1981 - O Socialismo Autogestionario Frances

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El autor explica dentro del campo de las políticas públicas las conseccuencias de tal modelo económico.

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  • [Para aprofundar o assunto abordado no presente documento, vide: Um homem, uma obra, uma gesta Homenagem das TFPs a Plinio Corra de Oliveira, Segunda seo, 12. Socialismo autogestionrio: denncia da TFP atinge 33,5 milhes de exemplares e publicada em 52 pases]

    PLINIO CORRA DE OLIVEIRA

    O duplo jogo do socialismo francs?Na estratgia gradualidade na meta radicalidade

    O socialismo autogestionrio: em vista do comunismo, barreira oucabea-de-ponte?

    Na FranaA vitria do PS ps em uma encruzilhadaA maioria do eleitorado centrista e direitista

  • No Ocidente:A vitria eleitoral proporciona ao PS amplos meios

    diplomticos e propagandsticos para incremento daguerra psicolgica revolucionria no interior de todas as naes

    A Revoluo Francesa, em fins do sculo XVIII, os sismos revolucionrios de 1848, aComuna de Paris em 1871, a exploso ideolgica e temperamental da Sorbonne em 1968 forammarcos importantes da Histria da Frana. E tambm da Histria de todo o Ocidente.

    Com efeito, esses movimentos, cada qual sua maneira e em suas propores especficas,deram expresso internacional a aspiraes e doutrinas nascidas algumas na Frana e outras alhures mas que nesse pas haviam fermentado com uma carga de comunicatividade toda peculiar. Osacontecimentos histricos assim gerados na Frana encontraram e puseram em movimento, noesprito dos vrios povos do Ocidente, aspiraes, tendncias e ideologias cujo surto marcou aevoluo psicolgica, cultural, poltica e scio-econmica deles nos sculos seguintes.

    O mesmo vai ocorrendo com a revoluo incruenta, mas nem por isso menos profunda,que a vitria eleitoral do PS nas eleies de 10 de maio do ano de 1981 e a conseqente ascenso deMitterrand Presidncia da Repblica comea a desdobrar em srie. As crises que afetam (emmedida alis desigual) os regimes comunista e capitalista despertam no mundo inteiro tendncias emovimentos que se gabam de especialmente modernos e crem encontrar no socialismoautogestionrio, agora instalado no poder em Paris, a expresso clara, concisa e vitoriosa de tudo ouquase tudo quanto pensam e desejam. O que, naturalmente, os vai pondo em marcha rumo conquistade anlogos xitos nos respectivos pases. Isto para proveito e gudio, note-se, do comunismointernacional, do qual o socialismo autogestionrio apenas caudatrio e companheiro de viagem.

    I O centro e a direita ante o socialismo francs: a iluso otimista, o alcance daderrota e a encruzilhada

    1 . A ilusoPara o homem da rua da maior parte dos pases do Ocidente, o Partido Socialista francs

    resulta, como tantos outros, da conjugao de interesses e de vaidades em torno de um programapartidrio aceito com mais convico, ou menos.

    explicvel. O grande pblico internacional se informa sobre o socialismo principalmentena televiso, no rdio e na imprensa. E a imagem do PS, apresentada parte implicitamente, parteexplicitamente por tais veculos de comunicao costuma ser esta: a) um eleitorado constitudo emsua maioria por trabalhadores manuais imbudos, em nveis diversos, da mentalidade do Partido, masabarcando tambm no poucos burgueses, cujas tendncias scio-econmicas conciliatrias seconectam em um ou outro ponto com vagas simpatias filosficas por um socialismo filantrpico; b)quadros dirigentes formados pelo menos nos nveis alto e mdio por polticos profissionais,preocupados sobretudo com a conquista do poder. E, explicavelmente, habituados a todas asflexibilidades, a todas as audcias, como tambm a todas as formas de concesso e de prudncia queconduzam ao sucesso.

    Porm, esta viso global do socialismo tem pouco de objetivo. Ela corresponde s ilusesotimistas de tantos dos opositores polticos do PS.

    Iluses estas que contriburam em considervel medida para a recente vitria desse partido.

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  • E que abrem agora, ante o eleitorado francs de centro e de direita, uma encruzilhadadecisiva.

    2 . Golpe de vista sobre o PS realObservado sem iluses nem otimismo, o PS deixa ver um carter ideolgico

    monoliticamente forte. Dos princpios filosficos que aceita, ele deduz sistematicamente todo o seuprograma poltico, econmico e social. E a aplicao integral e inexorvel deste ltimo a cadaindivduo, a cada nao Frana, portanto, como a todo o gnero humano a meta de chegada daao concreta que o Partido preconiza.

    Qual o meio para a obteno desse objetivo gigantesco? A manipulao gradual servidapor tticas de dissimulao sofisticadas tanto da cultura, quanto da cincia, do homem e danatureza. E tambm a instrumentalizao dos rgos do Estado, no caso de o Partido alcanar opoder.

    Segundo o PS, essa gradualidade deve ser lenta, pois as circunstncias quase sempre oexigem; mas se deve acelerar sempre que elas o comportem. Ao longo de toda essa trajetria,nenhuma palavra deve ser dita, nenhum passo deve ser dado, que no tenha por objetivo supremo aanarquia final (no sentido etimolgico da palavra), fim, alis, visado tambm pelos tericos docomunismo.

    Esse cunho do PS se patenteia nos documentos oficiais do Partido, nos livros de autoresrepresentativos do pensamento do PS, e ainda nos escritos de circulao interna, destinados mais bem formao de seus membros.

    Todo esse material, alm de absorvido nas fileiras do PS, tem circulao em outrosambientes: esquerdas de distintos matizes, intelectuais e polticos extrnsecos esquerda etc. E a vaialargando processivamente o nmero de simpatizantes do Partido. Porm, pouco ou nada lido pelohomem da rua alheio ao PS1.

    1 A caracterizao do PS, aqui feita, se baseia em segura documentao.Do Congresso de Epinay, em 1971, nasceu o atual Partido Socialista. A nova entidade poltica vem desde ento

    dando luz diversos documentos oficiais de carter doutrinrio e programtico, especialmente por ocasio de seuscongressos nacionais (de dois em dois anos) e das campanhas eleitorais. Ao que se soma um significativo nmero depublicaes internas, destinadas formao de seus aderentes, ou a difundir as concluses de diversos colquios ejornadas de estudo do Partido.

    Na impossibilidade de utilizar todos os textos oferecidos por essa abundante produo, sero citados aqui depreferncia trs documentos absolutamente fundamentais do PS:

    A ) O Projet socialiste pour la France des annes 80 (Club Socialiste du Livre, Paris, maio de 1981, 380 pp.),apresenta as ambies do socialismo francs para os prximos dez anos. O Projet redefine as prioridades socialistas eanuncia de antemo as grandes iniciativas que marcaro diante do povo francs o sentido da ao do PS. Cumpre notarque ele no abroga os textos e programas anteriores do Partido (aos quais se far referncia em seguida). Antes Ele osprolonga, ampliando-lhes ao mesmo tempo o campo de ao e o panorama(op. cit., p. 7).

    Foi o Projet aprovado por 96% dos votos, na Conveno nacional do Partido, reunida em Alfortville em 13 dejaneiro de 1980. No Projet se inspirou o posterior Manifesto de Crteil, de 24 de janeiro de 1981, bem como as 110Propositions pour la France, que o acompanham. Com base nesses dois documentos, aprovados por unanimidade noCongresso de Crteil, o Partido Socialista lanou a campanha presidencial de Mitterrand (cfr. Le Poing et la Rose, no.91, fevereiro de 1981).

    B ) Em 1972, o PS e o PC entraram em negociaes para estabelecer um contrato de governo, do que resultouum Programme commun de gouvernement de la gauche, vlido por cinco anos. Em 1977, no tendo havido entendimentoentre os dois partidos para a renovao do acordo, o PS atualizou sob sua nica responsabilidade tal Programa comum. Noincio de 1978, durante a campanha eleitoral, o PS divulgou o programa atualizado, com o intuito de proporcionar opinio pblica a possibilidade de julgar com base em documentos o que o partido faria caso vencesse as eleies, bemcomo permitir a todos de acompanhar a sua aplicao(cfr. Le programme commun de gouvernement de la gauche Propositions socialistes pour lactualisation, Flammarion, Paris, 1978, 128 pp. Prefcio de Franois Mitterrand, p. 3).

    C ) Finalmente, as Quinze thses sur lautogestion, adotadas pela Conveno nacional do Partido Socialista em21 e 22 de junho de 1975 (cfr. Le Poing et la Rose, suplemento do no. 45, 15 de novembro de 1975, 32 pp.), oferecemparticular interesse, visto que os socialistas franceses apresentam a perspectiva de uma sociedade autogestionria como acontribuio prpria do PS, no plano terico por ora, histria do movimento operrio(cfr. Documentation Socialiste,

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  • 3 . O alcance real da ascenso do socialismo na Frana Absteno, grande fator daderrota do centro e da direita

    Observadores e analistas das recentes eleies presidenciais francesas tm como certo que ocandidato vitorioso das esquerdas se beneficiou dos votos de uma parcela pondervel do eleitorado docentro e de direita. Tendo sido de 1.065.956 votos (3,51% dos votos expressos, isto , os votosapurados, deduo feita dos brancos e nulos) a diferena de F. Mitterrand sobre seu opositor, nosegundo turno das eleies, o vazamento de votos do centro-direita para o candidato socialistarepresentou um fator pondervel qui decisivo na apertada disputa eleitoral. Para isso bastaconsiderar que o deslocamento da metade dessa diferena resultaria no empate eleitoral (ver Quadro I De como 500 mil votos decidiram as eleies presidenciais francesas).

    Tal vazamento causa espanto. H cerca de vinte anos, todo centrista, todo direitista cioso desua autenticidade, julgaria trair sua causa sufragando um candidato que fosse proposto pelo PS.Mxime se este se apresentasse em ostensiva coalizo com o Partido Comunista2. Em 1981, emmuitos centristas e direitistas de diversas idades, esse sentido de coerncia no agiu3. E com umatranqilidade por vezes irrefletida, por vezes indolente, votaram em Mitterrand. Como pde istoacontecer?

    Club Socialiste du Livre, suplemento do no. 2, sem data, pp. 42-43) e pretendem ter dado contedo novo idiaautogestionria (cfr. Documentation Socialiste, no. 5, sem data, p. 58).

    Com esses documentos, o PS reputava dar ao leitor comum um conjunto de noes suficientemente amplo, demodo a lhe obter a adeso refletida, e o voto. Eles constituem, pois, por assim dizer, a imagem de si mesmo desenhadapelo PS. Imagem cuja fidelidade no pode ser questionada, uma vez que se deve presumir como capaz de definir-se umacorrente que acaba de conseguir to destra vitria estratgica. Alis, os socialistas assumem decididamente aresponsabilidade sobre o que publicam como se l no Projet socialiste onde se afirma: Somos os nicos a assumir orisco de expor nossas teses preto sobre o branco, com a irremissibilidade do papel impresso . ... Ns nos mostramos taiscomo somos(op. cit., p. 11).

    J instalado no Poder, o Primeiro-Ministro socialista Pierre Mauroy apresentou, na sesso da Assemblianacional do dia 8 de julho, uma Dclaration de politique gnrale du gouvernement. Nessa Dclaration, e no debateparlamentar que se seguiu, o Primeiro-Ministro confirma a linha geral do Projet socialiste, pelo que fornece tambmimportantes subsdios para a caracterizao ideolgica e programtica do PS (cfr. Journal Officiel DbatsParlementaires, 9 e 10 de julho de 1981). Alis, o Primeiro-Ministro afirmou expressamente, nessa ocasio, que tinhaobtido do Conselho de Ministros, a autorizao de empenhar, nesta declarao de poltica geral, a responsabilidade doGoverno, de acordo com o art. 49 da Constituio (Journal Officiel, 9-7-81, p. 55).

    A referncia a estes documentos ser feita, neste trabalho, de forma abreviada: Projet, Programme commun Propositions pour lactualisation, Quinze Thses, Dclaration de politique gnrale, respectivamente. Os destaques emnegrito nas citaes so nossos.

    As publicaes do PS usam a expresso Projet socialiste seja para designar especificamente o documentoProjet socialiste pour la France des annes 80, seja, de forma mais genrica, o novo projeto de sociedade que propempara a Frana e para o mundo, e que denominam projet autogestionaire. Neste caso, Projet socialiste e projetautogestionnaire so sinnimos. No texto do presente trabalho se mantm o mesmo uso ambivalente da expresso (oraespecfico, ora geral). O leitor facilmente se dar conta de um emprego e de outro, tanto mais que as citaes aqui feitas,das fontes socialistas, no deixam margem a confuso.

    2 Embora a aliana entre o PS e o P C seja ostensiva, deve apenas ser ligeiramente dissimulado o beneficiriodela. Ou seja, os socialistas devem assumir posio de destaque.

    O Partido Comunista deve aceitar esta evidncia da poltica francesa: a maioria dos franceses no confiar Esquerda o governo do Pas se no estiver certa de que o socialismo ir instituir a liberdade em nossos dias.

    Queira-se ou no, preciso para tanto que o Partido Socialista surja como a fora de animao da aliana.Tal no diminu em nada o papel que nela deve desempenhar o Partido Comunista(Projet, p. 366).

    De seu lado, os comunistas compreenderam bem o seu papel. Segundo o secretrio-geral do PS, Lionel Jospin,um milho e meio de eleitores do PC (um quarto do contingente desse partido) votaram em Mitterrand j no primeiroturno das eleies presidenciais (cfr. Le Poing et la Rose, no. 83, 30-5-81, p. 1).

    3 Nas referncias do presente trabalho direita, no se inclui a direita tradicionalista francesa, freqentementede inspirao catlica, cuja presumvel atuao nas eleies de 1974, 1978 e 1981 difcil de discernir, e portanto deavaliar.

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  • Quadro IDe como 500 mil votos decidiramAs eleies presidenciais francesas

    Eleio de 10-5-81 Votos % corpo eleitoral % votos expressosEleitores inscritos 36.398.762 100,00 -Abstenes 5.149.210 14,15 -Votantes 31.249.552 85,85 -Brancos e nulos 898.094 2,47 -Votos expressos 30.350.568 83,38 100,00Franois Mitterrand 15.708.262 43,16 51,76V. Giscard dEstaing 14.642.306 40,23 48,24

    Diferena Mitterrand-Giscard 1.065.956 2,93 3,51

    Fonte: Journal Officiel, 16-5-81.Observao: Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Francs de Opinio Pblica (IFOP) em conjunto com a

    revista Le Point e publicada por esta ltima no dia 2 de maio (entre o 1 e 2 turno das eleies presidenciais), considervelnmero de eleitores de centro-direita manifestaram a inteno de votar em Mitterrand no 2 turno. A ter prevalecido asporcentagens indicadas por essa pesquisa, o candidato socialista teria recebido dos eleitores do prprio Giscard 1% dos votos(82.224 votos), de Chirac 18% (940.652 votos) e de diversos de direita 21% (182.373 votos), totalizando 1.205.249 votos decentro-direita. Em contraposio, eleitores de esquerda teriam carreado 552.513 votos para Giscard. Assim, no balano devazamentos do centro-direita para esquerda e vice-versa, Mitterrand se teria beneficiado com 652.736 votos.

    Sondagem realizada pelo instituto SOFRES aps o 2 turno das eleies presidenciais (entre 10 e 20 de maio) indicaum vazamento de votos de Chirac para Mitterrand de 16% (836.l35 votos), confirmando assim a tendncia assinalada por IFOP-Le Point (cfr. Le Monde, 2-6-81).

    Estes dados conduzem afirmao de que o vazamento de votos do centro-direita para Mitterrand pode ter sidodecisivo para a eleio deste.

    Mas as falhas da direita e do centro no ficaram apenas nisto. Toda a campanha eleitoralfeita por uma e por outro foi desinteressada, sem o impulso, sem a fora de impacto indispensveispara arrastar multides. Predicados que do lado socialo-comunista no faltaram.

    Nas eleies legislativas, essa falta de empenho foi, naturalmente, ainda mais acentuada, eproduziu tambm outra conseqncia: o aumento das abstenes. Num pleito to importante para osrumos da Frana e do mundo, nada menos do que 10.783.694 eleitores (... 29,6% do corpo eleitoral)se abstiveram, no primeiro turno. significativo que o nmero de abstencionistas tenha sido entosuperior quantidade de votos obtida pelo PS (9.432.537).

    O bloco que sofreu o grande recuo no ltimo pleito foi o de centro-direita, que caiu de14.316.724 votos no primeiro turno das eleies presidenciais (26 de abril), para 10.892.968 votos no

    primeiro turno das eleies legislativas (14 de junho), perdendo assim 3.423.756 eleitores nessecurtssimo perodo. Como o nmero de abstencionistas cresceu de 3.900.917, entre as duas eleies, eo conjunto das esquerdas, de outro lado, acusou um pequeno aumento (ver Quadro II Abstenes edisperso no centro e na direita favoreceram as esquerdas, nas ltimas eleies legislativas francesas),tudo indica que a maior parte das novas abstenes se verificou nas fileiras do centro e da direita.Entre estes normalmente tero sido muito mais numerosos os que tomaram a deciso de no votar,seja em conseqncia de querelas partidrias, seja por preferirem simplesmente viver o domingoeleitoral como lhes parecia mais cmodo e divertido.

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  • Tal fato capital nesta emergncia se explica em boa medida pela iluso de que no teriaconseqncias dramticas a eventual vitria de um partido, esquerdista sem dvida, mas bonacho.

    Igualmente em razo dessa viso otimista, diferentes pequenas razes circunstanciais deordem pessoal, regional etc., como tambm o deslumbramento ante a vitria de Mitterrand, tiveramsuficiente fora para levar no poucos eleitores provenientes do centro e da direita a votar no PS,contribuindo assim para vazamentos semelhantes aos ocorridos nas eleies presidenciais.

    Em suma, tudo leva a pensar que a maior parte, quer das abstenes, quer dos votos dadospor eleitores de um partido legenda de outro, deve ter ocorrido nos partidos menos rigidamenteestruturados. A no ser que se imaginasse um PS ou um PC em vias de amolecimento disciplinar, ouempenhado em apostar corrida abstencionista com os adversrios do centro ou da direita...

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    Quadro IIAbstenes e disperso no centro e na direita favoreceram as esquerdas, nas

    ltimas eleies legislativas francesas

    Eleio 1 turno Presidencial(26-4-81)

    Legislativa(14-6-81)

    Diferena

    Eleitores inscritos 36.398.859 36.342.827 - 56.032Abstenes 6.882.777 10.783.694 + 3.900.917Votantes 29.516.082 25.559.133 - 3.956.949Nulos e brancos 477.965 368.092 - 109.873Votos expressos 29.038.117 25.191.041 - 3.847.076 _____________________ ______________ ______________ ____________________Extrema-direita - 90.422 + 90.422Diversos centro-direita 868.444 713.582 - 154.862RPR (Chirac) 5.225.848 5.249.670 + 23.822UDF (Giscard) 8.222.432 4.839.294 - 3.383.138______________________ ______________ ______________ ____________________Total centro-direita 14.316.724 10.892.968 - 3.423.756 PS (Mitterrand 7.505.960 9.432.537 + 1.926.577PC (Marchais) 4.456.922 4.065.540 - 391.382Diversos esquerda 964.200 193.634 - 770.566Extrema-esquerda 668.057 334.674 - 333.383 Total esquerda 13.595.139 14.026.385 + 431.246 Ecologistas 1.126.254 271.688 - 854.566

    Fonte: Journal Officiel, 30.4.81 e 8-5-81: Le Monde, 17, 23 e 24-6-81.

  • O PS venceu, pois. Mas sua vitria no tem o significado de um aumento do eleitoradosocialista, que a propaganda esquerdista vem habilmente difundindo pelo mundo.

    Comparadas as eleies legislativas de 1978 com as que acabam de se realizar, verifica-seque o contingente eleitoral de esquerda permaneceu praticamente inalterado: 14.169.440 em 1978:14.026.385 em 1981 (dados referentes ao primeiro turno, nico em que possvel fazer acomparao, devido s peculiaridades do sistema eleitoral francs). Considerando-se que o nmero deeleitores aumentou de 1.138.675 nesse perodo, a permanncia no mesmo patamar representa umaqueda percentual efetiva no conjunto do corpo eleitoral. Assim, as esquerdas, que conseguiram oapoio de 40,25% do corpo eleitoral de 1978, agora s obtiveram 38,59%, o que est bem longe derepresentar a maioria do corpo eleitoral (ver Quadro III) Estagnao do eleitorado de esquerda naseleies legislativas de 1978 a 1981).

    A vitria eleitoral do PS nas recentes eleies se deve, pois, no tanto a um fortalecimentoefetivo da esquerda, mas em maior medida a um desinteresse e uma disperso do centro e da direita.Disperso esta provocada em parte como adiante se ver pela desorientao e pela fragmentaode considervel parcela do eleitorado catlico.

    Se se tratasse do aumento do nmero de eleitores especificamente esquerdistas, o fenmenotalvez fosse dificilmente reversvel. Mas, vindo a derrota da desorientao do centro e da direita, tudo

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    Quadro IIIEstagnao do eleitorado de esquerda nas eleies legislativas de 1978 a 1981

    Eleio 1 turno Legislativa 1978 % corpo eleitoral Legislativa 1981 % corpo eleitoralEleitores inscritos 35.204.152 100,00 36.342.827 100,00

    PS 6.451.151 18,32 9.432.537 25,95PC 5.870.402 16,68 4.065.540 11,19Diversos esquerda (*) 894.799 2,54 193.634 0,53Extrema-esquerda 953.088 2,71 334.674 0,92

    Total esquerda 14.169.440 40,25 14.026.385 38,59

    Total dos ecologistas 612.100 1,74 271.688 0,75Ecol. de esq.(**) (323.413) (0,92) (143.994) (0,40)

    Total esq. com ecol. (**) (14.493.853) (41,17) (14.170.379) (38,99)

    Fonte: Les lections lgislatives de mars 1978, Le Monde Dossiers et Documents; Le Monde, 17, 23 e 24-6-81.

    (*) Esto computados neste total 36,67% dos votos do item diversos constante do boletim do Ministrio do Interior. SegundoLe Monde dos dias 14 e 15-3-78, tal era, nesse item, a porcentagem dos eleitores de oposio.

    (**) Ter sido algum tanto mais sensvel o declnio da esquerda, a se considerarem nesse bloco os ecologistas que costumamcanalizar seus votos, em determinadas circunstncias, para candidatos declaradamente esquerdistas. Segundo sondagem doinstituto SOFRES, 53% dos ecologistas votaram em Mitterrand no 2 turno das eleies presidenciais, 26% em Giscard e 21%no se pronunciaram (cfr. Le Monde, 2-6-81). Pesquisa do IFOP indicava, para as mesmas tendncias, respectivamente,50%, 26% e 24% (cfr. Le Point, 2-5-81). Os valores entre parnteses, no Quadro, foram calculados com base na pesquisa doSOFRES.

  • pode ainda ser reconquistado. vitria socialista de 81 poder suceder, pois, uma derrota daesquerda nos prlios eleitorais futuros.

    Sirvam estas consideraes de alento s pessoas que imaginam ser definitiva a conquista doterreno pelo socialismo. E que, assim, em lugar de se organizarem desde j numa oposio ordeiramas briosa, inarredvel e fecunda, correm em direo aos vencedores para estender-lhes a mo ecolaborar com eles. Desse modo renunciam a lutar para deter seu pas na rampa (que eles mesmosreconhecem resvaladia) do socialismo, rumo ao comunismo (que eles mesmo reconhecem mortal).Explicao que apresentam: a vitria socialista um fato consumado. Alis, seria o caso de perguntarse h fatos consumados neste mundo instvel de hoje.

    4 . Posta a vitria do PS, o que fazer? A encruzilhadaDe momento, porm, os fatos a esto... O PS tem hoje o Poder Executivo. E mesmo sem

    levar em conta o apoio dos 44 deputados do Partido Comunista, e de 20 outros deputados depequenos partidos de esquerda, o PS dispe da maioria absoluta na Cmara, com 265 deputados numtotal de 491 cadeiras. Para a reconquista de tudo que acaba de perder, a Frana do centro e de direitaest pois na contingncia de optar sobre qual a melhor estratgia em relao ao PS. Mas para tal, necessrio que ela defina para si mesma o que o PS, que opte entre a verso algum tanto folclricade um PS oportunista e bonacheiro; e a cognio da realidade, isto , de um PS propulsionadoreficiente da marcha gradual mas decidida para o coletivismo integral.

    Face ao incremento das esquerdas que a vitria do PS e a instaurao do regime socialista naFrana acarretaro por via de repercusso e pelas j anunciadas ingerncias do governo francsatual nos outros pases, anloga questo estratgica se pe tambm nestes, para os elementos decentro e de direita. A vitria do socialismo francs j comeou a despertar em polticos de esquerdada Europa e da Amrica a impresso de que a bandeira socialista se carregou subitamente, em todo oOcidente, de um novo poder de atrair as multides. Imaginam eles que o socialismo revelou naFrana uma fora eleitoral muito maior do que a verdadeira. E fogachos de entusiasmo socialistaautogestionrio comeam a se fazer sentir em vrias naes. Se a verdadeira imagem do PScorresponde do bonacheiro, estas perspectivas socialistas no apresentam risco maior. Se, pelocontrrio, o socialismo francs visa exatamente as mesmas metas finais do comunismo, ento necessrio esclarecer e alertar a opinio pblica. Tanto mais quanto ningum sabe at onde podechegar, em nossos dias, a instrumentalizao de qualquer tendncia esquerdista na opinio pblica,por obra da guerra psicolgica revolucionria que Moscou move, com evidente xito, em todo omundo.

    5 . A escolha da estratgia: aspectos do socialismo francsSendo certo que a escolha dessa estratgia tanto mais adequada e rapidamente se far quanto

    mais fiel e objetiva for a imagem que desde j o pblico se forme do PS e na impossibilidade deabarcar no presente resumo global to vasto tema parece este o momento oportuno para divulgarvrios traos caractersticos da doutrina e das tticas do PS francs, de maneira a fazer cair desde logoas iluses otimistas que podem propiciar a lentido e a frouxido na luta contra to grave perigo.

    II Doutrina e estratgia no projeto de socialismo para a Frana

    1 . Liberdade, igualdade, fraternidade no Projet socialiste prprio ao lema ser substancioso e preciso.

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  • No corresponde a isto a trilogia da Revoluo Francesa: Liberdade, igualdade,fraternidade. Entre as mltiplas interpretaes e modos de aplicao a que tem dado azo, algumasdeixaram na Histria marcas de impiedade, de desvario e de sangue que jamais se apagaro4.

    Uma das interpretaes mais radicais a que a trilogia se presta pode ser enunciada comosegue. A justia preceitua que haja uma igualdade absoluta entre os homens. S esta, suprimindoqualquer autoridade, realiza inteiramente a liberdade e a fraternidade. A liberdade s admite umlimite: o indispensvel para impedir que homens mais dotados constituam em proveito prprioalguma superioridade de mando, de prestgio ou de haveres. A verdadeira fraternidade decorre dorelacionamento entre os homens inteiramente iguais e livres.

    De 1789 at 1794 os sucessivos lderes revolucionrios se foram inspirando eminterpretaes da famosa trilogia, cada vez mais prximas deste enunciado radical. J agonizante, a

    4 Na Carta Apostlica Notre Charge Apostolique, de 25 de agosto de 1910, em que condena o movimentofrancs Le Sillon, de Marc Sangnier, So Pio X assim analisa a clebre trilogia:

    O Sillon tem a nobre preocupao da dignidade humana. Mas, esta dignidade coompreendida ao modo decertos filsofos, de que a Igreja est longe de ter de se regozijar. O primeiro elemento desta dignidade a liberdade,entendida neste sentido que, salvo em matria de religio, cada homem autnomo. Deste princpio fundamental, tira asseguintes concluses: Hoje em dia, o povo est sob tutela, debaixo de uma autoridade que lhe distinta, e da qual se develibertar: emancipao poltica. Ele est sob a dependncia de patres que, detendo seus instrumentos de trabalho, oexploram, o oprimem e o rebaixam; ele deve sacudir seu jugo: emancipao econmica. Enfim, ele dominado por umacasta chamada dirigente, qual o desenvolvimento intelectual assegura uma preponderncia indevida na direo dosnegcios; ele deve subtrair-se sua dominao: emancipao intelectual. O nivelamento das condies, deste trpliceponto de vista, estabelecer entre os homens a igualdade, e esta igualdade a verdadeira justia humana. Umaorganizao poltica e social fundada sobre esta dupla base, liberdade e igualdade (s quais logo vir acrescentar-se afraternidade), eis o que eles chamam Democracia. ...

    Em primeiro lugar, em poltica, o Sillon no abole a autoridade; pelo contrrio, ele a considera necessria; masele a quer partilhar, ou para melhor dizer, ele a quer multiplicar de tal modo que cada cidado se tornar uma espciede rei. ...

    Guardadas as propores, acontecer, o mesmo na ordem econmica. Subtrado a uma classe particular, opatronato ser multiplicado de tal modo, que cada operrio se tornar uma espcie de patro. ...

    Eis agora o elemento capital, o elemento moral. ... Arrancado estreiteza de seus interesses privados e elevadoat os interesses de sua profisso, e mais alto, at os da nao inteira e, mais alto ainda, at os da humanidade (porque ohorizonte do Sillon no se detm nas fronteiras da ptria, mas se estende a todos os homens at os confins domundo), o corao humano, alargado pelo amor do bem comum, abraaria todos os companheiros da mesma profisso,todos os compatriotas, todos os homens. E eis a a grandeza e a nobreza humana ideal, realizada pela clebre trilogia:Liberdade, Igualdade, Fraternidade. ...

    Tal , em resumo, a teoria, poder-se-ia dizer o sonho, do Sillon(Acta Apostolicae Sedis, Typis PolyglottisVaticanis, Roma, 1910, vol. II, pp. 613-615).

    So Pio X se insere, portanto, na esteira de seus Predecessores, que desde Pio VI condenaram os errossugeridos pelo lema da Revoluo Francesa.

    Na Carta Decretal de 10 de maro de 1791 ao Cardeal de la Rochefoucauld e ao Arcebispo de Aix-en-Provence, sobre os princpios da Constituio Civil do Clero, Pio XI assim se exprime:

    Decreta-se, pois, nessa assemblia [a Assemblia Nacional francesa], ser um direito estabelecido que ohomem constitudo em sociedade goze de omnmoda liberdade, de tal sorte que no deve ser naturalmente perturbado noque respeita Religio, e que est no seu arbtrio opinar, falar, escrever e at publicar o que quiser sobre assunto daprpria Religio. Monstruosidades essas que proclamam derivar e emanar da igualdade dos homens entre si e daliberdade da natureza. Mas o que se pode excogitar de mais insensato, do que estabelecer tal igualdade e liberdadeentre todos, a ponto de em nada se levar em conta a razo, com que a natureza dotou especialmente o gnero humano, epela qual ele se distingue dos outros animais? Quando Deus criou o homem e o colocou no Paraso de delcias, porventurano lhe prenunciou, ao mesmo tempo, a pena de morte, se comesse da rvore da cincia do bem e do mal? Porventura nolhe restringiu desde logo a liberdade, com este primeiro preceito? Porventura, em seguida, quando o homem se tornou rupela desobedincia, no lhe imps um maior nmero de preceitos, por meio de Moiss? E se bem que o tivesse deixadoem mos de seu prprio alvedrio, para que pudesse merecer bem ou mal, contudo acrescentou-lhe mandamentos epreceitos, a fim de que, se os quisesse observar, estes o salvassem (Eccli. XV, 15-16).

    Onde fica, pois, a tal liberdade de pensar e de agir que os Decretos da Assemblia atribuem ao homemconstitudo em sociedade, como um direito imutvel da prpria natureza? ... Posto que o homem j desde o comeo temnecessidade de sujeitar-se a seus maiores para ser por eles governado e instrudo, e para poder ordenar sua vida segundo anorma da razo, da humanidade e da Religio, ento certo que desde o nascimento de cada um nula e v essadecantada igualdade e liberdade entre os homens. necessrio que lhe sejais sujeitos(Rom. XIII, 5). Por conseguinte,

    9

  • Revoluo Francesa to aparatosamente moderada em seus primeiros dias, teve espasmos designificado nitidamente comunista. Como que repetindo em cmara lenta o processo dessaRevoluo, o mundo democrtico levou ou est acabando de levar s suas ltimas conseqnciaso nivelamento poltico das classes, muito embora ainda conserve aspectos hierrquicos em suacultura, como em seu regime social e econmico.

    Pode-se discutir os fatos, os lugares e as datas em que, no sculo XIX, comearam osprincipais movimentos em favor do nivelamento cultural scio-econmico. O certo que, emmeados do sculo, eles se tinham estendido a muitos pases e haviam adquirido forte consistncia emvrios. A ponto de inspirarem acontecimentos como, na Frana, a Revoluo de 1848 e a Comuna de1871. Ademais, patente em nosso sculo a presena deles entre os fatores profundos da Revoluorussa de 1917, e em conseqncia a propagao do regime comunista aos pases alm das cortinas deferro e de bambu, e outros 5. Sem falar de todas as revolues e agitaes comunistas que tm abaladodiversas partes do mundo. Entre as quais a exploso da Sorbonne de maio de 1968.

    O Projet Socialiste pour la France des annes 80 com base no qual o PS concorreu sltimas eleies (cfr. Nota 1) se insere explcita e at ufanamente neste movimento geral6. Lendo-o,

    para que os homens pudessem reunir-se em sociedade civil, foi preciso constituir uma forma de governo, em virtude daqual os direitos da liberdade fossem circunscritos pelas leis e pelo poder supremo dos que governam. De onde se segue oque Santo Agostinho ensina com estas palavras: pois um pacto geral da sociedade humana obedecer a seus Reis(Confisses, livro III, cap. VIII, op. ed. Maurin., p. 94). Eis porque a origem deste poder deve ser buscada menos em umcontrato social, que no prprio Deus, autor do que reto e justo (Pii VI Pont. Max. Acta, Typis S. Congreg. DePropaganda Fide, Roma, 1871, vol. I, pp. 70-71).

    Pio VI condenou reiteradas vezes a falsa concepo de liberdade e de igualdade. No Consistrio Secreto de 17de junho de 1793, confirmando as palavras da Encclica Inscrutabile Divinae Sapientiae de 25 de dezembro de 1775,declarou o seguinte:

    Estes perfidssimos filsofos acometem isto ainda: dissolvem todos aqueles vnculos pelos quais os homens seunem entre si e aos seus superiores e se mantm no cumprimento do dever. E vo clamando e proclamando at nuseaque o homem nasce livre e no est sujeito ao imprio de ningum; e que, por conseguinte, a sociedade no passa de umconjunto de homens estpidos, cuja imbecilidade se prosterna diante dos sacerdotes (pelos quais so enganados) e diantedos reis (pelos quais so oprimidos); de tal sorte que a concrdia entre o sacerdcio e o imprio outra coisa no que umamonstruosa conspirao contra a inata liberdade do homem (Encclica Inscrutabile Divinae Sapientiae). A esta falsa ementirosa palavra Liberdade, esses jactanciosos patronos do gnero humano atrelaram outra palavra igualmente falaz, aIgualdade. Isto , como se entre os homens que se reuniram em sociedade civil, pelo fato de estarem sujeitos adisposies de nimo variadas e se moverem de modo diverso e incerto, cada um segundo o impulso de seu desejo, nodevesse haver algum que, pela autoridade e ela fora prevalea, obrigue e governe, bem como chame aos deveres os quese conduzem de modo desregrado, a fim de que a prpria sociedade, pelo mpeto to temerrio e contraditrio deincontveis paixes, no caia na Anarquia e se dissolva completamente; semelhana do que se passa com a harmonia,que se compe da conformidade de muitos sons, e que se no consiste numa adequada combinao de cordas e vozes,esvai-se em rudos desordenados e completamente dissonantes. (Pii VI Pont. Max. Acta, Typis S. Congreg. DePropaganda Fide, Roma, 1871, vol. II, pp. 26-27).

    5 Alm das cortinas de ferro e de bambu, o comunismo se implantou nos seguintes pases: Coria do Norte(1945), Vietn do Norte (1945), Guin (1958), Cuba (1959), Tanznia (1964), Imen do Sul (1967), Congo (1968),Guiana (1968), Etipia (1974), Guin-Bissau (1974), Benin (1974), Cambodge (1975), Vietn do Sul (1975), Cabo Verde(1975), So Tom e Prncipe (1975), Moambique (1975), Laos (1975), Angola (1975), Granada (1979), Nicargua(1979).

    No Afeganisto, est no poder um governo de esquerda desde 1978, o qual permitiu, no ano seguinte, que astropas russas entrassem no pas. Entretanto, a guerrilha anticomunista controla a maior parte do territrio.

    Alm destes, cumpre ter presente os governos marxistas mais ou menos disfarados vigentes em diversas partesdo mundo.

    6 Houve momentos privilegiados em nossa Histria, que ficaram gravados na memria coletiva: 1789, 1848, aComuna de Paris e, mais perto de ns, a Frente Popular, a Libertao [da ocupao nazista] e Maio de 1968( Projet, p.157).

    Da exploso de maio de 1968, o PS recolheu uma boa parte da energia e das aspiraes positivas(Projet, p.23).

    Esta extrema-esquerda difusa (que apareceu aos olhos da opinio pblica sobretudo depois de maio de 68) temo mrito de levantar algumas questes incmodas para todos, o que til (Documentation Socialiste, no. 5, p. 36).

    Assim, uma sensibilidade nova no seio da Esquerda viu na Revoluo Cultural nascida na Califrniadurante os anos sessenta e da qual uma certa ideologia reportando-se a maio de 1968 foi a verso francesa o advento

    10

  • constata-se claramente que sua meta ltima a igualdade completa, da qual nasceriam a liberdade e afraternidade integrais7. Para ele, o fim principal do poder consiste em impedir que a liberdade produzadesigualdades8. verdade que a supresso inteira da autoridade, ele a qualifica de utopia. Mas autopia no , na lgica dele, um vazio, transposto o qual se despenca no caos do anarquismo. Pelocontrrio, um horizonte em direo ao qual se deve voar mais e mais, valendo-se de todos os meiospara chegar to perto (ou to pouco longe) quanto possvel do irrealizvel. Isto , da supresso dessemal necessrio, mas quo antiptico, que , segundo ele, a autoridade9.

    2 . O PS, o centro e a direitaNesta perspectiva global se explica todo o Projet10.

    de uma crtica de Esquerda do Progresso (Projet, pp. 30-31). 7 ... a prpria igualdade, uma das exigncias mais importantes, do movimento operrio (Projet, p. 127).A idia de igualdade continua sendo uma idia nova e forte (Projet, pp. 113-114). sem dvida a inspirao do socialismo francs, mas tambm a de Marx que suscita a idia da tomada do

    poder pelos produtores imediatos, a da eliminao da diviso do trabalho entre funes de direo e funes de execuo,entre trabalho manual e intelectual, e, depois da Comuna de Paris, a do deperecimento do Estado (Quinze thses, p. 6).

    O questionamento das hierarquias de remunerao deve logicamente ser acompanhado de uma revalorizaodo trabalho manual e de um desenvolvimento da rotatividade das funes ( Quinze thses, p. 10).

    Os tericos socialistas mostraram como as desigualdades apresentadas como naturais pelas classes dirigentespoderiam ser progressivamente superadas (Quinze thses, p. 10).

    A atual diviso do trabalho se ver progressivamente questionada com tudo o que implica de explorao e dealienao. ... Os valores hierrquicos institudos pela sociedade capitalista concernem a todos os setores da vida social,abrangendo as relaes entre homens e mulheres, jovens e adultos, professores e alunos, ativos e inativos etc.(Quinzethses, p. 10).

    Acabem-se com os preconceitos: que sejam abolidas as barreiras e as hierarquias entre atividades fsicas,ldicas, esportivas... e as outras atividades ditas intelectuais (Projet, p. 302).

    8 As sociedades do Leste podem reivindicar, primeira vista, traos que as aproximam do perfil tradicionalsocialista ....

    - apropriao jurdica, pela coletividade, dos meios de produo essenciais;- planificao da economia; ....Mas, em contrapartida, quantos traos tornam manifesto que as sociedades do Leste nada tm a ver com o

    socialismo.Elas continuam sociedades no igualitrias ... A diviso social do trabalho reveste formas que no so

    substancialmente diferentes das que existem nos pases capitalistas. ...Os dirigentes ... exercem, em nome do proletariado, uma ditadura ... sobre o proletariado ... No s o Estado

    no se extinguiu, como se tornou uma mquina extremamente eficaz de controle social e policial. ...Por isso, embora os valores afirmados sejam os do socialismo (o que, alis, no destitudo de importncia),

    no podemos considerar as sociedades do Leste como socialistas.A existncia de classes sociais diferenciadas e a manuteno de um aparelho de Estado coercitivo ... so

    inerentes s relaes de produo (Projet, pp. 67-69, 71).9 Algum me dir: o Sr. fala de autogesto e negligencia precisar-lhe o funcionamento; o Sr. a apresenta como

    um objetivo abstrato, um caminho quimrico que conduziria a um vago paraso terrestre. verdade. Mas h uma razopara isto. Ns no queremos construir uma nova utopia, to perfeita no papel quo impossvel de realizar na prtica. Aautogesto uma obra permanente e jamais acabada. ... dizendo isto, permanecemos fiis ao esprito do marxismo: Marxnunca pretendeu que o fim do capitalismo acarretaria ipso facto a instituio de um regime perfeito por toda a eternidade(Pierre Mauroy, Hritiers de lAvenir, Stock, Paris, 1977, pp. 278-279).

    A crise de autoridade uma das dimenses maiores da crise do capitalismo avanado. Maio de 1968 foi, naFrana, a revelao mais espetacular desse fato: o professor, o patro, o pai, o marido, o chefe grande ou pequeno,histrico ou que aspira a s-lo, eis de agora em diante o inimigo. Todo poder cada vez mais sentido como umamanipulao. ... O detentor da menor parcela de autoridade por isso mesmo contestado, quando no jdesacreditado.

    Aos olhos do Partido Socialista, a existncia desta crise positiva. ... Desde que ela chegue at o seu termo: oadvento de uma democracia nova (Projet, pp. 123-124).

    Uma coisa certa: no se voltar atrs. As formas tradicionais de autoridade no sero restauradas. Eisso, em particular, na famlia: a revoluo contraceptiva, por exemplo, criou as condies de um equilbrio novo nocasal (Projet, p. 125).

    11

  • O Projet aceita, e assume por inteiro, a herana poltica radicalmente igualitria acumuladana Frana a partir de 1789. Estima como medidas teis as diversas leis postas em vigor at estes dias,para reduzir as desigualdades sociais e econmicas. E, ademais, quer pr resolutamente em marcha aFrana de hoje, rumo aplicao mais radical da discutida trilogia11.

    A fronteira entre o PS de um lado, o centro e a direita de outro, est em que estes doisltimos pelo menos em sua maioria aceitam a trilogia, no porm na interpretao radical que lhed o PS. De sorte que, em lugar de se afirmarem desejosos de alcanar a meta igualitria ltima,dizem ou deixam entrever que desejam parar a uma distncia indefinida desta12.

    3 . PS e comunismo A estratgia da gradualidadeTem o PS uma fronteira definida que o distingue do comunismo, na estratgia rumo meta

    ltima que a igualdade total? Sim: a) o PS teme que uma efetivao imediata da igualdade totaldesperte reaes de tal vulto, que mais convm evit-las; b) por esta razo, toda de circunstncia,oportunidade e estratgia, segundo o PS a aplicao dos princpios comunistas deve ser gradual, e asetapas dessa gradualidade devem ser medidas de forma a evitar choques excessivos13.

    Certa moderao inicial dos socialistas franceses, na transio para a igualdade total, no pois efeito de simpatia, compaixo ou indulgncia para com o adversrio vencido. a transposiopara a ao de um clculo estritamente utilitrio, e muito anterior vitria.

    10 O Projeto socialista um projeto global e radical de reorganizao da sociedade, ainda que deva sergradual (Projet, p. 121).

    Qualquer que seja o terreno considerado, a iniciativa autogestionria no tem sentido seno quando se insereem uma perspectiva global (Projet, p. 234).

    O Projeto socialista fundamentalmente cultural. Dois postulados devem ser tomados em considerao ....: a )A cultura global: ela ... concerne a todos os setores da atividade humana (Projet, p. 280).

    11 Declaramos desde logo que consideramos como nossa, por direito de sucesso, a herana da democraciapoltica inaugurada pelos burgueses togados do tempo do rei Lus XVI (Projet, p. 15).

    A perspectiva autogestionria d sentido s lutas pelo controle, por parte dos trabalhadores, de seu prpriotrabalho ...: lutas por vezes confusas, ampliadas aps Maio de 68, mas que so o eco de uma longa tradio e de umaexigncia tanto moral como material, que se concretizou outrora na Comuna. Enfim, nela desfecha a tradioespecificamente francesa da responsabilidade acrescida dos cidados, responsabilidade de que os revolucionrios de1789-1793 e de 1848 foram portadores. O projeto autogestionrio, tal como o PS o concebe, inseparvel do plenodesenvolvimento das liberdades individuais e coletivas (Documentation Socialiste, suplemento do no. 2, p. 43).

    Por todas as aes, a Frana restabelecer seus vnculos com uma histria que explica, em larga medida, suaaudincia no mundo. No h ... irradiao da Frana separvel de sua cultura e de seu passado. A Frana, no estrangeiro, antes de tudo a Frana da revoluo de 1789, a Frana da audcia. ... Queremos que nosso Pas, retomando suatradio, erga alto e conduza longe os valores dos direitos humanos, da fraternidade ... (Dclaration de politiquegnrale, Journal Officiel, 9-7-81, p. 55).

    12 A direita tradicionalista francesa, no includa nas referncias genricas direita aqui feitas, leva muito maislonge sua rejeio da trilogia.

    13 Os socialistas no aceitam nem as solues voluntaristas do extremismo de esquerda, nem a poltica dospequenos passos dos reformistas, nem o mito da coligao do populismo. ...

    O extremismo de esquerda aquela forma particular de voluntarismo chamada maximalismo e que consiste emquerer queimar as etapas para alcanar imediatamente o mximo. O maximalismo despreza e rejeita as medidas detransio, para saltar desde logo no socialismo realizado. No distingue entre objetivo final e reformas intermedirias(Documentation Socialiste, no. 5, pp. 32-33).

    Recuso-me a entrar no debate reforma ou revoluo. Debate puramente formal. Porque -se reformistaquando se aceitam melhorias temporrias da situao dos trabalhadores, e -se revolucionrio quando se consideranecessria uma transformao fundamental da sociedade. Os sindicatos e os grandes partidos operrios francesessempre o admitiram; e fazem disso a base de sua poltica de todos os dias. Eles no aplicam o jogo irresponsvel do tudoou nada (Pierre Mauroy, Hritiers de lAvenir, Stock, Paris, 1977, p. 274).

    O verdadeiro significado de maio de 1968 ... que a transformao da sociedade exige um programa cujocontedo explore o possvel. Mudar a sociedade ... recusar a iluso de uma revoluo que fosse uma derrubada euma transformao instantnea. No h transformao instantnea, no h soluo rpida e definitiva. precisorealizar um trabalho de grande flego, seguindo uma linha que eu chamaria de reformismo duro.

    Para ns, a revoluo a mudana gradual das estruturas do regime vigente (idem, ibidem, pp. 295-296).

    12

  • Convm entretanto sublinhar que o igualitarismo radical do PS francs procura beneficiar-seda experincia scio-econmica que sabemos dura e decepcionante de todos os pases em que ocomunismo tem ou teve vigncia. Por isso evita ele, em larga medida, as estatizaes, tocaractersticas do comunismo old style, e visa implantar na totalidade ou quase tanto das empresasat aqui privadas, outra forma de igualitarismo democrtico e radical. a autogesto.14

    4 . Autogesto na empresa: mini-revoluo scio-econmicaA autogesto constitui, em miniatura, a implantao dos princpios e da forma de governo da

    Revoluo de 1789, na empresa15.Todo o Projet parece ver nas relaes patro-assalariado uma imagem residual das relaes

    rei-povo. Ele quer destronar o rei, extinguir-lhe a soberania na empresa, e transferir todo omando ao nvel da plebe empresarial, isto , os assalariados. Mais especialmente aos trabalhadoresmanuais. A Revoluo empregou diversas medidas para evitar que se reconstitussem, no planopoltico, aristocracias de diversas ndoles. Analogamente, o Projet se empenha em evitar que osdiretores e os tcnicos sobrevivam como aristocracias na empresa republicanizada. O proprietrioindividual desaparece desde j nas empresas grandes. O prprio conceito tradicional de empresa alargado. Participam de um direito real sobre ela, e sobre o que ela produz, no s os que trabalham,como tambm delegados de organizaes representativas dos consumidores, dos fornecedores etc. Ouseja, da sociedade inteira, especificada nos corpos ou grupos proximamente atinentes empresa (verQuadro IV A empresa autogestionria ideal proposta pelos socialistas).

    maneira de uma repblica democrtica, cada empresa, regida em suprema instncia pelosufrgio universal dos trabalhadores, ter suas assemblias laborais para receber informaes sobre ocurso de todas as coisas a ela atinentes, ter suas eleies de representantes, ou seja, deputados, osquais constituiro um comit diretivo (mais ou menos um soviet), e este, por sua vez, ter comomeros executores de sua vontade os empregados-diretores.

    Esse regime a si prprio se define como autogestionrio, e se afirma como o lgicodesdobramento scio-econmico da soberania popular no campo poltico. Uma repblica seria umanao politicamente autogestionria. Um regime autogestionrio importaria na republicanizao daestrutura scio-econmica16. Ou seja, na implantao de um regime empresarial no qual a direo dos

    14 A noo de autogesto ... se situa no ponto de encontro do socialismo cientfico com o socialismo utpico(pelo qual Marx e Engels, embora criticando-o, tinham algo mais do que simples respeito) (Documentation Socialiste,suplemento do no. 2, p. 42).

    Hoje ... o socialismo pode cada vez mais dificilmente ser edificado segundo um modelo centralizado. preciso fixar outras metas. O projeto autogestionrio a partir da propriedade coletiva dos principais meios de produoe da planificao a inverso da lgica que caracterizou at o presente a evoluo das sociedades industriais (Quinzethses, p. 6).

    Tal projeto autogestionrio d novo contedo noo de utilidade social. Rompendo com uma viso pordemais economicista do socialismo, no se limita ele esfera da produo, mas procura resolver os imensos problemasscio-culturais. ... O projeto autogestionrio associa sua finalidade igualitria ... interveno de mecanismosdemocrticos que permitiro pr em causa ... a diviso social do trabalho (Quinze thses, p. 11).

    15 A democracia francesa [atual] largamente manipulada. Ela tambm cuidadosamente circunscrita. Ela sedetm porta da empresa (Projet, p. 231).

    Estamos resolvidos a promover um progresso decisivo da democracia econmica e social. Cidados nas suascomunas, os franceses devem s-lo tambm em seu local de trabalho. Os empregadores no devem temer nem contrariaresta evoluo desejvel e necessria (Dclaration de politique gnrale, Journal Officiel, 9-7-81, p. 49).

    Em nossas sociedades ocidentais, a democracia mais ou menos tolerada por toda parte. Menos naempresa. O patro, seja ele um industrial independente ou um alto funcionrio do Estado, conserva em mos os poderesessenciais. Em detrimento de todos.

    ... A empresa uma monarquia de estrutura piramidal. Em cada nvel, o representante da hierarquia todo-poderoso: suas decises so inapelveis. O trabalhador de base torna-se um homem sem poderes, que no tem direitonem iniciativa nem palavra (Pierre Mauroy, Hritiers de lAvenir, Stock, Paris, 1977, p. 276).

    13

  • especialistas e dos tcnicos sujeita a assemblias e rgos nos quais preponderam membros docorpo social de menor desenvolvimento intelectual.

    5 . A autogesto deve abranger toda a sociedade e o homem inteiroTal republicanizao deve abranger toda a estrutura social, e no s a empresa. Realmente,

    segundo o Projet, a plena efetivao da autogesto supe uma transformao profunda no homem, e aimplantao das conseqncias mais exacerbadas da trilogia em todos os setores de atividade que,ademais da empresa, integram a sociedade: a famlia, a cultura, o ensino, o prprio lazer17.

    6 . Por que a reforma da empresa exige a reforma do homemA reforma do homem: a tal respeito, o Projet esbarra exatamente nas mesmas dificuldades

    que o comunismo estatista.Os princpios econmicos vigentes no Ocidente, mesmo quando tenham dado ocasio a

    abusos, emanam da prpria natureza humana. Eles podem caracterizar-se, resumidamente, pelaafirmao da legitimidade da propriedade individual, bem como da iniciativa e do lucro privados.

    Os socialistas se propem, no entanto, implantar outro sistema econmico, orientado paraoutras finalidades e a partir de outros incentivos (cfr. Projet, p. 173). idia do que eles qualificamde lucro s para alguns deve substituir-se progressivamente o critrio da utilidade social, determinadapela vontade soberana do povo. Ou seja, os socialistas, como os comunistas, afirmam que o indivduoexiste para a sociedade, e deve produzir diretamente, no para seu prprio bem, mas para o dacoletividade a que pertence.

    Com isto, o melhor estmulo do trabalho cessa, a produo decai forosamente, a indolnciae a misria se generalizam por toda a sociedade.

    Com efeito, cada homem procura, pela luz da razo como tambm por um movimentoinstintivo contnuo, possante e fecundo, prover antes de tudo a suas necessidades pessoais e s de suafamlia. Quando se trata da prpria conservao, a inteligncia humana mais facilmente luta contrasuas limitaes, e cresce tanto em agudeza como em agilidade. A vontade vence com mais facilidadea preguia e enfrenta com maior vigor os obstculos e as lutas. Em suma, o trabalhador atinge o nvelde produtividade quantitativa e qualitativamente correspondente s reais necessidades econvenincias sociais. a partir desse impulso inicial tmido de legtimo amor de si e dos seus que o homem projeta as ondulaes mais largas do amor ao prximo, as quais devem abarcar, emltima etapa, todo o corpo social. E assim sua atividade, longe de beneficiar apenas o seu pequenogrupo familiar, toma amplitude proporcionada sociedade.

    16 Democracia econmica e democracia poltica so indissociveis, seu desenvolvimento conjunto implicaem que todo trabalhador, todo cidado tenha, em todos os niveis, a possibilidade e os meios de participar de plenodireito na elaborao das decises, na escolha dos meios, no controle da execuo e dos resultados (Programmecommun Propositions pour lactualisation, p. 50).

    Democracia econmica e democracia social constituem um todo s com a democracia poltica(Documentation Socialiste, suplemento do no. 2, p. 145).

    Os socialistas querem que os franceses deixem afinal de estar sob tuela. A descentralizao est no cerne daexperincia do governo de esquerda; o qual, nos trs meses seguintes a sua ascenso ao poder, proceder reforma maissignificativa destes tempos incertos, devolvendo o poder aos cidados. A Repblica se ver por fim livre da monarquia(Pierre Mayroy, Hritiers de lAvenir, Stock, Paris, 1977, p. 295).

    17 Para que o homem se veja livre das alienaes que o capitalismo lhe impe, para que deixe de sofrer acondio de objeto ... preciso que ele tenha acesso responsabilidade nas empresas, nas universidades, bem como nascoletividades em todos os nveis (Estatutos do Partido Declarao de Pincpios. Documentation Socialiste,suplemento no. 2, p. 48).

    Uma estratgia global e descentralizada da ao educativa e cultural uma dimenso decisiva de nossa lutapela autogesto. essa uma das primeiras condies para que a mudana de mentalidades possa produzir-se. ... [Aautogesto] provocar uma modificao das concepes atuais sobre a famlia e o papel das mulheres (Quinze thses, p.21).

    14

  • O socialismo, abolindo este primeiro estmulo natural e poderoso do trabalho, e instaurando,pelo contrrio, um regime salarial cada vez mais igualitrio, no qual os mais capazes no vemcompensado proporcionadamente seu maior servio, instila o desnimo em todo trabalhador.

    Assim, todo o jorro da fora de trabalho nacional se torna baixo, fraco, insuficiente, comoacontece de modo to evidente na Rssia e nos pases satlites. Como acontece tambm, embora demodo talvez menos evidente, na Iugoslvia. E como acontecer analogamente na Franaautogestionria18.

    Importa acentuar aqui a fora de estmulo da desigualdade e o efeito depressivo da igualdadegeral, bem como das desigualdades microscpicas.

    Numa sociedade igualitria, inevitvel que o ganho do trabalhador tenha um teto, igualpara todos, ou tetos muito pouco desiguais. Quanto nela seja pequena essa desigualdade, torna-sepatente se a coompararmos s desigualdades de tetos do regime scio-econmico em vigor noOcidente.

    Convm ponderar que, pela prpria natureza das coisas, a capacidade de trabalho variaimensamente de homem para homem, e que a produtividade global do trabalho de uma nao supe opleno estmulo de todas as capacidades, notadamente a dos super-capazes.

    No regime scio-econmico em vigor no Ocidente, os horizontes para as legtimas ambiesdos super-capazes so indefinidos. Postos eles a caminho, estimulam de proche en proche toda ahierarquia das capacidades necessariamente menores, as quais tm tambm, diante de si,possibilidades de xito proporcionadas. Limitado o surto dos super-capazes ou dos capazes, o mpetode produo do trabalho diminui. Alis, onde os super-capazes efetuam um trabalho menor do quesuas foras, os capazes so, por sua vez, desestimulados, e todo o nvel da produo baixa.

    O igualitarismo conduz, assim, e necessariamente, a uma produo inferior soma dascapacidades de trabalho de um pas. E tanto menor quanto esse igualitarismo for mais radical.

    Ora, no parece que o teto concedido pelo Projet faa mais do que atender as modestasaspiraes dos medianos.

    7 . A sociedade autogestionria e a famliaPelo visto, o Projet parece imaginar que a famlia, como objeto imediato do amor do homem

    e escalo intermedirio entre este e a sociedade, no transmite multiplicado, mas, pelo contrrio, vedao lan do amor do homem a todo o corpo social. Por isto, sem proibi-la (o que seria desde logochocante e pouco gradualista), ele a declara veladamente desnecessria para o bem comum, pondo-ano mesmo nvel que o amor livre e a unio homossexual19. A funo procriativa, intrnseca famlia,

    18 Este efeito psicolgico negativo intrnseco autogesto. Tal no importa, entretanto, em que toda equalquer empresa autogestionria, individualmente considerada, conduza a um fracasso. Pois fatores circunstanciais, denatureza psicolgica ou outra, podem excecionalmente em algum caso concreto contrabalanar ou atenuar esse efeitoda autogesto.

    Mas isto, que s esporadicamente pode ocorrer, no de molde a constituir fundamento estvel do conjuntoempresarial de toda uma nao.

    19 Se nas possibilidades de desenvolvimento da vida pessoal, o Partido Socialista considera que a famliadesempenha um papel muito importante, ele reconhece que existem, sem dvida, outras formas de vida privada(celibato, unio livre, paternidade ou maternidade celibatrias, comunidades). O PS se pronuncia, enfim, contra arepresso ou as discriminaes que atingem os homossexuais. Seus direitos e sua dignidade devem ser respeitados.

    No lhe cabe legislar sobre a maneira como cada um entende orientar sua vida(Projet, pp. 151-152).A radical equivalncia entre o casamento e outras formas de relao sexual afirmada de modo implcito, mas

    chocante, pelo atual governo socialista. Antes mesmo de iniciar-se o perodo legislativo, comeou este a satisfazer aspromessas feitas durante a campanha eleitoral aos grupos de homossexuais, cujo apoio recebeu:

    a ) O Ministrio da Sade decidiu que a Frana deixar de aplicar a classificao adotada pela OrganizaoMundial da Sade, que qualifica a homossexualidade de enfermidade mental (cfr. Le Monde, 28/29-6-81).

    B ) A pedido dos homossexuais, o Ministrio do Interior baixou instrues no sentido de suprimir os chamadosgrupos de represso dos homossexuais, da polcia de Paris (inspetores encarregados do controle dos estabelecimentoshomossexuais, em especial de fazer respeitar os horrios de fechamento) e os fichrios de homossexuais (cuja existncia,

    15

  • desvinculada, pelo Projet, de seu fim natural, e considerada como mera realizao do indivduo.A esterilidade dessa funo permitida e facilitada de todos os modos20. A igualdade entre o homeme a mulher deve ser a mais completa possvel, no s quanto ao acesso s mais variadas profisses,como no cumprimento dos afazeres domsticos21.

    Instvel, estril, no socialismo autogestionrio a famlia se desidentificar naturalmente de simesma, e se confundir com qualquer unio. Ruir assim uma das muralhas que apoiam apersonalidade de cada indivduo. E, como se ver, a misso educativa, to naturalmente prpria famlia, o Projet visa entreg-la por inteiro, e desde os primeiros anos, escola, de preferncia nica,laica e socialista.

    Assim, avulso desvinculado da famlia, reduzida alis ao mero casal, o homem s tem comoambiente a empresa autogestionria, a qual fica nas condies mais favorveis para o absorver todointeiro, bem maneira socialista.

    8 . O lazerPara essa absoro, o PS to totalitrio em benefcio da sociedade autogestionria, como o

    o comunismo em benefcio do partido se empenha tambm em organizar e em instrumentalizar olazer humano.

    Com efeito, o Projet entra tambm neste campo que, a no ser regulamentado por ele, seriaum refgio ltimo da liberdade humana no mundo autogestionrio. Pois no lazer o homem encontrapeculiares possibilidades de se conhecer a si prprio, de se exprimir, de formar relaes e amizades.

    Sempre gradualista, o PS afirma reconhecer o direito do homem ao lazer. O leitor mediano,bem impressionado com isto, no se d conta assim de que o PS fundamentalmente organizador ediretivo no que diz respeito ao trabalho professa uma concepo nova do lazer... a qual apaga asfronteiras entre este e o trabalho, e estabelece o planejamento simultneo de um e de outro. O PS no simptico ao lazer individual e personalizante. Ele deseja o lazer coletivo. E at o lazer no domiclio por ele planejado, a fim de manipular melhor os homens, preparando-os para as pesadas e estreislabutas da vida autogestionria22.

    alis, a prefeitura de polcia nega peremptoriamente. Cfr. Le Monde, 28/29-6-81).20 A fraca difuso dos mtodos contraceptivos, as condies restritivas para a interrupo voluntria da

    gravidez e a m aplicao da Lei Veil [sobre o aborto] fazem com que a maioria das mulheres no tenha o domnio de suasexualidade nem o de sua maternidade. ... Pr fim a essa situao significa educao sexual a partir da escola e livreacesso contracepo, bem como sua gratuidade. (Projet, p. 247).

    21 O Projet afirma, citando um discurso de Mitterrand em Marselha, em maio de 1979: No possvel ... sersocialista sem ser feminista (p. 45).

    Mas o feminismo do Projet se ope ao reconhecimento e glorificao dos predicados da mulher enquanto tal.Pois nisto v, oculta sob um discurso modernista e pretensamente liberal ... a velha noo de feminilidade que insistenas aptides particulares das mulheres na fora de seus instintos, na riqueza de seu mundo interior... Em suma,reencontra-se a idia de uma natureza feminina diferente da dos homens e que serviu sempre para justificar amarginalizao das mulheres e sua dominao. (pp. 50-51). precisamente essa diferena to natural entre homem emulher, que o PS contesta. ...

    E por isto, segundo o PS, a escola deve encorajar ambos os sexos a terem as mesmas ambies quanto aosestudos e s carreiras profissionais. O ensino deve se tornar verdadeiramente misto, a fim de que no haja mais aulasprticas em que, por exemplo, s as moas so relegadas ao aprendizado da costura ou do secretariado, enquanto osrapazes constituem a maioria nas seces tcnicas, industriais e comerciais. A meta deve ser que todas as opes sejammistas (Projet, p. 249).

    Por fim, o Projet afirma que a participao nas tarefas domsticas deve comear bem cedo, porque a crianatambm as compreende muito cedo e delas pode participar desde ento. Tal participao, alcanada quando jovem, nodeve diminuir para os rapazes nem aumentar para as moas na idade adulta. E, naturalmente, essa participao deve sermantida tambm durante a velhice (Projet, p. 307).

    22 Na vida no h apenas o trabalho.A criao do Ministrio do Tempo Livre corresponde a uma grande ambio: fazer com que o tempo livre

    seja tempo de viver, tempo libertado. A sociedade do tempo livre deve ser uma sociedade de cultura. ...

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  • 9 . O controle das condies de vidaNa sociedade autogestionria, a empresa organiza totalitariamente o trabalho-lazer. Quem

    organizar o lazer-trabalho? A constituio de organismos dirigistas se impe neste campo, mesmoporque o PS visa anemizar e, por fim, destruir a famlia, campo natural, por excelncia, do lazerverdadeiro. O PS estimula assim a criao de associaes de bairro e similares, das quais pareceesperar uma ao decisiva na distribuio das moradias, e na redistribuio no-segregativa dosbairros existentes ou por serem construdos. Mais ainda: do prprio arranjo interior das residncias.

    Assim, organismos correlativos com a empresa absorvero em favor do plano socialista osinstantes, os restos de energia, os prprios haustos de vida que a atividade da empresa no tenhaabsorvido.

    A vtima de tanta absoro o indivduo, arregimentado e enquadrado nos quadros devida (cadres de vie) autogestionrios, e absorvido inteiramente pelo todo empresa-associaesparalelas23.

    O florescimento cultural ser uma das misses das coletividades locais (Pierre Mauroy, Debates sobre aDclaration de politique gnral, Jounal Officiel, 10-7-81, pp. 82-83).

    A separao atual entre trabalho e tempo livre ser questionada. ... A empresa socialista evoluir assim paraformas de vida cada vez mais comunitrias, em seu seio ... como em sua periferia (servios sociais, lazer, cultura,formao, etc.) (Projet, p. 158).

    Citemos por exemplo a possibilidade da utilizao em comum de certos equipamentos domsticos ou decertos equipamentos de lazer. ... Realizar-se- igualmente um esforo sistemtico para transformar e animar o meiourbano, torn-lo mais comunitrio e melhorar as condies de moradia coletiva. Empreender-se- um esforoconsidervel para tornar esta ltima to atraente ... quanto a casa particular, grande consumidora de espao de energia(Projet, p. 177).

    O movimento associativo ser o suporte privilegiado da nova cidadania, em particular pela valorizao dotempo livre. .... Caber a ns em particular apagar as segregaes sociais no domnio do tempo livre. Dedicar-nos-emos ...ao desenvolvimento de formas sociais do lazer e do turismo (Dclaration de politique gnrale, Journal Officiel, 9-7-81, p. 51).

    Viver de modo diferente , pois: - primeiro, modificar seriamente o contedo do trabalho para que dentrode algum tempo a distino entre trabalho e lazer no mais tenha o mesmo significado que hoje. Mas se verdadeque este objetivo no pode ser atingido, primeiro e antes que tudo, a no ser pela transformao do trabalho, os socialistasdevem propor paralelamente tambm uma transformao do lazer; ...

    Mas preciso ir mais a fundo rumo s outras concepes do lazer:- lazer de fim de dia, aps o trabalho, na proximidade do domiclio ou no prprio domicilio, que permita

    estabelecer progressivamente novos ritmos de vida, mudar a vida quotidiana, e que necessita, por exemplo, dodesenvolvimento de equipamentos coletivos leves, de usos vrios. Este lazer um dos meios de ter uma vida familiar,cultural, militante;

    - lazer de fim de semana ...- lazer de aposentadoria ...Sem dvida, o contedo do tempo livre ser profundamente modificado pelas propostas que so feitas em

    outros campos: escola, formao contnua, famlia, descentralizao, vida associativa, esporte, informao, sade,consumo. Elas permitiro progressivamente fazer deste tempo livre um tempo autogerido. De qualquer maneira, noProjeto socialista deve haver lugar para um tempo livre concebido como aquele que escapa s coeres e permite a cadaum de se desenvolver, seja pelo esforo individual, seja por sua participao nas atividades coletivas (Projet, pp. 307-309).

    ... uma concepo global da vida social, na qual o tempo de educao, o tempo de trabalho, o tempo de lazerno so mais considerados como momentos isolados da existncia individual e coletiva, mas como elementos de umconjunto coerente (Projet, p. 289). A coerncia, bem entendido, no ser a do pobre trabalhador autogestionrio,mas a do PS.

    Este o paraso de liberdade e democracia do regime socialista autogestionrio.23 O quadro de vida (cadre de vie) faz parte dos tais conceitos novos surgidos nos anos 60, e que eclodiram

    em Maio de 1968. ... .... Este amplo conceito, que engloba tantas coisas, desde o habitat aos transportes, passando pelourbanismo e a arquitetura, at o tempo livre muitas vezes esquecido, no foi nunca definido em sua globalidade. ...

    O quadro de vida no pode ser isolado, cortado das realidades econmicas e sociais. Que quadro para qualvida? Percebe-se que a resposta poltica e global: transformando a vida, especialmente no trabalho, que se mudar oquadro de vida (Franois Mitterrand no prefcio do livro de Jean Glavany e Philippe Martin, Changer le cadre de vie,Club Socialiste du Livre, Paris, 1981, p. VII).

    17

  • O esquema da argumentao com que o PS procura justificar essa gigantesca absoro sempre o mesmo: a ) proclamao de um direito individual; b ) afirmao de uma funo social dessedireito; c ) planejamento dirigista do exerccio desse direito, sob a alegao que deve desempenharsua funo social; d ) conseqente absoro do direito por meio de lei planejadora.

    10 . A educaoResta ainda tratar da formao socialista e autogestionria da infncia e da juventude.Segundo o Projet, a educao comea ao mais tardar aos dois anos, quando absolutamente

    desejvel que a criana seja entregue a uma escola de grau pr-primrio ou maternal. Entretanto, asociedade deve estar aparelhada para receber, com toda normalidade, as crianas cujas mes prefiramentreg-las educao socialista a qualquer momento, inclusive quando recm-nascidas24.

    Como tudo isto confere com a esterilidade planificada, da famlia autogestionria!Em um perodo de transio gradualista, certas escolas podero ainda continuar em regime

    de ensino particular. Mas, mesmo estas sero conectadas com a mquina estatal de ensino, a qualabranger todas as etapas desde o pr-primrio at o universitrio e o ps universitrio. Seusdiretores, professores e funcionrios tero assim, na escola pblica ou privada, papel muito anlogo,se bem que no idntico, ao dos diretores e dos tcnicos na empresa autogestionria. Dentro doprincpio da planificao democrtica, dela participaro igualmente os pais e as mes, como osdemais interessados no processo de educao.

    A plebe escolar, isto , o corpo discente, ter no regime da autogesto em toda a medidado imaginvel, e at em muito do inimaginvel direitos anlogos aos dos trabalhadores da empresaautogestionria25.

    preciso pr fim a uma das mais inadmissveis segregaes: as cidades ... vo se tornando cada vez mais ascidades dos mais ricos, enquanto os subrbios vo se tornando os subrbios dos mais pobres. preciso fazer com que acidade seja, de uma maneira exemplar, o lugar onde precisamente os diferentes meios sociais, convivam lado alado"(Pierre Mauroy, Debates sobre a Dclaration de politique gnrale, Journal Officiel, 10-7-81, p. 81).

    Tornar os franceses novamente senhores de sua vida quotidiana tambm associ-los edificao e gestodo quadro de vida (cadre de vie) ... As coletividades locais controlaro os mercados imobilirios, o que significa o fimda especulao, e podero levar avante um urbanismo voluntrio ... Restituiremos aos habitantes plenos poderes sobre seuquadro de vida. ... O habitat e o quadro de vida sero terras de eleio da nova cidadania (Dclaration de politiquegnrale, Journal Officiel, 9-7-81, p. 51).

    24 O governo tomar as medidas necessrias para que o acesso de todas as crianas de dois a seis anos escola maternal seja possvel ....

    O governo tentar a organizao de casas para a infncia, que acolham crianas desde o nascimento at aosseis anos (Programme commun Propositions pour lactualisation, p. 30).

    As casas para a pequena infncia ... sero peas-chaves do dispositivo inicial. nessa fase que comea aluta contra as desigualdades e as segregaes sociais (Projet, p. 287).

    A luta pela igualdade comea na escola maternal (Projet, p. 311).Mas como ento despertar o senso democrtico, hoje anestesiado? Antes de tudo, pela escola, concebida como

    o lugar por excelncia do aprendizado da autogesto (Projet, p. 132).25 A gesto tripartite (pais e filhos, funcionrios, coletividades pblicas), deve liberar as iniciativas, permitir,

    aps livre discusso, a definio e a avaliao em comum dos objetivos e da responsabilidade que da decorrem para cadaum. ... O esprito de responsabilidade exige ... o desaparecimento do controle hierrquico prvio(Projet, p. 286).

    As liberdades elementares nas instituies escolares e universitrias e no exrcito fazem parte igualmente dasexigncias do Projeto socialista: liberdade de expresso e de reunio nos colgios, liceus e universidades; residnciasscio-educativas geridas diretamente pelos estudantes: participao efetiva dos alunos na vida e na gesto de seusestabelecimento escolar; direito dos delegados de classe de participarem plenamente de seu conselho de classe, e dosalunos de a eles assistirem; direito dos alunos de participarem da ordenao interna de seu liceu ou colgio; ... controledos estudantes sobre a organizao da universidade, sobre o contedo dos programas ..., instituio de umverdadeiro estatuto do estudante (Projet, p. 314).

    Empreenderemos uma transformao profunda de nosso sistema educativo. Todos devem participar dele; pais,delegados dos alunos, associaes, representantes dos empregados e dos empregadores e, antes de tudo, os professores ...

    A unificao do servio pblico de educao ser o resultado de um acordo e de uma negociao (Dclarationde politique gnrale, Journal Officiel, 9-7-81, p. 51).

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  • Mais ainda. Na escola como na famlia, a plebe infantil ou juvenil ser motivada eestimulada luta de classes sistemtica contra as autoridades docentes ou domsticas, ter suasassemblias, seus rgos de apelao e de julgamento etc.26.

    O currculo escolar, o conjunto do pessoal docente e o sentido socialista e laico da formaoda inteligncia devero estar sob a autoridade do Poder pblico nas escolas estatizadas ouautogestionrias27.

    O Projet no inteiramente claro no que diz respeito s escolas que iro sobrevivendo... oumorrendo, em regime privado, na medida em que o disponha a estratgia gradualista. Porm no difcil conjeturar que elas s conseguiro se subtrair a essa influncia e a esse poder, em escassamedida e a ttulo precrio. Se tanto... 28.

    Tal rede educacional no totalitria? O Projet tenta subtrair-se a esta perguntaembaraosa alegando o plano de direo do ensino, a ser elaborado democraticamente, de modo quetodos e cada um possam exprimir sua opinio. Assim, tal plano representaria a vontade de todos.

    Neste sofisma se baseiam os socialistas para afirmar que o sistema unificado de ensino no um monoplio. Como tachar de monoplio dizem eles um sistema nico, verdade, mas no qualtodos esto convidados a participar?

    Bem se v que o Projet realiza muito a seu modo a trilogia libert, galit, fraternit: nomomento da deciso coletiva, todos so iguais: o poder decisrio toca maioria. Cabe-lhe decidir porinteiro da matria educacional. E minoria toca obedecer. Onde ento se realiza a liberdadeindividual? No momento mesmo em que se d a votao: pois cada um livre de discutir e de votarcomo entenda. E s nesse momento.

    11 . O direito de propriedade no regime autogestionrio

    26 O Projeto socialista reconhece s crianas seu lugar pleno na sociedade: a igualdade, a liberdade, aresponsabilidade no so exclusivas dos adultos. Desde a escola deve-se reconhecer o direito expresso, atividadecriadora, tomada de deciso(Projet, p. 311).

    A juventude tem tambm uma posio especfica: ela est sob tutela [na sociedade atual]. ... Seja qual for aclasse social a que pertenam, os jovens no tm nenhuma responsabilidade real, e pouco controle de sua vida. H umadistncia considervel entre suas possibilidades e aquilo que eles tm o direito de fazer na sociedade(Projet, pp. 311-312).

    Nada, portanto, hoje mais importante do que reconhecer juventude o direito de ser ela mesma.Na famlia, o direito dos jovens de serem eles mesmos comporta: a possibilidade de recurso dos jovens

    face a uma deciso concernente a ele (orientao escolar ou profissional, modo de vida...); a democratizao e odesenvolvimento de residncias para o acolhimento de jovens em conflito com a famlia; ... facilidades para o aluguelde apartamento pelos jovens ...; o livre direito contracepo e a supresso da autorizao paterna para ainterrupo voluntria da gravidez pelas menores, um desenvolvimento considervel da educao sexual na escola e areviso das atitudes sistematicamente repressivas concernente sexualidade dos menores (Projet, pp. 313-314).

    27 ... a concepo generosa e empreendedora dos socialistas por um grande servio pblico unificado e laico deensino, administrado democraticamente (Projet, p. 284).

    O governo definir como objetivo a constituio desse corpo nico de professores para todas as disciplinas,para o perodo de escolaridade que engloba a escola maternal, o primeiro e segundo graus, o segundo ciclo geral e oprofissional (Programme commun Propositions pour lactualisation, p. 35).

    Todos os pais podero proporcionar a seus filhos, fora dos estabelecimentos escolares e sem o concurso defundos pblicos, a educao religiosa e filosfica de sua escolha. (ibidem, p. 32).

    28 Todos os setores do ensino inicial e uma parte importante da educao permanente sero reunidos em umservio pblico, nacional e laico, dependente unicamente do Ministrio da Educao nacional.

    Desde a primeira legislatura, a instituio do servio pblico de educao nacional ser objeto de negociaes...Os estabelecimentos privados sejam eles patronais, com fim lucrativo ou confessional que recebem subvenopblica, sero em regra geral nacionalizados. ...

    As necessrias transferncias de prdios excluiro qualquer espoliao.A situao dos imveis ou do pessoal dos estabelecimentos privados no subvencionados pelo Poder pblico

    podero ser objeto, a seu pedido, de um exame em vista de sua eventual integrao (Programme commun. Propositionspour lactualisation, pp. 31-32).

    19

  • Toda a matria at aqui exposta torna claro o sentido socialista global (e no apenasempresarial, como imaginam muitos) do regime autogestionrio. E tambm evidencia o cartergradualista da estratgia do PS.

    Convm analisar agora especialmente a empresa autogestionria.O leitor habituado s empresas atuais talvez imagine que a aplicao dos padres da

    democracia poltica vida econmica e social das empresas autogestionrias tem um alcance maisbem literrio e demaggico do que real. Engana-se.

    Como j foi dito, o Poder soberano, a quem compete decidir sobre todas as grandes questesda empresa autogestionria, realmente a assemblia dos trabalhadores. Dessa assemblia emanaro,por via de votao (pormenor importante: o Projet no fala em voto secreto...), os rgos diretivos.Por ela sero eleitos os componentes desses rgos. Para que esse sufrgio universal acerte em suasescolhas, o Projet prev reunies do operariado de cada empresa, nas quais, ao que parece, os rgosdiretivos daro informaes concernentes empresa, a serem debatidas pelos presentes. Dir-se-ia quecada assemblia operria tentar reproduzir, em alguma escala, a democracia direta dos antigosmunicipios gregos...

    Bem entendido, em certa faixa de assuntos, as deliberaes devero ser tomadas em comumcom os consumidores, ou usurios, e representantes da coletividade (ver Quadro IV A empresaautogestionria ideal proposta pelos socialistas).

    Subsistir a propriedade privada no regime concebido pelo Projet? Acautele-se o leitor. Pois,segundo a linguagem do Projet, poder ele receber, de um socialista francs, respostas das maistranqilizantes... e ao mesmo tempo das mais vazias.

    20

  • Na linguagem corrente, ope-se propriedade estatal a propriedade privada29. Neste sentido,a empresa autogestionria pode ser qualificada sob certos aspectos de privada. Pois sua situaoem face do Estado no se confunde com a da empresa estatizada.

    O Projet qualifica a empresa autogestionria de socializada. Ou seja, no-estatal (privada)sim, mas tambm no pertencente a indivduos, pois grosso modo as atribuies do proprietrioindividual passam para a assemblia dos trabalhadores.

    A propriedade particular sobreviver no regime socialista? S durante um prazo muitoexguo responde o Projet no tocante empresa mdia e pequena, numa durao algum tantomaior, e condicionada a mltiplas circunstncias30. A partir de que nvel uma empresa deixar de serqualificada de pequena, e passar a ser tida como mdia? Analogamente, a partir de que nvel aempresa mdia passar a ser qualificada de grande? Segundo nossos hbitos mentais, formados no

    29 Segundo a doutrina tradicional da Igreja, o direito de propriedade resulta da ordem natural criada por Deus.Os seres animais, vegetais e minerais existem para uso dos homens. Estes cada um destes tem, pois, em virtude de suaprpria condio humana, o direito de submeter a seu domnio qualquer daqueles bens. a apropriao. Esta ltima temalgo de exclusivo, no sentido de que o bem apropriado no pode ser usado por outros que no o seu dono. A esse respeito,diz Pio XI na Encclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931: Ttulos de aquisio da propriedade so a ocupaodas coisas sem dono e a indstria (ou especificao, como a chamam), segundo claramente atestam a tradio de todos ostempos e a doutrina de Nosso Predecessor Leo XIII. De fato, no faz injustia a ningum, por mais que alguns digamlevianamente o contrrio, quem se apossa de uma coisa abandonada ou sem dono; por outro lado, a indstria que ohomem exerce em nome prprio, e por fora da qual as coisas se transformam ou aumentam de valor, um ttulo queconfere quele que trabalha o direito sobre tais frutos (Acta Apostolicae Sedis, Typis Polyglottis Vaticanis, Roma, 1931,vol. XXIII, p. 194).

    A propriedade tambm nasce do trabalho. Naturalmente dono de si, o homem o de seu trabalho. Emconseqncia, cabe-lhe o direito de cobrar uma remunerao pelo servio que presta. E assim lhe pertence o que adquirir,a ttulo individual, com o fruto de seu trabalho. Tal o ensinamento de Leo XIII na Encclica Rerum Novarum, de 15 demaio de 1891: Na verdade, como fcil compreender, a razo intrnseca do trabalho empreendido por quem exerce umaatividade lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, adquirir um bem que possuir, por direito particular, comocoisa sua e prpria. Pois se coloca disposio de outrem suas foras e sua indstria, no o faz por outro motivo senopara obter os bens necessrios a seu sustento e desenvolvimento; e por isso, com o seu trabalho, procura alcanar o direitoverdadeiro e perfeito no s de cobrar um salrio, mas de dispor dele como entenda. Portanto se, reduzindo suas despesas,poupou algo, e para mais seguramente conservar o fruto de suas economias, as aplica em um imvel, evidentemente, emtais condies, este no outra coisa seno o salrio transformado; e, por conseguinte, o bem de raiz assim adquirido pelotrabalhador ser propriedade sua a mesmo ttulo que a remunerao de seu trabalho. Mas precisamente nisto, comofacilmente se entende, que consiste o direito de propriedade mobiliria e imobiliria. Assim, com essa converso dapropriedade particular em propriedade comum, que os socialistas tanto pleiteiam, eles agravam a situao de todos osassalariados, pois ao retirar-lhes a livre disposio do seu salrio, por isso mesmo os despojam de toda esperana epossibilidade de acrescerem o seu patrimnio e melhorarem a sua condio (Acta Sanctae Sedis, Typographia polyglottaS. C. de Propaganda Fide, Roma, 1890-1891, vol. XXIII, p. 642).

    Por fim, a propriedade pode ainda ser adquirida por sucesso. Os filhos, continuidade natural dos pais. Lhesherdam naturalmente os bens. Sobre esse carter familiar da propriedade, afirma Leo XIII, na Encclica Rerum Novarum:Portanto, aquele direito de propriedade que, segundo demonstramos, a natureza confere ao indivduo, importa atribu-lotambm ao homem enquanto chefe de famlia: e no apenas isso, como esse direito at mais enrgico quando seconsidera que, na sociedade domstica, a pessoa humana abarca um crculo mais amplo. uma lei sagrada da naturezaque o pai de famlia proveja ao sustento e a tudo que diz respeito educao de seus filhos; como tambm decorre damesma natureza que ele queira formar e dispor para seus filhos como aqueles que refletem a sua fisionomia e de algummodo constituem um prolongamento de sua pessoa um patrimnio com que honestamente possam defender-se naperigosa jornada da vida, contra as surpresas da m fortuna. O que no pode alcanar efetivamente sem a propriedade debens produtivos que transmita a seus filhos por via de herana (Acta Sanctae Sedis, vol. XXIII, p. 646).

    A propriedade tem, como todo direito, uma funo social, mas no se reduz a uma funo social. o queensina Pio XII em sua Radiomensagem de 14 de setembro de 1952 ao Katholikentag de Viena: Por isso a doutrina socialcatlica se pronuncia, entre outras questes, to conscientemente pelo direito de propriedade individual. Aqui estotambm os motivos profundos por que os Papas nas Encclicas sociais, e Ns mesmo, Nos recusamos a deduzir, querdireta, quer indiretamente, da natureza do contrato de trabalho o direito de co-propriedade do operrio no capital daempresa e, consequentemente, seu direito de co-gesto. Importava negar tal direito, pois por trs dele se enuncia umproblema maior. O direito do indivduo e da famlia propriedade uma conseqncia imediata da essncia da pessoa,um direito da dignidade pessoal, um direito vinculado, verdade, por deveres sociais; no porm meramente umafuno social(Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santit Pio XII, vol. XIV, p. 314).

    Nesta perspectiva, se distingue a propriedade pblica da privada.

    21

  • atual regime, temos a tal respeito noes genricas, inspiradas no bom senso. Mas estes hbitosmentais no coincidem com a sociedade nova, a qual gerar outros. Assim, ficar dependendo da lei afixao desses limites. O que abrir para o Poder pblico a possibilidade de ir achatandogradualisticamente os nveis das propriedades31. De tal forma que em certo nmero de anos venhama suportar as severas taxaes de grande propriedade, empresas agora consideradas mdias. E sejamconsideradas como propriedades mdias, as empresas agora havidas como pequenas. Tudo para que onmero de propriedades individuais pequenas (favorecidas de momento no plano fiscal) se restrinjacada vez mais.

    Bem entendido, na fisionomia geral do Projet, a propriedade privada, mesmo quandoreduzida a to exguas propores, toma aspecto de uma contradio. Pois mantm seu carter

    A primeira consiste normalmente nos bens que o Estado tem para a realizao de sua misso. Sem exorbitar desua funo especfica, pode tambm o Estado possuir e administrar para o interesse comum algum bem. Por exemplo,quando chama a si a explorao de alguma riqueza do subsolo, para, com o lucro dela, minorar os impostos com os quaisarca o cidado. O que s deve fazer de modo restrito e em circunstncias especiais. Ou ainda quando certo gnero deriqueza tal que o indivduo que a possusse ficaria em situao de dominar o Estado.

    Os demais bens so do domnio privado, e no do domnio pblico. E o proprietrio privado pode ser umproprietrio individual, um grupo ou associao de proprietrios individuais.

    Naturalmente, essa doutrina e essa terminologia, existentes de modo explcito ou implcito na linguagemcorrente, no so as do Projet.

    Este no afirma o direito natural de propriedade, dado por Deus ao homem. Hipertrofia a propriedade coletivados grupos sociais, transformando cada um destes, em relao a seus componentes, em um mini-Estado totalitrio. Equalifica de privada a propriedade autogestionria, se bem que esta seja instituda em larga medida imposta e atregulada discricionariamente pelo Estado.

    *A presente Mensagem estava acabando de ser redigida quando saa a