1Conselho Para Praticar o Budismo No Ocidente

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Conselho para Praticar o Budismo no Ocidente Alexander Berzin, Moscou, Rússia, Novembro de 2005 Tradução por Antonella Yllana Como Cheguei ao Budismo O Sasha me pediu para falar hoje à noite sobre o budismo no ocidente, e começar falando um pouco sobre mim como uma introdução, de como cheguei ao budismo, de forma a ilustrar o budismo no ocidente. Nasci nos Estados Unidos em Nova Jersey em 1944, e desde muito jovem eu fiquei bem interessado por coisas asiáticas. Então, comecei a fazer yoga com um amigo quando eu tinha treze anos e li tudo o que encontrava em inglês sobre budismo, o que não era muito. Depois, na universidade, embora eu tivesse começado a estudar química, peguei uma matéria sobre a cultura da Ásia. Eu tinha 17 anos e ela falava sobre como o budismo migrou de uma civilização para outra na Ásia, e como ele foi adotado e traduzido para cada cultura. Depois de ouvir aquela palestra, tudo ficou claro para mim: era exatamente o que eu queria fazer. E tenho feito isso desde então, trabalhado neste processo de como transformar e trazer o budismo, neste caso, para as sociedades não tradicionais fora da Ásia. Então, eu basicamente mudei a minha matéria principal e comecei a estudar chinês e aquilo levou ao japonês e aquilo levou ao sânscrito e aquilo levou ao tibetano. Bem, isso foi antes que houvesse os centros do Dharma no ocidente, então tratase de uma situação muito diferente daquela que temos agora. Eu penso que as pessoas que naqueles dias se sentiam atraídas pelo Dharma eram atraídas primariamente por razões kármicas; a coisa simplesmente vinha daquilo que apenas pode ser descrito como karma do passado. E eu encontrei Geshe Wangyal, o grande Kalmyk Mongol Lama que estava nos EUA mais ou menos quando comecei a estudar tibetano. Mas naquele ponto minha universidade não era muito próxima a onde ele vivia, e eu apenas pude visitálo algumas vezes, mas não realmente tive a oportunidade de estudar com ele. Mas o Robert Thurman estava em todas as minhas aulas em Harvard. Éramos muito bons amigos. E ele havia estado na Índia com a Sua Santidade o Dalai Lama, e ele me falou sobre os tibetanos, que era possível ir até lá e estudar com eles. Então, eu me inscrevi para uma bolsa Fulbright, que é uma bolsa para estudar em países estrangeiros, e fui para a Índia para fazer uma pesquisa para a dissertação de meu doutorado. Então, isso foi em 1969, eu tinha 24 anos. Agora, a abordagem em relação ao budismo naqueles dias nas universidades e em outras partes do ocidente era que, basicamente, o budismo tibetano estava morto. Era como estudos sobre o Egito Antigo. E eu sempre me perguntava como seria pensar assim, pensar em termos dos pensamentos budistas. Mas quando fui à Índia e encontrei a Sua Santidade o Dalai Lama pouco depois de chegar lá, eu logo

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Conselho para Praticar o Budismo no Ocidente

Alexander Berzin, Moscou, Rússia, Novembro de 2005 Tradução por Antonella Yllana

Como Cheguei ao BudismoO Sasha me pediu para falar hoje à noite sobre o budismo no ocidente, e começarfalando um pouco sobre mim como uma introdução, de como cheguei ao budismo, deforma a ilustrar o budismo no ocidente.

Nasci nos Estados Unidos em Nova Jersey em 1944, e desde muito jovem eu fiqueibem interessado por coisas asiáticas. Então, comecei a fazer yoga com um amigoquando eu tinha treze anos e li tudo o que encontrava em inglês sobre budismo, o quenão era muito. Depois, na universidade, embora eu tivesse começado a estudarquímica, peguei uma matéria sobre a cultura da Ásia. Eu tinha 17 anos e ela falavasobre como o budismo migrou de uma civilização para outra na Ásia, e como ele foiadotado e traduzido para cada cultura. Depois de ouvir aquela palestra, tudo ficouclaro para mim: era exatamente o que eu queria fazer. E tenho feito isso desde então,trabalhado neste processo de como transformar e trazer o budismo, neste caso, paraas sociedades não tradicionais fora da Ásia. Então, eu basicamente mudei a minhamatéria principal e comecei a estudar chinês e aquilo levou ao japonês e aquilo levouao sânscrito e aquilo levou ao tibetano.

Bem, isso foi antes que houvesse os centros do Dharma no ocidente, então trata­se deuma situação muito diferente daquela que temos agora. Eu penso que as pessoas quenaqueles dias se sentiam atraídas pelo Dharma eram atraídas primariamente porrazões kármicas; a coisa simplesmente vinha daquilo que apenas pode ser descritocomo karma do passado. E eu encontrei Geshe Wangyal, o grande Kalmyk MongolLama que estava nos EUA mais ou menos quando comecei a estudar tibetano. Masnaquele ponto minha universidade não era muito próxima a onde ele vivia, e euapenas pude visitá­lo algumas vezes, mas não realmente tive a oportunidade deestudar com ele.

Mas o Robert Thurman estava em todas as minhas aulas em Harvard. Éramos muitobons amigos. E ele havia estado na Índia com a Sua Santidade o Dalai Lama, e ele mefalou sobre os tibetanos, que era possível ir até lá e estudar com eles. Então, eu meinscrevi para uma bolsa Fulbright, que é uma bolsa para estudar em paísesestrangeiros, e fui para a Índia para fazer uma pesquisa para a dissertação de meudoutorado. Então, isso foi em 1969, eu tinha 24 anos.

Agora, a abordagem em relação ao budismo naqueles dias nas universidades e emoutras partes do ocidente era que, basicamente, o budismo tibetano estava morto. Eracomo estudos sobre o Egito Antigo. E eu sempre me perguntava como seria pensarassim, pensar em termos dos pensamentos budistas. Mas quando fui à Índia eencontrei a Sua Santidade o Dalai Lama pouco depois de chegar lá, eu logo

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compreendi que tudo aquilo era real. A coisa ainda estava viva, e era realmentepossível praticar o budismo. E lá havia pessoas que de fato sabiam o que os textosqueriam dizer; não eram como professores em universidades que basicamenteadivinhavam, como se estivessem fazendo palavras­cruzadas em um jornal. Então,comecei a fazer a prática de meditação e estudei com um professor de lá, GesheNgawang Dhargyey. E a Sua Santidade o Dalai Lama construiu a biblioteca tibetanaalguns anos mais tarde em Dharamsala, e ele pediu a Geshe Ngawang Dhargyey quefosse o professor ali para os ocidentais, e eu perguntei: “Será que eu posso ajudartambém?” E a Sua Santidade disse, “Sim, mas volte primeiro, entregue a dissertação,receba o seu diploma e volte.” Então, voltei para o Harvard, entreguei a minhadissertação, disse “não, obrigado” a um trabalho de professor que eles tinham achadopara mim em outra universidade e voltei para a Índia. É claro que os meus professorestodos pensaram que eu estava totalmente louco.

Vivi na Índia por 29 anos, trabalhando com os tibetanos, ajudando a estabelecer oEscritório de Tradução e a Biblioteca. Eu estudei primariamente com SerkongRinpoche, um dos professores de Sua Santidade. Fui muito afortunado pelo fato depoder ser treinado por ele de uma forma bem tradicional, como um aprendizmedieval. Basicamente, ele reconheceu que nós tínhamos uma relação kármica porcausa disso e começou a me treinar desde o começo para ser seu tradutor, eeventualmente para ser capaz de traduzir para a Sua Santidade o Dalai Lama. Então,fui o secretário do Rinpoche em inglês, seu discípulo e tradutor, viajei o mundo comele, e basicamente tive a oportunidade inacreditável de estar com ele por nove anosantes que ele morresse.

E depois que ele morreu, comecei a ser convidado para ensinar ao redor do mundotambém, e eu fazia algumas traduções para a Sua Santidade o Dalai Lama nestemomento. Ajudei a fazer muitos projetos para a Sua Santidade no mundo inteiro, atomar providências, e escrevi muitos livros. E então decidi que para ser capaz de fazero grande site que tenho agora, ter mais livros e uma comunicação mais fácil, seriamais fácil mudar para o ocidente. Assim me mudei para Berlim, na Alemanha.

Então, tenho vivido e ensinado um pouco por lá nos últimos sete anos. Mas na maiorparte do tempo trabalho com este grande site,www.berzinarchives.com, pois tenhoaproximadamente trinta mil páginas de meus manuscritos, coisas que escrevi etraduzi, e não quero que sejam jogados no lixo quando eu morrer. E também estãosendo traduzidas para outros idiomas: russo, mongol, alemão, etc, e em brevetambém estarão online.

Então, isso é o que faço e o que fiz; suponho que não seja terrivelmente típico de comoas pessoas no ocidente se envolvem com o budismo e como a vida delas se desenvolve.Mas sempre vi a minha posição como a de uma ponte. Para ser uma ponte você temque ter duas fundações, uma de cada lado de um rio ou qualquer que seja a base daponte. Então, eu tinha uma fundação no ocidente e fui capaz de viajar para muitospaíses no mundo inteiro, assim pude conhecer as diferentes culturas, em áreas nasquais as pessoas estavam interessadas no budismo – onde queriam que o budismo

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chegasse. Então, tenho uma fundação nos países que eu visitava, mas também tenhooutra fundação muito firmemente plantada com os tibetanos e a cultura budistatradicional.

Entender a Cultura Tradicional TibetanaPenso que para nós ocidentais, para sermos capazes de nos envolvermos com obudismo – em particular, o budismo tibetano – é muito importante saber apreciar acultura tradicional da qual ele vem. Pois sem entender o contexto do qual surgiu obudismo e de onde ele chega até nós, e especialmente sem entender a cultura doslamas tibetanos que vêm até nós, nós apenas nos abrimos a uma quantidadetremenda de equívocos. Vejam bem, o que eu fiz foi basicamente me encaixar nacultura tradicional tibetana.

Qual era o papel tradicional para um estrangeiro que chegou até a cultura tibetana equeria estudar? Bem, a posição era de um tradutor. Então, eu pedi que eles metreinassem para ser um tradutor. E com aquele papel, os tibetanos sabiam como serelacionar comigo, aceitei aquilo e eles aceitaram aquilo, e assim a coisa funcionou.Mas se nós não nos encaixarmos em uma forma de pensamento tradicional,particularmente no início, então realmente será muito difícil entrar no budismo. Hojeem dia eu penso que certamente não é necessário primeiro adotar a cultura tibetana,ou a cultura oriental, ou qualquer cultura tradicional asiática; não temos que ser comomacacos imitando outra cultura. Não temos que mudar a nossa dieta e as nossasroupas. Com certeza, isto não é necessário. Mas se pelo menos entendermos de ondeisso vem, teremos menos projeções e menos confusão.

Então, na cultura tradicional tibetana, as pessoas nascem em determinados conjuntosculturais de crenças. Para eles, coisas como karma, renascimento, e o fato de queexistem coisas como seres iluminados, é algo totalmente normal. Há uma apreciaçãoem relação ao valor de se tornar um monge ou uma monja e um grande respeito porisso. E se você quiser realmente estudar e praticar o budismo, você tem que se tornarmonge ou monja. Quando você se tornava monge ou monja, então você se devotavatotalmente, a tempo integral, ao Dharma – estudando, praticando – e é claro que nãodevemos descontar o fato de que havia pessoas que tinham que cozinhar comida ebuscar lenha para o fogo e água e assim por diante. Obviamente, era preciso manter omonastério também. Mas sendo um monge ou uma monja, você não tinha que sair earrumar um emprego, e não tinha que sustentar uma família. Homens e mulheresviviam separados.

Os leigos não tinham realmente muita oportunidade para estudar o budismo. Osleigos iam e diziam mantras, por exemplo, eles circungiravam. Sustentavam osmonastérios, e talvez recebessem algumas iniciações de longa vida, e coisas assim, epediam aos monges para ir às suas casas para realizar alguns rituais. Mas todosaceitavam o fato de que se a pessoa realmente quisesse estudar, ela tinha que sedevotar a tempo integral a isso e se tornar monge ou monja. Aceitavam totalmente.Então, quando convidamos um monge tradicional de uma comunidade tibetana, por

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exemplo, é daí que eles vêm.

Perspectiva Cultural OcidentalAqui estamos no ocidente e não temos nenhuma dessas coisas. Fomos criados emdiferentes culturas, e certamente a maioria de nós não acredita nem no renascimentonem no karma. Ou dizemos que acreditamos no karma, mas em realidade apenastransformamos o karma no destino, o que não é apenas ao que o karma se refere. Eserá que realmente acreditamos que existem seres iluminados? Bem, alguns de nós, sepensarmos que existe um Buda, pode ser que o confundamos com Deus, o que elecertamente não é. E quando nos deparamos com figuras como Tchenrezig, e Tara, eeste tipo de figuras de Budas, muitas pessoas no ocidente os transformam em santos –como Santa Tara e Santo Tchenrezig, e oferecem orações e luz de velas para eles comose fossem ícones da igreja.

Certamente, a maioria de nós não quer se tornar monge ou monja. De fato, as pessoasno ocidente não parecem ter um grande respeito por ocidentais que se tornammonges e monjas, o que realmente é uma pena. É realmente muito estranho ver quetudo seja distorcido. Nos centros do Dharma no ocidente nos quais há monges emonjas, ao invés de ter leigos que os ajudam e servem, os monges e monjas tornam­seserviçais servindo os leigos, e basicamente administram espécies de hotéis para leigosque vêm para fazer retiros de fim de semana. Ao invés de monges e monjas seremcapazes de ir aos ensinamentos, eles têm de ficar do lado de fora e recolher o dinheiroe assegurar­se de que a administração está correndo bem.

Como leigos, nós certamente esperávamos ser capazes de ter um foco maior noestudo, na prática e nos ensinamentos. Mas o grande problema é que não temostempo. Somos muito ocupados. Alguns de nós trabalham, alguns vão para a escola,outros têm famílias. Se viermos depois do trabalho, estaremos cansados e teremosque enfrentar um grande tráfego, por exemplo, como aqui em Moscou, para chegaraté aqui. Mesmo se quisermos escutar e aprender, quando vamos para umensinamento à noite, estamos tão cansados que adormecemos. E talvez consigamoster uma noite, quiçá no máximo duas noites por semana, mas não mais que isso.Temos outras obrigações. Então, realmente, isso é um problema.

Abordar a Prática do Dharma com Expectativas RealistasE muito depende de nossas expectativas realistas. Agora, esta pílula não é muito fácilde engolir, mas a prática do Dharma envolve basicamente o trabalho na nossapersonalidade, e tentar se livrar de nossos hábitos negativos, como o egoísmo, a raiva,a ganância – este tipo de coisas desagradáveis. A Sua Santidade costuma chamá­los de“criadores de problemas”. Essas são as coisas que criam a maior parte dos problemaspara nós e para os outros. E a prática do Dharma envolve nos treinar para desenvolverhábitos positivos, melhores e mais construtivos. E a pílula difícil de engolir é que issoé muito difícil de fazer. O nosso egoísmo e a nossa raiva não vão emborasimplesmente assim, assistindo algumas palestras uma ou duas vezes por semana ousentando todos os dias por até mesmo meia hora ou uma hora, o que para a maioria

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de nós é muito tempo para sentar e tentar meditar e praticar. Então, os nossos hábitosnegativos não irão embora com tanta facilidade. Ou seja, quando falamos do Dharmano ocidente, eu acho que é muito bom ter uma postura realista em relação a isso.

Muitas pessoas buscam o budismo por razões que não são as mais conducentes aoprogresso. Algumas pessoas o buscam porque está na moda, é a última onda. Noentanto, como a moda no universo das roupas, ela muda a cada um ou dois anos;então não se trata de uma razão duradoura para buscar o budismo. Outras pessoasbuscam o budismo porque são atraídas por exotismo, coisas realmente exóticas ediferentes, como procurar por discos voadores. Elas leram alguns romances estranhossobre como os tibetanos fazem furos nas testas das pessoas para abrir o terceiro olho,e assim por diante, e se sentem atraídas por essas coisas.

Uma vez eu estava traduzindo para um lama tibetano em Nova Iorque, o nome deleera Nechung Rinpoche. No público, uma pessoa que parecia ter tomado alguma drogalevantou e fez uma pergunta. Ele disse: “Eu ouvi dizer que Atlântida está debaixo daterra e os discos voadores estão lá e eles saem do centro da Terra através dos vulcões ea minha pergunta é se a Terra é oca?” O lama olhou para ele de forma muito, muitoséria, e disse: “Não na verdade, a Terra é plana e quadrada. Próxima questão.” Então,eu pensei que aquela foi uma resposta habilidosa, pois ela conseguiu ser até maisestranha do que a própria pergunta. Se estivermos buscando por exotismo, depois deum tempo ficaremos bem decepcionados; embora a cultura tibetana seja muitodiferente da nossa européia, não há nada de misterioso em relação a ela.

Outras pessoas buscam o Dharma basicamente porque elas estão desesperadas ebuscando por uma cura miraculosa, seja para algum problema físico ou emocional. Eisso é muito perigoso, chegar com esta expectativa, pois com esta expectativa eesperança, nós nos abrimos à possibilidade de abuso. Basicamente, as pessoas chegame dizem: “Lama, Lama, diga­me as palavras mágicas, o mantra mágico que eu tenhoque recitar. Diga­me, e eu farei qualquer coisa!” E muitas vezes elas sofrem abuso.Mas mesmo quando temos esses tipos de motivação no início, a motivação podemudar. Muitos de nós vêm apenas por curiosidade ou talvez, como foi o meu caso,uma espécie de coisa kármica os impulsiona inconscientemente.

Atitude e Abordagem Adequadas para o DharmaAgora, se olharmos para alguns dos textos tradicionais, acharemos descrições daquiloque é a atitude adequada, a melhor atitude, para alguém ter se quiser começar aestudar o Dharma. Então, um mestre indiano, Aryadeva, disse que antes de tudo, umdiscípulo em potencial tem que ser alguém que é imparcial. Isso significa sempreconceitos. Ele tem que ter a mente aberta. Não é útil vir e pensar “Bem, eu li algunslivros e já sei tudo, então só me passa a cereja para colocar no topo do bolo para eupoder concluir.” Nem ter ideias realmente estranhas sobre o budismo e pensar que éassim, e não querer ouvir mais nada, ou então uma mentalidade muito sectária, comoa mentalidade de um time de futebol, que diz “esta agora vai ser a minha seita, aminha tradição, e o restante do mundo está errado”. Então, é bom ser basicamente

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imparcial, ter a mente aberta, tipo “eu estou chegando, eu quero aprender”.

Aí, a segunda coisa que o Aryadeva disse que precisamos é de bom senso. Em outraspalavras, precisamos ser capazes de ver o que nos ensinamentos é razoável, e o quenão é. O exemplo tradicional que é dado diz que se você ler em um texto que precisavestir roupa quente, e em outro texto que você precisa vestir roupa bem leve – usandoo bom senso, você compreende que no inverno você usa roupa quente e no verão vocêusa roupa leve.

O budismo tem como intenção nos ajudar a pensar por nós mesmos. Não temos amentalidade do exército no budismo na qual o professor nos diz o que fazer e nósdizemos “Sim, senhor!” e não questionamos nada. Esta não é a maneira de serbudista. Podemos ler sobre as qualificações de um professor espiritual, como eleprecisa agir, e assim por diante. E quando virmos alguém que supostamente estáensinando e não está agindo assim, o bom senso nos diz que há algo de errado aqui. Evocê pergunta, investiga o que está acontecendo.

Depois, a terceira qualificação é ter interesse, interesse sincero no Dharma. Então, oque significa isso? Para isso, podemos olhar para outro texto de um mestre tibetanona tradição Sakya, de um grande lama chamado Sonam­tsemo. Ele escreveu um textochamado de “ O Portal para o Dharma” e ele disse que há três coisas que precisamospara entrar no Dharma, que basicamente elaboram este ponto de Aryadeva.Precisamos examinar e reconhecer o sofrimento em nossas vidas. Em outras palavras,por que é que nos interessamos pelo Dharma? Será que é apenas por curiosidade,para sermos capazes de dizer coisas interessantes enquanto tomamos um café comnossos amigos? Ou será que é porque temos pensado sobre as nossas vidas e “euobservo e reconheço que tenho problemas, que as coisas são difíceis – difíceis emtermos de como lidar com outras pessoas, de que eu fico com raiva, as coisas nãoacontecem da maneira que eu quero, e não lido bem com isso, e é difícil para mim medar bem com os meus pais e com a sociedade.”

Então, primeiro temos que observar e reconhecê­lo. E depois ter o desejo sincero desair disso, não apenas para tirar o melhor da situação. Há muitas abordagens napsicologia que dizem, “bem, a vida é dura, e a sua situação é difícil, apenas aprenda aviver com isso e não reclame muito.” Apenas “fique quieto e não sinta raiva”. Mas issonão é a intenção do budismo. Nós queremos sair disso!

E aí a terceira coisa – em adição ao reconhecimento do sofrimento e o desejo sincerode sair disso – a terceira coisa é ter algum conhecimento do Dharma para quetenhamos certa convicção de que o Dharma nos mostrará o caminho para sair disso.Então, temos que saber algo sobre o Dharma para ter interesse por ele, e estamos nosinteressando por ele em termos de seguir o Dharma como uma forma de nos ajudar asair de nossas dificuldades. Ou seja, temos interesse em de fato aplicar o Dharma anossas vidas, o que é a razão de nos envolvermos com o Dharma.

E realmente é disso que trata a renúncia. Chamamos isso de “renúncia”. Nós

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basicamente renunciamos, queremos nos livrar de nosso sofrimento e suas causas; eestamos prontos para desistir dele. E olhamos para o Dharma como uma forma de nosajudar a sair disso, o que basicamente é do que trata o refúgio, não é mesmo? Refúgioé exatamente isso. Refúgio é dar este direcionamento a nossas vidas.

Então, mesmo se formos ocidentais que não conseguem dar todo o tempo para aprática do Dharma, se não formos capazes de nos tornar monges ou monjas eabandonar tudo, e não tivermos monastérios que nos sustentem financeiramente. Emesmo se tivermos que lidar com as realidades do trabalho, da escola, da família, dotráfego, e assim por diante, ainda assim, se tivermos todos esses pontos que osgrandes mestre indianos e tibetanos mencionaram, poderemos nos beneficiar muitocom o Dharma. Descobriremos que tantos diferentes mestres disseram basicamente amesma coisa.

Agora, a quantidade de tempo que conseguimos devotar ao Dharma tem basicamentea ver, eu penso, com o quanto nós entendemos. Vocês sabem, praticar o Dharma nãorealmente quer dizer tomar meia hora ou qualquer que seja tempo que quisermostomar, e apenas sentar silenciosamente, e recitar algo, e partir para algum tipo demundo dos sonhos. Muitas pessoas fazem isso, mas no fundo isto é uma fuga. Eembora isso talvez as relaxe, o que é útil, é claro, elas não realmente sabem comoaplicar o Dharma em seus cotidianos. Então, elas se tornam bem esquizofrênicas – aprática delas é uma coisa, e o dia a dia é outra coisa. O exemplo clássico é alguémmeditando e outra pessoa chega e lhe faz uma pergunta, e ele fica com raiva, e diz:“Não me atrapalha. Vai embora, estou meditando sobre o amor!”

Aplicando o Dharma ao Nosso CotidianoMas quanto mais entendemos o Dharma, mais podemos entender como ele realmentese aplica ao nosso cotidiano. E aplicar o Dharma ao nosso cotidiano requer, antes detudo, escutar o Dharma, aprendê­lo. Agora, temos que entender o método com o qualo budismo é ensinado. É um pouco como tentar juntar as peças de um quebra­cabeças– temos uma pecinha aqui, outra pequena peça ali, e é nossa responsabilidade, cabe anós juntar tudo. E todas essas peças se conectam de muitas, muitas formas, nãoapenas de uma forma. Também, a vida é muito complicada, e por ser muitocomplicada, os ensinamentos e as práticas do Dharma também são muito profundos,extensos e complexos. Então, temos que ouvir muitos ensinamentos ou ler muitoslivros, e tentar usar nosso bom senso para juntar tudo. E ter a mente aberta – comodisse o Aryadeva, quando não entendemos algo, não digamos imediatamente “bem,isso é estúpido.” nem o rejeitemos só porque não o compreendemos. Mas tenhamosuma atitude aberta que diz “eu não entendo isso, parece muito difícil” – como, porexemplo, os ensinamentos sobre os reinos infernais, com os quais a maioria dosocidentais não quer absolutamente lidar – e digamos: “Ok, eu não entendo isso.Deixarei isso de lado por um tempo, talvez mais tarde eu entenda do que eles estãofalando.” Vocês sabem, todos esses ensinamentos sobre o renascimento e todos osdiferentes tipos de formas de vida – essas coisas são muito difíceis para todos nós,como ocidentais, nos relacionarmos com elas. Mas não é justo para com os

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ensinamentos apenas dizer: “ Bem, isso é apenas uma coisa de psicologia.” ou “Isso éestúpido e não preciso disso.”

Depois, quando conseguirmos juntar algumas peças do quebra­cabeças, entãoteremos que pensar sobre isso. E todo o processo de pensar sobre isso é basicamentetentar entender a coisa. Para isso, usamos o bom senso. E se algo for realmente,realmente estranho, perguntemos – façamos perguntas. Se não tivermos um professordisponível para perguntar a ele, perguntemos a outros alunos, leiamos mais.Certamente, tantas coisas também estão disponíveis agora em livros e na Internet;nada disso estava disponível quando eu era jovem. Agora, no mundo moderno, muitascoisas estão disponíveis. O problema com a Internet, é claro, é que há muito lixo naInternet também, então precisamos usar nosso bom senso. Qualquer coisa que torne obudismo uma espécie de coisa oculta e esquisita geralmente é lixo. Depois de vivercom os tibetanos por vinte e nove anos, posso dizer a vocês que não se trata de umpovo místico e misterioso voando através dos ares e coisas assim. Muitos deles sãomuito, altamente desenvolvidos – posso dizer isso com toda a certeza – mas eles nãovoam pelos ares nem realizam milagres.

Uma Abordagem de Mente AbertaEntão, temos que manter nossos pés no chão quando abordamos o budismo. Mesmose as formas que encontrarmos ao estudar o budismo tradicional tibetano foremmuito estranhas para nós, isso não significa que são misteriosas e esquisitas; sãoapenas diferentes. Meu principal professor, Serkong Rinpoche, costumava merepreender o tempo todo – o que realmente foi muito útil para mim. E eu me lembroque uma vez eu estava traduzindo para ele e ele estava explicando a maneira como otibetanos fazem aritmética. Eles adicionam e subtraem e é diferente da forma comofazemos isso no ocidente. E quando eu comentei em relação a isso: “Nossa, isso érealmente estranho.”, ele gritou comigo. Ele disse: “Não seja tão arrogante. Não éestranho, é diferente.” Chamar isso de estranho é apenas um sinal de arrogância. Eisso é bem verdade.

Então, quando entendemos alguma coisa dos ensinamentos, a meditação é aquilo quefazemos para desenvolver um hábito benéfico. Ao praticarmos, por exemplo, serpacientes. E a meditação não é algo que fazemos apenas sentados em uma almofadaem nosso quarto, mas podemos fazer isso o dia inteiro.

De fato, também podemos pensar sobre os ensinamentos do Dharma o dia inteiro.Mas se não tivermos realmente ouvido muitos ensinamentos e não tivermos pensadosobre eles e tentado entendê­los, então apenas ficaremos cheios de uma hesitaçãoindecisa, com dúvidas, e como é que poderemos fazer qualquer progresso?

Superando o DesânimoAgora, uma das coisas mais importantes a se lembrar ao fazer a prática do Dharma éque a natureza do samsara é de ter altos e baixos. E isso não vale apenas para orenascimento e este tipo de questões samsáricas mais vastas, mas é muito verdadeirono que se refere à nossa prática diária. Alguns dias a nossa prática vai bem, alguns

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dias não vai; alguns dias nós nem mesmo temos vontade de praticar, outros dias nossentimos muito entusiasmados. Isso é totalmente normal.

E quando as coisas não vão bem, o que vocês esperam do samsara? Que será oparaíso? É o samsara. Então, de forma alguma a nossa prática será linear e melhorarátodos os dias cada vez mais, e eventualmente viveremos felizes para sempre como emum conto de fadas. Depois de muitos anos, pode ser que ainda fiquemos chateadoscom algumas coisas. Mas a questão é não ficar desanimado.

Bem, mesmo se não formos capazes de ter práticas a tempo integral como um mongeou uma monja – e pensem que, de qualquer maneira, monges e monjas nãoconseguem ter uma prática a tempo integral; eles bebem muito chá e fazem muitasoutras coisas também, – mas não importa quanto tempo conseguimos ter para isso,não esperem resultados instantâneos. O nosso egoísmo e os hábitos negativos sãomuito fortes, mas a questão é trabalhar com eles. Como disse o Shantideva, umgrande mestre indiano: “O tempo no qual as minhas emoções perturbadoras podiamme derrubar acabou. Agora eu vou me livrar delas, e eu não vou desistir.”

E como disse a Sua Santidade o Dalai Lama: “Não olhem em termos de uma prática acurto prazo se houve ou não progresso; olhem para os últimos cinco anos, se vocês játiverem praticado por este tempo. E mesmo assim, um dia após o outro, haverá altos ebaixos; se após cinco anos vocês descobrirem que não ficam tão aborrecidos quantocostumavam ficar, e são capazes de lidar com as dificuldades de forma um pouco maiscalma, então obtiveram algum progresso.”

E não fiquem satisfeitos com apenas um pequeno progresso, não digam algo como:“Bem, agora já basta”. Mas se realmente pensarmos na natureza da mente, o que nãoé algo fácil de entender, então teremos a confiança de que é realmente possível livrar­se de todo este lixo que está nos causando problemas. Quando temos exemplos vivoscomo o de Sua Santidade o Dalai Lama e outros que podem nos inspirar pelo seuexemplo daquilo que é possível alcançar – quer eles sejam iluminados ou não, quemsou eu para dizer? Não sou qualificado para dizer isso – mas posso olhar para a formacomo eles lidam com dificuldades. Será que você pode imaginar ser como a SuaSantidade o Dalai Lama? Centenas e milhões de pessoas na China e em outros lugareso consideram a pior pessoa do mundo, e ainda assim isso não o incomoda, ele é capazde lidar com isso. Quero dizer, se uma pessoa pensa que somos terríveis, ficamos bemchateados e não somos capazes de lidar com isso.

Até mesmo se nunca o encontramos, mesmo se nunca o vimos pessoalmente, aindaassim, nós lemos sobre ele, assistimos vídeos e outras coisas com ele – e sãoinspiradores. E essa inspiração faz com que continuemos, mesmo quando os tempossão difíceis e estamos vivenciando a fase baixa dos altos e baixos do samsara.

Transformações Internas sem TrajesUm ponto final sobre a prática do Dharma – não apenas no ocidente, mas em geral –é um dos conselhos que achamos no lojong, os ensinamentos do treinamento da

Marco
Highlight
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mente, o que significa nos transformar por dentro, mas por fora permanecer normais.Isso quer dizer que o trabalho principal que temos que fazer é com nossaspersonalidades. Não temos que andar por aí usando vinte fios vermelhos ao redor dopescoço, um mala e roupas estranhas e coisas assim, porque quando as pessoas nosvirem, elas acharão que somos realmente esquisitos, algo está bem errado conosco. Ese pensarem isso, como poderemos ajudá­las? Não estarão absolutamente receptivaspara nós. Não há nada de errado com fios vermelhos e malas se você achar que isso éútil, mas você pode manter o seu fio vermelho em seu bolso, em sua carteira; vocêtambém pode guardar o seu mala no bolso ou em outro lugar, não tem que ficarmostrando para todo mundo. Na verdade, nos ensinamentos do tantra eles enfatizammuito que é bom manter todas essas coisas privadas. Se você mostrá­las para aspessoas, elas rirão de você; caçoarão de você; você terá que defender isso e assim pordiante, o que tira qualquer tipo de sentimento de sagrado que isso possa ter. Quandoisso é privado, pessoal, especial para nós, é o que tem que ser. Mas externamente,somos normais, e desta forma as pessoas ficarão abertas para nós. Podemos nosrelacionar com outras pessoas, elas podem se relacionar conosco, e isso é muitoimportante.

ConclusãoEntão, se entendermos a cultura da qual vem o budismo, então não faremosexigências descabidas nem teremos expectativas em relação a nós mesmos. Etampouco faremos exigências descabidas a nossos professores. Isso nos permite sermais humildes. Entendo que “não tenho a vantagem de acreditar automaticamenteem renascimento e automaticamente ter respeito por várias coisas. Mas tenho aeducação ocidental, então isso me oferece algumas ferramentas para pensar sobreessas coisas. E eu talvez não seja capaz de dar todo o meu tempo para o estudo e aprática do Dharma; tenho que viver uma vida prática no ocidente.” Então, não somosexigentes demais: “Bem, me passa tudo aquilo que tiver, mas eu não tenho queescutar, apenas me dá tudo instantaneamente em uma pílula.” Mas pensamos: “eutenho apenas este tempo, isso é realista, então farei o meu melhor que puder com oque eu tenho aqui à minha disposição.”

Vocês veem que se trata de um equilíbrio muito sutil entre não ser arrogante de umlado e não ficar desanimado, e dizer: “Ah, eu não posso porque não tenho tempo, eassim por diante, então por que tentar?” É muito importante não cair em nenhumdesses dois extremos. Mas se formos livres desses dois extremos, da arrogância e dodesânimo, então apenas faremos o nosso melhor. Isso é tudo o que podemos fazersem alimentar uma expectativa alta demais – ser realistas.

E lembrem­se, em sociedades tradicionais, não havia nada parecido com centros doDharma. Esta é uma invenção totalmente ocidental. As pessoas se juntavam, mongese monjas se reuniam para fazer rituais, mas ninguém se reunia para meditar juntos.Isso era algo que eles faziam sozinhos. Então, temos centros do Dharma para leigos –isso é muito bom. Mas novamente, temos que tentar evitar os dois extremos: um é detorná­lo um clube social. Com este extremo refiro­me apenas a um clube social e nada

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mais. Ou o outro extremo, que achamos em alguns centros, que é quando ninguémnem mesmo conhece o nome de ninguém, e as pessoas apenas entram e se sentam deforma muito formal, e depois não falam e vão embora, e ninguém conhece ninguém.

O que é muito útil com os centros do Dharma é que temos ali um grupo de pessoascom o qual temos gostos e interesses em comum. Então, é muito importante sermoscapazes de ser amigáveis uns com os outros, praticar o Dharma em termos de sermostolerantes e pacientes e gentis, e assim por diante, uns com os outros. Não tem que seruma sessão de terapia em grupo onde todo mundo fala tudo sobre seus problemas.Mas podemos receber muito suporte em nossa prática uns dos outros. E eu penso quese trata de uma característica importante do budismo ocidental que pode ser muitoútil. E é claro, com respeito – respeito pelos outros, por aquilo que estamos fazendo. Edesta forma, podemos ser razoáveis e seguir o caminho do Dharma com nossos pés nochão.

PerguntasEntão, será que temos perguntas?

Pergunta: Você não acha que alguns aspectos da cultura protestante são basicamentecontraditórios em relação a certas formas básicas das principais religiões do mundo e,em particular, da religião budista?

Alex: Eu acho que quando nos aproximamos do budismo temos que ser muitoconscientes do que é a bagagem cultural que carregamos conosco que pode nosconfundir em nossas práticas. Lembrem­se, o primeiro critério que Aryadevamencionou para um discípulo apropriado foi que ele precisava ser imparcial; emoutras palavras, vir ao Dharma sem preconceitos. Então, se estivermos ou não falandode vir ao Dharma de outras religiões ou de um fundo não­religioso, um fundo cultural,muitas vezes trazemos atitudes impróprias em relação ao Dharma que causam muitosobstáculos em nossa prática. E muitas vezes isso é refletido até mesmo na tradução determos com os quais aprendemos o Dharma. Então, se pensarmos em termos devirtude, não­virtude, mérito e pecado, bem e mal, e todos esses tipos de coisas, entãotraremos de muitas religiões ocidentais todo um conceito de culpa, pois somosbasicamente ruins se não estivermos praticando, e isso realmente causa problemas naprática. Quando trazemos este tipo de material, isto vem basicamente de religiões quesão baseadas em leis que são impostas por uma autoridade mais elevada. E a ética ébaseada na obediência. Se você não obedece, você é mau e será punido, e quandoobedece, então você é recompensado – embora aquela autoridade mais elevada queoferece essas leis que temos que obedecer possa ser ou uma autoridade celeste oulegislativa, as leis jurídicas. Temos a mesma coisa nesta cultura. Ou você é um bommembro do partido comunista ou um membro ruim; é a mesma coisa, a mesmamentalidade.

Enquanto que, no budismo, basicamente, quando agimos de forma destrutiva estamosfazendo isso não por sermos pessoas ruins ou culpadas, mas fazemos isso basicamenteporque estamos confusos. Estamos confusos; não sabemos que agir desta forma

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apenas causará muitos problemas. Então, a resposta para alguém assim não é: “Você éculpado e você vai para o inferno” e sim compaixão. Da mesma forma, se trouxermosde algumas religiões estrangeiras formas de pensar que não são necessariamentereligiosas, da Verdade Única – que este é o único caminho e todos os outros estãoerrados – isso também causará problemas em nossa prática. Mas os Budas ensinarammuitos, muitos métodos diferentes para muitas pessoas diferentes, e isso é muito útile necessário.

Então, não pensamos que é muito útil apontar e dizer: “vir desta cultura é pior oumais difícil do que vir daquela cultura ou desta religião ou sociedade ou cultura.” Eupenso que a questão principal é tentar ser consciente em relação a certas formas depensar que são limitadas culturalmente – que vêm de apenas uma cultura, umareligião – e não projetar isso no budismo.

Sim.

Pergunta: Pessoalmente, eu observo que a mente ocidental ou européia é maiscuriosa e pergunta mais ao estudar o Dharma do que a mente tibetana, oriental ouasiática. Então, será que pelo menos é um pouco útil fazer mais perguntas ou é umobstáculo?

Alex: Na verdade, perguntar pode ser muito útil se as perguntas forem feitas nomomento adequado. Em outras palavras, primeiro precisamos receber a informação eser pacientes. Digamos, por exemplo, em uma palestra, esperar até o fim e então fazerperguntas. Mas se você apenas ouvir uma frase e imediatamente pular e perguntarsobre aquilo que virá logo a seguir, então isso pode ser uma interrupção.

Mas se olharmos para o budismo tibetano tradicional, é verdade que os monges nãofazem tantas perguntas diretamente ao professor. Mas o que fazem é debater uns comos outros, e também o farão com o professor se estiverem em um grupo pequeno. E odebate está cheio de perguntas, como se tivéssemos que questionar tudo aquilo queestá em nossas mentes, em nosso entendimento, e questionar a compreensão dosoutros, e tentar achar uma solução nós mesmos. O debate tem como objetivo que aspessoas se ajudem a compreender.

A importância do debate é que nunca questionaríamos nossa própria compreensãotanto quando outra pessoa faria. Nós desistiríamos mais rapidamente. Se a outrapessoa que estiver debatendo conosco não desistir, e disser: “Você não estápercebendo, realmente não está entendendo.” Então, você fará outra pergunta.

E no final do processo de debate, chegamos a realmente entender algo e não ter maisperguntas ou dúvidas. E é apenas então que poderemos de fato meditar no tópico emquestão e digeri­lo. Quando não tivermos mais perguntas, teremos certeza em relaçãoao nosso entendimento.

Então, a nossa forma de questionar no ocidente não é tão útil para o desenvolvimentopessoal, pois queremos apenas perguntar e receber a resposta e acabou, e talvez,

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talvez anotaremos a resposta. E tenho que dizer que a maioria dos professoresocidentais, eu incluído, tendemos a dar a resposta por causa de nosso treinamentoocidental. Mas não se trata realmente de um método budista. O método budistapermite que os alunos tentem descobrir por si mesmos para que possam desenvolversuas mentes.

E novamente, o problema é que não temos tanto tempo para gastar um dia inteiro ouuma semana inteira debatendo algo. Queremos a resposta instantânea – você a digitaem um computador e microssegundos depois tem a resposta. Então, a forma com aqual questionamos e a forma como os budistas tibetanos tradicionais perguntam sãobem diferentes.

Por isso eu disse desde o início que o que eu acho muito útil para ser capaz de fazer aponte para as pessoas é ver: “Bem, como é que os tibetanos fazem isso?” E então verse há alguma maneira comparável para que possamos fazer isso de acordo com anossa cultura, e não apenas partir do princípio de que a nossa forma de fazer as coisasé a certa.

Então, quer façamos um debate formal, quer tenhamos apenas discussões uns com osoutros de uma forma bem mais informal, eu penso que pode ser muito útil discutir ospontos do Dharma uns com os outros. Depois, se houver algo que realmente nãoentendemos e realmente não conseguimos entender, então perguntamos ao professor.Mas se fizermos isso, também precisamos querer que o professor nos questione, a nóse ao nosso entendimento, e muitas pessoas no ocidente não gostam disso porque soacomo se elas estivessem sendo testadas e fossem receber notas, como na escola.

Sim, é verdade que os debates são feitos de uma forma muito enérgica, mas tambémsão bem divertidos. E quando alguém não sabe uma resposta e diz algo errado, todomundo ri dele. E é um exercício muito bom para superar um grande ego. Há tantodebate sendo feito que todo mundo acaba dizendo algo estúpido em algum momento,então todos ficam quites. Mas para nós no ocidente, se todos na sala de aulacomeçarem a rir quando dissermos algo incorreto ou estúpido, muitos de nós ficarãocom a baixa autoestima ainda mais baixa, o que não é tão útil.

A maioria dos ocidentais sofre de uma baixa autoestima e a maioria dos tibetanos nãosofre disso. Se sofrerem de algo, é mais do oposto, que é uma autoestima um poucoalta demais. Então, estamos nos aproximando das coisas vindo de um backgrounddiferente, e isso é novamente a bagagem cultural que trazemos conosco.

Assim, para os tibetanos, que são pessoas muito orgulhosas das montanhas, quepensam, “eu estou correto”, e assim por diante, o debate com todos rindo deles ajudaa trazê­los para a realidade. Enquanto para nós, que chegamos com baixa autoestima,isso apenas faria com que nos sentíssemos pior a nosso respeito. Então, o que façocom meus alunos é esperar por um longo, longo tempo, muitos anos, até que hajaconfiança e amizade e calidez suficientes dentro do grupo para que as pessoas sesintam suficientemente confortáveis para ter este tipo de discussão. Mas com as

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pessoas que são novas e se sentem inseguras em um grupo, isso poderia ser bemdevastador.

Então, talvez devêssemos parar por aqui por hoje à noite. Terminamos com umadedicação. E é muito importante entender por que temos uma dedicação. Se fizermosalgo positivo como escutar uma palestra do Dharma, como fizemos hoje à noite, issodesenvolverá um pouco de força positiva e entendimento. Mas se não fizermos adedicação, então será apenas força positiva para o samsara. Então, isso talvezamadureça como a capacidade de ter uma conversa bacana com outras pessoas sobreo que você escutou, e nada de especial. Mas o que precisamos fazer é como com ocomputador: temos que salvar a força positiva na pasta da iluminação. Se nãosalvarmos na pasta da iluminação, ela simplesmente vai para a pasta do samsara.Então, a dedicação é salvar na pasta da iluminação. Fazendo um backup, sim.

Então, o que dizemos é: “Que qualquer força positiva que veio disso, qualquerentendimento, possa agir como uma causa para atingir a iluminação para o benefíciode todos.” E temos que realmente ter esta intenção. Então, isso agirá como uma causapara a iluminação, o que significa que queremos ser capazes de beneficiar a todos.Vocês fazem isso apenas em suas mentes, não é necessário recitar algumas palavrasespeciais. A coisa principal é o pensamento. E a melhor coisa é fazê­lo com algumaspalavras que tenham significado para vocês. Se vocês gostarem de fazer de uma formaritual, não há nada de errado com o ritual. Mas façam o seu próprio ritual, não apenas“ blábláblá” o que não significa nada para vocês.

Okay, muito obrigado.