1.a Geopolítica Clássica Revisitada

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A Geopolítica clássica revisitada 1 Não existe algo como uma ciência geral da geopolítica, que possa ser subscrita por todas as organizações estaduais. Há tantas geopolíticas quantos os sistemas estaduais em luta sob condições geográficas, as quais, no caso do poder marítimo e do poder terrestre são fundamentalmente diferentes. Há uma “Geopolitik”, uma “geopolitique” [...] Cada nação tem a geopolítica que pretende [...] Assim sendo, temos de olhar para a Geopolítica alemã como produto de um povo envolvido numa luta pelo domínio mundial. Hans W. Weigert (1942: 22-23) 1. A Geopolítica da primeira metade do século XX tem múltiplas histórias relevantes, simultaneamente paralelas e concorrenciais – a portuguesa, a espanhola, a francesa, a italiana, a russa, a japonesa etc. –, daí a pertinência em falar-se preferencialmente no plural, em geopolíticas, em vez de geopolítica no singular, como um campo do conhecimento unitário. Neste contexto, de pluralidade de abordagens, é necessário traçar com clareza o objecto do nosso artigo, o qual é bastante mais restrito, sendo apenas centrado naquelas que podem ser consideradas as duas versões mais importantes da(s) geopolítica(s) europeia(s) – a germânica e a britânica – e nos traços essenciais que as fundamentam e individualizam. Assim, nesta análise, propomo-nos passar em revista os traços fundamentais desta(s) geopolítica(s) da primeira metade do século XX, que designamos por «geopolítica clássica», tendo essencialmente em conta os trabalhos de referência dos seus dois maiores expoentes e rivais – o alemão Karl Haushofer e o inglês Halford John Mackinder. O principal objectivo é o de procurar, na abundante literatura teórica que entretanto foi publicada sobre o tema, novas perspectivas sobre a ascensão e 1 Artigo originalmente publicado na revista Nação & Defesa 105 Verão (2003): 222-244. Desta versão não consta a bibliografia utilizada na elaboração do mesmo.

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geopolitica clásica

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  • A Geopoltica clssica revisitada1

    No existe algo como uma cincia geral da geopoltica, que possa ser subscrita por todas as organizaes estaduais. H tantas geopolticas quantos os sistemas estaduais em luta sob condies geogrficas, as quais, no caso do poder martimo e do poder terrestre so fundamentalmente diferentes. H uma Geopolitik, uma geopolitique [...] Cada nao tem a geopoltica que pretende [...] Assim sendo, temos de olhar para a Geopoltica alem como produto de um povo envolvido numa luta pelo domnio mundial.

    Hans W. Weigert (1942: 22-23)

    1. A Geopoltica da primeira metade do sculo XX tem mltiplas histrias relevantes, simultaneamente paralelas e concorrenciais a portuguesa, a espanhola, a francesa, a italiana, a russa, a japonesa etc. , da a pertinncia em falar-se preferencialmente no plural, em geopolticas, em vez de geopoltica no singular, como um campo do conhecimento unitrio. Neste contexto, de pluralidade de abordagens, necessrio traar com clareza o objecto do nosso artigo, o qual bastante mais restrito, sendo apenas centrado naquelas que podem ser consideradas as duas verses mais importantes da(s) geopoltica(s) europeia(s) a germnica e a britnica e nos traos essenciais que as fundamentam e individualizam.

    Assim, nesta anlise, propomo-nos passar em revista os traos fundamentais desta(s) geopoltica(s) da primeira metade do sculo XX, que designamos por geopoltica clssica, tendo essencialmente em conta os trabalhos de referncia dos seus dois maiores expoentes e rivais o alemo Karl Haushofer e o ingls Halford John Mackinder. O principal objectivo o de procurar, na abundante literatura terica que entretanto foi publicada sobre o tema, novas perspectivas sobre a ascenso e

    1 Artigo originalmente publicado na revista Nao & Defesa 105 Vero (2003): 222-244. Desta verso no consta a bibliografia utilizada na elaborao do mesmo.

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    queda de uma cincia, a qual, para o bem e para o mal, deixou a sua marca indelvel numa poca bastante conturbada da histria europeia e mundial.

    2. Antes de entrarmos propriamente na anlise especfica das caractersticas da Geopolitik (i. e. da geopoltica alem) h um primeiro aspecto relevante a focar, que o da origem da prpria palavra. consensual, no mbito dos estudos da geopoltica, que o neologismo foi originalmente cunhado, no crepsculo do sculo XX, pelo sueco Rudolf Johan Kjelln, professor das Universidades de Gotemburgo e Uppsala, mas, h divergncias quanto ao momento exacto em que este foi utilizado pela primeira vez. Segundo Sven Holdar, num artigo intitulado The Ideal State and the Power of Geography: the Life-Work of Rudolf Kjelln, originalmente publicado na revista norte-americana Political Geography, em Maio de 1992 (citado por Tuathail, 1996: 44 e nota 49; e por Heffernan, 2000: 27), o termo teria sido utilizado, pela primeira vez, em 1899, num trabalho sobre as fronteiras da Sucia. Por sua vez, Michel Korinman (membro do comit redactorial da revista francesa de geografia e geopoltica, Hrodote, e da revista italiana de geopoltica Limes), refere que Kjelln utilizou, pela primeita vez a palavra numa comunicao intitulada Inledning till Sveriges geografi (Introduo geografia da Sucia), efectuada no mbito das Conferncias destinadas ao grande pblico da Universidade de Gotemburgo, que decorreram no Vero de 1900 (Korinman, 1990: 152).

    Se quanto data da primeira utilizao da palavra h algumas incertezas, j nos parece haver mais certezas na afirmao de que na gestao deste neologismo se podem detectar, facilmente, as influncias exercidas pela formao ambivalente do seu autor Kjelln era diplomada em Cincia Poltica por Uppsala, mas foi tambm professor de Geografia na Universidade de Gotemburgo. Mas, para alm das credenciais acadmicas importante notar, ainda, que Kjelln foi, igualmente, um poltico activo e influente da Sucia no incio do sculo XX, membro do Parlamento sueco, senador, e um defensor de ideais nacionalistas de tipo conservador-autoritrio, alternativos ao modelo de democracia liberal representado pela Frana e pelo Reino Unido. clebre trilogia revolucionria francesa de 1789, liberdade/igualdade/fraternidade contraps, juntamente com o germnico Werner

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    Sombart (conhecido pelas suas teses sobre a origem do capitalismo, como produto privilegiado de uma tica judaica), uma nova trilogia dever/ordem/justia.

    O neologismo foi tambm um produto directo do contexto histrico-poltico vivido por Kjelln, na transio do sculo XIX para o sculo XX, onde a Sucia estava profundamente dividida pelo debate em torno da dissoluo da unio de Estados Secia-Noruega, que datava de 1814 (uma compensao territorial adquirida pela Sucia, no final das guerras napolenicas, devido perda da Finlndia para a Rssia czarista, em 1808), e que acabou por se verificar em 1905. O professor de Uppsala foi um forte opositor da independncia da Noruega, tendo, para o efeito, redigindo diversos manuscritos (entre os quais o j referido Inledning till Sveriges geografi) e efectuado virulentas intervenes polticas contra essa dissoluo. Note-se que apesar da postura de neutralidade adoptada pela Sucia, desde o ano de 1814, o tema do imprio perdido e a nostalgia da grandeza do passado estiveram sempre presentes na sociedade sueca e na agenda dos partidos polticos at I Guerra Mundial, facto que compreensvel se tivermos em conta que, historicamente, at ascenso da Rssia e da Prssia ao estatuto de grandes potncias europeias durante o sculo XVIII, a Sucia era a principal potncia militar no Norte da Europa e da regio do Bltico (Lacoste [ed.] 1993 [1995]: 1437).

    A receptividade ao discurso imperialista/conservador/autoritrio e ao neologismo de Kjelln foi bastante significativa, no s na Sucia, como entre o pblico de lngua alem (Alemanha e ustria). Por isso, as ideias de Kjelln e a palavra Geopolitik rapidamente se tornaram populares no s na Sucia como na Alemanha (quer nos meios acadmicos, quer mesmo entre o pblico em geral), tendo o neologismo sido introduzido, tal como os trabalhos de Kjelln, pelo gegrafo austraco Robert Sieger, nos primeiros anos do sculo XX (Korinman, 1990: 349, nota 79). Esta rpida germanizao da Geopolitik deveu-se tambm ao facto do sueco Kjelln ter uma profunda simpatia e admirao pela Alemanha imperial (era casado com uma alem), e constituir, juntamente com o britnico Houston Stewart Chamberlain (que se naturalizou alemo em plena I Guerra Mundial...), e o francs Joseph-Arthur, conde de Gobineau (autor do Essai sur l Inegalit des Races Humaines, publicado entre 1853-1855, onde proclamava a supremacia da raa branca

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    em geral e dos arianos em particular), um famosssimo trio no alemo super germanfilo (Weigert, 1942: 275).

    A explicao do significado do neologismo e do objecto deste novo saber foi feita por Kjelln na sua obra mais importante, Staten som Lifsform (O Estado como forma de vida, 1916) redigida originalmente em sueco, mas rapidamente traduzida para alemo (Der Staat als Lebensform, com a 1 edio em 1917), e tambm publicada na Alemanha (edio de 1924), por aquele que seria o futuro editor da Zeitschrift fr Geopolitik (Revista de Geopoltica) Kurt Vowinkel. Nesta obra, a Geopoltica foi apresentada como a cincia do Estado enquanto organismo geogrfico tal como este se manifesta no espao sendo o Estado entendido como pas, como territrio, ou de uma maneira mais significativa como imprio. Esta nova cincia tinha por objecto constante o Estado unificado e pretendia contribuir para o estudo da sua natureza profunda, enquanto que a Geografia Poltica observava o planeta como habitat das comunidades humanas em geral. (Korinman, 1990: 152).

    Assim, para Kjelln, a Geopoltica no era um neologismo incuo de agradvel ressonncia erudita, como afirmavam os seus crticos e detractores, nem, certamente, mais uma palavra cara (five dollar term) com um glamour sinistro como a qualificou a revista norte-americana Life, durante a II Guerra Mundial (Hans Weigert citado por Tuathail, 1996: 112 e nota 4). Tratava-se, antes, de um neologismo que designava uma verdadeira cincia autnoma, com um objecto novo, diferente da Politische Geographie (Geografia Poltica, 1897), criada pelo mais importante gegrafo germnico da segunda metade do sculo XIX Friedrich Ratzel o detentor da ctedra de Geografia (1886) na prestigiada Universidade de Leipzig e um dos mais influentes gegrafos da Europa novecentista.

    No provavelmente exagero afirmar que Ratzel revolucionou a geografia do seu tempo, influenciando Kjelln e outros gegrafos importantes fora do espao cultural germnico, como o francs Paul Vidal de la Blanche. A sua Antropo-Geographie (Antropogeografia, 1882), juntamente com a j referida Politische Geographie, encontram-se entre as principais obras clssicas da Geografia novecentista. Mas, o trabalho de Ratzel est tambm mais ou menos associado s concepes evolucionistas e biolgicas do Estado e da sociedade que

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    progressivamente se difundiram pelo campo das Cincias Sociais, aps a publicao por Charles Darwin de On the Origin of Species by means of Natural Selection or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life (A Origem das Espcies por meio da Seleco Natural ou a Preservao das Espcies mais favorecidas na Luta pela Vida, 1859).

    Com a Politische Geographie de 1897 e Der Lebensraum (O Espao Vital) de 1901 as concepes evolucionistas e biolgicas fizeram tambm sua apario na Geografia e, Ratzel, foi acusado de ter o seu trabalho imbudo de uma perversa filosofia darwinista do espao. A complexidade da obra de Ratzel, aumentada pelo nmero volumoso de pginas dos seus livros e pela dificuldade inerente compreenso linguagem utilizada (quer pelo seu carcter eminentemente tcnico, quer pela ambiguidade da prpria redaco) contribuiram, provavelmente, para alicerar a convico de que este partilhava das principais teses do darwinismo social europeu, na linha, por exemplo, de Herbert Spencer.

    Todavia, no isenta de controvrsia a qualificao de Ratzel com o epteto de darwinista social porque em diversas partes dos seus trabalhos este se demarcou das teses racistas de Gobineau e de Chamberlain e das prprias teses do darwinismo social europeu, de Spencer. O que se pode constatar que este recorreu, num certo nmero de casos concretos, a uma espcie racismo funcional ligado ideologia colonialista do sculo XIX europeu, posio, alis, frequente na poca. (Korinman, 1990: 41). Quanto ao organicismo ratzeliano, tambm um facto que a metfora do Estado-organismo atravessa toda a sua Politische Geographie e que, tomada no seu sentido literal a ideia do organismo poltico remete, inevitavelmente, para as teses do darwinismo social europeu. Com efeito, uma vez admitida a concepo segundo a qual os Estados vivem e morrem como os indivduos do sistema animal e vegetal, a ideia de uma struggle for life (luta pela vida), facilmente se impe a nvel poltico. No entanto, e ainda segundo Michel Korinman, o pensamento de Ratzel mais ambguo e complexo do que esta leitura sugere: o que provavelmente este pretendeu fazer com o recurso metfora do Estado-organismo foi, atravs de um processo de imitatio scientiae, dotar a Geografia Poltica de um cariz verdadeiramente cientfico que lhe permitisse formular leis similares s da Cincias da Natureza. (idem: 42).

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    O contributo precursor de Ratzel e Kjelln para a formao de um saber geopoltico, insere-se numa longa e importante tradio alem de estudos geogrficos, iniciada na transico do sculo XVIII para o sculo XIX por Alexander von Humboldt e por Carl Ritter, que so considerados, mais ou menos unanimemente, como os fundadores da moderna Geografia europeia. Nessa tradio, um significativo papel foi tambm desempenhado pela Gesellschaft fr Erdkunde (Sociedade de Geografia), de Berlim (1828) a segunda mais antiga da Europa, a seguir Sociedade de Geografia de Paris (1821), mas, indiscutivelmente, a primeira em termos de importncia, prestgio e volume dos trabalhos desenvolvidos durante o sculo XIX.

    Para alm da referida tradio de estudos geogrficos desenvolveu-se na Alemanha novecentista, uma importante corrente de estudos histrico-polticos estreitamente associada ao movimento nacionalista alemo que impulsionou a unificao de 1871, sob a liderana da Prssia e do chanceler de ferro Otto von Bismarck. Dentro desse movimento destacaram-se os trabalhos dos historiadores Leopold von Ranke e Heinrich von Treitschke, que esto estreitamente ligados difuso de dois neologismos no vocabulrio poltico novecentista: a Realpolitik (poltica realista) e a Machtpolitik (poltica de potncia) (Aron, 1962 [1984]: 58).

    A crescente difuso dos referidos neologismos, em lngua alem, por toda a Europa, ao longo da segunda metade do sculo XIX, levou a que a palavra Realpolitik suplantasse em popularidade a tradicional expresso francesa Raison dtat (Razo de Estado), apesar do seu significado ser essencialmente equivalente. Por idnticas razes, este deveria tambm ter sido o percurso da palavra Geopolitik, destinada a ocupar um lugar similar no lxico poltico europeu (mais frente veremos porque isso no aconteceu). importante notar que esta substituio da Raison dtat pela Realpolitik no deixou de estar revestida de um importante significado simblico: traduziu, em termos lingusticos, a superao da Frana pela Alemanha na supremacia sobre a Europa continental a partir da dcada de 60 do sculo XIX (Kissinger, 1994: 87).

    Com ligao mais ou menos directa (Ratzel e Ritter) ou indirecta (Humboldt) prestigiada tradio novecentista alem de estudos geogrficos e referida tradio histrica-nacionalista da Realpolitik (Ranke) e da Machtpolitik (Treitschke), surgiu na

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    Alemanha segunda dcada do sculo XX, aquilo que ficou conhecido como a Escola alem da Geopoltica ou Escola de Munique. A sua principal publicao divulgadora foi a Zeitschrift fr Geopolitik, fundada em 1924 e destinada preferencialmente a gegrafos profissionais, mas visando tambm a divulgao dos seus contedos junto de no especialistas, diplomatas, homens polticos, jornalistas e industriais. A criao da Zeitschrift fr Geopolitik resultou de um esforo conjunto do editor, Kurt Vowinckel, e de uma equipa redactorial de gegrafos, com competncias repartida por reas gegrficas especficas, composta por Karl Haushofer (sia), Erich Obst (Europa e frica), Otto Maull (Amricas) e Hermann Lautensach (mundo na sua globalidade). Nela colaboraram tambm alguns dos mais importantes gegrafos, politlogos e especialistas de Relaes Internacionais da poca (no s alemes como austracos, hungaros, polacos, romenos, sul americanos e at soviticos).

    A personalidade central da Zeitschrift fr Geopolitik foi, indiscutivelmente, o major-general/professor doutor Karl Haushofer, cuja vida e obra foi j objecto de numerosos trabalhos de investigao (embora na sua quase totalidade em lngua alem), tendo o trabalho de pesquisa mais exaustivo e completo sido efectuado no final dos anos 70, pelo historiador alemo Hans-Adolf Jacobsen em Karl Haushofer Leben und Werk I-II, 1979 (Korinman, 1990: 153 e nota 84; Steuckers, 1992: 7).

    Em Haushofer reuniam-se as caractersticas do militar e do acadmico: para alm dos conhecimentos de estratgia militar inerentes sua sua formao de alta patente e ao exerccio de docncia na academia militar, era detentor de significativas credenciais acadmicas. Em 1913, na Universidade de Munique, sob a orientao do professor August von Drygalski, fez um doutoramento subordinado ao tema Der deutsche Anteil an geographischen Erschliung Japans und desubjapanischen Erdraums und deren Frderung durch den Einflu vom Krieg Wehrpolitik (A parte dos alemes na explorao geogrfica do Japo e do seu espao; influncia da guerra e da poltica militar sobre este empreendimento). Entretanto, os seus trabalhos acadmicos foram interrompidos pelo desencadear da I Guerra Mundial (1914), para a qual foi mobilizado, tendo combatido integrado nas fileiras do exrcito alemo

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    sobretudo nas batalhas da frente ocidental, ocorridas nas regies francesas da Picardia, Alscia e Lorena.

    Com o armistcio (Novembro de 1918), e o fim do conflito, regressou vida civil e reinscreveu-se na universidade, onde apresentou um novo trabalho de tese subordinado ao tema: Grundrichtungen in der Geographischen Entwicklung des Japanischen Kaiserreiches, 1854-1919 (Linhas Directrizes da Evoluo Geogrfica do Imprio Japons, 1854-1919) tendo sido, ainda no decurso desse mesmo ano, nomeado professor do Instituto Geogrfico da Universidade de Munique. Os seus escritos tornaram-se rapidamente populares na Alemanha e tiveram mesmo um certo reconhecimento internacional, inclusive fora do mundo germnico, como comprova o facto de ter sido admitido como membro da American Geographical Society (1930). Note-se, ainda, que para o seu sucesso contribuiu, tambm, a sua experincia no exerccio de cargos militares e o vasto conhecimento prtico das imensas regies da sia e do Pacfico, especialmento do Japo, onde desempenhou funes como adido militar (1908-1910).

    Para a compreenso dos trabalhos de Haushofer e da Zeitschrift fr Geopolitik importante notar que estes se desenvolveram num perodo poltico, econmico e social extremente conturbado da histria da Alemanha da primeira metade do sculo XX, em que era grande a difuso entre a populao de um sentimento de decadncia, que estimulava a necessidade de promover o ressurgimento do Ocidente (liderado pela Alemanha), ideia amplamente sugerida por obras de intelectuais famosos como Oswald Spengler em Der Untergang des Abendlandes (A Decadncia do Ocidente I-II, 1918-1922). A isto temos de juntar, ainda, a humilhao sofrida pela derrota militar na I Guerra Mundial e a incapacidade do regime democrtico institudo pela Repblica de Weimar (1918-1933) que sucedeu renncia do Kaiser Wilhelm II e ao fim da Alemanha imperial do II Reich (1871-1918) em resolver os problemas sociais e territoriais. E temos de adicionar tambm a subverso do regime democrtico de Weimar e a sua deposio pelo partido nazi de Adolf Hitler, com a fundao do III Reich (1933-1945), estreitamente associada ao desencadear dos trgicos acontecimentos da II Guerra Mundial.

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    tambm importante notar que os trabalhos de Haushofer surgiram no contexto de um grande debate que, nos anos 1924-1925, estalou entre a comunidade de gegrafos alemes e que ops os defensores da Geografia Poltica clssica, na linha de Ratzel, aos defensores de uma nova Geopoltica. Este debate desencadeou-se essencialmente por duas grandes razes: a primeira, de contornos marcadamente acadmicos e de tipo epistemolgico, resultava do facto de Kjelln ter sustentado a criao no s de um neologismo, como tambm de uma cincia original, s que a sua posio no era propriamente consensual entre a comunidade dos gegrafos alemes (os detractores de Kjelln afirmavam que este no tinha criado nenhuma disciplina nova, pois apenas tinha deslocado a Geografia Poltica para o espao da Antropogeografia de Ratzel, e colocado a Geopoltica no lugar da Geografia Poltica ratzeliana ); a segunda razo tinha contornos menos acadmicos e bastante mais polticos, e era consequncia directa do j referido ambiente conturbado que se vivia na Alemanha aps a derrota na I Guerra Mundial, existindo, dentro da comunidade de gegrafos, diversas vozes que sustentavam que esta tinha tido tambm grandes responsabilidades nessa derrota, por no ter sabido contribur para uma formao geopoltica adequada da classe dirigente e da prpria populao, ao contrrio do que acontecera nas rivais Gr-Bretanha e Frana.

    Karl Haushofer foi um dos principais protagonistas desse debate. Num artigo que ficou famoso nos anais desta polmica, precisamente intitulado Politische Erdkunde und Geopolitik (Geografia Poltica e Geopoltica, 1925), comeou por sustentar a necessidade de difundir o conhecimento geopoltico, como saber estratgico, entre a elite dirigente alem (polticos, diplomatas e militares) e a populao em geral. E, para isso, era necessrio romper com a tradio geogrfica anterior pois a disciplina, a Geografia, tinha-se constitudo de uma maneira errada, sobre o dualismo Geografia Fsica/Geografia Humana, sendo o trabalho de Ratzel, embora indiscutvelmente importante, j ultrapassado. Ento, traou uma distino entre a Geografia Poltica, que estuda a distribuio do poder estatal superfcie dos continentes e as condies (solo, configurao, clima e recursos) nas quais este se exerce, e a Geopoltica que tem por objecto a actividade poltica num espao natural (Korinman, 1990: 155).

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    Se esta distino se apresentava ainda fluda, posteriormente, outro elemento da equipa redatorial da Zeitschrift fr Geopolitik, Hermann Lautensach, num artigo intitulado a Geopolitik und Schule (A Geopoltica na Escola, 1928), traou os seus contornos de uma maneira mais evidente: enquanto a Geografia Poltica tem por objecto as formas do ser estaduais e adopta uma perspectiva esttica, a Geopoltica interessa-se pelos processos polticos do passado e do presente, e est imbuda de uma perspectiva dinmica (idem: 155).

    Para alm desta tomada de posio no debate que ops gegrafos a geopolticos podem-se encontrar, no mbito dos vastssimos trabalhos de Haushofer na Zeitschrift fr Geopolitik (uma listagem dos principais artigos publicados por Haushofer pode encontrar-se em Steuckers, 1992 5-6), vrias ideias e teses geopolticas importantes, algumas das quais vamos analisar mais de perto, pela sua relevncia, quer para a compreenso do seu pensamento, quer pelas suas implicaes polticas na Alemanha do perodo entre as duas guerras mundiais.

    A primeira foi formulada em Grenzen in iher Geographischen und Politischen Bedeutung (As Fronteiras e o seu Significado Geogrfico e Poltico, 1927), onde exortou os seus compatriotas a aprofundarem o conhecimento sobre as fronteiras nacionais, defendendo que estas so factos biogeogrficos, e que por isso no se podem compreender, nem justificar, apenas por critrios jurdicos. Assim, as fronteiras biologicamente justas so as que so pensadas, concebidas e traadas segundo uma perspectiva muldisciplinar (histrica, geogrfica, biolgica, etc.) e no estritamente jurdica. Em defesa desta concepo biogeogrfica das fronteiras, argumentou ainda que certos povos, especialmente os que no dispunham de reservas coloniais (i. e. territoriais), poderiam ser constrangidos, a ter de efectuar uma drstica limitao de nascimentos, para manterem a sua populao em valores comportveis com a dimenso do territrio. E denunciou o egosmo das naes colonialistas, que condenavam regresso ou at mesmo ao desaparecimento, as naes europeias que no tinham deixado a sua rea de fixao original (Steuckers, 1992: 2).

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    Mapa I As pan-regies de Haushofer

    Num segundo importante trabalho, intitulado Geopolitik der Pan-Ideen

    (Geopoltica das Ideias Continentalistas, 1931), foi desenvolvido aquilo que ficou conhecido como tese das Pan-regies, sendo, ironicamente, a sua concepo influenciada pela ideia da Pan-Europa, promovida na poca pelo conde austraco Richard Coudenhove-Kalergi (curiosamente tambm com grandes ligaes ao Japo, pelo facto de ter nascido em Tquio, onde o seu pai foi diplomata no tempo do imprio ustro-Hungaro, e de a sua me ser de origem nipnica), uma personalidade que figura, com um merecido lugar de destaque, nos anais dos movimentos europestas que defendiam a unificao poltica europeia, por via pacfica, no perodo entre as duas guerras mundiais.

    Entre outras propostas inovadoras, foi Coudenhove-Kalergi quem primeiro formulou a ideia da gesto comum do carvo e do ao franco-alemo, como mtodo de reconciliao, no ano de 1923, ideia que no ps-II Guerra Mundial foi retomada

    Pan-Rssia

    Euro-frica

    Pan-Amrica

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    por Jean Monnet (a quem normalmente a atribuda a sua autoria) e pelos fundadores das Comunidades Europeias. Todavia, fundamental notar que no era exctamente essa a ideia das Pan-regies nem de unidade europeia que Haushofer propounha. O recurso a uma hegemonia eventualmente violenta da potncia dominante (a Alemanha), era admitido, se necessrio, para o controlo da regio que lhe estava adstrita, o que nada tinha a ver com pan-europesmo pacfico e de adeso voluntria dos Estados defendido por Coudenhove-Kalergi.

    Nesta tese geopoltica foram identificadas quatro grandes regies mundiais: a Euro-frica (abrangendo toda a Europa, o Mdio-Oriente e todo o continente africano); a Pan-Rssia (abrangendo a generalidade da ex-Unio Sovitica, o sub-continente indiano e o leste do Iro); a rea de Co-prosperidade da grande sia (abrangendo toda a rea bordejante da nda e sudeste asitico, o Japo, as Filipinas, a Indonsia, a Austrlia e generalidade das ilhas do Pacfico); e a Pan-Amrica (onde se inseria todo o territrio desde o Alaska Patagnia e algumas ilhas prximas do Atlntico e do Pacfico).

    Estreitamente ligada com a tese das Pan-regies encontra-se a ideia dos Estados-directores (i. e. de um directrio de potncias), que consistia na liderana de cada uma dessas reas por um Estado forte, dinmico, com grande populao e recursos, dotado de altos padres econmicos e industriais, bem como de uma posio geogrfica que lhe permitisse exercer um efectivo domnio sobre os restantes. Os Estados melhor posicionados para exercer essa liderana seriam, segundo Haushofer, a Alemanha (Euro-frica), a Rssia (Pan-Rssia), o Japo (rea de Co-prosperidade da grande sia) e os EUA (Pan-Amrica).

    A Geopolitik der Pan-Ideen e outros trabalhos de Haushofer tiveram significativas repercusses no exterior, especialmente no Japo imperial dos anos 30 e 40 (que, juntamente com a Itlia de Mussolini, constituu um elo fundamental das chamadas potncias do Eixo). Nesse pas, o conceito de geopoltica de Kjelln tinha j sido introduzido, em 1925, pela mo do gegrafo Chikao Fujisawa, numa recenso crtica do j referido trabalho de Kjelln, Staten som Lifsform, publicada num jornal nipnico de Direito Internacional e Diplomacia, onde Fujisawa apontava as potencialidades abertas pelo mesmo, para um estudo das questes geogrficas e

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    polticas ligadas ao Estado fora da perspectiva formal e abstracta tradicional (Takeuchi, 2000: 72). Estando o caminho intelectual j aberto pela receptividade de Fujisawa e outros gegrafos ao neologismo de Kjelln, a rpida aceitao e popularidade dos trabalhos Haushofer no Japo, deveu-se, tambm, ao seu profundo conhecimento do carcter do povo japons e das suas instituies polticas, militares e sociais, relatado elogiosamente em Dai Nihon. Betrachtungen ber Gross-Japans Wehrkraft Gross-Japans Weherkraft, Weltstellung und Zukunft (O Grande Japo. Obervaes sobre a defesa a posio mundial e o futuro do Japo, 1913).

    Todavia, importante notar que a geopoltica japonesa no foi meramente um produto importado da Alemanha, sendo os seguidores de Haushofer apenas umas das suas correntes importantes. Antes da sua influncia chegar ao Japo, j existia a influente escola geogrfica da Universidade Imperial de Kyoto, dirigida por Saneshige Komaki, onde se desenvolveu uma escola de geopoltica com caractersticas prprias: a Escola de Kyoto; e existia tambm uma importante organizao de estudos geogrficos, econmicos e polticos: a Associao Japonesa de Geopoltica, liderada por Nihon Chiseigaku Kyokai (ibidem: 75).

    3. Se associado histria da geopoltica alem que encontramos a origem conceito e os mais significativos esforos de teorizao (e justificao) de uma disciplina nova , por sua vez, no mbito da Geopolitics (i. e. da geopoltica britnica) que encontramos o que habitualmente considerado principal texto fundador da disciplina: The Geographical Pivot of History, tema da conferncia proferida pelo Honourable Sir Halford John Mackinder, em Londres, na Sociedade Real de Geografia, a 21 de Janeiro de 1904. O seu autor foi um notvel gegrafo e acadmico na sua poca, professor de Geografia em Oxford (1987-1905) o primeiro desde que no sculo XVI Richard Hakluyt ensinara Geografia nessa universidade , director do Colgio Universitrio de Reading (1892-1903), director da London School of Economics and Political Sciences (1903-1908) e um explorador famoso do continente africano, sendo o primeiro europeu a escalar o monte Qunia at ao seu cume (1899).

    O principal objectivo de Mackinder, como gegrafo e professor, foi reabilitar a imagem da Geografia aos olhos do mundo acadmico, na esteira dos prestigiados trabalhos de Carl Ritter e Friedrich Ratzel na Alemanha. E, tal como Ritter, que

    YamyResaltar

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    ensinava na universidade e na Escola de Guerra, Mackinder deu tambm cursos aos oficiais do Estado-maior britnico (a partir de 1906). Mas, para alm dos seus objectivos estritamente acadmicos como gegrafo-professor, desenvolveu uma carreira poltica activa e esteve ligado aos crculos dirigentes britnicos. A sua participao poltica iniciou-se nas fileiras dos chamados liberais imperialistas, mas aps a deciso do secretrio do governo britnico para as colnias, Joseph Chamberlain, em 15 de Maio de 1903, de renunciar oficialmente a uma poltica de livre comrcio em detrimento de uma poltica comercial tarifria proteccionista do comrcio no interior do imprio (pretendendo fech-lo crescente concorrncia alem e norte-americana), deu-se uma ciso nas fileiras dos liberais imperialistas: de um lado ficaram os partidrios do livre comrcio sem restries ao exterior; do outro os que, invocando razes estratgicas e geopolticas defendiam a poltica tarifria proteccionista de Joseph Chamberlain. Mackinder juntou-se a estes ltimos e, posteriormente, acabou por associar-se aos conservadores tendo ocupado o cargo de deputado na Cmara dos Comuns (1910-1922); desenvolveu, ainda, misses diplomticas no Sul da Rssia (1919-1920), para onde foi nomeado pelo Foreign Office, dirigido na poca por Lord Curzon, como Alto Comissrio britnico, tendo, aps o seu regresso, trabalhado activamente na fundao de uma aliana anti-bolchevique.

    No deixa de ser curioso verificar tambm a existncia significativas similitudes entre Halford Mackinder e o seu mais clebre contemporneo Winston Churchill , quer nos percursos pessoais, quer nas ideias (a principal divergncia de ideias que se pode detectar entre estas duas personalidades sobre a questo do livre comrcio no interior do Imprio Britnico: enquanto Mackinder foi um acrrimo defensor do proteccionismo comercial, Churchill cerrou fileiras em torno de um poltica de livre comrcio). Ambos nasceram durante o longo reinado da Rainha Vitria (1837-1901), o perodo ureo do imprio no sculo XIX (Mackinder em 1861; Churchill em 1874); ambos podem ser descritos atravs das palavras que Fanois Bdarida (1999: 369), magistralmente utilizou para caracterizar o percurso de Churchill: no se pode compreender a [sua] vida nem a [sua] obra sem perceber at que ponto ele permaneceu um vitoriano imerso outros diro perdido na modernidade do sculo

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    XX; ambos foram ardentes defensores do Imprio Britnico e empreenderam viagens exploratrias e/ou combateram ao servio do imprio (subida ao monte Qunia, de Mackinder, em 1899; combate na guerra dos Boers, na frica do Sul, de Churchill, em 1899-1900, etc.); ambos transitaram do Partido Liberal para o Partido Conservador (Mackinder em 1910; Churchill em 1924); ambos mostravam uma desconfiana endmica face Russia (especialmente aps a revoluo bolchevique de 1917), como principal inimigo do Imprio Britnico, do Estado de direito, da liberdade e da democracia; ambos acabaram por projectar o seu nome na histria, sobretudo devido aos acontecimentos da II Guerra Mundial.

    Se The Geographical Pivot of History, de Mackinder, generalizadamente considerado o texto fundador do discurso geopoltico moderno, no deixa tambm de ser curioso notar, no mesmo, a ausncia total da palavra Geopoltica. Essa ausncia pode-se tambm constatar em todos os outros trabalhos importantes do gegrafo britnico. Tudo indica que essa ausncia foi deliberada, e que no se deve propriamente a um desconhecimento dos trabalhos de Kjelln e dos seus seguidores alemes, mas a uma premeditada atitude patritica (compreensvel se atendermos s suas posies polticas anteriormente expostas), de rejeico do neologismo devido sua conotao germnica.

    Voltando anlise do texto fundador de Mackinder, verifica-se que este passou em revista, de uma maneira sinttica e abrangente, a histria universal, atravs de uma grelha de leitura geogrfica, sustentando que foi nas imensas plancies asiticas que ocorreram os acontecimentos decisivos da histria universal, e que esta zona do mundo tem teve, milenarmente, uma influncia decisiva no rumo dos acontecimentos mundiais. Face a esta constatao histrico-geogrfica props um conceito analtico original a rea pivot (1904) cuja designao (e contornos), foram posteriormente alterados para Heartland (1919), como resultado da sua reflexo sobre os acontecimentos2 da I Guerra Mundial (Blouet, 1987: 167), e, provavelmente tambm,

    2 The inclusion of East Europe in the Heartland concept was of importance. Mackinder, after an examination of the events leading up to World War I, had come to the opinion that the struggle for command of the Heartland would be between Germany and Russia [...] The Heartland concept was not a statement of the Pivot idea; it was a prediction made in the light of practical politics and the First World War, and it proved to be remarkably accurate [...] The 1919 statement brought in a tradition that

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    da influncia exercida pelo seu contemporneo, o gegrafo da Universidade de Londres, James Fairgrieve, em trabalhos como Geography & World Power (1915).

    A este propsito, no deixa de ser curioso notar que, ao contrrio do que acontece com a Geopolitik de Karl Haushofer (normalmente abundamente ligada a outros contributos, s vezes at sem grande fundamentao...), a geopoltica britnica da primeira metade do sculo XX , normalmente, apresentada como tendo em Mackinder a sua figura central e mais ou menos nica, e as suas ideias so tambm apresentadas como revestindo uma quase total originalidade, face ausncia de conexes estabelecidas com trabalhos precursores, ou de gegrafos seus contemporneos. Mas esta imagem naturalmente que no resiste a uma anlise mais profunda dos trabalhos de Mackinder. The Geographical Pivot of History (1904) foi, em grande parte, uma reaco britnica influncia (que Mackinder julgava perniciosa para o poder britnico), dos trabalhos do almirante norte-americano Alfred Thayer Mahan sobre a apologia do poder martimo, o mais famoso dos quais intitulado The Influence of Sea Power upon History, 1660-1783 (1890). O grande impacto dos trabalhos de Mahan sobre os seus contemporneos pode-se facilmente constatar-se na rival Alemanha onde, por exemplo, o Kaiser Wilhelm II determinou que os livros Mahan fossem leitura obrigatria pelos oficiais da sua marinha imperial.

    Por sua vez, o compatriota de Mackinder, James Fairgrieve, no j referido Geography & World Power (1915), analisou as conexes entre os factores geogrficos e o poder estadual ao longo da histria, numa linha de pensamento semelhante que Mackinder desenvolveu inicialmente no escrito de 1904 e, posteriormente, num outro importante trabalho publicado no imediato ps I Guerra Mundial, intitulado Democratic Ideals and Reality (1919). Quer dizer, Makinder foi simultaneamente influenciador e influenciado por Fairgrieve. Isso visvel no seu trabalho de 1919, onde o Heartland surge como uma vasta regio que corresponde, na sua essncia, s imensas plancies do continente asitico, que geograficamente tm o seu incio na Europa Leste e que pela sua imensido e proteces naturais (gelos rticos no norte e

    saw Central Europe as the fulcrum from which the lever of power could be exercised (Blouet, 1987: 167).

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    cadeias montanhosas no sul) so praticamente inacessveis s talassocracias (i. e. ao poder martimo).

    Em Democratic Ideals and Reality, Mackinder comeou por lembrar que o pensamento dos grandes organizadores que mais influenciaram o destino poltico da Europa do sculo XIX (Napoleo I e Bismarck), foi sempre de tipo essencialmente estratgico. E que esta forma de pensamento se contrape, naturalmente, ao pensamento dos democratas puros (Mackinder estava, provavelmente, a pensar no idealismo do presidente norte-americano Woodrow Wilson...), que tendem a raciocinar quase esclusivamente em termos de grandes princpios ticos (e jurdicos). Por isso, Mackinder fez notar que, apesar da importncia dos ideais democrticos, no se podia subestimar o impacto que o pensamento estratgico dos grandes organizadores tinha na poltica internacional. E isto podia facilmente verificar-se pela anlise da histria europeia: para responder Frana e ao agressivo militarismo napolenico aps a derrota de Jena (1806), a Alemanha (ou melhor a multiplicidade de entidades polticas autnomas que partilhavam o espao germnico), sob o galvanizador impulso intelectual de Johan Gottlieb Fichte, atravs dos empolgantes Reden an die Deutsche Nation (Discursos Nao alem), proferidos na Universidade de Berlim (1807-1808) lanou, sob a liderana da Prssia, as bases do servio militar obrigatrio, da educao universal obrigatria, e estabeleceu, ainda, uma forte ligao entre a instituio universitria e a academia militar, onde se formava grande parte da elite dirigente alem. Foi a superioridade daquilo que parafraseando o estratega militar britnco Liddell Hart se pode qualificar como a grande estratgia nacional alem (i. e., uma estratgia que no se restringiu aos aspectos militares, antes foi formulada em termos globais, ou seja militares, econmicos, culturais, etc), baseada na Kultur que, na segunda metade do sculo XIX permitiu Alemanha de Otto von Bismarck superar a Frana de Napoleo III, ascendendo a potncia dominante da Europa continental.

    Assim, Mackinder recorrendo a uma metfora cheia de simbolismo e originalidade, lembrou aos dirigentes dos Estados vencedores da I Guerra Mundial que, conforme um general romano instrura um escravo para segredar-lhe ao ouvido que era mortal (de modo a que nos momentos de triunfo militar no perdesse a noo da realidade), tambm estes deveriam ter algum a lembrar-lhes repetidamente: who

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    rules East Europe commands the Heartland; who rules the Heartland commands the World-Island; who rules the World-island commands the World3 (quem controlar a Europa de Leste domina o Heartland; quem controlar o Heartland dominar a Ilha-Mundial; quem controlar a Ilha-Mundial dominar o mundo) (Mackinder, 1919 [1942]: 150].

    Mapa II A IIha Mundial dividida em seis regies naturais

    Heartland

    ArabiaSahara

    Southern Heartland

    Fonte: Halford J. Mackinder (1919 [1942]: 78-79) adaptao

    De facto, Mackinder, com a publicao da obra Democratic Ideals and Reality, pretendeu intervir nesse debate, chamando ateno dos principais dirigentes polticos da aliana militar vencedora Lloyd George (Reino Unido), Woodrow

    3 Who rules Bohemia rules Europe was how Bismarck had expressed the theme. The Masaryk [Thomas G. ], articles on Pan-Germanism in The New Europe had made Mackinder fully aware of this line of thought in German consciuosness [...] In Democratic Ideals and Reality Mackinder encapsulated this theme in his widely quoted jingle (Blouet, 1987: 167).

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    Wilson (EUA) e Georges Clemenceau (Frana) para a necessidade premente de organizar a Europa de Leste, mantendo-a fora do controlo duma nica potncia terrestre, por fora das especficas caractersticas pennsulares da Europa Ocidental. Assim, aquilo que designou como um cordo de buffer-states (Estados-tampo), deveria separar a Alemanha da Rssia, evitando que uma s potncia dominasse o Heartland (Mackinder, 1919 [1942]: 158). Assinalvel o facto deste trabalho do geogrfo britnico ser no s um marco importante do pensamento realista-poltico, em defesa da tradicional balance of powers (balana dos poderes), como constituir uma interessante antecipao de muitos dos argumentos usados nos virulentos ataques a que foi sujeito o idealismo consubstanciado na Sociedade das Naes (instituda precisamente em 1919), ao longo da segunda metade dos anos 30, nomeadamente pelo seu compatriota o historiador Edward H. Carr em The Twenty Years Crisis (1939).

    4. No possvel compreender as imagens profundamente negativas e diabolizadas (criadas sobretudo no mundo anglo-saxnico e especialmente nos EUA), em torno da Geopolitik e de Karl Haushofer, se no se tiver em conta o enorme impacto (e apreenso) gerado junto do pblico norte-americano, pelos sucessos da wermacht (o exrcito da Alemanha nazi) na II Guerra Mundial, durante a sua blitzkrieg (guerra relmpago) que levou conquista de quase toda a Europa, nos anos 1939-1941; nem possvel compreender tambm essas imagens, seno tivermos em considerao o envolvimento directo dos EUA nesse conflito, a partir do ataque do Japo base naval de Pearl Harbour, nas ilhas do Hawai, no Oceano Pacfico, a 8 de Dezembro de 1941.

    possvel constatar-se que os media norte-americanos mostravam j bastante intereresse e curiosidade, quer pela Geopolitik, quer pela personalidade de Haushofer, mesmo antes da entrada dos EUA na II Guerra Mundial. Diversos artigos com ttulo sugestivos apareceram um pouco por toda a imprensa, sendo os mais clebres (e sensacionalistas) da autoria do jornalista Frederick Sondern. Hitlers Scientists (Os Cientistas de Hitler) e em The Thousand Scientists behind Hitler (Mil Cientistas por detrs de Hitler) figuram nos anais dos principais relatos mediticos sobre a nova cincia alem ( Tuathail, 1996: 111-121). Estes artigos foram publicados no ano de 1941, respectivamente, na Readers Digest e na Colliers (duas publicaes de

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    massa), tendo um enorme impacto no pblico norte-americano. Em The Thousand Scientists behind Hitler, era descrita a existncia de um mtico Instituto de Geopoltica, em Munique, (algo que de facto se verificou nunca ter existido e cuja inveno, tem, provavelmente, origem na deturpao do papel de outra instituio, a Deutschen Akademie (Academia Alem), que Haushofer efectivamente presidiu entre 1934 e 1937...), chefiado por Haushofer, e sugerido que Hitler tinha uma espcie de pacto satnico com foras obscuras, uma das quais seria uma nova cincia de conduzir a poltica e a guerra. Essa nova arma, a geopoltica, sada dos laboratrios de Munique, seria servida por um grupo de cientistas enfeudados poltica agressiva alem. (Frederick Sondern citado por Valente de Almeida, 1988 [1990]: 138).

    J depois da entrada dos EUA na guerra, a revista Life de 21 de Dezembro de 1942, anunciava como ttulo do artigo principal, da autoria de J. Thorndike: Geopolitics: The lurid career of a scientific system which a Briton invented, the Germans used and the Americans need to study (Geopoltica: O atraente percurso de um um sistema cientfico que um Britnico inventou, os Alemes usam e os Americanos precisam de estudar) ( Tuathail, 1996: 111). Neste contexto, possvel verificar-se que o ano de 1942 foi particularmente importante, tendo sido, durante o mesmo, publicados diversos trabalhos influentes, agora sobre a forma de livro, todos, curiosamente da autoria de emigrantes europeus da Mittel Europa (Europa Central), que se radicaram nos EUA, e consubstanciando um conjunto de estudos, os quais, parafraseando Tuathail (1996: 121), se podem qualificar como do tipo middle-brow policy narrative (i. e. como trabalhos interessantes, mas sem muita profundidade e grande rigor acadmico). Entre esses trabalhos destacam-se os da autoria de Hans Weigert intitulado Generals and Geographers: The Twilight of Geopolitics (Generais e Gegrafos: O Crepsculo da Geopoltica) e o de Robert Strausz-Hup, Geopolitics: The struggle for Space and Power (Geopoltica: A luta pelo Espao e pelo Poder), que vamos analisar sinteticamente e apenas nos seus traos essenciais.

    Para Hans Weigert (1942: 28-29), a essncia pensamento cultural e poltico germnico do incio do sculo XX, e as razes da Geopolitik, podiam encontrar-se j na leitura do best-seller de Oswald Spengler, Der Untergang des Abendlandes I-II

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    (1918-22), obra que os norte-americanos trataram com superficialidade4 e cuja recepo nos meio cutural e poltico dos EUA foi feita com manifesta falta de esprito crtico. Quanto influncia de Haushofer sobre Adolf Hitler, Weigert demarcou-se, pelo menos em parte, daqueles que, especulativamente, pretendiam ver o dedo de Haushofer em toda a aco poltica de Hitler e na redaco do Mein Kampf (A Minha Luta). A este propsito referiu, em tom irnico, que Haushofer certamente teve o azar de perder o autocarro para visitar Hitler na priso de Landsberg quando este estava a escrever o famoso captulo XIV do Mein Kampf, o qual contm as principais directrizes da poltica externa do III Reich (Weigert, 1942: 151). Isto porque o seu contedo diverge das principais teses geopolticas de Haushofer, que sempre foi contrrio operao Barbarossa, ordenada por Hitler, em 1941, e que levou, invaso da ex-Unio Sovitica, com resultados catastrficos para os exrcitos nazis e para a sobrevivncia do regime hitleriano.

    Paralelamente ao processo de especulao (e de satanizao) que se desenvolvia nos media norte-americanos e, em menor grau, na j referida literatura do tipo middle-brow, a Geopolitik foi simultaneamente objecto de um processo de descredibilizao, agora a um nvel mais profundo e especificamente acadmico-cientfico. Nesse processo, destacou-se o mais clebre e influente gegrafo norte-americano da primeira metade do sculo XX Isaiah Bowman director da American Geographical Society (1915-1935), conselheiro-chefe para as questes territoriais do presidente Woodrow Wilson, na Conferncia de paz de Versalhes (1919), membro fundador e presidente (1931-1934) do Council on Foreign Relations que esteve na origem da fundao da revista norte-americana, Foreign Affairs, em 1922, (criada com o objectivo de combater as tendncias isolacionistas dos EUA e forjar uma nova conscincia geogrfica nos EUA, despertando o pblico e os dirigentes norte-americanos para o seu papel nos assuntos internacionais), presidente da Universidade Johns Hopkins (1935-1948) e conselheiro do departamento de Estado para as questes territoriais durante a II Guerra Mundial. Bowman comeou por ser conhecido do grande pblico, pela organizao de expedies patrocinadas pela American 4 A comear pelo ttulo que, na opinio de Weigert, foi mal traduzido pelo editor norte-americano, para The Decline of The West, i. e. A Decadncia do Ocidente, quando deveria ter sido traduzido para The

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    Geographical Society e posterior publicao dos seus relatos, sendo a mais importante aos Andes situados a Sul do Per, em 1915 (uma semelhana notria com o percurso de Mackinder). Mas, foi sobretudo o trabalho intitulado The New World: Problems in Political Geography (O Novo Mundo: Problemas de Geografia Poltica, 1921), onde descreveu e analisou os imprios, os Estados e as colnias do mundo, na sequncia dos arranjos territoriais sados da I Guerra Mundial, que lhe deu maior notoriedade: o departamento de Estado distribuiu 400 cpias pelas suas representaes consulares em todo o mundo e, durante a II Guerra Mundial, foram distribudas 200 cpias pelas livrarias de campo do exrcito norte-americano ( Tuathail, 1996: 151-152). Por sua vez, com os desenvolvimentos da II Guerra Mundial e a crescente ateno prestada pelos media Geopoltica aumentou a notoriedade de Bowman. No discurso pblico norte-americano era referido correntemente como o nosso geopoltico; e, simultaneamente, gerou-se nos media uma tendncia espontnea de o qualificar como o Haushofer americano o que, por razes patriticas e acadmicas compreensveis, irritou o clebre gegrafo. E, por reaco a esta ligao perigosa, Isaiah Bowman publicou um influente artigo na Geograghical Revue, em Outubro de 1942, intitulado Geography versus Geopolitics, onde afirmava que a Geopoltica representa uma viso distorcida das relaes histricas, polticas e geogrficas do mundo e das suas partes... os seus argumentos tal como so desenvolvidos na Alemanha servem apenas para sustentar o caso da agresso alem (Isaiah Bowman citado por Tuathail, 1996: 154).

    Este esforo de demarcao de Isaiah Bowman face cincia Geopoltica (i.e. Geopolitik) foi secundado em publicaes sobre Poltica Internacional dirigidas a pblicos selectivos, como a Foreign Affairs, atravs da contraposio de teses geopolticas boas, onde se evitava o uso da palavra proscrita. Ainda no ano de 1942, e na consequncia do interesse do pblico norte-americano por Democratic Ideals and Reality de Mackinder, surgiram duas reedies desse trabalho (respectivamente em Maio e Outubro) e Hamilton Fish Armstrong, o editor na poca da Foreign Affairs, solicitou a Mackinder uma reviso da teoria do Heartlland face aos acontecimentos da II Guerra Mundial. Dessa solicitao resultou um famoso artigo intitulado The Round Downfall of the West, i. e. A Queda do Ocidente.

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    World and the Winning of the Peace, publicado em Julho de 1943, onde Mackinder formulou a tese do Midland Ocean, numa antecipao daquilo que ficou conhecido por poltica de containment do expansionismo sovitico, na poca de Harry Truman, e que esteve na gnese da Aliana Atlntica.

    Mas, nesse mesmo ano de 1942, surgiram tambm dois importantes trabalho da autoria de um norte-americano de origem holandesa, Nicholas John Spykman, ex-jornalista (1913-1920) e professor de Relaes Internacionais na Universidade de Yale desde 1928, (onde foi tambm director do Instituto de Relaes Internacionais. O primeiro, intitulado The Americas Strategy in World Politics. The United States and the Balance of Power (1942), para alm de ter recebido comentrios elogiosos de Isaiah Bowman, foi qualificado pelo seu editor, a Harcourt, Brace and Company, como a primeira anlise geopoltica abrangente da posio dos Estados Unidos no mundo feita pela maior autoridade norte-americana em geopoltica (apresentao de Spykman na capa da edio de 1942). Quanto ao segundo, The Geography of the Peace (1944), redigido em 1943 mas publicado postumamente, marcou decisivamente a poltica externa do ps-II Guerra Mundial com o conceito de Rimland (uma zona entre os poderes martimo e terrestre, que abrangia parte da Europa Ocidental, o Mdio Oriente, a Turquia, o Iro, a ndia, o Paquisto, a China, a Coreia, o Japo, o Sudoeste Asitico e a costa do pacfico da Rssia) uma rea geoestratgica determinante para a segurana dos EUA no mundo (e que influnciou toda a sua poltica de alianas militares).

    neste contexto politicamente tumultuoso e de separao de guas entre uma geopoltica boa e uma geopoltica m que tem de ser entendida a conhecida (mas frequentemernte mal interpretada) afirmao do professor da Universidade de Chicago, Hans J. Morgenthau (um dos principais impulsionadores do estudo acadmico autnomo das Relaes Internacionais nos EUA) de que a geopoltica uma pseudocincia (1948 [1997]: 178). O que Morgenthau (tal como Bowman) quis de facto qualificar como uma pseudocincia no foi, como pode parecer primeira vista, a Geopoltica (i.e., o saber geopoltico em geral), mas, apenas, uma determinada viso geopoltica particular, a da Geopolitik (i.e., a geopoltica alem-nazi). Certamente que nem Bowman, nem Morgenthau, pretendiam incluir nas suas crticas

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    os trabalhos geopolticos do britnico Mackinder (que sempre evitou usar a palavra Geopoltica...) nem os do seu compatriota Spkykman que, alis, se inserem perfeitamente na sua viso realista e anglo-saxnica das Relaes Internacionais. Mas, o esforo empreendido pelos meios acadmico-cientficos norte-americanos de separao de guas, entre uma Geopoltica boa (no designada por Geopoltica...) e uma Geopoltica m no foi em vo: o uso palavra Geopoltica foi praticamente banido do vocabulrio da Poltica Internacional durante trs dcadas (at aos anos 70 do sculo XX). A principal ironia deste processo que, paralelamente, o pensamento geopoltico floresceu nos EUA do ps II Guerra Mundial mais do que em qualquer outro Estado do mundo...

    Jos Pedro Teixeira Fernandes