando o homem mau pensa e pronuncia bens, pensa e pronuncia
exteriormente; mas quando são males, é interiormente; portanto, quando pronuncia
bens, sua linguagem sai como que da parede da casa, e pode ser comparada a um f
fruto cujo exterior é belo, mas cujo interior está bichado e podre, e também à casca de
um ovo de dragão.
Em sexto lugar. Se fosse antes e em maior proporção, então a vontade
adulteraria o bem e o entendimento falsificaria o vero, misturando-os com os
males e com os falsos. Quando a vontade está no mal, então no entendimento ela
adultera o bem, e o bem adulterado no entendimento é na vontade o mal, pois confirma
que o mal é o bem, e vice-versa; o mal age assim com todo bem que lhe é oposto; o
mal também falsifica o vero, porque o vero do bem é oposto ao falso do mal; a vontade
também faz isso no entendimento, e o entendimento não o faz por si mesmo. Na
Palavra, as adulterações do bem são descritas pelos adultérios, e as falsificações do
vero pelas escortações. Estas adulterações e estas falsificações se fazem pelos
raciocínios do homem natural que está no mal, e se fazem também pelas confirmações
segundo as aparências do sentido da letra da Palavra. O amor de si, que é a cabeça de
todos os males, sobressai mais do que todos os outros amores na arte de adulterar os
bens e de falsificar os veros, e faz isso pelo abuso da racionalidade que o Senhor deu a
cada homem, tanto mau como bom; mais ainda, pelas confirmações, pode fazer com
que o mal se apresente absolutamente como bem, e o falso como vero; que não pode
ele, pois que pode por mil argumentos confirmar que a natureza criou-se a si mesma, e
que depois criou os homens, as bestas e os vegetais de todo gênero; além disso
também, que pelo influxo de seu interior, ela faz com que os homens vivam, pensem
analiticamente e compreendam sabiamente? Se o amor de si sobressai na arte de
confirmar tudo que quer é porque sua última superfície é formada por um certo
esplendor de luz matizada de diversas cores; este esplendor é para o amor de si a
glória de adquirir a sabedoria, e por ela também a eminência e a dominação. Mas
quando este amor confirmou estas proposições, se toma de tal modo cego, que vê
somente que o homem é uma besta, e que um e outro podem pensar
semelhantemente, e que mesmo se a besta falasse também seria um homem sob uma
outra forma; se é levado por uma certa persuasão a crer que alguma cousa do homem
vive depois da morte, está então de tal modo cego que crê que se dá o mesmo com a
besta, e que esta alguma, cousa que vive depois da morte é unicamente uma exalação
sutil da vida, como um vapor, que recai sobre seu cadáver; ou que é algum vital sem a
vista, nem o ouvido, nem a palavra, por conseqüência cego, surdo e mudo,
esvoaçando e pensando; além de várias outras extravagância, que a natureza mesma,
que em si é morta, inspira à sua fantasia. Eis o que faz o amor de si que, considerado
em, si mesmo, é o amor do próprio; e o próprio do homem, quanto às afeições que são
todas naturais, não é diferente da vida da besta; e, quanto às percepções, porque
procedem das afeições, não é diferente do mocho; é por isso que aquele que mergulha
continuamente seus pensamentos em seu próprio não pode ser elevado da luz natural
à luz espiritual, nem ver alguma cousa concernente a Deus, ao Céu e à vida eterna.
Pois que tal é este amor, e que entretanto ele sobressai na arte de confirmar tudo o
que lhe agrada, é por isso que ele pode também com uma arte semelhante adulterar os
bens da Palavra e falsificar seus veros, quando por alguma necessidade é obrigado a
confessá-los.
Em sétimo lugar. É por isso que o Senhor não introduz interiormente o homem
nos veros da sabedoria e nos bens do amor, senão tanto quanto pode aí ser
mantido até ao fim da vida. O Senhor age assim, a fim de que o homem não caia
neste gênero mais grave da profanação do santo, de que se falou neste Artigo; para
prevenir este perigo, o Senhor permite também os males da vida, e várias heresias
relativamente ao culto; sobre esta permissão, ver os Parágrafos seguintes.
AS LEIS DE PERMISSÃO SÃO TAMBÉM LEIS DA DIVINA PROVIDÊNCIA
234. Não há leis de permissão por si mesmas ou separadas das leis da Divina
Providência, mas são as mesmas; é por isso que se diz que Deus permite; por isso é
entendido não que Ele quer, mas que não pode afastar, por causa do fim, que é a
salvação. Tudo o que é feito por causa do fim, que é a salvação, é segundo as leis da
Divina Providência; pois, como já foi dito, a Divina Providência vai sem cessar em um
sentido diferente da vontade do homem, e contrário a esta vontade, tendendo
continuamente ao fim; é por isso que, a cada momento de sua operação, ou a cada
passo de sua marcha, desde que se apercebe que o homem se afasta do fim, ele o
dirige, o dobra e o dispõe segundo suas leis, afastando-o do mal, conduzindo-o ao
bem; que isso não possa ser feito sem que o mal seja permitido, ver-se-á no que
segue. Além disso, nada pode ser permitido sem uma causa, não causa em outra parte
que não seja em alguma lei da. Divina Providência, lei que ensina por que é permitido.
235. Aquele que não reconhece absolutamente a Divina Providência não reconhece
Deus em seu coração, mas em lugar de Deus reconhece a natureza, e em lugar da
Divina Providência a prudência humana; não parece que seja assim, porque o homem
pode pensar de uma maneira e pensar de uma outra, e também falar de uma maneira
e falar de uma outra, pode pensar e falar de uma maneira segundo seu interior, e de
uma outra maneira segundo seu exterior; é como um gonzo que pode girar uma porta
rios dois sentidos, em um sentido quando se entra e em outro sentido quando se sai; e
como uma vela que pode voltar o navio para tal ou tal lado, conforme o piloto a
desdobra. Os que se confirmaram pela prudência humana até ao ponto de ter negado a
Divina Providência, esses, seja o que for que vejam, ouçam ou leiam, quando estão em
seu pensamento não notam e não podem mesmo notar outra cousa, porque nada
recebem do Céu, mas recebem tudo deles mesmos; e com o concluem segundo as
aparências sós e as ilusões sós, e não vêm outra cousa, podem jurar que isso é assim;
e mesmo se reconhecem a natureza só, podem se irritar contra os defensores da
Divina Providência, desde que não sejam sacerdotes; a respeito destes, pensam que é
conforme à sua doutrina ou à sua função tomar a sua defesa.
236. Vamos agora dar a enumeração de certas cousas que são permissões, e não
obstante conformes com as leis da Divina Providência, e pelas quais o homem
puramente natural se confirma pela natureza contra Deus, e pela prudência humana
contra a Divina Providência. Assim, quando lê a Palavra, vê que o mais sábio dos
homens, Adão, e sua esposa se deixaram seduzir pela serpente, e que Deus por Sua
Divina Providência não impediu isso; que seu primeiro filho, Caim, matou seu irmão
Abel, e que Deus então não o dissuadiu disso falando com ele, mas somente o
amaldiçoou depois do assassínio; que a nação Israelita, no deserto adorou um bezerro
de ouro, e o reconheceu pelo Deus que os havia tirado da terra, do Egito, e, entretanto
Jeová via isso da montanha do Sinai, muito próxima, e não o impediu; além disso
também, que Davi fez o recenseamento do povo, e que por causa disso foi enviada
uma peste que fez perecer milhares de homens, e que Deus lhe enviou o profeta Gad
não antes do ato, mas depois, para anunciar a punição; que foi permitido a Salomão
instaurar cultos idolátricos; e a vários reis depois dele de profanar o Templo e as
cousas santas da Igreja; e que por fim foi permitido a esta Nação crucificar o Senhor.
Nestas passagens da Palavra e em muitas outras, aquele que reconhece a natureza e
a prudência humana não vê senão cousas contrárias à Divina Providência, é por isso
que pode se servir delas como argumentos para a negar, senão em seu pensamento
exterior, que está mais perto da linguagem, pelo menos em seu pensamento interior,
que foi afastado da linguagem.
237. Todo adorador de si mesmo e da natureza se confirma contra a Divina
Providência, quando no mundo vê tantos ímpios, e tanta impiedade de sua parte, e ao
mesmo tempo a glória que alguns deles tiram dai, sem que por isso Deus lhes inflija
punição alguma. E ainda mais se confirma contra a Divina Providência quando vê ser
bem sucedidas as maquinações, as astúcias e as velhacarias, mesmo contra os
homens piedosos, justos e sinceros; e que a injustiça triunfa sobre a justiça nos
julgamentos e nos negócios. Confirma-se principalmente quando vê os ímpios elevados
às honras, e se tornarem grandes e primazes; além disso, também abundarem em
riquezas, e viverem na suntuosidade e na magnificência; e vice-versa, os adoradores
de Deus serem desprezados e estarem na pobreza. Confirma-se também contra a
Divina Providência, quando pensa que as guerras são permitidas, e que então tantos
homens são massacrados, e que tantas cidades, nações e famílias são pilhadas; e
mesmo que as vitórias estão do lado da prudência, e nem sempre do lado da justiça; e
que pouco importa que o general seja um homem de bem ou um homem sem
probidade; além de várias outras cousas semelhantes, que são todas permissões
segundo as leis da Divina Providência.
238. Este mesmo homem natural se confirma contra a Divina Providência, quando
considera as religiosidades de diversas nações, por exemplo, que há homens que não
têm absolutamente noção alguma de Deus, e que os há que adoram o sol e a lua;
outros que adoram ídolos e imagens talhadas, mesmo monstros; e outros homens
mortos. Além disso, quando considera que a Religiosidade Maometana foi recebida por
tantos impérios e reinos, e que a Religião Cristã está unicamente na menor parte do
Globo habitado, chamada Europa; que aí ela foi dividida; que nela se encontram
homens que se atribuem o poder Divino, e querem ser adorados como deuses, e que
nela se invocam homens mortos; além disso também, que nela há quem coloque a
salvação em certas palavras que se pensa e se pronuncia, e não nos bens que se faz;
além disso ainda, que nela há poucos que vivem segundo sua Religião; além de
heresias, que têm existido em tão grande número, e as que existem hoje, tais como as
dos Quakers, dos Maravios, dos Anabatistas e outras; e por fim, que o judaísmo
continua ainda. Aquele que nega a Divina Providência conclui dai que a religião em si
mesma nada é, mas que entretanto é necessária, porque serve de vínculo.
239. A estes argumentos pode-se hoje acrescentar muitos outros, pelos quais podem
ainda se confirmar aqueles que interiormente pensam pela natureza e pela prudência
humana só; por exemplo, que todo o mundo cristão reconheceu três Deuses, não
sabendo que Deus é um em pessoa e em essência e que esse Deus é o Senhor; além
disso também, que até ao presente ignorou-se que em cada cousa da Palavra há um
sentido espiritual, e que dai vem a santidade da Palavra; além disso ainda, que não se
soube que fugir dos males como pecados, é a Religião Cristã mesma; e que mesmo
não se soube que o homem vive homem depois da morte; pois esse podem se dizer a
eles mesmos e dizer entre si: Por que a Divina Providência, se existe, revela agora
estas cousas pela primeira vez?
240. Todas as cousas, cuja enumeração é dada nos números 237, 238 e 239, foram
referidas a fim de que se veja que todas e cada uma das cousas que são feitas no
Mundo, tanto entre os maus como entre os bons, são da Divina Providência; que por
conseqüência a Divina Providência está nas menores particularidades do pensamento
e das ações dos homens, e que é por isso que ela é universal. Mas como isso não
pode ser visto, a não ser que cada uma das proposições seja explicada à parte, vai por
conseqüência ser dada uma explicação sucinta delas, seguindo-se a ordem em que
foram apresentadas, começando pelo nº 236.
241. I. O mais sábio dos homens, Adão, e sua esposa se deixaram seduzir pela
serpente, e Deus por Sua Divina Providência não impediu isso.
É porque por Adão e sua esposa entende-se não os primeiros homens criados neste
Mundo, mas os homens da Antiqüíssima Igreja, cuja nova criação ou regeneração foi
assim descrita; sua nova criação mesma ou sua regeneração no Primeiro Capítulo pela
criação do Céu e da Terra; sua sabedoria e sua inteligência pelo jardim do Éden; e o
fim desta Igreja pela ação de comer da árvore da ciência; pois a Palavra em seu seio é
espiritual, contando os arcanos da Divina Sabedoria, e a fim de que aí fossem contidos,
ela foi escrita por meio de puras correspondências e de puras representações. Por
isso, é evidente que os homens desta Igreja que no começo tinham sido muito sábios,
e que por fim, pelo fasto da própria inteligência, eram muita maus, foram seduzidos,
não por alguma serpente, mas pelo amor de si, que aí é a cabeça da serpente que a
semente da mulher, isto é, o Senhor devia esmagar. Quem é que, pela razão, não pode
ver que se entende outras cousas que não as que ai são mencionadas de uma maneira
histórica na letra? Com efeito, quem é que pode conceber que a criação do mundo
tenha podido ser tal como é aí descrita? Por isso não têm tido os eruditos muito
trabalho para explicar o que contém o primeiro Capítulo, acabando por confessar que
não o compreendem? Não compreendem tampouco que no jardim do Éden ou paraíso
tenham sido colocadas duas árvores, uma da vida e a outra da ciência, e esta como
pedra de tropeço; nem que pela única ação de ter comido desta árvore tenham eles de
tal modo prevaricado que não somente eles, mas ainda todo o gênero humano, sua
posteridade, tenham sido votados à danação; nem, enfim, que uma serpente tenha
podido seduzi-los; além de vários outros fatos, por exemplo, que a esposa tenha sido
criada de uma costela do marido; que depois da queda tenham reconhecido sua nudez;
que a tenham velado com folhas de figueira; que lhes tenham sido dadas túnicas de
peles para cobrirem o corpo; e que tenham sido postos querubins com uma espada
flamejante para guardar o caminho da árvore da vida, Todas estas cousas são
representativas pelos quais é descrita a instauração da Antiqüíssima Igreja, o estado
dessa Igreja, sua mudança de estado, e por fim sua destruição; todas as cousas
secretas contidas no sentido espiritual, que reside em cada particularidade da
narração, foram explicada8 nos Arcanos Celestes sobre a Gênesis e o Êxodo,
publicados em Londres; aí pode-se ver também que pela Arvore da vida é entendido o
Senhor quanto à Sua Divina Providência, e pela Arvore da ciência o homem quanto à
própria prudência.
242. II. Seu primeiro filho, Caim, matou seu irmão Abel, e Deus então não o
dissuadiu falando com ele, mas somente o amaldiçoou depois do assassínio.
Pois que por Adão e sua esposa entende-se a Igreja antiqüíssima, como acaba de ser
dito, segue-se que por Caim e Abel, seus primeiros filhos, entende-se os dois
essenciais, da Igreja, que são o Amor e a Sabedoria, ou a Caridade e a Fé, por Abel o
amor ou a caridade, e por Caim a sabedoria ou a fé, especialmente a sabedoria
separada do amor, ou a fé separada da caridade; e esta sabedoria, como ta também a
fé separada, é tal que não somente rejeita o amor e a caridade, mas mesmo os
aniquila, e assim Caim mata seu irmão; que a fé separada da caridade age assim, isso
é muito conhecido no Mundo Cristão; ver a Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Fé. A
maldição de Caim envolve o estado espiritual a que chegam, depois da morte, aqueles
que separam a fé da caridade, ou a sabedoria do amor. Mas não obstante, a fim de que
por esta separação a sabedoria ou a fé não perecesse, foi posto um sinal sobre Caim,
para que não fosse morto, pois o amor não existe sem a sabedoria, nem a caridade
sem a fé. Como este fato representa quase a mesma cousa que a ação de comer da
árvore da ciência é por isso que foi posto em ordem após a descrição de Adão e de sua
esposa; aqueles também que estão na fé separada da caridade estão na própria
inteligência, e os que estão na caridade e em, conseqüência na fé estão na inteligência
pelo. Senhor, por conseqüência na Divina Providência.
243. III. A Nação Israelita no deserto adorou o bezerro de ouro, e o reconheceu
pelo Deus que os havia tirada do Egito; e entretanto Jeová via isso da montanha
da Sinai, muito próxima e não o impediu.
Isto aconteceu no deserto do Sinal perto dá montanha; que Jeová não os tenha
dissuadido deste culto criminoso, isto é conforme com todas as leis da Divina
Providência, que foram referidas até aqui, e também com as que seguem. Este mal
lhes foi permitido para que não perecessem todos; pois os filhos de Israel tinham sido
tirados do Egito, a fim de que representassem a Igreja do Senhor, e eles não a teriam
podido representar se a idolatria egípcia não fosse primeiro desenraizada de seu
coração; e isso não teria podido ser feito se não fossem livres para agir segundo o que
estava em seu coração, e assim arrancá-lo em conseqüência de uma rigorosa punição.
Quanto ao que, além disso, é significado por este culto, e pela ameaça de que seriam
plenamente rejeitados, e que uma nova nação seria suscitada a Moisés, vê-se nos
Arcanos Celestes sobre o Êxodo, Cap. 32º, onde estes assuntos são tratados.
244. IV. Davi fez o recenseamento do povo, e por causa disso foi enviada uma
peste que fez perecer milhares de homens, e Deus lhe enviou o profeta Gad não
antes do ato, mas depois, para lhe anunciar a punição.
Aquele que se confirma contra a Divina Providência pode também sobre este assunto
pensar e meditar em seu espírito diversas cousas, principalmente por que Davi não foi
advertido antes, e por que o povo após a transgressão do rei foi tão rigorosamente
punido. Que Davi não tenha sido advertido antes, isto é conforme com as leis da Divina
Providência demonstradas até aqui, principalmente com as duas leis explicadas acima,
nºs 129 a 153 e 154 a 174. Se o povo foi rigorosamente punido pela transgressão do
rei, e se setenta mil homens foram atacados pela peste, foi não por causa do rei, mas
por causa, do povo, pois lemos na Palavra: "A cólera de Jeová continuou a se inflamar
contra Israel; é por isso que Ele incitou Davi contra eles, dizendo: Vai, enumera Israel e
Judá" (II Sam. 24º, 1).
245. V. Foi permitido a Salomão instaurar cultos idolátricos.
Foi a fim de que representasse o Reino do Senhor ou a Igreja com todas as
religiosidades do Mundo inteiro, pois a Igreja instituída na Nação Israelita e Judaica era
uma Igreja representativa; é por isso que todos os julgamentos e todos os estatutos
desta Igreja representavam os espirituais da Igreja, que são os seus internos, o povo
mesmo a Igreja, o Rei o Senhor, Davi o Senhor que devia vir ao Mundo, e Salomão o
Senhor depois do Seu advento; e como o Senhor após a glorificação de seu Humano
teve o poder no Céu e sobre a terra, como ele Mesmo o diz, Mateus 28º, 18, é por isso
que Seu representante Salomão se mostrou na, glória e na magnificência, e esteve na
sabedoria mais do que todos os reis da terra, e, além disso, construiu o Templo, e
depois permitiu e instalou os cultos de várias nações, pelos quais eram representadas
as diversas religiosidades do Mundo; suas esposas, em número de setecentas, e suas
concubinas, em número de trezentas, significavam cousas semelhantes, I Reis 11º, 3;
pois a esposa na Palavra significa a Igreja, e a concubina a religiosidade. Por isso
pode-se ver por que foi dado a Salomão construir o Templo, pelo qual era significado o
Divino Humano do Senhor, João 2º, 19, 21, e também a Igreja; além disso, por que lhe
foi permitido instaurar cultos idolátricos e ter tantas esposas. Que por Davi em um
grande número de passagens da Palavra seja entendido o Senhor que devia vir ao
mundo, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor, nº 43, 44.
246. VI. Foi permitido a vários reis, depois de Salomão, profanar o Templo e as
cousas santas da Igreja.
Era porque o povo representava a Igreja, e os reis eram seus chefes; e como a Nação
Israelita e Judaica era tal que eles não podiam representar por muito tempo a Igreja,
pois eram idólatras de coração, é por isso que se retiraram pouco a pouco do culto
representativo, pervertendo todas as cousas da Igreja, ao ponto de por fim a
devastarem; isso foi representado pelas profanações do Templo por parte dos reis, e
por suas idolatrias; a devastação mesma da Igreja pela destruição deste Templo, pela
transportação do povo Israelita, e pelo cativeiro do povo Judeu na Babilônia. Foi esta a
causa; e tudo que se faz por alguma causa se faz pela Divina Providência segundo
uma de suas leis.
247. VII. Foi permitido a esta Nação crucificar o Senhor.
Era porque a Igreja nesta Nação tinha sido inteiramente devastada, e tinha se tornado
tal, não somente eles não conheciam nem reconheciam o Senhor, mas que tinham
mesmo ódio contra Ele; entretanto todas as cousas que lhe fizeram estavam conformes
com as leis da Divina Providência. Que a Paixão da cruz tenha sido a última Tentação,
ou o último Combate, pelo qual o Senhor venceu plenamente os infernos, e
plenamente glorificou Seu Humano, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o
Senhor, nº 12 a 14; e na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Fé, nº 34, 35.
248. Até aqui os fatos, cuja enumeração foi dada acima no nº 236, foram explicados;
são certos fatos tirados da Palavra, pelos quais o homem natural que raciocina contra a
Divina Providência pode se confirmar; pois, como já foi dito, tudo o que um tal homem
vê, ouve e lê pode lhe servir de argumento contra ele; todavia, poucos homens se
confirmam contra a Divina Providência pelos fatos que estão na Palavra, mas um
grande número deles se confirmam pelas cousas que existem sob seus olhos, e que
estão contidas no nº 237; estas vão ser portanto igualmente explicadas.
249. I. Todo adorador de si mesmo e da natureza se confirma contra a Divina
Providência, quando no mundo vê tantos ímpios, e tantas impiedades de sua
parte, e ao mesmo tempo a glória que alguns deles tiram daí, sem que por isso
Deus lhes inflija qualquer punição.
Todas as impiedades e também a glória que dai se tira são permissões cujas causas
são leis da Divina Providência. Todo homem pode livremente, e mesmo muito
livremente, pensar o que quer, tanto contra como a favor de Deus; e o que pensa
contra Deus é raramente punido no Mundo natural, porque ai está sempre no estado de
reforma; mas é punido no Mundo espiritual, o que acontece depois da morte, porque
então não pode mais ser reformado. Que as causas das permissões sejam leis da
Divina Providência, isso é evidente pelas leis acima referidas, se são lembradas e se
são examinadas; são estas:
• O homem deve agir pelo livre, segundo a razão, nº 71 a 97;
• o homem não deve ser constrangido por meios externos a pensar e a querer,
assim a crer e a amar as cousas que pertencem à religião, mas ele mesmo
deve se levar a isso, e por vezes se constranger, nº 129 a 154;
• a própria prudência é nula, e somente parece existir, e também deve aparecer
como existindo; mas a Divina Providência pelos muito-singulares é universal,
nº 191 a 213;
• a Divina Providência considera as cousas eternas, e não considera as
temporais senão tanto quanto fazem um com as eternas, nº 214 a 220;
• o homem não é introduzido interiormente nos veros da fé e nos bens da
caridade, senão tanto quanto pode ai ser mantido até ao fim de sua vida, nº
224 a 233.
Que as causas das permissões sejam as leis da Divina Providência, ver-se-á ainda
claramente pelos Artigos que seguem, por exemplo, por este:
• Os males são permitidos para um fim, que é a salvação;
• além disso, por este: A Divina Providência é contínua nos maus do mesmo
modo que nos bons;
• e enfim por este: O Senhor não pode agir contra as leis de Sua Divina
Providência, porque agir contra elas seria agir contra Seu Divino Amor e
contra Sua Divina Sabedoria, assim contra Si Mesmo.
Estas Leis se são conferidas, podem manifestar as causas pelas quais as impiedades
são permitidas pelo Senhor, e não punidas quando estão somente no pensamento, e o
são mesmo raramente quando estão na intenção e por conseqüência também na
vontade, e não no fato. Mas a verdade é que todo mal é seguido de sua pena; é como
se no mal estivesse inscrita sua pena, que o ímpio sofre depois da morte.
Pelas considerações que acabam de ser apresentadas se encontra também explicada
a proposição seguinte referida acima, nº 237, a saber:
• Que o adorador de si mesmo e da natureza se confirma ainda mais contra a
Divina Providência, quando vê ser bem sucedidas as maquinações, as
astúcias e as velhacarias, mesmo contra os homens piedosos, justos e
sinceros;
• e que a injustiça triunfa contra a justiça nos julgamentos e nos negócios.
Todas as leis da Divina Providência são necessidades; e como são as causas pelas
quais tais cousas são permitidas, é evidente que para que o homem possa viver
homem, ser reformado e salvo, estas cousas não podem ser tiradas do homem pelo
Senhor, a não ser mediatamente pela Palavra, e especialmente pelos preceitos do
Decálogo naqueles que reconhecem como pecados os homicídios de todo gênero, os
adultérios, os roubos e os falsos testemunhos; mas naqueles que não os reconhecem
como pecados, mediatamente pelas leis civis e pelo temor das penas que elas infligem;
além disso, mediatamente também pelas leis morais e pelo temor de perder a
reputação, a honra e o proveito; por estes meios o Senhor conduz os maus, mas
unicamente dissuadindo-os de fazer estes males, e não de os pensar e de os querer;
mas pelos primeiros meios o Senhor conduz os bons dissuadindo-os não somente de
fazer estes males, mas mesmo de os pensar e de os querer.
250. II. O adorador de si mesmo e da natureza se confirma contra a Divina
Providência, quando vê os Ímpios elevados às honras, e se tornarem grandes e
primazes; além disso, também abundar em riquezas, e viver na suntuosidade e
na magnificência, enquanto que os adoradores de Deus estão no desprezo e na
pobreza.
O adorador de si mesmo e da natureza crê que as dignidades e as riquezas são as
maiores e as únicas felicidades que podem existir, assim as felicidades mesmas; e, se
pelo culto a que foi iniciado desde a infância, pensa alguma cousa de Deus, ele as
chama de bênçãos Divinas; e enquanto não aspira a, cousas mais elevadas, pensa que
há um Deus, e mesmo o adora; mas no culto está escondido, o que ele mesmo ignora
um desejo de ser elevado por Deus a dignidades ainda superiores, e a riquezas ainda
mais abundantes; e se aí chega, seu culto vai cada vez mais para os exteriores, até ao
ponto de se tornar nulo, e dele mesmo por fim negar Deus; age da mesma maneira se
é privado das dignidades e da opulência, nas quais tinha posto seu coração. Que são
então as dignidades e as riquezas senão pedras de tropeço para os maus, mas não
para os bons, porque estes põem o coração não nelas, mas nos usos ou nos bens,
para o cumprimento dos quais as dignidades e as riquezas servem de meios? É por
isso que nenhum outro senão o adorador de si mesmo e da natureza pode se confirmar
contra a Divina Providência, pelo fato de os ímpios chegarem às honras e às riquezas,
e se tornarem grandes e primazes. Aliás, o que é uma dignidade maior ou menor, e
uma opulência maior ou menor? Não é unicamente uma cousa que em si mesma é
imaginária? Será que um é mais afortunado e mais feliz do que o outro? A dignidade
em um grande, e mesmo em um rei e imperador, após o espaço de um ano, não é ela
considerada apenas como alguma cousa de comum que não exalta mais a alegria de
seu coração, e que pode mesmo se tornar vil a seus olhos? Estarão estes por suas
dignidades em um maior grau de felicidade que os que estão em uma dignidade
menor, ou mesmo na menor dignidade, como estão os rendeiros e seus servidores?
Estes podem estar em um maior grau de felicidade, quando prosperam e estão
contentes com a sua sorte. Quem está mais inquieto de coração, mais freqüentemente,
indignado, mais vivamente irritado, do que o amor de si? Isto lhe acontece todas as
vezes que não é honrado segundo a exaltação de seu coração, e todas as vezes que
alguma cousa não acontece a seu agrado e segundo seus votos. O que é portanto a
dignidade, se não é para a cousa ou o uso, senão uma idéia? Pode uma tal idéia estar
em um outro pensamento que não seja um pensamento sobre si e sobre o mundo?
Não é ela em si mesma que o mundo é tudo, e que o eterno nada é?
Agora, a respeito da Divina Providência, dir-se-á em algumas palavras por que ela
permite que os ímpios de coração sejam elevados às dignidades e adquiram riquezas:
• Os ímpios ou maus podem fazer usos como os homens piedosos ou bons, e
mesmo com um maior ardor, pois consideram a si mesmos nos usos, e
consideram as honras como os usos; é por isso que quanto mais o amor de si
se eleva, mais se inflama nele o desejo de fazer usos para sua glória;
• um tal ardor não existe nos homens piedosos ou bons, a ser que tenha sido
fomentada de baixo pela honra;
• o Senhor conduz portanto, pelo amor da reputação, os ímpios de coração que
estão nas dignidades, e os excita a fazer usos para o Comum ou a Pátria, para
a Sociedade ou a Cidade onde estão, e também para o concidadão ou o
próximo com quem estão; tal é neles o governo do Senhor, que é chamado
Divina Providência;
• com efeito, o Reino do Senhor é o Reino dos usos;
• e onde há apenas um pequeno número de homens que desempenham usos,
Ele faz com que os adoradores de si mesmos sejam promovidos aos
empregos mais elevados, nos quais cada um por seu amor é excitado a fazer
o bem.
Supõe no Mundo, ainda que não o exista, um reino infernal onde não reinam senão os
amores de si, o Amor de si é ele mesmo o diabo, cada um pelo fogo do amor de si, e
pelo brilho de sua glória, não faria mais usos do que em um outro reino? Entretanto
todos esses têm na boca o bem público, mas no coração seu próprio bem; e como
cada um atende a seu príncipe para se tornar maior, pois cada um aspira ser o maior,
pode aí se ver que há um Deus? A pessoa está cercada com uma fumaça como a de
um incêndio, através da qual nenhum vero espiritual em sua luz pode passar; vi esta
fumaça à volta dos infernos daqueles que se adoravam a si mesmos. Acende uma
lanterna e procura quantos, nos Reinos de hoje, entre os que aspiram às dignidades,
há que não sejam amores de si e do mundo? Em mil encontrarás cinqüenta que sejam
amores de Deus, e entre estes só alguns que aspiram às dignidades? Portanto, pois
que há tão poucos que sejam amores de Deus, e um tão grande número que são
amores de si e do mundo, e pois que estes amores por seus fogos produzem mais
usos que os amores de Deus pelos seus, como então alguém pode se confirmar contra
a Divina Providência, porque os maus estão mais do que os bons na preeminência e
na opulência? Isto é mesmo confirmado por estas palavras do Senhor: "O Senhor
louvou o intendente injusto pelo fato de ter agido prudentemente; pois os filhos deste
século são mais prudentes que os filhos da luz em sua geração. Assim, Eu vos digo:
Fazei amigos do Mamom da injustiça, a fim de que, quando necessitardes, eles vos
recebam nas tendas eternas" (Luc. 16º, 8, 9); o que é entendido por estas palavras no
sentido natural é evidente; mas, no sentido espiritual, pelo Mamom da injustiça são
entendidos os conhecimentos do vero e do bem, que os maus possuem, e de que se
servem unicamente para adquirir dignidades e riquezas; é por estes conhecimentos
que os bons ou os filhos da luz farão amigos, e são eles que os receberam nas tendas
eternas. Que os amores de si e do mundo sejam em grande número, e os amores de
Deus em pequeno número, o Senhor o ensina também nestes termos: "Larga é a porta
e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e há muitos que entram por ele; mas
estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida, e há poucos que o
encontram" (Mat. 7º, 13, 14). Que as dignidades e as riquezas são ou maldições ou
bênçãos, e em quem o são, vê-se acima, nº 217.
251. III. O adorador de si mesmo e da natureza se confirma contra a Divina
Providência, quando pensa que as guerras são Permitidas, e que então tantos
homens são massacrados, e que suas riquezas são pilhadas.
Não é pela Divina Providência que há guerras, pois elas estão ligadas aos homicídios,
às pilhagens, às violências, às crueldades e a outros males enormes, que são
diametralmente opostos à caridade cristã; mas não obstante elas não podem deixar de
ser permitidas, porque depois dos antiqüíssimos, que são entendidos por Adão e sua
esposa, e de que se falou acima, nº 241, o amor da vida dos homens se tornou tal que
ele quer dominar sobre os outros e por fim sobre todos, e quer possuir as riquezas do
mundo, e por fim todas as riquezas; estes dois amores não podem ser mantidos
acorrentados, pois que é segundo a Divina Providência, que seja permitido a cada um
agir pelo livre segundo a razão, ver acima, nº 71 a 97; e que, sem as permissões, o
homem não pode ser dissuadido do mal pelo Senhor, nem por conseqüência ser
reformado e salvo; pois se não fosse permitido que os males fizessem irrupção, o
homem não os veria, por conseqüência não os reconheceria, e assim não poderia ser
levado a resistir a eles; daí vem que os males não podem ser impedidos por meio
algum da Providência; pois assim permaneceriam encerrados, e como estas moléstias,
chamadas câncer e gangrena, se estenderiam por todo lado e consumiriam todo o vital
humano. Com efeito, o homem de nascença é um pequeno inferno, entre o qual e o
Céu há um perpétuo debate; nenhum homem pode ser tirado do seu inferno pelo
Senhor, a não ser que ele veja que aí está, e queira ser retirado, e isso não pode ser
feito sem as permissões cujas causas estão nas leis da Divina Providência. É por esta
razão que há guerras pequenas e guerras grandes; pequenas entre os possuidores de
bens imobiliários e seus vizinhos, e grandes entre os Monarcas de reinos e seus
vizinhos; as pequenas diferem das grandes, porque as pequenas são mantidas dentro
de limites pelas leis das nações; e porque, ainda que as pequenas tanto quanto as
grandes queiram transgredir suas leis, as pequenas não o podem e as grandes o
podem, mas não obstante não além do possível. Se as grandes guerras feitas pelos
reis e os generais, embora estejam ligadas aos homicídios, às pilhagens, às violências
e às crueldades, não são impedidas pelo Senhor, nem em seu começo, nem em seu
progresso, mas unicamente rio fim, quando a força de um ou de outro se tornou tão
fraca que há para ele perigo iminente de destruição, isso é devido a várias causas que
estão escondidas nos tesouros da Divina Sabedoria; algumas destas causas me foram
reveladas; entre elas está esta, que todas as guerras, mesmo quando são guerras
civis, são representativas dos estados da Igreja no Céu, e são correspondências; tais
foram todas as guerras descritas na Palavra, e tais são também todas as guerras hoje;
as guerras descritas na Palavra são as que os filhos de Israel tiveram com diferentes
nações, por exemplo, com os Emorreus, os Amonitas, os Moabitas, os Filisteus, os
Sírios, os Egípcios, os Caldeus, os Assírios; e quando os filhos de Israel, que
representavam a Igreja, se afastavam dos preceitos e dos estatutos, e caíam nos
males que eram significados por estas nações pois cada nação com que os filhos de
Israel tiveram guerra significava algum gênero de mal, então eles eram punidos por
esta nação; por exemplo, quando profanavam as cousas santas da Igreja por infames
idolatrias eram punidos pelos Assírios e pelos Caldeus, porque a profanação do que é
santo é significada pela Assíria e pela Caldéia; o que era significado pelas guerras
contra os Filisteus, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Fé, nº 50 a 54.
Cousas semelhantes são representadas pelas guerras de hoje, em qualquer lugar que
se façam; pois todas as cousas que são feitas no mundo natural correspondem a
cousas espirituais no Mundo espiritual, e todas as cousas espirituais concernem à
Igreja. Não se sabe neste Mundo que reinos na Cristandade têm uma relação com os
Moabitas e os Amonitas, com os Sírios e os Filisteus, com os Caldeus e os Assírios, e
com as outras nações contra as quais os filhos de Israel fizeram a guerra; entretanto há
aí os que têm uma relação com eles. Mas qual é a Igreja nas terras, e quais são os
males em que ela cai, e pelos quais é punida pelas guerras, não se pode de modo
algum ver no Mundo natural, porque neste Mundo não há de manifesto senão os
externos, que não fazem a Igreja, mas se vê no Mundo espiritual onde se mostram os
internos nos quais está a Igreja mesma; e lá todos são conjuntos segundo seus
diferentes estados; os conflitos destes no Mundo espiritual correspondem às guerras,
que de uma parte e doutra são dirigidas de uma maneira correspondente pelo Senhor
segundo Sua Divina Providência. Que as guerras no Mundo sejam dirigidas pela Divina
Providência do Senhor, isto é reconhecido pelo homem espiritual, mas não pelo
homem natural, exceto quando é celebrada uma festa por ocasião de uma vitória, em
que então ele pode dar de joelhos ações de graças a Deus pela vitória que lhe
concedeu; pode também antes de começar o combate invocar Deus em algumas
palavras; mas quando entra em si mesmo, atribui a vitória ou à prudência de um
general, ou a alguma medida ou incidente no meio do combate, sem que se tenha,
pensado donde entretanto resultou a vitória. Que a Divina Providência, que é chamada
Fortuna, esteja nas menores particularidades das cousas mesmo as mais frívolas,
vê-se acima, nº 212; se nelas reconheces a Divina Providência, tu a reconhecerás
completamente nos acontecimentos da guerra; os sucessos e as vantagens obtidos em
uma guerra são mesmo chamados comumente Fortuna da guerra; e esta é a Divina
Providência, principalmente nos conselhos e nas meditações do general, mesmo
quando ele, então e depois, os atribuiria todos à sua prudência. De resto, que o faça se
quer, pois está na plena liberdade de pensar pela Divina Providência ou contra ela, e
mesmo por Deus e contra Deus; mas que saiba que cousa alguma que concerne aos
conselhos e às meditações vem dele; tudo influi ou do Céu ou do inferno pela
permissão, do Céu pela Providência.
252. IV. O adorador de si mesmo e da natureza se confirma contra a Divina
Providência, quando, segundo sua percepção, pensa que as vitórias estão do
lado da prudência, e nem sempre do lado da Justiça; e que pouco importa que o
general seja um homem de bem ou um homem sem probidade.
Se parece que as vitórias estejam do lado da prudência, e nem sempre do lado da
justiça, é porque o homem julga pela aparência, e é favorável a um partido mais do que
a outro, e o que ele favorece pode confirmá-lo por meio de raciocínios; e não sabe que
a justiça da causa no Céu é espiritual, e no mundo é natural, como foi dito no que
precede, e que uma e outra são conjuntas pelo encadeamento de cousas passadas e
ao mesmo tempo de cousas futuras que são conhecidas do Senhor só. Se importa
pouco que o general seja um homem de bem ou um homem sem probidade é por esta,
razão, que foi confirmada acima, nº 250, que os maus, do mesmo modo que os bons,
fazem usos, e que os maus por seu fogo os fazem com mais ardor que os bens;
principalmente nas guerras, porque o mau é mais hábil e mais esperto que o bom para
maquinar estratagemas, e que pelo amor da glória sente volúpia em matar e pilhar os
que sabe e declara inimigos; o bem tem somente a prudência e o zelo para proteger,
mas raramente para invadir. Dá-se com isto como com os espíritos do inferno e os
anjos; os espíritos do inferno atacam, e os anjos do Céu se defendem. Daí se tira esta
conclusão, que é permitido a cada um defender sua pátria e seus cidadãos contra os
inimigos invasores, mesmo empregando generais mais; mas que não é permitido se
declarar inimigo sem motivo; o motivo pela glória, só é em si mesmo diabólico, pois
pertence ao amor de si.
253. Até aqui foram explicadas as cousas referidas acima, nº 237, pelas quais o
homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência; agora vão ser
explicadas as do nº 238, que concernem às religiosidades de diversas nações, e que
podem também ser argumentos para o homem inteiramente natural contra a Divina
Providência; pois ele diz em seu coração: "Como podem existir tantas religiões
diferentes, e por que não existe uma só, verdadeira, sobre todo o globo, se, como foi
mostrado acima, nº 27 a 45, a Divina Providência tem por fim um Céu proveniente do
Gênero Humano?" Mas escuta, eu te peço: Todos os que nasceram homens, em
qualquer religião que estejam, podem ser salvos, desde que reconheçam um Deus, e
que vivam segundo os preceitos do Decálogo, que são não matar, não cometer
adultério, não roubar, não dar falso testemunho, por esta razão que é contra a religião,
por conseqüência contra Deus, fazer essas ações; nesses há o temor de Deus, e o
amor do próximo; o temor de Deus, porque pensam que é contra Deus fazer essas
ações; e o amor do próximo, porque é contra o próximo, matar, cometer adultério,
roubar, dar falso testemunho, e cobiçar sua casa e sua esposa; como estes em sua
vida elevam os olhos para Deus, e não fazem o mal ao próximo, são conduzidos pelo
Senhor, e, os, que são conduzidos, são também instruídos segundo sua religião a
respeito de Deus e do próximo; pois os que vivem assim gostam de ser instruídos, mas
os que vivem de outro modo não gostam de ser instruídos; e como gostam de ser
instruídos, eles o são pelos anjos depois da morte, quando se tomam espíritos, e
recebem de boa vontade os veros tais como estão na Palavra. Sobre este assunto, ver
algumas explicações na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nº 91 a
97 e 104 a 113.
254. I. O homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência,
quando considera as religiosidades de diversas nações, por exemplo, que há
homens que não têm absolutamente noção alguma de Deus, e que, os há que
adoram o sol e a lua, e outros que adoram ídolos e imagens talhadas.
Os que tiram daí argumentos contra a Divina Providência não conhecem os arcanos do
Céu, que são inúmeros, e dos quais quando muito um só é conhecido do homem; no
número desses arcanos está este que o homem não é instruído do Céu imediatamente,
mas que o é mediatamente, ver acima sobre este assunto, nº 154 a 174; e, pois que é
instruído mediatamente, e que o Evangelho não pôde chegar por emissários a todos
que habitam sobre o globo inteiro, mas que entretanto uma religião pôde passar, por
diversos meios, mesmo às nações que estão nos cantos do mundo, eis por que isto
teve lugar pela Divina Providência; com efeito, homem algum tira dele mesmo a
religião, mas a tira de um outro que, ou ele mesmo, ou por um outro, por tradição tinha
sabido pela Palavra que há um Deus, que há um Céu e um inferno, que há uma vida
depois da morte, e que é preciso adorar Deus para se tornar feliz. Que a Religião tenha
sido transportada para o Mundo inteiro pela antiga Palavra, e depois pela Palavra
israelita, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nº 101 a 103; e
que se não tivesse havido a Palavra, ninguém teria tido conhecimento de Deus, do
Céu, e do inferno, da vida depois da morte, nem com mais forte razão do Senhor, vê-se
no mesmo Tratado, nº 114 a 118. Quando uma vez uma Religião foi implantada em
uma nação, esta nação é conduzida pelo Senhor segundo os preceitos e os dogmas
dessa Religião; e o Senhor proveu a que em cada religião haja preceitos tais como os
que estão no Decálogo; assim, adorar Deus, não profanar seu Nome, observar um dia
de festa, honrar seu pai e sua mãe, não matar, não cometer adultério, não roubar, não
dar falso testemunho; a não que faz Divinos estes preceitos, e com eles conforma sua
vida pela religião, é salva como dito acima, nº 253; e mesmo a maior parte das nações
afastadas do Mundo cristão consideram estas leis não como civis, mas como Divinas, e
as têm por santas; que o homem seja salvo pela vida segundo estes preceitos, vê-se
na Doutrina da Nova Jerusalém pelos preceitos do Decálogo, desde o começo até o
fim. No número dos Arcanos do Céu, há também este que o Céu Angélico diante do
Senhor é como um só Homem, cuja alma e vida é o Senhor, e que este Divino Homem
é em toda forma homem, não somente quanto aos membros e aos órgãos externos,
mas meso quanto aos membros e aos órgãos internos, que são em grande número,
além disso também quanto às peles, às membranas, às cartilagens e aos ossos;
todavia, estas partes tanto externas como internas, neste Homem, não são materiais,
mas são espirituais; e foi provido pelo Senhor a que aqueles aos quais o Evangelho
não pôde chegar, mas que unicamente uma religião, possam também ter um lugar
neste Divino Homem, isto é, no Céu, constituindo estas partes que são chamadas
peles, membranas, cartilagens e ossos; e a que estivessem do mesmo modo que os
outros, na alegria celeste; pois pouco importa, se se está na alegria, que seja na alegria
tal qual é para os anjos do céu supremo, ou na alegria tal qual é para os anjos do
último céu; com efeito, quem quer que entra no Céu entra na alegria suprema de seu
coração, e não suportaria uma maior, pois seria sufocado. Dá-se com isso, por
comparação, como com um lavrador e um Rei; o lavrador pode estar no cúmulo da
alegria quando anda vestido com uma roupa nova de pano grosso, e sentasse a uma
mesa onde há carne de porco, um pedaço de carne de boi, queijo, cerveja e vinho
cozido (vin cuit); teria o coração apertado se, como um Rei, estivesse vestido de
púrpura, de seda, de ouro e de prata, e que estivesse diante de uma mesa onde
houvesse alimentos delicados e suntuosos de vários gêneros com vinhos delicados;
daí, é evidente que há felicidade celeste para os últimos como para os primeiros, para
cada, um segundo seu grão; por conseqüência também para os que estão fora do
mundo cristão, desde que fujam dos males como pecados contra Deus, porque são
contra a religião. Há poucos que não tenham absolutamente conhecimento algum de
Deus; que estes se levaram uma vida moral são instruídos pelos anjos depois da
morte, e recebem o espiritual em sua vida moral, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém
sobre a Escritura Santa, nº 116. Semelhantemente, os que adoram o Sol e a Lua, e
acreditam que aí está Deus; eles não sabem outra cousa, por conseguinte Isso não
lhes é imputado como pecado, pois o Senhor disse: "Se fôsseis cegos", quer dizer, se
não soubésseis, "não teríeis pecado" (João 9º, 41). Mas há muitos que adoram ídolos e
imagens talhadas, mesmo no Mundo Cristão; isto, é verdade, é idolatria, mas não em
todos; com efeito, há aqueles a quem as imagens talhadas servem como meios de
excitação para pensarem em Deus; pois pelo influxo que procede do Céu, acontece
que os que reconhecem um Deus querem vê-lo; e como estes não podem como os que
são espirituais-interiores, elevar a mente acima dos sensuais, eles se excitam para isso
por meio de uma imagem talhada ou gravada; os que agem assim, e não adoram a
imagem mesma como Deus, são salvos, se vivem também pela religião segundo os
preceitos do Decálogo. Por estas explicações é evidente que, pois que o Senhor quer a
salvação de, todos, Ele proveu por isso a que cada um possa ter seu lugar no Céu, se
vive bem. Que o Céu diante do Senhor seja como um único Homem, e que, por
conseguinte o Céu corresponde a todas e a cada uma das cousas que estão no
homem; e que as há por isso que estão em relação com as peles, as membranas, as
cartilagens e os ossos, vê-se no Tratado do Céu e do Inferno, publicado em Londres
em 1758, nº 59 a 102; e também nos Arcanos Celestes, nº 5552 a 5556; e acima, nº
201 a 204.
255. II. O homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência,
quando considera que a Religiosidade Maometana foi recebida por tantos
impérios e reinos.
Que esta Religiosidade tenha sido recebida por mais reinos que a Religião Cristã, isso
pode ser um escândalo para os que pensam na Divina Providência, e ao mesmo tempo
acreditam que não se pode ser salvo a não ser que se tenha nascido cristão, assim em
um país onde há a Palavra, e onde por ela o Senhor é conhecido; mas a Religiosidade
Maometana não é um escândalo para os que acreditam que todas as cousas vêm da
Divina Providência; estes procuram em que a Providência aí está, e por isso o acham;
é no fato de que a Religiosidade Maometana reconhece o Senhor como o Filho de
Deus, como o mais sábio dos homens, e como o maior Profeta, o qual veio ao Mundo
para instruir os homens; a maior parte dos maometanos o fazem maior do que Maomé.
Para que se saiba plenamente que esta Religiosidade foi suscitada pela Divina
Providência do Senhor, a fim de destruir a idolatria de um grande número de nações,
este assunto vai ser exposto em uma certa ordem; em conseqüência, falar-se-á
primeiro da origem das idolatrias. Antes desta Religiosidade, o culto dos ídolos era
comum sobre toda a terra; isto provinha de que as Igrejas antes do advento do Senhor
tinham sido todas Igrejas Representativas; tal tinha sido também a Igreja Israelita; aí, o
tabernáculo, as vestimentas de Aarão, os sacrifícios, todas as cousas do Templo de
Jerusalém, e também os estatutos, eram representativos; e, entre os antigos, havia a
ciência das correspondências, que é também a ciência das representações, a ciência
mesma dos sábios, cultivada principalmente no Egito; dai seus hieróglifos; por esta
ciência eles sabiam o que significavam os animais de todo gênero, e as árvores de
todo gênero, além disso as montanhas, as colinas, os rios, as fontes e também o sol, a
lua, as estrelas; e como todo seu culto era um culto representativo, consistindo em
puras correspondências, é por isso que o celebravam sobre as montanhas e as colinas,
e também em bosques e em jardins; e que consagravam as fontes, e voltavam as
faces para o sol nascente quando adoravam Deus; e que além disso faziam imagens
talhadas de cavalas, de bois, de bezerros, de carneiros, e mesmo de pássaros, de
peixes, de serpentes, e as colocavam em suas casas e em outros lugares em uma
certa ordem segundo os espirituais da Igreja aos quais correspondiam, ou que
representavam. Colocavam também semelhantes objetos em seus Templos, para
recordar à sua lembrança as cousas santas que significavam. Depois deste tempo,
quando a ciência das correspondências foi obliterada, sua posteridade começou a
adorar estas imagens talhadas como santas em si mesmas, não sabendo que seus
antepassados nada tinham visto de santo nelas, mas que as consideravam unicamente
como representando e, por conseguinte significando cousas santas segundo suas
correspondências. Daí nasceram as idolatrias que encheram toda a terra, tanto a Ásia
com as ilhas adjacentes, como a África e a Europa. A fim de que todos os ídolos
fossem extirpados, aconteceu que, pela Divina Providência do Senhor, se elevou uma
nova Religião acomodada aos gênios dos orientais, na qual havia alguma cousa de um
e outro Testamento da Palavra, e que ensinava que o Senhor veio ao Mundo, e que era
o maior Profeta, o mais sábio de todos, e o Filho de Deus; isto foi feito por Maomé, pelo
que esta Religião foi denominada Religião Maometana. Esta Religião foi suscitada pela
Divina Providência do Senhor, e acomodada, como foi dito, aos gênios dos orientais, a
fim de destruir as idolatrias de tantas nações, e lhes dar algum conhecimento do
Senhor, antes que viessem para o Mundo espiritual; ela não teria sido recebido por
tantos reinos, e não teria podido extirpar as idolatrias, se não tivesse sido feita de
maneira a ser conforme e adequada às idéias dos pensamentos e da vida de todos
estes povos. Se ela não reconheceu o Senhor como o Deus do Céu e da terra, é
porque os orientais reconhecem um Deus Criador do Universo, e não podiam
compreender que este Deus viesse ao Mundo e tomasse o Humano, do mesmo modo
que não compreendem tampouco os cristãos que, por isso mesmo, em seu
pensamento, separam seu Divino de seu Humano, e colocam seu Divino perto do Pai
no Céu, e seu Humano não sabem onde. Por isto, pode-se ver que a Religião
Maometana deve também sua origem à Divina, Providência do Senhor; e todos os
desta Religião que reconhecem o Senhor como Filho de Deus, e ao mesmo tempo
vivem segundo os preceitos do Decálogo, que são também seus, fugindo dos males
como pecados, vão para o Céu, que é chamado Céu maometano; este Céu foi também
dividido em três Céus, o supremo, o médio e o ínfimo no Céu supremo estão os que
reconhecem que o Senhor é um com o Pai, e que assim é Ele Mesmo o Deus único; no
segundo Céu estão os que renunciam a ter várias esposas e vivem com uma só; e no
último os que são iniciados. Sobre esta Religião, ver maiores detalhes na Continuação
sobre o Julgamento Final e sobre o Mundo Espiritual, nº 68 a 72, onde se trata dos
Maometanos e de Maomé.
256. III. O homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência,
quando vê que a Religião Cristã está somente na menor parte do globo habitado,
que é chamada Europa, e que aí está dividida.
Se a Religião Cristã está somente na menor parte do globo habitado, que é chamada
Europa, é porque ela, não foi acomodada aos gênios dos Orientais, como a Religião
Maometana, que é mista, assim como acaba de ser mostrado; e uma Religião não
acomodada ao gênio de um homem não é recebida por ele; por exemplo, uma religião
que declara que não é permitido ter várias esposas não é recebida por aqueles que
desde séculos foram polígamos, mas é rejeitada; dá-se o mesmo também com
algumas outras declarações da Religião Cristã. Pouco importa que a menor ou a maior
parte do Mundo a tenha recebido, desde que haja povos entre os quais haja a Palavra;
pois daí resulta sempre a luz para os que estão fora da Igreja e não têm a Palavra,
como foi mostrado na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nº 104 a
113. E o que é admirável, por toda parte onde a Palavra é lida santamente, e o Senhor
adorado segundo a Palavra, aí está o Senhor com o Céu; e isso, porque o Senhor é a
Palavra, e a Palavra é o Divino Vero, que faz o Céu, é por isso que o Senhor disse:
"Onde dois ou três estão reunidos em meu Nome, aí eu estou no meio deles" (Mat. 18º,
20); é o que pode ser feito com a Palavra pelos Europeus em um grande número de
lugares do Globo habitado, porque eles têm comunicação com o Globo inteiro, e por
toda parte por eles, ou a Palavra é lida, ou há ensinamentos segundo a Palavra; isto
parece inventado, mas não obstante é verdade. Se a Religião Cristã está dividida, é
porque está fundada sobre a Palavra, e a Palavra foi escrita por puras
correspondências; ora, as correspondências, quanto à maior parte, são aparências do
vero, nas quais, entretanto os veros reais estão escondidos; e como a Doutrina da
Igreja deve ser tirada do sentido da letra da Palavra, que é tal, era impossível que na
Igreja não houvesse disputas, controvérsias e dissensões, sobretudo quanto ao
entendimento da Palavra, mas não quanto à Palavra mesma, nem quanto ao Divino
Mesmo do Senhor; com efeito, por toda parte é reconhecido que a Palavra é santa, e
que o Divino está no Senhor, e estes dois pontos são os essenciais da Igreja; é por
isso também que os que negam o Divino do Senhor, os quais são chamados
Socinianos, foram excomungados da Igreja; e os que negam a santidade da Palavra
não são reputados cristãos. A estas explicações acrescentarei sobre a Palavra alguma
cousa memorável, donde se pode concluir que a Palavra é interiormente o Divino Vero
mesmo, e intimamente o Senhor: Quando um espírito abre a Palavra, e roça nela a
face ou a roupa, só por isso a sua face ou a sua roupa brilha com tanto esplendor como
a lua ou como uma estrela, e isto à vista de todos que ele encontra; isto atesta que no,
Mundo nada há mais santo do que a Palavra. Que a Palavra tenha sido escrita por
puras correspondências, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa,
nº 5 a 26. Vê-se aí também que a Doutrina, da Igreja deve ser tirada do sentido literal
da Palavra, e ser confirmada por este sentido, nº 50 a 61. Que heresias podem ser
tiradas do sentido literal da Palavra, mas que é perigoso confirmá-las, nº 91 a 97. Que
a Igreja existe pela Palavra, e que tal é na Igreja o entendimento da Palavra, tal é a
Igreja mesma, nº 76 a 79.
257. IV. O homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência,
por isto que em vários Reinos onde a Religião Cristã foi recebida, há homens que
se atribuem o poder Divino, e querem ser adorados como Deuses, e porque, aí se
invoca homens mortos.
Eles dizem, é verdade, que não se arrogaram a podem Divino, e que não querem ser
adorados como deuses; mas entretanto dizem que podem abrir e fechar o Céu, redimir
e reter os pecados, por conseqüência salvar e condenar os homens, e isto é o Divino
Mesmo; pois a Divina Providência não tem por único, fim senão a reforma e por
conseguinte a salvação; é esta a sua operação contínua em cada um; e a salvação não
pode ser operada senão pelo reconhecimento do Divino do Senhor, e pela confiança
em que o Senhor Mesmo opera, quando o homem vive segundo Seus preceitos. Quem
é que não pode ver que isto é a Babilônia descrita no Apocalipse, e a Babel, de que se
fala aqui e ali nos profetas? Que seja também Lúcifer, em Isaías Cap. 14º, isso é
evidente pelos Vers. 4 e22 deste Capítulo, onde estão estas palavras: ”Tu pronunciarás
esta parábola sobre o Rei de Babel", Vers4; em seguida: "Resarraigarei de Babel nome
e resto", Vers. 22; donde é claro que, nesta passagem, Babel é Lúcifer de que se
diz:"Como caíste do Céu, Lúcifer, filho da aurora? Entretanto, tu tinhas dito em teu
coração: Aos céus subirei; acima das estrelas de Deus elevarei meu trono, e me
assentarei na montanha da convenção, nos lados do setentrião; subirei acima dos
lugares altos da nuvem; me tornarei semelhante ao Altíssima", Vers. 12,13,14. Que aí
se invoca homens mortos, e que se lhes pede para prestar socorro, isso é notório; se
diz que se os invoca, porque sua invocação foi estabelecida por uma bula papal
confirmando o decreto do Concílio de Trento, pelo qual é dito abertamente que se deve
invocá-los. Quem é que não sabe, entretanto que é Deus só que se deve invocar e não
homem algum morto? Mas vai se dizer agora porque Deus permitiu estas cousas; que
foram permitidas para um fim que é a salvação isso não pode ser negado; sabe-se,
com efeito, que sem o Senhor não há salvação; e, pois que assim é, foi necessário que
fizesse pregar segundo a Palavra, e por isso a Igreja Cristã fosse instaurada; mas isso
não pôde ser feito senão por promotores que o fizeram por zelo; e não houve outros
senão aqueles que, pelo fogo do amor de si, estavam em um ardor semelhante ao zelo;
este fogo os excitou primeiro a pregar o Senhor e a ensinar a Palavra; é por este
primitivo estado dos promotores que Lúcifer é chamado filho da aurora, Vers. 12. Mas à
medida que viram que pelas cousas santas da Palavra e da Igreja podiam dominar, o
amor de si, pelo qual haviam primeiro sido excitados a pregar o Senhor, se lançou de
seu interior, e se elevou por fim a essa altura, que transferiram para eles toda a
potência, Divina do Senhor, sem lhe deixar cousa alguma. Isso não pôde ser impedido
pela Divina Providência do Senhor, pois se isso fosse impedido, eles teriam publicado
em altas vozes que o Senhor não era Deus e que a Palavra não era santa, e se teriam
feito Socinianos ou Arianos, e assim teriam destruído inteiramente a Igreja, a qual,
quaisquer que sejam seus chefes se mantém, entretanto entre as pessoas que estão
sob sua dominação; pois todos os desta religião que se dirigem também ao Senhor, e
fogem dos males como pecados, são salvos; é por isso que há mesmo no Mundo
espiritual várias sociedades celestes que são compostas deles; e foi provido também a
que houvesse entre eles uma nação que não sofresse o jugo de uma tal dominação, e
que considerasse a Palavra como santa; esta nobre Nação é a Nação Francesa. Mas o
que aconteceu? Quando o Amor de si levou a dominação até ao trono do Senhor, ele 0
expulsou dai, e aí se colocou a si mesmo; este Amor, que é Lúcifer, não podia senão
profanar todas as cousas da Palavra e da Igreja; para que isso não fosse feito, o
Senhor por Sua Divina Providência proveu a que eles se retirassem de Seu culto, que
invocassem homens mortos, que dirigissem preces a suas estátuas, que beijassem
seus ossos, que prosternasem a seus túmulos, que proibissem ler a Palavra, que
pusessem a santidade do culto nas missas que o vulgo não compreende, e que
vendessem a salvação por dinheiro; porque se não tivessem feito estas cousas, teriam
profanado as cousas santas da Palavra e da Igreja; com efeito, como foi mostrado no
Parágrafo precedente, não há senão os que conhecem as cousas santas, que podem
profaná-las. É por isso que, a fim de que não profanassem a santíssima Ceia, foi
provido pela Divina Providência a que a dividissem, que dessem ao povo o pão, e que
eles mesmos tomassem o vinho; pois na santa Ceia o vinho significa o santo vero, e o
pão o santo bem; mas quando são divididos, o vinho significa o vero profanado, e o pão
o bem adulterado; e além disso foi provido a que a fizessem corporal e material, e que
tomassem isso pela cousa principal da religião. Quem quer que preste atenção a estas
particularidades, e as examine em uma certa ilustração da mente, pode ver as
maravilhosas operações da Divina Providência para preservar as cousas santas da
Igreja, e para salvar todos os que podem ser salvos, e arrancar como de um incêndio
os que dele querem ser retirados.
258. V. O homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência,
por isto que, entre os que professam a Religião Cristã, há os que põem a
salvação em certas palavras que se pensa e pronuncia, e não nos bens que se
faz.
Que tal sejam os que fazem salvifica a fé só, e não a vida da caridade, por
conseqüência os que separam a fé da caridade, vê-se o provado na Doutrina da Nova
Jerusalém sobre a Fé; e aí se vê também que esses são entendidos na Palavra pelos
Filisteus, pelo dragão e pelos bodes. Que uma tal Doutrina, também tenha sido
permitida, o é pela Divina Providência, a fim de que o Divino do Senhor e o Santo da
Palavra não sejam profanados; o Divino do Senhor não é profanado, quando a
salvação é posta nesta frase: "Que Deus Pai tenha compaixão por causa do Filho, que
sofreu sobre a cruz e satisfez por nós"; pois assim eles se dirigem não ao Divino do
Senhor, mas a seu Humano, que não reconhecem por Divino; e a Palavra não é
profanada, porque não dão atenção a estas passagens onde estão as expressões
amor, caridade, fazer, obras; dizem que todas estas cousas estão na fé que consiste na
frase acima; e os que o confirmam dizem em si mesmos: "A lei não me condena, nem
por conseqüência o mal, e o bem não salva, pois que o bem vindo de mim não é o
bem"; eles são pois como aqueles que não conhecem vero algum da Palavra, e por
isso mesmo não podem profaná-la. Mas a fé que consiste nesta frase não é confirmada
senão pelos que estão pelo amor de si no fasto da própria inteligência; estes tampouco
não são cristãos de coração, mas apenas querem parecê-lo. Que entretanto a Divina
Providência do Senhor opera continuamente para salvar aqueles em quem a fé,
separada da caridade, se tornou cousa de religião, é o que agora vai ser dito: É pela
Divina Providência do Senhor que, ainda que esta fé tenha se tornado cousa de
religião, cada um sabe entretanto que o que salva, é não esta fé, mas a vida da
caridade com a qual a fé faz um; com efeito, em todas as Igrejas, em que esta Religião
foi recebida, se ensina que não há salvação, a não ser que o homem se examine, veja
seus pecados, os reconheça, faça penitência deles, renuncie a eles, e comece uma
nova vida; isto é lido com muito zelo diante de todos que se aproximam da Santa Ceia;
a isso se acrescenta que se não o fazem, misturam as cousas santas com as profanas,
e se lançam na danação eterna; e além disso, na Inglaterra, que se não o fazem, o
diabo entrará neles como em Judas, e os destruirá quanto à alma e ao corpo; por isto,
é evidente que, nas Igrejas onde a fé só foi recebida, cada um entretanto é instruído
que é preciso fugir dos males como pecados. Além disso, o que nasceu cristão sabe
também que é preciso fugir dos males como pecados, pois que o Decálogo é posto nas
mãos de todo rapaz e de toda rapariga, e é ensinado pelos pais e pelos professores; e
que todos os cidadãos de um Reino, especialmente o vulgo, são examinados pelo
sacerdote, só pelo Decálogo recitado de memória, sobre o que sabem da Religião
Cristã, e são também advertidos para fazerem o que ele contém; jamais lhes é dito por
eclesiástico algum, que não estão sob o jugo desta Lei, nem que não podem fazer o
que é mandado porque bem algum vem deles mesmos. O símbolo da Atanásio
também foi recebido em todo o Mundo Cristão, e o que ele contém no fim é também
reconhecido, a saber, que o Senhor virá para julgar os vivos e os mortos, e que então
os que fizeram boas obras entrarão na vida eterna, e os que fizeram más irão para
o fogo eterno. Na Suécia, onde a Religião da fé só foi recebida, é claramente
ensinado também que não há fé separada da caridade ou sem as boas obras, e isso,
em um Apêndice Memorável anexado a todos os livros de salmos, tendo por título
“Impedimentos ou Causas de queda dos impenitentes”, OBOTFERDIGAS
FOERNINDER, onde estão estas palavras: "Os que são ricos em boas obras mostram
por isso que são ricos em fé, porque quando a fé é salvifica opera pela caridade; pois a
fé justificante jamais existe só e separadas das boas obras, do mesmo modo que uma
boa árvore não é sem fruto, nem o sol sem luz e sem calor, nem a, água sem o humo".
Estes poucos detalhes foram dados, a fim de que se saiba que, ainda que a
Religiosidade da fé só tenha sido recebida, entretanto os bens da caridade, que são as
boas obras, são ensinados por toda parte, e que isto vem da Divina Providência do
Senhor, a fim de que o vulgo não seja seduzido por esta fé. Ouvi Lutero, com quem
conversei algumas vezes no Mundo espiritual, maldizer a fé só, e dizer que, quando a
estabeleceu, foi advertido por um Anjo do Senhor a não fazer isso; mas que havia
pensado em si mesmo que, se não rejeitasse as obras, a separação do Catolicismo
Romano não se efetuaria; é por isso que confirmou esta fé não obstante a advertência.
259. VI. O homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência,
por isto que no Mundo cristão há tantas heresias, e que as há ainda, tais como as
dos Quakers, dos Moravios, dos Anabatistas, e várias outras.
Com efeito ele pode pensar em si mesmo: "Se a Divina Providência nos
muito-singulares fosse universal, e tivesse por fim a salvação de todos, ela teria feito
que não houvesse sobre todo o globo senão a verdadeira Religião, e que ela não fosse
dividida, nem, com mais forte razão, dilacerada por heresias". Mas faz uso da tua
razão, e pensa, mais profundamente, se podes: Pode o homem ser salvo, se não for
antes reformado? Com efeito, ele nasce no amor de si e no amor do mundo; e como
estes amores não têm em si mesmos cousa alguma do amor para com Deus; nem
cousa alguma do amor em relação ao próximo, a não ser em vista de si, nasce por isso
nos males de todo gênero; pode existir nestes amores alguma cousa do amor ou da
misericórdia? Não considera ele como uma insignificância enganar a outrem, blasfemar
contra ele, odiá-lo até à morte, cometer adultério com sua esposa, usar de violência
contra ele quando é impulsionado pela vingança, pois que quer estar acima de todos e
possuir os bens de todos os outros, por conseqüência pois que considera os outros,
comparando-os a si mesmo como vis e de nenhuma importância? Para que um tal
homem seja salvo, não é necessário que primeiro seja dissuadido destes males, e seja
assim reformado? Que isto não possa ser feito senão segundo várias leis, que são leis
da Divina Providência, é o que foi mostrado acima; estas leis, quanto à maior parte,
não são conhecidas, e, entretanto são leis da Divina Sabedoria e ao mesmo tempo do
Divino Amor, contra as quais o Senhor não pode agir; pois agir contra elas seria perder
o homem e não salvá-lo; percorre as Leis que foram expostas, confere-as e verás.
Portanto, pois que é também segundo estas Leis que não haja influxo algum imediato
do Céu, mas que o influxo seja mediato pela Palavra, as doutrinas e as pregações, e
que a Palavra, para que fosse Divina, não pôde ser escrita senão por puras
correspondências, segue-se que as dissensões e as heresias são inevitáveis, e que
sua permissão é também segundo as leis da Divina Providência; e ainda mais, porque
a Igreja mesma tinha tomado por seus essenciais cousas que pertencem ao
entendimento só, assim à Doutrina, e não cousas que pertencem à vontade, assim à
vida; e quando as cousas que pertencem à vida não são os essenciais da Igreja, o
homem está então pelo entendimento em puras trevas, e erra como um cego que
esbarra por toda parte e cai nos fossos; com efeito, a vontade deve ver no
entendimento, e não o entendimento na vontade, ou, o que é a mesma cousa; a vida e
seu amor devem conduzir o entendimento a pensar, a falar e a agir, e não o contrário;
se o contrário acontecesse, o entendimento poderia, por um amor mau, e mesmo
diabólico, apreender tudo o cai sob os sentidos, e forçar a vontade a fazê-lo. Por estas
explicações, pode-se ver de onde vêm as dissensões e as heresias. Mas a verdade é
que foi provido a que cada um em qualquer heresia que esteja quanto ao
entendimento, possa não obstante ser reformado e salvo, desde que fuja dos males
como pecados, e não confirme em si os falsos heréticos; pois por fugir dos males como
pecados a vontade é reformada, e pela vontade o entendimento, que então pela
primeira vez passa das trevas para a luz. Há três essenciais da Igreja, o
reconhecimento do Divino do Senhor, o reconhecimento da santidade da Palavra, e a
vida que é chamada Caridade; segundo a vida, que é a caridade, cada homem tem a
fé; pela Palavra ele sabe qual deve ser a vida; e pelo Senhor há para ele reforma e
salvação. Se a Igreja tivesse tido estas três cousas como seus essenciais, as
dissensões intelectuais não a teriam dividido; mas a teriam unicamente variado, como
a luz varia as cores nos objetos belos, e como uma variedade de diamantes faz a
beleza de uma coroa de Rei.
260. VII. O homem inteiramente natural se confirma contra a Divina Providência,
por isto que o judaísmo continua ainda.
Isto é, porque os Judeus, após tantos séculos, não se converteram, embora vivam
entre os cristãos, e porque não confessam o Senhor segundo as predições da Palavra,
e não o reconhecem pelo Messias que deve, como imaginam, levá-los para a terra de
Canaã, mas persistem constantemente a renegá-lo, e contudo as cousas continuam a
correr bem para eles. Mas os que pensam assim, e que por isso põem em dúvida a
Divina Providência, não sabem que pelos judeus, na Palavra, entende-se todos os que
são da Igreja e reconhecem o Senhor, e que pela terra de Canaã, na qual se diz que
eles serão introduzidos, é entendida a Igreja do Senhor; que se eles persistem a
renegar o Senhor, é porque são tais, que se recebessem e reconhecessem o Divino do
Senhor e as cousas santas da Igreja, eles os profanariam; é por isso que o Senhor
disse falando deles: "Cegou seus olhos, e endureceu seu coração, para que não vejam
com seus olhos, e não compreendam com seu coração, e se convertam, e eu os cure"
(João 12º, 40; Mat. 13, 14; Marc. 49, 12; Luc. 8º, 10; Isaías 6º, 9, 10); se diz "para que
não se convertam e eu os cure", porque se tivessem sido convertidos e curados, teriam
profanado; e segundo uma lei da Divina Providência, de que se tratou acima (nº 221 a
233), ninguém é introduzido interiormente pelo Senhor nos veros da fé e nos bens da
caridade, senão tanto quanto pode aí ser mantido até ao fim da vida, e que se fosse de
outro modo, ele profanaria as cousas santas. Se esta Nação foi conservada, e
espalhada sobre uma grande parte do Globo, é por causa da Palavra em sua Língua
Original que ela considera como santa mais do que o fazem os cristãos; e em cada
cousa da Palavra há o Divino do Senhor, pois o Divino Vero aí está unido ao Divino
Bem que procede do Senhor, e por isso a Palavra é a conjunção do Senhor com a
Igreja, e a presença do Céu, como foi mostrado na Doutrina da Nova Jerusalém sobre
a Escritura Santa (nº 62 a 69); e a presença do Senhor e do Céu está por toda parte
onde a Palavra é lida santamente. É este o fim que a Divina Providência teve em vista,
conservando os judeus e os dispersando sobre uma grande parte do Globo. Qual é a
sua sorte depois da morte, vê-se na Continuação sobre o Julgamento Final e sobre o
Mundo espiritual (nº 79 a 82).
261. Estão aí às cousas referidas acima (nº 238), pelas quais o homem natural se
confirma, ou pode se confirmar contra a Divina Providência; há ainda algumas outras,
mencionadas acima (nº 239), que podem da mesma maneira servir de argumento ao
homem natural contra a Divina Providência, e também cair nas mentes (animus) dos
outros, e excitar algumas dúvidas, são estas:
262. I. Pode-se elevar uma dúvida, contra a Divina Providência, disto que todo o
Mundo Cristão adora um Deus sob três Pessoas, o que é adorar três Deuses, e
disto que até ao presente não se soube que Deus é um em pessoa e em essência,
no qual há à Trindade, e que este Deus é o Senhor.
Aquele que raciocina sobre a Divina Providência pode dizer: "As três Pessoas não são
três Deuses, pois que cada Pessoa por si mesma é Deus?" Quem é que pode pensar
de outro modo, e por isso quem é que pensa de outro modo? Atanásio mesmo não o
pôde; é por isso que, na Fé simbólica que tem seu nome, ele diz: "Ainda que pela
verdade cristã devemos reconhecer que cada Pessoa é Deus e Senhor, não
obstante não nos é permitido, pela fé cristã, dizer ou mencionar três Deuses ou
três Senhores"; por isto não é entendida outra cousa, senão que devemos reconhecer
três Deuses e três Senhores, mas que não é permitido dizer ou mencionar três Deuses
e três Senhores. Quem é que pode jamais perceber um único Deus, a não ser que este
Deus seja um também em Pessoa? Se se diz que se pode perceber, desde que se
pense que as três pessoas são uma só Essência, quem é que por isso percebe ou
pode perceber outra cousa, senão que desta maneira os três são unânimes e estão de
acordo, mas que não obstante são três Deuses? E se se pensa mais profundamente,
ter-se-á que dizer a si mesmo: Como a Divina Essência, que é infinita, pode ser
dividida? E como pode elas de toda eternidade engendrar um outro e ainda produzir
um outro que procede de um e do outro? Diz-se que é preciso crer isso, e não pensar
nisso; mas quem é que não pensa naquilo que se lhe diz que é preciso crer? De outro
modo, de onde viria o reconhecimento que é a fé em sua essência? Não é do
pensamento a respeito de Deus como a respeito de três pessoas que nasceram o
Socinianismo e o Arianismo, que reinam no coração de mais pessoas do que se
acredita? A fé de um único Deus, e em que este Deus único é o Senhor, faz a Igreja,
pois n'Ele está a Divina Trindade; que assim seja vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém
sobre o Senhor, desde o começo até ao fim. Mas o que é que se pensa hoje a respeito
do Senhor? Pensa-se que é Deus e Homem, Deus por Jeová seu Pai, de quem foi
concebido, e Homem pela Virgem Maria, de quem nasceu? Quem é que pensa que
n'Ele Deus e o Homem, ou seu Divino e seu Humano são uma só Pessoa, e que são
um como a alma e o corpo são um? Alguém sabe isso? Interroga os Doutores da
Igreja, e eles dirão que não o sabem, quando entretanto isto é conforme à Doutrina da
Igreja recebida em todo Mundo cristão, na qual estão estas palavras: "Nosso Senhor
Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e Homem; e, ainda que seja Deus e Homem,
contudo não são dois, mas é um só Cristo; é um, porque o Divino tomou sobre si
o Humano; e mesmo Ele é absolutamente um, pois é uma única pessoa, pois que
como a alma e o corpo fazem um só homem, do mesmo modo Deus e o Homem
fazem um só Cristo"; isto é tirado da Fé ou Símbolo de Atanásio; se eles não o
souberam, é porque, quando leram esta passagem, pensaram no Senhor, não como
sendo Deus mas unicamente como sendo Homem. Que se pergunte a estes Doutores,
se sabem de quem Ele foi concebido, se foi de Deus Pai, ou se foi de seu próprio
Divino, eles responderão que foi de Deus Pai, pois isto é conforme à Escritura; será
então que o Pai e Ele não são um, como a alma e o corpo são um? Quem é que pode
pensar que Ele foi concebido de dois Divinos, e, se foi do Seu, que este Divino foi seu
Pai? Se tu lhes perguntares ainda: "Qual é vossa idéia sobre o Divino do Senhor, e
qual é ela sobre seu Humano?" Eles dirão que seu Divino é da Essência do Pai, e seu
Humano da Essência da mãe, e que seu Divino está no Pai. E se então lhes
perguntares: "Onde está seu Humano?" Nada responderão; pois em sua idéia separam
seu Divino e seu Humano, fazem seu Divino igual ao Divino do Pai, e seu Humano
semelhante ao humano de um outro homem, e não sabem que assim separam a alma
do corpo; não vêem tampouco a contradição, que neste caso Ele teria nascido homem
racional pela mãe só. Da impressão desta idéia sobre o Humano do Senhor, que era
semelhante ao humano de um outro homem, aconteceu que o Cristão dificilmente pode
ser levado a pensar no Divino Humano quando mesmo se lhe disser que a alma ou a
vida do Senhor foi e é, por concepção, Jeová Mesmo. Reúne agora estas razões, e
examina se há um outro Deus do Universo senão o Senhor só, no qual está o Divino
Mesmo a quo que é chamado o Pai, o Divino Humano que é chamado o Filho, e o
Divino Procedente que é chamado Espírito Santo, e que assim Deus é um em Pessoa
e em Essência, e que este Deus é o Senhor. Se insistes, dizendo que o Senhor Mesmo
nomeou três em Mateus (28º, 19): "Ide e fazei discípulos todas as nações, batizando-os
em Nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo," ; responderei que Ele disse isso, a
fim de que se soubesse que n'Ele, então glorificado, havia a Divina Trindade, como é
evidente pelo Versículo que precede imediatamente, e pelo que segue; no Versículo
que precede Ele diz que todo poder lhe tinha sido dado no Céu e sobre a terra; e, no
Versículo que segue, que Ele Mesmo estaria com eles até à consumação do século;
assim fala d'Ele Só e não de Três. Agora, quanto ao que concerne a Divina
Providência, e porque ela permitiu que os cristãos adorassem um só Deus sob três
pessoas, o que é adorar três Deuses, e como se dá que até aqui eles tenham Ignorado
que Deus é um em Pessoa e em Essência, no qual há a Trindade, e que este Deus é o
Senhor, não é o Senhor, mas é o homem mesmo que é a causa disso; o Senhor o
ensinou claramente em Sua Palavra, como pode-se ver por todas as passagens que
foram referidas na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor; também o ensinou na
Doutrina de todas as Igrejas, na qual se diz que seu Divino e seu Humano são, não
dois, mas uma única Pessoa, unidos como a alma e o corpo. Mas se se dividiu o Divino
e o Humano, e se se fez o Divino igual ao Divino de Jeová o Pai, e o Humano igual ao
humano de um outro homem, a causa primeira foi que a Igreja, após o seu levantar,
caiu em uma Babilônia que transferiu para ela o poder Divino do Senhor; todavia, para
que não se dissesse que era o poder Divino, mas unicamente o humano, os chefes
fizeram o Humano do Senhor semelhante ao humano de um outro homem; e mais
tarde, quando a Igreja foi reformada, e a fé só, que é que Deus Pai tem piedade por
causa do Filho, foi recebida como único meio de salvação, o Humano do Senhor não
pôde mais tampouco ser considerado de outro modo; se não o pôde, é porque ninguém
pode se dirigir ao Senhor, nem reconhecê-lo de coração pelo Deus do Céu e da terra, a
não ser aquele que vive segundo Seus preceitos; no Mundo espiritual, onde cada um é
obrigado a falar como pensa, ninguém pode mesmo mencionar Jesus, senão aquele
que no mundo viveu como cristão; e isto, pela Divina Providência, a fim de que seu
Nome não seja profanado.
263. Mas, a fim de que o que acaba de ser dito se torne mais evidente, acrescentarei o
que foi referido na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor, nºs 60 e 61; ei-lo: "Que
Deus e o Homem no Senhor, segundo a Doutrina, sejam não duas Pessoas, mas uma
só, e absolutamente uma, como a alma e o corpo são um, vê-se claramente por um
grande número de declarações do Senhor Mesmo. Por exemplo: que o Pai e ele são
um; que tudo que é do Pai é d'Ele, e que tudo que é d'Ele é do Pai; que Ele está no
Pai, e que o Pai está n'Ele; que todas as cousas lhe foram dadas em mão; que todo
poder lhe pertence; que Ele é o Deus do Céu e da terra; que o que crê n'Ele tem a vida
eterna; e que a cólera de Deus permanece sobre aquele que não crê n'Ele; e, além
disso, que não somente o Divino, mas também o Humano foram elevados ao Céu, e
que quanto a um e a outro Ele está sentado à direita de Deus, isto é, que Ele é
Onipotente; e muitas outras passagens da Palavra sobre seu Divino Humano, referidas
acima em grande quantidade, que atestam todas, que Deus é um tanto em Pessoa
como em Essência, que n'Ele está a Trindade, e que este Deus é o Senhor. Se
estas cousas concernentes ao Senhor são divulgadas agora pela, primeira vez, é
porque foi predito no Apocalipse, Caps. 21º e 22º, que uma Nova Igreja, na qual esta
Doutrina teria o primeiro lugar, seria instituída pelo Senhor no fim da precedente; é esta
Igreja que é entendida aí pela Nova Jerusalém, na qual ninguém pode entrar a não ser
que reconheça o Senhor só pelo Deus do Céu e da terra; é por isso que esta Igreja aí é
chamada a Esposa do Cordeiro; e posso anunciar aqui, que todo o Céu reconhece o
Senhor só, e que aquele que não o reconhece não é admitido no Céu; pois é pelo
Senhor que o Céu é o Céu; este reconhecimento mesmo, procedente do amor e da fé,
faz com que todos aí estejam no Senhor e que o Senhor esteja neles, como Ele Mesmo
o ensina em João (14º, 20): "Naquele dia conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós
em Mim, e eu em vós ; além disso, no mesmo (15, 4, 5, 6): "Permanecei em Mim, e Eu
em vós; Eu sou a cepa; vós, os sarmentos; aquele que permanece em Mim, e Eu nele,
esse dá muito fruto; pois sem Mim nada podeis fazer. Se alguém não habita em Mim, é
lançado fora; e também 17º, 22, 23. Se este doutrinal, tirado da Palavra, não foi visto
antes, é porque se tivesse sido visto mais cedo não teria. sido entretanto recebido, pois
o Julgamento Final não havia ainda sido feito, e antes deste Julgamento o poder do
inferno prevalecia sobre o poder do Céu, e o homem está no meio entre o Céu e o
inferno; se portanto este doutrinal tivesse sido visto antes, o diabo, isto é, o inferno, o
teria arrancado do coração dos homens, e mesmo o teria profanado. Este estado de
poder do inferno foi inteiramente destruído pelo Julgamento Final, que está agora
terminado; depois deste Julgamento, assim agora, todo homem que quer ser ilustrado
e se tornar sábio o pode.
264. II. Pode se elevar uma dúvida contra a Divina Providência, disto que até ao
presente ignorou-se que em cada cousa da Palavra há um sentido espiritual, e
que daí vem à santidade da Palavra.
Com efeito, pode-se fazer nascer uma dúvida contra a Divina Providência, dizendo: Por
que foi isto revelado agora pela primeira vez? Além disso: Por que isto o foi por este ou
por aquele, e não por um Primaz da Igreja? Mas que seja por um Primaz, ou o servidor
de um Primaz, é ao bel-prazer do Senhor. Ele sabe qual é um e qual é o outro. Todavia
se este: sentido da Palavra não foi revelado mais cedo, eis as razoes: I. É que, se
tivesse sido revelado mais cedo, a Igreja o teria profanado, e por isso teria profanado a
santidade mesma da Palavra. II. Os veros reais também, nos quais consiste o sentido
espiritual da Palavra, não foram revelados pelo Senhor senão depois que o Julgamento
final foi cumprido, e quando uma Nova Igreja, que é entendida pela Santa Jerusalém, ia
ser instaurada pelo Senhor. Mas estes dois pontos vão ser examinados
separadamente:
Primeiramente: O sentido espiritual da Palavra não foi revelado mais cedo,
porque se o tivesse sido mais cedo, a Igreja o teria profanado, e por isso teria,
profanado a Santidade mesma da Palavra. A Igreja, pouco tempo depois de sua
instauração, foi mudada em Babilônia, e depois em Filistia; a Babilônia, é verdade,
reconhece a Palavra, mas não obstante a despreza, dizendo que o Espírito Santo os
inspira em seu supremo julgamento do mesmo modo que inspirou os Profetas; se
reconhecem a Palavra, é por causa do vicariato estabelecido segundo as palavras do
Senhor a Pedro; mas a, verdade é que a desprezam, porque ela não se acorda com
suas vistas; é mesmo por isso que foi tirada do povo, e encerrada nos mosteiros onde
poucas pessoas a lêem; se portanto o sentido espiritual da Palavra, no qual está o
Senhor e ao mesmo tempo toda a sabedoria angélica, tivesse sido descoberto, a
Palavra teria sido profanada, não somente como, isto acontece, em seus últimos que
são o que ela contém no sentido da letra, mas também nos seus íntimos. A Filistia,
pela qual é, entendida a fé separada da caridade, teria profanado o sentido espiritual da
Palavra, porque põe a salvação em algumas palavras que se pensa e se pronuncia, e
não nos bens que se faz como foi mostrado acima, e assim faz salvifico o que não é
salvifico, e, além disso, afasta o entendimento das cousas que se deve crer; que
podem eles ter de comum com a luz, em que está o sentido espiritual da Palavra? Não
estará ela mudada em trevas? Quando o sentido natural é mudado em trevas, o que
não aconteceria ao sentido espiritual? Entre os que se confirmaram na fé separada da
caridade, e na justificação por ela só, quem é que quer saber o que é o bem, o que é o
amor para com o Senhor e em relação ao próximo, o que é a caridade e os bens da
caridade, o que são as boas obras, e o que é fazer, e mesmo o que é a fé em sua
essência, e conhecer algum vero real que a constitui? Escrevem volumes, e confirmam
unicamente o que chamam a fé; e, todas as cousas que acabam de ser mencionadas,
eles dizem que estão nesta fé. Por isso, é evidente que se o sentido espiritual da
Palavra tivesse sido descoberto antes, aconteceria o que o Senhor disse em Mateus
(6º, 23): "Se teu olho é mau, todo teu corpo será tenebroso; se portanto a luz que em ti
está se torna trevas, quão grandes as trevas!"; pelo olho, no sentido espiritual da
Palavra, é entendido o entendimento.
Segundamente: Os veros reais também, nos quais consiste o sentido espiritual
da Palavra, não foram revelados pelo Senhor sendo depois que o Julgamento
final tinha sido cumprido, e quando unia Nova Igreja, que é entendida pela Santa
Jerusalém, ia ser instaurada pelo Senhor. Foi predito pelo Senhor, no Apocalipse,
que depois que o Julgamento final fosse cumprido, os veros reais seriam descobertos,
uma nova Igreja seria instaurada, e o sentido espiritual desvendado; que o Julgamento
final tenha sido cumprido, isto' foi mostrado no Opúsculo sobre o Julgamento Final, e
em seguida na Continuação deste Opúsculo; é isto que é entendido pelo céu e a terra
que deviam passar, Apoc. Cap. 21º, 1. Que os veros reais deviam então ser
descobertos, isto está predito por estas palavras no Apocalipse Vers. 5: ''Aquele que
estava assentado sobre o Trono disse: Eis, novas todas as cousas faço"; e também
Cap. 19º, 17, 18; 21º, 18 a 21; 22º, 1, 2. Que então o sentido espiritual da Palavra
devia' ser desvendado, vê-se, Cap. 19º, 11 a 16; isto é entendido pelo Cavalo branco
sobre o qual estava assentado. Aquele que era chamado a Palavra de Deus, e que era
o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; ver a esse respeito o Opúsculo sobre o Cavalo
Branco. Que pela Santa Jerusalém seja entendida, uma Nova Igreja, que deve então
ser instaurada pelo Senhor, vê-se na Doutrina da Nova Jerusalém sobre o Senhor, nº
62 a 65, onde isto foi mostrado. Dai portanto é evidente que o sentido espiritual da
Palavra devia ser revelado para a nova Igreja, que reconhecerá e adorará o Senhor só,
considerará sua Palavra como santa, amará os Divinos Veros, e rejeitará a fé separada
da caridade; mas sobre este sentido da Palavra, ver maiores detalhes na Doutrina da
Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nº 5 a 26, e seguintes; por exemplo: o que é o
sentido espiritual, nº 5 a 26; que há um sentido espiritual em todas e cada uma das
cousas da Palavra, nº 9 a 17; que é por este sentido espiritual que a Palavra é
Divinamente inspirada, e santa em cada palavra, nºs 18 e 19; que o sentido espiritual
da Palavra não foi conhecido até ao presente, e porque não foi revelado antes, nº 20 a
25; que o sentido espiritual não será dado depois senão ao que está pelo Senhor nos
veros reais, nº 26. Por estas explicações, pode-se agora ver que é pela Divina
Providência do Senhor que o sentido espiritual foi escondido ao mundo até este século,
e que durante esse tempo foi reservado no Céu entre os Anjos, que dele haurem sua
sabedoria. Este sentido foi conhecido e também cultivado entre os antigos que viveram
antes de Moisés; mas como seus descendentes haviam convertido as
correspondências, das quais unicamente era composta a sua Palavra e por
conseguinte sua religião, em diversas idolatrias, e no Egito em magia, este sentido foi
fechado pela Divina Providência do Senhor, primeiro entre os filhos de Israel, e depois
entre os cristãos, pelas razões mencionadas acima, e agora pela primeira vez foi
aberto para a Nova Igreja do Senhor.
265. III. Pode-se elevar uma dúvida contra a Divina Providência, disto que até ao
presente não se soube que fugir dos males como pecados é a Religião Cristã
mesma.
Que seja isso a Religião Cristã mesma, foi isso mostrado na Doutrina de Vida para a
Nova Jerusalém, desde o começo até ao fim; e como a fé separada da caridade é o
único obstáculo a que isso seja recebido, tratou-se também desta fé. Diz-se que não se
soube que fugir dos males como pecados é a Religião Cristã mesma, porque quase
todos não o sabem, e entretanto cada um o sabe, ver acima, nº 258; se não obstante
quase todos não o sabem, é porque a fé separada o obliterou, pois ensina que é a fé só
que salva, e não alguma, boa obra ou algum bem da caridade; além disso também,
que não se está sob o jugo da lei, mas na liberdade; os que alguma vez ouviram uma,
tal doutrina não pensam mais em mal algum da vida; cada homem é mesmo inclinado
por sua natureza a abraçar essa doutrina, e quando uma vez a abraçou, não pensa
mais no estado de sua vida; eis o que faz com que não se o conheça. Que se não o
conheça, é o que me foi descoberto no mundo espiritual; perguntei a mais de mil
recém-vindos do mundo, se sabiam que fugir dos males como pecado é a Religião
mesma, disseram-me que não o sabiam, e que isso era alguma cousa nova de que não
tinham ouvido falar até então, mas que tinham ouvido dizer que não se pode fazer o
bem por si mesmo, e que não se está mais sob o jugo da lei; quando lhes perguntei se
não sabiam que o homem deve se examinar, ver seus pecados, fazer penitência, e
depois começar uma vida nova, e que de outro modo os pecados não são remidos, e
que se os pecados não são remidos, não se é salvo, e que isto era lido em voz alta
diante deles todas as vezes que se apresentavam à Santa Cela, respondiam que
tinham prestado atenção não a isso, mas unicamente a que pelo Sacramento da Ceia
havia para eles remissão dos pecados, e que a fé operava o resto à sua revelia. Eu
lhes dizia ainda: "Por que ensinastes o Decálogo a vossos filhos? Não foi a fim de que
soubessem quais são os males que são pecados de que é preciso fugir? Foi somente a
fim de que soubessem e cressem, e não a fim de que os fizessem? Por que dizeis
então que isto é novo?" A estas perguntas eles nada podiam responder, senão que o
sabiam, e contudo não o sabiam; que não pensavam absolutamente no sexto preceito
quando cometiam adultério, quando cometiam clandestinamente algum roubo ou
alguma fraude, e assim com os outros preceitos; que pensavam ainda menos que tais
ações fossem contra a Lei Divina, por conseqüência contra Deus. Quando lhes
relembrei várias cousas tiradas das Doutrinas das Igrejas e da Palavra, que
confirmavam que fugir dos males e tê-los em aversão como pecados é a Religião
Cristã mesma, e que cada um tem a fé conforme foge deles e os tem em aversão, eles
guardaram silêncio; mas foram confirmados que isto é verdade, quando viram que
todos eram examinados quanto à vida, e julgados segundo os fatos, e ninguém o era
segundo a fé separada da vida, pois que cada um tem a fé segundo a vida. Se o
Mundo cristão, quanto à maior parte, não soube esta verdade, é por esta Lei da Divina
Providência, que seja deixado a cada um agir pelo livre segundo a razão, nº 71 a 99, e
nº 100 a 128; além disso, por esta Lei, que ninguém seja instruído imediatamente do
Céu, mas o seja mediatamente pela Palavra, pela Doutrina e pelas Pregações segundo
a Palavra, nº 154 a 174; e, além disso, segundo todas as Leis de permissão, que são
também Leis da Divina Providência. Ver sobre estas Leis vários detalhes, acima, nº
258.
274. IV. Pode-se elevar uma dúvida contra a Divina Providência, disto que até ao
presente não se soube que o homem vive homem depois da morte, e de que isso
não foi descoberto antes.
Se não se soube isso, é porque naqueles que não fogem dos males como pecados há
interiormente escondida à crença, de que o homem não vive depois da morte, e é por
isso que consideram como de nenhuma importância, seja que se diga que o homem
vive depois da morte, seja que se diga que ele ressuscitará no dia do julgamento final;
e se por acaso algum tem fé na ressurreição, diz em si mesmo: "Não me acontecerá
pior do que aos outros; se vou para o inferno, estarei em numerosa companhia; e do
mesmo modo se vou para o Céu". Mas, entretanto em todos que têm alguma religião,
há ínsito o conhecimento de que vivem homens depois da morte; a idéia de que vivem
almas e não homens está unicamente nos que a própria inteligência enfatuou, e não
nos outros. Que nos que têm alguma religião há ínsito o conhecimento de que vive
homem depois da morte, isso é evidente pelas considerações seguintes: 1º Quem é
que pensa de outro modo no momento da morte? 2º Há um panegirista que, em suas
lamentações sobre os mortos, não os eleve ao Céu, não os coloque entre os anjos, em
conversação com eles e partilhando sua alegria? Sem alar da apoteose de alguns. 3º
Quem é, entre o vulgo, que não crê que, quando morrer, se viveu bem, irá para o
paraíso celeste, será revestido de uma vestimenta branca, e gozará da vida eterna? 4º
Qual é o sacerdote que não diz tais ou semelhantes cousas a um moribundo? E
quando diz isso, ele mesmo também o crê, desde que ao mesmo tempo não pense no
julgamento final. 5º Quem é que não crê que seus filhos estão no Céu, e que depois da
morte ai verá sua esposa que amou? Quem é que pensa que são espectros, ou, o que
é mais, que são almas ou mentes adejando no Universo? 6º Que me que contradiz,
quando alguém fala da sorte e do estado dos que passaram do tempo para a vida
eterna? Falei a muitos do estado e da sorte de tais e tais pessoas, e ainda não ouvi
algum deles me responder que não havia agora para eles sorte alguma, mas que
haverá no tempo do julgamento. 7º Quem é que vendo anjos quer em pintura quer em
escultura, não reconhece que são tais? Quem é que então pensa que são espíritos
sem corpo, sopros ou nuvens, como imaginam alguns eruditos? 8º Os Católicos
romanos acreditam que seus santos são homens no Céu, e os outros algures; os
Maometanos o crêem também de seus defuntos; os Africanos mais do que os outros;
semelhantemente um grande número de nações; porque os cristãos reformados não o
creriam, eles que o sabem pela Palavra? 9º Deste conhecimento ínsito em cada um,
resulta também que alguns aspiram à imortalidade do renome, pois este conhecimento
se muda em amor do renome em alguns, e em façanhas de heróis e de valentes
homens de guerra. 10º Procurou-se, no mundo espiritual, se este conhecimento era
ínsito em todos, e descobriu-se que era em todos em sua idéia espiritual, que pertence
ao pensamento interno, mas não do mesmo modo em sua idéia natural que pertence
ao pensamento externo. Por estas considerações pode-se ver que nenhuma dúvida
deve se elevar contra a Divina Providência do Senhor, de que se creia que agora, pela
primeira vez, foi descoberto que o homem vive homem depois da morte. É somente o
sensual do homem, que quer ver e tocar o que deve crer; aquele que não pensa acima
do sensual está nas trevas da noite sobre o estado de sua vida.
OS MALES SÃO PERMITIDOS PARA UM FIM, QUE É A SALVAÇÃO.
275. Se o homem nascesse no amor em que foi criado não estaria em mal algum, e
mesmo não saberia o que é o mal, pois aquele que não esteve no mal, e que, por
conseguinte não está no mal, não pode saber o que é o mal; se lhe dissessem que tal
ou tal cousa é um mal, não creria isso possível; este estado é o estado de inocência,
em que estiveram Adão e Eva sua esposa; a nudez de que não coravam significava
este estado. O conhecimento do mal, depois da queda, é entendido pela ação de
comer da árvore da ciência do bem e do mal. O amor, no qual o homem foi criado, é o
amor do próximo, a fim de que lhe queira tanto bem quanto quer para si mesmo, e mais
ainda, e que esteja no prazer de seu amor, quando lhe faz bem, quase como um pai
que o faz a seus filhos. Este amor é verdadeiramente humano, pois nele há o espiritual
pelo qual é distinguido do amor natural, em que estão os animais brutos; se o homem
nascesse neste amor nasceria não na obscuridade da ignorância, como todo homem
agora, mas em uma certa luz da ciência e também da inteligência, nas quais entraria
em pouco tempo; e a princípio, é verdade, andaria como um quadrúpede, mas com um
esforço ínsito de se levantar sobre seus pés; pois, ainda, que quadrúpede, o fato é que
não abaixaria a face para a terra, mas a ergueria para o Céu, e se endireitaria, como
poderia também fazê-lo.
276. Mas quando o amor do próximo foi mudado em amor de si, e que este amor
aumentou, o amor humano foi mudado em amor animal, e de homem que era o
homem se tornou besta, com esta diferença, que podia pensar o que pelo corpo sentia,
e distinguir racionalmente uma, cousa de outra, e que podia ser instruído, e se tornar
homem civil e moral, e por fim homem espiritual; pois, como foi dito, há no homem o
espiritual, pelo qual é distinguido do animal bruto; pelo espiritual, com efeito, pode
saber o que é o mal civil e o bem civil; depois, o que é o mal moral e o bem moral; e
também, se o quer, o que é o mal espiritual e o bem espiritual. Quando o amor do
próximo foi mudado em amor de si, não foi mais possível que o homem nascesse na
luz da ciência e da inteligência, mas não podia mais senão nascer na obscuridade da
ignorância, porque nascia inteiramente no último da vida, que é chamado
sensual-corporal, e ser introduzido por ele nos interiores da mente natural por meio de
instruções, o espiritual acompanhando-o sempre. Veremos no que segue por que ele
nasce no último da vida, que é chamado sensual corporal, e por conseqüência na
obscuridade da ignorância. Que o amor do próximo e o amor de si sejam amores
opostos, cada um pode vê-lo; com efeito, o amor do próximo quer por si mesmo o bem
a todos, mas o amor de si quer que todos lhe façam o bem; o amor do próximo quer
servir a todos os outros, e o amor de si quer que todos o sirvam; o amor do próximo
considera, todos outros como seus irmãos e como seus amigos, mas o amor de si
considera todos os outros como seus domésticos, e, se não se põem a seu serviço,
como seus inimigos; em uma palavra, o amor de si considera a si só, e mal considera
os outros como homens, que em seu coração estima menos que a seus cavalos e a
seus cães; e como são tão vis a seus olhos, considera como pouca cousa fazer-lhes
mal; daí os ódios e as vinganças, os adultérios e as escortações, os roubos e as
fraudes, as mentiras e as blasfêmias, as violências e as crueldades, e outros excessos
semelhantes. Estão aí os males em que está o homem de nascença. Que estes males
sejam permitidos para um fim, que é a salvação, é o que vai ser demonstrado nesta
ordem: I. Todo homem está no mal, e deve ser retirado do mal para que seja
reformado. II. Os males não podem ser afastados a não ser que se mostrem. III. Tanto
quanto os males são afastados, tanto são remidos. IV. Assim a permissão do mal é
para este fim que haja salvação.
277. I. Todo homem está no mal, e deve ser retirado do mal para que seja
reformado.
Que em cada homem haja o mal hereditário, e que por este mal o homem esteja na
cobiça de vários males, é o que é conhecido na Igreja; e daí vem que o homem por si
mesmo não pode fazer o bem, pois o mal não faz o bem, a não ser que seja um bem
no qual interiormente está o mal; o mal que está interiormente consiste em que ele faz
o bem para ele mesmo, e assim a fim de que fique em evidência. Que este mal
hereditário vem dos pais, isso é sabido; se diz que vem de Adão e de sua esposa, mas
é um erro; pois cada um nasce nesse mal por seu pai, e seu pai ai estava pelo seu, e
este também pelo seu, e é assim transferido sucessivamente de um para, o outro, por
conseqüência aumenta e cresce como em um montão, e é transmitido à posteridade;
vem daí que nos homens nada há de íntegro, mas que é todo inteiro o mal. Quem é
que sente que se amar mais que aos outros é um mal? Quem é que, por conseguinte,
sabe que isso é um mal? E, entretanto é a cabeça dos males. Que o mal hereditário
vem dos pais, dos avós e dos antepassados, isto é evidente por muitas cousas
conhecidas no' mundo; assim, pela distinção das casas, das famílias, e mesmo das
nações só pela inspeção das faces; ora as faces são os tipos das mentes (animi), e as
mentes são conforme as afeições que pertencem ao amor; por vezes também a face
do avô retorna no neto ou no bisneto; conheço pela simples inspeção da face se um
homem é judeu ou não é; conheço do mesmo modo de que estirpe saem algumas
pessoas; e não duvida de que outros também o conheçam igualmente. Se as afeições
que pertencem ao amor são assim derivadas dos pais e transmitidas, segue-se que se
dá o mesmo com os males, pois que estes pertencem às afeições. Mas vai ser dito
agora donde vem esta semelhança: A alma de cada um vem do pai, e é unicamente
revestida de um corpo pela mãe; que a alma vem do pai, isto, resulta não somente do
que acaba de ser referido acima, mas também de vários outros índices, e mesmo
deste, que o filho de um negro ou mouro, por uma mulher branca ou européia, nasce
negro, e vice-versa; e principalmente porque a alma está na semente, pois é pela
semente que se faz a impregnação, e é a semente que é revestida de um corpo pela
mãe; a semente é a primeira forma do amor no qual está o pai, é a forma do seu amor
dominante com as mais próximas derivações, que são as afeições íntimas deste amor.
Estas afeições em cada um são veladas de todo lado por cousas decentes que
pertencem à vida moral, e por bens que pertencem em parte à vida civil e em parte à
vida espiritual; é isto o que faz o externo da vida, mesmo nos maus; neste externo da
vida, nasce toda criança; daí vem que ela é amável; mas à medida que cresce ou se
torna adolescente, vai deste externo para os interiores, e por fim para o amor
dominante de seu pai; se este amor foi mau, e se não foi temperado e sujeitado nele
pelos meios da educação, seu amor se torna tal qual era o de seu pai. Todavia, o mal
não é jamais extirpado, mas unicamente afastado; falar-se-á disso no que segue. Por
isto pode-se ver que todo homem está no mal.
277 (bis). Que o homem deve ser retirado do mal para que seja reformado, isso é
evidente sem explicação; com efeito, aquele que está no mal do mundo está no mal
depois de sua saída do mundo; se, portanto no mundo o mal não foi afastado, não o
pode ser mais tarde; onde a árvore cai permanece estendida; do mesmo modo também
a vida do homem permanece tal qual era quando morre, cada um por isso é julgado por
seus feitos, não que sejam enumerados, mas porque ele volta a eles e age
semelhantemente; pois a morte é a continuação da vida, com esta diferença, que então
o homem não pode mais ser reformado. Toda reforma se faz no pleno, quer dizer, nos
primeiros e ao mesmo tempo nos últimos; e os últimos são reformados no mundo de
uma maneira conforme aos primeiros, e não o podem ser mais tarde porque os últimos
da vida, que o homem leva consigo depois da morte, se repousam e conspiram, quer
dizer, fazem um com os interiores.
278. II. Os males não podem ser afastados, a não ser que se mostrem.
É entendido por isso não que o homem deve fazer os males para o fim de que se
mostrem, mas que deve se examinar e pesquisar não somente suas ações, mas
também seus pensamentos, e o que faria se não temesse as leis e a desonra,
principalmente quais são os males que em seu espírito considera como lícitos, e que
não considera como pecados, pois estes todavia ele os comete. É para que o homem
se examine que o entendimento lhe foi dado, e este entendimento foi separado da
vontade, a fim de que saiba, compreenda e reconheça o que é o bem e o que é o mal,
além disso, também a fim de que veja qual é a sua vontade, ou o que ama e o que
deseja; para que o homem veja isso, foi dado a seu entendimento um pensamento
superior e um pensamento inferior, ou um pensamento interior e um pensamento
exterior, a fim de que pelo pensamento superior ou interior veja aquilo de que a vontade
se ocupa no pensamento inferior ou exterior; ele o vê como um homem vê sua face em
um espelho; e quando o vê e conhece que é um pecado, pode, se implora o socorro do
Senhor, não querer este pecado, fugir dele, e depois agir contra ele, senão livremente,
pelo menos reduzi-lo por um com'bate, e por fim tê-lo em aversão e em abominação; e
então pela primeira vez percebe e sente também que o mal é o mal, e que o bem é o
bem, mas não antes. É isto, pois examinar-se, ver seus males e os reconhecer,
confessá-los e depois renunciar a eles. Mas como há poucos que saibam que é isto a
Religião Cristã mesma, porque só aquêles que agem assim têm a caridade e a fé, e
que só eles são conduzidos pelo Senhor, e fazem o bem por Ele, dir-se-á alguma
cousa daqueles que não agem assim e que não obstante imaginam ter religião; estes
são: 1º) Os que se confessam culpados de todos os pecados, e não procuram nenhum
deles em si. 2º) Os que, pela religião, omitem a pesquisa. 3º) Os que por causa de
cousas mundanas, não pensam absolutamente nos pecados, e, por conseguinte não
os conhecem. 4º) Os que dão seu favor aos pecados e que, por conseguinte não
podem conhecê-los. 5º) Em todos esses os pecados não se mostram, e por
conseqüência não podem ser afastados. 6º) Em último lugar, será desvendada qual é a
causa, até ao presente desconhecida, pela qual os males não podem ser afastados, a
não ser que sejam procurados, ,que não se mostrem, que não sejam reconhecidos,
não sejam confessados, e que não se resista a eles.
278 (bis). Mas é preciso examinar separadamente cada um destes pontos, porque
estão aí as principais cousas da Religião Cristã, da parte do homem.
Primeiramente: Dos que se confessam culpados de todos os pecados, e não
procuram nenhum deles em si. Dizem: "Sou um pecador; nasci nos pecados; nada
há de são em mim da cabeça aos pés; não sou senão mal; Deus bom! Sê propício,
perdoa-me, purifica-me, salva-me; faz com que ande na pureza, e no caminho do
justo", além de várias outras cousas semelhantes; e entretanto nenhum dentre eles se
examina, e por conseqüência não conhece mal algum em si; ora, ninguém pode fugir
daquilo que não conhece, e ainda menos combatê-lo; um tal homem por isso se crê
puro e lavado após suas confissões, quando entretanto da cabeça à planta dos pés ele
é impuro e não lavado; pois uma confissão de todos os pecados é um adormecimento,
e por fim uma cegueira; é como um universal sem singular algum, o que nada é.
Segundamente: Dos que pela religião, omitem a pesquisa. São principalmente os
que separam a caridade da fé, pois dizem consigo mesmo: "Por que pesquisaria eu se
é um mal ou um bem? Por que, se é um mal, pois que isso não me dana? Por que, se
é um bem, pois que isso não me salva? É a fé só, pensada e enunciada com
segurança e confiança, que justifica e purifica de todo pecado; e quando uma vez fui
justificado, sou puro diante de Deus; estou, é verdade, no mal; mas Deus o lava logo
que ele se faz, e assim não aparece mais", além de várias outras cousas semelhantes.
Mas quem é que não vê, por pouco que abra os olhos, que estão aí palavras vãs, nas
quais nada há de efetivo, porque nada há do bem? Quem é que não pode pensar
assim. e falar assim, mesmo com segurança e confiança, quando ao mesmo tempo
pensa no inferno e na danação eterna? Quer um tal homem saber alguma coisa mais,
seja vero, seja bem? A respeito do vero, diz: "O que é o vero senão o que confirma
esta fé?" A respeito do bem, diz: "O que é o bem, senão o que está em mim por esta
fé? Mas para que esteja em mim eu não o farei como por mim mesmo, pois que isso é
meritório, e o bem meritório não é o bem". Assim omite todas as cousas até não saber
mais o que é o mal; então o que examinaria, ele, e o que veria ele em si? O seu estado
não se torna então este, a saber, que o fogo encerrado das cobiças do mal consome os
interiores de sua mente, e os devasta até à porta? Ele guarda unicamente esta porta, a
fim de que o incêndio não se manifeste; mas ela é aberta depois da morte, e então este
incêndio se manifesta diante de todos.
Terceiramente: Daqueles que por causa das cousas mundanas não pensam
absolutamente nos pecados, e que por conseqüência não podem conhecê-los.
São os que amam o mundo acima de todas as cousas, e não admitem vero algum que
os afaste de algum falso de sua religião, dizendo a si, mesmos: "O que é isto para
mim? Isso não pertence ao meu pensamento". Assim rejeitam o vero logo que o
ouvem; e se o ouvem o abafam. Agem quase da mesma maneira quando ouvem
pregações; não retêm delas senão algumas palavras, sem reter alguma cousa
substancial. Como agem assim em relação aos veros, não sabem por conseqüência o
que é o bem, pois o vero e o bem fazem um, e pelo bem que não vem do vero não se
conhece o mal, senão para dizer também que é um bem, o que se faz por meio de
raciocínios fundados sobre falsos. São estes que são entendidos pelas sementes que
caíram entre espinhos, e de que o Senhor fala assim: "Outras sementes caíram entre
os espinhos, e os espinhos cresceram, e as abafaram. Estes são os que ouvem a
Palavra, mas os cuidados deste século, e a ilusão das riquezas abafam a Palavra, de
sorte que se torna infrutífera" (Mat. 13º, 7, 22; Marc. 4º, 7, 18, 19; Luc. 7º, 7, 14).
Em quarto lugar: Dos que dão seu favor aos pecados, e que por conseqüência
não podem conhecê-los. São os que reconhecem Deus, e Lhe prestam culto segundo
as formas ordinárias, e que se confirmam na idéia de que um certo mal, que é um
pecado, não é um pecado; pois o disfarçam por meio de ilusões e de aparências, e
escondem assim a sua enormidade; quando fizeram isso, lhe dão seu favor, e o tornam
amigo e familiar. Diz-se que são os que reconhecem Deus que fazem isso, porque os
outros não reconhecem mal algum como pecado, pois todo pecado é contra Deus. Mas
isto vai ser ilustrado por exemplos. O homem ávido de ganho, que por meio de razões
que inventa considera como permissíveis algumas espécies de fraudes, não considera
este mal como pecado; do mesmo modo age aquele que confirma em si à vingança
contra os inimigos; e aquele que se confirma a respeito da pilhagem daqueles que não
são inimigos de guerra.
Em quinto lugar: Em todos esses os pecados não se mostram, e por
conseqüência não podem ser afastados. Todo mal que não se mostra permanece
em fomentação; é como o fogo na madeira sob as cinzas; é também como a sânie em
uma chaga que não é aberta; pois todo mal encerrado aumenta, e não cessa antes que
tudo tenha sido consumido; é por isso que, a fim de que nenhum mal seja, encerrado, é
permitido a cada um pensar a favor de Deus ou contra Deus, em favor das cousas
santas da Igreja ou contra elas, sem por isso ser punido no mundo. O Senhor se
exprime assim sobre este assunto em Isaías (1º, 6, 16, 17, 18, 20): "Desde a planta do
pé até à cabeça nada de Integridade, feridas e cicatrizes, e chaga recente, as quais
não foram nem espremidas, nem bandadas, nem amolecidas com óleo. Lavai-vos,
purificai-vos, afastai a malícia de vossas obras de diante dos meus olhos; cessai de
fazer o mal, aprendei a fazer o bem; então quando fossem vossos pecados como a
escarlata, como a neve se tornariam brancos; quando vermelhos fossem como a
púrpura, como a lã serão. Se vos recusardes, e vos rebelardes, pela espada sereis
devorados"; ser devorado pela espada significa perecer pelo falso do mal.
Em sexto lugar: Causa, até ao presente desconhecida, pela qual os males não
podem ser afastados, a não ser que sejam pesquisados, que se mostrem que
sejam reconhecidos, sejam confessados, e que se resista a eles. No que precede,
foi relatado que o Céu inteiro foi disposto em sociedades segundo as afeições do bem
opostas às cobiças do mal, e que o inferno inteiro foi disposto em sociedades segundo
as cobiças do mal opostas às afeições do bem; cada homem, quanto a seu espírito,
está em alguma sociedade, em uma sociedade celeste se está na afeição do bem, e
em uma sociedade infernal se está na cobiça do mal; o homem o ignora quando vive
no mundo; mas não obstante, quanto a seu espírito, está em alguma sociedade; sem
isso ele não pode viver, e por isso é governado pelo Senhor; se está em uma
sociedade infernal, não pode ser tirado daí pelo Senhor senão segundo as leis de Sua
Divina Providência, entre as quais está esta, que o homem veja o que ele é, que queira
sair dai, e que faça para isso esforços por si mesmo; o homem o pode quando está no
mundo, mas não depois da morte; pois então ele permanece pela eternidade na
sociedade onde se introduziu quando estava no mundo; é por esta causa que o homem
deve se examinar, ver e reconhecer seus pecados, e fazer penitência, e depois
perseverar até ao fim de sua vida. Que isto seja assim, eu poderia confirmá-lo até à
plena crença por numerosas experiências, mas não é aqui o lugar de produzir provas
tiradas da experiência.
279. III. Tanto quanto os males são afastados, tanto são remidos.
O erro do século é crer que os males são separados do homem, e mesmo lançados
fora, quando são remidos; e que o estado da vida, do homem pode ser mudado em um
momento, mesmo em um estado oposto, que assim de mau o homem possa se tornar
bom, por conseqüência ser tirado do inferno, e transferido imediatamente para o Céu, e
isso pela Misericórdia imediata dó Senhor; mas os que têm esta crença e esta opinião
não sabem absolutamente o que é o mal, nem o que é o bem, e não têm conhecimento
algum do estado da vida do homem; e não sabem absolutamente que as afeições, que
pertencem à vontade, são simples mudanças e variações de estado das substâncias
puramente orgânicas da mente; que os pensamentos, que pertencem ao entendimento,
são simples mudanças e variações de forma destas substâncias; e que a memória é o
estado permanente destas mudanças. Pelo conhecimento de todas estas cousas
pode-se ver claramente que um mal não pode-ser afastado senão sucessivamente, e
que a remissão do mal não é o seu afastamento. Mas estas cousas foram ditas
sumariamente; e se não são demonstradas, podem, é verdade, ser reconhecidas, mas
não ser apreendidas; e o que não é apreendido é como uma roda que se faz girar com
a mão; portanto as cousas que acabam de ser ditas vão ser demonstradas uma após a
outra segundo a ordem em que foram apresentadas.
Primeiramente: O erro do século é crer que os males foram separados, e mesmo
lançados fora, quando são remidos. Que todo mal, em que nasce o homem, e de
que ele mesmo se imbuiu na realidade, não seja separado do homem, mas seja
afastado, ao ponto de não se mostrar, é o que me foi dado saber do Céu; antes disso,
eu estava na crença, em que estão pela maior parte do Mundo, que os males, quando
são remidos, são rejeitados, e que são lavados e limpos, como as sujeiras da face pela
água; mas assim não é com os males em pecados; todos permanecem, e, quando
após a penitência são remidos, são repelidos do meio para os lados; e então o que
está no meio, se achando diretamente sob a. intuição, se mostra como na luz do dia, e
o que está sobre os lados se apresenta na sombra, e por vezes como nas trevas da
noite; e, pois que os males não são separados, mas são somente afastados, isto é,
relegados sobre os lados, e que o homem pode ser transferido do meio para as
periferias, pode também acontecer que retorne a seus males que acreditava terem sido
rejeitados; com efeito, o homem é tal que pode ir de uma afeição a outra, e por vezes à
afeição oposta, e assim de um meio a um outro; a afeição do homem faz o meio
enquanto ele está nela, pois então está no prazer e na luz desta afeição. Há alguns
homens que, depois da morte, são elevados pelo Senhor ao Céu, porque viveram bem,
mas que, entretanto levaram consigo a crença de que são limpos e puros de pecado, e
que por conseqüência não estão em falta alguma. Estes, a Princípio são vestidos com
vestimentas brancas segundo sua crença; pois as vestimentas brancas significam o
estado purificado dos males; mas depois começam a pensar, do mesmo modo que no
Mundo, que estão como lavados de todo mal, e, por conseguinte a se glorificar de não
serem mais pecadores como os outros, o que dificilmente pode ser separado de uma
sorte de orgulho, e de uma sorte de desprezo pelos outros comparando-os a si; então
por conseguinte, a fim de que sejam afastados de sua, crença imaginária, são
despedidos do Céu e repostos em seus males, que tinham contraído no Mundo; e ao
mesmo tempo lhes é mostrado que estão também nos males hereditários, de que, não
tinham tido conhecimento antes; e depois de terem sido assim conduzidos a
reconhecer que seus males não estão separados deles, mas estão somente afastados,
e que assim por eles mesmos são impuros, que não são mesmo senão, mal, que é
pelo Senhor que estão afastados dos males e mantidos nos bens, e que lhes parece
que é como por eles mesmos, são elevados de novo pelo Senhor ao Céu.
Segundamente: O erro do século é crer que o estado da vida do homem pode ser
mudado em um momento, que assim de mau o homem pode se tornar bom, por
conseqüência ser tirado do inferno, e transferido imediatamente para o Céu, e
isso pela Misericórdia imediata do Senhor. Neste erro estão aqueles que separam a
caridade da fé e põem a salvação na fé só; pois imaginam que só o pensamento e a
enunciação de palavras que pertencem a esta fé, se é com segurança e confiança,
justifica e salva; muitos supõem mesmo que isso se opera em um momento, senão
antes, pelo menos na última, hora da vida do homem; estes não podem fazer outra
cousa senão crer que o estado da vida do homem pode ser mudado em um momento,
e que o homem é salvo por Misericórdia imediata; mas que a Misericórdia do Senhor
não seja imediata, e que o homem não possa de mau se tomar bom em um momento,
nem ser tirado do inferno e transferido para o Céu, senão por contínuas operações da
Divina Providência desde a infância até ao fim da vida do homem, ver-se-á no último
Parágrafo deste Tratado; aqui, será somente observado que as leis da Divina
Providência têm por fim a reforma e assim a salvação do homem, por conseqüência a
inversão de seu estado, que de nascença é infernal, no oposto, que é celeste; isso não
pode ser feito senão progressivamente, à medida que o homem se retira do mal e do
prazer do mal, e entra no bem e no prazer do bem.
Terceiramente: Aqueles que têm esta crença não sabem absolutamente o que é o
mal, nem o que é o bem. Com efeito, não sabem que o mal é o prazer da cobiça de
agir e de pensar contra a ordem Divina e que o bem é o prazer de afeição de agir e de
pensar segundo a ordem Divina, que há miríades de cobiças que entram em cada mal
e o compõem, e que há miríades de afeições que semelhantemente entram em cada
bem e o compõem; e que estas miríades de cobiças nos interiores do homem estão em
uma tal ordem e um tal encadeamento que um só mal não pode ser mudado, a não ser
que todas o sejam ao mesmo tempo. Aqueles que não sabem isso podem ter a crença
ou a opinião de que o mal, que se apresenta diante deles, como único, pode facilmente
ser repelido e que o bem, que se apresenta também como único, pode ser posto no
lugar do mal. Como estes não sabem o que é o mal, nem o que é o bem, não podem
crer senão que a salvação se faça em um momento e que a misericórdia é imediata;
mas que não seja assim, ver-se-á no último Parágrafo deste Tratado.
Em quarto lugar: Os que crêem que a salvação se faça em um momento e que a
misericórdia é imediata não sabem que as afeições, que pertencem à vontade,
são simples mudanças de estado das substâncias puramente orgânicas da,
mente; que os pensamentos, que pertencem ao entendimento, são simples
mudanças e variações de forma destas substâncias; e que a memória é o estado
permanente destas mudanças e destas variações. Quem é que, ouvindo-o dizer,
não reconhece que as afeições e os pensamentos não existem senão nas substâncias
e nas formas destas substâncias, que são os sujeitos? E como existem nos cérebros,
que são cheios de substâncias e de formas, são chamadas formas puramente
orgânicas. Homem algum, que pense racionalmente, pode se impedir de rir das
fantasias dos que supõem que as afeições e os pensamentos não estão em sujeitos
substanciados, mas que são vapores modificados pelo calor e pela luz, como imagens
que aparecem no ar e no éter, quando, entretanto o pensamento não pode existir
separado de uma forma substancial, mais do que a vista o pode sem sua forma que é o
olho; o ouvido sem a sua que é orelha, e o paladar sem a sua que é a língua.
Considera o cérebro, e verás inumeráveis substâncias e inumeráveis fibras, e que nada
há ai que não tenha sido organizado; que necessidade há de uma outra confirmação
que a que é dada pelo olho? Mas pergunta-se o que é uma afeição e o que é um
pensamento nos sujeitos substanciados; Isso pode ser deduzido de todas e de cada
uma das cousas que estão no corpo; há aí um grande número de vísceras, cada uma
em seu lugar fixo, e elas desempenham suas funções por mudanças e variações de
estado e de forma; que cada uma esteja em suas operações, isso é notório, o
estômago nas suas, os intestinos nas deles, os rins nas deles, o fígado, o pâncreas, o
baço, cada um nas suas, o Coração e o pulmão nas deles e todas estas operações são
movidas só intrinsecamente; ora, ser movido intrinsecamente é o ser por mudanças e
variações de estado e de forma. Por isso pode-se ver que as operações das
substâncias puramente orgânicas da mente são de uma natureza semelhante, com
esta diferença que as operações das substâncias orgânicas do corpo são naturais, e
que as da mente são espirituais, e que umas e outras fazem um pelas
correspondências. Não se pode mostrar ao olho quais são as mudanças e as variações
de estado e de forma das substâncias orgânicas da mente, que são as afeições e os
pensamentos; mas entretanto pode-se vê-las, como em um espelho, pelas mudanças e
as variações de estado do pulmão na linguagem e no canto; e há mesmo
correspondência, pois o som da linguagem e do canto, e também as articulações do
som, que são as palavras da linguagem e as modulações do canto, se fazem pelo
pulmão; ora, o som corresponde à afeição, e a linguagem ao pensamento; são por isso
produzidos pela afeição e o pensamento, e isso se faz pelas mudanças e variações de
estado e de forma das substâncias orgânicas do pulmão, e segundo o pulmão pela
traquéia artéria na laringe e na glote, depois na língua, e por fim nos lábios; as
primeiras mudanças e variações de estado e de forma do som se fazem no pulmão, as
segundas na traquéia e no laringe, as terceiras na glote pelas diferentes aberturas de
seu orifício, as quartas na língua por suas diferentes aplicações ao palato e aos dentes,
as quintas nos lábios por diferentes formas; por isto, pode-se ver que as simples
mudanças e variações de estado das formas orgânicas, sucessivamente continuadas,
produzem os sons e suas articulações que pertencem à linguagem e ao canto. Ora,
como o som e a linguagem não são produzidos de outra parte senão pelas afeições e
os pensamentos da mente, pois é por eles que existem, e sem eles não existiriam, é
evidente que as afeições da vontade são as mudanças e variações de estado das
substâncias puramente orgânicas da mente, e que os pensamentos do entendimento
são mudanças e variações de forma destas substâncias; semelhantemente como nas
substâncias pulmonares. Pois que as afeições e os pensamentos são puras mudanças
de estado das formas da mente, segue-se que a Memória não é outra cousa senão o
estado permanente destas mudanças; pois todas as mudanças e variações de estado
nas substâncias orgânicas são tais que, uma vez tornadas habituais, persistem; assim
o pulmão está habituado a produzir diversos sons na traquéia, a variá-los na glote, e a
articulá-los na língua, e a modelá-los na boca; e quando estas partes orgânicas a isso
foram uma vez habituadas, estes sons estão nelas e podem ser reproduzidos. Que
estas mudanças e variações sejam infinitamente mais perfeitas nas partes orgânicas
da mente do que nas partes orgânicas do corpo, vê-se pelo que foi dito no Tratado do
Divino Amor e da Divina Sabedoria, nº 119 a 204, onde foi mostrado que todas as
perfeições crescem e sobem com os graus e segundo os graus; sobre este assunto,
ver maiores detalhes abaixo, nº 319.
280. Que os pecados, quando foram remidos, tenham sido também afastados, está aí
ainda um erro do século; neste erro estão os que crêem que pelo sacramento da Ceia
os pecados lhes foram remidos, embora não os tenham afastado deles pela penitência;
neste erro estão também os que crêem ser salvos pela fé só; além disso ainda os que
crêem, na Misericórdia imediata e na salvação em um momento. Mas quando a
proposição é invertida, se torna uma verdade; a saber, que quando os pecados foram
afastados, são também remidos; pois a penitência deve preceder a remissão, e sem a
penitência não há remissão alguma; é por isso que o Senhor ordenou aos discípulos
que pregassem a penitência para a remissão dos pecados (Luc. 24º, 47); e João
pregou um batismo de penitência para remissão dos pecados (Lucas 3º, 3). A todos o
Senhor redime de seus pecados, Ele não acusa e não imputa, mas contudo não pode
retirá-los senão segundo as leis de Sua Divina Providência; pois uma vez que disse a
Pedro que lhe perguntava quantas vezes devia perdoar a seu irmão que pecasse
contra ele, se seria até sete vezes que devia perdoar-lhe até setenta vezes sete (Mat.
18º 21, 22); o que não deve fazer o Senhor, que é a Misericórdia mesma?
281. IV. Assim a permissão do mal é para este fim que haja salvação.
Sabe-se que o homem está na plena liberdade de pensar e de querer, mas não na
plena liberdade de dizer e de fazer o que pensa e quer; pois pode pensar como um
ateu, negar Deus, e blasfemar as cousas santas da Palavra e da Igreja; pode mesmo
querer por palavras e ações destruí-las inteiramente, mas as leis civis, morais e
eclesiásticas a isso se opõem; é por isso que alimenta em seu interior estas
impiedades e estas perversidades pensando nelas e as querendo, e por isso tendendo
para elas, sem contudo as fazer. O homem que não é ateu está também na plena
liberdade de pensar várias cousas que pertencem ao mal, por exemplo, fraudes,
lascívias, vinganças e outras loucuras, o que faz às vezes. Quem que pode crer que se
o homem não tivesse uma plena liberdade não somente não poderia ser salvo, mas
mesmo pereceria por inteiro? Que se saiba pois a causa: Todo homem de nascença
está nos males de vários gêneros; estes males estão na vontade, e as cousas que
estão na vontade são amadas, pois o que o homem quer pelo interior ele o ama, e o
que ama ele o quer; e o amor da vontade influi no entendimento, e faz com que seu
prazer ai seja sentido; dai vem aos seus pensamentos, e também às suas intenções;
se portanto não fosse permitido ao homem pensar segundo o amor de sua vontade,
amor que foi insitado nele pelo hereditário, este amor permaneceria fechado e não viria
jamais à vista do homem; ora, o amor do mal que não se mostra é como um inimigo
em emboscada, como a sânie em uma úlcera, como veneno no sangue, e como uma
podridão no peito; se estas cousas são conservadas fechadas levam à morte. Mas
quando é permitido ao homem pensar os males do amor de sua vida até os ter em
intenção, estes males são curados pelos meios espirituais como as moléstias pelos
meios naturais. O que se tomaria o homem, se não lhe fosse permitido pensar segundo
os prazeres do amor de sua vida, é o que vai, ser dito agora. Ele não seria mais
homem, perderia suas duas faculdades, que são chamadas liberdade e racionalidade,
nas quais consiste a humanidade mesma; os prazeres destes males ocupariam os
interiores de sua mente, até ao ponto de fechar a porta; e então ele não poderia senão
dizer e fazer cousas em conformidade com estes males, e por conseqüência seria
louco não somente a seus próprios olhos, mas ainda aos olhos do mundo, e por fim
não saberia velar sua nudez; mas para que não se torne tal, lhe é permitido, é verdade,
pensar e querer os males de sua herança, mas não dizê-los e fazê-los; e durante esse
tempo ele se instrui nas cousas civis, morais e espirituais, que entram mesmo em seus
pensamentos, e afastam estas loucuras, e desta maneira ele é curado pelo Senhor,
mas entretanto não além de saber guardar a porta, a não ser que reconheça também
Deus, e implore seu socorro para poder resistir a estes males; e então tanto quanto
resiste a eles, tanto não admite estas loucuras em suas intenções, nem por fim em
seus pensamentos. Portanto, pois que está na liberdade do homem pensar como lhe
agrada, para este fim que o amor de sua vida saia de seu esconderijo para vir à luz de
seu entendimento, e pois que de outro modo nada saberia de seu mal, e por
conseqüência não poderia tampouco fugir dele, segue-se que este mal cresceria nele
ao ponto de não lhe restarem meios de reintegração, e que dificilmente o haveria em
seus filhos, se os engendrasse; pois o mal do pai passa para sua raça; mas o Senhor
provê a que isto não aconteça.
282. O Senhor poderia curar o entendimento em todo homem, e assim fazer com que
cada homem pensasse não os males, mas os bens, o poderia por meio de diversos
temores, de milagres, de conversações com os defuntos, de visões e de sonhos; mas
curar unicamente o entendimento é curar unicamente o homem no exterior; pois o
entendimento com seu pensamento é o externo da vida do homem, e a vontade com
sua afeição é o interno de sua vida; a cura do entendimento só seria, portanto como
uma cura paliativa, pela qual a malignidade interior, encerrada sem poder sair,
consumiria a princípio as partes vizinhas, e depois as partes mais afastadas, até que o
todo caísse em um estado de morte. É a vontade mesma que deve ser curada, não
pelo influxo do entendimento nela, porque este influxo não tem lugar, mas pela
instrução e a exortação segundo o entendimento. Se só o entendimento fosse curado,
o homem se tornaria como um cadáver embalsamado, ou envolvido de odorantes
aromáticos e de rosas, que em breve tirariam do cadáver um tal mau cheiro que
ninguém poderia se aproximar dele; aconteceria o mesmo com os veros celestes no
entendimento se o amor mau da vontade fosse mantido encerrado.
283. Se é permitido ao homem pensar os males até os ter em intenção é como foi dito
a fim de que sejam afastados por meio de cousas civis, de cousas morais e de cousas
espirituais, o que tem lugar quando pensa que isso é contra o justo e o eqüitativo,
contra o honesto e o decente, e contra o bem e o vero, assim contra a tranqüilidade, a
alegria e a felicidade da vida; o Senhor por meio destas três espécies de cousas cura o
amor da vontade do homem, e primeiramente, é verdade, pelos temores, mas depois
pelos amores. Entretanto, os males não são nem separados nem rejeitados do homem,
são unicamente repelidos e relegados sobre os lados; e quando estão lá, e o bem no
meio, os males então não se mostram; pois tudo o que está no meio está diretamente
sob a intuição, e é visto e percebido. Mas é preciso saber que, embora o bem esteja no
meio, o homem, entretanto não está por isso no bem, se os males que estão sobre os
lados não pendam para baixo ou para fora; se olham para cima ou para dentro, não
foram afastados, pois se esforçam sempre para voltar para o meio; pendem e olham
para baixo ou para fora, quando o homem foge de seus males como pecados, e mais
ainda quando os tem em aversão, pois então os condena e os devota ao inferno, e faz
com que olhem para esse lado.
284. O entendimento do homem é um recipiente tanto do bem como do mal, e tanto do
vero como do falso, mas não é assim com a vontade mesma do homem; esta deve
estar ou no mal ou no bem, não pode estar em um e no outro, pois a vontade é o
homem mesmo, e aí está o amor de sua vida; mas o bem e o mal no entendimento
foram separados como o interno e o externo; daí o homem pode estar interiormente no
mal e exteriormente no bem. Todavia, apesar disso, quando o homem é reformado, o
bem e o mal são postos juntos, e então há conflito e combate; se o combate é violento,
é chamado tentação; mas se não é violento, é como quando o vinho ou a cerveja
fermenta; se então o bem é vencedor, o mal com seu falso é repelido sobre os lados do
mesmo modo que a borra cai para o fundo do tonel, e o bem se torna como um vinho
generoso e uma cerveja clara após a fermentação; mas se o mal é vencedor, o bem
então com seu vero é repelido sobre os lados, e se toma turvo e corrompido como o
vinho e a cerveja que não fermentaram. A comparação é feita com o fermento porque
na Palavra o fermento (ou levedo) significa o falso do mal, como em Hoséias 7º, 4; Luc.
12º, 1; e em outros lugares.
A DIVINA PROVIDÊNCIA ESTA IGUALMENTE NOS MAUS E NOS BONS.
285. Em cada homem, tanto o bom como o mau, há duas faculdades, das quais uma
faz o entendimento e a outra a vontade; a faculdade que faz o entendimento, é que ele
pode compreender e pensar, esta por isso é chamada Racionalidade; e a faculdade
que faz a vontade, é que ele o pode livremente, a saber, pensar, e por conseguinte
também falar e fazer, desde que não seja contra a razão ou a racionalidade; pois agir
livremente é agir todas as vezes que se quer, e como se quer (esta faculdade é
chamada Liberdade). Como estas duas faculdades são perpétuas e contínuas desde
os primeiros até aos últimos em todas e cada uma das cousas que o homem pensa e
faz, e não estão no homem por ele mesmo, mas estão no homem pelo Senhor,
segue-se que a presença do Senhor estando nelas está também nos singulares e
mesmo nos muito singulares (as menores cousas) do entendimento e do pensamento
do homem, e também da vontade e da afeição, e, por conseguinte nos muito singulares
da linguagem e da ação; afasta estas faculdades de um deste muito singulares, e não
poderás nem pensar nem o pronunciar como homem. Que por estas duas faculdades o
homem seja homem, possa pensar e falar, perceber os bens e compreender os veros,
não somente civis e morais, mas mesmo espirituais, e ser reformado e regenerado, em
uma palavra, possa ser conjunto ao Senhor, e por isso viver pela eternidade, é o que
foi mostrado abundantemente acima; também foi mostrado que estas duas faculdades
estão não somente nos homens bons, mas ainda nos maus. Ora, como estas duas
faculdades estão no homem pelo Senhor, e não foram apropriadas ao homem como
suas, pois o Divino não pode ser apropriado ao homem como seu, mas pode lhe ser
adjunto e por isso aparecer como seu; e, pois que este Divino no homem está nos
muito singulares do homem, segue-se que o Senhor governa os muito singulares, tanto
do homem mau como do homem bom; ora, o governo do Senhor é o que é chamado a
Divina Providência.
286. Ora, pois que é uma Lei da Divina Providência que o homem possa agir pelo livre
segundo sua razão, quer dizer, por estas duas faculdades, e Liberdade e a
Racionalidade; e pois que é também uma Lei da Divina Providência que o que o
homem faz lhe parece feito por ele mesmo, e por conseguinte como sendo dele, e que
é ainda uma Lei que os males sejam permitidos, a fim de que ele possa ser retirado
deles, segue-se que o homem pode abusar destas faculdades, e pelo livre segundo a
razão confirmar tudo que lhe agrada, pois pode tornar conforme a razão tudo o que
quer, seja ou não seja conforme a ela em si mesmo; é por isso que alguns homens
dizem: "O que é o Vero? Não posso eu tornar vero tudo o que quero? Não age o
mundo também assim desta maneira?" E aquele que o pode o faz por meio de
raciocínios. Toma a proposição mais falsa e diz a um homem esperto: "Confirma-a", e
ele a confirmará; diz-lhe, por exemplo, para confirmar que o homem é uma besta; ou
que a alma, é como uma aranhazinha em sua teia, e governa o corpo assim como faz a
aranha por seus fios; ou que a religião não é outra cousa senão um vínculo; e ele
confirmará cada uma destas proposições ao ponto de se apresentar como vero. O que
há de mais fácil, pois que não sabe o que é a aparência, nem o que é o falso tomado
pelo vero por uma fé cega? Daí vem que o homem não pode ver este vero, que a
Divina Providência está nos muito singulares do entendimento e da vontade, ou, o que
dá no mesmo, nos muito singulares dos pensamentos e das afeições em cada homem,
no mau como no bom; o que sobretudo o confunde é que neste caso os males viriam
também do Senhor; mas que, entretanto, do Senhor não vem o menor mal, e que todo
mal vem do homem, porque o homem confirmou em si a aparência que pensa, quer,
fala e age por si mesmo, é o que se verá no que vai seguir; este assunto, para que seja
claramente visto, vai ser demonstrado nesta ordem: I. A Divina Providência é universal
nos muito singulares, não somente nos bons, mas também nos maus, e não obstante
não está em seus males. II. Os maus se lançam continuamente nos males, mas o
Senhor os retira continuamente dos males. III. Os maus não podem ser inteiramente
retirados do mal e conduzidos para o bem pelo Senhor, enquanto crêem que a própria
inteligência é tudo, e que a Divina Providência nada é. IV. O Senhor governa o inferno
pelos opostos; e os maus, que estão no mundo, os governa no inferno quanto aos
interiores, mas não quanto aos exteriores.
287. I. A Divina Providência é universal nos muito singulares não unicamente nos
bons, mas também nos maus, e, entretanto não está em seus males.
Foi mostrado acima que a Divina Providência está nos muito singulares dos
pensamentos e das afeições do homem, e por isso é entendido que o homem nada
pode pensar nem querer por si mesmo, mas tudo o que pensa e quer, e que por
conseguinte diz e faz, vem do influxo; se é o bem, é o influxo do Céu; e se é o mal, é o
influxo do inferno; ou, o que é a mesma cousa, que o bem vem do influxo que procede
do Senhor, e que o mal vem do próprio do homem. Mas eu sei que isso dificilmente
pode ser compreendido, porque é feita uma distinção entre o que influi do Céu ou do
Senhor, e o que influi do inferno ou do próprio do homem, e entretanto se diz que a
Divina Providência está nos muito singulares dos pensamentos e das afeições do
homem, a um tal ponto que o homem nada pode pensar nem querer por si mesmo;
mas como se diz também que ele pode pensar e querer pelo inferno, e por seu próprio,
isso parece como contraditório, mas a verdade é que isso não o é; que isso não o seja,
verse-á no que segue, após alguns preliminares que ilustram este assunto.
288. Todos os anjos do Céu confessam que ninguém pode pensar por si mesmo, mas
que cada um pensa, pelo Senhor; ao contrário, todos os espíritos do inferno dizem que
ninguém pode pensar por um outro senão por si; todavia, foi mostrado muitas vezes a
estes que nenhum deles pensa e pode pensar por si mesmo, mas que o pensamento
influi; entretanto isso foi mostrado em vão, eles não o quiseram admitir. A experiência
ensina entretanto, primeiro, que o todo do pensamento e da afeição influi também nos
espíritos do inferno, mas que o bem que aí influi é mudado em mal, e o vero em falso,
assim cada um em seu oposto; isto foi mostrado desta maneira: Um vero tirado da
Palavra foi enviado do Céu, e foi recebido pelos que estavam nos infernos superiores,
e enviado por estes aos infernos inferiores até ao inferno mais profundo; e este vero, no
trajeto, foi sucessivamente mudado em falso, e por fim em um falso absolutamente
oposto ao vero; ora, aqueles em quem ele foi mudado pensavam o falso como por eles
mesmos, sem duvidar de outra cousa, quando entretanto o que eles pensavam era
este vero descido do Céu, e assim falsificado e pervertido em seu trajeto até ao inferno
mais profundo. Fui informado três ou quatro vezes que isto havia sido feito assim.
Aconteceu o mesmo para o bem; o bem que decorre do Céu é progressivamente
mudado em um mal oposto a esse bem. Por isto, se tomou evidente que o vero e o
bem procedendo do Senhor, quando são recebidos pelos que estão no falso e no mal,
são mudados e passam para uma outra forma, ao ponto que a primeira forma não se
mostra. A mesma cousa se faz em todo homem mau; pois o mau está, quanto a seu
espírito, no inferno.
289. Também me foi mostrado muito freqüentemente que, no inferno, ninguém pensa
por si mesmo, mas que cada um pensa por outros em redor dele, e que estes outros
pensam não por eles mesmos, mas também por outros, e que os pensamentos e as
afeições vão em ordem de uma sociedade para outra, sem que ninguém saiba outra
cousa, senão que vêm dele. Alguns que acreditavam pensar e querer por eles
mesmos, foram enviados a uma sociedade, a comunicação com as sociedades
vizinhas para as quais seus pensamentos tinham o costume de se estender, tendo sido
interceptada, e foram retidos nesta sociedade; então lhes foi dito para pensar
diferentemente do que pensavam os espíritos desta sociedade, e,para se esforçarem
de pensar o contrário; mas confessaram que isso lhes era impossível. Isto foi feito com
vários, e também com Leibnitz, que ficou mesmo convencido de que ninguém pensa
por si mesmo, mas que se pensa por outros, e que estes outros não pensam tampouco
por eles mesmos, e que todos pensam pelo influxo que vem do Céu, e o Céu pelo
influxo que vem do Senhor. Alguns, tendo meditado sobre este assunto, disseram que
isto era admirável, e que haveria poucos que pudessem ser levados a crê-lo, porque
isto é absolutamente contrário à aparência, mas que entretanto não podiam negá-lo,
pois que isso lhes tinha sido plenamente demonstrado; entretanto, enquanto estavam
admirados, disseram que assim não se está em falta quando se pensa o mal; depois
também, que assim parece que o mal vem do Senhor; e, além disso, que não
compreendiam como o Senhor só pode fazer com que todos pensem de tantas
maneiras diferentes. Mas estes três pontos vão ser desenvolvidos no que segue.
290. As experiências que acabam de ser relatadas, será ainda, acrescentada esta:
Quando me foi dado pelo Senhor falar com os espíritos e os anjos, este arcano me foi
imediatamente descoberto; pois me foi dito do Céu, que eu acreditava, como os outros,
pensar e querer por mim mesmo, quando entretanto não era absolutamente por mim
mesmo, mas pelo Senhor se era o bem, e pelo inferno se era o mal; me foi mesmo
demonstrado ao vivo (ad vivum) por diversos pensamentos e diversas afeições
introduzidas em mim que isso era assim, e me foi dado sucessivamente percebê-lo e
senti-lo; é por isso que, em seguida, desde que se insinuava algum mal em minha
vontade ou algum falso em meu pensamento, eu me informava de onde vinha esse mal
ou esse falso, e isso me era desvendado; e me era dado também falar com os que o
insinuavam, repreendê-los, e forçá-los a afastar-se, e por conseqüência a retirar seu
mal e seu falso, a retê-los neles, e a não mais insinuar nada disso em meu
pensamento; isso me aconteceu milhares de vezes; e permaneci nesse estado durante
vários anos, e nele permaneço ainda; e entretanto me parece, como aos outros, sem
nenhuma diferença, pensar e querer por mim mesmo; pois e pela Divina Providência
do Senhor que parece assim a cada um, como foi mostrado acima em um Artigo
especial. Os espíritos noviços se admiram deste estado que me é particular,
imaginando que não penso e não quero cousa alguma por mim mesmo, e que por
conseqüência sou como alguma cousa vazia; mas eu lhes descobri o arcano; e, além
disso, lhes disse que penso mesmo interiormente, e percebo o que influi em meu
pensamento exterior, se o influxo é do Céu ou se é do inferno; que rejeito este e recebo
aquele; e que sempre me parece, como a eles, pensar e querer por mim mesmo.
291. Que todo bem vem do Céu, e que todo mal vem do inferno, isso não é
desconhecido no mundo; cada um na Igreja o sabe; quem é que, iniciado do
sacerdócio, não ensina que todo bem vem de Deus, e que o homem não pode por si
mesmo nada pode tomar que não lhe tenha sido dado do Céu; além disso, também
que o diabo introduz os males no pensamento, e seduz e excita para fazê-los? É por
isso que o sacerdote, que crê pregar por um santo zelo, ora ao Espírito Santo para
instruí-lo, dirigir seus pensamentos e sua linguagem; e alguns dizem ter sensivelmente
percebido que tinham sido impelidos, e, quando se louva seus sermões, respondem
piedosamente que falaram não por eles mesmos, mas por Deus. É por isso ainda que,
quando vêem alguém falar bem a agir bem, dizem que foi conduzido a isso por Deus;
e, vice-versa, quando vêem alguém falar mal e agir mal, dizem que foi conduzido a isso
pelo Diabo; sabe-se que tal é a linguagem que se usa na Igreja; mas quem é que crê
que isso é assim?
292. Que tudo o que o homem pensa e quer, e por conseguinte tudo o que diz e faz,
influi da única fonte da vida, e que não obstante a única fonte da vida que é o Senhor
não seja a causa de o homem pensar o mal e o falso, é o que pode ser ilustrado pelas
observações seguintes no Mundo natural: Do Sol deste mundo procedem o calor e a
luz, e estas duas cousas influem em todos os sujeitos e em todos os objetos que se
apresentam diante dos olhos, não somente nos sujeitos bons e nos objetos belos, mas
também nos sujeitos maus e nos objetos feios, e produzem neles efeitos diversos; pois
influem não somente nas árvores que dão bons frutos, mas também nas árvores que
dão maus frutos, e muito mais nos frutos mesmos, e os fazem crescer; influem
igualmente na boa semente e também no joio; além disso ainda nos arbustos úteis ou
salubres, e também nos arbustos nocivos ou venenosos; e entretanto é o mesmo calor
e a mesma luz, nos quais não há cousa alguma do mal, mas esta causa está nos
sujeitos e nos objetos recipientes. O calor que faz com que se abram os ovos em que
há uma coruja, um mocho, ou uma áspide, age da mesma maneira quando faz que se
abram ovos onde uma pomba, ou belo pássaro ou um cisne; põe ovos de uma e outra
espécie embaixo de uma galinha, e por seu calor que em si mesmo é inofensivo, eles
abrirão; que tem portanto este calor de comum com esses seres maus e nocivos? O
calor, influindo nas substâncias pantanosas, estercorárias, pútridas e cadaverosas, age
da mesma maneira que influindo nas substâncias venosas, odoríferas, vigorosas e
vivas; quem é que não vê que a causa está no sujeito recipiente e não no calor? A
mesma luz produz em um objeto cores agradáveis, e em um outro cores
desagradáveis; mais ainda, ela se ilustra a si mesma nos objetos brancos e brilha com
vivo esplendor, e nos objetos puxando ao preto ela se obscurece e se sombreia. Dá-se
o mesmo no Mundo espiritual; lá também há um calor e uma luz procedendo de seu
Sol, que é o Senhor; eles influem deste Sol nos seus sujeitos e nos seus objetos; os
sujeitos e os objetos lá são anjos e espíritos, especialmente seus voluntários e seus
intelectuais; o Calor lá é o Divino amor procedente, e a Luz lá é a Divina Sabedoria
procedente; eles não são a causa de que sejam recebidos por um de outra maneira
que por outro; com efeito, o Senhor disse "que faz levantar seu Sol sobre os maus e
bons, e envia a chuva sobre justos e injustos" (Mat. 5º, 45); no sentido interno supremo,
pelo Sol é entendido o Divino Amor, e pela chuva a Divina Sabedoria.
293. A estas explicações acrescentarei a opinião dos anjos sobre a vontade e o
entendimento do homem; esta opinião é que no homem não há um grão de vontade e
de prudência que lhe pertença como próprio; dizem que se houvesse um grão em cada
homem, nem o Céu nem o inferno subsistiriam, e que todo o gênero humano pereceria;
dão como razão, que são miríades e miríades de homens, tantos quantos nasceram
desde a criação do mundo, que constituem o Céu e o inferno dos quais um está sob o
outro em uma tal ordem, que de uma parte e de outra, fazem um, o Céu um só Homem
belo, e o inferno um só Homem monstruoso; se em cada homem houvesse um grão de
vontade própria e de inteligência própria, este um não poderia existir, mas se
dissolveria, e com ele pereceria esta Forma Divina, que não pode ser estável e
permanente, senão tanto quanto o Senhor é tudo em todos, e eles nada no todo. Dão
ainda como razão que pensar e querer por si mesmo é o Divino mesmo, e pensar e
querer por Deus, o Humano mesmo; e que o Divino mesmo não pode ser apropriado a
homem algum, pois assim o homem seria Deus. Retém isto, e tu saberás se quiseres
confirmado pelos anjos, depois da morte, quando entrarás no Mundo espiritual.
294. Foi dito acima, nº 289, que quando alguns foram convencidos de que ninguém
pensa por si mesmo, mas por outros, e que estes outros não pensam tampouco por
eles mesmos, mas que todos pensam pelo influxo procedente do Senhor pelo Céu,
eles disseram em sua admiração, que assim não se está em falta quando se f az o mal;
além disso que assim parece que o mal vem do Senhor; e, além disso, que não
compreendiam como o Senhor só pode fazer que todos pensem de tantas maneiras
diferentes. Ora, como estes três sentimentos não podem deixar de influir nos
pensamentos daqueles que pensam unicamente nos efeitos pelos efeitos, e não nos
efeitos pelas causas, é necessário tomá-los e desenvolvê-los pelas causas.
Primeiramente: Que assim, não se estaria em, falta quando se fizesse o mal. Com
efeito, se tudo que o homem pensa vem dos outros por influxo, parece que a falta está
naqueles de quem vem o influxo; mas contudo a falta mesma está com aquele que o
recebe, pois o recebe como seu; não sabe tampouco outra cousa, e não quer saber
outra cousa; com efeito, cada um quer ser ele, e ser conduzido por ele mesmo,
sobretudo pensar e querer por ele mesmo; pois é isto o livre mesmo, que aparece
como o próprio em que está cada homem; é por isso que, se soubesse que o que
pensa e quer vem de outro por influxo, se consideraria como acorrentado e cativo, não
sendo mais senhor dele mesmo, e assim pereceria todo prazer de sua vida, e por fim o
humano mesmo. Que isso seja assim, eu o vi confirmado muitas vezes; foi dado a
alguns espíritos perceber e sentir que eram conduzidos por outros, então se
encolerizaram de tal modo, que ficaram como fora de si, e disseram que preferiam ser
mantidos acorrentados no inferno, antes do que não ter a faculdade de pensar como
quiserem e de querer como pensam; não ter esta faculdade chamavam isso ser
acorrentados quanto à vida mesma, o que é mais duro e mais intolerável do que ser
acorrentado quanto ao corpo; não ter a faculdade de falar e de fazer como se pensa e
como se quer, não chamavam a isso estar acorrentado, porque o prazer da vida civil e
da vida moral, que consiste em falar e em fazer, põe um freio a isso, e ao mesmo
tempo o adoça por assim dizer. Ora, pois que o homem não quer saber que é
conduzido por outros a pensar, mas quer pensar por ele mesmo, e crê mesmo pensar
assim, segue-se que ele mesmo está em falta, e que não pode rejeitar de si a falta,
tanto quanto ama pensar o que pensa; mas se não o ama, rompe sua, ligação com
aquêles de quem lhe vêm seus pensamentos; isso acontece quando sabe que é um
mal, e que em conseqüência quer fugir-lhe e renunciar a isso; então por isso, é retirado
pelo Senhor da sociedade que está nesse mal, e transferido para uma sociedade onde
esse mal não está; mas se sabe que é um mal, e não foge dele, a falta então lhe é
imputada, e ele se torna culpado desse mal. Tudo, portanto, que o homem acredita
fazer por si mesmo, se diz que é feito pelo homem, e não pelo Senhor.
Segundamente: Que assim parece que o mal vem do Senhor. Este ponto pode ser
considerado como resolvido pelo que foi mostrado acima, nº 288, a saber, que o bem
que influi do Senhor é mudado em mal, e o vero em falso no inferno; mas quem é que
não pode ver que o mal e o falso não vêm do bem e do vero, por conseqüência do
Senhor, mas que vêm do sujeito recipiente, que está no mal e no falso, e que perverte
e muda o bem e o vero, como foi plenamente mostrado acima, nº 292. Quanto à
origem do mal e do falso no homem, tratou-se disso várias vezes no que precede. Foi
feita também uma experiência no Mundo espiritual, com os que acreditavam que o
Senhor podia nos maus afastar os males, e pôr os bens em lugar dos males, e assim
transferir todo o inferno para o Céu, e os salvar a todos; mas que isso seja impassível,
ver-se-á no fim deste tratado quando se tratará da salvação em um momento, e da
Misericórdia imediata.
Terceiramente: Que não compreendiam como o Senhor só pode fazer com que
todos pensem de tantas maneiras diferentes. O Divino Amor do Senhor é Infinito, e
sua Divina Sabedoria é Infinita; ora, os Infinitos do amor e os Infinitos da sabedoria
procedem do Senhor, e influem em todos no Céu, e por conseqüência em todos no
inferno, e de um e do outro em todos no Mundo; ninguém, portanto pode deixar de
pensar e de querer, pois os infinitos são infinitamente todas as cousas. Estes infinitos
que procedem do Senhor, influem não só universalmente, mas também muito
singularmente, pois o Divino é universal pelo muito singulares, e são os Divinos muito
singulares que são chamados o Universal, como foi mostrado acima; e um Divino muito
singular é infinito também. Por estas explicações, pode-se ver que o Senhor Só faz
com que cada um pense e queira segundo sua qualidade e segundo as leis da Divina
Providência. Que todas as cousas que estão no Senhor, e que procedem do Senhor,
sejam infinitas, isso foi demonstrado acima, nº 46 a 69; e também no Tratado sobre o
Divino Amor e a Divina Sabedoria, nº 17 a 22.
295. II. Os maus se lançam continuamente nos males, mas o Senhor os retira
continuamente dos males.
É mais fácil compreender qual é a Divina Providência nos bons, do que compreender
qual ela é nos maus; e pois que agora se trata da Divina Providência nos maus,
tratar-se-á disso nesta série: 1º Há cousas inumeráveis em cada mal. 2º O mal se
afunda por si mesmo sem cessar cada vez mais profundamente nos males. 3º A Divina
Providência em relação aos maus é uma contínua permissão do mal, com a intenção
de que eles sejam continuamente retirados daí. 4º O desprendimento do mal é
efetuado pelo Senhor por mil meias, mesmo por meios muito secretos.
296. Portanto, a fim de que a Divina Providência, em relação aos maus, seja
distintamente percebida, e por conseqüência compreendida, as proposições acima vão
ser explicadas na série segundo a qual foram apresentadas:
• Primeiramente: Há cousas inumeráveis em cada mal. Cada mal se
apresenta diante do homem como uma cousa simples; assim se apresentam o ódio e a
vingança, assim o roubo e a fraude, assim o adultério e a escortação, assim o orgulho
e a altivez, assim todos os outros males; e não se sabe que em cada mal há cousas
inumeráveis, e em maior quantidade do que há fibras e vasos no corpo do homem; pois
o homem mau é o inferno da menor forma; ora, o inferno consiste em miríades de
miríades de espíritos, e cada um ai é na forma como homem, mas homem-monstro, e
nele todas as fibras e todos os vasos estão revirados; o espírito mesmo é um mal, que
lhe parece ser um, mas tanto quanto são inumeráveis as cousas que estão nele, tanto
são inumeráveis as cobiças desse mal; pois cada homem é seu mal ou seu bem da
cabeça à planta dos pás; portanto pois que tal é o mau, é evidente que ele é um único
mal, composto de inumeráveis cousas diferentes, que são distintamente males, e são
chamadas cobiças do mal. Segue-se daí que todas estas cousas, na ordem em que
estão, devem ser reparadas e reviradas pelo Senhor, a fim de que o homem possa ser
reformado, e que isso não pode ser feito senão pela Divina Providência do Senhor
sucessivamente desde a primeira idade do homem até à última. Cada cobiça do mal
aparece no inferno, quando aí é representada, como um animal nocivo, por exemplo,
ou como um dragão, ou como um basilisco, ou como uma víbora, ou como um mocho,
ou como uma coruja, e assim por diante; do mesmo modo aparecem as cobiças do mal
no homem mau, quando é visto pelos anjos; todas essas formas de cobiças devem ser
reviradas uma após outra; o homem mesmo que aparece quanto ao espírito como um
homem-monstro ou como um diabo, deve ser revirado para que seja como um anjo
belo, e cada uma das cobiças do mal deve ser revirada, para que apareça como um
cordeiro ou uma ovelha, ou como uma pomba ou uma rolinha, do mesmo modo que
aparecem as afeições do bem dos anjos no Céu, quando são representadas; ora,
transformar um dragão em cordeiro, um basilisco em ovelha, e um mocho em pomba,
não pode se fazer senão sucessivamente, desenraizando, o mal de sua semente, e
implantando, no lugar uma boa semente. Mas isso não se pode fazer senão, como se
faz o enxerto das árvores, cujas raízes ficam com o tronco; mas não obstante o ramo
enxertado muda à seiva, tirada por meio da antiga raiz, em uma seiva que produz bons
frutos; este ramo enxertado não pode ser tomado senão do Senhor, que é a árvore da
vida; isto está também conforme as palavras do Senhor em João 15º, 1 a 7.
• Segundamente: O mau se afunda por si mesmo sem cessar cada vez
mais profundamente nos males. Diz-se por si mesmo, porque todo mal vem do
Senhor, pois o homem muda em mal o bem que vem do Senhor, como foi dito acima.
Se o mau se afunda cada vez mais profundamente no mal, é por isso mesmo que ele
se introduz cada vez mais interiormente, e também cada vez mais profundamente, nas
sociedades infernais, à medida que quer e faz o mal; por conseqüência o prazer do mal
também aumenta, e se apodera de tal modo de seus pensamentos que nada sente de
mais doce; e aquele que se introduziu interiormente e profundamente nas sociedades
infernais se toma como se estivesse ligado com correntes; mas enquanto vive no
mundo, não sente estas correntes; são como lã suave, ou como leves fias de seda, que
ele ama, porque produzem uma impressão agradável; mas depois da morte estas
cadelas, de doces que eram, se tornam duras, e em lugar de uma impressão agradável
produzem contusões. Que o prazer do mal aumente, isso é notório pelos roubos, os
banditismos, as depredações, as vinganças, o espírito de dominação, a avidez do
ganho, e outras más paixões; quem é que não sente aumentar o prazer conforme os
sucessos, e conforme o seu exercício não é impedido? Sabe-se que o ladrão acha um
tal prazer nos roubos que não pode renunciar a eles; e, o que é espantoso, ama mais
um escudo roubado do que dez escudos dados gratuitamente; aconteceria o mesmo
com os adultérios, se não tivesse sido provido a que este mal decrescesse em potência
conforme o abuso; mas a verdade é que em um grande número de adúlteros resta o
prazer de pensar nisso e falar disso, e senão mais, ao menos a lubricidade do tato. Mas
ignora-se que isto vem de que o homem se afunda cada vez mais interiormente, e
também cada vez mais profundamente, nas sociedades infernais, conforme comete os
males pela vontade e ao mesmo tempo pelo pensamento; se os males estão somente
no pensamento e não na vontade, ele não está ainda com o mal em uma sociedade
infernal, mas aí entra desde que estão na vontade; se mesmo então pensa que este
mal é contra os preceitos do decálogo, e considera estes preceitos como Divinos, ele o
comete de propósito deliberado, e por isso mergulha profundamente no inferno, donde
não pode ser retirado senão por uma penitência efetiva. É preciso que se saiba que
todo homem, quanto a seu espírito, está no Mundo espiritual, e aí em alguma
sociedade, o homem mau em uma sociedade infernal, e o homem bom em uma
sociedade celeste; ele ai aparece por vezes, quando está em uma profunda meditação.
É preciso também que se saiba que, do mesmo modo que no mundo natural, o som
com a linguagem se espalha de todo lado no ar, do mesmo modo no mundo espiritual a
afeição com o pensamento se espalha de todo lado nas sociedades; há por isso
correspondência, pois a afeição corresponde ao som, e o pensamento à linguagem.
• Terceiramente: A Divina Providência, a respeito dos maus, é uma
contínua permissão do mal, com a intenção de que eles sejam continuamente
retirados daí. Se a Divina Providência nos homens maus é uma continua permissão, é
porque de sua vida não pode sair senão mal; pois o homem está ou no bem ou no mal,
não pode estar em um e outro ao mesmo tempo, nem alternadamente, a não ser que
seja morno, e o mal da vida não é introduzido pelo Senhor na vontade e por ela no
pensamento, mas é introduzido pelo homem, e isso é chamado permissão. Ora, pois
que todas as cousas que o homem meu quer e pensa são permissões, pergunta-se o
que faz então aí a Divina Providência, que se diz estar nos muito singulares em cada
homem, tanto no mau como no bom; respondo que ela consiste nisto, que ela permite
continuamente para um fim, e que permite as cousas que concernem a este fim, e não
outras, e que continuamente examina, separa, e purifica os males que saem por
permissão, e relega os que não convêm, e os expulsa por vias desconhecidas; estas
operações se fazem principalmente na vontade interior do homem, e por ela em seu
pensamento interior; a Divina Providência é contínua também nisso, que ela vela para
que as cousas que devem ser relegadas e expulsas não sejam de novo recebidas pela
vontade, porque tudo que é recebido pela vontade é apropriado ao homem; mas as
cousas que são recebidas pelo pensamento, e não pela vontade, são separadas e
afastadas. É isso a contínua Providência do Senhor nos maus, a qual, como foi dito, é
uma contínua permissão do mal, com a intenção de que sejam continuamente retirados
dele. O homem sabe apenas alguma cousa destas operações, porque não as percebe;
se não as percebe, a razão principal é porque há nele os males das cobiças do amor
de sua vida, e esses males são sentidos não como males mas como prazeres, aos
quais ninguém presta atenção; quem é que presta atenção aos prazeres de seu amor?
O pensamento do homem aí nada como uma barca que é arrastada pela corrente de
um rio; e é percebido como uma atmosfera embalsamada que é sorvida a plena
aspiração; pode somente sentir alguma cousa em seu pensamento externo, contudo,
tampouco lhe presta atenção, a não ser que saiba bem que são males. Mas se falará
mais sobre este assunto no que vai seguir-se.
• Em quarto lugar. O desprendimento do mal é efetuado pelo Senhor por
mil meios, mesmo por meios muito secretos. Somente alguns deles me foram
descobertos, mas não são senão os mais comuns; são estes:
• Que os prazeres das cobiças, a respeito das quais o homem nada sabe, são
lançados em chusma e em feixes nos pensamentos interiores, que pertencem ao
espírito do homem, e em conseqüência em seus pensamentos exteriores, nos quais se
apresentam sob um certo sentimento de agrado, de encanto ou de desejo, e aí se
misturam com seus prazeres naturais e sensuais;
• estão aí os meios de separação e de purificação e também as vias de
desprendimento e de expulsão;
• os meios são principalmente os prazeres da meditação, do pensamento, da
reflexão para certos fins, que pertencem ao uso; e os fins que pertencem ao uso são
em tão grande número como os particulares e os singulares da ocupação e da função
do homem; depois, em tão grande número como há prazeres da reflexão no objetivo de
se apresentar como homem civil e moral, e também como homem espiritual, além dos
desprazeres que se interpõem; estes prazeres, porque pertencem a seu amor no
homem externo, são meios de separação, de purificação, de expulsão e de
desprendimento dos prazeres das cobiças do mal do homem interno. Seja, por
exemplo, um juiz injusto, que visa aos presentes ou às amizades como fins ou como
usos de sua função; este juiz interiormente está sem cessar nestes fins, mas
exteriormente seu objetivo é agir como jurisconsulto e como homem justo; está
continuamente em um prazer de meditação, de pensamento, de reflexão e de intenção,
para fazer dobrar o direito, torcê-lo, adaptá-lo e acomodá-lo, até que pareça conforme
as leis e análogo à justiça; e ele não sabe que seu prazer interno consiste nas astúcias,
nas fraudes, nas velhacarias, nos roubos clandestinos, e em várias outras cousas, e
que este prazer, composto de tantos prazeres das cobiças do mal, domina em todas e
cada uma das cousas de seu pensamento externo, no qual estão os prazeres de
parecer justo e sincero; nestes prazeres externos se abatem os prazeres internos, e
são misturados como os alimentos no estômago; e aí são separados, purificados e
afastados; mas, todavia estes prazeres das cobiças do mal são unicamente os que são
mais perigosos; pois no homem mau não há separação, purificação e desprendimento
senão dos males mais graves dos que o são menos, enquanto que no homem bom há
separação, purificação e desprendimento dos meles não somente os mais graves, mas
também os menos graves, e isto se faz pelos prazeres das afeições do bem e do vero,
do justo e do sincero, nas quais ele entra enquanto considera os males como pecados,
e por esta razão foge deles e os tem em aversão, e mais ainda se combate contra eles;
estão aí os meios pelos quais o Senhor purifica todos os que são salvos; purifica-os
também por meios externos, que concernem à reputação e à honra, e por vezes o
lucro; mas nestes meios o Senhor insere os prazeres das afeições do bem e do vero,
pelos quais são dirigidos e dispostos para que se tomem prazeres do amor do próximo.
Se alguém visse os prazeres das cobiças do mal juntos em uma forma, ou se os
percebesse distintamente por algum sentido, os veria e os perceberia em um tal
número que não poderiam ser determinados; pois o inferno inteiro não é senão a forma
de todas, as cobiças do mal; e lá não há cobiça, alguma do mal que seja
absolutamente semelhante a uma outra, e não pode em toda a eternidade aí haver
uma só que seja absolutamente semelhante a uma outra, ou a mesma que unia outra;
ora, a respeito destas inumeráveis cobiças o homem sabe apenas alguma cousa, sabe
ainda menos como são elas ligadas entre si; e entretanto o Senhor por sua Divina
Providência permite continuamente que elas saiam, a fim de que sejam afastadas, o
que tem lugar em cada ordem e, em cada série; o homem mau é o inferno na menor
forma, como o homem bom é o Céu na menor forma.
Que o desprendimento dos males seja efetuado pelo Senhor por mil meios, mesmo por
meios muito secretos, não se pode vê-lo melhor, e assim concluí-lo, do que pelas
operações secretas da alma, no corpo; as operações de que o homem tem
conhecimento são estas: Olha para o alimento que deve comer, percebe-o pelo cheiro,
apetece-o, saboreia-o, tritura-o com os dentes, e por meio da língua, o engole, e assim
o faz descer ao estômago; mas as operações secretas da alma de que o homem nada
sabe, porque não as sente, são estas: O estômago rola os alimentos recebidos; por
mênstruos os abre e separa, quer dizer, os digere; apresenta as partes convenientes a,
pequenas bocas, aí, entreabertas, e a veias que se embebem delas; envia algumas
destas partes ao sangue, a vasos linfáticos, outras a vasos lácteos do mesentério, e
precipita outras nos intestinos; depois o quilo, retirado de sua cisterna no mesentério
pelo canal torácico, é levado à veia cava, e assim ao coração, e do coração ao pulmão,
e do pulmão pelo ventrículo esquerdo do coração à aorta, e da aorta pelas ramificações
às vísceras de todo o corpo, e assim aos rins, em cada um dos quais se faz a
separação do sangue, a sua purificação, e o desprendimento das partes heterogêneas;
sem mencionar como o coração envia ao cérebro seu sangue que foi purificado no
pulmão, o que se faz por artérias chamadas carótidas, nem como o cérebro reenvia o
sangue vivificado, à veia cava acima mencionada onde o canal torácico leva o quilo, e
assim de novo ao coração. Estas operações, e outras em quantidade inumerável, são
operações secretas da alma no corpo; o homem não sente cousa alguma de tudo isso,
e aquele que não possui a anatomia nada sabe disso; e entretanto semelhantes
operações se fazem nos interiores da mente do homem, pois cousa alguma se pode
fazer no corpo senão pela mente, pois que a mente do homem é seu espírito, e seu
espírito é igualmente homem, com a única diferença de que as cousas que se fazem
no corpo se fazem naturalmente, e as que se fazem na mente se fazem
espiritualmente; a semelhança é perfeita. Por estas explicações, é evidente que a
Divina Providência opera por mil meios, mesmo por meios muito secretos, em cada
homem, e que ela é contínua no fim de purificá-lo, porque ela está no fim de salvá-lo, e
que o homem não tem que se embaraçar com outra cousa a não ser afastar os males
no homem externo; o Senhor se é implorado, provê a tudo mais.
297. III. Os maus não podem ser inteiramente retirados dos males e conduzidos
aos bens pelo Senhor, enquanto acreditam que a própria inteligência é tudo, e
que a Divina Providência nada é.
Parece que o homem pode por si mesmo se retirar do mal, desde que pense que tal
ou tal cousa é contra o bem comum, contra o que é útil, contra as leis de seu país e
contra o direito das gentes; o mau, tanto quanto o bom, pode pensar assim, desde que
de nascença ou por exercício seja tal que possa dentro de si mesmo pensar
analiticamente e racionalmente de uma maneira distinta; mas a verdade é que
entretanto ele não pode por si mesmo se retirar do mal; a razão disso é que, embora a
faculdade de compreender e de perceber as cousas, mesmo abstratamente, tenha sido
dada pelo Senhor a cada um, tanto ao mau como ao bom, como foi mostrado acima,
aqui e ali, entretanto o homem não pode por esta faculdade se retirar do mal; com
efeito, o mal pertence à vontade, e o entendimento não influi na vontade, a não ser
unicamente com a luz; ele ilustra e ensina, e se o calor da vontade, quer dizer, o amor
da vida do homem está fervendo pela cobiça do mal, então está frio quanto à afeição
do bem; ele não o recebe portanto, mas ou o rejeita, ou o extingue, ou por algum falso
que inventou o muda em mal. Dá-se o mesmo, com isto, que com a luz do inverno, que
é tão clara como a do verão, e que influindo nas árvores frias produz um semelhante
efeito. Mas isto poderá ser visto mais plenamente na ordem que segue: 1º A própria
inteligência, quando a vontade está no mal, não vê senão o falso, e não quer ver e não
pode ver outra cousa. 2º Se a própria inteligência vê então o vero, se afasta dele ou o
falsifica. 3º A Divina Providência faz continuamente com que o homem veja o vero, e
mesmo lhe dá a afeição de percebê-lo, e também de o receber. 4º O homem é por isto
retirado do mal, não por ele mesmo, mas pelo Senhor.
298. Estas proposições vão ser explicadas em sua ordem diante do homem racional,
quer ele seja mau ou bom, por conseqüência, quer esteja na luz do inverno, ou na luz
do verão, pois em uma ou na outra as cores aparecem igualmente.
Primeiramente: A própria inteligência, quando a vontade está no mal, não vê
sendo o falso, e não quer ver e não pode ver outra cousa. Isto foi mostrado muito
freqüentemente no Mundo espiritual. Cada homem, quando se torna espírito, o que
acontece após a morte, pois então se despoja do corpo material e se reveste do corpo
espiritual, é posto alternativamente nos dois estados de sua vida, o externo e o interno,
quando está no estado externo, fala e mesmo age racionalmente e sabiamente,
exatamente como um homem racional e sábio no mundo, e pode assim ensinar aos
outros várias cousas que concernem à vida moral e à vida civil; e se foi pregador pode
mesmo ensinar as cousas que concernem à vida espiritual; mas quando deste estado
externo é posto em seu estado interno, e o homem externo é adormecido e o homem
interno despertado, então, se é mau, a cena muda, de racional se torna sensual, e de
sábio insensato; pois então pensa pelo mal de sua vontade e pelo prazer deste mal,
assim pela própria inteligência, e não vê senão os falsos, e não faz senão o mal,
acreditando que a malícia é a sabedoria e que a astúcia é a prudência; e pela própria
inteligência se crê uma deidade, e haure de toda sua mente artifícios abomináveis; vi
tais loucuras um grande número de vezes; vi também espíritos postos nestes estados
alternativos duas ou três vezes em uma hora, e então lhes foi dado ver suas loucuras,
e também de as reconhecer; entretanto não quiseram permanecer neste estado
racional e moral, mas se voltavam eles mesmos de pleno gosto para o estado interno,
sensual e insensato, pois o amavam mais do que o outro, pois havia nele o prazer do
amor de sua vida. Quem é que pode supor que o homem mau por dentro de sua face
seja tal, e que sofra uma tal metamorfose, quando vem para dentro de si mesmo? Só
por esta experiência pode-se ver qual é a própria inteligência quando o homem pensa e
age pelo mal de sua vontade. É inteiramente diferente com os bons; quando do estado
externo estes são postos no estado interno, tornam-se ainda mais sábios e mais
morais.
Segundamente: Se a própria inteligência vê então o vero, ou se afasta dele, ou o
falsifica. Há no homem um próprio voluntário, e há um próprio intelectual; o próprio
voluntário é o mal, e o próprio intelectual é o falso do mal; este é entendido pela
vontade do homem, e aquele pela vontade da carne, João 1º, 13. O próprio voluntário é
em sua essência o amor de si, e o próprio intelectual é o fasto que provém deste amor;
estes dois são como dois esposos, e seu casamento é chamado casamento do mal e
do falso; cada espírito mau é posto neste casamento antes de ser enviado para o
inferno, e quando está neste estado não sabe o que é o bem, pois chama seu mal bem,
porque o sente como um prazer, e então também se afasta do vero e não o quer ver,
porque vê o falso que concorda com seu amor do mesmo modo que o olho vê um
objeto belo, e o ouve do mesmo modo que o ouvido ouve um som harmonioso.
Terceiramente: A Divina Providência faz continuamente com que o homem veja o
vero, e mesmo lhe dá a afeição de percebê-lo e de o receber. Isto acontece porque
a Divina Providência age pelo Interior, e influi por ele nos exteriores, ou pelo homem
espiritual nas cousas que estão no homem natural, e pela luz do Céu vivifica a vontade;
a luz do Céu em sua essência é a Divina Sabedoria, e o calor do Céu em sua essência
é o Divino Amor, e da Divina Sabedoria não pode influir senão o vero, e do Divino Amor
não pode influir senão o bem, e pelo bem do Senhor dá no entendimento a afeição de
ver o vero, e também de o perceber e de o receber; assim o homem se torna homem
não somente quanto à face externa, mas também quanto à face interna. Quem é que
não quer parecer como um homem racional e espiritual? E quem é que não sabe que o
homem quer parecer assim a fim de que os outros creiam que ele é um homem
verdadeiro? Se, portanto ele é racional e espiritual somente na forma externa, e não ao
mesmo tempo na forma interna, será que ele é homem? Será ele outra cousa mais que
um histrião em um teatro, ou que um macaco cuja face é quase semelhante à do
homem? Não se pode conhecer por isso que só é homem aquele que o é
interiormente, como quer parecer aos outros? Quem reconhece um reconhece o outro.
A própria inteligência pode introduzir somente nos externos a forma humana, mas a
Divina Providência a introduz nos internos, e pelos internos nos externos; e quanto esta
forma foi introduzida, o homem não somente aparece como homem, mas é homem.
Em quarto lugar: O homem é por isso retirado do mal, não por ele mesmo, mas
pelo Senhor. Se, quando a Divina Providência concede ver o vero, e ao mesmo tempo
à afeição do vero, o homem pode ser retirado do mal é porque o vero mostra e dita, e
porque, quando a vontade faz o que foi mostrado e ditado, ela se conjunta com o vero,
e muda nela o vero em bem, pois o vero se toma uma cousa do amor do homem, e o
que pertence ao amor é o bem; toda reforma se faz pelo vero, e não sem ele, pois sem
o vero a vontade está continuamente em seu mal, e se consulta o entendimento, ela
não é instruída, mas o mal é confirmado pelos falsos. Quanto ao que concerne à
inteligência, ela se apresenta, tanto no homem bom como no homem mau, como sua e
própria, e o bom, do mesmo modo que o mau é também tido em conta de agir pela
inteligência como própria; mas o que crê na Divina Providência é retirado do mal,
enquanto que o que não crê nela não é retirado; e crê nela o que reconhece que o mal
é um pecado e quer se retirar dele, e não crê nela o que não reconhece nem quer; a
diferença entre estas duas inteligências é como a, diferença entre uma cousa que se
crê existir em si e uma cousa que se crê existir não em si mas como em si; é também
como a diferença entre o externo sem o seu semelhante interno e o externo com seu
semelhante interno, assim como a diferença entre os discursos e os gestos de momos
e de comediantes representando papéis de reis, de príncipes e de generais, e os reis,
príncipes e generais mesmos; estes o são interiormente e ao mesmo tempo
exteriormente, mas aqueles só o são exteriormente, e quando o exterior é despido, são
chamados comediantes, histriões e palhaços.
299. IV. O Senhor governa o inferno pelos opostos; e os maus que estão no
mundo, Ele os governa no inferno quanto aos interiores, mas não quanto aos
exteriores.
Aquele que não sabe o que é o Céu nem o que é o inferno, não pode de modo algum
saber o que é a mente do homem; a mente do homem é o seu espírito que vive depois
da morte; e isso porque a mente ou o espírito de homem está em toda forma na qual
está o Céu ou o inferno; não há diferença alguma, exceto que o Céu ou o inferno é
muito grande e a mente muito pequena, ou que um é a efígie e o outro o tipo; é por isso
que o homem quanto à mente ou ao espírito é em uma forma muito pequena ou o Céu
ou o inferno; aquele que é conduzido pelo Senhor é o Céu, e aquele que é conduzido
por seu próprio é o inferno. Ora, como me foi dado saber o que é o Céu e o que é o
inferno, e como é importante saber o que é o homem quanto à sua mente ou ao seu
espírito, vou descrever em poucas palavras um e outro.
300. Todos os que estão no Céu não são senão afeições da bem, e por isso
pensamentos do vero, e todos os que estão no inferno não são senão cobiças do mal,
e por isto imaginações do falso, as quais de uma parte e de outra foram de tal modo
dispostas, que as cobiças do mal e as imaginações do falso são absolutamente
opostas às afeições do bem e aos pensamentos do vero no Céu; é por isto que o
inferno está sob o Céu, e é diametralmente oposto ao Céu; assim o Céu e o inferno são
como dois homens estendidos ao oposto um do outro, ou de pé como dois antípodas,
por conseqüência voltados em sentidos contrários, e conjuntos quanto às plantas dos
pés e se repelindo com os calcanhares; por vezes mesmo o inferno aparece em uma
semelhante situação, ou uma semelhante inversão, em relação ao Céu; isto provém de
que os que estão no inferno fazem das cobiças do mal a cabeça, e das afeições do
bem os pés, e os que estão no Céu fazem das afeições do bem a cabeça, e das
cobiças do mal as plantas dos pés; daí a oposição mútua. Diz-se que no Céu há as
afeições do bem e, por conseguinte os pensamentos do vero, e que no inferno há as
cobiças do mal e, por conseguinte as imaginações do falso, e é entendimento que são'
os espíritos e os anjos que são tais, pois cada um é sua afeição ou sua cobiça, o anjo
do Céu é sua afeição e o espírito do inferno sua cobiça.
301. Se os anjos do Céu são afeições do bem e por estas pensamentos do vero, é
porque eles são recipientes do Divino Amor e da Divina Sabedoria procedentes do
Senhor, e porque todas as afeições do bem vêm do Divino Amor, e todos os
pensamentos do vero vêm da Divina Sabedoria; e se os espíritos do inferno são
cobiças do mal e por estas imaginações do falso, é porque estão no amor de si e na
própria inteligência, e porque todas as cobiças do mal vêm do amor de si, e todas as
imaginações do falso vêm da própria inteligência.
302. A ordenação das afeições no Céu e das cobiças no Inferno é admirável e
conhecida do Senhor só; as afeições e as cobiças são de uma parte e de outra
distinguidas, em gêneros e em espécies, e assim conjuntas para fazer um; e como
foram distinguidas em gêneros e espécies, foram distinguidas em sociedades maiores
ou menores; e como foram conjuntas para fazer um, foram conjuntas como todas as
cousas que estão no homem; em conseqüência o Céu em sua forma é como um
homem belo, cuja alma é o Divino Amor e a Divina Sabedoria, assim o Senhor; e o
inferno em sua forma é como um homem monstruoso, cuja alma é o amor de si e a
própria inteligência, assim o diabo; efetivamente, não há diabo algum que sozinho seja
o chefe no inferno; é o amor de si que é chamado o diabo.
303. Mas para que saiba melhor o que é o Céu e o que é o Inferno, em lugar das
afeições do bem, que se tomem os prazeres do bem, e em lugar das cobiças do mal
que se tomem os prazeres do mal; com efeito, são os prazeres que fazem a vida de
cada um; estes prazeres foram assim distinguidos e conjuntos, como foi dito mais
acima das afeições do bem e das cobiças do mal; o prazer de sua afeição enche e
cerca cada anjo do Céu, e também o prazer comum enche e cerca cada sociedade do
Céu, e o prazer de todas juntas ou o prazer o mais comum enche e cerca o Céu inteiro;
do mesmo modo o prazer de sua cobiça enche e cerca cada espírito do inferno, e o
prazer comum de cada sociedade do inferno, e o prazer de todas ou o mais comum, o
inferno inteiro. Pois que as afeições do Céu e as cobiças do inferno são, como acaba
de ser dito, diametralmente opostas umas às outras, é evidente que o prazer do Céu é
para o inferno um tal desprazer que é impossível suportá-lo, e que vice-versa o prazer
do inferno é para o Céu um tal desprazer que é impossível também suportá-lo; daí a
antipatia, a aversão e a separação.
304. Estes prazeres, porque fazem a vida de cada um no singular, e de todos no
comum, não são sentidos pelos que estão neles, mas os opostos são sentidos quando
se aproximam, principalmente quando são mudados em odores, pois cada prazer
corresponde a um odor, e pode no mundo espiritual ser transformado nesse odor, e
então o prazer comum é sentido no Céu como o perfume de um jardim, com variedade
segundo as exalações odoríferas das flores e dos frutos; e o prazer comum do inferno é
sentido como uma água estagnada na qual foram lançadas diversas imundícies, com
variedade segundo os fedores que se exalam das matérias podres e infectas. Mas
como é sentido o prazer de cada afeição do bem no Céu, e o prazer de cada cobiça do
mal no inferno, também me foi dado sabê-lo; mas seria demasiado longo expô-Io aqui.
305. Ouvi vários recém-vindos do mundo se queixarem de não ter sabido que a sorte
de sua vida seria segundo as afeições de seu amor; diziam que no mundo não tinham
pensado nestas afeições, nem com mais forte razão nos prazeres destas afeições,
porque tinham amado o que era um prazer para eles; e que somente tinham acreditado
que a sorte de cada um seria segundo os pensamentos provenientes da inteligência,
principalmente segundo os pensamentos provenientes da piedade, e também da fé;
mas lhes foi respondido que se tivessem querido teriam podido saber que o mal da via
é desagradável ao Céu e desgosta a Deus, e é agradável ao inferno e contenta ao
diabo; e que vice-versa o bem da vida é agradável ao Céu e apraz a Deus, e é
desagradável ao inferno e desgosta ao diabo, e que, por conseguinte também o mal
em si tem um odor fétido, e o bem em si um odor bom; que, pois que teriam podido, se
o tivessem querido, saber isso porque não tinham fugido dos males como infernais e
diabólicos, e porque os tinham favorecido pelo único motivo de que eram prazeres; e
agora, pois que sabiam que os pra zeres do mal, têm um tão mau odor, podiam
também saber que aquêles que exalam um tal odor não podem entrar no Céu. Após
esta resposta eles se retiraram para junto dos que estavam em semelhantes prazeres,
porque aí podiam respirar e não em outra parte.
306. Pela idéia que acaba de ser dada do Céu e do inferno, pode-se ver qual é a mente
do homem, pois como foi dito a mente ou o espírito do homem está em uma muito
pequena forma ou do Céu ou do inferno, a saber, que seus interiores são puras
afeições e puros pensamentos, distinguidos em gêneros e em espécies, como em
sociedades maiores ou menores, e conjuntas para fazer um; e que o Senhor os
governa do mesmo modo que o Céu ou o inferno. Que o homem esteja em uma muito
pequena forma, ou do Céu ou do inferno, vê-se no Tratado do Céu e do Inferno,
publicado em Londres em 1748, nº 51 a 87.
307. Agora, volto a esta proposição, que o Senhor governa o inferno pelos opostos; e
que os maus, que estão no mundo, Ele os governa no inferno quanto aos interiores e
não quanto aos exteriores.
Primeiramente: O Senhor governa o inferno pelos opostos. Foi mostrado acima, nºs
288 e 289, que os anjos do Céu estão no amor e na sabedoria, ou na afeição do bem e
em conseqüência no pensamento do vero, não por eles mesmos, mas pelo Senhor; e
que o bem e o vero influem do Céu no inferno, e aí são mudados, o bem em mal e o
vero em falso, pela razão de que os interiores da mente dos infernais são virados em
sentido contrário; ora como todas as cousas do inferno são opostas a todas as cousas
do Céu, segue-se que o Senhor governa o inferno pelos opostos.
Segundamente: Os maus que estão no mundo, o Senhor os governam no inferno.
É porque o homem quanto a seu espírito está no mundo espiritual, e lá em alguma
sociedade, em uma sociedade infernal se é mau, e em uma sociedade celeste se é
bom; pois a mente do homem, que em si é espiritual, não pode estar senão entre os
espirituais, em cuja sociedade entra por isso depois da morte; que isto assim seja, é
também o que foi dito e mostrado acima. Mas o homem não está lá do mesmo modo
que um espírito que foi registrado na sociedade, pois o homem está continuamente no
estado de reforma; por isso conforme sua vida e suas mudanças, é transferido pelo
Senhor de uma sociedade do inferno para uma outra, se é mau; mas se deixa reformar,
é retirado do inferno e conduzido para o Céu, e lá também é transferido de uma
sociedade para uma outra, e isso até à morte, depois do que não é mais levado de
sociedade em sociedade, porque então não está em estado algum de reforma, mas
permanece no estado em que está segundo a vida; é por isso que, quando o homem
morre, está inscrito em seu lugar.
Terceiramente: Os maus no mundo, o Senhor os governa assim quanto aos
interiores, mas de modo diferente quanto aos exteriores. O Senhor governa os
interiores da mente do homem como acaba de ser dito; mas governa os exteriores no
mundo dos espíritos, que está no meio entre o Céu e o inferno; a razão disso é que o
homem ordinariamente é diferente nos externos do que é nos internos; pois pode nos
externos simular o, anjo de luz, e, entretanto nos internos ser um espírito das trevas; é
por isso que de um modo é governado seu externo, e de outro seu interno; o externo é
governado no Mundo dos espíritos, mas o interno é governado no Céu ou no Inferno,
enquanto ele está no mundo; por isso também, quando morre, vai primeiro para o
Mundo dos espíritos, e aí está em seu externo, que ele aí despe; e, quando o despiu, é
levado ao seu lugar, em que foi inscrito. O que é o Mundo dos espíritos, e qual ele é,
vê-se no Tratado do Céu e do Inferno, publicado em Londres em 1758, nº 421 a 535.
DIVINA PROVIDÊNCIA NÃO APROPRIA A QUEM QUER QUE SEJA 0 MAL NEM A
QUEM QUER QUE SEJA 0 BEM, MAS A PRÓPRIA PRUDÊNCIA APROPRIA UM E
0 OUTRO.
308. Quase todo mundo crê que o homem pensa e quer por ele mesmo, e, por
conseguinte fala e age por ele mesmo; quem pode crer de outro modo, quando é por
ele mesmo que o crê, pois que a aparência que é assim é tão forte, que não há
diferença entre ela e pensar, querer, falar e agir realmente por si mesmo, o que
entretanto não é possível? Na Sabedoria Angélica sobre o Divino Amor e a Divina
Sabedoria, foi demonstrado que há uma única, e que os homens são recipientes da
vida; além disso também, que a vontade do homem é o receptáculo do amor, e o
entendimento do homem o receptáculo da sabedoria, amor e sabedoria que constituem
os dois esta vida única. Foi também demonstrado que é por criação, e por conseguinte
pela ação contínua da Divina Providência, que esta vida aparece no homem com a
mesma semelhança como se lhe pertencesse, e por conseqüência lhe fosse própria,
mas que é uma aparência para este fim que o homem possa ser um receptáculo. Foi
também demonstrado acima, nº 288 a 294, que nenhum homem pensa por si mesmo,
mas que se pensa por outros, e que estes outros não pensam tampouco por eles
mesmos, mas que todos pensam pelo Senhor, assim o mau tanto quanto o bom; além
disso, também, que isto é conhecido no mundo cristão, sobretudo por aquêles que não
somente dizem, mas mesmo crêem que todo bem e todo vero vêm do Senhor, e
também toda sabedoria, por conseqüência a fé e a caridade; e que todo mal e todo
falso vêm do diabo ou do inferno. De todas estas proposições não se pode concluir
outra cousa, senão que tudo o que o homem pensa e quer vem pelo influxo, e que, pois
que toda linguagem decorre do pensamento como o efeito decorre de sua causa, e
como se dá o mesmo com toda ação em relação à vontade, tudo o que o homem diz e
faz vem também pelo influxo, embora de uma maneira derivativa e mediata. Que tudo o
que o homem vê, ouve, cheira, saboreia e sente vem pelo influxo, não se pode negá-lo,
porque não seria o mesmo do que o homem pensa e quer? Pode haver uma outra
diferença, senão que nos órgãos dos sentidos externos ou do corpo influem cousas que
estão no mundo natural, e que nas substâncias orgânicas dos sentidos internos ou da
mente influem cousas que estão no mundo espiritual; que por conseqüência, do
mesmo modo que os órgãos dos sentidos externos ou do corpo são os receptáculos
dos objetos naturais, desse mesmo modo às substâncias orgânicas dos sentidos
internos ou da mente são os receptáculos dos objetivos espirituais? Pois que tal é o
estado do homem, o que é então o seu próprio? O seu próprio não consiste em ser ele
tal ou tal receptáculo, porque este próprio não é outra cousa senão sua qualidade
quanto à recepção, mas não é o próprio da vida; pois pelo próprio ninguém entende
outra cousa senão viver por si, e por conseqüência pensar e querer por si; mas que
este próprio não esteja no homem, e que não possa mesmo existir em homem algum,
é a conseqüência do que foi dito mais acima.
309. Mas vou relatar o que ouvi dizer por alguns no mundo espiritual. Esses eram do
número dos que tinham acreditado que a própria prudência é tudo, e que a Divina
Providência nada é. Eu lhes dizia que o homem não tem próprio algum, a não ser que
se queira chamar próprio do homem àquilo que faz com que ele seja tal ou tal sujeito,
tal ou tal órgão, tal ou tal forma, mas não é isso que é entendido pelo próprio, pois é
unicamente sua qualidade; e que nenhum homem tem próprio alguma, tal como é
comumente entendido o próprio. Estes, portanto, que tinham atribuído todas as causas
à própria prudência, e que por isso podem ser chamados proprietários em sua imagem,
inflamaram-se de tal modo que uma chama parecia sair de suas narinas, e me
disseram: "Tu proferes paradoxos e loucuras; nesse caso o homem nada seria, e seria
vazio, ou seria uma idéia e uma fantasia, ou seria uma imagem talhada ou uma
estátua". Não pude responder senão que é um paradoxo e uma loucura crer que o
homem é a vida por si, e que a sabedoria e a prudência não influem de Deus, mas
estão no homem, e que se dá o mesmo com o bem que pertence à caridade e com o
vero que pertence à fé; que se atribuir estas cousas é chamado loucura pelo sábio, e,
por conseguinte é também um paradoxo; que, além disso, eles eram como aqueles que
habitam na casa e na propriedade de um outro, e que então se persuadem que estas
cousas lhes pertencem; ou como ecônomos e intendentes que acreditam que as
possessões de seus senhores são suas; e como teriam sido os servidores aos quais o
Senhor deu talentos e minas para fazer render, se não tivessem prestado contas, mas
os tivessem retido como sendo deles, e tivessem por conseguinte agido como ladrões;
que se pode dizer de uns e outros que são loucos, e mesmo que não são cousa
alguma, que são vazios, e que são idealistas (devaneadores), porque não têm em si
pelo Senhor o bem que é o ser mesmo da vida, nem por conseqüência o vero, por isso
esses são chamados mortos, homens de nada e vazios, Isaías 40º, 17, 23; e em outros
lugares fazedores de imagem, além de imagens talhadas e estátuas. Mas, no que
segue, este assunto vai ser tratado mais amplamente nesta ordem: I. O que é a própria
Prudência, e o que é a Prudência não própria. II. O homem pela própria prudência se
persuade, e confirma em si que todo bem e todo vero vêm dele e estão nele, e que se
dá o mesmo com todo mal e com todo falso. III. Tudo aquilo de que o homem se
persuade, e em que se confirmou, permanece como próprio nele. IV. Se o homem
cresse, como é a verdade, que todo bem e todo vero vêm do Senhor, e que todo mal e
todo falso vêm do inferno, não se apropriaria o bem e não o faria meritório, e não se
apropriaria o mal e se faria responsável por ele.
310. I. O que é a própria Prudência e o que é a Prudência não própria.
Na própria Prudência estão os que confirmam em si às aparências e fazem delas
verdades, sobretudo esta aparência de que a própria prudência é tudo, e que a Divina
Providência nada é senão algum universal o qual, entretanto não pode existir sem os
singulares que o compõem como foi dito acima; estes estão também nas ilusões, pois
toda aparência confirmada como verdade se torna uma ilusão; e tanto quanto se
confirmam pelas ilusões, tanto se tornam naturalistas, e não crêem senão naquilo que
podem ao mesmo tempo perceber por algum sentido do corpo, sobretudo pelo sentido
da vista, porque este, principalmente, faz um com o pensamento; por fim eles se
tornam sensuais; e, se se confirmam pela natureza contra Deus, fecham os interiores
de sua mente, e interpõem por assim dizer um véu, e depois pensam abaixo do véu, e
não pensam em nenhuma das cousas que estão acima. Estes sensuais são chamados
serpentes da árvore da ciência pelos antigos; se diz deles, no mundo espiritual, que à
medida que se confirmam, fecham os interiores de sua mente, e por fim até o nariz,
pois o nariz significa a percepção do vero; e quando é fechado, isso significa que não
há percepção alguma. Agora, se dirá o que eles são: Mais que todos os outros, são
espertos e astutos; são raciocinadores engenhosos, e chamam inteligência e sabedoria
a esperteza e a astúcia e não as consideram de outro modo; os que não são como
eles, os considerar, como simples e estúpidos, sobretudo os que adoram Deus e os
que reconhecem a Divina Providência; quanto aos princípios interiores de sua mente,
de que eles mesmos pouco sabem, são como os que se chamam Maquiavelistas, que
consideram como nada os homicídios, os adultérios, os roubos e os falsos
testemunhos, considerados em si mesmos? E que, se raciocinam contra estas ações,
não o fazem senão por prudência, a fim de não aparecerem tais quais são. Da vida do
homem no mundo, pensam que é semelhante à vida da besta; e da vida do homem
depois da morte, que é como um vapor vital que, se elevando do cadáver ou do
sepulcro, recai e assim morre; desta loucura vem à idéia de que os espíritos e os anjos
são sopros aéreos, e naqueles aos quais é imposto crer na vida eterna, a idéia de que
se dá o mesmo com as almas dos homens, e que assim não vêem, não ouvem nem
falam, que por conseqüência são cegos, surdos e mudos, e que só pensam na
partícula de seu ar; "como a alma, dizem eles, pode ser outra cousa? Os sentidos
externos não morreram ao mesmo tempo que o corpo? E como pode-se recebê-los de
novo antes que a alma tenha sido reunida ao corpo?" E como não puderam
compreender senão sensualmente e não espiritualmente o estado da alma depois da
morte, estabeleceram este estado sensual, de outro modo a crença na vida eterna teria
perecido. Confirmam principalmente neles o amor de si, o chamam fogo da vida e o
estímulo para diversos usos na sociedade; e como são tais, são também ídolos deles
mesmos, e seus pensamentos sendo ilusões, e provindo de ilusões, são imagens do
falso; e porque favorecem os prazeres das cobiças, são eles, satanases e diabos; são
chamados satanases os que confirmam em si às cobiças do mal, e diabos os que
vivem segundo estas cobiças. Também me foi dado saber o que são os homens
sensuais mais astuciosas: Seu Inferno é por trás no fundo, o eles desejam ser
invisíveis; é por isso que aparecem voando como espectros, que são suas fantasias, e
são chamados Gênios. Um dia, alguns foram enviados dê seu inferno, a fim de que eu
conhecesse o que eles são lá; imediatamente se aplicaram à minha nuca sob o
occipício, e daí entraram em minhas afeições, sem querer entrar em meus
pensamentos, que evitavam hàbilmente; e variaram uma após outra as minhas
afeições, na intenção de as transformar insensivelmente em afeições opostas, que são
as cobiças do mal; e como não tocavam em cousa alguma dos meus pensamentos,
teriam, à minha revelia, virado e revirado as minhas afeições, se o Senhor não o
tivesse impedido. Tais se tornam aqueles que no mundo não crêem que existe alguma
cousa da Divina Providência, e que não examinam nos outros senão suas cobiças e
seus desejos, e os dirigem assim até ao ponto de dominar sobre eles; como fazem isso
de uma maneira tão clandestina e tão astuciosa, que os outros não se apercebem
disso, e como depois da morte se tornam semelhantes a eles mesmos, são lançados
neste inferno imediatamente após sua chegada no mundo espiritual. Vistos na luz do
Céu, aparecem sem nariz; e o que é surpreendente, embora sejam tão sutis, são, não
obstante sensuais mais do que todos os outros. Como os Antigos chamaram serpente
o homem sensual, e como um tal homem é esperto, astuto e raciocinador engenhoso
mais que os outros, é por isso que se diz, "que a serpente mais astuciosa que todas as
bestas do campo" (Gênesis 3º, 1); e que o Senhor disse: "Sede prudentes como as
serpentes e simples como as pombas" (Mat. 10º, 16); e que o Dragão, que é também
chamado serpente antiga, diabo e satanás, é descrito como "tendo sete cabeças e dez
cornos, e sobre suas cabeças sete diademas" (Apoc. 12º, 3, 9); pelas sete cabeças é
significada a astúcia, pelos dez cornos o poder de persuadir por meio de ilusões, e
pelos sete diademas as cousas santas da Palavra e da Igreja profanadas.
311. Pela descrição da própria prudência e dos que estão nesta prudência, pode-se ver
qual é a prudência não própria e quais são os que estão nesta, a saber, que a
prudência não própria é a prudência daqueles que não confirmam neles que a
inteligência e a sabedoria vêm do homem; estes dizem: "Como alguém pode ser sábio
por si mesmo; e como alguém pode fazer o bem por si mesmo?" E dizendo isso, vêem
em si mesmos que isto assim é; pois pensam interiormente, e crêem também, que os
outros pensam da mesma forma, principalmente os eruditos, porque não sabem que
alguém possa pensar só externamente. Não estão nas ilusões por quaisquer
confirmações das aparências; é por isso que sabem e percebem que os homicídios, os
adultérios, os roubos e os falsos testemunhos são pecados, e por isso mesmo fogem
deles; além disso também, que a malícia não é a sabedoria, e que a astúcia não é a
inteligência; quando ouvem raciocínios engenhosos, fundados sobre ilusões, se
admiram disso, e em si mesmos os negam; e isso porque neles não há o véu entre os
interiores e os exteriores, ou entre os espirituais e os naturais da mente, como o há
entre os sensuais; por isso recebem do Céu um influxo, pelo qual vêem interiormente
tais cousas. Falam com mais simplicidade e sinceridade que os outros, e põem a
sabedoria na vida e não no discurso; são realmente como cordeiros e ovelhas,
enquanto que os que estão na própria prudência são como lobos e raposas; são como
os que habitam uma casa e vêem pelas janelas o Céu, enquanto que os que estão na
própria prudência são como os que habitam as caves da casa e não vêem por suas
janelas senão o que está sob a terra; são também como os que se conservam sobre
uma montanha, e vêem os que estão na própria prudência, errando nos vales e nas
florestas. Por isto, pode-se ver que a prudência não própria é uma prudência segundo o
Senhor, semelhante em aparência nos externos à própria prudência, mas
absolutamente diferente nos internos; nos internos a prudência não própria, aparece no
Mundo espiritual como um homem, e a prudência própria aparece como um simulacro
que não parece ter a vida senão por isto só, que os que estão nesta prudência têm
entretanto a racionalidade e a liberdade, ou a faculdade de compreender e a de querer,
e por conseqüência, de falar e de agir, e que por estas faculdades podem fingir que são
também homens; se não tais simulacros é porque os males e os falsos não vivem, mas
que não há senão os bens e os veros que vivem; e como por sua racionalidade sabem
isso, pois se não o soubessem não fingiriam pelos bens e os veros, possuem o vital
humano em seus simulacros. Quem é que não pode saber que tal é o homem
interiormente, tal ele é; que por conseqüência àquele que é interiormente tal como quer
ser visto exteriormente é um homem; e que aquele que é homem só exteriormente e
não interiormente, é um simulacro; pensa a respeito de Deus, da religião, da justiça e
da sinceridade, do mesmo modo que falas, e tu serás um homem, e então a Divina
Providência será a tua prudência, e verás nos outros que a própria prudência é uma
loucura.
312. II. O homem pela própria prudência se persuade, e confirma em si que todo
bem e todo vero vêm dele estão nele, e que se dá o mesmo com todo mal e todo
falso.
A argumentação terá lugar pela analogia entre o bem e o vero naturais e o bem e o
vero espirituais. Pergunta-se o que é o vero e o bem à vista do olho: Aí não é o vero o
que é chamado belo, e o bem o que é chamado prazer? Com efeito, sente-se prazer
vendo belos objetos. Pergunta-se o que é o vero e o bem para o ouvido: Aí não é o
vero o que é chamado harmonioso, e o bem o que é chamado encanto? Com efeito,
sente-se encanto ouvindo sons harmoniosos. Dá-se o mesmo com os outros sentidos.
Por isto vê-se claramente o que é o vero e o bem naturais. Que se examine agora o
que é o vero e o bem espirituais: É o vero espiritual outra cousa senão o belo e o
harmonioso das cousas e dos objetos espirituais? E o bem espiritual é outra cousa
senão o prazer e o encanto segundo a percepção de sua beleza e de sua harmonia?
Vejamos agora se se pode dizer de uma outra cousa que do outro, ou do espiritual
outra cousa que do natural: Diz-se do natural que o belo e o prazer no olho influem dos
objetos, e que o harmonioso e o encanto no ouvido influem dos instrumentos. Será isso
de outro modo nas substâncias orgânicas da mente? Diz-se delas, que estas cousas (a
saber, o belo e o prazer, o harmonioso e o encanto), estão nelas; e se diz do olho e do
ouvido, que estas mesmas cousas influem neles. Mas se se pergunta por que se diz
que elas influem, não se pode responder outra cousa, senão que é porque aparece
uma distância (entre o órgão do sentido e o objeto). E se pergunta por que no outro
caso se diz que estão nelas, não se pode responder outra cousa senão que é porque
não aparece distância. Por conseqüência é a aparência de distância que faz com que a
respeito das cousas que o homem pensa e percebe se creia de outro modo que a
respeito das que ele vê e ouve. Mas isto cai, quando se sabe que o espiritual não está
na distância como o está o natural; pensa no sol e na lua, ou em Roma e em
Constantinopla, não estão no pensamento sem distância, desde que este pensamento
não esteja conjunto com a experiência adquirida pela vista e pelo ouvido? Por que
então te persuades de que, porque não aparece distância no pensamento, o bem e o
vero e também o mal e o falso aí estão, e não influem? Acrescentarei a isso uma
experiência que no Mundo espiritual, é comum: Um espírito pode infundir seus
pensamentos e suas afeições em um outro espírito, e este não sabe outra cousa senão
que estes pensamentos e estas afeições são seus próprios pensamentos e suas
próprias afeições; isso aí é chamado pensar por um outro e pensar em um outro; vi
esta experiência milhares de vezes, e eu mesmo a fiz centenas de vezes; e entretanto
a aparência de distância era considerável; mas logo que os espíritos sabiam que era
um outro que infundia estes pensamentos e estas afeições, ficavam indignados com
isso e se desviavam, reconhecendo entretanto que a distância não aparecia à vista
interna ou ao pensamento, a não ser que isso fosse desvendado, como aparece à vista
externa ou ao olho, donde resulta que se creia que há um influxo. A esta experiência
acrescentarei uma que me é quotidiana: Os maus espíritos muitas vezes lançaram em
meu pensamento males e falsos, que me pareciam estar em mim e vir de mim, ou
como se eu mesmo os pensasse; mas, como eu sabia que eram males e falsos, eu
procurava quem eram os que os haviam lançado, e eles eram descobertos e postos em
fuga; estavam a uma distância considerável de mim. Por isto pode-se ver que todo mal
com seu falso influi do inferno, e que todo bem com seu vero influi do Senhor, e que
um e outro aparecem como no homem.
313. Quais são os que estão na, própria prudência, e quais são os que estão na
prudência não-própria e, por conseguinte na Divina Providência, isto está descrito na
Palavra por Adão e por Eva, sua esposa, no Jardim do Éden, onde havia duas árvores
uma da vida, e a outra da ciência do bem e do mal, e por sua ação de ter comido desta.
Que por Adão e por Eva, sua esposa, no sentido interno ou espiritual, seja entendida e
descrita a Antiqüíssima Igreja do Senhor sobre esta terra,, Igreja que foi nobre e celeste
mais do que as que a seguiram, vê-se acima, nº 241; as outras cousas têm a
significação seguinte: Pelo Jardim do Éden é significada a sabedoria dos homens desta
Igreja; pela árvore da vida, o Senhor quanto à Divina Providência, e pela árvore da
ciência, o homem quanto à própria prudência; pela serpente, o sensual e o próprio do
homem, que em si mesmo é o amor de si e o fasto da própria inteligência, assim o
diabo e satanás; pela ação de comer da árvore da ciência, a apropriação do bem e do
vero, como se o bem e o vero viessem do homem e não do Senhor, e por conseguinte
como se pertencessem ao homem e não ao Senhor; ora, como o bem e o vero são os
Divinos mesmos no homem, pois pelo bem é entendido o todo do amor, e pelo vero o
todo da sabedoria, se portanto o homem os reivindica como seus, não pode fazer outra
cousa senão crer que é como Deus; é por isso que a serpente disse: "No dia em que
comerdes dela, abertos serão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e
o mal" (Gên. 3º, 5); o mesmo fazem os que estão no amor de si e por conseguinte no
fasto da própria inteligência no inferno; pela condenação da serpente é significada a
condenação do amor-próprio e da própria inteligência; e pela condenação de Adão e do
intelectual próprio; pelo espinho e o cardo que a terra lhe produziria é significado
absolutamente o falso e o mal; pelo seu banimento do jardim, a privação total da
sabedoria; pela guarda do caminho conduzindo à árvore da vida, a vigilância do Senhor
a fim de que as cousas santas da Palavra e da Igreja não sejam violadas; pelas folhas
de figueira, com as quais cobriam sua nudez, são significados os veros morais pelos
quais são veladas as cousas que pertencem a seu amor e a seu fasto; e pelas túnicas
de pele, com que depois se vestiram, são significadas as aparências do vero só nas
quais eles estão. É esta a significação espiritual destas cousas. Mas aquele que quer
permanecer no sentido da letra aí permaneça; que saiba somente que este sentido é
entendido assim no Céu.
314. Quais são os que se enfatuaram pela própria inteligência, pode-se ver pelo
produto de sua imaginação concernente às cousas de um julgamento interior, por
exemplo, concernentes ao Influxo, ao Pensamento e à Vida. Concernente ao Influxo,
pensam o contrário do que acontece, que a vista do olho influi na vista interna da
mente, que é o entendimento, e que o ouvido da orelha influi no ouvido interno, que é
também o entendimento; e não percebem que o entendimento segundo a vontade influi
no olho e na orelha, e não somente faz estes sentidos, mas se serve deles mesmos
como seus instrumentos no mundo natural; mas como, isto não é conforme a
aparência, eles não o percebem; somente se se diz que o natural'não influi no
espiritual, mas que o espiritual influi no natural, então eles pensam sempre: O que é o
espiritual senão um natural mais puro? Além disso: Será que não aparece que se o
olho vê algum objeto belo, e o ouvido ouve algum som harmonioso, a mente, que é o
entendimento e a vontade, é deleitada? Eles não sabem que o olho não vê por si
mesmo, que a língua não saboreia por si mesma, que as narinas não cheiram por elas
mesmas, que a pele não sente por ela mesma, mas que é a mente ou o espírito do
homem que aí percebe estas cousas pelos sentidos, e é afetado por elas segundo a
qualidade dos sentidos; e que não obstante a mente ou o espírito do homem as sente
não por si mesmo, mas pelo Senhor; e que pensar de outro modo é pensar segundo as
aparências; e, se isto é confirmado, é segundo as ilusões. Concernente ao
Pensamento, dizem que é alguma cousa modificada no ar, que varia segundo os
objetos, e aumenta conforme é isso cultivado; que assim as idéias do pensamento são
imagens, como de meteoros aparecendo no ar; e que a memória é uma tábua sobre a
qual eles são impressos; não sabem que os pensamentos estão igualmente em
substâncias puramente orgânicas como a vista e o ouvido nas suas; que considerem
somente o cérebro, e o verão cheio de tais substâncias; fere estas substâncias, e
estarás no delírio; destrói-as, e morrerás; mas o que é o pensamento, e o que é a
memória, vê-se acima, nº 279, no fim. Concernente à Vida, não sabem outra cousa
senão que é uma certa atividade da natureza, que se faz sentir de diversas maneiras,
conforme o corpo que vive se move organicamente; se se diz que por conseqüência a
natureza vive, eles o negam, mas alegam que a natureza faz viver; se se diz, é a vida
dissipada quando o corpo morre? Respondem que a vida permanece na partícula de
ar, que é chamada alma; se se diz: "O que é então Deus? Não é Ele a vida mesma?" A
esta pergunta eles se calam, e não querem declarar o que pensam; se se diz: "Não
quereis que o Divino Amor e a Divina Sabedoria sejam a Vida mesma?" Respondem:
"O que é o amor, e o que é a sabedoria?" Pois em suas ilusões não vêem nem o que é
o amor e a sabedoria, nem o que é Deus. Estes raciocínios foram relatados, a fim de
que se veja como o homem é enfatuado pela própria prudência, por isto que em todas
as cousas conclui segundo as aparências e, por conseguinte segundo as ilusões.
316. Se a própria prudência persuade e confirma que todo bem e todo vero vêm do
homem, e estão no homem, é porque a própria prudência é o próprio intelectual do
homem, influindo do amor de si que é o próprio voluntário do homem, e o próprio não
pode deixar de fazer suas todas as cousas, pois não pode ser elevado pelo homem.
Todos os que são conduzidos pela Divina Providência do Senhor são elevados acima
do próprio, e então querem que todo bem e todo vero venham do Senhor; e vêem
mesmo também que o que vem do Senhor no homem pertence perpetuamente ao
Senhor, e jamais ao homem. Aquele que crê de outro modo é como aquele que tem
com ele em depósito os bens de seu senhor, e que os reivindica ou se apropria deles
como seus, o qual não é um intendente, mas é um ladrão; e como o próprio do homem
não é senão mal, é por isso que aquele mergulha também estes bens em seu mal, pelo
qual são destruídos como pérolas lançadas no monturo ou dissolvidas no vinagre.
317. III. Tudo de que o homem se persuade, e em que se confirmou, permanece
como próprio nele.
Muitos crêem que nenhum vero pode ser visto pelo homem, a não ser que o seja por
cousas confirmadas, mas isso é falso. Nas cousas civis e econômicas de um Reino ou
de uma República não se pode ver o útil e o bom, a não ser que se conheça vários
estatutos e ordenanças; nas cousas judiciais, a não ser que conheça as leis; nas
cousas naturais, como são as da física, da química, da anatomia, da mecânica e
outras, a não ser que o homem seja instruído nas ciências; mas nas cousas puramente
racionais, morais e espirituais, os veros aparecem em sua luz mesma, desde que o
homem por uma educação conveniente tenha se tornado algum tanto racional, moral e
espiritual. A razão disto é que, quanto a seu espírito que é o que pensa, cada homem
está no Mundo espiritual, e é um entre os que aí estão por conseqüência está na luz
espiritual que ilustra os interiores de seu entendimento, e, por assim dizer, dita; pois a
luz espiritual em sua essência é o Divino Vero da Divina Sabedoria do Senhor; daí vem
que o homem pode pensar analiticamente, concluir sobre o justo e o eqüitativo nos
julgamentos, e ver o honesto na vida moral, e o bem na vida espiritual; e também
muitos veros que não caem nas trevas senão depois dos falsos confirmados. O homem
os vê pouco mais ou menos da mesma maneira que vê a intenção de um outro pela
sua face, e que lhe percebe as afeições pelo som de sua voz, sem outra ciência que a
que foi insitada em cada um; por que o homem não veria de algum modo pelo influxo
os interiores de sua vida, que são as cousas espirituais e morais, quando não há um
animal que não saiba pelo influxo as cousas que lhe são necessárias, as quais são
naturais? O pássaro sabe fazer seu ninho, aí depositar seus ovos, fazer sair seus
filhotes, e conhece sua alimentação; além de outras maravilhas, que são chamadas
instinto.
318. Mas como é mudado o estado do homem pelas confirmações e por conseguinte
pelas persuasões, é o que vai ser dito agora, mas nesta ordem: 1º) Não há cousa
alguma que não possa ser confirmada; e o falso pode ser confirmado mais do que o
vero. 2º) O falso sendo confirmado, o vero não se mostra; mas pelo vero confirmado o
falso se mostra. 3º) Poder confirmar tudo que se quer, não é da inteligência, é
unicamente uma sutileza que pode existir mesmo nos mais maus. 4º) Há uma
confirmação intelectual e não ao mesmo tempo voluntária, mas toda confirmação
voluntária é intelectual também. 5º) A confirmação do mal, voluntária e ao mesmo
tempo intelectual, faz com que o homem creia que a própria prudência é tudo, e que a
Divina Providência nada é; mas não é assim com a simples confirmação intelectual. 6º)
Todas as cousas confirmadas pela vontade e ao mesmo tempo pelo entendimento
permanecem eternamente, mas não o que foi unicamente confirmado pelo
entendimento.
Primeiramente: Não há cousa alguma que não possa ser confirmada; e o falso
pode ser confirmado mais do que o vero. Qual é a cousa que não possa ser
confirmada, quando é confirmado pelos ateus que Deus não é o Criador do universo,
mas que a natureza é a criadora de si mesma; que a Religião é apenas um vínculo,
para os simples e o vulgo; que o homem é como uma besta, e que morre igualmente;
quando é confirmado que os adultérios são permitidos, e igualmente os roubos
clandestinos, as fraudes, as maquinações insidiosas; que a astúcia é a inteligência, e
que a malícia é a sabedoria? Quem é que não confirma sua heresia? Não há volumes
cheios de confirmações em favor das duas heresias que reinam no mundo cristão?
Compõe dez heresias mesmo abstrusas, e diz a um homem engenhoso que as
confirme, e ele confirmará todas; se em seguida tu as examinas somente segundo os
confirmativos, não verás os falsos como veros? Pois que falso brilha no homem natural
pelas aparências e pelas ilusões deste homem, e que o vero não brilha senão no
homem espiritual, é evidente que o falso pode ser confirmado mais que o vero. A fim
de que se saiba que todo falso e todo mal podem ser confirmados, ao ponto de o falso
aparecer como vero, e do mal aparecer como bem, seja por exemplo: Confirmar que a
luz são as trevas, e que as trevas são a luz. Não se pode dizer: "O que é a luz em si
mesma? É outra cousa senão uma certa aparência no olho segundo seu estado? O
que é a luz quando o olho está fechado? Os morcegos e os mochos não têm olhos tais,
que vêem a luz como trevas, e as trevas como luz? Soube a respeito de certos homens
que eles vêem desta maneira; e, a respeito dos infernais, que embora estejam nas
trevas, entretanto se vêem mutuamente. Não há luz para o homem nos sonhos no
meio da noite? Assim as trevas não são luz, e a luz, trevas?" Mas pode-se responder:
"O que é que isto prova? A luz é a luz como o vero é o vero, e as trevas são as trevas
como o falso é o falso". Seja ainda um exemplo: Confirmar que o corvo é branco. Não
se pode dizer: "A sua negrura é unicamente uma sombra que não é a sua cor real;
suas penas são brancas por dentro, seu corpo igualmente; estão aí as substâncias de
que ele é composto; como sua negrura é uma sombra, é por isso que o corvo
embranquece quando se torna velho, viu-se destes. O que é o negro em si mesmo
senão o branco? Reduz a pó o vidro negro, e verás que o pó é branco; quando portanto
chamas negro o corvo, falas da sombra, e não da realidade". Mas pode-se responder:
"0 que prova isso? Desta maneira poder-se-ia dizer que todos os pássaros são
brancos". Embora estes raciocínios sejam contra a sã razão, foram relatados a fim de
que se possa ver que um falso diametralmente oposto a um vero, e que um mal
diametralmente oposto a um bem podem ser confirmados.
Segundamente: O falso sendo confirmado, o vero não se mostra; mas pelo vero
confirmado o falso se mostra. Todo falso está nas trevas, e todo vero está na luz; e
nas trevas cousa alguma se mostra; mais ainda, não se sabe que cousa há, a não ser
que se apalpe; é diferente na luz; é mesmo por isso que na Palavra os falsos são
chamados trevas, e que em conseqüência os que estão nos falsos se diz que andam
nas trevas, e em uma sombra de morte; e que, vice-versa, os veros aí são chamados
luz, e que em conseqüência os que estão nos veros se diz que andam na luz, e são
chamados filhos da luz. Que, o falso sendo confirmado, o vero não se mostra, e que
pelo vero confirmado o falso se mostra, isto é evidente por várias considerações; por
exemplo, quem é que veria algum vero espiritual, se a Palavra não o ensinasse? Não
haveria aí uma espessa obscuridade que não poderia ser dissipada senão pela luz em
que está a Palavra, e somente naqueles que querem ser ilustrados? Que herético pode
ver seus falsos se não admite o vero real da Igreja? Ele não os vê antes. Tive
conversas com os que se tinham confirmado na fé separada da caridade; e quando
lhes perguntei se na Palavra não tinham visto tão numerosas passagens sobre o amor
e a caridade, sobre as obras e os atos, sobre os preceitos a observar, e que se diz que
o homem feliz e sábio é aquele que faz, e o insensato é o que não faz, eles me
responderam que quando tinham lido estas passagens não tinham visto aí outra cousa
senão a fé, e que assim haviam passado adiante, como se tivessem os olhos fechados.
Os que se confirmaram nos falsos são como os que vêem ranhuras sobre uma parede,
e que, quando estão na sombra da tarde, vêem em sua fantasia o conjunto dessas
ranhuras como um cavaleiro ou um homem, imagem visionária que se dissipa quando
vem a luz do dia. Quem é que pode sentir a impureza espiritual do adultério, senão
aquele que está na pureza espiritual da castidade? Quem é que pode sentir qual é a
crueldade da vingança, senão aquele que está no bem pelo amor do próximo? Qual é o
adúltero, e qual é o homem ávido de vingança, que não zomba dos que chamam
infernais os seus prazeres, e celestes os prazeres do amor conjugal e do amor ao
próximo? E assim por diante.
Terceiramente: Poder confirmar tudo que se quer não é inteligência, é
unicamente unia sutileza, que pode existir mesmo nos mais maus. Há
confirmadores muito hábeis, que não conhecem vero algum, e contudo podem
confirmar o vero e o falso, e alguns deles dizem: "O que é o vero? Ele existe? O que eu
faço vero não é o vero? E esses no mundo sempre se acreditaram inteligentes; e
entretanto não são senão rebocadores de paredes; só são inteligentes os que
percebem que o vero é o vero, e que o confirmam por verdades continuamente
percebidas; uns e outros dificilmente podem ser distinguidos, porque não se pode
distinguir entre a luz da confirmação e a luz da percepção do vero, e porque parece
absolutamente que os que estão na luz da confirmação estão também na luz da
percepção do vero, quando entretanto há uma diferença como entre uma luz quimérica
e a luz real, e a luz quimérica no mundo espiritual é tal, que se muda em trevas quando
a luz real influi; no inferno há uma semelhante luz quimérica em muitos, que não vêem
absolutamente cousa alguma, quando são introduzidos na luz real. Por isto, é evidente
que poder confirmar tudo que se quer é unicamente uma sutileza, que pode existir
mesmo nos mais maus.
Em quarto lugar: Há uma confirmação intelectual e não ao mesmo tempo
voluntária, mas toda confirmação voluntária é intelectual também. Sejam
exemplos para ilustração: Os que confirmam a fé separada da caridade, e entretanto
vivem a vida da caridade, e em geral os que confirmam os falsos da doutrina, e
entretanto não vivem segundo esses falsos, são os que estão na confirmação
intelectual e não ao mesmo tempo na confirmação voluntária; mas os que confirmam o
falso da doutrina, e vivem segundo este falso, são os que estão na confirmação
voluntária e ao mesmo tempo na confirmação intelectual; isto vem de que o
entendimento não influi na vontade, mas que a vontade influi no entendimento. Por ai,
vê-se também o que é o falso do mal, e o falso que não é o falso do mal; que este pode
ser conjunto ao bem, mas não aquele; e isso porque o falso que não é o falso do mal é
o falso no entendimento e não na vontade, e porque o falso do mal é o falso no
entendimento pelo mal na vontade.
Em quinto lugar: A confirmação do mal, voluntária e ao mesmo tempo intelectual,
faz com que o homem creia que a própria prudência é tudo, e que a Divina
Providência nada é, mas não é assim com a simples confirmação intelectual. Há
muitos que confirmam em si a própria prudência segundo as aparências no mundo,
mas não obstante não negam a Divina Providência; nestes há somente confirmação
intelectual; mas naqueles que ao mesmo tempo negam a Divina Providência há
também confirmação voluntária; e esta confirmação junta à persuasão está
principalmente naqueles que são adoradores da natureza e ao mesmo tempo
adoradores deles mesmos.
Em sexto lugar: Toda cousa confirmada pela vontade e ao mesmo tempo pelo
entendimento permanece eternamente, mas não o que foi confirmado somente
pelo entendimento. Com efeito, o que pertence ao entendimento só não está no
homem, mas está fora dele; isto está somente no pensamento; e nada entra no
homem, nem lhe é apropriado, senão o que é recebido pela vontade, pois isto se torna
cousa do amor de sua vida; que isso permaneça eternamente, é o que vai ser dito no
número seguinte.
319. Se todas as cousas confirmadas pela vontade e ao mesmo tempo pelo
entendimento permanecem eternamente, é porque cada um é seu amor, e seu amor
pertence à sua vontade; além disso também, porque cada homem é seu bem ou seu
mal, pois é chamado bem tudo que pertence ao amor, e mal tudo que é oposto. Pois
que o homem é seu amor, é também a forma de seu amor, e pode ser chamado o
órgão do amor de sua vida. Acima, nº 279, foi dito que as afeições do amor e por
conseguinte os pensamentos do homem são mudanças e variações do estado e da
forma das substâncias orgânicas de sua mente, agora se dirá o que são estas
mudanças e estas variações, e quais são; pode-se ter uma idéia disso pelo Coração e
o Pulmão, em que há expansões e compressões, ou dilatações e contrações
alternativas, que no coração são chamadas sístole e diástole, e no pulmão respirações,
as quais são extensões e retenções, ou alargamentos e encolhimentos recíprocos de
seus lóbulos; estão ai as mudanças e variações de estado do coração e do pulmão; há
semelhantes a estas nas outras vísceras do corpo, e também semelhantes em suas
partes, pelas quais o sangue e o suco animal são recebidos e impelidos. Há também
semelhantes nas formas orgânicas da mente, que são os sujeitos das afeições e dos
pensamentos do homem, como foi mostrado acima; com esta diferença, que suas
expansões e compressões, ou reciprocações, estão respectivamente em uma perfeição
de tal modo superior que não podem ser expressas pelas palavras da língua natural,
mas somente pelas palavras da língua espiritual, que não podem ser traduzidas senão
dizendo que são ingirações e egirações vorticiliares, segundo a maneira das hélices
perpétuas e inflexas, admiravelmente ligadas em conjunto nas formas receptivas da
vida. Agora se dirá quais são estas substâncias e estas formas orgânicas nos maus, e
quais elas são nos bons; nos bons são em espirais para diante, mas nos maus para
trás; as que são em espirais para diante são voltadas para o Senhor e recebem d'Ele o
influxo; mas as que são em espirais para trás são voltadas para o inferno, e recebem
dele o influxo; é preciso que se saiba que tanto quanto são voltadas para trás, tanto são
abertas por trás e fechadas por diante, e que, vice-versa, tanto quanto são voltadas
para diante, tanto são abertas pela frente e fechadas por trás. Por isso, pode-se ver
que forma, e que órgão é o homem mau, e que forma ou que órgão é o homem bom, e
que eles são voltados em sentido contrário; e como um sentido, uma vez contraído,
não pode ser virado, é evidente que tal é o sentido quando o homem morre, tal
permanece pela eternidade; é o amor da vontade do homem que faz este sentido, ou
que vira e revira; pois, como foi dito acima, cada homem é seu amor; daí vem que cada
um depois da morte segue o caminho do seu amor, para o Céu, aquele que está em
um amor bom, e para o inferno, aquele que está em um amor mau, e não repousa
senão na sociedade onde está seu amor reinante; e, o que é admirável, cada um
conhece o caminho; é como se o farejasse pelas narinas.
320. IV. Se o homem cresse, como é a verdade, que todo bem e todo vero vêm do
Senhor, e que todo mal e todo falso vêm do inferno, não se apropriaria o bem e
não o faria meritório, e não se apropriaria o mal e não se faria responsável por
ele.
Mas coma estas proposições são contra a crença dos que confirmaram em si a
aparência de que a sabedoria e a prudência vêm do homem, e não influem segundo o
estado da organização de sua mente, ver acima, nº 319, elas vão ser demonstradas; e
para que isso seja feito distintamente, será nesta ordem: 1º Aquele que confirma em si
a aparência de que a sabedoria e a prudência vêm do homem, e por conseguinte estão
nele como lhe pertencendo, não, pode ver senão que, se fosse de outro modo, ele não
seria um homem, mas seria ou uma besta ou uma estátua; e entretanto é o contrário.
2º Crer e pensar, como é a verdade, que toda bem e todo, vero vêm do Senhor, e que
todo mal e todo falso vêm do inferno, Parece como impossível; e entretanto isso é
verdadeiramente humano e por conseguinte angélico. 3º Crer e penam assim: é
impossível para aquêles que não reconhecem o Divino do Senhor, e que não
reconhecem que os males são pecados; mas isso é possível para aquêles que
reconhecem esses dois pontos: 4º Os que reconhecem esses dois pontos refletem
somente sobre os males que estão neles, e os expulsam deles para o inferno donde
vêm, quando fogem deles e os têm em aversão como pecados. 5º Assim a Divina
Providência não apropria a ninguém o mal, nem a pessoa alguma o bem; mas a própria
prudência apropria um e outro.
321. Mas estas proposições vão ser explicadas na ordem proposta.
Primeiramente: Aquele que confirma em si a aparência de que a sabedoria e a
prudência vêm do homem, e por conseguinte estão nele como lhe pertencendo,
não pode ver senão que, se fosse de outro modo, ele não seria um homem, mas
seria ou uma besta ou uma estátua; e entretanto é o contrário. É uma lei da Divina
Providência que o homem pense como por ele mesmo e aja, prudentemente como por
ele mesmo, mas que entretanto reconheça que é pelo Senhor; segue-se daí que aquele
que pensa e age prudentemente como por si mesmo, e que reconhece ao mesmo
tempo que é pelo Senhor, é homem, mas não aquele que confirma em si que tudo o
que pensa e o que faz é por ele mesmo; nem aquele que, porque sabe que a sabedoria
e a prudência vêm de Deus, espera sempre o influxo; pois este se torna como uma
estátua, e aquele como uma besta; que o que espera o influxo se torna, como uma
estátua, isso é evidente; pois é preciso que se mantenha de pé ou sentado, imóvel,
com as mãos pendentes, com os olhos ou fechados ou abertos sem o menor
movimento, não pensando e não respirando; o que é que há então da vida nele? Que o
que crê que todas as cousas que pensa e faz são dele, não seja diferente da besta, isto
ainda é evidente; pois pensa unicamente segundo a mente natural, que é comum ao
homem e às bestas, e não segundo a mente racional-espiritual, que é a mente
verdadeiramente humana; pois esta mente reconhece que Deus só pensa por si
mesmo, e que o homem, pensa por Deus; é mesmo por isso que um tal homem não
conhece outra diferença entre o homem e a besta, senão que o homem fala e a besta
profere sons, e acredita que um e outro morrem igualmente. Ainda se dirá alguma
cousa sobre os que esperam o influxo: Eles não recebem influxo algum, exceto alguns
que o desejam de todo coração; estes por vezes recebem alguma resposta por uma
viva percepção no pensamento, ou por uma linguagem tácita nele, e raramente por
uma linguagem manifesta, e isso então, a fim de que pensem e ajam como querem e
como podem e que o que age sabiamente seja sábio, e o que age loucamente seja
louco, e jamais são instruídos sobre o que devem crer nem sobre o que devem fazer; e
isso, a fim de que o racional e o livre humano, que consiste em que cada um aja pelo
livre segundo a razão, em toda aparência como por si mesmo, não pereça. Aqueles
que pelo influxo são instruídos sobre o que devem crer, ou sobre o que devem fazer,
são instruídos não pelo Senhor, nem por algum anjo do Céu, mas por algum espírito
entusiasta, Quaker ou Moravio, e são seduzidos. Todo influxo vindo do Senhor se faz
pela ilustração do entendimento e pela afeição do vero, e por esta naquela.
Segundamente: Crer e pensar, como é a verdade, que todo bem, e todo vero vêm
do Senhor, e que todo mal e todo falso vêm do inferno, parece como impossível;
e entretanto é verdadeiramente humano e por conseguinte angélico. Crer e pensar
que todo bem e todo vero vêm do Senhor parece possível, desde que não se diga nada
além; e isso porque é conforme à lei teológica, contra a qual não é permitido pensar;
mas crer que todo mal e todo falso vêm do inferno parece impossível, porque neste
caso seria também crer que o homem nada pode pensar; mas a verdade é que o
homem pensa como por si mesmo, embora o seja, pelo inferno, porque é dado pelo
Senhor a cada um, que o pensamento, de qualquer parte que venha, pareça nele como
seu; de outro modo o homem não viveria como homem, e não poderia ser tirado do
inferno e introduzido no Céu, isto é, ser reformado como foi abundantemente mostrado
acima. É mesmo por isso que o Senhor dá ao homem saber e por conseguinte pensar
que está no Inferno se está no mal, e que pensa pelo inferno se pensa pelo mal, e lhe
dá também pensar nos meios pelos quais pode sair do inferno e não pensar pelo
inferno, mas vir para o Céu, e aí pensar pelo Senhor; e por fim dá ao homem a
liberdade de escolha. Por isto, pode-se ver que o homem pode pensar o mal e o falso
como por si mesmo, e também pensar que tal e tal cousa é um mal e um falso, que por
conseguinte há unicamente aparência que ele pensa por si mesmo, aparência sem a
qual o homem não seria homem. O humano mesmo, e por conseguinte o angélico, é
pensar segundo a verdade, e esta é a verdade, que o homem não pensa por si mesmo,
mas que lhe é dado pelo Senhor pensar em toda aparência como por si mesmo.
Terceiramente: Crer e pensar assim é impossível para os que não reconhecem o
Divino do Senhor, e que não reconhecem que os males são pecados; mas isso é
possível para os que reconhecem estes dois pontos. Se isto é impossível para os
que não reconhecem o Divino do Senhor, é porque o Senhor só dá ao homem o pensar
e o querer, e porque os que não reconhecem o Divino do Senhor, estando separados
d'Ele, crêem que pensam por eles mesmos; se isso é impossível também para os que
não reconhecem que os males são pecados, é porque estes pensam pelo inferno, e lá
cada um imagina pensar por si mesmo. Mas que isso seja possível para o que
reconhecem estes dois pontos, é o que se pode ver pelo que foi referido com longos
detalhes acima, nº 288 a 294.
Em quarto lugar: Os que reconhecem este dois pontos refletem unicamente
sobre os males que estão neles, e os expulsam deles para o inferno donde vêm,
tanto quanto fogem deles e os têm em aversão como pecados. Quem é que não
sabe ou não pode saber que o mal vem do inferno, e que o bem vem do Céu? E quem
é que por conseguinte não pode saber que, tanto quanto o homem foge do mal e tem
aversão a ele, tanto foge do inferno e tem aversão a ele? E quem é que não pode por
conseguinte saber que, tanto quanto alguém foge do mal e o tem em aversão, tanto
quer e ama o bem, e é por conseqüência tirado do inferno pelo Senhor e conduzido ao
Céu? Todas estas cousas o homem racional pode ver, desde que saiba que há um
inferno e um Céu, e que o mal vem de sua origem e o bem da sua; se portanto o
homem reflete sobre os males que estão nele, o que é a mesma cousa que se
examinar, e se foge deles, ele se desprende do inferno e o rejeita para trás de si, e se
introduz no Céu, e aí vê o Senhor em face; se diz que o homem faz isso, mas o faz
como por si mesmo, então pelo Senhor. Quando o homem reconhece este, vero com
um coração bom e uma fé piedosa, este vero é então interiormente escondido em tudo
o que ele depois pensa e faz como por si mesmo, do mesmo modo que em uma
semente o prolífico que a acompanha interiormente até à uma nova semente, e do
mesmo modo que o agrado no apetite de um alimento que o homem uma vez
reconheceu ser salutar; em uma palavra, é como o coração e a alma em tudo que
pensa e faz.
Em quinto lugar. Assim a Divina Providência não apropria a ninguém o mal, nem
a pessoa alguma o bem; mas a própria prudência apropria um e outro. É a
conseqüência de tudo que acaba de ser dito: O fim da Divina Providência é o bem; ele
tende portanto ao bem em toda operação; é por isso que ela não apropria a pessoa
alguma o bem, pois assim o bem se tomaria meritório; e não apropria a ninguém o mal,
pois assim seria tornar o homem culpado do mal; entretanto o homem faz uma cousa e
outra pelo próprio, porque o próprio não é senão o mal; o próprio de sua vontade é o
amor de si, e o próprio de seu entendimento é o fasto da própria inteligência, e daí
vem a própria prudência.
TODO HOMEM PODE SER REFORMADO E NÃO HÁ PREDESTINAÇÃO.
322. A sã razão dita que todos foram predestinados para o Céu, e que ninguém o foi
para o inferno; pois todos nasceram homens, e por conseguinte a imagem de Deus
está neles; a imagem de Deus neles é que pode compreender o vero e que pode fazer
o bem; poder compreender o vero vem da Divina Sabedoria, e poder fazer o bem vem
do Divino Amor; este poder é a imagem de Deus, a qual permanece no homem de uma
mente sã e não é desarraigada dele; daí resulta que o homem pode se tornar civil e
moral, e aquele que é civil e moral pode também se tornar espiritual, pois o que é civil e
moral é o receptáculo do que é espiritual; é chamado civil o homem que conhece as
leis do reino de que é cidadão, e que vive segundo estas leis; e é chamado moral o
homem que faz destas leis seus costumes e suas virtudes, e com isso conforma pela
razão a sua vida. Agora, direi como a vida civil e moral é o receptáculo da vida
espiritual: Vive segundo estas leis, não somente como leis civis e morais, mas também
como Leis Divinas, e tu serás homem espiritual. E difícil que haja uma nação, por mais
bárbara que seja, que não tenha sancionado por leis, que não se deve matar, nem
cometer escortação com a mulher de outrem, nem roubar, nem dar falso testemunho,
nem violar os direitos de um outro; o homem civil e moral observa estas leis, a fim de
ser ou de parecer bom cidadão; mas se não considera ao mesmo tempo estas leis
como Divinas, é somente homem civil e moral, enquanto que se as considera também
como Divinas, se torna homem civil e moral espiritual; a diferença é que este não é
somente bom cidadão de um reino terrestre, mas é bom cidadão também do Reino
celeste, enquanto que aquele é bom cidadão de um reino terrestre, mas não do Reino
celeste; os bens que eles fazem os distinguem; os bens que fazem os homens civis e
morais naturais não são bens em si, pois o homem e o mundo estão nesses bens; os
bens que fazem os homens civis e morais espirituais são bens em si, porque o Senhor
e o Céu estão nesses bens. Por estas explicações, pode-se ver que cada homem,
porque nasceu para que possa se tornar civil e moral natural, nasceu também para que
possa se tornar civil e moral espiritual; é bastante que reconheça Deus, e não faça os
males porque são contra Deus, mas faça os bens porque estão com Deus; por isto o
espírito entra nas cousas civis e morais do homem, e elas vivem, mas sem isso não há
espírito algum nelas, e por conseguinte elas não vivem; é por isso que o homem
natural, de qualquer maneira que aja civil e moralmente, é chamado morto, enquanto
que o homem espiritual é chamado vivo. É pela Divina Providência do Senhor que cada
nação tem alguma religião, e que o principal de toda religião é reconhecer que há um
Deus, pois de outro modo não seria chamada, religião; e toda nação que vive segundo
sua religião, quer dizer, que não faz o mal porque o mal é contra seu Deus, recebe
algum espiritual em seu natural. Quem é que, quando ouve algum gentio dizer que não
quer fazer tal ou tal mal porque o mal. é contra seu Deus, não diz em si mesmo: "Não
será salvo este homem? Parece-me que não pode ser de outro modo"; a sã razão lhe
dita isso. E, de outro lado, quem é que, quando ouve um cristão dizer: "Considero
como nada tal ou tal mal, que me importa que se pretenda que isso é contra Deus",
não diz em si mesmo: "Este homem será salvo? Parece-me que não é possível"; a sã
razão dita também isso. Se este homem diz: “Nasci cristão, sou batizado, conheço o
Senhor, tenho lido a Palavra, tenho participado do sacramento da ceia"; vale tudo isso
alguma cousa, quando ele não considera como pecados os homicídios ou as vinganças
tendendo ao assassinato, os adultérios, os roubos clandestinos, os falsos testemunhos
ou as mentiras, e diversas violências? Pensa um tal homem em Deus ou em alguma
vida eterna? Pensa mesmo ele que haja um Deus e uma vida eterna? Não dita a sã
razão que um tal homem não pode ser salvo? Isto foi dito do cristão, porque o gentio,
mais do que o cristão, pensa em Deus segundo a religião de sua vida. Mas no que vai
seguir-se será dito mais sobre este assunto nesta ordem: I. O fim da criação é o Céu
proveniente do Gênero Humano. II. Por conseguinte é da Divina Providência, que todo
homem possa ser salvo, e que sejam salvos os que reconhecem um Deus e vivem
bem. III. É culpa do homem mesmo, se não é salvo. IV. Assim todos foram
predestinados para o Céu, e ninguém o é para o inferno.
323. I. O fim da criação é o Céu proveniente do Gênero Humano.
Que o Céu não seja composto senão daqueles que nasceram homens, isso foi
mostrado no Tratado do Céu e do Inferno, publicado em Londres, em 1758, e também
acima; e pois que o Céu não é composto por outros, segue-se que o fim da criação é o
Céu proveniente do Gênero Humano. Que tal tenha sido o fim da criação, isso, é
verdade, foi demonstrado acima, nº 27 a 45; mas se verá isso mais claramente pela
explicação das proposições seguintes: 1º. Todo homem foi criado para viver
eternamente. 2º Todo homem foi criado para viver eternamente em um estado feliz. 3º
Assim todo homem foi criado para viver no Céu. 4º O Divino Amor não pode fazer outra
cousa senão querer isso, nem a Divina Sabedoria fazer outra cousa senão prover a
isso.
324. Como, por estas explicações, pode-se ver também que a Divina Providência não é
uma predestinação senão para o Céu, e que ela não pode tampouco ser mudada em
uma outra predestinação, será demonstrado aqui, que o fim da criação é o Céu
proveniente do Gênero humano, e isso na ordem proposta.
Primeiramente: Todo homem foi criado para viver eternamente. No Tratado do
Divino Amor e da Divina Sabedoria, Partes III e V, foi mostrado que no homem há três
graus da vida, que são chamados natural, espiritual e celeste, e que estes graus estão
efetivamente em cada homem; e que nas bestas não há senão um só grau da vida, o
qual é semelhante ao último grau que, no homem, é chamado natural; daí segue-se
que o homem, pela elevação de sua vida para o Senhor, está, e mais do que as bestas,
neste estado em que pode compreender cousas que pertencem à Divina Sabedoria, e
querer cousas que pertencem ao Divino Amor, assim receber o Divino; e aquele que
pode receber o Divino, ao ponto de vê-lo e de percebê-lo em si, não pode senão ser
conjunto ao Senhor, e por esta conjunção viver eternamente. Para que serviria ao
Senhor toda a criação do Universo, se não tivesse criado também imagens e
semelhanças de Si Mesmo, às quais pudesse comunicar Seu Divino? De outro modo,
que teria sido isso, senão fazer que alguma cousa seja e não seja, ou que alguma
cousa exista e não exista, e isso sem outro fim senão poder contemplar de longe puras
vicissitudes e continuas variações como sobre algum teatro; Que seria o Divino nestas
imagens e semelhanças, se elas não fossem para este fim, que servissem de sujeitos
para que recebessem o Divino de mais perto, e que o vissem e o sentissem? E como o
Divino é de uma glória inesgotável, reteria ele isso em si só, e o poderia? Pois o amor
quer comunicar o que é seu a um outro, e mesmo dar do seu tanto quanto pode; com
quanto mais fortes razões o Divino Amor, que é Infinito? Pode ele dar e retomar? Dar o
que deve perecer, não seria dar o que interiormente em si não é alguma cousa, pois
que perecendo isso se tornaria em nada, e que nisto não há o que É? Mas ele dá o que
É, ou o que não cessa de Ser, e isso é eterno. Para que o homem viva eternamente, o
que há nele de mortal lhe é tirado; o mortal nele é o corpo material, que é tirado por sua
morte; assim é posto a nu seu imortal, que é sua mente, e ele se torna então um
espírito em uma forma humana; sua mente é este espírito. Que a Mente do homem não
possa morrer, é os que viram os Sophi ou sábios antigos; pois diziam: "Como o animus
ou a mente pode morrer, pois que pode ser sábio?" Poucos homens hoje conhecem a
idéia interior destes filósofos sobre este ponto; esta idéia que cala do Céu em sua
percepção comum, era que Deus é a Sabedoria mesma, de que o homem é
participante, e que Deus é imortal ou eterno. Pois que me foi dado conversar com os
Anjos, direi também alguma cousa pela experiência: Tive conversas com os que
viveram há um grande número de séculos, com os que viveram antes do dilúvio e com
alguns que viveram após o dilúvio, com os que viveram no tempo do Senhor e com um
de seus apóstolos, com vários que viveram nos séculos seguintes, e todos me
pareceram como homens de uma idade média, e me disseram que ignoravam o que é
a morte, que sabiam somente que é a danação. Todos aqueles mesmos que viveram
bem, quando chegam no Céu, retornam à sua idade de jovens no mundo, e aí
permanecem eternamente, mesmo os que no mundo chegaram à velhice e à
decrepitude; e as mulheres, ainda que tenham sido velhas e decrépitas, voltam à flor
da idade e da beleza. Que o homem depois da morte vive eternamente, isso é bem
evidente pela Palavra, onde a vida no Céu é chamada vida eterna, como em Mateus
19º, 29; 25º, 46; Marcos 10º, 17; Lucas 10º, 25; 18º, 30; João 3º, 15, 16, 36; 5º, 24, 25,
29; 6º, 27, 40, 68; 12º, 50; além disso também simplesmente Vida, Mateus 18º, 8, 9;
João 5º, 40; 20º, 31. O Senhor disse também aos Discípulos: "Porque Eu vivo; vós
também vivereis" (João 14º, 19); e a respeito da ressurreição, que "Deus é um Deus de
vivos, e não um Deus de mortos"; e também que eles não podem mais morrer (Lucas
20º, 36, 38).
Segundamente: Todo homem foi criado para viver eternamente em um estado
feliz. É a conseqüência disso; pois Aquele que quer que o homem viva eternamente,
quer também que ele viva em um estado feliz; o que é a vida eterna senão esse
estado? Todo amor quer bem a um outro: o amor dos pais quer bem aos filhos, o amor
do noivo e do marido quer bem à noiva e à esposa, e o amor da amizade quer bem aos
amigos; o que não deve querer o Divino Amor? E o bem que outra cousa é senão o
prazer? E o Divino Bem que outra cousa é senão a beatitude eterna? Todo bem é
chamado bem pelo prazer ou a beatitude desse bem; chama-se bem, é verdade, o que
é dado e o que é possuído, mas se nele não há o prazer, é um bem estéril, que em si
mesmo não é um bem; por estas explicações é evidente que a vida eterna é também a
beatitude eterna. Este estado do homem é o fim da criação; mas se só os que vão para
o Céu estão neste estado, não é culpa do Senhor, mas do homem; que seja culpa do
homem, ver-se-á no que segue.
Terceiramente: Assim todo homem foi criado para ir para o Céu. Este é o fim da
criação; mas se todos não vão para o Céu, é porque se embebem dos prazeres do
inferno opostos à beatitude do Céu; e os que não estão na beatitude do Céu não
podem entrar no Céu, pois não o podem suportar. Não é recusado a quem quer que
seja que esteja no mundo espiritual subir ao Céu; mas quando o que está no prazer do
inferno entra no Céu, seu coração palpita, sua respiração fica penosa, a vida começa a
perecer, ele sufoca, e está na tortura, e se rola como uma serpente aproximada do
fogo; e isso é assim, porque o oposto age contra o oposto. Não obstante, como
nasceram homens, e por isso estão na faculdade de pensar e de querer, e por
conseguinte na faculdade de falar e de agir, eles não podem morrer; mas como não
podem viver com outros senão com aqueles que estão em um prazer semelhante da
vida, são reenviados para junto destes; por conseqüência os que estão nos prazeres do
mal, e os que estão nos prazeres do bem, são respectivamente enviados para seus
semelhantes; é mesmo concedido a cada um estar no prazer de seu mal, desde que
não infeste os que estão no prazer do bem; mas como o mal não pode fazer outra
cousa senão infestar o bem, pois no mal há ódio contra o bem, é por isso que, a fim de
que não causem dano, eles são afastados e precipitados em seus lugares no inferno,
onde seu prazer é mudado em desprazer. Mas isso não impede que por criação e, por
conseguinte desprazer conseguinte de nascença o homem seja tal, que possa ir para o
Céu; pois quem quer que morra como criança vai para o Céu, aí é educado e instruído
como o homem no mundo; e, pela afeição do bem e do vero, é imbuído de sabedoria e
se torna um anjo; poderá dar-se o mesmo com o homem que é educado e instruído no
mundo, pois a mesma capacidade que há na criança há nele; sobre as crianças no
Mundo espiritual, ver no Tratado do Céu e do Inferno, publicado em Londres em 1758,
nº 329 a 345. Se não é assim para um grande número no Mundo, é porque eles amam
o primeiro grau de sua vida, que é chamado natural, e não querem se retirar dele e se
tornarem espirituais; ora, considerado em si mesmo, o primeiro grau da vida não ama
senão a si mesmo e ao mundo; pois está em coerência com os sentidos do corpo, que
pertencem também ao mundo; mas considerado em si mesmo, o grau espiritual da
vida ama o Senhor e o Céu, e ama também a si mesmo e ao mundo, mas Deus e o
Céu como superior, principal e dominante, e a si mesmo e ao mundo como interior,
instrumental e servo.
Em quarto lugar: O Divino Amor não pode fazer outra cousa sendo querer isso,
nem a Divina Sabedoria fazer outra cousa sendo prover a isso. Que a Divina
Essência seja o Divino Amor e a Divina Sabedoria, isso foi plenamente mostrado no
Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria; também foi demonstrado, nº 358 a 370,
que em todo embrião humano o Senhor forma dois receptáculos, um do Divino Amor e
outro da Divina Sabedoria, o receptáculo do Divino Amor para a futura Vontade do
homem, e o receptáculo da Divina Sabedoria para seu futuro entendimento; e que
assim pôs em cada homem a faculdade de querer o bem e a faculdade de
compreender o vero. Ora, como o homem tem de nascimento estas duas faculdades
que lhe são dadas pelo Senhor, e que o Senhor está nelas como no que Lhe pertence
no homem, é evidente que Seu Divino Amor não pode fazer outra cousa senão querer
que o homem vá para o Céu, e aí possa gozar a beatitude eterna, e que a Divina
Sabedoria não possa tampouco fazer outra cousa senão prover a isso. Mas como é do
Divino Amor que o homem sinta a felicidade celeste em si como sua, e que isso não
pode se fazer, a não ser que o homem seja mantido em toda a aparência de que
pensa, quer, fala e age por si mesmo, o Senhor por isso mesmo não pode conduzir o
homem senão segundo as leis de Sua Divina Providência.
325. II. Por conseguinte é da Divina Providência que todo homem possa ser
salvo, e que sejam salvos os que reconhecem um Deus e vivem bem.
Que todo homem possa ser salvo, isto é evidente pelo que foi demonstrado acima.
Alguns são de opinião que a Igreja do Senhor está unicamente no Mundo cristão,
porque aí somente é conhecido o Senhor, e que aí somente está a Palavra, mas
entretanto há muitos que crêem que a Igreja é comum, ou estendida e espalhada sobre
todo o globo terrestre, assim mesmo entre os que não conhecem o Senhor, e não têm
a Sua Palavra; dizem que não é culpa destes, que haja para eles ignorância invencível,
e que é contra o Amor e a Misericórdia de Deus que certos homens nasçam para o
inferno, quando entretanto são igualmente homens. Ora, pois que nos cristãos, senão
em todos, pelo menos em um grande número, há a crença de que a Igreja é comum e
ela é mesmo chamada Comunhão segue-se que há cousas muito comuns da Igreja,
que entram em todas as religiões, e fazem esta Comunhão; que estas cousas muito
comum sejam o reconhecimento de Deus e o bem da vida, ser-se-á na ordem seguinte:
1º O reconhecimento de Deus faz a conjunção de Deus com o homem, e do homem
com Deus, e a negação de Deus faz a disjunção. 2º Cada um reconhece Deus e é
conjunto a Deus segundo o bem de sua vida. 3º O bem da vida, ou viver bem, é fugir
dos males porque são contra a religião, assim contra Deus. 4º Estão aí às cousas
comuns de todas as religiões, e pelas quais cada um pode ser salvo.
323. Mas estas proposições vão ser examinadas e demonstradas separadamente.
Primeiramente: O reconhecimento de Deus faz a conjunção de Deus com o
homem e do homem com Deus, e a negação de Deus faz a disjunção. Alguns
podem pensar que os que não reconhecem Deus podem ser salvos como os que o
reconhecem desde que levem uma vida moral; dizem; "O que opera o
reconhecimento? Não é ele um pensamento somente? Não posso facilmente
reconhecer, quando sei com certeza que há um Deus? Ouvi falar d'Ele, mas não O vi;
faz com que eu O veja, e crerei". Tal é a linguagem que usam muitos dos que negam
Deus, quando lhes é permitido raciocinar livremente com um homem que reconhece
Deus. Mas que o reconhecimento de Deus conjunta, e que a negação de
Deus disjunta, isto vai ser ilustrado por certas cousas de que tive conhecimento no
Mundo espiritual: Lá, quando alguém pensa em um outro e quer conversar com ele,
imediatamente o outro se apresenta; isto aí é comum e não falha jamais; a razão disso
é que, no Mundo espiritual, não há distância como no Mundo natural, mas há somente
aparência de distância. Uma outra cousa é que, do mesmo modo que o pensamento
por algum conhecimento de um outro faz a presença, desse mesmo modo o amor por
alguma afeição por um outro faz a conjunção, pela qual acontece que os dois vão
juntos e conversam amigàvelmente, moram na mesma casa ou na, mesma sociedade,
se reúnem freqüentemente, e se prestam serviços mutuamente. O contrário também
acontece; assim, quando um não ama o outro, e mais ainda quando o odeia, ele não o
vê, e não vai para junto dele, e estão tanto mais afastados um do outro, quanto não o
ama, ou quanto o odeia, e mesmo se ele está presente, e que então se lembre de seu
ódio, ele se torna invisível. Por estes poucos exemplos, pode-se ver donde vem a
presença e donde vem a conjunção no Mundo espiritual, isto é, que a presença vem da
lembrança de um outro com o desejo de vê-lo, e que a conjunção vem da afeição que
pertence ao amor. Dá-se o mesmo com todas as cousas que estão na mente humana;
há inumeráveis, e elas aí estão todas consociadas e conjuntas segundo as afeições, ou
conforme uma ama, a outra. Esta conjunção é a conjunção espiritual, que é
semelhante a si mesma nos comuns e nos particulares; esta conjunção espiritual tem
sua origem na conjunção do Senhor com o Mundo espiritual, e com o Mundo natural,
no comum e no particular; pois isto é evidente que, tanto quanto alguém conhece o
Senhor, e pensa n'Ele segundo os conhecimentos, tanto o Senhor está presente, e
tanto,quanto alguém O reconhece segundo a afeição do amor, tanto, o Senhor Lhe é
conjunto; e que, vice-versa, tanto quanto alguém não conhece o Senhor, tanto o
Senhor está ausente, e que tanto quanto alguém O nega, tanto está disjunto d'Ele. A
conjunção faz com que o Senhor volte à face do homem para Ele, e então o conduza; e
a disjunção faz com que o inferno volte à face do homem para ele, e o conduza; é por
isso que todos os anjos do Céu voltam suas faces para o Senhor como Sol, e todos os
espíritos do inferno desviam suas faces do Senhor. Por estas explicações, vê-se
claramente o que opera o reconhecimento de Deus, e o que opera a negação de Deus.
Aquêles também que negam Deus no Mundo, o negam depois da morte; e se tomam
organizados segundo a descrição acima, nº 319, e a organização contraída no mundo
permanece eternamente.
Segundamente: Cada um reconhece Deus e é conjunto a Deus segundo o bem de
sua vida. Todos os que sabem alguma cousa da religião podem reconhecer Deus;
podem também falar de Deus segundo a ciência ou a memória, e mesmo alguns
pensar de Deus pelo entendimento; mas isso, se o homem não vive bem, não faz
senão a presença, pois pode não obstante se desviar de Deus, e se voltar para o
inferno, o que acontece se ele vive mal. Mas reconhecer de coração Deus, nenhum
outro o pode fazer senão o que vive bem; estes, o Senhor segundo o bem de sua vida
os afasta do inferno, e os volta para Ele; isto vem de que sós eles amam Deus, pois
amam os Divinos que procedem d'Ele, fazendo-os; os Divinos que procedem de Deus
são os preceitos de Sua lei; estes Divinos são Deus, porque Ele Mesmo é seu Divino
procedente, e é isto amar Deus; é por isso que o Senhor disse: “Aquele que faz os
meus mandamentos, é esse que me ama; mas aquele que não faz os meus
mandamentos, esse não me ama" (João 14º, 21 a 24). É por esta razão que há duas
Tábuas do Decálogo, uma para Deus, e a outra para o homem; Deus opera
continuamente para que o homem receba as cousas que estão na Tábua de Deus,
mas se o homem não faz as cousas que estão na sua Tábua, não recebe pelo
reconhecimento do coração as que estão na Tábua de Deus, e se não as recebe, não é
conjunto; é por isso que estas duas Tábuas foram conjuntas para ser um, e foram
chamadas Tábuas da aliança; e aliança significa conjunção. O que faz com que cada
um reconheça Deus e seja conjunto a Deus segundo o bem de sua vida, é, que o bem
da vida é semelhante ao bem que está no Senhor, e por conseqüência que vem do
Senhor; quando portanto o homem está no bem da vida, a conjunção se faz. O
contrário acontece com o mal da vida; este mal rejeita o Senhor.
Terceiramente. O bem da vida, ou viver bem, é fugir dos males porque são contra
a religião, assim contra Deus. Que esteja aí o bem da vida, ou viver bem, é o que foi
plenamente demonstrado na Doutrina de Vida para a Nova Jerusalém, desde o começo
até ao fim. Eis unicamente o que acrescentarei: Se fazes bens com toda abundância,
por exemplo, se constróis templos, e os embelezas e os enches de dádivas, se provês
às despesas de hospitais e de hospícios, se dás cada dia esmolas, se socorres as
viúvas e os órfãos, se assistes regularmente às cerimônias do culto, se mesmo a
respeito das cousas santas, pensas, falas e pregas como de coração, e se entretanto
não foges dos males como pecados contra Deus todos esses bens não são bens, são
cousas ou hipócritas ou meritórias; pois não obstante há interiormente nelas o mal, pois
que a vida de cada um está em todas e cada uma das cousas que ele faz. Por isto é
evidente que fugir dos males porque são pecados contra a religião, assim contra Deus,
é Tiver bem.
Em quarto lugar. Estão aí às cousas comuns de todas as religiões, e pelas quais
cada um pode ser salvo. Reconhecer um Deus, e não fazer o mal porque é contra
Deus, são as duas cousas que fazem com que uma religião seja uma religião; se uma
falta, não se pode dizer que haja religião; pois reconhecer um Deus e fazer o mal, isso
é contraditório; o mesmo é fazer o bem e não reconhecer um Deus; pois um não pode
ter lugar sem o outro. Foi provido pelo Senhor a que quase por toda parte haja uma
religião, e a que em cada religião haja estas duas cousas; e foi também provido pelo
Senhor a que quem quer que, e não faça o mal porque é contra Deus, tenha um lugar
no Céu; pois o Céu mo complexo apresenta a semelhança de um Homem, cuja vida ou
alma é o Senhor; neste Homem celeste estão todas as cousas que estão no homem
natural, com uma diferença tal como a que existe entre os celestes e os naturais.
Sabe-se que no homem há não somente formas organizadas, consistindo em vasos
sanguíneos e em fibras nervosas, que são chamadas vísceras, mas que há também
peles, membranas, tendões, cartilagens, ossos, unhas e dentes; estas últimas partes
são vivas em um menor grau do que as formas organizadas às quais servem de
ligamentos, de tegumentos e de sustentáculos; este Homem celeste, que é o Céu, para
que nele haja todas estas cousas, não pode ser composto de homens de uma única
religião, mas é preciso que o seja de homens de várias religiões; daí todos os que
aplicam à sua vida estes dois universais da Igreja têm um lugar neste Homem celeste,
quer dizer, no Céu, e gozam da felicidade em seu grau; mas sobre este assunto vê-se
maiores detalhes acima, nº 254. Que estas duas cousas sejam as principais em toda
religião, pode-se vê-lo no fato de serem as duas cousas que ensina o Decálogo; e o
Decálogo, foi o começo da Palavra; foi promulgado de viva voz por Jeová do alto da
montanha do Sinai, e escrito pelo dedo de Deus sobre duas Tábuas de pedra; e, tendo
sido depois colocado na Arca, era chamado Jeová e constituía o santo dos santos no
Tabernáculo e o santuário no Templo de Jerusalém, e por ele só tudo o que estava na
Arca era santo; sem falar de várias outras cousas concernentes ao Decálogo na Arca,
as quais foram referidas, segundo a Palavra, na Doutrina de vida para a Nova
Jerusalém, nº 53 a 61; acrescentarei a isso estas: Sabe-se, pela Palavra, que a Arca,
onde estavam as duas Tábuas sobre as quais o Decálogo tinha sido gravado, foi
tomada pelos Filisteus e colocada no templo de Dagon em Aschdod; que Dagon caiu
por terra diante dela, e que em seguida sua cabeça e suas duas mãos separadas do
corpo foram encontradas estendidas no limiar do templo; que os Aschdodianos e os
Ekronitas, em número de vários milhares, foram atacados de hemorróides por causa da
Arca, e suas terras foram devastadas pelos ratos; depois, também, os Filisteus pelo
conselho dos principais de sua nação fizeram cinco hemorróides e cinco ratos de ouro,
e um carro novo, e sobre o carro colocaram a Arca, e perto dela as hemorróides e os
ratos de ouro; e por duas vacas que berravam no caminho diante do carro, eles
restituíram a Arca aos filhos de Israel, que sacrificaram as vacas e o carro; ver I
Samuel 5º e 6º. Será dito agora o que todas estas cousas significavam: Os filisteus
significavam os que estão na fé separada da caridade; Dagon representava esta
religiosidade; as hemorróides de que foram atacados significavam os amores naturais
que, sendo separados do amor espiritual, são impuros, e os ratos significavam a
devastação da Igreja pelas falsificações do vero; o carro novo, sobre o qual haviam
devolvido a Arca, significava a doutrina nova, mas natural, pois o carro na Palavra
significa a doutrina segundo os veros espirituais; as vacas significavam as afeições
naturais boas; as hemorróides de ouro significavam os amores naturais purificados e
tomados bons; os ratos de ouro significavam que a vastação da Igreja é retirada pelo
bem, pois o ouro na Palavra significa o bem; o mugido das vacas no caminho
significava a difícil conversão das cobiças de mal do homem natural em afeições boas;
os sacrifícios em holocausto das vacas com o carro significava que assim o Senhor se
tornou propício. São estas as cousas que são entendidas espiritualmente por estes
históricos; reúne-os em um só sentido, e faz a aplicação deles. Que os que estão na, fé
separada da caridade tenham sido representados pelos Filisteus, vê-se na Doutrina da
Nova Jerusalém sobre a Fé, nº 49 a 54. E que a Arca por causa do Decálogo que aí
estava, encerrado tenha sido a cousa mais santa da Igreja, vê-se na Doutrina de vida
para a Nova Jerusalém, nº 53 a 61.
327. III. É culpa do homem, mesmo, se não é salvo.
É um vero reconhecido por todo homem racional logo que o ouve enunciar, que do
bem não pode decorrer o mal, nem do mal o bem, porque são opostos; que por
conseqüência do bem não decorre senão o bem, e do mal senão o mal; quando este
vero é reconhecido, é reconhecido também que o bem pode ser virado em mal, não por
um bom recipiente, mas por um mau, pois toda forma em, sua própria qualidade o que
influi nela; ver acima, nº 292. Ora, como o Senhor é o Divino Bem em sua essência
mesma, ou o Bem Mesmo, é evidente que o mal não pode decorrer do Senhor nem ter
produzido por Ele, mas que o bem pode ser virado em mal por um sujeito recipiente,
cuja forma é a forma do mal; um tal sujeito é o homem quanto a seu próprio; este
sujeito recebe continuamente do Senhor o bem, e continuamente o torce na qualidade
de sua forma, que é a forma do mal; segue-se dai que é culpa do homem se ele não é
salvo. O mal, é verdade, vem do inferno, mas pelo fato de o homem o receber de lá
como seu, e por isso se apropriá-lo, segue-se que é a mesma cousa, quer se diga que
o mal vem do homem, quer se diga que o mal vem do inferno. Mas de onde vem à
apropriação do mal até ao ponto de que por fim a religião Perece, é o que vai ser dito
nesta ordem: 1º Toda religião pela sucessão do tempo decresce e é consumida. 2º
Toda religião decresce e é consumida pela destruição da imagem de Deus no homem.
3º Isso tem lugar pelo acréscimo constante do mal hereditário nas gerações. 4º Não
obstante é provido pelo Senhor a que cada um possa ser salvo. 5º É também provido a
que uma Nova Igreja suceda à Igreja precedente devastada.
328. Estas proposições vão ser demonstradas em série.
Primeiramente: Toda religião pela sucessão do tempo decresce e é consumida.
Sobre esta terra houve várias Igrejas, uma após outra; pois onde há gênero humano, aí
há Igreja, pois que o Céu, que é o fim da criação, se compõe do gênero humano, como
foi demonstrado, acima, e homem algum pode ir para o Céu, se não está nos dois
universais da Igreja, que são reconhecer um Deus e viver bem, como acaba de ser
mostrado acima, nº 326; segue-se daí que sobre esta terra houve Igrejas desde os
tempos mais antigos até ao tempo atual. Estas Igrejas são descritas na Palavra, mas
não historicamente, exceto a Igreja Israelita e Judaica, antes da qual entretanto houve
várias, e estas foram descritas somente por nomes de nações e de pessoas, e por
certas particularidades que as concernem. A Antiqüíssima Igreja, que foi a Primeira, foi
descrita por Adão e Eva sua esposa. A Igreja seguinte, que deve ser chamada Igreja
Antiga, foi descrita por Noé e seus três filhos, e por seus descendentes; esta foi vasta e
espalhou-se em vários reinos da Ásia, principalmente na Terra de Canaã, aquém e
além do Jordão, na Síria, na Assíria e na Caldéia, na Mesopotâmia, no Egito, na
Arábia, em Tiro e Sidon; entre eles estava a antiga Palavra, de que se falou na
Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa, nºs 101, 102 e 103. Que esta
Igreja tenha existido nestes reinos, isso é evidente por diversas particularidades que os
concernem, referidas nos Proféticos da Palavra. Esta Igreja, entretanto, foi
notàvelmente mudada por Eber, de quem a Igreja Hebraica se origina; foi nesta que o
culto pelos sacrifícios foi primeiramente instituído. Da Igreja Hebraica nasceu a Igreja
Israelita e Judaica, instituída entretanto com solenidade por causa da Palavra que aí
devia ser escrita. Estas quatro Igrejas são entendidas pela estátua que Nabucodonosor
viu em sonho, da qual a cabeça era de ouro puro, o peito e os braços de prata, o ventre
e as coxas de bronze, as pernas e os pés de ferro e argila (Daniel 2º, 32, 33). Não é
tampouco entendida outra cousa pelos Séculos de ouro, de prata, de bronze e de ferro,
de que falam os escritores da antiguidade. Que à Igreja Judaica tenha sucedido a Igreja
Cristã, isso é sabido. Que todas estas Igrejas, pela sucessão do tempo, tenham
decrescido até seu fim, que é chamado Consumação, pode-se vê-lo também pela
Palavra. A Consumação da Antiqüíssima Igreja, que teve lugar pela ação de comer da
árvore da ciência, ação que significa o fasto da própria inteligência, é descrita pelo
Dilúvio. A Consumação da Antiga Igreja é descrita por diversas devastações de
nações, de que se fala na Palavra tanto Histórica como Profética, principalmente pela
expulsão das nações para fora da Terra de Canaã pelos filhos de Israel. A
Consumação da Igreja Israelita e Judaica é entendida pela destruição do Templo de
Jerusalém, e pela transportação do povo Israelita em cativeiro perpétuo, e a da nação
Judaica para a Babilônia; e enfim pela segunda destruição do Templo e ao mesmo
tempo de Jerusalém, e pela dispersão desta nação; esta Consumação está predita em
um grande número de passagens nos Profetas, e em Daniel 9º, 24 a 27. Quanto à
Igreja Cristã, a sua vastação sucessiva até ao fim é descrita pelo Senhor em Mateus,
Cap. 24º; em Marcos, Cap. 13º; e em Lucas, Cap. 21º; e sua Consumação mesma é
descrita no Apocalipse. Por isto, pode-se ver que pela sucessão do tempo a Igreja
decresce e é consumada; por conseqüência também a religião.
Segundamente: Toda religião decresce e é consumada pela destruição da
imagem de Deus no homem. Sabe-se que o homem foi criado à imagem de Deus,
segundo a semelhança de Deus (Gên. 1º, 26); mas vai ser dito o que é a imagem e o
que é a semelhança de Deus; Deus só é o Amor e a Sabedoria; o homem foi criado
para ser um receptáculo de um e de outro, sua vontade para ser um receptáculo do
Divino, Amor, e seu entendimento para ser um receptáculo da Divina Sabedoria. Que
estes dois estejam por criação no homem, e constituam o homem, e que mesmo em
cada um eles sejam formados no útero, é o que foi mostrado acima; o homem, portanto
é a imagem de Deus, pelo fato de ser um recipiente da Divina Sabedoria, e é uma
semelhança de Deus pelo fato de ser um recipiente do Divino Amor; é por isso que o
receptáculo que é chamado entendimento é a imagem de Deus, e o receptáculo que é
chamado vontade é a semelhança de Deus; portanto pois que o homem foi criado e
formado para ser receptáculo, segue-se que ele foi criado e formado para que sua
vontade receba de Deus o amor, e que seu entendimento receba de Deus a sabedoria;
o homem portanto os recebe, quando reconhece Deus e vive segundo seus preceitos,
mas em menor ou em maior grau, conforme pela religião conhece Deus e os preceitos;
por conseqüência conforme conhece os veros, pois os veros ensinam o que é Deus e
como deve ser reconhecido, e também o que são os preceitos e como se deve
conformar a vida ia, eles. A imagem e a semelhança de Deus não são destruídas no
homem, mas são como se fossem destruídas; com efeito, elas permanecem ínsitas em
suas duas faculdades, que são chamadas Liberdade e Racionalidade, de que se falou
em muitos lugares acima; elas se tornam como se fossem destruídas, quando o
homem fez do receptáculo do Divino Amor, que é sua vontade, o receptáculo do amor
de si, e do receptáculo da Divina Sabedoria, que é seu entendimento, o receptáculo da
própria inteligência; por isto invertem a imagem e a semelhança de Deus, pois afastam
de Deus estes receptáculos, o os voltam para si mesmos; daí vem que ficam fechados
por cima, e abertos por baixo, quando entretanto por criação devem ser abertos por
diante e fechados por trás, e quando foram assim abertos e fechados ao contrário, o
receptáculo do amor, ou a vontade, recebe o influxo do inferno ou de seu próprio;
semelhantemente, o receptáculo da sabedoria ou o entendimento. Em conseqüência,
nas Igrejas se estabeleceu o culto dos homens em lugar do culto de Deus, e o culto
proveniente das doutrinas do falso em lugar do culto proveniente das doutrinas do vero,
este pela própria inteligência, aquele pelo amor de si. Por estas explicações, é evidente
que a religião, pela sucessão do tempo, decresce e é consumada pela destruição da
imagem de Deus no homem.
Terceiramente: Isto tem lugar pelos acréscimos contínuos do mal hereditário nas
gerações. Que o mal hereditário não vem de Adão e Eva sua esposa pelo fato de eles
terem comido da árvore da ciência, mas que decorre e se transmite sucessivamente
dos pais aos filhos, e aumenta assim por contínuos acréscimos nas gerações isso foi
dito e mostrado acima. Quando por conseguinte o mal aumentou em um grande
número, ele se espalhou por si mesmo em um número maior; pois em todo mal há o
desejo de seduzir, em alguns ardendo de cólera contra o bem, daí o contágio do mal;
quando esta invadiu os dignitários, os chefes e os doutores da Igreja, a religião foi
pervertida, e os meios de cura, que são os veros, foram corrompidos pelas
falsificações; daí vem portanto a sucessiva vastação do bem e a sucessiva desolação
do vero na Igreja até sua, consumação.
Em quarto lugar. Não obstante é provido pelo Senhor a que cada um possa ser
salvo. É provido pelo Senhor a que por toda parte haja uma religião, e a que em cada
religião haja os dois essenciais da salvação, que são reconhecer um Deus e não fazer
o mal porque é contra Deus; é provido, para cada um segundo sua vida, todas as
cousas que pertencem ao entendimento e por conseguinte ao pensamento, e que são
chamadas cousas da fé, pois são os acessórios da vida; e se elas precedem, a
verdade é que não recebem ia, vida antes. É também provido a que todos os que
viveram bem, e reconheceram um Deus, sejam instruídos depois da morte pelos anjos;
e então, os que, no mundo, estiveram nestes dois essenciais de uma religião, aceitem
os veros da Igreja tal qual estão na Palavra, e reconheçam o Senhor pelo Deus do Céu
e da Igreja; e recebem isso mais facilmente do que os cristãos, que levaram com eles
do mundo a idéia do humano do Senhor separado de seu Divino. Foi ainda provido
pelo Senhor a que todos os que morrem como crianças, em qualquer lugar que tenham
nascido, sejam salvos. É dada também a cada homem depois da morte, a faculdade de
emendar sua vida, se é possível; todos são instruídos e dirigidos pelo Senhor por meio
dos anjos; e como então sabem que vivem depois da morte, e que há um Céu e um
inferno, a princípio recebem os veros; mas os que não reconheceram um Deus, e não
fugiram dos males como pecados no mundo, sentem pouco depois desgosto pelos
veros e se retira retiram; e aqueles que os reconheceram de boca, e não de coração,
são como as virgens insensatas que tinham as lâmpadas sem óleo, e pediram óleo às
outras virgens, depois foram comprá-lo, e entretanto não foram introduzidas na, sala
das núpcias; as lâmpadas significam os veros da fé, o óleo significa o bem da caridade.
Por aí pode-se ver que é da Divina Providência que cada um possa ser salvo, e que
se o homem não é salvo, é a ele que cabe ia culpa.
Em quinto lugar. É também provido a que uma Nova Igreja suceda à Igreja precedente
devastada. Isto tem lugar desde os tempos antiquíssimos, quer dizer que a uma Igreja
precedente devastada sucedia uma nova; à Antiquíssima Igreja sucedeu a Antiga
Igreja; à Antiga Igreja sucedeu a Igreja Israelita ou Judaica; a esta sucedeu a Igreja
Cristã; que uma nova Igreja deve suceder à Igreja Cristã, isso está predito no
Apocalipse; ela é entendida pela Nova Jerusalém descendo do Céu. A razão, pela qual
é provido pelo Senhor a que uma nova Igreja suceda à Igreja precedente devastada, foi
dada na Doutrina da Nova Jerusalém sobre a Escritura Santa; ver nº 104 a 113.
329. IV. Assim todos foram predestinados para o Céu, e ninguém o foi para o
inferno.
Que o Senhor não precipita pessoa alguma no inferno, mas que o espírito aí se
precipita por si mesmo, isso foi mostrado no Tratado do Céu e do Inferno, publicado em
Londres em 1758, nº 545 a 550; é o que acontece a todo mau e a todo ímpio depois da
morte; é Igualmente o que acontece a todo mau e a todo ímpio no mundo, com a
diferença que no mundo ele pode ser reformado, e aproveitar os meios de salvação e
se compenetrar deles, mas não depois da saída do mundo. Os meios de salvação se
referem a estes dois: Fugir dos males porque são pecados contra as leis Divinas do
Decálogo, e reconhecer que há um Deus; cada um o pode, desde que não ame os
males; pois o Senhor influi continuamente com força na vontade do homem, a fim de
que ele possa fugir dos males, e com força no entendimento a fim de que possa pensar
que há um Deus; mas não obstante ninguém pode um sem o outro; estes dois são
conjuntos como foram conjuntas as duas Tábuas do Decálogo, das quais uma é para o
Senhor e a outra para o homem; o Senhor por sua Tábua ilustra a cada um e lhe dá a
força, mas tanto quanto o homem faz as cousas que estão na sua Tábua, tanto recebe
a força e a ilustração; antes disso, estas duas tábuas parecem como deitadas uma
sobre a outra e fechadas com um selo; mas, à realidade que o homem faz as cousas
que estão em sua Tábua, elas são desseladas e abertas. O que é hoje o Decálogo,
senão um livrinho ou codicilo fechado, e aberto somente nas mãos das crianças? Diz a
alguém de idade adulta: "Não faz isso porque é contra o Decálogo"; dará ele atenção
às tuas palavras? Mas se lhe dizes: "Não faz isso porque é contra as leis Divinas", ele
pode dar atenção a isso; e entretanto os preceitos do Decálogo são as próprias leis
Divinas; a experiência foi feita no mundo espiritual em relação a muitos, que, quando
se lhes falava do Decálogo ou Catecismo, o rejeitavam com desprezo; isto provém de
que o Decálogo na segunda Tábua, que é a tábua do homem, ensina que é preciso
fugir dos males; e aquele que não foge dele, seja por impiedade, seja pela crença
religiosa de que as obras nada fazem e que a fé só faz tudo, ouvem com uma sorte de
desprezo mencionar o Decálogo ou Catecismo, como se ouvissem mencionar algum
livro de criança que não lhe é de utilidade alguma. Estas cousas foram ditas, a fim de
que se saiba que a homem algum falta o conhecimento dos meios pelos quais pode ser
salvo, nem a força se quer ser salvo, donde segue-se que todos foram predestinados
para o Céu, e que ninguém o foi para o inferno. Mas como em alguns prevaleceu a
crença em uma Predestinação para o não-salvação, que é a danação, e como esta
crença é perigosa, e não pode ser dissipada, a não ser que a razão também veja o que
há de insensato e cruel nela, em conseqüência vai se tratar disso nesta série: 1º Uma
outra Predestinação que não seja, para o Céu é contra o Divino Amor e contra sua
infinidade. 2º Uma Predestinação que não seja para o Céu é contra a Divina Sabedoria
e contra sua infinidade. 3º Supor que não são salvos senão os que nasceram dentro da
Igreja é uma heresia insensata. 4º Supor que alguns do gênero humano foram danados
por predestinação é uma heresia cruel.
330. Mas para mostrar quanto é funesta a crença na Predestinação comumente
entendida, é preciso retomar e confirmar estas quatro proposições.
Primeiramente: Uma Predestinação que não seja para o Céu é contra o Divino
Amor e contra sua infinidade. Que Jeová ou o Senhor seja o Divino Amor, e que este
Amor seja infinito e o Ser de toda vida; além disso, também que o homem tenha sido
criado à imagem de Deus segundo a semelhança, de Deus, é o que foi mostrado no
Tratado do Divino Amor e da Divina Sabedoria; e como todo homem é formado, no
útero, a resta imagem segundo esta semelhança pelo Senhor, como também foi
demonstrado, segue-se que o Senhor é o Pai celeste de todos os homens, e que os
homens são seus filhos espirituais; e mesmo, assim é chamado Jeová ou o Senhor na
Palavra, e assim ai são chamados os homens; é por isso que se diz: "Pai não
chamareis o vosso pai sobre a terra , pois um só é vosso Pai, aquele que está nos
Céus" (Mat. 23º, 9); por isto se entende que só Ele é o Pai quanto à vida, e que o pai
sobre a terra é somente o pai quanto ao invólucro da vida, que é o corpo, é por isso
que no Céu nenhum outro senão o Senhor é chamado Pai; que os homens que não
Inverteram esta vida sejam chamados filhos e nascidos de Deus, é também o que se
vê claramente por muitas passagens da Palavra. Por isto, pode-se ver que o Divino
Amor está em todo homem, seja mau, seja bom; que por conseqüência o Senhor, que
é o Divino Amor, não pode agir com os homens de outro modo que não seja como um
pai sobre a, terra com seus filhos, e infinitamente melhor, porque o Divino Amor é
infinito; além disso também, que não pode se retirar de homem algum, porque a vida
de cada um vem d'Ele; parece que Ele se retira dos maus, mas são os maus que se
retiram, e a verdade é que por ;amor os conduz; é por isso que o Senhor diz: "Pedi, e
vos será dado; procurai, e achareis; batei, e vos será aberto; quem é dentre vós o
homem que, se seu filho lhe pede pão, lhe dará uma pedra? Se portanto vós, que sais
maus, sabeis dar boas cousas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos
Céus, as dará boas aos que lhe pedirem" (Mat. 7º, 7 a 11); e em outro lugar: "Ele faz
levantar seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos" (Mat. 5º, 45).
Sabe-se também na Igreja
que o Senhor quer a salvação de todos, e não a morte de quem quer que seja. Por isto,
pode-se ver que uma Predestinação que não seja para o Céu é contra o Divino Amor.
Segundamente: Uma Predestinação que não seja para o Céu é contra a Divina
Sabedoria, que é infinita. O Divino Amor por sua Divina Sabedoria provê os meios
pelos quais cada homem pode ser salvo; é por isso que, dizer que, há uma
Predestinação que não seja para o Céu, é dizer que Ele não pode prover os meios
pelos quais há salvação, quando, entretanto estes meios são para todos, como foi
mostrado acima, e estes meios vêm da Divina Providência, que é infinita. Se há
homens que não se salvaram é porque o Divino Amor quer que o homem sinta em si
mesmo a felicidade e a beatitude do Céu, pois de outro modo ele não teria o Céu; e
isso não pode se fazer, a não ser que pareça ao homem que pensa e quer por si
mesmo, pois sem esta aparência nada lhe seria apropriado, e ele não seria homem; é
por isso que há uma, Divina Providência, que pertence à Divina Sabedoria, pelo Divino
Amor. Mas isto não destrói a verdade que todos foram predestinados para o Céu, e que
ninguém o pode ser para o inferno; se, ao contrário, os meios de salvação faltassem,
isso a destruiria; ora, foi demonstrado acima que Ele proveu os meios de salvação para
cada um, e que o Céu é tal que todos os que vivem bem, de qualquer religião que
sejam ai são colocados. O homem é como a terra que produz frutos de toda espécie
faculdade pela qual a terra é terra; que se ela produz também frutos maus, isso não lhe
tira a faculdade de poder também produzir bons, mas esta faculdade seria tirada se
não pudesse produzir senão maus. O homem é ainda como um objeto que matiza os
raios da luz; se este objeto não apresenta senão cores desagradáveis, não é a luz a
causa disso; os raios da luz podem também ser matizados em cores agradáveis.
Terceiramente: Supor que não há salvação sendo para os que nasceram dentro
da Igreja é uma heresia insensata. Os que nasceram fora da Igreja são homens do
mesmo modo que os que nasceram dentro da Igreja; são de uma semelhante origem
celeste; são igualmente almas vivas e imortais; têm também uma religião, pela qual
reconhecem que há um Deus, e que é preciso viver bem; e o que reconhece um Deus
e vive bem se torna espiritual em seu grau e é salvo, como foi mostrado acima. Diz-se
que eles não são batizados; mas o batismo não salva senão aqueles que são lavados
espiritualmente, quer dizer, que são regenerados. Diz-se que o Senhor não os
conheceu, e que sem o Senhor não há salvação; mas nenhum homem tem a salvação
porque o Senhor lhe é conhecido, mas o homem é salvo porque vive segundo os
preceitos do Senhor; e o Senhor é conhecido de quem quer que reconhece um Deus,
pois o Senhor é o Deus do Céu e da terra, como Ele mesmo o ensina em Mateus 28º,
18, e em outros lugares; e além disso, os que estão fora da Igreja têm mais do que os
Cristãos a idéia de Deus como Homem, e os que têm a idéia de Deus como Homem, e
que vivem bem, são aceitos pelo Senhor; reconhecem mesmo Deus um em pessoa e
em essência, o que não fazem os cristãos, pensam também em Deus em sua vida,
pois consideram os males como pecados contra Deus, e os que os consideram assim
pensam em Deus em suas vidas. Os cristãos têm os preceitos de sua religião pela
Palavra, mas há poucos que dai tirem seus preceitos de vida; os Católico-Romanos
não a lêem; e os Reformados, que estão na fé separada da caridade, prestam atenção
não às cousas que nela concernem à vida, mas unicamente às que concernem à fé, e
entretanto toda a Palavra não é absolutamente senão a doutrina da vida. O
Cristianismo está somente na Europa, o Maometismo e o Gentilismo estão na Ásia,
nas Índias, na África e na América, e o gênero humano nestas partes do globo
ultrapassa dez vezes em multidão este gênero humano que está na parte do mundo
cristão, e nesta parte há poucos que põem a religião na vida; que pode, pois haver de
mais insensato do que crer que estes somente são salvos e que aqueles são danados,
e que o Céu é para o homem por nascimento e não pela vida? Por isso o Senhor disse:
"Eu vos digo que muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se assentarão à mesa com
Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos Céus; mas os filhos do Reino serão rejeitados"
(Mat. 8º, 11, 12).
Em quarto lugar: Supor que alguns do gênero humano foram danados por
predestinação é uma heresia cruel. É cruel crer que o Senhor, que é o Amor mesmo
e a Misericórdia mesma, suporte que uma tão grande multidão de homens nasça para
o inferno, ou que tantas miríades de miríades nasçam danados e devotados, quer dizer,
nasçam diabos e satanases, e que pela sua Divina Sabedoria Ele não provê a que os
que vivem bem, e reconhecem um Deus, não sejam lançados em um fogo e um
tormento eterno; o Senhor entretanto é o Criador e o Salvador de todos, e não quer a
morte de pessoa alguma; é portanto cruel crer e pensar que uma tão grande multidão
de nações e de povos sob seu auspício e sob sua inspeção sejam entregues como
presa ao diabo por predestinação.
O SENHOR NAO PODE AGIR CONTRA AS LEIS DA DIVINA PROVIDÊNCIA,
PORQUE AGIR CONTRA ESTAS LEIS SERIA AGIR CONTRA SEU DIVINO AMOR E
CONTRA SUA DIVINA, SABEDORIA, ASSIM CONTRA ELE MESMO.
331. Na Sabedoria Angélica sobre o Divino Amor e a Divina Sabedoria, foi mostrado
que o Senhor é o Divino Amor e a Divina Sabedoria, e que estes dois são o Ser mesmo
e a Vida mesma pelos quais tudo É e Vive; e também foi mostrado que o semelhante
procede d'Ele, e que o Divino Procedente é Ele Mesmo; entre as cousas que procedem
está em primeiro lugar a Divina Providência; pois esta está continuamente no fim para
o qual foi criado o universo; a operação e a progressão do fim pelos meios é o que é
chamado a Divina Providência. Ora, pois que o Divino Procedente é o Senhor Mesmo,
e que a Divina Providência é, em primeiro lugar, o que procede, segue-se que agir
contra as leia de sua Divina Providência seria agir contra Ele Mesmo. Pode-se mesmo
dizer que o Senhor é a Providência, como se diz que Deus é a Ordem; pois a Divina
Providência é a Ordem Divina principalmente em relação à salvação dos homens; e
como não há ordem sem leis, pois as leis a constituem, e cada lei sustenta a ordem,
pois que é também a ordem, segue-se que como Deus é a Ordem, é também a Lei de
Sua ordem; o mesmo se deve dizer da Divina Providência, que como o Senhor é Sua
Providência, é também a Lei de Sua Providência; daí é evidente que o Senhor, não
pode agir contra as Leis de Sua Divina Providência, porque, agir contra essas leis seria
agir contra Ele Mesmo. Além disso, não há operação alguma, a não ser em um sujeito
e por meios sobre este sujeito; a operação, a não ser que seja em um sujeito e por
meios sobre esse sujeito, não é possível; o sujeito da Divina Providência é o homem,
os meios são os Divinos Veros pelos quais há a sabedoria, e os Divinos Bens pelos
quais há o amor; a Divina Providência por estes meios opera seu fim, que é a salvação
do homem; pois quem quer o fim quer também os meios," quando, portanto aquele que
quer opera o fim, ele o opera pelos meios. Mas estas proposições se tornarão
evidentes quando tiverem sido examinadas na ordem seguinte: I. A operação da Divina
Providência para, salvar o homem começa desde seu nascimento, e continua até ao
fim de sua vida, e depois na eternidade. II. A operação da Divina Providência se faz
continuamente por meios de pura misericórdia. III. A salvação operada em um
momento por misericórdia imediata não é possível. IV. A salvação operada em um
momento por misericórdia imediata é uma serpente de fogo voando na Igreja.
332. I. A operação da Divina Providência para salvar o homem começa desde seu
nascimento, e continua até ao fim de sua vida, e depois na eternidade.
Foi mostrado acima, que o Céu proveniente do Gênero Humano é o fim mesmo da
criação do universo, e que este fim, em sua operação e em sua progressão, é a Divina
Providência para salvar os homens, e que todas as cousas que estão fora do homem, e
que lhe servem para o uso, são os fins secundários da criação que em suma se
referem a tudo que existe nos três Reinos, o Animal, o Vegetal e o Mineral; quando as
cousas que estão nestes reinos procedem constantemente segundo as leis da Ordem
Divina estabelecidas na primeira criação, como então o fim primeiro, que é a salvação
do gênero humano, pode não proceder constantemente segundo as leis de sua ordem,
que são as leis da Divina Providência? Considera unicamente uma árvore frutífera;
primeiro não nasce ela de uma pequena semente como um rebento tenro; depois não
cresce como um caule, não estende ramos, e estes não se guarnecem de folhas; e
depois não faz sair flores, não dá nascimento a frutos, e não coloca neles novas
sementes, pelas quais provê à sua perpetuidade? Dá-se o mesmo com todo arbusto, e
com toda erva dos campos. Nestes sujeitos, todas e cada uma das cousas não,
procedem de uma maneira constante e admirável segundo as leis, de sua ordem, de
um fim a um fim? Por que não se, daria o mesmo com o fim principal, que é o Céu
proveniente do gênero humano? Pode haver em sua progressão alguma cousa que
não proceda muito constantemente segundo as leis da Divina Providência? Pois que
há correspondência da vida do homem com a vegetação da árvore, tiremos daí um
paralelo ou uma comparação: A infância do homem pode ser comparada ao tenro
rebento da árvore saindo da terra pela semente; a segunda idade da infância e a
adolescência do homem são como o rebento crescendo como um caule e seus
pequenos ramos; os veros naturais, de que a princípio todo homem é imbuído, são
como as folhas de que os ramos se guarnecem, as folhas não significam outra cousa
na Palavra; as iniciações do homem no casamento do bem e do vero, ou casamento
espiritual, são como as flores que esta árvore produz na estação da primavera, os
veros espirituais são os folíolos destas flores; as cousas primitivas do casamento
espiritual são como os começos do fruto; os bens espirituais, que são os bens da
caridade, são como os frutos, são também significados pelos frutos na Palavra; as
procriações da sabedoria pelo amor são como as sementes; por estas procriações o
homem se toma como um jardim e um paraíso; o homem também na Palavra é
descrito pela árvore, e sua sabedoria segundo o amor pelo jardim; e não é significada
outra cousa pelo jardim do Éden. O homem, é verdade, é uma má árvore pela
semente, mas não obstante lhe é dado um enxerto ou inoculação de pequenos ramos
tomados da Arvore de vida, pelos quais o suco saindo da velha raiz é mudado em um
suco que produz bons frutos. Esta comparação foi feita a fim de que se saiba que, pois
que há na vegetação e na reprodução das árvores uma tão constante progressão da
Divina Providência, deve haver uma inteiramente constante na reforma e na
regeneração dos homens, que são muito preferíveis às árvores, segundo estas
palavras do Senhor: "Cinco passarinhos não são vendidos por dois ceitis? Entretanto
nem um só dentre eles é esquecido diante de Deus. Mas mesmo os cabelos de vossa
cabeça estão todos contados; não temais, pois mais do que muitos passarinhos vós
valeis. Além disso, quem de vós, por seus cuidados, pode acrescentar um côvado à
sua estatura? Se portanto não podeis mesmo a menor cousa por que estais em
cuidado pelo resto? Considerai os lírios, como crescem. Ora, se a erva que está no
campo hoje, e que amanhã no forno é lançada, Deus a reveste assim, quanto mais
vós, homens de pouca fé!" (Luc. 12º, 6, 7, 25, 26, 27, 28).
333. Diz-se que a operação da Divina Providência para salvar o homem começa desde
seu nascimento, e continua até ao fim de sua vida; para compreender isso, é preciso
saber que o Senhor vê qual é o homem, e prevê qual ele quer ser assim qual ele será;
e a fim de que seja homem e por conseguinte imortal, o livre de sua vontade não pode
ser tirado, como foi abundantemente mostrado acima; é por isso que o Senhor prevê
seu estado depois da morte, e a isso provê desde seu nascimento até ao fim de sua
vida; nos maus provê a isso permitindo os males, e os desviando sem cessar, e nos
bons provê a isso conduzindo ao bem; assim a Divina Providência está continuamente
em operação para salvar o homem; mas não podem ser salvos senão aqueles que
querem ser salvos; e querem ser salvos os que reconhecem Deus, e são conduzidos
por Ele; e não o querem aqueles que não reconhecem Deus, e se conduzem a si
mesmos; pois estes não pensam nem na vida eterna, nem na salvação, mas aquêles
pensam; o Senhor o vê, e sempre os conduz, e os conduz segundo as leis de Sua
Divina Providência, contra as quais não pode agir, pois que agir contra elas seria agir
contra seu Divino Amor e contra Sua Divina Sabedoria, quer dizer contra Ele Mesmo.
Ora, como Ele prevê os estados de todos depois da morte, e prevê também os lugares
dos que não querem ser salvos, no inferno, e os lugares dos que querem ser salvos, no
Céu, segue-se que, como foi dito, Ele provê para os maus os seus lugares permitindo e
desviando, e para os bons os seus lugares conduzindo-os; se não fizesse isso
continuamente desde o nascimento de cada um até ao fim de sua vida, o Céu não
subsistiria, nem o inferno tampouco; pois sem esta Previdência, e sem ao mesmo
tempo esta Providência, o Céu e o inferno não seriam senão uma espécie de confusão;
que cada um tenha seu lugar, o qual foi provido pelo Senhor segundo a previsão, vê-se
acima, nº 202, 203. Isto pode ser ilustrado por esta comparação: Se um arqueiro ou um
arcabuzeiro visasse um alvo, e que para além do alvo se prolongasse a linha reta até à
distância de uma milha; se, visando, ele se enganasse somente na largura de uma
unha, o dardo ou a bala no fim da milha se afastaria imensamente da linha prolongada
além do alvo; seria o mesmo se o Senhor, a cada momento, e mesmo a, cada pequeno
momento, não considerasse o eterno prevendo o lugar de cada um depois da morte e a
isso provendo; mas isto é feito pelo Senhor, porque todo futuro é presente para Ele e
todo presente é para Ele eterno. Que a Divina Providência em tudo que faz considera o
infinito e o eterno, vê-se acima, nºs 46 a 69, 214 e seguintes.
334. Diz-se também que a operação da Divina Providência continua na eternidade,
porque todo anjo é aperfeiçoado em sabedoria na eternidade, mas cada um segundo o
grau de afeição do bem e do vero, em que estava quando saiu do mundo; é este grau
que é aperfeiçoado na eternidade; o que está além desse grau está fora do anjo, e não
está dentro dele, e o que está fora dele não pode ser aperfeiçoado dentro dele Isto é
entendido pela "medida boa, calcada, sacudida e se espalhando por cima, que será
dada no regaço dos que perdoam e dão aos outros" (Luc. 6º, 37, 38), quer dizer que
estão no bem da caridade.
335. II. A operação da Divina Providência se faz continuamente por meios de pura
misericórdia.
Há os meios e os modos da Divina Providência; os meios são as cousas pelas quais o
homem se torna homem, e é aperfeiçoado quanto ao entendimento e quanto à
vontade; os modos são as cousas pelas quais os meios são efetuados, Os meios pelos
quais o homem se torna homem e é aperfeiçoado quanto ao entendimento são por
uma palavra comum, chamados veros, os quais se tornam idéias no pensamento e são
chamados cousas na memória, e em si mesmos são conhecimentos, donde resultam
as ciências. Todos esses meios considerados em si mesmos são espirituais; mas
como estão nos naturais, pela sua cobertura ou sua vestimenta aparecem como
naturais, e alguns, como materiais. Estes meios são infinitos em número e infinitos, em
variedade; são simples e compostos mais ou menos, e são imperfeitos e perfeitos mais
ou menos. Há meios para formar e aperfeiçoar a vida civil natural; depois para formar e
aperfeiçoar a, vida moral racional; como também para formar e aperfeiçoar a vida
espiritual celeste. Estes meios se sucedem, um gênero após um outro, desde a
infância, até à última idade do homem, e depois disso na eternidade; e, como se
sucedem crescendo, os anteriores se tornam os meios dos posteriores; com efeito,
entram como causas médias em toda cousa formada, pois por eles todo efeito ou toda
cousa concluída é eficiente, e por conseguinte se torna causa; assim os posteriores -se
tornam sucessivamente os meios; e como isso se faz eternamente, não há o
postremum ou último que fecha; pois assim como a eternidade é sem fim, assim
também a sabedoria que cresce na eternidade é sem fim; se houvesse um fim para a
sabedoria no anjo, o prazer de sua sabedoria, que consiste em sua perpétua
multiplicação e frutificação, pereceria e por conseqüência o prazer de sua vida, e seria
substituído pelo prazer da glória, o qual, sendo só, não tem em si a vida celeste; então
este homem sábio não se tornaria mais como um homem jovem, mas se tornaria como
um velho, e por fim como, um homem decrépito. Ainda que a sabedoria do sábio no
Céu cresça eternamente, entretanto a sabedoria angélica jamais se aproxima da
Sabedoria Divina a um tal ponto que possa atingi-la; é por comparação como o que se
diz da linha reta (assíntota) traçada perto da hipérbole, reta que se aproximando dela
continuamente não a toca jamais; e também pelo que se diz da quadratura do círculo.
Por isto, pode-se ver o que é entendido pelos meios, pelos quais a Divina Providência
opera para que o homem seja homem, e para que seja aperfeiçoado quanto ao
entendimento, e que estes meios são, por uma palavra comum, chamados veros. Há
também outros tantos meios, pelos quais o homem é formado e aperfeiçoado quanto à
vontade, mas estes são, por uma palavra comum, chamados bens; por estes o homem
tem o amor, e por aqueles o homem tem a sabedoria; sua conjunção faz o homem,
pois tal é esta conjunção, tal é o homem; é esta conjunção que é chamada o
casamento do bem e do vero.
336. Quanto aos modos pelos quais a Divina Providência opera sobre os meios e pelos
meios para formar o homem, e para aperfeiçoá-lo, são igualmente infinitos em número,
e infinitos em variedade; há tantos deles como há operações da Divina Sabedoria pelo
Divino Amor para salvar o homem, assim tantos como há operações da Divina
Providência segundo suas leis, de que se acaba de tratar. Que estes modos sejam
muito secretos, isso foi ilustrado acima pelas operações da alma, no corpo, operações
de que o homem tem tão pouco conhecimento, que apenas sabe disso alguma cousa,
por exemplo, como o olho, o ouvido, as narinas, a língua, e a, pele sentem, e como o
estômago digere, o mesentério prepara o quilo, o fígado elabora o sangue, o pâncreas
e o baço o purificam, os rins o separam dos humores impuros, o coração o junta e o
distribui, o pulmão o decanta, e como o cérebro o sublima, e de novo, o vivifica, além
de inumeráveis outras cousas, que são todas secretas, nas quais apenas alguma
ciência pode entrar. Por isto, è evidente que se pode ainda menos entrar nas
operações secretas da Divina Providência; é suficiente que se conheça as suas leis.
337. Se a Divina Providência efetua toda as cousas por pura Misericórdia, é porque a
Essência Divina mesma é o puro Amor; é este Amor que opera pela Divina Sabedoria e
é esta operação que é chamada Divina Providência.
Se és puro Amor e a pura Misericórdia, é:
1. Porque opera em todos os que estão sobre o globo terrestre, os quais são tais,
que nada podem por eles mesmos;
2. porque opera nos maus e nos injustos tanto como nos bons e nos justos;
3. porque os dirige no inferno e os arranca dela;
4. porque lá continuamente luta com eles e combate por eles contra o diabo, quer
dizer, contra, os males do inferno;
5. porque foi por isso que Ele veio ao mundo, e sofreu as tentações até à última,
que foi a paixão da cruz;
6. porque continuamente age com os impuros para os tornar puros, e com os
insensatos para os curar de sua loucura, e assim continuamente trabalha por
pura Misericórdia.
338. III. A salvação operada em um momento por pura Misericórdia não é
possível.
Nos artigos que precedem foi mostrado que a operação da Divina Providência para
salvar o homem começa desde seu nascimento, e continua até ao fim de sua vida, e
depois na eternidade; e também, que esta operação se faz continuamente por meios
de pura Misericórdia; daí resulta que não há nem salvação operada em um momento,
nem misericórdia imediata. Mas como muitas pessoas, que nada pensam pelo
entendimento a respeito das cousas da Igreja ou da religião, crêem que se é salvo por
uma misericórdia imediata, e que assim a salvação é operada em um momento,
quando entretanto isso é contra a. verdade, e como além disso esta crença é perigosa,
é importante examinar a cousa em sua ordem: 1º A crença em uma salvação operada
em um momento por misericórdia imediata foi tomada do estado natural do homem. 2º
Esta crença vem da ignorância do estado espiritual, que é totalmente diferente do
estado natural. 3º Considerado interiormente as doutrinas de todas as Igrejas no Mundo
cristão são contra a salvação operada em um momento pela misericórdia imediata,
mas não obstante os homens externos da Igreja a sustentam.
Primeiramente: A crença em uma salvação operada em um momento por
misericórdia imediata foi tomada do estado natural do homem. O homem natural,
por seu estado, não sabe outra cousa, senão que a alegria, celeste é como a alegria
mundana, e que influi e é recebida da mesma maneira; que é, por exemplo, como
quando aquêle que é pobre se torna rico, e passa assim do triste estado de indigência
para o estado feliz da opulência; ou como aquele que é desprezado se torna honrado, e
passa assim do desprezo para a glória; ou como quando se passa de uma casa de luto
para uma sala de núpcias. Como estes estados podem ser mudados em um dia, e
como não se tem outra idéia do estado do homem depois da morte, vê-se donde vem a
crença em uma salvação operada em um momento por misericórdia imediata. No
mundo também muitas pessoas podem estar em uma mesma companhia e em uma
mesma sociedade civil, e se divertirem juntas, e entretanto serem todas de uma mente
(animus) diferente; isto acontece no mundo natural, pela razão de que o externo de um
homem pode se acomodar ao externo de um outro, ainda que os internos sejam
dessemelhantes; deste estado natural conclui-se também que a salvação é somente a
admissão entre os anjos no Céu, e que esta admissão é um efeito da misericórdia
imediata; é mesmo por isso que se crê que o Céu pode ser dado aos maus do mesmo
modo que aos bons, e que há então uma consorciação semelhante à que existe no
Mundo, com a diferença de que aquela é cheia de alegria.
Segundamente: Esta crença vem da ignorância do estado espiritual, que é
totalmente diferente do estado natural. Em muitos lugares acima, falou-se do estado
espiritual, que é o estado do homem depois da morte, foi mostrado que cada um é seu
amor, e que ninguém pode viver com outros que não sejam os que estão em um amor
semelhante ao seu, e que se vêm para perto de outros, não podem respirar sua vida;
daí resulta que cada um depois da morte vai para a sociedade dos seus, quer dizer,
daqueles que estão em um amor semelhante, e os conhece como parentes e como
amigos; e, o que é admirável, quando vem para eles e os vê, é como se os tivesse
conhecido desde a infância; isso é o resultado da afinidade e da amizade espirituais;
mais ainda, em uma sociedade ninguém pode habitar em uma outra casa que não seja
a sua; cada um em sua sociedade tem uma casa, que encontra preparada para ele,
desde que entra na sociedade; pode estar na companhia com outros fora de sua casa,
mas entretanto, não pode morar em outra que não seja a sua; e, o que é mais ainda,
no apartamento de um outro, ninguém pode sentar-se senão em seu lugar, se sentar
em um outro, se torna como insensato e mudo; e, o que é maravilhoso, cada um,
entrando em um apartamento, conhece seu lugar; o mesmo acontece nos Templos, e
também nos lugares de assembléias, quando aí se reúnem. Por isto, é evidente que o
estado espiritual é totalmente diferente do estado natural, e que é tal, que ninguém
pode estar em outra parte senão onde está o seu amor dominante, pois aí está o prazer
de sua vida, e cada um quer estar no prazer de sua vida; e o espírito do homem não
pode estar em outra parte, pois isso faz sua vida, mais ainda a sua respiração mesma,
como também a pulsação de seu coração; é diferente no Mundo natural, neste mundo
o externo do homem foi instruído desde a infância a fingir pela face, pela linguagem e
pelo gesto, prazeres diferentes dos que pertencem a seu interno; não se pode, portanto
do estado do homem no mundo natural, concluir quanto a seu estado depois da morte;
pois o estado de cada um depois da morte é espiritual, e este estado consiste em que
não se pode estar em outra parte senão no prazer de seu amor, que foi adquirido no
Mundo natural por sua vida. Por estas explicações, pode-se ver claramente que quem
quer que esteja no prazer do inferno não pode ser pasto no prazer do Céu, que se
chama comumente alegria celeste, ou, o que é a mesma cousa, que quem quer que
esteja no prazer do mal não pode ser posto no prazer do bem; é ainda o que pode ser
concluído mais claramente de que, depois da morte, não é recusado a quem quer que
seja subir ao Céu, o caminho lhe é mostrado, a faculdade lhe é dada, e ele é
introduzido; mas logo que entra no Céu, e pela aspiração atrai o seu prazer, o seu peito
começa a ser oprimido, o seu coração a ser torturado, e sofre um desfalecimento no
qual se torce como uma serpente aproximada do fogo; e, com a face desviada do Céu
e voltada para o inferno, ele foge precipitando-se, e não tem repouso senão na
sociedade de seu amor; por aí pode-se ver que ninguém pode entrar no Céu por
misericórdia imediata, que por conseqüência não basta ser aí admitido, como
imaginam muitas pessoas no mundo; além disso também, que não há salvação
operada em um momento, pois isso supõe uma misericórdia imediata. Havia alguns
que, no mundo, tinham crido na salvação operada em um momento por misericórdia
imediata, e que, quando se tornaram espíritos quiseram que seu prazer infernal ou seu
prazer do mal fosse pela Onipotência Divina, e ao mesmo tempo pela Divina
Misericórdia, mudado em prazer celeste ou em prazer do bem; e como o desejassem
ardentemente, foi mesmo permitido que isso fosse feito pelos anjos, que então lhes
tiraram o prazer infernal; mas imediatamente esses, porque este prazer era o prazer do
amor de sua vida, por conseqüência sua vida, caíram como mortos, sem nenhum
sentimento e sem nenhum movimento, e não foi possível lhes insuflar uma outra vida
senão a sua, porque todas as cousas de sua mente e de seu corpo, que haviam sido
voltadas para trás, não puderam ser reviradas em sentido contrário; por isso foram
chamados à vida pela imissão do prazer do amor de sua vida; depois eles disseram
que nesse estado tinham sentido interiormente alguma cousa cruel e horrível, que não
quiseram dar a conhecer. É por isso que no Céu se diz que é mais fácil mudar um
mocho em rolinha, e uma serpente em cordeiro, do que mudar um espírito infernal em
um anjo do Céu.
Terceiramente: Consideradas interiormente, as doutrinas de todas as Igrejas no
mundo cristão são contra a salvação operada em um momento por misericórdia
imediata, mas entretanto os homens externos da Igreja a sustentam. Consideradas
interiormente, as doutrinas de todas as Igrejas ensinam a vida; há uma Igreja, cuja
doutrina não ensine que o homem deve se examinar, ver e reconhecer seus pecados,
confessá-los, fazer penitência, e por fim viver uma nova vida? Quem é que é admitido à
Santa Comunhão, sem esta advertência e sem este mandamento? Informa-te, e terás
a confirmação. Há uma Igreja cuja doutrina não seja fundada sobre os preceitos do
Decálogo, e os preceitos do Decálogo não são os preceitos da vida? Qual é o homem
da Igreja, em quem há alguma causa da Igreja, que não reconhece, desde que o ouve
dizer, que aquêle que vive bem é salvo, e o que vive mal é condenado? É por isso que
na Fé simbólica Atanasiana, que é também a Doutrina recebida em todo Mundo cristão,
se diz "que o Senhor virá para julgar os vivos e os mortos, e quê os que fizeram boas
obras entrarão na vida eterna, e que os que fizeram más obras irão para o fogo eterno".
Por isto é evidente que, consideradas interiormente, as doutrinas de todas as Igrejas
ensinam a vida; e pois que ensinam a vida, ensinam que a salvação é segundo a vida;
ora, a vida do homem não é inspirada em um momento, mas é formada
sucessivamente, e reformada à medida que o homem foge dos males como pecados,
por conseqüência à medida que sabe o que é o pecado e que o conhece e reconhece e
à medida que não os quer e que por conseguinte renuncia a eles, e à medida que
conhece também os meios que se referem ao conhecimento de Deus; a vida do
homem é formada e reformada por todas estas cousas, que não podem ser infundidas
em um momento; pois é preciso que o mal hereditário, que em si mesmo é infernal,
seja afastado, e que o bem, que em si mesmo é celeste, seja implantado em lugar
deste mal; o homem por seu mal hereditário pode ser comparado a um mocho quanto
ao entendimento, e a uma serpente quanto à vontade; e o homem reformado pode ser
comparado a uma pomba quanto ao entendimento, e a uma ovelha quanto à vontade; é
por isso que a reforma e por conseguinte a salvação, operadas em um momento,
seriam como a mudança súbita de um mocho em uma pomba, e de uma serpente em
uma ovelha; quem é que não vê desde que saiba alguma cousa da vida do homem,
que isso não pode acontecer, a não ser que a natureza do mocho e da serpente seja
tirada, e que a natureza da pomba, e da ovelha seja implantada? Sabe-se também que
todo inteligente pode se tornar mais inteligente, e todo sábio mais sábio, e que a
inteligência e a sabedoria no homem podem crescer, e crescem em alguns, desde a
infância até ao fim da vida, e que o homem é assim continuamente aperfeiçoado; por
que não seria isso melhor ainda com a inteligência e com a sabedoria espirituais, que
sobem dois graus acima da inteligência e da sabedoria naturais, e que subindo
tornam-se angélicas, quer dizer, inefáveis? Que estas nos anjos crescem eternamente,
é o que foi dito acima; quem é que não pode compreender, se o quiser, que é
impossível que o que é aperfeiçoado eternamente seja perfeito em um instante?
339. Por isto, é portanto evidente que todos os que pensam pela vida na salvação, não
pensam absolutamente na salvação operada em um momento por misericórdia
imediata, mas pensam nos meios de salvação sobre os quais e pelos quais o Senhor
opera segundo as leis de Sua Divina Providência, assim pelos quais o homem é
conduzido pelo Senhor por pura Misericórdia. Mas os que não pensam pela vida na
salvação, supõem a instantaneidade na salvação, e o imediato na Misericórdia; assim
fazem os que separam a fé da caridade; a caridade é a vida; supõem que a fé é dada
em um momento, e mesmo na hora derradeira da morte, senão antes, e é também o
que fazem os que crêem que a remissão dos pecados sem a penitência, é a absolvição
dos pecados, e assim a salvação, e que se apresentam à Santa Ceia; além disso
também os que têm confiança nas indulgências dos monges, nas preces destes pelos
defuntos, e nas dispensas provenientes do poder que se atribuíram sobre as almas dos
homens.
340. IV. A salvação operada em um momento, por misericórdia imediata é uma
serpente de fogo voando na Igreja.
Por uma serpente de fogo voando é entendido um mal que brilha por um fogo infernal;
a mesma cousa é significada pela serpente de fogo voando em Isaías (14º, 29): "Não
te regozijes, Filistia inteira, porque foi quebrada a vara que te batia, pois da raiz da
serpente sairá um basilisco, cujo fruto será uma, serpente de fogo voando". Um tal mal
voa na Igreja, quando nela se crê na salvação operada, em um momento por
misericórdia imediata. Pois por isso: 1º a religião é abolida; 2º a segurança é
introduzida; 3º e a danação é imputada ao Senhor.
Quanto ao que concerne ao Primeiro ponto, que pior isso ai religião é abolida: Há
dois essenciais e ao mesmo tempo dois universais da religião, o Reconhecimento de
Deus e a Penitência; estão aí duas cousas vãs para aqueles que crêem ser salvos pela
Misericórdia só, de qualquer maneira que vivam; pois que necessidade há de outra
cousa senão dizer: "Meu Deus, tem piedade de mim!" Sobre todo o resto concernente
à religião estão na obscuridade; Sobre o primeiro essencial da Igreja, isto é, o
Reconhecimento de Deus, nada, pensam, a não ser: O que é Deus? Quem é que o
viu? Se se diz que ele existe, e que é um, eles dizem que ele é um, se se diz que são
três, eles dizem também que são três, mas que os três devem ser chamados Um; tal é
o reconhecimento de Deus neles. Sobre o outro essencial da Igreja, isto é, a
Penitência, nada pensam, por conseqüência nada tampouco Sobre pecado algum; e
por fim ignoram que haja qualquer pecado, e então é com volúpia que ouvem dizer e
recebem, que a Lei não dana absolutamente porque o Cristão não está sob seu jugo; e
que, desde que se diga: "Meu Deus, tem piedade de mim por causa de teu Filho",
ser-se-á salvo; tal é a penitência da vida neles. Mas tira a penitência, ou, o que é a
mesma cousa, separa a vida da religião, que resta senão estas palavras: "Tem piedade
de mim"? Daí vem que não possam dizer outra cousa, senão que por estas palavras à
salvação é operada em um momento, e mesmo na hora da morte, se não o é antes. O
que é então a Palavra, para eles, senão uma voz obscura e enigmática proferida de
cima de um tripé no antro, ou como uma resposta ininteligível do oráculo de um ídolo?
Em uma palavra, se tiras a penitência, isto, é, se separas a vida da religião, o que é
então o homem senão um mal que brilha com um fogo infernal, ou uma serpente de
fogo voando na Igreja? Pois sem a penitência o homem está no mal, e o mal é o
inferno.
Segundamente: Pela crença na salvação operada em um momento por pura e
única misericórdia a segurança da vida é introduzida. A segurança da vida tem sua
origem ou na crença do ímpio de que não há vida depois da morte, ou na crença
daquele que separa a vida da salvação; quando mesmo este cresse na vida eterna,
sempre pensaria: "Quer eu viva bem ou viva mal, posso ser salvo, pois que a salvação
é uma pura Misericórdia, e a Misericórdia de Deus é universal, porque Ele não quer a
morte de pessoa alguma". E se por acaso lhe vem ao pensamento que a. Misericórdia
deve ser implorada pelas palavras da crença recebida, ele pode pensar: "Isso pode ser
feito, senão com antecedência, pelo menos no instante da morte". Todo homem que
está nesta segurança considera como sem importância os adultérios,, as fraudes, as
injustiças, as violências, as blasfêmias, as vinganças; mas abandona sem freio sua
carne e seu espírito a todos os males; não sabe tampouco o que é o mal espiritual e a
cobiça desse mal; se aprende alguma cousa dele pela Palavra, isto é como o que cai
sobre o ébano e ricocheteia, ou como o que cai em um fosso e é tragado.
Terceiramente. Por esta crença a danação é imputada ao Senhor. Quem é que não
pode concluir que não é culpa do homem, mas do Senhor, se o homem não é salvo,
quando, o Senhor pode salvar a cada um por pura Misericórdia? Se se diz que o meio
de salvação é a fé; mas qual é o homem a quem esta fé não possa ser dada, pois está
fé é somente um pensamento, o, qual pode ser infundido em todo estado do espírito
abstraído das cousas mundanas, mesmo com a confiança? E esse também pode dizer:
Não posso por mim mesmo tomá-la; se portanto ela não é dada, e o homem é danado,
o que é que pode pensar o danado, senão que a culpa é do Senhor, que pôde e não
quis? Não será isso chamar o Senhor de misericordioso? E além disso, no ardor, de
sua fé, não pode ele dizer: Como o Senhor pode ver tantos danados no inferno, quando
entretanto pode em um momento só salvá-los por pura misericórdia? Sem falar de
muitos, outros raciocínios semelhantes, que podem ser considerados como infames
acusações contra o Divino. Agora, por estas explicações pode-se ver que a fé em uma
salvação operada em um momento por pura, Misericórdia é uma serpente de fogo
voando na Igreja.
Desculpem-me se, para encher este resto de papel, acrescento esta narração: Alguns
espíritos por permissão subiram do inferno, e me disseram: "Tu escreveste muitas
cousas pelo Senhor, escreve também alguma cousa por nós." Respondi: "O que
escreverei?" Eles disseram: "Escreve que cada espírito, quer seja bom ou quer seja
mau, está em seu prazer; o bom no prazer de seu bem, e o mau no prazer de seu mal."
Fiz esta pergunta: "Qual é o vosso. prazer?" Disseram que era o prazer de cometer
adultério, de roubar, de fraudar, de mentir. E de novo perguntei: "O que são esses
prazeres?" Eles disseram: "São sentidos pelos outros como fedores de excrementos,
como infecções cadaverosas, e como odores de urinas infectas." Eu disse: "Estão aí
cousas agradáveis para vós?" Disseram: "Muito agradáveis." Eu disse: "Então sois
como bestas imundas, que vivem em semelhantes porcarias." Responderam: "Se o
somos, o somos, mas estes odores são as delícias de nossas narinas." Perguntei:
"Que escreverei mais de vós?" Disseram: "Isto, que é permitido a cada um estar em
seu prazer, mesmo o mais imundo, assim como o chamam, desde que não infeste nem
os bons espíritos, nem os anjos; mas como não podemos deixar de infestá-los, fomos
expulsos e precipitados no inferno, onde sofremos cruelmente." Eu disse: "Por que
infestastes os bons?" Responderam que não puderam deixar de fazê-lo; é como um
furor que se apodera deles, quando vêem algum anjo, e sentem a esfera divina que o
cerca. Então eu disse: "Por conseqüência sois também como bestas ferozes." Ouvindo
estas palavras, sobreveio-lhes um furor, que apareceu como o fogo do ódio, e para que
não causassem dano, foram remergulhados no inferno. Sobre os prazeres sentidos
como odores e como fedores no Mundo espiritual, ver acima, nºs 303, 304, 305, 324.
FIM