1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura...

414

Transcript of 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura...

Page 1: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

1 Prólogo

Page 2: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

2 Prólogo

Page 3: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

3 Prólogo

Escrito por Amilton Júnior

AMOR NA GUERRA

Page 4: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

4 Prólogo

“O amor é fogo que arde sem se ver”

~ Luís Camões

Page 5: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

5 Prólogo

Page 6: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

6 Prólogo

Índice Prólogo ...................................................................................................................................................... 9

Capítulo 01 – Um Só Corpo .......................................................................................................... 10

Capítulo 02 – “Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta” ................................................ 16

Capítulo 03 – Os Judeus.................................................................................................................. 21

Capítulo 04 – Separação .................................................................................................................. 26

Capítulo 05 – Amor Sofredor ......................................................................................................... 31

Capítulo 06 – Cativos ........................................................................................................................ 36

Capítulo 07 – O Pequeno Noah ..................................................................................................... 41

Capítulo 08 – Na Mata I.................................................................................................................... 46

Capítulo 09 – Na Mata II .................................................................................................................. 51

Capítulo 10 – Amigos ......................................................................................................................... 56

Capítulo 11 – Manfred Hoff ............................................................................................................ 61

Capítulo 12 – Punição por Amar ..................................................................................................... 66

Capítulo 13 – Saudade ..................................................................................................................... 71

Capítulo 14 – Medos e Anseios ...................................................................................................... 76

Capítulo 15 – Palavras do Coração ................................................................................................ 81

Capítulo 16 – Angústia ...................................................................................................................... 86

Capítulo 17 – Consequências do amar .......................................................................................... 91

Capítulo 18 – Emoção ....................................................................................................................... 96

Capítulo 19 – Ira ............................................................................................................................... 101

Capítulo 20 – Irmãos ........................................................................................................................ 106

Capítulo 21 – Marcas do Passado ............................................................................................... 111

Capítulo 22 – Futuro ....................................................................................................................... 116

Capítulo 23 – Fracasso ................................................................................................................... 121

Capítulo 24 – Boa Notícia ............................................................................................................ 126

Capítulo 25 – “Ou Mata Ou Morre” .......................................................................................... 131

Capítulo 26 – Surpresa Indesejável ............................................................................................. 136

Page 7: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

7 Prólogo

Capítulo 27 – Desabafos ............................................................................................................... 141

Capítulo 28 – “Ele Vai Pagar!” ..................................................................................................... 146

Capítulo 29 – Noite de Natal ........................................................................................................ 151

Capítulo 30 – Aliados ..................................................................................................................... 156

Capítulo 31 – Só Funciona com Amor ....................................................................................... 161

Capítulo 32 – Engano ..................................................................................................................... 166

Capítulo 33 – Antiga Promessa .................................................................................................... 171

Capítulo 34 – Pedido Inesquecível ................................................................................................ 176

Capítulo 35 – A Dor do Amor ..................................................................................................... 181

Capítulo 36 – Fim da Dignidade ................................................................................................... 186

Capítulo 37 – Corações ................................................................................................................. 191

Capítulo 38 – Crianças ................................................................................................................... 196

Capítulo 39 – Mensagem Confortante ....................................................................................... 201

Capítulo 40 – Choque de Realidade ........................................................................................... 206

Capítulo 41 – Amor de Criança ................................................................................................... 211

Capítulo 42 – Amor Inexplicável ................................................................................................... 216

Capítulo 43 – Escolha .................................................................................................................... 221

Capítulo 44 – Passado Luminoso ................................................................................................. 226

Capítulo 45 – Amor Indestrutível .................................................................................................. 231

Capítulo 46 – Equívoco .................................................................................................................. 236

Capítulo 47 – Bravura ..................................................................................................................... 241

Capítulo 48 – Crueldade ................................................................................................................ 246

Capítulo 49 – Mudança .................................................................................................................. 252

Capítulo 50 – Amor ......................................................................................................................... 257

Capítulo 51 – Promessa Difícil ...................................................................................................... 262

Capítulo 52 – “Precisa Ser Forte!” .............................................................................................. 267

Capítulo 53 – Estratégia Fracassada ......................................................................................... 272

Capítulo 54 – Plano de Salvação I ............................................................................................... 277

Page 8: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

8 Prólogo

Capítulo 55 – Plano de Salvação II .............................................................................................. 282

Capítulo 56 – Imprevistos ................................................................................................................ 287

Capítulo 57 – Reencontros ............................................................................................................ 292

Capítulo 58 – Amor Eterno .......................................................................................................... 297

Capítulo 59 – Eternidade .............................................................................................................. 302

Capítulo 60 – Confronto ................................................................................................................ 307

Capítulo 61 – Promessas ................................................................................................................ 312

Capítulo 62 – Pedido Especial ..................................................................................................... 317

Capítulo 63 – Opções .................................................................................................................... 322

Capítulo 64 – Fidelidade ................................................................................................................ 327

Capítulo 65 – Mudança Inesperada ............................................................................................. 332

Capítulo 66 – Traição ..................................................................................................................... 337

Capítulo 67 – Nasce o Amor ........................................................................................................ 342

Capítulo 68 – Reações .................................................................................................................... 347

Capítulo 69 – Perdão ....................................................................................................................... 352

Capítulo 70 – Monte Castelo ....................................................................................................... 357

Capítulo 71 – Perder Alguém ........................................................................................................ 362

Capítulo 72 – Início do Fim ............................................................................................................. 367

Capítulo 73 – Justiça com as Próprias Mãos ............................................................................ 372

Capítulo 74 – Devastação ............................................................................................................. 377

Capítulo 75 – O Inesperado .......................................................................................................... 382

Capítulo 76 – Herói ......................................................................................................................... 388

Capítulo 77 – Retorno .................................................................................................................... 393

Capítulo 78 – Inevitável Amor ....................................................................................................... 398

Capítulo 79 – Caminhos Improváveis ........................................................................................... 403

Capítulo 80 – Amor na Guerra ..................................................................................................... 408

Page 9: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

9 Prólogo

Prólogo

Destruição.

Quando falamos de guerra aparecem na nossa mente imagens de angústia,

dor, lágrimas e muito sofrimento. Aterrorizados, tentamos nos imaginar em uma

situação tão cruel e desumana provocada, ainda que ironicamente, pelo próprio ser

humano.

Simplesmente a ideia de amor em uma guerra não existe, não conseguimos

imaginar esse sentimento tão nobre, puro e suave em meio ao lamaçal de um evento

sanguinário, horroroso e degradante. Mas ele está lá. Sim, o amor em muitas das

suas formas está lá.

Holocausto. Milhões de mortos, milhões de inocentes, entre crianças e velhos,

ricos e pobres, homens e mulheres. Mortos sem nada dever, mortos sem nada

entender. Queimados, asfixiados, mutilados, esfomeados, sedentos. Milhões

morreram sem ao menos conquistar o direito em se despedir de seus amigos e

familiares dos quais, de maneira deturpada, foram separados. Existe amor nesse

cenário?

Remando contra a maré, buscando a contrária certeza, essa história promete

reforçar a ideia de que o amor também se faz presente naqueles momentos de

completa angústia. Seja entre um casal que separado por um continente mantém

contato através das palavras escritas com o sentimento, desenhados em um papel

com gotas de lágrimas; seja entre soldados amigos que ficam um ao lado do outro

para se protegerem de qualquer perigo; seja entre duas pessoas totalmente

contrárias na ideologia, mas definitivamente iguais em sua essência.

Ainda que dolorosa, lastimável e sofredoramente é sim possível contar uma

história de amor que aconteceu durante uma etapa egoísta na história da

humanidade. Lágrimas podem rolar, sangue pode cair, mas o coração pulsará mais

forte quando o mais nobre dos sentimentos humanos trouxer de volta a paz.

Page 10: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

10 Capítulo 01 – Um Só Corpo

Capítulo 01 – Um Só Corpo

[Rio de Janeiro, Brasil – 1943]

Enquanto a Europa fervia, a tranquilidade ainda imperava nos corações

brasileiros, embora tivessem conhecimento dos ataques sofridos às embarcações

pelos nazistas muitos não acreditavam que seriam postos em guerra, talvez não

quisessem, mas sabiam que a neutralidade do Brasil perante tamanho evento já havia

se dissolvido. Era uma questão de tempo.

Mas ainda assim continuavam suas vidas, prosseguiam em seus sonhos,

construíam o próprio futuro sem maiores preocupações, sem o medo de que tudo

pudesse mudar de repente, vivendo em um dos maiores erros de uma pessoa:

acreditar ser imune a qualquer problema.

A igreja estava lotada. Dentre familiares e amigos estavam aqueles que

compartilhavam a alegria daquele casal exibindo em seus sorrisos emocionados a

satisfação por contemplarem tal momento, todos se encontraram naquele lugar para

a celebração da união entre duas pessoas que ainda não foram vitimizadas pelo ódio

que consumia o mundo e, então, exibiriam o amor que as contagiava perante tantos

olhos.

O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso

denunciava a felicidade que seu coração sentia e a ansiedade que sua alma sofria.

Não via a hora de ver entrar pelas extensas portas aquela que o conquistara desde

a infância, aquela que transformara a inocente amizade em avassaladora paixão,

aquela que lhe fazia suar frio, tremular as pernas e contrair o maxilar por tamanha

apreensão. Amava-a com todas as suas forças, desejava o seu amor mais do que

qualquer outra coisa e ansiava por viver toda uma vida ao lado da mulher que o

enfeitiçava.

Finalmente a melodia nupcial anunciou a chegada de alguém muito aguardado.

Os convidados se puseram em pé.

O temeroso rapaz limpou o suor na testa.

As portas se abriram revelando uma doce jovem de sorriso suave e olhos

serenos que dava passo por passo, ao lado do avô, como se pisasse sobre as nuvens

Page 11: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

11 Capítulo 01 – Um Só Corpo

do céu, como se andasse pela sublimidade dos favos de mel, como se os seus pés

não tocassem o chão. Encarando os ali presentes teve a certeza de que o grande

dia chegara, o dia no qual mais uma vez provaria a grandeza do seu amor, a nobreza

do seu sentimento e a sinceridade do seu desejo. Fitando os olhos daquele que lhe

estendera a mão e a trouxe para mais perto foi afligida pela vontade de chorar, mas

suas lágrimas eram de contentamento, de puro êxtase, lágrimas que a felicidade do

amor motivava.

Homem e mulher ajoelharam-se perante o religioso como se estivessem diante

de Deus, precisavam dos seus conselhos, esperavam por suas bênçãos.

Todos se sentaram.

— Hoje, mais uma vez, estamos aqui para a oficialização de uma união forte e

que deve ser indestrutível — o padre deu início às suas palavras —. Como lemos nas

Sagradas Letras o homem e a mulher que se unem devem se comportar como uma só

carne, devem compartilhar das mesmas alegrias e derramarem as mesmas lágrimas,

devem sentir os mesmos prazeres e ajudar um ao outro nas horas de dores. Como

uma só carne precisam dialogar, precisam saber se ouvir, devem buscar o acordo em

todas as situações. Como uma só carne ninguém deve se colocar na posição de

superior, o homem não é mais que a mulher e nem a mulher mais do que o homem

porque são uma só carne! — fechou a Bíblia após seu rápido, porém rico discurso —.

Henrique dos Santos, é de sua livre e espontânea vontade que aceita Carol

Oliveira como sua esposa e promete amá-la e respeitá-la até que a morte os separe?

O jovem soldado levou sua atenção para a moça ao seu lado. Por alguns

instantes se perdeu no brilho dos olhos azuis e se embriagou no sorriso perfeito que

lhe era direcionado. Com a emoção que o regia tocou a pele clara, deslizou o dedo

pelo rosto suave, não conseguia acreditar que estava sendo presenteado com o

melhor que a vida poderia lhe dar: o amor daquela mulher.

— Sim.

— Carol Oliveira, é de sua livre e espontânea vontade que aceita Henrique

dos Santos como seu esposo e promete amá-lo e respeitá-lo até que a morte os

separe?

A jovem mulher também precisou de alguns segundos para se perder, como em

tantas vezes, nos olhos verdes que a encaravam cheios de energia e no semblante

Page 12: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

12 Capítulo 01 – Um Só Corpo

apaixonado que balançava seu coração. Em sua mente prometia mais do que amá-lo

e respeitá-lo, prometia jamais esquecê-lo mesmo que a morte os separasse.

— Sim.

— Portanto, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo eu vos declaro

marido e mulher. Que as bênçãos de Deus caiam sobre vós!

Sob aplausos emocionados beijaram-se apaixonados. Beijaram-se meditando

naquilo que concordaram, foram livres para aceitarem um ao outro e espontâneos

para acolherem um ao outro, estavam predestinados àquele fim, desde o início

estiveram fadados a serem como uma só carne, um só corpo, um só sentimento: amor.

Não eram ricos o suficiente para planejarem uma luxuosa viagem de lua de mel,

na verdade o que tinham lhes garantia uma vida normal, sem tantos apertos como

também sem tanta largueza, porém, por ser um soldado exemplar, o jovem militar

ganhou uma viagem para o sul do país, poderia aproveitar as belezas do lugar sem

qualquer obrigação, sem qualquer missão surpresa, sua única preocupação seria em

tornar aquela experiência em algo inesquecível.

Foram confortavelmente alojados em uma das pousadas que mantinham os

aspectos da época colonial em construções inspiradas nos modelos europeus. Fazia

frio, na verdade o inverno naquela região estava bem mais rigoroso do que na

graciosa Rio de Janeiro, um inverno que transformava o abraço em frente à clareira

algo mais do que agradável, indispensável.

Sentindo a esposa em seus braços e exalando seu doce aroma Henrique se

sentiu satisfeito, um homem realizado, alguém que atingira seu maior objetivo, que

cumprira com uma importante missão. Ainda lhe custava acreditar que o que vivia era

a realidade e não mais um de seus sonhos. Embora novo, com apenas vinte e dois

anos, possuía a convicção de que aquele seria seu maior acerto na rápida passagem

por esse universo.

— Tudo parece um sonho por tanta perfeição — era romântico, manejava as

palavras com sentimento, deixava que seu coração falasse por seus lábios —. Desde

Page 13: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

13 Capítulo 01 – Um Só Corpo

que descobrimos o que realmente significávamos um para o outro ansiei pelo dia em

que estaríamos assim, aquecendo-nos, compartilhando da nossa companhia.

Ouvindo o suave timbre da voz aveludada Carol fechou os olhos para sentir

aquele som dentro do seu coração. Desde a adolescência, quando os verdadeiros

sentimentos despertaram, imaginava aquela cena em seus devaneios: estariam juntos,

protegendo um ao outro, discursando amores.

— Mas é a melhor das realidades — abriu o sorriso que sempre encantou aquele

que o encarava —. Finalmente nos foi dado o privilégio de construirmos a nossa vida,

de realizarmos os nossos desejos.

Enquanto a clareira tornava o abraço ainda mais aquecido as palavras

continuavam, palavras que aumentavam a certeza de um amor que há tempos nascera.

— Acredita que a morte poderá nos separar? — o militar ainda refletia sobre as

sábias palavras do religioso, na verdade surgia em seu peito o medo daquela

separação.

De igual modo a doce mulher procurava não enfrentar em sua mente aquela

possibilidade, embora soubesse que aquela era a ordem natural das coisas, que os

anos passariam e a hora da despedida iria chegar preferia acreditar em uma

eternidade que jamais existiria.

— Acredito que ainda distantes nossos corações se manterão unidos —

encarou os olhos verdes como se procurasse neles a esperança para aquela certeza,

como se previsse a distância, como se fosse avisada daquilo —. Acredito que nos

manteremos vivos em nossas memórias.

Henrique sentia o mesmo, cultivava a mesma certeza, mas também sentia medo

pelo porvir, parecia ser avisado pelo futuro, parecia ser preparado para um destino

de sofrimento. Ainda que seu coração se afligisse naquele momento preferiu

acreditar que tudo não passava de delírios que o medo precoce em perder alguém

muito importante causava em seu ser. Beijou aquela que amava procurando no corpo

a saciedade para sua paixão sedenta, envolveu a amada com o todo o seu calor,

formaram um só corpo com uma só carne em um mesmo sentimento.

Page 14: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

14 Capítulo 01 – Um Só Corpo

Algum tempo depois...

A Europa fervia enquanto soldados brasileiros recebiam suas convocações

para a guerra. Dentre os convocados, Henrique dos Santos.

Todos os seus pressentimentos e receios angustiantes se confirmaram. Não

tinha condições para aquilo, não conseguia se enxergar em meio a um campo de

batalhas tentando se proteger de tantos ataques, precisando matar para sobreviver.

Sentia-se pressionado. Naquele dia chegou mais cedo em casa, não encontrando a

esposa se sentou no sofá, pensava em como dar a notícia.

Carol, por sua vez, andava radiante pelas ruas cariocas ansiosa por dar sua

notícia ao esposo, uma notícia que a fazia sonhar novos sonhos para o futuro, uma

notícia que significava a realização de mais um desejo. Ao chegar em casa se

surpreendeu com a presença do soldado, beijou-o animada, esbanjando felicidade.

Henrique se sentiu enfraquecido perante tanta alegria, não conseguia declarar

suas palavras, não queria entristecer alguém que mostrava tanta animação, tanto

entusiasmo.

— Tenho uma coisa para contar — sentou-se ao lado do rapaz exibindo o largo

sorriso que sempre cativou seu admirador, mas que naquele dia não surtiu o mesmo

efeito.

— Também tenho... — não conseguia se animar, sua declaração rasgaria sua

garganta tão logo fosse despejada amargamente. Naquele dia as emoções se

misturariam. A alegria e a tristeza seriam sentidas na mesma intensidade. De um lado

a realização de um sonho, do outro a necessidade de enfrentar um desagradável

desafio. Por um lado o casal festejaria uma conquista querida, por outro o casal

sofreria a angústia de um problema que jamais poderiam solucionar, apenas aceitá-lo

e vivê-lo ainda que não quisessem —... mas pode falar primeiro.

— Estou grávida! Vamos ter um filho! — o coração de mãe pulsava ferozmente

lhe tirando lágrimas de exuberante alegria.

O coração de pai também pulsou, mas angustiado, logo surgiu em sua mente a

indagação. Conhecerei o meu filho? Abraçou a esposa como se procurasse nela o

conforto de que precisava.

Page 15: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

15 Capítulo 01 – Um Só Corpo

— Vou para a guerra.

Page 16: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

16 Capítulo 02 – “Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta”

Capítulo 02 – “Verás Que Um Filho Teu

Não Foge à Luta”

Um abraço apertado pode significar o apoio entre amigos, um abraço

apertado pode significar a proteção que as crianças encontram em seus pais, um

abraço apertado pode significar a empatia que se tem ao sofrimento alheio, um

abraço apertado pode significar muitas coisas sem pronunciar qualquer palavra e foi

nesse abraço apertado que o casal se abrigou.

Felizes pela família que aumentaria, entristecidos pela inevitável e indesejável

separação que aconteceria e amedrontados pelo soar de um futuro que jamais

imaginaram, homem e mulher continuavam abraçados, com os olhos fechados e as

almas aflitas. Não queriam acreditar que aquilo estivesse acontecendo, simplesmente

não podiam acreditar.

Não estavam preparados para tamanha reviravolta embora soubessem que ela

poderia acontecer sem ao menos avisar, não estavam preparados para enfrentar uma

realidade dura, uma realidade na qual não poderiam usufruir do privilégio que a

companhia de um significava para o outro. Enquanto o jovem militar sofria pela ideia

de que correria o risco de não conhecer o próprio filho, a jovem mulher não

conseguia se enxergar desamparada do amor de sua vida naquela gravidez.

Nem estavam no campo de batalha, mas a guerra já começava.

— Vai dar tudo certo — Carol precisou ser forte para dizer tais palavras sem

fraquejar na pronúncia, precisava encorajar aquele que, espantosamente, perdia as

esperanças, não acreditava no futuro glorioso que sempre imaginou, aquele que

nunca quis participar de um evento no qual sua vida se transformaria em uma

incógnita —. Você cumprirá com a sua missão, honrará o seu dever e voltará ao nosso

lar para encher o nosso filho de orgulho. Será visto como um herói!

Até então contidas, as lágrimas rolaram pelo rosto de Henrique como se

disputassem uma corrida, caíam espontâneamente sem que ele tivesse qualquer

controle. Por mais que quisesse não conseguia cultivar aquela esperança, não tinha

tamanha fé e não tinha forças para sair do forte abraço que o acolhia.

Page 17: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

17 Capítulo 02 – “Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta”

— Mas e se eu não voltar? — a indagação doía em ambos, parecia queimar a

garganta do rapaz e perfurar o coração da moça, não parecia indagação, parecia

afirmação. Eu não vou voltar.

A mulher também perdeu o controle sobre o amargo choro, enquanto molhava

o ombro daquele que orgulhosamente chamava de esposo e apertava-o ainda mais

no abraço, um abraço diferente, um abraço que parecia ter a intenção de salvar

aqueles que se envolviam, mais que isso, aqueles que se amavam.

— Não quero pensar nisso, quero acreditar que ainda viveremos o nosso

futuro, aquilo que sonhamos tantas vezes, que sempre planejamos em nossas

conversas — a voz trêmula demonstrou a fé —. Não posso acreditar e nem aceitar

que o nosso amor acabará dessa forma, sem que possamos ao menos estar ao lado

um do outro quando o último adeus tiver que ser dado.

— E eu não quero que alimente tantas esperanças em algo que possui mínimas

chances de dar certo — o soldado não queria que sua doce esposa se machucasse

perante uma iminente tragédia. Conhecia o seu coração, sabia como ele se sentiria

quando as coisas seguissem o pior dos caminhos. Afastou-se do melhor abraço que

ganhara em toda a vida, uniu as mãos gélidas às suas aquecidas e encarou os

abalados olhos azuis, que se assemelhavam a um mar ofuscado pelo céu nublado —.

Não quero que sofra quando tiver a mais cruel das notícias.

— Por que fala desse jeito? Por que aceita a morte como um decreto? Por que

me aflige desse modo? Não sabe que para mim toda essa hipótese significa o fim?

Não sabe que o amo ao ponto de desistir dos meus dias se não o tiver ao meu lado?

— enquanto as flechas inflamadas por palavras sentimentais tocavam a alma daquele

que as ouvia o olhar daquela que as lançava se ofuscava ainda mais, perdia seu fulgor

apaixonante, perdia o brilho cativante —. Meu amor não é momentâneo, é eterno,

mas precisa do seu para que se mantenha vivo.

— Também é difícil imaginar que estarei longe o bastante para que ouça minhas

palavras, é angustiante pensar na ideia de que não poderei tocar essas mãos que

tanto amo, é apavorante ter a certeza de que não mais contemplarei esses olhos que

demonstram todo o amor que sente esse coração especial — tocou o rosto suave,

molhado pelas lágrimas, abatido pelo decreto malquisto —. Mas quero me lembrar do

quanto sou amado e quero ter a certeza de que se partir ainda estarei vivo no seu

Page 18: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

18 Capítulo 02 – “Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta”

peito. Quero estar convicto de que, mesmo morto, serei lembrado com orgulho por

alguém que muito amei, alguém que não me deixará ser esquecido pelo tempo.

Carol agarrou-se outra vez ao pescoço de Henrique, apertava-o como se

desejasse nunca mais soltá-lo, como se quisesse prendê-lo para sempre ao seu lado.

— Mesmo que essas coisas aconteçam o manterei vivo pela eternidade — não

queria concordar com indesejável possibilidade, mas precisou prometer a mais

amarga das promessas.

Poucos dias mais tarde...

— Sentido!

Olhos assustados, corações acelerados e mentes atormentadas pelo temor da

guerra.

Homens enfileirados, sérios, em postura rígida, em postura de guerreiros, em

postura de vencedores prontos para receber o prêmio.

— Não estou feliz pelo discurso a seguir, mas estou certo de que esse é o

nosso dever quanto servidores e salvadores da pátria — o capitão se colocou

perante os tantos militares que precisariam passar por cima das próprias angústias e

lutarem por algo que nem ao menos contribuíram para que acontecesse —. Enquanto

a Europa balançava nos mantínhamos no tranquilo seio de nossas famílias, enquanto

a Europa ardia em gritos de desespero nos mantínhamos envoltos pelo som das

risadas de nossas crianças, enquanto a Europa assistia o seu povo sendo

miseravelmente massacrado nós contemplávamos a alegria de uma nação em

ascensão, mas não podemos continuar na retaguardada, não podemos permanecer

na indiferença e sermos vistos como covardes, homens que dão às costas aos seus

deveres por puro medo. Portanto, destemidos e desbravados vestiremos a nossa

farda, armaremos a nossa coragem e faremos a nossa história! — encarava cada

ouvinte atento, focado, prestando atenção em cada sílaba —. Em uma semana

partirão aos Estados Unidos para que recebam o treinamento adequado, terão

esse tempo para se despedirem de seus familiares e amigos. Nossa única certeza é

de que iremos, mas não vos asseguro que voltaremos. Aqueles que morrerem serão

Page 19: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

19 Capítulo 02 – “Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta”

lembrados com glória como homens que deram o sangue pelo amor à pátria, aqueles

que voltarem serão recebidos com honra como homens que lutaram por pessoas que

nem ao menos conheciam, mas lhes asseguro que todos, mortos ou vivos, entrarão

para a história como heróis, como bravos, como homens vencedores dos próprios

medos!

Por mais que aquelas palavras viessem como motivação ou encorajamento não

foram eficazes em sua proposta, homens aflitos deixaram o quartel como se

caminhassem para o fim.

Dentre os muitos companheiros, Henrique sentia maior afinidade por dois

deles, seus grandes amigos, pessoas pelas quais daria a vida se necessário. Um se

chamava Jorge Almeida, de vinte anos, um rapaz com estatura baixa, olhar sempre

assustado e de uma timidez excessiva que justificava sua covardia perante os perigos

como “sensata maneira de viver fugindo da morte”. O outro, de semblante

intimidador que cultivava a sinceridade como maior virtude, chamava-se Luís Pereira,

um jovem de vinte e dois anos que se ingressara no exército por pura obrigação, mas

que ali encontrou sua vocação, de estatura média, olhos nervosos e maxilar

constantemente contraído, conseguia esconder a falta de coragem.

Ambos criaram uma forte amizade cercada por fidelidade, cumplicidade e

companheirismo, se toda aquela tragédia apresentasse uma única vantagem era a de

que estariam juntos, lutando juntos, desbravando o desconhecido juntos. Também

sentiam medo pelo que pudesse acontecer, não cultivavam esperanças boas, tinham

conhecimento da brutalidade que parecia dominar o continente europeu e por isso

não insistiam em semear fé, achavam que enganariam a eles mesmos, que

envenenariam suas almas com sonhos utópicos.

— Se é que posso considerar como sendo uma boa notícia descobri que serei

pai nos próximos meses — Henrique desabafava com seus companheiros durante o

trajeto de volta para casa.

— É uma ótima notícia! — Jorge estranhou o desânimo.

— Seria ótima se eu tivesse a certeza de que o veria crescer, ouvir suas

primeiras palavras, ajudá-lo em seus primeiros passos. Seria ótima se eu pudesse

acreditar que ao menos conheceria o meu filho.

Page 20: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

20 Capítulo 02 – “Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta”

— Sabe que não queremos confiar no melhor, mas por que não tenta acreditar

um pouco? — chutando as pedras pelo caminho Luís destilou seu argumento —. Ter

um filho é uma das maiores realizações de um homem.

— A vida não pode ser tão injusta ao ponto de torturá-lo com esse sofrimento

— o mais baixo dos três tentou encorajar o descrente —. E se essa for a recompensa

por nossa luta?

— Confesso que já tentei olhar por esse ângulo, mas parece impossível —

observou o céu límpido e azulado como se desejasse receber dele as palavras de

motivação —. Não quero me iludir com essa certeza, a realidade pode ser bem

dolorosa.

— Não se lutarmos por uma alternativa diferente — o mais sério do trio

surpreendeu os amigos —. Estamos nos entregando ao fracasso, parece que já nos

conformamos com a morte, por que não fazemos o contrário? — encarou seus

ouvintes com seriedade, passando confiança, demonstrando certeza do que dizia —.

Se nos entregarmos à morte não valerá a pena lutarmos, mas se nos recusarmos à

morte lutaremos para viver!

Tiveram que dar razão às sábias palavras. Seus olhos foram abertos e

puderam notar que estavam mesmo se rendendo sem ao menos tentar, sem ao menos

combater as mais prováveis hipóteses. Precisavam acreditar, precisavam semear a

certeza que não tinham, precisavam ter pelo que lutar. Henrique lutaria por sua

esposa e por seu filho, Jorge lutaria pelo sonho de se tornar médico oficial do

exército e Luís lutaria para levar orgulho ao povo brasileiro, ao povo que confiava na

bravura do exército do Brasil, ao povo que queria ver os seus homens provando ao

mundo que mesmo sem um poderio bélico tão devastador ainda assim eram bravos,

destemidos e cumpriam com o seu hino: “Verás que um filho teu não foge à luta!”.

Page 21: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

21 Capítulo 03 – Os Judeus

Capítulo 03 – Os Judeus

[Berlim, Alemanha – 1942]

A Europa ainda não atingira seu ápice no maior genocídio, mas caminhava a

passos largos rumo à destruição da integridade humana e ao pior dos horrores

cometidos por seres que sempre se orgulharam pela proeza da racionalidade, mas

que parecem usá-la de forma deturpada.

Porém, Hitler já tinha impregnado suas teorias na mente das pessoas,

convencendo-as aos poucos do quão soberanas poderiam ser, do quão puras

poderiam aparentar, envenenava-as com o pior dos venenos: o preconceito, a

ignorância, o ódio sem sentido.

Judeus eram classificados como aberrações, não possuíam liberdade

comercial, eram encaminhados, ainda que sorrateiramente, para a pior das

demonstrações que comprovam o quanto podemos ser cruéis contra nós mesmos,

mas uma das mais angustiantes dores estava instalada: casamentos entre judeus e

alemães foram proibidos, o amor foi proibido em uma época que abria portas ao

ódio.

Embora soubessem dos riscos que corriam, algumas pessoas, que não se

deixavam contaminar por sórdidos pensamentos, passavam por cima do medo e da

insegurança para sentirem o mais nobre dos sentimentos humanos, o mais valioso dos

tesouros: passavam por cima de ordens fatais para se alimentarem do amor que

encontravam no outro. Era esse o caso de Abner e Eva.

A maioria dos jovens não entende ou não quer entender os muitos porquês

que surgem de uma hora para outra, simplesmente querem caminhar pelos trilhos que

eles próprios construíram, querem mostrar ao mundo a sabedoria que possuem, são

ousados e sonham em mudar as coisas como se muda um móvel de lugar. O problema

é que se esquecem das dificuldades que precisarão enfrentar, das oposições que

ouvirão sem, em muitos casos, terem o direito à defesa. Mas uma coisa é certa, os

jovens, em sua grande maioria, são dotados de um desejo tão grande por viverem

suas próprias histórias que tiram coragem de onde poucos achariam.

Page 22: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

22 Capítulo 03 – Os Judeus

Eva Hoff era uma garota alemã cercada pelos ideais de seu país, embora

fosse filha de um importante membro da Gestapo, polícia secreta da Alemanha, não

sentia medo ao discursar suas opiniões contrárias ao que os nazistas defendiam. No

auge dos seus vinte anos prometia mudar o mundo por uma nobre razão: ser livre

para amar o rapaz que crescera consigo, com quem compartilhara tantas aventuras

em um tempo no qual viver na Alemanha parecia perfeito.

Abner Shen, ao contrário da garota que sempre lhe inspirou na escrita de

textos e prosas românticas, não tinha ao seu lado a proteção do próprio país,

nascido na Alemanha se sentia cada vez mais oprimido pelo seu próprio povo ao

receber olhares de desconfianças e condenações. Não entendia a razão de tamanho

equívoco porque, na verdade, as justificativas para tal barbárie jamais existirão. Seu

puro coração ansiava por apenas uma coisa, quando sua nação voltaria a ser o lugar

de paz, mas coitado, nunca os episódios que a frente viriam passariam pela sua mente

sonhadora.

Amavam-se.

Duas pessoas em posições opostas, em ideologias contrárias, vistas pela

arrogância como distintas em seu valor: enquanto uma deveria servir a outra nascera

para ser servida. Contudo essas duas pessoas não se enxergavam de forma tão

distorcida, pelo contrário, ao se conectarem pelas janelas da alma viam o abrigo de

que precisavam.

Eram amantes e para que pudessem provar daquele amor precisaram ousar,

arriscar suas vidas nos encontros escondidos dos olhos de uma Alemanha perigosa

e astuta. Mas não eram completamente felizes e nem se conformavam com tão

assustadora situação, não compreendiam o porquê de não poderem esbanjar por

onde passassem a intensidade do sentimento que os unia ainda que a ideologia

racista o explicasse.

— Até quando nos esconderemos? Até quando nos sentiremos como

criminosos por simplesmente amarmos? — Eva tinha a cabeça repousada sobre o

ombro do namorado enquanto lançava suas cruéis indagações e observava a sombra

do casal refletida na parede pela feroz chama da vela que os acompanhava.

— Até termos a certeza de que nossa punição por amar não seja a morte —

Abner deu a dura e opressora resposta demonstrando a realidade que os

Page 23: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

23 Capítulo 03 – Os Judeus

perseguia. Ter a namorada em seus braços em meio aos destroços do lugar onde um

dia funcionara a padaria da família o confortava, mas ainda assim não era suficiente

—. Não ache que me conformo com tudo isso, não ache que ter um encontro com a

garota que amo em meio às ruínas me agrade, eu queria mais, queria ter o direito de

caminhar na sua companhia pelas praças lotadas, queria ter o privilégio de mostrar a

todos que recebo o amor da mais bela das rosas — acariciou o rosto delicado, claro

como o papel e suave como as fracas nuvens que são levadas pelo vento de um lugar

ao outro —. Mas me parece que não sou digno.

— Não pense dessa forma! — a jovem alemã colocou-se sentada ao lado do

nobre rapaz e se atentou às íris castanhas que refletiam o seu rosto, parecia morar

naqueles olhos, mas sabia que morava em um rico coração —. A culpa não é sua, por

causa alguma, a culpa é de pessoas violentas, insatisfeitas e cruéis que nunca

saberão o quão bom é amar e ser amado — acariciou o rosto abatido sentindo os

discretos fios que o cobriam —. Talvez para essas pessoas não seja digno, mas para

mim é o único que poderia me amar como sempre quis.

Aquelas palavras o embriagavam, o enchiam de coragem para que

permanecesse naquilo que muitos chamariam de loucura, todos os riscos que

pudesse correr eram recompensados pela companhia da garota de olhos verdes, sua

eterna amante.

— É por isso que não desisto de tudo, é por isso que mesmo sentindo o

castigo se aproximar ainda busco forças para me encorajar — proferia suas palavras

mantendo os olhos fechados enquanto envolvia e sentia a delicada mão que

passeava por sua face, o jovem judeu era apaixonado por aquela mulher e nada

nesse mundo seria capaz de estragar tão intenso sentimento —. Se me afastasse do

seu amor não mais teria motivos para viver, só Deus sabe o aperto que sinto no peito

quando me vejo pensando nessa possibilidade.

— Não pense em bobagens — deitou-se no peito daquele que amava

incondicionalmente, daquele que nunca veria como queriam, daquele que apenas o

queria o bem, ouvia seu tranquilo coração balançar, sentia o doce aroma que dele

exalava e a ela confortava —. É impossível que o amor seja derrotado pelo ódio.

Abner envolveu aquela que chamava de amor da sua vida em um abraço

acolhedor, anunciava por aquele gesto que nunca a largaria, que faria o impossível

Page 24: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

24 Capítulo 03 – Os Judeus

para eternizar tão comovente romance. Beijou-lhe a cabeça, mas em seu peito ardia

o medo.

— Talvez não seja tão impossível quanto pensamos.

Em silêncio ela concordou, mas o importante era que ainda tinha ao seu lado o

seu porto seguro.

Desde 1933 a Alemanha vinha se transformando em um verdadeiro inferno

para os judeus que, mesmo nascidos ali, mesmo amantes da nação alemã, eram

julgados, feitos de interesseiros e aproveitadores.

Já não podiam exercer suas profissões, não tinham direito sobre o próprio

comércio, aquilo que lhes pertencia por direito. Ao longo do tempo tiveram seus

bens confiscados, foram proibidos do casamento com alemães, assistiram suas

sinagogas serem destruídas como se fossem locais profanos, foram saqueados e

viram seus livros serem queimados como se não passassem de material com nula

importância. Seus cemitérios foram profanados, nem seus mortos foram respeitados

e suas casas sofreram covardes destruições. Eram humilhados, menosprezados,

feitos de animais.

Abel Klein, um renomado médico que ganhara o respeito de muitos alemães,

vira sua vida ser transformada radicalmente: de uma hora para a outra passou a

receber ao invés de respeito, chocarrices e opressões. Seu amor pela profissão era

tanto que a proibição em exercê-la o definhava aos poucos, afogava-o em uma dura

depressão, o prazer em viver já não existia naquele coração que sempre esteve

pronto a ajudar.

Se antes morava em um dos bairros privilegiados da bela Berlim, agora estava

recluso em um dos tantos guetos, lugares que reuniam centenas de judeus para

viverem em condições calamitosas. Dentro de seu casebre Abel tentava entender o

porquê enquanto revivia o passado glorioso com a ajuda das fotos que eternizavam

os muitos momentos.

Page 25: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

25 Capítulo 03 – Os Judeus

Naquela cadeira de balanço estava um senhor de idade avançada, cabelos

brancos, que possuía os olhos encharcados a cada imagem virada, ali estava um

judeu que, como tantos outros, queria apenas saber uma coisa: por quê?

Mas as respostas nunca chegaram. Ainda que tentem explicar cientifica e

ideologicamente, nada nunca poderá justificar o que seis milhões de pessoas

sofreram porque não existe justificativa, não há racionalidade.

Após sonhar com a vida que jamais lhe seria devolvida, Abel levantou-se de

sua cadeira, enxugou os olhos e caminhou pelos pequenos cômodos naquela

madrugada fria. Com grande pesar encarou a filha que dormia um sono profundo,

parecia exausta pela vida, na verdade tinha motivos para tal: de um dia para o outro

perdera o marido e nunca mais recebeu notícias, não sabia se vivia ou se já estava

morto, apenas sabia que ainda o amava.

Ao lado da pobre Deborah Klein estava Noah, o fruto do seu amor, o

adorável netinho do sábio Abel, que passeou os dedos enrugados pelo rosto

infantil e desejou o seu último “boa noite”.

Sim, aquilo era uma despedida.

O médico não conseguia mais viver perante tantas humilhações, não achava

digno ter que se submeter a tratamentos que o tentavam convencer de que era

inferior ao resto do mundo.

Das poucas coisas que ainda tinha, tirou uma seringa. Seu conteúdo era

capaz de salvar alguém com os batimentos cardíacos enfraquecidos, mas mataria

quem se encontrasse em perfeitas condições.

Abel puxou a manga da camisa.

Pediu perdão aos céus.

Injetou na veia aquilo que via como caminho para a liberdade.

Em poucos instantes sentiu o sangue correr, ferver e o coração estourar. Seu

corpo tombou ao chão.

Aquela não fora apenas a sua, mas muitos judeus optaram por tão cruel

alternativa.

Page 26: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

26 Capítulo 04 – Separação

Capítulo 04 – Separação

[Rio de Janeiro, Brasil – 1943]

Algumas pessoas são desafiadas pela vida através dos anos, ora por uma

fatalidade outrora por certos descuidos, umas sofrem mais e outras menos, mas a

verdade é que todos os seres humanos em algum momento de suas histórias

passarão por desafios complicados e angustiantes.

Porém, outras pessoas são desafiadas antes mesmo de nascerem, antes mesmo

de suspirarem pela primeira vez o sopro da vida. Muitas lutam contra a morte dentro

do ventre da mãe enquanto outras só precisarão iniciar suas batalhas quando

finalmente conhecerem o mundo. Era esse o caso de Ana Silva.

Ana era uma morena de vinte e sete anos que já está estava formada em

enfermagem, de olhos escuros e cabelos compridos se enxergava como se fosse uma

aberração, suas olheiras profundas lhe garantiam o aspecto envelhecido, mas eram o

resultado de uma vida sofrida.

Era manca.

Tal deficiência atraía olhares de chocarrices, piadas de mau gosto e adjetivos

que serviam para diminuir sua importância entre as tantas pessoas. Tentava

compreender o porquê de se incomodarem tanto com a sua condição, tentava achar

respostas para suas indagações que apenas queriam entender o motivo pelo qual a

menosprezavam tanto, mas nunca encontrou o que queria até porque não havia o que

ser encontrado: as pessoas são más sem qualquer razão.

Sonhava em se casar, desejava construir uma família ao lado de alguém que a

aceitasse com todas as suas imperfeições, mas diante de tanta discriminação

desacreditou no sentimento que não vê classe social, status, características físicas,

mas que se alimenta por aquilo que a alma pode ofertar: lealdade, cumplicidade,

sinceridade. Perante tantas humilhações se convencia de que não era digna de amor,

de que uma “defeituosa” não poderia se dar ao luxo de sonhar tantas ilusões,

passava a acreditar que seu destino era a solidão.

Nem mesmo em sua família encontrou o apoio de que precisava para

reconhecer o seu valor, nem mesmo no seio de sua família se sentia respeitada como

Page 27: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

27 Capítulo 04 – Separação

qualquer outra pessoa, nem mesmo em sua família foi saciada com o amor de que

muito necessitava. Todo o desprezo a fez se fechar para o mundo, a se isolar em sua

mente, a arquitetar um plano.

Seu desafio começara na infância, naquele período de pura inocência quando

achamos que o mundo é perfeito, que todos vivem em união, que todas as coisas vão

bem. Foi na adolescência, naquele período de descobertas e experiências, que Ana

provou da amarga realidade e a partir daí cultivou em seu coração a decisão de ir

embora para longe, procurar algum lugar onde viveria em paz.

Logo que se formou na faculdade passou a cobiçar o exército, desejava

ardentemente pela entrada do Brasil na guerra, era a sua chance de partir para

longe, para um lugar que vivia o terror, mas que ela acreditava ser onde a sua vida

mudaria para melhor.

Ingressou, entre tantas mulheres, para ser enviada à Europa a fim de prestar

os seus serviços para soldados e civis feridos, quando recebeu a aprovação se

encheu de alegria, de entusiasmo, era a sua chance de deixar para trás tudo aquilo

que a afligia.

Finalmente chegara o dia.

O coração palpitava apressado em seu peito enquanto o fiscal analisava seus

documentos, seu sorriso animado ainda não escondia o rosto abatido, mas

denunciava a sua grande satisfação.

Conforme subia a rampa do navio sentia como se entrasse em um novo mundo,

em um lugar onde ninguém a conhecia, ninguém sabia da sua história, ninguém a

encarava com pena. Pelo contrário, parecia ser vista como uma guerreira, mulher

corajosa, que deixava a tranquilidade de seu país para contribuir com o fim de um

evento que destruía vidas e mais vidas.

Olhou para trás. Despediu-se da cidade maravilhosa que marcara duras

lembranças em sua alma ferida. Havia um futuro esperando pela sua chegada.

Alguns anos antes...

Page 28: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

28 Capítulo 04 – Separação

Estavam no segundo ano do colegial, haviam se conhecido há pouco mais de

um ano, mas já eram amigos íntimos. A amizade entre eles aconteceu de forma

mágica, aproximaram-se tanto ao ponto de parecer conhecidos de longa data, mas

havia uma explicação: destino.

Sentavam em carteiras próximas e não deixavam os comentários que

denunciavam um romance estragarem a pura amizade, não se envergonhavam ou

intimidavam pelo que diziam, davam risada e continuavam como eram: grandes amigos.

Mas a essência das coisas não se esconde por tanto tempo e quando surgem

despertam sentimentos intensos, confusos e incontroláveis.

Garota e garoto começaram a se ver com outros olhos, aos poucos os abraços

compartilhados deixavam o sentimento de família, os toques dados já não eram

inofensivos, despertavam desejos nos corações adolescentes que não se

contentavam mais com abraços, queriam além, queriam amor.

Queriam um amor diferente.

Como amigos já se amavam e ninguém poderia negar, sempre estavam juntos,

sempre se ajudavam e nunca se esqueciam em do outro, mas esse amor deixava de ser

suficiente e abria um vazio em cada despedida após o dia de aula. Quando cada um

seguia o seu rumo e ia para casa, as mentes indagadas tratavam de recorrer ao rosto

um do outro, ao sorriso, ao jeito de falar e do quanto era bom ouvir a voz um do

outro. Sabiam que não eram mais amigos, existia algo mais forte, mas o medo de

estragar tudo evitava que a verdade nascesse como o sol nasce em todas as manhãs.

Porém o sentimento apenas aumentava e a consequência era o indesejável

distanciamento.

Medo das coisas não darem certo, medo de não existir reciprocidade ou medo

de destruir uma amizade tão consistente. Por esse medo não assumiam o que sentiam

e passavam a evitar os momentos que compartilhavam, talvez acreditassem que assim

mudariam aquele sentimento, mas a única coisa que conseguiam era saudade.

Passaram a sentir saudade de como as coisas eram, passaram a sentir saudade

dos segredos que confidenciavam, das gargalhadas que cada encontro garantia,

sentiam saudade da companhia que tinham, mas sabiam como resolver o problema:

precisavam assumir o que ardia em seus corações.

Page 29: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

29 Capítulo 04 – Separação

Não houve brigas nem discussões, nenhum desentendimento para que se

afastassem tão de repente, sabiam que a qualquer momento poderiam conversar sem

ressentimentos, sem cobranças, sabiam que entre eles ainda vivia aquela amizade

saudável que se transformara em um amor confuso.

A saudade era grande e precisava ser apagada.

Em uma manhã ensolarada, debaixo das tantas árvores espalhadas pelo

colégio, Henrique lia seu livro quando notou a presença de alguém, ergueu os olhos

e não conteve o sorriso.

— Posso me sentar? — suas mãos tremiam, a voz soou dançante, mas Carol

venceu as dúvidas e arriscou uma aproximação depois de tantos dias de silêncio.

— Mas é claro — o adolescente que nem pensava em participar de uma guerra

trouxe a mochila para mais perto, recebeu sua melhor amiga gentilmente.

A garota não sabia o que falar, as palavras que surgiam em sua mente

turbulenta não faziam sentido, a presença do grande amigo provocava o misto de

sensações em seu coração.

— Por que as coisas não são como antes? — por fim lançou a sua pergunta.

O garoto não tinha a resposta. Por alguns segundos se deixou perder nos

olhos azuis que pareciam disputar o brilho contra o sol enquanto pensava nos seus

argumentos, não podia usar o amor como desculpa, quem se distancia por amar?

Na falta de palavras que venham atitudes.

Henrique deixou de lado o medo e as incertezas, as possibilidades e as

dúvidas, encheu-se de coragem e beijou aquela que amava. Uniu os lábios em um

gesto tranquilo, pacífico, saboreou o sabor da paixão.

— Morango — com as testas coladas declarou sorridente.

— Morango? — Carol não entendera de imediato, estava extasiada pela

realização de um secreto anseio.

— O sabor do amor... — aquilo respondia o porquê das coisas não serem como

antes, elas precisavam mudar, precisavam se intensificar, precisavam resplandecer o

mais nobre dos sentimentos humanos.

[1943]

Page 30: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

30 Capítulo 04 – Separação

O agora soldado arrumava sua mochila quando pegou uma foto que retratava

o casal apaixonado em um dos seus mais românticos momentos. Foi levado para o

passado, quando aconteceu o tão aguardado primeiro beijo com sua primeira e única

namorada. Guardou o retrato no meio das suas coisas, seria difícil a separação.

Uma lágrima rolou pelo semblante apreensivo.

Braços o envolveram por trás. Os braços do amor da sua vida.

Henrique se virou para a mais bela das mulheres e entre incertezas e angústias

deu-lhe o mesmo beijo de anos atrás, o beijo tranquilo e pacífico que trazia o sabor

do amor. Passou a mão pelo rosto sereno, encarou os olhos avermelhados como se

fosse a última vez que os visse.

Seu coração aflito gritava em seu peito para que não fosse, para que ficasse

ao lado daquela que lhe arrancava suspiros, que lhe aquecia nos dias frios, que o

acalmava nas tempestades. Sentia medo em nunca mais ver aquela que tanto amava.

Colocou a mochila nas costas.

Antes das últimas palavras o soldado fardado ajoelhou-se diante a sua

esposa, abraçou-a na cintura enquanto pesadas e ardentes lágrimas caíam

apavoradas. Beijou a barriga como se beijasse seu filho, o fruto daquele intenso,

verdadeiro, nobre e recíproco amor.

Passeando os dedos pelos fios bem arrumados, Carol também não controlava

as fortes emoções, era vencida pela angústia, pelo medo de nunca mais abraçar

aquele que lhe garantia ótimos sorrisos mesmo nos dias mais nublados.

Olho no olho.

Alma com alma.

— Promete que nunca se esquecerá de mim?

Agarrou-se ao pescoço do único amante e ali derramou seu pranto.

— Eu prometo — promessa mais dolorosa jamais tivera que fazer.

O soldado precisava cumprir com a sua missão. Morto ou vivo seria um herói.

Page 31: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

31 Capítulo 05 – Amor Sofredor

Capítulo 05 – Amor Sofredor

Quão angustiante pode ser abandonar planos e sonhos contra a própria

vontade? Quão deprimente pode ser das às costas para uma conquista que logo

chegará? Quão frustrante pode vir a ver-se privado da própria vida e obrigado a

viver uma consequência que em nada foi motivada pelas próprias ações? Quão

sofredor pode ser ao ter a certeza de que as coisas mudarão e o futuro a ser vivido

em nada condiz com o desejado? Talvez não consigamos definir por palavras, talvez

apenas possamos viver e conviver com os sofrimentos que em muito podem se

assemelhar ao impossível de vencer. Caminhando pela longínqua rua, tendo a certeza

de que era acompanhado pelo mais belo par de olhos, Henrique criava tais

indagações em sua mente enquanto sua alma afligida controlava as inesgotáveis

lágrimas.

Um soldado não pode chorar. Talvez um soldado não devesse chorar. As

regras se esquecem de que antes de soldado aquele homem é um ser humano, alguém

que possui emoções e expectativas, alguém que quando frustrado sente as mesmas

opressões que qualquer outra pessoa.

Henrique pouco estava se importando com as regras ou com qual posição lhe

cobravam, estava preocupado com o filho que nasceria. Como seria? Quando

começaria a falar? Quais seriam suas primeiras frases? Quando desse os primeiros

passos teria o auxílio do pai? Teria alguém a quem chamar de pai? O jovem soldado

se angustiava pela falta de certeza, pela falta de esperança. Ainda não abraçara o

filho, é verdade, mas já o amava como sangue do seu sangue; ainda não ouvira a sua

voz, mas já sonhava com o “papai” que jamais se cansaria de ouvir.

Desde garoto aquele era o seu maior sonho: construir uma família para amar.

Havia prometido à Carol que sempre estaria ao seu lado, mas agora, a passos

desolados pela rua onde construíra o início da sua vida, parecia caminhar para o pior

dos desfechos de sua história. Encaminhava-se ao desconhecido, ao incerto, a uma

missão que não acreditava fielmente que venceria.

Continuou caminhando, mas a esquina onde viraria para a esquerda e assim

teria a certeza de que não mais veria o seu grande amor parecia nunca chegar.

Page 32: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

32 Capítulo 05 – Amor Sofredor

Algum tempo atrás...

Era véspera do casamento.

Sentindo-se tão inspirada como nunca esteve, Carol sentou-se perante a

escrivaninha, abriu o caderno e começou a escrever. Escrevia palavras românticas,

uma declaração de amor, ainda que pretendesse guardar o fruto do seu coração

apenas para si derramava as palavras como se as dissesse para uma multidão.

A porta de vidro balançou.

Assustada, a jovem sonhadora levantou-se depressa, encarou a sombra na

sacada e ao invés de gritar desesperadamente por socorro abriu um sorriso

encantador, um sorriso de puro amor.

Como dois adolescentes apaixonados abraçavam-se ferozmente, como dois

românticos amantes beijaram-se cautelosamente, a paixão que os cercava por ora era

avassaladora, mas sempre se manifestava suavemente.

— Que bom vê-lo aqui! — a mulher dos cabelos castanhos exclamou como se a

visita fosse mais do aguardada.

— Precisava vê-la antes que disséssemos o sim — o jovem ansioso não parava

de sorrir —. Precisava assegurar que o meu compromisso ainda vive, prometo que a

farei a mais feliz das mulheres.

— Não precisava prometer — a luz do luar era o que iluminava aquele quarto,

era o que aquecia tanto amor —, seus olhos falam por seus lábios...

Henrique não pôde deixar de notar o escrito sobre a escrivaninha, conhecia os

textos da então namorada e adorava acompanhá-los sentindo todo o sentimento

com que eram escritos.

— Posso ler? — com certeza ainda leria muitos daqueles.

Ali estavam revelações ainda ocultas, declarações ainda secretas. A jovem

mulher se sentiu insegura em revelar sua alma daquela maneira, mas para quê

esconder? Devia confiar naquele que amava, devia demonstrar de todas as formas

possíveis o amor que sentia enquanto possuía sua querida companhia.

— Sente-se — indicou a cama —. Eu mesma o lerei.

O jovem rapaz foi obediente, ouvir a melodiosa voz era uma das coisas que

mais o alegravam.

Page 33: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

33 Capítulo 05 – Amor Sofredor

Carol suspirou tímida, mas se desvestiu da vergonha e despiu seu coração,

revelaria o que estava ali dentro.

— Amor é mesmo um sentimento complexo para a compreensão humana, como

pode apaziguar ao mesmo tempo em que acelerar? O amor é aquele que acalma

nossos corações, mas também os agita; o amor á aquele que aquece o nosso corpo,

mas também o esfria — encarou por alguns instantes os brilhantes olhos que a

fitavam atenciosos, ansiosos pelas próximas palavras, apaixonados —. Na verdade o

que faz do amor essa virtude controvérsia é aquele a quem amamos. Quando

próximos, estamos satisfeitos, quando distantes, ainda que por poucos minutos,

morremos de saudade. O amor que mora naquele que amamos é o que nos traz a

tranquilidade e a tempestade. Aprendi isso amando o mais belo dos anjos, o mais

nobre dos cavalheiros, o mais destemido dos guerreiros; aprendi isso amando aquele

que foi feito para mim — sorriu ao ter as mãos trêmulas abrasadas pelas firmes, sorriu

ao conectar-se com alguém que lhe provocava estranhas, porém agradáveis

sensações —. Aprendi isso porque quando estou ao seu lado me sinto completa,

segura, mas quando preciso me despedir sinto como se parte de mim também fosse

embora. O que seria isso se não... — sua fala foi interrompida pelo beijo que a calou,

o beijo que para sempre desejava receber.

— Se não amor... — o soldado distanciou-se de alguém que queria passar o

resto da vida ao lado, voltou para a porta de vidro que o tragaria, que o levaria

embora e que só o devolveria quando o sol resplandecesse —. Não é um adeus, é um

até logo!

Com os olhos lacrimejantes por conta da emoção do amor, Carol beijou a

palma da mão e assoprou tranquila. Henrique pegou no ar o beijo lançado e o

guardou no peito.

[1943]

Quem ama consegue viver longe do amado? Quem ama se imagina sem o amor

daquele de que deseja? É claro que não. A distância no amor significa dor, uma

amarga dor, dor esta que Carol já sentia enquanto, aos poucos, via o esposo

desaparecer pela extensa rua, uma rua que parecia maior que o habitual, uma rua que

Page 34: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

34 Capítulo 05 – Amor Sofredor

parecia ter recebido alguma ordem para que a última despedida demorasse a

acontecer.

Chorava como se fosse torturada.

Mas ela era torturada.

Torturada pelo amor.

Pode o amor ser um instrumento de tortura? Quem possui esse sentimento em

sua essência sofre dores insuportáveis, chora lágrimas que parecem queimar, sente o

coração ser esmagado pelas voltas da vida, pelas circunstâncias indesejáveis, pelas

ironias de uma virtude que não parece agressiva, mas que pode ser fatal.

O amor não é mau, o amor não é um monstro, mas quem ama precisa conhecer

um segredo: o amor é sofredor.

A romântica mulher sempre ouvira aquele segredo, mas nunca o creditou com a

devida importância, só que agora entendia o que os velhos diziam: o amor é sofredor

porque às vezes nos impõem desafios para os quais não estamos preparados, mas

que devemos resolver.

Ela só desejava uma coisa: pelo dia em que abraçaria, para nunca mais soltar,

aquele que amava. Ainda que não o encontrasse mais neste mundo, era uma

possibilidade, alimentava no coração a certeza de que teria a oportunidade de juntos

viverem na eternidade.

O casal ficava cada vez mais distante.

A indesejável esquina logo se apresentou. Por mais que doesse e fizesse seu

coração sangrar Henrique virou-se para trás, lá na frente avistou sua casa, o seu

abrigo e no andar de cima, na varanda, aquela que abrigava a sua alma, que lhe

acenava pela última vez e que lhe assoprava o sopro do amor. Como em tantas

outras ocasiões o jovem soldado capturou o beijo lançado ao vento, entre lágrimas e

sorrisos, guardou o gesto no peito, de onde jamais seria tirado. Acontecera a última

despedida.

Page 35: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

35 Capítulo 05 – Amor Sofredor

Naquele quartel homens de cabeça erguida, postura rígida e olhos atentos

escondiam suas almas cabisbaixas, desesperadas e aflitas. Em cada coração pulsava

o medo, o pavor, a falta de crença, a fé balançada, a esperança ofuscada. Deixavam

filhos, esposas, pais, irmãos, amigos e nação para desbravarem sobre terras

estranhas, para enfrentarem a morte onde ela estava mais forte, onde ela não

poupava jovens ou velhos, apenas saciava sua fome.

Marcharam em sintonia.

Oprimiam-se a si mesmos.

Lutavam contra os próprios sentimentos para que as intensas lágrimas não

disputassem pela liberdade dos olhos.

Enfileirados, um a um, subiram no avião que daria início ao caminho a percorrer,

que os levaria aos Estados Unidos onde se preparariam para a brutalidade na

Europa.

Dentro do avião um mórbido silêncio.

Os corações acelerados e as respirações ofegantes conseguiam soar.

Suas almas choravam amargamente e seus corações sangravam ferozmente

como se tivessem a certeza de que o destino final era a morte, como se deixassem o

conforto e a proteção de suas casas para viverem num verdadeiro inferno.

Todos os soldados, em silêncio, mantinham suas posturas rígidas e seus

semblantes endurecidos, não demonstravam o que sentiam, mas respeitavam uns aos

outros, sabiam o quão angustiante era aquela situação.

O avião subiu ao céu.

Na mente de Henrique o rosto, a suavidade, a alegria e a beleza de Carol.

Suas forças se acabaram. Pelo rosto neutro uma lágrima escorreu, a mais dura, a

mais cruel e a mais ardente das lágrimas.

Page 36: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

36 Capítulo 06 – Cativos

Capítulo 06 – Cativos

[Berlim, Alemanha – 1942]

O sol raiava, mas o vento frio que soprava tornava a manhã fria.

Depois de uma noite desligada do mundo e de sua cruel realidade, Deborah

despertou com o feixe de luz que atravessava a janela do pequeno cômodo e atingia

os seus olhos. Suspirou cansada, exausta e frustrada. Como queria que tudo não

passasse de um pesadelo, como queria ter ao seu lado o homem que muito amou,

como queria ter palavras animosas a declarar ao filho que crescia entre o terror. Mas

tudo que podia era se conformar procurando, assim, aliviar o sofrimento.

Levantou-se como em todas as manhãs, olhou para cima na intenção de

suplicar, mas o pedido não aconteceu, não tinha fé, já não conseguia acreditar que

pudesse ser ouvida.

Assustou-se com o que encontrara abaixo dos seus pés.

Esticado ao chão, seu pai estava morto.

A judia se desesperou amargosamente, apertava o velho em seus braços como

se a qualquer momento pudesse ressuscitá-lo, chorava como uma criança, gritava se

sentindo oprimida. Perdera o pai. Perdera sua fonte de coragem e esperança para

acreditar em um futuro melhor.

O pequeno Noah acordou assustado com o desespero da mãe, correu ao seu

encontro e achou o avô sem vida, inanimado, longe de todos. Aquela criança não

conteve suas lágrimas entristecidas, amava aquele homem como seu melhor amigo, era

com quem se distraía da situação que, embora confusa à mente infantil, o apavorava

inconsequentemente.

Pai, filha e neto. Os três sobre o chão, vítimas da ignorância, vítimas de homens

perversos e maldosos, homens que tinham em suas veias o sangue da perdição. Uma

família abalada, destruída, uma família que se desfazia.

A porta do casebre se abriu drasticamente.

Homens fardados e munidos de armamentos invadiram o lugar. Tinham ordens

a mandar. Tinham ordens a cumprir.

— Venham conosco! — a voz enérgica do alemão assustou o pequeno judeu.

Page 37: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

37 Capítulo 06 – Cativos

— Meu pai morreu! — entre prantos Deborah tentou que se apiedassem por

ela, que tivessem um pouco de humanidade, procurou acreditar que não fossem tão

maus assim, mal sabia ela as atrocidades que ainda cometeriam.

Não eram homens que sentiriam remorso pelo que fariam, foram instruídos para

odiar o povo judeu, cresceram acreditando que significava ameaça manter aquele

povo na sociedade que existia, não tiveram piedade, cumpririam as ordens.

Arrastaram mulher e criança com se fossem insignificantes, como se fossem

objetos inúteis, sem valor, sem qualquer importância. Ignoravam os pedidos de

compaixão e o choro de aflição, apenas cumpriam ordens.

Junto a tantas outras pessoas lançaram Deborah e Noah para dentro da

carroceria de um caminhão, exalando brutalidade fecharam as portas, começava um

terrível capítulo na história daqueles seres humanos.

O garoto judeu tinha o semblante daqueles homens estampado em sua mente,

o medo que tal visão provocava em seu ser o angustiava terrivelmente, soluçava no

colo da mãe, agarrava-se a ela como se quisesse se proteger, se esconder, sumir do

mundo.

Naquele caminhão existia o silêncio apreensivo, o silêncio opressor, o silêncio

da morte. Os que ali estavam choravam aflitos, imaginavam o que aconteceria, mas

não imaginaram o suficiente, a realidade seria muito pior.

Deborah abraçava seu filho como se fosse a última vez, como se estivessem se

despedindo, ela sentia isso, sentia que não mais veria o rosto daquele que lhe

recordava o marido, que a fazia se sentir mais perto, que a fazia reviver lembranças

daquele amor juvenil. Com tantas coisas acontecendo esperava por apenas uma: a

pior delas.

Não sabiam aonde iam.

Não sabiam que sofreriam.

Abner fora separado de sua família e de seus amigos há alguns meses e desde

então ficara sem notícia alguma, não sabia aonde foram, como estavam ou se ainda

viviam, sabia apenas que de um jeito ou de outro o desfecho para eles seria a morte.

Page 38: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

38 Capítulo 06 – Cativos

Quando descobrira sobre a captura de judeus se escondeu no que sobrou da

antiga padaria da família, no porão, entre ruínas, vivia se protegendo do mal, da

perseguição, da morte injusta.

A cada período de dias Eva dirigia-se àquele lugar e levava alimento para o

namorado. Sempre esperta, atentava-se ao seu redor, observava cada movimento a

fim de não ser descoberta e prejudicar aquele a quem muito amava.

— Não quero que continue se arriscando desse jeito, eu sou o judeu, o

problema é meu — o rapaz preocupava-se com a donzela, não queria que tragédias a

alcançassem por sua causa.

— Já disse que o problema é nosso — a moça repousou sobre a mesa

envelhecida as sacolas que trouxera repletas de mantimento —. O que faço não é

sacrifício algum — mas doía em seu peito, doía por saber que Abner sofria por

aquela privação —, além do mais é nessas horas que conseguimos nos encontrar,

conversar — aproximou-se do judeu —, é nessas horas que podemos nos amar.

— Como em tantas outras vezes serei eternamente grato — acariciou a pele

alva, o rosto sereno, o semblante que nunca o abandonava —. Mas sinto medo, sinto-

me como um covarde, tem arriscado o seu conforto por mim, alguém que todos

repudiam.

— Mas que eu amo — Eva beijou o namorado, calou-o apaixonada, silenciou-o

docemente —. Quantas vezes terei que dizer que não importa o que pensem ou o

que façam, o que importa é que o amo mais do que a mim! As pessoas lá fora podem

julgá-lo, condená-lo, humilhá-lo, mas eu sei que aqui dentro — repousou a mão sobre

o peito do amante —, aqui dentro está a minha morada.

— Não se sente culpada como se fizesse algo errado?

— Amar não é errado.

— Mas é o que a mataria se eu não fosse o seu pai — uma terceira voz soou no

ambiente escuro e úmido, um ambiente acostumado com a suavidade das palavras

trocadas entre dois amantes, uma voz grave, cercada de perigo, de ameaça, de ódio.

Era a voz de Manfred Hoff, o seu pai —. O que faz com esse lixo?

Preconceito, arrogância e ignorância eram conceitos que até então estiveram

adormecidos no campo das ideias, Eva nunca presenciou de fato os ataques a um

povo oprimido. Seu sangue ferveu, seu coração acelerou, mas antes que sua

Page 39: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

39 Capítulo 06 – Cativos

garganta se estourasse em palavras de ira a mão quente repousou sobre as suas

frias, a mão que trazia paz, calma, tranquilidade, a mão que lhe garantia mansidão.

— Ande Eva, responda-me! — o oficial da secreta polícia alemã ruborizou-se,

explodiu a voz, exigiu respostas —. Quantas vezes já não falei para ficar longe

desses animais?! Quantas vezes não já falei sobre a nossa superioridade?! O que vê

nessa aberração?! O que tira desse verme?

— Amor... — uma só palavra, pequena, quatro letras, mas de poder imenso,

infinito, capaz de abrasar aqueles que o aceitam e estraçalhar aqueles que o rejeitam.

Um tapa.

Um forte tapa.

Um estalo.

Um estridente estalo.

Uma vermelhidão.

Uma acesa vermelhidão no rosto sempre claro e suave ao toque.

Ao receber o tapa do homem que a criara Eva foi lançada ao chão, sentiu o

ardor de tão forte agressão, sentiu o gosto de sangue inundar sua boca.

A dor foi sentida em Abner que não ficaria paralisado, não seria covarde em

ver aquela que amava sofrer por algo que não deveria. Colocou-se perante o

carrasco, firme, destemido.

— Seu problema é comigo, deixe-a em paz! — não foi uma súplica humilhada ou

um pedido rastejante, foi uma ordem.

Manfred, embriagado pelos ideais nazistas, defendia sua honra, achava-se

digno de todo o respeito de um povo que, sobre sua concepção, era medíocre e

desnecessário. Não receberia ordens de um judeu.

— Vagabundo! — agarrou o rapaz pelo pescoço, estrangulava-o com os olhos

inchados de ira e de ignorância —. Eu juro que se corrompeu essa devassa darei seu

filho imprestável como alimento aos cães!

— Jamais desrespeitaria a mulher que amo — sua voz soou sufocada, presa,

fraca.

— Nunca mais diga que a ama! — cuspiu no rosto daquele que um dia teve por

sobrinho, daquele de quem um dia fora grande amigo da família, mas que alienado por

Page 40: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

40 Capítulo 06 – Cativos

falsas verdades teve todas suas considerações corrompidas. Jogou-o ao comando

dos homens que o acompanhavam, entregava-o para o inferno —. Podem levar.

Abner se sentiu humilhado por alguém que nunca imaginou.

— Levante — enxugou o suor na testa, tirou o cigarro do bolso e deu sua ordem

à filha —. Acho bom que se esqueça dele — deu o primeiro trago —, nunca mais o verá

— sorriu covarde e perversamente.

Depois de muito se esconder finalmente estava nas mãos de seus inimigos que,

como ele, eram alemães, mas corrompidos.

Feito um cachorro foi lançado na carroceria de um caminhão, passou a fazer

companhia para crianças e velhos assustados, apreensivos com o porvir,

amedrontados pelo futuro.

Sua maior dor era a da separação.

Contra a própria vontade foi tirado de alguém por quem faria o impossível,

precisaria se conformar a viver sem o amor que o alimentava nesse mundo cruel,

repleto de gente egoísta, abarrotado de pessoas frias. A veria outra vez? Tornaria

a ouvir sua voz? Poderia sentir o seu toque pela última vez? Teria o direito de exibi-la

para o mundo como sendo o grande amor da sua vida? Viveria para sempre em seu

coração? Seria lembrado pela garota que desde sempre amara? As perguntas

surgiam como a água que salta da fonte, perguntas que atormentavam e apavoravam

uma alma que desejava coisa simples: dar e receber amor.

Page 41: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

41 Capítulo 07 – O Pequeno Noah

Capítulo 07 – O Pequeno Noah

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1942]

Nem todas as histórias são agradáveis de ouvir e nem todas as experiências

são vividas com alegria, por vezes nos sujeitamos a caminhos tortuosos, em outras

vezes somos forçados a caminhar descalços sobre espinhos. O sofrimento do

garoto Noah apenas começava.

Deborah e seu filho foram covardemente lançados para fora do caminhão e

jogados em um vagão escuro, quente e amontoado de gente. O cheiro que exalava

ali dentro era o da morte, o clima que pairava sobre cada coração era o de angústia.

Crianças assustadas apertavam as mãos de seus pais, velhos frustrados assistiam

suas vidas passar por suas mentes enquanto tentavam encontrar o crime para tão

severa punição. Não conseguiam enxergar seus rostos, não contemplavam a luz do

sol, apenas sabiam que eram levados para o tormento.

Avisos não faltaram. Desde propagandas até marcações nos

estabelecimentos de judeus, todos os gestos contribuíam para que aquele povo se

preparasse para o pior. Alguns, sonhadores, diziam que era só uma fase, outros,

observadores, temiam a morte. Fato é que foi só uma fase, a mais terrorista na

história do homem.

O trem parou. Sem qualquer aviso.

Noah agarrava-se ao pescoço da mãe, era uma criança inocente que pouco

compreendia os assuntos do mundo, as coisas da vida, mas que estava predestinado

ao sofrimento e à angústia. O medo que sentia o apavorava, garantia ao garoto a

vontade de sair correndo logo que as portas fossem abertas, a única coisa que o

acalmava era o carinho, o afago e o abraço de proteção dado pela mulher que lhe

trouxe ao mundo.

O coração de Deborah ardia em seu peito, fora instruída por seu pai nas

longas noites de diálogos pessimistas e esperança escassa. O velho judeu a alertara

sobre o perigo, parecia prever a barbaridade que se levantaria, ela precisava ser

forte e enfrentar cada dor como uma guerreira ainda que o sofrimento fosse

insuportável.

Page 42: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

42 Capítulo 07 – O Pequeno Noah

Como se fossem animais arrematados em leilões aquele povo foi espargido

pelos homens fardados, foram lançados para fora e obrigados a pisar em um terra

que não queriam, uma terra que os tragaria e recolheria todo o sangue derramado.

Aquele lugar cheirava a crueldade. As cercas por todo o lado pareciam ter como

propósito trancafiar ali os mais perversos e malditos criminosos, mas só pareciam,

estavam ali para tirar a liberdade de gente inocente, gente que nada devia, gente que

morreria a troco de nada, vítimas da maldade humana.

Sob os gritos e empurrões dos homens fardados eram separados. Famílias

eram desfeitas, amigos tirados uns dos outros, homens e mulheres tinham seus

devidos lugares, não importassem os graus de parentesco, marido e mulher, irmão e

irmã ou mãe e filho. Todos eram separados. Jovens ou velhos. Todos.

Noah foi agarrado pelas pesadas mãos de um alemão e tirado do colo da mãe

como se os sentimentos não existissem. Feito uma leoa, Deborah avançou contra o

homem, lutaria pelo seu filho, por aquele que lhe pertencia.

Acabou morta.

Do caminhão para o vagão, o destino da dor se aproximava.

Abner podia sentir seus companheiros estremecerem aflitos, podia ouvir os

choros contidos, as crianças perguntando para onde iam e os pais sussurrando que

tudo ficaria bem embora soubessem que não, as coisas piorariam. O jovem judeu

sentia as mãos formigarem, seu coração era inundado pelo ódio e pela raiva, não se

conformava em ser privado da sua vida, dos seus sonhos, sem nada ter feito. Mas era

sensato, não adiantava brigar, o melhor era fingir que tudo era aceito e esperar a

oportunidade para se vestir de fúria, coragem e lutar pela própria dignidade.

Ao abrirem as portas sentiu a luz do sol incomodar e o calor da nova casa

anunciar o perigo. Sem merecer era tratado como um insignificante, como alguém

sem valor, desmerecedor de qualquer afeto.

Observou ao seu redor encontrando um lugar obscuro, uma verdadeira prisão,

uma fortaleza construída para inimigos cruéis, um campo feito para oprimir, maltratar,

Page 43: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

43 Capítulo 07 – O Pequeno Noah

humilhar e torturar pessoas puras, bondosas, que se amavam e que nada

compreendiam.

O jovem judeu pôde sentir a dor daqueles que eram separados, tirados de

quem amavam, pôde encarar cada olhar de tristeza e aflição, pôde se enojar pelo

olhar de ódio com que era encarado pelos homens fardados. Mas a sua alma se iraria

ainda mais.

Viu mãe e filho serem separados covardemente. Viu uma mãe desesperada

batalhar por aquele que amava. Viu uma frágil criança ser lançada ao chão e

pisoteada sem pena. Viu uma mãe cheia de amor ser fuzilada como um exemplo do

que acontecia com quem se rebelasse. E viu um garoto indefeso atônito, apavorado,

desamparado, com a visão que jamais deixaria sua mente, com a visão da morte de

sua mãe.

— Você precisa ser forte — antes que a tragédia prosseguisse, Abner acolheu

o pequeno Noah, guiou-o para frente, não lhe permitiu manter os olhos sobre aquela

que morrera para protegê-lo —. Você precisa ser forte!

A multidão foi separada em grupos, cada grupo encaminhado para um quarto,

cada quarto abarrotado de gente apreensiva.

Ao entrar no seu o jovem judeu sentiu as pernas fraquejarem ao se deparar

com os homens que ali já viviam, homens de semblante exausto, com hematomas sobre

a pele, com fraqueza sobre o corpo, homens sem esperança alguma no olhar. Sentiu

a mão ser apertada e ao notar as lágrimas de uma criança pura não pôde mais conter

as suas.

— Atentem-se às ordens! — acompanhado por outros homens um alemão de

rosto frio e voz estridente se colocou perante os judeus —. Vistam suas novas

roupas, não saiam de seu quarto enquanto não houver permissão, estejam

preparados quando ouvirem o sinal, amanhã começarão a trabalhar. Passaremos

para levar seus velhos e suas crianças, garantiremos a eles um tratamento especial.

Desobediências serão pagas com a morte!

O homem se foi, mas deixou o medo.

— É bom que o ouçam — um dos prisioneiros, deitado sobre a cama dura, nada

acolhedora, deu o seu conselho —. Nesse lugar a morte nos ronda a todo instante.

Page 44: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

44 Capítulo 07 – O Pequeno Noah

— Qual é o tratamento das crianças? — Abner logo questionou, preocupava-

se com aquele que protegeria, com aquele que seu coração escolheu para defender.

— Não se apegue a ninguém — o prisioneiro sentiu a angústia do pequeno

menino, não colaboraria para aumentar o sofrimento, mas deu uma clara resposta que

um adulto entenderia.

O jovem judeu, sem declarar palavra alguma, escolheu sua cama dentre as

tantas amontoadas. Colocou o garoto sentado, aproximou-se e como um irmão mais

velho fez a sua promessa:

— Ficará tudo bem.

— Quem é você? — os olhos avermelhados não perdiam a característica de

curiosos, uma das qualidade de uma criança.

— Seu mais novo amigo, Abner! — abriu um sorriso na intenção de conquistar o

pequeno coração —. E qual seria o seu nome?

— Noah — respondeu atento ao semblante do mais velho, sedento por outra

resposta —. Como a minha mãe está?

O rapaz engoliu em seco, não tinha o que dizer, não queria ferir uma alma já

machucada, mas não poderia mentir, não era seu dever alimentar falsas esperanças.

— Quando anoitecer e o céu se enfeitar eu a mostrarei, mas agora quero que

saiba que estaremos sempre juntos, esse é o desejo dela.

— Meu pai também sumiu... — abaixou os olhos e deixou a lágrima pingar sobre

as pequeninas mãos —. O vovô também não quis se despedir de mim quando fomos

trazidos — ergueu os olhos outra vez fitando as íris castanhas —. Como posso saber

que não me deixará?

Se a raiva era grande, agora o ódio era maior. Como conseguiam prejudicar

uma criança? Como podiam ser tão maldosos ao ponto de causar a dor de um ser

inofensivo? Quanto mais descobria a realidade mais Abner se enojava com a

humanidade.

— Porque é uma promessa, amigão — trouxe o mais novo para um abraço

protetor —, é uma promessa de que vamos sair daqui — ousado? Iludido? O rapaz

não sabia, mas tinha a certeza de que faria o impossível para cumprir sua promessa,

para garantir a uma doce criança um futuro de paz e amor.

Page 45: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

45 Capítulo 07 – O Pequeno Noah

[Berlim, Alemanha – 1942]

Acompanhada pelo pai Eva chegou à mansão da família, reverenciada pelos

soldados, respeitada pelos empregados, saudada pelo degradante “Heil Hitler!”.

Sentia nojo por aquela tradição, sentia nojo daquela ideologia, começava a sentir

nojo do homem que era visto como um deus e de uma nação que se encaminhava para

o absurdo da ignorância.

— Isabel! — Manfred obrigou a filha a se sentar no sofá da luxuosa sala

enfeitada com a suástica nazista e o retrato de seu idealizador enquanto usava a

potente voz para exigir a presença da esposa —. O que achamos dos judeus?

— São ratos — a mulher retraída, oprimida pelo marido, encurvada para as suas

ordens, respondeu.

— O que nós somos?

— Uma raça limpa de qualquer nojeira.

— O que devemos desejar aos impuros?

— A morte.

— Agora vá lavar sua filha, arrancar dela os vestígios dos imundos — deu às

costas antes de declarar seu último argumento: — Eva, saiba valorizar a sua honra e

não se misture com os miseráveis, dessa vez a livrei, mas na próxima viverá como eles.

Mãe e filha se dirigiram ao quarto de Eva, mas ao invés de um banho trocaram

desabafos.

— O que vai acontecer com ele? — a jovem alemã não conseguia tirar de seus

pensamentos o rosto que jamais se cansaria de tocar —. Posso acreditar que o nosso

amor será vivido?

— Eu não sei, minha querida — a humilde mulher enxugou as lágrimas de uma

moça que sofria por amor —. Mas sei que devemos semear a fé. Se você o ama de

verdade implore pela sua alma, se reserve para esse amor, seja forte!

Page 46: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

46 Capítulo 08 – Na Mata I

Capítulo 08 – Na Mata I

[Washington, Estados Unidos – 1943]

A escuridão tragava a luz e o pavor tomava conta da coragem.

Nem estavam na guerra, mas já sentiam seus efeitos.

Algumas horas antes de se perderem na mata, Henrique e os tantos outros

soldados receberam as instruções do capitão americano sobre o treinamento que

acontecia. Era uma prova de sobrevivência e atenção, estavam avisados dos perigos

que os esperavam e cientes de qual poderia ser o desfecho daquela história.

Com as mochilas cheias de mantimento e preparadas para os obstáculos, os

homens foram separados em grupos, tinham uma missão a cumprir, precisavam

atravessar a floresta e chegar ao outro lado, onde receberiam as parabenizações ou

as maiores broncas.

Dada a largada cada um seguiu o seu caminho, adentrou a mata, desvestiu-se

do medo.

Nos primeiros metros nada de assustador, mas a fatal falta de atenção pegou

os soldados de surpresa.

Jorge, o mais medroso do trio, paralisou os seus passos enquanto seus olhos

assustados viam os amigos se distanciarem, não ousava olhar para baixo, mas sentia

suas pernas serem apertadas por uma força angustiante enquanto o perigo subia

pelo seu corpo. Sua mente sabia o que era, mas não reagia, a boca trêmula não

articulava nenhum pedido por socorro.

Perceptivo, Luís se virou para trás notando que o companheiro parara de

reclamar da vida e de suas surpresas, também se assustou com a tenebrosa visão,

também não soube como agir.

Percebendo que apenas ouvia os próprios passos sobre as folhas mortas

Henrique voltou a atenção aos parceiros e também se espantou com o problema.

Enquanto todos ficavam atônitos o perigo aumentava, a cascavel se

aproximava do pescoço de sua presa, sedenta por comida, ansiosa por saciar a sua

fome.

Page 47: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

47 Capítulo 08 – Na Mata I

— Não se mova — Henrique sussurrou aproximando-se aos poucos —. Sabe o

que fazer, só não se apavore.

— Como pede para que não me apavore? — a vítima, afogada no pavor, não

controlava as lágrimas de angústia, as mãos tremiam e as pernas bambeavam sentindo

o animal peçonhento aumentar a sua força.

— Pegue a faca — orientou ao soldado livre —, mas não se afobe.

A passos vagarosos se aproximava de Jorge, sentia medo, pensava que

perderia o amigo, mas demonstrava coragem, se mostrava um verdadeiro líder, alguém

posto para o bem do grupo.

Luís também tremia, tamanha era a apreensão de tão indesejável surpresa, mas

precisava confiar, precisava ser corajoso.

— Eu vou agarrá-la na cabeça — era arriscado, porém necessário —, fique

esperto para cortá-la na garganta, mas cuidado com a minha mão — nunca passou

por aquilo, não sabia o que fazer, seu dever era tentar, arriscar para salvar.

Próximo o suficiente e surpreendentemente veloz Henrique agarrou o seu alvo

enquanto iniciava uma luta contra a serpente astuta e convicta de alcançar o próprio

objetivo. Jorge fechava os olhos com força, sentia a cascavel espremê-lo enquanto

se debatia, sentia a morte. Luís esperava pelo momento certo, se ferisse os amigos

nunca se perdoaria, esse era o seu obstáculo.

— Agora! — o soldado ordenou irritado, cansado, cansado de tudo —. Mata

essa desgraçada! — sua testa suava, seu braço tremia, perdia a força, o animal não

desistiria tão facilmente.

O homem armado fechou os olhos. E atacou.

Henrique imaginou seu braço ser arrancado fora enquanto mantinha os olhos

fechados, não acreditava que o companheiro fosse tão ousado.

A presa sentiu seu predador se afrouxar.

Sem ouvir qualquer grito de dor Luís abriu os olhos.

Percebendo que seu rival já não significava ameaças o militar suspirou aliviado.

Mas esse era apenas o primeiro teste.

Sem direção ou direito a qualquer outra instrução, o trio seguiu seu caminho,

possuía um objetivo a alcançar. Atentos, os três amigos se guiavam por placas ao

Page 48: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

48 Capítulo 08 – Na Mata I

longo da mata, pregadas em árvores, mas precisavam de cuidado: assim como em

território inimigo nem todas as informações eram verdadeiras, algumas levavam a

obstáculos maiores. Diante os seus olhos uma ponte duvidosa, abaixo dela um

precipício, à sua dianteira uma placa irritante: erraram o caminho, mas só passando

por ela conseguiriam concertar a falha.

Os companheiros de vida, e agora de guerra, trocaram olhares indecisos,

amedrontados. E se fosse mais um enigma? E se não precisassem se arriscar tanto?

As dúvidas eram tantas que pareciam revelar o futuro.

— Se em um simples treinamento já colocamos nossas vidas em perigo imaginem

em uma guerra — aquela era a previsão sobre o porvir, aquele era o medo de Jorge —.

Não seria melhor que nos vissem como covardes, mas vivos?

— Desde quando um homem foge das suas responsabilidades? — Henrique

observava com atenção o problema, arquitetava planos para solucioná-lo —. Não

podemos envergonhar a nossa nação.

— Enquanto um povo inteiro se mantém em segurança nós brincamos com a

morte — discursou negativamente, era essa a sua opinião perante o pavor que a

incerteza causava —. Quer mesmo morrer por gente que nem conhece?

— A questão não é morrer por gente que nem conhecemos, mas lutar por um

povo que acredita na sua força — encarou o amigo com seriedade —. Como quer ser

lembrado pelas crianças do futuro? Como um frouxo covarde? Fomos escolhidos

para servir a nossa nação, para defender a sua dignidade, não para escolhermos

pelo quê lutaremos!

— Lembrado por crianças? — o irredutível soldado zombou —. Nem saberão

que estivemos aqui. Acredita mesmo que seu filho contará a sua história aos

colegas? Pouco lhes importará o que acontecer nas nossas vidas! Talvez perca de

viver o sonho de ser um pai por acreditar em heroísmos!

— Luis, você vem? — Henrique ignorou o argumento.

— Claro — ainda que não quisesse o militar tinha consciência do dever que o

aguardava.

O soldado destemido deu o primeiro passo, sentiu a ponte feita de madeira

com cercas de arame estremecer, mas não se deixou abalar.

Page 49: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

49 Capítulo 08 – Na Mata I

— Se quiser venha conosco — deu o segundo passo olhando para frente,

lançando as palavras —, se não pode voltar, mas sozinho.

Prosseguiu em seu caminhar firme, segurava pelas laterais como se a sua vida

dependesse daquelas barreiras, olhava somente a diante, nem em sua mente

enxergava o abismo sob seus pés.

Luís olhou para o amigo teimoso que o encarava descrente, que não se

convencia de que iria mesmo ser o único a recuar, o único a sair correndo. Seguiu os

passos de Henrique, respirava fundo, sentia as mãos suarem, sentia pavor a cada

balanço da velha ponte.

Jorge virou-se para regredir em seu progresso, mas não o faria, possuía amigos

que precisavam da sua ajuda, que contavam com o seu companheirismo para

vencerem tamanho desafio. Contrariado, percorreu o caminho dos demais, almejava

com todas as forças o fim de tudo aquilo.

Uma bambeada forte.

A ponte arrebentara.

Desesperados, os jovens soldados correram ansiosos por salvarem a vida,

pareciam fugir de um poderoso inimigo, na verdade corriam para garantir mais algum

tempo de sobrevivência.

Atrás do medroso a ponte se rasgava, parecia almejar tragá-lo, parecia

perseguí-lo velozmente sem piedade alguma. Praguejava ao vento, arrependeu-se

por ter escolhido aquela opção, sentia a morte correr atrás de sua alma.

Os dois primeiros homens conseguiram saltar em terra firme, mas o terceiro não

foi tão rápido quanto necessário.

Contudo eram amigos, como irmãos, um estenderia o braço quando o outro

mais precisasse e foi o que Henrique fez. Agarrado a uma árvore o militar segurou o

seu companheiro que tentava firmar os pés sobre a areia que deslizava do monte, mas

não conseguia. Colocando toda a força que possuía no braço que tinha a vida de

alguém querido sob responsabilidade o moreno mordia os dentes, entregava-se ao

máximo e temia o que existia lá embaixo.

Luís, atônito pela muita adrenalina, não conseguia responder aos estímulos,

não conseguia sair do transe no qual o temor o aprisionara. Era ele a solução, mas

não sabia.

Page 50: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

50 Capítulo 08 – Na Mata I

— Vença esse medo! — Henrique esbravejou sentindo as forças se acabarem,

tentava criar um desfecho feliz —. Não percebe que estamos em suas mãos?!

O teimoso chorava, olhava para baixo e agonizava, apertava o braço que o

segurava, mas sentia os dedos se soltarem gradativamente.

— Luís! — o soldado destemido derramava lágrimas involuntárias, seus músculos

doíam e sua alma se angustiava com a hipótese de não conseguir salvar um amigo —.

Você precisa ser forte! Precisa mostrar ao mundo o homem que é! Precisa se

esquecer do passado!

O passado pode sim interferir no presente, mas nem todos acreditam nisso.

Luís se viu diante uma figura problemática da sua infância, precisava

impressioná-la, fazê-la sentir orgulho. Agarrou o amigo pendurado com as mãos,

salvou-o da morte que parecia puxar os seus pés.

Caídos ao chão respiravam ofegantes, exaustos, tentavam recuperar o fôlego,

a consciência, procuravam a certeza de que estavam vivos.

— Obrigado — Jorge repetia seu agradecimento seguidas vezes —. Obrigado!

— agradecia por ter nascido outra vez.

— Está vendo? — Henrique enxugava o suor e as lágrimas apreensivas —. Não

precisa temer a nada — encarava o céu que escurecia —, somos uma família e faremos

o que pudermos para nos protegermos — a ordem era não se apegar a ninguém, mas

os grandes amigos nunca deixariam de compartilhar o sentimento que os envolvia,

mesmo que soubessem da existência de possíveis tragédias.

Page 51: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

51 Capítulo 09 – Na Mata II

Capítulo 09 – Na Mata II

A escuridão tragara a luz e o pavor tomava conta da coragem.

Nem estavam na guerra, mas já sentiam seus efeitos.

O trio inseparável, depois de tanto andar, rendeu-se ao cansaço. Os

soldados largaram suas mochilas sobre as folhas mortas e, ofegantes, encostaram-se

em árvores. Convenceram-se do pior. Depois de tanta negação se convenceram de

que estavam perdidos em um lugar desconhecido no meio de uma noite que de tão

deserta soava o som do pavor.

— Acho que agora podem me dar a razão quando digo que é melhor ser visto

como um covarde e sofrer as punições por isso do que morrer sem que ninguém nos

veja ou ajude — Jorge declarou o seu discurso, enfadado por aquela situação que,

ele bem sabia, tendia a piorar —. Tento entender por qual razão fomos tão

obedientes.

— Não achei que fosse fracassar, era a minha oportunidade para demonstrar a

capacidade que possuo — Luís, enquanto preparava uma fogueira, acabou

desabafando —. Meu pai sempre desprezou meu potencial, dificilmente demonstraria

algum orgulho, precisava impressioná-lo, precisava mostrar que sou o filho que

sempre quis ter, terminei me iludindo achando que conseguiria.

— Nunca valerá a pena provar algo para quem despreza os nossos esforços, o

que importa é o que sabemos de nós, o que carregamos — Henrique libertou as

palavras enquanto sua mente era indagada: “Valia a pena estar ali?” —. Não pode se

deixar apavorar por lembranças amargas, precisa focar no futuro e batalhar para que

ele nos glorie.

— Continua acreditando que seremos recompensados por nosso trabalho? — o

menos animado, o mais pessimista, indagou.

— Já não tenho essa resposta — o até então guerreiro destemido dava lugar a

alguém cheio de dúvidas, colocou a mochila como travesseiro e, antes de fechar os

olhos para se atentar ao som da mata, declarou: — A única coisa que sei é que

seguirei avante, para viver ou morrer.

Page 52: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

52 Capítulo 09 – Na Mata II

A realidade se apresentou outra vez, mas naquela ocasião através de alguém

que queria animar os companheiros, alimentá-los de esperança. Ao redor da

fogueira que os aquecia e protegia das feras escondidas adormeceram, entregaram-

se à libertação do sono, a hora na qual todos descansamos das dores.

A noite se foi, mas o pavor permaneceu.

Mal acordara e já era surpreendido pelos perigos de uma floresta jamais

conhecida, aquilo atormentava Henrique dos Santos que encarava a onça à sua

frente sentindo a proximidade do fim. Fazendo movimentos quase imperceptíveis

chutou Luís, o mais próximo, despertando-o do sono profundo. Ao encarar o animal

o soldado viu uma fera irritada, com olhos famintos, babando como se estivesse

raivosa. O último a acordar foi Jorge que tapou a boca ao se deparar com a ameaça,

sentiu o coração acelerar assustado, sentiu o medo abrasar seu corpo.

O felino balançava a cauda em movimentos sutis, encarava suas presas como

se preparasse o ataque surpresa, a baba do animal astuto pingava sobre a terra.

Um olhava para o outro esperando que a solução surgisse das mentes

apavoradas, mas ninguém tinha a resposta, ninguém sabia o que fazer, aquele era um

animal tirado de seu habitat e jogado em qualquer lugar a fim de experimentos ou por

pura maldade, mas agora o resultado era desastroso.

Suavam temerosos, sentiam as mãos gélidas tremerem de angústia, mas

precisavam de valentia se quisessem ao menos lutar pela vida.

— Levantem-se lentamente — Henrique deu a ordem e também a executou —,

não façam movimentos abruptos, preparem-se para correr o mais rápido que

puderem e não se preocupem comigo — não tirava os olhos do bicho feroz, sabia

exatamente o que faria: salvaria seus amigos.

— Está louco? — Luís não demorou em desvendar o plano —. Não podemos

deixá-lo!

— Acho que não pedi sugestões — permanecia os olhos fitos sobre o felino —

e se não quiser virá jantar vai me obedecer.

— Não foi você quem disse que estamos juntos nessa? — Jorge protestou.

Page 53: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

53 Capítulo 09 – Na Mata II

— E estamos — o irredutível soldado avançou contra o animal —. Corram! —

ordenou aos companheiros enquanto fazia o mesmo comemorando o sucesso do

plano: era perseguido pelo animal esfomeado.

Mas Jorge e Luís, embora apreensivos e sentindo o tamanho do perigo, não

dariam às costas a alguém tão querido, que provara ser capaz de entregar a própria

vida em nome dos amigos, correram atrás do companheiro, venceram o medo.

Henrique se desviava de galhos, saltava sobre pedras, ouvia o rosnado irado

do felino traiçoeiro, sentia que a ameaça não se cansava, não se enfadava, mas seu

corpo parecia desistir daquela batalha, sabia que a velocidade era mentida por

causa da descida íngreme, mas tão logo pisasse em caminho reto as forças se

acabariam.

Tropeçou.

Rolou pelo chão.

Ficou estendido sentindo a mente rodar, vendo o mundo girar, percebendo a

aproximação de um animal que não abriria mão do seu objetivo.

O rosto machucado sangrava, o corpo exausto não se deixava motivar pelo

perigo.

Antes que a onça pudesse tragar sua presa uma pedra lhe atingiu o focinho,

rosnando iradamente o bicho faminto procurou de onde vira o ataque, encontrou um

homem que, ainda que assustado, a chamava para a briga.

Jorge saiu em disparada, corria desesperado, torcia para que o plano

funcionasse.

Um tiro.

No alvo.

A onça correu por mais alguns segundos, sentiu as patas fraquejarem e as

forças se esgotarem. Caiu inconsciente.

— Parece que minha mira tem melhorado — Luís se orgulhou da conquista —. Já

podemos ir para a guerra! — em situações apreensivas somente o bom humor é capaz

de amenizar o sofrimento.

— Não falei para que não se preocupassem comigo? — sendo acolhido pelos

parceiros Henrique reclamou —. Poderiam estar mortos!

Page 54: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

54 Capítulo 09 – Na Mata II

— Você poderia — o mais medroso servia de apoio para o ferido.

— Se somos uma família precisamos nos ajudar, ainda que todos morramos —

Luís tratava dos machucados do militar.

— Só me resta agradecer...

[Berlim, Alemanha – 1942]

Isabel Hoff, mãe de Eva, nunca concordou com a submissão e obediência do

marido aos ideais nazistas, não conseguia entender como era possível de uma hora

para outra odiar pessoas pelas quais cultivava carinho e amizade, seu bom coração

jamais lhe permitiria odiar sem razões.

A alemã vivia um casamento infeliz do lado do membro da polícia, não o amava,

tal acontecimento fora forçado em uma época na qual o machismo insistia em existir

com maior força e muitas mulheres eram fadadas à infelicidade de uma vida inteira.

As atitudes de Manfred aumentavam seu repúdio e nojo por alguém que

considerava desprezível, merecedor de toda aquela perseguição dirigida à inocentes.

Seu amor era compartilhado com Maik Müller, seu amante, um homem opositor

ao governo de Hitler e que tentava salvar a Alemanha de sua pior ignorância. Os

anseios em comum foram os causadores da paixão, o interesse de um para com o

outro, o sentimento intenso que os fazia se esquecerem das ameaças que os

cercavam.

Aproveitando mais uma das viagens do marido, Isabel correu ao encontro

daquele pelo qual seu coração palpitava, por ele foi recebida com carinho e atenção,

coisas que Manfred jamais demonstrara. Amaram-se ainda que soubessem do quão

errados poderiam estar, mas eram fracos, não resistiam ao amor, não resistiam ao

descanso que encontravam entre seus beijos e abraços.

— Estou pensando em pedir a separação — a mulher de olheiras profundas

repousava a cabeça sobre o peito do homem que lhe garantia paz —, não posso

aguentar por mais tempo uma vida ao lado de alguém que consegue ser cruel com os

seus semelhantes como se estivesse correto em suas ações.

Page 55: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

55 Capítulo 09 – Na Mata II

— Entendo o seu pavor e concordo com ele, mas não vejo esse caminho como

correto — o alemão de brilhantes olhos verdes não deixava de se sentir atraído pela

mulher de rosto entristecido, compreendia a sua amargura e se sentia responsável

por sarar a sua dor —. Manfred não é um homem para brincadeiras, não podemos

despertar desconfianças em seu ser, precisamos ser cautelosos em meio à

tempestade.

— Mas tem se tornado impossível conviver com um homem que não me ama, que

me humilha por onde passa, que apenas me vê como um objeto para os seus prazeres

— encarou os olhos que a acalmavam e passeou os dedos frágeis por entre os

discretos fios de barba —. Você é tão diferente, não precisa de muito para me

apaziguar, não precisa de muito para me encantar a cada dia, é o homem que eu

desejava ter como esposo, o homem que deveria ser o pai de meus filhos...

— Não se desespere, o amor não acontece com afobações — o bom cavalheiro

cobriu a mão sobre seu rosto, beijou-a com suavidade, amava aquela mulher —.

Precisamos ter paciência, precisamos confiar naquilo que sentimos, precisamos

acreditar que o tempo trará a nossa libertação. Eu acredito que um dia estaremos

nesse quarto, casados, construindo o nosso futuro, felizes.

— Também quero acreditar nisso — beijou aquele pelo qual era apaixonada,

aquele que não saía de seus pensamentos —, quero me entregar sem medo ao nosso

amor!

Era um amor arriscado, perigoso.

Poderia ser um amor fatal.

Page 56: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

56 Capítulo 10 – Amigos

Capítulo 10 – Amigos

[Itália – 1943]

O capitão da embarcação anunciou que o destino fora alcançado sem grandes

complicações, por sorte, talvez, não tiveram que enfrentar forças inimigas em alto mar.

Ana Silva, a enfermeira, suspirou aliviada, respirou o ar puro do novo país, um ar

agradável apenas para ela, que ansiava por aquilo, mas para os seus companheiros

era o ar da incerteza.

Desceu do navio com olhos atentos, procurava a pessoa que esperava pela

sua chegada, encontrou-a com uma placa em mãos, escrito o seu nome.

— Então é você a nova enfermeira? — a mulher de estatura baixa e olhos

opressores encarou a visitante.

— Sim, Ana Silva, a seu dispor — estendeu a mão à espera de um

cumprimento, mas tudo o que recebeu foi a demonstração da realidade.

— Como conseguiu tanta coragem para estar em meio a uma guerra?

— Algum problema?

— É manca — disse com desprezo —. Em caso de ataque será a primeira a

morrer — deu às costas —. Já que veio me acompanhe — lançou o olhar indiferente —,

é bom que ande depressa.

Não. Não era só no Brasil ou no Rio de Janeiro ou no seu convívio que as

pessoas alimentavam preconceitos, em qualquer lugar do mundo seria vítima da

ignorância humana, mas ali, onde ninguém a conhecia, onde não tinha o afeto de

ninguém, poderia ser pior. Sua garganta se apertou, o choro tentava ferozmente

transbordar, mas ela precisava ser forte, se sua intenção era viver livre de

comentários desprezíveis agora a sua missão era provar ao mundo que as pessoas

são capazes de qualquer coisa, independente das diferenças, basta desejarem e

terem a oportunidade. Seguiu aquela mulher certa de que seria levada para a

ascensão.

Mas foi levada para o terror.

Sem qualquer instrução, sem receber quaisquer previsões, foi levada ao

hospital que recebia feridos na guerra, desde brasileiros até demais estrangeiros ou

Page 57: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

57 Capítulo 10 – Amigos

mesmo italianos, todos com o desejo de se salvarem da morte. O problema era que

não se assemelhavam a pacientes comuns, vítimas de gripes ou dores de ouvido, eram

homens mutilados em ataques, que gritavam desesperados pela dor que sentiam,

homens cegos ou surdos que agonizavam, estrondavam os seus clamores implorando

para que tudo não passasse de mentira. Os homens que ali derramavam suas

angústias choravam como crianças, sentiam a morte se aproximar.

Ana assistia àquilo com o coração transbordando de tristeza por aqueles que

viam suas vidas terminarem sem ao menos possuírem a chance de se despedirem

daqueles que amavam; transbordando de ira por reconhecer o próprio homem – a

própria humanidade – como causador de tão grande sofrimento. Mas as coisas

piorariam.

Sua responsabilidade seria cuidar das crianças e na ala infantil estava a prova

do quão cruel pode ser o homem.

Meninos e meninas, inocentes quanto à arrogância de seus precursores,

tinham os corpos machucados, cheios de hematomas, uns choravam por saber que

seus pais se foram, outros choravam pela incerteza que possuíam e tinham aqueles

que viviam em silêncio, calados, com olhos presos a um vazio, que tentavam entender

o que acontecia. Crianças, mas vítimas da brutalidade.

Pelos corredores do hospital que guardava histórias terríveis, assombrosas e

revoltantes, Ana saiu a passos velozes, chorava de angústia, percebia que não era

tão forte quanto pensava, descobria que existiam pessoas perdendo os seus sonhos

em razão do egoísmo de outras. Seu peito ardia em arrependimento, queria voltar

para casa, deixar as ruínas para trás, mas era impossível. Não tinha recursos, não

tinha de onde tirar e, além disso, tinha um compromisso com a sua nação: só poderia

voltar, se quisesse, após o término da missão. Conseguiria ver todo aquele

sofrimento e ainda se manter em pé? Acreditava que não.

Sentou-se em um dos bancos no lado de fora, levou as mãos ao rosto para

esconder o sofrimento, sentia-se apavorada.

— Precisa ser forte — alguém apareceu para lhe fazer companhia —. Só quem

acredita consegue vencer — o sotaque italiano pronunciava o português.

— Nunca imaginei que fosse tão horrível — ergueu os olhos avermelhados

descobrindo a presença de uma mulher, jovem, de olhos azulados e semblante

Page 58: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

58 Capítulo 10 – Amigos

simpático —. Acreditava que o meu sofrimento fosse doloroso, mas o que ele é

perante a dor de pessoas que nada devem?

— Todos de bom coração se condoem pelo que contemplam aqui, irritam-se

por saber que a própria humanidade está se destruindo, mas é um teste e só quem

persistir poderá viver a paz do fim de tudo isso — encarava sua ouvinte com atenção,

com cuidado, sabia que ela precisava de forças para cumprir com suas

responsabilidades.

— Como posso olhar para aquelas crianças e mostrar força se tudo o que

consigo é chorar? É impossível ser forte perante elas que nada têm a ver pelos erros

de pessoas crescidas — tentava compreender, mas não conseguia, tentar entender o

mal é como estar em um labirinto —, é impossível fazê-las acreditar que tudo ficará

bem se tudo o que temos é a incerteza.

— Não pode se entregar dessa maneira, é isso o que eles querem, desejam que

nos rebaixemos na nossa confiança — afirmou —. Ainda verá muita angústia, ainda

sentirá muito medo, mas não pode se render, não pode ser mais uma no mundo que vê

o obstáculo e volta para trás, precisa irradiar a todos o que a trouxe aqui, viemos

para cá para ajudar, para mostrar que somos capazes de mudar as pessoas, de

confortá-las, nosso trabalho não é um passeio.

— Eu não imaginava que fosse tão árduo...

— No fundo todos sabíamos o que nos esperava — levantou-se e estendeu a

mão —. Diferente do que querem, aqui nos ajudamos, somos o apoio que todos

precisam, somos a ajuda que muitos pedem.

A brasileira assustada tocou a mão amiga que lhe era ofertada, enxugou as

lágrimas e ergueu a cabeça, faria o impossível para garantir a quem ali estivesse um

pouco de conforto, um pouco de refúgio. Seria forte como nunca precisou ser.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1942]

Já haviam se passado alguns dias que Abner e demais judeus conviviam na

nova habitação, um lugar de sofrimento. Assim como os outros que eram aptos ao

Page 59: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

59 Capítulo 10 – Amigos

trabalho o jovem judeu cumpria com as funções que lhe determinaram, mesmo

cansado e exausto se mantinha em pé, tinha uma honra a guardar e uma criança a

proteger. Trabalhava como um escravo, embaixo de sol, a troco de comida para que

continuasse trabalhando.

Noah, por sua vez, ficava no quarto esperando a hora na qual seu grande

amigo chegaria e inventaria histórias, o momento no qual conversavam e chegavam a

imaginar um futuro longe daquela realidade. Curioso, ouviu dois alemães

conversando ao pé da janela, o assunto era de seu interesse, mas seria melhor jamais

tê-lo ouvido.

— A ordem é para que todas as crianças sejam reunidas, já que não

aguentariam nenhum dia de trabalho podem ceder seus corpos para experimentos.

— O que isso quer dizer? Não são judeus desprezíveis? Devem servir apenas

para morrer.

— E morrerão — riu perversamente —. Mas antes servirão de alguma coisa.

Pelo que soube já têm crianças nas mãos de médicos e cientistas sendo tratadas

como ratos, servindo para pesquisas, algumas, sortudas, morrem logo, outras,

azaradas, sobrevivem até a última dor.

Ao fim do dia, quando a noite se aproximava, os judeus suados, cansados e

sujos voltavam para seus quartos, tinham forças apenas para deitarem seus corpos

exaustos em camas desconfortáveis nas quais procuravam por um pouco de

descanso.

Abner, ao voltar ao seu aposento, não encontrou o garoto judeu, procurou em

todos os cantos, mas não o achou. Seu coração aflito imaginava o que poderia ter

acontecido e se revoltava naquilo que acreditava, não achava justo um ser indefeso

passar pela maior punição, a morte.

Sem dar ouvidos aos conselhos preocupados de seus companheiros o rapaz

saiu do quarto, a noite já era escura e fria, prometia ser tenebrosa. Não precisou

andar muito para encontrar o pequeno Noah encolhido em um canto, na mira de uma

metralhadora, implorando por piedade.

— Por que saiu do quarto? — a voz do alemão soava conhecida para o jovem

judeu.

Page 60: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

60 Capítulo 10 – Amigos

— Eles vão me matar – escondia os olhos por trás das pequenas mãos, mas a

voz denunciava o choro.

— Saindo do quarto fica mais fácil — a voz era firme, mas não parecia cruel —.

Vá com o seu amigo — sabia que tinha companhia —, ele também é o meu — virou-se

para o judeu revelando sua identidade.

O homem fardado, armado com uma arma fatal, era Sebastian Hoff, irmão de

Eva, alguém que considerava Abner como um irmão, dissessem o que dissessem.

— Você? — o jovem judeu acolheu o garoto desesperado enquanto encarava o

amigo de infância, alguém que chamava de melhor amigo.

— Foi o meu pai, ele queria que eu virasse homem e me colocou nesse inferno —

as lembranças do passado, de quando as coisas eram muito melhores, afligiam o seu

coração, causavam as lágrimas de saudade —. Mas não sou como eles — referia-se

aos demais alemães fardados que tornavam aquele lugar um pesadelo —, acredite.

— Sei o que carrega no peito e agradeço por ter poupado esse menino —

confuso, não sabia se o sentimento entre eles ainda existia ou se devia respeito a

alguém que, diziam, era superior a ele.

— Vá e tome cuidado — viu o rapaz obedecer prontamente —, mas não se

esqueça de que somos irmãos, não importa o que apregoem.

Abner virou para trás, lançou um sorriso, agradecia aos céus pela existência de

pessoas que não se deixavam levar por falácias.

Page 61: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

61 Capítulo 11 – Manfred Hoff

Capítulo 11 – Manfred Hoff

[Itália – 1942]

Em Roma, líderes e seguidores das ideologias nazista e fascista, encontravam-

se a fim de compartilhar seus pensamentos, firmar suas parcerias, acordar suas ações

e planejar contra aqueles que consideravam desprezíveis. Em uma dessas reuniões

estava Manfred Hoff, o alemão fanático por Hitler e sua doutrina, importante

membro da secreta polícia alemã, alguém que se considerava superior. Atento, não

deixava escapar se quer uma palavra do que ouvia nas pregações, dedicado, pensava

nas maneiras que usaria para cumprir cada recomendação.

Como em muitas outras viagens, sem deixar de lado o seu caráter sujo e

corrompido, após a reunião foi com seus companheiros a um agitado e bem

frequentado bordel de Roma, feito o arrogante que era enchia os copos de uísque,

alisava o bigode crescido e prestava atenção nas mulheres que poderiam saciar seus

sórdidos desejos.

— Muito me admiro pela sua calmaria — um de seus companheiros ironizou —.

Quando mais jovem não perdia tempo — também era repugnante, a diferença era

que não desrespeitava a esposa, fingia se divertir em suas viagens para que outros

homens não o fizessem por chacota.

— A pressa é inimiga da perfeição, pelo que dizem — rebateu no mesmo tom,

mantendo o olhar enrijecido sobre uma italiana em especial —. Olhe bem —

gesticulou discretamente —, todas feitas sanguessugas, prontas para colher até o

último centavo de homens como nós, pobres ricos, que nascemos com o azar do

poder.

— Sua esposa sabe dessas aventuras?

— É uma coitada, embriagada pelo nosso amor que existe apenas em sua visão.

— Então não se importaria se ela se afastasse, deixasse de se interessar pela

sua companhia — lançava as palavras criando a intriga — ou se apaixonasse por outra

pessoa — fez nascer a ira.

— Não seria capaz — o senhor Hoff ainda acreditava na soberania que

mantinha sobre a mulher.

Page 62: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

62 Capítulo 11 – Manfred Hoff

— Talvez esteja se enganando pelo excesso de confiança — soltou uma

baforada esfumaçada —, não se espante quando todos notarem seu par de chifres.

— Como ousa?! — agarrou o ardiloso pelo colarinho, encarava-o fito, nervoso —

. Está dizendo que sou corno?

Rindo perversamente Klaus Weber não hesitou em sua provocação:

— Afirmando.

Manfred lançou um soco contra o parceiro, derrubou-o sobre as mesas do

espaço, chamou a atenção dos olhares assustados.

— Senhor, não perca seu tempo com bobagens — a italiana se aproximou do

alemão prepotente usando a sensualidade como atrativo —, posso lhe garantir o

melhor dos sonhos.

Recobrando sua lucidez o homem buscou atender seus próprios desejos, mas

não teria suas desconfianças aniquiladas.

[Berlim, Alemanha – 1942]

Pelos seus cálculos o marido ainda tardaria a voltar, portanto seus momentos

ao lado de alguém que verdadeiramente a amava estavam assegurados.

Sorridente, como não costumava estar, Isabel se maquiava em frente ao

espelho em seu quarto, de sua mente não saía o rosto do homem capaz de

transportá-la para mundos pacíficos, seguros, mundos que em nada se assemelhavam

à dura realidade.

— Não quero que siga o exemplo de sua mãe, não é o certo, mas entenda que

se ainda estou viva é por causa desse amor perigoso que me alimenta — ao seu lado a

filha se alegrava por ver o contentamento da mãe.

— Não a condeno por amar, sei o quanto é doloroso e angustiante ser

obrigada a viver tão distante do amor que apenas uma pessoa nos garante — Eva

não deixava de pensar em Abner, até mesmo nos seus sonhos vivia ao seu lado.

— Sabe, minha filha, seu avô muito me fez sofrer — a alemã, já pronta para uma

noite especial, levou sua atenção à jovem desesperançosa —. Eu amava Maik, pouco

me importava se ele era pobre, tinha certeza de que juntos poderíamos construir o

nosso futuro. Acabei sendo obrigada a me casar com o seu pai e tentei enterrar o

que sentia por outro homem, mas o tempo se passou e aquele sentimento apenas

Page 63: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

63 Capítulo 11 – Manfred Hoff

cresceu — acolheu as mãos frias, ansiosas por descobrir o próprio futuro —. Não

temos qualquer controle sobre o amor, mas garanto que quando verdadeiro ele

rompe as barreiras da terra para entregar os seus frutos — recolheu as suaves

lágrimas que desciam por um semblante abatido —. Não se desespere, sei que a sua

história também será vivida.

— Peço isso todas as noites, sonho com o dia no qual terei em minha companhia

a presença de quem amo, mas tudo parece impossível, tudo tem se encaminhado para

o fim.

— Não pense dessa forma — abraçou a filha em um abraço consolador —, não

são o ódio e arrogância do homem maiores que o amor da alma. Acredite nisso.

Entusiasmada em se encontrar com Maik, Isabel despediu-se da filha, mas ao

descer as escadas se deparou com o filho sentado em um sofá na enorme sala e o

marido na poltrona ao lado, ambos em silêncio, um deles com olhar malicioso.

— Manfred? — a mulher não conteve a surpresa —. O que faz aqui? — tanto

espanto demonstrado era um erro.

— Isabel, querida, é assim que recepciona o marido que não vê há dias? — o

alemão se pôs em pé, encarava a mulher como se já soubesse dos seus segredos e

tentasse ler seus pensamentos —. Senti saudades da minha esposa, mas muito me

entristeço por perceber que ela não aguardava por minha chegada, pelo contrário,

preparava-se para uma noite de diversão com as amigas mal acostumadas.

— Está enganado, muito anseio pela sua chegada, conto os dias para que

entre por essas portas, mas não esperava que dessa vez...

— Fosse errar os cálculos — o homem interrompeu a esposa, tudo acontecia

conforme imaginado.

Por alguns instantes a alemã não soube o que dizer, sentia-se em meio a uma

encruzilhada, mas para si não havia o que temer, o marido jamais deveria imaginar o

que vivia em segredo.

— A verdade é que nos assustamos e nos preocupamos — Sebastian tomou a

frente, conhecia as atitudes da mãe e, embora não as conseguisse aprovar, as

compreendia como sendo tomadas por uma mulher desesperada em viver o que

queria —. Está tudo bem?

Page 64: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

64 Capítulo 11 – Manfred Hoff

— Tudo tem fluído como deve ser, meu caro, mas não há motivos para tanta

apreensão quando se recebe a surpresa de alguém da família, a menos que

guardem...

— Deve estar cansado, meu esposo, com certeza seus compromissos são

sempre enfadonhos e exaustivos — não deixou que o argumento fosse completado,

tratou em apanhar o sobretudo de Manfred, tratá-lo como sempre o tratou —. Eva,

minha filha, aqueça a banheira, seu pai deve ansiar por um banho — estava nervosa,

mas fazia o possível para esconder —. Prepararei o jantar em poucos minutos, como

estava fora dei a noite de folga aos empregados.

— Não estou com fome, não se atarefe demais, apenas quero conversar — as

desconfianças apenas cresciam, as certezas surgiam. Era um homem esperto que

detestava ser enganado por quem quer que fosse —. Pode me acompanhar até o

quarto?

— Como quiser — a submissão e apreensão por satisfazer todos os caprichos

de um homem exigente voltavam a atormentar aquela mulher que esperava ter uma

noite de tranquilidade.

Os filhos, condoídos pela mãe, também compartilhavam da mesma apreensão,

raramente o pai retornava antes do previsto e sempre que isso acontecia era com

pressa para o próximo compromisso, mas daquela vez as coisas foram diferentes,

Manfred não estava afobado, em nenhum momento se referiu a novos trabalhos,

apenas deixara escapar que desconfiava de segredos o que não significava boas

coisas.

— Eva, aproveitando que os dois estão distraídos, preciso contar um segredo,

mas deve prometer que manterá discrição — o jovem alemão, na sala da mansão,

possuía um tom de voz baixo.

— Por favor, confie em mim, seus segredos sempre foram bem guardados.

— No campo para onde fui enviado novos judeus chegaram, todos prisioneiros

e, dentre eles, está Abner.

Eva se encheu de alegria, seus olhos se encharcaram por lágrimas de

felicidade, seu coração se sentiu mais próximo de alguém por quem batia mais forte.

— Como ele está, meu irmão? Mandou alguma mensagem para mim?

Page 65: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

65 Capítulo 11 – Manfred Hoff

— Nosso encontro foi rápido, não tivemos tempo para delongas, sabemos que

o maior prejudicado seria ele — dizia compreensivo com o entusiasmo da irmã —, mas

sei que está angustiado por viver essa nova realidade, sei que está ainda mais aflito

por não ter a sua companhia.

— Pobre Abner, punido por amar — abaixou os olhos.

— Escreva uma carta, estou disposto em tornar essa dor mais suportável.

— Tem certeza de que não há problemas?

— Apenas escreva, faça a sua parte e deixe o resto comigo.

Sem dizer palavra alguma o casal adentrou seu quarto, o clima naquele cômodo

era pesado, angustiante. A mulher preparava o banho de seu marido enquanto o

homem se envolvia no roupão.

Com segundas intenções, Manfred aproximou-se da esposa, acolheu suas

mãos frias acariciando-as suavemente, encarava-a nos olhos como se tentasse dizer

que a amava, passeou o indicador pelo seu rosto como se dissesse que era

apaixonado pela sua pele, levou o nariz ao seu pescoço como se anunciasse o

quanto a desejava, levou a boca ao seu ouvido como se tivesse preparado um elogio,

mas sua grave voz, através do baixo som das palavras, soou como uma bomba:

— Você tem me traído?

Page 66: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

66 Capítulo 12 – Punição por Amar

Capítulo 12 – Punição por Amar

Ela se afastou do homem que repudiava, afastou-se porque suas entranhas

embrulhavam com a presença de um alguém tão indesejável.

Isabel se manteve calada, a resposta não veio, as palavras não se apresentavam

em sua mente, tudo o que queria era revelar a verdade, mostrar sua insatisfação por

aquela vida lastimável que ela sentia não lhe pertencer, queria se ver livre de tão

amarga prisão.

— E, então, o gato comeu a sua língua? — Manfred se sentou aos pés da cama,

analisava o silêncio com ainda maior desconfiança —. Ou será que não possui a

capacidade de enfrentar as consequências de seus atos? Ao menos tente mentir,

inventar desculpas!

— Como pode me humilhar dessa forma? — a alemã decidiu que não se renderia

tão facilmente, poderia colocar em risco a segurança daquele que verdadeiramente

amava —. Sei que em suas viagens a sua fidelidade cai por terra, mas eu jamais o

desrespeitaria.

— Argumento profundo, quase convincente, mas pare de vestir uma santidade

que não lhe pertence — seu olhar obscuro estava fixo sobre a mulher, dele emanava

ameaça —. Não sou homem para trapacear, Isabel, sou homem que preza pela

reputação e que detesta ser enganado, passado para trás, feito de piada.

— Por que não deixa a sua arrogante hipocrisia e assume a sua falsidade? —

enfrentou o opressor mesmo sabendo dos riscos —. Se prezasse pela reputação

não se divertiria às minhas costas, não colocaria a minha imagem na lama, sei que

entre os seus amigos sou vista como uma imbecil inocente e a culpa é dessa sua

hipocrisia: exige respeito, mas não o retribui.

— Um homem precisa de uma mulher que o agrade, que satisfaça os seus

desejos. Um homem precisa de uma mulher de verdade o que esposas como você

não são e acabam tendo somente uma função: ser mostrada como a mulher

obediente e submissa que devem ser — discursou provocativo —. Você, uma mulher

sem brilho, nunca seria capaz de me conceder os meus desejos, mas as outras me

encantam e embriagam!

Page 67: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

67 Capítulo 12 – Punição por Amar

— O par de chifres estampado na sua cabeça ainda é pouco — acabou

cedendo à provocação, não resistindo à humilhação —. Nunca o amei, nunca o vi

como o homem que pudesse fazer parte do meu futuro, sempre senti nojo da sua

companhia! — as palavras rancorosas saíam sem controle, saíam com sentimento de

ódio.

O alemão se levantou tranquilo, serenamente aplaudia como se acabasse de

ouvir um belo discurso, a passos lentos se aproximou de Isabel e, próximo o bastante,

não hesitou em dispensar o tapa na face.

— Vagabunda! — e nem hesitou na humilhação.

A mulher se chocou contra a porta e caiu no chão, as lágrimas surgiram

apressadas, lágrimas de angústia e aflição, lágrimas também de ira.

— Como ousa me desafiar dessa maneira?! — trancou a porta —. Como ousa

me colocar entre os porcos dessa forma? — agarrou a esposa levantando-a do chão

brutalmente —. Como pode ser uma devassa sem escrúpulos?! — aumentou a voz

estridentemente —. Como pode ser tão desprezível?! — jogou-a ma cama, dominado

por violência.

– Meu desejo nunca foi me casar com você, todos sabem disso, por que forçou

algo que nunca poderia existir?! — desabafou o que há tempos prendia na garganta.

— Você era a garantia da dívida do seu pai, salvei-o da falência a troco de tê-la

sob o meu domínio e tudo o que deveria era me respeitar, venerar a minha ação!

— Não posso venerar alguém que desprezo!

— Imunda! — irado, descontrolado, o membro da polícia alemã tapou a boca de

Isabel, pressionava com força, com raiva, a raiva de um homem acostumado a trair e

não a ser traído —. Não deveria ser tão burra! Acha mesmo que conseguiria me

enganar por muito tempo? Acha mesmo que me faria de palhaço enquanto quisesse?

— empurrou-a contra a cama e abriu o guarda-roupa à procura de algo —. Aqui eu

sou o homem e você uma insignificante mulher! — em mãos, um cinto de coro —. Mas

agora vai pagar, vai aprender a ser mulher!

Possuído pelo ódio e pela arrogância que consumiam sua alma Manfred despiu

a esposa usando sua agressividade apavorante, colocando para fora toda a raiva

agredia Isabel, dispensava cintadas violentas, os vergões que apareciam sobre a pele

Page 68: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

68 Capítulo 12 – Punição por Amar

frágil o faziam gargalhar e os pedidos por misericórdia o motivavam a insistir em sua

loucura.

Ela era punida por amar.

Da sala os filhos puderam escutar os gritos, os clamores por piedade, sentiram

seus corações serem esmagados no peito, sentiram suas almas arderem em ira, jamais

aceitariam que a mulher que os amava incondicionalmente sofresse nas mãos de

alguém bárbaro.

Assustados, tentavam abrir a porta, mas em vão, clamavam para que o pai

deixasse sua ignorância, mas não eram ouvidos, enquanto isso eram angustiados

pelos gritos apavorados de uma mulher que apanhava por amar. Farto de apenas

ouvir, Sebastian usou sua força, por três vezes tentou derrubar a porta, mas foi na

quarta, com a irada adrenalina invadindo o seu sangue, que alcançou o objetivo. Sem

medir esforços ou pensar nas consequências o rapaz agarrou seu pai, jogou-o para

trás, tirou de suas mãos o instrumento torturante. Eva abraçou a mãe, colhia suas

lágrimas, tentava amenizar a dor.

— Enlouqueceu de uma vez?! — o jovem alemão enfrentou aquele que em muito

se achava superior a tudo —. Já não basta a atrocidade que comete contra pessoas

inocentes, muitas das quais eram nossos amigos, instaura o terror que o persegue

dentro da nossa casa?! Não consegue enxergar o monstro no qual se transforma a

cada dia?!

— Moleque insolente! — ergueu-se do pó e forçou o filho contra a parede,

enforcando-o —. Sabe o que essa desgraçada fez?! Sabe o que ela está fazendo

com o nome da nossa família?!

— Quem está sujando a nossa imagem é você com o seu preconceito! — Eva

proferiu suas palavras, transferiu a atenção do pai sobre o irmão para si.

— Muito me espanta vê-los ao lado dessa ordinária, defendendo as suas

ações, passando a mão sobre a sua cabeça! — enxugou o suor na testa, sentia o

coração pulsar raivoso —. É condenação o que ela merece!

— Ser condenada por desejar um amor verdadeiro? — Sebastian não perderia

a oportunidade de discursar suas filosofias perante o homem que queria mudar,

ainda que de nada adiantasse tentaria transformar a mente de um alguém tão cego

Page 69: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

69 Capítulo 12 – Punição por Amar

pelo próprio egoísmo —. Todos nós precisamos amar e sermos amados, não há ser

humano que suporte o árduo desafio da vida se não tiver o refrigério do amor, esse

sentimento que encontramos em pessoas que nos completam, que nos fazem felizes

— suas palavras soavam serenas, sua paixão era discursar sobre as maravilhas da

alma, coisas que a humanidade, desde muito cedo, vêm perdendo —. Como pode

fazer sofrer alguém que apenas quer amar? Se não é capaz de lhe dar o amor que

deseja ao menos não lhe garanta a dor que não pode suportar.

Se Isabel se orgulhava pelo homem que seu filho vinha s transformando,

Manfred sentia desprezo e vergonha, não aceitava que seu herdeiro falasse de amor.

— Hoje mesmo mudarei sua visão, ao menos lhe garantirei pesadelos horrendos

para a sua sensibilidade desprezível — virou-se para a mulher —. A partir de hoje está

proibida de sair dessa casa, está proibida de sair desse quarto — antes que a esposa

pudesse protestar continuou seu discurso: — Se me desobedecer saiba que não

hesitarei em lhe dar o mesmo fim que aqueles judeus imundos terão! — deixou clara a

ameaça, a amarga e intimidadora ameaça —. Quanto a você, motivo da minha

decepção, aguarde-me lá embaixo, vou lhe mostrar o que acontece com quem pensa

demais em amor.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1940]

O lugar estava escuro e frio, deserto e sombrio. Todos dormiam, recuperavam

suas forças para mais um dia de desespero e incerteza.

Pelos oficiais que ali estavam Manfred era venerado com respeito, seu bigode

crescido e seu semblante endurecido intimidavam a qualquer um.

— Reúnam cinco desprezíveis, meu filho precisa saber o que é ser um homem

como nós.

Sebastian olhava ao seu redor com olhos apreensivos, sua vontade era sair

correndo de um lugar que cheirava à morte, à perdição, à maldade e crueldade, sentia

medo de se deparar com o amigo de infância.

Cambaleantes e assustados cinco judeus apareceram, empurrados pelos

homens fardados, submissos a qualquer ordem para que continuassem vivendo.

Page 70: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

70 Capítulo 12 – Punição por Amar

— O que achamos de pessoas que acreditam e falam em amor? — o alemão fez a

pergunta recebendo a resposta a partir das gargalhadas —. É isso mesmo, achamos

que são piadistas miseráveis, homens desocupados e mulheres sem marido, amor é

coisa de burro — encarou o filho desprezando o medo que o rapaz exibia —. Para nós

o que existe é poder, respeito, veneração, obediência, dedicação aos interesses da

pátria e, em nome dessas coisas, somos capazes de qualquer atitude, somos capazes

de fazermos o mal a nós mesmos — levou seu olhar superior aos judeus indefesos —.

Somos capazes de colocarmos homens contra homens — ordenou que entregassem

fuzis a dois judeus e enfileirou os outros três —. Atirem — não obteve resposta, não

recebeu obediência —. Atirem! — usou sua energia para atrair o pavor.

Os cinco homens se olhavam com amargura, com medo, choravam por causa da

muita maldade que os cercava.

— Será que preferem passar pelo fogo? — fuzilou um dos prisioneiros, sem

piedade —. Agora me obedeçam ou pode ser pior.

Não tiveram escolha. Cumpriram a ordem perversa. Concederam a satisfação

de um homem inescrupuloso.

— Podem voltar aos seus quartos, considerem-se homens de sorte — fez sua

nojenta piada.

Enquanto os dois homens caminhavam cabisbaixos Manfred disparou contra

eles, covardemente.

— Espero que tenha aprendido, Sebastian, você não existe para falar de

amor, está aqui para nos ajudar na limpeza.

O jovem alemão engoliu o choro como se engolisse uma bomba, seu peito

amargurado sangrava vendo aqueles inocentes estendidos ao chão, derramando

sangue. Mas uma coisa ele notou: viu pelo olhar daqueles homens um pedido por

perdão e o anúncio de compreensão, viu que entre eles existia o amor fraterno no

qual muito acreditava e jamais deixaria de acreditar.

Page 71: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

71 Capítulo 13 – Saudade

Capítulo 13 – Saudade

[Rio de Janeiro, Brasil – 1943]

A saudade é mais um daqueles sentimentos complexos e controversos, pode

ser agradável ao mesmo tempo em que machuca, pode fazer sorrir ou derramar

lágrimas. Quem sente saudade sofre pela distância que enfrenta e que o separa

daquele que tanto deseja ter ao lado, já quem deixa a saudade se sente privilegiado

por ter conquistado a querência daqueles que, se pudessem, não o deixariam partir.

Algumas pessoas, por onde passam, chamam a atenção e deixam certa impressão,

outras chamam a admiração e deixam a saudade.

Virava de um lado para o outro na espaçosa e vazia cama de casal, tentava se

entregar a mais uma noite de sonhos, mas parecia impossível, o sono não surgia, a

inquietação era sua companhia.

Abria os braços na esperança de tocar aquele com quem dividia as noites, mas

apenas sentiu a ausência de alguém muito amado. O sorriso apaixonado que sempre

lhe era dirigido agora só existia na sua memória, a realidade trazia uma noite solitária.

Cansada de em vão lutar pelo descanso Carol se levantou da cama, por

alguns segundos a encarou com olhos desconsolados, faltava alguma coisa, sentia a

falta de uma pessoa, a ausência de Henrique afligia seu coração e trazia a insônia.

Caminhou até a janela do quarto, por onde entrava uma brisa serena e o brilho da

lua podia ser admirado, por onde a pobre carioca fazia seus desabafos às estrelas.

Havia se passado três meses desde que vira seu grande amor pela última vez e

aquilo vinha se tornando insuportável. Não recebia notícias, não tinha nenhuma

informação, tudo o que conseguia era manter vivo em seus pensamentos o semblante

de alguém que conquistara a sua paixão e o som de uma voz aveludada, confortável

aos ouvidos desesperados por tornarem a ouvir tão melodiosa sonoridade.

Encarava as estrelas e passava a mão sobre a barriga saliente, onde era

gerado o fruto de todo aquele amor.

Como estaria Henrique? O que se passava pela sua mente? Estaria com

medo, fome ou frio? Estaria tão bem acolhido como sempre fora entre aquelas

Page 72: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

72 Capítulo 13 – Saudade

quatro paredes? Estaria com alguma necessidade? Possuía algum desejo? Pensava

nela?

Eram indagações que Carol lançava ao céu enegrecido, mas nunca obtinha as

respostas. Sua solução para as incertezas era acreditar que tudo ficaria bem, que

tudo acontecia como o planejado e que, muito em breve, teria de volta nos braços

aquele que a fazia feliz.

— Seu pai é mesmo um homem valente, aquele garoto destemido ainda mora

dentro dele — precisava conversar com alguém naquela noite silenciosa, ninguém

melhor do que a criança que já amava —. Poderia ter pensado em desculpas, se

entregado ao medo, mas foi de peito erguido que aceitou o desafio — sorriu

orgulhosa, nostálgica, recordando-se do adolescente pelo qual criara um grande

carinho, aquele que se transformou em um verdadeiro homem, o homem da sua vida —.

Hoje está longe de nós, longe do amor que podemos lhe ofertar, longe da proteção

que podemos lhe garantir, longe do conforto da nossa casa, dos nossos abraços,

longe do alento de nossas almas — derramou uma lágrima saudosa, seu coração

possuía um ardente desejo em reencontrar tão especial ser humano —. Mas sei que

assim como foi voltará para o nosso lar, estará conosco nos amando e sendo amado...

Você, meu filho, conhecerá o melhor amigo que alguém pode ter, provará do

privilégio de tê-lo como seu pai!

Precisava discursar tão belas e edificantes palavras àquele que merecia ouvi-

las. Sem se importar no quanto a saudade aumentaria, puxou a cadeira da

escrivaninha, esticou o papel sobre a mesa e começou a desenhar o seu pensamento.

Escrevia uma carta exibindo todo o seu amor, desvestindo os sentimentos da sua

alma, provando o quanto precisava da companhia do admirado soldado.

É isso o que “mata” a saudade: tomar atitudes, aproximar-se de coisas, que

remetam àquele que faz tanta falta.

[Washington, Estados Unidos – 1943]

Page 73: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

73 Capítulo 13 – Saudade

A saudade é tão especial porque não deixa morrer os sentimentos nascidos

entre uns e outros. Pela tanta saudade que nos aflige vemos o quão importante

aquele pessoa é para nós, acabamos prometendo que daremos ainda mais valor

quanto tivermos sua companhia, asseguramos que vamos aproveitar de forma melhor

cada segundo ao lado de quem tanto desejamos. Tais sentimentos apenas

aumentam e se consolidam graças à saudade.

No quarto do quartel, junto a outros companheiros, um soldado mantinha os

olhos abertos enquanto os demais pareciam sonhar sonhos muito agradáveis.

Encarava o teto clareado pelos poucos feixes de luz que atravessavam as janelas,

mas o que enxergava era o rosto de uma mulher especial, a que para ele era a mais

bela de todo o mundo, a mais doce em um universo inteiro, a única capaz de lhe tirar

um sorriso nos momentos de dor.

Mas a enxergava com tristeza no coração.

Enxergava-a com saudade.

Há três meses Henrique estava naquele lugar, preparando-se para um evento

angustiante, um evento que para ser enfrentado exigia dos desafiados que se

esquecessem de quem eram, do que planejavam para o futuro e se preparassem para

o fim de suas histórias, histórias que ganhariam uma narrativa heróica, mas que ainda

assim terminariam.

Há três meses Henrique não escutava o som tranquilizante de uma voz

desejada, a voz que o aquecia nos dias de frio, a voz que o refrigerava nos dias de

calor, a voz que o acalmava nos momentos de tempestade. Sentia falta da sua fonte

de coragem, de paz, de certezas, sentia falta de todo aquele acolhimento.

Há três meses Henrique não sentia o doce sabor dos beijos da esposa, beijos

que lhe davam a certeza de que era amado, beijos que o transportavam para um

mundo seguro, sem seres humanos egoístas prejudicando a vida de quem apenas

quer ser feliz.

Há três meses Henrique não tocava a suave pele que fazia sua alma descansar

tranquilamente e, embora parecesse pouco tempo, aqueles três meses

representavam uma eternidade cruel e dura, uma eternidade onde a saudade corroia

o seu peito.

Page 74: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

74 Capítulo 13 – Saudade

Chorou por sentir a falta daquela que os completava.

A fim de respirar um ar puro e desabafar com o vento, o jovem soldado, a

passos cautelosos, saiu para o pátio do quartel, sentou-se em um banco solitário e

ergueu os olhos para o céu pedindo para que sua angústia ao menos fosse

diminuída.

Encarando as estrelas passou a enxergar o sorridente e tranquilo semblante

de Carol, era tão real que parecia verdadeiro, tinha a sensação de que se erguesse

as mãos tocaria o rosto suave. Não piscou mais. Não queria que aquela imagem

desaparecesse de sua mente.

Alguns anos atrás...

[Rio de Janeiro, Brasil]

Parecia ser apenas mais um dia de aula como todos os outros. Desinteressado

pelos estudos Henrique insistia em manter o hábito de chegar atrasado, com a cara

amarrada, provando sua insatisfação em estar ali. Nem mesmo os mais severos

professores conseguiam, com base nas ameaças, mudar suas posturas.

Apesar de tão perigoso defeito o jovem adolescente cumpria com suas

obrigações, suas notas não deixavam a desejar, tinha consciência de que mesmo não

querendo era obrigado a estudar, o que restava era fazer tudo bem feito.

Mas naquele dia sua vida se transformaria.

Para muito melhor.

Ansiosa e nervosa pelos novos ares que respirava, a jovem Carol

acompanhava os passos firmes do sério diretor, subia os degraus com grande

vontade em conhecer de uma vez a nova turma e encontrar novos companheiros. Ao

aparecer na porta da sala atraiu olhares curiosos e sentiu o rosto ruborizar. Não

adiantava tentar esconder, era tímida e muito envergonhada.

Henrique precisou levantar a cabeça deitada sobre a mesa e não pôde deixar

de notar o rosto avermelhado, um charme especial, algo que o fez se sentir diferente

pelo período tão intenso da adolescência que o acompanhava. Não sabia o que

estava acontecendo, só sabia que precisava chamar a atenção da aluna nova.

Page 75: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

75 Capítulo 13 – Saudade

Arrependeu-se por insistir em se sentar nas últimas carteiras ao ver a garota se

sentar na primeira, arrependeu-se o mais profundo que conseguiu.

— Quem determinou que os átomos não passassem de partículas indivisíveis e

possuíssem carga neutra? — o professor de química lançou a pergunta.

— Dalton! — Henrique se colocou em pé, como nunca fizera até aquele dia —.

Mais precisamente John Dalton, um importante cientista que sofria com a

dificuldade de assimilar cores, daí vem o termo daltonismo!

O que dizer para um aluno desleixado que de uma hora para outra resolve dar

uma aula?

— Caro Santos, o senhor consegue me surpreender a cada dia, mas hoje foi

uma grata surpresa!

— Obrigado, professor — torcia para que a aluna nova o encarasse, falava alto

e insistia em se manter em pé.

— Continue assim, Santos — encarou o aluno tentando descobrir suas

intenções —. Acho que já pode se sentar.

— Ah! Sim! — o atrapalhado arrancou risos da turma, mas valeu a pena, Carol

virou o rosto em sua direção, ele lançou uma piscadela e jurava que a garota lhe

retribuíra com um sorriso, o suficiente para alegrar seu dia, transformá-lo em um bom

aluno e passar a viver o que destino um dia escreveu.

[Washington, Estados Unidos – 1943]

Tudo o que o jovem soldado queria era voltar no tempo, reviver aquele dia,

quanto tudo teve início, quando aquela que seria sua eterna namorada surgiu em sua

vida lhe cedendo o sorriso que sempre o conquistava. Precisava voltar para cama,

descansar o corpo, mas antes que partisse viu Carol lançar seu beijo sobre o vento,

um beijo que ele agarrou e guardou no peito, de onde nunca sairia.

Page 76: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

76 Capítulo 14 – Medos e Anseios

Capítulo 14 – Medos e Anseios

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1942]

A apreensão tomava conta dos corações enquanto crianças eram separadas

de seus pais, amigos ou pessoas nas quais confiavam. Não queriam partir, não

queriam partir a um destino desconhecido, incerto, não queriam viver com a dúvida se

voltariam ou não a estar com aqueles que amavam.

Eram levadas pelos homens fardados, seus olhos lacrimejantes denunciavam o

medo que sentiam, mas o que poderiam fazer além de aceitar as determinações?

Mesmo que se rebelassem, mesmo que fizessem força, pagariam com a vida tamanha

audácia.

Abner sentia o coração pulsar aflito, sentia sua alma sangrar em seu ser ao

encarar o semblante assustado de uma criança indefesa, sentia-se incapaz de

protegê-la. A cada choro infantil que dos quartos vizinhos ouvia sua angústia crescia

no peito.

Noah sabia o que estavam fazendo , eram os homens fardados cumprindo com

o que disseram, levavam os pequenos e os velhos para um lugar de dor e tormento.

Acreditava que nada poderia ser feito, que já estava rendido ao mal, restava aceitar.

— Esconda-se — o jovem judeu teve a ideia guiando seu pequeno amigo à

última das camas empilhadas que existiam dentro do desconfortável cômodo —.

Fique embaixo dessas cobertas, não faça nenhum barulho e não tenha medo de

nada, vamos sair dessa.

— Rapaz, seja sensato, está colocando a vida de todos nós em risco — um de

seus companheiros, que vivia ali por mais tempo, aconselhou —. Se descobrirem essa

trapaça poderemos pagar com a morte.

— Prometi que defenderia esse menino e é o que farei — desceu pela escada de

madeira —. Se descobrirem me responsabilizo, estou disposto em passar por

quaisquer consequências dos meus atos, mas estarei honrado por cumprir com

minhas palavras — nunca desistiu de suas promessas, não seria o medo de morrer que

o faria desistir.

Page 77: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

77 Capítulo 14 – Medos e Anseios

— Dêem-nos as crianças — o oficial da polícia alemã, junto a outros colegas, se

colocou no quarto de Abner encarando os prisioneiros com desdém —. Sejam

rápidos ou a dor os fará velozes.

Ninguém se moveu.

Nenhuma criança foi entregue.

— Acho que não entenderam — abaixou os olhos maliciosos desenhando no

rosto um sorriso sombrio —. Exijo que todas as crianças se apresentem.

— Não temos crianças, somos apenas nós — o rapaz tomou a palavra ante o

pavor de todos os demais.

— Procurem! — um dos tais colegas era Sebastian.

Cada canto foi analisado com atenção, nem mesmo por baixo das camas

deixaram de olhar e nada encontraram.

— Parece que estão dizendo a verdade — mas lia os olhos amedrontados, sentia

o cheiro do segredo no ar —, porém não somos tolos como vocês. Olhem nas camas

de cima e não deixem escapar nem uma formiga.

Abner entrou em desespero conforme Sebastian se aproximava da cama onde

Noah fora escondido, não tinha certeza se poderia confiar em alguém que chamou

de amigo, naquela manhã fria e tenebrosa teria a resposta.

Sebastian, por sua vez, fazia o seu trabalho torcendo para que não fosse ele

quem encontraria o garoto, seu coração parecia tentar pular da garganta conforme o

tempo passava. Olho com olho, encontrou um rosto molhado de lágrimas, o rosto de

uma doce e inocente criança. Espantou-se.

— Sebastian! — o líder a tudo se atentava —. Encontrou algo?

— Não, senhor!

— Tem certeza? — passou a caminhar na direção do rapaz, passos lentos,

medonhos —. Porque se eu encontrar adorarei revelar sua traição ao seu pai — parou

perante o soldado fazendo sinal para que ele descesse —. Terei a honra de assistir a

sua humilhação e, quem sabe, o seu fim — subiu as escadas de madeira, levantou os

cobertores, mas para espanto de todos nada encontrou —. Para quê essa cara de

medo se não tinha nenhum animal?

Page 78: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

78 Capítulo 14 – Medos e Anseios

— Por que fazemos isso? — não eram nem o momento e nem o lugar adequados

para suas filosofias, mas era a única maneira para que enganasse seu superior —. Por

que colocamos tanto medo nessas pessoas?

— Não comece com os seus repulsivos argumentos — desceu os degraus

dando as costas ao jovem alemão —. Apenas faça, sem perguntas — talvez nem ele

quisesse aquela vida, mas era a que lhe deram, era a que deveria viver —. Vamos

embora, aqui não têm nada. Quanto aos demais, voltem ao trabalho!

Sem a presença do perigo, enquanto seus companheiros saíam para a árdua

tarefa, Abner correu à procura de Noah, encontrou-o encolhido em outra cama,

agradeceu aos céus pela proteção.

— Está tudo bem, campeão — abraçou o garoto como um pai protetor —. Fique

tranquilo, o pior já passou.

Era o final feliz de mais um capítulo que também confirmava a amizade entre

judeu e alemão, mas ainda não desfazia todas as desconfianças.

Se o semblante já era triste, agora a alma parecia, aos poucos, morrer. Há dias

não contemplava a luz do sol, não sentia o frescor dos jardins, não ouvia a voz de

pessoas diferentes e nem encarava os olhos ternos que a encantavam, há dias estava

trancafiada naquele quarto recebendo apenas a indesejável visita de seu marido,

quem também lhe trazia água e comida. Ninguém o contestava, ninguém poderia ser

louco o suficiente para contestar um homem impiedoso, que machucaria sem

ressentimentos.

Eva sabia o quanto a mãe estava sofrendo e, já que não podia contar com a

ajuda do irmão – preso sob os comandos do pai –, precisou se vestir de coragem e ir

à procura de Maik, desabafar a sua raiva e conquistar um aliado para a guerra que

se levantava.

O alemão não conteve a surpresa ao receber em sua casa a filha de sua

amante, pensou que pudesse ser alguma armadilha, mas a saudade que sentia da

amada e a falta de explicações para tão repentino sumiço o fizeram abrir a porta.

Page 79: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

79 Capítulo 14 – Medos e Anseios

— Precisamos de ajuda e é só em você que podemos confiar — a jovem alemã

anunciou seu motivo.

— Por favor, fique a vontade — apresentou a sala bem arrumada —. Como

conseguiu me achar?

— Pare de mandar cartas — abriu o caixote que levara consigo —, não imagina o

perigo que correria se eu as não recolhesse, além de estar o seu endereço é nelas

que encontramos a sua sentença!

— Isabel não quer mais contato? — os olhos verdes se abalaram —. Por que ela

não veio pessoalmente?

— Aposto que não para de pensar em você e no quanto a faria feliz, mas meu

pai descobriu sobre a traição, como um louco a agrediu, feriu até mesmo sua alma e,

como se não bastasse tamanha covardia, trancafiou-a no quarto, nem pela casa ela

pode andar, está isolada de todos nós.

O vaso que enfeitava a estante foi feito em pedaços por um homem louco de

amor, aborrecido pela maldade de alguém que odiava. Irado, Maik parou sobre a

janela do apartamento, encarou o céu nublado tentando controlar seu nervosismo

antes que saísse pelas portas convicto de cometer uma tragédia.

— Sei que é o seu pai, perdoe-me por odiá-lo, mas desejo a ele a pior das

mortes! — contraía o maxilar, tentava se aliviar das tensões mantendo o olhar sobre

as nuvens.

— Perdi o sentimento que tinha por ele desde quando começou a concordar

com pensamentos tão ordinários e passou a nos obrigar a nos afastarmos de

pessoas queridas pelo simples fato de possuírem outra descendência —

compreendia a raiva de Maik, na verdade compartilhava do mesmo sentimento —.

Agora foi longe demais em sua arrogância, nem a mim deixa entrar naquele quarto,

não sei o que fazer e por isso preciso da sua ajuda.

— Seu irmão ainda me vê com maus olhos?

— Ele não conseguia entender as atitudes de nossa mãe, achava que era

ingratidão, mas aprendeu a conhecer aquele homem que nos foi dado por pai, sofre

pela sua ignorância e garanto que hoje ele vê a você como solução.

— Faça o impossível, mas converse com a sua mãe — levou o olhar à Eva —.

Descubra o que ela acha de a tirarmos desse pesadelo e me traga a resposta, se

Page 80: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

80 Capítulo 14 – Medos e Anseios

tivermos sua aprovação arriscaremos nossa paz, mas provaremos que Manfred não

pode possuir a quem quiser.

Não tinha tempo a perder, sempre acreditou que, quanto em demasia, a

tristeza pode atrair a morte e temia que isso acontecesse com sua mãe. Depois de

muito implorar, ao ponto de derramar seu choro, Eva convenceu o soldado a lhe

entregar a chave do quarto trancado, prometeu ser rápida, prometeu não prejudicar

ninguém.

Ouvindo o barulho da fechadura, Isabel se angustiou, os dias que vivia debaixo

das mãos de um ser humano tão desprezível a enchiam de terror, a faziam desejar

pelo fim de sua vida.

— Mãe, sou eu — a doce e serena voz soou pelo quarto sombrio.

— Minha filha — a carente mulher acolheu em seus braços aquela que amava —.

O que faz aqui? — preocupou-se —. Seu pai pode machucá-la!

— Não se preocupe, tudo está sob controle — sorria contente, certa de que

trazia a solução para todo o problema —. Estive com Maik e ele me prometeu nos

ajudar caso queira fugir, é a única maneira para que nos vejamos livres de tanto

tormento.

Isabel relutou consigo a importante decisão. Queria se vir livre da prisão, mas

não queria colocar outros em seu lugar. Não surpreendeu com a resposta

—. Não quero ninguém se arriscando, é perigoso e Manfred não pensaria

antes de machucar mais pessoas.

— Pense melhor, iremos todos nos ajudar, podemos seguir com o nosso plano

quando estivermos longe dele. Não há com o que nos preocuparmos, não foi você

quem disse que o amor rompe as barreiras da terra para dar os seus frutos?

Sim, a oprimida alemã ainda acreditava em tão profundo pensamento e

precisava ser forte para que ele não fosse apenas mais uma ideia em um mundo cheio

delas.

— Tudo bem, eu aceito — ainda assim temia o pior —, mas sejam cautelosos, o

fracasso pode ser fatal.

Page 81: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

81 Capítulo 15 – Palavras do Coração

Capítulo 15 – Palavras do Coração

[Itália – 1943]

O hospital italiano tinha naquele dia uma movimentação mais agitada do que o

costumeiro, feridos em guerra chegavam a todo o momento, refugiados acidentados

buscavam salvar suas vidas a fim de viverem o futuro que aguardavam e presos que

tiveram de volta sua liberdade lutavam contra a morte que tentava consumi-los.

Atenta na ala infantil, secando as lágrimas assustadas e aliviando a dor dos

ferimentos das mais inocentes pessoas, Ana se assustou quando um homem

desconhecido empurrou a porta e ali entrou gritando o nome de alguém, gritando o

nome de seu filho:

— Noah! Noah! — os olhos arregalados encaravam cada semblante infantil,

tentava reconhecer o rosto daquele de quem fora tirado, mas seu coração se

angustiou ainda mais por nada encontrar —. Onde está o meu filho? — falava em

alemão na esperança de obter respostas.

— Senhor, acalme-se, vejo que está ferido — Ana se aproximou do judeu

desesperado, conhecia a língua alemã, na verdade conhecia muitas línguas europeias,

afinal, sempre acreditou que sua vida aconteceria na Europa. Cheia de

tranquilidade ajudou o homem a se sentar, deu sinal para que chamassem os médicos,

enxergava no rosto daquele um o cansaço do sofrimento —. De onde é?

— Antes de ser levado morava em Berlim com minha família — suas mãos

tremiam e os olhos estalados não deixavam de procurar por um garoto especial —.

Consegui escapar do cativeiro depois de tanta angústia, tinha esperança de

encontrar o meu pequeno nesse lugar — a fala soava ofegante, o corpo debilitado

exibia muitos hematomas.

— Se moravam em Berlim e ele não foi levado com você acredito que as

chances de ter passado por aqui são poucas — não queria desanimar um pai

esperançoso, mas também não era seu dever enganá-lo —. Tem esposa?

— Sim, chama-se Deborah, somos judeus e por isso fomos perseguidos —

voltou sua atenção à enfermeira, sentiu que suas vistas se escureciam, ficavam turvas,

tinha certeza de que seu muito esforço agora o matava.

Page 82: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

82 Capítulo 15 – Palavras do Coração

O médico aplicado, um alemão, chegou à presença do judeu, mas se espantou

e não escondeu tal sentimento.

— Pode levá-lo, acho que consegue se salvar — Ana, em sua inocência, deu o

seu parecer.

— Não há o que possamos fazer — o italiano encarava o paciente com olhos de

dúvida e incerteza, seu coração dizia uma coisa, mas a razão anunciava como correto

o outro caminho —. Já está morrendo — deu às costas sem nem ao menos examinar

aquele homem.

— Não, não pode fazer isso — a brasileira se colocou perante o homem com a

capacidade de salvar pessoas —. Ele ainda está vivo, precisa de nós, como o ignora

simplesmente?

— Há muitos aqui que precisam de socorro — lançou o último olhar sobre o ser

humano que aos poucos se rendia à morte —, e ele é só um judeu.

— Não pode estar falando a verdade — Ana escutou tal argumento como se

ouvisse o barulho de uma flecha que alcança seu objetivo sem se atrapalhar com o

que estiver no caminho.

— Essa é a verdade — o ferido manifestou suas palavras —, não se dê ao

trabalho de tentar mudar isso, sou apenas um judeu.

— Está vendo? — o médico manteve sua cruel posição —. Não colocarei minha

vida em risco desobedecendo ordens tão claras — continuou o seu caminhar mesmo

que no fundo algo o motivasse a ser diferente.

A carioca desacreditada voltou sua atenção ao homem que entregava suas

forças, iria cuidar de suas feridas, sarar a sua dor, mas não o pôde fazer.

— Por favor, apenas me ouça, não vou resistir, meu corpo clama por descanso e

minha alma implora por alívio, apenas me ouça...

— Como ele foi capaz de desprezar ajuda a alguém que precisava? — ainda não

compreendia o irracional.

— A ordem é para que os países do Eixo odeiem-nos, os judeus, e não nos dê

nem mesmo um copo d’água, quanto mais salvar nossas vidas — levou a mão ao bolso

da camisa listrada, rasgada, manchada de sangue, suja pelo sofrimento. Em mãos a

foto de uma criança feliz e despreocupada dias antes de sua dolorosa separação,

entregou-a a Ana e fez sua súplica: — Se encontrá-lo diga que nunca me esqueci

Page 83: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

83 Capítulo 15 – Palavras do Coração

dele, que todos os dias, desde quando fomos levados a lugares diferentes, ansiei por

abraçá-lo outra vez. Não sei se minha esposa ainda vive, mas diga a ela que a

saudade foi amarga, a falta de notícias dolorosa, mas o amor nunca acabou — um

filete de sangue escorreu pelo canto da boca, seu corpo já não aguentava a missão

do manter-se vivo.

A mulher recolheu a foto sentindo o peito ser apertado, antes que pudesse

declarar qualquer palavra animosa teve que sustentar o corpo que caía, ajeitou-o

sobre a maca e pediu que viessem buscá-lo.

— Prometo que a mensagem será entregue — não tinha certeza, nem sabia se o

menino estava vivo, mas faria o possível por descobrir.

[Washington, Estados Unidos – 1943]

Alguns brasileiros já haviam sido enviados ao embate antes deles, mas a falta

de notícias de como as coisas aconteceram deixavam os soldados do atual pelotão

ainda mais apreensivos sobre o futuro. Estavam na véspera, no dia seguinte

começariam a viagem rumo à Europa, veriam a realidade de perto.

Em seu quarto, junto a outros companheiros, Henrique se arrumava para o

jantar quando recebeu um envelope escrito o seu nome, escrito por letras

inconfundíveis, letras que aceleraram o seu coração repleto de saudade, vontade de

estar com aquela que possuía tão maravilhosa grafia. Pediu privacidade, queria ler a

sós, prometeu que seria rápido.

Abriu o envelope e desdobrou o papel perfumado, sentiu o cheiro bastante

conhecido, um aroma que tirou de seus lábios o sorriso apaixonado e dos olhos o

brilho de quem ama. Respirou fundo, sabia que se emocionaria.

Rio de Janeiro, 09 de julho de 1942.

Querido Henrique, meu esposo.

Há quanto tempo não nos falamos? Há três meses. Parece pouco, é bem verdade, pouco para

quem tem a certeza de que mais ou menos dias terá a distância que o separa de quem ama aniquilada,

não para nós, que querendo ou não vivemos com a incerteza sobre o porvir, ainda que tentemos

Page 84: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

84 Capítulo 15 – Palavras do Coração

acreditar no contrário sabemos que as lágrimas poderão rolar, mas não é disso que quero falar, preciso

declarar o meu amor.

Não sabia que te amava tanto. Não sabia que ter a sua ausência na nossa casa fosse tão

doloroso. Não sabia que não ouvir a sua voz tornaria dias ensolarados nos mais cinzentos. Não sabia

que precisava sentir saudade para descobrir o real tamanho do que sinto por você. A verdade é que eu

não queria descobrir dessa forma, não precisava ser de uma maneira tão aflitosa, não deveria ser

através da distância insuportável que nos separa e não nos deixa conectar nossas almas através de um

simples olhar.

Sinto a sua falta e, se nunca disse isso, amo a sua agradável companhia, amo estar ao seu lado

ouvindo suas histórias, colhendo os seus desabafos e tentando, do meu jeito, animá-lo sobre nossos

sonhos. É ainda melhor quando para a fim de me ouvir, a fim de escutar minhas reclamações e me

ajudar a continuar acreditando no bem das coisas. Sinto falta do seu jeito romântico com o qual

sempre me olhou, sinto falta do seu olhar divertido sempre capaz de transformar meu choro na maior

das alegrias. Sinto falta do homem que nunca sai dos meus pensamentos.

Nosso filho está crescendo, posso sentir que está bem e que não vê a hora de conhecer tão nobre

homem que o acolherá nos braços como um pai orgulhoso. Sei que lamenta não estar ao meu lado nesse

momento, mas também sei que não deixa de pensar em nós e na nossa felicidade e é isso o que me

conforta, faz-me erguer os olhos e continuar acreditando que o nosso amor encurtará tão extensa

distância.

Ainda tenho muito o que dizer, mas prefiro declarar aos poucos, enquanto isso mande notícias,

acalme meu coração me dando a certeza de que está bem e que não se esqueceu de mim, porque eu

nunca deixo de pensar no quanto você me faz tão bem!

Com amor

Carol Oliveira, sua esposa.

Os olhos avermelhados derramaram lágrimas emotivas sobre o papel que tinha

o cheiro do amor. Por alguns instantes Henrique levou o inestimável tesouro ao

peito, abraçou-o como se fosse seu dever protegê-lo de qualquer perigo, como se

realmente protegesse a mulher que amava. Receber tão romântica mensagem

confortou sua alma, teve a certeza de que tudo estava bem, e mais, que o sentimento

que os uniu jamais se romperia, pelo contrário, era o que mantinha um no coração do

outro. De suas coisas tirou um caderno, destacou uma folha, pegou a caneta e deu

voz à sua alma porque é através das palavras que ela se manifesta. Pediu que

enviassem sua resposta ao correio, naquela noite teria um sono melhor, talvez

sonhasse com Carol e, assim, se sentisse mais próximo.

— Acho que alguém encontrou uma mina de diamantes — Jorge zombou ao ver

o alegre semblante do grande amigo.

Page 85: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

85 Capítulo 15 – Palavras do Coração

— Com certeza recebeu o melhor dos presentes — Luís, mais sentimental,

soube reconhecer o rosto apaixonado.

— Não poderia ter recebido coisa melhor — puxou uma cadeira para se sentar

entre os bons companheiros —. Carol está bem, disse que me ama e que o nosso

filho está crescendo — ajeitou o prato —, poderia desejar coisa melhor?

— Seria um ingrato se o fizesse — Jorge argumentou —. Seria um sortudo se

eu tivesse alguém para me dizer que me amava.

— E já não tem? — Henrique protestou.

— Pode não ter o amor de uma mulher, mas tem o de seus irmãos — Luís

declarou —. Nunca poderá se esquecer disso, nem mesmo no meio de uma guerra.

Entre declarações e promessas de ajuda aqueles homens terminavam sua

noite, teriam longos dias pela frente e precisariam de cada palavra de carinho e

motivação.

Page 86: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

86 Capítulo 16 – Angústia

Capítulo 16 – Angústia

[Berlim, Alemanha – 1942]

Ah! Como era bom o tempo de moça, o tempo da juventude, quando a

realidade dos fatos ainda não existia, não oprimia o coração de quem não queria

riquezas, apenas almejava a felicidade e a nobreza do amor. Um tempo no qual o

sorriso era apaixonado e as palavras anunciavam o futuro.

Eram jovens, não possuíam marcas na alma, as lágrimas não tomavam seus

olhos brilhantes, vigorosos e juvenis. Sentados na praça, encostados um no outro,

comiam pipoca enquanto tentavam decifrar os mistérios no céu, as figuras nas

nuvens. Sentiam-se em paz, estavam ao lado de quem jamais queriam se separar,

acreditavam que fosse assim tão fácil, amar e estar junto, a inexperiência do ser

adolescente os iludia silenciosamente.

— Quando podemos nos casar? — é claro que estava brincando, nem tinha um

emprego e sabia o quão difícil seriam os passos para as grandes conquistas, mas

Maik queria ouvir a resposta da delicada garota, queria ouvir sua alma falar.

— Quando quiser — Isabel em nada se parecia com a mulher que se

transformaria, seus olhos eram iluminados, vivos, irradiavam a energia do amor; seu

coração não era marcado por sombras, era livre para sentir o melhor dos sentimentos

—. Sabe que é de você que gosto e sabe que quando decido jamais volto atrás —

levou os olhos verdes de encontro ao rosto que nunca se enojava de contemplar —.

Esperarei o tempo que for preciso para o nosso casamento — conhecia as

condições do garoto, mas não se importava, o amor não se compra, se ganha com

merecimento.

— Prometo que darei o meu jeito para esse tempo ser o menor possível — juntou

as mãos no ato da promessa, era um compromisso que firmava —. Sabe, nunca

imaginei que fosse me apaixonar, prometia a mim mesmo que nunca me entregaria a

esse sentimento, mas você me mudou, conseguiu transformar a minha decisão e hoje

não consigo pensar em outra coisa que não seja viver para sempre ao seu lado.

Page 87: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

87 Capítulo 16 – Angústia

— Amar é a melhor coisa que podemos fazer, todas as pessoas deveriam amar,

mas não apenas com palavras, amar de verdade, sentir o amor — concentrou-se no

tranquilo toque que recebia, como aquilo a confortava —. Somos jovens ainda, é

verdade, mas consigo ter a certeza de que nosso destino é mesmo esse, é estarmos

juntos, alimentando-nos do amor que recebemos só de estarmos juntos...

Maik não pôde mais resistir os seus desejos, beijou a garota que não deixava

seus pensamentos desde que a amizade se transformara em algo maior, mais

complexo, sentia no simples ato de beijar Isabel o calor de que sua alma necessitava e

o abrigo que muito procurava. Sorriram um para o outro acreditando que as coisas

seriam sempre assim, tão floridas, tão agradáveis, tão boas.

Com lágrimas nostálgicas, Isabel se recordou daquele dia tão especial em uma

das praças de Berlim, quando a crueldade da vida nem fazia sombras em seu

caminho. Sentia saudade daquele tempo, sentia saudade do garoto que veio a se

tornar o homem da sua vida, sentia saudade de ter forças para sonhar.

Sentia, contudo, nojo sempre que ouvia a porta do quarto se abrir.

— Está um dia lindo lá fora, perfeito para diversões — Manfred acendeu a luz,

possuía um rosto alegre, mas sua alma era cercada por negritude —, é uma pena que

tenha se comportado como uma qualquer, agora precisa ficar escondida — conseguia

ser ainda mais repulsivo.

— Até quando me manterá cativa? — a mulher não possuía energia na voz,

estava cansada de tanta decepção, já não tinha prazer na dádiva do viver —. Não

acha que já aprendi a lição? Não acha que já me amedrontou o suficiente para me

traumatizar? Não aguento mais ficar nesse lugar!

— Devia ter pensado antes na consequência de seus atos — trocava o

uniforme militar por algo mais despojado, preparava-se para sair —. Mas não se

preocupe, não a manterei presa por muito tempo, seu sumiço também colocaria minha

reputação em xeque — ajeitou o bigode perante o espelho —. O que falariam de um

homem que nem ao menos sabe onde está sua mulher? — lançou um sorriso discreto —

. Tão logo eu receba a notícia da morte de alguém lhe devolverei a liberdade.

— O que quer dizer? — Isabel interrompeu os passos do marido, parando-o na

porta —. O que vai fazer?

Page 88: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

88 Capítulo 16 – Angústia

— Não é óbvio? O que um homem traído faria?

— Você não pode fazer isso — as lágrimas retornaram, lágrimas de desespero —

. Não pode ser tão cruel ao ponto de matar alguém!

— Tem certeza? Todos os dias dou ordens para que matem, para que limpem o

meu caminho — seu olhar frio não demonstrava nem um pouco de humanidade —. Não

posso deixar que o amante da minha mulher, uma ameaça para mim, continue

rondando o meu terreno. Sei tudo, Isabel, nada escapa da minha ira — trancou a

porta, mas ainda assim sua voz pôde ser ouvida: — Maik Müller já está morto!

A pobre alemã se rendeu ao choro amargo e cruel, se algo de ruim acontecesse

jamais se perdoaria, assumiria a culpa de ter alimentado um amor que sabia ser

proibido. Jogou-se no chão, começou suas preces, precisava ter fé o bastante para

salvar um inocente.

[Campo de Concentração Dachau, Alemanha – 1942]

O sol raiava e o trabalho dos escravizados era árduo.

Abner cumpria com sua obrigação tendo os olhos de um soldado fixos sobre

si, achou estranho, mas manteve a tranquilidade, a certeza de que seria mais um dia

vencido.

— Ei! Você! — o alemão apontou o dedo, usava uma voz firme —. Venha aqui!

Será revistado!

O jovem judeu obedeceu prontamente, nada devia e não precisava se

preocupar, o homem fardado era alguém de confiança.

— Não olhe nos meus olhos e nem responda nada, apenas me ouça e me deixe

revistá-lo — Sebastian pouco mexia os lábios, o suficiente para que o amigo

entendesse suas palavras —. Minha irmã tem se preocupado com você e escreveu

uma carta — revistando um dos bolsos da roupa listrada de sempre depositou um

papel dobrado —. Leia quando voltar para o quarto e se quiser mandar uma resposta

pode contar com a minha ajuda — não pôde conter um discreto sorriso, o mesmo de

tempos atrás e, então, liberou seu amigo.

Page 89: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

89 Capítulo 16 – Angústia

Abner continuou suas responsabilidades com mais alegria, alguém com quem

tanto se importava se lembrara dele e isso representava grande conquista, satisfação

indefinível. A todo o momento olhava para o céu, sentiu o coração se alegrar ao

aparecer as primeiras estrelas, não aguentava de tanta ansiedade. Finalmente pôde

voltar ao quarto, ouviu as palavras de seu pequeno amigo, ajudou-o a se entregar ao

sono, foi até a janela e, aproveitando a luz do luar, começou a alimentar sua alma

apaixonada.

Querido Abner, meu grande e único amor.

Esses últimos dias foram difíceis e angustiantes, não tinha

notícias, não recebia informações, confesso que o desespero passou

a me tomar e o medo em nunca mais contemplar a sua presença

se manifestou com grande frieza, tudo o que mais quis foi ter a

oportunidade de abraçá-lo, ouvir suas palavras, o que teria a

desabafar, ao menos em meus sonhos a saudade diminuía, mas ao

resplandecer da manhã a angústia voltava, ainda mais forte,

ainda mais saudosa.

Muitas coisas aconteceram, a maldade entrou no meu lar e

tem feito vítimas. Meu pai descobriu que minha mãe tinha um

amante, não houve o que pudéssemos ter feito, ele tomou drásticas

atitudes e encarcerou minha mãe dentro de casa, não tê-lo ao meu

lado para compartilhar tão amargo fel torna as coisas ainda

piores.

Quero que saiba que, embora com dolorosa saudade, estou bem

por saber que está aí, esperando por mim e tenho a certeza de que

não se esqueceu do nosso sentimento, dos nossos planos, dos nossos

sonhos. Se puder mande notícias, peça a ajuda de Sebastian, por

hora ele será o mensageiro de nossas palavras.

Nunca se esqueça do meu amor.

Eva Hoff.

Abner escondeu aquela carta como alguém que esconde um valioso tesouro,

teria a melhor noite desde que chegara naquele lugar de dor e enfado.

[Berlim, Alemanha – 1942]

Page 90: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

90 Capítulo 16 – Angústia

Após ler um de seus romances prediletos Maik desligou o abajur, pela janela

observou o céu estrelado e se lembrou do sorriso de Isabel, sentiu a garganta se

apertar, como queria ter o privilégio de viver aquilo que lia em tantos livros, mas

prometeu em seu coração que traria de volta à felicidade aquela que amava. Virou

para o canto, levou a coberta até o ouvido e procurou pelo sono.

Do lado de fora do edifício onde o alemão morava alguém observava os seus

passos, tão logo Maik apagou a luz o observador pediu passagem ao porteiro,

inventou ser o irmão do advogado e que planejava uma surpresa por estarem há

tanto tempo sem se verem. O porteiro, um senhor cansado, não desconfiou da boa

ação, antes desejou boa sorte. O meliante tinha todos os dados, sabia qual era o

apartamento e destravar a fechadura não foi tarefa difícil. Adentrou o lugar com

cautela, precisava ser eficiente e cumprir com a ordem recebida. Ao encontrar, pela

luz da lanterna, o quarto de Maik se distraiu e esbarrou na cadeira do apertado

espaço. Ficou paralisado não sairia dali sem cumprir com o combinado.

Page 91: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

91 Capítulo 17 – Consequências do amar

Capítulo 17 – Consequências do amar

Com os olhos abertos, tendo o pensamento naquela que precisava salvar,

Maik percebeu o feixe de luz em sua casa, tinha certeza em ter apagado todas as

lâmpadas, mas resolveu certificar. Pronto para sair do quarto ouviu a cadeira se

arrastar, escondeu-se atrás da porta, lutaria pela vida.

Depois de longos e angustiantes segundos de muita apreensão o meliante

tornou a dar seus passos cautelosos, de forma lenta abria a porta do quarto de seu

objetivo, evitava movimentos bruscos que pudessem colocar seu plano por água

abaixo, usaria da covardia para matar alguém que nada devia. Em mãos a faca

trêmula reluzia afiada, somente um golpe preciso e rápido e estaria livre das ordens

de seu superior.

O alemão sentia o coração estremecer, mas não por medo ou desespero, era

raiva e ira, quem poderia ser tão baixo para o matar em plena vulnerabilidade do

sono? Preparava-se para atacar seu opressor de surpresa, ao invés de caça seria o

caçador.

O homem se animou ao ver a cama avolumada, já comemorava uma vitória que

nem sabia se teria, acreditava ter sob seu poder alguém que despertou o

aborrecimento de uma pessoa nada piedosa. Seus passos vagarosos se mantiveram

no ritmo, quanto mais se aproximava da cama mais ansioso ficava, o suor corria em

sua testa.

Maik esperou um pouco, aguardou seu opressor se distanciar o bastante para,

então, pular em suas costas, jogá-lo contra a cama e prender a mão armada sobre a

sua.

— O que pensava em fazer?! — entre os dentes falava ao pé do ouvido do

criminoso, não queria alarmar ninguém, queria descobrir todo o possível —. Acha

mesmo que seria capaz de uma vitória tão injusta?

— É melhor me largar...

— Se não o quê?! Vai me matar?! — à força tomou domínio sobre a faca, agora

era a garganta do meliante que corria riscos de expelir sangue —. Acho que as

posições se inverteram, não é mesmo? — seu tom de voz irônico era também irritante a

quem ouvia —. Por que queria me matar?

Page 92: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

92 Capítulo 17 – Consequências do amar

— Não interessa! — destemido, tentou a sorte —. Sei quem é você, sei que é

mais um ignorante, dentre muitos, que acredita em amor — as palavras ferozes

mesclavam o medo, mas os olhos fortemente fechados denunciavam sua presença —,

jamais me mataria.

O alemão não teve escolha, forçou o artefato fatal contra a veia saliente que

pulsava no pescoço do covarde homem, um pouco mais de força e daria início ao

sangramento mortal.

— Tem certeza de que não sou capaz? — sua testa molhada denunciava o

cansaço do esforço por manter alguém em seu domínio —. Não sou ignorante por

acreditar no amor e é exatamente por ter enfrentado tantos imbecis como você que

ganhei habilidade o bastante para te matar sem sentir culpa — quando queria ser frio

em nada se assemelhava àquele homem que aquecia a alma de Isabel —. Ou me fala

por que queria a minha vida ou nunca mais verá o sol nascer!

— Manfred! — o medo da morte era aterrorizante, o criminoso teve que

confessar —. Manfred quer vê-lo morto, quer ter o prazer de anunciar a sua morte,

foi ele quem me mandou aqui.

— Como posso saber que o que diz é verdade? — o alemão já acreditava, mas

precisava de uma resposta a mais.

— Ele descobriu que você é o amante de sua esposa, um homem como ele

nunca aceitaria uma traição.

Satisfeito, Maik aliviou o rival, ouviu o que queria e precisava ouvir, descobriu

que conseguira provocar alguém que ninguém ousava enfrentar.

— Quero que vá para bem longe, que suma de Berlim, nem que para isso

precise se enfiar em um tanque de guerra e sentir a morte sussurrando o seu nome —

não deixaria alguém tão vil sem punição —, caso contrário o delatarei como acusador

de Manfred e aí não terá escapatória, a morte será o seu único destino.

O criminoso aceitou a proposta, cumpriria com o mandato, ficaria bem longe de

tanta confusão, mas não seria o único a partir, talvez sua permanência em Berlim

fosse como desafiar a morte, Maik teria que ir embora.

Page 93: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

93 Capítulo 17 – Consequências do amar

Após passar a noite fora, por certo vivendo suas perversões, Manfred voltou

para casa, precisava se arrumar, tinha compromissos a cumprir. Tão logo chegou foi

recebido cordialmente por seu soldado que tinha em mãos uma carta reveladora, uma

carta mortal.

— Vejo que foi bem recebido por onde esteve, seu semblante está irradiante! —

o militar destilou elogios.

— Foi uma boa noite... — confessou —. Novidades?

— Nada demais, tudo tem obedecido às suas ordens — assegurou —. O único

problema é isso — estendeu o envelope —. Durante a noite, enquanto vigiava, vi um

homem colocar isso no portão, tem o nome de sua filha, mas fiquei preocupado,

correspondências não são entregues pela madrugada.

— Tem total razão e muito agradeço por sua dedicação — estranhou o que

tinha em mãos —. Conseguiu ver quem era?

— Estava encapuzado, vestia uma capa, acho que pelo frio, foi rápido demais

para que eu pudesse interrogá-lo.

— Está certo, de qualquer modo tomou a iniciativa sensata, logo lhe trarei as

honrarias — aquele era Manfred, quem quisesse agradá-lo apenas precisava cumprir

suas ordens.

Uma carta direcionada a sua filha, pensava, quem poderia ser tão misteriosa

pessoa quem nem o alvorecer da manhã pôde esperar? De qualquer modo, já que

estava sobre o seu domínio, leria o conteúdo, talvez fosse apenas um assanhadinho

querendo privilégios. Entrou no escritório, abriu as janelas, colocou os óculos e

começou sua descoberta.

Eva, não se assuste, está tudo bem, mas não pude agir de forma diferente. Seu

pai mandou que me matassem, procura a minha vida para a eliminar, no fundo já

esperava por esse comportamento hostil. Consegui me salvar, mas decidi que ficarei

longe por um período, quero que ele pense que seu plano funcionou, assim, talvez,

aniquile o castigo de sua mãe e quando menos esperar será surpreendido por minha

aparição. Não me esqueci do nosso acordo, sei o quanto ele é importante, mas nas

atuais circunstâncias precisamos de cautela, o menor erro pode prejudicar a todos

nós. Cuide da mulher que amo, garanta a ela dias de consolo, não conte nada, não

quero que viva à espera de minha volta.

Boa sorte.

Page 94: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

94 Capítulo 17 – Consequências do amar

Maik.

— Desgraçado! — o oficial da secreta polícia alemã, líder de movimentos contra

aqueles que julgava ameaça à nação, não conteve o soco que dispensou à mesa, os

objetos saltaram enérgicos. Desacreditado, o homem passava a mão sobre a barba,

sua mente estava a mil, não acreditava no fracasso de seu plano e nem na audácia

daquele que o desonrava, o pior era saber que sua filha estava em acordo contra as

suas ações.

Esperou que Eva acordasse e levou Isabel à sala de estar, mantinha um rosto

sereno, parecia ser dono de um bom coração, mentor de boas novas.

— Tenho uma notícia a dar, para vocês pode não ser a mais agradável, mas

para mim é a melhor em anos — desenhou no rosto um sorriso perverso, um semblante

astuto —. Matei o amiguinho de vocês, Maik não está mais entre nós.

A garota alemã ficou incrédula perante a naturalidade com a qual o pai

anunciava sua atrocidade, em sua mente passava mil formas de como aquele homem

poderia ter usado a sua crueldade em nome da própria arrogância.

Isabel abaixou os olhos, sua alma muito abatida não tinha forças nem para

chorar, as lágrimas secaram durante a madrugada e agora se sentia injustiçada,

esquecida, como se de nada valesse semear a fé.

— Imaginava que esse clima de enterro fosse se manifestar, mas não sejam tão

burras, se ele se importasse mesmo com vocês teria vindo me enfrentar, morrer de

forma digna, mas preferiu se esconder atrás de sua covardia e de sua hipócrita

maneira de amar para morrer na própria casa, foi besta em acreditar que o deixaria

impune — levantou-se, caminhou em direção à esposa e ergueu seu queixo encarando

os olhos ofuscados —. Melhore essa cara, aposto que quanto estava com aquele

inútil se assemelhava com as mulheres que tenho em meu poder, portanto aja da

mesma forma comigo, que sou o seu marido, o homem que a domina — empurrou seu

rosto para o lado, pegou a maleta e continuou os seus passos —. Estarei em casa

essa noite, aconselho que se prepare para cumprir com a sua função de minha mulher

— a cada palavra conseguia ser ainda mais nojento, repulsivo, um homem indigno de

respeito.

Page 95: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

95 Capítulo 17 – Consequências do amar

Sentindo a dor que a mãe sentia Eva se sentou ao seu lado, envolveu-a em um

abraço acolhedor, queria dizer que estavam juntas para qualquer desafio.

— Parece que de nada adiantou acreditar no bem, acreditar no amor e no seu

poder — começou a desabafar, colocar para fora aquilo que sua alma presa em uma

imensa tristeza tinha a dizer —. Por algum instante aceitei que todo esse sofrimento

seria recompensado quando eu estivesse outra vez ao lado do único homem que

amei, mas agora esse sonho se mostra como uma utopia.

— Não pode se entregar dessa forma, precisa manter a esperança de que um

dia viverá o que anseia, ainda que com outra pessoa, mas alguém de nobre coração —

a garota alemã deu o conselho, não queria ver a mãe se afogar na decepção,

precisava tirar fé para alimentar as duas almas.

— Não estou mais na idade de pensar em novos amores, a vida é como um

sopro ligeiro, quando menos esperamos é chegada a hora de partir — levantou-se

desolada —. Vou me deitar, repensar nesses acontecimentos, chorar por alguém que

não merecia pagar caro por simplesmente me amar.

Page 96: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

96 Capítulo 18 – Emoção

Capítulo 18 – Emoção

[Rio de Janeiro, Brasil – 1943]

Muitas pessoas vivem longe de suas famílias, longe do lugar onde construíram

amizades sólidas e importantes ou, ainda que estejam no mesmo lugar onde

nasceram, precisaram passar pela angústia da separação, com lágrimas nos olhos

precisaram retribuir o último aceno, o aceno da despedida. Ainda assim há algo que

as conforta, é refrescante saber que a distância pode ser vencida pelo envio de

cartas ou através de uma longínqua viagem, ninguém morreu, está apenas em algum

canto na imensidão desse mundo.

Um dia, aparece a oportunidade para um reencontro, para um novo abraço

apertado, para uma longa conversa cara a cara, olho a olho. Um dia a distância é

encurtada, ainda que momentaneamente, mas o suficiente para aliviar a tanta

saudade sentida pelos corações. Um parte em viagem e o outro fica à espera.

Aquele que parte em viagem a todo o momento olha para o relógio, procura

saber quanto tempo ainda falta, quantas horas já se passaram. Ele conhece o

caminho, tão concentrado não desvia o olhar da estrada, recorda-se dos lugares por

onde deveria passar, percebe que logo chegará ao seu destino. O coração palpita,

acelera, sabe que em pouco tempo estará de volta ao lado de quem a vida separou,

mas não pôde apagar o amor.

Já o que fica à espera arruma a casa com alegria, é seu prazer garantir uma

ótima recepção àquele que há tantos meses, anos, não vê. Insatisfeito em apenas

ajeitar as coisas prepara um lanche saboroso, ainda que simples, mas feito com

enorme carinho. Tudo pronto passa a olhar para o relógio, conta os minutos, os

segundos. Percebendo que a qualquer momento aquele que ama chegará, se põem

em frente ao portão, ao seu lado está a ansiedade lhe arrancando sorrisos.

Finalmente o reencontro. Beijos, abraços e saudades e o prazer de acabar

com uma saudade.

Carol era quem estava à espera.

Page 97: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

97 Capítulo 18 – Emoção

Sua espera não era por Henrique, sabia que estaria alimentando falsas

esperanças, aguardava por suas palavras, aquelas que a fariam se sentir mais próxima

do homem que tinha em mãos o seu coração.

Desde que enviara sua carta ficava à espera. Todos os dias ia até o portão

em busca de correspondências, mas sempre acabava frustrada. Será que ele

recebeu? Será que ele respondeu? Será que ainda sente o mesmo que sinto?

Esses eram os questionamentos da carioca que não se aguentava mais de

ansiedade.

Mas o grande dia chegou. Seu nome escrito no destinatário continha as

inconfundíveis letras de um alguém especial. O sorriso foi de orelha a orelha, os

olhos brilharam fervorosos, parecia estar recebendo em casa o melhor dos presentes

e, de fato, o era.

Mais do que depressa se sentou na escrivaninha do quarto, abriu o envelope,

colocou a mão na barriga crescida, leria em alta voz para si e para o seu filho.

Washington, 15 de agosto de 1943.

Queria Carol, minha rainha.

Não poderia começar essa carta sem dizer o quanto suas palavras me

alegraram e animaram, não sei o que seria de mim sem uma mulher que mesmo

longe se faz perto, mesmo ausente faz marcar a sua presença. Esses três meses de

pura saudade apenas aumentaram o meu amor por você, percebi que se o perdesse

acabaria perdendo a razão da minha vida.

Por enquanto os dias têm sido tranquilos, nada de apavorante, afinal tudo o

que fizemos foi mergulhar em treinamentos, adquirir experiências para o futuro,

mas não posso esconder de você o medo que sinto por saber que estarei

enfrentando território desconhecido, obstáculos incertos, pessoas que nem ao

menos conheço. Preciso confessar que sinto medo de morrer estando longe das

pessoas com as quais me importo, longe da mulher que meu coração escolheu

para amar, sem ao menos ter o direito de contemplar o sorriso do fruto do nosso

amor. Sempre ouviu meus desabafos com atenção, sempre me ajudou na hora de

enfrentar os perigos, mas agora, sem a sua companhia, sinto-me perdido, sem saber

no que acreditar.

De tudo isso o mais terrível é adormecer sem tê-la nos meus braços, é ser

tragado pela violência da noite sem receber o seu pacífico beijo, é ser atormentado

por pesadelos e não poder encarar o seu rosto sereno, adormecido, lindo, dizendo-

Page 98: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

98 Capítulo 18 – Emoção

me que está tudo bem, que estou protegido pelo nosso amor e que nenhum mal nos

tocará. Mas outra dor é causada por não receber os seus beijos lançados ao vento

e guardados no coração, nunca falei, mas também nunca escondi que amo recebê-

los junto ao seu olhar apaixonado, um olhar sincero que me encara denunciando a

veracidade de seus sentimentos, sinto falta de tudo o que me representa.

Falou sobre esquecer de você e ao falar sobre isso falou do impossível. Em

muitas vezes me pego encarando o seu rosto estampado nas nuvens ou desenhado

pelas estrelas, em muitas noites sonho com a sua companhia ao meu lado,

abraçando-me fortemente, prometendo jamais me soltar; às vezes, quando estou em

silêncio refletindo sobre o futuro, sou enganado por meus próprios pensamentos

que me fazem lembrar do quanto é importante tê-la em minha vida e do quanto

desejo ter de volta a sua companhia. Nunca me esqueço de minha rainha, a mais

linda de todas.

Não posso escrever por muito tempo, caso contrário não hesitaria em produzir

um livro contanto o quanto a amo e o quanto me importo com você, mas não posso

deixar de suplicar que continue mandando cartas, suas palavras são como remédio

para uma alma atribulada, cheia de dores.

Diga ao nosso filho que também não me esqueço de sua presença em nossas

vidas, já o amo o bastante para afirmar que é o melhor dos presentes que Deus

poderia nos entregar. Tenho fé de que um dia seremos todos unidos!

Com amor

Henrique dos Santos, um eterno apaixonado.

Discretas gotas molharam o papel perfumado com o perfume de um soldado

querido, tido por orgulho; eram as lágrimas românticas e saudosas de uma mulher que

amava. Por alguns instantes Carol ficou sentada, relendo tão valioso escrito,

sentindo as mesmas emoções a cada letra, sentindo-se mais perto do autor de tão

nobre declaração.

Levantou-se para continuar seu caminhar, continuar semeando fé, continuar

acreditando.

Sentiu uma forte tontura que lhe tirou as forças das pernas.

Caiu desacordada.

Os olhos azuis tornaram a se abrir, foram incomodados pela claridade, mas

logo voltaram a enxergar com perfeição o mundo ao redor.

Page 99: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

99 Capítulo 18 – Emoção

— Filha! — a mãe preocupada passeava as mãos trêmulas pela testa fria —.

Como se sente?

— Bem, na verdade um pouco fraca — não conseguiu reconhecer o lugar —,

onde estamos?

— No hospital. Consegue se lembrar do que aconteceu?

Aos poucos a memória voltou e junto dela a saudade.

— Henrique mandou uma carta — respondeu sorridente, um sorriso de alguém

apaixonado —, meu marido se lembrou de mim.

— É claro que se lembraria, a ama desde quando eram dois adolescentes

confusos pela idade — a boa mulher se recordou de como as coisas aconteceram, da

forma suave e acolhedora.

— Sinto tanta saudade... — deitada na maca derramou uma lágrima sentida,

doída, pesada —, quero muito acreditar que voltaremos a nos ver, mas tudo parece

tão escuro.

— Somos nós que iluminamos o nosso caminho, minha filha, precisa acreditar —

aconselhou.

— Carolina, grávida querida, por que resolveu nos fazer uma visita? — o médico,

um senhor respeitado e grande amigo da família, contagiava qualquer ambiente com

sua paz e seu humor.

— Estava fora de planos, mas nada como surpresas repentinas — a carioca

brincou —. Está tudo bem?

— Com o Júnior tudo ótimo, mas com a mamãe nem tanto, precisa evitar fortes

emoções, é uma mulher grávida!

— Júnior? — perguntou curiosa.

— Antecipei-me?

— Eu acho... — ainda não tinha certeza do sexo da criança e nem sabia qual

nome dar, mas naquele momento refletiu sobre o assunto, não poderia dar nome

mulher ao seu filho que não fosse o do homem de quem sentia tanta admiração —. É

claro que não, se for mais um guerreiro deve ter nome de guerreiro! — chegou a mais

fácil conclusão de sua vida.

Page 100: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

100 Capítulo 18 – Emoção

O navio navegava por águas tranquilas, o mar sereno escondia bem a fúria que

tomava conta de um continente. Os soldados, sem exceção, estavam ansiosos por

chegar ao destino, mas não porque sentiam uma vontade descontrolada em lutar, sim

porque queriam descobrir de uma vez qual seria o desfecho daquela história, se

teriam ou não o privilégio de voltarem para casa.

— Temos que rezar muito — Jorge sussurrou aos amigos —, precisamos da guia

divina.

— Não era você o garoto que fugia nas missas? — Luís trouxe de volta um fato

passado —. Veja só o castigo.

— É capaz de vestir a batina e realizar a própria missa — ainda que temeroso

Henrique sabia que era através do humor de seus amigos que venceria qualquer

angústia.

— Falou o bravo destemido — revirou os olhos —. O que farão se morrerem?

— Faremos nossas próprias covas... — aquilo soou sombrio, mas não teve

tempo de fazer efeito.

O navio encalhou.

— Homens! — o capitão alçou sua voz —. Chegamos para o início de nossa luta

— ou o fim de cada história.

Page 101: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

101 Capítulo 19 – Ira

Capítulo 19 – Ira

[Itália – 1943]

Um a um.

Passo após passo.

Não queriam estar ali, conforme deixavam o navio sentiam o cheiro da morte e a

presença do pavor. Fazia frio, ventava gelado, mas ainda assim o calor do perigo

mostrava sua força. Homens aflitos se encaravam, tentavam encontrar um no outro o

consolo de que precisavam, mas ninguém sabia o que dizer, enfim estavam à beira da

morte.

Olhando para o céu cinzento Henrique sentiu falta da sua casa, das manhãs

ensolaradas que contemplava na sacada do quarto, da brisa suave e confortável que

tocava seu corpo como se lhe desejasse um bom dia, como se o animasse para a luta

rotineira. Aquele lugar não era o seu lugar, ali não existia paz.

Luís encarou os olhares curiosos, atentos sobre os navios e sobre os novos

rostos que se apresentavam, sentiu medo em cada criança agarrada à barra da saia

de suas mães, sentiu desconfiança nos pais de família que temiam terem seus filhos e

esposas levados para o desconhecido. Queria dizer que não representava ameaça,

que seu maior objetivo era contribuir para que a guerra acabasse e todos pudessem

viver em paz.

Jorge tentava se identificar, tentava se sentir acolhido, mas nada ali remetia à

sua casa, à sua nação, nada o fazia se sentir seguro, protegido, pelo contrário, os

semblantes assustados e desconfiados lhe anunciavam que o terror não poupava

ninguém, jovens ou velhos, todos tinham que encará-lo mesmo que não desejassem.

Sua vontade era fugir, mas sua obrigação gritava em seu peito: deveria lutar a fim de

restabelecer a paz.

Todos seriam encaminhados ao arraial. Em pouco tempo entrariam para

guerrear.

Page 102: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

102 Capítulo 19 – Ira

O hospital fervia de gente ferida, uns gritavam de dor, outros tinham forças

apenas para resmungar e ainda existiam aqueles que se entregavam ao fim, não

aguentavam mais, rendiam suas vidas. Mas em meio a tanto sofrimento e tantas

lágrimas uma demonstração do puro e verdadeiro amor, um amor que vencia o óbvio e

se manifestava na guerra.

Uma mulher aflita, com profundo corte na perna e sentindo o sangue escorrer

enquanto tentavam estancá-lo segurava com força seu filho pequeno, um garoto de

pouca idade que tinha as mãos sujas de sangue e o corpo coberto de poeira que

escondia os demais machucados. A mulher clamava por ajuda, trazia o menino contra

seu corpo, garantia a ele um tranquilo descanso, um pouco de paz.

— Precisamos levá-lo — Ana se aproximou —, faremos o possível para que tudo

termine bem!

Relutante e com os olhos encharcados a mulher entregou seu bem mais

precioso, sabia que somente assim o salvaria, dar-lhe-ia a chance de continuar em um

mundo o qual, ela acreditava, melhoraria.

— Cuide bem dele, o amo mais do que a mim! — fez a sua súplica —. Tome

cuidado, não deixe ninguém saber que é cego, isso não importa, o importante é que

esteja sempre ao meu lado!

Em plena era nazista os deficientes físicos também eram vistos com olhos

pervertidos e cruéis, Ana sabia disso, faria o impossível para proteger aquela

criança, mas o que lhe comoveu foi o amor puro, limpo de qualquer ignorância: “... isso

não importa, o importante é que esteja sempre ao meu lado!”.

Alguns anos antes...

“Ana era uma garota encantadora. Meiga, não conseguia maltratar o menor

dos insetos; amorosa, nunca se esquecia daqueles que a rodeavam. Seu coração era

repleto de bondade, guardava tesouros da alma, mas sua luz não conseguia iluminar

todos os outros corações.

Ofélia, sua mãe, não aceitava o fato de ter uma filha manca ou, em suas

palavras, defeituosa. Sentia vergonha da menina, raras eram as vezes nas quais

saíam juntas, preocupava-se em demasia com o que pudessem falar, preocupava-se

Page 103: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

103 Capítulo 19 – Ira

com a própria reputação. Com tanto preconceito afogando o mínimo de bondade

que possuía não conseguia amar aquela que gerara, não conseguia tratá-la como sua

filha, não a considerava.

Conforme o tempo passava o problema de Ana ficava mais nítido, para

infelicidade de sua mãe. A garota, no auge dos seus sete anos, sentia-se rejeitada,

sentia a distância que existia entre ela e Ofélia, tentava compreender, mas sua

inocência infantil não lhe permitia.

Uma bela tarde, voltando de um adorável passeio com o pai, Ana correu ao

encontro daquela que amava, talvez pudesse mudar as coisas, talvez o seu abraço

amolecesse um rígido coração.

— Mãe! — agarrou-se à mulher na expectativa de conquistar o seu amor —.

Sentimos a sua falta! Queríamos que estivesse com a gente!

Apática à sensível declaração, Ofélia afastou a criança, vestiu seu olhar de

desprezo e não poupou palavras amargas:

— Não podemos estar juntas, somos como a noite e o sol, não combinamos.

— Por favor, pare — o pai, sábio, trouxe a filha para perto de si, levá-la-ia para

alguma distração, não deixaria que o sofrimento aumentasse.

— Você quer saber o porquê das coisas serem assim? — jogou as agulhas de

tricô sobre o sofá e descruzou as pernas, encarou a menina diretamente nos olhos —.

Você tem defeito, é imperfeita, não deve ser vista ao meu lado...

— Já chega! — o pai de família tentou outra vez.

— Você é uma manca desprezível, nem deveria ter nascido”.

[1943]

Aquele fato que aconteceu na infância ainda ecoava na mente da enfermeira.

Enquanto uns não se importavam com as diferenças, outros condenavam os

“imperfeitos”, seu coração doía por isso, ansiava pelo dia no qual seria aceita do jeito

que viera ao mundo.

[Berlim, Alemanha – 1942]

Page 104: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

104 Capítulo 19 – Ira

Pela segunda vez estava sendo obrigado a deixar para trás alguém que muito

amava, mas era necessário, era para o bem de sua vida.

Maik tentava compreender os caminhos de sua vida, tentava entender o que

regia corações tão mesquinhos, avarentos e egoístas. Seria um bom companheiro

para Isabel, não a faria sofrer, respeitaria sua família, seu provável sogro deveria ter

sido razoável, pensado com o coração e, assim, poupado a filha de tanto sofrimento.

Na estação de trem, à espera do que o elevaria para outra cidade e assim sua

fuga rumo à Roma começaria de fato, o alemão prometia em seu peito que voltaria

mais forte do que partia, não pouparia esforço para conquistar uma vida digna ao

lado de quem seu coração clamava pelo nome. Prometia que não se intimidaria, não

mais agiria feito um covarde, quando tivesse forças o suficiente enfrentaria a quem

precisasse para fazer valer os seus ideais, derrotaria seu maior inimigo.

Distraído pelos tantos pensamentos, Maik deixou os devaneios ao se assustar

com o esbarrão que sofrera de um desconhecido.

— Perdoe-me — um sério homem logo se desculpou.

— Não se preocupe — voltou sua atenção ao trilho.

— Você não é um dos líderes na oposição ao governo? — insistiu na conversa,

percebendo o espanto no rosto de seu ouvinte tratou de passar confiança: — Não

se preocupe — falou em voz baixa —, tenho participado de seus discursos e

concordo com todos, precisamos tirar a Alemanha das patas desses nazistas

nojentos.

— É bom ouvir isso, saber que tenho apoio nesse luta árdua e injusta.

— Injusta?

— Estou deixando o país, preciso salvar a minha vida e reunir forças a fim de

permanecer na guerra.

— Entendo... Será como um refugiado — jogou a isca.

— Serei de fato um refugiado — mordiscou o anzol.

— Se me permite saber, aonde irá? Talvez possa ajudá-lo a chegar mais

rapidamente sem contratempos.

— Roma, tenho alguns aliados por lá.

Page 105: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

105 Capítulo 19 – Ira

— Não acredito em coincidências, sou um homem cético ao extremo, mas

espantosamente é para lá que vou — sorriu amistoso, encostou no ombro de Maik

tentando ganhar sua simpatia —. Se quiser ir comigo, tem um carro me esperando.

— Aguento esperar mais alguns instantes — era desconfiado, não daria

atenção maior a alguém que tão logo conhecera.

— Não sei se é uma boa ideia esperar — deu sinal para que olhasse para trás —,

talvez não dê tempo.

Homens da SS, secreta policia alemã, aproximavam-se a passos moderados,

firmes e ameaçadores. Maik não soube o que fazer, pelo impulso do perigo deu

ouvidos ao que não deveria, seguiu os passos velozes do desconhecido. Correram

pelas ruas de Berlim, logo avistaram o carro de portas abertas e atrás deles os

policiais com ordens a cumprir.

Entraram.

Trancaram as portas.

Comemoraram.

— Como posso agradecer pela gentileza? — ofegante, o alemão perguntou,

gratidão sempre esteve entre as suas maiores qualidades.

— Não deveria agradecer tão cedo — o desconhecido agarrou o pescoço de

sua vítima, que tentou se livrar, debatia-se, mas o pano forçado contra suas narinas

embaçaram os olhos lacrimejantes pela falta de ar, a mão grudada no vidro

escorregou, caiu sem reação —, às vezes não é gentileza, é emboscada!

As vistas turvas tentavam se acostumar com a claridade, as mãos amarradas

percebiam que delas se fora a liberdade e os pés imobilizados por correntes não

tinham o poder de correr. Maik estava amarrado em uma cadeira e à sua frente um

homem lhe dava as costas.

— A ira de Manfred sempre foi assustadora — a voz grave soava perversa —. A

ira de Manfred atravessa fronteiras e ouve os mais baixos segredos — o homem se

virou encarando o prisioneiro com desdém, com zombaria, mas também com raiva —.

Da minha ira ninguém escapa!

Page 106: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

106 Capítulo 20 – Irmãos

Capítulo 20 – Irmãos

[Berlim, Alemanha – 1942]

Dois homens envolvidos pela mesma mulher se encaravam através de olhos

furiosos, a diferença é que um amava e o outro apenas buscava suas próprias

vontades. Mas, injustamente, o que era regido pelo amor era o mais vulnerável à

ações covardes enquanto que aquele que era regido pela perversão detinha o poder

sobre as tais ações covardes.

— Acha mesmo que conseguiria escapar de mim? Acha mesmo que sua

provocação ficaria impune? — Manfred sorria maliciosamente, seus olhos eram

nojentos —. Talvez se fosse um pouco mais esperto e ao invés de mandar cartinhas

para a mulher dos outros tratasse em fugir tivesse conseguido se livrar, mas não,

insistiu na mais tola das escolhas: escolheu seguir o coração, falar de amor...

— Escolha tola para quem não ama e não é capaz de ser amado — Maik não se

intimidava com a imponente presença, antes criava coragem para falar o que há tanto

tempo precisou esconder —. A pergunta é se você acha mesmo que sendo tão

desprezível conseguiria manter a esposa debaixo de suas mãos, a sua repulsiva

atitude apenas motivou Isabel a se entregar aos meus braços — provocou.

— Se eu fosse você não usaria esse tom, não tentaria manifestar tanta

coragem enquanto apenas se sente pavor — o capitão na SS se sentou em uma

poltrona e manteve os olhos frios sobre o seu prisioneiro —. Consigo decifrar os

seus olhos, consigo sentir o medo de morrer e o arrependimento que brota em seu

peito — acendeu o charuto —. Mas por quê? — soltou uma baforada —. Qual a razão

para se arriscar tanto? Sabemos que Isabel não é nenhuma musa, não possui tantos

atrativos, por que se deixou encantar? — precisava saber.

— O que sentimos um pelo outro existe antes de você aparecer e transformar

os nossos sonhos em pesadelos — respondeu severo —. Os seus olhos inchados de

maldade e egoísmo não lhe permitem enxergar a beleza dessa mulher, a raridade que

é, mas eu, seu único e verdadeiro amante, sempre a tive como a mais perfeita das

criações, nossos corpos sempre se completaram e nossas almas sempre souberam

conversar — parou por alguns instantes para prosseguir em seu discurso exibindo um

Page 107: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

107 Capítulo 20 – Irmãos

sorriso provocador —. Nossos momentos de puro amor jamais seriam vividos por

alguém como você, um monstro repulsivo, nojento, desgraçado!

O alemão poderoso estalou os dedos olhando pacificamente ao seu cativo.

O homem ao lado do oprimido lhe descarregou um soco no maxilar fazendo-o

virar o rosto, sentir o fresco gosto de sangue.

Mas Maik sorriu, ao invés de se entregar à dor soou uma gargalhada, já

esperava pela morte, não perderia a oportunidade de causar raiva extrema em seu

inimigo.

— O melhor de tudo é que mesmo estando com você, entregue aos seus

fracassos desejos, Isabel pensava em mim, em como eu a satisfazia, em como eu a

fazia se sentir mulher — o sangue escorreu pelo queixo pingando sobre a camisa —,

aposto que em alguma vez soou o meu nome, Maik, desejando pelo meu amor, pela

minha companhia, pelo único que a envolvia com paixão — continuava a provocação.

Outro estalar de dedos.

Dessa vez o soco tirou a consciência do falante destemido.

Manfred, a passos lentos, caminhou em direção ao prisioneiro, analisou-o com

atenção, pensava em formas cruéis de acabar com alguém que conquistara o seu

ódio. Deu às costas.

— Senhor, o que faremos? — alguém perguntou.

— Deixem a fornalha preparada — soltou outra baforada sendo envolto por

fumaça —. Mas não se precipitem, antes do grande dia quero ter o prazer de torturá-

lo até ouvir o seu pedido por misericórdia, uma misericórdia que apenas o fogo

concederá — colocou o chapéu, vestiu o sobretudo, abriu a porta do escritório que

tinha no Campo de Concentração de Auschwitz e saiu como se nada o afligisse, de

fato não tinha com o que se preocupar, a perversão sempre fora sua maior qualidade.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1942]

O céu era estrelado, mas a noite fria e sombria. Todos os judeus estavam em

seus quartos, uns entregues ao cansaço, outros pensavam sobre o futuro e outros

Page 108: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

108 Capítulo 20 – Irmãos

apenas queriam conversar, desabafar, procurar esperança nas palavras de seus

companheiros.

— Sinto tanta falta dos meus pais e do meu vovô — Noah, deitado ao lado de

seu fiel amigo, fazia o que mais gostava: conversava com seu parceiro —. Nossa vida

era cheia de alegria até eles aparecerem.

— Imagino que eles o amavam mais que qualquer coisa — Abner acariciava a

franja do garoto, sentia por aquela criança um enorme afeto —. Se tem alguém que

me dá forças para acreditar ele é você.

— Eu sei, sou a esperança em forma de gente — declarou o pensamento

exibindo as infantis e alegres covinhas.

— Quem te disse isso?

— Minha mamãe! — realmente sentia a sua falta, faria qualquer coisa para estar

ao seu lado —. Quando nos levaram para os guetos todos ficamos tristes, mas minha

mãe olhava para mim e dizia que só não abria mão de todo seu esforço por minha

causa, porque eu lhe dava esperança.

— O que mais sua mãe falava? — o rapaz se interessou pela história, ela o

levava para as lembranças que ainda viviam em sua memória.

— Que me amava, que eu era um menino muito lindo e que nunca me deixaria —

os pequeninos olhos se encheram d’água e as sutis mãos apertaram o braço que lhe

servia de travesseiro —, mas ela não cumpriu com a sua promessa, não a deixaram

comigo...

— Já parou para pensar que ela deixou alguém para cuidar de você? Então

não te abandonou como pensa — o jovem judeu sentiu uma fisgada na alma ao

escutar tão comovente desabafo, ainda não se conformava em como a humanidade

conseguia ser tão terrível contra suas próprias crianças, seres inocentes de qualquer

pecado, cheios de amor —. A menos que eu não seja um amigo tão bom...

— Sabe de uma coisa? — sentou-se —. Sempre pedi um irmão para a mamãe,

mas nunca tive, porém quando ela partiu me deu esse presente — deitou sobre o

peito de Abner agarrando-o no pescoço —, o melhor irmão de todos! — fechou os

olhos suspirando tranquilo, seguro, era proteção que sentia ao estar com o rapaz.

O jovem judeu não esperava por aquela declaração, precisou envolver seu

pequeno grande amigo em um abraço amoroso, fraterno, abraço de irmão.

Page 109: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

109 Capítulo 20 – Irmãos

— Agradeço a Deus por ter me entregue um menino tão bom, o irmão menor

que eu também sempre quis.

— Então você gosta de mim?

— Claro! Ou mais que isso, amo!

Certas circunstâncias aproximam pessoas e as une pelo laço do puro amor.

Mas a noite ainda não acabara e Abner tinha algo a fazer, como Noah insistia

em ficar acordado lhe pediu para que o esperasse, mas o desejo do menino era em

sair daquele quarto, respirar um pouco de ar puro depois de tantos dias trancafiado,

um desejo irrecusável.

— Tenho certeza de que eles estão em cima, olhando por nós — o jovem judeu

apontava às estrelas.

— Você tem alguém lá?

— É. Eu tenho — mas não deu detalhes, sua história poderia ser mais do que

assustadora para uma criança.

— Aqui estão vocês! — alegre, Sebastian se juntou à dupla —. E você,

pequeno homem, não sabe que é perigoso andar por aqui?

— Não quando estamos entre amigos — bateu na mão do soldado —. Trouxe

alguma coisa de comer? — estava farto do péssimo e escasso prato oferecido

naquele lugar em nada hospitaleiro.

— Mas é claro que sim — tirou do bolso algo embrulhado —, uma torta de limão!

— sussurrou —. Mas mantenha o segredo, hein?! — fingiu severidade.

— Positivo, capitão! — o pequeno judeu bateu continência, mesmo em meio ao

pesadelo não perdia a leveza infantil.

— E você, meu amigo — tirou Abner de sua atenciosa observação sobre as

estrelas —, como está?

— Impossível ficar triste tendo um falador na nossa orelha — referiu-se ao

garoto —, o mais querido falador.

— Eu imagino — provocou, mas não seria correspondido, Noah estava

ocupado demais com a torta de limão —. Deu sinal para que nos encontrássemos,

aconteceu algo?

Page 110: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

110 Capítulo 20 – Irmãos

— Preciso da sua ajuda — tirou do bolso da costumeira roupa listrada um

envelope amassado —. É uma carta para Eva, consegue entregar?

— Mas é claro! — Sebastian olhou ao redor se certificando de que estavam

seguros —. Sei que ainda desconfia de mim, mas saiba que ainda somos aqueles

amigos de infância — abraçou o judeu aflito —, ainda somos irmãos.

— Então somos três irmãos! — o garoto se juntou ao abraço, atitude que por

alguns instantes fez todo o sofrimento ser esquecido.

[Rio de Janeiro, Brasil – 1943]

Era o fim da tarde.

Da sacada de seu quarto Carol observava o pôr-do-sol lembrando-se de

todos os fins de tarde nos quais encostava a cabeça no pescoço de Henrique, era

envolta por seu protetor e suave abraço e ambos assistiam àquele espetáculo da

natureza trocando palavras de amor, projetando o futuro e desfrutando da

agradável companhia que tinham. A carioca sentia falta daqueles momentos, sentia

falta do seu grande amor.

— Filha? — sua mãe lhe tirou dos devaneios.

— Mãe... — virou-se para a doce mulher, com quem estava dividindo a casa

desde que passara mal.

— Não posso esconder o que você precisa saber — tinha os olhos sérios e

preocupados —. Cedo ou tarde descobriria e poderia ser de maneira brutal.

— O que foi? — Carol também se preocupou.

— Seu pai, minha filha — uniu as mãos em um gesto de amparo —, ele está de

volta e quer vê-la!

Page 111: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

111 Capítulo 21 – Marcas do Passado

Capítulo 21 – Marcas do Passado

[Curitiba, Brasil – Alguns anos antes de 1943]

As coisas naquela casa não iam muito bem, o amor já não era tão forte e o

sentimento família aos poucos minguava. Não existia respeito, não existia

consideração, existiam contendas e decepções. A tristeza estampada nos olhos era

perceptível, não aguentavam mais viver daquela forma, não sabiam que o futuro era

cruel e indesejável.

Francisco, o homem da casa, sofreu uma decadência assustadora, perdeu

coisas que havia conquistado, perdeu o sentimento das pessoas mais importantes em

sua vida, uma pena não ter esse pensamento quando ainda conseguiria mudar a

realidade. O bancário não soube enfrentar a crise, sofreu falência, transformou-se

em um embriagado ambulante, deixou-se perder na ira que existia em seu peito:

chegava em casa tarde, sujo, mal cheiroso, gritando humilhações, xingando a quem

estivesse perante si. Assustava a pequena Carol.

A garota, sempre que ouvia o cachorro latir desesperadamente, corria se

esconder, sabia exatamente o que aconteceria: o homem que aos poucos perdia a

posição de pai se deixava controlar pelo monstro que o perseguia, agredia quem

estivesse na sua frente, nem a Maria, sua esposa, poupava da dor de sua força. A

menina, pelo vão na porta de seu quarto, espiava a cena, chorava desamparada,

sentia vontade de defender a mãe, fazer alguma coisa, mas o pavor bloqueava seus

passos, tudo o que queria era estar livre daquele pesadelo.

Maria, a boa dona de casa, via seus esforços por cuidar daquela família serem

jogados por terra, sentia que todo o amor depositado naquele homem era

simplesmente desprezado, ignorado, feito por nada. Sentia tristeza ao ver o marido

em condições tão deprimentes, no começo do sofrimento o acolhia cuidadosa,

ajudava-o a se deitar, garantia que faria o possível para ajudar, mas desde o dia no

qual em troca de todo o seu empenho recebera um soco na face desistiu daquele

amor, conforme o tempo passava e as agressões aumentavam o sentimento

desaparecia, dava lugar a outro, à decepção mortal.

Page 112: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

112 Capítulo 21 – Marcas do Passado

— Não percebe o que está fazendo?! — cansada do silêncio, em uma manhã

tensa após uma madrugada agitada, Maria decidiu desabafar, tentar, nem que fosse

pela última vez, abrir os olhos do marido e salvar tal casamento —. Não vê que destrói

a nossa família?! Não vê que está perdendo o amor das pessoas que em todas as

noites sente medo da sua presença?!

— Pare de falar, não suporto mais ouvir a sua voz! — Francisco, sentindo a

cabeça explodir, enojava-se pelo pão seco que era obrigado a molhar no café para

conseguir se alimentar —. Por que ao invés de reclamar não faz como eu? Por que não

sai à procura de trabalho e deixa de ser uma desocupada?

— Desocupada? — seu coração sentiu aquela palavra como se algo o

arrebentasse impiedosamente —. Todo o meu empenho por cuidar da nossa família

me garante o termo desocupada? O que você faz além de se enfiar em lugares

perversos e perder a consciência? Quem é o desocupado aqui?!

O homem forte, violento, não conteve suas emoções e lançou um tapa contra a

face da esposa. A mulher, sensível, foi jogada ao chão enquanto sentia o rosto arder

e as lágrimas correrem contra a sua vontade, lágrimas indignadas.

— Monstro! — uma voz infantil, trêmula, manifestou-se na cozinha, uma criança

assustada e abatida tinha os olhos lacrimejantes.

— Carol, para o quarto! — a mãe ordenou.

— Cansei de ficar no quarto sempre que ele está aqui — colocou para fora

aquilo que sufocava a pobre e inocente alma —. Cansei de ver a minha mãe sofrer,

cansei de ter esse homem como pai porque ele nunca foi um!

Alguém sensato, disposto a corrigir os próprios erros e mudar a sua história,

comover-se-ia com o desabafo infantil, veria que suas atitudes, de tão horríveis, são

capazes de despertar um sentimento jamais infantil: o ódio. Mas aquele homem não

parecia desejar a mudança, não queria mudar suas ações, antes insistia nelas,

considerava-as como certas, culpava a todos pela sua dor. Não hesitou em puxar a

própria filha pelos cabelos, não hesitou em tirar da cintura o cinto de coro, não

hesitou em se entregar para o monstro que o dominava e criar vergões sobre a pele

frágil. Ele era repulsivo.

Page 113: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

113 Capítulo 21 – Marcas do Passado

Uma mãe como Maria, que faz o impossível pra agradar seus filhos, nunca

aceita facilmente que alguém os maltrate, não gosta nem quando o pai aplica um

corretivo, foi dela que saíram, ela que os gerou, é como que somente ela tivesse o

direito da correção.

Se já repudiava o marido agora o desprezaria com maior força. Sentiu a dor

da filha em seu corpo, não a deixaria continuar sofrendo, não a faria derramar mais

lágrimas, daria um jeito para terminar com o pesadelo. Mas existia apenas uma forma:

teria que partir.

Esperou Francisco sair para um dia de tolices, escreveu uma carta e a deixou

sobre a mesa, foi até o quarto de Carol e pediu sua ajuda para que fizessem uma

pequena mala, levariam o mínimo, iriam recomeçar suas vidas em outro lugar.

Com tudo pronto saiu daquela casa sem conter o choro, fora ali que começou

uma história de amor com o homem que achava ser o ideal, fora ali que vira seu bem

mais precioso dar os primeiros passos e ouvira o soar de suas primeiras palavras, ali

existia uma história, mas que precisava ser deixada para trás, o livro da vida não

poderia terminar naquele capítulo.

[Rio de Janeiro, Brasil – 1943]

Maria já não chorava pelo passado, sentia-se livre daquelas marcas e vivia a

sua vida com leveza. Não tinha nenhum parceiro ao seu lado, continuava apaixonada

por aquele que um dia amou, mas que a decepcionou. Nunca o esqueceu, mas

conseguiu se livrar dos rancores e das mágoas que as lembranças causavam, não

sentia mais amor, talvez se o visse seu corpo o desejasse, mas o mais importante que

era a sua alma jamais o aceitaria outra vez.

Animada, fazia as compras na feira, precisava preparar uma comida nutritiva à

filha grávida perto de lhe dar um grande presente: um neto. Mas seus passos

agitados foram interrompidos ao toque de alguém em sua mão.

— Maria? — aquela voz, aos seus ouvidos, era inconfundível.

A boa senhora virou sua atenção ao senhor sério, alto, de cabelos alvos,

óculos escuros e chapéu da época, foi levada de volta ao passado, a um tempo que

parecia nunca mais voltar.

Page 114: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

114 Capítulo 21 – Marcas do Passado

— Francisco? — jamais deixaria de reconhecê-lo, poderia se passar o tempo

que fosse, amou-o verdadeiramente.

— Então é mesmo você — a voz era mais grave, efeito dos anos.

— O que faz aqui? — não escondeu o espanto.

— Tentando concertar um passado que não me abandona, um presente que eu

não queria e um futuro que talvez eu não possa suportar.

— Isso quer dizer que...

— Estou à procura da minha família — tirou os óculos revelando as íris

azuladas, as mesmas que conquistaram uma doce mulher.

Maria esteve atônita por alguns instantes, aquelas palavras balançaram seu

coração, mas não o suficiente para fazê-la acreditar em sua veracidade. Como

confiaria em alguém que representava dor? Como aceitaria alguém que parecia

sombras?

— Talvez sua procura tenha começado tarde demais...

— Desde aquele dia, quando cheguei maltrapilho e li aquelas palavras, senti a

dor com a qual as castigava, senti que havia perdido o que eu nunca perderia me

bastava apenas valorizar, vi que agi feito um tolo e me arrependi.

— Não consigo acreditar ou não posso acreditar — foi sincera em sua resposta

—. Sei que não sou perfeita, todos temos nossos erros, mas também sei que aquela

humilhação eu não merecia. Sempre fiz o que pude para demonstrar meus

sentimentos e você me retribuiu com sofrimento. Hoje estou em paz, feliz, e é assim

que quero continuar.

— Não acha que todos temos o direito a uma segunda chance? — argumentou

—. Estou disposto a concertar tudo, estou disposto em pedir perdão a nossa filha e

reconquistar o amor da minha família.

— Eu não sei...

— Por favor, eu preciso... — entregou um papel dobrado —. É o meu endereço,

precisamos conversar.

A mulher guardou no bolso e deu às costas, sentia que cederia às tantas

investidas, mas também sentia medo em acreditar em alguém como aquele homem.

— Nunca me esquecerei de você — Francisco insistiu em suas palavras —, pode

não acreditar, mas sempre te amei.

Page 115: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

115 Capítulo 21 – Marcas do Passado

Maria prosseguiu em seu destino, mas não pôde ignorar tal declaração.

Poucos dias depois...

Ao contrário da mãe, Carol nunca esqueceu o medo que sentia ao escutar a

voz do pai, sempre que se recordava do passado era com mágoa, com desejo de

esquecê-lo, de enterrá-lo. Descobrir que aquele homem estava por perto não

despertou o sentimento de perdão, fez a revolta ressurgir.

— Deu atenção a ele? — indignou-se —. Depois de tudo o que passamos ainda

conseguiu conversar?

— Fui pega de surpresa — defendeu-se —, o que queria que eu fizesse?

— Que o desprezasse, desse às costas e o deixasse falando com o vento, é

isso o que ele merece, passar o resto de seus dias na própria dor, na própria solidão!

— quando sentia amor não o escondia, mas quando sentia ódio o estampava

fervorosamente —. Tudo o que ele significa é sofrimento, angústia, pavor, se veio

atrás de remissão é bom que desista de perder tempo.

— Entendo a sua ira, sofri tanto quanto você, mas não pode se revoltar dessa

forma, não pode guardar tanta mágoa, é veneno para a nossa alma — aconselhou

como a verdadeira mãe que sempre fora —. Não te contei isso para que ficasse

nervosa ou achasse que quero que vá ter com ele, é seu direito recusar, mas se

permita a viver em paz consigo mesma.

— A decepção é uma ferida que nunca cicatriza.

Page 116: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

116 Capítulo 22 – Futuro

Capítulo 22 – Futuro

[Itália – 1943]

Era um jantar silencioso.

Deprimente.

Todos os homens, atentos em seus pratos, mastigavam enquanto imaginavam

muitas coisas, dentre elas, a aproximação do que anunciava ser o fim. Poderia ser o

último jantar em uma mesa farta, na companhia de bons amigos, a partir do novo dia

que começaria tudo poderia passar por transformações, quem ali estava poderia não

estar mais, o futuro era um pesadelo.

Jorge pensava se conseguiria se transformar no médico que sempre quis ser,

haviam prometido a ele que após a guerra lhe concederiam a chance, mas para tanto

precisaria ser um vencedor.

Os pequenos olhos, curiosos, e as agitadas mãos contemplavam a miniatura de

médico, a mente infantil criava imaginações sobre os dias que viriam, o desejo por

cuidar das pessoas nascia naquele puro coração.

— Vejo que gostou do enfeite — o senhor a sua frente prestava atenção em

cada gesto enquanto prescrevia os medicamentos —, já pensou em ser como eu

quando crescer?

— É uma boa ideia! — o pequeno Jorge mostrou entusiasmo —. Mas também

queria ser como meu pai, um soldado corajoso! — o homem ao seu lado se encheu de

orgulho por descobrir que o filho se admirava de seus passos.

— Por que não ser os dois? — o pediatra sugeriu —. Você pode começar uma

brilhante carreira militar, como o seu pai, e dentro do exército pode se transformar

em um médico excelente, como eu — modéstia não era o seu forte —. O que acha?

— Sempre quis ter um filho médico — a mãe encantada logo aprovou a ideia.

— E eu ficaria muito feliz tendo um filho soldado — o pai também concordou.

— Então está decidido — a criança que um dia se transformaria em adulto e

teria que enfrentar grande desafio escolheu, naquele momento, o próprio futuro —.

Deixarei todos satisfeitos!

Page 117: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

117 Capítulo 22 – Futuro

Abraçaram a criança que sofria de uma gripe, sabiam que logo cresceria e daria

muito orgulho.

O soldado sentiu saudade daquele tempo, de quando tudo parecia mais fácil,

de quando todos os sonhos prometiam se concretizar. A realidade era dura e, ao

invés de certezas, garantia dúvidas.

Luís também estava em silêncio. Durante a adolescência passou por períodos

conturbados, momentos nos quais se sentiu desamparado, tais circunstâncias fizeram

nascer em seu coração o desejo por provar ao mundo a sua bravura, sua capacidade,

mas as forças se convertiam em fraquezas.

Entrava na adolescência, mas ainda guardava medos de quando menino.

Sempre teve pavor de água em grande quantidade, nas idas à praia com a família

preferia ficar na areia, nem molhava as pontas dos pés. Seu comportamento irritava

seu pai, rígido, cheio de normas, que insistia em querer transformar o filho em um

homem de verdade, ele se esquecia de que o tempo resolve todas as coisas e de que

cada um tem um obstáculo a enfrentar.

Era uma tarde de domingo, ensolarada, prometia ser agradável se não fosse a

atitude precipitada de um homem apressado.

Raul pegou o filho nos braços, ignorou os conselhos da esposa e pouco se

importava com o medo do garoto, jogou-o na água, queria a todo custo aniquilar

aquele medo. Foi errada a sua ação, talvez não tivesse uma alma má, mas seu gesto

para sempre ficaria nas lembranças de quem sofreu.

Luís não sabia nadar. O pavor parecia levá-lo para o abismo, parecia afogá-lo

naquela abundância de águas. Começou a se debater desesperadamente, o fôlego

aos poucos acabava.

Vendo que não alcançara seu objetivo, Raul se lançou ao mar, trouxe de volta

aquele que lhe pertencia, mas pelo calor do momento, sendo observado por tantos

olhos, ao invés de declarar palavras de consolo, perdão e coragem decidiu ser rude e

arrogante.

Page 118: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

118 Capítulo 22 – Futuro

— Por que é assim? Qual o seu problema? Será que tenho um filho covarde? —

dos olhos irradiava raiva, desgosto —. Medo de água? Até quando?! Parece que

nunca terei motivos para me orgulhar do filho que tenho — deu às costas.

Agarrado à mãe, o garoto tremia, recuperava a respiração, sentia-se culpado

pela ignorância de alguém.

“Parece que nunca terei motivos para me orgulhar do filho que tenho”. Aquela

frase tão amarga ainda soava aos ouvidos de Luís com a mesma intensidade, a

mesma força e a mesma capacidade de entristecer o seu espírito. Depois daquele

dia outras coisas aconteceram, quanto mais o tempo passava mais pai e filho se

transformavam em desconhecidos, o jovem soldado estava ali para provar que era

capaz de vencer o medo e levar orgulho a muitas pessoas.

Porém, o perigo se apresentava como sendo maior que o desejo por vitória,

Luís já não tinha tanta certeza do sucesso, sabia que quando as ameaças

aparecessem poderia desistir de tudo e se entregar à derrota, perdia as esperanças

que procurava cultivar.

Henrique, embora tentasse acreditar em um futuro iluminado e tentasse passar

essa mensagem, não acreditava fielmente que as coisas pudessem acabar bem.

Precisava viver a realidade, precisava entender de uma vez que não estava em uma

simples missão de paz, estava prestes a entrar em uma guerra motivada por

poderosos, por homens cruéis, fomentada pelo desejo de vitória em todas as partes.

Escapar do mal seria como correr da morte, para tanto sua motivação para correr

estava no Brasil, na mulher que amava e no filho que ela gerava.

Faltavam poucos dias para o casamento e o inexperiente Henrique, do alto da

sacada da casa, observava o pôr-do-sol tentando descobrir como o futuro seria, se

conseguiria chegar ao final de sua vida mantendo um amor que parecia ser eterno,

mas que ele sabia que se não o protegesse poderia perdê-lo.

— Ansioso para o grande dia? — seu pai, membro do governo Vargas, se

colocou ao seu lado como fazia nos anos passados, quando o soldado que se

preparava para casar ainda era uma criança e ali ficava, pensando em tantas coisas.

Page 119: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

119 Capítulo 22 – Futuro

— Demais — ouvir a voz do homem que muito admirava lhe tirou daquele transe

interminável.

— Conheço-o o suficiente para afirmar que está preocupado — Joel levou os

olhos para o céu azulado —. Pode confiar em mim, acho que já vivi o que começará a

viver — disse humorado.

Henrique sorriu, estava ao lado das respostas de que precisava, da esperança

que procurava.

— Como o casamento de vocês permaneceu até hoje tão vívido? Nem parece

que os anos se passaram.

— Amor verdadeiro — respondeu sabiamente —. Quando realmente amamos

alguém não podemos viver longe da pessoa especial, por isso, enquanto vamos

crescendo, vamos também aceitando as diferenças de cada um, no jeito de falar, de

pensar — fez uma pausa tranquila para, então, prosseguir em seu discurso —. Se sua

mãe e eu não nos amássemos talvez na primeira divergência tudo tivesse se rompido,

mas sabemos que longes um do outro não aguentaríamos viver, não seria a mesma

coisa, por isso nos moldamos para nos completarmos — ajeitou os óculos no nariz —.

Se sua preocupação é que seu relacionamento não seja duradouro basta descobrir

se o amor é verdadeiro, porque se ele o for é bem capaz que nem a distância os

separe.

— Mas como descubro esse amor?

— O que sente estando longe dela?

— Um vazio...

— O que sente estando perto?

— Conforto...

— Seria capaz de trocá-la por qualquer coisa?

— Nem que o preço fosse a minha vida.

— Tem certeza de que tais respostas são sinceras?

— Muita1

— Então não se preocupe, meu filho, tudo dará certo, mesmo que pareça

impossível, o amor é o milagre da vida, é o que concertas as imperfeições.

Page 120: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

120 Capítulo 22 – Futuro

Ah se tivesse naquele momento as palavras de seu pai, com certeza sentiria o

coração em paz e encontraria coragem para acreditar no bem de todas as coisas.

Mas uma coisa estava guardada no peito, “o amor é o milagre da vida”, lutaria

sentindo aquele amor, um amor alimentado por Carol, por seu filho e por sua família,

o amor que o faria vencedor.

Perante um silêncio tão denso e apreensivo o capitão se levantou perante

todos, tinha como dever alimentar esperanças, aumentar ânimos, ajudar no cultivo da

fé. Antes que as coisas ficassem mais assustadoras ele declararia suas palavras, ao

seu modo faria um discurso de confiança, naquele momento aquela era a sua família,

precisavam da sua força.

— Sei que estamos apavorados, assombrados, cheios de temor, mas também

sei que estamos cheios de planos, sonhos e desejos. Vamos mesmo desistir do que

acreditamos? Vamos mesmo acreditar que esse lugar, dominado por mentes

perversas, possa destruir a pureza do nosso futuro? — encarava os olhos fitos, fazia

os ouvidos se inclinarem —. Chega de medo, chega de incerteza, chega de

pessimismo, viemos para cá a fim de escrever uma história heróica, não viemos para

sermos pisoteados pelos rancorosos e esquecidos para sempre! Viemos para

voltarmos para casa, levar alegria ao nosso povo, àqueles que acreditam em nossa

bravura! Vocês precisam acreditar. Medo e assombro são o que eles querem que

sintamos, mas estamos aqui para que ao invés de nós, sejam eles que recuem! Vocês

precisam acreditar!

Um pouco de coragem tomou cada coração.

Não era mais tempo de incertezas e medos. Era tempo de enfrentar os

obstáculos.

Page 121: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

121 Capítulo 23 – Fracasso

Capítulo 23 – Fracasso

[Berlim, Alemanha – 1942]

Homens perversos arquitetam planos perversos, a malícia dirige seus

pensamentos, a maldade fala em suas bocas, seus corações são cheios de violência e

suas ações provam sentimentos devassos. Manfred era assim, um homem cruel.

— Bando de otários, aposto que aprontaram nas minhas costas, planejavam me

passar para trás, mas sempre estou um passo a frente, tenho ouvidos espalhados

por onde passo — o alemão conversava com dois soldados, aliados aos seus ideais. —

Meu prisioneiro, a essa hora, deve estar rezando como nunca — soltou uma

gargalhada repulsiva, sendo imitado por seus comparsas.

— Essa história ainda parece inacreditável — um dos homens declarou —. Sua

mulher jamais aparentou tanta coragem que a fizesse se transformar em uma traidora.

— Aquela insignificante foi iludida pelo amor, essa droga de palavra que

insistem em proferir como se fosse algo sagrado — ajeitou a gola do paletó —. Esse

sentimento deixa as pessoas burras e as faz cometer loucuras.

— Sei que não sossegará enquanto não vir seu inimigo pagando por esse erro

— o outro homem pronunciou pronto para concordar com cada palavra de seu

superior —, qual é o plano?

— Vou agora mesmo a Auschwitz, terei uma conversa de homem para homem

com aquele verme e tão logo o dia amanheça o queimarei perante os judeus — pegou

as chaves sobre a mesa e caminhou até a porta do escritório que tinha em casa, sua

fala soava fria e medonha —. Vão aprender o que significa brincar com Manfred

Hoff.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia — 1942]

Amarrado, entregue à morte, Maik assistia sua vida passar perante os seus

olhos. Não se arrependia por ter amado, faria tudo outra vez, encarava o seu fim não

como uma derrota, acreditava que fora corajoso o bastante para com amor despertar

o ódio de alguém tão pobre de espírito. Não tentava se soltar, as correntes eram

Page 122: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

122 Capítulo 23 – Fracasso

fortes e o lugar escuro, morreria com a certeza de que passara por esse mundo

deixando esperança para aqueles que o acompanharam.

A porta se abriu de repente.

A claridade incomodou os olhos acostumados com a escuridão.

— Tem passado bem esses dias? — a voz de Manfred soava prepotente —.

Sinto muito por não ter morrido de fome ou sede, se fosse esperto teria dado um

jeito de partir sem passar pelas minhas mãos antes — não poupou forças em seu soco

contra a boca do rival, ver o sangue escorrer alegrou seu sórdido coração —. Onde

está o safado corajoso? — outra agressão —. Depois de tudo o que acontecer

desejará nunca ter conhecido Isabel.

O bom homem não retrucou, em silêncio passou pela dor, não tinha forças para

debater contra alguém cheio de ignorância.

Mas o impiedoso homem iria até o fim com a sua vingança, mandou que seus

companheiros entrassem no escritório que cheirava à maldade, faria o possível para

garantir sofrimento a quem era punido por amar.

— Enfiem sua cabeça no balde — sentou-se em sua poltrona tirando do bolso

do paletó um charuto —, apenas não deixem morrer.

Na cadeira o corpo se debatia, sentia o ar se esvair dos pulmões, tinha de volta

o fôlego nas narinas, mas logo o sofrimento voltava e a cena divertia o seu

espectador.

— Já chega — Manfred ordenou —. Agora usem as agulhas, sabem o que fazer

— era frio em suas palavras, o pior espírito reinava naquele homem.

Maik gritava, agonizava, chorava, mas um rosto especial, estampado em sua

mente, garantia a ele forças para aguentar toda a dor, sofrer pelo amor não o mataria

tão facilmente. Suas unhas sangravam, denunciavam a covardia de homens violentos,

mas sua alma ainda dizia que amava Isabel.

— Tirem a camisa, acho que estamos sendo bondosos ao extremo — soltava as

baforadas com tranquilidade, como se não estivesse fazendo nada demais, na

verdade sua consciência não pesava nem um pouco.

Os homens obedeceram deixando o bom alemão ainda mais vulnerável a

qualquer aflição.

Page 123: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

123 Capítulo 23 – Fracasso

O membro da Gestapo acendeu uma vela, a passos calmos caminhou até

aquele que despertara sua ira, deixou que as gotas de cera derretida caíssem sobre

o corpo descoberto soltando suas fumaças e queimando a pele.

— Sei que me entende, sei que no meu lugar estaria fazendo o mesmo, um

homem traído não vê limites para a sua vingança — dizia como se fosse dono da

verdade, como se estivesse coberto de razão —. Duvido muito que não tenha ouvido

falar de mim o suficiente para me temer, com certeza conhecia a minha justiça, o ardor

da minha raiva e, ainda assim, resolveu me desafiar — ver o rosto agonizando lhe

garantia prazeres desumanos —. Vi isso como provocação — passou o fogo sobre o

peito nu —, e eu odeio ser provocado — dispensou outro soco, ainda mais forte —.

Vale a pena amar?

Enquanto sentia a ardência da cera quente que queimava seu corpo, Maik

resmungava, fechava os olhos com força e mordia os lábios por causa da dor, mas

insistia em se recordar dos brilhantes olhos verdes, os olhos que o conquistaram, que

despertaram em seu ser um grande amor, um amor que agora parecia castigá-lo. Se

valia e pena amar? Aquela pergunta precisava de uma resposta mesmo que as

palavras fossem uma arma suicida.

— Vale muito a pena amar — a voz soou frágil, ofegante —. É ainda melhor

saber que mesmo morto continuarei vivo nas lembranças de quem me ama, uma

pessoa que mesmo estando nos seus braços tem a mente voltada a mim! — sorriu

provocativo, destemido, suportando a dor.

Muito mais enraivecido, Manfred agarrou seu prisioneiro no pescoço,

pressionava-o com força e covardia, encarava-o nos olhos vendo o ar lhe faltar.

— Seria um prazer matá-lo agora mesmo, destroçá-lo com minhas mãos, mas

ainda quero vê-lo gritar de dor, se debater na fornalha procurando alívio, implorando

por misericórdia — soltou o bom homem lhe permitindo recobrar o ar —. Cada palavra

será cobrada — enxugou o suor na testa — e o preço será caro!

E outra vez Maik foi deixado a sós, ainda mais exausto, ainda mais certo de

que morreria.

A noite encobriu o céu.

Cada judeu oprimido retornou ao seu quarto.

Page 124: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

124 Capítulo 23 – Fracasso

Cada soldado voltou ao seu posto de vigia.

Um carro da secreta polícia alemã adentrou o lugar, parou em frente ao

escritório e um soldado se apresentou.

— Quem lhe enviou? — alguém o parou antes que pudesse destravar a porta.

— Seria bom que nunca mais me fizesse essa pergunta — o jovem alemão tirou a

carteira do bolso mostrando sua identidade —. Trabalho diretamente com Manfred

Hoff.

— Perdoe-me.

— Hoje passa — destravou a porta —. Mudanças de planos — se referiu ao

prisioneiro —, volte ao seu lugar e não faça alardes.

— Sim, senhor.

Maik imaginou que a hora de sua morte chegara, mas as palavras do soldado

lhe trouxeram um pouco de alívio.

— Como se sente? — a voz era branda, soava diferente de todas as outras.

— Mal — não conseguia enxergar o rosto do homem.

— Fique tranquilo, você não vai morrer.

Ágil, o rapaz soltou o que era preso, colocou-o nas costas e o levou para o

carro, a fim de não levantar suspeitos jogou-o covardemente no banco traseiro, mas

pediu perdão.

Deu partida.

Saiu daquele lugar.

Em certo ponto da estrada parou o veículo, abriu a porta para que alguém

entrasse.

— Meu Deus! — o novo soldado exclamou —. Então é verdade!

— O que faremos com ele?

— Maik, consegue me reconhecer?

O homem forçou as vistas, a escuridão dificultava, mas não impossibilitava.

— Sebastian? O que faz aqui?

— Ouvi o plano, sabia que era você — passou para o banco de trás a fim de

ajudar o alemão —. Diga para onde quer ir e nós o levaremos.

— Roma, levem-me para Roma — era a sua chance de sobreviver.

Page 125: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

125 Capítulo 23 – Fracasso

— Itália, vamos à Itália! — colocou a cabeça que capengava sobre o seu ombro,

engoliu o choro indignado e prometeu: — Vamos salvá-lo!

O dia amanheceu.

Seguido por outros carros Manfred chegou logo cedo no campo de

Auschwitz, deu ordem para que reunissem todos os judeus, estava animado para

concluir seu plano maquiavélico.

Entrou no escritório.

Acendeu a luz e contemplou uma cadeira vazia.

Correntes e amarras estavam jogadas sobre o chão.

Respirou fundo, fechou e abriu os olhos, mas o que parecia um pesadelo era

apenas a realidade. Procurou em cada canto, não queria acreditar que alguém

escapara de suas mãos, não queria ter que confessar o seu fracasso.

Para o espanto dos demais oficiais, o superior surgiu de mãos abanando e

semblante caído, sua ordem explicaria o tamanho da sua decepção.

— Mexam a Alemanha de cabeça para baixo, vasculhem cada buraco, ele não

pode estar longe!

Na verdade Maik já estava bem longe.

Page 126: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

126 Capítulo 24 – Boa Notícia

Capítulo 24 – Boa Notícia

[Itália – 1942]

Faltavam poucas horas para que chegassem a Roma, o relógio se aproximava

das dez da manhã. Sebastian e seu parceiro tinham os olhos fitos na estrada,

precisavam tomar cuidado com os combatentes e com aqueles que, de alguma forma,

trabalhassem para os nazistas. Maik, por sua vez, estava submerso em um sono

profundo, provocado pelo sofrimento, as marcas em seu corpo despertavam a

piedade do jovem rapaz que o sustentava.

Aproximando-se do destino o filho de Manfred acordou aquele que salvara,

precisava ter certeza de que ali existia segurança.

— É aqui mesmo — encarou a estalagem —, aqui se reúnem aqueles que querem

uma Alemanha justa e melhor.

— Tem certeza de que não nos atacarão?

— Nosso princípio é pagar a perversão com bondade — ainda estava sonolento

—, além do mais vocês representam o lado puro da nossa nação. Pode me ajudar?

Prestativo, o jovem soldado auxiliou o homem que sentia cada músculo pesar a

descer do carro, guiou-o até o estabelecimento de onde saiu um senhor, espantado

e curioso.

— O que aconteceu com você?! — logo se ofereceu para ajudar colocando o

amigo em seu ombro.

— Problemas rotineiros — lançou um sorriso —, a sorte é que temos os mais

improváveis salvadores — encarou o rapaz ao seu lado —, fora isso vaso ruim não

quebra — mesmo machucado não perdera o bom humor —. Há algum problema se eu

passar um tempo por aqui?

— Haveria problema se você não chegasse a essa conclusão — o dono do lugar

mostrou o seu apoio —. Por enquanto ficará sozinho nesse quarto — abriu a porta do

cômodo mais ao fundo da estalagem —, tão logo melhore podemos mudá-lo para o

andar de cima.

Page 127: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

127 Capítulo 24 – Boa Notícia

— Só de me oferecer um abrigo e proteção já está ótimo! — sentou-se na cama

confortável e percebendo que seu ajudante já partia interrompeu os seus passos —.

Sebastian! Podemos conversar por alguns instantes?

— Claro — o jovem alemão retrocedeu em seu caminhar e observou o senhor

italiano dar as costas fechando a porta —. Ele falou alguma coisa sobre mim?

— Não se acanhe, sabe que é um amigo — um pouco debilitado conseguiu se

ajeitar no colchão —. Por que fez isso? Por que arriscou a sua vida dessa forma?

O rapaz de olhos esverdeados que em nada lembravam os obscuros de

Manfred, encarou seu ouvinte por poucos segundos, embora acreditasse no amor

não sabia se serviria de chacota também para aquele.

— O que pensa sobre o amor? — devolveu a pergunta.

— Penso que é o que nos mantém vivos — olhou ao redor —, é o que nos faz

sentir a presença de quem tanto queremos estar próximos.

— Ele disse que você havia morrido, assegurou que tinha matado-o, isso tem

consumido a alma de minha mãe. Quando descobri a verdade não pude ficar de

braços cruzados, precisava arriscar qualquer coisa para salvá-lo, para salvar a única

pessoa capaz de devolver o brilho aos olhos há muito ofuscados. Sei o quanto se

amam e o quanto merecem viver esse amor.

— Pensei que fôssemos rivais — o alemão mais velho abriu um sorriso amistoso

—, tem motivos para me odiar.

— Não posso odiar alguém que satisfaz a pessoa que mais amo nesse mundo.

— Minha intenção nunca foi arruinar o casamento de seus pais, jamais planejei

zombar de Manfred ou humilhar Isabel, eu apenas...

— A ama mais que tudo — completou a fala —. Agradeço por amá-la, é por isso

que ainda está viva — estendeu a mão —. Mande notícias, conte comigo para o que

precisar.

— Ficarei um bom tempo sem aparecer — apertou a mão esticada —, enquanto a

poeira estiver alta cuide de sua mãe, seja a força de que ela precisa, conte que estou

bem e que lutarei pelo nosso futuro — encarou seriamente aquele que o ouvia — e,

mesmo que digam o contrário, jamais se esqueça de que vale a pena falar de amor.

Palavras como aquelas eram as que Sebastian sempre quis ouvir de seu pai,

mas que terminara ouvindo de quem menos esperava.

Page 128: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

128 Capítulo 24 – Boa Notícia

[Berlim, Alemanha – 1942]

A ordem de Manfred foi obedecida rigidamente, mas ninguém obteve sucesso,

não existia nem vestígio de Maik por onde quer que fosse.

— Impossível! — o importante membro da Gestapo perdia o controle sobre a

raiva —. Ele não pode ter ido tão longe sem ninguém perceber! Garanti um

tratamento suficiente para enfraquecê-lo, não tinha forças nem para resmungar!

— Nem tudo é tão impossível — um de seus parceiros tomou a palavra perante

o medo dos demais homens, todos reunidos em um esconderijo —. Ficar maldizendo

os céus por conta do que aconteceu não lhe fará chegar a lugar algum! Primeiro

aceite que ele escapou e depois pense em soluções.

— Um homem traído não pode ter seu desejo por justiça ignorado, eu preciso

por as mãos nesse canalha! — descarregou a fúria sobre a mesa, assustando aqueles

que o assistiam e fazendo os objetos saltarem nervosos —. Eu preciso!

— Pense bem, o que ele poderia fazer após a fuga? Não é se esconder?

— Aonde quer chegar.

— Por certo o seu plano é deixar as coisas esfriarem para então ressurgir das

cinzas — começou o seu astuto discurso —. Por que não agimos de forma

semelhante? Em silêncio podemos arquitetar contra ele, ninguém precisa saber,

pode até ser que o enganemos fazendo com que pense que nos esquecemos de sua

existência, quando Maik Müller voltar será nós que o pegaremos desprevenido.

A ideia agradou Manfred, acostumado com planos sorrateiros, com ideias

covardes.

Junto à visita do irmão Eva recebeu algo ainda mais agradável, as palavras de

alguém que amava, por quem sofria. Correu ao quarto, fechou a porta, abriu as

cortinas para que a luz da manhã invadisse seu quarto, começou a alimentar sua alma.

Page 129: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

129 Capítulo 24 – Boa Notícia

Querida Eva, Não imagina a saudade que toda essa distância me causa, não faz ideia da vontade

que possuo em reencontrá-la, ouvir a sua voz, ter ao meu lado a sua inestimável companhia. Senti meu coração quebrantar ao saber pelo que estava passando nas mãos de um

homem que há tempos atrás em nada se assemelhava com o que se transformou. Peço a Deus que as coisas se resolvam, que seus dias sejam mais alegres porque do seu rosto apenas quero que saiam risos e lágrimas de alegria, nunca choro de angústia.

Se por muitos ângulos minha experiência nesse lugar tem sido desastrosa, por outro fui presenteado pela vida, ela confiou a mim a segurança de um pequeno guerreiro. Mal posso esperar para que conheça Noah, meu irmão mais novo, uma criança iluminada que, unida ao amor que sinto por você, garante-me forças para permanecer na batalha e acreditar na vitória.

Não há uma noite que eu não pense no quanto a amo, nos nossos planos sobre o futuro, nas expectativas que sonhamos enquanto crianças. Todas essas lembranças permanecem vivas em meu coração e aumentam o desejo por viver novas histórias ao lado daquela que não me abandona, que mesmo distante se fez perto, nem que seja pelo pensamento.

Tenho muito o que falar, espero em breve poder encarar os seus olhos e abrir meu coração.

Sinta-se sempre amada por mim. Abner Shen.

Um sorriso brotou nos lábios da alemã e uma lágrima saudosa percorreu seu

rosto, como sentia a falta daquele que muito amava.

Da porta fechada três batidas delicadas e do quarto escuro uma voz abafada.

— Entre!

O jovem soldado não aguentava mais ver mãe naquela situação, entristecida,

atormentada pelo sentimento da perda, afogada em um luto que não deveria existir,

sem vontade para viver.

— Mãe — beijou o rosto abatido e sentou-se ao lado da mulher desanimada —,

como está?

Page 130: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

130 Capítulo 24 – Boa Notícia

— Sinto saudade... — mal começou a falar e as lágrimas retornaram —. Onde

esteve? — sentou-se.

— Viajando a fim de salvar o seu amor — falava baixo encarando as profundas

olheiras que afligiam seu coração de filho.

— O que quer dizer? O que me resta é o amor de meus filhos...

— Mas sei que esse amor, por mais importante e gratificante que seja, ainda

não é suficiente para esse coração amargurado — recolheu as lágrimas que corriam —

. Pare de chorar, guarde suas emoções para quando reencontrar Maik.

Não podia ser verdade.

— Não me engane dessa forma — acolheu as mãos do rapaz da mesma forma

quando fazia no tempo de infância, quando Sebastian se machucava e procurava

seu consolo —. Sei que é difícil me ver assim, entendo que quer me ver alegre, mas

não mexa na ferida desse jeito.

— Ele enganou a todos nós, mentiu como sempre — manteve o rosto severo —.

Descobri que Maik era seu prisioneiro, estava perto de ser, de fato, assassinado,

mas o capturei, salvei-o da morte, ele está vivo e prometeu que lutará pelo futuro! —

abriu um sorriso —. Ele está bem!

Isabel, depois de tanto tempo, colocou em sorriso no rosto cansado, não

declarava qualquer palavra, apenas sorria, sentia a esperança e a alegria retornarem

ao seu coração. Abraçou o filho cheia de entusiasmo, seu choro agora era de

contentamento, a certeza de que viveria o que sempre sonhara retornou à sua alma,

resultado do amor.

Page 131: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

131 Capítulo 25 – “Ou Mata Ou Morre”

Capítulo 25 – “Ou Mata Ou Morre”

[Itália – 1943]

O final do ano se aproximava, mas uma época acostumada a levar paz e

expectativas aos corações dessa vez passava despercebida por aqueles homens

aflitos e apavorados.

A estrada, cercada pela natureza, era silenciosa e aparentemente inofensiva, o

barulho da guerra não soava ali, nem o seu cheiro, nada parecia acontecer. Mas toda

aquela paz devia ser motivo para desconfianças, a aparência inocente não podia ser

levada a sério ou o preço poderia ser caro. Passos cautelosos sobre as folhas

mortas eram ouvidos, som que se misturava à dança das copas das árvores que

balançavam no ritmo do vento. Fazia frio, a vestimenta dos soldados parecia incapaz

de aquecê-los, mas o medo também fazia seus corpos estremecerem.

Estavam em quatro.

À dianteira ia o tenente, um brasileiro sisudo e focado no que queria, logo

atrás Henrique, que o ajudava a observar o caminho. Em seguida vinham Jorge e

Luís, ambos responsáveis pela retaguarda, com a obrigação de protegerem seus

companheiros. A missão era simples: libertar um prisioneiro.

Mãos e pés amarrados. Boca atravessada por uma corda. Cansaço físico e

psicológico, o capitão americano ainda vivia, mas não se considerava um sortudo,

sabia que quando menos esperasse teria seus miolos estourados.

A frente do prisioneiro um nazista de olhar perverso, o único dentro do

casebre no meio do mato que servia por cativeiro, seus parceiros foram buscar

mantimento, não demorariam, confiavam à prisão do americano nas mãos do alemão.

Depois de limpar os dentes com um palito se levantou da cadeira, bufou

entediado e pegou o rifle repousado na parede, olhou pela janela escondido por

uma cortina velha e rasgada, tudo parecia tranquilo, voltou ao seu lugar.

— É uma pena não falar no meu idioma, poderíamos passar a hora como bons

amigos — ao seu lado, uma mesa de madeira, sobre ela uma garrafa de uísque, virou a

bebida no copo de vidro, em um só gole sentiu a ardência do líquido —. Onde será

Page 132: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

132 Capítulo 25 – “Ou Mata Ou Morre”

vocês estavam com a cabeça quando resolveram entrar nessa? Queria muito

descobrir o quão louca é a mente desses americanos burros — cruzou as pernas,

descansou o rifle em seu colo —. Estamos na nossa casa, no nosso continente,

nosso território, acham mesmo que podem nos enfrentar? — recitava o que ouvia em

discursos no exército, só não sabia que era arriscado acreditar em tais palavras.

O prisioneiro não entendia sequer uma palavra, nem se importava, se pudesse

quebraria cada dente daquela boca tagarelante. Se fosse mesmo para morrer, não

via a hora de acontecer.

Atento, o tenente percebeu a ausência dos carros alemães, mas não foi tão

ingênuo, tinha a certeza de que o americano ainda estava naquele lugar, por certo

que vigiado por alguém. Por entre as árvores analisava a situação, encarava a casa

pensando num plano.

— Henrique — falava baixo —. Consegue se lembrar do treino de abordagem

surpresa?

— Sim, senhor — já imaginava o que viria, não era o seu desejo.

— Você vai invadir essa casa, seja esperto, no máximo há dois ou três vermes lá

dentro, damos conta tranquilamente — disse calmo, com propriedade —. Estarei logo

atrás de você.

— E nós? — Jorge se manifestou.

— Se nos atingirem salvem o prisioneiro e corram — uma ordem difícil, mas

necessária.

Henrique encarou seus amigos antes de dar os primeiros passos, por aquele

olhar transmitiu o medo que sentia e um pedido para que acontecesse o que

acontecesse cuidassem de sua família. Talvez não fosse preciso tanto medo, mas a

presença da guerra tornava a mais simples das tarefas em algo complexo demais.

Um tanto agachado, colocando o rifle adiante seu corpo, o jovem soldado deu

o primeiro passo cauteloso e ligeiro, foi seguido pelo tenente, encostou perto da

porta apodrecida do casebre abandonado. O frio se foi, sua testa derramava suor

por conta do calor da apreensão.

— É só invadir — o tenente assegurou —. Ele está de costas para nós —

espiou pela janela quebrada —, é todo seu.

Page 133: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

133 Capítulo 25 – “Ou Mata Ou Morre”

O rapaz respirou fundo, abriu a porta com um pontapé.

Havia tempo de sobra, o alemão não esperava pelo ataque, portanto não teria

uma reação tão ligeira, Henrique só precisava atirar, disparar contra aquele homem,

fazer sua primeira vítima em uma guerra atroz, mas seus dedos não acionaram o

gatilho, sua mente não executou o que fora planejado, simplesmente nada fez ao ter

diante os seus olhos o inimigo.

O tenente, embora não aceitasse, já esperava por aquilo. Empurrou o soldado

derrubando-o por entre as cadeiras espalhadas onde deveria ser a cozinha, apontou

o rifle contra o alemão já preparado para atacar – matar o prisioneiro – e disparou

um tiro certeiro.

Na cabeça.

O corpo tombou sem vida, sangue espirrou pelas paredes de madeira antes de

formar uma poça em torno do cadáver. Visão horrenda para os olhos de Henrique.

— Será que pode me ajudar a desamarrá-lo?! — o tenente alçou sua voz.

O jovem carioca não deu a resposta costumeira, apenas obedeceu ao

mandato desviando o olhar de sobre o homem esticado ao chão.

— O que foi aquilo? Esqueceu como atirar?

— Desculpa, tenente.

— Poderia ter morrido se eu já não estivesse preparado para um surto de

compaixão — ajudou o americano a se levantar —. Fique aqui — ordenou ao soldado

levando seu superior até a porta —. Corra em direção àqueles homens, logo estarei

com vocês — sabia falar em inglês.

Voltando para dentro o tenente encontrou o brasileiro em prantos, sua reação

perante a barbárie, sua reação perante o medo de perder a vida daquela maneira. O

homem se condoeu por aquilo, mas era forte e tinha como dever passar a mesma

força àqueles que o acompanhavam, não sabia até quando estaria com eles.

— Está vendo isso — levou os olhos do rapaz em direção ao morto —. Isso se

chama maldade, perversão, é um inimigo! — dizia com raiva, a mesma raiva que queria

que todos sentissem contra os rivais —. Eles não são como nós, não possuem

misericórdia e nem querem saber se os demais também são soldados impulsionados

por ordens, apenas matam. Por isso, Santos, grave na sua cabeça, ou mata ou morre!

Page 134: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

134 Capítulo 25 – “Ou Mata Ou Morre”

Depois de alguns minutos de caminhada chegaram até o carro e partiram rumo

ao arraial.

— Faz ideia do porquê de o terem pego?

— Querem instaurar medo colocando as mãos nas autoridades — o americano

respondeu —. Fale ao seu companheiro piedoso que quanto mais de nós morrerem,

mais eles se fortalecerão.

— Fique tranquilo, capitão, acredito que a piedade tenha sido apenas do

momento.

Se não conhecessem tão bem o amigo que tinham talvez não entendessem, mas

sabiam que toda aquela situação mexeu com a cabeça de Henrique, acostumado a

procurar o melhor caminho para trilhar, não o pior.

— Quer conversar? — Luís se juntou ao parceiro ao redor da fogueira —. Se

sua preocupação é intimidar ainda mais Jorge, saiba que ele deve estar no seu mais

profundo sono.

— Como consegue dormir conhecendo tudo o que nos rodeia? — não tirou os

olhos do fogo, parecia procurar por respostas ali.

— Talvez já tenha se acostumado com a ideia de morrer e decidido que fará o

possível para sobreviver — rabiscou o chão com um graveto —. Já que estamos na

chuva que molhemos!

— Ou mata ou morre — repetiu as duras palavras.

— Como? — se assustou com o pensamento.

— Não consegui fazer o mal àquele homem, não tive forças para ceifar a sua

vida mesmo sabendo que representa perigo — não conteve o choro de culpa, medo e

vergonha —. O tenente disse que ou matamos ou morremos.

Luís encarou o céu nublado, tentou contemplar alguma estrela, mas tudo que

conseguiu foi negritude. Pensou por alguns segundos no que dizer, seu amigo

precisava de suas palavras.

— No seu lugar não sei o que faria, mas entendo as palavras do tenente, no

lugar onde estamos parece ser essa a lei. Conheço você há bastante tempo, o

suficiente para ter a certeza de que é incapaz de praticar o mal, mas talvez seja

necessário — encarou seriamente o semblante abatido —. Infelizmente nesse jogo

Page 135: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

135 Capítulo 25 – “Ou Mata Ou Morre”

estamos em um paradoxo, ou salvamos a nossa vida ou a entregamos de bandeja, não

há escolha.

— São homens como nós, obedientes às mesmas ordens que nós, como

podemos matá-los? Possuem sonhos, regam desejos, imaginam o futuro, como tirar

deles o que nós também temos? — não conseguia entender o tamanho da

brutalidade.

— Compreendo o seu pensamento e até o considero como correto, mas nem

todos pensam assim, muitos deles condenam as suas palavras e na primeira

oportunidade, no único vacilo, acabarão com os seus sonhos — foi claro —. Então

não há injustiça, eles estão batalhando pelo futuro que querem, pouco lhes importa o

caminho a ser percorrido e as escolhas a serem feitas, por isso, meu amigo —

repousou a mão sobre o ombro tensionado —, não se sinta egoísta ao batalhar pelo

seu futuro.

Henrique, em seu silêncio, confessou que eram as palavras certas, que era o

pensamento correto, mas prometera a si mesmo que não se transformaria em um

assassino, em último caso dispararia contra alguém, mas enquanto não fosse

necessário lutaria pela sua vida, contudo lutaria pela do inimigo também.

No fundo ninguém era rival, o problema era que estavam em lados opostos.

Page 136: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

136 Capítulo 26 – Surpresa Indesejável

Capítulo 26 – Surpresa Indesejável

[Rio de Janeiro, Brasil – 1943]

O ano se findava, mas nem todas as famílias sentiam a mesma expectativa de

todos os anos, muitas estavam vivendo a angústia das incertezas, sentiam a falta de

seus guerreiros, homens de guerra que colocavam suas vidas em risco à procura da

paz.

Carol não possuía motivos para comemorar o Natal, sem o marido ao seu lado

na verdade nada parecia ter motivos para continuar, por ela não celebraria a data,

mas pela muita insistência de sua mãe acabou cedendo e lá estava a futura mamãe

organizando os preparativos. Sua barriga denunciava que perto estava de dar a luz,

os movimentos em seu ventre diziam que a criança era agitada, a ligeira dor nas

costas era resultado do cansaço dos últimos meses, mas o coração acelerado

pulsava ansioso por contemplar o rosto da criança.

Era um menino.

A carioca já havia decidido o nome e não via a hora do filho nascer para, assim,

se sentir mais perto de Henrique. Aquele era o fruto de um amor verdadeiro e

consistente.

Durante a tarde daquele vinte e quatro de dezembro tirou fotos do baú,

colocando-as em quadros e porta-retratos espalhava as lembranças pala casa. As

imagens, em sua maioria, mostravam um casal apaixonado que jamais se separaria,

construíam uma linha do tempo, desde a época da escola até o casamento, o comum

a todas as épocas era o amor que os dominava.

Alguns anos antes...

Desde que passara a estudar no colégio novo as famílias de Carol e Henrique

se aproximara em função da forte amizade que unia os adolescentes. Ambas

possuíam parentes em lugares distantes, por isso decidiram que passariam as épocas

de fim de ano juntas.

Durante a ceia de Natal sorrisos e gargalhadas, embora o passado pudesse

ser carregado de sombras pesadas também existiam as histórias divertidas e Maria

Page 137: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

137 Capítulo 26 – Surpresa Indesejável

não as escondia. Os pais de Henrique eram simpáticos à beça e se condoíam pela

forma como mãe e filha construíram suas vidas. Os dois jovens, enquanto os adultos

faziam sua confraternização, mantinham o silêncio, apenas a companhia parecia

suficiente.

O relógio bateu a meia-noite.

Abraços e desejos de paz foram trocados, mais um ano chegava ao seu fim e

aquele era apenas o primeiro Natal dos muitos que as famílias ainda viveriam.

Cansado do silêncio, daquela apreensão sem sentido, o jovem garoto tocou a

mão da namorada e pelo olhar pediu para que o seguisse. Foram até o jardim de

onde podiam contemplar o céu estrelado e ouvir o som do amor entre as pessoas que

se abraçavam na rua desejando um “feliz natal”. Sentados em um banco de madeira

sentiram a brisa suave e o cheiro do mar.

— Fica tímida na frente deles, não é?

— Um pouco — respondeu envergonhada.

— Não é o que você quer?

— Talvez seja o que eu mais quero — tirou os olhos das estrelas e os levou de

encontro aos castanhos que brilhavam por contemplá-la —, mas não sei se é o certo.

— O que quer dizer? Não tem certeza?

— Tenho muita certeza, o suficiente para afirmar que desde o primeiro dia que

o vi dando respostas ao professor já me apaixonei — envolveu as mãos soltas, cobriu-

as com ternura —. Mas veja só para mim, não tenho um pai, talvez não seja essa

família que seus pais queiram para você, talvez eu não seja a mais ideal.

— Acha mesmo que eles sejam capazes de pensarem dessa forma? — indagou,

mas tinha a resposta —. Se fossem assim hoje não estaríamos aqui, não acha?

— Mas namoro é um envolvimento mais sério...

– Carol... — levou o polegar à pele sensível, perdia-se naquele gesto tão

singelo e delicado —. Eles não pensam dessa maneira e mesmo que pensassem o que

importa é que nos amamos, é o que eu sei, vejo nos seus olhos a sua sinceridade, não

há com o que se preocupar.

A jovem garota sorriu emocionada, não acreditava que teria um namorado tão

bom, temia passar pelas mesmas coisas que sua mãe, não queria sofrer e via em

Henrique a vida que almejava.

Page 138: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

138 Capítulo 26 – Surpresa Indesejável

— E se assumíssemos agora? — sugeriu —. Podemos ouvir o que têm a dizer.

— Está bem — concordou —, qualquer coisa para fazê-la feliz.

E lá se foram os jovens apaixonados, mãos dadas, sorrisos ansiosos.

Encontraram os pais em um momento de distração, precisaram ser diretos.

— Por favor, agora queremos ser ouvidos! — o futuro soldado disse.

— É muito importante! — Carol estava nervosa, curiosa por saber no que daria.

As mãos unidas já denunciavam a revelação, já faziam as mães corujas

suspirarem emotivas.

— A gente só quer falar que... — naquele momento Henrique perdeu as

palavras, até então convicto do que faria sentiu medo, sentiu-se desencorajado

pelos olhos atentos, sentiu-se envergonhado.

— Estão namorando! — Joel ajudou o filho —. Qual o problema em falar isso?

— disse humorado.

— Não estão assustados? — a garota questionou confusa, sua mente imaginava

sermões, mas a realidade era bem mais agradável.

— Com o quê, minha filha? — Maria caminhou calmamente até o mais novo casal

—. Que mal há se é o que querem?

— Nós, ao invés de assustados, estamos muitos contentes por terem a coragem

de viver o que almejam — Laura, mãe do adolescente, juntou-se ao abraço fraterno.

— Já sabíamos que estavam namorando — foi a vez de Joel se aproximar —,

estão mais do que aprovados!

Aquela união garantia uma certeza: acreditar naquele amor garantiria muita

alegria.

Recordando-se do primeiro Natal que passara com Henrique e com a família

que de forma majestosa tão bem a acolheu, Carol não conteve a emoção, sentiu

saudade e desejou a oportunidade em reviver o momento especial. Acariciou o

ventre sorrindo entre as lágrimas, sentiu o filho se manifestar pelo gesto.

— Meu querido, você estará cercado pelas melhores pessoas que poderia ter

em sua vida!

— Falando sozinha? — Maria chegou cheia de sacolas, animada pelas horas de

alívio que logo chegariam.

Page 139: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

139 Capítulo 26 – Surpresa Indesejável

— Relembrando o nosso primeiro Natal de verdade — respondeu ainda

sentindo os efeitos da nostalgia —. Desejo muito revivê-lo infinitas vezes.

Sentando-se ao lado da filha, a boa mulher enxugou seu rosto molhado pelas

lágrimas e declarou sua esperança.

— Com certeza seu desejo será atendido.

— Por que temos que estar tão distantes? — nunca aceitaria aquela condição.

— Certas perguntas só o tempo pode responder, quando seu esposo voltar

trará com ele a resposta, todas as coisas serão compreendidas.

— É no que procuro acreditar — sorriu desconsolada —, mesmo que pareça

impossível.

Uma voz masculina soou no portão.

Antes de atender, Maria espiou da sala, a visita inesperada era também

indesejável.

— Deixe que eu atenda, deve ser algum viajante — disfarçou o espanto —.

Tente adiantar alguma coisa, volto já.

Pela segunda vez estavam frente a frente, cercados por lembranças cheias de

sentimentos.

— Como chegou até aqui? — perguntou rudemente, sem abrir o portão.

— Vi que estava fazendo compras e a segui, querendo ou não eu tenho o

direito de ver a minha filha — era Francisco, um homem sisudo, sério, um homem

decidido em suas escolhas.

— Não venha com essa de direitos, quando a traumatizou não quis pensar em

direitos — falou repleta de rancores, mágoas —. Além do mais contei a ela que está

aqui e Carol deixou bem claro o desprezo que sente, não quer vê-lo nunca mais!

— Você não pode fazer isso, não pode me negar à reconciliação, não pode me

impedir de corrigir os meus erros — segurou as grades, parecia desesperado para

entrar.

— Todas essas coisas que agora lhe acontecem foi você mesmo quem as pegou

com as próprias mãos! — revelou o que julgava como absoluta verdade, o que aquele

homem também sabia —. Confiança é algo complexo demais para que, uma vez

quebrada, seja restaurada tão brevemente.

Page 140: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

140 Capítulo 26 – Surpresa Indesejável

— As pessoas mudam, arrependem-se de seus atos, eu me arrependi dos meus

erros! — afirmou como se suplicasse para que acreditasse em suas palavras —.

Durante todos esses anos repensei a minha vida, descobri o quão egoísta fui em ao

invés de buscar apoio na minha família dar às costas e motivar lágrimas — os olhos

ofuscados pelo tempo percorreu o rosto que exibia rugas causadas pela idade.

— Eu sinto muito Francisco, também queria conseguir acreditar em seu

arrependimento, dar uma chance para que demonstrasse a sua sinceridade, mas é

impossível — os olhos se avermelharam —. Fui obrigada a sair de onde nasci e encarar

o desconhecido, tive que ser forte por mim e pela minha filha para que ela vivesse

boas coisas, tivesse uma vida digna, a vida que juntos poderíamos garantir a ela, mas

que pela sua ignorância não aconteceu! — eram palavras fortes, palavras que abriam

os olhos.

Estranhando a demora Carol resolveu ver o que acontecia e acabou

decepcionada.

— Mãe? — uma ira surgiu em seu peito, ira que provocou os olhos encharcados

—. O que ele faz na minha casa?!

Page 141: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

141 Capítulo 27 – Desabafos

Capítulo 27 – Desabafos

Após tantos anos sem notícias, anos de distanciamento, anos de silêncio, pai e

filha se encontravam em um encontro que trazia ao presente os acontecimentos

passados e suas consequências. Francisco achava que seria fácil, que abrir o seu

coração com sinceridade resolveria todos os problemas, estava mais do que

arrependido, estava disposto em corrigir seus atos errôneos. Carol, por sua vez, não

acreditaria em quaisquer palavras proferidas por aquele homem, lembrava ao encará-

lo de uma criança assustada que todas as noites precisava se esconder para não

provar da fúria de um alguém desequilibrado, aquele homem, o seu pai, lhe

transportava aos anos atrás quando era ela tão indefesa criança.

— E, então? — a carioca se revoltava —. Por que é que ele está aqui? Já não

disse que não quero vê-lo? — achou que fosse plano da mãe, julgou

precipitadamente.

Sua filha se transformara em uma mulher exuberante, forte de personalidade,

motivo de orgulho ao seu coração paternal, o arrependimento de Francisco

aumentou um pouco mais, quantas coisas perdera de viver com aquela que tinha o

seu sangue?

— Minha filha... — o homem já cansado pelos anos sentiu a alma se emocionar —.

Como cresceu... — admirava-a, sempre imaginou que a garota tinha um futuro

brilhante —. Como você está? — ignorou a má recepção e fez sua pergunta

colocando um sorriso aberto na face, ainda acreditava que alcançaria seu objetivo.

Carol sorriu desacreditada, aproximou-se um pouco mais das grades e lançou

um olhar desconfiado sobre o pai, um pai ausente, um pai que não soube conquistá-

la.

— Vou perguntar mais uma vez, por que o trouxe aqui? — as mágoas no coração

daquela mulher tiravam as doçuras de suas palavras e as deixavam amargas.

— Juro que não tenho nada a ver com isso, apareceu por vontade e ousadia

próprias — Maria defendeu-se sem se exaltar, sempre soube que se aquele dia

chegasse as reações poderiam ser tempestuosas —. Volte para dentro, não pode se

zangar.

Page 142: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

142 Capítulo 27 – Desabafos

— Sua mãe está certa, vim porque desejei estar aqui, vê-la como está depois de

tanto tempo — ainda sorria, alegre —. Quer dizer que estou perto de ser vovô? —

contemplou entusiasmado a barriga crescida —. Parece que as encontrei no melhor

momento!

A carioca não conseguia acreditar que seu pai estava mesmo convicto de que

sua presença era benquista, achava que tudo não passava de provocação ou de

pura ingenuidade.

— O que o trouxe aqui? — mudou o questionamento.

— A minha família — respondeu brevemente como se acreditasse nas próprias

palavras, de fato tal desejo era o seu —. Preciso confessar...

— Que se arrependeu — sorriu irônica —. Por certo tem um discurso preparado

a declarar, talvez tenha ensaiado por dias e semanas, mas não perca o seu tempo,

não acreditarei em sequer uma vírgula — foi ríspida ao argumentar, não era sua culpa,

eram as consequências de um passado sofrido.

— Mas eu mudei! — protestou, trocou o sorriso por um rosto severo,

convincente —. Precisa me dar uma chance para que eu me explique, conte a minha

história...

— Foi tão arrogante ao ponto de nos tratar como fardos, ao ponto de nos

obrigar a nos lançarmos ao desconhecido a fim de um futuro iluminado, acha mesmo

que tenha alguma explicação que o justifique? — contra-atacou, faria as coisas para

aquele homem serem impossíveis —. Nada mudará o que aconteceu, nada tirará de

minha mente as lembranças da infância, quando eu dormia sentindo medo, quando

pegava no sono depois de molhar o travesseiro por causa do pavor que me consumia

só de ouvir o soar nojento de uma voz agressiva — não conteve a lágrima irada que

pingou de seu olho queimando o rosto sereno —. Acha mesmo que a sua história

seria capaz de mudar a que eu vivi?

A mente de Francisco se abriu naquele momento, agora tinha a real noção do

quão terrível fora, do tanto de traumas e decepções que fora capaz de causar a

quem menos merecia.

— Peço que me perdoe...

— Perdão? — dessa vez a risada foi indignada —. Procurou-nos a fim de pedir

perdão e aliviar o seu lado? — balançou a cabeça como se reprovasse tal gesto —.

Page 143: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

143 Capítulo 27 – Desabafos

Se estiver mesmo arrependido quero mais que conviva com essa dor, que seja

atormentado pelo próprio mal que causou a mim e a minha mãe, uma mulher sempre

dedicada e prestativa, que o amava incondicionalmente, mas que teve em troca dor,

desprezo, humilhação! — sentiu as pernas fraquejarem, precisava sair dali, precisava

se manter forte para o seu filho —. Vá embora e nunca mais me procure — deu às

costas a passos tranquilos.

— Carol... — o homem insistiu.

— Por favor, ela não pode passar por emoções agressivas, não venha nos trazer

problemas já que não fora capaz de nos dar o seu carinho — Maria declarou seu

argumento, sua preocupação.

— Mas eu preciso que me perdoem, preciso que a minha filha me aceite, preciso

me livrar do meu pecado, preciso alcançar remissão! — sim, ele precisava de todas

essas coisas, era uma necessidade importante.

— Se quer mesmo tudo isso respeite o tempo dela, espere a gravidez passar,

não queira ser o responsável por novos choros — deu passos em retrocesso —.

Entenda que nada será fácil, nossos corações ainda sangram por tudo aquilo que

aconteceu — deu às costas deixando um homem desconsolado encarando o vazio.

Ao voltar para dentro Maria encontrou sua filha em pranto, sentada no sofá

chorava de nervoso, raiva, pensava que nunca mais teria que reviver aqueles dias

nublados, cinzentos, dias difíceis de suportar e que tinham reflexos nos atuais.

— Por que não continuou onde estava? Por que apareceu para nos importunar?

— necessitava de respostas, esperava encontrá-las na mãe.

— Sei que é difícil para que compreenda, para mim também é difícil confiar em

alguém que me entristeceu tanto, mas as pessoas mudam, estamos em constante

mudanças que podem ou nos transformar em pessoas melhores ou piores — trouxe a

filha para um abraço de conforto —. Suas dores são as mesmas que sinto, mas odiar

alguém é veneno que consumimos, talvez tenha que tentar ouvir o seu pai, não precisa

aceitá-lo, abraçá-lo, ser a filha que possivelmente ele quer, mas para que purifique

sua própria alma e torne seus dias mais leves seja necessário perdoá-lo — eram

palavras sábias, mas só o tempo diria quais foram seus efeitos.

Page 144: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

144 Capítulo 27 – Desabafos

O homem antes bravo, dono de sua vida e daqueles que o rodeavam,

insatisfeito com a realidade e pronto para jogar a culpa nos outros, agora derramava

suas lágrimas de desconsolo, tentava entender como pôde ser tão precipitado em

suas ações, tentava encontrar caminhos retos que concertassem os tortuosos.

Mas nada sabia fazer.

Sua única certeza era a de que já não tinha tanto tempo para voltar atrás e

provar seu arrependimento, fora informado pelos médicos de que lhe restava

somente um ano de vida, sua doença era controlada por medicamentos para que sua

dor fosse suportável, mas eles não a parariam, ela continuava consumindo a vida

daquele homem.

Talvez fosse o que merecia, uma morte solitária e infeliz, uma morte que não lhe

daria o privilégio para pedir e conquistar o perdão, uma morte que o levaria de mãos

e peito vazios, não teria amor, afeto, carinho, partiria sem a honra de deixar saudade,

talvez sua partida fosse tida por alívio àquelas que muito sofreram por sua causa.

Mas não iria desistir tão facilmente, partiria lutando.

[Berlim, Alemanha – 1943]

Sendo a única que tinha permissão para ajeitar o escritório de Manfred já que

este acreditava em seu medo e sua ingenuidade, Isabel se interessou por uma gaveta

trancada na escrivaninha. Cansada dos segredos do marido e de suas mentiras

revirou o lugar atrás das chaves e as encontrou escondidas atrás de um quadro

inofensivo que exibia o ídolo do alemão, Adolf Hitler.

Destravou o cadeado.

Encontrou um papel.

O conteúdo parecia ser dirigido à sua filha.

Eva, não se assuste, está tudo bem, mas não pude agir de forma diferente. Seu

pai mandou que me matassem, procura a minha vida para a eliminar, no fundo já

esperava por esse comportamento hostil. Consegui me salvar, mas decidi que ficarei

longe por um período, quero que ele pense que seu plano funcionou, assim, talvez,

Page 145: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

145 Capítulo 27 – Desabafos

aniquile o castigo de sua mãe e quando menos esperar será surpreendido por minha

aparição. Não me esqueci do nosso acordo, sei o quanto ele é importante, mas nas

atuais circunstâncias precisamos de cautela, o menor erro pode prejudicar a todos

nós. Cuide da mulher que amo, garanta a ela dias de consolo, não conte nada, não

quero que viva à espera de minha volta.

Boa sorte.

Maik.

Saber sobre o cuidado do homem que amava para com ela fez Isabel sorrir

apaixonada, mas sua boa emoção logo teve um fim ao bater da porta e ao soar de

uma grave voz:

— Isabel, querida, o que está fazendo?!

Pensou em se intimidar, mas decidiu agir de forma contrária, encarou

ferozmente aquele que era acostumado a encarar, mesmo sabendo de toda a

verdade lançou sua descoberta.

— Então era mentira, ele não morreu — mostrou o bilhete sorrindo vitoriosa —.

O que aconteceu, Manfred? Por acaso ele escapou da ira que tudo alcança? — foi

provocativa, poderia pagar caro.

Page 146: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

146 Capítulo 28 – “Ele Vai Pagar!”

Capítulo 28 – “Ele Vai Pagar!”

Manfred nada respondeu.

Um silêncio ensurdecedor tomou conta do ambiente enquanto os olhares se

encaravam severos como se a batalha fosse entre suas almas.

Nem uma palavra.

O alemão suspirou profundamente, tirou o paletó do corpo e descansou a

maleta sobre a escrivaninha, sentou-se na poltrona de coro e relaxou as costas,

acendeu o charuto, soltou a primeira baforada. Cada passo e cada gesto foram

assistidos por Isabel que aguardava pelas respostas, queria ver aquele homem se

esforçando em manter suas mentiras.

— A gaveta não estava trancada? — o oficial da SS encarava o quadro na

parede, nele era a exibida a figura de um personagem audaz, astuto, Hitler parecia

enxergar aquele escritório através da exagerada fotografia.

— Sim — a mulher respondeu confusa, não via preocupação no marido, notava

um autocontrole ameaçador.

— Então por que abriu? — friamente, levou os olhos à esposa —. Sempre fui

bem claro para que entrasse aqui apenas para limpar e organizar, bisbilhotar a minha

vida nunca fez parte do acordo. Consegue se explicar?

— Preciso conhecer o homem que está ao meu lado — respondeu vorazmente,

sem receios —. Preciso descobrir seus segredos, suas intenções, cansei de ser

surpreendida tão cruelmente — aproximou-se do alemão —. E veja só, estive certa em

minha intuição — jogou o bilhete sobre a mesa —, parece que contou uma mentira

para insistir em nos fazer acreditar que é mesmo invencível e perigoso, mas acabou,

não posso mais ter medo de alguém que prepara o próprio fim, não vou mais temer a

você, agora que sei a verdade posso correr à procura da minha felicidade.

— Se eu fosse você não me desafiaria dessa forma tão ingênua, pode ser

perigoso, pode matar! — lançou seu sorriso perverso, seus olhos eram pura malícia —.

Já me conhece o suficiente para ter a certeza de que faço qualquer coisa pelo que

almejo, sou capaz da mais vil das ações desde que represente o meu bem — levantou-

se e se colocou em pé perante o quadro de Hitler —. Realmente, minhas mãos não

conseguem extinguir de uma vez por todas o meu inimigo, mas ainda estão aqui, ainda

Page 147: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

147 Capítulo 28 – “Ele Vai Pagar!”

podem trabalhar e, mesmo que não se apossem do seu namoradinho de infância,

podem tirar de você coisas que mais ama — virou-se para a alemã, encarou-a

causando pavor, arrepios de tormento —. Sua liberdade, seus bens — abriu um

sorriso sórdido —, seus filhos...

— Meus filhos? — Isabel se espantou com tamanha audácia —. Seria mesmo

capaz de ferir aqueles que também são os seus filhos? Que carregam o seu sangue?

— Como eu disse, querida, sou capaz de qualquer coisa que me traga os meus

objetivos — caminhou até a mulher, próximo o bastante levou os dedos rígidos ao seu

rosto, passou a acariciá-lo suavemente —. Não queira bancar a corajosa, a

destemida, não passa de uma mulher sem atrativos, sem força o suficiente para

enfrentar alguém tão poderoso e valente. Faça apenas o que eu disser, não me

aborreça e seus filhos viverão o futuro que ainda têm pela frente.

Ouvindo as execráveis palavras e sentindo o toque que repudiava, Isabel não

conteve o choro irado que percorria seu rosto, marcava caminho sobre a pele e caía

vorazmente sobre o chão. Seu espírito se enraivecia, sua alma queria ter o poder de

mudar todas as coisas, mas tudo que pôde fazer foi declarar seu sincero sentimento:

— Eu odeio você!

Um tapa na face.

No silêncio daquele lugar ecoou o estalo da agressão, atitude tomada sem

ressentimentos, sem forças poupadas, sem o mínimo de piedade.

O rosto da mulher se virou bruscamente, a vermelhidão ardente era também

quente, denunciava a força de um homem covarde.

— Pense bem antes de falar — apertando o queixo da esposa Manfred trouxe

seus olhos de encontro aos dele, fitou-a cheio de ódio —. Não queira passar por

uma dor que não pode suportar...

[1938]

Jantavam em família, como sempre fora desde o início.

Estavam apreensivos, como nunca estiveram.

Page 148: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

148 Capítulo 28 – “Ele Vai Pagar!”

A janta acontecia em meio a um silêncio angustiante, misterioso, que fazia as

perguntas sobre o futuro ficarem sem respostas. Como seria depois de tudo o que

acontecera? Como ficaria a situação deles em uma Alemanha que os odiava?

Naquele dia, cedo, ao levantarem ao trabalho e seguirem seu destino, pai e

filho encontraram a padaria revirada, destruída, ao redor os comércios de tantos

outros judeus também foram destruídos, desrespeitados, feitos por coisas

insignificantes. Cada um que perdera suas conquistas viu todo o esforço dedicado

sendo jogado fora.

Foram atrás de Manfred, um amigo especial que dava sinais de distanciamento,

ainda assim o viam como ajudador, mas receberam desprezo de uma forma

surpreendente, sem qualquer motivo ou explicação, foram humilhados por aquele que

se revelou um potente inimigo.

Voltaram para casa, desconsolados, o dia para aquela família foi triste e

nublado.

— O que faremos? — Abner interrompeu o silêncio da janta para fazer a sua

indagação.

— Por certo vamos esperar pelos próximos passos de uma briga que se

levantará contra nós — Dov, seu pai, respondeu prevendo o futuro.

— Não pode ser verdade — o jovem judeu, na inocência de seus vinte anos,

protestou fielmente, não podia ser verdade que de uma hora para outra seria tido

por criminoso na nação onde crescera —. Sempre tivemos bons amigos, boas

relações, não é possível que nos rebaixem ao pó.

— Ainda acha ser impossível? — Dalia, sua mãe, questionou indignada —.

Existe alguma razão que justifique a atitude de Manfred para com o seu pai? —

apontou o argumento —. Sempre respeitamos aquele homem, o acolhemos em nossa

casa como um grande amigo, não merecemos tamanho desprezo e afronta. Se isso

não foi um sinal não sei o que pode ser...

— Provavelmente algum mal entendido, mentiras de invejosos — o rapaz insistia

em procurar justificativas para sustentar a ideia de futuro perfeito —. Eva e eu

namoramos, recebemos a aprovação de todos, nossas famílias sempre estiveram

unidas, eles não são traidores!

Page 149: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

149 Capítulo 28 – “Ele Vai Pagar!”

— Mas são alemães e nós judeus — Dov contrariou o pensamento do filho —.

Nesses últimos tempos fomos avisados de diversas maneiras, coisas aconteceram

com parentes distantes e não demos importância, insistimos em confiar na amizade,

na consideração, mas agora é fato, a nossa hora chegou, o que contemplamos hoje

foi apenas mais um de tantos avisos e se continuarmos de braços cruzados

sofreremos fortes consequências.

— O que quer fazer?

— Partiremos pela madrugada, querido — Dalia lançou um olhar piedoso sobre

o filho, sabia o quão difícil seria importante decisão —. Já esperávamos pela

perseguição, por isso deixamos tudo preparado. Sei o quanto gosta de Eva, mas

terá que esquecê-la, deixá-la aqui, o envolvimento entre vocês pode ser doloroso e

fatal.

— Além disso conhece o meu posicionamento, sempre discordei desse namoro,

cedo ou tarde descobririam que estão descumprindo a lei, embora não tenha nada

contra a garota sempre quis que o meu filho se envolvesse com as jovens do nosso

povo. Teremos a oportunidade de uma vida nova, você poderá construir uma família

com a pessoa certa, será difícil, mas vamos precisar de forças se quisermos proteger

as nossas vidas.

— Não vou a lugar algum — Abner respondeu sisudo, a ideia de ter que dar as

costas para alguém que amava não lhe agradou em nenhum sentido e ele não

aceitaria a proposta tão facilmente —. O meu lugar é aqui, onde nasci, onde quero

que os meus filhos nasçam, onde me casarei com quem amo!

— Não pode estar acreditando no que diz — o judeu experiente faria o possível

para mostrar a realidade —. Não vai muito tempo e todos os seus amigos o odiarão,

as pessoas que o respeitam passarão a zombar do seu povo, a garota que diz te amar

passará a sentir nojo! Aqui não é o seu lugar, precisa fugir conosco, precisa largar

da ilusão que a Alemanha nos representa.

O jovem judeu preferiu o silêncio, mas em seu coração estava decidido do que

fazer, não deixaria Eva no passado porque seu lugar era no presente e no futuro.

Alguém bateu à porta.

Dov foi atender apreensivo, logo foi surpreendido pelas investidas dos

homens fardados.

Page 150: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

150 Capítulo 28 – “Ele Vai Pagar!”

— Escondam-se! — gritava em hebraico, apavorado —. Escondam-se!

— Vá para o porão — Dalia ordenou ao filho —. Independente do que ouvir não

saia de lá — encarava-o diretamente nos olhos, aquela era uma ordem e ele deveria

obedecer.

Tão logo Abner correu, a judia foi pega pelos nazistas. Mentiu, disse que não

tinha mais ninguém em casa e foi levada por aqueles homens para nunca mais voltar.

Assustado, trêmulo, o rapaz se escondeu entre as bagunças do porão. Ouviu

os soldados se aproximarem, libertou as lágrimas apavoradas, mas reuniu fé para

acreditar que não o encontrariam. Os alemães não se deram conta da porta secreta,

que se camuflava sob o tapete escuro e foram embora.

Tendo a certeza de que ninguém estava ali Abner saiu do porão, a passos

cautelosos caminhou pela casa bagunçada, com móveis caídos, quebrados, percebeu

que o perigo já não o ameaçava, percebeu também que seus pais não estavam ali.

Alguém o abraçou por trás, um abraço desesperado.

— Você está bem! — o choro aliviado de Eva molhou o ombro do jovem judeu.

— O que aconteceu? — virou-se perante a namorada querendo respostas.

— Levarem eles — respondeu triste, envergonhada por saber que tudo não

passou de um plano perverso de Manfred Hoff.

Em seu sonho Abner reviveu o pesadelo, acordou angustiado no meio da

noite, acordou com a promessa ainda mais firme:

— Ele vai pagar!

Page 151: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

151 Capítulo 29 – Noite de Natal

Capítulo 29 – Noite de Natal

[Itália – Final de 1943]

Era véspera de Natal, alguns momentos de trégua seriam dados pelo pavor,

alguns soldados partiram à procura de diversão, de distração para suas mentes

submersas em uma experiência angustiante, outros preferiram se manter em seus

lugares, aproveitando a paz momentânea, caso de Henrique e seus fiéis

companheiros.

Não tinha motivos para se aventurar, só o faria se ao seu lado se fizesse

presente a companhia da mais amada das mulheres. A brutalidade de uma guerra

que parecia longe de terminar garantia desânimo, tornava uma data reservada ao

amor triste e solitária.

Estavam em volta de uma fogueira, fazia muito frio.

— E cá estamos nós outra vez — Jorge encarava o fogo —, parece que fomos

predestinados a estarmos juntos.

— Talvez seja isso o que nos dá forças para enfrentarmos a obrigação — Luís

seguiu no pensamento —, de certa forma nos sentimos entre família, com as pessoas

que significam muito para nós.

— É uma realidade – Henrique sorriu abatido para as estrelas fulgurantes —.

Fomos nos aproximando tanto que vivemos muitas coisas juntos, passamos por

tantos problemas, vencemos desafios e fomos unidos outra vez para enfrentarmos

esse que pode ser nosso maior obstáculo — voltou a atenção aos olhares amistosos

—. E sempre é um prazer ter a companhia de vocês.

Comovido por um coração que se abria e perceptivo ao soar da alma através

dos olhos ofuscados Jorge lançou sua pergunta, uma tentativa de tornar a dor em

algo mais leve:

— Sente a falta dela, não é?

O soldado colocou as mãos sobre os joelhos, suspirou fundo a fim de

esconder o choro, mas não foi forte o suficiente, seus olhos avermelhados encheram-

se d’água.

Page 152: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

152 Capítulo 29 – Noite de Natal

— Desde que nos conhecemos é o nosso primeiro Natal separados — desviou

os olhos, escondeu a dor —. Sinto muito a sua falta...

Não era novidade.

Nunca seria novidade.

Henrique sempre demonstrou o quanto era apaixonado por Carol, o quanto a

amava. Sua maneira em tratar a esposa era cheio de carinho, as palavras à ela

dirigidas eram cercadas de cuidado, até mesmo nas raras discussões provava o seu

amor preferindo o silêncio, seguido por um pedido de desculpas e um beijo

adocicado, sereno. Cercava Carol de afeto, fazia o possível para viver bem ao seu

lado, fazia o que podia para que até mesmo através de seus gestos um “eu te amo”

fosse gritado ao mundo.

— Tenho certeza de que nesse momento ela está pensando em você — Luís

trouxe suas palavras de consolo —. O que existe entre as suas almas é uma

comunicação que vence distâncias, um sentimento que nada pode apagar, o amor

entre vocês é tão inspirador por ser em muito verdadeiro — sentou-se ao lado

daquele que lutava contra o choro, aquele que sofria de amor —. Precisa reagir,

precisa voltar a ser aquele Henrique extrovertido, que leva confiança àqueles que o

rodeam, precisa acreditar que a tempestade vai passar e logo logo, em seus braços,

terá não apenas o amor de sua mulher, mas o carinho de seu filho.

O jovem soldado deu razão ao belo discurso, precisava acreditar no poder do

amor.

— Além disso, temos uns aos outros — Jorge aproximou-se de seus parceiros,

emocionado —. Sei que não é a mesma coisa que o amor que deseja, mas nossa

amizade também é capaz de amenizar as feridas — o nó na garganta fez falhar a voz,

nada que não pudesse ser disfarçado —. Nunca falei, mas aproveitando esse

momento de sensibilidade, preciso confessar que conhecê-los, senhores, mudou a

minha vida — reuniu forças para declarar o que realmente sentia: — São

importantes... — do seu jeito dizia o quanto os amava.

Naquela noite, quando grande parte das famílias no mundo se reuniam para um

jantar especial, os três amigos estavam sentados um ao lado do outro, ansiosos por

voltarem para casa, gratos pela amizade que conquistaram.

Page 153: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

153 Capítulo 29 – Noite de Natal

— Feliz Natal — Luís foi o primeiro a desejar, mesmo com a incerteza se era

mesmo possível desejar felicidade em meio a uma guerra.

— Feliz Natal — Luís foi o primeiro a responder, sentia-se leve por ter exposto

seus sentimentos e acreditava em um futuro de paz.

— Feliz Natal... — Henrique teve de volta a sua esperança, a dor da distância

ainda o incomodaria, mas o remédio da fé aliviaria qualquer angústia e o faria

acreditar em uma felicidade futura.

[Rio de Janeiro, Brasil – Final de 1943]

A mesa farta era rodeada por pessoas que se amavam, que apreciavam a

companhia umas das outras, que possuíam sinceridade e valorizavam cada

sentimento.

Mas sentiam a falta de um alguém especial.

O lugar que ele costumava sentar, ao lado de Carol, estava vazio, anunciava

que a família estava incompleta e despertava uma saudade dolorosa, impaciente e

apreensiva. Henrique conquistou o privilégio de fazer falta.

— Como será que ele está? — procurava não dizer o nome do marido, quando o

fazia sentia o coração apertar e uma grande vontade de chorar, mas sempre se

referia a ele com enorme carinho.

— Pensando em nós, pensando em você e no presente que está para chegar —

a mãe do guerreiro respondeu sorridente, ainda que seu peito maternal ardesse em

saudade se esforçava por demonstrar confiança em dias bons —. E isso, com

certeza, garante a ele momentos de paz.

— Nosso primeiro Natal sem a pessoa mais importante de nossas vidas —

chorosa, encarou a mãe como se implorasse para que ela trouxesse de volta aquele

que conquistara seu amor —. Não deveríamos estar comemorando.

— Garanto que é isso o que ele quer — Joel, cheio de calma, manifestou suas

palavras de conforto —. Conhecendo bem o nosso vencedor sei que ele não gosta

Page 154: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

154 Capítulo 29 – Noite de Natal

quando sofrem por sua causa, quando se preocupam demais com a sua segurança,

ele quer que sejamos felizes, que sigamos nossas vidas, isso o deixa contente.

— Mas é tão difícil... — a carioca encarou a cadeira vazia, recordou-se das

tantas vezes que jantarem ali trocando palavras de afeto, deixando as mãos se

acariciarem e as almas conversarem, fazendo promessas de amor duradouro, mas a

nova realidade era dura, sofredora, detestável, não ter quem amava por perto era a

pior das dores isso porque o amor era verdadeiro, sincero, era protegido e mantido,

era valorizado como grande tesouro —. Não consigo parar de pensar em como pode

estar, no que pensa, não paro de me preocupar com a sua vida! — desabafou

querendo que tudo voltasse ao normal.

— Entendemos sua angústia, minha filha, também sentimos falta desse rapaz,

sinto falta daquele adolescente que me chamava de tia e passou a me considerar

como segunda mãe — sorriu ao falar de Henrique; é o que o sentimos ao falar de

alguém que em muito nos agrega: orgulho —. Mas também sei que o seu desejo é que

estejamos unidos ainda mais, cuidando uns dos outros, ajudando a cada um nesse

momento difícil porque é o que faria se estivesse conosco, não sossegaria enquanto

não nos alegrássemos junto ao seu astral!

Carol abriu um sorriso nostálgico, aquele era o seu esposo, um homem que

procurava colocar sorriso no rosto de todos que o rodeassem.

— Feliz Natal! — desejou a todos, em seu pensamento desejou àquele que ali

morava.

— Feliz Natal! — responderam animados, esperançosos quanto ao futuro.

Um pouco depois da meia noite a surpresa: a bolsa estourou! Alguém estava a

caminho.

Carol foi levada às pressas ao hospital sentindo as dores das contrações.

Agilmente foi atendida pelos médicos mobilizados a trazerem ao mundo uma nova

vida, o fruto do amor entre um homem e uma mulher, o fruto do amor de dois

vitoriosos.

O parto era normal.

A carioca colocava suas forças para fora, mordia o pano que protegia seus

lábios, apertava o lençol como se ele tivesse alguma culpa, suava pelo sofrimento.

Page 155: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

155 Capítulo 29 – Noite de Natal

A maternidade foi tomada por um doce som.

Ao ouvir o choro de seu filho Carol trocou as lágrimas de dor por lágrimas de

prazer, acolheu o recém-nascido em seus braços, beijou a cabeça que tinha discretos

fios de cabelo, não pôde deixar de se lembrar do amado esposo.

— Como vai se chamar? — a enfermeira envolveu a criança no cobertor fazendo

sua pergunta.

— Henrique dos Santos Júnior — a carioca respondeu ofegante e convicta,

homenagearia aquele que era o seu maior orgulho.

Pouco tempo depois de seguido o protocolo o bebê foi levado ao quarto onde

estava sua mãe. Cheia de afeto e proteção a nova mamãe abraçou aquele que já

amava incondicionalmente, acolheu-o em seus braços acariciando o rosto frágil,

envolvendo as mãos pequeninas e sorrindo contente. Aquele era o seu presente de

Natal, dado por quem possuía um lugar especial em sua vida.

Os avôs emotivos entraram no quarto cheios de mimos, faziam festa pelo

nascimento da criança, alegravam-se pela dádiva da vida, dom de Deus.

Em meio à guerra nascia a esperança, afinal era noite de Natal e sua essência

é o amor.

Page 156: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

156 Capítulo 30 – Aliados

Capítulo 30 – Aliados

[Itália – Final de 1943]

Ganhando folga dos serviços no hospital onde presenciava diversas situações

desde as mais tristes até as esperançosas, Ana decidiu comemorar seu Natal

passeando pelas ruas de Roma, as quais, pela primeira vez desde que ali chegara,

estavam calmas, exibiam o amor nos olhares, exibiam a paz momentânea da trégua de

uma guerra devastadora.

A passos vagarosos, mancos, a brasileira sorria ao ver crianças correndo de um

lado para o outro, se emocionava vendo casais que há tempos não se viam e matavam

a saudade em um abraço caloroso que também espantava o forte frio. Pensava

consigo no que era sentir aqueles sentimentos, o que era construir uma família e

protegê-la como maior tesouro, será que algum dia seria presenteada com os

melhores dos presentes?

Distraída, tropeçou em um homem que, solitário, entregava-se à noite natalina

lendo um romance no banco da praça. A carioca tratou em se desculpar, mal sabia

ela que era o destino mudando as coisas.

— Sou eu quem deve pedir desculpas — o alemão sorriu simpático ajudando a

mulher a se levantar —. Está bem?

— Foi só um susto — respondeu acanhada.

— De onde é? — perguntou percebendo que sua ouvinte não poderia ser da

Europa.

— Vim do Brasil em missão — sentia orgulho sempre que revelava os motivos

que a levaram para aquele lugar —. Nem preciso perguntar que o senhor é alemão —

atendendo a tantas pessoas no trabalho aprendera a identificar cada uma.

— Senhor não, por favor, meu nome é Maik — repousou o livro sobre o banco

de madeira estendendo a mão.

— Ana — aceitou o cumprimento, pela primeira vez conversava com alguém sem

precisar de profissionalismos —. O que faz aqui? Não deveria estar com a família? —

um homem que parecia tão bem sucedido só poderia estar em casa durante uma

época tão especial.

Page 157: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

157 Capítulo 30 – Aliados

— Na verdade é por causa da minha família que estou há meses nesse lugar —

recordou-se de Isabel, era o segundo Natal sem receber qualquer notícia daquela

que ainda vivia em seu coração.

— Se eu dissesse que também estou aqui pela minha família acreditaria?

— Qual o problema? — interessou-se pela história.

— Não sou perfeita — sorriu cabisbaixa —. Mas qual o seu motivo?

Percebendo que aquela mulher guardava lembranças tristes e opressoras,

Maik decidiu não insistir no assunto e desabafar o que sentia.

— Já ouviu falar em amor proibido?

— Muitas vezes.

— Pois é — levou os olhos para a lua que brilhava buscando espaço por entre

as densas nuvens —. Amo uma mulher especial, mas desde o início sofremos para que

pudéssemos consolidar nosso sentimento. Ela foi tirada de mim, dada a um homem

que em nada lhe agradava. Se pensavam que tal atitude abalaria o nosso amor se

enganaram, ele se fortaleceu ao ponto de ser mais forte do que nós, continuamos a

nos amar. Mas existe um pensamento verdadeiro e correto, provei dele da pior forma

— voltou sua atenção àquela que o ouvia emocionada —. Há três coisas que não se

escondem por muito tempo: o sol, a lua e a verdade. Nosso amor é verdadeiro, nada

o pode encobrir, e a consequência é a morte. Hoje estamos distantes, eu aqui e ela

lá, mas sei que ainda nos amamos.

— Lindo enxergar a pureza de um sentimento que envolve corações — Ana teve

o desejo de fazer alguma coisa, assim como gostaria de viver um amor queria que

todos o fizessem —. Por que não corre atrás do que quer? Precisei enfrentar os meus

medos para estar aqui, talvez devesse seguir o mesmo caminho.

— Para mim a Alemanha significa morte, se eu pisar lá antes do tempo posso

perder minha vida — seu desejo era grande em estar de volta nos braços daquela que

o agradava, mas era perigoso, sua felicidade poderia custar caro, o preço de uma

vida —. O homem que se casou com ela é um dos mais poderosos, fiel a Hitler,

impiedoso com aqueles que o desafiam.

— Então é mais um dos desprezíveis... — pensou em alta voz.

— Como disse? — o alemão queria ter certeza do que ouvira, mas percebeu a

apreensão no olhar de Ana —. Fique tranquila — deixou a voz mais baixa —, sou

Page 158: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

158 Capítulo 30 – Aliados

alemão, mas nem todos os alemães são como os desprezíveis, eu, por exemplo, luto

para que a paz e o respeito voltem ao nosso mundo.

Talvez fosse a sua chance de cumprir uma promessa, talvez aquele homem

pudesse ajudá-la e encontrar um garoto estampado na foto misteriosa que nunca

deixava a sua mente.

— Não imaginava que pudessem ser tão terríveis, ouço histórias aterrorizantes

sobre o que estão fazendo com aqueles que consideram impuros e me revolto a cada

palavra — finalmente encontrara alguém que entendia seu argumento —. Por aqui

muitos se compadecem, mas todos sentem medo de fazer algo para ajudar, mas

acredito que a minha missão seja mais do que cuidar dos feridos, seja batalhar para

que mais ninguém se machuque.

Maik sentiu naquelas palavras uma grande vontade em fazer a diferença, viu

naqueles olhos castanhos uma coragem violenta para enfrentar toda a perversão.

Descobriu naquela mulher uma aliada.

— Se quiser mesmo lutar contra o mal pode se unir a mim, podemos nos ajudar,

podemos juntar nossas forças — desde que chegara em Roma, fugido de seu

opressor, o alemão buscava encontrar alguém que tivesse sua mesma vontade e seu

mesmo desejo —. O que me diz?

— Preciso encontrar esse garoto — tirou da bolsa a foto de Noah —. Pode me

prometer que me ajudará nessa tarefa?

— Mas é claro — observou com atenção aquela criança, firmou seu

compromisso com seriedade —. Nossa coragem motivará a muitos fazerem o mesmo!

[Berlim, Alemanha – 1942]

A família toda estava reunida na sala da mansão junto a uma visita inesperada.

Em silêncio e mistério aguardavam pela chegada do mais importante para aquele

momento. Avisado pelos demais soldados que seu pai o aguardava em casa,

Sebastian deixou o Campo de Concentração imaginando o que poderia ser de tão

Page 159: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

159 Capítulo 30 – Aliados

importante, não esperava boas surpresas. Adentrou a sala sendo observado pelos

olhos de alguém desconhecido, viu apreensão na mãe e na irmã e ironia no pai.

— Como vão? — foi gentil.

— Melhores agora — Manfred se levantou da poltrona de coro, caminhou até o

filho e repousou a mão sobre o ombro do rapaz —. Dei-me conta do quanto acredita

no amor e resolvi trazer um presente — apontou para a garota que os visitava —, sua

esposa — era uma provocação.

Alguns anos antes...

Pouco antes de seu amigo sofrer com a invasão dos nazistas, Sebastian, com

os seus vinte anos, ouvira seu pai planejar uma nova etapa de “limpeza” na Alemanha

tendo como alvo negros e seus descendentes. O rapaz se desesperou, a garota que

tinha por namorada era uma jovem de descendência africana que passara a viver na

Alemanha junto aos pais desde que conseguira escapar dos conflitos na África; se

não fizesse nada perderia alguém importante.

Recorreu à ajuda de Abner e juntos chegaram a uma conclusão, precisavam

tirar Ruth do país e assim a salvariam. Sem que ninguém soubesse os jovens amigos

anunciaram a barbaridade, mas os pais da garota não aceitaram partir, deixar suas

coisas, resolveram ficar para enfrentar qualquer perversão, no entanto encorajaram a

filha a partir, se o pior acontecesse ao menos ela estaria a salvo.

Partiram em segredo. Viajaram por dias até chegarem à França onde

Sebastian tinha alguns familiares por parte da mãe.

A família do alemão se condoeu pela situação, não aceitavam Manfred como

esposo de Isabel e certos de que presenciariam coisas desagradáveis decidiram

partir ao novo país, uma sábia e correta escolha que tinha consequências naquele

presente.

Ruth, dona de uma pele mais escura, dentes perfeitamente alinhados e olhos

que mais pareciam um par de esmeraldas, não queria aquela vida, não queria estar

longe das pessoas que amava, não queria ser condenada por sua nação, não queria

se distanciar daquele que provara o quanto se importava com sua proteção.

— Como será daqui por diante? — preparando-se para a despedida lançou sua

pergunta.

Page 160: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

160 Capítulo 30 – Aliados

— Eles cuidarão de você, sabem que a amo e que se não representasse perigo

já teria me casado, a terão como alguém da família — abraçou a jovem mulher como se

nunca mais a fosse ter de volta —. Quando essa tempestade passar volto para

buscá-la, é a Alemanha o nosso lugar e será lá onde nossos filhos crescerão.

— Promete não se esquecer de mim? Promete que vai esperar o tempo que for

preciso? — derramou o choro sobre o pescoço daquele pelo qual se apaixonara —.

Promete voltar?

— Prometo — firmou um compromisso —. Prometo que seremos felizes!

Precisaram sentir o amargo gosto do último beijo e brutal aceno de último

adeus. O preconceito tornava o prazer do amor em um amor doloroso.

Sebastian não respondeu nenhuma palavra, apenas deu às costas.

— O casamento será em um mês — Manfred voltou a se sentar na poltrona,

tranquilo e sereno —. Acho melhor procurar conhecer os gostos da moça — acendeu

o charuto —, não é tão romântico?

— Qual é o seu problema? — aumentou a voz para protestar contra um homem

que odiava ser enfrentado, contrariado —. Já não basta a nojice na qual transformou

a sua vida? Chega de mandar e desmandar, não vou obedecer a sua ordem, não vou

me casar com alguém que nem ao menos conheço e ninguém me obrigará ao contrário!

— era a sua decisão, mas se esquecera de que não era a decisão do pai.

Page 161: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

161 Capítulo 31 – Só Funciona com Amor

Capítulo 31 – Só Funciona com Amor

Em uma época de preconceitos sem precedentes e sem limites a ideia de

Hitler era purificar a Alemanha, para tanto separava rapazes e moças de linhagem

completamente ariana para se casarem e gerarem descendentes tão “puros”

quantos. Muitos casamentos aconteceram, assim como muitos foram infelizes por, em

nome de uma doutrina ignorante, abrirem mão daquilo que verdadeiramente queriam.

É claro que Manfred seguiria a ordem e é claro que pouco se importaria com a

opinião do filho, sua decisão já estava tomada e nada seria capaz de mudá-la.

— Proteste o quanto quiser, defenda-se o quanto quiser, mas saiba que será

em vão — o capitão da SS afirmou severo —. Você é meu filho, preocupo-me com a

sua integridade, ao invés de reclamar por que não me agradece por ter encontrado

uma garota tão bela?

— Beleza não é sinônimo de amor... — o jovem soldado argumentou.

— Ainda fala de amor?

— Casar-se sem sentir o mínimo de sentimento por aquele ou aquela com quem

unir-se-á é o pior dos erros que cometemos — Isabel entrou na discussão, todos os

dias provava da árdua consequência, do amargo gosto, de um casamento arranjado

—. Ninguém pode nos obrigar a amar e um casamento só vai bem quanto existe um

amor mútuo.

— Os homens não pensam dessa forma burra e tola, filosofia de escritores

vagabundos — soltou uma baforada incendiando a sala com o odor do fumo —. Nós

homens procuramos uma mulher não por amá-la, mas para termos de onde tirar o

nosso prazer — sorriu maliciosamente —. Além disso, a sociedade nos cobra que

estejamos casados, que exibamos nossa soberania a partir da submissão de nossas

esposas — encarou o filho —. As mulheres podem achar que as amamos, podem

sonhar com histórias de amor, mas nós, meu caro, sentimos apenas interesses.

— Discordo em cada palavra — antes que o irmão pudesse retrucar, Eva se

manifestou levantando-se perante todos —. Somos seres humanos que

necessitamos de afeto para não vivermos em depressão, como pode dizer que os

homens não amam? Já parou para pensar que talvez viva de forma tão cruel por não

Page 162: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

162 Capítulo 31 – Só Funciona com Amor

se permitir a amar alguém de verdade? — encarava o pai intimando-o a pensar no que

dizia.

— Querida, está satisfeita com o nosso acordo? — Manfred ignorou a

indagação e levou sua atenção à pretendente do rapaz.

— O nosso salvador, Hitler, determinou que assim será melhor para nós,

alemães, por isso não tenho nada a declarar, apenas aceitar — respondeu convicta

de que seguir os caminhos do Führer a faria alguém melhor.

— Estão vendo? — aplaudiu a resposta tantas vezes repetida pela juventude

hitlerista —. Não é mais fácil aceitar as coisas? Pense bem, meu filho, ela é uma mulher

e tanto — destilou sua piada desrespeitosa.

— Faz ideia do que está aceitando? — Sebastian fixou seus olhos sobre a

moça, tudo o que conseguia sentir por ela era pena —. Vai mesmo se deixar enganar

por pensamentos egoístas? Jamais poderíamos ser felizes porque o meu amor é de

outra pessoa — confessou no calor do desespero, no medo de ser forçado a quebrar

uma promessa.

— Seu amor é de outra pessoa? — Manfred teve a curiosidade desperta —.

Nunca o vi de namoricos por aqui — estranhou —. Não vá me dizer que além de um

babaca romântico meu filho também é mais um dos sujos desprezíveis, dignos da pior

morte! — estressou-se com uma hipótese que temia revelar tão declaradamente.

O rapaz entendeu o que seria dito e mais uma vez se decepcionava com os

argumentos de alguém que um dia pôde chamar de pai, mas que o tempo transformou

em um monstro.

— Nenhum ser humano é digno de morte!

— Diga-me quem é ou não hesitarei em lhe entregar para o sofrimento!

Se não dissesse a verdade pagaria por uma coisa que não era, se revelasse

seu segredo talvez sofresse da mesma forma, decidiu se arriscar à dor, não sentia

culpa por amar.

— Sempre amei Ruth, sempre imaginei que seria fácil viver esse amor, até o dia

no qual o escutei dizer que aniquilaria todos os negros e seus descendentes, precisei

me separar de alguém que não queria, precisei deixá-la para trás — uma lágrima,

compartilhada pela sua mãe, escorreu de seu rosto que tentava manter a feição

severa perante um homem que detestava emoções —. Mas nunca me esqueci do que

Page 163: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

163 Capítulo 31 – Só Funciona com Amor

sinto, do que ela significa em minha vida. Não é a sua pele o que me importa, em

minhas mãos tenho o seu coração e isso é o que basta!

O alemão cheio de maldade se recordou do passado, das pessoas que o filho

considerava suas amigas, do quanto odiava tudo aquilo.

— Não sei por que me surpreendo com a sua nojice, sempre teve esse gesto

repulsivo de acolher a todos, sempre se misturou com gente desprezível — proferia as

ácidas palavras tragando seu charuto e encarando o quadro de Hitler exposto na

sala de sua casa —. Primeiro o verme daquele judeu insignificante, Abner Shen, um

interesseiro ridículo — sua fala atingiu Eva como facadas violentas, mas com a paz da

mãe a jovem alemã também alcançou a sua —, agora descubro que você trocou

carícias com uma qualquer, filha de encardidos, qual será a próxima repugnante

descoberta?

— Abner foi o melhor amigo que tive em toda a minha vida, foi ele quem me

ajudou a esconder a garota que nada tem de encardida, sujo é essa podridão na qual

se transforma dia a dia! — não conteve a raiva no tom de voz, defenderia até a morte

aqueles que amava.

— Bom saber que a sua namoradinha está por aí, quem sabe eu consiga

preparar um reencontro especial? — naquele momento Sebastian tomou conta do

que acabara de fazer —. Quanto a você, jovem adorável — Manfred estendeu a mão

à garota que escolhera como esposa de seu filho —, não se preocupe, o casamento

acontecerá queiram ou não queiram, afinal, o que importa é a minha vontade!

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1942]

Era uma noite fria.

A mais fria desde que chegaram ali.

O frio era de matar.

Nos tantos quartos a temperatura era congelante, os prisioneiros batiam os

dentes e não tinham controle sobre o tremor nos ossos, não demorou muito para que

Page 164: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

164 Capítulo 31 – Só Funciona com Amor

os choros desesperados começassem a surgir, pessoas queridas morriam sem forças.

Pelo desespero tinham aqueles que desejavam as fornalhas, sabiam o que acontecia

nelas, a angústia e o terror que as assombrava, mas, ironicamente, diziam que

morreriam aquecidos. Aquilo era desumano.

Abner tremia, mas era jovem, forte, no tempo que esteve livre sempre se

manteve saudável, aguentaria aquele desafio, mas tinha um que de se desfalecia.

Sem dormir, o jovem judeu viu algo estranho em Noah, seu corpo enfraquecido

tremia descompassadamente, seus lábios finos e suas mãos encolhidas se

arroxeavam. Ele era uma criança. Uma pura, doce, inocente e simples criança.

— Noah?! — chacoalhou o garoto até que ele reagisse —. Fale comigo!

— Não aguento mais... — apenas o sussurro saiu daqueles lábios, som já não

existia —. Acho que não ficaremos mais juntos — ainda assim sentia grande carinho

por aquele que o protegia, nem em seus últimos momentos se esqueceria de alguém

que chamava de irmão, mas que na realidade parecia um pai.

— Não diga uma bobagem como essa — não pensou no que poderia sofrer, no

frio que aumentaria, tirou a camisa listrada, envolveu-a no pequeno judeu e o trouxe

para mais perto de si, além de cobri-lo com o fino cobertor aquecê-lo-ia com o seu

corpo, aquilo era tudo que poderia fazer pelo pequeno irmão, um verdadeiro filho —.

Preciso de você comigo, das nossas conversas e ainda tenho que apresentá-lo a uma

garota linda, não quer conhecê-la? — segurava o choro angustiado, procurava ter fé.

— Ela é mesmo bonita? — ainda tremia, mantinha os olhos fechados, ficava

imóvel naquele abraço de salvação.

— A mais linda — tentaria manter Noah acordado, consciente, próximo de si

tinha a impressão de que a qualquer momento o perderia.

— Pode me descrever?

— Ela é mediana, nem muito alta e nem muito baixa, o suficiente para se abrigar

em meu pescoço — como sentia falta dos momentos que passavam juntos, como

sentia falta da agradável companhia —. Seu sorriso é perfeito, branco como a neve e

alinhado como as estrelas das constelações — não conteve o próprio sorriso ao se

lembrar daquela que lhe arrancava suspiros —. Sua pele é alva, sensível ao toque,

seus olhos são verdes como a mais linda paisagem da natureza feita por Deus — a

saudade crescia mais e mais —. Seus cabelos são longos, dourados, brilham como o

Page 165: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

165 Capítulo 31 – Só Funciona com Amor

sol — não via a hora de tê-la novamente em seus braços se é que esse dia chegaria —.

Ela é linda!

— É mesmo — o garoto tossiu enfraquecido, o tremor estava diminuindo, o frio

era amenizado pelo calor humano —. Você a ama?

— Tanto quanto amo você — abraçou ainda mais seu pequeno amigo,

percebendo que o pior passara deixou a lágrima emotiva escorrer ligeiramente e se

misturar aos fios escorridos —. Não pode me abandonar, está me ouvindo? Não

imagina o quanto será difícil continuar sem você.

— Não se preocupe, medroso, sou forte igual a você — ainda de olhos

fechados lançou o sorriso infantil e levou uma das mãos à orelha de Abner, gesto

repetido sempre que ia dormir —. Acho que errei, vamos sim ficar juntos.

— É claro que vamos...

Tão logo o dia amanheceu e o sol dissipou as nuvens os corpos desfalecidos

começaram a sair dos quartos, sofrimento rondava cada alma que se separava de

quem amava, de quem tirava esperanças. Assistindo àquilo o jovem judeu agradeceu

por não estar passando pela mesma dor, uma dor tratada como prazer pelos homens

fardados, uma dor que não era respeitada.

Page 166: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

166 Capítulo 32 – Engano

Capítulo 32 – Engano

[Itália – 1943]

A missão era simples e estratégica.

Era o último dia do ano, dia no qual ainda existia uma trégua de momento, o dia

perfeito para que a liberdade chegasse aos prisioneiros de guerra.

O capitão teve a ideia, sugeriu ao tenente que agradeceu aos céus pelos três

homens que decidiram permanecer no quartel, mas os três amigos sofreram de um

grande arrependimento, se soubessem o que os aguardava teriam partido com os

demais.

Mas agora restava apenas aceitar.

Era escuro, a noite era fria, as árvores soavam o som de suas danças, as folhas

caídas denunciavam as pisadas sobre elas. Henrique, com potencial para liderança,

caminhava adiante junto ao tenente, atrás deles vinham os designados à retaguarda.

Não demorou para que, no meio de todo o matagal avistassem uma casa bem

apresentada, iluminada por dentro, dominada pelos alemães que ali prendiam seus

cativos.

— Estamos no lugar certo — o tenente verificou no mapa e voltou seus olhos

ao alvo —. O capitão estava correto, souberam da trégua e deixaram o lugar. Acho

difícil que os presos ainda estejam aí, mas podemos confirmar.

— Quer dizer que há a possibilidade de não encontrarmos ninguém? —

Henrique indagou.

— Só saberemos invadindo — deu sequência aos passos sorrateiros —. A

verdade é que estamos aqui para cumprir ordens e não para especularmos — colocou

o rifle à dianteira, precisava estar preparado —. Se nos mandaram entrar, vamos

entrar.

— Não sabemos se conseguiremos nosso objetivo e ainda corremos risco de

morte — o soldado usou um tom debochado —, droga de guerra!

— Você só será morto por eles se não os matar antes — naquela situação falar

sobre homicídio parecia normal, na verdade era um meio de sobrevivência, uma

tentativa de voltar para casa —. Lembre-se de que não existe misericórdia no

Page 167: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

167 Capítulo 32 – Engano

dicionário de uma guerra como a que enfrentamos, existe apenas uma direta

mensagem: salve-se.

A caminhada continuou.

Os passos silenciosos levaram o grupo até o alvo.

— Luís, chute a porta para arrombá-la — encostado na parede o tenente

ordenou —. Jorge, dê cobertura a Henrique que entrará estourando miolos.

— Por que não faz isso? — o rapaz protestou.

— Meu jovem, cedo ou tarde você se verá em uma bifurcação, ou tirará uma vida

ou perderá a própria — falava em tom baixo —, não quero que deixe de viver o seu

futuro, tem um coração nobre, por isso devo ajudá-lo a vencer seus obstáculos — deu

sinal para Luís —. Lembrem-se, ou matam ou morrem — era uma verdade violenta.

A porta foi estourada.

Mas o plano não teve sequência.

As pernas de Henrique pareciam travadas, seus olhos pareciam enxergar um

mundo paralelo.

— Mas que porcaria! — o tenente esbravejou invadindo o lugar, mirando em

todos os cantos, se surpreendendo por não encontrar nenhuma alma viva —. Qual é

o seu problema? — voltou para fora dando tapas na cabeça do militar imobilizado —.

É um homem ou um banana?!

— Senhor, por favor, entenda que não é fácil — Jorge defendeu o amigo —.

Não crescemos para a guerra, não fomos criados para essa brutalidade, seja

compreensivo.

— Se eu continuar sendo compreensivo os entrego para a morte! — empurrou

Henrique para dentro —. Fique em posição! — ordenou irritado —. Vasculhe todos

os cômodos preparado para proteger a sua vida ou o seu filho nunca saberá quem é

o pai — fez pressão, julgava como necessário, queria mais que tudo libertar o

guerreiro de seus medos, naquela guerra a única coisa certa era proteger e

assegurar o próprio futuro —. Estaremos à espreita, mas se bobear será o primeiro a

morrer!

O soldado não teve escolha. Pelos seus cálculos ou o filho já tinha nascido ou

estava para nascer, ele não queria perder a oportunidade de abraçá-lo, viver tudo

Page 168: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

168 Capítulo 32 – Engano

aquilo que um dia vivera com o seu próprio pai, teria que passar por cima de seus

princípios se quisesse ser feliz.

Engoliu o choro de medo.

Começou a subir a escada que descia para a sala bem arrumada que em nada

denunciava a estadia de alguém, ao saírem, por certo, os alemães foram bem

cuidados.

Degrau após degrau.

Lançou um olhar para trás.

— Continue — da base da escada o tenente mostrou confiança —. Você

consegue cumprir com uma missão tão simples — procurava falar baixo, sentia a

presença de mais alguém naquela casa, aquilo o preocupou, mas ele precisava confiar

no jovem militar e dar a ele a chance de se encontrar em meio ao conflito.

A escuridão tragou o soldado.

Henrique iluminou o extenso corredor com a lanterna que carregava no

capacete, suas mãos trêmulas tentavam segurar o rifle, seu coração acelerado

parecia bombear pura adrenalina para todo o corpo.

Passo após passo.

Encontrou o primeiro cômodo.

Com cuidado abriu a porta de madeira, ouviu o ruído dos parafusos,

encontrou a cama vazia, não tinha ninguém ali.

Passou pelo segundo quarto, também não viu nada.

Próximo o bastante do banheiro ouviu os passos de alguém. Olhou para trás

ao mesmo tempo, mirou o armamento em todas as direções, talvez fosse apenas coisa

de sua mente perturbada.

Entrou no banheiro.

Sabia que não era sensato acender a luz e nem acionar qualquer outra coisa e

não o fez. Guiado pela lanterna foi até a banheira, seus olhos contemplaram o

horror.

— Que droga! — praguejou dando passos traseiros, sentiu que era vigiado por

alguém, virou o corpo bruscamente.

Alguém lhe apontava um revólver. Tremia feito vara verde. Tinha os olhos

arregalados.

Page 169: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

169 Capítulo 32 – Engano

Henrique por sua vez manteve o alemão na mira do rifle, mas não tinha reação.

— Soldado! — ouviu a voz do tenente se aproximar —. O que houve?

Os dois homens, naquele banheiro, continuavam a se encarar.

Ninguém dava o primeiro passo.

— Dá para responder?

— Não posso morrer — o alemão sussurrou, sentia o fim se aproximar e isso o

angustiava.

— E eu não quero que morra... — o brasileiro declarou, sentia o medo que

emanava do rival, daquele que lhe diziam ser um rival —. Dá a sua palavra de homem

que não está tramando nada? — também sussurrava.

— Faço o que for preciso — estendeu a arma.

— O que está acontecendo? — o tenente invadiu o banheiro já colocando o

rifle como defesa —. Está esperando o quê? Morrer?!

— Não vamos fazer nada com ele, é meu prisioneiro e eu decido como serão as

coisas — segurava o rapaz por trás —. Levem-no — entregou-o aos amigos —. Vamos

sair daqui antes que o morto ressuscite — apontou para a banheira.

— Ah! Meu Deus! Não tinha outra maneira de falar do defunto? — curioso, o

tenente se aproximou do cadáver —. Bem que o cheiro não está nada agradável.

Desceram as escadas.

Fizeram o prisioneiro se sentar em um sofá rasgado.

Começaram o interrogatório.

— Quem era o morto? — Henrique perguntou.

— Um judeu — a resposta foi breve.

— O que faziam aqui?

— Mantínhamos os prisioneiros em nosso domínio. Aquele homem tentou

reagir e terminou morto.

— Por que ficou sozinho aqui? — o tenente encarava o alemão com

desconfianças.

— Não quiseram me levar e eu não poderia me arriscar a sair por aí sozinho.

— E o mais importante, como pode nos entender?

— Nasci no Brasil, minha família partiu da Alemanha quando a Primeira

Guerra começou, mas Hitler obrigou a todos os alemães que voltassem e servissem

Page 170: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

170 Capítulo 32 – Engano

a ele, então aqui estou — respondia com seriedade, dizia a verdade motivado pelo

medo de perder a vida.

— Aonde os demais foram?

— Estão capturando judeus fugidos ou escondidos e levando-os aos campos

de concentração, ou morrerão ou trabalharão até a morte.

— O que é isso? — Luís se interessou.

— São lugares onde judeus e outras pessoas são escravizadas por não terem a

pureza ariana ou por simplesmente despertarem algum motivo injusto.

— Não quis falar nada, mas o terror da guerra vai além dos conflitos entre

países — o tenente confirmou a história —. Na minha opinião a Alemanha precisa

parar antes que o mundo desapareça.

— O que farão comigo?

— Vai voltar para casa.

— Está tudo bem? — o tenente se sentou ao lado do soldado pensativo que

assistia a fogueira queimar, não queria que o rapaz o odiasse por tentar fazer o seu

trabalho.

— Salvamos uma pessoa, acho que cumprimos a missão — respondeu contente

por viver um final tranquilo.

— Quer saber, não mate se não quiser, se puder salve a todos da brutalidade

dessa guerra que torna corações puros em repletos por ódio — bateu nas costas do

militar —. Mas também não morra, saiba se defender, encare os desafios pensando

naquilo que mais importa.

— Poderíamos ter cometido um engano se não parássemos para ouvir.

— Sei disso — sorriu desconsolado encarando as estrelas —. Muitos enganos

foram cometidos... — existia dor no desabafo, a dor da perda.

Page 171: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

171 Capítulo 33 – Antiga Promessa

Capítulo 33 – Antiga Promessa

[Berlim, Alemanha – 1943]

Sombras, em dias nublados, tendem a ser frias, solitárias e melancólicas.

Sombras, em dias nublados, parecem motivar sentimentos depressivos, sentimentos

de angústia, saudade pelo tempo de sol. Na vida é assim e aí recorremos às

lembranças que abrem o tempo e nos aquecem.

Alguns anos antes...

Eram vizinhos e sempre foram bons amigos.

Na verdade as famílias se entendiam muito bem, a amizade era um laço forte e

protetor que parecia indestrutível em uma época na qual a Alemanha, embora

fragilizada pelos resquícios do primeiro conflito, não significava potentes ameaças a

um povo específico.

Cresceram juntos. Passaram tardes e mais tardes de verão gargalhando por

entre os bosques, refrescando-se debaixo das árvores. Eram bons amigos,

predestinados à união.

Cresceram juntos. A adolescência, para ambos, chegou e com ela o anúncio

do pesadelo que sobreviria, foram obrigados a se afastar, foram intimidados para

que não desobedecessem tal ordem, mas o sentimento era maior que qualquer medo,

vencia todos os pavores, não sabiam definir o que sentiam, apenas sabiam que

precisavam estar juntos.

Juntos desobedeceram ao mandato. Juntos se arriscaram.

Os encontros agora eram escondidos de todos os olhares, longe da grande

multidão, aconteciam em meio à paz de um bosque já conhecido, pouco frequentado,

seguro para que conversassem, matassem a saudade e fossem felizes.

— Não consigo entender por que o meu pai mudou tanto, parece outro homem

que só se satisfaz ao ver suas ordens cumpridas — Eva, colhendo frutos de uma

árvore robusta, fazia o desabafo —. Nossas famílias sempre estiveram juntas, a

convivência nunca foi agressiva, não dá para entender...

Page 172: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

172 Capítulo 33 – Antiga Promessa

— Confesso que seu pai sempre foi um exemplo, admirava-o como admiro o

meu, mas ser tratado por ele como uma ameaça ou aberração me machuca — sentado

ao pé da árvore observava a alemã em sua atividade, mas sabia que seu olhar era

diferente, não tinha mais a magia da infantil amizade, era um olhar carinhoso que fazia

seu coração acelerar, seus sentimentos mudavam —. Ainda assim tento acreditar que

dias melhores virão e que essa fase passará.

— Ela vai passar — a garota voltou para perto do judeu, sentou-se ao lado,

entregou-lhe alguns dos frutos colhidos e, inocentemente, repousou a cabeça sobre

o ombro de Abner como sempre fizera, mas naquela hora o que sentiu foi contrário

ao costumeiro, sentiu-se acolhida, protegida, como se nunca mais pudesse sair

daquele conforto.

O rapaz, por sua vez, não conteve o impulso de envolvê-la com um dos braços,

não soube explicar o motivo, só sabia que precisava defendê-la e acolhê-la em um

mundo tão violento.

— Sinto falta de quando não precisávamos nos esconder para estarmos juntos

— após instantes de silêncio e degustação Eva declarou —, de quando éramos livres

para sermos o que somos.

— Talvez a culpa seja minha — o jovem judeu possuía um olhar vago, sua mente

buscava a compreensão sobre o que acontecia entre ele e aquela que sempre fora

sua amiga e se era certo a mudança de desejos —. Você não precisa continuar se

escondendo, não merece isso, existe muita gente do seu povo com quem pode

construir amizades, o que eu posso lhe ofertar além de perigo e medo?

— Lealdade — a jovem alemã afastou-se calmamente e encarou as íris

castanhas desconsoladas e preocupadas —. É o melhor amigo que alguém poderia

ter, além disso, é o único que me entende, que se arrisca por mim, que não me daria às

costas se mandassem — acolheu as mãos firmes, apenas sentiu vontade em fazer o

gesto meigo e delicado —. Você também faz parte do meu povo e nem pense em se

afastar, não posso suportar.

Abner adentrou as íris verdes e se perdeu no olhar apaixonado que o

encarava, teve noção de que Eva era importante demais para que deixasse ir

embora, teve noção de que o sentia por ela já não era mais amizade, precisava tê-la

Page 173: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

173 Capítulo 33 – Antiga Promessa

ao seu lado para sempre, precisava tê-la em seu futuro, chegara à conclusão de que

a amava.

— Eva... — não tinha palavras, a confusão das sensações parecia deixá-lo

atônito, sem reação perante alguém que finalmente seus olhos descobriram a beleza,

por quem seu coração descobriu outro sentimento —. Pode parecer loucura, mas não

dá mais para sermos amigos, não sinto apenas isso, sinto amor...

A alemã sorriu envergonhada, seu rosto alvo se ruborizou ligeiramente, seus

olhos lacrimejaram, seu coração disparou.

— E se eu disser que também descobri isso? Talvez nunca tenha existido

amizade e não soubemos definir o que nos unia.

— Mas é perigoso...

— E se for a única coisa que nos fará felizes?

— Está disposta em enfrentar o mundo inteiro?

— Por você, qualquer coisa...

As circunstâncias motivaram a coragem de Abner que uniu os lábios em um

gesto sereno, pacífico, enriquecedor para as almas que finalmente tiveram os olhos

descobertos.

Sorriram tímidos.

Sorriram apaixonados.

Eva tinha tudo. Morava em uma mansão, seu pedido, ainda que feito com

humildade, era atendido como uma ordem, seus desejos eram saciados tão logo

pensasse neles, sua vida era como a de uma princesa. Mas tiraram dela o que

realmente lhe importava, tiraram dela a companhia de alguém especial e sem aquele

tesouro era como se não tivesse nada. Sobreviveria com as lembranças, procurava

nelas o sol de que precisava.

Alguns anos antes...

Page 174: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

174 Capítulo 33 – Antiga Promessa

Eram crianças e ainda não sofriam com a ignorância de mentes cruéis e

perversas, o mundo parecia um ótimo lugar para se viver e a vida parecia mais bela do

que imaginavam. Eram crianças, seus olhos ainda não contemplavam a ruindade.

Era, também, um dia especial, dia de festa, dia de alegria, era o aniversário de

nove anos de Abner, uma reunião entre as duas famílias que sempre estavam juntas,

mas que infelizmente teriam as relações abaladas em um futuro próximo.

Cantaram o parabéns.

Primeiro pedaço de bolo.

O garoto não queria magoar ninguém, seu coração sempre puro buscava a

alegria em todos os semblantes, dividiu o pedaço ao meio.

— Um para a minha melhor amiga! — beijou o rosto de Eva, atitude corriqueira,

normal —. E outro para o meu grande irmão! — abraçou Sebastian, deixou todos

contentes.

A festa continuou.

— Gostou dos presentes? — o pequeno alemão era curioso.

— Gostei muito mais dos meus amigos terem se lembrado de mim — para ele os

sentimentos eram valiosos, o resto era só uma forma de demonstrar os afetos.

— A gente nunca se esqueceria de você — Eva, desde pequena, já declarava o

seu amor sem entendê-lo.

— E nem você se esquece da gente — Sebastian amava aquela amizade e tinha

certeza de que nunca encontraria outro amigo tão leal —. Prometo que nunca me

esquecerei de você!

— Nem eu — a garota também firmou o compromisso.

— Muito menos eu — Abner abraçou seus grandes amigos, sua família.

Desde que tal promessa fora feita todos os aniversários foram lembrados, até

mesmo quando vivia escondido do perigo, mas naquele ano, pela primeira vez, parecia

que ninguém tinha se recordado. Já era noite, seus olhos abertos encaravam o

escuro, não escutara nem um “feliz aniversário”.

— Abner? — a voz sonolenta soou em seu ouvido.

— Estou aqui — respondeu no mesmo tom.

— Não dormiu ainda?

Page 175: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

175 Capítulo 33 – Antiga Promessa

— Infelizmente...

— Quer falar alguma coisa? — parecia ler os pensamentos —. Aproveite que

ainda estou ligado.

O jovem rapaz sorriu divertido, aquela criança era mesmo excepcional.

— Sabia que hoje é o meu aniversário?

— E nem me contou? — o sono foi para longe, o pequeno Noah agarrou-se ao

pescoço daquele que o protegia —. Feliz aniversário, meu irmão! — não se cansava de

demonstrar o que sentia —. Quando sairmos daqui prometo que darei um belo

presente.

— Você já é o meu presente!

Três batidas soaram cautelosas no porta do quarto.

Foi o estopim para uma lembrança.

— Que cabeça a minha! — a criança reclamou —. Hoje o nosso amigo veio aqui

e pediu para que nos encontrássemos com ele, desculpe ter esquecido.

— Não tem problema... Tem certeza de que é para nós dois? — desconfiou.

— Eu juro!

— Acredito em você, mas não precisa jurar — aconselhou —. Vamos, não faça

barulho.

Cautelosos, abriram a porta, sentiram a friagem da noite e se depararam com o

alemão sorridente.

— Aconteceu algo? — o judeu sempre esperava pelo pior naquele lugar.

— Nada demais — Sebastian tirou as mãos das costas e exibiu um caprichado

bolo — Feito por Eva — anunciou —. Feliz aniversário!

É... Não se esqueceram do nobre rapaz.

Abner abraçou o amigo de infância, trouxe para mais perto o pequeno Noah,

teve alguns momentos de alegria e paz.

E a promessa não caía por terra.

Page 176: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

176 Capítulo 34 – Pedido Inesquecível

Capítulo 34 – Pedido Inesquecível

[Rio de Janeiro, Brasil – Final de 1943]

Carol e seu filho não precisaram esperar muito tempo para que pudessem

voltar para casa, o garoto era saudável e anunciava ser também esperto, a mãe em

nada se enfraquecia, aquele verdadeiro presente de Natal trouxe também força e

esperança.

Com o filho nos braços, adormecido em seu ombro, a carioca adentrou aquele

que em sua concepção era o melhor lugar do mundo, onde viviam doces lembranças e

cresciam adoráveis planos sobre o futuro. Ela sempre sonhou com aquele dia, mas a

realidade não era tão fiel quanto ao imaginado, seu esposo não estava ao seu lado,

não carregava sua bolsa e nem ajeitava o confortável berço, aquilo doía e angustiava,

aumentava a saudade.

Ao menos sua mãe se fazia presente, bem como os pais de Henrique que não a

desamparavam em um momento tão importante, um momento que sabiam que era de

alegria, mas que ao mesmo tempo trazia uma tristeza.

— Tenho certeza de que ele estaria pulando ao seu lado — Maria abraçou a

filha, conhecia a dor do amor, uma dor contraditória e, talvez, irracional.

— Também tenho — Carol possuía a noção de que se não fosse a guerra

todos os planos seriam reproduzidos fielmente, entendia a condição, mas faria

qualquer coisa para que Henrique vivesse consigo tão bela experiência.

— Muito em breve estarão todos em família e você verá cada lágrima ser

compensada — Laura, uma boa sogra, acariciou carinhosamente uma nora querida —.

Precisa se manter forte, precisa acreditar e ensinar o seu filho a acreditar também.

— A vida é cheia dessas, minha jovem, cheia de nos dar uma realidade contrária

a que planejamos, mas apenas temos o direito de vivê-la — Joel manifestou sua

sabedoria —. Faça valer a pena, continue sendo essa pessoa inspiradora, é disso

que a sua família precisa — era verdade, a carioca precisava se manter firme para

alimentar esperança em todos os corações, mesmo que as circunstâncias motivassem

certos desesperos.

Page 177: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

177 Capítulo 34 – Pedido Inesquecível

Alguns anos antes...

Já estavam juntos há um bom tempo, o suficiente para nascer a certeza em seus

corações juvenis de que precisavam ficar juntos até o fim de suas vidas, de que um

era o que outro precisava para viver e caminhar pela estrada da vida que, em certos

pontos, é cansativa e acentuada.

Enquanto não tinham coragem para falar diretamente sobre juntar as escovas

de dente, mandavam indiretas, comentavam sobre um futuro do qual ambos faziam

parte, planejavam coisas para que ambos executassem. Era uma questão de tempo

até o que inevitável surgisse de repente.

Como de costume, caminhavam de mãos dadas pela orla da praia, sentiam as

enfraquecidas e discretas ondas atingirem seus pés e recuarem ao mar, o vento que

lhes fazia companhia misturava os perfumes que exalavam e balançavam os fios claros

cuja dança enfeitiçavam o futuro guerreiro de uma guerra devastadora.

Contemplavam o sol aos poucos se retirar para que a noite surgisse trazendo o

brilho do luar e o adorno das estrelas, aquele momento, como tantos outros, atiçavam

os muitos sentimentos.

— É sempre bom estar com você — Henrique declarou sorridente, encarava o

mar pensando em como poderia dizer o que realmente almejava, sentia vontade em

derramar todas as palavras que surgiam em seu coração apaixonado sempre que

tinha por perto a melhor companhia do mundo.

— Também me sinto confortável ao seu lado — mantendo os passos serenos

Carol repousou a cabeça sobre o ombro acolhedor, naquele gesto se sentia segura

de quaisquer medos, sentia-se amada e conquistava a certeza do que queria: viver

para sempre com o nobre rapaz.

O jovem soldado, que já servia fielmente ao exército, rompeu a união entre os

dedos entrelaçados, um rompimento que não queria acontecer, que foi relutante por

alguns instantes, mas que precisou ceder. Henrique envolveu a namorada pela

cintura, trouxe-a para mais perto, para que ficasse ainda mais protegida e segura e

continuou os passos tranquilos marcando pegadas sobre a areia encharcada.

— E se eu dissesse que gostaria de viver o que eles vivem? — apontou para a

família logo a diante, um casal aparentemente feliz se divertia com os filhos agitados,

gargalhavam como crianças, exibiam todo o amor que os unia e fortalecia —. Talvez

Page 178: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

178 Capítulo 34 – Pedido Inesquecível

seja esse o meu maior propósito nessa vida, mas não poderia ser com qualquer

pessoa, seria com a mais especial, acha possível?

— Você tem o poder de transformar os lindos desejos em realidade, é claro que

conseguirá ter uma família tão bela quanto, o amor que há em seu peito é capaz de

encher a muitos corações, sortuda será a sua esposa, terá além de um grande amor

um ótimo amigo — é claro que queria ser a tal esposa, estava apaixonada o suficiente

para se unir àquele jovem soldado até que a morte os distanciasse, por que para

quem ama não existe separação, apenas uma distância momentânea; mas também

sabia que o destino poderia escrever outro rumo para aquela história, talvez não

ficassem juntos, existia a indesejável possibilidade.

— Se a minha esposa será tão sortuda fico pensando que serei o homem mais

feliz desse mundo porque ela me garante uma paz gostosa apenas ao soar da voz —

interrompeu os passos serenos e voltou sua atenção para os olhos azuis que

brilhavam intensos e se misturavam ao mar logo atrás, olhos que o encantavam e

enfeitiçavam. Levou os dedos calmos sobre a pele suave, tirou uma mecha de cabelo

que escondia o doce sorriso como se fizesse um carinho e sorriu apaixonado.

— Sua esposa também contemplará essa mesma paz que seus olhos transmitem

— fechou os olhos para que se concentrasse no toque tranquilo, aquilo a fazia

acreditar no amor, um amor puro sem violência, um amor contrário ao vivido pela mãe.

Para quê perder mais tempo? Qual o propósito em adiar tanto algo que muito

se deseja? Infelizmente esse é um defeito de nós, humanos, com medo de nos

arriscarmos deixamos para depois aquilo que nos faria felizes, mas quando finalmente

nos vestimos de coragem e conquistamos o nosso objetivo acabamos arrependidos

pelo tempo que deixamos passar.

Henrique não queria esperar mais, sabia que o verdadeiro risco é o de adiar as

coisas, pois a vida não avisa quando termina, simplesmente passa sem nem perguntar

se vivemos o suficiente, sem nem pedir permissão, simplesmente passa e acaba.

Henrique queria viver todo o possível com a garota pela qual se apaixonara, sua

intenção para o futuro era uma, nela tinha todo o tempo do mundo, mas não podia

confiar, as coisas mudam em um piscar de olhos. Henrique ajoelhou-se na areia da

praia, faria o seu pedido.

Page 179: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

179 Capítulo 34 – Pedido Inesquecível

— Mas, como falei, não é qualquer mulher que quero ao meu lado, não é para

qualquer mulher que quero dar todo o meu amor, mas é para a única capaz de me

fazer feliz, de arrancar sorrisos nos dias tristes, a única de quem ouvi um singelo,

porém sincero “eu te amo” — tirou do bolso um caixotinho já conhecido, o sonho de

muita gente, a ambição de tantas almas —. Aceita ser essa mulher? Aceita ser a

minha esposa?

Como se recusar a um pedido feito com tanto entusiasmo, carinho e com tão

emocionante declaração? Jamais recusaria à felicidade, jamais cometeria a loucura

em viver longe de alguém que muito amava, jamais se entregaria a uma insanidade

irracional. Sempre, em todas as horas, em qualquer vida, a sua resposta seria apenas

uma:

— É claro que eu aceito — chorou emotiva, surpresa, apaixonada, chorou por

conquistar o privilégio de amar e ser amada.

Fez a pergunta, mas já sabia a resposta, sempre soube, desde o início, para o

quê estavam predestinados.

Levantou-se como um cavalheiro, acolheu a mão trêmula e delicada, encarando

os olhos brilhantes colocou a aliança, símbolo da fidelidade, do amor verdadeiro.

Carol fez o mesmo, envolveu a mão firme e querida, envolveu um dos dedos com a

aliança da lealdade e da paixão, laços que os uniriam para sempre.

Beijaram-se ao som do mar.

Beijaram-se ao agito do vento.

Beijaram-se diante o pôr-do-sol.

Beijaram-se perante olhos emocionados.

Foram aplaudidos. O amor deles foi aplaudido.

Nasceram para se amarem.

Encarando o filho, a carioca reviveu aquela tarde inesquecível, sentiu a mesma

emoção e teve o desejo em viver muito mais acrescido em sua alma.

[Paris, França – 1942]

Page 180: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

180 Capítulo 34 – Pedido Inesquecível

Correu contra o tempo.

Tão logo cumpriu com a sua promessa de anos atrás correu contra o tempo.

Não avisou ninguém, ninguém o viu, foi sorrateiro e ligeiro, precisava ser assim.

Outra necessidade era pensar em como se livraria de um casamento arranjado,

jamais se entregaria a alguém que nem ao menos conhecia, mas antes de focar nesse

problema precisava se atentar a outro, tinha que ser rápido o bastante para se

certificar de que a namorada estava bem, para protegê-la de quaisquer ameaças.

Chegou a seu destino.

Nem bateu na porta.

Surpreendeu-se com a visão.

Suas pernas bambearam violentamente, seu coração parecia ansiar por se

libertar da prisão de seu peito, suas mãos agitaram e começaram a suar, não queria

que fosse verdade, culpou-se por não ter sido esperto o suficiente para salvar a sua

honra, o seu sentimento.

— Estávamos esperando por você — a voz grave soou provocativa e o olhar

frio era ameaçador —, meu filho — Manfred parecia sempre estar um passo a frente.

Page 181: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

181 Capítulo 35 – A Dor do Amor

Capítulo 35 – A Dor do Amor

Todos possuíam olhos atônitos, encaravam Sebastian com piedade e

apreensão, Ruth tinha um semblante apavorado, passava o medo que sentia em

morrer já que uma arma era direcionada a si.

— Pai... — o jovem alemão não conseguia firmar a voz que soava trêmula, de seus

olhos verdes escorriam lágrimas que suplicavam por misericórdia —. Eu imploro para

que a deixe em paz!

— Não sou caridoso, meu querido, não costumo atender pedidos de piedade,

deveria ter pensado nas consequências de suas ações, elas podem ser bem

dolorosas — estava sentado, ao seu lado a namorada do filho tremia amedrontada,

mas nada amolecia seu coração cruel.

— O problema é entre nós, por que colocar gente inocente nessa história?

— Gente inocente? — indignou-se sem causa —. Acha mesmo que essa

negrinha o ama e se importa com os seus sentimentos? Ela o usou, precisava de

ajuda para fugir das mãos do salvador e não pagar pela sua impureza e, pelo que

vejo, você caiu feito um babaca! — lançou o seu veneno feito de ódio e rancor.

Os olhares se cruzaram tão logo o argumento terminara. Através de tão

perfeita conexão as almas se comunicaram, agitaram-se apaixonadas, precisavam

sentir aquele amor que apenas a aproximação entre dois jovens que ardiam em

paixão era capaz de ofertar. A garota chorava desesperada e o alemão chorava

angustiado, o que poderiam fazer perante um homem perverso ao ponto das piores

brutalidades?

— O que mais me espanta é o fato de ter sido traído pela podridão que a

família de Isabel representa, como puderam ser tão baixos?! — proferia cada palavra

com desprezo —. Saibam que são dignos de morte!

— Não aqui, não na França! — o dono daquela casa, um primo, enfrentou o

desrespeitoso homem —. Suas regras de nada valem no nosso território, suas ordens

não passam de murmúrios desprezíveis, por isso desista de seus sórdidos objetivos e

dê um fora daqui, aliás, mude essa alma enegrecida antes que o inferno seja o único

lugar no qual será aceito! — espantou-se com as próprias palavras, mas sabia que

eram precisas.

Page 182: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

182 Capítulo 35 – A Dor do Amor

— Sendo assim deixe a minha namorada em paz! — até então apavorado pela

ideia de perder seu maior tesouro, Sebastian deu razão àquele argumento, encheu-

se de coragem, mas poderia ser outro erro.

— Está certo, deixarei essa inútil em paz, mas não pense que desisti de casá-lo

com aquela linda garota, digna de admiração e valor — levantou-se e caminhou até o

filho, encarou-o no mais profundo do olhar, anunciava o quão terrível conseguiria ser

—. Por que essa daí — de costas, fez disparos certeiros —, só serve para morrer! —

saiu dali calmamente, ninguém faria nada contra a sua maldade, o poder da morte

estava em suas mãos.

Ruth sentiu a dor dos tiros consumirem seu corpo, ao observar os ferimentos

viu a roupa ensopada de sangue, encarou o namorado como se o enxergasse

distante, como se ela partisse aos poucos.

Sebastian, quando o pai saiu de sua presença, teve a visão de uma garota

enfraquecida, desfalecida, que aos poucos partia para longe, partia para nunca mais

voltar. Não queria saber de nada mais, não enxergava e nem ouvia qualquer outra

coisa, apenas correu ao encontro de Ruth, acolheu sua cabeça que caía e a

descansou em seu colo.

— Meu amor... — chorava angustiado, revoltado, desamparado; chorava feito

um menino que sofre uma grande dor, a dor da perda, uma perda irrecuperável —.

Perdoe-me...

— Sebastian... — Ruth apenas sussurrava, a morte tragava seu corpo,

libertava-a de uma vida indigna, uma vida na qual precisava viver escondida, uma vida

que nunca desejaria a alguém —. Não foi culpa sua... — a forte tosse provocou o

sangue que escorreu de sua boca, caiu sobre o alemão —. Você me amou — abria um

sorriso e levou a mão gélida ao rosto abatido, molhado por lágrimas intermináveis —.

Cumpriu com a sua missão... — suas últimas palavras eram cercadas por declaração

verdadeira, sentimento veraz —. E veio se despedir...Amei ter o seu amor...

Queria dizer mais coisas, tinha muito a falar, mas a vida passou, levou-a

embora, não lhe deu mais tempo. A mão caiu bruscamente e os olhos se fecharam

para nunca mais resplandecerem o brilho que possuíam.

Sebastian chorou amargamente, abraçava o corpo em seus braços na intenção

de nunca perdê-lo, de nunca soltá-lo, pobre soldado, já tinha perdido aquela batalha

Page 183: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

183 Capítulo 35 – A Dor do Amor

desde o momento que a começara. Pela primeira vez questionou o amor: por que

sofremos tanto por ele?

[Berlim, Alemanha – 1942]

Alguns dias se passaram, Manfred se aventurou em suas perversões enquanto

Sebastian permaneceu na França até o momento do último adeus dirigido a quem

muito amou. Mas o inevitável reencontro aconteceria, cedo ou tarde.

O oficial da SS voltou para casa alegre, descarregado de suas inquietações,

parecia carregar uma alma leve e pacífica.

— Como pode ser tão egoísta? — Isabel o recebeu sem quaisquer agrados.

— Não comece — protestou —. Tive dias maravilhosos, não quero

perturbações.

— Não se sente culpado? Não sente nem um pouco de remorso em saber que

desrespeita sua família inteira? — encolerizava-se, indignava-se pelo olhar de

desprezo.

— A suja falando do mal lavado, irônico não acha? — provocou debochado —.

Você manchou a minha honra, expôs a minha vergonha, como pode querer me culpar

por seguir o seu exemplo?

— Não seja tão hipócrita ao fazer comparações injustas. Nunca recebi nenhum

afeto de você, nenhuma demonstração de respeito, ao contrário de Maik que sempre

me amou!

— Cale essa boca, imunda! — empurrou a esposa, derrubou-a no chão —.

Nunca mais mencione esse nome diante da minha presença ou caçarei esse verme

nem que seja no fim do mundo e o matarei perante seus olhos! — a ameaça não era

vazia, era uma certeza cruel.

Aplausos se manifestaram.

Um rapaz revoltado se fez presente naquela sala.

— Continua sendo esse homem desprezível — a voz de Sebastian soava mais

grave que o habitual, soava perigosa —. Até quando deixará esse monstro reinar

sobre si?

Page 184: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

184 Capítulo 35 – A Dor do Amor

— Toda essa ira por causa da negrinha? — não deixava a ignorância de lado —.

Viu o que conseguiu com tanto amor? Apenas sofrimento!

— Eu odeio você! — esbravejou violentamente avançando contra o pai e lhe

ofertando um golpe no maxilar —. Desejo que morra! — gritava a plenos pulmões,

pouco se importava se ouviriam ou não.

— Filho, pelo amor de Deus, precisa se acalmar! — Isabel abraçou aquele que

criara com enorme carinho, não permitiria que os ânimos esquentassem ainda mais.

— Esse desgraçado matou a minha namorada! — insistia em falar alto,

demonstrar toda a fúria —. Esse verme arruinou a minha vida! — passou a chorar com

amargura de alma.

— Manfred... — a alemã levou o olhar incrédulo ao esposo, não queria acreditar

que fosse verdade.

— Matei e mataria quantas vezes forem necessárias! — afirmou rispidamente,

jamais se arrependeria de sua ação —. Um dia esse ingrato me agradecerá —

colocava a mão no rosto, sentia a dor de uma agressão violenta.

— Tirou de mim o que mais importava, nunca serei grato! — se não fosse pela

mãe já teria matado aquele que não mais chamaria de pai —. E desista desse

casamento ou matarei aquela garota perante todos os olhos — afirmou, não era uma

ameaça —. Se não me ouvir se prepare para os holofotes: Sebastian Hoff mata a

própria noiva; jogarei seu nome na lama!

Manfred se enfureceu, mas sentiu naquela ameaça uma grande verdade, não

tinha outra escolha a não ser obedecer.

— Está bem, não haverá casamento, mas se prepare, saiba que tenho métodos

melhores para causar o seu tormento!

Ficaria sem ir ao campo de concentração por alguns dias, só não abandonava a

missão por ter planos para salvar o amigo de tão injusto pesadelo. Em seu quarto

encarava o vazio, pensava em Ruth e em como, tão de repente, todos os planos

tiveram que ser enterrados.

— Quer conversar? — uma voz tranquila se fez presente.

— Eva... — sentado na cama o jovem alemão abraçou a irmã e confiou a ela suas

lágrimas —. Ruth se foi...

Page 185: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

185 Capítulo 35 – A Dor do Amor

— Mas foi feliz, teve ao lado um dos melhores seres humanos que existe nesse

mundo — conhecia a garota, compartilhava com o sofrimento do irmão, mas não era

capaz de sentir a mesma dor que ele, sabia que para Sebastian era muito pior —.

Pode achar que a culpa é sua, que não a protegeu como deveria, mas quem somos

nós para desvendarmos as intenções daquele homem que parece ler nossas mentes?

Fez o que estava ao seu alcance, precisa se considerar um herói.

— Não consigo entender... Como somos tão punidos por amar? Por acaso

cometemos algum crime?

— Claro que não, pelo contrário, somos sábios ao confiar nesse sentimento

majestoso, sofremos porque não sabemos viver sem ele, é o alimento de nossas

almas, é o abrigo para os nossos corações. Ele desperta a inveja daqueles que não

o possuem e o ódio daqueles que não o podem sentir.

— Como será o futuro? Não acredito que possa amar outra pessoa sabendo

tudo o que Ruth significou.

— Talvez precise encontrar a alma de Ruth em outro coração, até lá viveremos

com o amor que já possuímos, batalharemos para que ninguém o arranque de nós.

O amor machuca, mas não mata.

O amor faz sofrer, mas na hora certa cura todas as feridas.

Page 186: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

186 Capítulo 36 – Fim da Dignidade

Capítulo 36 – Fim da Dignidade

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1942]

Era um dia cinzento e gelado, perfeito para descrever mais um episódio na

história dos milhares de judeus que ali estavam confinados sem qualquer motivo, sem

quaisquer dignidades.

Os prisioneiros foram convocados a se apresentarem em fila logo pela manhã

contrariando a ordem diária que era acordar para trabalhar. Ninguém sabia o que

estava acontecendo, temiam que fosse uma nova separação, temiam que suas vidas

terminassem ali. Abner se despediu de Noah dando-lhe um abraço afetuoso,

apertado, protetor, um verdadeiro abraço de despedida, parecia prever o futuro.

Homens fardados possuíam um semblante rígido, impiedoso, que deixava claro

que estavam naquele lugar a fim de cumprirem a ordem que fosse, até a mais cruel.

Porém, um dos soldados encarava a multidão procurando alguém em especial,

certificando-se de que estava bem e que se fosse preciso conseguiria agir no

momento exato. Sebastian, ainda abatido pelo que passara, provou um pouco de

alívio ao encontrar o melhor amigo, um judeu assustado que olhava ao redor em

busca de respostas.

— Tirem as camisas! — a ordem soou audaz e autoritária.

Não tinham alternativas que não fosse acatar o menor dos pedidos, a

desobediência poderia custar um castigo sofredor e, talvez, eterno. Todos os

prisioneiros, apreensivos pelo porvir, entreolhavam-se confusos, o que acontecia?

— Vocês serão registrados na pele. A mínima rejeição e se considerem mortos!

— autorizou o começo da humilhação.

Um fazendeiro com bom número de animais em seu domínio precisa registrá-los

a fim de ter um controle sobre a sua população, tal registro é realizado por números

tatuados sobre o coro do gado, são animais, o único reconhecimento possível é a

partir da numeração, mas tal estratégia motivou os nazistas a fazerem o mesmo com

seus cativos.

Perante os homens fardados judeus aptos ao trabalho, todos foram tatuados

por meio de uma placa de metal com agulhas interligadas, a placa ficava presa na

Page 187: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

187 Capítulo 36 – Fim da Dignidade

carne, ao lado esquerdo de seu peito (ou no braço) e, em seguida, o corante era

espalhado sobre a ferida expondo, assim, números. Seres humanos feitos de

animais.

A dor não era apenas na ferida e nem na ardência, a dor era na alma, naquilo

que lhes restava para serem tidos como homens e não como bichos, conheciam

aquela técnica, quantos ali que não tinham as suas criações e agora eram feitos de

propriedade de alguém, toda a dignidade era arrancada sem qualquer pudor.

Alguns choraram, perceberam que já não eram aquilo que antes foram,

perceberam que não eram mais respeitados por suas histórias e nem por seus ideais,

perceberam que eram rebaixados ao nada. Outros, ainda que seus corações

sangrassem envergonhados, mantinham um rosto neutro, não se deixavam abater,

ainda acreditavam que cada gesto de crueldade seria cobrado, passasse o tempo

que tivesse que passar.

Mas as angústias ainda não terminaram.

— Senhor — um dos soldados se apresentou ao seu superior —, encontrei esse

garoto escondido em um dos quartos — jogou perante aquele homem o pequeno

Noah, que tinha semblante apavorado, olhos escurecidos, parecia ter certeza do

que o aguardava.

Abner, desfalecido pelo que tivera que passar, agora se desesperava ao ver

seu grande amigo, o irmão lhe entregue pelas circunstâncias, frente a frente com o

perigo, o que poderia fazer? Teria que assistir ao fim de alguém que muito amava?

Sebastian, até então ao lado do superior, apenas observando a humilhação

que a cada judeu era ofertada, sentiu as pernas fraquejarem quando os olhos do

menino, que pedia por socorro, encararam os seus. Como agiria? Como conseguiria

ser fiel àqueles que confiavam em sua amizade?

— Chame o capitão, ele saberá o que fazer.

— O que temos aqui? — Manfred se apresentou tranquilo, como sempre fazia

para esconder um espírito perturbado —. Qual a parte do “entreguem suas crianças”

esses vagabundos não entenderam? — soltou uma baforada, mantinha o charuto

entre os dedos e encarava a multidão —. Estão vendo aquelas chaminés? — apontou

para um lugar próximo, era possível enxergar a fumaça preta que cobria o céu

Page 188: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

188 Capítulo 36 – Fim da Dignidade

naquele dia cinzento e gelado —. Não queria assustá-los dessa forma, mas não me

deram outra opção — sorria perversamente, levou sua atenção ao garoto aflito que

derramava lágrimas silenciosas —, é naquele fumaça por onde saem as suas crianças

— declarou sem demonstrar remorso ou piedade, para ele o que fazia era normal,

correto.

Assombro tomou cada coração, já sabiam que pelas chaminés saía o pavor da

morte, mas não imaginavam que nem as crianças eram poupadas do sórdido

sofrimento.

— Estejam cientes do que acontecerá a essa desprezível criança!

— Não! — uma voz desesperada soou, Abner se apresentou diante o alemão,

aquele que um dia considerou ser da família, mas que na atualidade tinha por monstro

—. Eu imploro que não faça nada, imploro para que tenha piedade, farei o que for

preciso! — prometeu com lágrimas nos olhos.

Manfred, finalmente, estava cara a cara com o namorado da filha, alguém por

quem sentia desprezo, que queria ver sentir a mais cruel das dores.

— Eu lamento... — abaixou a cabeça.

— Eu peço misericórdia — o judeu se ajoelhou perante um homem digno de

morte, humilhou-se a fim de salvar um inocente —. Imploro que me ouça só dessa vez,

imploro para que tenha misericórdia.

— Por favor... — Sebastian encarou o pai, seus olhos lacrimejavam por sentir o

pavor daquela angústia.

— Eu já deveria imaginar... — Manfred lançou seu desprezo sobre o filho —.

Além de babaca, romântico, é um traidor — soltou outra baforada —. Está bem,

traga o menino. Abner — não escondeu que conhecia o judeu —, atenderei ao seu

rogo.

O rapaz não demorou em obedecer, acolheu o garoto e o levou à presença do

oficial.

— Tire a camisa.

O jovem judeu olhou espantado, não queria que Noah passasse por aquela

dor, não queria que Noah tivesse a marca da humilhação pelo resto da vida.

— Sebastian, marque-o.

Houve relutância.

Page 189: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

189 Capítulo 36 – Fim da Dignidade

— Se quer vê-lo vivo é melhor que me obedeça.

Os amigos se encararam, pelo olhar conversaram, se tivesse que acontecer que

fosse por alguém que não possuía o mesmo desejo humilhante, de menosprezar, de

fazer por nada.

O jovem alemão pegou o objeto, encostou-o sobre o corpo do garoto e

fechou os olhos.

— Quero que veja o que está fazendo, não me importo em mandá-lo para os

ares.

Sebastian obedeceu, encarou a criança implorando o seu perdão, pressionou

o artefato contra o peito de Noah, viu o sangue escorrer e o pequeno ser lutar

contra a dor, derramou o corante e não conteve o choro de remorso. Não era culpa

sua, mas nunca se esqueceria do que tivera que fazer.

— Quero que o preparem para o trabalho, sejam rápidos e encurtem os anos,

sou bem impaciente — Manfred deu às costas, mas se julgou piedoso demais,

precisava intensificar sua crueldade —. Abner, prometeu fazer qualquer coisa para

salvá-lo, não acho que valha mesmo a pena, mas promessa é dívida — seu rosto

denunciava a maldade —. Venha comigo, não quero que a dívida aumente e nem você

quer pagá-la com juros.

O jovem judeu recebeu uma ordem fria e devassa, por amor em Noah agora

tinha a vida de outros inocentes em suas mãos, teria que jogar dois velhos homens na

fornalha, era um método de tortura rápido, cuja dor duraria intensamente.

Frente a frente o forno, frente a frente os idosos que suplicavam piedade, o

rapaz retrocedeu.

— Não posso fazer isso.

— O que acha que Manfred dirá sobre sua desobediência? — o soldado que o

acompanhava argumentou rispidamente —. Ter compaixão pelos outros é um veneno

para suicidas.

— Diga o que quiser, mas não vou fazer o mal contra o meu povo, não vou

contribuir com essa podridão na qual todos vocês se afogam! Se forem ver bem não

somos nós os desprezíveis!

Page 190: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

190 Capítulo 36 – Fim da Dignidade

— Está bem — algemou o judeu —, explique a sua decisão para alguém que não

pensa antes de tomar o mais árduo caminho.

— Quer dizer que nos chamou de desprezíveis? — Manfred relaxava em sua

poltrona, perante sua presença Abner o encarava seriamente —. Não fomos nós

que invadimos a Alemanha e trouxemos a imundícia, foram vocês...

— Muitos de nós nascemos aqui, somos tão alemães quanto qualquer outro,

por que essa malícia?

— São impuros! O sangue ariano não corre em suas veias, ao contrário de nós

que apresentamos a solução para o mundo — soltou mais uma de suas constantes

baforadas —. Mas não faz mal, tentei ser parceiro com o insolente que vi crescer, já

que não colaborou a dívida será paga de outra forma, graças a você ensinarei o meu

filho a ser um legítimo homem alemão — encarou Sebastian —. Bata nele até que a

morte se aproxime! —, ordenou ao melhor amigo de seu rival, sempre jogava baixo.

— Eu não vou fazer isso! — recusou-se tão logo ouvira o mandado.

— Ótimo, então descarrego a minha fúria por descobrir que uma qualquer

queria entrar na minha família e a vergonha pela qual passei ao cancelar um

casamento perfeito — levantou-se —, mas bato para matar!

— Não pode fazer isso!

— Simples, apenas me obedeça.

O jovem alemão levou os olhos ao judeu assustado, o que fazer?

— Por que faz isso? Por que é tão ruim?

— Se não for fazer o serviço no seu amiguinho não reclame quando estiver

enterrando-o!

— Faça o que tiver que fazer — Abner estava sério, certo em sua escolha —.

Obedeça, Sebastian, não seja covarde porque eu aguento.

— Vai deixar? — Manfred zombou —. Bata até que implore por uma trégua!

Não existiam opções.

Contra a sua vontade, pela primeira vez em anos, Sebastian ergueu a mão

contra o velho amigo, agredia-o chorando, agredia-o implorando por perdão. O

oficial da SS sorria, alegrava-se vendo sua perversão ser cumprida.

Page 191: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

191 Capítulo 37 – Corações

Capítulo 37 – Corações

A vida é mesmo assim, complexa demais ao nosso entendimento.

Ela se dá a todos, bons ou maus, todos a usam, todos são privilegiados por

ela, não importa o teor de cada coração. A diferença é que os bons a usam com

sabedoria, usam-na a fim de amarem aqueles que se dão ao amor, já os maus fazem o

possível para contaminar os puros corações enquanto vivem, não pensam em outra

coisa a não ser em maldade e como aplicá-la. Infelizmente vivemos todos juntos, bons

e maus.

O coração de Sebastian em nada se assemelhava ao duro e perverso de

Manfred, sua alma era caridosa, bondosa, alegrava-se por fazer outras pessoas

felizes e se quebrantava pela crueldade que imperava na poderosa Alemanha. Ser

obrigado a agredir e humilhar o melhor e, talvez, único amigo, entristeceu-o ainda

mais, já triste pela perda de alguém especial agora se abatia por ter cumprido com a

maldade de alguém egoísta.

Passou todo o dia em Auschwitz, remoeu a cena perturbadora a qual vivera, a

qual tivera que provocar. Culpou-se embora soubesse que não teve escolha, culpou-

se por causar dor a quem era inocente.

Esperou a noite cair.

Voltou ao campo de concentração.

Pouco se importaria com o que falassem, pouco se importaria se vissem suas

ações, pouco se intimidaria pelas ordens claras e ameaçadoras, faria o que deveria

fazer, aquilo que seu correto coração exigia que fosse feito, cuidaria da dor de quem

amava.

— Abner... — entrou no quarto frio, escuro, cheio de judeus afadigados,

exaustos. Encontrou o velho amigo encolhido na cama, suspirando cansado,

recebendo o carinho de uma criança importante —. Abner me perdoa, eu jamais faria

aquilo, imploro que me perdoe... — a culpa era excruciante.

— A culpa não é sua, é do seu pai — o jovem judeu abriu os olhos

vagarosamente, encarou o alemão que o observava cheio de remorso, cheio de

misericórdia, encontrou o amigo de infância suplicando por perdão —. Se não fosse

Page 192: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

192 Capítulo 37 – Corações

você seria ele e eu teria morrido — aquela verdade, embora de forma violenta,

garantia um pouco de alívio ao coração atribulado.

— Só fiz aquilo por não querer que morresse, mas eu juro que jamais seria

capaz de levantar a mão contra você a não ser que, assustadoramente, fosse a única

forma de mantê-lo vivo — abraçou o prisioneiro, não o via como os demais olhos

repletos de ignorância, enxergava-o como o verdadeiro irmão que sempre fora, não

conteve as lágrimas, a dor era forte.

— Não quero que continue se martirizando, quero que se sinta um herói, salvou

a minha vida — Abner viu todo o esforço valer a pena ao contemplar Noah colhendo

as lágrimas de Sebastian, naquela criança existia um íntegro amor.

— Eu o amo como alguém da minha família, nunca se esqueça disso! —

reafirmou o que sempre deixou claro, o que nunca deixou de declarar —. Além de

todo esse caos sofro também por ter perdido meu grande amor, meu pai descobriu

sobre Ruth e tirou sua vida diante os meus olhos...

O judeu sentiu grande pesar, era uma amiga querida, mais uma vítima do

preconceito que teve seus anseios e sonhos aniquilados por alguém cheio de

crueldade, alguém que um possuía um coração apodrecido.

— Posso imaginar quão terrível é a sua dor, sei que jamais se esquecerá dela e

de tudo aquilo que significou, mas não deixe de acreditar no amor, mantenha-se na

certeza desse sentimento nobre e justo, ele curará a ferida.

Sebastian foi confortado por aquelas palavras que apenas resumiam a

verdade sobre a vida: as feridas são causadas, mas precisamos acreditar que elas

serão cicatrizadas.

— Dei ordem para que não o incomodem amanhã, poderá descansar, aproveite

para recuperar suas forças, precisa estar apto ao trabalho — aconselhou. — Quanto

ao Noah pode confiar em mim, eu lhe ensinarei seu serviço, fiz questão de cuidar

desse assunto para que ele não sofra aquilo que não pode aguentar — preparou-se

para partir, mas ainda tinha algo a dizer —. Prometo que os tirarei daqui, prometo que

nunca mais precisarão contemplar a face daquele monstro — era seu pai, mas perdera

a consideração, o respeito e o sentimento, desejava não possuir o seu sangue.

Page 193: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

193 Capítulo 37 – Corações

[Berlim, Alemanha – 1942]

Os bons corações são capazes de sentir o mais nobre e enriquecedor tesouro,

são capazes de cultivá-lo e colher os seus frutos, são capazes de enxergarem a vida

por outro ângulo: todos precisam de amor. Quando se ama de verdade, mesmo

estando longe, o sentimento não acaba, a virtude não diminui, a riqueza nunca

termina, porque quando se ama de verdade é apenas isso o que importa: amor.

Isabel não deixara de sentir amor por Maik, encarava o luar recordando-se de

como era bom estar ao seu lado, do quanto se sentia feliz por ser acolhida pelo seu

afeto. Sentia falta da paz que apenas ele lhe garantia, sentia falta da sua mansidão,

da sua bondade.

Meses se passaram desde que se casara com alguém por quem nunca se

apaixonaria, meses de angústia e solidão, meses que aumentaram em seu peito o

desejo por apenas uma pessoa, por apenas um homem. Não aguentava mais ser

deixada sozinha naquela mansão, não aguentava mais ouvir os falatórios que

denunciavam a traição de seu marido, não aguentava mais se sentir enganada, não

aguentava mais ter que se afastar do homem de sua vida.

Cansada de se manter em submissão, aproveitou uma das tantas viagens de

Manfred para pegar algumas coisas e partir rumo ao destino que lhe traria a

felicidade de que muito precisava, desvestiu-se dos medos e dos pavores e foi atrás

de Maik, alguém que palpitava seu coração pelo simples fato de existir.

Depois de tanto tempo os olhos voltaram a se contemplar.

Depois de tanto tempo as almas voltaram a se agitar.

Depois de tanto tempo o mesmo amor adolescente se manifestou intenso.

Não puderam conter os impulsos, não puderam manipular seus desejos, não

puderam controlar seus corpos desesperados pelo toque de um no outro.

Não puderam se desviar da paixão.

Page 194: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

194 Capítulo 37 – Corações

A saudade fora saciada, a vontade de estarem juntos atendida, agora lhes

restava a agradável companhia de um para com o outro, restava-lhes apenas

recuperar o tempo perdido em declarações sinceras.

— Pensei que nunca mais fôssemos nos ver — Maik tinha em seus braços a

mulher que nunca deixaria de ser sua, estivesse com quem fosse.

— É impossível — pela primeira vez em tempos Isabel se sentia amada, sentia-se

querida e importante. Levou seus olhos de encontro ao único homem capaz de saciá-

la em sua sede por amor —. Não existiu ao menos um dia que eu não pensasse em

você, a vontade por estar aqui vinha se tornando insuportável, não posso considerar

o ato de amar como um crime, não posso me privar dessa alegria...

— Também senti a sua falta e precisei me conter para não passar por cima do

que nos é ordenado, seria capaz de arriscar a minha vida por amá-la — apertou a

mulher em seu abraço, a única mulher que conseguia lhe arrancar sorrisos

apaixonados —. Está sofrendo com aquele homem?

— Ele não é nenhum agressivo, pelo menos nunca ergueu a mão contra mim,

mas parece não me amar, parece que nosso casamento é um negócio de aparências,

ele realmente me vê como um objeto que adquiriu. Além disso viaja constantemente e

pelo que dizem me desonra, não guarda no coração o compromisso de homem casado

— lamentou o que a incomodava —. Na verdade não posso culpá-lo por não me amar,

também não o amo, meu coração sempre esteve em outras mãos.

O alemão, mais uma vez, acolheu os lábios de Isabel entre os seus, beijou-a

com carinho e afeto, gestos que somente ele era capaz de ofertar à doce mulher.

— Aconteça o que acontecer estaremos sempre unidos por esse amor forte e

sincero — parecia profetizar, organizar tudo ao futuro —, jamais deixe de acreditar

nesse amor, um dia o viveremos sem que tenhamos que nos esconder!

Aquelas palavras ainda estavam grafadas no coração da alemã que as ouvia

todos os dias, que as semeava todos os dias, que buscava crer nelas com todas as

forças.

— Pensando em mim? — a porta do quarto se abriu e a voz desagradável soou.

— Pensando no que realmente importa — respondeu sem tirar os olhos das

estrelas que observava da sacada.

Page 195: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

195 Capítulo 37 – Corações

— Eu sei o que realmente importa — Manfred se aproximou da esposa

envolvendo-a pela cintura —, obediência, submissão — tentou depositar beijos

repudiáveis no pescoço de Isabel que se afastou daquele homem.

— Amor é o que importa, algo que parece não ter.

— E no que mais estaria pensando? — riu debochado —. Por certo está

revivendo nas lembranças os momentos sórdidos que passou ao lado daquele imbecil,

é uma pena que a sua sujeira ficará apenas nessas condições, nas lembranças —

trocou o paletó —. Já eu posso viver e reviver tudo o que quero e com quem quero,

posso me divertir enquanto você chora por alguém que jamais verá, que a abandonou,

que a deixou para trás — preparou-se para partir —. Acostume-se, nunca mais o terá

para me desafiar, nunca mais...

Isabel não retrucou, tinha que acreditar que algum dia viveria tal amor.

Page 196: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

196 Capítulo 38 – Crianças

Capítulo 38 – Crianças

[Roma, Itália – 1944]

O hospital era cheio de dores e angústias, clamores desesperados tomavam

conta dos corredores, lágrimas eram derramadas sobre os lençóis, pedidos por

ajuda.

Ana, com a dificuldade da deficiência, esforçava-se por suportar a dor nas

pernas e atender as crianças que conseguia, seu atendimento era cercado de amor,

carinho e esperança, acreditava que a turbulência passaria e os dias de paz

voltariam, queria que todos cressem também.

Uma garotinha frágil e machucada foi colocada na ala infantil, vítima de um

ataque covarde na cidade onde morava perdia a vida, já não tinha mais esperança,

mas ainda assim a enfermeira brasileira se aproximou da pequena italiana com todo o

cuidado e prestação.

— O que sente? — passou a mão sobre a testa que suava, constatou a febre.

— Cansaço... — a resposta foi dada através de uma voz trêmula e exausta —.

Meu corpo dói, meu coração também...

Uma criança, vítima da brutalidade de seres humanos inconsequentes, não

sentia apenas a dor física, seu emocional ardia por reconhecer que seus semelhantes

representavam ameaças.

— Está bem, fique tranquila, vamos dar um jeito — pegou um pano e o

encharcou de álcool, pressionou-o contra a testa da menina enquanto pedia para

que preparassem o remédio de febre —. Como se chama?

— Vitória...

— Nome bonito, nome que anuncia o que todos conquistaremos tão logo o

pesadelo termine — sorriu simpática, queria diminuir o sofrimento embora seu

coração também doesse —. Onde estão os seus pais?

— Eu não sei... — os olhos queriam se fechar, o enfado dominava aquele corpo

—. Depois do ataque não os vi mais, soldados me trouxeram e também não sabem o

que aconteceu com eles — procurou confiança nas iria escuras que a encaravam —,

será que morreram?

Page 197: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

197 Capítulo 38 – Crianças

— Não pense nisso agora, pense em se recuperar — pegou o remédio e o deu à

pequena garota.

— Acho que não posso aguentar se eles morrerem...

— Não se preocupe dessa maneira, nem sabemos ao certo o que aconteceu,

talvez eles estejam esperando por você.

— Por que tudo isso? Por que temos que ter guerra? Não é melhor viver em

paz?

— Ganância, minha querida, o desejo de querer sempre mais causa todo esse

caos — acariciava a menina, tentava confortá-la diante os medos, as dúvidas e as

angústias —. Infelizmente os adultos parecem não pensar como as crianças, parecem

não enxergar que a paz é muito mais proveitosa do que um conflito no qual um quer

provar ser mais forte que o outro sem importar as consequências, na verdade o

homem sempre quis dominar, destacar-se e sempre buscou isso à força.

— Mas se estivéssemos em paz cada um teria o seu espaço respeitado e todos

viveriam contentes — expôs sua sabedoria.

— Concordo com você e torço para que um dia pensemos assim.

Mas já era tarde demais.

Vitória estava muito debilitada, há dias era acometida pela febre alta e os

ferimentos se infeccionaram.

Convulsionou.

Ana, desde o momento que medira a temperatura da menina, sabia qual seria o

desfecho, não havia o que pudesse ser feito a não ser emprestar os seus ouvidos

para que uma criança indefesa desabafasse seus sentimentos.

A vida se foi daquele corpo.

A enfermeira fechou os olhos da garota, depositou um beijo no rosto

inanimado, sabia que a menina encontraria paz de um mundo que fervia e não

poupava nem a mais simples das almas.

Tudo aquilo era revoltante ao extremo.

Já deveria ter se acostumado com os resultados de um evento tão devastador,

ao menos é o que corações insensíveis aconselhariam, mas o espírito de Ana era

bom, possuía a capacidade de se colocar na outra posição e sentir a frustração

Page 198: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

198 Capítulo 38 – Crianças

pelos sonhos interrompidos, pelos desejos negados, pelos planos destruídos:

quantas pessoas perdiam suas vidas de repente e eram privadas do futuro que

imaginavam? A cada dia tinha a certeza do quão cruel pode ser o egoísmo humano.

Precisava respirar um ar puro, estabilizar sua mente.

Sentou-se em um dos bancos espalhados no lado de fora do hospital.

Alguém lhe fez companhia.

— Exaustivo, não? — era Maik.

— Demais — deixou o choro discreto se manifestar —. Não dá para entender

como as crianças são punidas sem nada entenderem!

— Esse é o resultado do poder nas mãos dos extremistas — argumentou —.

Estou planejando minha volta à Alemanha, preciso salvar pessoas que amo, decidiu

se virá comigo?

— Preciso conversar com meus superiores, direi que irei em missão a fim de

ajudar aqueles que precisam, acredito que concederão o meu pedido — tirou do

bolso a costumeira fotografia —. Se tiver sorte é a minha chance de encontrar esse

garoto e lhe garantir o direito em ouvir as últimas palavras de seu pai.

— Adianto que não será fácil, o sofrimento é grande, seus olhos poderão

contemplar a pior demonstração de crueldade, sua alma pode sentir muito pavor, os

horrores dessa guerra podem ser maiores dos que os vistos nesse hospital — alarmou

sobre a árdua tarefa.

— Tudo isso me tornará alguém melhor, terei conselhos a dar à minha geração

para que nunca repitam esse erro — não tirava os olhos da foto —, as crianças não

merecem pagar de forma tão vil.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – Final de 1942]

O ano chegava ao fim.

O ano do começo do pesadelo para muitos jovens judeus confinados naquele

lugar de tormento.

Manfred fora subestimado.

Page 199: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

199 Capítulo 38 – Crianças

Sebastian preparara tarefas simples ao pequeno Noah, mas seu pai tinha

planos mais severos e foram esses que se concretizaram.

O garoto tinha em mãos um alicate poderoso e um balde fundo.

Ao seu redor, cadáveres estavam espalhados.

— Tire todos os dentes — o capitão da SS fez questão de demonstrar a

tarefa —, faça isso durante todo o dia e quando acabar o expediente entregue aos

meus homens. Nem pense em roubar — seu comentário era descabível —, ou pagará

com os seus — soltou sua risada desagradável.

— E mais uma vez foi longe demais — Sebastian, com certa distância do

menino, enfrentou o pai —. Faz ideia do que pode estar passando pela mente dessa

criança?

— Isso não é problema meu e, além disso, esse povo que aqui está serve apenas

para nos servir e, quando não aguentarem mais, serem mortos — continuou seus

passos firmes —. Quer os seus amiguinhos vivos, não quer? Aconselho que não me

questione.

O pequeno judeu, suscetível a doenças perigosas e fatais, abaixou-se diante o

primeiro falecido, abriu sua boca como ensinado, usou sua força para tirar dente

após dente e jogá-los no balde. Não se sentia bem fazendo aquilo, pensava que a

qualquer momento poderia encontrar a mãe, o pai ou o avô e ter que fazer o mesmo,

como conseguiria ser tão frio? Como não respeitaria nem mesmo aqueles que já não

conseguiam se defender? Mas queria viver, queria ter a chance de sair daquele

sofrimento, precisava obedecer.

O jovem alemão, em postura de soldado, vigiava o pequeno amigo, sabia o

quão desumano era tal gesto, sabia o quão era covarde colocar uma criança em meio

aos mortos, pessoas que agonizaram antes de entregarem suas vidas, que eram

tratadas como nada perante a soberania do ser humano. Se pudesse o tiraria

daquele cenário lastimável, levar-no-ia para longe dali, garantiria a ele uma vida

confortável, mas não podia, se quisesse mantê-lo vivo e seguro poderia apenas

observá-lo, estar atento a qualquer traição daquele que prometera não ceifar a vida

de Noah.

Abner, cumprindo com suas próprias obrigações, de longe encarava o mais

novo irmão, seu coração se revoltava ainda mais contra Manfred, não aceitava o fato

Page 200: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

200 Capítulo 38 – Crianças

de saber o quanto um ser inocente sofria em nome da ignorância. Seu anseio era por

estar no lugar daquela criança, se não representasse perigo faria o seu e o trabalho

dela, poupá-la-ia de uma dor ainda maior. Mas precisava ser forte, tinha em seu peito

que seria por pouco tempo, logo cumpriria a sua promessa e tiraria o garoto daquele

lamaçal de arrogância.

O dia terminou.

Cansado, sentindo-se tonto pela fraqueza, Noah entregou o balde cheio a

Sebastian, encarou-o como se pedisse por alívio, era o que realmente precisava.

— Parabéns, pequeno grande homem, parabéns pela sua bravura na luta pela

sobrevivência — disse baixo, cheio de orgulho.

— Já posso ir para o quarto? — enxugou os olhos lacrimejantes, sua pele ardia

por conta da exposição ao frio rigoroso.

— Sim. Aguarde pela minha visita.

O pequeno judeu se jogou na cama, sentia as pernas doerem pelo tempo no

qual ficara agachado, agora desejava ainda mais por um escape.

— Como está, amigão? — Abner também encerrou seu dia de trabalho.

— Senti medo, medo de encontrar aqueles que eu amava — desabafou

mantendo os olhos fechados.

— Agora está tudo bem — beijou os cabelos lisos, o coração se despedaçou.

Sem tardar Sebastian cumpriu sua promessa, entrou no quarto levando

comida escondida.

— Temos um campeão entre nós — disse.

— A cada dia ele nos surpreende — o jovem judeu também se orgulhou.

— Mas não desistam de fugir — comendo apressado o garoto suplicou —, não

aguento mais!

Ninguém aguentava.

Page 201: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

201 Capítulo 39 – Mensagem Confortante

Capítulo 39 – Mensagem Confortante

[Itália – 1944]

— A missão desse ano será árdua, poderemos perder amigos, companheiros

leais, mas seremos gratificados através da honraria que nossas nobres atitudes

receberão, precisamos expulsar de uma vez por todas do território italiano o inimigo

alemão — no batalhão o capitão discursava, mostrava que o novo ano seria de lutas

bravas e traiçoeiras —. Nosso objetivo é vencer, e vamos vencer, mesmo que

morramos! — a exaustão causada pela insistência nazista era grande, o desejo pela

vitória ainda maior, os Aliados estavam sedentos pela importante conquista, fariam o

que precisassem —. Estejam preparados, a batalha não tarda em começar.

E mais uma vez as incertezas se manifestaram.

Mas os guerreiros estavam fortalecidos. Lutariam por suas vidas, cumpririam

com suas obrigações na esperança de não serem apagados pelo tempo, mas

eternizados pela bravura que possuíam.

— Senti um tom ameaçador — Jorge, entre seus amigos, desabafou —. Acho

que as coisas se intensificarão e a morte estará mais próxima.

— Isso nos acompanha todos os dias, a qualquer momento podemos ser pegos

de surpresa aqui mesmo, é muita sorte não serem tão audaciosos ao ponto de

invadirem nossa fortaleza, mas ainda assim é possível — Luís mostrou que a guerra

acontecia de todos os lados.

— Já passamos por tantas coisas até estarmos aqui, estamos mais do que

preparados para enfrentarmos os novos desafios — Henrique vinha se enchendo de

fé e coragem, precisava ser forte e audaz se quisesse voltar para casa, precisava

lutar por aquilo que almejava —. Mas insisto em dizer que farei todo o possível a fim

de não derramar sangue algum, seja para ferir ou matar.

— Espero que também se lembre do outro lado, eles não pensam como a gente

e na primeira oportunidade nos destroem — Luís alertou.

— E não podemos contar com a história do bem vence o mal, estamos todos no

mesmo barco, todos lutamos por nossas nações, cumprimos ordens — Jorge se

mostrou incrédulo quanto ao que sempre ouvira durante a infância.

Page 202: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

202 Capítulo 39 – Mensagem Confortante

— Mas se procurarmos fazer o bem mais do que eles corremos o risco de

sermos beneficiados — Henrique protestou —. O importante é não nos

corrompermos, só podemos machucar para nos defender.

— Não espere ser atacado para tentar revidar, além de tarde pode ser

ingenuidade demais, se tiver a oportunidade de atirar nas costas do inimigo não

perca o seu tempo querendo conversar, lembre-se de que é o inimigo — o tenente

entrou no diálogo e expôs seu pensamento, consolidado ao longo das experiências

vividas e assistidas —. A propósito, Santos, isto é para você — estendeu o envelope

—, carta de sua esposa.

O soldado se levantou depressa, estava com saudade das palavras de Carol,

perdera o número de vezes que lera e relera a antiga carta a fim de diminuir a tristeza.

Entrou em um lugar reservado. Tirou do envelope o papel perfumado, aquele cheiro

conhecido e característico o reconfortava perante a muita aflição que sentia.

Começou a ler sedento.

Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1943.

Querido Henrique, meu esposo.

Antes de qualquer coisa preciso confessar o quanto te amo, o quanto me orgulho por você e o

quanto o admiro desde quando nos conhecemos, desde quanto trocamos nossos primeiros segredos,

nossas primeiras confidências, desde quando nos beijamos pela primeira vez e desde quando, sem

vergonhas ou receios, confessamos ao mundo o que muitos já sabiam, que nos amávamos não como

simples amigos, mas como dois amantes predestinados a viverem para sempre juntos, que possuem

almas gêmeas, almas que se completam, almas que se confortam, almas que sabem conversar. É tudo

isso que me vem à cabeça quando penso em você, bem como a falta que sinto de sua companhia em

todas as noites e a saudade de ouvir sua voz e receber seu abraço.

Lembra-se do meu pai e de toda a história que lhe contei sobre o passado? Pensei que nunca

mais seria incomodada, que nunca mais o veria e nem reviveria os sentimentos de medo e rancor, mas

nossos planos nem sempre são atendidos e a vida nos surpreende de diversas formas, pois bem, ele

apareceu por aqui em busca de perdão e reconciliação. Confesso que senti a falta de ter um pai, não

deixei de me abater quando no nosso casamento quem entrou comigo foi o meu avô, embora o ame

bastante, mas também confesso que minha alma se fechou para ele, não pude aceitá-lo, não pude

ouvir suas palavras, se realmente quer perdão não lhe dei a chance para que se explicasse, acredito que

não seja culpa minha, tenho medo de sofrer outra vez, procuro não confiar nas pessoas com tanta

coragem. Não deixe de me responder o que fazer, como agir, preciso de suas palavras, preciso que seja

sincero e abra o seu espírito, diga-me o que faria se estivesse no meu lugar.

Nem sei como dizer isso, gostaria que não precisasse descobrir através de um papel, queria que

soubesse pelos seus próprios olhos, mas o nosso filho nasceu, o fruto da nossa união, da nossa

felicidade, já está entre nós espalhando amor, esperança e tantos outros bons sentimentos. Ele é lindo,

Page 203: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

203 Capítulo 39 – Mensagem Confortante

tão lindo quanto você, o homem pelo qual sou apaixonada, batizei-o com o seu nome, não existia

outro com o qual pudesse nomeá-lo, esse demonstra todo o meu amor e todo o meu orgulho. É esperto,

forte e saudável, só espero que quando crescer não resolva seguir os passos do pai e se torne um

guerreiro, meu coração não suportaria.

Preciso agradecê-lo por existir, agradecer por ter me dado uma família tão iluminada, seus pais

junto a minha mãe têm me confortado nos dias difíceis, nos dias que me recordo do seu rosto e do

quanto o amo e começo a chorar por não ter o direito e a liberdade de estar ao seu lado, amando-o,

ouvindo suas palavras de conforto. Sei que em algum lugar do mundo olha por mim, pensa em mim e

me envia forças para também guerrear essa guerra tão injusta.

Nunca se esqueça de que o amo.

Carol Oliveira, sua esposa.

E mais uma vez lágrimas saudosas rolaram pelo rosto de Henrique que

encontrou uma fotografia no envelope, encarou a imagem com muita emoção,

abraçou a imagem como se precisasse protegê-la, escondê-la da brutalidade de um

mundo cheio de maldade. Era a imagem do seu filho, uma criaturinha sorridente,

capaz de levar amor a alguém tão distante, distante pela guerra.

A saudade aumentou, mas saber o quanto era amado e que tudo estava bem

era confortante ao seu atribulado coração.

[Rio de Janeiro, Brasil – 1944]

Carol acariciava o bebê que dormia tranquilamente e por ora lançava um

sorriso doce e meigo, um sorriso que arrancava outros da mulher apaixonada,

encantada pelo filho que ganhara. Não tinha como não se lembrar de Henrique ao

encarar aquela criança, o sorriso era idêntico e o tom de pele da mesma forma, perto

do filho se sentia próxima ao marido e tinha como dever proteger o pequeno Júnior,

defendê-lo de todos os perigos como faria se estivesse com o nobre soldado.

Mas seu coração também estava angustiado por outro motivo, era o seu avô,

pai de sua mãe que mudara ao Rio de Janeiro pouco antes da filha abandonar o

casamento, o senhor de idade bastante avançada sentia os efeitos do ano, seus

órgãos cansados de tanto trabalho desistiam de continuar na atividade, queriam

descanso.

Page 204: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

204 Capítulo 39 – Mensagem Confortante

Maria voltou para casa.

Buscou o abraço de Carol.

— Ele se foi... — derramou as lágrimas.

O choro tomou conta daquele quarto enquanto o recém-nascido, disposto e

capaz em viver muitos longínquos anos, dormia em paz. Essa sempre foi a vida, uns

nascem enquanto outros se vão, é um ciclo que nunca termina, um ciclo natural e sem

fim.

O velório estava cheio de pessoas que amavam aquele senhor, que tinham

alguma história vivida com ele para contar ou que simplesmente tinham palavras ditas

por ele a recitar. Fora um senhor que soubera viver, que abraçou a quem pôde, que

amou a quem se deixou ser amado e que perdoou a quem pediu desculpas, um senhor

que soube reconhecer os próprios erros, que voltou atrás quando se apressara

demais e que pediu desculpas em gestos de humildade. Soube viver, soube ocupar

seu espaço, soube fazer falta.

No cemitério as lágrimas continuaram, familiares e amigos próximos se reuniam

para o último adeus, a última demonstração de orgulho, respeito e carinho. Em volta

da urna derramavam suas lamentações e prometiam que um dia estariam reunidos.

— Estamos aqui para honrarmos aquele que andou pelos princípios de Deus,

que seguiu os passos do nosso querido Jesus sem guardar mágoas, sem desejar por

vinganças, sem esperar que seus olhos contemplassem o mal do próximo, mesmo que

fosse alguém insensato, que o magoou, que o feriu — o pastor de sua igreja deu início

a última oratória, ao último discurso, às palavras de exaltação a quem merecia —. Ele

nos ensinou a viver, provou-nos que é possível seguirmos o nosso caminho sem

ofendermos a ninguém, provou que é possível manter a humildade quando somos

tentados a sermos altivos. Ele nos provou que com amor conquistamos pessoas, as

mais improváveis, e ganhamos amigos verdadeiros, companheiros para toda a vida.

Deixará saudade por ter sido especial, por ter feito a diferença, mas também nos

deixa a mensagem de que seguindo os passos de Cristo um dia receberemos essa

honra para, depois, reencontrarmo-nos no céu. Sentiremos a sua falta porque o

amamos!

Page 205: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

205 Capítulo 39 – Mensagem Confortante

Aplausos e lágrimas se misturavam. Aplausos de honra, lágrimas de saudade,

dois privilégios que realmente importam, dois tesouros que deveriam ser buscados:

honra pelo que fomos e saudade pelo que representamos.

A urna se fechou para jamais ser aberta.

Flores foram jogadas sobre a sepultura.

Era o fim de um ciclo.

Indo embora, Carol e sua mãe foram interrompidas inesperadamente:

— Vocês precisam me ouvir — Francisco parecia desesperado.

Page 206: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

206 Capítulo 40 – Choque de Realidade

Capítulo 40 – Choque de Realidade

O famoso choque de realidade é capaz de transformações que antes pareciam

improváveis, muda pensamentos, atitudes, modos de viver e de enxergar a vida; o

choque de realidade abre mentes, descobre visões e revela a pura verdade das

coisas.

Muitas pessoas vivem como bem entendem, nunca se arrependem de suas

ações – principalmente das más –, julgam-se como donas da razão, mentoras da

verdade e chegam a dizer que o resto do mundo deveria seguir os seus passos,

coitadas, não conseguem notar a própria fragilidade e vão se amarrando na própria

corda, no próprio engano.

Porém, quando a hora da verdade chega – porque ela nunca se esconde para

sempre – e os olhos são esclarecidos, muitas dessas pessoas voltam atrás, corrigem

seus atos, não querem sofrer a visão horrenda com a qual precisaram se deparar

para que se tornassem em seres humanos melhores.

Francisco sofreu esse choque no velório do ex-sogro, viu que aquele era o

destino de qualquer indivíduo: morrer. Mas existe uma diferença extrema, enquanto

uns partem desse mundo rodeados por pessoas importantes, amadas ao longo do

tempo, outras se vão sem qualquer homenagem, sem demonstrações de afeto, sem

fazer falta.

Aquele homem sabia de qual lado estaria se não conseguisse mudar o

passado, para ele já não importava mais ser enterrado sob aplauso de centenas de

amigos, na hora da partida ele queria apenas que sua família lhe fizesse companhia,

aquelas pessoas que ele amava, mas que por não saber cuidar desse amor acabou as

perdendo.

Seu tempo, conforme os dias passavam, terminava, estava desesperado, com

medo de encerrar sua vida sem conseguir a remissão com aquelas que não mereciam

suas atitudes egoístas e precipitadas, com medo de morrer sozinho, sem que ninguém

ouvisse suas últimas palavras. Precisava lutar pelo impossível, teria que vencer os

altos obstáculos, faria o que estivesse ao seu alcance a fim de atingir o objetivo

enquanto tivesse forças.

Page 207: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

207 Capítulo 40 – Choque de Realidade

— Não pode respeitar nem mesmo a nossa dor? — Carol se indignou com a

surpresa, estava decidida a repudiar o pai enquanto fosse possível, seu avô sempre

falou sobre o perdão, mas ela não conseguia seguir os nobres conselhos, seu

coração cheio de feridas não tinha a capacidade de se abrir a alguém que as causou.

— Pensei muito antes de falar com vocês, imaginava que não seria bem

recebido, mas dias antes consegui conversar com o seu avô, alcancei o seu perdão e

fui aconselhado a batalhar pela minha família, é o que farei — dizia a verdade —. Não

posso aceitar que as coisas continuem como estão, não posso arriscar em perder a

minha vida em meio à solidão, preciso provar que me arrependi, que mudei, farei o que

for preciso.

O pequeno Henrique, no colo da mãe, por certo sentiu as emoções da mulher

e não pôde deixar de se afligir por elas. Carol o entregou à mãe, pediu que a

esperassem, suas palavras poderiam ser frias e ácidas, não queria que presenciassem

o teor de seu rancor.

— Então está com medo de morrer solitário? Mas, verdadeiramente, esse é o

meu desejo, que parta sem ninguém, sem machucar mais ninguém — seu olhar era de

desprezo, também de tristeza —. Olhe ao seu redor, quanta gente que partiu, esse é

o fim de todos nós, desde que nascemos essa é a única certeza, morreremos. Cada

um faz o que quer do curto espaço entre a vida e a morte, é uma pena que nem todos

tomem suas atitudes pensando nas consequências, pensando que no último dia

serão cobradas por cada gesto, bom ou mau. Ao invés de sentir medo deixe a

covardia de lado e encare os resultados de suas escolhas como um homem, o mesmo

prepotente que agredia a esposa, o mesmo valentão que condenava a todos —

terminou seu discurso, mas ao invés de se sentir leve, sentia-se ainda mais oprimida

pelo passado, ainda mais angustiada pelas lembranças.

— Será que não consegue notar o meu desespero? Será que não é capaz de

sentir a mesma dor que sinto? Será que não é capaz de se colocar no meu lugar? —

fitava a filha direto nos olhos, precisava demonstrar toda a sinceridade, precisava

convencer —. Eu me arrependi, tinha tudo o que um homem precisava, uma família de

verdade, mas por não valorizá-la a desfiz, machuquei-a e transformei o amor que

recebia em ódio, vivi com essa culpa, com a culpa de ter dificultado a vida de quem

dependia de mim, ao invés de ser o porto seguro fui o vilão...

Page 208: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

208 Capítulo 40 – Choque de Realidade

— Exatamente, ao invés de nos amar, de nos envolver com todo seu amor,

instaurou-nos o medo e a vontade de estarmos bem longe de sua presença —

mantinha sua postura incompreensível, irredutível —. Como é se sentir rejeitado? —

sorriu com desprezo.

Francisco assimilou a pergunta, tudo que sentia eram mágoas, decepções,

rancores, mas naquela hora viu o que realmente era: rejeitado. As coisas pareciam

difíceis e impossíveis demais para a sua persistência.

— Não queria dizer a verdade, não quero que pense nisso como uma tentativa

desesperada de alcançar o perdão que tanto almejo, mas apareci porque não podia

morrer sem saber como estava a minha família, como conseguiram trilhar a estrada da

vida. Estou doente, minha doença me consome dia após dia, os medicamentos

apenas servem para amenizar a dor, mas o meu tempo não para de correr, não passo

desse ano e não posso encerrar a minha experiência sem deixar algo bom, sem provar

que possuo um coração puro, pronto em amar — não conteve a discreta lágrima que

saltou de seu olho, o peito ardia, temia não alcançar o que desejava.

Carol se calou, pôde perceber sentimento naquelas palavras, não era má, pôde

sentir a angústia de alguém que contava as horas para o dia da morte sem nada

poder fazer, sem ter aonde correr, sem ter o direito de se salvar.

— Sinto muito... Mas não torne tudo ainda mais desagradável, não aumente a

dor que sentirá ao correr atrás de mim — ainda assim não era capaz de perdoar —.

Desejo que seus últimos dias possam valer de alguma coisa, mas não posso esquecer

tudo o que aconteceu, não posso ser hipócrita e dizer que tudo bem, que vou deixar

as coisas no passado, estaria mentindo, enganando a mim e a você — deu as costas,

sua emoção lhe dizia para que reconsiderasse, fosse razoável com aquele que dizia

estar no final de seus dias, mas sua razão afirmava que aquela era a atitude correta a

ser tomada, dar desprezo a quem um dia a desprezou. Deu às costas a fim de seguir

seu caminho.

— Eu te amo — o pai aflito interrompeu os passos da filha magoada —. Se

nunca falei isso, ou se nunca demonstrei, peço que me perdoe, mas esse é o meu

sentimento desde a primeira vez na qual a peguei em meus braços, acredite, andei

tanto apenas para declarar que amo minha família.

Page 209: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

209 Capítulo 40 – Choque de Realidade

Carol não voltou sua atenção àquele homem, apressou os passos, apressou-

se para que suas lágrimas não fossem notadas.

O dia se passou.

O sol saia de cena para que a lua brilhasse com intensidade quando à porta do

quarto do hotel onde Francisco se instalara alguém bateu, alguém conhecido,

querido.

— Maria? — não conteve o espanto ao encarar a ex-esposa, mas que nunca

deixou seus pensamentos arrependidos —. Por favor, entre — abriu passagem para

uma recepção agradável —. Como se sente?

— Estou bem — forçou um sorriso, ainda sentia pelo que acontecera com o pai,

mas sabia que agora ele descansava de todos os esforços e batalhas —. Espero que

não seja um incômodo, mas eu precisava vir.

— Jamais estará me incomodando, aceita alguma coisa? — fazia o possível para

tratar bem, parecia o homem que ela conhecera, em nada se assemelhava àquele que

se entregara ao fracasso e à embriaguez.

— Fique tranquilo, é uma visita rápida — percebeu o quanto se enganou

durante todos aqueles anos dizendo que repudiava o ex-marido com todas as forças,

percebeu que o nosso coração pode nos trair, pode nos levar a comportamentos que

pareciam impensáveis.

— Antes de qualquer coisa peço desculpas por ter aparecido no velório, mas

eu precisava prestar a última homenagem a alguém que me perdoou, que me

aconselhou como se fosse meu pai...

— Por que não me contou que estava tão doente? — a mulher o interrompeu,

revelou o motivo por estar ali: preocupação. Ela nunca deixou de amá-lo durante o

tempo que se passou, insistia em guardar na memória os primeiros anos de

casamento, quando apenas o amor existia —. Por que escondeu de mim algo tão

sério?

— Não queria que me julgasse como um dramático desesperado por atenção,

não queria usar isso como meio de pedir perdão, esconderia enquanto pudesse —

Page 210: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

210 Capítulo 40 – Choque de Realidade

respondeu seriamente —. Além disso, de que importaria? Rejeitam-me arduamente,

sei que com razão não se importariam com o meu problema — desabafou, queria um

pouco de carinho, precisava de cuidados, dos cuidados daquela que estivera ao seu

lado sempre prestativa.

— Não posso rejeitar alguém que nunca parei de amar — Maria não conteve o

desejo de envolver a mão de Francisco, tocou-a com suavidade e delicadeza, da

mesma forma como nos primeiros encontros —. Quando fui embora me sentia

desprezada, humilhada, como se todas as minhas ações não significassem nada...

— Suas ações como minha esposa nunca saíram de meus pensamentos, não

ache que não importavam, eu que as não valorizei como deveria — justificou-se,

enalteceu o tempo que passou ao lado de alguém especial.

— Fui embora a fim de poupar a nossa filha de sofrimentos e traumas maiores,

se ela não existisse eu aguentaria até o fim, mas não era justo com aquela criança —

uma lágrima percorreu seu rosto, uma lágrima de dor maternal —. Porém, conforme o

tempo passava a saudade dos tempos de alegria crescia em meu peito, eu queria

reviver aquele amor, queria voltar para você, mas tive medo, medo de insistir no erro,

medo de continuar sofrendo.

— Perdoe-me — o homem arrependido colheu a lágrima solitária, passou o dedo

pela pele que apresentava sinais do tempo, mas que ainda possuía a mesma magia

dos anos passados —. Tudo o que posso fazer é pedir o seu perdão, não consigo

apagar as tristes lembranças, mas posso prometer que farei o possível para garantir

novas alegrias.

— É claro que eu te perdôo — sorriu apaixonada, emotiva, abraçou Francisco

provando que o amava, que o aceitava, que lhe concedia nova chance.

— Obrigado — ele suspirou aliviado, sentir aquele abraço tirava de suas costas

árduos pesos, bagagens de uma vida mal vivida.

Page 211: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

211 Capítulo 41 – Amor de Criança

Capítulo 41 – Amor de Criança

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – Final de 1942]

Mais uma vez os olhos de Sebastian contemplavam a brutalidade sofrida por

uma simples criança, Noah estava no meio de mortos, dentre judeus e presos

políticos, negros e homossexuais, ciganos e portadores de deficiências, arrancando-

lhes os dentes, buscando cumprir a ordem cruel.

— Imagino o que se passa na sua mente, sei que insiste em acreditar no amor e

defender o ser humano, mas precisa entender que os monstros dessa história não

somos nós, mas eles — Manfred se aproximou do filho cercado pelas sombras que o

acompanham incansavelmente —. Formam uma conspiração contra nós, querem nos

dominar e governar o mundo, são a causa pela derrota que sofremos na Primeira

Guerra, não são dignos de nossa piedade, precisam pagar por seus erros e serem

aniquilados antes que sejamos postos em seus lugares.

O jovem soldado ouviu o discurso com indignação, percebera o quão insano

era os argumentos, insanidade que os alemães usavam como sábias verdades. Nada

justificava o ato desumano e mesmo que fizesse algum sentido ainda não era

suficiente para justificar gestos tão brutais.

— Acredito que esse garoto pudesse ser mais bem aproveitado de outra

forma, seus serviços poderiam ser usados ao nosso próprio benefício, por que não o

leva para casa e o faz de empregado? — Sebastian sugeriu, mostrou que se inclinava

às doutrinas que repudiava, não passava de um plano —. Quando estiver maior,

capaz de construir a própria cova, trazemo-lo de volta. O que acha?

— É uma boa ideia — o oficial da SS sorriu perversamente —. Parece que

finalmente abriu os olhos a fim de enxergar o mundo como ele realmente é — bateu

nas costas do filho —. O que motivou essa agradável mudança?

— Estava perdendo o meu tempo tentando defender uma causa sem sentido,

para quê amar se isso não nos garante vitórias? — dizia exatamente aquilo que o pai

queria ouvir —. Somos alemães, somos superiores, merecemos estar sempre acima.

— Isso quer dizer que reconsidera o casamento?

— Vamos com calma, um passo de cada vez.

Page 212: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

212 Capítulo 41 – Amor de Criança

— Está certo, já é um começo — Manfred se deu por satisfeito —. Leve essa

porcaria para casa, será mesmo muito útil por lá.

Esperando o repugnante homem se afastar, Sebastian se aproximou do

pequeno judeu, agachou perante ele e fez sua declaração:

— Acredito que somos amigos e que podemos confiar um no outro, estou

certo?

Desconfiado, olhando ao redor, Noah respondeu em voz baixa, também

cansada pelo trabalho.

— Somos irmãos, lembra?

— Claro — sorriu contente, uma felicidade que se manifestava em meio à

angústia através de uma iluminada criança —. Quero tirá-lo desse lugar horrível e

levá-lo para a minha casa, infelizmente terá que trabalhar por lá, mas garanto que será

melhor.

— E Abner? Ficará para trás? — nunca se esqueceria do grande amigo.

— Já conversei com ele, concordou, sabemos que será melhor assim, você não

aguentará por muito tempo se continuar em meio aos mortos — encarava os

cintilantes olhos castanhos que lacrimejavam por uma saudade que nascia —.

Prometo que cuidarei de você, minha mãe e minha irmã também são pessoas

bondosas e me ajudarão nessa tarefa, em breve poderá estar de volta com o seu

melhor amigo.

O garoto sabia que era a melhor opção para se livrar dos pavores daquele

lugar, o problema era a consequência, uma dura consequência.

— Posso me despedir?

— Vamos esperá-lo no quarto.

Durante todo o dia o jovem judeu se preparou para uma despedida dolorosa

que aconteceria, mas também sabia que era necessário, era a sua forma de proteger

o menino dos tantos perigos.

Ao fim do trabalho, entrando no quarto, Abner foi recepcionado por um

abraço forte, emocionado, o melhor abraço que recebera.

— Não quero deixá-lo... — a infantil voz embargada soava abafada, as lágrimas

caíam desesperadas —. Por que não pode vir junto?

Page 213: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

213 Capítulo 41 – Amor de Criança

— Por que precisamos salvar a sua vida, meu garoto — pegou Noah no colo,

convencia-o de que tudo daria certo —. Naquela casa vivem pessoas incríveis que lhe

darão aquilo que não posso dar, estará seguro e protegido, será muito feliz.

— Já sou feliz com você...

— Eu sei... — tornou o abraço ainda mais forte e não conteve o choro —. Mas

para me deixar ainda mais feliz vá com Sebastian, não se esqueça de mim e tenha

certeza de que um dia estaremos juntos outra vez! — acariciou os cabelos ainda

poupados pelos nazistas —. Também não se esqueça de que o amo demais, você

nem pode imaginar o quanto.

— Eu também te amo... — agarrou-se ao pescoço do amigo, se pudesse nunca

mais o largaria.

— Noah? — o jovem alemão apareceu na porta do quarto, vestia um semblante

severo, não podia levantar suspeitas.

— Fique com Deus — Abner beijou o rosto do garoto —, e que Ele o proteja.

E lá se ia alguém amado, deixando saudade e uma dúvida: voltariam a estar

juntos?

Durante o trajeto o pequeno judeu não disse palavra alguma, em silêncio exibia

sua tristeza, sentado indefesamente encarava a estrada vazia e escura, observava as

árvores que pareciam correr para trás.

— Já andou de carro antes? — dirigindo, Sebastian tentou iniciar um assunto,

faria o possível para garantir àquela criança bons momentos.

— Só para ser preso — sua resposta mais parecia uma facada impiedosa.

— Prometo que um dia sairemos juntos, quando não houver perigo — firmou seu

compromisso —. Não queria deixar Abner, não é?

— Foi ele quem me protegeu desde que tiraram minha mãe de mim, não posso

me esquecer de tudo que já fez, nunca... — provou sua gratidão, sua fidelidade.

— Sabemos que nem ele se esquecerá do amigo que ganhou. Prometo também

que vou protegê-lo enquanto puder e um dia o levarei de volta a você, serão felizes

para sempre!

— Tem certeza de que esse será o final? — levou os olhos curiosos àquele que

também lhe garantia proteção —. Pode falar a verdade, sou forte!

Page 214: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

214 Capítulo 41 – Amor de Criança

— Não posso dizer que sim, nem que não, é impossível saber o futuro — foi

sincero, precisava o ser —. Mas o que posso é lhe assegurar que todos faremos o

possível para que seja esse o final, ou até outro melhor!

— Confio em você, sei que vai conseguir — motivou a coragem, alimentou as

esperanças.

— É mesmo muito especial — confessou o que todos sabiam.

A mansão luxuosa, livre de Manfred e vigiada por poucos soldados, abriu suas

portas ao pequeno judeu que contemplava o lugar com muito entusiasmo e

curiosidade, seu instinto infantil lhe dizia o quanto poderia se divertir ali, mas a

precocidade do pensamento adulto lhe pedia para tomar cuidado, não era uma visita,

seria um empregado, pelo menos para o temido dono.

Sebastian levou a pequena criatura ao banheiro, com o cuidado que sentia a

ensaboou, ajudou-a no agradável banho quente, trocou suas roupas surradas por

peças confortáveis e se sentou com ela na mesa de jantar lhe oferecendo um belo

prato nutritivo.

— Quero que se sinta como se estivesse na própria casa, só será como um

empregado quando Manfred estiver, o que é raro — o jovem alemão assegurou.

— Não o chama de pai?

— Ele não é meu pai, pelo menos não o monstro no qual se tornou — a

decepção doía ardentemente —. Está gostando da comida?

— Nem se compara com a dos campos — sentia-se melhor perante o conforto

que qualquer criança merece.

Não tardou muito para que mãe e filha voltassem da missa e se deparassem

com o visitante. Acanhado e prevenido, Noah se levantou e foi atrás de Sebastian,

o medo causado pelos homens fardados corromperam sua espontaneidade infantil,

não conseguia confiar em qualquer um.

— Não precisa se intimidar, são pessoas como nós, do bem — o jovem soldado

não conteve o impulso de acolher o garoto, sentia-se como responsável por Noah,

teria que defendê-lo até mesmo dos perigos que não existiam —. Essas são minha

mãe e minha irmã e esse é o especial Noah.

Page 215: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

215 Capítulo 41 – Amor de Criança

Sabiam de toda a história, dos absurdos vividos, cheias de carinho se

aproximaram do pequeno judeu cedendo abraços e beijos de afeto.

— Eu sou Isabel e aguardava pela sua chegada ansiosamente, é tão lindo

quanto o que diziam — sorriu acolhedora, cheia de amor.

— Eu sou Eva, espero que Abner tenha falado de mim tão bem quanto falou

de você através dos escritos — passeou os dedos pelos fios lisos e enegrecidos.

— Ele é apaixonado por você e tem razão quanto diz que é bonita — seu

comentário causou diversão e aumentou o amor em um coração especial.

— Sinta-se em família, meu querido — a esposa de Manfred declarou —, aqui

todos queremos o seu bem e faremos o que pudermos para defendê-lo de quaisquer

ameaças.

— Temos um grande compromisso com Abner e vamos amá-lo tanto quanto ele

o amou — a jovem alemã se sentia mais próxima do querido namorado encarando o

suave rosto infantil —. Aliás, tudo o que ouvimos fez esse amor nascer desde sempre.

O garoto se sentiu seguro e amado, como desejava que o amigo sentisse o

mesmo.

O quarto de Noah era pequeno, sem grandes luxos, mas ainda assim muito

melhor do que o lugar onde tivera que passar noites frias e sofredoras. Deitado na

aconchegante cama foi coberto por Sebastian que passou a mão sobre sua testa e

ali depositou um beijo de boa noite.

— Agora está seguro — lançou um sorriso —, durma bem...

Antes que o soldado se retirasse o pequeno judeu segurou em sua mão e

declarou as palavras capazes de causar comoção.

— Eu também te amo, muito!

— Eu também, querido irmão... — deu o último abraço.

Page 216: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

216 Capítulo 42 – Amor Inexplicável

Capítulo 42 – Amor Inexplicável

[Itália – 1944]

O pelotão de Henrique preparava-se, em território italiano, para importantes

operações que teriam por objetivo o aniquilamento das forças nazistas naquele país,

para isso precisavam de táticas, estratégias e, ainda mais, muita coragem a fim de

enfrentar potentes inimigos.

Sob olhares atentos de seus superiores os soldados se exercitavam, faziam o

possível para ganhar resistência física, adquirir força, terem em segurança a

esperada vitória. Os treinos eram realizados até a exaustão, cada limite precisava

ser alcançado, a corrida contra o tempo era severa.

Ao final do dia Henrique se afastou dos companheiros, ficou recluso por

entre árvores próximas ao batalhão e passou a refletir sobre o presente, se tudo o

que fazia era mesmo suficiente para que no meio do fogo cruzado pudesse salvar a

sua vida, a de seus amigos e até mesmo dos seus inimigos, combatentes como ele, que

queriam voltar para suas famílias tanto quanto ele. Não se achava preparado e nem

acreditava que ao longo do tempo pudesse estar pronto, sua única certeza: teria que

lutar.

Pouco tempo antes... Já estavam casados.

O amor era ainda mais intenso.

Sentiam que uma forte turbulência se aproximava a passos largos e os pegaria

sem piedade alguma, de certa forma previam o futuro e suas consequências, por isso

passavam o máximo de tempo juntos, fortaleciam aquela união para que nada a

pudesse romper.

— Se eu pudesse largava tudo para ficar sempre ao seu lado, não sabe como é

ruim quando preciso me despedir — o jovem soldado tinha em seus braços alguém

que amava, alguém que prometia em seu coração nunca esquecer.

Page 217: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

217 Capítulo 42 – Amor Inexplicável

— Sabemos que é necessário, precisamos construir nossas vidas, sem dizer que

é quando estamos distante que consigo produzir meus escritos — não quis magoar,

nunca seria sua intenção, mas as palavras não tiveram uma boa colocação.

— Quer dizer que atrapalho? — no fundo entendeu o sentido, mas precisava

ouvir com seus ouvidos o que sua mente imaginava.

— Nunca, sabe que é minha fonte de inspiração, mas quando está por perto

preciso lhe dar atenção, sou forçada a parar tudo a fim de ouvir sua voz ou,

simplesmente, contemplar seus olhos — redimiu-se através de uma poderosa

declaração.

— Sei disso, por que é exatamente o que sinto. Parece até que não teremos

uma vida pela frente para passarmos cada segundo juntos, deve ser por isso que

somos tentados a aproveitar ao máximo a companhia que temos — passeou os dedos

pelo rosto delicado, deixou o silêncio se manifestar um pouco.

Naquele fim de tarde estavam sentados em uma praça florida, frequentada por

amantes românticos que trocavam palavras sentimentais, observavam o pôr-do-sol

enquanto aproveitavam os bons minutos que juntos compartilhavam.

O silêncio era também agradável, nem sempre tagarelavam o quanto se

amavam, às vezes queriam apenas um pouco de paz, uma paz suave e tranquila, uma

paz que ressurgia apenas quando as almas se aproximavam e os corações se uniam.

— Minha hora está chegando... — conferindo o relógio Henrique quebrou o

silêncio, seria o responsável pelo turno da noite, o dever o chamava.

— Infelizmente... — descansar sobre o ombro do esposo revigorava as forças de

Carol, fortalecia-a para continuar acreditando que aquele amor tão prazeroso

duraria pela eternidade.

O soldado trouxe para mais perto o rosto que considerava angelical, em um

ato de despedida uniu os lábios que se completavam, que degustavam o sabor do

amor.

— Pense em mim quando estiver escrevendo — sorriu apaixonado.

— Estarei sempre pensando em você — a mais plena verdade fora declarada.

Cada um seguiu caminhos opostos, mas ainda faltava alguma coisa.

Viraram-se ao mesmo tempo.

Page 218: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

218 Capítulo 42 – Amor Inexplicável

Com a constante delicadeza Carol beijou a palma da mão e, sorridente, lançou

seu beijo pelo ar. Cada vez mais apaixonado Henrique capturou aquele presente e

assegurou que jamais o perderia guardando-o no peito.

Agora sim, poderiam prosseguir em seus passos.

O jovem soldado mantinha-se forte revivendo momentos como aquele,

recordando de minutos que o transportavam de um mundo feroz para um mundo no

qual o amor, apenas o amor, ditava as regras. Tais lembranças também lhe davam

forças para lutar.

O único problema é que os pensamentos o cegavam e o ensurdeciam.

Algo empurrou sua cabeça.

O espanhol falado com sotaque alemão soou por trás do guerreiro:

— Mãos para cima!

Não havia o que pudesse ser feito, a menor das reações colocaria um ponto

final na história que ele muito desejava viver.

Obedeceu.

— Andando!

Obedeceu.

Seria feito de prisioneiro.

[Rio de Janeiro, Brasil – 1944]

Era uma mãe cuidadosa e um pouco ansiosa demais, mal saía de perto do filho,

estava sempre pronta para qualquer necessidade que se apresentasse. Encarava o

recém-nascido pensando em outra pessoa, em alguém que nunca saía de seus

pensamentos, afinal, era uma promessa nunca esquecê-lo. Mesmo distantes eram

aproximados por suas mentes apaixonadas.

Pouco tempo antes...

Ainda eram noivos.

Page 219: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

219 Capítulo 42 – Amor Inexplicável

Viviam ansiosos pelo grande dia. O dia que os uniria para sempre.

Além de uma talentosa escritora repleta de pensamentos românticos, Carol

era também uma desenhista a se admirar, o dom da arte era possuído por aquela

alma. Atendendo ao pedido do então futuro marido a jovem mulher levou suas

ferramentas ao bosque da cidade, um lugar que exalava o perfume das flores, o

aroma do amor, o lugar onde as inspirações surgiam e as obras aconteciam.

O rapaz estava sentado em um banco de madeira, atrás dele a natureza exibia

sua beleza através de um rio sereno com águas tranquilas e cristalinas, cercado por

grades dominadas por exuberantes plantas. Ele sorria, teria que ficar naquela

posição por longos minutos enquanto a noiva o retrataria em seus firmes e sutis

traços.

Carol o observava com atenção e rabiscava no papel inanimado que aos

poucos ganhava cor, mas sua observação não era profissional como em outras

pessoas, analisava as feições daquele que conquistara seu amor através de uma alma

pura e bela e agora conquistava sua paixão através de uma beleza física que

encantava seus olhos.

— Sou bonito? — quebrou o silêncio.

A desenhista apenas sorriu, era a melhor resposta que poderia dar.

— Esse sorriso diz tudo, acha que sou bonito... — fez o sorriso aumentar de

proporção e o coração acelerar entusiasmado —. Você também é bonita, diria que é

linda, a mais perfeita — declarou sincero, apaixonado por aquela que também era

admirada por seu espírito de luz.

— Por favor, não me distraia, meu desenho precisar ficar tão belo quanto a

quem devo retratar — confessou, sentiu o rosto ruborizar.

— Finalmente disse que sou belo, melhor do que eu pensava em ouvir e,

envergonhada, você destrói meu coração... — nunca se cansaria de dizer o quanto

admirava aquela que, para ele, era a mais notória obra de arte criada por Deus.

O desenho ficou pronto.

— Espero que goste.

Mais do que depressa o moreno foi conferir, espantou-se pelo sentimento que

a perfeição dos caminhos percorridos pelos lápis exibia, emocionou-se ainda mais

pelos dizeres “o verdadeiro amor da minha vida”.

Page 220: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

220 Capítulo 42 – Amor Inexplicável

Não sabia como agradecer.

Abraçou aquela que amava.

Encarou seus olhos como se quisesse dizer algo, mas as palavras

desapareciam.

Beijou-a cheio de afeto.

Como a amava.

Um amor inexplicável.

Ao lado do berço estava o quadro exibindo aquele desenho de anos atrás,

mas que ainda guardava os mesmos sentimentos da época. Tal imagem transportou

Carol àqueles dias, quando ao seu lado estava assegurada a companhia de um

alguém especial.

Lançou seu beijo ao retrato, mas dessa vez ele não fui guardado no peito,

ficou vagueando.

[Itália – 1944]

Com o opressor às suas costas o soldado brasileiro foi forçado a se

aprofundar na mata escura. Andaram por bons minutos até chegarem a um carro.

— Entre! — o alemão fez sua ordem —. Se correr, morre! — ameaçou.

O que aconteceria ele não imaginava, mas desde aquele segundo pensou na

esposa e no filho e no quanto os amava, buscava fé naquele puro amor.

Foi obrigado a entrar em uma instalação escondida pelo mato. O lugar

cheirava à crueldade, cheirava à morte.

— Ajoelhe-se — obedeceu —. Receba nosso líder!

— Vejam só, conseguiram me surpreender — o oficial da SS adentrou o

espaço proferindo o idioma fluente —. Seja bem-vindo — articulou o espanhol —,

espero que me entenda para que possa sobreviver — era Manfred e não estava no

seu melhor dia.

Page 221: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

221 Capítulo 43 – Escolha

Capítulo 43 – Escolha

As coisas para a Alemanha naquela guerra violenta vinham se apertando, tudo

indicava que as forças seriam perdidas e a derrota a única consequência, mas é claro

que não se renderiam, uma ideologia com pensamentos de soberania e superioridade

jamais entregaria os pontos, não se humilharia.

Manfred Hoff, com tantas perversas conquistas, tornou-se uma alternativa

perante as derrotas sofridas na Itália, foi posto a frente do exército para que virasse

o jogo e seu trabalho começava naquela hora tendo como prisioneiro um brasileiro

inocente, que nada devia, que em nada tinha culpa.

Henrique pensou em reagir, tentar fugir, mas tinha a certeza de que na primeira

investida seria fuzilado ali mesmo, soldados o tinham na mira de seus armamentos,

esperavam apenas uma ordem para que colocassem um ponto final em uma história

que estava longe do término. A mais sensata decisão era esperar: esperar o

desenrolar de todas as coisas enquanto sua alma suplicava por algum socorro.

— Qual é o plano de vocês? — o capitão alemão intimou uma resposta.

O soldado brasileiro se manteve em silêncio.

Encarou o vazio.

— Basta uma ordem minha e estouramos sua cabeça! — ameaçou

fervorosamente —. Adiante as coisas, meu caro, entregue o seu bando e poupe a

vidinha medíocre que leva!

Não. Sua vida não era medíocre, possuía muitos motivos para agradecer,

comemorar e continuar confiando no futuro e não, não entregaria os seus

companheiros ao pesadelo, antes morreria por eles como um verdadeiro e grande

herói.

— O que fazem é crime — conseguia falar em espanhol, aprendera no exército

—. Existem regras que protegem um prisioneiro de guerra, estão infringindo-as.

— Não nos diga o que devemos fazer! — irado, cansado pelos problemas que se

levantavam em sua vida, Manfred distribuiu um soco no jovem militar, descarregava

sua fúria —. Eu sou a regra! — afirmou categoricamente —. E se quiser mesmo se

proteger é melhor que me alegre.

Page 222: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

222 Capítulo 43 – Escolha

— Pergunte o que quiser, não tenho respostas e mesmo que as tivesse as

levaria comigo, passou da hora dessa guerra terminar, não percebem que até mesmo

os próprios alemães, seu povo, sofrem as consequências de um conflito tão brutal?!

— Alguns precisam se sacrificar para que outros se ascendam — recitou sua

filosofia, aquilo que diminuía e até destruía seus sentimentos, o pouco de

humanidade que ainda lhe restava —. Pela última vez pergunto sobre quais são os

planos de vocês, mas agora quero palavras sensatas, resposta clara e objetiva, quero

saber como destruí-los!

— Ao invés de jogar baixo forçando declarações por que não ocupa seu tempo

pensando em estratégias para se defender? — sugeriu em meio ao confronto —. O

nosso plano é aniquilá-los, fazê-los desaparecer da Itália, evaporar do mundo, se for

tão esperto quanto parece fuja para longe e salve sua vida, sei que é a única coisa

que importa.

— Não se faça de inocente — agarrou o prisioneiro pela gola, encarou-o dentro

dos olhos —. Pare de brincadeiras e zombarias, está em desvantagem, é tão burro

para não perceber?! — seu modo agressivo de falar não continha as gotículas de

saliva que saltavam furiosas —. Sua vida está na sua mão, será você quem dará o

veredicto, ou colabore ou concorde em morrer!

— Acha mesmo que sou burro? — não demonstrava medo embora sua alma se

sentisse envolta por angústia e terror —. É claro que não me deixariam partir, conto

a verdade e morro da mesma forma, não correriam o risco de deixar um prisioneiro

voltar aos seus companheiros e contar o que descobriu, ajudá-los em outro tipo de

ataque — sorriu esperto —. Não sou tão burro quanto pareço.

— É sim... — afastou-se do cativo e colocou o charuto na boca, soltou uma

baforada volumosa —. Libertá-lo-íamos longe daqui, em um lugar que nem conhece,

não significaria ameaça para nós — foi astuto em seu discurso —. A escolha é sua.

Seria um oportunidade para sair daquela guerra, sobreviver perante tantos

perigos e voltar para casa, abraçar as pessoas que tanto amava, a oferta era

bastante tentadora.

Porém, feita por traiçoeiros.

— Prefiro a morte — parecia irredutível, como se não tivesse nada a perder.

Page 223: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

223 Capítulo 43 – Escolha

— Prendam-no! Garantam que ficará sobre o nosso domínio até seu último

suspiro.

Sabia que não morreria, pelo menos não tão em breve, um soldado preso e vivo

é muito mais valioso que um morto, é a chave para uma possível reviravolta no jogo

que se perde.

No meio da madrugada os amigos de Henrique junto ao tenente e outros

soldados procuravam por ele na mata, atentos a qualquer emboscada, a previsíveis

ataques inesperados. Nada encontraram.

Perto de uma árvore estava uma foto.

Jorge a reconheceu.

Voltou desesperado.

— Encontrei isso — estendeu a fotografia —. É o filho dele que nasceu há

poucos dias, estava jogada por entre as folhas.

— Temos duas alternativas, ou está preso ou morto — o tenente foi claro e

direto —. Seremos otimistas, partiremos logo cedo em busca do soldado Santos,

faremos o possível, mas adianto que se nada encontrarmos teremos que nos

conformar e permanecer na batalha, temos uma guerra a lutar!

Era uma realidade cruel.

Seus amigos mais próximos sentiram o coração se angustiar, não podiam

perder alguém tão querido, preferiam nem pensar em uma hipótese tão excruciante,

esperavam que ele estivesse preso e, ainda que sofresse, seria cuidado por aqueles

que apenas desejavam o seu bem.

[Berlim – Final de 1942]

Era o último dia do ano.

Page 224: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

224 Capítulo 43 – Escolha

Enquanto muitos viviam aquele dia na incerteza sobre a vida, outros

gargalhavam e comemoravam como se nada os atingisse.

Manfred era um dos que comemoravam. Em sua casa, reunido com a sua família

diante uma mesa tão farta, o capitão da SS parecia feliz, realizado, como se tivesse

passado por meses maravilhosos, na verdade alcançava seus objetivos, prendera

milhares de judeus e matara centenas de outros, um sórdido sucesso.

— Parecem tristes — comia feito um esfomeado, comia sabendo que existiam

aqueles que não tinham nenhuma migalha —. É um novo ano que vem aí, queridos,

onde está a animação de vocês?

— Como consegue comemorar com tanta alegria sabendo quais foram os seus

atos? — Isabel questionou —. Muita gente, nesse momento, chora por sua causa.

— Ao invés de criticar por que não me agradece pela limpeza que promovo? —

tomou um gole de vinho —. Vivemos uma plena paz, nas ruas não existem mais judeus,

estamos salvos desses animais.

— Até hoje não compreendo o porquê para tanto ódio e tanta aversão com

essas pessoas, que mal fazem? — Eva mostrou sua indignação —. São punidas por

apenas desejarem uma vida, somos monstros que acabamos com a nossa própria

espécie!

— Não me coloque no mesmo grupo que esses vermes nojentos, são seres

humanos que não evoluíram, que não alcançaram o nosso nível de desenvolvimento e

por isso precisam ser extirpadas sem qualquer misericórdia.

— Qual seria o nosso nível de desenvolvimento? — Sebastian, a cada dia,

repudiava com maior força aquele homem —. Desenvolvemo-nos ao ponto de

criarmos locais para que escravizemos pessoas e depois as matemos tão

covardemente? Se isso é evoluir prefiro ser como os primatas.

— Você é um imbecil idiota, digno de pena! — o prepotente alemão se irritou

pelas tais palavras —. Noah! — esbravejou o nome do garoto e vestiu um semblante

doce, era impressionante como conseguia se transformar tão repentinamente.

— Senhor — o pequeno judeu se colocou respeitosamente perante a figura de

liderança, sua humildade comovia muitos corações, mas em nada interferia naquele

endurecido.

Page 225: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

225 Capítulo 43 – Escolha

— Está vendo tudo isso? — apontou para mesa —. Qual foi a última vez que

sentou perante uma como essa?

A criança observou com atenção, a fome aumentou e com ela a vontade de

saborear pratos tão gostosos.

— Nunca...

— Escolha — surpreendeu a todos.

O faro infantil não resistiu ao suculento frango assado, belo aos olhos,

agradável ao paladar.

— Não sou tão mau, dou aos pobres também — irônico, Manfred preparou o

prato com suas próprias mãos e antes que o filho separasse um lugar para o

pequeno judeu junto a mesa surpreendeu novamente —. Ele é um cachorro —

colocou o prato no chão —, que coma feito um!

— Não pode estar sóbrio... — o jovem alemão protestou.

— Se quiser manter esse inútil por aqui ficará no seu lugar — ameaçou —.

Nunca mais rebaixe a soberania alemã ao pó, a cada vez que fizer isso será uma cena

como essa que assistirá.

Noah obedeceu.

Humilde.

Mas aqueles que tinham um coração puro não conteram as lágrimas indignadas.

Aquele que tinha um espírito cruel sorria.

As horas se passaram.

A mansão estava silenciosa.

Sebastian adentrou o quartinho daquele que tinha por hóspede.

Sentou-se ao lado da cama do pequeno garoto que dormia em paz, passou a

mão sobre o seu rosto sereno, sentia grande afeto por aquela criança.

— Você é mais do que um ser humano e nunca pode ser comparado a um cão —

disse —. Você é um anjo que tem tornado os nossos tristes dias em mais alegres —

chorou abatido, se pudesse daria a Noah a vida que ele merecia, enquanto não

tivesse a capacidade faria o possível a fim de amenizar qualquer dor.

Page 226: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

226 Capítulo 44 – Passado Luminoso

Capítulo 44 – Passado Luminoso

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – Final de 1942]

Enquanto uns criavam boas expectativas quanto ao novo ano que surgia

outros temiam que fosse o último de suas vidas. Enquanto uns faziam planos e mais

planos outros se conformavam com as surpresas pelas quais poderiam se espantar.

Uns sorriam, outros choravam.

Era o caso daquela multidão de judeus, aprisionada covardemente.

Sabiam que do lado de fora daquele lugar famílias se reuniam, soldados se

ajuntavam desejando o fim da guerra, todos tinham alguma esperança sobre o futuro,

no entanto eles, que há tanto tempo viviam trancafiados e humilhados onde jamais

optariam por estar, apenas se contentavam com a vida mesquinha lhes garantida.

Pela janela do quarto desconfortável, Abner observava as estrelas que

lutavam contra as nuvens a fim de resplandecerem sua luz, voltava ao passado,

quando era livre, quando sua dignidade o acompanhava, quando possuía motivos

para lançar desejos ao vento.

Alguns anos antes...

A família Shen estava reunida em comemoração ao lucrativo ano que se

findava e a fim de recepcionar bem aquele que prometia ser um ano de mais

conquistas. Riam, divertiam-se, colocavam assuntos em dia, recordavam-se de coisas

engraçadas que viveram e faziam votos de felicidade ao mundo. Não imaginavam que

muito em breve uma Alemanha violenta os puniria tão severamente.

Com a badalada soando abraços foram trocados, o uníssono desejo de um

feliz ano novo tomava aquela casa repleta de gente, a família era numerosa. Mas para

o ainda judeu adolescente não era suficiente, para que suas comemorações fossem

completas precisava de alguém especial, seu coração ansiava por estar ao lado de

uma alma iluminada. Saiu da casa, ficou na calçada esperando que o vento trouxesse

seu maior presente.

Page 227: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

227 Capítulo 44 – Passado Luminoso

A mansão estava cheia, lotada pela família Hoff, parentes de longe que ao

convite de Manfred aceitaram passar a virada em Berlim. As bebidas eram servidas

incansavelmente, alegravam os corações já entusiasmados, faziam as gargalhadas

soarem com maior energia e as piadas nunca terminarem. O ano, para todos, fora de

importantes realizações, comemoravam e descansavam de seus árduos trabalhos

merecidamente.

Tão logo o relógio cravou a meia-noite abraços e sorrisos foram trocados,

alastraram-se por cada canto, contagiavam todos os corações que desejavam um

novo ano ainda melhor. Mas para a jovem adolescente também era insuficiente,

sentiu a falta de um garoto que não deixava seus pensamentos, estranhamente,

naquele ano, seu pai não o convidara à festa, mas não importava, ela se encontraria

com aquele que prometia nunca abandoná-la.

Eram vizinhos.

Deixaram suas casas agitadas na mesma hora.

Encontraram-se sorridentes no meio da rua.

Abner não se cansava de dizer para si mesmo o quanto era apaixonado pela

namorada, o quanto a amava e o quanto a achava linda. Seus olhos não se

enfadavam por observá-la, se pudessem ficariam para sempre a encarando, seu

coração pulsava mais forte a cada reencontro. O sentimento nascera na infância e

crescera junto a eles.

Eva se convencia sobre o destino, não havia dúvida quanto ao futuro, estariam

juntos até que a morte os separasse, não existia outra consequência para aquele

sentimento tão devastador que inundava o seu ser tão logo o contemplasse,

aproximasse dele, ouvisse sua voz e notasse seu sorriso. Estava mais do que

apaixonada pelo judeu, estava entregue ao seu amor.

Caminharam.

Uniram as mãos.

Sorriram apaixonados.

Beijaram-se como dois amantes.

Page 228: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

228 Capítulo 44 – Passado Luminoso

Precisavam daquilo para que a vida tivesse algum sentido, precisavam um do

outro para que as festas cumprissem com seu propósito, amavam-se e já não queriam

viver separados.

— Desejo um ano maravilhoso para nós — mãos unidas e testas coladas, os

corpos não se distanciaram, precisavam daquela aproximação, desejavam tal

presença —. Quem sabe consigamos nos casar? — pobre Eva, seu sonho estaria

ameaçado em pouco tempo.

— Não hesitarei em pedir a mais delicada das mãos ao mais sortudo dos pais! —

Abner ansiava mais que tudo por aquela união, faria todo o necessário —. Não

imagina o quanto quero fazê-la feliz, protegê-la todos os dias mesmo sabendo que é

forte o bastante para enfrentar qualquer desafio — acariciou o rosto suave —.

Preciso estar com você!

O coração da jovem alemã pulsou apaixonado, nunca imaginou que ouviria tão

belas palavras, nunca imaginou que pudesse encontrar o seu príncipe encantado,

mesmo sabendo que os contos de fadas não passassem de metáforas, mesmo

sabendo que a perfeição não existia, ela enxergava no nobre rapaz um elegante

cavalheiro.

— Como eu amo você! — levou a mão trêmula ao rosto que deixava os traços

infantis para trás, não conteve os olhos lacrimejantes, não pôde segurar a emoção.

— Amor... — cobriu a mão que o acariciava, fechou os olhos concentrando-se

na paz de um toque confortante, queria para sempre sentir tamanho privilégio —. Por

sua causa descobri o que é o amor...

— Um tesouro inexplicável...

— Tesouro da alma...

Quando viveria dias especiais como aquele outra vez? Perdia as esperanças

quanto ao futuro luminoso que sempre arquitetou, as estrelas já não lhe davam a fé

de que precisava, a vida parecia lhe dar as costas, tudo se encaminhava a uma

improvável felicidade.

Como se não bastasse precisara se afastar de Noah, sua dolorosa atitude

fora tomada por amor àquela criança, era seu dever protegê-la da crueldade humana,

Page 229: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

229 Capítulo 44 – Passado Luminoso

escondê-la de tormentos e traumas que pudessem a perseguir para sempre. Era

reconfortante saber que seu mais novo irmão estava em boas mãos, quem melhor que

Sebastian para defendê-lo ou quem melhor que Eva para acolhê-lo com amor?

Ainda assim sentia a sua falta, era de quem tirava esperanças e agora tirava forças:

precisava sair dali para ter o pequeno judeu de volta em seus braços.

[Itália – 1944]

Atrás de grades resistentes Henrique perdia sua fé, acreditava que morreria

naquele lugar, morreria para proteger aqueles com os quais se importava. Não via

solução, não achava caminhos para um desfecho diferente, simplesmente não

acreditava.

Colocou a mão no bolso da calça, precisava de algo que lhe devolvesse a

crença, mas nada encontrou. Vasculhou todo o corpo, mas em vão, precisou se

convencer de que perdera a foto do filho, a única imagem que possuía daquele que

nascera a partir do seu amor por uma mulher excepcional. Sentou-se sobre o chão

frio, não teve domínio sobre o choro, sobre a angústia que o devorava.

— Como estamos? — Manfred se aproximou, entre os dedos estava o charuto

que esfumaçava, seu semblante exausto denunciava as opressões pelas quais

passava.

— Por que não me deixa ir? — o soldado brasileiro suplicava por misericórdia,

derramaria suas lágrimas, faria o possível a fim de despertar a compaixão em um

coração obscuro —. Prometo que serei sincero e leal, não farei algo contra você,

apenas me deixe voltar para casa...

— Acha mesmo que conseguiria mexer em um coração que não acredita na

bondade e nem na fidelidade? Nunca um choro me comoveu, já escutei gritos de

angústia, pessoas agonizando e nunca me comovi — todas aquelas lembranças o

perseguiam, sussurravam em seu ouvido, gritavam o quão desprezível ele era, mas não

se importava, seria crente aos seus ideais, seguiria sua doutrina até o fim —. Já dei a

opção para que nunca mais ouça o meu nome, entregue o plano do seu exército,

Page 230: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

230 Capítulo 44 – Passado Luminoso

quais e como serão os próximos ataques, dê a mim o que quero e darei a você o que

deseja.

— Um soldado de verdade não trai a sua pátria, não entrega em seu lugar os

seus companheiros, antes morre por amor á sua missão, em respeito à sua honra! —

apregoou sua doutrina, o que realmente importava, aquilo que construía um homem

de palavra.

— Não seja tão burro ao ponto de se manter fiel a pessoas que nem conhece,

não estrague a sua vida querendo proteger a dos outros, vale mesmo a pena deixar

um filho desamparado por amor a uma nação insignificante? — fez sua jogada.

Talvez fosse uma estratégia, uma astúcia que o enganaria se ele a ouvisse com

confiança. Precisava ser forte e não entregar o jogo, precisava saber lutar.

— Não tenho filhos... — a afirmação doeu, mas foi bem pensada.

— Vai mesmo negar um filho que nem conhece? — o alemão sorriu

perversamente, tirou do bolso algo que pertencia ao guerreiro e jogou para dentro

do cativeiro, era a fotografia do recém-nascido —. Que espécie de pai é você?! —

provocou.

Henrique encarou aquele homem com lágrimas dolorosas, não aguentava mais

tanta opressão, não suportava mais tamanha brutalidade.

— Estou sempre um passo a frente — soltou uma baforada —. Aproveite a

companhia e cheguem a um acordo, ou contam o que sabem ou cavarão as próprias

covas! — deixou o lugar, mas seu pavor permaneceu.

Logo alguém encapuzado foi lançado junto ao militar, parecia exausto, como se

tivesse levado uma surra desleal. Henrique se aproximou, tirou o capuz, contemplou

o rosto machucado e sentiu nova dor na alma.

Era Jorge...

Page 231: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

231 Capítulo 45 – Amor Indestrutível

Capítulo 45 – Amor Indestrutível

Pouco antes...

Jorge, Luís e o tenente adentraram a mata enquanto outros soldados

buscavam por informações nos arredores, todos mantinham as esperanças,

procuravam acreditar em boas novas.

O trio caminhava atento, abria caminhos por entre as árvores com total

atenção, além de potentes rivais poderiam se deparar com animais perigosos, todo o

cuidado ainda era muito pouco. Colocavam por defesa os armamentos que levavam,

estavam sempre prontos ao ataque, salvariam Henrique não importava como,

cumpririam a missão sem pestanejar.

Fazia frio, o vento gelado diminuía ainda mais a sensação térmica, as

vestimentas não aqueciam o bastante, os corpos tremulavam involuntariamente pelo

inverno rigoroso e pela adrenalina violenta. Permaneciam na caminhada, como

guerreiros, seguindo os prováveis rastros que o soldado deixara sobre o solo

lamacento, rastros que mostrariam o que pudera ter acontecido.

Em certo ponto as pegadas cessaram, foram substituídas pelas marcas das

rodas de um carro. Sabiam exatamente o que fazer.

Correram contra o tempo.

Voltaram ao pelotão a partiram de carro.

Só os três. Não queriam alardes. Tentariam a sorte.

Seguindo os rastros do veículo usado no sequestro estavam, mais uma vez,

perante uma casa discreta no meio do mato, porém aquela possuía uma característica

notável: a suástica nazista era exibida na porta como se os seus moradores não

quisessem se esconder.

E de fato não queriam.

— Burros de mais! — o alemão camuflado pulou da copa de uma árvore, pegou

de surpresa o despercebido Jorge, colocou-o na mira do revólver —. Um passo e eu

atiro — além de discursar em alemão gesticulou com as mãos, conseguiu dar o seu

recado. Agarrou o braço do soldado, trouxe-o para mais perto sem desviar os olhos

dos demais, começou a dar passos traseiros —. Quietinhos — distante o bastante

Page 232: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

232 Capítulo 45 – Amor Indestrutível

disparou contra o tenente e Luís seguidas vezes, não mirou, mas sua intenção era

machucar. Foi esperto, aproveitou o susto dos militares para levar seu prisioneiro,

dentro daquela casa os inimigos jamais teriam poder contra ele.

Ao ataque os soldados se jogaram contra o chão em um reflexo involuntário,

porém preciso, rolaram seus corpos por entre as árvores, temeram revidar a

provocação e perderem mais um combatente.

Preso, vulnerável a crueldades e ainda sentindo os efeitos de uma injusta e

covarde surra, Jorge sentia-se fracassado, não acreditava que fora capaz de perder

o foco, deixar-se ser levado por um dos rivais, homens impiedosos, que ansiavam pela

vitória naquela guerra devastadora e não mediriam esforços para tal.

— Sabe o que aconteceu com eles?

— Vi que foram para trás das árvores, mas não sei se foram atingidos, se

passam bem... — resmungou pela fisgada que o incomodara na costela —. Se eu

tivesse sido um pouco mais esperto...

— Agora não é hora de se culpar — ajudou o amigo a esticar as pernas sobre o

chão —. Por que o agrediram?

— Para que eu dissesse a verdade. Recusei... Precisamos sair daqui, não

pensarão duas vezes antes de nos matarem.

— Não farão isso, pelo menos não por enquanto, talvez sirvamos como isca em

suas mãos.

— Espero que nos salvem.

— Vão nos salvar!

A missão ficava difícil.

Mas ainda possível.

[Roma, Itália – 1944]

A fim de acertar os últimos ajustes para a ida de volta à Berlim, Maik se

encontrou com sua aliada em uma danceteria famosa pelas ótimas bebidas e pelo

Page 233: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

233 Capítulo 45 – Amor Indestrutível

clima amistoso, um lugar onde pessoas como ele, revoltadas com a guerra e dispostas

a derrubarem seus causadores, estariam seguras.

Alguns anos antes...

Em mais uma das longas e secretas viagens do marido, Isabel aproveitou para

se refugiar da opressão ao lado do homem que realmente amava. Sempre cuidadosa,

não levantava suspeitas e nem deixava que olhos maldosos a flagrassem em suas

ações.

— Como é bom vê-la — Maik a recebeu em seu apartamento beijando-a com

saudade, uma saudade causada pelo tanto que se amavam —. Senti a sua falta...

— Nem preciso dizer que também senti a sua... — encarou as íris verdes com o

mesmo sentimento da juventude, algo que o tempo jamais destruiria —. Se eu

pudesse largava todas as coisas, mas perderia meu filho e talvez colocasse sua vida

em risco, dores insuportáveis!

— Como está Sebastian?

— Cada dia mais esperto... — por alguns segundos fitou seu ouvinte como se

quisesse declarar algo, como se precisasse revelar alguma verdade —. Como eu

gostaria que fosse você o pai...

— Não se preocupe, querida, um dia teremos a nossa família — não era um

plano, era uma promessa —. O que acha de darmos um passeio?

— Adoraria, mas não posso arriscar que me vejam...

— Prometo que seremos discretos, ninguém nos notará.

Um pedido feito com tanto carinho e desejo para ser aceito não poderia ser

recusado, mesmo ciente de todos os perigos a alemã se rendeu em uma precipitação

adolescente, mas precisava daquilo, precisava se esquecer da realidade árdua a qual

estava submetida.

Foram a uma danceteria pouco prestigiada, mas ainda assim agradável. Isabel

analisou o lugar com bastante atenção, certificou-se de que estava mesmo segura, de

que poderia se entregar àquela noite sem medo de aproveitar os bons momentos,

teve a certeza de que se livraria dos muitos pesadelos ainda que momentaneamente.

Page 234: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

234 Capítulo 45 – Amor Indestrutível

Soava uma música tranquila naquele dia escolhido para a celebração do amor

que alguns casais sentiam, as luzes deixavam o ambiente com aspecto romântico,

todos que dançavam estavam apaixonados, cada casal exibia aquilo que os unia.

Maik, feito um cavalheiro encantador, levou a doce mão aos seus lábios,

beijou-a se embriagando ao envolvente perfume e encarou a dona das exuberantes

íris que se assemelhavam às esmeraldas.

— Concede-me o prazer desta dança, adorável donzela?

— Com toda a satisfação... — sorria tímida, nunca deixaria de experimentar o

friozinho no ventre sempre que fosse abordada de forma tão sutil por aquele que

dominava seu coração, que dominava seus sentimentos.

Ainda eram jovens.

Mas já experimentavam o amargo da vida.

Porém, nas rápidas horas que estivessem juntos sempre provariam do doce

sabor do amor.

Isabel levou suas mãos ao pescoço do rapaz, levou o ouvido ao seu peito

escutando nitidamente as batidas de um coração sereno; Maik envolveu a cintura de

sua eterna garota obedecendo à firmeza que o ritmo exigia, trouxe-a para mais perto

de si, pôde se inebriar ainda mais no aroma das flores que aquela mulher carregava

no corpo.

Os passos brandos eram também sincronizados.

Sentiam-se em paz.

— Quando a vi se casando achei que estava tudo acabado, que não existia

chance para mim — mantinha os olhos fechados, concentrava-se na delicadeza dos

passos, no envolvente perfume e no calor que para si era emanado —. Confesso que

sofri, chorei, mas tê-la nesse momento comigo compensa todos os lamentos, ainda

que nos condenem, não me arrependo por amá-la.

— Não podem nos condenar por não sermos capazes de vencer esse amor

indestrutível, não podem me culpar por precisar do meu verdadeiro amor para

compensar um casamento indesejado, não podem nos julgar... — também fechava os

olhos, sentia-se acolhida naquela aproximação entre os corpos, sentia-se em outro

mundo, na verdade aquele “abraço” era o melhor lugar onde conseguia estar —. No

fundo sabíamos que nada nos separaria e sabemos que nada nos separará!

Page 235: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

235 Capítulo 45 – Amor Indestrutível

Continuaram pacíficos, tranquilos, feitos dois amantes.

Mas dentre as pessoas desconhecidas e inofensivas estava alguém astuto e

cruel que anos mais tarde, na hora certa, revelaria a verdade a Manfred e causaria

uma reviravolta naquele romance escondido.

Sentado no balcão, esperando que sua bebida fosse servida, Maik foi levado

de volta ao passado e se não fosse por Ana ficaria lá ainda mais tempo.

— Está tudo bem? — a brasileira o tirou de seu êxtase.

— Desculpe... — sorriu desconcertado, escondendo os olhos marejados —.

Desculpe...

— Pensando nela, não é mesmo?

— Foi em um lugar como esse que dançamos até as portas se fecharem e os

donos pedirem para que saíssemos — revelou se divertindo pelo ocorrido —. Sinto

falta dela e de tudo o que vivemos, mesmo que escondidos do mundo, sem podermos

demonstrar nossos intensos sentimentos.

— Prepare-se para reencontrá-la — aconselhou —, permitiram que minha missão

se estendesse à Alemanha, podemos partir quando quiser!

Aquela era a melhor notícia dos últimos meses, finalmente daria início ao seu

plano e lutaria por um amor que permanecia vivo dentre as muitas dificuldades.

— Maik Hoff... — alguém o pegou pelo braço e falou em seu ouvido com voz de

ameaça —. Por quanto tempo achou que se esconderia de nós? — era Klaus Weber,

o mesmo oportunista da noite na danceteria, aquele que mais tarde revelou a

Manfred as traições de sua esposa e que agora estava disposto a continuar em suas

astúcias.

Page 236: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

236 Capítulo 46 – Equívoco

Capítulo 46 – Equívoco

Quando achamos que nada mais pode nos parar em nossos planos ficamos

folgados, desatentos, confiamos em demasia na nossa própria capacidade e nos

esquecemos que perante certas circunstâncias nossa fragilidade é imensa. Erramos

ao nos considerarmos poderosos e imbatíveis, erramos ao nos convencermos sobre o

silêncio do inimigo, erramos por sermos ingênuos e acreditarmos que ninguém possui

a última carta.

— O que você quer? — Maik não se intimidou, adentrou os olhos ameaçadores

e manteve o diálogo no som baixo das vozes que brigavam.

— Apenas me certificar de que serei o último rosto que verá — deu uma facada

no abdômen do oponente, ainda insatisfeito torceu a arma, estava seguro naquele

lugar, ninguém se levantaria contra ele, era um alemão impiedoso até mesmo com a

própria vida.

Maik sentiu a ardência do ferimento seguida pela dor insuportável, em meio ao

frio que fazia suava de aflição, caiu de joelhos, perdia a consciência.

Até então apenas curiosa pelo que acontecia, Ana se assustou com a visão,

examinou o machucado, não poderia fazer nada, se tirasse a faca o sangue correria,

se não a tirasse a dor permaneceria.

— Assassino! — esbravejou contra o desconhecido chamando a atenção,

atraindo olhares assustados, apavorados.

— Ninguém se mova! — Klaus abriu o paletó revelando o cinturão de dinamites,

estava ali para cumprir ordens, enfeitiçado por doutrinas mentirosas seria capaz de

se destruir para causar a destruição —. Já estou de saída — seus passos de

retrocesso eram vagarosos, mulheres se afligiam e homens tentavam amenizar o

assombro, todos estavam lado a lado com a morte —. Tenha um bom sono, Maik,

mandarei lembranças à Isabel — vestido com seu sorriso abominável tirou a sua

presença infame de um lugar que nunca presenciara sequer uma briga, quanto mais

um ataque homicida com ameaças suicidas.

— Precisamos levá-lo ao hospital! — Ana suplicou por ajuda, além de um aliado

em sua missão ganhara um amigo que desde o primeiro encontro mostrou que

acreditava em sua capacidade, não a desprezou por sua deficiência, antes a acolheu.

Page 237: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

237 Capítulo 46 – Equívoco

— Não sei se aguento... — o ferido mal conseguia falar, seu corpo era tomado

por uma estonteante fraqueza, suava frio, entregava-se a um descanso que nunca

terminaria —. Promete que irá atrás de Isabel? — pediu entre lágrimas —. Promete que

dirá que a amo? — precisava daquela promessa, morreria em paz.

— É claro que eu prometo... — a enfermeira não conteve a demonstração de

angústia, mas também não deixou de expor sua esperança —. Não se preocupe, você

mesmo declarará o seu amor.

Talvez não.

Os olhos daquele homem se fecharam.

Ao lado do paciente, Ana observava atenta a foto de Isabel, aquele

sentimento que existia entre ela e Maik era de se admirar, pois nem o invencível

tempo fora capaz de destrui-lo, antes intensificou o seu grau. Se já torcia por um

final feliz agora estava mais do que decidida a batalhar por ele, mesmo que não fosse

o seu final, mas seria o de pessoas que viveram anos de tristeza e opressão, anos de

negação ao que sentiam, mereciam uma boa mudança.

— Maik? — percebeu quando o alemão acordou —. Como se sente?

— Sonolento... — sorriu aliviado, agradecido, sentia como se tivesse renascido

—. Parece que não conseguiram o que queriam...

— Depende do que pensa que queriam — lançou o enigma —. Não queriam que

morresse...

— Queríamos que fosse avisado que a morte poderia estar mais próxima do

que é capaz de imaginar — uma presença detestável e surpreendente se manifestou

no quarto do hospital —. Quanto tempo, meu caro — era Manfred Hoff, um homem

esperto e ligeiro.

A noite era fria e tenebrosa.

O tenente Sérgio e o soldado Luís observavam com atenção cada movimento

na casa escondida, não voltaram a fim de buscar ajuda por acharem insensato, seus

parceiros poderiam perecer.

Page 238: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

238 Capítulo 46 – Equívoco

— É impossível entrar aí — o soldado reclamou.

— Não se formos destemidos — o tenente arquitetava planos —. Renda-se!

— Como é que é?

— Renda-se, distraia-os e deixe o resto comigo.

Na entrada do esconderijo dois nazistas se atentavam à segurança do lugar, se

dependesse deles ninguém romperia as barreiras com vida.

— Ei! — alguém se apresentou com as mãos ao alto, sem quaisquer armamentos

—. Aqui! — caminhava lentamente, parecia exausto —. Não aguento mais — próximo o

suficiente para descobrir seu rosto caiu de joelhos, levou o rosto ao pó —, preciso de

água — parecia ofegante.

Os alemães trocaram olhares desconfiados, observaram ao redor com

atenção, colocaram seus fuzis à dianteira, não hesitariam em disparar contra o

cérebro de um potencial prisioneiro.

Caíam como patinhos.

Sem remorso algum Sérgio chocou um tronco de árvore contra a cabeça de

um, derrubou-o, antes que o outro pudesse revidar a investida chutou seu queixo,

ouviu a quebra do maxilar e assistiu o corpo cambaleante cair violentamente.

— Graças a Deus! — Luís se sentiu protegido.

— Troque de roupa — ordenou fazendo o mesmo —. Quando não puder

contra o inimigo se transforme em um deles — aconselhou.

Vestidos como os alemães tiveram livre acesso à casa escondida, não sairiam

dali sem os seus amigos.

Pelo corredor que andavam avistaram um cômodo iluminado, antes do objetivo

precisavam eliminar as ameaças, fariam o possível para que o sucesso da missão

fosse devidamente alcançado.

— O que fazem aqui? — o alemão, que se concentrava na leitura das Sagradas

Letras, irritou-se ao ver os soldados —. Voltem aos seus postos agora!

Revoltado, se deixando levar pelo calor da guerra e ignorando as palavras que

desprezava fervorosamente, Luís avançou contra o oficial, antes que ele pudesse

tomar posse do revólver tapou sua boca, não demorou para que Sérgio usasse sua

força brutal e arrancasse um dos dentes daquele homem prepotente.

Page 239: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

239 Capítulo 46 – Equívoco

— Hipócrita — tirou a Bíblia de suas mãos esticando o corpo sobre a cama —.

Que as pragas desse livro caiam sobre você!

Amarraram os pés e as mãos do alemão. Na boca, colocaram meias, com

aquele não teriam problemas.

Vasculharam as gavetas da cômoda e, além de granadas, encontraram chaves.

Retrocederam em seus passos e trancaram a porta, ninguém mais o veria até que o

plano terminasse.

Continuaram seus passos.

Caminho livre.

Encontraram os prisioneiros adormecidos.

— Acordem! — Luís chacoalhou as grades enquanto o tenente experimentava

as chaves —. Precisamos partir!

Demoraram alguns instantes até acreditarem, mas o sono passou e o que

parecia sonho se mostrou uma grande realidade.

Livres, abraçaram-se.

Uma arma foi destravada.

— Ótimo! — o espanhol mal pronunciado soou no cativeiro —. Manfred ficará

feliz pelos novos prisioneiros —. Não era apenas um nazista, mas três apontavam

seus armamentos devastadores.

— Chame os médicos! — Maik pediu à amiga, a seriedade com a qual pedira

afligiu a enfermeira.

— Fique aqui, manca nojenta! — se achavam que passariam tão facilmente por

aquele homem estavam se entregando à ingenuidade, Manfred conteve Ana pelo

braço e forçou seus passos de recuo —. Antes de chamar quem quer que seja terá

que me ouvir ou nem precisará mais dos cuidados desse lugar miserável, eu mesmo lhe

garantirei um tratamento duradouro e eterno — sorriu calmo, sua voz era tranquila,

puro cinismo.

— O que faz aqui? Não temos nada a tratar!

Page 240: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

240 Capítulo 46 – Equívoco

— Mas é claro que temos, você se juntou a devassa de minha esposa e com isso

criou uma enorme dívida comigo — levou os olhos aparentemente serenos sobre a

brasileira amedrontada —. Vejo que se cansou e partiu para outra, agora se for

esperto levará essa mulher para bem longe e ficará com ela distante de todos aqueles

que o odeiam. Se quiser viver essa é a opção.

— Não profira as suas mentiras e nem destile seu veneno, não o temo, como

nunca o temi, se esperei por todos esses anos e se vivi fugido foi por amor à Isabel,

em defesa de sua integridade, em um ato de protegê-la das garras de um monstro —

defendeu sua honra e os seus sentimentos —. Se tem uma coisa da qual me cansei é

de viver fugindo, distante daquilo que me importa, estou disposto em enfrentá-lo! —

ameaçou corajosamente —. Mas pare de covardias, não aja feito um verme e não

mande me intimidarem, seja homem e me enfrente cara a cara — provocou.

— É isso o que ganhamos por sermos misericordiosos, ao invés de assustá-lo

deveria logo te matar — caminhou para mais perto do rival sob os olhos atentos de

Ana —. Se quiser mesmo me enfrentar, assim seja — agarrou Maik pelo pescoço,

obstruiu a passagem de ar, enchia-se de ira —. Morra!

— Ajudem-me! — a enfermeira gritou assustada, apavorada.

— Deficiente nojenta e desgraçada! — soltou o oprimido enxugando o suor na

testa —. A escolha é sua Maik, sabe o que acontecerá com essa inútil se pisar em

Berlim! — partiu deixando sua ameaça.

O erro que cometemos ao subestimarmos o nosso inimigo pode ser fatal, mas

quando o resultado de tão devastador equívoco é apenas um susto e uma mensagem

de ameaça ganhamos mais tempo, somos acordados para aquilo que realmente nos

rodeia e podemos planejar o próximo passo: ou desistimos da luta ou a levamos

adiante certos de que estamos caminhando de encontro ao abismo.

Page 241: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

241 Capítulo 47 – Bravura

Capítulo 47 – Bravura

— Achavam mesmo que facilitaríamos as coisas? — dizia o combatente alemão,

cercado pelas doutrinas de Hitler, posto ali para servir a sua nação —. Nunca

pensem que somos idiotas, podem passar por dois, três, mas sempre teremos alguém

para destruí-los!

— Se não for pedir muito melhore esse espanhol — Sérgio provocou — e

depois conversamos — a sangue frio, arriscando sua própria vida, avançou

ligeiramente contra o opressor, usou-o como escudo ao ataque que recebera, o

corpo ao seu domínio se encheu de balas.

Esperto e certo em salvar aqueles que lhe pertenciam, Luís disparou contra as

pernas dos outros rivais, o tenente completou o serviço, três corpos se estiraram ao

chão, derramavam seu sangue.

— Rápido, saiam depressa! Logo estarei com vocês.

O trio correu, escondeu-se por entre as árvores, mas não perdiam de vista a

casa camuflada.

Sérgio, por sua vez, voltou ao quarto onde amarrara certo alemão, encarou-o

severamente e deixou seu recado:

— Da próxima vez eu explodo isso tudo!

— Mas que droga! — Manfred esbravejava irado —. Não são capazes de

manter dois animais na jaula?! Como desejam a ascensão de seu povo que mal

defendem?! — gritava contra os cadáveres como se eles pudessem ouvi-lo, como se

pudessem sentir o peso do seu sermão —. É por isso que estão perdendo, ao invés

de homens impiedosos recrutaram moleques inofensivos, merecem uma vergonha

eterna! — acendeu o charuto, deu a primeira tragada, lançava seu olhar de desprezo

sobre o soldado marcado nos pulsos, o único que ainda vivia —. Não se sente

humilhado por estar aqui?

— Erramos ao julgar o nosso inimigo como burros que não sabem nem disparar

uma arma, eles são terríveis ao se tratar de defesa aos seus, atacam sem piedade ou

qualquer demonstração de medo — o militar afirmou —. Não quero mais fazer parte

Page 242: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

242 Capítulo 47 – Bravura

disso, não quero mais servir de vigia a ninguém, cansei dessa guerra que nos afunda a

cada dia! — mostrou toda a indignação que sentia.

— Então está declarando que é um traidor?

— Estou afirmando que é inútil lutar por algo que se corrompe!

O oficial da SS, designado a manter a Itália sobre comando, encarou seu

subordinado friamente, nunca aceitaria uma traição, nunca suportaria que se

revoltassem contra aquilo que fielmente seguia, iria até o fim por cada um dos

pensamentos.

— Fuja, corra e jamais deixe o seu nome soar aos meus ouvidos ou será um

homem morto!

O soldado obedeceu, brevemente.

— Vai mesmo bancar o piedoso? — Klaus, parceiro de Manfred, destilou seu

veneno.

— Não quero acreditar que alemães estejam se levantando contra alemães —

soltou uma baforada e suspirou profundamente, tudo o cansava —. Não somos

animais, não somos como o resto do mundo.

— É exatamente por isso que precisa fazer alguma coisa, o que aconteceu aqui

será espalhado, se verão no direito e na coragem de enfrentá-lo, a ameaça que

persegue nossos opositores será jogada por terra.

— Então faça o que tiver que ser feito — rendeu-se —. Salve a nossa nação.

Tão logo recebeu a ordem o homem saiu em obediência, seu coração era

tomado por maldade, não era tarefa difícil lutar contra alguém e apagar os seus

sonhos.

Sem os prisioneiros, sendo obrigado a aceitar o fracasso em um dos passos de

seu plano, Manfred entrou no escritório improvisado, jogou-se na poltrona perante

a mesa cheia de papelada, abriu uma garrafa de uísque e encheu o copo

demasiadamente, tomou o primeiro gole ouvindo disparos seguidos. Apoiou a

cabeça sobre a mão, parecia estar com alguma dor, abriu a gaveta da mesa e tirou

uma foto antiga, que sempre o acompanhava, uma foto que o retratava ao lado de

sua esposa e filhos pequenos, em uma época na qual ele repudiava atos de violência.

Page 243: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

243 Capítulo 47 – Bravura

— Tudo pela Alemanha! — recitou guardando a imagem e levando os olhos ao

retrato de Hitler —. Hil Hitler! — não era hora para se arrepender dos caminhos

tomados, sua obrigação era seguir em frente.

Final e felizmente estavam de volta em um lugar seguro e protegido, onde os

perigos de um país inflamado pela perversão buscavam engoli-los covardemente, sem

receios ou ressentimentos.

Henrique se jogou na cama após um banho refrigerante, agradeceu aos céus

por ainda estar vivo, por ter a oportunidade em continuar lutando por sua

sobrevivência a fim de reencontrar a mulher que amava e conhecer o filho que já tinha

o seu amor.

Alguns anos antes...

Faltavam poucos dias para o casamento.

Era dentro da igreja que alimentavam a fé sobre uma união eterna.

De mãos dadas adentraram o templo sagrado, perante a cruz que remetia ao

martírio de um homem santo ajoelharam-se respeitosos, repousaram as mãos sobre o

banco adiante, elevaram seus pensamentos ao mundo celestial. Pediam por bênçãos,

por sabedoria, por milagres, por entendimento, por proteção, pelo futuro que

despontava, pela união que logo seria firmada perante testemunhas e perante Deus.

— Amém — falaram ao mesmo tempo.

Sentaram-se, um ao lado do outro.

Ali dentro estavam envoltos pela paz, sentiam-se seguros por Aquele que os

enxergava e que por certo torcia pelo amor que há tempos nascera entre seus

corações. Estavam protegidos do restante do mundo e tudo aquilo que dissessem

seria eternizado.

— O que suplicou? — o jovem soldado era curioso, mas além disso sentimental,

precisava saber se era lembrado até mesmo nas orações.

— Pedindo por você — Carol sorria cheia de afeto, sua voz soava pacífica,

apenas seu amante era capaz de ouvi-la —. Pedindo para que Ele o proteja e guie

Page 244: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

244 Capítulo 47 – Bravura

onde quer que se encontre, deixei em Suas mãos aquilo que não poderei fazer, mas

que sem dúvidas faria.

— Não poderia me colocar em mãos melhores, se não a tiver ao meu lado, Ele

sempre estará, olhando não apenas por mim, mas por nós — voltou a atenção ao

símbolo de uma dor carnal e espiritual, dor pelos açoites levados injustamente e dor

por ter sido negado por aqueles a quem veio salvar —. Pedi para que defenda a

nossa família, para que nos acompanhe em nosso futuro, para que nunca deixe o

nosso amor desfalecer.

— Pedidos tão nobres como esses são irrecusáveis — também atenta à voz que

passava uma mensagem de misericórdia cedida por ser um ser limpo de qualquer

pecado, a doce mulher acolheu a mão de seu elegante noivo, entrelaçou os dedos em

um gesto necessitado, desejava eternamente por aquela união —. Pela graça de

Deus passaremos bons anos na companhia um do outro.

— Se Ele quiser!

Henrique voltou àquela manhã especial, lembrou-se das palavras trocadas e de

uma oração inesquecível. Não deixou de se emocionar ao se dar conta de que aquele

antigo pedido ainda era atendido, Carol não estava ao seu lado, não tinha o poder

de consolá-lo depois de momentos atormentantes, mas Aquele que os unira se fazia

presente, como em todas as horas, fazendo-o sentir o doce sabor daquele amor que

nunca diminuía, antes aumentava em atendimento à outra súplica: “... para que nunca

deixe o nosso amor desfalecer”.

Jorge, mais exausto, deitou-se, virou para o canto e procurou descansar a

mente, quando imaginou que viveria uma punição sem nada dever? O sentimento de

injustiça tomava sua alma, nada daquela brutalidade fazia sentido, antes a certeza

era uma só: a piedade e a bondade humanas parecem desaparecer. Contudo sentia

que as coisas estavam longe do fim e que coisas piores se aproximavam.

Page 245: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

245 Capítulo 47 – Bravura

Manfred partiu, mas deixou no hospital o seu recado: era perigoso, audaz e

estava disposto em causar muita dor se preciso fosse para que seus andares não

sofressem com obstáculos.

— Você não pode continuar me ajudando — Maik declarou —. Precisa voltar ao

seu posto, permanecer em sua missão até o fim de toda essa baderna, só assim

poderá voltar para casa.

— O que está dizendo? — Ana estranhou —. Não precisa se preocupar, estou

contigo porque quero e preciso, não é aquele homem que vai me parar, aliás não

tenho o que perder.

— Faz ideia do que ele quis dizer em sua última ameaça? — lembrou-se das

derradeiras palavras: “A escolha é sua, Maik, sabe o que acontecerá com essa inútil

se pisar em Berlim!”.

— Apenas uma ameaça desesperada.

— É uma promessa — os olhos do alemão transmitiam severidade, o perigo

existia e rugia feito um leão faminto, disposto em devorar tudo o que estiver a sua

frente —. Vivemos tempos de desgraças e perversões, sabe que não vejo isso como

um problema, mas pessoas como você, que possuem alguma deficiência e se expõem

na Alemanha, perdem suas vidas injusta e indignamente. Matam deficientes tanto

quanto matam os judeus, matam por matar.

O aviso era perturbador.

No Brasil apenas viveu sob os olhares de desprezo e zombaria, mas agora se

sentia ameaçada de morte por ser como era. Ergueu a cabeça, levantou sua honra e

prometeu a si mesma que desbravaria e destruiria qualquer preconceito.

— Desista, mas não vou retroceder, não vou me esconder. Vamos à Alemanha,

encontraremos aquele garoto, salvaremos o seu amor e mostraremos ao mundo que

gente do bem jamais será vencida! — não era um desabafo, era um compromisso, um

surpreendente, corajoso e ameaçador compromisso.

Page 246: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

246 Capítulo 48 – Crueldade

Capítulo 48 – Crueldade

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1944]

O tempo se passou e um ano voou.

O pesadelo ficava cada vez maior.

Dezenas de judeus foram reunidos, homens e mulheres que já não rendiam a

produção almejada, seres humanos considerados como inferiores e feitos por menos,

mas sorriam em sua caminhada para a morte, a promessa era a de que um banho

confortável os esperava, um banho no qual não precisariam se preocupar com o

tempo nem com o desperdício, um banho que há muito tempo não tomavam.

Entraram no amplo banheiro.

Estranharam não haver a separação dentre os sexos expostos.

— Fechem as janelas! — ao mandato de um alemão controlador os demais

soldados obedeceram —. Tirem suas roupas! — ordenou aos prisioneiros —. Agora!

— não tolerava demoras.

Aqueles indivíduos confusos se colocaram em submissão às palavras daquele

que detinha o poder da dor nas mãos, olhavam-se desconfiados, envergonhados por

expor suas vergonhas, aquilo que parecia ser um banho há muito desejado agora se

encaminhava a mais uma estratégia torturante.

— Homens! — recebeu a continência dos subordinados —. Saiam todos —

aguardou que os alemães se retirassem —. Aproveitem o banho — sorriu perverso,

deu às costas aos prisioneiros —, porcos imundos!

Sem que precisassem tocar nas torneiras os judeus viram os chuveiros

trabalharem.

Mas não era água.

Parecia fumaça.

O gás tóxico não tardou em seu efeito, sufocava a garganta daquelas pessoas

que, desesperadas pela falta de ar, batiam na porta, batiam nas paredes, gritavam e

imploravam por compaixão, suplicavam pela misericórdia de homens corrompidos em

sua humanidade.

Page 247: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

247 Capítulo 48 – Crueldade

Um caía em um canto. Outro mais distante.

Um a um perdia suas vidas.

Os gritos diminuíam.

Até desaparecerem.

O sol raiava naquele verão massacrante.

Judeus suados e exaustos abriam buracos no chão.

Barbudo, maltrapilho, com aparência cansada, Abner obedecia ao mandato

cruel, preparava covas e ali colocava seus companheiros, enterrava o seu próprio

povo. Chorava, sabia que mais cedo ou mais tarde seria ele o enterrado, longe de

quem amava, sem qualquer cerimônia de despedida, sem o direito de declarar seus

intensos sentimentos àqueles que precisavam ouvi-los.

O sofrimento era cruel se não devastador.

De longe Sebastian assistia àquela cena, judeus enterrando judeus, sua alma

se atribulava, seu coração se enojava pelo destino que o homem escolhia para si,

nada fazia sentido, como nunca faria, mas tudo tinha o poder de oprimir aqueles

puros e nobres corações.

Os olhares se cruzaram.

Queriam se aproximar.

O problema era que dias anteriores foram descobertos em seus encontros,

precisaram prometer que nunca mais o fariam caso contrário sabiam quem pagaria

mais caro. Abner queria saber como Noah estava e como Eva se sentia enquanto

Sebastian desejava sarar as feridas de seu grande amigo. A maldade os separava.

— Ainda bancando o amoroso protetor? — Klaus, parceiro de Manfred que

agora o ajudava também nos negócios contra os judeus, além de ter sido o delator da

amizade mantida entre os rapazes se revelava um inimigo cruel e astuto —. Sabe o

que pensamos sobre quem sente misericórdia desses animais, não passam de

traidores dignos de morte!

— Como eles morreram? — ainda não sabia, mas precisava descobrir.

— Achavam que estávamos de bom humor hoje e que em recompensa aos

serviços prestados iriam tomar um banho agradável — sua risada soou desprezível —.

Page 248: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

248 Capítulo 48 – Crueldade

Pobres coitados, os chuveiros se abriram e ao invés de água a morte tocou seus

corpos, morreram sufocados — encarou seu ouvinte com ar de ameaça, de aviso —,

agonizaram até o último segundo.

O jovem alemão não escondeu sua dor, seus olhos se avermelharam

repentinamente, uma lágrima brusca queimou seu rosto, a voz enfrentou barreiras

densas para que conseguisse soar.

— O que eles fizeram contra nós durante esses anos de servidão? Por acaso

mereciam um fim tão covarde?!

— Meu caro, irei refrescar sua memória, enfrentamos algumas rebeliões nos

últimos meses, fomos desafiados, pediram por isso! — argumentou friamente —. Além

do mais foi por causa deles que a Alemanha experimentou o sabor da humilhação e

garanto que é por culpa deles que estamos retrocedendo em nossos avanços de

guerra — declarou sua perversa crença —. É melhor conter o seu choro e enterrar

sua misericórdia, farei todo o possível para que não reste nenhum desses bichos,

convencerei o seu pai de que só assim venceremos essa luta! — deixou o seu

pensamento infundável e partiu em suas obrigações, trevas também o

acompanhavam.

Assustado por palavras tão duras que anunciavam um futuro de sangue,

Sebastian voltou a observar os judeus, em especial aquele que crescera ao seu lado,

prometia em seu coração que jamais permitiria que Abner morresse em um lugar

como onde estavam, lutaria, usaria suas forças, arriscaria sua vida e a daria se

preciso fosse.

[Berlim, Alemanha – 1944]

As coisas para Manfred apenas pioravam.

Convocado a ajudar no combate em solo italiano, o oficial da SS ainda tinha

como maior preocupação o campo de concentração, precisava manter o mausoléu em

funcionamento garantindo o cativeiro de tantos inocentes. Mas em sua casa nada ia

bem, sentia que perdia o respeito à base do medo que conquistara, já não o ouviam

Page 249: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

249 Capítulo 48 – Crueldade

como antes, não o veneravam e nem o esperavam quando anunciava sua companhia

para o jantar, sentia-se indesejado, mas esse não era o problema, sua preocupação

era outra e se aproximava a passos largos.

— Eva, precisamos conversar — entrou no quarto da filha como há muito tempo

não fazia, recordou-se das noites que ali entrava para desejar uma boa noite, contar

histórias, recordou-se de um tempo no qual ainda possuía humanidade pulsando no

peito.

— Sim — a jovem alemã interrompeu sua escrita e se virou para o homem de

semblante abatido, cansado pelo intenso trabalho, pelas tantas cobranças, não

pôde deixar de se recordar dos tempos antigos, quanto o amava, quando o chamava

de pai cheia de entusiasmo, quando mesmo percebendo a infelicidade da mãe pelo

menos recebia o carinho do severo alemão.

— Estive pensando, acredito que sua mente seja mais avançada que a de seu

irmão e pensa na importância que nossas ações do presente terão sobre o futuro —

sentou-se na cama que há muito tempo não sentava e novas lembranças o afligiram —.

Tenho um pretendente a você — contra a filha nunca forçou nada, sempre procurou

consultá-la e, espantosamente, parecia manter o hábito.

— Se considera aminha mente mais avançada irá entender se eu disser que não

aceito — declarou sem nervosismos, enfrentaria o desafio com sabedoria, com

firmeza.

— Mas precisa aceitar! Precisar enxergar as vantagens que terá se casando

com o jovem que escolhi, ele é rico, inteligente, por certo construirá impérios tão logo

a guerra termine — justificou sua decisão —. Não acredito que ainda se sinta atraída

por um judeu que nada pode lhe oferecer!

— Nada pode me oferecer?! — riu desacreditada —. Ele me oferece lealdade,

sinceridade, felicidade e amor, não deseja que sua filha viva algo que a agrade?

Confesso que não entendo tudo isso que acontece, não vejo culpa em um povo

inocente, não compreendo como é capaz de fazer sofrer alguém que pegou no colo —

mostrou uma foto dos anos passados, nela estavam Manfred, Eva, Sebastian e

Abner, todos sorridentes, felizes, eternizados em uma imagem —. Acha mesmo que

os dias de hoje são melhores que aqueles?

— Minha filha...

Page 250: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

250 Capítulo 48 – Crueldade

— Não. Hitler está errado, encaminha-se ao buraco e leva todos vocês com ele.

Mas ainda dá tempo de se arrepender, ainda dá tempo de corrigir seus erros, ainda

podemos voltar a sermos aquilo que éramos.

— Fui avisado de que seria tentado a trair minha nação — levantou-se —. Mude

seus pensamentos ou será vista como um deles.

— Nunca me importaria, são donos de nobres espíritos — anunciou sua

admiração —. E se insistir nessa ideia de casamento prometo manchar sua

reputação, declararei perante todos que amo um judeu! — era uma ameaça perigosa

aos ouvidos do poderoso alemão.

— É o que veremos!

Voltando ao seu escritório na luxuosa mansão Manfred se espantou com a

presença da esposa que o aguardava, repousou o paletó sobre o cabideiro e se

sentou em sua poltrona, do outro lado da mesa Isabel o encarava.

— Precisava mesmo conversar com você, precisa convencer sua filha a se casar

com o jovem que determinei, as consequências podem ser graves quando me

contrariam, diria que mortais! — como de praxe, acendeu o charuto.

— Não, nossa filha não cometerá o mesmo erro que eu, até porque estou

encerrando ele aqui — jogou uma papelada perante o marido —. É um pedido de

divórcio, mas se eu fosse você não o veria como um pedido, encará-lo-ia como uma

ordem — sorriu vitoriosa.

— Acha mesmo que pode me ditar ordens? — afastou os documentos —. Pensei

que me conhecesse.

— Mas é claro que conheço e se não fizer o que mando declaro a todos que o

traí, que não passa de um corno ingênuo que se deixa ser enganado o quanto

quiserem.

— Está bem, Ana — levantou-se e caminhou até a mulher, estendeu a mão e,

como um cavalheiro, esperou que levantasse —. Se vamos fazer negócios devo tratá-

la assim, pensarei com carinho sobre a proposta — guiou-a até a porta.

Por alguns segundos a alemã acreditou que seria fácil, mas antes que saísse do

escritório o marido a jogou contra a parede, segurou suas mãos para trás e

pressionou-a levando a voz ao seu ouvido.

Page 251: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

251 Capítulo 48 – Crueldade

— Nem ouse em seguir adiante com essa afronta! Há poucos dias estive com

Maik e não hesitarei se precisar matá-lo perante os seus olhos — abriu a porta e

jogou Isabel sobre o chão —. Tenha um bom dia, querida!

Page 252: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

252 Capítulo 49 – Mudança

Capítulo 49 – Mudança

[Rio de Janeiro, Brasil – 1944]

Em suas mãos estava um envelope agraciado, o remetente ali inscrito não

poderia ser alguém melhor, seu coração pulsou alegre, finalmente teria notícias

daquele que tanto amava. No meio do papel dobrado tinha uma foto exibindo um

soldado sorridente e estendendo uma rosa, seu semblante era apaixonado e tirou um

sorriso delicado daquela que sobre a imagem passeava o indicador como se tocasse

em Henrique.

O filho dormia.

Sentou-se aos pés da cama e começou sua agradável leitura.

23 de janeiro de 1944

Querida Carol, minha rainha.

São dias difíceis, mas antes que se apavore saiba que estou bem, mandei essa

foto para provar que tudo continua tranquilo e que nossa esperança sobre um

futuro de paz permanece viva. Mostre ao nosso filho, diga que se eu pudesse

estaria ao seu lado em todos os momentos.

Fui sequestrado. Desculpe-me por dar uma notícia como essa de forma tão

direta, mas não tem como declarar se não assim. Levaram-me e me aprisionaram em

um esconderijo, mas estou cercado por amigos preocupados, fiéis e destemidos que

arriscaram suas vidas a fim de salvarem a minha, colocaram os seus sonhos em

perigo para que os meus pudessem continuar. Fato é que tudo terminou bem, voltei

a lugar seguro e escrevo essa carta para agradecer por sua proteção, lembro-me

perfeitamente do dia no qual entramos em uma igreja, pouco antes de nos

casarmos, sei qual foi a sua petição e garanto que ela é atendida até os dias de

hoje, mesmo em meio a essa distância dolorosa que nos separa, suas orações têm

me acompanhado nessa guerra, acredito que se ainda estou vivo é por causa delas.

Esse episódio aumentou a fé em meu coração, nosso amor ainda será vivido por

muito tempo.

Nosso filho irradia na face a sua origem: de um amor genuíno, puro e

verdadeiro. Minha vontade em voltar para casa aumentou quando vi seu rosto,

quando senti que há muitos nobres sentimentos o cercando, protegendo-o, cuidando

de seu caminho por mim. Não deixe de falar sobre mim, faça-o conhecer o homem

Page 253: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

253 Capítulo 49 – Mudança

que você conheceu, ajude-me a conquistar o seu carinho e o seu orgulho. Quero ser

como um herói ao nosso pequeno, quero que minha presença o agrade, que minhas

palavras possam lhe dar forças e que o meu exemplo o transforme em um grande

ser humano, de caráter, de amor para com todos.

Preciso desabafar que ainda não entendi o porquê de estarmos em meio a um

conflito tão fatal. Pelo que dizem são interesses econômicos, demonstrações de

poder, mas tudo o que vejo são ignorantes querendo passar por cima de qualquer

um a fim de alcançar o pódio, a humanidade parece se esvair dos corações, a

bondade e o desejo por cuidar do próximo parecem desaparecer. Nesse lugar tenho

a pior demonstração de um lado negro do ser humano, um lado que não se

importa em derramar sangue inocente, de provocar lágrimas aflitosas, um lado

que se ensurdece aos clamores de paz e piedade, um lado inteiramente egoísta.

Mas procuro acreditar que nos dias vindouros o tormento cessará e a alegria

retornará para cada alma.

Não poderia deixar de terminar minhas breves palavras sem reafirmar o

quanto amo a única e exclusiva leitora desse humilde texto, uma mulher que se

destaca dentre as demais por, além de ser linda, possuir o dom do amor, de fazer

um pobre homem feliz, por mesmo em terras longínquas lançar o seu beijo através

do vento que tão fielmente o trás para mim. Se ainda sou feliz, se de meus lábios

ainda brota algum sorriso e se minhas palavras não estão cheias de fel é por

causa dessa mulher especial que pelo simples fato de existir consegue me dar paz.

Sei que em algum lugar nesse mundo imenso alguém olha por mim.

Nunca se esqueça que te amo, porque deixar de amá-la seria insanidade.

Com amor

Henrique dos Santos, um eterno apaixonado.

As lágrimas, preocupadas, emotivas e saudosas, saltaram dos olhos azuis, o

coração vazio ardia em desejar pela volta de alguém que ali morava, a doce mulher

precisava cumprir com a missão que a si determinou: proteger o dono do seu amor.

Não pôde deixar de mudar o semblante tristonho para um mais alegre quando

encontrou o sorriso do amado bebê, pegou-o no colo e lhe mostrou a foto de

Henrique.

— É o seu pai — disse com orgulho, o orgulho que o marido queria notar no

filho, o orgulho que ela já tinha e que se dependesse de sua vontade todo o mundo

também teria —. Esse homem é quem conquistou a mamãe, que me prendeu em uma

Page 254: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

254 Capítulo 49 – Mudança

prisão da qual jamais desejarei sair, nem em algum devaneio passageiro, para sempre

quero estar presa ao seu amor, amarrada ao seu carinho — abraçou a pequena

criança que ainda nada entendia, mas que tão logo crescesse provaria do imenso

amor que existia entre seus pais, entre a sua família —. Um dia estaremos todos

juntos, eu prometo — tal promessa, repetida tantas vezes, parecia uma forma de

espantar as incertezas e atrair uma confiança almejada.

Alguém desesperado adentrou o quarto, vestia um rosto apreensivo e exibia

um olhar descrente, algo terrível parecia acontecer.

— Preciso sair, minha filha — Maria era o alguém angustiado, apressado —. Seu

pai está internado! — o amor daquela mulher apagava as mágoas do passado e

prontificava seu espírito em ajudar quem precisava do seu apoio.

Pouco antes... Tudo parecia normal.

Sentia-se bem, comia biscoitos enquanto tomava o café, lia o jornal e ouvia as

primeiras notícias de rádio. Uma dor incômoda se manifestou, uma dor insistente que

se tornara rotineira, já estava acostumado a senti-la e sabia que se não fossem os

medicamentos ela seria insuportável ao grau de sua fragilidade.

Precisava ir à feira, abastecer seu armário. Arrumou-se rapidamente, contou o

dinheiro como sempre fazia antes de sair de casa, colocou o chapéu na cabeça,

protegeu os olhos com os óculos escuros e seguiu em sua intenção.

Distante do apartamento, próximo da aglomeração dos tagarelos

comerciantes, Francisco viu o mundo a sua volta girar violentamente, perdeu o

equilíbrio, a consciência, caiu desacordado no meio da rua.

— O senhor tem alguém com quem podemos entrar em contato?

Estonteado, sentindo como se as vozes do mundo estivessem distantes, o

homem ouviu a pergunta, tentou fixar os olhos sobre a enfermeira, mas só enxergava

borrões. Percebeu que precisava de ajuda, que seu tempo se esgotava e quando

Page 255: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

255 Capítulo 49 – Mudança

menos esperasse a vida lhe cobraria os dias passados. Pensou em pedir pela esposa

ou até pela filha, mas se julgou indigno da companhia daquelas que choraram por sua

causa, talvez fosse mesmo seu merecimento partir deste mundo feito um solitário

desprezado.

— Sou só eu.

— Precisamos que se esforce por lembrar-se de alguém — a moça insistiu, aos

seus olhos parecia impossível alguém não possuir ao menos um amigo no qual se

confia —. Sua situação é delicada, quando sair daqui precisará de cuidados

atenciosos, preciso que nos ajude a ajudá-lo.

Aquele que um dia possuiu amigos e família agora se sentia sozinho num mundo

tão vasto, não tinha quem indicar, não possuía o nome do mais simples ser humano

que o ajudaria naquele momento, errou em seu caminho traçado, quis ser o dono do

próprio destino e acabou se perdendo daqueles que o acompanhariam quando a

estrada se estreitasse.

— Definitivamente, não possuo ninguém.

— Está enganado — uma terceira pessoa entrou naquele lugar, repousou os

olhos atentos sobre o paciente debilitado, mostrou disposição em ceder a ajuda

precisa —. Tem a mim, sua esposa.

— Ótimo — a enfermeira ignorou todo o resto, julgou a negação daquele

homem como sendo orgulho machista, o importante era que já tinha o necessário —.

O médico virá dar as recomendações, terão um longo e dificultoso caminho a

percorrer.

Francisco não sabia como reagir, se agradecia ou se fosse sensato o bastante

para reconhecer seus erros passados e aceitar a solidão, dúvidas o cercavam, não

acreditava no poder redentor de um amor nunca vencido.

— O que faz aqui? — suas vistas ainda eram turvas, mas seus ouvidos não se

enganaram quanto à voz inconfundível.

— O que qualquer uma no meu lugar faria — aproximou-se do marido —. Precisa

de mim nesse momento, fui sincera ao dizer que o perdoava pelo que já foi e agora é

o momento de provar aquilo que falei.

— Mas não mereço esse cuidado, nem essa atenção — sentiu as mãos suaves

repousarem sobre a sua, sentiu também vergonha por ter sua ignorância

Page 256: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

256 Capítulo 49 – Mudança

recompensada com amor e humildade —. Sei muito bem todos os males que

provoquei, as decepções que causei, preciso concluir e afirmar que jamais serei digno

de receber sua compaixão, não quero que faça o que não quer, não quero que se

apiede por um doente terminal que feriu seu coração. É verdade, estou arrependido,

mas isso não é capaz de mudar o que aconteceu, de sarar as suas dores.

— Quem disse que é piedade ou que não quero fazer isso? — Maria sorriu, o

mesmo sorriso do primeiro encontro, da primeira troca de olhares, um sorriso que

somente Francisco era capaz de tirar —. Tem razão, seu arrependimento não muda

coisa alguma, mas nos garante uma transformação sobre o futuro. Para que se

conformar com a solidão se pode ter a minha companhia? Por que viver se culpando

se pode ter o meu perdão? Por que vai terminar os seus dias sem amor algum se

estou disposta em amá-lo? — depositou um sereno beijo sobre o rosto emocionado —

. Permita-se à boa mudança!

Page 257: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

257 Capítulo 50 – Amor

Capítulo 50 – Amor

O tempo do hospital se passou, agora os cuidados seriam domésticos àquele

que aos poucos se definhava, perdia a força juvenil e era consumido por uma

enfermidade que o atormentava.

Cuidadosa, tendo como maior motivação aos seus gestos o amor que nunca

deixou de sentir por Francisco, Maria o ajudava a se vestir, penteou os seus fios

grisalhos e fez questão de levar ao hospital o perfume preferido do marido, faria o

possível para que sua vida seguisse normalmente, desejava que ele se sentisse bem.

— Sabe que não precisa fazer isso — ainda assim aquele homem que falhara no

passado se sentia envergonhado por suas ações, arrependido e não se achava digno

de tanta atenção.

— Já conversamos e não há mais o que problematizar, faço e continuarei

fazendo por quanto tempo precisar — exibiu um sorriso amistoso, seu coração era

sincero para com alguém que o despedaçara, mas que agora tentava concertá-lo.

— Não há palavras que possam demonstrar toda a minha gratidão. Nunca

pensei que pudesse me perdoar, muito menos que me ajudaria com tanto empenho, é

meu dever suplicar o seu perdão todos os dias!

— Quando somos leais em nossos sentimentos, mesmo decepcionados, não

deixamos de amar aquele que mora em nosso peito, talvez escolhamos a distância

para evitar o sofrimento, por medo de novas lágrimas, mas jamais conseguimos

enterrar o que sentimos, porque a verdade é impossível de esconder!

Os olhos de Francisco se abriram um pouco mais, sua mente teve que

confessar que deixara passar alguém valioso, que não valorizou como deveria aquela

que seria a melhor das esposas, que o auxiliaria tão logo lamentasse um simples “ai”.

— Perdoe-me por minha ignorância e arrogância, fui um tolo, agi feito louco —

acolheu as tranquilas mãos, envolveu-as em um gesto de proteção e carinho —. Se

por algum momento se julgou incapaz de fazer um homem feliz, saiba que foi o homem

errado que apareceu em sua vida, você é especial, diferente de tantas pessoas, é

uma pena que o seu valor não tenha sido tratado como precioso...

— Erramos a todo o momento, somos frágeis e suscetíveis a enganos —

acariciou o rosto que há tanto não tocava —, o importante é quando nos

Page 258: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

258 Capítulo 50 – Amor

arrependemos e nos dispomos a corrigir o nosso erro, isso é nobre, você é nobre,

não pode ser o homem errado para mim.

Beijaram-se apaixonados, como intensos amantes.

Foi um beijo redentor, que ressuscitou desejos apagados, que trouxe de volta

à vida a força de um amor genuíno.

Foi um beijo que destruiu a saudade sentida pelas almas gêmeas.

Enquanto ajeitavam Francisco em sua casa, Maria foi arrumar suas coisas,

fazer as malas, voltaria ao posto que tivera que abandonar, ao posto que na verdade

nunca quis deixar. Estava entusiasmada como uma adolescente, sentia o mesmo

formigamento de tempos remotos, a mesma emoção de quando decidiu amar sem

pretensões que não fossem as de alimentar o coração. Daria o seu melhor, faria o

possível para ser a melhor esposa que pudesse, garantiria ao marido últimos dias

repletos de felicidade.

— Mãe? — Carol se deparou com as arrumações —. O que está fazendo? Para

onde quer ir? — preocupou-se.

— Fui agraciada pelo amor — respondeu contente.

— O que isso significa?

— Entendo a sua posição, compreendo sua rejeição, mas o seu pai precisa de

mim, acredito que eu também precise dele, por isso irei lhe fazer companhia.

Consegui perdoá-lo, abri o meu coração e deixei que entrasse, na verdade ele nunca

deixou de morar aqui dentro e agora que me permiti em reviver esse amor sem as

mágoas do passado preciso encontrar minha felicidade.

A jovem mulher não entenderia se não sentisse o mesmo por alguém que estava

tão distante, a mãe nunca escondera tão bem o amor que ainda tinha por aquele

homem, sempre que o mencionava era com saudade, a mesma saudade que ela sentia

de Henrique. Seu sentimento de filha ainda era sufocado pelos receios de um

tempo nublado, ainda não lhe era permitido abrir os abraços a alguém que lhe causou

o pavor, mas não se oporia ao desejo da mãe, estaria brigando contra o amor e essa

luta ninguém vence.

— Tudo bem... — surpreendeu em sua calmaria —. Desde quando tudo

começou, quando ele ressurgiu em nossas vidas, percebi a sua alegria, mesmo

Page 259: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

259 Capítulo 50 – Amor

prometendo que jamais lhe confiaria seu coração sabia que se enganava, nunca se

envolveu com outra pessoa, é claro que possuía esperanças de um futuro redentor —

aproximou-se da boa mulher e lhe cedeu um abraço agradável —. Vá, viva o que

sempre quis, cuide daquele que ama, sinta esse amor e não se importe com o que

sinto, importe-se apenas em amar e ser amada, nunca sabemos quando a distância

nos afligirá.

— Minha filha... — Maria acariciou os fios claros, cedeu seu ombro para que

lágrimas o molhassem —. Sei que ainda sente falta de seu marido, até que ele volte é

isso o que sentirá, mas assim como eu tive de volta aquilo que me pertencia você

também conquistará o mesmo, apenas acredite!

Acreditar parecia impossível, mas era uma necessidade.

Na hora da despedida, indícios de um perdão.

— Vai mesmo ficar bem? — a boa mãe indagou pela última vez.

— Enquanto estiver bem também ficarei...

— Fique com Deus — um abraço protetor —. Sempre que der farei visitas.

— Estarei esperando. Deseje melhoras a ele.

Mais do que um desejo era o anúncio de uma transformação, um coração

amargurado passava a entender que a vida é ligeira demais para que as decepções

nos persigam por tanto tempo, elas nos privam de momentos especiais com aqueles

que estimamos, privam-nos de ouvirmos o quão importantes e o quão amados somos,

aprisionam-nos em tormentos duradouros e sufocantes; tudo pode ser resolvido,

dissipado, por um simples perdão.

Vendo a esposa entrar em seu apartamento, organizar as coisas deixando claro

que não era uma visita passageira, mas uma agradável e persistente companhia,

Francisco se alegrou, esqueceu-se da dor incômoda que aumentara, tudo o que

sentia era paz de espírito, paz de amor, paz de Deus.

— Pronto, agora estará protegido — Maria se sentou ao lado do esposo,

repousou a cabeça em seu ombro e foi envolta pelo seu braço acolhedor —, pelo que

depender de mim ficará são como um garoto!

— Talvez minha carne não responda como queremos, mas tenha certeza de que

minha alma salta como uma criança que acaba de ganhar o mais aguardado dos

Page 260: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

260 Capítulo 50 – Amor

presentes! — aquela aproximação era reconfortante, levou-o de volta ao começo do

relacionamento, quando daquele jeito conversavam sobre a vida futura —. Eu te amo,

minha amada — beijou a face da mulher que exibia algumas rugas pela experiência do

tempo —, como nunca deixei de amar.

— Que loucura tudo isso! Passamos anos separados para que no fim

estivéssemos unidos outra vez, como entender a lógica da vida?

— São lições para que aprendamos sobre o valor de cada pessoa em nossas

vidas.

— A propósito, nossa filha lhe desejou melhoras, acredito que com um pouco

mais de paciência seu amor poderá ser reconquistado.

— Não imagina o quão feliz estou por ouvir isso — emocionou-se como quando

pegou nos braços a filha ainda pequena —. Lembro-me do quanto ela me amava, da

doçura com a qual me tratava, sinto-me um monstro por ter transformado tanto amor

em ódio e repulsa.

— Não pense dessa forma, a verdade é que nunca deixamos de amar aqueles

que nos conquistaram. Ela está confusa, com medo, com receio em reviver as

frustrações, mas tão logo reencontre o pai pelo qual era apaixonada nesse homem

que parece uma ameaça, voltará a demonstrar todo o seu íntegro amor!

Com o pequeno e sorridente Júnior, que esbanjava simpatia a quem lhe desse

o mínimo de atenção, no colo, Carol passeava pela orla da praia, sentia o frescor da

brisa que soprava do mar, o cheiro do oceano e a emoção em cada casal que lia à

última edição do jornal regional. Depois de tanto tempo sem escrever, a recém-

mamãe deixou o desânimo de lado e emprestou seu talento, publicou um texto para

mexer com a emoção das pessoas e parecia ter alcançado seu objetivo, olhares

apaixonados eram ainda mais repletos de paixão.

Falar de amor requer sensibilidade.

Falar de amor também requer que o sintamos.

Hoje quero falar de amor, algo que tenho ao mesmo tempo em que não tenho, algo que a

distância estica e encurta sem parar.

Page 261: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

261 Capítulo 50 – Amor

O que seria de nós, pobres mortais, sem a essência do amor? Como viveríamos sem a pessoa que

tanto amamos? Qual seria a graça da vida se não tivéssemos em algum lugar do mundo alguém para

irradiar o amor de que necessitamos? Toda essa valia se pode explicar porque o amor é o alimento de

nossas almas e o adquirimos através de um olhar singelo, um sorriso de desejo ou por palavras

apaixonadas que enaltecem a nossa existência, existimos porque amamos, sobrevivemos porque somos

amados.

Estou distante daquele que amo e isso tem me matado dia após dia, olho para o lado da cama e

encontro o vazio, sento-me para as refeições e já não tenho a sua companhia, saio de casa e ninguém

me diz que me ama, ouço tormentos e não tenho quem me conforte. Quando vou me deitar já não ouço

aquela voz sonolenta me desejando uma boa noite, já não tenho aqueles braços protetores me

envolvendo durante a madrugada, já não acordo pela manhã sob o olhar apaixonado de alguém que

sorria para mim e deixava o dia alegre, mesmo que nublado, ele era o meu sol. O que me conforta é

saber que o meu amor está em algum lugar desse mundo, fomos separados por uma guerra, mas ele

ainda está vivo, cedo ou tarde o terei de volta em minha vida e quando esse dia chegar não hesitarei

em gritar ao mundo quem é o meu amor.

Mas e quem se separa pelas divergências, destrói um amor que parecia forte e adquire a certeza

de que nunca mais o terá? Como viver sabendo que deixou partir o único amor que se tinha? Como

conviver com a afirmação de que o caminho escolhido é só de ida? Como suportar a dor de um amor

que foi embora por não ter sido valorizado como deveria?

Não basta dizer que ama, tem que provar.

Não basta ganhar um amor, precisa mantê-lo.

O amor é tão forte como a águia e tão frágil quanto o pardal, pode durar anos e acabar em

segundos, não deixe que o seu amor se vá, não lhe dê as costas sabendo que não pode viver sem ele.

Chore, peça perdão mesmo estando certo, nunca menospreze o amor porque viver sem ele é o pior

castigo que podemos ganhar.

Page 262: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

262 Capítulo 51 – Promessa Difícil

Capítulo 51 – Promessa Difícil

[Berlim, Alemanha – 1944]

A guerra, como da primeira vez, encaminhava-se para a destruição da coragem

e persistência alemãs, o exército nazista diminuía seu poderio, perdia batalhas,

territórios e combatentes, conforme o tempo passava mais próximos de sua maior

inimiga os Aliados estavam e isso apavorava, preocupava os líderes alemães que

teriam seus crimes descobertos e cobrados. Precisavam de uma solução, da última

solução.

— Precisamos da Solução Final — Klaus, em reunião com o poderoso oficial

da SS, expôs seu argumento.

— O que isso significa? Nossas chances estão esgotadas?!

— Ainda não — tomou um gole do uísque —. Estamos sendo derrotados

gradativamente pela conspiração judia, enquanto esses animais repulsivos

continuarem vadiando por nossos quintais seremos atormentados por derrotas

humilhantes!

O perverso alemão não tardou em entender do que se tratava a Solução Final

e também não se acovardou em sua astúcia, faria o que fosse preciso em amor à

pátria, em amor ao seu nome – fora chamado para vencer e seria atrás da vitória que

correria, pouco importavam os caminhos a trilhar.

— Sua solução é o extermínio definitivo, propõe que matemos todos os judeus

e assim os aniquilamos de nosso mundo.

— Todos, pequenos ou grandes, crianças ou velhos, todos não só precisam,

como devem morrer!

A bandeja com petiscos caiou sobre o escritório. Soou seu estrondo.

Uma criança assustada encarava seus observadores.

— Menino insolente! — Klaus se levantou contra o garoto —, até que aprenda a

ter modos lhe darei um bom corretivo! — preparava-se para tirar o cinto, mas foi

impedido de qualquer atitude desprezível.

— Deixe que cuido desse desastrado — Eva pegou Noah pelo braço e o

arrastou para fora —. Pedirei para que venham limpar essa bagunça!

Page 263: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

263 Capítulo 51 – Promessa Difícil

— Não se irrite tanto pelos mínimos detalhes, meu caro, precisa de paciência se

quiser dobrar o povo alemão — Manfred soltava suas constantes baforadas

esfumaçadas —. É verdade, nossa doutrina tem conquistado muitos adeptos, acham

justo que os judeus trabalhem para nós, mas não aprovariam mortes em massa, são

covardes e piedosos demais para isso.

— Está enganado, amigo, isso aqui não é uma porcaria de democracia, temos

total controle sobre a vontade alemã, o que tivermos que fazer isso faremos e

ninguém poderá se opor ou morrerá — o ardiloso homem tornou a colocar o cinto —.

Na última experiência obtivemos sucesso, o gás matou dezenas deles, em pouco

tempo de ajustes não sobrará sequer um para se alimentar da nossa energia e sugar

o nosso sangue.

— Não vejo outra escolha e, mesmo que visse, nenhuma me agradaria tanto

quanto essa — a crueldade reinava naquele lugar.

O pequeno judeu soluçava por tanto chorar, estava em pranto e era

angustiado brutalmente. Aquelas palavras – “... crianças ou velhos, todos não só

precisam, como devem morrer!” - atormentavam-no e faziam o medo afligir sua alma, o

peso da maldade parecia esmagar seu coração.

— Fique calmo, enquanto eu estiver do seu lado estará protegido — Eva levou

o garoto ao seu quarto e lhe ofereceu água, esperava fielmente que aquilo o

acalmasse —. O que de tão assustador ouviu naquele escritório? Ameaçaram sua

vida?

Buscando uma respiração serena, procurando se tranquilizar, Noah tomou o

líquido refrescante, levou seus olhos encharcados à jovem alemã e confiou a ela seu

desabafo.

— Vão matar todos nós, ninguém escapará, nem mesmo as crianças, todos

serão mortos!

— Tem certeza do que ouviu?

— Completa...

— Nada vai acontecer... — em seus braços protetores Eva acolheu Noah,

envolveu-o forte o bastante para firmar seu compromisso de que o defenderia de

qualquer investida feita pelos sombrios corações —. Nem a você, nem a Abner, nem

Page 264: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

264 Capítulo 51 – Promessa Difícil

a ninguém — era o seu desejo —, salvaremos todos... — sua promessa poderia se

mostrar como um sonho impossível de concretizar.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1944]

O trabalho era árduo e o calor do sol apenas dificultava as coisas.

Abner fazia o seu melhor mesmo sabendo que abria covas para o seu povo,

esse era o trabalho do dia: buracos eram abertos sobre a terra nos quais mais tarde

corpos seriam jogados sem quaisquer dignidades, sem a honra daqueles que amavam

a vítima, sem as homenagens que recebemos ao final de nossa estada nessa

repentina vida.

De sua testa escorria suor, sua garganta seca implorava por água, a sede era

ainda mais insuportável por conta do soldado arrogante que bebia perante si o

precioso líquido esbanjando sua fartura. Encarou o judeu com desdém, sorrindo

maliciosamente despejou o resto de água sobre o chão e seguiu sua vigília.

Sedento, o nobre judeu correu à poça de água que se formara, colocou as

mãos no chão e levou a língua ao líquido turvo, tomou o possível, queria mais, mas

agradeceu pelo pouco que recebera. O sofrimento aumentava a cada dia.

Mas seria compensando, pensava ele, cada tortura seria recompensada ao

final daquele pesadelo, todos seriam justificados, a justiça não falharia e dias

melhores chegariam, mas seu pensamento se viu indagado quando novos corpos

foram lançados às covas, eram de pessoas exaustas pelo trabalho, que alcançaram o

ápice e se entregaram ao descanso eterno.

— Enterre-as e abra mais buracos — foi a ordem lhe dirigida.

Enquanto obedecia, Abner mudou seu pensamento, talvez fosse melhor se

convencer de que a triste realidade nunca acabaria e se terminasse seria apenas

quando a morte o presenteasse com o alívio que tanto queria. Em suas mãos havia

uma enxada, através dela poderia alcançar a paz, partiria do sofrimento e deixaria

para trás toda lágrima derramada, mas também deixaria o pequeno Noah, alguém que

confiou em sua proteção, deixaria Eva, alguém que conquistou o seu amor, e deixaria

Page 265: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

265 Capítulo 51 – Promessa Difícil

Sebastian, alguém que provou manter a amizade genuína. Poderia ser visto como um

egoísta apressado, alguém que não soube esperar seus fiéis companheiros no plano

de libertação, precisava ser forte e aguentar a missão.

Mas as forças se acabavam.

O judeu sentiu uma forte fraqueza que o derrubou.

As vistas atrapalhadas aos poucos se estabilizaram.

Adoecia gravemente.

[Berlim, Alemanha – 1944]

Já era noite quando Sebastian voltou para casa e encontrou Eva à sua

espera, com certeza algo terrível estava para acontecer.

— O que faz acordada? — sussurrava —. Como está Noah? — não deixava de

se preocupar com o garoto, afinal, cumpria sua promessa.

— É sobre ele que precisamos conversar, sente-se — o tom da voz era envolto

por ameaças, precisava soar quase inaudível, um homem terrível dormia naquela casa.

— Adoeceu? Farei o possível para que seja bem tratado nem que tenha que

viajar para longe!

— Ele está bem, por enquanto, mas se não fizermos alguma coisa o perderemos

para sempre! Ele ouviu o plano de Klaus e de nosso pai, querem exterminar todos os

judeus, não deixarão ninguém escapar, nem mesmo esses seres tão inocentes.

— É um absurdo o cúmulo da maldade desses homens nojentos! — o jovem

alemão se irou grandemente, levou as mãos ao rosto, não compreendia no que a

Alemanha se transformava —. Imagino que esteja apavorado, com medo do que

possa acontecer.

— Não só ele, eu também — Eva deixou o choro angustiado se manifestar

entre tanta apreensão —. Abner corre perigo, fortes riscos de perder a sua vida, de

ser extirpado desse mundo como se para nada servisse, precisamos ser fortes e lutar,

se não conseguirmos salvar a todos precisamos salvar ao menos quem amamos.

Page 266: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

266 Capítulo 51 – Promessa Difícil

— Prometo que encontrarei uma solução — o soldado alemão abriu seus braços

a fim de confortar aquela que compartilhava de seu sangue —, nenhum de nós se

perderá.

Confortado Eva, Sebastian entrou no quarto reservado ao pequeno servo

daquela mansão, pensou que o encontraria dormindo, livre das tantas apreensões

dentro dos seus sonhos, mas o que viu foi uma criança apavorada, molhando o

travesseiro, de joelhos sobre o chão implorando por misericórdia.

— Ele vai nos ajudar — sentou-se na cama e manifestou sua presença —. Deus

estará do nosso lado!

Tão logo notou a companhia do rapaz Noah correu ao seu colo, à sua

proteção, ao seu abrigo seguro, apertou-o em um abraço desesperado que suplicava

por ajuda e por esperança em um futuro de luz.

— Está tudo bem, meu querido, passaremos por esse desafio juntos e

viveremos o que o futuro tem a nos ofertar — limpou as lágrimas angustiadas —. Mas

precisa descansar — deitou o garoto e se colocou ao seu lado, dormiria ali naquele

momento de pavor —, fique sossegado, estarei sempre por perto — começou a

acariciar os fios escorridos, um gesto de pai para filho, um gesto de carinho e

segurança.

— Promete que salvará Abner? — era tudo o que mais desejava, que seu amigo

ficasse bem.

— É claro que prometo — era uma promessa difícil, mas que seria cumprida

mesmo que tivesse que derramar seu próprio sangue.

Page 267: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

267 Capítulo 52 – “Precisa Ser Forte!”

Capítulo 52 – “Precisa Ser Forte!”

[Itália – 1944]

Colocou-se perante o capitão, sentia medo, apreensão, sentia que os dias a

seguir não seriam fáceis.

— Senhor Luís, sente-se — o severo homem possuía uma voz grave e calma —.

Lamento em informar que é o único homem no qual podemos confiar, seus amigos

provaram sua fidelidade, porém serão mais úteis aqui, a tarefa que lhe confiaremos

precisa de alguém com sua garra e coragem.

O soldado encarou seu tenente que apenas lhe dirigia um olhar de segurança

e confiança, buscava encontrar o desfecho daquela conversa, sentia o peso de uma

missão.

— Será levado à Berlim, transformaremo-no em um deles, será tão nazista

quanto qualquer outro, precisaremos de sua determinação para que os nossos

aliados executem o plano — dito isso um casal se apresentou —. Luís, estes são Maik

e Ana e precisam do seu apoio!

— Temos vidas a salvar na Alemanha, pedimos auxílio ao seu exército e nos

garantiram que escolheriam o melhor — o alemão era um bom falante português —.

Podemos contar com a sua bravura? — estendeu a mão.

— Farei o que puder — celou o compromisso.

— Adiantamos que o desafio é perigoso, mas seremos como uma equipe,

ninguém será deixado para trás, ninguém cortará a linha de chegada sem que o último

companheiro a possa alcançar — Ana prometeu —. Pode confiar em nós?

— Em nome da paz asseguro que trabalharei a fim de cumprir o proposto.

— Ótimo — o capitão manteve o rosto sério, mas se alegrou em seu coração,

era a chance de poupar, nem que fossem poucas pessoas, de um sofrimento maior —.

Partirá hoje mesmo à Berlim, será recebido na mansão de Manfred Hoff, o

desgraçado que, segundo nossas investigações, têm destruído muita gente. Cuide-

se, estará face a face com o senhor das trevas, saiba aproveitar a missão para não só

ajudar seus novos parceiros, mas também a sua nação.

Page 268: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

268 Capítulo 52 – “Precisa Ser Forte!”

— Podem confiar em mim — colocou-se em posição de combatente —. Posso ao

menos me despedir de meus amigos?

— Permissão concedida. Seja breve.

Acompanhado pelo tenente o guerrilheiro caminhou pelo pátio do batalhão

tendo vontade de correr, de se refugiar das muitas adversidades que se levantavam,

mas sua obrigação como servente da pátria era ser fiel na mais inofensiva das

atividades.

— Sabemos que é forte o bastante para isso, se não tivesse capacidade

garanto que o pouparia.

— Entendo. Pelo que entendi pessoas boas dependem dessa coragem, não

nego que minha filosofia é ajudar a quem puder, mas não esperava que fosse exercê-

la de uma maneira tão desafiadora.

— O perigo só existe para quem pratica planos perversos, o perigo de ser

descoberto e provar do próprio veneno, mas para pessoas como você existe um

universo inteiro conspirando ao seu favor.

Perante seus antigos companheiros, Luís não tardou em revelar a situação,

também não escondeu os riscos, mas demonstrou sua fé e confiança na absoluta

vitória que teria. Abraçaram-se em um momento de despedida, na dúvida se voltariam

a estar reunidos.

— Durante todos esses anos conheci alguém que não se deixou intimidar pelas

afrontas do passado, pela zombaria e desprezo de quem não o soube conhecer,

conheci alguém leal e forte, que venceu os medos e agora está pronto para salvar

vidas, histórias e, quem sabe, até amores! — emocionado, Henrique dizia suas últimas

palavras —. Vá em paz, meu irmão, que Deus o traga de volta — cedeu o último

abraço.

— Depois disso tudo só posso dizer o quanto prezo pela sua amizade e o

quanto me importo com a sua companhia — Jorge controlava as lágrimas já saudosas

—. Não importa o que aconteça, talvez não nos vejamos mais nessa vida, mas sei que

estamos todos, os três, designados a guerrearmos no céu!

— Por que diz isso? — Luís deu o primeiro passo para o derradeiro abraço, a

última demonstração de afeto —. Isso não pode ser um adeus, mas um até logo!

Page 269: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

269 Capítulo 52 – “Precisa Ser Forte!”

— O futuro é cheio de surpresas, não sabemos o que pode de fato acontecer

mesmo que tentemos adivinhar — soltou o choro, libertou a alma e apertou seu

abraço —. Nunca se esqueça de que estive em sua história...

Em despedidas ficamos fragilizados, dizemos aquilo que sempre desejamos,

pelo medo do que pode acontecer acabamos revelando os mais secretos

sentimentos, declaramos as mais improváveis palavras, mas não quer dizer que nunca

mais estaremos com aqueles que estimamos, apenas temos medo do que pode

acontecer.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1944]

Alguns dias se passaram desde a perigosa ameaça que já se tornara uma

realidade, o número de mortos naquele lugar aumentava a cada dia e não poderia ser

uma simples coincidência, é claro que ações secretas eram realizadas.

Sebastian andou por vários cantos, procurou nos quartos e em esconderijos

que os judeus pensavam ser desconhecidos por seus opressores, mas não encontrou

o velho amigo. Contudo não desistiu de sua busca, não deixou que o pior

pensamento invadisse sua mente, não permitiu que uma certeza cruel o fizesse

abandonar sua causa. Continuou procurando.

Abner estava caído em uma vala barrenta. Sentia-se fraco.

— Meu Deus! — o jovem alemão olhou ao redor, viu que não havia ninguém,

abaixou-se diante o pobre rapaz —. Abner, fale comigo! — levou a mão à cabeça do

prisioneiro, sentiu que a temperatura estava alta, envolveu suas mãos, percebeu o

quão gélidas estavam —. Abner! — aumentou a voz sacudindo o amigo.

— Preciso de ajuda... — a voz soou enfraquecida, o corpo desfalecia pelos dias

seguidos de febre alta, a gripe impiedosa o matava aos poucos.

— Estou aqui, precisa reagir — o soldado se desesperou, não deixava de olhar

nos arredores, não deixava de suplicar por ajuda —. Hoje é o dia da fuga, vou tirá-lo

daqui, mas preciso que me ajude... — conseguiu fazer o doente abrir os olhos,

percebeu o quão avermelhados estavam, não tinham tanto tempo —. Tente ficar em

Page 270: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

270 Capítulo 52 – “Precisa Ser Forte!”

pé, precisa ficar em pé! Querem matar todos os judeus, se não reagir deixará para

trás pessoas que o amam grandemente, precisa ser forte!

Era uma informação angustiante.

O enfraquecido judeu se lembrou de Noah e Eva, pessoas importantes as

quais prometera que seria valente, lutou contra a fraqueza, batalhou contra a morte

e, ainda que cambaleante, colocou-se em pé.

— Graças a Deus! — o rapaz fardado levou os olhos ao céu —. Vista isso, é o

uniforme nazista, se tudo der certo sairá daqui agora mesmo.

— Mas e se não der? — a voz ainda soava abatida.

— Morro em seu lugar — assegurou —. Agora se vista, precisa ser rápido!

Com a ajuda de Sebastian, Abner trocou as vestimentas, exibiu o quão

desnutrido estava, o quanto seu corpo definhava. Tal visão abalou aquele que a

observou.

— Consegue andar?

— Posso tentar.

— Estarei à sua dianteira. Ande com firmeza e não encare ninguém nos olhos,

precisa manter o corpo ereto, precisa salvar sua vida.

— Entendido, capitão! — ao menos conseguia distrair a apreensão —. Se algo

der errado saiba que sempre fui grato à sua companhia.

— Tudo vai dar certo. Agora ande como um soldado nazista.

O sol ardia aos olhos do judeu, tudo a sua volta parecia tremer, suas vistas não

conseguiam estabilizar o ambiente ao redor, suas pernas desejavam fraquejar, seu

corpo implorava por rendição, mas havia uma alma sedenta por vitória, por dias

melhores, por amor eterno e só alcançaria tais desejos se a carne vencesse o enfado.

Todos que cruzavam pelos dois amigos não questionavam nada, conheciam a

autoridade de Sebastian sobre eles, era o filho do homem mais perigoso que ali

existia, o que era certa vantagem ao sucesso do plano.

Faltava pouco para o fim do pesadelo.

— Aonde vão? — os passos foram interrompidos.

— Klaus Weber, não lhe devo satisfações — Sebastian encarou o rival.

— Você talvez não, mas seu amigo judeu é claro que deve, ou será que pensam

mesmo que enganariam a mim? — sorriu perversamente —. Aconselho que ele volte

Page 271: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

271 Capítulo 52 – “Precisa Ser Forte!”

atrás em sua escolha, quem sabe eu o poupe da morte —. Abner não aguentou o

sofrimento, caiu de joelhos sentindo a escuridão se aproximar —. Pelo que vejo já

está morrendo.

— Nem tudo que parece é — o jovem alemão parecia entrar nos olhos de seu

inimigo, fitava-o seguramente —. E hoje você não é o mais esperto.

Alguém tapou as narinas de Klaus.

O cheiro do pano era embriagante.

Era também fatal.

— Leve o corpo para bem longe — ordenou ao seu comparsa, um alemão fiel,

fiel à humanidade —. Merece ser devorado pelos animas peçonhentos.

Não encontrou outra solução, colocou o amigo nas costas e apressou os

passos. Colocou-o dentro do carro, saiu em disparada.

Andaram por quilômetros a fio, foram parar em um lugar afastado e escondido

da capital, um lugar inofensivo aos alemães e protegido pelo deserto que o cercava,

nenhuma alma vivente, apenas árvores altas e volumosas que escondiam um casebre

humilde e discreto.

Ligeiro, Sebastian levou o amigo para dentro da casa, repousou-o sobre a

cama bem aprumada, quando acordasse agradeceria pelo descanso que há muito

tempo não tinha.

— Como ele está? — uma senhora assustada se aproximou.

— Conseguimos! — abraçou a mulher comemorando o feito, o sucesso de um

plano tão bem idealizado, há muito desejado —. Dona Dalia, o seu filho está de volta

conosco!

Page 272: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

272 Capítulo 53 – Estratégia Fracassada

Capítulo 53 – Estratégia Fracassada

A sensação era de alívio.

Sensação de dever cumprido.

Depois de tantas promessas e de tanto pensar em como cumpri-las,

Sebastian observava o amigo descansar, seu corpo estava confortável na cama

macia, era envolto por cobertor e a mãe já se prontificava em preparar chás e

xaropes.

— Desde quando fomos separados não deixei de pensar no meu filho, não

tenho palavras para agradecer sua fidelidade — ao lado do fogão à lenha, Dalia

conversava com seu ajudante.

— Nem quero agradecimentos, fiz o que qualquer bom amigo faria — o jovem

alemão saboreava o café que esfumaçava —. Alias sou eu quem deve gratidão,

apesar de tudo manteve sua confiança em mim, isso é importante!

— Algumas pessoas não foram feitas para se corromperem com o mal, ainda

que apregoem em seus ouvidos e tentem perverter seus corações, não conseguem e

sempre sabemos quem é genuíno em seus sentimentos.

— Não sabe como foi difícil guardar esse segredo por tanto tempo. Sempre

que o via cabisbaixo, descrente sobre a própria vida, sentia vontade de dar a boa

notícia e alegrar seu coração.

— Sabemos como ele é teimoso e destemido, não poderíamos arriscar um ato

imprudente, talvez hoje não estivéssemos aqui...

Alguns longos minutos se passaram até que, em meio ao rigoroso verão, Abner

abrisse os olhos e sentisse o corpo tremer.

— Onde estamos? — a canseira não lhe permitiu erguer a cabeça, seus olhos

assustados se moviam de um canto para o outro —. Sebastian, onde está? — sentia-

se desprotegido perante o desconhecido.

— Pode ficar tranquilo, estamos seguros — o nobre rapaz se aproximou do

aflito judeu mostrando sua face.

— E aquele homem?

Page 273: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

273 Capítulo 53 – Estratégia Fracassada

— Se tivermos sorte está bem longe... Tem uma coisa que preciso contar, mas

saiba que escondi esse segredo por amor a você e sua família, tudo seria arriscado

tão logo soubesse a verdade.

— O que seria de tão assustador?

— Estou aqui, meu querido — a delicada, suave e inconfundível voz soou ao

ouvido de Abner, um carinho tranquilo passeou por sua testa e um beijo afetuoso

foi depositado em sua testa —. Por todo esse tempo estive bem perto.

O doente se emocionou, fechou os olhos e se concentrou na agradável

surpresa, na boa companhia, estava sendo recompensado pelos dias de tortura,

tudo que lhe havia sido tirado agora parecia ser devolvido.

— Sempre soube que um dia nos veríamos e estaríamos juntos, valeu a pena

esperar e acreditar. Onde está meu pai? — nunca se esqueceria do homem que tinha

por exemplo.

— Infelizmente desde aquele dia não o vi e nem recebi notícias, mas sei que

independente de onde possa estar olha por nós.

— Quando seus pais foram despejados minha mãe agiu rápido, contou-me o

plano e o executamos, infelizmente já haviam separado seus pais, procurei o senhor

Dov por todos os lados, mas não o encontrei — o soldado alemão se recordou

daqueles pesados dias.

— Fui trazida para cá e durante todo esse tempo aqui fiquei, esperando por

você, rogando aos céus que nos ajudassem nesse desafio — tinha em mãos uma

xícara de chá —. Agora posso cuidar do meu filho, sarar suas feridas e aniquilar as

suas dores...

Com a ajuda de seu amigo e de sua mãe, Abner se sentou, ainda envolto pelo

cobertor e cheio de tremores tomou o líquido quente, tinha certeza de que logo

estaria com sua vitalidade outra vez.

— E Noah? Como está?

— Pedi a ajuda dos Aliados para que tiremos todos da minha casa, em poucos

dias os trarei para cá, o plano é derrubar Manfred e todos seus ideais repugnantes.

— Pode ser arriscado.

Page 274: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

274 Capítulo 53 – Estratégia Fracassada

— Conseguimos salvar-lhe, acha mesmo que não vamos conseguir chegar ao

destino? — sorriu corajoso, sentiu-se confiante e destemido, afinal uma vitória nos

fortalece para muitas outras.

— Acho que vão ainda mais longe! — assegurou demonstrando sua crença,

considerava-se privilegiado por ter pessoas corajosas ao seu lado, pessoas que em

meio a guerra não deixavam de acreditar no amor.

Nos arredores do Campo de Concentração Auschwitz, muitas árvores eram

espalhadas, uma floresta escondia caminhos alternativos, vigias espertos e

dificultava a aproximação do inimigo. Por entre aquelas árvores, pisando estonteado

sobre as folhas mortas que cobriam o solo e traído pela própria visão turva e

desafiada pela noite que cobria o céu, alguém caminhava, suas roupas sujas de

sangue e os hematomas ao longo do corpo denunciavam que suas últimas horas não

foram tão boas e seu rosto sombrio demonstrava a ira que circundava sua alma.

Aquele era Klaus Weber.

Antes de ser abandonado no meio da mata sofreu agressões daquele que

provocou seu desmaio, agressões que desejavam matá-lo, mas que por falta de

sangue frio davam um recado: alguém o odiava, detestava suas ações e não pensaria

duas vezes se o visse novamente, tiraria a sua vida como se tira a de um verme.

Acordou sentindo dores, não conseguiu reconhecer onde estava, esforçava-se por

levantar, sentiu os músculos como se estivessem esmagados, sua cabeça ardia de

dor, o mundo rodava.

Precisava sair dali.

Precisava de ajuda.

Mesmo abatido, debilitado pela surra que levara enquanto inconsciente,

aquele homem teve forças para caminhar, resmungar inaudíveis blasfêmias e jurar

vingança em seu coração. Mas estava fraco, perdidamente fraco.

Uma forte tontura o derrubou.

Estava caído outra vez, feito um morto.

Page 275: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

275 Capítulo 53 – Estratégia Fracassada

[Berlim, Alemanha – 1944]

Ajeitando a gravata se encarava no espelho.

Convencia-se de que fora traído, enganado de novo, feito de brinquedo.

Há dias Manfred não via Klaus, não recebia notícias e ninguém sabia o que

estava acontecendo. Aquilo o atormentava, aquele homem tinha conhecimento sobre

muitas coisas, o suficiente para que na pior das hipóteses, juntando-se aos Aliados,

pudesse destrui-lo fervorosamente.

Mas existiam outros problemas.

— Precisamos conversar! — Isabel entrou no quarto, tentaria pela última vez

alcançar pacificamente seu desejo.

— Seja breve, estou de saída.

— Quero um bom motivo para que me negue o pedido de divórcio — foi direta

—. Amor não sente por mim, respeito nunca existiu, consideração jamais haverá,

então qual é o seu motivo?

— A ameaça de morte à Maik Müller não é uma boa resposta? — levou o olhar

provocativo à esposa —. Ou será que perdeu o interesse e pensa em um partido mais

jovem, mais feroz? Sei das suas perversões e do quão desprezível é o seu valor.

— Não sabe nada sobre mim, a única coisa que lhe foi permitido saber é que o

odeio com todas as minhas forças e mesmo satisfazendo seus sórdidos desejos

nunca deixei de pensar naquele que realmente amo e estimo — aproximou-se do

marido sem desviar o olhar, sem se intimidar por qualquer perigo que aquele diálogo

pudesse representar —. A ameaça contra Maik é o meu motivo para que não o

exponha perante a sociedade, mas e o seu motivo?

— Vê-la insatisfeita, condenada a uma eterna frustração é o que me agrada —

abriu um sorriso malicioso e saiu da presença de Isabel.

— Não minta a si mesmo e não esconda sua covardia — de costas ao oficial da

SS, a alemã interrompeu seus passos corriqueiros —. Seu medo é de que todos

saibam o que aconteceu, de que foi traído por aquela mulher que sempre disse ser

submissa às suas ordens, de que foi trocado como se troca uma porcaria inútil —

Page 276: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

276 Capítulo 53 – Estratégia Fracassada

levou o semblante ao homem estupefato —. Não quer ser chamado de frouxo, esse é

o seu motivo.

— Qual sua intenção me provocando dessa forma? — Manfred caminhou

lentamente em direção à mulher —. Demonstrar coragem?! Provocar que é mesmo

uma devassa destemida? — acariciou o rosto que detestava seu toque –. Não, não é

esse o seu plano, na verdade é mais astuto, ardiloso, diria que foi esperta, mas não

está lidando com um moleque, sou um homem de objetivos claros — acariciou os

lábios avermelhados —. Não, querida, não vou espancá-la mesmo desejando

ardentemente, não vou lhe dar as provas de que precisa para se divorciar de mim, ao

contrário — beijou-a forçadamente —, serei o marido que toda mulher gostaria de ter

— seguiu seu destino, vitorioso.

A alemã se irritou, descarregou sua fúria em objetos, sua estratégia fracassara.

Finalmente estava na mansão a qual fora designado. Olhava ao redor com

atenção, com entusiasmo pelo luxo e espanto pela honraria que Hitler possuía

naquela casa. Por ligeiros instantes teve contato com Manfred, tão logo o notou

cumpriu com o tradicional Heil Hitler!, não pôde deixar de sentir os famosos

arrepios que costumavam experimentar quando estavam em sua presença, embora

não trocara se quer uma palavra com o poderoso.

— Senhor, este é Jürgen Sperb, o soldado designado.

— Obrigado. Pode se retirar.

Luís estava cara a cara com um potencial alemão, alguém que se quisesse

deteria grandes poderes.

— Luís, pode se sentar — percebeu o espanto em seu visitante —, sei tudo

sobre você — Sebastian aguardava ansiosamente por sua chegada.

Page 277: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

277 Capítulo 54 – Plano de Salvação I

Capítulo 54 – Plano de Salvação I

Planos de salvação sempre percorreram a agitada mente humana, não existe

sequer um homem que não tenha alternativas reservas quando as mais prováveis se

esgotam. Salvação está no DNA, é um modo de sobrevivência, uma maneira de não

ser pego pelo inimigo e estar protegido até que nada represente ameaças.

Mas um plano de salvação, se consumado de forma equívoca, pode instaurar

uma persistente condenação, o mínimo erro coloca aquele que seria salvo em

destaque, frente a frente ao opressor nessa bifurcação ou a sorte aparece ou o fim

antes anunciado como possibilidade se torna fato. E para que nada dê errado

acordos improváveis são firmados.

Em um plano de salvação inimigos com interesses em comum acabam se unindo,

lutam em conjunto, mas sabem que tão logo o objetivo seja alcançado a guerra será

entre eles. Mesmo assim combatem juntos como se quisessem o último confronto.

Contudo, circunstâncias mudam mentalidades, transformam convicções e

grupos que se odiavam passam a se fundir em um só; dependendo o plano de

salvação é capaz de aproximar pessoas que nunca estariam próximas, é capaz de

mudar visões e revelar surpreendentes descobertas. Um plano de salvação bem

executado é benéfico para muita gente.

— Senhor, achei que só eu fosse um espião — Luís falava alemão, não era

problema se comunicar com o severo rapaz que o encarava, que buscava

confirmações para depositar sua inteira confiança.

— Sim, você o é, eu sou o filho do homem pelo qual está aqui — o jovem alemão

sentia que finalmente se aproximava de sua libertação, finalmente estaria livre de

doutrinas que repudiava —. Deve saber que estamos enfrentando problemas graves,

tentam esconder do resto do mundo porque sabem que agem feitos criminosos,

bandidos sem escrúpulo algum, mas chegou a hora de colocarmos em prática o nosso

plano de salvação.

— Com essa conversa confirmo minha admiração pelo senhor, diziam que era

um jovem corajoso, disposto em batalhar contra o próprio pai, um homem de muitos

poderes, tudo por amor ao próximo, por acreditar que todos os cidadãos merecem

Page 278: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

278 Capítulo 54 – Plano de Salvação I

respeito — levantou-se em um gesto de honra, de respeito —. Será um grande prazer

lutar ao seu lado! — estendeu a mão.

— Disseram-me que eu teria o que pedi, um homem bravo e de fibra, não

poderiam ter me agradado mais — Sebastian recebeu o cumprimento —. Mas não

sou seu superior, pelo menos não quando estivermos sozinhos, não quero tanta

submissão, através dessa aventura perigosa podemos nos transformar em grandes

amigos!

— Farei o meu melhor.

— Nosso primeiro passo será tirar dessa casa a minha família e um garoto que

tenho por irmão. Nossos aliados estão para chegar, teremos que ser espertos e

valentes, nesse plano nada pode dar errado, nossos inimigos são cruéis e perigosos,

astutos ao ponto de nos encontrarem no melhor dos esconderijos, nossa missão é

sermos ainda mais espertos, vidas dependem de nossos gestos!

O desafio era grande, poderia ficar sem solução, mas todos entregariam seu

sangue se necessário para que o final em nada se assemelhasse ao começo.

O jogo começava.

Enquanto uns planejavam salvação, outros focavam suas estratégias para

causar destruição. Manfred era um desses, intencionava voltar à Itália para

acompanhar os projetos dos militares, mas no caminho, ainda próximo de sua casa,

assustou-se com um homem que saiu das árvores e caiu diante o seu carro.

— Mas o que significa isso? — pegou o revólver, olhou ao redor e desceu do

veículo, não pôde esconder o espanto —. Klaus?! — guardou a arma e buscou a

pulsação de seu comparsa —. O que houve?

— Preciso da sua ajuda — o homem maltrapilho segurou no braço do capitão da

SS, segurou com firmeza, deixando claro o quanto precisava de sua ajuda —.

Tenho que me esconder! — a voz soava enfraquecida e os olhos se incomodavam

pela claridade —. Querem tirar a minha vida.

— Quem fez isso? Corro riscos?

Page 279: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

279 Capítulo 54 – Plano de Salvação I

— A Alemanha corre se algo não for feito — revelou —. A conspiração dos

judeus já começou a contaminar os nossos homens! — afirmou aquilo que assombrava

muitos nazistas que temiam perder a guerra, a liberdade e o poder.

— Precisa me contar quem está por trás de tudo.

— Apenas em lugar seguro.

Teria que adiar seus compromissos com a guerra se quisesse mesmo ser um

vencedor. Manfred jogou o parceiro nas costas, colocou-o no carro e adentrou a

mata, esconderijos para homens perversos como eles não faltavam por ali.

Esperaram que mais alguns dias se passassem para dar continuidade ao plano.

Homem e mulher, alemão e brasileira, venciam as fronteiras da Alemanha,

mostraram suas identidades falsificadas e tiveram livre acesso ao país temido. Era

uma questão de pouco tempo até as distâncias fossem encurtadas e o confronto

entre o bem e o mal começasse de verdade.

— Agora já não posso dizer para que desista dessa loucura, estamos na boca

do inimigo, o mínimo fracasso nos transforma em pó — Maik alertou, sentia medo,

enfrentaria um homem que provou ir até o fim pelos seus objetivos, um homem no qual

provocou a ira, uma ira mortal.

— Compreendo sua preocupação, mas não estou aqui porque fui raptada,

aceitei passar por esse desafio, aceitei lutar ao seu lado pelas pessoas que

significam algo em sua vida, quero deixar algo bom nesse mundo — Ana observava a

estrada, cultivava boas esperanças —. Nada do que acontecer será culpa sua, pelo

contrário, se eu me machucar será por fazer o bem, meu pagamento deverá ser o

melhor!

— O dia já está amanhecendo — dirigindo, o bom homem encarou o céu —, quer

dizer que nossa hora está chegando.

— Nossa boa hora!

Page 280: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

280 Capítulo 54 – Plano de Salvação I

Ansiosa pela hora da liberdade Isabel arrumava suas coisas, os episódios que

viriam a seguir seriam brutais ao extremo, ela precisava estar distante e bem segura,

longe de quaisquer ameaças. Além do mais voltaria a encarar o semblante que jamais

deixou seu pensamento, estaria outra vez na companhia do homem que morava em

seu coração.

— Onde será está o meu pai? — ajudando a mãe, Eva não pôde deixar de se

preocupar com o alemão que há dias não voltava para casa —. Não quero nem

imaginar a sua reação quando aqui chegar, sua raiva poderá ser devastadora.

— Espero que ele esteja bem longe, o mais distante possível, assim não

corremos risco de combates maiores — a mulher respondeu —. Seu irmão dispensou

todos os soldados, tão logo Maik chegue partiremos em segurança — abraçou a filha

cheia de emoção —, deixaremos para trás todas as dores!

— Nem acredito que verei Abner, nem acredito que finalmente estaremos em

paz!

A alegria era grande, era o resultado de um alívio que se aproximava.

Antes que o sol raiasse seu fulgor naquele dia importante, Sebastian entrou

no quarto de seu hóspede, com cuidado o despertou de seu sono e deu a grande

notícia:

— É hoje que vamos voltar ao seu querido amigo, Abner deve contar as horas

para nossa chegada.

— O que eu tenho que arrumar?! — o pequeno judeu se colocou em pé, perdeu

o sono tão brevemente, só ele sabia o quanto ansiava por aquele momento.

— Fique tranquilo, comprei algumas roupas novas, já está tudo arrumado.

— Obrigado! — Noah não hesitou em seu abraço —. Você é tão bom quanto

Abner, faz sentido se chamarem de irmãos — uma criança injustiçada dava voz ao

esperançoso coração.

Sentaram-se na sala.

Todos ansiosos e apreensivos.

Torciam para que a previsão sobre Manfred estivesse certa.

Page 281: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

281 Capítulo 54 – Plano de Salvação I

Torciam para que seus companheiros chegassem logo. Precisavam deles no

caso de imprevistos, de lutas repentinas, precisavam de sua bravura.

A porta se abriu.

Os semblantes se abateram.

— Bom dia, queridos — Manfred, a cada indesejável aparição, conseguia ser

ainda mais provocativo.

Abner já estava bem melhor, ainda não poderia entrar em uma guerra, mas sua

saúde se recuperava gradativamente e suas forças retornavam, seu vigor era

alimentado.

— Como será que eles estão? — fazendo a barba, concentrado no espelho, o

rapaz indagou —. Acho que estou ainda mais preocupado!

— Acalme-se, meu filho, com afobação nada dá certo — Dalia aconselhou —.

Ontem o seu amigo estava confiante, certo de que conseguiríamos a vitória,

precisamos de fé e paciência — preparava o almoço, não sabia a que hora chegaria,

mas sua visita deveria ser muito bem recepcionada.

— Estou morrendo de saudades de Noah e Eva, não vejo a hora de abraçá-

los! — sorria consigo mesmo, sentia uma felicidade que há tempos não o acometia.

— Conquistaram o seu amor, não é?

— Quando mais ninguém esteve ao seu lado acolhi aquele garoto, sabia que ele

precisava de mim e de que fazia a coisa certa, não deixaria uma criança tão indefesa

sofrer nas mãos de gente ignorante — era com afeto que se recordava do menino —.

Eva, assim como seu irmão, não se importou pela minha origem, nunca concordou

com esses pensamentos que nos humilham, sempre demonstrou seu amor sincero e eu

nunca deixaria de amá-la mesmo sendo alemã porque para o amor não importam os

títulos, importa o coração.

Page 282: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

282 Capítulo 55 – Plano de Salvação II

Capítulo 55 – Plano de Salvação II

Um nó frouxo se desfaz em segundos, assim é com um plano de salvação que

possui alguma falha, o mais simples abalo é capaz de causar desesperos, medos e até

sua total destruição. Por isso é importante analisar todas as possibilidades, nunca se

sabe por onde o inimigo irá realmente atacar.

Manfred encarava cada olhar, via pavor, o pavor de ser descoberto. Não era

burro, nunca foi ingênuo, sabia que algum plano arquitetavam, afinal, não poderiam

estar acordados àquela hora como se estivessem prontos para uma viagem se não

intencionassem algo. Sentou-se em sua poltrona costumeira, cruzou as pernas e

lançou suas palavras.

— E, então, para o quê se preparavam?

Silêncio.

Um estrondoso silêncio.

Entreolhavam-se pasmos, ansiosos pelos minutos a seguir, seus parceiros

estavam para chegar e tudo poderia ser colocado por água abaixo pela simples

presença antes ignorada. O que fazer?

— Sebastian, meu filho, é você o homem responsável pelos negócios quando

estou ausente, por tanto me deve boas explicações — tirou o charuto do bolso e o

acendeu —. A primeira, porque dispensou os soldados? É corajoso o bastante para

enfrentar os ataques da oposição?

— Não precisávamos de seus serviços, faríamos uma viagem curta, apenas para

distração — o jovem alemão encarou o pai, tinha medo, suas mãos se tocavam

constantemente como se uma intencionasse acalmar a outra , pensar que seu plano

fracassava o angustiava

— Viagem em plena guerra? — sorriu —. A segunda — fixou o olhar gélido sobre

o pequeno judeu —, por que esse verme está tão bem arrumado? — esperou a

resposta, mas não a obteve, usou sua astúcia para provocar sua fúria —. Existem

duas opções: ou queriam levá-lo para a diversão ou o fariam de empregado. Qual é a

sua resposta?

Page 283: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

283 Capítulo 55 – Plano de Salvação II

Estava cansado de humilhar aquele povo mesmo que soubessem a mentira de

suas palavras, não faria mais aquilo, não atenderia mais ao perverso desejo de um

alguém ignorante, pagaria com a vida, mas limparia sua alma.

— Ele se divertiria como qualquer criança alemã, teria o seu direito de brincar e

se alegrar como todas as outras devem ter, não nasceu para ser servo, nasceu para

ter sua dignidade respeitada — notando o espanto de Noah se aproximou do

garoto, colocou a mão em seu ombro, seu gesto anunciava que tudo ficaria bem, que

não deixaria nenhum mal o acometer.

— Então é verdade... — bufou irritado —. Está mesmo envolvido no sumiço de

Abner — levantou-se como um rei cheio de planos maldosos —. Tenho um acordo a

fazer, deixo esse projeto de animal viver ao seu lado, terá toda proteção necessária,

mas quero que me entregue o rapaz, diga-me onde ele está e o menino vive em paz.

— Não faça nada contra ele! — Noah libertou o choro preso na garganta.

— Ele não fará — Eva se colocou perante Manfred, fitou-o diretamente nos

olhos sem inseguranças —. Caso-me com quem desejar, não importa sua escolha, mas

deixe os dois em paz! — era uma escolha difícil, uma escolha indesejável, uma escolha

por amor a alguém.

— Parece que nosso negócio vem tomando rumos melhores do que imaginei — o

capitão da SS sorriu vitorioso, para ele não existia dúvida, vencia a guerra —. Hoje

mesmo trago o seu marido.

— Isso nunca vai acontecer! — Isabel manifestou sua presença, jamais deixaria a

filha viver a mesma infelicidade que a sua, jamais aceitaria tal condição —. Enquanto

eu viver Eva de modo algum cometerá esse erro!

— Então não é problema — o alemão perigoso avançou contra a esposa,

agarrou-a no braço e tirou do bolso seu revólver —. Resolvo isso em um instante!

— Senhores, eles chegaram... — distraído, Luís não percebeu o movimento

conturbado, mas se assustou com a visão assustadora.

— Não podemos demorar... — Maik entrou na sala, suas pernas travaram,

bambearam —. Nem um passo — sacou sua arma em uma atitude reflexa.

— Como eu imaginei — Manfred manteve o sorriso repulsivo —. Durante todo

esse tempo trabalharam pelas minhas costas, agiram feito rebeldes merecedores de

morte, acham mesmo que me enganariam? Acreditavam mesmo que passariam pelas

Page 284: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

284 Capítulo 55 – Plano de Salvação II

minhas portas sem que eu os despedisse? Tolos! — esbravejou, alçou sua potente

voz —. Traidores de merda!

— Não, não somos traidores, apenas desejamos uma Alemanha melhor, não

queremos entrar para a história como vilões do mundo, nossa nação não merece essa

vergonha, ao invés de traidores somos salvadores! — Sebastian filosofou em meio um

confronto tão fatal.

— Você é burro, um ignorante medíocre! — sua raiva aumentava, pressionava o

revólver contra a cabeça da esposa, ficava descontrolado —. Esse povo que vocês

defendem serve apenas para morrer e é isso o que farei, matarei a todos, o fogo os

consumirá, o ar os enforcará, seus gritos por compaixão soarão como música aos

meus ouvidos, música de vitória! O ruído de suas unhas sobre as portas me garantirá

prazeres indefiníveis, de uma multidão inumerável serão feitos de cinzas,

desaparecerão!

Luís foi esperto, deu a volta pela luxuosa casa e entrou pelos fundos,

caminhou a passos vagarosos, silenciosos, deixou o revólver a dianteira, escondeu-se

atrás da porta, tinha visão perfeita sobre cada pessoa assustada, na sua mira estava

o homem corrompido.

Maik, atento a cada movimento, não tardou em perceber a destreza do soldado

brasileiro, lançou-lhe um olhar de confiança, um olhar que também alarmou para que

estivesse pronto ao ataque indispensável, para que fosse rápido a fim de salvar

vidas.

O plano era ser ágil, aproveitar cada segundo para alcançar o objetivo sem

contratempos, mas a demora inconveniente era também incômoda. Curiosa por

saber o que acontecia, Ana observou o ambiente pelos retrovisores, tirou de baixo

do banco a arma escondida, verificou se estava carregada, abriu a porta e pisou em

solo alemão. Distante do carro foi pega por trás, tentou disparar, mas teve a arma

furtada, viu o objeto ser lançado longe, sentiu algo a pressionar na cintura.

— Sabia que não conteria a ansiedade, mulheres são sempre muito previsíveis

— a voz masculina soou ao pé do ouvido —. Agora vamos, farei a honra de apresentá-

la aos Hoff — era Klaus.

Page 285: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

285 Capítulo 55 – Plano de Salvação II

Pavor.

Há muito era o que aquela casa sentia, era o que apertava os corações e

tornava dias de sol em dias de nuvens enegrecidas, violentamente tempestuosas.

Mas naquele momento o pavor era maior.

Cheirava à morte.

— Saiam todos. Deixem-me a sós com essa devassa — percebendo a

relutância, Manfred persistiu —. Saiam ou a mato diante os seus olhos!

— Pai... — a jovem alemã levou seus olhos avermelhados àquele homem —.

Tenha piedade, não faça nada!

— Fique despreocupada, meu anjo, vamos apenas conversar — seu semblante

provava a insanidade que o consumia —. Agora vá, é melhor assim...

— Vão! — Isabel chorava, lançou seu olhar sobre quem realmente amava,

tentava dizer que estava tudo bem —. Vão...

Aos poucos a sala se esvaziava, o sentimento de perda já rondava os

corações, não havia esperança.

Klaus se escondeu com sua prisioneira tão logo notou o movimento, antes que

a enfermeira pudesse chamar a atenção tapou sua boca, comprimiu o revólver ainda

mais forte, anunciava que era melhor não o desafiar, não brincava em serviço.

— O que vai fazer? — Isabel estava aflita, tremia pelo medo que a cercava.

— Sente-se — Manfred ordenou —. Se quiser continuar viva será sincera —

mantinha o armamento na direção da alemã.

— O que quer saber? — as lágrimas corriam insistentemente.

— Desde que descobri seu envolvimento com aquele desgraçado uma dúvida

cercou a minha mente e eu preciso aniquilá-la antes que cometa um erro — sentou-se

perante a mulher —. Sebastian tem me desafiado brutalmente, me deu muitas

munições para que o acuse de traidor e o mate, não minta para mim, sei quando

querem me enganar — prestava atenção em cada gesto de sua ouvinte —. Ele é meu

filho?

Page 286: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

286 Capítulo 55 – Plano de Salvação II

— Não acredito que esteja disposto em colocar seu próprio filho diante um

tribunal por ele apenas acreditar que todos os seres humanos são dignos de

respeito não importem as diferenças.

— Ele não defende pessoas como nós, defende indivíduos indignos,

verdadeiros parasitas que sugam os recursos da Alemanha — tentou convencer —.

Não é estranha a forma como muitos deles enriqueceram às nossas custas? Estão

sempre prontos para atacar e agadanhar membros às suas conspirações e agora

atingiram um alvo poderoso, Sebastian tem poderes que nem imagina e eu não vou

deixar que o meu nome seja jogado na lama! — prometeu.

— Você está equivocado, o nosso filho é um visionário de talento, sabe o que

vai acontecer no futuro, sabe que a história retratará Hitler e todos os seus

seguidores como criminosos, homens impiedosos que destruíram uma verdadeira

nação, ele não quer que o seu nome esteja nessa sujeira — argumentou firmemente —.

Precisa conhecer melhor a doutrina do seu filho, essa sim vale a pena, essa sim fará

com que seja lembrando como o herói da Alemanha!

— Defender judeu nunca nos fará heróis, antes nos garantirá o título de

traidores covardes — afirmou convicto destravando o gatilho —. Sim ou não? Ele é o

meu filho?

Um disparo.

Um improvável disparo.

As mãos de Isabel estavam sujas de sangue, o ferimento ardia, o fim se

aproximava.

Assustados, voltaram para dentro.

Pavor.

Page 287: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

287 Capítulo 56 – Imprevistos

Capítulo 56 – Imprevistos

Imprevistos sempre foram os maiores inimigos para os planos de salvação, são

causos inesperados que surpreendem até mesmo o mais confiante dos líderes. A

questão é como lidar com eles, como vencê-los. Alguns, mais fracos, fogem, outros,

mais corajosos, não se importam com o sopro do fim.

Ao destravar o gatilho Manfred não se deu conta de seus reflexos e disparou,

involuntariamente, contra a esposa, atingiu seu abdômen o suficiente para causar

uma dor calorosa. Tal imprevisto foi o estopim para que Luís, usando um vaso de

cerâmica como arma e aproveitando a distração do momento, desferisse uma

pancada na cabeça do opressor causando sua inconsciência.

— Mãe? — os dois irmãos se desesperaram, correram ao encontro da mulher

que desfalecia, sentiam que tudo se encaminhava para um final inimaginável.

— Isabel?! — Maik não conteve seus impulsos, correu ao encontro da amada,

acolheu-a em seus braços, confiaria sua vida nas mãos de Ana.

— Luís, amarre-o — Sebastian se referiu ao pai —. Por enquanto temos outras

prioridades, mas não podemos perdê-lo de nosso domínio. Seja breve,

aguardaremos por você! — cada passo precisava de agilidade.

O soldado brasileiro tão logo recebeu a ordem começou a cumpri-la. Levou,

com certa dificuldade, o alemão prepotente a um dos quartos da mansão, jogou-o na

cama, com cordas novas e resistentes amarrou seus pés e suas mãos, verificou a

firmeza dos nós e bateu em retirada.

A mulher resmungava, sentia o incômodo da bala alojada em seu corpo, sentia

o sangue quente escorrer violentamente. Precisavam correr contra o tempo,

precisavam que Ana tivesse liberdade o bastante para aplicar seus conhecimentos e

salvar alguém tão querido.

Mas um novo imprevisto interrompeu seus passos apressados.

Klaus, com seu sorriso desprezível, colocou-se no caminho daqueles que

considerava rebeldes, à sua frente exibia a enfermeira que tinha um revólver

encostado na cabeça.

Page 288: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

288 Capítulo 56 – Imprevistos

— O que faz aqui? — Sebastian não compreendeu, pensava que aquele rival já

havia sido derrotado, era um fantasma que voltava para atormentar.

— Acha mesmo que um bando de moleques ingênuos e franzinos conseguiriam

me passar a perna? — lançou sua indignação —. Nunca se virão livres de mim, ainda

que morto os assombrarei!

— Já chega! — o jovem e impulsivo alemão tomou posse em sua arma —. Ou

desiste de nos enfrentar ou morre!

— Ótimo, mato essa imprestável!

— Tenha piedade — Maik se colocou à frente do diálogo, intencionava firmar

um acordo —. Isabel está ferida, precisamos salvá-la e a única que pode nos ajudar é

quem está em suas mãos — suplicava com lágrimas no rosto —. Não valerá a pena

aumentar a nossa dor, não lhe garantirá coisa alguma seguir os passos de um homem

que já morreu — mentiu —. Não se suje ainda mais.

— Vocês mataram o meu líder?!

Ninguém respondeu.

Todos temiam a insanidade da fúria daquele homem tão fiel aos ideais nazistas

quanto Manfred.

— Fiz uma pergunta! — esbravejou irado, aumentou o desespero da enfermeira

e de todos que assistiam àquela cena, que tentavam imaginar seu desfecho.

— Não tivemos escolha — Eva soou sua voz abalada —. Entre ele e nossa mãe

a escolha é bastante óbvia, mas não significa que queremos o seu mal e nem que

agiremos a fim de prejudicá-lo, apenas desejamos a sua ajuda.

— Bando de hipócritas pecadores, são tão abomináveis quanto os judeus aos

quais insistente e loucamente defendem! Abram passagem, quero ver como está o

meu companheiro, se me impedirem não hesitarei em tirar de vocês seu plano de

salvação!

— Tudo bem — Sebastian aceitou guardando o revólver em uma demonstração

de paz —. Faça o que quiser, mas tenha misericórdia e nos ajude — sabia que gastava

palavras com aquele homem, pedir compaixão a ele era como pedir emprestado ao

ladrão, mas também sabia que dentro da mansão estava um bravo guerrilheiro, alguém

que provara ser fiel e que os ajudaria, depositou sua confiança naquele plano

improvisado, ganhava tempo.

Page 289: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

289 Capítulo 56 – Imprevistos

— Misericórdia é concessão de fracos — deu início aos passos forçando sua

refém a imitá-lo.

Com um chute abriu a porta.

Entrou na mansão.

Escondido, Luís esperou o rival dar alguns passos adiante para, então, atacá-

lo por trás. Agarrou-o pelo pescoço, conseguiu tirar Ana de perigo, mas lutava

contra alguém incansável que levou a arma para a sua direção, destravou o gatilho e

disparou.

Um disparo vago.

O soldado conseguiu se desviar, usou sua força avançou contra o oponente e

lançou o revólver para longe, cansado daquela guerra que revelava pessoas frias,

sem qualquer amor, tomou Klaus pela gola da camisa amassada, chocou o alemão

contra a parede, deixou-o desnorteado e saiu em disparada.

Percebeu que Ana não conseguia acompanhá-lo.

Percebeu que o inimigo conseguia se reerguer.

Pegou a mulher nos braços e a serviu por pés.

Tão logo entraram no carro a enfermeira apanhou um pano e pediu para que o

comprimissem contra o ferimento de Isabel, não havia mais o que pudesse fazer

enquanto não chegassem ao esconderijo.

Deram a partida.

Ouviram tiros.

Logo atrás Klaus os perseguia, dirigia como um inexperiente, pela tontura que

ainda o acompanhava não conseguia mirar suas munições, disparava contra alvos

indefinidos.

Mas, por algum imprevisto, certo disparo poderia atingi-los.

Luís trouxe à luz suas granadas.

Não hesitou em jogá-las contra o alemão, se o matasse estaria se vingando

pelos muitos seres humanos que sofreram em suas mãos.

Deixaram para trás um carro em chamas.

Page 290: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

290 Capítulo 56 – Imprevistos

A ansiedade consumia seu peito. Seus olhos brilhantes observavam a mata ao

redor da casa, a qualquer momento estaria de volta ao lado de pessoas que tanto

amava. Imaginava como seria o reencontro, os abraços que seriam dados, as palavras

que seriam trocadas, a alegria que invadiria cada coração pela saudade que deixaria

de existir. Abner sentia-se feliz a cada minuto completado.

No colo de Eva, Isabel resmungava pela ligeira dor que sentia, o sangue

perdido causou o cansaço em seu corpo, seus olhos turvos mal se mantinham

abertos, a fraqueza era iminente. A jovem alemã suplicava em seus pensamentos pelo

bem estar da mãe, mas também tinha em sua mente a invasão de um semblante que há

tanto tempo não via, nem sentia. Também estava ansiosa, desejava grandemente

pelo reencontro, quando teria em seus braços alguém separado pela intolerância de

homens maus.

Maik estava preocupado com a mulher que sempre amou, não conseguia deixar

de se afligir ouvindo seus resmungos de dor. No banco da frente, ao lado do

motorista, segurava no colo uma criança que dormia depois de tanto agito. Perdeu-

se no rosto indefeso, lembrou-se do objetivo de Ana e encarou a mulher com

espanto nos olhos.

Ana se atentava àquela que sofria, arquitetava métodos para que pudesse

salvá-la, sabia que o tempo corria e que deveria usá-lo com sabedoria. Levou os

olhos para frente e percebeu o menino que descansava, no mesmo momento se

recordou de sua promessa. Não imaginava que seria tão fácil cumpri-la. Retribuiu o

olhar de Maik com um sorriso vitorioso.

Sebastian dirigia atento a qualquer movimento, procurava ser prudente ao

mesmo tempo em que rápido, faria o possível para que a mãe não sofresse danos

maiores, depois de tanta dor ela merecia um futuro de paz, dias de conforto e se

dependesse de sua bravura Isabel não perderia a oportunidade.

Page 291: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

291 Capítulo 56 – Imprevistos

Luís, virado para trás, vigiava a estrada, mas não deixava de pensar no que

acontecera. Primeiro no fato de ter agido contra um homem que talvez estivesse

morto por sua causa e segundo pela forma dependente como Ana precisou de sua

ajuda. Discretamente levou os olhos à corajosa mulher, admirava sua bravura em

estar no meio de um combate tão brutal, mas também teve o desejo de conhecê-la

melhor, descobrir os motivos que a levaram enfrentar os obstáculos para ali estar.

— Estamos quase chegando — Sebastian quebrou o silêncio denso —. O

esconderijo se aproxima e a nossa paz também.

— Parece que conseguimos — Maik abriu um sorriso em meio às tantas

adversidades —. Valeu a pena esperar, foi difícil, ao menos temos a garantia de que

tudo ficará bem.

— Nossos valores são bons, não queremos poder nem superioridade,

queremos somente que o amor una o mundo, não faz sentido seres de uma mesma

espécie provocar seu próprio fim — Eva declarou.

— Isso é um problema que nunca entenderemos, não existe razão para que os

conflitos e as atitudes sejam tão desastrosos, nada pode explicar — Ana continuou

o pensamento.

— Talvez a única explicação seja a de que não somos tão racionais quanto

dizemos, usamos nossa inteligência para ferir a nós mesmos, parece loucura... — e de

fato pareceu loucura, nunca entenderemos o que leva homens aniquilar homens.

Page 292: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

292 Capítulo 57 – Reencontros

Capítulo 57 – Reencontros

Os ouvidos de Abner se atentaram ao ruído que ganhava volume e se

identificaria como o som de um carro se aproximando. Seu coração palpitou ansioso

e contente, contava os minutos para que estivesse ao lado de pessoas que muito

amava. O que antes apenas era imaginado agora se transformava em realidade, o

veículo apareceu dentre as árvores e estacionou em frente à varanda da discreta

casa.

Um movimento estranho.

Sebastian e Maik seguravam uma mulher desfalecida, correram com ela para

dentro da moradia e foram seguidos pela enfermeira focada em salvar uma vida

preciosa acompanhada pelo soldado determinado em ajudar.

O jovem judeu voltou os olhos espantados para o carro e não conteve e

emoção ao ver um garoto sorridente correndo ao seu encontro de braços abertos

feito um filho separado de seu pai por tantos anos. Abner se agachou, colocou um

sorriso aberto no rosto e abriu os braços, acolheu Noah em um gesto apertado, um

abraço que fez cessar a distância, que fez morrer a saudade, um abraço desejado

ardentemente.

— Senti tanto a sua falta! — a criança chorava de contentamento, a emoção era

forte, emoção de vitória —. Pensei que nunca mais o veria, que não cumpriria sua

promessa, mas agora estou aqui, ao lado do melhor irmão que existe nesse mundo... —

fez sua sentimental declaração.

— Eu nunca quebraria a minha promessa, você não imagina o quanto doeu ter

que me separar de alguém que amo tanto — acariciava os cabelos escorridos,

confortava aquele pequeno e inofensivo ser humano, vítima de grandes e

prepotentes homens —. Todos os dias chorei de saudades, o que me consolava era

saber que estava em boas mãos e que muito em breve estaríamos juntos outra vez...

— Sebastian é como você — afastou-se da união entre os corpos e levou os

pequenos olhos ao semblante do nobre rapaz —, tem um coração enorme e me

protegeu todos os dias.

Page 293: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

293 Capítulo 57 – Reencontros

— Não imagina o quão feliz estou em ouvir isso — limpou as lágrimas do

pequeno judeu —, mas agora chega de choro, daqui por diante teremos apenas

alegrias, nunca mais nos separaremos.

— E os nossos companheiros? — lembrou-se dos demais prisioneiros —. Eles

também serão libertos?

— Vamos suplicar para que sim — era uma incerteza, não sabia como seria, mas

sabia que jamais se esqueceria do seu povo em suas orações.

— Agora preciso contar um segredo — levou a voz aos ouvidos do mais velho —,

sua namorada é mesmo linda, como dizia para mim...

Eva...

Levantando-se vagarosamente com os olhos atentos sobre o carro, o rapaz

colocou Noah a sua frente, encontrou um sorriso brilhante, inconfundível e

inesquecível, encontrou o par de íris verdes que pareciam se misturar ao restante da

paisagem a sua volta, finalmente voltava a contemplar o rosto que nunca deixara seus

pensamentos.

Ficou paralisado.

Abner...

A jovem alemã não teve mais domínio sobre as lágrimas emotivas, depois de

tanto tempo, dias de sofrimento, observava aquele que reinava em seu coração,

finalmente voltaria aos seus braços, teria com quem desabafar as tantas opressões,

estaria ao lado de alguém que lhe passava confiança e determinação, o desfecho

para aquela separação malquista era o fim da distância e o começo de uma afetuosa

eternidade.

Emocionada, apertou os passos, correu ao encontro do namorado.

Abraçaram-se, aniquilaram aquela saudade, desfizeram o abismo que existia

entre suas almas.

Encararam-se apaixonados.

Cheios de amor se beijaram como há muito não faziam.

Noah, divertido, escondeu os olhos...

Page 294: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

294 Capítulo 57 – Reencontros

— Como você está? — Eva acariciava o rosto do judeu, colocava seus olhos em

cada canto, procurava alguma ferida que pudesse curar —. Como foi essa péssima

experiência? Sofreu muita aflição?! — precisava das sinceras respostas, faria tudo

que pudesse a fim de consolar cada dor.

— Estou bem, agora, com vocês, ainda melhor, não precisa se preocupar tanto

— Abner sorria como um menino, estava feliz como nunca esteve, o sentimento era de

vitória —. Sabe que naquele lugar sofri muitas perseguições, dores indefiníveis, mas

o importante é que o nosso amor, que nunca deixou de existir, manteve-se em pé, era

o que me garantia forças para permanecer em minha crença, a crença de que poderia

gritar ao mundo — aumentou a voz — o quanto eu te amo!

— Eu também te amo! — a jovem mulher imitou a atitude, levou a voz aos céus e

fez sua declaração ao mundo —. Todos precisam saber o quanto amo esse guerreiro!

Voltaram a se encarar e em silêncio ficaram por breves segundos.

Sorriam cheios de emoção, uma boa emoção, a sensação de paz que um

transmitia ao outro. Depois de tantos contratempos, de tanta opressão, estavam

juntos, venceram a distância, derrotaram as adversidades e poderiam construir o

futuro que sempre planejaram.

— Preciso agradecer por ter cuidado do meu garoto — trouxe Noah aos

braços, ele é tão importante para mim quanto você, daria a vida afim de salvá-lo se

preciso fosse — beijou o rosto daquele que tinha por verdadeiro filho.

— Ele é um anjo como você — Eva tocou as bochechas rosadas —. Quando o

vi pela primeira vez senti grande aflição, estava amedrontado e desnutrido, mas o

acolhemos com o nosso amor porque é isso o que merece, o amei como amo ao

melhor homem desse mundo!

— E eu amo vocês dois! — o garoto atraiu o casal para um abraço caloroso,

familiar.

— O que houve com sua mãe? — Abner se lembrou da boa mulher.

— Foi baleada... — respondeu tendo de volta a angústia que por alguns minutos

se dissipara —. Aquele homem consegue nos causar dor mesmo distante.

Page 295: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

295 Capítulo 57 – Reencontros

Enquanto isso Ana se preocupava em salvar a vida de Isabel. Ao partir da

Itália levou consigo seus equipamentos de enfermagem, foi ágil ao esterilizá-los e

agora era destra em usá-los.

— Isso pode doer um pouco — foi sutil em suas palavras, sabia que a dor seria

grande o bastante para causar um desmaio —. Preciso que respire fundo e mantenha

a calma — conseguiu conter a munição.

A alemã, enfraquecida pelo sofrimento, segurou-se no braço de Maik,

encarou-o seriamente, necessitava declarar algo importante, algo que não poderia

levar para a sepultura caso fosse o seu destino.

— Precisa me ouvir... — a voz sussurrava, não produzia som tamanha era a

fraqueza.

— Agora não... — o alemão preocupado acariciou a testa molhada —.

Precisamos remover essa bala, depois conversamos...

— Sebastian... — levou os olhos ofuscados ao filho.

— Fique tranquila, teremos muito tempo ainda... — o jovem alemão não continha

o choro, sentia medo na ideia de perder mais alguém que amava.

— Não podemos mais perder tempo — a enfermeira firmou sua mão —. Três...

Dois...

Puxou a munição de uma só vez.

Isabel sentiu como se algo a rasgasse, o mundo rodopiou violentamente, seus

olhos se fecharam e sua mão caiu, soltou-se do braço de quem tanto amava.

— O que aconteceu? — Luís se desesperou.

— Acalmem-se — a brasileira conferiu a pulsação da paciente —. Em breve

acordará — suspirou aliviada —. Preciso cuidar do ferimento e costurar a região, feito

isso podemos comemorar!

Uma vida era salva.

Isabel teria a chance de ser feliz.

— Eva, nossa mãe está fora de risco, pode vê-la! — Sebastian anunciou a boa

notícia, sentia grande alívio.

A jovem alemã logo foi atrás da mulher muito amada, levou consigo o amoroso

Noah que também conquistara o seu afeto.

Page 296: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

296 Capítulo 57 – Reencontros

Exausto por tanta adrenalina o jovem soldado se sentou nas escadas da

varanda, colocou a cabeça sobre os joelhos e chorou como uma criança, passara por

muita pressão, por tanta dor, mas agora tudo parecia voltar ao normal.

— Conseguimos — Abner se sentou ao lado do melhor amigo, compartilhava

com ele daquele momento de desabafo, estaria ali para ouvir qualquer declaração.

— É... Conseguimos... — ergueu os olhos encharcados —. Por algum instante

pensei que nossa vitória não seria completa, as coisas se dificultaram de uma maneira

surpreendente, mas graças a Deus conseguimos!

— Você é um herói! — abriu um sorriso de orgulho —. Primeiro salvou a Noah,

sabe o compromisso que tenho com ele e me ajudou a protegê-lo, depois me trouxe

de volta para o afago de minha mãe sem se preocupar com o que pudesse lhe

acontecer e agora salvou toda sua família de um homem que tem causado tanto

medo. Foi forte o tempo todo, outros em seu lugar dariam um jeito de fugir, de se

convencer de que não deveriam se meter em assuntos alheios, mas você foi fiel em

suas palavras, ajudou a todos nós, devemos-lhe toda essa felicidade que nos permiti

sentir — aproximou o emocionado rapaz para seu abraço de agradecimento e de

consolo.

— Por vocês, principalmente pelo meu melhor companheiro, faria tudo de novo...

— não era uma declaração, era uma promessa, afinal, a história de suas vidas ainda

não chegara ao fim, reviravoltas poderiam acontecer, mas aquela promessa venceria

cada novo desafio.

Page 297: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

297 Capítulo 58 – Amor Eterno

Capítulo 58 – Amor Eterno

Há quem não acredite em amor eterno, um amor que vence distâncias, tempos,

um amor capaz de vencer até mesmo a morte e esperar ansiosamente pelo reencontro

no descanso. Há quem não dê crédito aos votos de um amor eterno, acha que tudo

passa, que todas as coisas são passageiras, bem como o nobre e valioso amor. Mas

não é verdade, esse é o sentimento que fez o mundo sobreviver, renascer, é a partir

do amor que somos gerados e alcançamos tantas conquistas. Não acreditam no

amor eterno por não saberem como eternizá-lo.

Para que ele dure pela eternidade precisamos mantê-lo, é como um tesouro de

inestimável preço, não o deixamos em qualquer canto para que a traça faça seu ninho

e o ladrão leve embora, escondemos onde apenas nós temos acesso, guardamos em

um cofre do qual somente nós temos a senha, assim deveria ser com o amor que

dizemos sentir por alguém. Esse é o segredo de casais que sobrevivem há anos de

convivência – o que não é fácil, mas possível ao amor –, esse é o segredo de grandes

amizades que nunca se desfazem, esse era o segredo de Maik e Isabel.

Agradecido aos céus, o alemão estava de joelhos ao lado da cama de sua

muito amada mulher, passeava a mão pelo seu rosto descansado, envolvia as mãos

vulneráveis a qualquer toque e as beijava em um gesto de afeto e proteção. Durante

todos aqueles anos de sufoco nunca desistiu de amá-la, nunca pensou que seria mais

fácil esquecê-la e viver outras possibilidades, sempre soube que quanto mais difícil a

guerra mais gostoso é o sabor da vitória.

O que faria se a tivesse perdido? Como prosseguiria em seu caminhar sem

aquela que o fez acreditar em um amor eterno? Desde sempre a amou e para sempre

a amaria, não importavam os perigos, os riscos, as ameaças que sofresse, sua

felicidade dependia de tão especial pessoa, seus sonhos só seriam realizados

quando pudesse viver ao seu lado sem que fosse visto como um criminoso, tendo o

direito de exibir ao mundo aquilo que entre eles existia.

Os olhos se abriram e radiaram o brilho das verdes íris, contemplaram um

semblante conhecido, uma face inesquecível, um sorriso brotou em seus lábios, um

sorriso apaixonado, o de sempre.

Page 298: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

298 Capítulo 58 – Amor Eterno

— Maik... — a voz soava trêmula, mas era o mesmo som melódico e pacífico que

sempre soara aos ouvidos de um homem apaixonado.

— Isabel... — o fiel alemão retribuiu a simpatia, foi mais enérgico em suas

demonstrações e beijou aquela que significava tantas coisas em sua vida, a principal

sendo o amor —. Como se sente?

— Bem melhor... — recordou-se do que a colocou naquela condição, recordou-

se do passado de tormentos, recordou-se que estava livre de Manfred e de suas

doutrinas perversas, recordou-se de que era livre para viver o que sempre desejou.

— Por algum momento achei que estava tudo perdido, que a tiramos daquele

pesadelo para que desfalecesse em nosso refúgio, não faz ideia do quão

confortante é ouvir a sua voz, notar o brilho em seus olhos, a vida em seu rosto — não

conteve a vontade em passear os dedos pelos curtos fios claros, prometia em seu

coração que lhe daria toda a felicidade negada —. Eu seria um desprezível se não a

tivesse comigo, meu viver perderia o sentido...

— Não pense nessas coisas, nada disso acontecerá, estou aqui... — contente

pelo final feliz que sua história teria, Isabel levou os dedos frágeis ao rosto daquele

que nunca deixou de amar, senti-lo em suas mãos era como adquirir toda a paz do

mundo, encarar seu sorriso encantador a deixava mais apaixonada, era dependente

do seu amor —. Durante todo esse tempo cheguei a acreditar que além de perigoso

era inútil lutar contra um homem tão abominável, mas eu nunca desistiria de ser feliz,

não suportaria deixá-lo para trás, perdê-lo para sempre...

— Nunca irá me perder. Conseguiu me prender a você, conseguiu me fazer

dependente do seu sentimento, conseguiu me aprisionar nessa paixão eloquente...

Salvar uma vida, uma história, é uma das mais nobres atitudes que podemos

tomar, um dos mais inesquecíveis legados que podemos deixar a um mundo de

egoísmos e narcisismos. Pessoas que salvam vidas merecem honrarias, merecem ser

vistas com orgulho por sua nação, merecem todo o reconhecimento possível.

Ana, sentindo que cumprira sua missão, buscou respirar o ar da natureza que

envolvia aquele esconderijo, encarava o céu e tentava imaginar o que sua família diria

Page 299: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

299 Capítulo 58 – Amor Eterno

de sua brava luta, mas de quem realmente queria ouvir a opinião era de sua mãe, a

mulher que nunca a aceitou, a mulher que a rejeitou poderosamente, quem sabe

conseguiria transformar os seus sentimentos.

— Já parou para pensar que é uma heroína do mundo real? — uma voz

aveludada dissipou seus devaneios, alguém atraente e de bom coração se aproximou

cautelosamente e também levou os olhos ao céu escondendo as mãos nos bolsos —.

Como se sente salvando alguém e alegrando tantos corações? — Luís indagou.

— Sensação de dever cumprido, tendo certeza de que qualquer um de vocês

faria o que pudesse para ter a mesma conquista... — procurou o rosto do soldado,

sua sensibilidade contemplou um alguém de sorriso doce.

— Mas foi em você que depositaram toda a confiança — o militar levou sua

atenção à brasileira, notou que era menor do que ele, notou também os olhos que se

assemelhavam ao mel —. Confesso que estou curioso por saber os motivos que a

trouxeram aqui, aposto que não imaginava nem um terço de tudo que presenciou.

— Devo concordar, o som da guerra não era tão estridente por lá, mas aqui o

terror bate à porta — pensou um pouco mais, talvez estivesse ganhando um amigo e

pudesse confiar em contar sua história, em desabafar o que há anos a acompanhava

—. Já percebeu que sou deficiente, se não fosse tão esperto e observador não teria

me arrastado no colo — provocou a diversão em seu ouvinte.

— Sabe que foi em legítima defesa, não sabe? — justificou-se encantado pelo

sorriso lhe exibido, nascia algo em seu coração.

— Mas é claro, se sou uma heroína você é um herói, se não fosse por tamanha

bravura talvez não estivesse aqui — reconheceu a importância da inevitável ajuda —.

A verdade é que resolvi entrar nessa confusão exatamente por ser manca, muitas

pessoas me rejeitaram, minha mãe não me aceitou, queria provar a todos que sou

capaz de altos vôos, despertar o orgulho de uma pessoa que sempre se envergonhou

de mim.

— Não precisa provar nada a ninguém, quem realmente estima sua companhia a

aceita como é, não exige mudanças nem demonstrações de poder — aconselhou

sabiamente, sentiu revolta pelo que ouvira, a cada dia conhecia o lado escuro da

humanidade —. Mas, apesar de não concordar com essas visões, preciso agradecer

Page 300: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

300 Capítulo 58 – Amor Eterno

por tê-la ao nosso lado, se mostrou um membro fundamental em nossa equipe, sem

você estaríamos incompletos.

Sentia-se importante apenas quando estava ao lado do pai e pela primeira vez

alguém que nem a conhecia declarou vê-la como indispensável, alegrou-se, era uma

motivação para prosseguir em seus sonhos.

— É gentil... — não soube exatamente como agradecer, estranhamente se

intimidou perante o rapaz.

— Sou sincero... — em um ato quase involuntário segurou as mãos soltas,

encarou os olhos surpresos e por entre o sorriso alegre declarou suas palavras: —

Não dê ouvidos ao que dizem, somos perfeitos do jeito que chegamos ao mundo,

não deixe que ninguém menospreze seu valor.

Uma gargalhada infantil e divertida soou por entre as árvores, logo dois

grandes amigos surgiam da mata, estavam brincando, entregando-se à felicidade

recuperada como nunca puderam fazer no terrível lugar no qual estavam.

— Noah? — Ana se aproximou dos judeus.

— Já se conheciam? — Abner interrogou.

— Conheci o seu pai — a enfermeira tirou do bolso uma fotografia e a exibiu ao

pequeno garoto.

Noah se emocionou, seus olhos encharcaram-se e pelo seu rosto lágrimas

saudosas rolaram, pegou a imagem e analisou, lembrou-se de que o momento com o

seu pai fora registrado dias antes dele desaparecer para que nunca mais fosse visto.

Encarou seu novo amigo, seu olhar tristonho quebrantou o coração do rapaz que o

acolheu em seus braços.

— É ele mesmo?

— Sim... Ele está bem?

A brasileira tinha quer sincera, não poderia alimentar falsas esperanças ao

coração inocente, mas não deixaria de tentar um consolo.

— Seu pai está muito bem, protegido no céu, ao lado de Deus, mas antes de ir

a esse lugar de descanso para muitas dores deixou uma mensagem, fui a última

pessoa com quem conversou e eu lhe prometi que o encontraria para dar o recado,

por isso estou aqui — limpou as lágrimas que escorriam —. Ele disse que nunca se

Page 301: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

301 Capítulo 58 – Amor Eterno

esqueceu de você, que todos os dias desde a separação desejou abraçá-lo, ele o

amava mais que tudo e nunca deixaria de amá-lo.

O pequeno judeu abraçou Abner derramando seu choro, o rapaz o acolheu

compreensivo, aquele momento precisava acontecer, ele merecia saber que o pai não

o abandonara, mas também teria todo o apoio preciso.

— Mas não se preocupe, você não está sozinho, todas essas pessoas que

estão aqui o amam e o protegem sempre — Ana afirmou —. Além disso, vejo que os

seus pais deixaram alguém muito especial para amá-lo, não é o bastante?

— Eu queria que eles também estivessem comigo... — não se soltou do jovem

judeu —. Mas Abner é sim o bastante, é a minha família! — emocionou com sua

tocante declaração.

Tossia compulsivamente, seu rosto sangrava, exibia alguns cortes, e seu corpo

sentia o impacto do choque contra o chão. Antes que o carro explodisse Klaus se

jogou para a mata, mas não pôde evitar o calor da explosão e nem o ataque dos

estilhaços, contudo estava vivo e voltou à mansão.

Com dificuldade subiu as escadas, pôde ouvir alguém resmungando e uma

cama se debatendo, caminhou a passos lentos e encontrou Manfred amarrado,

impossibilitado de gritar por ajuda.

— Desgraçados! — libertou a voz de seu opressor e começou a desamarrá-lo —.

Como conseguem tanta coragem?

— Isso não me importa, o importante é que quero todos mortos! — estava irado,

enraivecido, embrutecido. Faria o impossível.

Page 302: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

302 Capítulo 59 – Eternidade

Capítulo 59 – Eternidade

[Rio de Janeiro, Brasil – 1944]

Para aqueles que se amam os mínimos gestos valem a pena, são vistos na

verdade como grandes, deslumbrantes e inesquecíveis atitudes que ficarão para

sempre na memória afetiva e farão, a cada recordação, o coração palpitar alegre.

Desde uma conversa simples na praça do bairro até uma viagem romântica ao

exterior, quando se envolve um amor genuíno todas as demonstrações são válidas.

Aos cuidados de sua esposa, Francisco estava bem melhor, prova disso é que

o sol nem havia dissipado a noite e ambos estavam na orla da praia, sentados na

areia, aguardando o resplender da alvorada. Maria repousava a cabeça no ombro do

marido enquanto o homem arrependido a envolvia com seu amor, a brisa que soprava

do mar era fria, mas os corpos aproximados se aqueciam como nos tempos antigos.

— Para ser sincera não acreditava que faríamos o que tantas vezes fizemos,

esses momentos com a natureza prometiam ficar apenas no passado... — a mulher

declarou.

— A vida me deu uma oportunidade para corrigir meus erros, serei eternamente

grato a essa chance, é por ela que hoje estamos aqui como no início do nosso

relacionamento, quando as coisas pareciam se encaminhar a uma eternidade de paz...

— Francisco ainda se atormentava pelos erros passados, alcançara o perdão da

esposa, contudo nunca se perdoaria.

— E quem disse que não é uma eternidade? — encarou os olhos que perdiam o

brilho por conta das opressões de uma enfermidade insistente —. Se nosso amor

não fosse durar para sempre hoje não estaríamos aqui. O que deve permanecer pela

eternidade dos tempos pode sofrer uma aparente interrupção, mas não deixa de

existir, no momento exato rompe as barreiras do limite e se mostra ao mundo.

— Palavras sábias — elogiou tocado e sorridente o discurso feito por um nobre

coração —. Como consegue ter pensamentos tão puros?

— É o que o amor faz, transforma mentes, muda vidas, amplia horizontes...

O primeiro raio de sol resplandeceu no fim do mar.

Page 303: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

303 Capítulo 59 – Eternidade

O céu, antes escuro, começou a clarear e as estrelas, aos poucos,

desapareciam, davam lugar à estrela maior, a mais soberana das estrelas, o mais

poderoso dos astros. Olhos atentos assistiam ao espetáculo enquanto mãos

inquietas se acariciavam, suas almas sentiram alegria, depois de tantos anos viveram

mais uma vez o que sempre os uniu mais e mais.

— Sei que já pedi isso tantas vezes e também sei que alcancei o meu anseio,

mas preciso pedir o seu perdão em mais essa ocasião. Perdemos momentos incríveis,

experiências únicas, tudo por minha culpa, agi como um ignorante repleto de

arrogância e nos privei da vida — suas palavras eram sinceras, a cada novo

amanhecer ao lado de uma mulher tão especial e livre de quaisquer mágoas seus

olhos se abriam um pouco mais e seu coração compreendia o preço de seus

equívocos —. Preciso do seu perdão.

— Já o tem e sempre o terá — Maria levou a mão aos cabelos grisalhos,

acariciou-os como fazia na juventude, quando o casamento parecia perfeito —. Não

se culpe tanto, talvez eu também tenha a minha parcela de responsabilidade, talvez

tenha sido fraca e desistido cedo demais...

— Não... Nada disso teve a sua contribuição, pelo contrário, você suportou a

minha ingratidão por muito tempo, por tempo que eu não suportaria. Foi uma esposa

fiel e se manteve fiel por todos esses anos de separação, no fundo eu sabia que

ainda me amava e que se provasse meu arrependimento poderia reconquistá-la,

afinal, nunca recebi um pedido de divórcio — levou a mão trêmula ao semblante que

exibia as marcas do tempo, das experiências vividas, um semblante que não deixava

de ser encantador aos olhos do homem apaixonado —. Nunca se culpe, foi uma

guerreira, é uma pena eu não ter dado o valor que merecia...

Beijaram-se. Beijaram-se voltando ao passado. Beijaram-se sentindo o

envolvimento do amor, um amor que nunca deixaria de existir.

Quando somos jovens fazemos inúmeros planos, alguns sabemos que são

praticamente utópicos, outros temos noção de que com base no nosso esforço e na

Page 304: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

304 Capítulo 59 – Eternidade

nossa dedicação conseguiremos concretizá-los. Mas crescemos, ficamos adultos e

mudamos nossas intenções.

Não planejava se casar, mas agora, em pé na varanda do quarto, encarando a

cama, via também o marido adormecido, era um plano que não tinha idealizado com

grandes pretensões, mas que se tornara facilmente em uma agradável realidade.

Estavam casados há poucas semanas, o suficiente para que em seu coração

brotasse a certeza de que fizera a coisa certa.

Não se cansava de admirar o rapaz que dormia tranquilo, sorria contemplando

sua presença, sentia-se a mulher mais feliz do mundo.

Porém existiam outros planos, uns antigos, outros nasciam naquela hora,

encostou os braços na mureta de mármore e encarou a noite estrelada, o céu dava

indícios de que o sol ressurgia com todo o seu fulgor, pássaros já vagueavam pelos

ares, a vida saía do ninho.

Alguém envolveu sua cintura e a beijou no rosto.

Alguém com uma voz inconfundível e sempre deleitante.

— Acordada tão cedo... — Henrique ainda estava sonolento, mas não fora

impedido de fazer companhia àquela que amava incondicionalmente —. No que

pensava?

— Em como tudo pode nos surpreender — Carol tocou os braços que a

envolviam, sentia conforto e proteção no simples ato de tocar alguém que

representava infinitos sentimentos à sua alma —. Quando eu poderia imaginar que

estaria casado com um verdadeiro príncipe? — não se enfadava de elogiar o eterno

namorado —. Quando imaginaria que ao meu lado teria um nobre cavalheiro?

— Não é isso o que as adoráveis princesas, belas damas, merecem? — o jovem

soldado também não se enjoaria de declarar e exaltar a beleza de sua adorável e

indispensável companheira —. Se por aqui há alguém de sorte sou eu, sua beleza não

se resume ao exterior, encontrei a mais perfeita das almas e alcancei a dádiva de tê-la

para sempre comigo...

— Para sempre... — Carol repetiu como se duvidasse daquelas duas e

grandiosas palavras, não tinha certeza se poderia confiar na eternidade, afinal de

contas assistira a uma experiência que parecia ter chegado ao seu definitivo final —.

Page 305: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

305 Capítulo 59 – Eternidade

Consegue acreditar em um eterno amor? — lançou sua pergunta, desejava uma

resposta.

— Mas é claro, se não acreditasse não teria uma aliança no dedo, não me

arriscaria a fracassar... O amor não se eterniza quando não é mantido, as pessoas se

enganam ao seu respeito, acham que é suficiente tê-lo em seus caminhares, mas

devemos manter acesa a chama que o aquece, a cada dia temos que lutar pela sua

sobrevivência, passar por cima das divergências e, em nome do amor, sofrer suas

insuportáveis consequências — declarou feito um poeta cheio de romantismo, cheio

de palavras amorosas —. Isso é eternizar o amor, é mantê-lo vivo a cada anoitecer, é

alimentá-lo a cada amanhecer. Prometo que farei a minha parte... — era compreensivo,

entendia os receios de sua esposa, mas se dependesse de suas ações ela não teria

mais dúvidas, todas seriam substituídas por certezas.

— Também lutarei por manter vivo esse amor tão gostoso e gratificante que

nos alcançou em um mundo repleto de turbulências e pessoas que se odeiam tão

facilmente — agradeceu por aquele discurso, através dele alcançaria tranquilidade,

poderia acreditar que sua história teria um final feliz, um final contrário ao que

conhecia.

O sol raiou sua força, exibiu seu poder, apresentou-se com a sua beleza e

mandou embora a noite frágil à sua presença.

Marido e mulher, jovens ainda, inexperientes, vulneráveis a tantas feridas,

assistiram ao espetáculo natural, ao show criado por Deus, dado como presente aos

homens.

— Tão lindo, tão perfeito... — Carol nunca deixava de se admirar pela beleza

do alvorecer —. Ainda mais especial quando assistido na companhia de quem

amamos — levou os olhos ao rosto do rapaz —. Consegue sentir essa doçura?

— Sinto que fomos predestinados a estarmos juntos, nossas vidas teriam que

se cruzar em algum momento, tivemos sorte pelo nosso encontro ter acontecido tão

rapidamente...

— É verdade. Muita gente precisa esperar uma vida inteira para que encontre

aquilo que sempre procurou...

— O importante é encontrar... — levou a mão ao rosto sereno e se perdeu

naquele toque —. Leve o tempo que for...

Page 306: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

306 Capítulo 59 – Eternidade

Pássaros cantavam, flores se abriam, o orvalho desaparecia e um casal

insistentemente apaixonado se beijava na varanda sentindo a brisa refrescante da

manhã e o calor acolhedor do sol que acabara de nascer. Começavam aquele dia

cheios de amor, na verdade todos os seus dias começavam daquela forma.

Fato é que crescemos.

A vida muda.

Dentre sorrisos e alegrias, lágrimas, somos surpreendidos por fatos

inesperados, coisas que jamais planejamos, mas que existem e precisam ser vencidos.

O dia amanhecia, o sol ressurgia como na maioria das manhãs e Carol assistiu

à cena, porém sem a companhia de Henrique, sem trocar palavras de afeto com

aquele que mudou seu pensamento sobre a eternidade tão alta apregoada, sem

sentir o abraço acolhedor de um homem tão único em sua essência.

Seu coração estava apertado.

De seus olhos rolavam lágrimas.

Como sentia a sua falta, aquela saudade parecia interminável e insuportável.

Voltou para o quarto e colocou os olhos sobre o filho que dormia sem

preocupações, acariciou seu rosto delicado, ele a fazia se sentir mais perto de

alguém que amava do mesmo tanto, alguém que não esquecia...

O amor é mesmo eterno...

Page 307: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

307 Capítulo 60 – Confronto

Capítulo 60 – Confronto

[Berlim, Alemanha – 1944]

Enquanto muitos se alegram, divertem-se com pessoas queridas, outros

choram a vida que levam, os desafios que enfrentam muitas das vezes longe de

pessoas amadas, longe de suas famílias, de seu povo. Assim é o mundo, situações

contrárias a indivíduos opostos.

Sebastian não se esquecia dos tantos outros judeus que viviam aprisionados

em um lugar de tormento, sem a certeza sobre um futuro de luz, sentia-se realizado

por ter salvado seu melhor amigo, mas ainda não era o bastante, seu bom e genuíno

espírito clamava para que ele retrocedesse em seu avanço, voltasse para libertar

quem ainda estava acorrentado, ouvindo os sussurros de uma morte tão presente.

Decidido, o jovem alemão ajuntou suas coisas, partiria a fim de enfrentar o pai,

enfrentar o império construído em cima de perversões, desvestia-se do medo,

estufava o peito com a certeza de que venceria.

— Você não pode fazer isso! — Maik repreendia o rapaz por sua teimosia —.

Seu pai provou pouco se importar com laços familiares, se precisar atacar ele o fará!

— Devo confessar que nessa parte sou como ele. Não vou desistir de fazer

justiça, nem que para isso deva sujar as minhas mãos, mas também não vou deixar que

outras pessoas se arrisquem por minha causa e percam suas vidas, seus sonhos —

encarou firmemente os olhos que lhe eram dirigidos, através de severo olhar

anunciava que não desistiria de seu plano e nem aceitaria que o acompanhassem.

— Não consegue ver que está fazendo o mesmo comigo? Está se arriscando

em território inimigo, provocamos a fúria daquele homem, despertamos seus piores

instintos, não somos capazes de imaginar quais podem ser os seus planos, como

reagirá ao ver um dos rivais diante a sua face — o mais experiente argumentou —. Ele

não o vê como um filho, não mais, seu juízo o condena por traição!

— Maik, desista, não vou mudar de ideia — sorriu rebelde, era de opinião forte,

nada o pararia —. Veja bem, minha mãe precisa da sua companhia, do seu amor e

você a adora como se fosse tudo o que lhe pertence, se for comigo e perder a vida

perderá também um amor que nunca pôde ser vivido integralmente e ela perderá o

Page 308: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

308 Capítulo 60 – Confronto

único homem que amou — foi sincero e convincente —. Sei me cuidar, mas não

garanto a segurança de quem me acompanhar...

— Está bem, preferia não dizer, mas você se parece comigo quando mais jovem,

nada me fazia mudar de decisão — o alemão cedeu como sempre cederam a ele —.

Mas se em uma semana não aparecer e nem mandar notícias irei atrás, goste ou não.

— De acordo — estendeu a mão —. Cuide de todos, sei que posso confiar em

sua bravura.

— Não o decepcionarei — – ao invés de um cumprimento formal e frio, Maik

trouxe o rapaz para um abraço fervoroso —. Cuide-se e volte bem!

— Farei o possível... — naquele abraço o jovem soldado sentiu o que sempre

procurou, mas em vão, sentiu a proteção e a confiança de um abraço paterno,

desejou por alguns segundos que sua história fosse diferente e aquele nobre ser

humano o tivesse por filho.

A mansão parecia deserta, aparentava não receber a visita de ninguém desde

que os últimos acontecimentos agitaram o lugar, dias haviam se passado, dias de

ansiedade pela luta árdua que deveria acontecer.

Sensato, precavido a qualquer investida do astuto adversário, Sebastian

chutou a porta entreaberta, com olhos atentos colocou o revólver à dianteira, o

menor dos perigos seria enfrentado com disparos valentes. Na sala tudo parecia

normal, nenhuma ameaça. Subiu a passos inaudíveis e lentos ao andar superior,

caminhou pelo corredor esperando qualquer surpresa, no final da caminhada invadiu

o quarto do pai pronto para intimidá-lo, mas o que encontrou foi a cama vazia e as

cordas estouradas. Deu passos traseiros, estava assustado, seu receio aumentou

quando seus ouvidos captaram o som da arma sendo destravada.

— Foi ingênuo demais pensando que manteria um homem tão ardiloso amarrado

por dias.

Ergueu as mãos soltando o revólver, exibindo seu medo.

Page 309: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

309 Capítulo 60 – Confronto

— Um bom filho a casa torna, é a lei natural das coisas — Manfred manifestou

sua grave e ameaçadora voz —. Sente-se, precisamos ter uma conversa que sempre

achei dispensável, fui ignorante.

Submisso, o bom rapaz obedeceu à ordem, sentou-se sobre o colchão macio e

levou a atenção ao homem que detinha o poder da morte em mãos.

— Nossa conversa é bem simples, suas ações abomináveis precisam de

punição! — ainda assim Sebastian falaria o que seu coração desejasse, ainda que

inutilmente tentaria transformar uma mente perversa.

— Não, não... Não sou eu quem deve sofrer punições, aliás nunca serei

condenado pelo que faço, eu sou a lei — afirmou arrogantemente —. Na verdade

você é o revoltado, o rebelde sem causa, o filho ingrato que se uniu às conspirações

contra seu pai, contra os seus princípios, contra a soberania de sua nação. É um

traidor e traição se paga com a vida!

— Nunca fui um traidor, nunca me revoltei sem motivos, apenas procurei lutar

pelo que acredito, por aquilo que sei que é correto! Matar judeus, trancafiar a

esposa, planejar a morte dos inimigos, nada disso é aceitável, isento de julgamento,

são atitudes extremas, fatais, que merecem castigo! — mostrou o tamanho de sua

decepção com os caminhos trilhados pelo pai —. Continuarei lutando pelo bem, para

que a Alemanha não seja lembrada como nação perigosa, devastadora, para que o

nosso povo não seja visto como monstros prontos para devorarem até mesmo a mais

inofensiva das crianças. Nossas atuais ações são vergonhosas, humilhantes, sinto

vergonha em ser alemão!

Manfred se enfureceu grandemente e não hesitou em agredir, o mais forte que

pôde, o rosto do filho, aquelas palavras lhe soaram como ofensas, não pessoais, mas

contra seus superiores nazistas, contra seu ídolo Hitler e contra a própria

Alemanha.

— É mesmo um caso perdido, uma ovelha desgarrada, um animal contaminado —

o capitão da SS declarou seriamente —. Vejo que se deixou incluir pelos

pensamentos miseráveis de homens desprezíveis. Nossas ações não devem ser

motivo para vergonha, mas para orgulho! Estamos limpando nossa nação de sujeiras

que nos impregnam e nos sufocam, estamos livrando o nosso povo de vermes que o

consumiriam até a mais dolorosa das mortes, estamos vingando um passado de

Page 310: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

310 Capítulo 60 – Confronto

fracassos e criando um futuro de glórias, não há vergonha em ser alemão, somos uma

raça íntegra, dignos de dominar todo esse fútil planeta!

O jovem alemão nunca concordaria com palavras tão sórdidas e loucas, sempre

se manteria no seu ideal e faria o possível para alcançá-lo.

— A verdade é que os verdadeiros vermes são vocês — chutou a mão do pai em

um golpe ligeiro, conseguiu lançar o revólver lhe apontado pela janela do cômodo —,

bando de imundos hipócritas — antes que Manfred pudesse sacar outro armamento,

Sebastian o golpeou no estômago com um pontapé agressivo —. Desejo

ardentemente que a Alemanha seja devastada nessa guerra, que sofra uma

humilhação maior que a primeira, que caia no esquecimento!

— Desgraçado! — o prepotente indivíduo cerrou o punho e desferiu uma

pancada contra a boca do filho, conseguiu derrubá-lo sobre a cama —. Já que

admira tanto os judeus deverá viver como eles — subiu sobre o rapaz ainda tonto pela

dor, passou a sufocá-lo furiosamente, sua intenção não era matá-lo, possuía planos

mais cruéis até a morte.

Sebastian sentia os pulmões se afligirem, suas pernas debatiam-se

desesperadas enquanto suas mãos tentavam, em vão, afastar o assassino que o

dominava. Finalmente conseguiu se salvar, inverteu as posições e agora era quem

enforcava.

Manfred era bom de batalha, nunca desistia e não seria para um simples

garoto, como dizia, que iria perder. Seus olhos se avermelhavam, seus lábios estavam

roxeados, mesmo assim tinha forças para manter as mãos presas ao pescoço do

inimigo.

Sebastian suava pelo calor do momento e pela falta de ar, quanto mais

pressionava o rival mais tinha sua garganta presa às garras de um alguém impiedoso,

mas não desistia da briga, só pararia se morresse, só morreria se antes matasse

aquele homem.

Manfred se assustava pela força do rapaz, notava as veias saltitantes ao

decorrer do braço do opressor, encarava os olhos raivosos que desejavam o seu fim.

Sua mente começava a se apagar, seu corpo queria desfalecer, mas sua alma

cercada por trevas insistia no confronto.

Contra a sua vontade, Sebastian afrouxou as mãos e caiu sobre o pai.

Page 311: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

311 Capítulo 60 – Confronto

Tossindo violentamente, Manfred empurrou o filho para o chão e correu à

janela em busca de fôlego.

— Não sabia que ele era tão poderoso — Klaus se fez presente, tinha em mãos

uma seringa —. Como se sente?

— Aliviado — a voz do poderoso alemão soava rouca, as marcas dos dedos

furiosos que o espremeram eram exibidas em seu pescoço —. O que fez com ele?

— Apenas apliquei um sonífero, em poucas horas estará acordado para o

tormento que o aguarda.

— Agiu bem... — jogou-se na cama, sentia-se demasiadamente fraco, sempre

pensou que combater Sebastian seria tarefa fácil, mas provou da ira de alguém

revoltado com aquilo que repudiava —. Bem ou mal é mesmo meu filho, uma pena usar

todo o poder a fim de defender os oprimidos.

— Vai mesmo seguir com o plano?

— Não adianta ter compaixão, nunca vão aprender a lição, são arrogantes

demais para voltarem atrás e concertarem seus erros, temos que nos livrar de todos

até que ninguém mais possa se contaminar!

Page 312: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

312 Capítulo 61 – Promessas

Capítulo 61 – Promessas

Ainda eram namorados, viviam na ansiedade pelo dia definitivo, o dia que

viraria a página em suas vidas, o dia do “sim”. Nem eram noivos, mas já sonhavam com

o pedido de casamento, o rapaz pensava em como agir e a moça imaginava como seria

abordada.

Enquanto o importante passo não era dado passavam juntos o tempo que

conseguiam.

Carol, embora morasse há um bom tempo no Rio de Janeiro e constantemente

acessasse as tantas praias da cidade maravilhosa, temia o mar, sentia medo pelas

trágicas histórias ouvidas de tantos navegantes, não se permitia ao prazer que as

firmes e sutis ondas são capazes de proporcionar, não se entregava à paz que a água

salgada, cobrindo o corpo, pode garantir.

Henrique, por sua vez, era conhecido como um “peixe-humano”, desde criança

se aventurava destemidamente na imensidão de águas, aprendera a nadar como um

profissional, fazê-lo feliz era levá-lo à praia e deixá-lo livre para sua solitária diversão.

Conhecia o medo da namorada e achava aquilo uma grande bobagem, sentia pena

pela falta de emoção e faria o possível para que naquela tarde quente de verão fosse

o libertador de alguém que significava tanto em sua vida.

— Por que olha tanto ao além? — sentados sobre a areia, Carol quebrou o

repentino silêncio.

— Na verdade estou admirando essa bela paisagem. Não é uma verdadeira

obra de arte?

— Se está dizendo... — não achava belo, achava perigoso.

— O dia está ótimo para um mergulho — o rapaz entusiasmado se levantou de

repente estendendo a mão à garota que o encarava descrente —, vamos?

— Fique a vontade — foi rígida ao falar, enfrentar medos sempre foi um grande

desafio.

— Se eu quisesse ir sozinho não estaria convidando — ofendeu-se pela

resposta, mas logo reconheceu que não precisava ser ainda mais ignorante,

reconheceu que é necessário respeitar os limites de cada um. Arrependido, tornou a

se sentar ao lado daquela que desejava, em um futuro próximo, chamar de sua

Page 313: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

313 Capítulo 61 – Promessas

esposa —. Não é o que quis dizer... Na verdade estarei sempre perto o bastante

para que se sinta protegida.

— Sei que suas intenções são sempre as melhores, mas não é tão simples

vencer um obstáculo tão grande — desabafou —. Não pense que não tenho vontade,

sempre que o vejo entregue à água, gargalhando como um garoto, sinto o desejo, mas

também o medo...

— Vai dar tudo certo — acolheu as mãos delicadas e se prendeu aos olhos azuis

—, confie em mim...

Sempre soube que amar alguém também envolvia confiança, que tipo de

amante seria se não desse uma chance às palavras do namorado? Carol não

conseguiria resistir a um pedido tão especial, mesmo que o temor a perseguisse.

— Vamos com calma...

— No seu tempo...

De mãos dadas deixaram pegadas sobre a areia encharcada enquanto se

entregavam ao mar acolhedor. A carioca de coração havia molhado os pés em outras

ocasiões, mas naquela oportunidade já sentia as águas tocarem suas pernas,

cobrirem os joelhos.

— O mar está calmo, não há perigo algum — o confiante jovem, que há poucos

dias se ingressara no exército, exibia uma tranquilidade admirável, parecia comandar

as ondas, dominar os ventos —. Pode se soltar, se jogar sobre a água, deixe ela te

proporcionar um grande refrigério — dizia com convicção —, não se esqueça de que

sempre estarei por perto.

Carol pensou em desistir, dar as costas e continuar fugindo de seus conflitos,

mas se vestiu de coragem, encontrou forças naquele que demonstrava acreditar em

seu potencial, naquele que desejava piamente a sua felicidade e que se dispunha a

essa conquista. Lançou-se sobre o mar, sentiu o frescor envolver seu corpo, relaxou

os músculos, dissipou as sombras da mente e, com o auxílio do futuro esposo, deu

seus primeiros nados. O tempo se passou. A moça temerosa agora se divertia tanto

quanto o fiel companheiro.

O sol começou a dar lugar às estrelas.

Era hora de voltar para casa.

Page 314: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

314 Capítulo 61 – Promessas

Feitos duas crianças que acabam de descobrir um empolgante segredo, Carol

e Henrique deixaram o mar, exibiam a felicidade naquele momento tão simples a

todos que os rodeavam, contagiavam os casais a procurarem o mesmo nos mínimos

detalhes.

— Não foi tão ruim, não é? — o rapaz questionou tirando excesso de água dos

olhos.

— Foi incrível! — a jovem mulher sentia o alívio em ser liberta de um bloqueio que

parecia imbatível, sentia-se feliz consigo mesma por conseguir vencer um medo tão

insistente —. Por que não me convidou antes?

— Esqueceu que sua resposta sempre era negativa? — defendeu-se.

— Obrigado! — grata, abraçou o namorado e não negou um discreto beijo em

seu rosto —. Às vezes olho para você e me questiono se mereço tê-lo ao meu lado, se

mereço ter a sua companhia para o resto da vida.

— Você merece que eu a faça feliz todos os dias — apaixonado, perdido nos

olhos fulgurosos que o fitavam aguardando pelas próximas palavras, Henrique

acariciou o suave tosto, como desejava fazer aquilo todos os dias, ansiava pelo dia

no qual seriam unidos pela eternidade —. Prometo que enquanto viver a amarei com

todas as minhas forças.

Beijaram-se debaixo da lua que ressurgia.

Beijaram-se afetuosamente.

[Itália – 1944]

No meio do treinamento rigoroso para um ataque decisivo que deveria ocorrer

nos próximos meses, Henrique parou para descansar nas margens de um rio que

cortava a floresta e levava a correnteza para um lugar sem fim. Encarou as águas

corriqueiras e volumosas, consequência da chuvarada de dias anteriores, e não pôde

deixar de se lembrar da amada Carol e de como a ajudou a se libertar de um medo

tão injusto, lembrou-se também de suas promessas e se culpou por não estar

cumprindo-as, tal culpa motivou suas lágrimas angustiadas.

Page 315: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

315 Capítulo 61 – Promessas

— Eu sei, não está fácil — Jorge se sentou ao seu lado, estava disposto em

ouvir quaisquer desabafos, ainda que não tivesse as palavras certas sabia que era um

bom ouvinte —. Ainda mais para você que, inevitavelmente, sempre se acha pensando

em sua família.

— Fiz uma promessa e não estou cumprindo com minhas declarações — o jovem

soldado limpou o rosto —. Prometi em um dia especial que estaria sempre ao seu

lado, protegendo-a de tudo, mas veja só, estou mais longe do que conseguiria

imaginar.

— Isso não é sua culpa, todos sabemos disso, ela o sabe... Quantas promessas

todos nós tivermos que deixar para trás? Se sairmos perguntando vamos descobrir

que muitos fizeram ao menos uma promessa antes de vir para esse pesadelo. Não

está em nossas mãos essa realidade, precisa entender!

— Mas eu assegurei a minha companhia...

— E quem disse que não cumpre? Envia cartas, pensa nela todos os dias e sei

que em todas as noites, além de mencioná-la em suas preces, encarrega as estrelas a

responsabilidade em mandar o beijo que lança sobre o ar. Isso é estar longe? —

diante o silêncio, Jorge prosseguiu: — Muitos por aí, mesmo colados uns nos outros,

vivem distantes, não se entendem e pensam que se amam, mas vocês, mesmo

separados geograficamente, estão unidos fielmente, isso é o que importa, é o que

vale, esse amor incondicional que com nada se importa!

Ouvira um sábio discurso, palavras que o fizera refletir e acalmar a alma

agitada. Por ora Henrique se manteria ligado à esposa pelos sentimentos que nunca

morriam, mas em breve, acreditava, estaria com ela para jamais se distanciar.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1944]

As luzes se acenderam.

As vistas enfraquecidas identificaram os homens em pé.

As mãos e os pés não tinham qualquer liberdade, estavam amarrados sobre um

tronco preso ao chão.

Page 316: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

316 Capítulo 61 – Promessas

— Bom dia, querido filho — Manfred possuía o sorriso perverso que

costumeiramente exibia, as palavras soavam tranquilas, mas eram proferidas por uma

alma perturbada.

— O que vão fazer?! — vendo o tamanho de sua vulnerabilidade àqueles que

possuíam motivos injustos para almejarem o seu mal, Sebastian se desesperou pela

primeira vez naquela batalha brutal, precisava saber qual seria o seu futuro, o que iria

acontecer, como seria pago por todo o amor que distribuiu.

— Por enquanto nada, mas nossas ações futuras serão ditas por você,

obedeceremos a sua ordem, seguiremos a sua escolha — seu olhar era astuto, sua

intenção ardilosa.

— Enquanto você está aqui, em nossas mãos, praticamente entregue à morte,

as pessoas que se aproveitaram de sua boa vontade estão contentes, sossegadas,

pouco se importando com a sua condição, importam-se apenas em alegrarem suas

carnes já podres — Klaus Weber iniciou o sórdido e tentador discurso.

— Com isso queremos lhe dar a oportunidade de reconsiderar seus atos,

tornar atrás em seus equívocos e entregar em nossas mãos os traidores, os fatais

conspiradores — Manfred concluiu —. Queremos que continue com sua vida intacta,

para isso nos diga onde estão os outros — lançou a proposta, a chave para que o

jovem alemão sobrevivesse, sua única chance em sair daquele inferno e ser livre para

praticar uma silenciosa vingança. Qual seria a sua decisão? Daria ouvidos a um

homem traiçoeiro? Acreditaria em seus argumentos e se convenceria de que fora

usado? Apenas a mais simples palavra seria capaz de mudar toda uma história.

Page 317: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

317 Capítulo 62 – Pedido Especial

Capítulo 62 – Pedido Especial

Pessoas íntegras, leais, sinceras e genuínas em suas palavras não são

enganadas tão facilmente e nem deixam de cumprir suas promessas, sejam grandes

ou simples, para elas o que importa é a sua honra, é o compromisso que firmaram com

alguém importante. Sebastian era assim, íntegro, leal, sincero e genuíno em seus

acordos e jamais se deixaria convencer por alguém corrompido, sombrio e de

palavras enganosas.

— A resposta é não — respondeu severo, como o homem que seu pai sempre

quis enxergar, como o homem que agora lutava por seus ideais sem se preocupar com

quem estivesse em seu caminho —. Não são mentirosos como você, muito menos

oportunistas, tão logo saibam o que me sucedeu darão um jeito de puni-lo, uma

merecida e desejável punição!

Também existem aquelas pessoas ardilosas, manipuladoras, falsas e que são

altamente brutais quando almejam certos objetivos, são pessoas que fingem

amizades atrás de oportunidades, pessoas quem em oculto controlam as ações de

outras, pessoas que desprezam a sinceridade das palavras e o sofrimento alheio,

tudo por sede de vitória, uma injusta e suja vitória. Manfred fazia parte desse grupo,

não media esforços a fim de alcançar seus desejos, pouco se importava com a dor

que pudesse causar e isso já provara muitas vezes.

— Moleque desgraçado! — desferiu um soco no rosto do filho, sem piedade

alguma —. Com quem pensa que está brincando e quem acha que é para bancar

tanta valentia? — de seus olhos chamas iradas o tornavam ainda mais abominável —.

Se ainda não percebeu farei a honra de explicar, sua vida está na minha mão, basta

uma palavra minha para que o ponto final de sua medíocre história seja pingado nas

páginas apodrecidas de seu livro inútil! — aproximou-se do rapaz e o encarou

intimidadoramente nos olhos, não estava para brincadeiras, cansava das derrotas —.

Vou dar a última oportunidade para que reveja seus conceitos, terá uma semana

para mudar sua resposta e colaborar comigo, caso contrário não terei pena ao jogá-

lo com minhas próprias mãos dentro da fornalha para queimar junto aos desprezíveis

judeus que tanto defende — afastou-se —. Atente-se, durante essa noite ouvirá o

que lhe pode acometer!

Page 318: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

318 Capítulo 62 – Pedido Especial

— Fala tanto que os “sem-regras” são ameaças para o mundo, dignos de

aniquilamento, mas a cada dia vejo que esse é o fim que você merece! — Sebastian,

mesmo receoso quanto às circunstâncias, declarou seu decepcionado pensamento —

. Por causa de seus discursos atormentantes vivi condenando casais que se traem,

que passam por cima de promessas de amor para satisfazerem suas carnes, quando

descobri o caso de minha mãe com Maik o repudiei, coloquei em meu coração que

nunca o aceitaria, como fui burro e ignorante — seu sorriso estampado no rosto era

de grande desconsolo —. Existe uma gritante diferença entre vocês dois, ele é bom,

ama aquela que você deveria amar, já o pai que fui castigado a ter é rude,

desgraçado, um arrogante de merda! — foi ousado em seu ataque, corresse o risco

que fosse sentia a necessidade de dizer tudo o que guardava no peito —. Se eu

pudesse concertaria as coisas e seria o sangue de Maik que correria em minhas

veias!

O capitão da SS se sentiu humilhado, desrespeitado, ser comparado com

seu grande inimigo era como ser feito por nada, comparado com animais, viu sua

prepotente e temida dignidade ser pisoteada como se não passasse de lixo.

— É um ingrato desprezível, um verme como sempre achei — não pouparia

ofensas ante a ira que sentia —. Talvez fosse mesmo melhor que ele o tivesse por

filho, assim a vergonha e a decepção não seriam minhas, é isso o que sinto sempre

que olho para a sua cara repugnante! Mas não posso me espantar, afinal são todos

iguais, uns tolos que insistem em apregoar um mundo de equidade para todos, são

fracos, fáceis de serem mortos — riu cheio de perversão —. Saiba que me ajudando

ou não eu os encontrarei, mas poderá ser muito pior, desejará nunca ter existido!

O jovem alemão foi deixado em seu cárcere cheio de escuridão, sem a

companhia de alguém derramou seu choro de pavor, não conseguia acreditar que

lutara tanto para que as coisas terminassem de um jeito tão injusto, com todos

derrotados, perversamente recompensados por amarem.

[Berlim, Alemanha – 1944]

Page 319: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

319 Capítulo 62 – Pedido Especial

Para os refugiados a paz ainda reinava nos corações cheios de alegria, em suas

mentes nem sonhavam com os apuros de Sebastian, as palavras de Maik

esconderam a verdade, era como se o bom alemão tivesse ido à busca de mantimento

e em poucos dias retornaria.

Despreocupados, ainda que momentaneamente, e felizes por estarem juntos

depois de tanto tempo, Eva e Abner caminhavam pela mata silenciosa e protetora,

aproveitaram ao máximo a companhia agradável que recebiam em cada encontro,

afastavam para sempre aquela saudade que pareceu interminável.

— Daqui para frente eu sinto que viveremos novas histórias, livres das vilanias

de quem quer que seja, livres para vivermos nossos planos, o nosso futuro — estavam

deitados à beira do rio, deixavam-se pacificar pelo melodioso som das águas

cristalinas —. Está feliz? — o jovem judeu se virou para a amada alemã;

— Como não estaria? — sorridente, Eva levou os dedos ao rosto que passara

tantos dias sem tocar, mas que agora estava à sua disposição —. Não posso negar

que todos os dias a minha fé fracassava, minhas esperanças pareciam se perder, já

não sabia em que acreditar — recordou-se dos dias melancólicos, dias dos quais

queria se esquecer —. Mas quando desci daquele carro e fui recebida pelo seu

abraço senti que cada lágrima valeu a pena, que cada súplica foi recebida e que me

era dada a chance de estar com o único homem capaz de conquistar o meu coração —

não se envergonhou em discursar o que sentia sua alma, nunca hesitaria em

demonstrar o quão importante era estar com o namorado.

— Também posso dizer que não houve um dia no qual não me lembrei do

quanto a amo e do que mais desejo nessa vida, tenham por loucura ou não — o nobre

rapaz se sentou sobre as folhas sem vida sendo imitado por sua eterna amante —.

Todo esse tempo me deu uma certeza, a de que preciso de você, preciso passar o

resto dos meus dias ao seu lado cumprindo com minha maior missão: amando-te e a

fazendo feliz — levou a mão ao bolso da calça e exibiu um pequeno caixote em

formato de baú —. Eu acredito em destino, nas tantas teorias do amor, acredito

piamente que fomos feitos um para o outro e que desde o nosso nascimento nossas

histórias já se cruzavam, nossos futuros estavam conectados, nossas almas já sabiam

o que ninguém mais sabia — seu discurso feito com tanto sentimento balançava o

coração de sua ouvinte —. Com essa certeza vejo que é perda de tempo adiar o

Page 320: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

320 Capítulo 62 – Pedido Especial

inevitável, por isso não posso mais esperar e, ainda que quisesse que isso

acontecesse de forma melhor, mais luxuosa como toda princesa merece, não posso

mais esperar — acolheu as mãos agitadas, acalmou-as com seu toque sutil —. Eva

Hoff, aceita fazer este simples plebeu, um louco e pobre apaixonado, o homem mais

feliz deste mundo? Aceita ser a minha esposa? — exibiu o par de alianças, compradas

antes da triste reviravolta, guardadas com tanto zelo por seu fiel amigo.

A resposta não seria surpresa, mas como responder um simples “aceito”

perante uma declaração que não poupou palavras? Ainda que sua simples resposta

fosse tudo o que aquele rapaz apaixonado desejasse ouvir ele merecia mais, merecia

saber tudo aquilo que representava para alguém que já não conseguiria viver sem o

seu amor. Seus olhos lacrimejavam e seu coração transbordava de contentamento,

sua alma procurava as palavras certas, além de esposa Eva queria ser a felicidade de

um cavalheiro tão especial.

— Ainda que estivéssemos em um cárcere e fosse lá que fizesse o seu pedido

eu diria que estaríamos no melhor lugar do mundo, porque para mim não importa a

riqueza da terra e nem o luxo dos homens, para mim apenas importa ser amada por

você, morar em seu coração, uma casa maravilhosa que nenhum ser humano será

capaz de imitar — encarava os castanhos olhos com afeto, com sinceridade, provando

a veracidade de cada dizer, cada genuíno dizer —. Talvez não tenhamos títulos reais

nesse mundo louco, cheio de arrogantes, mas garanto que no meu mundo, aquele que

criei para que somente nós morássemos, você é o meu rei, o dono do meu amor,

aquele ao qual entreguei meu coração, confiei meus sentimentos e tenho a certeza de

que jamais faria escolha melhor — como estava contente, como se sentia compensada

por todo o sofrimento, parecia sonhar —. Não medirei esforços para que

eternamente seja feliz porque sua simples existência me alegra todos os dias, sei que

em você, e somente em você, alcançarei um amor eterno e sincero, por isso digo que

aceito ser sua esposa, aceito viver a eternidade ao seu lado, não posso almejar coisa

melhor, simplesmente não existe...

Ainda mais enfeitiçado por aquela que conquistara seu afeto, Abner esticou

os dedos e, cheio de carinho, selou o compromisso colocando a aliança, sorrindo

para sua amada. Eva chorava de alegria, nunca se esqueceria daquele dia, o dia no

Page 321: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

321 Capítulo 62 – Pedido Especial

qual firmou o compromisso de amar para sempre um alguém que enfrentou os perigos

e não desistiu de amá-la.

Encaravam-se

Estavam perante o maior tesouro que poderiam conquistar, a maior riqueza

que seriam capazes de ajuntar e naquele silêncio emocionado agradeciam pelo

presente que ganhavam e prometiam que dariam suas vidas em nome daquele amor

que os unia não por um tempo, mas por todo o sempre.

Beijaram-se indo para outro mundo.

Beijaram-se sentindo suas almas se fundirem.

Estavam noivos. Estavam como sempre quiseram estar.

Page 322: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

322 Capítulo 63 – Opções

Capítulo 63 – Opções

Uma semana se passara e com ela a angustiante preocupação: como estava

Sebastian? Firme em seu compromisso Maik se preparou para a luta, iria atrás do

bravo rapaz que em nenhum momento se acovardou, que nunca temeu aos iminentes

perigos que surgiam no caminho, antes se vestia de valentia e enfrentava o que fosse

preciso.

— Por que não me contou antes? — sentada na varanda da recatada casa

escondida pela mata desconhecida, Isabel encarava seu amante, ainda se sentia

fraca, resultado dos anos de opressão —. Faria qualquer coisa para que ele

desistisse dessa loucura — os olhos tensos se encheram de lágrimas —, ninguém é

páreo para aquele homem.

— Não, minha querida, está enganada, ninguém é páreo para a nossa união, foi

através dela que demos um importante passo nessa guerra — o nobre alemão

confortou as mãos agitadas e acariciou o rosto preocupado.

— Mas agora retrocederão... — o medo, a sensação de perigo, sempre fez com

que o ser humano se perdesse de suas convicções e não semeasse esperança alguma

—. Pensei que deixariam esse monstro para que a justiça divina o punisse, pensei que

estariam satisfeitos por estarmos todos juntos.

— O problema não é esse, Sebastian muito se contentou pelo sucesso do

plano e meu coração tem se aliviado desde o dia em que a vi abrir os olhos sem a

sombra de quaisquer riscos — não desviava o olhar, precisava conquistar uma

confiança abalada —. Mas muitos outros dependem da nossa bravura para que

possam ter de volta em suas mãos a merecida liberdade que de forma deturpada

perderam, esse era o desejo do seu filho e é isso o que faremos!

A ideia era desagradável no mesmo tanto que opressora, não seria fácil

combater contra um arrogante prepotente, Isabel sabia o quão difícil e ousado seria

aquele passo, mas precisava acreditar, se até ali as coisas funcionaram, elas

avançariam um pouco mais.

— Não quero perdê-lo outra vez — abraçou aquele que conquistara o seu afeto

—. Volte para casa, volte com o meu amado filho.

— Prometo que seu pedido será prontamente atendido.

Page 323: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

323 Capítulo 63 – Opções

Desbravar território inimigo a sós poderia contribuir para uma provocação

inconsequente, poderia atrair uma derrota desastrosa, por isso Maik convocou a

ajuda de Luís que sabia qual era a sua missão naquele lugar, para o quê fora

chamado, e, antes de partir, decidiu que precisava se despedir de uma pessoa que se

mostrava especial.

— Eu poderia ajudar, garanto! — o desejo de Ana era em lutar contra as

opressões cujas sequelas presenciara de perto no hospital, sentia como se fosse o

seu dever.

— Sabemos disso, também sabemos o quão disposta é, mas precisamos que

continue aqui — durante aqueles dias, Luís e a enfermeira trocaram muitas palavras,

conheceram um ao outro, emocionaram-se com as histórias de vida e, discretamente,

começaram a se apaixonar, não assumiam, nem para si mesmos, mas sentiam

sensações diferentes a cada sorriso, a cada olhar, a cada aproximação —. Isabel não

está totalmente recuperada e Abner ainda sofre alguma dor embora tente esconder,

será muito mais útil perto deles.

— Tem razão — por fim se convenceu —. Prometo que farei o meu melhor, quem

sabe todos estejam subindo nas árvores quando vocês voltarem — lançou sua

brincadeira, os momentos nos quais se deixava guiar pelo bom humor encantavam

ainda mais o militar admirador e as risadas do exemplar soldado levavam os

pensamentos de Ana a lugares floridos, imaginações de amor.

— Garanto que faz milagres! — não havia mais tempo, precisava partir para uma

missão perigosa —. Cuide-se.

— Você também... — não foi um conselho, foi uma súplica quase desesperada.

Antes que os olhares se desconectassem, Luís fez uma importante escolha,

venceu os pensamentos tímidos e beijou aquela que começava a amar, um beijo

inesperado, retribuído e revelador.

Sorridentes, extasiados, desnorteados, separaram-se.

Teriam alguns dias para pensarem naquele momento.

Page 324: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

324 Capítulo 63 – Opções

O breu era silencioso.

A escuridão parecia tragar a luz.

Ainda amarrado, vulnerável a qualquer crueldade, enfraquecido pelos dias de

má nutrição, Sebastian ouvia em sua mente gritos de dor, gritos de desespero, gritos

agonizantes, a agonia da morte. Ouvira, em uma das solitárias noites, as lamentações

de judeus jogados a sangue frio nas fornalhas de fogo, ouviu as unhas arranharem as

paredes, as batidas desesperadas em tentativas falhas por criarem um escape, um

livramento, era atormentado por aquele sofrimento.

Crescia em seu coração o desejo por vingança, por punir os responsáveis

pelas dores desumanas, seu espírito era tomado por extrema raiva, a raiva que o

mantinho vivo, vivo para fazer justiça.

— Como vai o nosso animalzinho? — a porta de ferro se abriu, a luz se acendeu

e os olhos arderam, a detestável voz de Klaus soou no ambiente sombrio.

— A cada dia mais forte e sedento por guerra! — a voz do jovem alemão era

ameaçadora, intimidadora, demonstrava sua ira.

— Guarde suas afrontas para você! — desferiu um golpe no estômago do

prisioneiro, sorriu ao ver o feixe de sangue correr pela boca —. Essa é a sua última

oportunidade — puxou uma cadeira e se sentou —. Diga onde estão os demais se

quiser permanecer vivo.

— Acha mesmo que sou tão ingênuo? — vestiu um sorriso debochado —.

Conheço Manfred Hoff, sua astúcia maldita, muitos pagaram pensando que já não

deviam nada, ele não perdoa dívidas, nunca se esquece delas, antes as cobra centavo

por centavo. Entrego aqueles que amo, vejo-os serem mortos diante os meus olhos e

termino morto, ainda que falassem a verdade prefiro morrer a entregar a minha família

— assim como o pai, não mudava de opinião.

— Está certo, a escolha é sua — levantou-se descontente, frustrado e

revoltado —. Mas reforço que mesmo sem a sua colaboração encontraremos o resto

dos traidores e quando isso acontecer será você quem pegará na arma, quem tirará

cada desprezível vida — deu às costas —. Não é uma ameaça, muito menos uma

hipótese, é a mais fiel promessa! — bateu a porta deixando um alemão oprimido ainda

mais angustiado, desafiado pela vida.

Page 325: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

325 Capítulo 63 – Opções

Esperaram a noite envolver o dia.

Esperaram o silêncio da noite encobrir o som do dia.

Saíram da espreita e invadiram a luxuosa mansão.

Armados, seus passos eram sorrateiros, feitos com cautela, seus olhos eram

aptos a qualquer reflexo e seus sentidos se aguçavam para que o inimigo não os

surpreendesse astutamente. Maik, sedento por colocar as mãos em um homem que

lhe causara tanta dor, chutou a porta brutalmente ordenando a rendição de seu rival,

a sala além de escura parecia vazia.

Seus olhos se abriram, a mente clareou.

Conseguiram entrar tão facilmente, não precisaram enfrentar nenhum soldado

fiel a Manfred, é claro que a emboscada estava armada e eles caíram como crianças

inexperientes.

As luzes se acenderam.

Em sua costumeira poltrona o capitão da SS estava relaxado, sorria

vitorioso, sorria malicioso.

Mas não era apenas a sua presença.

Ao redor da importante figura nazista homens fardados apontavam suas

metralhadoras, bastava uma palavra para que agissem fria e agilmente.

— Sejam bem-vindos, cavalheiros, esperei ansiosamente por esse encontro,

pena que a recepção seja altamente precavida, meus visitantes não possuem uma

sanidade plausível — provocou.

— Sabia que era covarde, só não sabia que era tanto ao ponto de se esconder

atrás de outros homens — Maik mostrou que intimidá-lo não era tarefa simples e que

também sabia provocar.

— Entreguem suas armas a Klaus e não se recusem à revista — ordenou —. À

menor relutância pagarão com a vida.

Obedeceram. Não possuíam alternativa melhor.

— E então? Vão me explicar o que fazem aqui? Além de rebeldes sem causa

bancam os invasores, acho melhor terem boas palavras, desculpas que me agradem.

Page 326: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

326 Capítulo 63 – Opções

— Viemos atrás de Sebastian e só voltaremos quando o tivermos ao nosso

lado.

— Voltarem? — Manfred gargalhou estridentemente, de fato seus ouvidos

ouviram uma piada, uma ingenuidade divertida —. Acham mesmo que voltarão de

onde brotaram? Coitados, daqui nunca mais sairão!

— Onde está Sebastian? — aumentou a voz, exigia respostas.

— Não queira agir como quem dá as ordens! — uma voz ainda mais alta e audaz

soou friamente —. O amigo de vocês pode estar morto, como pode estar vivo,

depende de vocês.

— O que quer com isso?

— A vida é feita de negócios e nós precisamos ser como bons negociantes que

uma hora sacrificam uma coisa e outrora outra, mas que no final são ricamente

recompensados por seus esforços. Se quiserem que Sebastian continue vivo

entreguem o resto do bando, será um sacrifício gratificado, mas se preferem que o

parasita desgraçado morra feito um verme recusem minha proposta — fez uma pausa

assustadoramente ensurdecedora —. A escolha é de vocês!

Page 327: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

327 Capítulo 64 – Fidelidade

Capítulo 64 – Fidelidade

Bons homens, grandes ações.

Luís tinha em mente que seu objetivo naquela guerra era ajudar a cessá-la e

não contribuir para que mais inocentes sofressem, cumpriria sua missão, iria até o fim,

mesmo que sua bravura, sua fidelidade aos companheiros, custasse para si uma

morte injusta.

Maik, desde o início, prometera em seu coração que lutaria por Isabel, pelo

amor que sentia pela nobre alemã e isso envolvia os seus filhos, aqueles que ela

amava incondicionalmente. Não entregaria os demais, mas também não desistiria de

Sebastian.

— Qual garantia temos de que ele está mesmo vivo? — o alemão visto como

rebelde lançou sua indagação.

— Minha palavra não basta? — Manfred arqueou a sobrancelha, parecia exigir

que cressem em sua fala.

— A palavra de um sanguinário inescrupuloso de nada vale perante mim, quero

provas concretas, quero vê-lo diante os meus olhos.

— É mesmo muito arrogante, devo confessar que corajosamente arrogante,

uma pena usar toda sua força para remar contra a maré, é inútil — a passos

vagarosos caminhou até seu rival, não desviou o olhar, desejava intimidá-lo —. Minha

vontade é matá-lo agora mesmo! — resmungou entre os dentes.

— Mas não o fará, precisa de mim... — sorria vitorioso, cheio de provocação —.

Precisa de um verme!

— Juro que tão logo alcance o meu objetivo e você será punido lenta e

dolorosamente — prometeu severo, era seu maior desejo —. Levem-nos, o espetáculo

está apenas começando! — e, em seus planos malditos, terminaria da pior forma.

Mais uma vez passos foram ouvidos, dessa vez eram mais altos, tinham

companhia.

A porta se abriu e as luzes tornaram a se acender.

O prisioneiro ergueu os olhos exaustos e se espantaram com a visita, seus

novos parceiros de prisão.

Page 328: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

328 Capítulo 64 – Fidelidade

— Agora acredita em mim?! — o prepotente alemão questionou intimando uma

resposta, ordenando que a outra parte cumprisse seu acordo —. Onde estão os

demais?

— Confesso que estou surpreso, como um homem como você fora capaz de

confiar em mim? — Maik se divertiu —. É claro que nunca direi onde estão, não

entregarei a vida de ninguém! — foi firme em sua declaração, mostrava que nada o

faria mudar de decisão.

— Então assistirá a um assassinato — tirou o revólver do bolso e não tardou em

destravá-lo, faria o que dizia, aquilo que almejava, ser enganado o irritava, deixava-o

ainda mais cruel em suas ações.

— Se fizer isso nunca saberá onde estão — Luís articulou seu bom alemão,

apresentou-se a Manfred, faria o possível a fim de salvar uma preciosa vida —. Se

destruir um dos nossos sua tarefa se complicará, se insistir em perder tempo conosco

eles fugirão, está tudo combinado, passado o tempo que determinamos, se não

voltarmos, eles sumirão nesse vasto mundo e aí sua tarefa será impossível!

— Desgraçados! — esbravejou e disparou contra o chão, golpeou o ar em um

momento de fúria, desferiu um chute contra a cadeira ao seu lado e não hesitou em

descarregar sua ira sobre a mesa de madeira. Aprumou o paletó desordenado,

procurou se controlar perante seus inimigos estupefatos e lançou a cada um seu

olhar de ameaças —. Pelos próximos dias acho bom que se preparem para a pior dor

de suas vidas, o pior tomento que poderiam suportar. Garanto que encontrarei os

demais e, quando isso acontecer, desejarão nunca ter existido, desejarão que a

morte os abrace de uma vez, mas não serão atendidos porque ela está em minhas

mãos e farei o impossível para que seja cruel ao máximo! — deixou o lugar, mas ficou a

angústia sobre o porvir, cedo ou tarde seriam punidos.

— A gente precisa sair daqui — se guiando pela fraca iluminação, Maik

desamarrava Sebastian, devolvia-lhe a liberdade para caminhar.

— E temos um tempo curto demais, se formos agir devemos pensar o mais ágil

que conseguirmos — Luís aconselhou.

— É impossível — o jovem alemão surpreendeu com a afirmação —. Estamos em

um dos campos mais vigiados que, com certeza, teve sua segurança intensificada —

conseguia enxergar os rostos frustrados —. Há guardas por todos os lados com um

Page 329: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

329 Capítulo 64 – Fidelidade

intuito em comum: ganhar regalias perante o mandante — abaixou os olhos

desesperançosos — e nós somos o caminho para essa perversa ascensão.

[Itália – 1944]

Debatia-se assustadoramente.

Convulsionava angustiadamente.

Arroxeava-se a cada segundo nos braços de um soldado desesperado que

corria por entre árvores e obstáculos a fim de salvar a vida de um amigo querido.

Gritava por socorro. Implorava por ajuda.

— Jorge, aguente firme! — não sabia se olhava para o rapaz inconsciente ou se

prestava atenção no trajeto a seguir, tentava controlar seu medo, mas sentia o pavor

aumentar a cada instante —. Precisa ser forte! — sentia a canseira nos braços e o

enfado nas pernas, quanto mais corria mais tinha a sensação de que estava longe de

seu destino —. Meu Deus, o que eu faço?!

Não daria tempo. Até que chegassem ao pelotão Jorge já teria perdido a sua

vida, teria partido desse mundo cruel. Na verdade aquele era o desejo de todos,

alcançar um descanso para suas almas apavoradas, mas Henrique não queria perder

o amigo e nem o deixaria partir sem antes sentir o gosto da vitória, faria o que

estivesse em seu alcance.

Deitou o soldado sobre folhas caídas no solo.

Observou com atenção o perímetro a fim de evitar complicações.

Tirou da mochila o antídoto contra frutos venenosos.

Não sabia ao certo como injetar, era o único que possuíam e não poderia ser

desperdiçado.

Usou sua força para conter o corpo que tremulava.

Buscou paz a fim de cessar o tremor nas próprias mãos.

Injetou a agulha contra a veia que saltava no pescoço.

Page 330: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

330 Capítulo 64 – Fidelidade

Jorge continuou tendo os ataques, aquela visão angustiava o destemido

guerreiro que não queria ver alguém querido morrer em seus braços, mas era seu

dever, não apenas como companheiro de guerra, mas como amigo fiel.

O soldado vitimado começou a se aquietar.

A cabeça tombou sem controle.

Assustado, Henrique procurou a pulsação, sentiu grande alívio ao perceber

as batidas de um coração que, embora enfraquecido, ainda bombeava vida.

Tomou outra vez o parceiro nos braços.

Prosseguiu em seus passos.

Como em toda nova experiência a sensação de perigo e desconforto tomava

os homens reunidos para o primeiro treinamento de suas carreiras militares. Muitos

ali, algum tempo mais tarde, não teriam nenhuma obrigação, mas outros viveriam

experiências que se eternizariam em suas guerreiras recordações.

Olhavam-se assustados, não sabiam como agir, nem o que fazer, apenas

receberam uma ordem: preparassem-se para dormir, antes que o sol raiasse seriam

acordados para um dia de importantes tarefas.

Jorge, recluso em seu canto, sentia pavor, entrava em pânico perante tão

desconhecida situação, parecia lutar contra algo que o sufocava, de fato batalhava,

seu combate era contra o choro, não queria ser instrumento para piadas, mas

também não conseguia esconder seu medo.

Henrique, atento a cada gesto de seus sérios e silenciosos companheiros de

quarto, pôde notar a impaciência do recruta assustado, notou as mãos estressadas e

os olhos que insistiam na guerra contra as lágrimas, sabia que se percebessem as

zombarias começariam, sentiu como um dever aproximar-se de alguém tão oprimido.

— Nunca imaginei que estaria aqui, mas foi o que aconteceu — deu início ao

diálogo.

— Acho que ninguém imaginou — Jorge levou sua atenção ao parceiro.

— Mas sei de uma coisa que gostaria que também soubesse – falava baixo,

tranquilo —. Poderemos conquistar grandes amigos, pessoas que tornarão cada

dificuldade em tarefas mais simples, se acreditar nisso não se sentirá sozinho dentre

a multidão.

Page 331: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

331 Capítulo 64 – Fidelidade

— Acha mesmo que nunca tentarão derrubá-lo? — lançou a pergunta formada a

partir de tantos boatos.

— Se confiar em mim jamais cairá! — estendeu a mão.

— Obrigado! — aceitou o cumprimento, começava uma nova amizade naquele

momento conturbado da juventude que iniciava.

Sentado ao lado da maca de seu grande amigo, Henrique se recordou

daquele dia e de como, dali por diante, um lutou ao lado do outro, suas palavras se

cumpriram e cada tarefa fora vencida, até aquele dia.

Os olhos fracos se abriram lentamente.

— Graças a Deus! — o soldado comemorou —. Como se sente?

— Desnorteado... — reclamou.

— O treinamento foi interrompido para nós. Onde estava com a cabeça

quando comeu aquilo? Sabe que não podemos confiar nem em nossa sombra...

— Sentia fome... — refletiu por algum instante e agradeceu.

— Pelo quê? Quase morreu...

— Se não fosse meu fiel escudeiro teria morrido... — fechou os olhos exibindo

um discreto sorriso, ainda se sentia exausto —. É bom saber que mesmo em uma

guerra temos alguém que olha por nós... — adormeceu.

Aquelas palavras tocaram Henrique, sempre disposto em provar sua

fidelidade a quem amava.

Page 332: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

332 Capítulo 65 – Mudança Inesperada

Capítulo 65 – Mudança Inesperada

Klaus, apesar de suas ações repugnantes em nome do amor que sentia por seu

país e do respeito que pensava ser um dever possuir por Hitler, era um homem fiel e

esperava receber de volta fidelidade. Sempre que viajava apenas entrava nos

bordéis para que seus companheiros não o tivessem por covarde, ainda que

desaparecesse com alguma mulher não lhe tocava nem nos cabelos, era casado e,

ainda que secretamente, respeitava seu matrimônio.

Sua mulher estava morta diante os seus olhos.

De suas mãos pingava o sangue da esposa.

Pouco tempo antes...

Sentia-se bem amparado por Manfred, além disso, sentia-se em dia com o seu

país ajudando na captura daqueles que tinham por rebelde, voltava para casa com

tais pensamentos, era um íntegro alemão, na verdade era um genuíno nazista.

A porta estava entreaberta.

Achou estranho, não contara para a esposa que voltaria naquela noite, estava

marcado para que ficasse durante a madrugada no campo de Auschwitz, mas

aproveitando a tranquilidade resolveu fazer uma visita rápida àquela que

verdadeiramente amava.

Encontrou a sala desajustada.

Não pôde deixar de notar as roupas jogadas no chão.

Seu estômago embrulhou quando os ouvidos se aproximaram do quarto.

Espiou pela fechadura.

A mulher em quem confiava se entregava para alguém que parecia ser seu

amigo. Manfred o desonrava em sua própria casa.

Irado, tomado pelo ódio e pela raiva que apenas um homem traído é capaz de

sentir, Klaus retornou ao seu posto, não disse nada a ninguém, nem deixou que

suspeitassem da sua revolta, seu espírito silenciado planejava sórdidos eventos.

Tão logo o dia amanheceu Manfred retornou ao seu ambiente de tortura,

parecia descansado, bem humorado.

Page 333: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

333 Capítulo 65 – Mudança Inesperada

— Meu querido Klaus! — apertou a mão de seu braço-direito —. Como os

nossos prisioneiros passaram a noite?

— Sem problema algum — o militar se esforçou por manter o tratamento

costumeiro embora sua alma ardesse de nojo —. Por onde andou? Pensei que

interrogaria um pouco mais os rebeldes, quem sabe conseguíssemos alguma pista...

— Homens como nós, compromissados com o nosso povo, merecemos certas

diversões, se é que me entende... — sorriu cheio de malícia se sentando em sua mesa

—. Sei que posso confiar no seu trabalho, sei que na minha ausência os negócios

prosseguem.

— Faço o que posso — fingiu simpatia —. Falou sobre diversões... Com quem

esteve? — sua intenção era descobrir até onde o mentiroso iria a fim de enganá-lo ou,

em suas palavras, o quanto prestaria ao papel de idiota.

— Por que o interesse? — achou confuso —. Sabemos que é o único, dentre

milhares de homens, que se mantém preso a uma só mulher...

— Talvez esteja cansado da mesmice... Sabe como é, homens como nós

precisam de novas experiências...

— Ninguém relevante... — abriu sobre a mesa o mapa que rascunhou, planejava

seu próximo ataque em solo italiano —. Aliás, nenhuma delas é relevante, sabemos

que satisfazem os nossos caprichos por puro interesse — voltou o olhar ao seu fiel

parceiro —. Vá para casa, agradeço sua dedicação, merece descansar.

Klaus partiu, acompanhado pelo ódio que o consumia.

Entrando em sua residência o militar encontrou as coisas em ordem, sua

esposa o esperava para o café da manhã como se o respeitasse como seu marido,

como se o amasse como seu esposo.

— Olá, meu querido — sorria descaradamente enquanto pendurava o paletó de

Klaus —, cansado? — tentou beijá-lo, mas foi surpreendida pela frieza anormal —.

Algum problema? — mostrou estranhamento.

— Nada demais, depois conversamos — sentou-se perante a mesa sentindo

nojo daquela mulher que o enganava com atitudes dóceis, desde quando era traído?

Manfred seria o único amante? Suas declarações de amor eram verdadeiras?

Questionamentos que precisavam de explicações.

Page 334: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

334 Capítulo 65 – Mudança Inesperada

O café foi tomado silenciosamente.

Até que o silêncio se quebrou.

— Desde quando me engana? — o revoltado homem lançou sua pergunta.

— Enganá-lo? — a mulher jamais confessaria tão facilmente.

— Pare de mentir! — não conteve a fúria, desferiu um soco contra a mesa, fez os

talhares saltarem nervosos —. Eu vi!

— Klaus... — o desespero se manifestou no coração infiel, percebeu que o

homem estava realmente desapontado.

— Não diga nada! — gritava assustadoramente —. Pensei em fazer uma visita,

uma surpresa, mas quando pisei nessa casa assisti a pior visão que poderia

contemplar, minha esposa, alguém que possuía a minha confiança, a única pessoa que

amei, entregava-se a outro homem debaixo do meu teto! — as lágrimas desgostosas

que conseguiam vencer a relutância contra o choro caíam raivosas, eram lágrimas de

humilhação, lágrimas de um indivíduo que nunca se emocionava —. Você me

decepcionou!

A mulher não sabia o que dizer, não tinha como se defender, sabia que suas

palavras de nada valeriam, nunca corrigiriam o passado e nem mudariam o futuro.

Mas calada também não ficaria.

— Não queira pagar de santo construindo um sermão moral, é tão sujo quanto

eu, é tão desprezível quanto qualquer outro. Sei de suas idas a bordéis miseráveis,

Manfred tudo me contou!

— Será que ele foi sincero o bastante dizendo que nunca desrespeitei o nosso

compromisso? Minhas idas eram aparentes, apenas para que não servisse de

chacota, mas nunca me entreguei a outra mulher!

— Pouco me importa, está feito — retrucou fria e ironicamente —. Manfred me

prometeu uma vida satisfatória, gratificações que você jamais poderia me dar,

percebi que todos esses anos ao seu lado foram inúteis, ele é um homem de prestígio,

poder, um homem capaz de alegrar qualquer mulher — deu as costas desprezando a

frustração dolorosa de seu ouvinte —. Já era hora para que soubesse a verdade, o

que existia entre nós acabou há muito tempo...

— Não é apenas esse relacionamento de mentiras e oportunismos que chega

ao fim — chamou a atenção pelo tom de ameaça —, sua vida insignificante também! —

Page 335: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

335 Capítulo 65 – Mudança Inesperada

não perdeu tempo, atacou a mulher pelas costas, transpassou seu corpo com a faca

reluzente que descansava sobre a mesa, torceu o objeto sentindo a vingança

completa, puxou o artefato deixando o sangue escorrer livremente.

Sua mulher estava morta diante os seus olhos.

De suas mãos pingava o sangue da esposa.

Mas a vingança não estava completa.

— O próximo é o seu amante imbecil, Manfred Hoff terá seu império

aniquilado! — jurou.

A noite caiu.

O oficial da SS ordenou que Klaus passasse mais aquela noite no campo de

concentração enquanto ele se voltava à mulher para a qual prometera um grande

futuro.

Encontrou a casa deserta e um corpo estendido.

Correu o quanto pôde.

Klaus aceitou a ordem tão logo a recebera.

Não perdeu tempo em se apresentar aos prisioneiros.

Daria sequência ao seu plano mesmo que custasse caro.

— Ainda desejam a liberdade?

— Mas é claro — Sebastian esnobou a pergunta inconveniente.

— O problema é que não daremos o que querem! — Maik completou.

— É o nosso dever — Luís concordou.

— Isso já não é um problema — anunciou seriamente —. Apenas precisarão

confiar em mim, quero ajudá-los a saírem desse lugar e terem a chance de batalhar

contra um dos piores alemães — começou seu discurso de remissão —. Estou

arrependido, de que vale servir ao nazismo se ele nos trai? De que adianta derramar

sangue por pensamentos tão convincentes se eles também derramam o nosso? É

hora de acordar!

— Não pode ser verdade, parecia certo demais em suas convicções quando me

confrontou, por que acreditaríamos em suas enganosas palavras? — Sebastian

indagou, estava desconfiado.

Page 336: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

336 Capítulo 65 – Mudança Inesperada

— Porque, no momento, sou o único disposto em ajudá-los, a única esperança

que possuem — foi convincente —. Seu pai me traiu, quem garante que ele não esteja

traindo o resto da Alemanha, agindo por baixo dos panos a fim de subir ao poder?

Precisam derrubá-lo, eu não posso, mas vocês podem e sei que o farão — abriu a

porta —. Confiem apenas e eu os tirarei daqui.

Era o único caminho. A única solução. Precisavam crer.

Klaus possuía autoridade, ninguém questionou seu comportamento com os

prisioneiros, antes o respeitaram e deram passagem.

No carro do militar caminharam por alguns quilômetros.

Pararam ao lado de outro veículo.

— É de vocês, fiz questão de trazê-lo aqui — afirmou —. Vão, aproveitem a

escuridão e fujam, se tiver sorte tirarei Manfred da jogada.

— O que vai fazer? — o jovem alemão questionou preocupado, pôde perceber a

sinceridade de alguém que se tornara um aliado.

— Já estou fazendo — sorriu entristecido —, limpando a minha honra, corrigindo

o meu passado.

— Agradecemos por sua bravura — estendeu a mão em um gesto de

reconciliação.

— Salve a Alemanha! — era o seu último pedido.

Page 337: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

337 Capítulo 66 – Traição

Capítulo 66 – Traição

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1944]

Preparado para o que pudesse enfrentar Klaus retornou ao campo de

extermínio e tortura, tinha noção de que provocara a ira de um homem traiçoeiro,

audaz, que retribuía às adversidades com morte, com impiedade. O ambiente possuía

um clima tenso, pesado, os próximos eventos seriam agonizantes.

— Meu querido, por onde esteve? — Manfred recebeu o até então aliado na

entrada do lugar —. Para onde levou os meus prisioneiros? — por entre os dedos

balançava o charuto, sua fala era serena, escondia seus planos devassos.

— Dei o primeiro passo já que não foi capaz de dá-lo — Klaus não se

entregaria tão brevemente, intentava vingança contra aquele que pensou ser seu

parceiro, faria o possível a fim de esconder sua falsidade, não imaginava que o

capitão da SS tinha conhecimento da morte de sua esposa —. Eles não

entregariam o restante do bando, eram piedosos e tolos demais para isso, não

poderíamos deixá-los com vida, eram espertos, quando menos esperássemos

cortariam nossas gargantas — encarava seu rival como se tentasse convencê-lo —. O

que fiz foi livrar-nos da morte!

— Acompanhe-me — pediu, na verdade era uma ordem para qualquer um que o

conhecesse tão bem —. Nossa conversa precisa de discrição.

Seria morto.

Klaus não pôde deixar de se lembrar que era impossível enganar o alemão

prepotente, acompanhando-o estava caminhando ao próprio fim, teria que ser

esperto, atentar-se a cada gesto, de uma coisa estava certo: não seria pego

desprevenido pelo inimigo desleal.

Entraram em um carro da polícia.

Começaram a viagem.

— Nem ao menos me consultou e tomou uma atitude imprópria — atento à

estrada, Manfred dissipou o silêncio —. Certos inimigos são mais valiosos vivos, com

um pouco mais de astúcia alcançaríamos o nosso objetivo, mas agora voltamos ao

Page 338: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

338 Capítulo 66 – Traição

zero — soltou uma baforada cinzenta —, o que você fez pode ser chamado de traição

— atacou.

— Está equivocado quanto ao conceito de traição, mesmo vivendo a

experiência parece não ter aprendido a lição — lançou seu tendencioso argumento —

. Somos traídos quando acreditamos nas palavras fiéis de quem pensamos serem

nossos amigos, mas que na primeira oportunidade nos humilham perversamente.

Prometi que protegeria os nossos interesses, exterminei a ameaça.

— Quero acreditar em sua resposta, porém penso que seu coração está

amolecendo, apiedando-se pelos vermes desprezíveis, isso é uma enorme ameaça aos

meus interesses.

— Conhecemo-nos há tanto tempo — levou os olhos ao adversário, sorria

amistosamente —, o suficiente para saber o quanto sou sincero em meus

compromissos.

— Talvez tenhamos que conversar melhor em um jantar entre amigos. Espero

que sua esposa não se incomode pela repentina visita.

Ele sabia a verdade.

Os olhos de Klaus se abriram, estava agindo como um idiota ao acreditar que

Manfred de nada conhecia, aquele era o plano, encurralá-lo, deixá-lo sem saída para

que confessasse os seus feitos, declarasse sua mudança de lado naquela guerra e

morresse sem ter a chance de se vingar.

— Amigos nunca incomodam. Com certeza ela o receberá simpaticamente,

A resposta recebida criou dúvidas na mente ardilosa, não acreditava que

aquele homem fosse tão valente ao persistir em sua mentira, em esconder sua traição,

talvez dissesse a verdade, talvez nem soubesse o que sucedera à mulher e,

consequentemente, nunca descobriria sua traição. Manfred vivia um paradoxo: seu

braço-direito era sua chance para a completa limpeza da Alemanha, mas se agisse

pelas suas costas seria também o motivo de sua queda. O que fazer? Ainda não

sabia.

O carro estacionou em frente à casa escura.

— Será que já dorme? — o traído indagou.

— Talvez tenha preparado um jantar romântico — o traidor respondeu.

Page 339: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

339 Capítulo 66 – Traição

— Ou espera por diversão — não deveria proferir tais palavras, a menos que

fosse sua intenção comprovar as insinuações.

Entraram.

Klaus acendeu a luz e levou as mãos à boca perante o cadáver.

Abriu um sorriso ao ouvir o destrave do gatilho.

Levou as mãos à cabeça.

— Como descobriu? — o alemão abominável lançou sua pergunta, mirava o

revólver contra a cabeça daquele que chamara de parceiro, mas que traíra tão logo

pôde.

— Acha mesmo que agiria pelas minhas costas sem que eu soubesse? Sei que

é esperto, considera-se inteligente o bastante para que o descubram, mas eu sou

mais – virou-se vagarosamente, seu semblante não era coberto por medo nem por ira,

sorria como se o diálogo a seguir fosse entre velhos irmãos —. Também é um homem

traído, sabe a raiva que cresce em nossos corações, sabe também o que almejamos

contra aquele que nos humilhou — ágil, agarrou-se contra o braço de seu inimigo,

tentava lhe arrancar das mãos o revólver carregado, disparos seguidos eram

destilados pela casa, acertavam objetos, quebravam vidros, até que Klaus alcançou

o seu objetivo e jogou a arma para longe —. Desejamos a morte e é o que lhe darei —

desferiu um golpe contra o maxilar do oponente fazendo-o cambalear para trás, mas

não se deu por satisfeito, seguiu nos golpes furiosos e fatais —. Chega de

soberania, chega de cultivar a imundície nos corações, chega de causar dor! — gritava

bravamente, estava descontrolado —. Os outros sempre estiveram certos, essa

ideologia nojenta é também inútil!

Cansado de apanhar, caído sobre o chão e recebendo as agressões

dolorosas, Manfred empurrou seu opressor, chutou-o no estômago lançando-o para

longe, colocou-se em pé e avançou contra aquele que traíra, em suas brigas nunca

entrava para perder.

— É tão desprezível quanto os animais! — praguejou —. Traiu sua própria

nação, o seu povo, dando ouvidos a quem não vale nem o que come! — agarrou Klaus

pelo colarinho, chocava-o contra o a parede procurando assassiná-lo, seus olhos

vermelhos exalavam crueldade, o suor de seu rosto era resultado de uma alma que

Page 340: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

340 Capítulo 66 – Traição

ardia em chamas, chamas da maldade —. Sua esposa merecia homens melhores, saiba

que não fui o único em satisfazer os seus prazeres!

Irou-se ainda mais por saber que não conhecia tão bem aquela que detinha em

mãos o seu amor.

Empunhou Manfred na garganta, ainda que estonteado enforcava-o

ferozmente.

Arremessou o alemão contra a mesa e pegou do chão o revólver vulnerável.

Mirou convicto em sua pretensão.

Ao cair sobre a mesa o capitão da SS a resumiu em pedaços de madeira,

jogado entre os destroços encontrou uma faca, usá-la-ia em seu último ato.

Mas interrompeu os passos velozes.

Viu a morte.

— Sua audácia termina aqui — Klaus proferiu confiante, desengatilhou cheio

de glória, mas nenhuma bala saiu, nada foi disparado, não havia o que pudesse ser

lançado.

— Imbecil! — Manfred gargalhou enlouquecido, esnobou seu rival e avançou

friamente —. Morra! — esfaqueou-o no quadril seguidas vezes, teve em suas mãos o

sangue daquele homem —. Sempre soube o que acontece com quem é tolo o

bastante para me enfrentar ou trair – jogou a faca para longe, limpou a mão em uma

toalha qualquer —. Deveria ter pensado antes de seguir caminhos tortuosos.

O alemão ferido arrastou as costas pela parede.

Caiu sentado no chão frio.

Sentia a fraqueza dominar seu corpo. Sentia os olhos pesados se entregarem

à negritude. Sentia o sangue jorrar.

— Sua batalha não termina aqui — por entre o sangue que escorria de sua

boca e o suor da dor que o molhava inteiramente, Klaus soou sua voz abafada,

trêmula e enfadada, a voz que nunca mais soaria —. Menti, seus inimigos estão vivos,

mais fortes do que nunca e quando menos esperar o atacarão para que padeça!

— Onde os deixou? — aproximou-se do desfalecido alemão, pressionou seu

corpo exigindo declarações —. Onde?!

Page 341: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

341 Capítulo 66 – Traição

Klaus riu.

Riu satisfeito por contemplar o medo em um rosto arrogante.

— Não devia ter me provocado à ira — fechou os olhos —, ganhou um rival que

mesmo morto o destruirá! — tombou a cabeça, não tinha mais vida.

Manfred se revoltou. Desejou trazer de volta aquele que feriu apenas para

refazer seus atos, passou naquele momento a odiá-lo fervorosamente, mas de que

adiantaria? Já estava feito. Seguiu o seu caminho, seu sombrio caminho, preparado

para o futuro, se pensavam que o combateriam tão facilmente estavam enganados,

sua vida só seria entregue quando todos os seus inimigos estivessem mortos, não por

acidentes ou subterfúgios, pelas suas mãos.

Page 342: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

342 Capítulo 67 – Nasce o Amor

Capítulo 67 – Nasce o Amor

O sol da manhã era vigoroso e esplêndido, vencia qualquer fresta em portas ou

paredes e anunciava sua presença afastando a escuridão. Quem acordava e

permanecia na cama aproveitando mais alguns segundos de descanso percebia que

o dia começava, era hora de pensar no que fazer.

Ana, por sua vez, recordou-se do beijo inesperado e precursor de tantas

dúvidas, lembrou-se da forma como o soldado destemido a acolheu, suas palavras,

seu sorriso que a enfeitiçava, sentiu o coração pulsar contente, estava começando a

amar.

Estava no auge da adolescência, época de questionamentos confusos, estava

também no auge da rejeição e da discriminação, ora dentro de sua própria família e

outrora pela sociedade.

Mas, ainda mais crítico, estava naquele que em anos posteriores seria

lembrado como o pior momento de sua história: assistia à partida do pai.

Era um senhor de cabelos grisalhos, seu porte físico não entregava sua idade

de certo modo avançada, mas as aparências costumam enganar e a negligência punir,

alto terrível o consumia por dentro, a falta de atenção e cuidado agora o entregavam

ao fim: deitado em uma maca, recebendo a companhia de sua amada filha, vivia os

seus últimos minutos, não havia o que pudesse ser feito.

— Pai... — Ana, relutante contra suas desesperadas emoções, precisava ouvir

aquele que sempre a acolheu, mais que isso, precisava agradecê-lo por todo carinho,

cuidado, zelo e proteção, se ainda estava nesse mundo era por causa do bom homem

—. Sabe que significa muito para mim, talvez não o tenha amado da forma como

deveria, mas nunca me esquecerei da sua importância e, se tiver filhos, contarei a sua

história com orgulho — nas últimas palavras a voz falhou, as lágrimas brotaram, não

queria acreditar na indesejável e impensável despedida.

— É claro que me amou o bastante, foi por esse amor que me mantive em um

casamento que há muito não era verdadeiro, foi por esse amor que suportei todas as

coisas para que nunca precisasse me separar do meu maior tesouro — levou as mãos

trêmulas às juvenis, cobriu-as com ternura e encarou os abatidos olhos castanhos, a

Page 343: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

343 Capítulo 67 – Nasce o Amor

voz soava abafada, cansada —. Sei que tem se convencido pelas palavras de sua

mãe, uma mulher rancorosa, mas não as credite como verdadeiras, tenho certeza de

que viverá um amor íntegro, construirá uma linda família, quando esse dia chegar

lembre-se de que sempre a elogiei não apenas pela beleza exterior, mas pela alma

que irradia e leva brilho por onde passa.

— Sempre me encantei pelo seu otimismo, mas não consigo ter a mesma visão —

acariciava o rosto do pai, tocava-o pelos derradeiros instantes, sabia que nunca mais

teria aquele direito —. Talvez estejam certos e seja sensato dar-lhes ouvidos ao invés

de acreditar em contos de fadas...

— Ninguém está pedindo para quê acredite em contos de fadas, contudo para

quê tenha certeza quanto ao que viverá — levou os dedos exauridos ao rosto

molhado por lágrimas de enfado e tristeza, limpou-o suavemente, eram as últimas

demonstrações de afeto feitas por aquele que aos poucos partia —. Seu coração é

puro demais para que não possa conquistar alguém, seus olhos denunciam a pureza

do que carrega e conquistarão um amor especial — a fraqueza estonteante tomou o

doente que sentiu os olhos se apagarem gradativamente, a visão ficava distante e a

sustentação sobre o corpo se encaminhava ao nada —. Quem a amar será o mais

sortudo dentre os seres humanos — abriu um sorriso, seu último sorriso —. Você é

especial... — fechou os olhos, perdeu as forças sobre a mão que tocava o rosto

abatido, antes que os dedos tombassem Ana os acolheu e derramou sobre eles o

choro de angústia, seu coração se quebrantou, pôde ouvir a explosão dos

estilhaços.

A brasileira recordou-se de seus últimos momentos com o pai, lembrou-se do

quanto duvidara de seu entusiasmo, de sua esperança, porém agora as previsões

pareciam se cumprir, o futuro virava presente.

Já em pé, varrendo a varanda da camuflada casa enquanto os demais ainda

dormiam, ouviu o som de um carro se aproximar, não poderiam ser outras pessoas e

junto delas aquele que despertou seus apaixonantes sentimentos.

— Voltamos, sãos e salvos! — Sebastian cumprimentou a enfermeira indo atrás

de seus entes queridos.

Page 344: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

344 Capítulo 67 – Nasce o Amor

— Parece que todos dormem — Maik percebeu —, mas o dia de hoje merece

uma comemoração! — seguiu os passos do jovem alemão e entrou na silenciosa casa.

O reencontro

A timidez.

— Oi... — Luís se colocou perante aquela que lhe aprisionou em confusões,

não sabia como agir, parecia um garoto envergonhado que por tantas vezes ensaia o

diálogo com uma colega especial.

— Como foram? — Ana sorria retraída, também se sentia constrangida, as

palavras lhe faltavam, as ações desapareciam, sintomas de uma paixão em início, de

um amor que aos poucos floresce.

— Estamos parcialmente de acordo com nossa missão, trouxemos um dos

nossos para casa e isso pode ser considerado como uma grande vitória — orgulhou-

se pelo desempenho de sua equipe mesmo que ainda existissem pontos soltos —. E

os outros? Em progresso?

— Bem melhores que antes, têm motivos para agradecimentos...

Mas não era aquela conversa sisuda e formal que pretendiam ter, o mútuo

desejo era o de mencionarem aquele beijo despretensioso, dado por nada, que

levava a um amanhã cheio de tudo.

Queriam declarar, de uma vez, que entre eles nascia o amor.

— Quanto àquele dia quero que saiba que não me arrependo, foi minha mais

certeira atitude precipitada, tenho plena confiança de que tomei a decisão certa — o

nobre soldado encarou firmemente sua ouvinte, suas palavras eram cercadas por

verdade e sentimento —. Talvez não tenha aprovado, pode ter me julgado mal, mas

minha intenção não é constrangê-la, são as melhores possíveis... — naqueles últimos

dias pensou em seu ato, em suas consequências, faria aquilo que pudesse a fim de

provar que não era como outros homens, suas palavras e ações eram as de um homem

íntegro e sincero.

Entregar-se a um amor?

Render-se a uma história?

Acreditar naquilo que sempre disseram ser inviável?

Sua última conversa com o pai não foi uma simples e dolorosa separação,

despedida, foi a revelação de um desejo, um sonho: o homem que a amou

Page 345: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

345 Capítulo 67 – Nasce o Amor

paternamente ansiava pela sua felicidade, pela concretização de seus propósitos,

dentre eles, o de ser amada. Permitir-se ao amor seria um presente que daria a si

mesmo e um orgulho que garantiria a alguém se ainda estivesse ao seu lado.

— Sendo sincera, nunca acreditei que estaria tendo uma conversa como essa

com quem quer que seja, jamais pude acreditar que seria surpreendida por uma

atitude tão singela, não duvidei de suas intenções, acredito que seja como as

minhas... — fitava as íris verdes como se fosse tudo o que mais almejava observar, de

fato suas vontades passavam a se resumir em uma: estar com aquele que seu coração

escolheu para amar.

— Então só me resta dizer aquilo que já sabe, aquilo que não posso esconder

mesmo que quisesse — acolheu as mãos livres, provocou o sorriso contente no

semblante apaixonado, não desviou a atenção dos olhos alegres e curiosos, fez sua

aguardada pergunta: — Aceita ser a minha companheira?

Quando acreditou que seu sonho se transformaria em realidade?

Fato era que aquilo em nada se assemelhava à utopia.

Era real.

— Mas é claro... — gostaria de dizer novas declarações, mas a forte emoção não

permitiu, finalmente encontrara alguém que a aceitaria como realmente era.

Luís envolveu sua agora namorada, trouxe-a para mais perto de si, perto de

seu acolhimento, de sua proteção, ainda que receoso acariciou a serena face, não

existiam explicações ou motivos, simplesmente encontrara em Ana o que procurou

em outras pessoas, mas não encontrou.

— Prometo que me empenharei para que seja feliz!

Beijaram-se.

Na varanda da discreta casa e cercados pela natureza exuberante e

diversificada, beijaram-se sutilmente, o amor que nascia floresceria em pouco tempo,

daria os seus frutos e se tornaria inspirador, mas poderia provocar colapsos futuros

para aqueles que se opusessem, apenas o tempo diria.

Todos estavam reunidos, venceram uma batalha importante naquela guerra

contra o mal e agora compartilhavam de um só sentimento: família. Poderiam não ter o

mesmo sangue, a mesma linhagem, mas possuíam o mesmo intento: que todos se

Page 346: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

346 Capítulo 67 – Nasce o Amor

salvassem da perversão. Por estarem em família não poderiam guardar segredos,

manter frustrações, por certo que se compreenderiam, daria as mãos e venceriam

qualquer desavença.

— A verdade é que mantive escondida uma verdade libertadora, uma verdade

que trará orgulho e, ainda que me condenem, declararei por ter a certeza de que esse

é o momento exato para que a descoberta aconteça e através dela sejamos ainda

mais poderosos — Isabel declarava suas palavras perante aqueles que a ouviam —.

Sebastian e Maik, vocês possuem o mesmo sangue, são pai e filho, um possui um

pouco do outro.

Page 347: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

347 Capítulo 68 – Reações

Capítulo 68 – Reações

Segredos trazem com eles surpresas, estas podem ser agradáveis ou

repudiantes, depende da sensibilidade de quem as recebe. Fato é que, uma vez

revelados, os segredos jamais ficarão em oculto, farão parte do mundo visível e

influenciarão na história de quem quer que seja. Segredos são capazes de

transformações, repentinas ou persistentes.

O segredo de Isabel envolvia vidas, sentimentos que não estavam ao alcance

do seu controle, reações que ela jamais poderia prever. Guardou por muito tempo,

talvez o medo e a insegurança a encorajaram quanto a atitude, teve vontade em

revelar, mas o manteve guardado, protegido, seguro em seu peito. Agora saberia

suas consequências.

Maik sempre desejou construir uma família com aquela que tanto amou, sempre

sonhou em abraçar o fruto daquele amor, ser chamado de pai. Ainda que aquele

anseio sobressaísse a outro qualquer precisou ser contido, nunca daria às costas à

alemã que o conquistou, ainda que não abraçasse sua recompensa. Tal descoberta

feriu o seu íntimo, provocou emoções e criou indagações.

Sebastian, vendo o homem no qual Manfred se transformava, perguntava em

seu coração por que aquele era o seu pai, via tal “dádiva” como punição por algo que

fizera, não contemplava semelhanças, em nada se parecia com aquele homem e nem

desejava seguir os seus passos, não se orgulhava pelo pai que tinha. Sua alma se

agitou, dúvidas cercaram sua mente, questionamentos o afligiram, não sabia como

reagir.

Quanto aos demais que presenciaram a revelação ficaram espantados,

surpresos e curiosos pelo caminho que viria a ser tomado. Jamais suspeitariam do

segredo guardado tão seguramente, nunca seriam capaz de uma conclusão tão

transformadora, tão aparentemente impossível e potencialmente devastadora. Uma

guerra árdua, brutal e traiçoeira poderia se intensificar, ficar ainda mais difícil.

— Depois de Eva, quando senti os sintomas da gravidez, entrei em desespero,

tinha certeza de que se estivesse gerando, Manfred não era o pai, nosso casamento

estava abalado, era construído a partir de aparências, o único que poderia ter me

Page 348: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

348 Capítulo 68 – Reações

presenteado com outro filho era Maik — quebrou o duradouro silêncio dando início

às suas justificativas, à explicação de sua história.

— Por que não me contou? — Maik se permitiu a indagar, sua mente ansiava por

esclarecimentos, seu querer era desbravar o passado a fim de compreendê-lo —.

Sabe que não fugiria, não agiria como um covarde, antes... — foi interrompido de

repente.

— Antes batalharia com todas as forças — Isabel conhecia seu eterno amante,

conhecia seus intentos, a capacidade de sua coragem, a loucura de suas forças —.

Ter um filho era tudo o que queríamos, em nossas conversas acolhedoras chegamos

a planejar uma fuga, você prometeu que cuidaria de Eva como se fosse sangue do

seu sangue, se dependesse de seus esforços ela nunca saberia a verdade, mas fui

resistente, também sabia sobre a fúria de meu repudiável marido, desafiá-lo seria

como provocar a morte — dizia tranquila, serena, compartilhava com aqueles nos

quais confiava o peso que por anos carregara —. Revelar que tínhamos um filho o

faria se vestir de insanidade e guerrear essa injusta guerra de muitas formas, algumas

equivocadas, fatais...

— Ao menos eu poderia saber — Sebastian tinha um rosto confuso,

entristecido, seu coração ardia por entender a verdade —. Sempre soube o quanto

sofri por nunca despertar o orgulho de alguém que acreditava ser o meu pai, repudiei

aquele que o era, julguei-o de maneira errada. Eu guardaria o segredo!

— Sei que não, meu querido — vestia um sorriso de paz, tinha plena confiança

na solução pacífica que teriam —. Assim como sempre soube do seu

descontentamento, sempre enxerguei a ira em seus olhos ao ver aquele monstro se

aproximar de mim, sentia que buscava se controlar a fim de não avançar contra

alguém que merecia seu respeito, saber que não haviam obrigações o faria agir

impulsivamente, o segredo não resistiria às deduções de Manfred Hoff.

— Como foi capaz de enganá-lo tão convincentemente?

— Nada que uma bebida forte no auge da madrugada bem como uma manhã

sugestiva para enganar aquele homem arrogante e tolo. Nunca desconfiou, nunca

desconfiaria, mas nas atuais circunstâncias a revelação teria que acontecer, quase

perdi a minha vida, quase levei comigo algo que precisava ser descoberto, vocês

merecem!

Page 349: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

349 Capítulo 68 – Reações

A realidade, tão de repente, tomara outra forma.

Transformara-se em algo nunca antes pensado.

— Peço perdão — não pôde mais conter as emoções, manifestou-as em um

choro arrependido ao mesmo tempo em que reconfortante, cheio de alívio —. Era um

direito conhecerem a verdade, afinal formam uma família, mas senti medo, era meu

dever proteger aqueles que amava.

— Nunca precisará se desculpar... — o jovem alemão se aproximou daquela que

vira sofrer por toda uma vida, daquela pela qual daria a vida para que o futuro fosse

diferente; abraçou-a protetora e compreensivamente, acolheu-a em seus braços

abertos —. O importante é que não precisará mais carregar fardos tão cruéis...

— Nosso filho tem razão... — dizer aquilo mexeu com Maik que, emotivo, juntou-

se àquele abraço de amor, juntou-se a seu filho, às pessoas mais importantes de sua

vida —. Compreendemos sua intenção em nos proteger e a admiramos por tanta

coragem e força!

— Quer dizer que esse nobre guerreiro é o meu verdadeiro pai? — Sebastian

sorria alegre, passou a encarar o alemão com outros olhos, um olhar de filho.

— Só de conhecê-lo sei que me encheria de orgulho todos os dias — Maik,

sentindo-se realizado, feliz por uma tão prazerosa e surpreendente descoberta,

trouxe o rapaz a um abraço forte e seguro, abraço de pai e filho —. Sempre imaginei

que se tivesse um filho ele seria um homem de verdade, aprenderia a amar e a

respeitar a todos, ele seria como você, como o melhor filho desse mundo!

O regozijo era em todos os corações.

Aquela casa escondida no meio da floresta era repleta de alegria.

— Quanto a você — o bom homem se aproximou de Eva —, minhas palavras são

as mesmas do passado, adoraria que fosse minha filha, a escolha é sua, prometo que

a amarei como se meu sangue corresse por suas veias...

A jovem alemã apenas o abraçou, emocionada.

Uma nova família nascia, o amor em meio à guerra vencia.

[Rio de Janeiro, Brasil – 1944]

Page 350: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

350 Capítulo 68 – Reações

O bebê sorria.

O sorriso infantil alegrava o coração de Carol que acompanhava o

crescimento do filho, o desenvolvimento de sua esperteza e o aumento nas

semelhanças entre ele e o querido Henrique.

— Falta pouco para o seu papai voltar para casa... — não se cansava de repetir

tão segura esperança em todas as conversas com o filho, repetia o que ouvia em

noticiários, em previsões dos mais otimistas que acreditavam na derrocada da

poderosa Alemanha —. Estou com tanta saudade e tão ansiosa para que o conheça

— fazia caretas divertidas ao pequeno ser humano provocando o som das dóceis

gargalhadas, aquilo a confortava, a presença do verdadeiro anjo em sua vida tornava

os dias de angústia em dias de fé —, sei que serão grandes amigos, que se jogarão

nos mares como duas crianças, sei que a nossa família será a mais feliz desse mundo!

O diálogo agradável precisou ser interrompido.

Desesperada, Maria recorreu à filha, chorava, exibia sua aflição.

— O que houve? — Carol repousou o menino no carrinho ao seu lado e

acolheu a mãe em seu abraço —. Qual o motivo para essa angústia?

— Seu pai... – as palavras mal saíam —. Está morrendo!

A carioca não teve reação.

Feridas na alma não são curadas por medicamentos disponíveis em farmácias,

há quem acredite que o tempo as cure, mas sabemos que não é verdade, ainda que

cicatrizadas doem, basta uma recordação para que o incômodo apareça.

As feridas de Carol quanto ao pai ainda existiam, dificilmente desapareceriam,

assim como dificilmente seriam escondidas, esquecidas. Seu coração estava

fechado, receoso, não acreditava nas palavras arrependidas de alguém que surgira

tão de repente.

— Eu sinto muito... — foi tudo o que pôde dizer, era tudo o que conseguiria

fazer.

— Precisa ir comigo. Ele quer vê-la, não cessa em declarar o desejo em alcançar

o seu perdão, em dizer que a ama, precisa ouvi-lo, precisa lhe dar a chance de partir

em paz...

Page 351: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

351 Capítulo 68 – Reações

— Deixarei que vá em paz enquanto ainda sentirei as dores de um passado

conturbado? — protestou irredutivelmente –. Não posso fazer isso, não posso agir

por piedade ou pena, porque amor não sinto — a sinceridade com que apresentou

seus argumentos não soou de forma agradável.

— Ele não é mais o mesmo, acompanhei isso por todos esses dias — afastou-se

da filha —. Perdoar alguém pode ser difícil, mas é a única forma de termos paz.

Mesmo que ele parta, que nunca mais precise vê-lo outra vez, ainda assim será

sufocada por essa raiva que a acompanha — retrocedeu em seus passos —. Torço

para que mais tarde não se arrependa por ter recusado reconciliação a quem com

sinceridade e humildade a suplicou, a culpa pode ser como a raiva, eterna... —

aconselhou.

Page 352: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

352 Capítulo 69 – Perdão

Capítulo 69 – Perdão

A vida possui suas antíteses, suas oposições, suas contrariações. Por vezes

parece seguir um caminho sem volta, parece determinar condições imutáveis, mas de

repente se transforma em coisas impensáveis, muda sentimentos, cria novidades

onde parecia impossível, onde nada prometia brotar.

As palavras de Maria tocaram o intento de Carol que por tantos anos semeou

o ódio que sentia por uma figura problemática do seu passado, alguém que motivou

sua dor, seu medo, de quem fugira sem a pretensão de tornar a ver, sem a intenção de

mudar o que sentia, com a certeza de que jamais sofreria pelas suas mãos.

Mas o coração não é estável.

Comporta-se a partir das circunstâncias.

Equívocos acontecem, erros são cometidos a todo o momento e

arrependimentos genuínos nascem em muitos corações. Visões são transformadas,

pensamentos deixam os seus próprios limites e tomam novos moldes: a vida é como

um rio que desboca no mar, suas águas nunca são as mesmas, sempre há novidade.

Os obscuros sentimentos guardados por tanto tempo incomodavam Carol e

atrapalhavam o seu caminhar: dificultou o depósito de sua confiança em pessoas

importantes além de fazer do ato de perdoar algo doloroso. Tais sentimentos

envenenavam sua alma, privavam-na de novos olhares, de boa paz, de uma grande

tranquilidade.

Precisava ser compreensiva e sábia, não poderia viver com o egoísmo de ter se

recusado à explicação de alguém, não poderia se vestir de uma maldade que não lhe

pertencia ao ponto de desprezar o desejo por remissão. Não era assim. Sempre

soube que perdoaria, nem que fosse para ficar livre de rancores.

Tomou atitude.

Colocou-se a caminho da liberdade.

Desde que entrara no hospital não foi impedido pelos médicos de ser

acompanhado pela esposa, tinham certeza de que eram seus últimos instantes, sua

vida era tragada por uma doença degradante e cruel. Francisco se convencera de

Page 353: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

353 Capítulo 69 – Perdão

que merecia tal desfecho, mas não deixava de se abater por ter falhado em seu maior

propósito: reconciliar-se com aquela criança que crescera com traumas.

— Ela não vem? — monitorado por aparelhos e respirando com ajuda artificial,

o homem doente soou sua ofuscada voz, segurava a mão de Maria, era confortado

pela sua companhia.

— Perdoar não é tão simples, mas conheço a nossa filha, sei que no fundo se

importa e temo que no futuro se arrependa — a boa mulher, atenciosa ao amado

esposo, livre de qualquer mágoa passada, convencia-se de que era uma despedida e

faria o possível para que aquele coração partisse em paz.

— Admiro por ter sido compreensiva, admiro por ter me perdoado em meio a

infinitas razões para que me repudiasse e agradeço por ter me proporcionado dias

melhores, dias que eu não merecia — ser presenteado pelo perdão de alguém é um

dos mais valiosos presentes, o dinheiro não o compra, é dado de graça às almas

puras.

— Quando amamos alguém e vemos o arrependimento sincero não hesitamos

em ceder o nosso amor, não nos privamos de viver aquilo que mais almejamos — levou

os dedos afetuosos ao rosto pálido, que perdia sua vida, seu brilho, sua feição —.

Também o admiro pela coragem, mesmo sabendo o quão desafiador seria voltar às

nossas vidas não se deixou vencer pelos medos, pelas dificuldades, foi persistente

em sua intenção e, o melhor, reconquistou meus sentimentos os quais, na verdade,

nunca deixaram de existir...

Francisco sorriu contente, tais palavras alegraram seu espírito, sorriu ainda

mais alegre ao ver entrar naquele quarto quem tanto esperou que o visitasse.

— Carol... — ao mesmo tempo em que espantada Maria se emocionou com a

presença da filha, suas esperanças se confirmavam, sua família estava reunida.

— Filha... — o enfraquecido paciente não pôde suportar a explosiva felicidade,

não pôde conter suas lágrimas emotivas, não esconderia o tamanho de seu

contentamento —. Como é bom vê-la! — as palavras soavam hesitantes, fracas, eram

as últimas que soariam.

— Estive pensando em tudo, não poderia permanecer em meu orgulho, não

poderia agir como egoísta, ainda que o passado exista e persista em seu atordoante

teor, não poderia fechar os meus olhos para o presente, não poderia deixar de me

Page 354: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

354 Capítulo 69 – Perdão

importar com alguém arrependido que busca a remissão — aproximou-se de seus

pais, trazia em seu colo o amado filho, imaginou como sofreria se por acaso

precisasse alcançar o seu perdão e não o encontrasse.

— Minha família foi o bem mais precioso que adquiri em meu caminhar, vale mais

que qualquer propriedade, que qualquer fortuna guardada, deveria saber que mesmo

perdendo todas as riquezas não perderia o principal, se valorizasse nunca deixaria

escapar pelos dedos o afeto de minha família, das únicas pessoas que me amariam

incondicionalmente, que estariam ao meu lado em todas as horas, em todas as

angústias — encarava a filha sutilmente, buscava forças a fim de declarar tudo que

precisava —. Sei que a machuquei, que corrompi sua visão sobre o futuro, que

quebrantei um coração infantil e, mesmo sabendo que não mudará o passado, sinto

muito, sinto que tenha tido o pai que não merecia, sinto que tenha passado por uma

vida difícil garantida por seu próprio pai, meu arrependimento me consome dia a dia,

ele também me colocou nessa cama, quando a olho consigo enxergar a dor que lhe

provoquei e a sinto em mim – estendeu a mão a fim de ser tocado por aquela que não

possuía qualquer obrigação de ali estar —. Ainda que não o aceite, ainda que o

repudie, peço o seu perdão, merece minha humilhação, merece saber que o único

culpado por tudo foi eu com minha ignorante arrogância.

Cada palavra foi ouvida com atenção, com sentimento, com os ouvidos de uma

filha disposta em amar o seu pai nem que fosse à última hora. Vivera tantos anos

acreditando que nunca mais falaria com o pai, mas agora estava ali, perante sua

presença, atentando-se ao seu desabafo, disposta em perdoá-lo, em se livrar de um

passado triste, em nada ajudador.

— Foi difícil estar aqui, foi conturbado vencer os meus medos, passar por cima

do meu orgulho, mas venci, deixei para trás qualquer sentimento ressentido, deixei

passar qualquer lembrança que nunca acrescentará em meu futuro, quero que o meu

filho saiba que seu avô foi um homem sincero, um homem que correu atrás da

correção dos seus atos, um homem que reconheceu seus erros e fez o possível a fim

de acertá-los — ignorou a mão estendida, cedeu um abraço que anunciava uma

conquista, uma querida e importante conquista —. Se é perdão que almeja ele já é

seu!

Page 355: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

355 Capítulo 69 – Perdão

Naquele abraço pai e filha deixavam para trás uma história indesejável, que

seria esquecida, aniquilada.

Naquele abraço restaurador uma gargalhada soou.

— Então esse é o meu neto... — sentado, Francisco teve a oportunidade de

pegar em seus braços o pequeno Henrique, teve a oportunidade de levar a mão que

estremecia sobre o rosto infantil, sem marcas alguma, na qual a vida mostrava que

estava apenas no começo —. Tão lindo como a mãe...

— E como o pai... — Maria se aproximou do esposo, acolheu a pequenina mão

agitada, sentia-se realizada por estar unida com aqueles que mais amava –. Nossa

filha se casou com um grande homem, alguém por quem se orgulharia.

— Ele é mesmo um homem incrível, infelizmente estamos distanciados por uma

guerra injusta, mas deixou comigo o melhor dos presentes — acariciou o querido filho

—, ele é um anjo!

Observador, o homem transformado não deixou de notar o carinho com o qual

Carol se referiu ao marido e nem a saudade que seus olhos exibiam, teve a certeza

de que aquele amor era importante.

— Vocês serão muito felizes no futuro, nunca deixe de acreditar nisso, ainda

que tudo aponte para o fim, estão apenas no começo...

Tal afirmação acrescentou a esperança em uma alma desacreditada, guardaria

aquilo para sempre.

Por algum momento desejaram que aquela realidade pacífica e remissora

durasse para sempre, mas o que estava bom chegava ao fim, ficaria somente nas

lembranças, nas memórias.

Os aparelhos se manifestaram.

Francisco perdia a vida.

— Não se desesperem — o doente tinha consciência, ainda que fraco

conseguia falar —, é inevitável... Está sendo melhor do que pensava, sempre acreditei

que quando esse dia chegasse estaria sozinho, solitário, mas estou acompanhado

pela minha família — a fraqueza aumentou, a respiração se dificultava, os olhos não

queriam mais contemplar a luz.

Um abraço choroso reuniu a família.

Um abraço de remissão.

Page 356: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

356 Capítulo 69 – Perdão

— Obrigado... — Francisco teve a chance de ser perdoado e agradeceu por

tamanha dádiva, entregou-se ao descanso, cumprira com a sua missão.

O perdão, em sua essência, pode parecer impossível de exercer, mas é

exatamente por ser tão difícil que garante frutos saborosos, resultados gratificantes.

Ele leva tempo, mas vale a pena esperar.

Page 357: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

357 Capítulo 70 – Monte Castelo

Capítulo 70 – Monte Castelo

[Itália – 1945]

O tempo se passou.

Um novo ano estava em seu começo.

Um ano de importantes marcos que já anunciavam seu peso.

Jorge estava morto. Nos braços de seu amigo.

Após noites e dias de intensos treinamentos com árduos discursos declarados

por capitães fartos de seus inimigos e sedentos pela vitória, finalmente os soldados

estavam em campo de batalha, avançando contra o opressor, contra aquele que

tomara posse em um território que não lhe pertencia.

Estavam perante o cobiçado Monte Castelo, dominado pelos nazistas,

“símbolo” da força alemã.

Mas não desistiriam.

Acumulavam conquistas.

Aquela seria mais uma.

Mas a tarefa não seria fácil, a missão não seria simples, se quisessem mesmo

alcançar um mérito tão honroso deveriam se despir de medos, anseios, precisavam se

encorajar, mirar no alvo e, talvez, ceifar vidas. Henrique estava atordoado por tanta

opressão, pelo dilema de um evento catastrófico: era vulnerável a tirar vidas para que

salvasse outras, causar a dor de uns para aliviar a de outros. Não via a hora de voltar

para casa, quando tudo aquilo não passasse de tristes e desprezíveis recordações.

Jorge, por sua vez, mantendo a metralhadora sobre domínio, não queria

concluir o desfecho de uma guerra brutal, injusta e assustadora, de forma tão

violenta. Sabia que precisavam expulsar os inimigos dali, só assim libertariam a Itália

e diminuiriam as forças da Alemanha que se mostrava cada vez mais insana e

inconsequente diante os seus atos.

Soldados brasileiros e americanos começaram a avançar.

Subiam o monte enquanto descarregavam suas munições.

Page 358: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

358 Capítulo 70 – Monte Castelo

Mas a maldade alemã era terrível. Do topo, os soldados nazistas disparavam

contra seus opositores, estavam em vantagem, conseguiam matar tão facilmente.

Para eles, sordidamente, apenas cumpriam com o dever.

Henrique e Jorge chegaram a mais simples das conclusões: mais homens

morreriam feito inseto, a estratégia precisava ser diferente.

— Ataques aéreos. Sugiro ataques aéreos! Ainda que sejam de surpresa,

ainda que nos façam de astutos e perversos, não podemos mais aceitar que destruam

aqueles que nos pertencem!

— Santos, sugestão aceita! — o tenente deu seu ultimato, bradava sua voz,

tentava encobrir o som da destruição —. Falarei com a base agora mesmo, já

havíamos pensado nisso, é a única solução!

Triste, porém necessária solução.

— Acha mesmo que esse pesadelo pode acabar? — Jorge, inconformado pelas

tantas horrendas visões que tivera, perdia sua fé, sua crença em dias de paz, nada

parecia se encaminhar para uma trégua permanente —. Enquanto ficamos

escondidos nossos companheiros são mortos tão logo pisem nesse monte traiçoeiro,

não demora muito para que mandem a nós e aí nossos sonhos serão encerrados!

— O ataque inesperado será também preciso — atrás de árvores, com um

binóculo perante os olhos, Henrique observava os inimigos —. Estão recuados no

topo, não avançarão de modo algum e enquanto tiverem capacidade destruirão mais

dos nossos — era a realidade —. Ainda que injusto, esse ataque colocará fim nessa

loucura, honraremos os nossos heróis e viveremos o futuro que nos aguarda!

Era mais que um plano.

Era um desejo.

Do céu, rajadas furiosas.

Das nuvens, bombas fatais.

Explosões de morte.

O som era caótico. A música, fúnebre.

O horror tomou conta do Monte Castelo. Homens gritavam, corriam, perdiam

suas vidas tentando escapar da morte iminente. Asfixiavam-se pelas fumaças

enegrecidas, sentiam a pele arder pelo fogo que os consumia.

Page 359: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

359 Capítulo 70 – Monte Castelo

Com o caminho facilitado, os Aliados prosseguiram em seu avanço, já não

eram mais castigados por munições covardes, tinham liberdade para colocar as mãos

naqueles que restassem e fazerem justiça.

Jorge também avançou.

Henrique o seguiu.

Os dois grandes e fiéis amigos não perceberam que próximos a eles, camuflado

por um tanque de guerra destruído e abandonado, estava Manfred Hoff, o perverso

alemão, cruel homem. Sua intenção por estar ali era assistir de perto a derrocada

dos Aliados, mas tudo que pôde observar foi o fiasco de seus homens e o semblante

vitorioso de um homem que já passara por suas mãos: Henrique dos Santos.

Reconheceu que perdera a guerra.

Mas não pouparia sofrimentos.

Saiu do veículo sem utilidade, gesticulou para que seus companheiros, também

escondidos, preparassem-se para a fuga.

Correu em perseguição ao soldado que não suportava, àquele que o fizera de

burro.

Adentrou o pó do caos.

Disparou suas balas mortais.

As pernas de Jorge se travaram.

Seus olhos estalaram.

Suas costas se encheram de sangue.

Seus joelhos tocaram o chão.

O mundo ao seu redor se movia lentamente.

Henrique virou para trás, de onde covardemente os tiros surgiram.

Seus olhos cruzaram com os de seu mais novo rival.

Ferviam de raiva.

Levou a metralhadora que carregava consigo à sua frente.

Não hesitou em disparar.

Page 360: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

360 Capítulo 70 – Monte Castelo

Antes que fosse atingido Manfred se jogou no carro que logo o assessorou.

Ainda que fosse esperto e veloz, não pôde evitar a munição que rasgou sua

farda, abriu sua pele e, violentamente, cravou-se em sua perna.

— Suma daqui! — ordenou ao motorista —. Agora! — sentiu a morte, aquela que

sempre esteve em suas mãos, agora contra ele, mais próxima do que nunca ouvindo

os tantos disparos que por hora acertava a lataria e outrora passava de largo.

— Desgraçado! — o soldado furioso esbravejava indignado —. Morra! — só

cessou seus ataques quando perdera o alvo de vista, pela primeira vez intentou tirar

a vida de alguém.

Jorge agonizava.

Sentia o fim se aproximar.

— Fale comigo! — desesperado, Henrique acolheu o bom companheiro, sua

intenção era em fazer o possível para o salvar, para lhe garantir o direito de

sobreviver e usufruir de um futuro tão ardentemente sonhado.

— Não perca o seu tempo, não há o que possa fazer... — ainda que

desfalecendo, o guerrilheiro cheio de medos e desculpas para dar às costas a uma

desagradável obrigação, soava sua voz, declarava suas palavras, as derradeiras.

— Não pode morrer, não pode partir, não desse jeito, não indignamente! — as

lágrimas não puderam mais ser contidas, os próximos instantes seriam de uma

dolorosa despedida —. Precisa ser forte, precisa reagir!

— O que mais temíamos finalmente aconteceu, sempre soube que aconteceria,

era a minha maior certeza. Agora pare, deixe de lado a afobação e me ouça...

— Claro... — ainda que não quisesse passar por tão devastadora experiência,

Henrique cessou seus passos apressados, ajoelhou-se no chão, sobre o solo

empoeirado e manteve Jorge acolhido, cedeu seus ouvidos para o último desabafo.

— Quero que seja feliz e não corra atrás de quem quer que seja, isso não

importa para mim, vingança não é o que desejo, tudo que mais quero é que viva em

paz, que lembre-se de mim ao contar suas histórias para o seu filho, que viva

plenamente feliz...

— Por que diz isso?

Page 361: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

361 Capítulo 70 – Monte Castelo

— Porque sei que já intenta praticar justiça com as próprias mãos – os olhos

obscuros fitavam os lacrimejados —. Honre-me sendo feliz e fazendo as pessoas

sentirem a mesma felicidade.

— Não... Nunca... — Henrique jamais deixaria um ato tão covarde e

inescrupuloso sem as merecidas punições.

— Precisa me prometer... — os olhos se pressionavam e os lábios se morderam

com a fisgada ardente no peito —. Precisa deixar tudo isso... Libertamos a Itália,

pode ir para casa...

— Quer que eu seja feliz? Só o serei quando perante os meus olhos o homem

que fez isso estiver morto — assegurou convicto de sua decisão —. Não descansarei

e nem partirei enquanto minha missão não terminar!

— Pense em sua família... Pense nos riscos...

— Você também é minha família...

O ferido não pôde dizer mais nada, apenas disfarçou a dor da morte sorrindo

alegre, sorrindo agradecido, grato por ter tido uma amizade sincera.

De seu corpo a vida fugiu.

A cabeça se inclinou.

Jorge estava morto. Nos braços de seu amigo.

Henrique chorou amargamente, gritava ao céu, abraçava aquele que partira.

Page 362: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

362 Capítulo 71 – Perder Alguém

Capítulo 71 – Perder Alguém

Perder alguém.

Essa é uma ideia indesejável, repudiável, ninguém quer se separar daqueles

que estão ao seu redor, que guardam um pouco de sua história, que se tornaram tão

importantes na experiência do viver. A verdade é que a todo o momento perdemos:

uma hora mudamos de escola e perdemos o contato com os colegas, em outro tempo

o relacionamento não progride e perdemos a companhia e assim a vida flui, com

ganhos e perdas.

Mas existe uma perda pior, mais dolorosa, insuportável, irreparável.

A perda da morte.

Ainda que evitemos o assunto, ainda que insistimos em neutralizar seu

assombro, fato é que a morte faz parte do mundo no qual vivemos, ela chega para

todos, qualquer ser que tenha vida um dia precisará entregá-la e é justamente essa

entrega que repudiamos com todas as forças.

Mesmo com a única e inegável certeza que possuímos não nos preparamos

para o fim, até porque seríamos mórbidos, o tempo todo vivendo na expectativa da

morte, sempre, em todas as ocasiões, somos surpreendidos pela dor e tristeza que o

perder alguém pode representar.

Cada um encara de um jeito. Uns procuram o silêncio, outros um abraço e têm

aqueles que perseguem um porquê claro e plausível, prometem em seus corações que

não descansarão enquanto não encontrarem uma culpa e puni-la.

Dentre todos, o último era o caso de Henrique.

— Agradeço pela sugestão, mas estou decidido, ficarei aqui até o último

instante, até assistirmos de perto a humilhação que a Alemanha deverá sofrer, a

vergonha pela qual nossos inimigos precisam passar, só assim estarei honrando o

sacrifício de um companheiro valente — argumentou seriamente, disfarçou sua real

intenção, aquilo que em oculto arquitetava contra seu maior opressor, o homem que

lhe garantiu uma dor amarga e devastadora.

— Pense melhor, é a chance que estou dando para que volte ao Brasil, esteja

ao lado de sua família, acolhido por pessoas que o amam e que apenas desejariam o

Page 363: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

363 Capítulo 71 – Perder Alguém

seu bem — o tenente tentava convencer seu soldado transtornado por uma tristeza

indescritível —. Essa guerra já está ganha e já nos causou terrores demais, merece

descansar, merece paz depois de tanta perturbação.

— Ele também merecia... — apontou para o caixão repousado ao lado do avião

das Forças Armadas que o levaria à nação brasileira —. Não me perdoaria se não

contribuísse até os últimos ataques para que nossos oponentes paguem pelo que

causaram. Eles mataram Jorge, agiram como covardes...

Perante irredutível decisão o tenente se deu por vencido, teve consciência de

que seus braços não alcançavam maiores caminhos, mesmo que suspeitasse das

propostas do guerreiro aceitou mantê-lo por perto, debaixo dos seus olhos.

Recebendo a aprovação de seu superior, Henrique debruçou-se sobre a urna.

Era o último abraço, o último adeus, eram as últimas lágrimas que derramava sobre

um alguém tão importante, um amigo de fibra, leal, inesquecível.

Chorando, viu o caixão ser levado.

Demonstrando toda a sua dor acompanhou com os olhos o avião percorrer

seu caminho, subir ao céu, adentrar as nuvens.

Uma mão tranquila pousou sobre o seu ombro.

Um olhar compreensivo lhe era dirigido.

Abraçou o tenente desejando que o pesadelo acabasse, que a dor passasse,

que a ira sumisse.

[Rio de Janeiro, Brasil – 1945]

Quando alguém parte dessa existência deixando apenas suas recordações,

permanecendo somente em nossa memória, ficamos sensibilizados, sentimos o

incômodo do luto e nos colocamos no lugar daqueles que nos são mais íntimos,

imaginamos o quão doloroso seria se fôssemos nós que perdêssemos a mãe, o irmão,

o filho muito amado ou o esposo querido, olhamos para aqueles que ainda temos

sentindo o desejo por protegê-los de todos os perigos.

Page 364: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

364 Capítulo 71 – Perder Alguém

Os funerais não acontecem apenas para que honremos quem se foi ou

mostremos nosso apoio a quem ficou, eles existem para que, ainda que

inconscientemente, resgatemos a essência do que sentimos por quem amamos, é um

momento de reflexão, de análise: demonstramos o suficiente? Fizemos o bastante?

Amamos o quanto pudemos? Questões necessárias para que mais tarde não

enfrentemos a culpa: “por que não fiz mais?”.

Por isso é importante perdoar enquanto se pode, amar enquanto se tem

capacidade, declarar os sentimentos enquanto a fala soa, fazer todo o possível para

que pessoas que dizemos ser especiais se sintam mesmo assim, especiais.

Carol, dentre tantos que lotavam o pátio do quartel, pensava em Henrique, se

aquele foi o desfecho para alguém tão próximo ao marido também poderia ser o dele.

Seu peito se angustiou, seu coração se apertou, não aguentava mais aquele lugar.

Saiu correndo.

Desesperada por alívio.

Sedenta por paz.

Ainda eram noivos.

Desejosos pela companhia um do outro foram passear pela cidade naquela

noite agradável de verão. As ruas estavam cheias, iluminadas, o comércio ainda

cumpria com suas atividades, afinal, em fim de ano todos estão mais animados.

Há quem veja felicidade no luxo, na largueza do caminho, mas aquele casal

apaixonado, prestes a subir ao altar e declarar uma promessa diante de Deus e

diante dos homens, era feliz na simplicidade. Sentados em um banco da florida praça

compartilhavam o algodão doce, compartilhavam, também, palavras de amor.

— Nem acredito que vamos nos casar, não tenho certeza se sou digno de

receber o amor da mais bela princesa — Henrique não se cansava de contemplar a

face da amada noiva, não se cansava de admirá-la por todas as suas belezas.

— Você é o mais nobre dos príncipes, se sou tão preciosa quanto diz é claro

que merece ter a mim, sei que me fará feliz, aliás, é o único que poderia... — Carol,

sempre sonhadora, romântica com as palavras, não deixava de provar a importância

que o querido noivo detinha sobre sua vida, sobre o seu coração —. Promete que

nunca me deixará?— uma indagação repentina, feita de repente.

Page 365: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

365 Capítulo 71 – Perder Alguém

Deixar quem muito amava? Aquela era a menos provável das hipóteses para o

futuro guerreiro de uma batalha perigosa que conhecia sua noiva tão bem ao ponto

de entender sua insegurança, o passado influenciou em uma imaginação duvidosa

sobre o futuro, era seu dever dissipar todo e qualquer assombro.

Entrelaçou os dedos aquecidos.

Beijou suavemente a mão delicada.

— Nunca a deixarei — disse sorridente —. Jamais...

Aquela promessa antiga ainda vivia em seu coração. Carol tinha essa

esperança muito bem guardada e protegida, precisava acreditar com forças ainda

maiores, Henrique nunca deixara suas palavras caírem por terra.

[Berlim, Alemanha – 1945]

Há semanas estavam refugiados. Aguardavam o momento exato para a

estratégia final.

Noah, como qualquer garoto da sua idade, era curioso e pouco se deixava

entreter por apenas uma atividade. Corria atrás de novas aventuras, descobertas

animosas.

Adentrou a floresta.

Usava um capacete abandonado e dominava um pedaço de madeira que dizia

ser sua espada.

Em sua fértil imaginação, qualidade infantil, era um pirata. Um destemido e

conquistador pirata. Cortava plantas, batia em árvores e ampliava seu território.

Como se fosse mágica, tudo que tocava se transformava em sua propriedade.

Mas os inimigos surgiram a fim de tornar a diversão em preocupação.

Eram inimigos terríveis.

Os famosos homens fardados.

Page 366: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

366 Capítulo 71 – Perder Alguém

O pequeno pirata não teve para onde correr, estava encurralado, cercado por

seus opressores que o pegaram sem a intenção de deixá-lo escapar, sem a intenção

de encararem a realidade como uma simples e divertida brincadeira.

Um homem sisudo se juntou aos demais.

Mancava.

Também tinha um cajado, na verdade era a bengala que o ajudava a firmar os

pés no chão já que o tiro levado ainda refletia suas consequências.

— Olá... — sorria misterioso, seus olhos estavam cobertos pela aba do chapéu

—. Sentiu saudades? — ergueu o rosto, deixou a luz do dia iluminar sua face, era

Manfred Hoff em uma importante vitória.

Page 367: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

367 Capítulo 72 – Início do Fim

Capítulo 72 – Início do Fim

Subestimar o inimigo pode ser um grave erro, um irreparável equívoco, um

caminho sem volta. Nunca, em uma guerra, se pode deixar convencer pela ideia de

que os rivais já se cansaram da luta, já se deram por derrotados, em uma guerra os

opositores podem fingir um cansaço a fim de esconderem suas forças.

Estavam no meio do mato, escondidos dos olhos cruéis, que mal poderia lhes

alcançar? Convenceram-se ao ponto de negligenciarem importantes cuidados,

comportaram-se como ingênuos meninos que dão potencial ao perigo. Já colhiam os

frutos, estavam cara a cara com o inimigo.

— Pensei que estivessem bem munidos, preparados para quaisquer

contratempos, mas foi mais fácil do que parecia — Manfred encarava os olhares

estupefatos com ar de zombaria, o espanto em cada semblante era para ele uma

grande diversão, um sentimento de vitória. Ao seu lado uma criança chorava com

medo, sentia-se angustiada perante tamanha vulnerabilidade, sentia-se ameaçada —.

Lutaram tanto, correram tanto, desafiaram-me tanto para no fim voltarem ao começo:

todos debaixo das minhas mãos! — sorria perverso, sua alma se contentava com tanta

crueldade.

Sentiam-se despreparados para aquela batalha, foram pegos de surpresa,

tiveram que reconhecer o tamanho da ingenuidade pela qual foram acometidos,

reconheceram também que não existia um plano. Talvez tivessem que agir por

impulso, obedecer seus instintos, uma hipótese com grande teor de destruição.

— Deixe-o em paz! — Abner alçou sua voz, avançou contra o prepotente

capitão, mas precisou retroceder, desistir, o som de um armamento destravado

paralisou suas pernas, acelerou seu coração, fez sua alma sentir pavor.

— Sabe que não hesito em minhas ações, sabe que faço todo o necessário

para causar dor, arrancar lágrimas e alcançar meu objetivo, atirar nesse pirralho não

será esforço algum — proferiu sua ameaça.

A hipótese mais sensata seria tentar um acordo, mesmo que ele significasse

rendição, era exatamente o que Maik faria.

Page 368: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

368 Capítulo 72 – Início do Fim

— Pare para pensar, seu problema é apenas comigo, se alguém aqui se opõe às

suas ideias é por minha causa, foi eu quem começou com as oposições, quem

influenciou na rebeldia de muitos e, além disso, fui eu que lhe causei desonra —

encarava seu ouvinte com firmeza, intencionava convencê-lo, mudar o seu foco —.

Sou o único e verdadeiro inimigo, se não fosse por mim não haveria mais ninguém,

apenas eu mereço o seu castigo! — esticou os braços para que o algemassem, suas

palavras eram verdadeiras, não intencionava lutar contra ninguém, seria tolice, ao seu

redor homens com poderosos artefatos de guerra aguardavam ansiosos pela ordem

de disparos.

Em uma família unida por amor todos sentem as mesmas angústias,

compartilham das mesmas dores e, no final, não se desamparam, permanecem unidos

até o último instante. Sebastian, agora sabendo quem era seu verdadeiro pai, não o

perderia e, se o perdesse, partiria junto para que nunca mais fossem separados.

— Sabe que não é verdade, sabe que agi por livre vontade, sem quaisquer

influências e faria tudo outra vez — o jovem alemão dirigiu sua fala ao homem que

odiava ser desafiado —. Sempre detestei suas ideologias injustas e jamais as

aceitaria como certas, se considera seus opositores como inimigos então sou um

deles!

— Minha vontade é acabar com toda essa palhaçada agora mesmo, dar a cada

um de vocês a morte que merecem, mas que droga de vingança seria essa? — levou

sua atenção ao pequeno Noah, demonstrou através de seus sórdidos gestos o que

faria, preparava-se para mais um frio assassinato —. Hoje assistirão à consequência

de seus atos e viverão para sempre com a culpa consumindo seus corações.

[Itália – 1945]

Durante uma agitada madrugada, na qual nossas mentes não conseguem se

entregar ao descanso de um sono surgem lembranças, pensamentos e ideias.

Imaginamos planos, construímos paisagens, idealizamos desfechos para coisas

inacabadas, coisas que fazemos questão de encerrar com nossas próprias mãos.

Page 369: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

369 Capítulo 72 – Início do Fim

Henrique passou por uma madrugada agitada.

Achava injusta a forma como seu grande amigo partira daquela guerra, achava

brutal a forma covarde como seu inimigo agira naquele dia que desejava esquecer.

Com todos os “achismos” uma certeza dura e fria: o culpado não poderia ficar

impune. A cada dia que se passava seu desejo por vingança crescia, culpava-se por

saber que Manfred ainda vivia uma vida plena, cheia de perversas conquistas, mas

naquela madrugada se cansou da culpa, faria o que seu coração desejasse.

Sorrateiro, cuidadoso em cada movimento para que ninguém o notasse, o

soldado irado arrumou suas coisas, armazenou alguns armamentos, guardou um

pouco de mantimento na mochila espaçosa e saiu do quarto sem fazer barulho algum.

Andou pelos corredores do quartel de cabeça erguida, peito aberto, disposto

a enfrentar qualquer desafio, nada o abalava, seu objetivo era cobrar as ações de um

homem desprezível mandando-o para o inferno.

Entrou no escritório das maiores autoridades e acionou a sirene contra

invasores.

Despertou todo o batalhão.

Atraiu todas as atenções para a origem do som de perigo.

Fugiu pelas portas da frente.

Enquanto às suas costas o quartel ardia em sustos e confusões o soldado

destemido prosseguia em seus passos, olhos fitos no futuro, no plano imbatível que

criara em sua mente vingativa.

Se dependesse de Henrique dos Santos, Manfred Hoff poderia se

despedir de sua vida miserável.

[Berlim, Alemanha – 1945]

Perder Noah seria como fracassar em uma missão, nunca se perdoaria, jamais

deixaria de sentir a dor da culpa que nasceria tão logo seus olhos contemplassem o

corpo frágil e indefeso tombar sobre o chão.

Page 370: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

370 Capítulo 72 – Início do Fim

— Por misericórdia, eu imploro para que o poupe de meus erros, de nossos

erros, ele não merece tamanha injustiça! — Abner se colocou de joelhos diante

alguém a quem poderia ignorar honrarias, sua humilhação era sincera, saía de seu

coração, as lágrimas intensas provavam o que dizia.

Aquele era o anseio do capitão da SS, aquele sempre foi o seu desejo: que

se ajoelhassem diante sua presença como se prostravam às divindades, que

venerassem sua imagem como respeitavam a dos santos, que cultuassem seu poder

como temiam a Hitler.

— Está bem... — abaixou a arma vestido de prepotência, espantando aquele

que se humilhava, espantando a quem tudo assistia, na verdade não esperavam por

piedade, mas não era piedade, era um corrupto plano —. Vá com o seu protetor! —

ordenou ao assustado garoto.

Noah não tardou em obedecer, correu ao abraço que lhe garantia paz,

proteção, tudo estava bem.

— Levem-nos para a prisão. Se pensarem em resistir termino aquilo que

comecei.

Fugiram tanto para voltarem a viver com a falta de liberdade.

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1945]

Foram jogados como animais.

Tiveram suas mãos desamarradas e puderam tirar dos olhos as vendas que os

impediram de acompanhar o caminho.

Estavam em um quarto escuro, úmido e mal cheiroso. O novo lugar no qual

passariam seus dias.

— Perdoem-me pela péssima hospitalidade, mas isso é tudo o que merecem —

Manfred permanecia em seu posto arrogante —. Isabel, querida — aproximou-se da

mulher que tanto fez sofrer, levou a mão ao seu rosto e sorriu misterioso —, poderia

estar na nossa mansão, sendo servida por quem quisesse, mas veja só no que

resultou sua traição — desferiu-lhe um tapa ardente sobre a face sensível —, porca

imunda!

Page 371: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

371 Capítulo 72 – Início do Fim

— Desgraçado! — o sangue de Maik ferveu em sua veia, sua ira o impulsionou à

batalha, não poupou forças ao golpear seu maior rival, quebrar-lhe o nariz, arrancar

do ferimento sangue vivo.

Os soldados logo se aproximaram, mas foram interrompidos pelo gesticular

daquele que os dominava, daquele que não aceitaria ser humilhado, daquele que

revidou a agressão grudando os dedos na garganta de Maik.

— Pare com isso! — Sebastian avançou contra o alemão ardiloso, empurrou-o

para longe e não se intimidou pelos nazistas que o seguravam —. Nunca mais levante

o dedo contra o meu pai! — esbravejou sedento por justiça.

Manfred soou sua gargalhada irônica, ordenou que soltassem o rapaz furioso,

encarou-o profundamente nos olhos a fim de causar dor e sofrimento.

— Fruto do pecado, sempre soube que não poderia ter o meu sangue, cada um

tem o que merece e é esse o seu merecimento: ter um covarde como pai, um homem

que vivera se escondendo, que recusou reconhecê-lo por medo, que não o amou

quando mais desejou receber esse amor! — afastou-se estampando no rosto o

deboche irritante —. Aproveitem enquanto estão juntos, meus planos estão apenas

começando... É o início do fim, o vosso fim, perdedores!

Page 372: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

372 Capítulo 73 – Justiça com as Próprias Mãos

Capítulo 73 – Justiça com as Próprias

Mãos

Palavras ardilosas, quando ditas com frieza e segurança, vestem um caráter

verídico, assemelham-se com a verdade por serem manipuladoras, por usarem o

presente como arma na perversão, na distorção de um passado conturbado, um

passado que ainda reflete suas dúvidas. As palavras de Manfred cumpriram com seu

papel de manipulação.

O coração de Sebastian se encheu de questionamentos, talvez sua história

fosse uma mentira, talvez tenha vivido com a falta de um amor paternal em razão da

covardia de quem deveria se vestir de coragem. Esperou Manfred partir, deixá-los a

sós, para dirigir seu semblante confuso aos únicos que poderiam dar

esclarecimentos.

— Estarei enganando a mim mesmo se disser à minha alma que aquele homem

apenas insiste em suas mentiras? — não hesitou em perguntar, sua vida fora repleta

de indagações, não deixaria que novas chegassem e ficassem sem respostas.

— Não pode dar ouvidos a alguém que tenta de todas as maneiras causar

dissensões e ódio, não pode permitir que alguém cheio de maldade controle sua

mente... — Isabel, compreensiva e dedicada, achegou-se ao filho, àquele pelo qual

sentia grande orgulho, de quem colhia os frutos por ter ensinado sobre o amor.

Levou a mão ao rosto que tão bem conhecia e concluiu suas dóceis palavras: —

Amamos você, jamais o enganaríamos com ilusões.

— Ainda assim compreendo sua preocupação, imagino que aquele maldito

tenha causado muitas feridas e sabe como cutucá-las, mas de uma vez por todas juro

que se soubesse que tinha um filho teria lutado por ele, salvá-lo-ia de crescer na

presença de alguém tão desprezível nem que para isso precisasse abrir mão da minha

própria vida — Maik abraçou seu unigênito, aquele no qual conseguia enxergar seus

próprios valores,a sua coragem e sua vontade por mudar o mundo, por levar amor às

pessoas.

Sebastian se arrependeu por ter dado o mínimo de atenção a algo que deveria

ser ignorado, aquela era a sua família, a sua origem, não deveria se deixar abater por

palavras infames.

Page 373: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

373 Capítulo 73 – Justiça com as Próprias Mãos

[Berlim, Alemanha – 1945]

Um justiceiro persegue a justiça custe o preço que custar e não descansa

enquanto não cumpre com a promessa que assegurou em seu próprio intento. Passa

por cima das próprias dificuldades, aprende a superar os limites e a cada obstáculo

fica mais sábio e forte, tudo em nome da justiça.

Henrique pouco se importava com a ameaça do estar longe de sua casa, de ser

uma presa fácil, um alvo simples. Estava decidido em sua escolha, sua dedicação o

fez chegar à Alemanha em poucos dias de viagem, era esperto, passar pelas

fronteiras não foi empecilho, arriscava o bom alemão por onde passava e as portas

se abriam deixando-o a cada passo mais próximo de seu inimigo.

Ao chegar à nação dominada por interesses nazistas pediu ajuda para chegar

até Manfred, dizia ser um combatente que precisava de instruções, anunciava os

boatos que apavoravam, anunciava a derrocada de um país liderado, governado pela

ignorância.

Perante os seus olhos, a mansão Hoff.

Diante o seu coração, a oportunidade de praticar justiça com as próprias

mãos.

Em seu juízo faltava pouco para que a arrogância e o ego de um ser que

conquistara o seu ódio ficassem apenas no passado porque no futuro que ele

planejava tais virtudes não tinham espaço.

Rondou a fortaleza.

Esperou o segredo do anoitecer.

Invadiu os fundos da casa.

Estava debaixo do mesmo teto que seu opressor.

Em uma missão que tem por objetivo o ataque surpresa ao adversário, o

guerrilheiro deve calcular precisamente seus passos, deve se atentar a quaisquer

Page 374: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

374 Capítulo 73 – Justiça com as Próprias Mãos

armadilhas e estar preparado para possíveis ataques já que de predador pode se

tornar uma presa fácil.

Henrique caminhava passo após passo com cautela, estudava cada espaço,

certificava-se de que não existiam olhos sedentos por sangue observando seus atos,

era cuidadoso, não se perdoaria se falhasse em sua missão: honrar a memória de um

amigo.

Por ser noite a mansão parecia deserta, exceto pela luz que irradiava do

escritório e pelo som de conversa que vinha do mesmo lugar. O bom soldado, dono

de um coração puro que buscava encontrar o melhor nas pessoas e que chegou a

defender os inimigos apregoando que mereciam ter suas vidas poupadas, tirou da

botina o canivete afiado e reluzente, dispensou o uso de revólveres, a morte que

planejava a Manfred era fria, lenta e dolorosa.

Aproximou-se mais do escritório, o suficiente para notar quem ali estava e

ouvir o que falavam.

— Pensaram que poderiam me driblar, mas se esqueceram que sou um homem

esperto, estou sempre um passo a frente, consigo prever cada movimento daqueles

que desafio — fumava seu constante charuto, não o largava em nenhum momento —.

O que você acha que devo fazer? — questionou ao seu aliado.

— Garantir a eles a vida que os judeus possuem — o homem também era dono

de uma mente perversa e, ao lado daqueles que significavam possibilidades de

ascensão, esforçava-se ainda mais por demonstrar sua frieza —. Matá-los é simples

demais, precisa torturá-los, fazê-los sentir a dor que sentiu pela traição!

— Deveria tê-lo promovido antes de Klaus apesar de já ter corrigido o meu

engano — tomou um gole do uísque e levou sua atenção ao retrato de Hitler –. Mas

e quanto ao estrangeiro? Aquele brasileiro imbecil entrou em causa alheia e agora

sofre as consequências, aposto que desejaria nunca ter concordado com tamanha

insanidade.

— Esse representa ameaças, não foi treinado para obedecer à nossa

autoridade, por certo tentará convencer os demais a se encherem de rebeldia,

precisa morrer...

Percebendo que o diálogo chegara ao fim, Henrique se escondeu, mas não

deixou de sentir a raiva que apenas crescia, sabia de quem estavam falando, não

Page 375: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

375 Capítulo 73 – Justiça com as Próprias Mãos

suportaria perder outro companheiro. Acompanhou os passos dos homens, revelou

sua presença quando Manfred voltou a sós.

— Finalmente, o reencontro — sorria como se já fosse um vencedor —. Talvez

tenha pensado que ficaria por aquilo mesmo, que veria meu amigo morrer em meus

braços e não faria nada, ledo engano, estou aqui para fazer justiça a todos os

injustiçados!

— Pelo contrário, meu caro invasor, já esperava pela sua visita, só não imaginei

que fosse mal educado o bastante para invadir a minha propriedade — o capitão da

SS possuía um olhar zombeteiro, nem um pouco espantado, aguardava realmente

por aquele confronto —. Acredito que seja para um acerto de contas e estou mais

do que desejoso por cobrar pelo tiro que levei!

— Temo que esse não seja o seu dia, estou aqui para ganhar, para cobrar

pelos seus devassos atos através do seu sangue!

Disposto a lutar, a deixar claro que ganharia aquela luta demonstrando o quão

fraco seu adversário era, o soldado brasileiro empurrou o prepotente alemão pelo

golpe ágil e inesperado, não hesitou em ir de encontro ao homem tombado, faria

daquele embate o mais doloroso possível.

Debaixo de um jovem rapaz, recebendo agressões seguidas, Manfred usou

seus pés violentos, lançou aquele que o oprimia a uma distância confortável e

recobrou a postura, estava tão disposto em vencer quanto qualquer outro.

Antes que recebesse o soco que lhe era dirigido, Henrique rolou o corpo, viu

o rival se lamentar pela dor aguda que os dedos sentiram ao se chocarem contra o

soalho, aproveitou sua instabilidade para subir em suas costas, prendê-lo ao chão,

tê-lo em suas mãos.

— Até aqui foi o assassino, mas agora será mandado para o inferno! — o

soldado embrutecido ajeitou o canivete mortal, estava a poucos centímetros de seu

objetivo, faltava pouco para que desse a um homem cruel o que ele de fato merecia.

Um impacto.

Os olhos se apagaram.

Manfred foi salvo por seu parceiro que não partira, estava à espreita,

aguardando o momento exato para intervir e que, quando teve a oportunidade,

Page 376: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

376 Capítulo 73 – Justiça com as Próprias Mãos

tomou posse em um pedaço rígido de madeira, não poupou forças ao agredir aquele

que tentava aniquilar seu superior.

Esquivando-se do domínio poderoso de um simples militar, Manfred chutou

suas entranhas repleto por rancores, iras.

— Como eu disse, estou sempre um passo a frente!

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1945]

As luzes voltaram às vistas ainda turvas.

Semblantes preocupados o encaravam.

Estava preso junto aos demais.

— O que houve? — era tudo o que queria saber.

— Vai ficar tudo bem... — Luís o recebeu pacífico —. Ele foi longe demais e

ainda que lute sozinho o aniquilarei! — era uma convicta promessa.

Page 377: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

377 Capítulo 74 – Devastação

Capítulo 74 – Devastação

Mais rápido do que imaginavam a guerra chegava ao fim.

Mais ligeiramente do que esperavam o tormento terminava.

A Europa estava devastada econômica e socialmente, principalmente os

países mais envolvidos na batalha, uma nova potência começava surgir, a América

anunciava sua força enquanto que europeus exibiam seus semblantes abatidos,

exaustos, cansados de tanta dor.

Dentre tantos feridos estavam aqueles que passariam o resto de suas vidas

com sequelas, as lembranças de um período triste e sombrio que foram obrigados a

experimentar, recordações que manteriam a aflição de uma guerra tão brutal e injusta

oprimindo suas almas confusas, sempre em busca de explicações.

Também existiam aqueles que sofriam uma dor maior, a dor da certeza de que

nunca mais se poderá abraçar aquele que muito amava, a dor de uma separação

forçada e indesejável, uma dor que sufoca o espírito e cerca o amor. As lágrimas

rolavam por todos os cantos, as lamentações eram proferidas em todos os lugares,

como queriam que aquele pesadelo terminasse, como desejavam que seu lar voltasse

a ter paz...

Não eram apenas os europeus que sofriam algum desconforto, soldados de

tantas nações também eram afligidos por sequelas e perdas, por remorsos e

assombros. Quantos que não tiraram a vida de um semelhante para salvar sua

própria? Quantos que não viram alguém querido desfalecer diante os seus

impotentes olhos? Quantos que apenas possuíam um desejo? Almejavam voltar para

casa, para a proteção das pessoas que os rodeavam, para o lugar no qual estavam

protegidos daquela bagunça.

Porém, mais rápido do que imaginavam a guerra chegava ao fim.

Mais ligeiramente do que esperavam o tormento terminava.

Page 378: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

378 Capítulo 74 – Devastação

[Campo de Concentração Auschwitz, Polônia – 1945]

Aquele profano lugar detinha o sangue dos inocentes, guardava as lágrimas

dos oprimidos, registrava a memória dos sofredores e soava os gritos de desespero

daqueles que eram vulneráveis a qualquer maldade, qualquer demonstração da pior

das atitudes humanas.

Desnutridos, enfraquecidos, abatidos, entristecidos, desesperançosos, sem fé

alguma, sem sonho nenhum, sem perspectiva na qual pudessem acreditar, assim

estavam os judeus, aprisionados por tantos anos, punidos por serem o que eram,

punidos pelo mais infundável, inexplicável e indigno motivo: eram judeus. Vítimas da

arrogância de homens que se auto-intitulavam donos da verdade, sofriam

humilhações que nunca imaginaram passar, mas que se eternizariam nas mentes

daqueles que, por algum milagre, conseguissem sobreviver.

Quais os pensamentos que circulavam por suas mentes conturbadas? Quais

anseios eram cultivados por suas almas aflitas e injustiçadas? Quantas indagações

existiam em seus corações espremidos pela maldade? Quantos desabafos estavam

presos em suas gargantas sufocadas pela perversão? Não dá para imaginar o

sofrimento, o sentimento de inferioridade, só é possível sentir indignação pelo que a

raça que se diz humana é capaz de fazer: causar dor entre os seus.

Contudo, mais rápido do que imaginavam a guerra chegava ao fim.

Mais ligeiramente do que esperavam o tormento terminava.

Lutaram pelo amor, lutaram pela liberdade, lutaram pela salvação, lutaram pela

dignidade. Fugiram da maldade, fugiram da corrupção, fugiram dos sanguinários,

fugiram da assolação. Mas não foi suficiente. Estavam aprisionados. Eram

escravizados. No meio de prisioneiros judeus e de tantos outros considerados

impuros, trabalhavam para sobreviverem, trabalhavam por um único salário: mais

alguns dias de vida, a morte era dada como certa.

Eva, Ana, Isabel e Dalia, separadas dos demais, trabalhavam ao lado das

judias, sentiam na pele o tormento diário, a exploração sem limites. Mesmo cansadas,

não podiam desistir, não podiam dar às costas e enfrentar aquele que as colocou ali,

pelos poucos dias a mais de vida precisavam ser submissas.

Page 379: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

379 Capítulo 74 – Devastação

Abner e Sebastian auxiliavam Noah em sua obrigação, estavam dentre os

cadáveres, vasculhando bocas, colecionando dentes, sendo obrigados a

desrespeitarem aqueles que descansavam de uma vida injusta. O jovem alemão, até

então apenas observador, agora era um praticante da forçada injustiça, seu ódio por

uma ideologia construída a partir do desafeto ao diferente, ao diverso, crescia em

seu peito disposto a qualquer briga.

Maik, Luís e Henrique abriam covas aos berros de soldados nazistas,

desesperados para que o serviço terminasse o quanto antes, ansiosos para que

pudessem enterrar aqueles que viam como dispensáveis já que mais rápido do que

imaginavam a guerra chegava ao fim, mais ligeiramente do que esperavam o tormento

terminava e seus atos sórdidos seriam descobertos, precisavam encobri-los.

A tarefa era simples, objetiva e fria: sumiriam com cada prisioneiro antes que os

Aliados pisassem na Alemanha. Hitler estava morto, a derrota era uma questão de

poucos instantes, já não era segredo para ninguém.

— Precisamos sair daqui! — reclusos em um cômodo separado tentavam

encontrar soluções, Maik andava de um lado ao outro, preocupado, aflito, pensando

em Isabel e nas consequências da ira de seu pior inimigo —. Acham mesmo que

seremos mantidos com vida? Ele é um traidor mentiroso, espera que relaxemos para

que nos pegue de surpresa! — esqueceu-se da criança que a tudo ouvia, entendia e

se afligia.

— Vai ficar tudo bem... — Abner se manifestou embora em seu coração não

mais existisse esperança, outra vez fora tirada de seu ser, contudo tinha que ser

forte para salvar aquele que prometera salvar, ainda que perdesse sua vida daria ao

pequeno judeu a oportunidade de viver sonhos incríveis –. Eu prometo... — acolheu

o garoto, abraçou-o como um pai, fortaleceu o abraço quando gritos e disparos

puderam ser ouvidos.

Devastação.

Foram surpreendidos.

Os Aliados estavam mais próximos do que o esperado, pela previsão

chegariam logo pela manhã, a limpeza precisava acontecer, nenhum injustiçado

Page 380: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

380 Capítulo 74 – Devastação

poderia sobrar, todos tinham que morrer e o impossível se tornou ordem: apagar a

história.

Henrique, perceptivo, correu até a porta de ferro, espiou pelas frestas

estreitas, viu devastação.

— Estão dispostos em salvarem suas vidas e daquelas que amam? — lançou a

pergunta desafiadora.

É claro que estariam, sempre lutaram por tal objetivo, não seria agora que

desistiriam.

— Então preparem-se — com a ajuda de Luís, que compreendera o seu olhar

apreensivo e o discreto anúncio de um plano, Henrique derrubou a porta, abriu

passagem, a luta entrava em sua fase mais difícil.

— Esconda-se com ele! — antes de partir, Sebastian encarou o velho amigo

com seriedade e convicção, encarou-o precisando convencê-lo de suas palavras —.

Noah precisa de você, precisa do seu carinho, do seu amor e da sua proteção, é o

único que pode fazer esse garoto feliz, é o único que pode garantir a ele um futuro

livre de quaisquer traumas, essa é a sua missão!

Sentindo a indefesa criança buscar segurança em si, Abner deu razão ao

breve discurso, embora quisesse ajudar, lutar ao lado dos destemidos, tinha

conhecimento de que seu compromisso só seria cumprido quando visse Noah

realizado em seu futuro.

— Quero que se cuide... — abraçou o nobre alemão, abraçou o mais forte que

pôde, os passos a seguir seriam perigosos e decisivos, como em um campo minado —.

Quero que esteja de volta conosco, também precisamos de você... — não pôde mais

esconder as lágrimas apreensivas e conturbadas.

— Nunca se esqueça de que fomos como irmãos independentes do que

dissessem... — o jovem Sebastian sentiu medo, medo pelo porvir, medo pela missão,

medo pela árdua batalha —. Eu nunca me esquecerei de tudo que representou para

mim... — chorou como um menino que se separa de seus pais, de sua família, das

pessoas mais queridas —. Promete que cuidará de Eva e de minha mãe? — precisava

fazer aquela pergunta, precisava demonstrar o medo que sentia.

O coração de Abner se despedaçou, talvez aquilo fosse uma despedida, a

que jamais sonhara em ter.

Page 381: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

381 Capítulo 74 – Devastação

— Claro... — voltou os olhos ao rosto que corria o risco de não contemplar

jamais —. Mas nós cuidaremos...

Sebastian apenas sorriu, não queria alimentar esperanças que não possuía.

Abaixou-se, abraçou o garoto que conquistou também seu coração.

— Cuida dele por mim?

Noah se lançou ao pescoço do soldado, derramou suas finas lágrimas e

anunciou seu sentimento:

— Cuidarei dos dois porque os amo!

Saber que conquistou o puro amor de uma criança alegrou aquele apreensivo

espírito que seguiu o seu caminho e ouviu uma última declaração:

— Sabe que também mora em meu coração... — Abner não guardaria aquilo, se

nunca dissera aquela era a oportunidade, sempre amou o irmão do coração.

— Foi o irmão que não tive... Estaremos sempre unidos por isso... — partiu em

sua missão.

Mais rápido do que imaginavam a guerra chegava ao fim.

Mais ligeiramente do que esperavam o tormento terminava.

Page 382: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

382 Capítulo 75 – O Inesperado

Capítulo 75 – O Inesperado

Mulheres choravam, anunciavam aos prantos o que seus assustados olhos

contemplaram, a visão fora horrenda, o presságio era angustiador.

— Se ficarmos aqui esperando alguma solução aparecer morreremos como

covardes — Ana, a mais valente do grupo, revelou o seu plano —. Precisamos fugir,

arriscar, se morrermos seremos lembradas como heroínas! — foi convincente.

— Está bem... — Eva se colocou em ataque —. Precisamos fazer a nossa parte!

Vestiram-se de coragem.

Sobre anúncios do quão insano poderia ser tão corajosa decisão, deixaram o

quarto ao qual foram confinadas, guiaram-se pelos cantos escuros, a passos ágeis,

contudo silenciosos, ainda que seus corações estremecessem suas almas tinham por

objetivo a vitória.

Precisavam escalar as grades, pular os consideráveis metros de altura e

estariam livres.

— Vão vocês! — Isabel mudou de ideia —. Salvem suas vidas! — deu início aos

passos desistentes.

— Passamos por coisas piores, por que desistir agora? — Eva interrompeu a

mão, encarou-a com firmeza, precisava convencê-la de uma ação diferente.

— Se for pela altura não precisa se preocupar, vamos ajudá-la — Dalia deu sua

contribuição.

— Para que alguns sobrevivam outros precisam se sacrificar — respondeu

convicta em seu discurso —. Alguém deverá retardar os passos de Manfred, distraí-

lo enquanto o restante parte para uma paz eterna e duradoura — sua intenção era

boa, mas não concordava com a dos demais, só alcançariam êxito se todos se

salvassem —. Ele se contentará em me punir, sei disso, então corram!

— Não vamos a lugar algum se não tivermos a sua companhia — uma voz

inconfundível soou às costas de Isabel que precisou virar o rosto e ver do outro lado

das grades aquele que sempre foi o seu grande amor e que para sempre o seria —.

Se quiser morrer, morreremos todos!

— Não podem contestar a minha escolha... — seus olhos lacrimejavam, enchiam-

se d’água, é claro que não queria seguir tal caminho, por toda uma vida imaginou um

Page 383: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

383 Capítulo 75 – O Inesperado

futuro repleto de boas coisas, mas por amor estava disposta em se renegar aos

próprios sonhos.

— Todos sabemos que essa não é a sua escolha, sempre estivemos juntos,

enfrentamos a tudo juntos e será assim, juntos, que venceremos esse inferno! —

Sebastian discursou enérgico e filosófico —. Agora ultrapasse esse obstáculo e

nos permita à vida que sempre almejamos!

Palavras certeiras.

Ações condizentes.

Tão logo foi acolhida pelo irmão, a jovem alemã perguntou por aquele que

muito amava, olhava ao redor e não o encontrava, a preocupação surgia rapidamente,

não poupava o desespero, a angústia.

— Vamos nos encontrar com ele... — o valente rapaz confortou a doce irmã,

consolou seu espírito aflito —. Mas antes de partirmos saiba que sempre a amei... —

abraçou-a com ternura, sentia vontade de esbanjar o seu amor para todos.

— Sabe que também o amo, mas por que diz isso? — naquele abraço apertado

Eva sentiu o coração se apertar, não teve forças para conter o choro e nem poupou

forças na união dos corpos, sentia coisas estranhas, inexplicáveis, indesejáveis.

— Há momentos que precisamos dar voz ao coração — sua breve resposta

deixava uma bela mensagem.

Seguiram com o plano.

Em meio ao furdúncio que tomava conta do campo de concentração cruzaram

a saída.

O inesperado.

— Aonde pensam que vão? — a voz ardilosa soou fria, soou cheia de perversão

—. Acham mesmo que sairiam do meu território vivos? — encarava os olhares

nervosos e confusos, seu semblante era tomado por zombaria —. Se não informei

antes digo agora, eu sou a morte! — sua insanidade o consumia e atingia inocentes.

Em situações inesperadas, como o próprio nome sugere, não há planos de

contorno, não há ideias de escape, simplesmente exigem um enfrentamento ágil, por

mais difíceis que sejam apenas querem respostas.

Page 384: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

384 Capítulo 75 – O Inesperado

Não esperavam que fossem pegos, em suas mentes consideravam que tão logo

fugissem estariam livres por todo o sempre, afinal, os Aliados se aproximavam a

passos largos anunciando o fim de uma guerra brutal e a derrota de um país

governado por prepotentes, o que resultaria no término de todo o poderio de

Manfred Hoff.

No entanto estavam frente a frente com o inimigo, cercados pelo perigo que

dele emanava, era uma criatura imprevisível, não existiam modos para que seus

passos fossem calculados, tudo poderia acontecer naquela noite desastrosa.

— Vão ficar parados me olhando feito estátuas? — provocou —. Podem

começar com as desculpas, podem me divertir com suas derradeiras palavras! Fui

misericordioso ao extremo, poupei-os ao máximo, mas agora cansei de ser desafiado,

hoje verão o tamanho da minha capacidade!

— Não, não hoje e nem nunca mais! — Sebastian deu um passo à frente, seus

olhos ferviam em raiva, sua alma clamava por justiça —. Sabe que está sozinho,

enquanto seus homens se atarefam por essa matança nojenta você sucumbe à

própria arrogância e tenta provar seu inútil poder, acabou, somos mais e somos

sedentos por vingança!

— Belas colocações, meu querido bastardo, se usasse a inteligência que

possui teria sido um poderoso nazista — tirou o paletó e o jogou sobre a terra

empoeirada, testemunha de sangues ali vertidos —. Sei que do que falou, mas

também sei do quão honrados almejam ser, do quão justos querem parecer, se

lutassem todos contra mim estariam se comportando como eu, estariam usando de

oportunismos e cultuando aos meus valores — sorria vencedor, sorria malicioso —.

Se são tão diferentes farão com que aja justiça e aceitarão uma luta entre mim e

Maik — lançou a oferta perigosa —. Quem vencer ganha o prêmio: sobrevivência! —

sua astúcia nunca terminava, não tinha limites, sempre era capaz de surpreender e

construir caminhos sem saída.

Ignorou os murmúrios.

Ergueu a cabeça.

Caminhou avante a passos firmes.

Maik Müller enfrentaria, pela última vez, o homem que mais odiava.

Page 385: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

385 Capítulo 75 – O Inesperado

— Sua proposta é uma ordem! — estava diante a mais desprezível das criaturas

—. A última ordem que dará! — ameaçou.

— Sua ameaça soa como uma sentença — houve resposta —, a da sua morte!

Sem árbitro. Sem regras.

Manfred desferiu o primeiro golpe, passou a rasteira em seu rival, derrubou-o

sobre o solo e não tardou em dominá-lo com força. Maik não era qualquer presa, o

ódio o deixava mais forte que o comum, mais frio que o normal, soltou-se dos braços

nojentos e agarrou o alemão presunçoso na garganta, pressionava com força, com

ira, como se desejasse esmagá-la com os próprios dedos.

Mas não era aquela morte que planejava.

Queria abrir a cabeça daquele monstro.

Ágil, o opositor aos ideais nazistas inverteu as posições, virado para si deixou

o prepotente ajoelhado, manteve a asfixia com uma das mãos, a livre se encarregava

pelas furiosas agressões contra o rosto que queria deformar, deixar irreconhecível,

destruir de sua memória. Maik era forte e tão frio quanto os seus inimigos.

A morte se aproximava do capitão da SS que a sentia anunciar sua chegada

enquanto se banhava pelo próprio sangue, mas não queria morrer, ao menos não

morreria sem levar alguém consigo. Debatendo-se e sentindo a dor cada vez mais

insuportável, encheu a mão de terra, usou seu recurso covarde, provocou a ardência

desesperadora nos olhos de Maik.

Não havia tempo para que se recobrasse.

Não havia tempo para se aliviar das dores.

Sabia que tinha trapaceado, percebeu que a briga seria comprada pelos

demais.

Tirou da calça a faca flamejante, invejavelmente afiada, indiscutivelmente fatal.

O pescoço de seu inimigo estava vulnerável à sua loucura.

— Finalmente! — encarava o adversário com prazer, com orgulho pelo que faria

em poucos instantes –. Sua desgraçada história termina aqui!

— Não enquanto eu viver! — o disparo de um fuzil, forte armamento, deixou

Manfred em alerta, interrompeu suas ações e procurou quem o tinha na mira,

divertiu-se ao ver Isabel.

Page 386: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

386 Capítulo 75 – O Inesperado

— Você?! — gargalhou incrédulo —. Vai mesmo tirar a vida de um ser humano?

Vai mesmo tomar para si o título de assassina? Vai mesmo sujar as mãos de sangue?

Vai mesmo... — sua boca sangrenta foi calada pelo disparo que passou diante os

seus olhos, era um aviso.

— Solte ele ou o próximo será em você! — não tinha alternativa, se quisesse

seguir com seu propósito teria que obedecer, tirar as mãos do homem que mais o

irritou, poupar a vida de quem mais queria aniquilar —. Dê meia-volta e siga em frente!

— Isabel, farta de tudo que vivera, planejava o ponto final para a indigna história de

uma personagem tão audaz —. Se não quiser morrer faça o que eu mando!

O ardiloso alemão obedeceu.

Previa o futuro.

Morreria.

Mas não partiria sozinho.

Levou a mão ao bolso, desenhando nos lábios cortados um sorriso psicótico

sacou o revólver, destravou o que impedia os gatilhos e se voltou aos seus inimigos a

passos ligeiros.

Disparos certeiros.

Tão logo percebera a desobediência do ex-marido, Isabel disparou

compulsivamente contra o ordinário homem, atravessou seu corpo com quantas

munições pôde.

Tão logo ouvira os ataques, Manfred disparou sem piedade alguma contra

alguém especial.

Seu corpo ensanguentado, cheio de hematomas, rasgos e furos, tombou sobre

o pó da terra. Seus olhos ainda viam e seu corpo sentia a aproximação de alguém

até que desfalecesse, mas sua alma ainda vivia.

— Eu sou a recompensa pela maldade, eu sou o mais terrível dos castigos, eu

sou a prisão eterna e invencível — soava a voz sombria, o alemão via vultos vestidos

de preto ao seu redor, a lua se vestiu de negritude –. Eu sou os gritos de dor, eu sou

as lágrimas de angústia, eu sou o suor do desespero, eu sou a ardência do pavor, eu

sou o desejo das almas afligidas e sedentas por justiça – a voz se materializou em um

Page 387: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

387 Capítulo 75 – O Inesperado

ser enegrecido, vestido de trevas, envolto de terror —. Manfred Hoff, enquanto

pôde instaurou seu poderio, mas ele termina aqui porque o prenderei no inferno de

onde jamais sairá! — tornou a escuridão em lugar sem fim, de tormento insuportável —.

Eu, sim, sou a Morte! — o espírito sujo foi tragado pelo Hades, nunca mais

incomodaria alguém, para sempre seria atormentado.

Mas a maldade de Manfred ainda possuía resultados.

Sebastian caiu.

Page 388: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

388 Capítulo 76 – Herói

Capítulo 76 – Herói

Não vestem capas.

Não se escondem atrás de máscaras.

Não vivem em um mundo paralelo nos observando.

Os verdadeiros heróis estão no meio de nós.

De um lado o cadáver desprezado, do outro o jovem alemão que desfalecia,

falava com dificuldade, rodeado por pessoas que o admiravam, que o tinham por

querido, que o amavam.

Isabel, tão logo atacara o homem que muito mal lhe causou e vira o tão

benquisto filho sofrer uma grave injustiça, correu ao encontro de Sebastian,

repousou sua cabeça em seu colo e acolheu as mãos que perdiam a vida, lembrou-se

de quando o abraçara pela primeira vez, quando o pegara em seus braços na

intenção de defendê-lo do mundo, de protegê-lo com todas as suas forças, naquele

momento de dor não pôde conter as lágrimas, dessa vez de imensa tristeza.

— Meu filho... — pressionava-o contra si, via o sangue ser derramado, via a

preciosa vida terminar —. Não quero que vá... — de que adiantaria suplicar em nome

de um desejo tão nobre e sentimental? Não estava em suas mãos o poder sobre a

vida —. Não pode nos deixar...

O valioso rapaz desenhou um sorriso doce e sensível no semblante alegre, não

parecia abatido, frustrado, nem irado, estava em paz como se seu dever fora

cumprido, sua missão alcançada e agora estava pronto a receber o prêmio por sua

bravura.

— Mãe... — a voz soava frágil, não tinha mais a energia juvenil, a audácia de um

guerreiro, o que guerreava pelo amor —. Nós conseguimos! Nós vencemos...

Que dor. Que melancolia. Que raiva.

A mulher alemã colocou um sorriso orgulhoso no rosto, mas o choro de aflição

se manteve inesgotável.

— É, meu querido, nosso sonho foi alcançado...

— Meu irmão... — compreendendo que aqueles minutos eram os de uma

despedida, Eva ajoelhou-se ao pó da terra, uniu-se à sua família naquela hora

Page 389: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

389 Capítulo 76 – Herói

indesejável —. O que posso dizer? — também chorava, passeava os delicados dedos

pelo rosto que irradiava vitória, a vitória de um vencedor. Mesmo com tanta ira pela

consequência fatal da maldade de um ser horripilante seu coração conseguia sentir

orgulho, orgulho por ter em suas veias o sangue de um valente, alguém inspirador —.

Quero que saiba que sempre foi importante para mim e que sua história será

lembrada com respeito e veneração... — não acreditava que soava tal fala, que

discursava tais palavras, que se despedia de alguém tão puro, bom, inocente.

— Você é uma pessoa deslumbrável, com tantos motivos para desistir insistiu

em um amor perigoso, mas que lhe garantia felicidade, nunca deixe de lutar por esse

precioso tesouro, se a felicidade possui um preço já sabemos como comprá-la — nem

em seus últimos instantes deixava de filosofar, de falar sobre o amor, mesmo diante a

injusta circunstância mantinha sua fé no único sentimento capaz de salvar o mundo

de ações petulantes, egoístas e desumanas.

Ouvir um elogio tão sincero quanto aquele encheu o coração de Eva de

alegria, convencia-se do pior, já sentia saudades daquele que compartilhava os

melhores pensamentos, as mais belas palavras.

Quando imaginou que tinha um filho? Quando passou por sua mente tão

agradável possibilidade? Jamais. Fato era que Maik tinha um filho, o melhor do

mundo, o que o enchia de orgulho.

— Meu garoto... — prostrou-se no chão acariciando os loiros fios daquele que

tinha um pouco de si, pensou nas tantas coisas que perdera de viver com aquele

rapaz, nas descobertas que juntos fariam, nas aventuras que juntos desbravariam,

mas o tempo que passaram juntos fora o suficiente para ter a certeza de que aquele

jovem alemão valia ouro —. Precisa saber mais uma vez que se eu soubesse a verdade

faria o impossível para que hoje não estivéssemos aqui, entregaria a minha vida a fim

de vê-lo livre para espalhar esse amor tão genuíno que carrega no peito... Nunca

conhecerei alguém tão especial...

Ainda mais fraco, sentindo o corpo perder qualquer sensibilidade, entregar-se

a um descanso eterno e merecedor, Sebastian ainda declarou aquilo que o pai

precisava ouvir.

— Talvez esteja se culpando, mas nada acontece por acaso, se as coisas

fossem diferentes poderia ser que nunca nos conhecêssemos, tudo isso nos traz algo

Page 390: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

390 Capítulo 76 – Herói

bom, tivemos a oportunidade de convivermos, de lutarmos um ao lado do outro e

termos a certeza de que, no fundo, sempre fomos uma família... — os olhos

lacrimejavam, o herói precisava partir.

Mas não poderia seguir seu destino sem a última despedida.

Uma criança emotiva e sentimental correu ao seu encontro, gritava o seu nome,

não hesitou em abraçá-lo, um abraço forte, cheio de afeto, um abraço de despedida,

na verdade, mas que nunca seria esquecido pelo pequeno Noah que um dia

cresceria, tornar-se-ia adulto e teria como exemplo aquele que o ajudou quando

muito precisou.

Logo atrás um rapaz choroso, frustrado, que não conseguia acreditar no

desfecho daquela história, que passara a compreender as últimas palavras de seu

melhor amigo. Abner se aproximou, abatido, abraçou-o sentimental, era seu dever de

amigo estar ao lado de Sebastian em todas as horas, até mesmo na pior.

— Obrigado por tudo... — também devia gratidão —. Por tantas vezes arriscou

sua vida por minha causa, nunca me deu as costas, não acreditou que devia me odiar,

antes passou por cima de qualquer ordem e continuou me chamando de irmão...

Tudo que posso fazer é ser eternamente grato...

O coração de Sebastian se apertou, deixaria o grande amigo para trás, seria

obrigado em ir na frente.

— Faria tudo outra vez... — enfraquecia-se cada vez mais —. Não estamos

dizendo adeus, acredite, um dia nos reencontraremos... — era uma promessa.

O jovem judeu chorou amargamente. Poderiam chamá-lo de egoísta, mas não

queria perder alguém tão importante.

Assistindo àquela cena Henrique não pôde conter a emoção, conhecia tal dor

e a revivia.

Todos se emocionavam. Não estavam preparados para aquele fim, a intenção

sempre fora salvar a todos.

Mas o herói precisava partir.

Cercado por amor, cercado pelas pessoas que mais o amavam, Sebastian

fechou os olhos, seu sorriso permaneceu, seu rosto se inclinou para o lado, seu

corpo já não abrigava o bom espírito que sempre carregara.

Deixando saudade e tristeza o herói partiu.

Page 391: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

391 Capítulo 76 – Herói

Um herói partia, mas outros chegavam. Os exércitos Aliados tomaram a

Alemanha, invadiram o terrível campo de dor e tortura trazendo a liberdade àqueles

que já não se lembravam do seu significado.

A guerra terminara.

Chovia.

O céu derramava suas pesadas e intensas lágrimas.

A Terra perdia um herói.

Os olhos avermelhados denunciavam os corações confusos, perdidos,

corações que se sentiam injustiçados, sentiam um vazio insuportável.

Ao redor da urna choravam, homenageavam alguém merecedor de muitas

honras.

— Não vestem capas. Não se escondem atrás de máscaras. Não vivem em um

mundo paralelo nos observando. Os verdadeiros heróis estão no meio de nós.

Tivemos a oportunidade maravilhosa de vivermos com um deles — quem discursava

era Abner, o bom judeu que se dispôs a falar por todos, a dar voz aos corações, a

prestar sua última homenagem para quem amava —. Ainda que doesse, que ardesse,

que machucasse, Sebastian nunca deixou de acreditar no amor e de lutar por ele, ia

além, ajudava-nos a lutar por esse tesouro que nos deixou. Suas palavras eram

amáveis bem como as ações, sua integridade nunca se corrompeu e seus preceitos

jamais foram manchados, mesmo que ameaçado, defendeu o ser humano, agiu como

um herói — discretas lágrimas rolavam por seu rosto, a saudade era sufocante —.

Talvez possamos nos indagar quanto ao porquê, nunca encontraremos respostas

pois não está em nós explicá-las, nosso dever é mantê-lo vivo dentro de nós, é

guardarmos aquilo que juntos vivemos... Sebastian se foi, deixou avisado que vamos

nos reencontrar, mas enquanto esse dia não chega vamos amar e lutar por um mundo

melhor, esse era o seu desejo, seu legado, baseado nisso agiu heroicamente!

Sebastian recebeu aplausos... Merecidos e dignos aplausos.

Page 392: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

392 Capítulo 76 – Herói

Não vestem capas.

Não se escondem atrás de máscaras.

Não vivem em um mundo paralelo nos observando.

Os verdadeiros heróis estão no meio de nós.

Page 393: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

393 Capítulo 77 – Retorno

Capítulo 77 – Retorno

O mundo estava em festa.

Uma guerra devastadora, injusta e fria chegava ao fim dando lugar à sensação

de paz, segurança e amor.

O Brasil comemorava.

O Rio de Janeiro esperava ansioso pelos seus valentes guerreiros, não se

falava em outra coisa a não ser no heroísmo de brasileiros solidários.

— Finalmente esse pesadelo acabou! — Carol não se aguentava de alegria,

tamanha era a emoção que sentia, os olhos felizes não continham as lágrimas de alívio

e esperança, muito em breve teria ao seu lado o homem de sua vida —. Mal posso

esperar para que conheça o seu pai! — na orla da praia, a boa mulher ajudava seu

pequeno filho na construção de um castelo, sentia-se recompensada por toda a

aflição tendo a certeza de que em poucos dias junto a eles estaria o nobre Henrique

—. Nossa família estará completa!

Mas aquela tarde agradável de outono guardava surpresas indesejáveis.

Pessoas desesperadas começaram a se movimentar, deixavam para trás os seus

pertences e corriam em busca de sobrevivência, um homem fortemente armado

andava por ali.

Carol se assustou. Pegou o filho na certeza de protegê-lo, antes que pudesse

apertar os passos ouviu um disparo covarde e perigoso. Precisou parar. Sentiu a

aproximação de alguém. Uma mão firme pousou sobre seu ombro.

Vagarosamente, trêmula e receosa, a carioca se virou para trás, encarou os

olhos verdes que a fitavam rigidamente, ela era o alvo. O alemão apenas gesticulou,

apontou para a criança que nada compreendia, exigia tê-la em suas mãos.

A mulher aflita balançou a cabeça, pedia por misericórdia, sentia seu coração

arder. Tentou retroceder para escapar, mas seu opressor não estava disposto em

falhar na missão e nem queria mais delongas, puxou a frágil presa para perto de si,

fechou suas narinas com um pano umedecido por substância tóxica, deitou-a sobre a

areia e alcançou seu objetivo: fugir com o filho de Henrique.

Page 394: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

394 Capítulo 77 – Retorno

[Berlim, Alemanha – 1945]

Dizem que a ocasião faz o ladrão, mas é ela que também cria amizades antes

inimagináveis, une pessoas de lados opostos do planeta e escreve uma história

completamente diferente para o futuro.

Reunidos, despediam-se, agradeciam um ao outro pela ajuda e prometiam que

nunca se separariam.

— Se não fosse por vocês não teríamos conseguido — Maik declarava sua

gratidão à Ana, Henrique e Luís, o trio destemido que fez possível um sonho

inacreditado —. Agora estamos em paz, livres para vivermos unidos, superarmos as

marcas do passado cruel e construirmos um novo amanhã... A ajuda foi de grande

valia!

— Gostaríamos de termos feito mais, na verdade desejávamos que todos

conseguissem a vitória e não pensaríamos duas vezes antes de prestarmos o nosso

apoio — Henrique compreendia o motivo que o levou àquele lugar, a razão pela qual

perdera um amigo querido, sua missão sempre fora ajudar aquelas pessoas, íntegras

em suas almas, puras em seus corações —. É honroso saber que fizemos parte de

uma história inspiradora!

— No fundo fomos nós os ajudados — Luís manifestou seu pensamento —.

Chegamos aqui sem expectativas, mas tão logo soube a barbárie praticada nasceu

em meu coração a vontade por mudar o futuro, sei que não fiz tanta coisa, mesmo

assim me orgulharei em contar a todos que ajudei a parar uma crença indigna.

— Além disso, nunca precisarão agradecer uma ajuda ao ser humano, o que

fizemos foi ajudar os nossos semelhantes — Ana, uma verdadeira heroína,

conquistara além de um amor, a confiança de que precisava, a certeza que saiu a

procurar: era capaz.

— Mesmo assim, são grandes heróis e trouxeram a felicidade — Isabel, ainda

abatida pela separação dolorosa que jamais deixaria de incomodar, também era

grata, valorizava a ajuda recebida, tinha a convicção de que sozinhos nada teriam

feito —. Não se sintam insuficientes pelo que aconteceu, foi uma fatalidade...

Page 395: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

395 Capítulo 77 – Retorno

— Se estivesse conosco Sebastian diria que estava emocionado por enxergar

a bondade dos homens e faço destas as minhas palavras — Abner se lembrou do

filósofo e bom amigo —. Vão para casa tendo a certeza de que nunca nos

esqueceremos de sua bravura!

— E se precisarem de qualquer coisa contem conosco — Eva prometia uma

amizade eterna.

— E comigo também! — cheio de sentimento, o pequeno Noah abraçou os

brasileiros, deixou em cada um o recado sobre o real significado daquela missão:

ajudaram a limpar as sombras, permitiram que crianças inocentes vivessem um digno

futuro.

O navio soou a buzina.

Era hora de partir.

O trio exemplar adentrou a embarcação, acenavam aos amigos conquistados,

de peito aliviado e espírito leve deixariam a Europa com a sensação de dever

cumprido: partiam, mas deixavam a paz.

Em pouco tempo estariam de volta em casa, estariam de volta nos braços

daqueles que amavam.

Poucos dias depois de uma viagem cheia de expectativa e ansiedade, o navio

atracou em solo brasileiro, rodeado por uma multidão que fazia festa, esperava

ansiosa pelos seus heróis. Pais aguardavam por seus filhos, amantes ansiavam por

abraçar o motivo de tanto amor e amigos leais não conseguiam esconder a emoção

que era rever aqueles que partiram sobre lágrimas e retornavam sobre sorrisos.

Ana e Luís, ao descerem da embarcação, espantaram-se, eram aguardados

por improváveis figuras, estavam frente a frente ao passado.

A mulher arrependida se desvestiu do próprio orgulho, durante todo aquele

tempo desconstruiu a arrogância que transmitia, sentiu medo em não ter a

oportunidade de se reconciliar com alguém que não merecia a humilhação por ela

garantida. Ofélia abraçou a filha, beijou-lhe a face, chorava contente.

Page 396: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

396 Capítulo 77 – Retorno

— Graças a Deus! — não parecia a mulher de antes —. Precisei encarar uma

realidade violenta para perceber que sempre a amei, para me envergonhar de ter sido

tão ignorante... — seus olhos eram sinceros, suas palavras eram verdadeiras —.

Contei as horas, eu precisava estar aqui quando chegasse, precisava recebê-la e

dizer que estou arrependida — em um gesto desesperado se ajoelhou sobre o pó,

precisava se humilhar, desejava remissão —. Quero que me perdoe por não ter

valorizado uma filha que vale ouro, que possui um nobre e valente coração, que tem

coragem o bastante para enfrentar as dificuldades...

Nunca, por toda a vida, sentiu-se amada por aquela que se rastejava aos seus

pés, mas naquele momento sentiu o amor, contudo possuía seus ressentimentos,

talvez não pudesse perdoar, no entanto conhecia as consequências do ódio,

conheceu de perto a destruição que um coração duro é capaz de causar. Ergueu a

mãe, abraçou-a com ternura, é claro que a perdoaria, deixaria o passado no passado.

Luís, por sua vez, estava perante o homem que disse se envergonhar por tê-lo

como filho, o homem que lhe causou traumas persistentes e dolorosos. Pensou que

era o mesmo, colocou-se em posição de respeito, aguardaria as prováveis rígidas

palavras.

— Nunca me arrependi de sequer uma atitude, em muitas vezes não aceitei que

estava errado, mas seria um homem desprezível se não voltasse atrás em minhas

ações injustificáveis e pedisse o seu perdão — Raul, emocionado pela vitória do filho,

não possua o semblante sério de sempre, transmitia compreensão pelo olhar, orgulho

ao falar —. Fui tolo, quis que ou invés de criança se comportasse como um adulto e,

mesmo que já grande, não merecia ser julgado ou zombado pelos seus medos, era

meu dever ajudá-lo a vencê-los, mas tudo que fiz foi aumentá-los — estendeu a mão —

. Pode me perdoar?

O bom soldado conhecia aquele homem, enxergou sinceridade em seu rosto e

percebeu sentimento em seu coração, ignorou a mão estendida, deixou de lado a

compostura constantemente cobrada e trouxe para um abraço fraterno aquele que

nunca deixou de amar. O perdão sempre existiu, agora o futuro também existiria.

Page 397: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

397 Capítulo 77 – Retorno

Os olhos agitados de Henrique procuravam ao redor por alguém especial, seu

coração acelerava a cada segundo, não aguentava mais a demora. De repente ouviu

seu nome ser gritado, por entre tanta gente alguém corria ao seu encontro, as malas

caíram sobre o chão, um abraço forte o envolvia.

Seu coração estava em festa. Depois de tanto tempo de angústias e

incertezas estava ao lado da mulher que nunca saíra dos seus pensamentos, sentia o

perfume cujo aroma nunca esqueceu, sentia seu coração palpitar através do

encontro entre os corpos.

A distância fora rompida.

Estavam juntos outra vez.

Carol envolvia o nobre guerreiro como se tê-lo de volta em seus braços fosse

tudo o que lhe restava, abraçava-o para saciar a angustiante saudade que nunca se

foi, pelo contrário, a cada dia aumentou ao ponto de parecer insuportável. Passava a

mão em seus cabelos, em seu rosto, queria ter a certeza de que não era um sonho.

Era realidade. A melhor de todas. Lágrimas corriam pelo seu rosto.

Mas Henrique conhecia a esposa, sabia que aquele choro não era apenas de

contentamento, também possuía dor.

— O que houve? — sentiu a falta de alguém que tanto almejava conhecer —.

Onde está o nosso filho?

Silêncio.

Doloroso silêncio.

Revelador silêncio.

Page 398: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

398 Capítulo 78 – Inevitável Amor

Capítulo 78 – Inevitável Amor

[Berlim, Alemanha – Setembro de 1945]

A Europa se reerguia das cinzas, ressurgia do pó, reescrevia a história,

tomava novos rumos, tentava deixar o passado para trás, ele deveria ser lembrado

apenas como alarde sobre o poder destruidor que o homem possui em suas mãos.

Famílias continuavam suas vidas, honravam aqueles que perderam buscando a

paz de espírito e a felicidade da alma, sem dúvidas era o desejo daqueles que

partiram sem nem ao menos declararem um doce e doloroso adeus.

A vida seguia o seu fluxo, com respingos do que se foi e anúncios do porvir.

Era um dia muito especial àquela família que passara por tantas afrontas,

dores, mas que se manteve em pé mediante o amor compartilhado, semeado e

mantido. Era um dia de festa, de comemoração por uma apaixonante conquista. Era

o dia que oficializaria a vitória sobre qualquer discurso de preconceito.

— Como se sente, meu querido? — Dalia, cheia de orgulho, ajudava o querido

filho a ajeitar o paletó, conhecia-o pelo olhar, conseguia ver a ansiedade que o

tomava.

— Esplêndido! — os olhos do valente judeu irradiavam felicidade, seu sorriso

aberto e simpático denunciava o tamanho de sua satisfação, um belo sonho estava

prestes a se concretizar —. Será mesmo verdade? — às vezes a realidade é tão

maravilhosa que se assemelha aos nossos melhores devaneios.

— A mais pura! — a boa judia compartilhava daquela alegria, a conquista de

Abner recompensava sua dor, a dor de não ter notícias do marido, a dor de estar

separada do homem que tanto amou e que para sempre amaria —. Se seu pai

estivesse conosco também se sentiria orgulhoso, o nosso garoto é mesmo um

maravilhoso homem, Eva terá sorte por tê-lo como marido!

— Talvez ele não concordasse... — encarando-se no espelho enquanto

aprumava a gravata, o rapaz se lembrou do amado pai, a saudade invadiu seu peito,

como desejava tê-lo ao seu lado naquele dia tão especial —. Sabemos que não era

Page 399: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

399 Capítulo 78 – Inevitável Amor

da sua vontade, entendo que era preocupação, mas gostaria muito que estivesse

conosco e visse que estou fazendo a coisa certa...

— E estou... — a inconfundível voz soou naquele quarto, penetrou nos ouvidos

e tocou os corações, aquele dia ficava a cada segundo mais e mais inesquecível.

Lágrimas de espanto e alegria.

Abraços que encurtavam distâncias e matavam saudades.

A família estava reunida.

Tantas perguntas, tantas curiosidades, tinham tanto a conversar e descobrir,

esqueceram-se do tempo, atentaram-se apenas ao retorno de um homem amado.

— Teremos muito tempo ainda, mas o casamento não espera — o sorridente

Dov planejava um diálogo tranquilo, mas antes queria ver o filho subir ao altar e

firmar um compromisso com o amor —. Resumidamente, estive preso em um

esconderijo longínquo, tão logo a morte de Hitler chegou aos nossos ouvidos nos

enchermos de coragem e fugimos, corremos atrás de nossa sobrevivência e cá estou

eu...

— Tinham mais? — sentimental, Dalia indagou.

— Sim, mas não importa... — romântico, beijou a testa da querida esposa, nem

acreditava que estava de volta —. Hoje é dia de festa! — trouxe o filho para o abraço

—. Nosso garoto já é um homem! — orgulhava-se.

Aos poucos, a Alemanha se reerguia.

O ânimo voltava a cada cidadão.

— Lembra-se de quando éramos jovens e sonhávamos com o nosso casamento?

— em frente ao espaço cheio de belas decorações, Isabel era acompanhada pelo seu

grande amor —. Nem acredito que a minha filha está vivendo esse sonho com alguém

que realmente ama... — suspirou cansada, o passado ainda se fazia presente.

— E nós também viveremos o nosso... — Maik trouxe de encontro aos seus os

olhos da elegante alemã, uma mulher que morava em seu coração, que conquistara

seus melhores e mais grandiosos sentimentos. Levou a mão ao bolso do paletó e

revelou uma caixinha delicada, abriu-a e revelou o reluzente anel —. Não tivemos a

oportunidade quando mais jovens, mas também não somos tão velhos e, mesmo que

Page 400: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

400 Capítulo 78 – Inevitável Amor

fôssemos, esperaria pela eternidade para pedi-la em casamento — ajoelhou-se

diante Isabel, encarava-a apaixonado, extasiado por sua beleza, desejoso por sua

duradoura companhia —. Isabel, aceita ser a mulher que me fará o homem mais feliz

deste mundo? Aceita ser a minha esposa?

A doce alemã não conteve a alegria, dentre perdas e dores ganhava a

oportunidade de ser feliz, de continuar a sua vida ao lado de quem sempre quis, como

sua esposa.

— Esse pedido idealizei desde quando o vi pela primeira vez e o aceitei há

muito tempo — por entre as lágrimas, um sorriso exuberante, um coração apaixonado

—. É claro que quero ser a sua esposa, é claro que quero fazê-lo feliz e é claro que

para sempre o amarei!

Beijaram-se cheios de desejo.

Desejavam um amor eterno.

E o alcançavam.

Os convidados se colocaram em pé.

A marcha nupcial anunciava a chegada da noiva.

Eva, em seu vestido branco, exibindo seu penteado delicado e seu semblante

realizado, dava passo por passo ao encontro do jovem judeu, vê-lo aguardando por

sua chegada feriu sua alma, era um sonho que se realizava, pensamentos que

deixavam o imaginário e se integravam ao real. Suas pisadas eram sutis, caminhava

graciosamente, como uma princesa, como se as nuvens lhe fossem por chão.

Abner, como um nobre e cobiçado cavalheiro, admirava a beleza de sua noiva,

considerava-se sortudo por ter conquistado o coração, o amor de uma moça tão bela

que lhe causava um misto de paixão, de desejo, de carinho. Diziam que quanto maior

a luta melhor é a vitória, nunca tal dizer fez tanto sentido como naquele dia, o mais

feliz da vida do bom judeu.

Os dedos se tocaram.

Os olhares se cruzaram.

Os sorrisos foram trocados.

Eram amantes.

Page 401: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

401 Capítulo 78 – Inevitável Amor

— O que falar do amor? É possível definir esse sentimento tão confuso? — o

casamenteiro começou seu discurso —. Temo que não, porque ele é a essência da

alma, algo que não vemos, não tocamos, não levamos de um lado para o outro, não

carregamos do nosso lado, mas o sentimos dentro de nós, sofremos e nos alegramos

por ele, desistirmos e persistimos em seu nome... O amor é capaz de salvar o mundo,

Cristo morreu por amor, logo esse nobre tesouro é complexo demais para que

simples humanos, como nós, tenham a audácia em tentar defini-lo... Ao invés de nos

preocuparmos com significados vamos nos atentar por senti-lo, vivê-lo, não há coisa

melhor do que a cada manhã acordarmos ao seu lado, a cada dia convivermos com ele

e termos o direito de protegê-lo. Quando duas pessoas se dispõem ao amor o céu

faz festa, os anjos celebram a sabedoria de duas pessoas dispostas a se desvestirem

do “eu” que carregam para se adequarem ao “nós” que passará a existir, isso é amor,

o verdadeiro amor...

Um discurso tão rico mereceu os aplausos.

— Que entrem as alianças!

E lá estava o pequeno e adorável Noah, participando daquele dia

excepcional.

Prometeram que se amariam.

Não se recusaram ao tão ensaiado sim.

Foram unidos pelo amor, não eram mais dois, mas um só.

Depois de uma noite de festa e contentamento o jovem casal foi para casa.

Zeloso em sua missão que não terminaria tão cedo, Abner colocou Noah na cama,

deitou-se com ele por alguns minutos, contemplava-o descansar, acariciava seu

semblante tranquilo e prometia dentro de si amá-lo por todo o sempre, afinal, em

meio ao caos aquele foi um presente enviado por Deus. Amoroso, beijou aquele que

tinha por filho e sussurrou um “boa noite”, seriam muito felizes nos dias a seguir.

Adentrou o quarto.

Sorriu ao ver Eva adormecida.

Não conseguia acreditar que estavam mesmo casados.

Page 402: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

402 Capítulo 78 – Inevitável Amor

Trocou-se.

Fez o mínimo de movimento para se deitar, mas sua simples presença balançava

o coração da jovem alemã.

— Enfim, casados... — Eva se virou para o marido e não conteve o impulso de

tocar seu rosto, sorria, seu fascínio por aquele rapaz era indescritível.

— Confesso que por algum momento acreditei que esse dia não chegaria, mas

estando aqui, deitado ao seu lado, vejo que realmente vale a pena acreditar no amor

e lutar por ele.

— Eu te amo... — anunciou com franqueza a mais pura verdade —. Você não

imagina o quanto...

— É claro que imagino... — sorriu enamorado —. Amo-te no mesmo tanto...

Não conteram o clamor de suas almas.

Não resistiram à lascívia de seus corpos.

E entregaram-se ao voluptuoso amor.

Um amor sem fim.

Que para sempre os acompanharia.

Page 403: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

403 Capítulo 79 – Caminhos Improváveis

Capítulo 79 – Caminhos Improváveis

[Rio de Janeiro, Brasil – Agosto de 1945]

Quando o improvável acontece acabamos extasiados, atônitos, tentamos

entender como foi possível, quais as falhas tornaram o inconveniente em fato, por

vezes alcançamos as respostas, conseguimos encontrar justificativas, mas em outras

só nos resta viver aquilo que o destino nos trouxe.

Para Luís, estar em meio uma guerra cujas proporções nem ao menos imaginava

era a pior das condições, esperava pelo caos, aguardava pela destruição, procurava

até mesmo se conformar com o ponto final que colocassem em sua história, não

existia esperança diante um cenário tão caótico. Contudo, o resultado para o seu

envolvimento no conflito que soava da Europa para o resto do mundo foi

surpreendente, prazeroso, gratificante, quando poderia dizer que voltaria para casa

possuindo o amor de alguém? O destino fugiu da lógica, calou as angústias e abriu

caminho ao mais nobre dos sentimentos.

Ana, submersa em uma história que desejava esquecer, machucada por tantas

experiências torturantes à sua alma íntegra, quando decidiu participar da guerra

possuía também uma escolha bem definida, ficaria por lá, jamais voltaria para casa,

ninguém ouviria falar em seu nome. Pobre mulher, esqueceu-se de que no coração

ninguém manda, é ele quem escolhe por quem irá bater apressadamente, é ele quem

decide para quem se abrira e será entregue. Seu futuro não era em terras

estrangeiras, seu destino sempre foi voltar à sua terra, aos seus, tendo consigo

alguém para amar, alguém por quem seria amada, alguém que realizaria seus maiores

sonhos.

Feitos um para o outro.

Predestinados a estarem um com o outro.

Desde o início, fadados ao amor.

Page 404: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

404 Capítulo 79 – Caminhos Improváveis

— E o mais improvável aconteceu... — repousando a cabeça sobre o ombro do

soldado que além de seu coração também conquistou sua admiração, Ana se sentia

feliz, realizada, afinal, tivera a sorte de, em um caminho conturbado, encontrar-se com

o amor –. Nunca imaginei que teria um namorado, muito menos que o conheceria em

meio ao caos.

— Como dizem, há males que vêm para bem, essa guerra horrenda foi o meu mal,

mas você para sempre será o meu bem mais precioso... — apaixonado, rendido a um

amor tão puro e verdadeiro, Luís não se acanhava em suas declarações, não se

intimidava em dar voz ao coração, estava a só com quem confiava, não existiam

motivos para vergonhas ou inseguranças.

Sentia-se acolhida. A destemida enfermeira se sentia também parte do mundo

de uma pessoa, sentia-se importante, única, ao lado do bom guerreiro se esquecia

dos problemas, das limitações, esquecia-se do mundo e de todo seu furdúncio,

lembrava-se apenas do quão bom era sentir o amor.

Do monte no qual estavam, abraçados enquanto se aqueciam da brisa fria que

soprava do mar naquele fim de tarde, o belo casal tinha vista da maravilhosa Rio de

Janeiro, de sua natureza exuberante, de seus mares estonteantes, aquela cidade

para sempre seria o cenário ideal para que a história de amor entre duas pessoas tão

unidas fosse lindamente escrita e espalhada, pois, quando o amor é genuíno sua luz

resplandece e o denuncia.

— Olhando para trás, estando no atual presente, vejo que cada angústia valeu

a pena, que todos os medos estão sendo recompensados e que o futuro será o meu

salário por toda a dedicação — carinhoso, o bom soldado acolheu as suaves mãos da

amada namorada, entrelaçava os dedos, concentrava-se no toque, seu desejo por ter

aquela mulher em seus braços pelo resto dos anos crescia mais e mais —. É mesmo

você — passou a encarar as íris castanhas, as moradas de sua alma —, é você a garota

dos meus sonhos... — sorria docilmente, beijou-a cheio de romantismo.

— Confesso que nunca acreditei que esse dia fosse chegar, que alguém

pudesse me olhar com afeto, com desejo pelo que poderia significar , mas desde o

dia no qual me beijou sem que eu esperasse meu coração se abriu, deixou de lado as

certezas que não gostaria de ter, as dúvidas que o afligiam e deu espaço a um rapaz

excepcional, ímpar, o único que poderia me trazer a felicidade... — enquanto falava,

Page 405: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

405 Capítulo 79 – Caminhos Improváveis

passeava os dedos trêmulos pela face daquele que nunca se cansaria de contemplar,

por aquele que faria o impossível, que renegaria os próprios anseios por sua

felicidade.

— Amamo-nos e para sempre nos amaremos... — debaixo do sol que aos

poucos dava lugar ao brilho da noite e se ausentava com o seu calor, Luís teve em

mãos o conhecido caixotinho, abriu-o sorridente, mostrou o acessório pelo qual

muitos sonham, estava certo quanto ao que queria para o futuro —. Aquilo que você

diz ser seu defeito, sua deficiência, é o que a faz forte, destaca-a perante a multidão,

porque poderia se esconder atrás disso, entregar-se aos tantos argumentos lhe

proferidos, mas preferiu mostrar ao mundo o tamanho da sua força, isso me

conquistou, deixou-me apaixonado e é com essa brava mulher que almejo construir

um grandioso futuro — colheu a fina lágrima repleta de emoção que escorria pelo

rosto delicado, não queria vê-la chorar, tinha por missão fazê-la sorrir todos os

momentos —. Aceita ser a esposa desse bobo apaixonado?

Palavras...

Quando mais precisamos delas simplesmente desaparecem, somem.

Mas existem as atitudes, que podem gritar mais do que mil palavras.

Ana, emocionada, extasiada, abraçou aquele que tão de repente surgiu em sua

vida para dela nunca sair, derramou seu choro de alegria, de contentamento, de

realização, uma reviravolta a alcançara, o privilégio de amar bateu à sua porta.

— Quando eu pensava que não tinha mais o que fazer, que um desejo

escondido deveria mesmo ser deixado para trás, você apareceu com sua doçura, com

seu jeito cuidadoso, com a magia que possui em, apenas de se fazer presente,

acelerar meu coração — levou os olhos de encontro às íris esverdeadas, seu abrigo

nos dias que mais precisasse —. Aceitou lutar por uma causa que não lhe pertencia,

aceitou combater por aqueles que eram oprimidos e nada poderiam fazer, é com esse

homem de nobre espírito que quero ter uma família, é esse guerreiro leal que quero

dar aos meus filhos como pai... É claro que aceito ser a sua esposa...

Diante as primeiras estrelas que despontavam no céu limpo de qualquer nuvem,

homem e mulher beijaram-se apaixonados, amantes, saboreavam o doce gosto do

amor, um sabor que para sempre provariam.

Page 406: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

406 Capítulo 79 – Caminhos Improváveis

Para acontecer, o amor pode se valer dos mais improváveis caminhos e torná-

los os mais certeiros.

É nos momentos de dor que passamos a conhecer o quão verdadeiro é o que

sentem por nós. É nos momentos inoportunos que provamos da sinceridade de

palavras a nós dirigidas. Podemos nos frustrar como podemos nos impressionar.

Carol, abatida, envergonhada, sentindo-se humilhada e derrotada, perdia a

alegria em viver, estava ao lado do homem que amava, mas em seu coração se

considerava culpada pela tristeza que ele também sentia. Seu desejo era em mudar o

passado, mas esse poder não lhe fora entregue, tudo que lhe era permitido a fazer

seria enfrentar o futuro.

Mas não tinha forças.

A não ser para se isolar do mundo, recorrer ao escuro de seu quarto, à solidão

de sua cama.

Henrique, conhecedor da verdade, embora entristecido, não culpava a esposa,

tinha consciência de que a responsabilidade por todas as lágrimas era de pessoas

perversas e cruéis. Percebia o distanciamento de Carol, imaginava seus

pensamentos, cansado de vê-la sofrer, culpar-se por tudo, procurou-a para uma

conversa, há dias não ouvia sua meiga voz.

— Sei que não gosta quando quebram o seu momento, mas precisamos

conversar, eu preciso de você... — ver a doce carioca tão assolada por tristes

sentimentos quebrantou o coração do jovem soldado que, cheio de cuidado e amor,

deitou-se ao lado daquela que nunca deixaria seus intentos, não hesitou em envolvê-

la com seus braços, não tardou em perceber o seu choro e não demorou em colher

suas lágrimas angustiadas, aquela era a sua obrigação, por isso estavam casados.

— Perdoe-me... — Carol se sentia inútil, não conseguia encarar os olhos do

marido, mesmo sabendo que ele jamais a rejeitaria não conseguia se sentir digna do

seu amor —. Perdoe-me por tudo isso... Se o seu sonho se transformou em pesadelo

a culpa é minha...

Page 407: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

407 Capítulo 79 – Caminhos Improváveis

— Acha mesmo que a culparia? — sua voz soava pacífica, envolta por ternura —.

Amo-lhe demais para culpá-la por qualquer coisa e deixá-la a mercê de sombras

injustas e cruéis... Sinto a sua falta e não estou disposto em perdê-la para quem

está nos causando esse sofrimento, não vou deixar que tirem de mim tudo que

possuo...

Perdida em tantos pensamentos, abatida por sua consciência violenta, Carol

voltou sua atenção ao bom esposo, cheia de afeto e desejosa por mudar aquela

história, acariciou o rosto sereno, precisando se proteger da brutalidade de um

mundo tão perverso e egoísta se aconchegou ainda mais ao abraço ofertado, deixou

as lágrimas escaparem, desabafaria toda sua angústia.

— Está tudo bem... — Henrique acariciava os cabelos que deslizavam entre

seus dedos —. Vamos passar por isso juntos...

Acreditavam no pior, mas o filho deles ainda vivia, estava nas mãos de um

alguém insano e perigoso, mas ainda vivia, ainda existia salvação.

Page 408: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

408 Capítulo 80 – Amor na Guerra

Capítulo 80 – Amor na Guerra

A madrugada era fria e silenciosa.

Os pensamentos faziam barulho.

Henrique procurava compreender o porquê da realidade. Seu maior sonho

desde que partira ao Brasil sempre foi conhecer o filho, o fruto de um amor tão puro

e verdadeiro, um amor invencível e inabalável, mas agora, livre de uma guerra

fraudulenta, vivia separado do filho, não sabia como estava, nem se ainda respirava o

sopro da vida, era muito confuso.

Alguém mexeu no portão.

O soldado atento não deixou de perceber.

Cuidadoso, afastou-se da esposa que descansava e se refugiava em seus

braços, antes de partir encarou a linda mulher, aquela que lhe tirava o fôlego e

balançava o coração. Beijou a palma da mão, foi a sua vez de lançar seu beijo ao

vento.

Sentindo o ar gelado, Henrique se arrependeu de ter saído do calor da

confortável cama, o arrependimento só não foi maior graças ao papel preso entre as

grades do portão. Não conteve a curiosidade, pegou-o e descobriu seu conteúdo.

As palavras eram reveladoras.

Animosas.

Eram também ameaçadoras.

A ordem era clara, o guerreiro destemido precisava se encontrar com um

fantasma do recente passado, ir inofensivo, sozinho, se quisesse ter de volta o filho

que nunca conhecera deveria colocar em prática cada recomendação fielmente, não

poderia nem sonhar em bancar o esperto.

— O que foi? — envolta pelo cobertor, Carol foi atrás do marido, precisava

saber o que acontecia.

— A culpa é minha — o assustado Henrique encarou a esposa tendo os olhos

lacrimejados, o futuro agora estava em suas mãos —. Fiz inimigos durante a guerra e

um deles me alcançou — correu ao encontro da eterna amante, colheu as mãos

delicadas e gélidas, acariciou o rosto espantado e abatido —. Devo ir sozinho, se

Page 409: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

409 Capítulo 80 – Amor na Guerra

quiser trazer para casa o nosso filho devo ser obediente aos detalhes! — esclareceu

o que acontecia.

— Henrique... — as palavras não apareciam, não podiam ser declaradas, o

choro sentimental as afogava antes que pudessem soar.

O bom e exemplar soldado uniu os lábios que se comunicavam, se

completavam, que foram feitos para nunca se desunirem. Era um beijo de até logo,

era também um beijo de despedida.

Não havia tempo a perder.

Uma vida corria perigo.

E pela segunda vez Carol via o seu grande amor escorregar por entre os seus

dedos, caminhar adiante, sumir aos poucos. Antes que não pudessem mais se

contemplar Henrique virou para trás pela última vez. A carioca beijou a palma da

mão, ainda que sua alma ardesse e seu coração se oprimisse, lançou seu beijo ao

vento. Henrique, sorridente, embora seu espírito sentisse medo, segurou aquele

gesto de afeto, guardou-o no peito e prosseguiu em sua missão: salvar sua família.

Somos cercados por surpresas.

Indesejáveis...

Fatos passados podem ecoar por anos, insistir em consequências duradouras

e permanentes.

Pessoas más, mesmo depois de mortas, são capazes de instaurar o pavor que

por muito tempo as acompanhou.

Henrique, desbravando as ruas desertas e escuras do Rio de Janeiro,

praguejava contra Manfred, um homem presunçoso, odioso, que parecia insistir por

se manter vivo na vida daqueles aos quais muitos males causou. Porém, o militar tinha

uma promessa em seu intento: aquela era a última vez que o desgraçado seria

lembrado.

O galpão parecia sem ninguém.

Causou estranheza no guerreiro que pensou ter sido enganado.

Mas não fora.

Seu inimigo ali estava.

Page 410: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

410 Capítulo 80 – Amor na Guerra

— Lembra de mim? — o alemão vingativo possuía um ótimo português, um nativo

português —. Se não se lembra garanto que pelo menos a sua família nunca se

esquecerá.

Esforçando-se por distinguir o semblante rígido, Henrique se recordou da

noite na qual invadira a mansão Hoff, de como atacara seu morador e de como

perdera a batalha.

— O que faz aqui?! — sua voz não soava com medo, soava destemida, cansada

de toda aquela palhaçada —. Não acredito que fora capaz de deixar o seu país para

me prejudicar. Sabe que seu capitão nunca passou de um criminoso e teve o que

mereceu!

— Não! Não pode me manipular com suas teorias ingênuas e infames! — o mau

homem alçou a voz com força —. Vocês mataram a salvador da Alemanha e, se não

posso destruir aqueles que se vangloriam e são aplaudidos por isso, ao menos

conseguirei exterminar alguém que os ajudou, mas que agora está solitário,

vulnerável, pronto para se reencontrar com quem tanto mal causou.

A petulância era gritante.

O fanatismo era assustador.

— O que você quer para devolver o meu filho e me deixar em paz?

— Devolver o seu filho? — gargalhou zombeteiro —. Sabe quem eu sou?

Graças ao destino possuo o sangue de Manfred, sou seu filho, um bastardo como

diria, que viveu nesse país imundo na esperança de conquistar seu orgulho e que

agora o fará! — acendeu as luzes do galpão, revelou explosivos espalhados pelo

lugar e sobre um deles o pequeno Henrique brincava com o vento sem compreender

o perigo que o cercava.

— Filho... — o soldado valente, um pai amoroso, não conteve o sorriso alegre ao

contemplar a pequena criança, mas o pranto logo retornou ao seu ser, a morte ligeira

seria também dolorosa —. Vai se arrepender! — avançou contra o oponente.

— Parado aí! — Alfred, o perverso criminoso, seguidor dos ideais de um homem

que nunca se importou com a sua existência mesmo ele provando o tamanho da

lealdade que possuía, exibiu o dispositivo que detinha em mãos, ali marcava cinco

minutos, cinco minutos para a detonação —. Ao invés de perder o seu tempo me

agredindo por que não o ganha declarando suas últimas palavras ao filho que nunca

Page 411: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

411 Capítulo 80 – Amor na Guerra

o chamará de papai? — sua postura era como a de seu pai, ereta, suas intenções

também se assemelhavam com aquele cujas memórias queriam apagar —. A morte é

nossa certeza, apenas ela!

Antes que pudesse escapar, o alemão foi alcançado pelo brasileiro irado que

lhe surpreendeu com uma rasteira, derrubou-o no chão, imobilizou-o debaixo de si e

não poupou forças nas agressões sucessivas.

Forte, Alfred empurrou seu opressor, tirou-o de sobre si e não precisou

avaliar suas ações antes de chutar o inimigo, dispensar a ele pontapés covardes e

furiosos.

Mas Henrique nunca desistiria tão facilmente, puxou o opressor pelo

calcanhar, derrubou-o outra vez e passou a disputar pelo dispositivo cobiçado.

Finalmente o conquistou, mas era apenas um relógio, não existiam botões que

desligassem as dinamites, em três minutos a explosão eclodiria.

— Otário! — sujo de sangue, exibindo ferimentos no rosto, o devasso alemão

ainda permaneceu em sua provocação, gargalhava irritantemente, sentia-se vingado.

Dominado por raiva, o soldado dispensou sua fúria no soco que garantiu ao

maxilar de Alfred, não se culpou por vê-lo desmaiado, antes correu ao encontro do

filho, precisava encontrar formas de salvá-lo.

O garoto sorria.

Sorria como um anjo.

Atentando-se em sua missão, Henrique não continha as lágrimas, queria

abraçar o pequeno menino, declarar o quanto desejou tê-lo nos braços, porém

precisava usar sua inteligência e destravar as correntes que amarravam a inocente

criança às bombas cruéis.

— Santos! — alguém se colocou ao seu lado —, está em apuros?

— Tenente? — espantou-se pelo inesperado.

— Sua esposa me avisou — tirou do bolso a ferramenta que precisava —, a vida

está lhe dando outra chance! — sorriu amistoso.

Em poucos segundos o valente rapaz teve em seus braços o filho amado,

abraçou-o com alívio, com sentimento, finalmente pôde sentir o seu calor.

Mas a história ainda não tinha terminado.

Page 412: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

412 Capítulo 80 – Amor na Guerra

Sorrateiro, Alfred levantou-se do pó, aproveitando a distração dos homens

de guerra mirou seu revólver contra Henrique, estava pronto para uma injusta

atitude.

O disparou aconteceu.

Soldado e tenente voltaram a atenção para o som estridente.

Viram o corpo do inimigo tombar.

Atrás dele estava o vitorioso Luís.

— Eu não perderia outro amigo!

Faltava um minuto.

Apertaram os passos.

Distanciaram-se do local o quanto puderam.

Ainda assim sentiram o tremor da explosão assustadora e o calor do fogo que

devorava o antigo galpão.

Finalmente, o passado ficava no passado.

Alguns meses depois...

O amor, quando sobressai ao caos e o vence para sempre, torna-se em um

sentimento ainda mais puro e intenso, ainda mais nobre e agradável, destrói as tristes

lembranças e cria iluminados projetos para um futuro de paz. O amor quando dissipa

a guerra traz a paz.

Naquela tarde de verão pai e filho soavam suas gargalhadas em meio ao agito

do mar enquanto Carol, cheia de contentamento, observava da areia todo aquele

amor compartilhado. Sentia-se recompensada pelos dias de angústia, sentia-se

recompensada por todas as dores.

Entretido com o monte de areia, Júnior se esqueceu por alguns instantes do

querido pai que pôde, finalmente, dar sua companhia a mais incrível das mães.

— Pensei que tivesse me abandonado... — fingiu desapontamento.

— Ciúmes do nosso filho? — Henrique zombou distribuindo beijos sutis ao

rosto de sua amada esposa —. Sabe que no meu coração cada um tem seu lugar

especial.

Page 413: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

413 Capítulo 80 – Amor na Guerra

— Será que tem espaço para mais um? — fez sua pergunta revelando um

segredo.

O rapaz de nobre coração ficou sem palavras, o sorriso estampado em seu

rosto denunciava sua alegria, era a recompensa pelos anos de aflição.

— Isso quer dizer...

— Sim, vamos ter mais um filho! — exibindo o sorriso que deixava seu admirador

ainda mais extasiado por si, Carol acariciou o ventre que ainda não revelava o

crescimento de um novo fruto, mas que o guardava a sete chaves.

Exuberantemente alegre, Henrique trouxe a mulher para mais perto, fixou os

olhares, acariciou o rosto que jamais se cansaria de tocar.

— Sou o homem mais feliz desse mundo...

— E pelo que depender de mim continuará sendo... Se uma guerra não nos

separou, nada o fará! — era mais do que uma promessa, era uma certeza.

Perante a bela paisagem de um mar cheio de vida, o casal apaixonado beijou-se

afetuoso, foi envolto pelo doce sabor do amor, um gosto que nunca deixariam de

degustar, afinal, eram um só e para sempre o seriam.

É...

Em meio ao caos o amor pode mesmo se fortalecer.

Debaixo da guerra pode o amor se reerguer.

Para nunca mais ser encoberto.

FIM

Page 414: 1Prólogo Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior · O noivo, militar, mantinha-se em postura ereta sobre o altar, mas seu sorriso ... ganhou uma viagem para o sul do país, poderia

Amor na Guerra Escrito por Amilton Júnior

414 Capítulo 80 – Amor na Guerra

Como recurso literário algumas datas aqui descritas não

seguem fielmente a linha do tempo.

Trata-se de uma história de ficção. Sem compromisso com a realidade.

Siga-me no Instagram:

@amilton.jnior

Curta a página no Facebook:

Coisas da Vida

Em breve conteúdo exclusivo em:

www.seulivroonline.blogspot.com