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    UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEEDDEESSOOPPAAUULLOOFaculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos

    Departamento de Zootecnia

    Economia bsica para os cursos de graduao em Zootecnia,Engenharia de Alimentos e Engenharia de Biossistemas.

    Texto de apoio para as disciplinasZAZ0312 ANLISE ECONMICA DA AGROPECURIA

    ZAZ0763-ECONOMIAZAZ1036 - ECONOMIA APLICADA ENGENHARIA DE BIOSSISTEMAS

    Prof. Rubens [email protected]

    Pirassununga, fevereiro de 2012

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    A reproduo do todo, parte ou partes deste texto est autorizada desde que sem

    fins comerciais ou associada a atividade lucrativa e citada a fonte

    NUNES, R. Economia bsica para os cursos de graduao em Zootecnia, Engenharia de

    Alimentos e Engenharia de Biossistemas. Pirassununga: FZEA/USP Departamento deZootecnia, 2012.

    Contedo1. O Conceito de Agronegcio ................................................................................................... 1

    1.1. Diferentes atores, diferentes sentidos ... ...................................................................... 11.2. A origem do conceito de agronegcio .......................................................................... 3

    1.3. Captando as relaes intersetoriais: a matriz insumo-produto de Leontief ................ 6

    1.4. Tecnologia no tudo ... ............................................................................................... 9

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    1. O Conceito de Agronegcio

    O objetivo deste captulo introduzir o conceito de agronegcio. Pretende-se superar o usoque o senso comum faz do conceito, retomando sua origem. O conceito de agronegcio visaum fenmeno social complexo, em que se interagem tecnologia, organizao, instituies eestratgias.

    1.1. Diferentes atores, diferentes sentidos ...

    Palavras combinadas de modos diferentes tem sentidos diferentes, e

    sentidos combinados de modos diferentes produzem efeitos diferentes.

    Pascal, Pensamentos.

    Como acontece com muitas palavras, o sentido de agronegcio depende do discurso em que

    a expresso est inserida. Vamos examinar apenas alguns trechos de textos encontrados naInternet, agrupados em dois tipos, A e B, reproduzidos no Quadro 1.

    Quadro 1. Exemplos de uso da expresso agronegcio em textos disponveis na Internet.

    Discurso tipo A Discurso tipo B

    O agronegcio vive se gabando por sua suposta altaprodutividade. No entanto, sua produo no vai para oprato dos brasileiros. Neste ano [2011], a importaode alimentos bsicos subiu para mais de 380%.

    O agronegcio fundamental para a economia do pas,

    pois representa cerca de um tero do nosso PIB e temdado grande contribuio s exportaes decommodities e produtos agro-industriais. O Brasilcaminha para se tornar uma liderana mundial noagronegcio e para consolidar nessa atividade precisoampliar sua competncia para atuar de modo eficienteno controle das cadeias de produo agropecuria demodo a garantir qualidade e segurana dos produtos edas cadeias de produo.

    O governo destina R$ 16 bi para a agricultura familiar,que ocupa 9 vezes mais pessoal do que a patronal eproduz cerca de 80% da nossa alimentao. J oagronegcio, que responde por apenas 16% dosestabelecimentos agropecurios do pas, receber esteano mais de R$ 107 bi via plano agrcola e pecurio.

    Cada vez com mais espao no mercado, o profissionalde Agronegcios viabiliza solues tecnolgicascompetitivas para melhorar a produo das plantaese aperfeioar a produtividade da criao.

    Que recentemente o agronegcio tem procuradoatrelar sua imagem ao discurso da chamadasustentabilidade no novidade. O que indito a

    sua tentativa de expropriar dos autores originais ostermos corretos para a converso ecolgica daagricultura.

    O expressivo crescimento do setor de agropecuriamudou a face da economia brasileira no sculo XX: comperspectiva de multiplicar a produtividade e romper asfronteiras no exterior, os empresrios abandonaramconceitos ultrapassados e comearam a investir muitomais rumo expanso de suas atividades no campo. Ascondies naturais muito favorveis ajudaram, e oagronegcio virou o sculo na posio de grande motordo pas.

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    Observe que cada tipo de discurso atribui ao agronegcio diferentes caractersticas:

    Tipo A:

    gabola (o agronegcio vive se gabando ...)

    incapaz de satisfazer ou desinteressado nas necessidades dos brasileiros (... suaproduo no vai para o prato dos brasileiros...)

    no gera muitos empregos (a agricultura familiar ... ocupa 9 vezes mais pessoal do quea patronal)

    captura intensamente recursos pblicos (R$ 107 bilhes, ante R$ 16 bilhes para aagricultura familiar)

    expropriador de idias (tentativa de expropriar dos autores originais...)

    Tipo B:

    fundamental para a economia do pas

    grande contribuio s exportaes de commodities e produtos agro-industriais

    competncia eficincia

    solues tecnolgicas

    moderno (abandonaram conceitos ultrapassados...)

    empreendedor

    grande motor do pas

    Apesar de empregar a mesma palavra, os discursos A e B no apontam para diferentes facetasou caractersticas do mesmo objeto, mas para objetos diferentes. Para o discurso A, porexemplo, a agricultura familiar no apenas no faz parte do agronegcio, como parece ser seu

    plo oposto. Para o discurso B, alguns agricultores familiares, mas nem todos, integram oagronegcio. As pessoas que adotam o discurso A parecem acreditar que o objetivo ou afuno do setor agropecurio produzir alimentos para a populao do pas; j o discurso Bsugere que o objetivo da atividade agropecuria a expanso, a acumulao de riquezas.

    Os discursos dos tipos A e B, como qualquer outro ato comunicativo, no existe por si s.Algum fala, algum escreve e publica na Internet ou em qualquer outro meio. Essa pessoaque fala e escreve compartilha seu discurso com outras pessoas, que podem aceitar ou recusaro contedo da mensagem. As pessoas que aceitam, usam, reelaboram discursos semelhantesconstituem grupos sociais. Os ruralistas, por exemplo, tenderiam a adotar discursossemelhantes aos do tipo B; os sem terra, os do tipo A. Quando esses grupos debatem

    publicamente, o que se v , em muitos casos, um dilogo de surdos, pois as mesmas palavras(agronegcio, capital, lucro) tem sentidos diferentes e at opostos para cada grupo.

    Nesses discursos, a expresso agronegcio carregada de valores, sentimentos e emoes,positivos para uns, negativos para outros. Algumas caractersticas da atividade agropecuriaso exageradas e tomadas como universais ou essenciais, enquanto outras so ignoradas oudeixadas na sombra. Por isso, diz-se que tais discursos fazem uso ideolgico da palavraagronegcio.

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    1.2. A origem do conceito de agronegcio

    Tradicionalmente, a economia dos pases dividida em trs setores: o primrio, que utilizadiretamente recursos naturais para produzir matrias primas (agropecuria, silvicultura, pesca,aqicultura, extrativismo vegetal, extrativismo mineral); o setor secundrio, que transforma as

    matrias primas em bens intermedirios e de consumo final (indstria de transformao,construo civil, energia); e o setor tercirio ou de servios (transporte, comrcio, serviosfinanceiros, telecomunicaes, servios de sade, etc.).

    At meados do sculo XX, esse modo de descrever os setores da economia e suas interrelaespode ter sido adequada ao objeto de estudo, mas, a partir de ento, tal classificao perdeu aaderncia com a realidade. Os estabelecimentos agropecurios eram relativamenteautossuficientes, produzindo internamente a maior parte dos insumos e da energia utilizadasnas atividades agropecurias e na subsistncia das famlias. A partir da chamada RevoluoVerde, os estabelecimentos agropecurios passam a adquirir no mercado insumos produzidospela indstria qumica, mquinas e equipamentos produzidos pela indstria metalrgica,

    combustveis da indstria petroqumica. O chamado setor primrio passa a utilizarintensamente produtos da indstria de transformao (setor secundrio) e servios (setortercirio) na produo agropecuria. Muitas das transformaes na agropecuria so induzidaspor eventos originados na indstria ou no varejo. No se pode mais compreender o setoragropecurio como uma unidade isolada, auto contida.

    Quadro 2. Comparao de sistemas agrcolas dominantes antes e depois da Revoluo Verde

    At meados do sculo XX De meados do sculo XX em

    diante

    Trao Animal MecnicaFontes de energia Animais de trao; lenha. Combustveis fsseis ourenovveis; eletricidade.

    Uso da terra Pastagens para nutrio dosanimais de trao; florestaspara o fornecimento delenha; reas cultivadas comgros e outros vegetais(alimentos e fibras).

    reas cultivadas com gros eoutros vegetais (alimentos efibras).

    Fertilizao da terra Adubo orgnico (esterco). Adubos qumicos.

    Controle de pragas e plantas

    invasoras

    Capinagem, roada. Defensivos agrcolas;

    herbicidasSementes Produzidas noestabelecimento (reserva)

    Adquiridas de empresasespecializadas; sementeshbridas

    Colheita Manual Mecnica

    preciso lembrar que a Revoluo Verde ocorre por meio de muitas mudanas graduais e queos diferentes estabelecimentos se adaptam s inovaes tecnolgicas em ritmosdiferenciados. Alguns estabelecimentos desaparecem no processo. possvel encontrar emalgumas partes do mundo agricultores que produzem com tcnicas consideradas arcaicas.

    Assim, os sistemas agrcolas descritos no Quadro 2 so tipos ideais que representam asprticas dominantes ou mais frequentes em cada perodo.

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    Os animais de trao criados e mantidos no estabelecimento agropecurio foram substitudospor tratores, implementos, combustveis e lubrificantes adquiridos de terceiros. Amecanizao possibilitou o aumento da produo agrcola, por duas razes: (i) o aumento daprodutividade do trabalho e do capital fsico, e (ii) a liberao de terras destinadas produo

    de forragens anteriormente consumidas pelos animais de trao. Ao mesmo tempo, aumentoua dependncia do estabelecimento em relao a seus fornecedores, assim como a necessidadede capital de giro, o dinheiro necessrio para adquirir os insumos modernos.

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    Box 1 - Mudanas na agropecuria induzidas pela indstria de alimentos ... ou, em ltima

    instncia, pelo consumidor!

    No Brasil, as tecnologias de tratamento do leite mais difundidas so a pasteurizao HTST (High

    Temperature Short Time), em que a temperatura do leite elevada a 75C de 15 a 20 s, e a UHT(Ultra High Temperature), em que o leite aquecido temperatura de 130 C a 150 C por 2 a 4 s.

    O leite pasteurizado pelo processo HTST conhecido no mercado como leite pasteurizado dostipos A, B, e C, enquanto o leite UHT conhecido como leite longa vida. A vida til do leitepasteurizado de 5 dias, ao passo que a do longa vida de 4 meses.

    Grfico 1. Brasil - Vendas Internas de Leite Longa Vida e Leite Pasteurizado HTST(milhes de litros)

    Fonte: ABLVAssociao Brasileira do Leite Longa Vida

    O Grfico 1 mostra a evoluo das vendas do leite pasteurizado e do leite longa vida. Entre 1995 e2001 ocorre uma rpida substituio do leite pasteurizado pelo longa vida. Essa mudana afetouno apenas os laticnios, que tiveram que investir em equipamentos para produzir o leite longavida, como tambm na produo rural e na distribuio do leite.

    O leite pasteurizado depende da cadeia de frio em seu caminho at o consumidor final. O longavida, no. As compras de leite pasteurizadas so freqentes, s vezes dirias, principalmente empadarias. O longa vida comprado em maiores quantidades e com menor freqncia,

    principalmente em supermercados.

    Em virtude da maior vida til, o leite longa vida pode ser transportado a grandes distncias. Antesda introduo dessa tecnologia, a produo leiteira se concentrava nas proximidades das reasconsumidoras, com destaque para as regies metropolitanas e grandes cidades. A perecibilidadedo leite protegia os produtores rurais contra a concorrncia de produtores distantes. O leite longavida mudou a geografia da pecuria leiteira, assim como induziu mudanas nos estabelecimentospecurios para a adoo de prticas como a ordenha mecnica e o resfriamento do leite noestabelecimento produtor.

    O conceito de agronegcio enfatiza as interdependncias entre os diferentes segmentos dos

    sistemas agroindustriais. Sem entender o que ocorreu na indstria de lcteos e na distribuio dealimentos, impossvel compreender a dinmica da pecuria leiteira das ltimas dcadas.

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    1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Pasteurizado Longa Vida

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    Este sistema pode ser reescrito em notao matricial:

    O valor dos bens e servios produzidos por um setor se divide em (i) bens e servios utilizadosna produo de outros bens por todos os setores da economia, e (ii) bens e servios finais, isto, bens e servios fornecidos ao consumidor final.

    AX + Y = XRearranjando os termos, com I representando a matriz identidade, temos:

    (IA) X = Y

    X = (IA)-1Y

    O termo (IA)-1 a matriz de Leontief, que uma aproximao linear de quanto a produodos setores 1, 2 e 3 precisa crescer para atender aumentos da demanda por bens e serviosfinais desses setores (Y1, Y2, Y3).

    Vamos admitir que o setor 1 seja a agropecuria; o setor 2, a indstria de transformao; e osetor 3, o setor de servios. Antes da Revoluo Verde, o coeficiente tcnico a11era alto, pois aagricultura produzia a maior parte dos prprios insumos, ao passo que os coeficientes a21e a31,que representam a demanda do setor agropecurio por insumos e servios da indstria detransformao e do setor de servios, eram baixos. As mudanas tecnolgicas e de mercado

    associadas Revoluo verde diminuram o coeficiente tcnico a11, tornando o setoragropecurio menos independente dos demais, e aumentaram os coeficientes a21 e a31,expressando o crescimento da utilizao de insumos industrializados e de servios naproduo agropecuria.

    A Tabela 1, baseada em informaes do Sistema de Contas Nacionais do IBGE, agrega asatividades econmicas em doze setores e discrimina o valor dos bens intermediriosconsumidos pelos prprios setores e fornecidos para os demais setores, assim como o valordos bens finais. Observe que 68,9% do valor dos bens intermedirios da agropecuria soprovenientes da indstria de transformao, ao passo que 22,3% desse valor so fornecidospelo prprio setor agropecurio. Os servios de transporte e armazenagem representam 3%

    dos bens e servios intermedirios consumidos na produo agropecuria. Por outro lado,13,6% das compras de bens intermedirios pela indstria de transformao so produtosagropecurios.

    Podemos, por enquanto, extrair duas concluses: (i) o agronegcio maior, em termoseconmicos, que o setor agropecurio: o impacto da agropecuria deve ser avaliado no spelos bens finais, mas tambm pelos bens intermedirios que esse setor demanda e ofertapara outros setores; e (ii) o crescimento de um setor condicionado pela capacidade de outrossetores crescerem ao mesmo tempo: para a indstria de alimentos crescer, por exemplo, preciso que a oferta de produtos agropecurios tambm cresa.

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    Tabela 1BRASIL - Usos de bens e servios - 2009

    Consumo intermedirio das atividades (valores correntes em 1 000 000 R$) DemandaFinal

    ValorBruto01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12

    01 26 639 0 166 855 0 0 0 0 0 0 0 3 575 675 116 480 314 22402 2 063 8 816 104 421 7 207 5 678 0 0 0 0 0 62 51 47 914 176 21203 82 153 22 985 728 268 15 741 112 153 33 821 74 834 18 304 11 355 3 184 140 993 45 206 1 399 255 2 688 25204 1 595 3 547 42 260 42 850 618 10 286 3 666 2 894 2 192 374 17 275 15 642 71 727 214 92605 0 2 100 2 222 19 6 389 278 31 1 090 1 683 6 570 3 734 19 067 249 058 292 24106 0 0 5 432 0 66 9 040 0 0 0 0 15 0 2 893 17 44607 3 590 13 277 48 536 3 400 1 686 24 640 24 467 4 966 2 731 425 10 772 4 882 103 585 246 95708 756 3 578 17 102 2 350 673 6 862 3 253 38 756 18 944 749 47 623 39 229 75 613 255 48809 2 168 3 225 59 983 2 421 3 383 13 371 8 873 7 722 43 260 2 130 8 840 37 876 148 357 341 60910 167 11 347 10 023 762 1 111 15 030 2 775 7 107 2 095 1 315 11 702 13 265 235 213 311 91211 84 10 684 43 422 9 332 6 753 30 828 18 770 25 986 26 458 5 214 46 168 53 491 486 536 763 72612 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 663 620 663 620

    TOTAL 119 215 79 559 1228524 84 082 138 510 144 156 136 669 106 825 108 718 19 961 290 759 229 384 3 600 251 6 286 613

    01 Agropecuria

    02 Indstria extrativa

    03 Indstria de transformao

    04 Produo e distribuio de eletricidade e gs, gua, esgoto elimpeza urbana

    05 Construo civil

    06 Comrcio

    07 Transporte, armazenagem e correio

    08 Servios de informao09 Intermedia o financeira, seguros e previd ncia complementar e

    servios relacionados

    10 Atividades imobilirias e aluguis

    11 Outros servios

    12 Administrao, sade e educao pblicas e seguridade social

    Fonte: elaborado a partir de IBGESistema de Contas Nacionais

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    1.4. Tecnologia no tudo ...

    Davis e Goldberg, que criaram o neologismo agribusiness em 19571, partiram da anlise damatriz insumo-produto, como alternativa viso tradicional de um setor primrio quaseautossuficiente, que explorava diretamente recursos naturais para produzir matrias primas.Pela definio clssica, o agronegcio a soma das operaes envolvidas no processamento edistribuio dos insumos agropecurios, as operaes de produo na fazenda; e o

    armazenamento, o processamento e a distribuio dos produtos agrcolas e seus derivados.

    Alguns anos mais tarde, Goldberg2 ampliou o conceito para incluir, alm das relaes entrecompradores e vendedores de insumos, servios e produtos direta ou indiretamenteoriginados no setor agropecurio, as influncias institucionais, ou seja, os efeitos de polticasgovernamentais (tributao, normas sanitrias, poltica comercial, etc.), de aes coletivasempreendidas por associaes das indstrias e por organizaes no governamentais, bemcomo de mudanas na cultura e valores dos consumidores finais.

    A proposta de Davis e Goldberg consistia em estudar o agronegcio como uma totalidade (asoma das operaes), como um sistema. Um problema que emerge da definio clssica se

    refere ao modo como se processa a soma das operaes necessrias para os vrios sistemasagroindustriais levarem ao consumidor final alimentos, fibras e combustveis. Os coeficientestcnicos e a matriz de Leontief informam que, para se obter uma unidade adicional dedeterminado produto, necessrio produzir unidades adicionais de alguns insumos. Mas ficamno ar algumas perguntas: Como o insumo do setor 1 transferido para o setor 2? Como osempresrios do setor 2 sabem que ser preciso produzir mais, para atender a demanda dosetor 1? Quais as especificaes dos insumos do setor 1 para que o setor 2 possa operar comeficincia?

    A tecnologia um aspecto importantssimo dos sistemas agroindustriais (um exemplo foiapresentado no Box 1), mas no possvel reduzir a complexidade desses sistemas a relaestecnolgicas. As tecnologias so operadas por organizaes (em geral, empresas ou firmas), enem a estrutura interna das organizaes, nem as relaes entre organizaes, so explicadasinteiramente pela tecnologia.

    Para que os indivduos cooperem uns com os outros, coordenando seus trabalhos para obtermais valor do que obteriam agindo individualmente, necessrio o estabelecimento de regrasque definem direitos, do incentivos positivos para quem coopera, e incentivos negativos oupunies para quem no coopera. (O Box 2 mostra um exemplo em que um grupo de pessoas

    poderia ter um desempenho melhor se conseguisse estabelecer regras adequadas.) Essasregras, chamadas genericamente de instituies, so elementos importantes dos sistemasprodutivos em geral.

    Para a compreenso de um sistema agroindustrial preciso levar em conta tambm asestratgias dos agentes que afetam esse sistema. A implementao de algumas estratgiasempresariais pode requerer mudanas nos mecanismos de coordenao da cadeia desuprimentos e/ou na cadeia de distribuio. Os sistemas agroindustriais se constroem a simesmos no tempo: so entidades histricas.

    1DAVIS, J. H; Goldberg, R. A. A concept of agribusiness. Boston: Harvard University. 1957. 135 p.2GOLDBERG, R. A. Agribusiness coordination. Boston: Harvard Univesity, 1968.

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    Essas idias parecem um tanto abstratas, por isso conveniente recorrer a um exemplo.A cultura irrigada de uvas na regio irrigada do Vale do So Francisco (Petrolina / Juazeiro) semanteve incipiente at o incio deste sculo. Eram cultivadas variedades de uva com semente(Itlia, Red Globe, Itlia Ros, etc), mas as vendas no cresciam significativamente. Parte daproduo era embarcada para a Europa, onde se enfrentava a concorrncia de fornecedores

    com maior escala e tradio mais longa.

    Em 1992 foi criada uma associao a BGMB - Brazilian Grapes Marketing Board com oobjetivo de viabilizar a exportao de uvas da regio. A idia era unificar a comercializao dauva da regio no mercado externo, aumentando a escala e melhorando as condies deentrada em novos mercados. Alm de atuar na comercializao, o BGMB tambm atua nacompra de insumos, tais como embalagens e contratao de fretes, reduzindo os custos eentraves da negociao individual. A Assosciao tambm presta todo tipo de assessoriatcnica, agronmica e comercial aos produtores.

    Para fazer parte do BGMB, os produtores precisam atender a uma srie de requisitos com

    relao a parmetros de qualidade e boas prticas agrcolas, sendo submetidosperiodicamente a controles e avaliaes por parte dos tcnicos do board. Para garantir quesuas uvas atendam os exigentes requisitos de qualidade e segurana do mercado europeu, oGrupo Labrunier apia a sua produo em dois princpios: rastreabilidade e certificao.

    O BGMB contratou um agente comercial no exterior, a empresa alem KLLA, que sinalizouque seria melhor produzir uvas sem semente, por serem mais demandadas e mais valorizadaspelo consumidor europeu. A oferta de uvas de semente no mercado europeu tinha doisperodos de forte escassez ao longo do ano, nos meses de abril/maio e outubro/novembro,quando todos os produtores tradicionais da uva sem semente se encontram na entressafra.Caso os produtores do Vale do So Francisco conseguissem ofertar uvas sem semente de boaqualidade durante essas janelas de mercado, teriam a uma grande oportunidade de

    lucros.3

    Superadas diversas dificuldades tecnolgicas e de gesto com o apoio da Embrapa e doSebrae, a exportao de uvas sem semente induziu forte crescimento da rea cultivada, donmero de estabelecimentos dedicados vinicultura e do nmero de empregos diretos eindiretos na regio.

    Esse exemplo apresenta algumas caractersticas que precisamos reter: (i) para implementaruma estratgia considerada mais lucrativa (a exportao de uvas), foi preciso criar uma novaforma de organizar os produtores, na qual eles pudessem cooperar de modo eficaz e eficiente

    nem mesmo o Grupo Carrefour conseguiria fazer tudo sozinho; a organizao do sistema no independente das estratgias dos agentes; (ii) transformar uma idia (exportar uvas lucrativo) em uma inovao (uma organizao capaz de obter o produto demandado nomercado externo e operacionalizar a exportao) requer algum tipo de lideranapense emquantos contatos, quanta conversa antecedeu a criao da associao; imagine que pode terhavido ceticismo e desconfiana que, afinal, acabaram sendo superados; (iii) o sistemaagroindustrial dinmico, tem uma histria: se no tivesse sido criada a Associao, o agentecomercial no exterior no teria sido contratado, e, muito provavelmente, os produtores daregio no saberiam que havia uma oportunidade no mercado europeu.

    3MORI,F.;JAYO,M.;SAES,M.S.M;FARINA,E.M.M.Q. Grupo Carrefour: coordenando aes para aexportao de uvas de mesa do Vale do So Francisco. Estudo de Caso. Pensa, 2005. www.pensa.org.br

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    Box 2O problema da (falta de) coordenao

    Assim como o trem noturno me deixou em um campo vazio a alguma distncia do povoado, oprocesso de desenvolvimento econmico passou ao largo das duzentas e tantas famlias da vila de

    Palanpur. Elas permaneceram pobres, mesmo para padres indianos: menos de um tero dosadultos so alfabetizados, e a maior parte sofreu a perda de crianas por desnutrio ou doenash muito esquecidas em outras partes do mundo. A exceo de raros relgios de pulso, bicicletas,ou bombas de irrigao, Palanpur parece ser um remanso parado no tempo, intocada pelavanguardista indstria de software indiana e pelas regies agrcolas florescentes.

    Tentando entender por que, eu abordei um meeiro e suas trs filhas que capinavam umapequena roa. A conversa acabou indo para o fato de que os agricultores de Palanpur semeiam asculturas de inverno muitas semanas depois do perodo no qual a produo seria maximizada. Osfazendeiros no duvidam de que semear mais cedo resultaria em colheitas mais abundantes, masningum, como explicou o agricultor, quer ser o primeiro a semear, pois as sementes colocadas

    em um nico lote seriam rapidamente comidas pelos pssaros. Perguntei se um grande grupo deprodutores, possivelmente parentes, poderia concordar em todos plantarem mais cedo nomesmo dia, para minimizar as perdas. Se ns soubssemos como fazer isso, ele respondeu, ns

    no seramos pobres.

    Plantar no dia certo, todos ao mesmo tempo, a soluo de um problema conhecido comodilema socialouproblema da coordenao.

    Traduo livre de BOWLES, Samuel. Microeconomics: behavior, institutions, and evolution.Princeton University Press, 2004.