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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR 1 Autos n. 0002777-19.2013.8.16.0086 Vara da Fazenda Pública – Comarca de Guaíra /PR Ação Civil Pública Autor: Ministério Público do Estado do Paraná Requerido: Estado do Paraná Impugnação à Contestação pelo Ministério Público Meritíssimo Juiz, I – DO RELATÓRIO O Ministério Público do Estado do Paraná propôs ação civil pública contra o Estado do Paraná, visando à interdição da Cadeia Pública local e a adoção de todas as providências legais, na esfera administrativa e orçamentária, para a implementação de prédio adequado ao funcionamento da Delegacia de Polícia e Cadeia Pública da cidade de Guaíra/PR, observada a legislação vigente (evento 1.1). A inicial veio instruída com os documentos constantes nos eventos 1.2 a 1.27. Ademais, ainda pugnou-se pela antecipação da tutela, medida que, após a oitiva prévia do Estado do Paraná (evento 10.1), foi deferida por este ilustre Juízo, através de despacho constante no evento 15.1, para o fim de proibir a entrada de novos presos no ergástulo público, bem como para que fosse realizada a transferência de todos os presos para outros estabelecimentos prisionais e a implantação dos presos provisórios ou já sentenciados no sistema prisional. Após, juntou-se decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (eventos 19.1 e 19.2), a qual estendeu os efeitos da decisão proferida nos autos de pedido de suspensão de liminar n. 1.093.443-5, suspendendo, assim, até o trânsito em julgado da decisão de mérito

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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

1

Autos n. 0002777-19.2013.8.16.0086

Vara da Fazenda Pública – Comarca de Guaíra /PR

Ação Civil Pública

Autor: Ministério Público do Estado do Paraná

Requerido: Estado do Paraná

Impugnação à Contestação pelo Ministério Público

Meritíssimo Juiz,

I – DO RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado do Paraná propôs ação civil pública contra o Estado

do Paraná, visando à interdição da Cadeia Pública local e a adoção de todas as providências

legais, na esfera administrativa e orçamentária, para a implementação de prédio adequado ao

funcionamento da Delegacia de Polícia e Cadeia Pública da cidade de Guaíra/PR, observada a

legislação vigente (evento 1.1).

A inicial veio instruída com os documentos constantes nos eventos 1.2 a 1.27.

Ademais, ainda pugnou-se pela antecipação da tutela, medida que, após a oitiva prévia

do Estado do Paraná (evento 10.1), foi deferida por este ilustre Juízo, através de despacho

constante no evento 15.1, para o fim de proibir a entrada de novos presos no ergástulo

público, bem como para que fosse realizada a transferência de todos os presos para outros

estabelecimentos prisionais e a implantação dos presos provisórios ou já sentenciados no

sistema prisional.

Após, juntou-se decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (eventos

19.1 e 19.2), a qual estendeu os efeitos da decisão proferida nos autos de pedido de suspensão

de liminar n. 1.093.443-5, suspendendo, assim, até o trânsito em julgado da decisão de mérito

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a ser exarada, os efeitos da medida liminar proferida nos presentes autos.

Por fim, o Estado do Paraná apresentou contestação (evento 25.1), oportunidade em

que juntou documentos (eventos 25.2), sendo que em seguida, os autos vieram com vistas ao

Ministério Público para impugnação.

Em breve síntese, é o relato dos fatos. Passa-se a impugnação.

II – DA FUNDAMENTAÇÃO

Analisando os autos, não obstante os respeitáveis argumentos deduzidos pelo

requerido, entende o Ministério Público do Estado do Paraná que nenhuma das alegações

trazidas merece acolhida, devendo o processo seguir sua regular tramitação até final sentença

de mérito. Senão vejamos:

II. 1) Da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido

Requer o Estado do Paraná seja reconhecida a impossibilidade jurídica do pedido, com

a consequente resolução do mérito, com base no art. 267, inciso VI, do Código de Processo

Civil, sob o argumento, em síntese, de que não se encontram entre as atribuições do

Ministério Público e do Poder Judiciário a instrumentalização de políticas públicas, pois as

mesmas competiriam unicamente aos Poderes Legislativo e Executivo.

Contudo, à luz da Carta Magna, a preliminar merece ser prontamente rechaçada.

Tem-se que, em síntese, os presos na Cadeia Pública local foram privados de suas

liberdades e, ao mesmo tempo também, da dignidade, da saúde, do respeito às suas

integridades físicas e mentais, de qualquer forma de assistência, dentre outros. Essa privação

afronta o princípio da dignidade humana, estampado na Constituição da República Federativa

do Brasil como um imperativo de justiça social.

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Assevera-se que a submissão dos presos a essa constante degradação humana é

inadmissível, exigindo a pronta intervenção do Ministério Público, por ser a Instituição

responsável pela fiscalização da execução da pena e da medida de segurança.

Ainda, tem-se que a Cadeia Pública local está infectada por doenças respiratórias, tais

como tuberculose, além de um surto de sarna, doença de pele facilmente transmitida entre

aqueles encarcerados, sendo que as referidas doenças podem ser transmitidas para toda a

cidade de Guaíra, já que os presos não ficam apenas em suas celas, mas também saem para ir

às audiências nos fóruns, têm contato com seus familiares, policiais civis e policiais militares.

Esta situação calamitosa está plenamente registrada nos autos de Pedido de Providência nº

0330-24.2014.8.16.0086, em trâmite na Vara Criminal e de Execução Penal desta Comarca.

Ademais, conforme informação solicitada junto à Delegacia de Polícia local e

fornecida por meio do ofício 995/2014 (em anexo), apenas desde o início deste ano de 2014,

ou seja, em pouco mais de 05 (cinco) meses, já ocorreram 08 (oito) tentativas de fuga do

ergástulo público e 02 (duas) fugas, sendo que 06 (seis) detentos obtiveram êxito em seu

intento, evadindo-se.

Portanto, o Estado brasileiro, atuando de forma irresponsável em relação àqueles que

estão à margem da sociedade, afastados de seu meio social, expõe a risco esta própria

sociedade, por tornarem os presos cada vez mais perigosos, já que em regra a ressocialização

do preso não é alcançada. Por seu turno, as autoridades públicas encarregadas da execução

penal não podem, sob pena de crime de responsabilidade, deixar de agir contra a

administração pública omissa no cumprimento de seus deveres para com a pessoa privada de

liberdade.

Desta feita, quando a escassez de vontade política estatal leva à ausência de recursos

humanos, à deterioração do estabelecimento prisional, ao aviltamento da condição humana do

encarcerado, em suma, ao completo desrespeito às normas de execução penal – a ponto de

tornar insuportável o cumprimento das penas e expor a risco toda a sociedade – outro remédio

não resta senão a inadiável interdição da carceragem e o fechamento das celas.

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Convém consignar que o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento, no

sentido de que se a Administração deixar de promover as políticas públicas essenciais, o

Ministério Público possuiria legitimidade para discutir tais demandas através da ação civil

pública, ao que o Poder Judiciário poderia discutir o próprio mérito administrativo, conforme

segue:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SANEAMENTO

SANITÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PRECEDENTES DO STJ. PRETENSÃO RECURSAL QUE ENCONTRA ÓBICE

NA SÚMULA N. 7 DO STJ. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART.

535 DO CPC. SÚMULA N. 284 DO STF. 1. O Ministério Público detém

legitimidade ativa para o ajuizamento de ação civil pública que objetiva a

implementação de políticas públicas ou de repercussão social, como o

saneamento básico ou a prestação de serviços públicos. Nesse sentido: REsp

743.678/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe

28/09/2009; REsp 855.181/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma,

DJe 18/09/2009; REsp 137.889/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins,

Segunda Turma, DJ 29/05/2000. (...) 3. A verificação da presença dos requisitos

que autorizam o deferimento da liminar, no caso, depende do exame fático-

probatório do que consta dos autos, o que, em sede de recurso especial, encontra

óbice no entendimento contido na Súmula n. 7 do STJ. 4. Agravo regimental não

provido. (STJ. AgRg no AREsp 50.151/RJ. Rel.: Ministro Benedito Gonçalves. 1ª

Turma. j. em 03/10/2013. DJe 16/10/2013).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TARIFA

DE LIGAÇÃO INTERURBANA. REGIÃO METROPOLITANA. ÁREAS

CONURBADAS. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO

CONFIGURADA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ANATEL. MÉRITO

ADMINISTRATIVO. ACÓRDÃO QUE RECONHECE A CONURBANIDADE,

AMPARANDO-SE NA PROVA DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÕES

DE CERCEAMENTO DE DEFESA, DE DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-

FINANCEIRO DO CONTRATO E DEVER DE INDENIZAR NÃO

CONHECIDAS POR ÓBICES SUMULARES. (...) 3. Ao Poder Judiciário não é

vedado debater o mérito administrativo. Se a Administração deixar de se valer

da regulação para promover políticas públicas, proteger hipossuficientes,

garantir a otimização do funcionamento do serviço concedido ou mesmo

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assegurar o "funcionamento em condições de excelência tanto para o

fornecedor/produtor como principalmente para o consumidor/usuário", haverá

vício ou flagrante ilegalidade a justificar a intervenção judicial. 4. Hipótese em

que o Tribunal de origem reconheceu, com base na prova dos autos, que o

Município da Lapa pertence à Região Metropolitana de Curitiba em virtude de

conurbanidade, "não apenas em termos urbanísticos mas também administrativos e

sobretudo econômicos, comungando da movimentação regional". A revisão desse

entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula

7/STJ. 5. A mesma orientação deve ser aplicada em relação à análise do

cerceamento de defesa. 6. Veda-se a apuração de eventual desequilíbrio econômico-

financeiro, em razão da Súmula 5/STJ. 7. É inadmissível Recurso Especial quanto a

questão inapreciada pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos

Declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ. 8. Recursos Especiais não conhecidos.

(STJ. REsp 1176552/PR. Rel. Ministro Herman Benjamin. 2ª Turma. j. em

22/02/2011, DJe 14/09/2011).

No mesmo sentido é o posicionamento exarado pelo próprio Supremo Tribunal

Federal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE.

INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE

POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério

Público detém capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da

ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e

social do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos [artigo

129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido

de que é função institucional do Poder Judiciário determinar a implantação de

políticas públicas quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os

encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com

tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou

coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de

cláusulas revestidas de conteúdo programático. Precedentes. Agravo

regimental a que se nega provimento. (STF. RE 367432 AgR. Relator(a): Min.

Eros Grau. 2ª Turma. j. em 20/04/2010. DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-

05-2010 EMENT VOL-02401-04 PP-00750).

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Assim sendo, vislumbra-se que é entendimento pacífico de que o Ministério Público

pode intervir quando o Estado se omite na implantação de políticas públicas, as quais

envolvem a transgressão de direitos basilares.

Por tais considerações e pelos motivos já expostos na inicial, o Ministério Público

pugna pelo afastamento da preliminar alegada, no sentido do reconhecimento da ausência de

condição da ação, por impossibilidade jurídica do pedido, devendo o presente feito seguir seu

regular trâmite.

Das Alegações Trazidas No Mérito

II. 2) Das alegações quanto a remoção de presos e das providências para

normalização da situação carcerária na Comarca de Guaíra. Da ausência de vagas.

Impossibilidade Fática de Remanejamento

Alega o requerido, em síntese, que existe a impossibilidade fática de remoção dos

presos, porquanto há ausência de vagas, trazendo diversos argumentos que buscam

unicamente legitimar a omissão estatal no que se refere à disponibilização das vagas.

Todavia, embora o Estado venha a demonstrar que está em suposta via de efetivar

melhorias em diversas Penitenciárias e Cadeias Públicas da região, bem como realizar novas

construções, o debate em torno da péssima situação observada na Cadeia Pública local ficou

reduzido a segundo plano.

Por tal, o Ministério Público reitera integralmente os argumentos dispostos na inicial,

ressaltando-se que os diversos problemas observados na Cadeia Pública local não podem

simplesmente esperar por mais tempo, demandam, outrossim, de uma resposta imediata e

efetiva por parte do Estado, porquanto a precariedade da situação prisional é latente, e clama

por uma solução definitiva.

A omissão estatal até então verificada quanto aos presos locais, não pode perdurar

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indefinidamente, sob o argumento da falta de recursos, bem como de discursos genéricos de

que se está trabalhando para que a situação possa melhorar.

Ademais, a título de exemplificação, é sabido que vultosos são os gastos por parte do

requerido com propaganda institucional, sendo certo que tais valores poderiam muito bem ser

melhor empregados a exemplo da reivindicação objeto da presente demanda.

A inação estatal ofende direitos humanos fundamentais e inalienáveis dos presos

previstos em lei; não proporciona ao encarcerado as condições de reinserção social; e, ao

contrário, os conduzem para a reincidência criminosa, na medida em que lhe retira a crença na

Justiça e nas autoridades públicas, as quais, elas próprias, não vêm cumprindo a lei. Tornam

os encarcerados cada vez mais perigosos, pois aprendem condutas mais graves na

“universidade do crime”, trocando “experiências” com os presos que praticam infrações de

maior lesividade.

Na realidade, os anos têm passado e a situação infelizmente não só não foi melhorada,

como tem piorado constantemente, o que causa extrema indignação ao Ministério Público e a

toda sociedade local. O ambiente dessa delegacia é insalubre e estão ausentes as condições

básicas de conforto, higiene, iluminação e aeração, conforme se constata dos laudos juntados;

a umidade relativa do ar é bastante elevada, pois praticamente não há incidência de luz solar e

ventilação adequada, já sendo o clima de Guaíra notoriamente úmido em decorrência da

proximidade com o Rio Paraná; as instalações elétricas são precárias e existe risco de curto-

circuito; os banheiros são infectos; há imundície de toda a espécie pelo chão e o odor causa

náuseas e outros incômodos nos segregados. Há surtos de sarna e outras doenças.

Ademais, conforme ofício de nº 995/2014 enviado nesta data à Promotoria de Justiça,

desde o início deste ano de 2014, ou seja, em pouco mais de 05 (cinco) meses, já

ocorreram 08 (oito) tentativas de fuga do ergástulo público e 02 (duas) fugas, sendo que

06 (seis) detentos obtiveram êxito em seu intento, evadindo-se. (doc. anexo).

A Cadeia Pública local conta atualmente com 240 (duzentos e quarenta) presos,

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sendo que a lotação seria apenas para 64 (sessenta e quatro). Além disso, noticia a

Autoridade Policial que nesta semana (de 12 a 16 de maio de 2014) foi veiculada a suspeita

de que no interior da Cadeia haveria explosivos, situação que ensejou a realização de

buscas e vistorias com cães farejadores e policiais treinados, enviados pela Polícia

Federal de Foz do Iguaçu/PR. Como resultado da diligência, noticia-se, felizmente, que

nenhum explosivo foi detectado, porém uma enormidade de telefones celulares, drogas e

barras de ferro, além de um grande buraco descoberto antes que ocorresse uma fuga em

massa, conforme documento e fotografias anexadas nos autos.

Por fim, no referido ofício, a Autoridade Policial é simples e direta, relatando que,

nada obstante as incontáveis tentativas e medidas já adotadas pelo Juízo da Execução criminal

de Guaíra (veja-se, por exemplo, os inúmeros ofícios requisitando vagas e a implementação

de detentos nos aludidos autos de pedido de providência nº 2014.144-7), neste ano de 2014

nenhum preso da Cadeia Pública de Guaíra, repita-se, nenhum, foi implantado no

sistema penitenciário.

Ora, diante desta informação, considerando que já vencemos o primeiro quadrimestre

do ano de 2014, cabe questionar ao requerido sobre as “1.893 vagas não preenchidas em

Unidades Penitenciárias do Estado” e que seriam disponibilizadas (v. item 03, fl. 08 da

contestação juntada no evento 25.1). Veja-se que não se trata de uma tentativa de diminuir as

alegações tão bem lançadas pela diligente Procuradoria Estadual, mas antes uma constatação

de que a inércia Estatal, o desrespeito para com a dignidade dos presos, esta evidenciada nos

autos e tende a se prolongar indefinidamente.

Por tal circunstância, denota-se que a situação observada na Cadeia Pública local é

deverás particular, que envolve não somente a ressocialização do preso, que é problemática

em diversas unidades prisionais do Estado, mas a estrutura do local é propícia para a

ocorrência de fugas, e até mesmo de eventual rebelião, acarretando, ademais, o próprio

agravamento da saúde dos presos, que vem a incidir de forma reflexa na população local.

Portanto, os argumentos lançados pelo Estado são vazios, e não relevam a situação

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particularmente observada na Cadeia Pública local, que é degradante, demandado

urgentemente pela efetiva implantação de uma nova unidade prisional local.

No presente caso, embora relevantes os fundamentos do Estado, esses devem ser

analisados a luz da situação observada na Cadeia Pública local, e por tal, não merecem ser

acolhidos, posto que em nada ilidem a omissão estatal até então existente, de forma a

melhorar a estrutura prisional local.

Pelo exposto, diante dos argumentos elencados, devidamente fundamentos, pugna-se

pelo afastamento das teses levantadas pelo requerido, ao que se mostra imprescindível o

deferimento dos pleitos deduzidos na inicial.

II. 3) Quanto à aplicação da Lei de Execução Penal em relação às prestações

exigidas

Ainda, o requerido argumenta que a Lei de Execução Penal não pode ser utilizada para

legitimar as prestações exigidas.

Ocorre que a referida legislação é federal, e, por tal, de aplicabilidade plena em todas

as unidades federativas. O requerido busca afastar a eficácia da Lei n. 7.210/84, através do

simples argumento da impossibilidade estatal de prover a construção de uma nova Cadeia

Pública local.

Todavia, ressalta-se a seriedade da Lei de Execução Penal, que em nada é

inconstitucional, sendo que ela apenas busca garantir um mínimo de dignidade para o preso,

que já é desprovido de sua liberdade, e por tal, deveria ao menos estar recolhido em local com

estrutura adequada.

Nesse sentido, tem-se que os estabelecimentos prisionais devem observar as

disposições dos artigos 83 a 85 da Lei de Execução Penal, assim como as Cadeias Públicas

devem atender também ao disposto nos artigos 88 e 102, da legislação referida, que

prescrevem:

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“Art. 83 – O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em

suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação,

trabalho, recreação e prática esportiva.

Art. 84 – O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada

em julgado.

Parágrafo primeiro – O preso primário cumprirá pena em Seção distinta daquela

reservada para os reincidentes.

Art. 85 – O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua

estrutura e finalidade.

Art. 88 – O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,

aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único – São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e

condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de seis metros quadrados.

Art. 102 – A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.”

O requerido, diante dos fundamentos lançados, busca afastar a aplicação de tal lei,

contudo, acrescenta-se que é princípio constitucional o respeito à integridade física e moral do

preso (artigo 5°, inciso XLIX, da Constituição Federal), sendo certo que não se privará o

condenado de qualquer outro direito que não aquele atingido pela sentença ou pela legislação

em vigor, o que é dever das autoridades públicas garantir (artigos 3° e 40, da Lei de

Execuções Penais).

Não há, portanto, qualquer legitimação extraordinária que tenha o condão de afastar os

direitos e garantias mínimas asseguradas pela Lei de Execução Penal aos presos, posto que ela

tem aplicabilidade imediata e é imprescindível que os direitos e garantias nela previstos sejam

assegurados, para que não seja violado principalmente o princípio da dignidade da pessoa

humana.

Assim sendo, a escassez de vontade política estatal não pode legitimar a

inaplicabilidade dos dispositivos da Lei de Execução Penal, razão pela qual se pugna pelo

afastamento dos argumentos lançados pelo requerido.

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II. 4) Da ofensa ao princípio da separação dos poderes. Da lesão à ordem pública

e à ordem econômica. Da ofensa ao princípio da reserva do possível

Aduz o requerido que é necessário observar ao princípio da separação dos poderes,

segundo o qual se delimita a atuação de cada Poder a fim de se evitar conflito de competência

entre eles e a prevenção a sérios riscos à ordem pública e a segurança jurídica, o que também

se confunde com eventual ofensa ao princípio da reserva do possível.

Conforme ensina Luiz Roberto Barroso1:

“O conteúdo nuclear e histórico do princípio da separação de Poderes pode ser

descrito nos seguintes termos: as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a

órgãos diversos e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de

modo a proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto. A

separação de Poderes é um dos conceitos seminais do constitucionalismo moderno,

estando na origem da liberdade individual e dos demais direitos fundamentais. Em

interessante decisão, na qual examinava a possibilidade de controle judicial dos

atos das Comissões Parlamentares de Inquérito, o Supremo Tribunal Federal

identificou esse sentido básico da separação de Poderes com a vedação da

existência, no âmbito do Estado, de instâncias hegemônicas, que não estejam

sujeitas a controle”.

Nesse mesmo sentido expôs o Desembargador Relator Sidney Romano dos Reis em

seu voto proferido na Apelação Cível nº 994.06.096464-8, TJ-SP, senão vejamos:

“A separação dos poderes é justamente a técnica pela qual o Poder é contido pelo

próprio poder. Ê o sistema de freios e contrapesos (checks and balances, ou método

das compensações), uma garantia de que os dogmas inseridos na Constituição

Federal e que representam a vontade da maioria do povo serão cumpridos inclusive

pelo Poder Público. Superada a fase do absolutismo, época marcada pela célebre

frase de Luís XIV V etat c' est rríoi (o Estado sou eu), a administração do Estado

passou a ser tripartida”.

1 BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Costitucional Contemporâneo – Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Em que pese a conceituação ser clara sobre a independência dos poderes, no mesmo

voto, o Desembargador Sidney Romano dos Reis expõe sobre sua relativização:

“De outro lado, o apelo da Fazenda do Estado, como de hábito, se sustenta na

pretensa invasão da seara administrativa pelo, Judiciário, olvidando, todavia, e

também como sempre, que não se pode deixar de garantir direitos que a

Constituição afirme como inalienáveis, mormente quando o Poder Público não

cumpra com sua obrigação legal, de sorte que, em havendo violação a direitos

individuais ou coletivos, pode e deve o Judiciário compelir a Administração à

observância do texto legal, nada havendo nisso de ativismo judicial, senão de

cumprimento irrestrito da missão de entregar a tutela jurisdicional, até porque

respeitado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório”.

Neste mesmo sentido é a jurisprudência pátria, senão vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA - INTERDIÇÃO DA CADEIA PÚBLICA PELO

JUIZ DA EXECUÇÃO - DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS

PODERES - INOCORRÊNCIA - ESTABELECIMENTO QUE NÃO GARANTE

OS DIREITOS À SAÚDE E SEGURANÇA DOS DETENTOS - OFENSA AO

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ART. 66, VIII, DA LEI

Nº. 7.210/1984 - APLICABILIDADE. - A Administração não atua de forma

isolada e totalmente independente na execução penal, sendo certo que o Poder

Judiciário tem participação importante em tal atividade.

- A Constituição da República impõe, em seu art. 5º, XLIX, o respeito à

integridade física e moral dos presos, competindo, ao juiz da execução,

interditar estabelecimento penal que estiver funcionando em condições

inadequadas. (TJMG. Mandado de Segurança - Cr 1.0000.13.059355-1/000.

Relator(a): Des.(a) Cássio Salomé. 7ª C. Criminal. j. em 19/09/2013. Publicação da

súmula em 26/09/2013).

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR.

REFORMA E CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIO ESTADUAL. MUNICÍPIO DE

ITAQUI. DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

FUNDAMENTO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO.

INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO PENAL. INCOMPETENCIA DO

JUÍZO CÍVEL. LIMINAR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE.

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1. Liminar contra a Fazenda Pública. A Constituição Federal de 1988 estabelece e

atenta para o postulado de que o cidadão tem direito à adequada tutela jurisdicional -

aí incluídas as liminares - como decorrência do princípio da inafastabilidade do

controle jurisdicional, estabelecendo em seu art. 5º, inc. XXXV, que "a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Isso quer

dizer que nenhuma lesão ou mera ameaça de lesão de direito individual ou não, pode

ser por lei infraconstitucional subtraída do conhecimento do Poder Judiciário, pena

de inconstitucionalidade. 2. Incompetência do juízo cível. A competência para a

interdição de presídios é do juiz da execução penal (art. 66, inciso VIII, da Lei de

Execuções Penais). Tem legitimidade o órgão do Ministério Público para, nos autos

da Ação Civil Pública, buscar a condenação do ente público a solucionar os

problemas encontrados na instituição penal, inclusive a realizar obras para

melhoramento das instalações, mas não o tem para pedir ao juízo cível, competente

para a análise e julgamento da Ação Civil Pública, a interdição do estabelecimento

penal, haja vista que a competência para interditar presídios, nos termos do que

disciplina o art. 66, VIII, da LEP, é do juízo da execução penal. Competência

absoluta e, portanto, improrrogável. 3. Mérito. Evidenciados os requisitos para o

deferimento parcial da liminar que vem expressamente autorizada na Lei da Ação

Civil Pública (art. 12 da Lei nº 7.347/85). 3.1 Direitos fundamentais e Dignidade

da Pessoa Humana. Fundamento de um Estado que se diz Democrático e Social

de Direito. Sem prejuízo dos princípios da Tripartição do Poderes e da Reserva

do Possível, o enfoque a ser dado nestes autos deve ser outro, no plano dos

Direitos Fundamentais, que jamais podem ser desvinculados do conceito de

Estado Democrático e Social de Direito. Viola substancialmente o postulado

constitucional da dignidade da pessoa humana a aglomeração sub-humana de

presos na Penitenciária Estadual de Itaqui, em número muito superior às vagas

existentes, e a precariedade das instalações. Localização do Presídio - no centro

da cidade - que agrava ainda mais a situação caso levada a efeito uma rebelião,

cuja possibilidade, haja vistas as insustentáveis e indignas instalações, sem

quaisquer condições de higiene e segurança, inclusive com um numero menor

de camas do que de presos, é cada vez mais iminente. Trata-se, ainda, de uma

questão de segurança pública; logo, de proteção não apenas à dignidade dos

encarcerados, mas da segurança de toda a coletividade. 3.2 Tutela de Direitos

Fundamentais por meio de Ação Civil Pública. Em nome da garantia do acesso à

justiça, todos os meios previstos na Constituição para a tutela dos direitos

fundamentais devem ser permitidos, enquadrando-se, nestes, portanto, a Ação Civil

Pública, observadas, por evidente, as disposições da Lei nº 7.347/85 e da própria CF

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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(art. 129, III). 3.3 Tripartição dos Poderes. Poder Discricionário. Limites.

Proibição de Retrocesso. A despeito da alegação do Estado de que há violação

ao poder discricionário da Administração Pública, em que pese não se possa

desconsiderar a conveniência e oportunidade, de forma a relegar qualquer

interferência judicial, pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, a

violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, haja vista

a inércia do Poder Executivo, legitima o controle judicial. 3.4 Da Reserva do

Possível. O princípio da reserva do possível não se aplica quando se está diante

de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida

humana, consagrado na Constituição Federal de 1988 como um dos

fundamentos do nosso Estado Democrático e Social de Direito (art. 1º, inciso

III, da Constituição Federal). 3.5 Da astreinte. Natureza coercitiva, e não

punitiva. Visa um fazer por parte do Poder Público. Incidente, portanto, a

regra do art. 461, §4º, do Código de Processo Civil. Valor adequado, haja vista

a natureza do direito em discussão. REJEIÇÃO DE UMA PRELIMINAR E

ACOLHIMENTO PARCIAL DA OUTRA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

(TJRS. Agravo de Instrumento nº 70034484964. 1ª C. Cível. Relator: Carlos

Roberto Lofego Canibal. j. em 26/05/2010).

E M E N T A – APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MELHORIA DA

SEGURANÇA PÚBLICA – PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE

AFASTADA – ALEGAÇÕES DE NULIDADE DA SENTENÇA –

INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO,

FALTA DE INTERESSE DE AGIR – AFASTADAS – POSSIBILIDADE DO

JUDICIÁRIO ADENTRAR NO ÂMBITO DA DISCRICIONARIEDADE DA

ADMINISTRAÇÃO – DEVER DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS

NORTEADORES – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA – VALOR

REDUZIDO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A alegação de

incompetência do juízo falece de fundamento, pois a competência do juízo a quo

possui respaldo expresso na Lei que disciplina a Ação Civil Pública - art. 2º da Lei

7.347/85. Evidente o interesse do Ministério Público resguardar que a segurança

pública seja promovida com eficiência e, de outro lado, a Ação Civil Pública se

mostra instrumento adequado para tanto, nos termos da respectiva legislação, o que

reflete, inclusive, na possibilidade jurídica do pedido, que encontra respaldo na

LACP. Diante do conjunto fático apresentado nos autos, mormente em relação

às condições precárias da segurança pública de Camapuã/MS, mostra-se

correta a sentença de primeiro grau em acolher o pedido inicial e determinar as

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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melhorias necessárias à sua efetivação. O STJ já assentou entendimento no

sentido de ser possível ao Judiciário adentrar ao âmbito discricionário da

Administração quando seus atos se afastarem de seus princípios basilares,

como moralidade, razoabilidade, eficiência, etc. A mera alegação de falta de

recursos não pode ser utilizada para, por si só, afastar o dever estatal previsto

constitucionalmente. É possível a aplicação de multa cominatória m face do Estado,

que, no presente caso, mostra-se excessiva, impondo-se sua redução. Recurso

parcialmente provido. (TJMS. Apelação n. 0500622-87.2006.8.12.0006. Camapuã.

2ª C. Cível. Relatora: Des. Tânia Garcia de Freitas Borges. j. em 29/01/2013).

EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER

POLÍTICA PÚBLICA - Superlotação de cadeias públicas da comarca de Cerqueira

César - Pretensão de obrigar o Estado à remoção e à limitação de presos de

estabelecimento prisional Sentença que julgou o pedido prejudicado com relação a

uma das cadeias, por carência superveniente, e procedente o pedido com relação à

outra Reexame necessário e apelação do réu. CONTROLE JURISDICIONAL DA

POLÍTICA PÚBLICA. Possibilidade. Conceitos e limites. Hipótese em que a

omissão estatal é persistente e duradoura. A crise de superpopulação carcerária

não pode significar a falta de solução do problema. Deficiência da política

pública que deve ser corrigida perante o Judiciário. SENTENÇA MANTIDA.

Reexame necessário e recurso desprovido. (TJSP. Apelação nº 0003828-

77.2006.8.26.0136. Cerqueira César. 8ª C. de Direito Público. Relator: João Carlos

Garcia. j. em 14/11/2012).

Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 45, atribuiu a seguinte

interpretação ao Princípio da Separação dos Poderes:

“É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do

Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de

formular e de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside,

primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao

Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os

encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal

comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos

impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas

revestidas de conteúdo programático”.

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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Segundo o Ministro Relator Celso de Mello, [...] se tais Poderes do Estado (referindo-

se ao Executivo e Legislativo) agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara

intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e

culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um

abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um

conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à

própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já

enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a

possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso

aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.

Nesta mesma linha de raciocínio, o Ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal

de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial (AgRg no REsp nº

1136549 RS 2009/0076691-2)2, assim proferiu:

“[...] se prevalecesse o entendimento de que, em face do princípio da separação dos

poderes, estaria o Judiciário impedido de corrigir distorções em matéria de

políticas públicas, a efetivação de outros princípios igualmente constitucionais

ficaria comprometida, o que contraria a hermenêutica atual que privilegia a

harmonização das normas e princípios constitucionais conflitantes, de modo a

buscar a máxima eficácia possível de ambos, e assim evitar que a aplicação de um

implique na exclusão total de outro.

Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição, em

relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico da máxima

efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem suas normas

em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o conteúdo.

Nesse sentido, a correta interpretação do princípio da separação dos Poderes, em

matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação

do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos

pela lei.

Fora daí, quando a Administração extrapola os limites da competência que lhe fora

atribuída e age sem sentido, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada,

2 Disponível em <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14602763/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1136549-rs-2009-0076691-2/inteiro-teor-14602764>. Acesso em 05/09/2013.

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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descabe a aplicação do referido princípio, e autorizado se encontra o Poder

Judiciário a reconhecer que o Executivo não cumpriu com sua obrigação legal,

agredindo com isso, direitos difusos e coletivos, e a corrigir tal distorção

restaurando a ordem jurídica violada.

O sistema jurídico deve ser analisado sob a premissa de que todos os seus

postulados estão em harmonia, sob pena de se quebrar a lógica intrínseca do

próprio sistema. Ora, diante de um ordenamento jurídico que consagra o princípio

da separação dos Poderes, e que também impõe ao Poder Público a prática de

atividades positivas destinadas a efetivar os direitos sociais, a melhor interpretação

é aquela que se coaduna com os dois postulados.

Em suma, a atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas não se

pode dar de forma indiscriminada, pois isso violaria o princípio da separação dos

Poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e

indubitável, viola direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada

de programas de governo, a interferência do Poder Judiciário é perfeitamente

legítima e serve como instrumento para restabelecer a integridade da ordem

jurídica violada.”

Firmando o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS –

POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE –

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE –

OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO

PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA

RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os

direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de

fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da

atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da

separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos

direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização

dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito

fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho

jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública

nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver

comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal [...]”.

(STJ - AgRg no REsp: 1136549 RS 2009/0076691-2, Relator: Ministro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/06/2010, T2 - SEGUNDA

TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2010).

Assevera-se, por tal, que se está diante de Direitos Fundamentais, ao que deve se

sobressair a Dignidade da Pessoa Humana, e sem prejuízo das argumentações levantadas pelo

requerido, o enfoque a ser dado nestes autos deve ser outro, no plano dos Direitos

Fundamentais, que jamais podem ser desvinculados do conceito de Estado Democrático e

Social de Direito.

Portanto, evidencia-se que viola substancialmente o postulado constitucional da

dignidade da pessoa humana a aglomeração sub-humana de presos na Cadeia Pública local, o

que também gera sérios riscos de saúde para os presos e a sociedade, repercutindo até mesmo

na segurança pública, ante a eminência de rebeliões e fuga de presos, ameaçando

sobremaneira a tranquilidade e segurança da população de Guaíra.

Desta forma, a alegação do requerido de que a remoção dos presos e construção de

nova unidade prisional local, implicaria consequente ofensa a tripartição dos poderes e geraria

grave lesão à ordem administrativa, ofendendo também o princípio da reserva do possível,

ante os fundamentos lançados, tem-se que a argumentação é descabida de qualquer razão, ao

que se pugna sejam os pleitos indeferidos.

II. 5) Das astreintes cominadas ao Estado do Paraná

Aduz o requerido que a Administração se sujeita a regras próprias e por conta disso a

imposição de multas diárias como instrumento de eficácia das decisões judiciais não pode ser

aplicada contra a Fazenda Pública.

Tal fundamento também não merece prosperar.

Destaca-se que inexiste qualquer impedimento quanto à aplicação da multa diária

cominatória contra a Fazenda Pública nos feitos que envolvem o descumprimento de

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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obrigação de fazer. Muito pelo contrário, tal cominação se mostra como instrumento eficaz de

coerção para que o gestor estatal cumpra com as obrigações determinadas judicialmente.

Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica:

PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. VIOLAÇÃO DO ART. 557

DO CPC NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

SÚMULA 282/STF. MULTA CONTRA A FAZENDA. POSSIBILIDADE. LEI

LOCAL. APRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. 1. A competência para apreciar o

recurso de Agravo é do Relator, mediante decisão monocrática, como se observa no

RISTJ. Ademais, o art. 557 do CPC instituiu a possibilidade de, por decisão

monocrática, inadmitir recurso, entre outras hipóteses, quando manifestamente

improcedente ou contrário a súmula ou entendimento já pacificado por

jurisprudência de Tribunal ou de Cortes Superiores. Ademais, eventual nulidade na

decisão monocrática do Relato fica superada com a reapreciação da matéria, na via

do Agravo Regimental, pelo órgão colegiado. Precedentes do STJ. 2. Não se

conhece de Recurso Especial quanto a questão não especificamente enfrentada pelo

Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incidência, por analogia,

da Súmula 282/STF. 3. É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação

de multa diária (astreintes) como meio executivo para cumprimento de

obrigação de fazer (art. 461 do CPC). Precedentes do STJ. 4. Ao STJ não cabe

dirimir controvérsia com base em lei local (Lei Municipal 11.722/1995). Aplicação,

por analogia, da Súmula 280/STF 5. Agravo Regimental não provido (grifo nosso).

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MUNICÍPIO. OBRAS DE

AMPLIAÇÃO DE CEMITÉRIO. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. EXCLUSÃO

PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA

7/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. A possibilidade de aplicação de

astreintes à Fazenda Pública é pacifica na jurisprudência desta Corte; o cerne

da discussão no caso vertente é a decisão do Tribunal de origem, que afastou a multa

fixada em primeira instância. 2. Rever a decisão do acórdão recorrido importaria no

revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, pois necessário seria reavaliar

as razões que levaram o Tribunal de origem a afastar a multa aplicada, o que

encontra óbice na Súmula 7/STJ.Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp

1305496/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,

julgado em 15/05/2012, DJe 21/05/2012) (grifo nosso).

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA.

MULTA DIÁRIA IMPOSTA À FAZENDA PÚBLICA POR

DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.POSSIBILIDADE. 1. Cuida-

se, originariamente, de agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeira

instância que estipulou multa diária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), caso

fosse descumprido o prazo de 60 (sessenta) dias para a entrega do estudo

antropológico respeitante à identificação e à delimitação da Terra Indígena Mato

Preto. 2. É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa

diária - astreintes - como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de

fazer (fungível ou infungível) ou para entrega de coisa. Precedentes: AgRg no Ag

1.352.318/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe

25/2/2011; AgRg no AREsp 7.869/RS, Relator Ministro Humberto Martins,

Segunda Turma, DJe 17/8/2011; e AgRg no REsp 993.090/RS, Relatora Ministra

Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/11/2010. 3. No caso sub

examine, o Tribunal a quo, ao dar provimento parcial ao agravo de instrumento, para

reduzir o valor da multa diária para R$ 1.000,00 (um mil reais), asseverou que a

ação originária "[...] foi ajuizada em junho de 2006, sem que, até o momento, tenha

sido concluído o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra

Indígena Mato Preto, única e exclusivamente em razão da mora da FUNAI, que

recebeu inúmeras vezes a prorrogação de prazo para a conclusão do seu trabalho [...]

(fl. 168). 4. Agravo regimental não provido.”(AgRg no AREsp 23.782/RS, Rel.

Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em

20/03/2012, DJe 23/03/2012) (grifo nosso).

Assim, tal alegação merece indeferimento. Sem mais.

III) DO PEDIDO

Ante todo o exposto e por tudo mais que dos autos consta, o Ministério Público do

Estado do Paraná requer seja julgada totalmente procedente a ação, pelos motivos fáticos e

jurídicos expostos nesta impugnação e na petição inicial.

Rebatidas também as alegações de mérito, requer-se o prosseguindo da ação até a

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR

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sentença final.

Por fim, o Ministério Público se manifesta pela desnecessidade de especificação de

provas a serem produzidas, haja vista que os fatos dispostos na inicial estão fartamente

comprovados através da prova documental juntada aos autos, sendo que o próprio requerido

reconhece os problemas existentes na Cadeia Pública local.

Guaíra/PR, 15 de maio de 2014.

José Carlos Mendes Filho

Promotor de Justiça