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Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 3

A LEI DA PALMADA, A DIGNIDADE HUMANA DA

CRIANÇA E A INTERVENÇÃO ESTATAL NA FAMÍLIA

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Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 5

Andréa Silva Albas Cassionato

Fernando Cézar Lopes Cassionato Jose Francisco de Assis Dias

A LEI DA PALMADA, A DIGNIDADE HUMANA DA

CRIANÇA E A INTERVENÇÃO ESTATAL NA FAMÍLIA

Primeira Edição E-book

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá – PR – 2016

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Copyright 2016 by

Andréa Silva Albas Cassionato; Fernando Cézar Lopes Cassionato; Jose Francisco de Assis Dias

EDITOR: Daniela Valentini

CONSELHO EDITORIAL: Prof. Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR

Prof. Dra. Daniela Menengotti Ribeiro - UNICESUMAR Prof. Dra. Lorella Congiunti – PUU - Roma

REVISÃO ORTOGRÁFICA: Prof. Antonio Eduardo Gabriel

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território na-cional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmi-tida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qual-quer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Pedro Lodi, nº 566 – Coopagro, Toledo-PR CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Cassionato, Andréa Silva Albas.

C345l A lei da palmada, a dignidade humana

da criança e a intervenção estatal na

família. / Andréa Silva Albas Cassionato,

Fernando Cézar Lopes Cassionato, José

Francisco de Assis Dias. - 1. ed. ebook -

Maringá,PR : Vivens, 2016.

106 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN 978-85-8401-061-5

1.Direitos da criança. 2. Direitos

humanos. 3. Lei 13.010/2014. I. Título.

CDD 22.ed.346.0135

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.............................................................. INTRODUÇÃO.................................................................... I = EVOLUÇÃO CULTURAL E CONSTITUCIONAL A RESPEITO DA CRIANÇA............................................... II = A DIGNIDADE HUMANA DA CRIANÇA...................... 2.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA.................... 2.2 A CRIANÇA COMO PESSOA...................................... 2.3 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA........................................

2.3.1 Direito à convivência familiar...................... 2.3.2 Direito à profissionalização e à proteção no trabalho.......................................

III = A LEI 13.010/2014: A AUTONOMIA FAMILIAR E A INTERVENÇÃO ESTATAL......................................... 3.1 A AUTONOMIA FAMILIAR E A INTERVENÇÃO ESTATAL......................................... 3.2 A LEI 13.010/2014........................................................ CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................ REFERÊNCIAS..................................................................

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Com essas duas mãos, minha mãe me pega no colo, cuida de mim, e eu amo isso... Com essas duas mão, minha mãe me bate – e isso eu odeio.

Menina no Leste Asiático

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APRESENTAÇÃO

A presente obra, “A lei da palmada, a dignidade humana da criança e a intervenção estatal na família”, nos convida a refletirmos sobre o eterno problema da educação da criança sem violência.

Educar, do latim “educere”, significa conduzir fora, portanto, trata-se de um processo eminentemente positivo direcionado a fazer aflorar o que a criança possui de melhor e não aniquilá-la através da agressão física ou psíquica.

A criança é uma pessoa humana, em ato, limitada à fase própria de sua idade; porém, em potência, a caminho da sua plena realização pessoal. A educação entra neste processo de como instrumento adequado a serviço da atuação da sua plena dignidade humana.

No primeiro capítulo, é trabalhada a “evolução cultural e constitucional a respeito da criança”; no segundo capítulo, é trabalhada a “dignidade humana da criança”, onde é colocado em debate o “princípio da dignidade humana”, “a criança como pessoa”, os “direitos humanos e direitos fundamentais da criança”

No terceiro capítulo, é trabalhada, através da Lei 13.010/2014, “a autonomia familiar e a intervenção estatal” e “a autonomia familiar e a intervenção estatal”.

Boa leitura!

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INTRODUÇÃO A Lei da Palmada (Lei 13.010/2014), também

conhecida como a Lei do Menino Bernardo, tem como objeto proibir a prática de castigos físicos moderados como método educacional nos lares brasileiros.

Apesar de o ordenamento jurídico punir os castigos físicos imoderados bem como toda espécie de violência contra a criança, houve a “necessidade” de se legislar a respeito de castigos físicos ou violências psicológicas que não deixam rastros aparentes, mas que poderiam acarretar em graves consequências à psique desse pequeno indivíduo em desenvolvimento.

O costume de se utilizar do castigo físico como método educacional existe na sociedade há muito tempo.

Nas antigas sociedade gregas e romanas têm o exercício de um poder imensurável do pater. O chefe de família possuía autoridade para julgar e punir as condutas de qualquer dos membros de sua família. O Estado jamais intervia nessa relação e, portanto, era absolutamente alheio às decisões do pater, convalidando seu poder, inclusive, de determinar a morte de seus familiares.

No Brasil, o uso do castigo físico como método educacional não teve sua origem entre os indígenas, mas sim dentre os jesuítas que, durante suas missões, acreditavam ser esse um método eficaz de “educar” as crianças indígenas que estavam sendo catequizadas.

Assim, o costume de “bater” tornou-se aceito pela sociedade de forma muito natural, sendo assim até os dias atuais.

Paralelamente a todo esse contexto histórico, a teoria neoconstitucionalista pós-positivista sofreu grande impulso no Brasil. Referida teoria foi responsável pela compreensão da importância dos princípios para o Direito. Ronald Dworkin e, posteriormente, Robert Alexy, fundamentaram o neoconstitucionalismo defendendo o

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princípio como norte para produção de qualquer norma jurídica.

Diante disso, a dignidade humana tornou-se um princípio e, ante sua grande importância, tornou-se o princípio dos princípios, ao passo que toda teoria ou norma jurídica criadas devem preservar sua integridade. Além disso, o princípio da dignidade humana passou a ser o principal ponto de partida para solução de qualquer espécie de antinomia jurídica.

Obviamente que a criança, tal como os adultos, passou a ser amparada por esse princípio de forma inconteste, inclusive nas relações familiares. Para se chegar a essa conclusão faz-se necessário um breve estudo jusfilosófico sobre o conceito de pessoa para compreensão exata do objeto a ser protegido pelo princípio da dignidade humana.

Portanto, a problematização do tema apresentado consiste nas seguintes questões: a forma de educar escolhida pelo responsável legal da criança sofre influência dos costumes da sociedade? Diante disso, o Estado pode intervir nessa relação tão íntima e nos costumes tão consolidados na sociedade? a Lei da Palmada (Lei 13.010/2014) contempla uma excessiva interferência estatal na família?

Diante disso, o objetivo principal do presente trabalho é analisar uma possível limitação à intervenção estatal na família em face de sua autonomia, fundamental para o bom exercício do poder familiar, considerando o respeito obrigatório da dignidade humana da criança.

Para atingir seu objetivo é necessário encontrar a origem do costume de “bater” para educar, tratar da dignidade humana da criança como princípio dos princípios, analisar a sua capacidade de determinar a intervenção do Estado na família, elucidar o princípio da intervenção estatal mínima na família, e analisar se a Lei da Palmada (Lei 13.010/2014) constitui ou não excessiva intervenção estatal na família.

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Introdução... // 13

O presente trabalho adotou como método de

abordagem o dedutivo, uma vez que se partirá do geral, consistente da análise de leis e princípios, para o particular, referente as relações paterno filiais.

Os métodos de procedimento a adotados foram o histórico, posto que houve descrição de acontecimentos históricos, e o estrutural, por partir de um fato concreto, que foi elevado a um nível abstrato através da construção de um modelo que representa o objeto de estudo, e retomou ao concreto como uma realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social.

Por fim, teve-se como métodos de investigação o bibliográfico e documental.

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= I =

EVOLUÇÃO CULTURAL E CONSTITUCIONAL A RESPEITO DA CRIANÇA

Os tempos mais antigos da humanidade, desde

que a raça humana surgiu na Terra, desde a primeira procriação, existe a família em seu conceito mais singelo e primário.

Portanto, o indivíduo humano sempre teve a função de proteger e criar sua prole.

Obviamente que essa função foi evoluindo juntamente com a humanidade e, além de proteger e prover a subsistência dos filhos, os pais ou cuidadores passaram a ter a função de dar afeto e educação. Essa função tornou-se obrigação moral e, depois, obrigação legal.

Nos tempos mais remotos, na Grécia e Roma antigas, o genitor era a lei na família. O pai tinha poder de vida e morte sobre os membros daquele núcleo familiar, e estava sujeito, apenas, ao julgamento da cidade. Não existe nada semelhante ao poder do pai nos dias atuais. Era nele em que residia toda a forma de “governar” aquela pequena sociedade que se formava debaixo do mesmo teto.

Afora isso, dentro do lar, a palavra do pai era lei e assim eram os costumes daquela época. O vínculo com a família originária era eterno e, enquanto o pai vivesse, os filhos a ele deviam obediência. Afinal, para a lei os filhos adquiriam a maioridade, mas para a religião não. Assim, é natural que a criança necessite de alguém para cuidar de suas necessidades físicas e morais, mas fugia à natureza tamanha obediência e submissão que se estendia enquanto o pai tivesse vida.

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Fustel de Coulanges, em sua obra “A cidade antiga”, elucida de forma clarividente a respeito dos costumes iniciais da sociedade e, também, da família.

Ao tratar do poder do pai na família elucida que: Esse direito de jurisdição, que o chefe de família exercia em sua casa, era total e sem apelação. Podia condenar à morte, como o magistrado o fazia na cidade: nenhuma autoridade tinha o direito de modificar sua sentença. “O marido, diz Catão, o Antigo, é o juiz de sua mulher; seu poder não sofre limitação; pode o que quer. Se a mulher cometeu qualquer falta, ele a castiga; se bebeu o vinho, condena-a; se teve relações com outro homem, mata-a”. Quanto aos filhos, o direito foi o mesmo. Valério Máximo cita Atílio que matou sua filha culpada de impudicícia, e todo mundo conhece aquele pai que matou o filho, cúmplice de Catilina.1

A origem do direito de família, portanto, não foi

oriunda do Estado legislador, mas sim do pai da família: o conhecido pater. Até mesmo porque o direito privado existe antes do Estado. Quando a sociedade organizou-se no intuito de formar uma cidade o direito privado já estava presente e, por essa razão, o Estado teve que se adequar ao sistema até então vigente.

A convivência de várias pessoas em um mesmo espaço obrigam-nas a estabelecer regras de conduta a fim de que os negócios, a propriedade privada e a família fossem respeitados em sua integralidade.

Desse modo, nota-se que a família é sim fruto do direito privado e, mais do que isso, dos costumes familiares que ditavam as regras de conduta. Não foi o Estado que criou as regras e as impôs às famílias, mas o contrário.

1 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: HEMUS, 1975, p. 74.

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Ainda citando Coulanges sobre esse tema, segue

seus ensinamentos: O antigo direito não é obra de um legislador: o direito, pelo contrário, impôs-se ao legislador. Na família teve sua origem. Nasceu ali espontaneamente e inteiramente elaborado nos antigos princípios que a constituíram. Derivou das crenças religiosas universalmente admitidos na idade primitiva desses povos e exercendo domínio sobre as inteligências e sobre as vontades.2

Desde então observa-se o poder do pai em,

inclusive, castigar fisicamente a mulher e os filhos tanto como forma de punição, como meio de educar.

No Brasil, a origem de sua sociedade está na miscigenação de três etnias: portugueses, índios e africanos. Os portugueses chegavam no Brasil carentes de calor humano, uma vez que viajavam por meses em seus navios totalmente solitários e deixavam seus lares, seus amigos e familiares em Portugal.3

Nesse contexto, o índios foram de grande importância para a formação da sociedade brasileira, e coube as índias assumirem o papel de grandes matronas no início da colonização. Era com elas que os portugueses começaram a procriar e formar suas famílias, fato esse que ocorria de forma muito natural visto que os portugueses já estavam ambientados à miscigenação de raças (culturas árabe, romanas e judias) justamente pela localização geográfica do país.

Com o tempo e a exploração da terra os portugueses começaram a conquistar certos confortos e, assim surgiu a casa-grande do engenho, tanto nas plantações de cana de açúcar no nordeste do Brasil, quanto nas plantações de café e soja no sul do país.

2 Idem, p. 68. 3 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sobre o regime da economia patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 47ª ed. rev. São Paulo: Global, 2003.

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Na casa-grande viviam o Senhor do engenho, seus filhos, o capelão e as mulheres.

Os índios, por sua vez, criavam seus filhos sem disciplina paterna, uma vez que aos homens cabia a responsabilidade de prover o sustento material da tribo. Portanto, os cuidados com a família eram de responsabilidade exclusiva da índia, que criava seus filhos sem qualquer castigo físico, inclusive dos filhos tidos com os portugueses.

A sociedade brasileira herdou [...] o melhor de sua cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. [...] a rede, em que se embalaria o sono ou a volúpia do brasileiro.4

No entanto, não herdou justamente a forma de

educar seus filhos: “longe do castigo físico”. Quando a produção de açúcar ganhou força no

Brasil através da utilização de mão de obra escrava proveniente do continente africano, isso já no século XIX, a figura da índia foi substituída pela da escrava negra.

Ao escravo negro cabia a “função” de executar os trabalhos pesados e de procriação, para que o “rebanho” de escravos do senhor do engenho aumentasse.

Nesse contexto, a situação da criança sofria uma mudança drástica. As crianças negras, nascidas na senzala eram batizadas e, ainda assim, consideradas seres sem alma. Passavam, portanto, a ser objeto de violência por parte de seus “senhores” e, principalmente, dos filhos brancos dos Senhores do Engenho.

Já os filhos bastardos, provenientes das relações intimas entre o senhor e negras escravas, cresciam à revelia do genitor na senzala até seu falecimento, quando então deixava para eles à carta de alforria.

4 Ibidem, p. 163.

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Enquanto isso, os jesuítas estabeleciam-se no

Brasil com o objetivo de catequizar os índios. Ao tratar com as crianças, os jesuítas defendiam a forma rígida de educar a demonstração mais efetiva de afeto. Como consequência dessa forma rígida utilizava-se costumeiramente o castigo físico como punição pelas “transgressões” cometidas pelas crianças.5

A cultura do Brasil tornou-se, portanto, a do castigo físico como forma “eficaz” de educar a criança.

Nesse contexto é importante destacar que a palavra cultura, de origem latina, possui vários conceitos, sendo que o mais importante para o tema é:

CULTURA [...] 5. Num grupo social, conjunto de sinais características do comportamento de uma camada social (linguagem, gestos, vestimenta, etc.) que a diferenciavam da outra: cultura burguesa, cultura operária.6

Sob o ponto de vista filosófico, “A cultura é um

sistema unitário e integral de valores.”7. Ou ainda, segundo Miguel Reale, a cultura nada mais é do que “Tudo aquilo que o homem realiza na História, na objetividade de fins especificamente humanos [...]”.8

Como demonstrado é justamente o que ocorreu no Brasil: o comportamento de bater para educar tornou-se reiterado e valorado como válido e eficaz em sua finalidade.

5 PRIORE, Mary Del. O papel branco, a infância e os jesuítas na colônia. In: História da criança no Brasil. PRIORE, Mary Del. (org.) São Paulo: Contexto, 1991, p. 10-25. 6 ENCICLOPÉDIA Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1998, vol. 7, p. 1730. 7 ROCHA, Walmir Rodrigues; FRANÇA, Amilton de. A justiça e o direito na história da filosofia e do direito. Leme/SP: Anhanguera Editora Jurídica, 2010, p. 55. 8 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva,

2002, p. 213.

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A cultura constitui uma realidade humana, e não natural, do dever-ser. Tudo que é proveniente da natureza apenas é, enquanto que o que é da cultura é mutável e valorado. Portanto, o desenvolvimento social gera mudanças de comportamento e, consequentemente, a transformação de valores, dinâmica esta que culmina na modificação da cultura de uma sociedade.

A cultura é, portanto, criada pelo costume que é constituída pelo elemento material (corpus), consistente na prática social reiterada de forma constate e uniforme, e pelo elemento psicológico (animus), que nada mais é do que a estrita convicção de que essa conduta é obrigatória.

Os costumes são, então, a fonte precípua do direito costumeiro, segundo o qual o costume é uma regra não escrita e, para essa ciência, o costume é classificado quanto à sua natureza (costume erudito e popular) e quanto ao seu conteúdo (praeter legem, secundum legem e contra legem).

A classificação do costume quanto ao conteúdo merece especial atenção, posto que podem atribuir ao costume poder de guiar a interpretação da norma a ser realizada pelo operador do direito.

Os costumes praeter legem são condutas praticadas de acordo com a lei, apesar de não existir previsão expressa. Nesse contexto, o costume poderá ser utilizada como fundamento para aplicação do Direito ao caso concreto em caso de omissão legislativa nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei 12.376/2010).9

Os costumes previstos expressamente na lei são os conhecidos como secundum legem.

Já os costumes que são praticados pela sociedade mas que são contrários as leis vigentes são classificados como contra legem, abrogatório ou desuetudo.

9 Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

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O costume contra legem nada mais é do que a

consequência de uma lei que não está de acordo com dinâmica social do grupo a que se destina. Obviamente que esse tipo de costume não é capaz de revogar leis. Mas, ainda que de forma primária, é capaz de fundamentar a não incidência de determinada norma ao caso concreto em face de uma interpretação contemporânea do Direito.

Essa condição é capaz de dar à sociedade o poder de mudar o Direito ou de cria-lo, haja vista que o que deve ser normatizado são justamente as condutas práticas de forma reiterada em uma sociedade, ou para obrigar sua prática ou para proibir que essa seja infringida.

A experiência jurídica, antes ainda da racionalidade da Ciência do Direito, demonstra a tendência de se proteger os valores criados pelo homem. A normatização constitui justamente na intenção do homem de que determinado valor se efetive e que seja protegido incondicionalmente – é o dever ser. Portanto, o Direito não somente está intimamente ligado à cultura, como por ela é criado.

No Brasil as constituições promulgadas evidenciam os valores atribuídos aos direitos da criança ao longo dos acontecimentos históricos.

A Constituição Imperial de 1824 foi a primeira Constituição do Brasil após a proclamação da independência.

A sociedade que elaborou a Constituição era patriarcal e obviamente essa condição ficou translucida em toda a sua elaboração. Ante o recém rompimento com a colônia, o Imperador preocupou-se em formular um documento eminentemente político. A família, portanto, não tinha qualquer tutela constitucional: limitou-se a tratar da família imperial nos artigos 105 a 115.10 Essa omissão demonstra o caráter não intervencionista do Estado.

10 CAPÍTULO III. Da Familia Imperial, e sua Dotação. Art. 105. O Herdeiro presumptivo do Imperio terá o Titulo de "Principe

Imperial" e o seu Primogenito o de "Principe do Grão Pará" todos os

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A segunda Constituição promulgada no Brasil foi a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil em 1891. Elaborada em decorrência da Proclamação da República em 1889, essa Constituição ainda foi elaborada

mais terão o de "Principes". O tratamento do Herdeiro presumptivo será o de "Alteza Imperial" e o mesmo será o do Principe do Grão Pará: os outros Principes terão o Tratamento de Alteza. Art. 106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a Constituição Política da Nação Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador. Art. 107. A Assembléa Geral, logo que o Imperador succeder no Imperio, lhe assignará, e á Imperatriz Sua Augusta Esposa uma Dotação correspondente ao decoro de Sua Alta Dignidade. Art. 108. A Dotação assignada ao presente Imperador, e á Sua Augusta Esposa deverá ser augmentada, visto que as circumstancias actuaes não permittem, que se fixe desde já uma somma adequada ao decoro de Suas Augustas Pessoas, e Dignidade da Nação. Art. 109. A Assembléa assignará tambem alimentos ao Principe Imperial, e aos demais Principes, desde que nascerem. Os alimentos dados aos Principes cessarão sómente, quando elles sahirem para fóra do Imperio. Art. 110. Os Mestres dos Principes serão da escolha, e nomeação do Imperador, e a Assembléa lhes designará os Ordenados, que deverão ser pagos pelo Thesouro Nacional. Art. 111. Na primeira Sessão de cada Legislatura, a Camara dos Deputados exigirá dos Mestres uma conta do estado do adiantamento dos seus Augustos Discipulos. Art. 112. Quando as Princezas houverem de casar, a Assembléa lhes assignará o seu Dote, e com a entrega delle cessarão os alimentos. Art. 113. Aos Principes, que se casarem, e forem residir fóra do Imperio, se entregará por uma vez sómente uma quantia determinada pela Assembléa, com o que cessarão os alimentos, que percebiam. Art. 114. A Dotação, Alimentos, e Dotes, de que fallam os Artigos antecedentes, serão pagos pelo Thesouro Público, entregues a um Mordomo, nomeado pelo Imperador, com quem se poderão tratar as Acções activas e passivas, concernentes aos interesses da Casa Imperial. Art. 115. Os Palacios, e Terrenos Nacionaes, possuidos actualmente pelo Senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo a Seus Successores; e a Nação cuidará nas acquisições, e construcções, que julgar convenientes para a decencia, e recreio do Imperador, e sua Familia.

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sob a forte influência da família patriarcal. Por essa razão, preocupou-se apenas com a criação de um Estado laico, e o fez através do reconhecimento do casamento civil como o único casamento válido, e isso somente em 1926, através da Emenda Constitucional nº 3.

Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 4º A Republica só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

Continuou sem um capítulo específico sobre a

família e, consequentemente, sobre a criança. A Constituição da República dos Estados Unidos

do Brasil de 1934 surgiu em decorrência da Revolução de 1930, responsável por colocar Getúlio Vargas no poder, e da Revolução Constitucionalista de 1932. Essa Constituição foi marcada pelo intervencionismo estatal. Até então, as Constituições não tratavam de questões sociais. A Constituição de 1934 inovou nesse sentido. Pela primeira vez aparecem no texto constitucional direitos sociais e, dentre eles, estão previstos a obrigação conjunta da União, dos Estados e dos Municípios em amparar a maternidade e a infância11, e a proibir o trabalho a menores de 14 (quatorze) anos.12 Também pela primeira vez há um

11 Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: [...] c) amparar a maternidade e a infância; [...] f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis; 12 Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a

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capítulo específico sobre a família (artigos 144 a 147)13 e há previsão da responsabilidade da família e dos Poderes Públicos pela educação.

Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.

Em 1937 foi outorgada nova Constituição

Republicana em decorrência do golpe de Estado promovido pelo então Presidente da República Getúlio Vargas. Nesse documento legal existiram poucas

menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres; 13 Art 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo. Art 145 - A lei regulará a apresentação pelos nubentes de prova de sanidade física e mental, tendo em atenção as condições regionais do País. Art 146 - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento. Parágrafo único - Será também gratuita a habilitação para o casamento, inclusive os documentos necessários, quando o requisitarem os Juízes Criminais ou de menores, nos casos de sua competência, em favor de pessoas necessitadas. Art 147 - O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita, a impostos iguais aos que recaiam sobre a dos filhos legítimos.

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alterações a respeito da família, uma vez que, apesar de ter sido elaborada sem a participação popular, manteve a mesma ideologia do então Presidente da República. Os artigos 124 a 12714 trataram especificamente da família, referindo-se à educação como direito e dever dos pais:

Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular.

Do mesmo modo, manteve o amparo do Estado à

infância e juventude nos seguintes termos: Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por

14 Art 124 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos. Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. Art 126 - Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais. Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole.

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sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole.

Assim, o Estado continua legislando sobre a família

e a educação das crianças, intervindo de forma incisiva nos casos em que os responsáveis legais colocavam-nas em risco.

A Constituição Republicana de 1946 surgiu com o fim do governo autoritário implantado por Getúlio Vargas, fim este ocorrido por forte influência do fim da Segunda Guerra Mundial, quando todos os governos autoritários sofreram derrocada.

Primando pela democracia, o tema família manteve-se inalterado. Com um capítulo específico sobre a família, o dever do Estado de amparar a infância e a obrigação da família e do Estado de prover à educação das crianças foram mantidos:

Art 164 - É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa. [...] Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.

Com a ditadura militar foi outorgada segundo

alguns, e semi-outorgada segundo outros, a Constituição Republicana de 1967. Com o objetivo precípuo de garantir o poder dos revolucionários militares, não houve qualquer preocupação com os direitos sociais. Assim, a família continuou presente na Constituição, mas foi reduzida a um único artigo com seus quatro parágrafos:

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Art 167 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. § 1º - O casamento é indissolúvel. § 2º - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no Registro Público. § 3º - O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no Registro Público mediante prévia habilitação perante, a autoridade competente. § 4º - A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância e à adolescência.

Mesmo com a Emenda Constitucional nº 1 em

1969, nome dado à todas as emendas constitucionais formuladas pelo governo militar à Constituição Federal de 1964, as normatizações a respeito da família mantiveram-se incólumes de mudanças.

Art. 175 [...] § 4º Lei especial disporá sôbre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sôbre a educação de excepcionais. Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola.

Mudou apenas algumas palavras, mas o conteúdo

continuou o mesmo. Finalmente, com o fim do governo ditatorial, foi

promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Obviamente, em um contexto histórico peculiar, uma vez que a sociedade tinha acabado de encerrar um regime ditatorial, autoritário e assassino, essa Constituição

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foi considerada pelos estudiosos como a Constituição Cidadã.

Destaca-se nela a previsão de direitos e garantias fundamentais em um rol extenso elencado no artigo 5º, de direitos sociais, previstos basicamente no artigo 7º, isso sem considerar que os inúmeros direitos e garantias individuais e direitos sociais previstos ao longo de todo o texto constitucional.

Preocupou-se em legislar sobre a família e os grupos chamados de vulneráveis de forma ímpar. Esse fato, aliado a todo o cerne da Constituição Federal de 1988, demonstra um Estado absolutamente intervencionista, não obstante o previsto no artigo 4º, inciso IV, da Constituição Federal.15

O capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal foi destinado para tratar da família, e, após emendas constitucionais a fim de adequar a lei superior à conduta da sociedade, dedicou-se à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso. Extremamente complexa, o legislador constituinte realmente deu a família a tutela constitucional que merecia.

Como já dito, além de inúmeras previsões estarem ao longo da Constituição Federal, há os artigos específicos que tratam do tema. No entanto, nos interessa mais saber sobre a proteção constitucional da criança.

Pouco ou nunca a figura da criança ganhou tanto destaque nas Constituições brasileiras. A preocupação das Constituições anteriores era basicamente com a modificação de procedimentos e órgãos gestores da Federação. A Constituição Federal de 1988 tratou de forma muito pormenorizada os direitos sociais e familiares.

A começar, os direitos da criança passam a ser valorizados com o reconhecimento de vários tipos de união marital como família. Obviamente que isso já proporcionou

15 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] IV - não-intervenção;

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maior respeito à criança como pessoa digna de ser amparada pela lei.

Há ainda a: [...] proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; [...] (artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal de 1988).

Ainda tratando especificamente sobre à criança, a

Constituição Federal previu no artigo 24, inciso XV, a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar de forma conjunta sobre a proteção da infância e da juventude.16

O artigo 203 da Constituição Federal estabelece que:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

O dever de respeitar o direito à educação é do

Estado e da família nos termos do artigo 205 da Constituição Federal.

E, por fim, o artigo 227 que merece ser transcrito em face da grande importância que possui em relação aos direitos da criança e do adolescente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,

16 Art. 24, XV: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteção à infância e à juventude.

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à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Este dispositivo constitucional concentra todos os

direitos básicos da criança e do adolescente, sendo que estes são os mínimos necessários para que haja respeito à dignidade humana desses indivíduos que estão em pleno processo de desenvolvimento de sua personalidade.

É justamente durante a primeira infância que a criança adquire consciência de si mesma e, portanto, começa a formar sua personalidade.

Segundo Carl Gustav Jung a criança apenas cria consciência de sua individualidade, de sua psique independente da mãe, entre os três e cinco anos de idade.17 Diante disso, proporcionar às crianças dessa faixa etária um relacionamento familiar equilibrado e um ambiente benéfico é imprescindível para que desenvolva uma personalidade salutar à sua psique. Isso porque a criança estabelece como padrão de conduta o que os pais e o ambiente dela esperam.

Os pais são idealizados pelas crianças, quer sejam bons quer sejam maus. Trata-se de uma proteção psíquica e, também, resultado da ausência de discernimento.

Por essa razão, a criança agredida entende que a única responsável pela agressão é ela própria: se apanhou, apanhou porque mereceu. Nessa dinâmica, a própria criança iniciará um processo tormentoso de sempre buscar a aprovação dos pais, circunstância essa que poderá continuar ao longo da vida.18

Indubitável, portanto, as possíveis consequências do convívio da criança em um lar desajustado: graves

17 JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. [S.n.t.]. 18 XAVIER, Leandro. A criança interior. Disponível em: http://www.artigonal.com/psicoterapia-artigos/a-crianca-interior-2877207.html. Acesso em: 23 set. 2015.

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danos em sua personalidade, tais como baixa autoestima, ansiedade, insegurança e problemas afetivos.

Obviamente que toda essa condição reflete tanto no texto constitucional quanto nos textos legais, de tal forma que se nota com clarividência a valoração da infância como fase da vida que merece a mais absoluta e prioritária proteção. O pleno e saudável desenvolvimento do indivíduo humano nesse momento é primordial para a formação de uma sociedade produtiva e ética. Uma vez realizada a valoração, criou-se um objetivo a ser alcançado – um dever ser em relação à efetivação e tutela dos direitos da criança.

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= II =

A DIGNIDADE HUMANA DA CRIANÇA 2.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

A dignidade humana pode ser analisada, então, em

duas dimensões: uma interna, ligada a sua origem, e uma externa, relacionada ao contexto histórico.

A origem da dignidade humana está na filosofia que a compreendia como um conceito ligado a moralidade e a ética. O contexto histórico, por sua vez, está relacionado ao fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, segundo Luís Roberto Barroso, somente a dignidade humana externa é passível de ofensas e violações.1

Apesar do estudo da dignidade ser oriundo dos tempos mais remotos da humanidade, este somente ganhou destaque no cenário internacional após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).

Este, que foi o marco histórico na luta pela garantia dos direitos e liberdades fundamentais, expôs ao mundo as atrocidades que foram cometidas por um Estado contra seus governados. Genocídio, torturas, cárceres privado, trabalho forçado, destituição de nome, propriedade, família, e tantos outros crimes demonstraram o total e absoluto desrespeito às garantias fundamentais do indivíduo humano.

Aqueles que não eram arianos não eram considerados pessoas e, por essa razão, podiam ser tratados como animais. Eram capturados, destituídos de qualquer personalidade, perdiam sua identidade e seu nome e ganhavam um número através do qual eram

1 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à

luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.

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reconhecidos. E o mais aterrorizante é que tudo o que foi feito era absolutamente LEGAL.

Os países que formavam o Eixo2 editaram leis que justificavam toda a atrocidade ocorrida em seus territórios. Essa experiência histórica demonstrou os danos imensuráveis que um governante tirano pode causar à seus governados. Nesse sentido, há de se notar a “importância” da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen3 para fundamentar o sistema de governo dos nazistas e dos fascistas.

Com o fim da guerra os líderes mundiais vencedores (os Aliados)4 uniram-se no intuito de produzir documentos internacionais capazes de afirmar e garantir os direitos e liberdades fundamentais em todo o mundo. Eduardo Carlos Bianca Bittar ressalta que nesse período “[...] a pessoa humana é posta novamente em foco, e sua valorização recupera foros de decência social mínima.”5

A dignidade da pessoa humana tornou-se, a partir daí, o principal bem jurídico a ser amparado pelo Direito em todo o mundo.

Nesse sentido, de forma extremamente elucidativa Gustavo Vinícius Camin e Zulmar Antonio Fachin, no artigo denominado “Dignidade da pessoa humana: o princípio dos princípios”6, concluem que:

[...] principalmente após as atrocidades da segunda guerra mundial, passou-se a dar uma atenção especial à dignidade da pessoa humana, elevando-a a princípio dos princípios e como núcleo essencial a ser protegido pelo Direito dos Países.

2 Alemanha, Itália e Japão. 3 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 427p. 4 Estados Unidos da América, União Soviética e Reino Unido. 5 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade e reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 300. 6 PEGINI, Adriana Regina Barcellos (Org.). Direito e pessoa humana. Maringá/PR: Editora Vivens, 2014, p. 365.

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Instrumentos legais surgiram no intento de garantir

direitos ao ser humano, sendo que nesse respeito merece destaque a Carta das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.

Quando elaborada em São Francisco, nos Estados Unidos da América, a Carta das Nações Unidas teve como fundamento justamente a união dos países para preservar a paz mundial e lutar, se necessário, pelos direitos e liberdades individuais7.

Vale transcrever o belo introito:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

A Declaração de Direitos do Homem de 1948 já

tratou, em seu primeiro artigo, de garantir a liberdade e dignidade do indivíduo, nos seguintes termos8:

Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

7 Carta das Nações Unidas - ONU, 1945. 8 Declaração Universal dos Direitos Humanos - ONU, 1948.

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Indiscutível a dificultosa efetividade desses direitos. Mas fato é que houve adesão em massa aos principais documentos internacionais que tratam dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo e da coletividade. Além disso, todo o indivíduo humano deve ter seus direitos fundamentais garantidos, sendo ou não signatários dos documentos internacionais.

Sobre o assunto, Daniel Sarmento leciona que: Por isso, consideramos, sobre todos os aspectos, preferível a idéia de que os direitos humanos, conquanto tenham se originado de fato do pensamento ocidental, se universalizaram e constituem imperativos éticos que protegem todo e qualquer ser humano, independentemente do seu país ou cultura.9

Por essa razão que a dignidade humana ganhou o

cenário mundial com o principal objetivo a ser alcançado por todo e qualquer Estado. Mas, no que consiste essa dignidade?

A palavra dignidade tem origem do latim dignitas, “o que tem valor”, e seu conceito é multifacetado:

DIGNIDADE s.f. (Do lat. Dignitas, dignitatis, mérito, dignidade.) 1. Qualidade de quem é digno; nobreza; respeitabilidade. – 2. Cargo ou título de alta graduação. – 3. Respeito que merece alguém ou alguma coisa: a dignidade da pessoa humana. – 4. Honra, decência, brio.10

Esses conceitos demostram exatamente a

evolução do termo ao longo dos tempos. Inicialmente a palavra dignidade estava

diretamente relacionada com o status do indivíduo em uma

9 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 6. 10 ENCICLOPÉDIA Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1998, vol. 8, p. 1907.

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sociedade: somente era digno o nobre, o cidadão (que possuía a prerrogativa de exercer direitos políticos).

Em seu brilhante estudo, Tomás de Aquino atribuiu ao ser humano o direito a ser respeitado em face de seus valores e de sua liberdade de escolha. Portanto, a dignidade humana como conhecemos atualmente surgiu com a doutrina cristã do Evangelho.

No humanismo renascentista coube a Pico della Mirandola conceder a dignidade humana um conteúdo racional. Segundo seu entendimento o ser humano é digno porque é o único indivíduo no reino animal que possui razão, podendo, assim, utilizá-la para fazer suas escolhas de forma livre e independente.11

Por fim, Immanuel Kant contribuiu de forma ímpar para o estudo da dignidade humana na filosofia iluminista através do imperativo categórico, que atribui valor sem qualquer condição. Ele simplesmente é. É justamente o que ocorre com a dignidade humana: o ser humano é digno pelos simples fato de ser humano. O valor do indivíduo não possui qualquer preço e, se não tem preço, é digno.12

Eduardo Carlos Bianca Bittar entende a dignidade como um atributo dado ao indivíduo “desde fora” e “desde dentro”: “desde fora” é a dignidade que se confere ao outro para ser dignificado; “desde dentro” consiste na dignidade que se confere a si mesmo refletindo na auto aceitação e na auto valoração do indivíduo.13

Mas, independentemente do conceito de dignidade própria que cada um possua (dignidade desde dentro), todo indivíduo é, germinalmente, dela merecedor, bem

11 MIRANDOLA, Pico della. A dignidade do Homem. São Paulo: Editora Escala, [s. d.]. 12 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa. Editora: Edições 70, 2007. 13 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade e reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2009, p. 300.

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como agente qualificado para demanda-lo do Estado e do outro (dignidade desde fora), pelo simples fato de ser pessoa, independente de condicionamentos sociais, políticos, étnicos, raciais, etc.14

Ocorre que ambas as dimensões da dignidade,

quais sejam, desde fora e desde dentro, estão interligadas e, por essa razão, é necessário que o indivíduo possua condições externas propícias para se atribuir dignidade.

Por essa razão que o Estado possui o dever, a obrigação de proporcionar aos seus cidadãos o mínimo necessário para possuírem uma vida que, em primeiro lugar, tornar-lhes dignos para si mesmos.

Essa visão sobre a dignidade é interessante ao passo que consegue atribuir ao Estado dever social em relação aos seus governados.

Entretanto, não é o suficiente para conceder à dignidade um conceito concreto que possa ser utilizado como referência para garantia de direitos em todo o mundo.

Nesse sentido, é importante o estudo de Luís Roberto Barroso15 na tentativa de conceituar a dignidade de forma mais concreta em benefício de todo o Direito. Para tanto, estabelece um conteúdo mínimo no conceito de dignidade humana: o conceito deve incorporar valor intrínseco, autonomia e valor comunitário.

O valor intrínseco da dignidade humana deve ser tanto sob o ponto de vista filosófico quanto sob o ponto de vista jurídico.

Para a filosofia, o valor intrínseco da dignidade humana é de ser um conjunto de características que concede ao homem o valor que o torna único no mundo. As consequências desse valor são tornar o homem um indivíduo antiutilitarista (ou seja, não deve ser útil a

14 Idem, p. 301. 15 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à

luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.

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ninguém, mas apenas a si mesmo16), e também antiautoritário (ou seja, “[...] é o Estado que existe para o indivíduo, e não o contrário”17).

Juridicamente, a dignidade humana consiste na origem de todos os direitos fundamentais tais como o direito à vida, à igualdade perante a lei e na lei, direito à integridade física e psíquica ou mental.

A autonomia refere-se à liberdade do ser humano de tomar suas próprias decisões. Filosoficamente, a autonomia a compor o conceito de dignidade humana é a autonomia pessoal, que compreende o uso da razão para se fazer escolhas de forma absolutamente independente.18 Juridicamente, a autonomia deve compreender a autonomia privada (liberdades básicas), pública (direito à participação política) e o mínimo existencial (satisfação das necessidades básicas para que a autonomia seja plena)19.

Por fim, o valor comunitário deverá estar presente no conceito de dignidade humana ao passo que esta funciona como um limitador da autonomia privada. Através desse valor, a dignidade humana também está em respeitar a dignidade de terceiros e em proteger os valores sociais compartilhados.

Uma vez atendidos esses “requisitos” ainda é necessário observar que o conceito de dignidade humana construído atenda a todas as culturas, leis e moral do planeta.

16 A visão antiutilitarista do indivíduo expressado por Barroso retrata o imperativo categórico de Kant. 17 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013, p. 77. 18 Nesse ponto, o autor deixa de utilizar da autonomia moral de Kant para adotar a concepção muito próxima dos conceitos de Pico della Mirandola. 19 Seria a concretização da dignidade desde fora de Eduardo C. B. Bittar.

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Para isso, esse conceito deverá laico, neutro e universal. Laico se apresentar uma visão racional e humanitária em detrimento da religiosa. Neutro caso o conceito for aceito por qualquer ideologia ou política. E universal se houver respeito às diferentes etnias, religiosidades e culturas.

Nota-se a complexidade da construção de um conceito de dignidade humana que atenda todas essas exigências. A análise de cada um desses pontos em um caso concreto dará mais segurança quanto ao direito a ser protegido. E essa é justamente a sugestão de Barroso em sua obra.20

No mais, a construção de um conceito de dignidade humana dar-se-á com o tempo, através de muitos estudos desenvolvidos sobre o tema.

Para fins desse trabalho, a dignidade humana será compreendida como um valor intrínseco de todo e qualquer ser humano, justamente pelo fato de ser um humano (imperativo categórico de Kant), sendo este valor inatingível e irrenunciável, e que deve ser protegido pelo Estado através da promoção de medidas capazes de garantir a efetividade de todos os direitos fundamentais.

Através do conceito modestamente formulado de dignidade humana nota-se a busca pela efetividade de sua garantia, e essa efetividade dar-se-á justamente pela condição jurídica de ser um princípio.

O princípio ganhou nova roupagem no Direito através do neoconstitucionalismo pós-positivista, que constitui uma nova forma de interpretar e aplicar as constituições dos Estados e seus preceitos.

O pós-positivismo jurídico consiste em um pensamento jusfilosófico responsável por inovar as definições dos pilares básicos do constitucionalismo. Essas inovações são importantes para melhor

20 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à

luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.

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compreensão das consequências do pós-positivismo no constitucionalismo contemporâneo.

Dentre os pilares do constitucionalismo vale citar as teorias da norma, das fontes e a da interpretação.

Na teoria da norma, a norma jurídica foi destituída de toda a carga positivista abrangendo, além das leis, das decisões judiciais, dos costumes, da jurisprudência e da doutrina, os princípios. Entender os princípios como uma norma jurídica reformula toda a teoria da norma.

Na teoria das fontes ocorre o mesmo processo de valorização dos princípios, que deixam de ser fontes secundárias e passam a ser fontes primárias do Direito e, consequentemente, tornam-se capazes de regular condutas.

Na teoria da interpretação foram acrescentados como meios de interpretação das normas jurídicas a hermenêutica, a argumentação jurídica e a tópica. Diante disso, passa a ser evidente a influência direta da jusfilosofia no processo de interpretação jurídica.

O pensador norte americano Ronald Dworkin21 foi o primeiro a defender os princípios como oposição ao positivismo jurídico, propondo, assim, uma ruptura com o sistema positivista. O pós-positivismo é, portanto, o oposto do positivismo na medida em que não sustenta a separação do direito com a moral e a política, e se afasta do jusnaturalismo ao passo que está fundado na racionalidade, como ocorre, por exemplo, na solução de conflitos entre princípios através da ponderação de interesses.

Para o positivismo, a grosso modo, a aplicação do Direito resume-se a uma simples fórmula matemática: se o caso concreto for A, deve-se aplicar a lei A, se B, a lei B.

Ocorre que o Direito não é uma ciência exata. Uma afirmação tão óbvia mas tão necessária para fundamentar o pós-positivismo. Nele, o princípio é uma norma jurídica e

21 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson

Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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pode ser aplicado a toda e qualquer situação em qualquer lugar do planeta. Assim, os países que possuem interesses em comum, tais como o de garantir o respeito à dignidade humana aderem ao princípio não mais como meio de auxiliar na interpretação das normas, mas sim como principal objetivo a ser atingido pelo Direito22.

Os princípios passaram, portanto, a ser aplicáveis integral e imediatamente em todas as situações, sem a necessidade de normas que a deem eficácia. Nota-se que há nesse processo uma evidente aproximação do Direito com a moral e os valores, o que não ocorria há muito tempo.

A dignidade humana: o objetivo do planeta desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Impossível considerar esse princípio apenas como um meio de interpretação das normas jurídicas. Rebaixar este princípio à menos do que a lei é inconcebível.

Por esse motivo que a teoria de Dworkin é tão clara e aceita pelos juristas atualmente. A dignidade humana é um valor fundamental na ordem jurídica e é capaz de intervir de forma absoluta nas demais normas justamente por ser o “valor dos valores”23, motivo pelo qual sua efetividade deve ser promovida pelos Estados.

A fim de atender aos anseios ideológicos tanto internos quando externos, o Brasil incluiu a dignidade humana em sua Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania;

22 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 57/61. 23 REIS, Calyton; PINTO, Simone Xavier. O abandono afetivo do filho, como violação aos direitos da personalidade. Revista Jurídica Cesumar.

Mestrado, Maringá, v. 12, n. 2, p. 503-523, 2012.

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II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.24

Graças ao pós-positivismo jurídico a dignidade humana ganhou o status que lhe cabe tanto nas normas jurídicas internas dos Estados quanto nos documentos internacionais.

A localização topográfica da dignidade humana na Constituição Federal de 1988 indica justamente sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro. A dignidade humana passou a ser a matriz principiológica de todo o texto constitucional e do ordenamento jurídico. Tornou-se o princípio dos princípios.

Como princípio a dignidade humana é o: [...] mais relevante da nossa ordem jurídica, que lhe confere unidade de sentido e de valor [...]. Além disso, o princípio em questão legitima a ordem jurídica, centrando-a na pessoa humana, que passa a ser concebida como “valor-fonte fundamental do Direito”. Dessa forma, alicerça-se o direito positivo sobre profundas bases éticas, tornando-o merecedor do título de “direito justo.25

Inicialmente a proteção da dignidade humana era

tarefa dos poderes Legislativo e Executivo. Mas conforme foi sendo incorporada em textos legais e tornando-se um conceito jurídico essa função passou rapidamente para o Poder Judiciário.

O que favoreceu de fato a ascensão da dignidade

24 Original sem grifos. 25 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.

ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 86.

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humana como princípio foi justamente o pós-positivismo.26 Considerando tudo o que foi apresentado até o momento, nota-se que já é entendimento pacífico de que as soluções claras e acabadas do direito positivo não são mais suficientes para solucionar as questões altamente complexas da atualidade. Assim, o princípio ganha status de norma jurídica e, como tal, deve possuir aplicação imediata sob qualquer circunstância.

Há quem entenda que a dignidade humana constitui um valor absoluto. Principalmente na Alemanha. Entretanto, “[...] no direito não há espaço para absolutos. [...]”27. Se há exceções, não é absoluto. A dignidade humana é um princípio que contempla diversos direitos fundamentais, tais como a liberdade, que pode ser restringida em caso de prisão.

Assim, a dignidade humana não é um valor absoluto, mas sim um valor fundamental, intrínseco a todo indivíduo humano de modo a fazer parte de todo o conteúdo essencial de todos os direitos fundamentais.

2.2 A CRIANÇA COMO PESSOA

Inicialmente a pessoa era considerada no Direito

algo meramente formal: a matéria prima do direito, juntamente com os fatos e objetos.28

Entretanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 prevê em seu Artigo VI, que: “Todo ser

26 Conforme Luís Roberto Barroso. Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013. 27 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013, p. 64. 28 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2007 (Coleção Professor

Agostinho Alvim / coordenação Renan Lotufo).

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humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.”29.

Assim, nota-se a especificidade do termo “pessoa” no texto da Declaração. Obviamente que essa expressão representa mais que um conceito puramente biológico.

A Constituição Federal pátria trata como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III). Mais uma vez adota o termo pessoa ao invés de homem, indivíduo ou cidadão.

Por fim, o Código Civil utilizou do termo pessoa natural para distingui-la da pessoa jurídica, e inaugura o texto legal dizendo que “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na esfera civil”.

Diante disso, pessoa passou a ser o sujeito de direitos.30 Tão somente isso.

Não há dúvida, portanto, da importância de se conhecer o conceito de pessoa, uma vez que este foi o termo escolhido pelas principais normas protetivas, motivo pelo qual esse simples conceito legal não é suficiente para compreender a dimensão do objeto tutelado pelo Direito.

Ao conceituar direitos de personalidade Carlos Bittar31 frisa que:

Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.

Mais uma vez fica clara a necessidade de conhecer

29 Original sem grifo. 30 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009 31 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1989, p. 1.

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o conteúdo ôntico de pessoa, até mesmo porque esta precisa ser protegida em sua individualidade.32 Não satisfaz mais entender pessoa apenas como matéria prima do Direito ante sua extrema complexidade.

Nesse interim, vale citar o Professor José de Oliveira Ascensão, autor do prefácio da obra de Diogo Costa Gonçalves, que concluiu:

(...) se todo o Direito é constituído para o Homem, e o Homem é Pessoa, se não tivermos consciência do que a Pessoa é todo o progresso do Direito é vão.33

Nota-se que o conceito de pessoa não é simples.

O ser humano é complexo e sua complexidade natural é transferida para qualquer campo científico ou filosófico.

O desafio e a dificuldade em conhecer a natureza humana existem desde o início dos tempos. É uma busca filosófica constante e nem sempre bem sucedida ao longo da história da humanidade.34 Inúmeros estudiosos se dispuseram a tentar definir o conceito de pessoa e o cerne da questão gira em torno justamente da natureza humana a fim de diferenciar a pessoa da mera existência da vida.

Etimologicamente, inobstante a origem duvidosa da palavra “pessoa” os estudiosos remontam seu surgimento do latim persona, que se referia a máscara utilizada pelo ator durante encenação com o objetivo de representar alguém e de ampliar sua voz.35 Essa expressão originou não somente a palavra “pessoa”, como também a palavra “personagem”.

32 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Tradução de

Afonso Celso Furtado Rezende. São Paulo: Quorum, 2008. 33 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade: fundamentação ontológica da tutela. Coimbra/Lisboa: Almedina, 2008, p. 12. 34 ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007 35 MONDIN, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo: Paulus, 1980, p. 291.

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A Grande Enciclopédia Larousse Cultural36 define

pessoa como: PESSOA s.f. (Do lat. persona) 1. Ser humano, sem distinção de sexo (homem ou mulher); indivíduo: [...] – 2. Indivíduo considerado por si mesmo. – 3. Indivíduo considerado enquanto ser particular, físico e moral [...] Dir. Quem é capaz de gozar de direitos e de contrair obrigações e que pode ser ou um indivíduo (pessoa física) ou uma entidade coletiva (pessoa jurídica). [...].

Referido conceito contempla a pessoa tanto sob o

ponto de vista filosófico quanto sob o contexto jurídico. Ontologicamente, a filosofia clássica grega foi

importante para definir a individualidade do Homem. Contudo, não se preocupou em definir a “pessoa”.

Na antiga Grécia, em seu período clássico (séculos VI a IV a.C.) a palavra persona referia-se a todo e qualquer ser humano, livre ou escravo, o que motiva o reestudo do conceito tradicional dos civilistas de que o escravo era considerado apenas res.37

Coube ao Cristianismo colaborar de forma ímpar para construção do conceito de pessoa quando explicou a Santíssima Trindade. Segundo os estudiosos (Santo Agostinho) Cristo possuía a natureza humana e divina em uma única pessoa.38 Nota-se, então, pela primeira vez a utilização da palavra pessoa de forma autônoma. Nesse sentido, pessoa já não é mais a mesma coisa que Homem. Tertuliano, Santo Agostinho, Boécio, São Tomás de Aquino e Escoro foram os principais contribuintes para a

36 ENCICLOPÉDIA Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1998, vol. 19, p. 4577. 37 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 28/31. 38 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade: fundamentação ontológica da tutela. Coimbra/Lisboa: Almedina, 2008,

p. 26.

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conclusão de que, para a teologia cristã, pessoa é o ser amado por Deus em sua individualidade.39

No pensamento moderno há uma desconstrução da noção de pessoa. Passa-se, então, a identificá-la como uma realidade psíquica, emotiva e subjetiva. Os principais responsáveis pela construção desse novo conceito foram: Descartes, que entende pessoa como ser psíquico dependente, apenas, de seu juízo mental (penso, logo, existo)40; Locke que designava “pessoa” como “consciên-cia”41; Hume para o qual a pessoa é a consciência humana formada pelas sensações e percepções do indivíduo42; Kant que também defende que a pessoa é consciência, mas esta é moral43; Hegel que entende o homem como parte da humanidade44; Kierkegaard que voltou a priorizar a individualidade do ser humano, bem como sua liberdade oponível apenas diante de Deus45; e Nietzsche que, por fim, excluiu o Homem de qualquer questão filosófica ao afirmar que o Homem é um ser totalmente indeterminado.46

Todos esses pensadores e suas teses foram fundamentais para a construção do que conhecemos hoje

39 Idem, p. 27/28. 40 DESCARTES, René. Discurso do método. Brasília: UnB, São Paulo: Ática, 1989. 41 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo; Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 42 HUME, David (1739). Tratado da Natureza Humana. Tradução Déborah Danowski, Ed. Unesp / Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, 2000. Original: A Treatise of Human Nature. 43 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa. Editora: Edições 70, 2007. 44 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Introdução à história da filosofia.

São Paulo: Hemus, 1983. 45 KIERKEGAARD, Sören. Temor y Temblor. Traducción de Jaime Gringberg. Buenos Aires: Editorial Losada, 1958. 46 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. 4. ed., rev.

São Paulo: Martin Claret, 2008.

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como pessoa sob o ponto de visto jurídico.47

Para que se possa trazer para o Direito uma definição consistente é necessário, primeiramente, desconstruir todo e qualquer conceito pronto sobre pessoa. Principalmente os conceitos legais que, ante sua finalidade, são sucintos e objetivos. Somente então é possível reconstruir esse conceito partindo de sua origem histórica, dos estudos filosóficos, bem como do conteúdo normativo.

Contemporaneamente, na doutrina brasileira há o ensinamento de Miguel Reale que ao lecionar sobre Filosofia do Direito48, entende pessoa como o homem que é e que deve ser. Ao nascer se é ser (existência biológica no mundo) e torna-se pessoa através do dever ser, que nada mais é do que o exercício rotineiro de valores intrínsecos, consistentes na ética (justo), na estética (arte) e na verdade (busca constante). Estes valores agregados constituem a dignidade.

Javier Hervada contribui ao afirmar que o homem vive esse ser de forma tão intensa que possui absoluto domínio sobre si mesmo.49 Esse seria o conceito de pessoa quanto a seu valor.

A liberdade de ser, de escolher o modo como se vive, dá ao homem autonomia plena de sua vida. Como já dito, essa liberdade dá ao homem dignidade.50 Possuir consciência dessa autonomia dá ao homem a condição de pessoa.

47 BORGHETTI, Cibele Stefani. Pessoa e personalidade humanas: uma reflexão histórico-dogmática do seu reconhecimento e proteção jurídicos, na perspectiva da teoria da relação jurídica e das teorias dos direitos de personalidade. Curitiba: UFP, 2006. 316 f. Tese (Mestrado em Ciências Jurídicas) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006. 48 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva,

2002. 49 HERVADA, Javier. Crítica introdutória ao direito natural. Tradução de Joana Ferreira da Silva. Porto/Portugal: RÉS-Editora, s.d. 50 MIRANDOLA, Pico della. A dignidade do Homem. São Paulo: Editora

Escala, [s. d.].

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Nos dizeres de Miguel Reale: [...] o homem como único ente, que só pode ser enquanto realiza seu dever ser revela-se com “pessoa” ou unicidade espiritual, sendo a fonte, a base de toda a Axiologia, e de todo processo cultural, pois pessoa não é senão o espírito na autoconsciência de seu pôr-se constitutivamente como valor.51

A pessoa é, portanto, um ser “[...] dotado de

autonomia quanto ao ser, de autoconsciência, de comunicação e de autotranscendência”.52 A transcendência, segundo Battista Mondin, consiste na espiritualidade da qual o homem é titular, condição essa que o permite sempre estabelecer e superar suas metas.53

Também é interessante destacar a definição construída por Diogo Costa Gonçalves54, segundo a qual pessoa o é através de suas vontades, escolhas, comportamentos, características e valores intrínsecos. Dono de si, possuidor de absoluta razão e capacidade de raciocínio, o homem torna-se pessoa e, assim, é protegido de forma unânime pelo Direito.

[...] Pessoa é aquele ente que, em virtude da especial intensidade do seu acto de ser, autopossui a sua própria realidade ontológica, em abertura relacional constitutiva e dimensão realizacional unitiva. 55

O conceito oferecido por Diogo Costa Gonçalves

51 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 205. 52 MONDIN, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo: Paulus, 1980, p. 303. 53 Ibidem, p. 304. 54 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e Direitos de Personalidade: fundamentação ontológica da tutela. Coimbra/Lisboa: Almedina, 2008, p. 64. 55 Ibidem, p. 64.

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contempla tanto a consciência de si quanto a capacidade de interagir com o mundo exterior e, ainda, a possibilidade de se realizar. Nele estão presentes todos os elementos presentes no conceito de Mondin e no estudo formulado por Reale.

Quanto a realidade ontológica do homem mencionada por Gonçalves cabe citar Eduardo Vera-Cruz Pinto ao defender que somente o homem é pessoa:

De todas as formas de vida na Terra o homem tem uma única que lhe confere um estatuto jurídico exclusivo, pois o Direito é uma criação do homem para o homem, no imenso espectro de implicações que a afirmação comporta. Só o homem pode proteger com direitos outros seres da criação. [...] Só pelo Direito o Homem é Pessoa.56

Impossível ignorar, portanto, a importância da

Filosofia para a construção do Direito, uma vez que sua função é sempre buscar soluções para questões aflitivas do ser humano que, em quase sua totalidade, prescinde de reflexões e análise de juízos de valor por parte dos juristas.57 Apesar disso, ainda assim é necessário formular conceitos concretos para que o Direito possa proporcionar efetividade à mesma sociedade que dele necessita.

Ser reconhecido como pessoa confere ao indivíduo humano dignidade de ser algo além de um ser existente no globo terrestre: autonomia para fazer suas escolhas, capacidade de se inter-relacionar e de se reconhecer como ser capaz de criar, conquistar e recriar objetivos.

Portanto, o indivíduo humano está sendo pessoa. Ser pessoa é uma construção deveras dificultosa que não se completa, mas que se inicia desde o nascimento.

[...] a pessoa não é resultado já adquirido desde o

56 PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Curso livre de ética e filosofia do direito. S.l.: Principia, 2010, p. 211-213. 57 NADER, Paulo. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

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nascimento, mas é, antes, mina riquíssima de possibilidade, pelo qual a pessoa é, em larga medida, conquista.58

Pode-se, então, concluir que a criança é pouco ato

e muita potência utilizando a lição de Aristóteles. Ou seja, é um indivíduo com vida própria, que é em sua essência, mas obviamente com infinitas limitações por ainda não possuir todos os seus sentidos, funções biológicas e inteligência desenvolvidos. Em face dessas limitações e do pouco tempo de vida a criança tem pouquíssimas realizações no mundo fático, ao passo que tem ainda muito a fazer, a aprender, no que se transformar. Portanto, tem a potência para realizar seus valores intrínsecos, respeitando sempre suas características, suas oportunidades e suas escolhas.

Pela teoria do ser e do dever ser de Miguel Reale59, a criança é pelo simples fato de existir, e sempre deverá ser para que se construa como pessoa. E esse processo é constante em qualquer ente humano, quer seja adolescente, jovem, adulto, idoso ou criança.

Ao nascer o ser humano está para o mundo como qualquer outro animal vivo, interagindo com o meio ambiente através dos sentidos. Contudo, a diferença entre o indivíduo humano e o animal é a capacidade de se transcender através da linguagem.60

A criança faz bolos de areia, mas é uma fortaleza que ela constrói, sobre a qual reina e povoa de criaturas inventadas por ela. Ela está ali na praia, mas, pela história que conta a si, está muito longe, no tempo dos

58 MONDIN, Battista. O homem: quem é ele?: elementos de antropologia filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo: Paulus, 1980, p. 304. 59 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002. 60 SUPIOT, Alain. Homos juridicus: ensaios sobre a função antropológica do Direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado

Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 5.

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cavaleiros, numa profunda floresta, ou então transportada por um foguete para outro planeta. Pelas palavras que cochicha a si mesma, ou que troca com seus colegas de brincadeira, conhece a embriaguez de uma liberdade que nenhum animal jamais conheceu, a de reconstruir a seu bel-prazer um outro mundo possível, onde ela pode voar no ar, desdobrar-se, ficar invisível, ou ogre, ou gigante... Um mundo onde ela confere sentido aos objetos que modela ou aos desenhos que traça e que se tornam a marca visível de seu espírito.61

Sobre a formação da pessoa humana, Tomás de

Aquino define a educação como a contribuição para o amadurecimento da criança até atingir seu perfeito estado de homem. A finalidade da educação é, portanto, a formação da pessoa humana, uma vez que é através do conhecimento adquirido e desenvolvido que a criança torna-se um homem livre para fazer escolhas conscientes em todos os planos de sua vida. É através da educação que a criança cria autoconsciência, autonomia, adquire a capacidade de se comunicar e de auto transcender, tornando-se, portanto, pessoa na concepção de Miguel Reale. Para Tomás de Aquino a criança, como ser humano que é, está aberta ao infinito e isto é sinal da perfeição de sua forma, perfeição essa que indica sua semelhança ontológica com Deus.62

Assim, tanto a criança como qualquer indivíduo humano que não possui autonomia e inteligência plenos hão de ser considerados pessoa e, portanto, portadores de dignidade humana, pela auto transcendência:

[...] é justamente a autotranscendência que leva o homem continuamente para além do que já é e possui,

61 Ibidem, p. 5. Original sem grifos. 62 SOUZA, Nivaldo Alves de. A criança como pessoa – na visão de Tomás de Aquino e Matthew Lipman. Florianópolis/SC: Sophos, 2001,

p. 108/111.

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propondo-lhe sempre novos objetivos e novas conquistas.63

Outro fundamento para determinar a condição da

criança como pessoa está na doutrina da imago Dei64, que ganhou força a partir do Concílio Vaticano II (1962-65).

Através da “Comunhão e serviço: a pessoa humana criada à Imagem de Deus” (2004), o Vaticano dividiu a imago Dei em imago creationis (naturae), imago recreationis (gratie) e imago similitudines (Christi). A imago creationis diz respeito à natureza do homem: o homem é a imagem de Deus porque ele é. A imago recreationis refere-se à graça de Deus: o homem é a imagem de Deus pela Sua graça e por livre e espontânea vontade. Por fim, a imago similitudines acrescenta a semelhança à imagem de Deus através do cristianismo: é o agir como Deus queria que agíssemos e conforme os ensinamentos do Deus filho.

A imago Dei concebida nessas três dimensões constitui o fundamento ontológico dos Direitos Humanos.

Sob o manto dessa doutrina, impossível conceber a criança como não sendo pessoa. Ela foi feita a imagem e semelhança de Deus e, portanto, possui a dignidade originária da divindade.

[...] concebido à imagem de Deus, o homem não é Deus. Sua dignidade particular procede não de si mesmo, mas de seu Criador, e ele a partilha com todos os outros homens.65

Inobstante a todo o exposto, a discussão acerca da

condição de a criança ser pessoa ficou na esfera

63 MONDIN, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. Tradução de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo: Paulus, 1980, p. 304. 64 O homem feito a imagem e semelhança de Deus. 65 SUPIOT, Alain. Homos juridicus: ensaios sobre a função antropológica do Direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado

Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 15.

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jusfilosófica, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece como criança a pessoa de até 12 (doze) anos de idade incompletos conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.66

Há, ainda, o Código Civil brasileiro segundo o qual

a personalidade civil da pessoa inicia-se com o nascimento com vida, apesar de garantir os direitos do nascituro desde a concepção.

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Portanto, o Direito brasileiro, ao garantir à criança

a proteção de todos os seus direitos desde o nascimento com vida, salvaguardando, ainda, os direitos do nascituro, confere-lhe a condição de pessoa e, portanto, atribui ao Estado o dever de respeitar sua dignidade humana e de garantir tudo o que for necessário para o desenvolvimento pleno e sadio de sua personalidade.

Nesse sentido, Eduardo Vera-Cruz Pinto leciona em nota de rodapé:

[...] o Direito cuida da criança como pessoa, dando dignidade jurídica à infância. Logo, atendendo a direitos da criança que se sobrepõem a quaisquer outros de outras pessoas, mesmo os pais.67

Portanto, a criança há de ser reconhecida como

pessoa pelo Direito e pela Filosofia do Direito,

66 Original sem grifo. 67 Original sem grifos.

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compreendendo, a partir daí, a essência legislativa e doutrinária da defesa integral, absoluta e incontestável dos direitos da criança com plena prioridade.

2.3 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA

Após todas as conclusões estabelecidas até este

momento do trabalho científico, é possível entender por direitos fundamentais todos os direitos que são necessários para que a pessoa exerça plenamente sua dignidade. Impossível, assim, ter sua dignidade respeitada se não há garantia do direito à vida, ou a integridade física, ou do direito à moradia ou à alimentação. São condições imprescindíveis para o desenvolvimento sadio da personalidade do indivíduo e, portanto, fundamentais à sua existência digna.

Para tratar dos direitos fundamentais da criança é necessário fazer um breve introito sobre a construção histórica desses direitos.68

O primeiro documento escrito que iniciou o processo de reconhecimento dos direitos fundamentais foi a Carta Magna de 1215 do Rei João-Sem-Terra. Referido rei, juntamente com os bispos e barões, elaborou a Carta Magna com objetivo de garantir respeito por parte do Estado aos direitos e liberdades do homem livre e da Igreja.

Já no século XVII as principais declarações de direitos foram a Petição de 1628 enviada pelo parlamento inglês ao Rei Carlos I, a Lei do Habeas Corpus de 1679 e a Bill of Rights de 1689 também elaborada pelo parlamento inglês.

A Petição de 1628 que o parlamento inglês enviou ao rei Carlos I reclamava dos impostos ilegais e pleiteava

68 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:

Forense, 2013.

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o reconhecimento da liberdade física ante as queixas de invasão de soldados e de prisões aleatórias.

Em 1679 foi publicada na Inglaterra a Lei do Habeas Corpus na qual se estabeleceu um procedimento para garantir a liberdade física, uma vez que o instituto já estava previsto na Magna Carta de 1215.

A Bill of Rights de 1689 foi elaborada pelos parlamentares ingleses com o principal objetivo de limitar ainda mais os poderes da autoridade real e evitar o fechamento do parlamento sem justo motivo. A Bill of Rghts foi o resultado da Revolução Gloriosa, que pôs fim à monarquia absoluta na Inglaterra.

Esses quatro documentos surgiram na Inglaterra e influenciaram o mundo, motivo pelo qual a Inglaterra passou a ser considerada o berço do direito à liberdade fundamental. O direito à liberdade na Inglaterra, portanto, foi fundamentalizado, e não constitucionalizado como na maioria dos países.

A Magna Carta, a Petição de Direito, a Lei do Habeas Corpus e a Declaração de Direitos foram de extrema importância para a defesa dos direitos fundamentais, razão porque inspiraram Montesquieu, Voltaire e Rousseau à motivar a luta pela independência dos ingleses que viviam na América.

Assim, foi elaborada a Declaração dos Direitos dos Povos da Virgínia, conhecida como Carta de Independência de 1776. Nesse período seis colônias americanas rebeladas (Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Vermon, Massachusetts e New Hampshire) proclamaram seus direitos e Thomas Jefferson redigiu uma carta de independência, na qual afirmava o direito de lutar pela liberdade, ainda que para isso tivessem que pegar em armas.

Referida Carta é tão formidável que, além de ser incorporada à Constituição dos Estados Unidos da América, também representou o ato inaugural da democracia moderna segundo a qual o representante é

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eleito pelo povo. A Declaração dos Direitos dos Povos da Virgínia criou um novo Estado e instituiu a democracia representativa com a preocupação de limitar poderes através de um regime democrático de direito e do respeito aos direitos humanos.

Na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em 1789 em decorrência da Revolução Francesa há, pela primeira vez, a proteção de todo o gênero humano, e não apenas de um grupo específico de pessoas. Sob forte influência de Rosseau (artigo 1º)69 e de Montesquieu (art. 16)70, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão foi utilizada como princípio pela maioria dos Estados do mundo ocidental.

A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão representou a superação do absolutismo, criou direitos religiosos, protegeu a propriedade privada (art. 17), a segurança, a liberdade em diversos aspectos, tais como a liberdade contratual, liberdade de manifestação de pensamento, liberdade religiosa, liberdade de reunião e liberdade de associação.

Infelizmente o direito a igualdade previsto nessa Declaração não foi efetivo após a sua publicação.

Após foi elaborada a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador Explorado de 1918 como resultado da revolução Soviética.

Essa Declaração foi responsável pela formação da União Soviética como um novo Estado. O valor nuclear era a igualdade, que passou a se expressar em vários direitos. Para que esse valor fosse efetivo, extinguiu o direito à propriedade privada uma vez que essa era um obstáculo à sociedade igualitária, e preocupou-se em estabelecer os mínimos direitos trabalhistas, tais como limite da jornada de trabalho e remuneração mínima pelo trabalho.

69 “Os homens nascem e permanecem livre e iguais em direitos”. 70 “A sociedade em que não estiver assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição.”

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No cenário pós guerra tem-se a já citada Carta das

Nações Unidas de 1945 responsável pela criação da ONU – Organização das Nações Unidas – e, consequentemente, pela criação de uma base normativa de proteção dos direitos fundamentais. Depois de 1945, houve uma vasta produção normativa a respeito dos direitos fundamentais, surgindo, assim, a internacionalização dos direitos fundamentais. Como consequência, a soberania dos Estados foi relativizada: a pessoa passou a ser mais importante que o Estado. A lógica disso é que os direitos humanos, que são inerentes às pessoas, se sobrepõem à soberania do Estado.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi o primeiro documento importante sobre direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial. Formalizou um grande consenso universal sobre determinada base de valores e influenciou países à adotar um rol de direitos fundamentais de liberdade e de igualdade em seus Direitos internos.

Os Pactos Internacionais de Direito Humanos firmados em 1966 correspondem aos pactos elaborados com o objetivo de garantir direitos civis e políticos, bem como direitos econômicos, sociais e culturais. Foi necessária a elaboração de dois pactos ante a “Guerra Fria” existente entre os Estados Unidos da América e a União Soviética. A diferença de ideologias impediu o consenso sobre os termos de um pacto internacional que tinha como meta garantir direitos fundamentais.

A solução encontrada foi a elaboração de dois Pactos Internacionais. Um foi o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos, que atendia os anseios dos Estados Unidos da América e dos países que a ele eram simpáticos. Tinha como valor nuclear a garantia à liberdade. Outro foi o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cujo valor nuclear era a garantia do direito à igualdade, como preconizava a União

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Soviética e os Estados a ela ligados e formaram a Carta Internacional de Direitos Humanos.

Ambos os pactos foram ratificados pelo Brasil apenas de 1992.

A Declaração de Teerã de 1968 é o resultado da primeira conferência mundial de direitos humanos realizada pela ONU. Durante a Guerra Fria, firmada apenas dois anos após a formalização dos pactos internacionais de 1966, a conferência tinha como grande preocupação a garantia da indivisibilidade dos direitos humanos fundamentais.

Assim, aos Estados foi atribuída a obrigação de garantir todos os direitos fundamentais, quer sejam sociais, econômicos e culturais, quer sejam a respeito dos direitos civis e políticos.

Os países presentes comprometeram-se em garantir todos os direitos fundamentais indistintamente: os países liberais comprometeram-se a combater a desigualdade, e os países comunistas comprometeram-se a incentivar a liberdade.

A Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 teve como meta elaborar um plano de ação para a concretização dos direitos humanos.

Foi o resultado da Segunda Conferência Mundial de direitos humanos realizada pela ONU, que entendeu por bem reunir os países para atualizar seus compromissos com a democracia, com a busca pelos direitos humanos fundamentais e com o desenvolvimento. Isso porque a situação geopolítica do mundo havia sofrido profundas mudanças desde 1968: a União Soviética havia sido desintegrada, a Alemanha reunificada, as ditaduras na América Latina tinham se encerrado, tal como os regimes comunistas do leste europeu, etc.

O Estatuto de Roma em 1988 criou o Tribunal Penal Internacional para processar e julgar os crimes mais graves cometidos contra os direitos fundamentais, como por exemplo o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra.

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Estabeleceu uma jurisdição penal internacional,

que é subsidiária e incide sobre todos os países membros da ONU.

Pela análise superficial da evolução histórica dos direitos fundamentais nota-se uma divisão em relação aos temas desenvolvidos: nos séculos XVII e XVIII o foco foi o direito à liberdade; na primeira metade do século XX a preocupação foi com o direito à igualdade; e na segunda metade do século XX o destaque foi para a fraternidade.

A liberdade, a igualdade e a fraternidade instruem os direitos fundamentais uma vez que a garantia desses direitos atende perfeitamente ao respeito da dignidade humana.

Conceder esses direitos e garanti-los através de procedimentos eficazes é obrigação do Estado. Do mesmo modo, os direitos fundamentais também implicam na imposição de limites tanto ao Estado quanto ao terceiro.

Inicialmente, quando o Estado adotava apenas a teoria liberal, os direitos fundamentais resumiam-se justamente a serem limites do poder estatal. Com a implantação da Estado social os direitos fundamentais ganharam uma nova concepção. Além de servir como limites jurídicos ao poder estatal também serve de referência para sua atuação.71

Sob este prisma, passa-se a entender que não basta que os Poderes Públicos se abstenham de violar tais direitos, exigindo-se que eles os protejam ativamente contra agressões e ameaças provindas de terceiros. Além disso, caberá também ao Estado assegurar no mundo da vida as condições materiais mínimas para o exercício efetivo das liberdades constitucionais, sem as quais tais direitos, para os despossuídos, não passariam de promessas vãs. Ademais, o Estado tem o dever de formatar seus órgãos e os respectivos procedimentos de

71 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.

ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.106.

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um modo que propicie a proteção e efetivação mais ampla possível aos direitos fundamentais.72

Assim, é possível concluir que os direitos

fundamentais são aqueles direitos da pessoa humana que refletem o que é necessário para respeitar sua dignidade humana, direitos esses que devem ser garantidos pelo Estado tanto em face de terceiros como em face do próprio Poder Público.

No Brasil os direitos fundamentais podem ser expressos (previstos nos artigos 5º ao 17 da Constituição Federal), ou implícitos (apesar de não serem nominados como direito fundamental estão localizados ao longo do texto constitucional).

Os direitos fundamentais possuem como principais características:

a) A fundamentalidade: que pode ser formal (estão presentes no ordenamento jurídico) ou material (possuem uma base axiológica no núcleo normativo);

b) A historicidade: os direitos fundamentais surgiram com o cristianismo, passaram pelas diversas revoluções até chegar aos dias atuais;

c) A universalidade: uma vez que existem em todos os tempos, em todos os lugares e são inerentes a todos os seres humanos;

d) A inalienabilidade: não podem ser doados, permutados, transferidos porque são inerentes à pessoa. A pessoa não tem autonomia para abdicar de um direito fundamental;

e) A inexauribilidade: inobstante estar expresso na Constituição, o rol dos direitos fundamentais não se exaure;

f) A positividade: decorre da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. As Constituições dos Estados continham a separação de

72 Ibidem, p. 107.

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poderes e um rol de direitos individuais que foram ampliados para os direitos fundamentais

g) A transindividualidade: há certos direitos que não são titularizados por uma só pessoa, mas por uma pluralidade de pessoas ao mesmo tempo. Eles transcendem uma esfera de um indivíduo

h) A complementariedade: os direitos fundamentais complementam um ao outro;

i) A imprescritibilidade: os direitos fundamentais não prescrevem;

j) A indivisibilidade: seu conteúdo elementar não pode ser tocado, cindido ou fragmentado;

k) A vinculatividade: os direitos fundamentais vinculam tanto os poderes estatal e privado quanto os indivíduos.

No Brasil a Constituição Federal possui um rol, como visto não taxativo, de direitos fundamentais e atribuiu a eles aplicação imediata, conforme disposição expressa do artigo 5º, §1º:

Art. 5º [...] § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Isso quer dizer que esses dispositivos são

aplicáveis desde a entrada em vigor da Constituição e independem de qualquer norma para torna-lo aplicável: possuem aplicabilidade imediata.

Em que pese a inexauribilidade dos direitos fundamentais, pode-se dizer que os direitos fundamentais que o são por excelência estão previstos no caput do art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

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Os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade são garantidos a todos, indistintamente. Por óbvio que a criança não está excluída da titularidade desse rol de direitos fundamentais. São, portanto, direitos fundamentais comuns aos adultos e as crianças.

No entanto, para que não haja dúvidas quanto a titularidade da criança dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.73

Os direitos fundamentais direcionados

especificamente à criança e ao adolescente estão previstos tanto na própria Constituição Federal quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

É possível observar que ao tratar dos direitos fundamentais em seu Título II, o Estatuto da Criança e do Adolescente nomeia esses direitos em seus capítulos, que são os direitos à vida e à saúde (capítulo I), à liberdade, ao respeito e a dignidade (capítulo II), à convivência familiar e comunitária (capítulo III), à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (capítulo IV) e a profissionalização e a proteção no trabalho (capítulo V).

Enquanto alguns dos direitos, como dito, são comuns aos adultos, há outros direitos fundamentais específicos à criança.

73 Original sem grifo.

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A especificidade de direitos fundamentais decorre

de um sistema especial de proteção desses direitos quando o titular é a criança ou o adolescente. Esse sistema é regido pelos princípios da proteção integral da criança e do adolescente e da absoluta prioridade dos interesses do menor. Ambos os princípios estão previstos originariamente, no ordenamento jurídico brasileiro atual, no já citado artigo 227 da Constituição Federal.

A absoluta prioridade do menor trata mais especificamente da prevalência dos direitos fundamentais da criança em relação aos dos adultos e também está prevista no artigo 100, parágrafo único, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 100. [...] Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: [...] IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

Todos os direitos previstos no caput do artigo 227

também são direitos fundamentais dos adultos. No entanto, a criança terá a garantia desses direitos efetivada de forma prioritária justamente pela condição peculiar de ser pessoa em desenvolvimento. Obviamente a criança não goza de liberdade e autonomia absolutos, tais como os adultos capazes, circunstância essa que lhe atribui uma vulnerabilidade intrínseca74. Por essa razão, a criança possui prerrogativa nas obrigações positivas da família, da sociedade e do Estado.

74 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri/SP: Manole, 2003, p.

382.

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O princípio da proteção integral, por sua vez, também previsto no artigo 100, parágrafo único, inciso II do Estatuto da Criança e do Adolescente75, possui um viés procedimental. Esse princípio visa assegurar que medidas sejam adotadas para que os direitos fundamentais dos menores sejam efetivados. Para tanto, foi necessária a promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente que se destinou a tratar tanto dos direitos fundamentais quanto das formas de torna-los ativos.

Sobre o assunto Andréa Rodrigues Amin leciona que:

Regulamentando e buscando dar efetividade à norma constitucional foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, microssistema aberto de regras e princípios, fundado em dois pilares básicos: 1- criança e adolescente são sujeitos de direitos; 2 – afirmação de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.76

Uma vez respeitados os princípios alhures, nota-se

que a criança possui ainda mais direitos fundamentais do que o adulto por sua condição especial de ser em desenvolvimento, direitos esses que serão tratados separadamente.

75 Art. 100. [...] Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: [...] II - proteção integral e prioritária: a

interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; 76 AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 13.

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2.3.1 Direito à convivência familiar

O primeiro direito fundamental a ser tratado é o

direito à convivência familiar estabelecido originalmente no artigo 227 da Constituição Federal, cuja redação sofreu grande influência da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, justamente porque os Estados Partes obrigaram-se a zelar pela manutenção da criança no seio familiar.

Art. 9º, I: Os Estados-Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e com os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança.

Essa prioridade constitucional foi retratada no

Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 4º, 16, inciso V e em todo o Capítulo III do Título II.

A necessidade de priorizar a convivência familiar da criança implica em permitir que esta possua um desenvolvimento saudável junto à pessoas que lhe dão, além do sustento material e intelectual, o afeto.

Por convivência familiar entende-se tanto a família natural (biológica) quanto a família substituta. Inquestionável a insistência da legislação vigente a respeito da manutenção da criança com sua família de procedência biológica, a ponto de realizar diversas medidas para recuperação dos pais que, por algum motivo, estão desprovidos de condições (emocionais, psicológicas ou físicas) para cuidar de sua prole. No entanto, uma vez que não é mais possível a convivência familiar genética (primeiro com os pais e, depois, com qualquer parente próximo), a ponto de destituir o poder familiar dos genitores, haverá a colocação da criança em

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família substituta e essa, então, passará a ser família para todos os efeitos legais e, obviamente, afetivos.

Desta sorte, a convivência em família constitui-se em um porto seguro para a integridade física e emocional de toda criança e todo adolescente. Ser criado e educado junto aos pais biológicos ou adotivos deve representar para o menor de 18 anos estar integrado a um núcleo de amor, respeito e proteção.77

O direito fundamental à convivência familiar

contempla garantir que a criança se desenvolva com afeto familiar, sem o qual sua personalidade poderá desenvolver-se de forma distorcida, comprometendo a moral e a ética daquela criança. 2.3.2 Direito à profissionalização e à proteção no trabalho

Mais uma vez considerando os princípios da

proteção integral do menor a Constituição Federal preocupou-se em proibir o trabalho da criança até os 14 (quatorze) aos nos seguintes termos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do

Adolescente preconiza que:

77 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito fundamental à convivência familiar. In: ______. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris, 2006, p. 69.

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Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.

Obviamente que a presente medida teve por

finalidade acabar com o trabalho infantil tão problemático no Brasil.

Assim, a proibição do trabalho infantil foi um avanço inquestionável para o Direito brasileiro.

Entretanto, nota-se que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente abrem exceção ao trabalho da criança e do adolescente desde que o faça na condição de aprendiz.

Isso porque a criança possui, ainda, direito fundamental à profissionalização, e o trabalho do menor aprendiz reflete a satisfação desse direito fundamental.

Além disso, há uma conotação ocupacional no trabalho do menor aprendiz. Ocupar a criança e o adolescente com treinamento sadio para o trabalho através de cursos teóricos e de estágios contribui de forma imensurável para o seu desenvolvimento sadio. “[...] Às vezes, por desocupação ou extrema necessidade, a população infanto-juvenil se vê às voltas com a criminalidade, [...].”78

Portanto, o direito à proteção no trabalho impede que a criança exerça funções que prejudiquem o seu desenvolvimento físico, mental e psicológico, ao passo que o direito à profissionalização confere ao adolescente a partir dos 14 (quatorze) anos justamente condições de se desenvolver de forma saudável por tirá-lo da ociosidade perigosa e de prepara-lo para se tornar um indivíduo

78 OLIVA, José Roberto Dantas. O princípio da proteção integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil: com as alterações promovidas pela Lei n. 11.180, de 23 de setembro de 2005, que ampliou o limite de idade nos contratos de aprendizagem de 24 anos. São Paulo: LTr, 2006, p. 161.

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produtivo para si, para sua família, para a sociedade e para o Estado.

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= III =

A LEI 13.010/2014 A AUTONOMIA FAMILIAR E A INTERVENÇÃO

ESTATAL Uma vez esclarecido a respeito de toda evolução

cultural e constitucional da criança na sociedade brasileira, de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, de sua dignidade e direitos fundamentais, passa-se a analisar a Lei 13.010/2014 em face da autonomia familiar e da intervenção estatal sob a luz da dignidade humana e dos direitos fundamentais da criança.

3.1 A AUTONOMIA FAMILIAR E A INTERVENÇÃO ESTATAL

A Constituição Federal inaugura seu texto

justamente estabelecendo que o Brasil é um Estado Democrático de Direitos.

Há, portanto, a “fusão” entre o Estado de Direito e o Estado Democrático.

O Estado de Direito está diretamente ligado ao liberalismo, uma vez que prima pela aplicação da lei, pela distribuição de poderes e pela previsão e proteção dos direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos.

O Estado Democrático, por sua vez, possui relação direta com a soberania popular através da participação popular efetiva que se dá pelo voto e pela garantia de direitos que permitem ao indivíduo acesso ao poder público.

Portanto, o Estado Democrático de Direito tem como principal objetivo alcançar a justiça social através de políticas públicas que permitem aos seus governados desenvolver sua personalidade de forma plena o que,

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consequentemente, proporciona-lhes o exercício pleno de sua dignidade.1

Ante essa meta intrínseca do Estado Democrático, o legislador constituinte denominou o Título VIII da Constituição Federal como “Ordem Social”, na qual estabelece meios de se atingir a justiça social.

Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

É inquestionável o aspecto liberal e social que

fundam o Estado Democrático de Direito no Brasil. O termo “liberal” é proveniente do latim liber, que

se refere a pessoa livre, ou não escravizada. O liberalismo, que se originou no século XVII e teve como precursor o filósofo inglês John Locke (1632 – 1704), constitui um sistema político-econômico que se fundamenta na liberdade individual em todas as esferas de vida do ser humano: econômico, político, religioso e intelectual.

Justamente por primar pela liberdade, o liberalismo defende a não intervenção estatal nas relações privadas.

O aspecto social do Estado Democrático de Direito brasileiro aproxima-se do socialismo, segundo o qual a prioridade é a busca pela igualdade plena, igualdade essa que não diz respeito ao sistema de governo, mas à busca pela garantias dos direitos individuais. A preocupação do poder constituinte de inserir no texto constitucional a obrigação do Estado de proporcionar a seus governados o necessário para se ter uma vida digna evidencia o aspecto social do atual regime político brasileiro.

Atualmente o Estado Democrático de Direito prima tanto pela liberdade, fundada no liberalismo político, quanto pela igualdade, através da participação de todos no processo político e na busca pela satisfação do mínimo

1 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 201.

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necessário para que todos, indistintamente, vivam de forma digna.

Tratando-se especificamente do Direito de Família, estão presentes nas legislações que regem a matéria tanto o liberalismo quanto o socialismo.

O Direito de Família consiste em um ramo do Direito subordinado ao direito privado, e não ao direito público. Não obstante a importância da família para o Estado, há de se reconhecer que em um Estado Democrático de Direito impera a liberdade individual.

Obviamente que, sempre que houver necessidade da intervenção estatal, esta ocorrerá de forma a garantir os direitos individuais dos membros da família.

Do que se trata nesse momento é sobre a liberdade familiar, segundo a qual os membros que a constituem possam agir com liberdade para escolher a forma de constituição da família (se decorrente de matrimônio ou de união estável), para realizar um planejamento familiar (escolha de quantos filhos integrarão à família), para optar pela escola dos filhos, etc.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.2

Para que o Estado não se aproxime de uma forma

de governo autoritária faz-se necessário encontrar um equilíbrio entre os interesses estatais e os interesses

2 Original sem grifo.

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familiares, o que não é simples quando da análise de casos concretos.

Pode-se citar como interesse do estado o já mencionado planejamento familiar e a paternidade responsável previstos no artigo 226, § 7º da Constituição Federal. A primeira intervenção ocorre porque o controle de natalidade facilita as ações do Estado que tem por intuito diminuir as taxas de mortalidade infantil. Obviamente que esse tema é de interesse social e, portanto, merece a intervenção do Estado, ainda que de forma sutil como está no texto constitucional. A segunda visa essencialmente garantir à criança uma infância digna, próxima de seu genitor e que o torne conhecedor de suas origens genéticas e afetivas.3

Ainda é interessante acrescentar que a existência de normas cogentes no direito de família não descaracterizam sua condição de direito privado até mesmo porque várias normas de direito privado são cogentes em detrimento do direito público.

Assim, a democracia é o alicerce que sustenta a autonomia familiar em relação à intervenção estatal. Sobre o tema o Relatório realizado para a ONU em 20064 menciona que:

A privacidade e autonomia da família são valorizadas em todas as sociedades e o direito a uma vida privada e familiar, a um lar e a correspondência é garantido em instrumentos internacionais de direitos humanos.5

3 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório do especialista independente para o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência Contra Crianças. (onu/a/61/150 e Corr. 1, 26 de agosto de 2006), 2006, p. 14. 5 O texto cita em nota de rodapé como exemplo de instrumentos internacionais de direitos humanos que garantem o direito a uma vida privada e familiar o artigo 8º da Convenção sobre a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e o artigo 17 da Aliança Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

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Ainda sobre a intervenção estatal mínima na

família, José Sebastião de Oliveira elucida de forma exemplar:

Observamos que o Estado que opta como regime político por uma Democracia Social - exemplo do Brasil - não assume função intervencionista na família, a não ser para, paralelamente à liberdade assegurada aos seus membros, garantir condições mínimas à sua manutenção.6

No campo do direito privado o direito civil trata da

família no Livro IV do Código Civil, que prescreve em seu artigo 1.513 do Código Civil:

É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família.

Este é o fundamento legal do princípio da não

intervenção ou da liberdade no direito de família, que possui relação estreita com o princípio da autonomia privada. Nos ensinamentos de Flávio Tartuce:7

Por certo que o princípio em questão mantém relação direta com o princípio da autonomia privada, que deve existir no âmbito do Direito de Família. O fundamento constitucional da autonomia privada é a liberdade, um dos principais atributos do ser humano (art. 1º, III).

A liberdade, que consiste em um direito

fundamental por excelência de qualquer indivíduo humano, se estende para a família proporcionando-lhe dignidade plena. Portanto, a liberdade familiar é

6 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 284. 7 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 990.

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imprescindível para o desenvolvimento saudável e pleno das crianças e para a convivência harmônica entre todos os membros que a constituem.

Qualquer ofensa ao direito à autonomia familiar o será ao direito à liberdade garantido tanto pela Constituição Federal quanto por diversos documentos internacionais como já elencados seção terciária 3.3 do presente trabalho.

Por essa razão, a intervenção estatal poderá ocorrer apenas em casos em que sua atuação é necessária e adequada, nos termos do artigo 100, parágrafo único, incisos VII e VIII do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: [...] VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente; VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente;8

Assim, a intervenção estatal na família nos casos

em que envolva a criança e o adolescente deverá ocorrer apenas nos moldes estabelecidos na legislação em vigor.

8 Original sem grifos.

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Por fim, cabe destacar Pontes de Miranda que

sustenta a forma mais adequada de governo: Liberdade (fundo), igualdade (fundo) e democracia (forma) são três conceitos distintos, precisos, claros. São como três caminhos, três dimensões, pelas quais se anda: sobe-se por uma; por outra, vai-se para os lados; pela terceira, marcha-se para frente, ou para trás. Não se pode por uma só linha caminhar pelas três; nem avançar de um ponto, por uma delas, significa avançar pelas três. Cada uma existe independente das outras. A evolução tem de se processar nas três. Em certos momentos históricos, avança-se mais por uma. Noutras, por uma das outras. A Grã-Bretanha realizou mais liberdade. Os Estados Unidos da América, mais democracia. A Rússia, mais igualdade. Quem diz democracia, liberdade e maior igualdade refere-se, necessariamente, às três estradas. Estrada larga, subindo, é fusão das três. Mais, ainda aí, não se confundiram as dimensões, isto é, os três conceitos.9

A liberdade na família é extremamente necessária

para que seus membros exerçam sua dignidade de forma plena. No entanto, para que a igualdade e o respeito entre os seus membros se efetivem é imprescindível que o Estado esteja presente de forma a fiscalizar e intervir quando necessário em prol do mais frágil. Somente assim que se atinge a igualdade ao buscar uma efetiva proteção dos mais frágeis nas relações familiares.

Não há dúvidas de que a criança é uma das partes mais frágeis na relação familiar, e mais suscetível a qualquer forma de abuso e de desrespeito aos seus direitos básicos.

Em sua condição psicológica e física, a criança está sujeita a qualquer imposição dos adultos. Como explanado até o momento, ao longo de todo o texto, é

9 MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade. Campinas:

Bookseller, 2002, p. 220.

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forçoso concluir que a criança é sim um ser em desenvolvimento, suja personalidade está em formação durante a primeira infância e, portanto, tudo o que acontece dentro do lar é de forte interesse estatal e social. Danos psicológicos e físicos à criança podem resultar em danos irreversíveis.

Não há o que reverta a perda de um indivíduo para a marginalidade, para os vícios e para as doenças psicológicas tão em voga na atualidade. As consequências da perda da cidadania para uma criança são de fato imensuráveis tanto para esse ser de forma individual quanto para a sociedade, sob o ponto de vista produtivo e participativo quanto, também, para o Estado, que deixa de ter em sua população um indivíduo que acresce para o crescimento econômico do país.

A liberdade do indivíduo é sim uma conquista social atingida após vários séculos de lutas, até mesmo pegando em armas, o que a tornou, de fato, em um direito fundamental garantido a qualquer indivíduo: basta ser humano para que se tenha direito à liberdade. É um dos valores intrínsecos da dignidade humana e, portanto, nascerá e morrerá com o indivíduo.

No entanto, essa liberdade jamais poderá ser exercida as custas de prejudicar o outro e, principalmente, se esse outro for mais frágil. O limite do direito fundamental está, justamente, em respeitar o direito fundamental do outro, o que mais uma vez justifica a afirmativa de que a dignidade humana é o “limite dos limites”.10

Ainda sobre o limite da liberdade na família Álvaro Villaça Azevedo entende que:

10 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 239.

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[...] a liberdade, em direito, não pode ser totalmente desapegada de regulamentação; há que se condicionar, pois a de um vai até onde a de outro começa.11

Nesse diapasão a intervenção estatal se justifica de

forma a garantir que a liberdade não se torne libertinagem. O interesse social e estatal, no caso da criança, é sim maior que a autonomia familiar. Qualquer ato que possa prejudicar o livre e saudável desenvolvimento da criança há de ser reprimido e punido pelo Estado. 3.2 A LEI 13.010/2014

A Lei nº 13.010 de 26/06/2014 alterou o artigo 13 e

acrescentou os artigos 18-A, 18-B e 70-A ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) com o intuito evidente de coibir a imposição de castigos físicos, de tratamento cruel ou degradante à criança e ao adolescente, ainda se forem praticados com finalidade exclusivamente pedagógica.

Nesse caso, nota-se que há intervenção estatal direta no âmbito familiar no que diz respeito a escolha dos pais ou cuidadores sobre o método pedagógico aplicado no processo educacional.

A educação familiar, por sua vez, é de responsabilidade dos pais ou responsáveis legais detentores do poder familiar.

Se por um lado a educação é direito da criança e do adolescente, por outro lado é obrigação dos pais, conforme previsto no artigo 229 da Constituição Federal e no artigo 1.634, inciso I, do Código Civil Brasileiro:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de

11 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de açodo com o novo código civil, Lei nº 10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 239.

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ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; [...]

Portanto, a educação familiar constitui um dever

dos pais ou responsáveis legais no exercício do poder familiar. Se descumprido poderão até mesmo perder o poder familiar conforme previsão contida nos artigos 1.637, caput, e 1.638, inciso VI, do Código Civil, cuja redação é a seguinte:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. [...]

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

[...] IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Nesse ponto é importante distinguir a educação

formal da informal para fins do presente trabalho. A educação formal trata da educação perpetrada

nas instituições de ensino. Essa educação é dever da família, da sociedade e do Estado e sobre ela há tanto previsões internacionais quanto constitucionais e infraconstitucionais.

Há uma série de leis e normas que tratam do tema e torna inquestionável o direito da criança à educação e a obrigação do Estado de providenciar à família condições de proporciona-la à criança.

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Já a educação informal refere-se a educação

ocorrida dentro dos lares. Pais e cuidadores tem a obrigação precípua de transmitir à criança ensinamentos éticos, morais e culturais de maneira a formar uma pessoa em tudo o que essa denominação abrange. Abrange o acompanhamento diário da criança e do adolescente a fim de conduzir seu comportamento e conduta de forma acertada, de acordo com a moral e os bons costumes da sociedade a qual pertence, bem como transmitir-lhes conhecimentos culturais e torná-los cidadãos sociáveis e produtivos.

Eduardo Julio Pettigiane elenca como uma das características da família “La significación funcional de la famila como transmissora de cultura: La familia es essencialmente educadora.”12

Os ensinamentos de Denise Damo Comel são extremamente elucidativos a respeito do tema e merecem ser transcritos:

De qualquer forma, a educação acontece em dois planos: o formal e o informal. Informalmente, a educação acontecerá mediante atuação direta e permanente dos pais na vida do filho, no contato diário que mantém com ele. Essa forma de educação é extremamente importante à boa formação do filho, além de muito mais determinante ao desenvolvimento da personalidade do que a educação formal. É por meio dela que o pai vai passar ao filho os valores que tem como importantes na vida, transmitindo-lhe um ideário filosófico e religioso, bem como vai promovendo o desenvolvimento de virtudes e habilidades que, depois, serão moldadas e ampliadas na educação formal. Reveste-se de significativo conteúdo afetivo e emocional, à medida que acontece espontaneamente, na convivência estabelecida com o filho, também de relevante valor na

12 PETTIGIANI, Eduardo Julio. Familia. In: Enciclopedia de derecho de familia. URIARTE, Jorge A. (org.). Tomo II. Buenos Aires: Editorial

Universidad, 1992, p. 168.

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aspecto intelectual e social, refletindo, enfim, na formação do cidadão como um todo e no amadurecimento e aprimoramento da personalidade, com a transmissão de noções e conceitos que se integrarão de modo relativamente estável e duradouro na personalidade do filho. Aliás, é dessa estreita comunhão que resulta o ditado popular, tal pai, tal filho, ressaltando a importância, a gravidade e a extrema responsabilidade dos pais no tocante à educação do filho.13

A família é responsável pela educação, enquanto

que as instituições de ensino são responsáveis pela informação. No entanto, para que essa educação produza frutos é necessário que os cuidadores da criança possuam um método pedagógico de aprendizado. Seria o dever de corrigir, que está incutido no dever e educar dos pais e cuidadores que exercem o poder familiar ou a guarda sobre a criança.

Posto esse conceito prévio, nota-se a absoluta impossibilidade de dissociar do dever de educar do dever de corrigir.

Sobre o dever de correção não existe qualquer previsão legal, e nem poderia haver, já que o assunto é muito mais de foro íntimo familiar do que estatal.

Nesse sentido, ainda vale citar Denise Damo Comel (202):

[...] integra, também, a função educativa, pela própria natureza, o ofício de correção, ainda que não haja previsão legal expressa, pois é correlato ao dever de educar.14

13 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 103. 14 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 202.

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E apesar de inexistir previsões legislativas a

respeito é justamente sobre o dever de correção que o Estado atua de forma incisiva na autonomia familiar.

A Lei 13.010/2014 trata justamente dessa educação: a informal, e a formal de corrigir os comportamentos inadequados.

Como visto no desenvolvimento do primeiro capítulo, é culturalmente aceita a punição da criança através do castigo físico moderado. Àquela criança que não obedece é imposto um castigo físico que pode ser uma “palmada”, uma “chinelada”, um “puxão de orelhas”, etc. São todos castigos físicos que incutem na criança o medo, a dor física, mas sem deixar qualquer marca visível ou danos físicos irreversíveis.

A legislação brasileira sempre permitiu o castigo físico moderado, não por legislação expressa, mas por entendimento a contrario sensu.

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.15

Se a punição está em castigar imoderadamente,

então se entende que será permitido o castigo moderado. E assim, o Estado sempre tolerou o castigo físico

como punição no processo educacional informal. Desse mesmo modo, vários países não proibiam

expressamente o castigo físico moderado, o que gerou um movimento internacional no sentido de coibir esse tipo de “violência” exercido dentro dos lares.

15 Original sem grifo.

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Desde 1959 Pontes de Miranda já se manifestava sobre o castigo físico moderado no dever de correção:

¿Têm os pais o direito de castigar moderadamente os filos menores? O Código Civil, embora não enumere entre os direitos do pai, não deixa dúvidas a respeito, pois que considera causa de perda de pátrio poder o “castigar imoderadamente o filhos” (art. 395). Alguns Códigos Civis, o francês, por exemplo, admitem o direito de deter o filho, mesmo por intermédio de autoridade (art. 376). A lei brasileira não permite medidas tão violentas, e a detenção em situações irrazoáveis, ou por mais de um dia, é manifestamente castigo imoderado, senão crime de cárcere privado.16

Ainda sobre o tema, Paulo Dourado de Gusmão em

1987 tratou do dever de correção da seguinte forma: Têm os pais o dever de correção dos filhos menores, sem o qual não seria possível educá-los. Por isso, têm o direito de exigir, moderadamente, que o filho lhes obedeça e lhes respeite. O uso imoderado desse poder, desproporcional à falta, é abusivo. O castigo corporal causador de lesões corporais que afete a saúde do menor é considerado como imoderado, sendo motivo de suspensão ou de perda do pátrio poder. Mas, o castigo moderado não é abusivo.17

Está demonstrado, portanto, que tanto a legislação

quanto a doutrina entendiam de forma uníssona que o castigo moderado era adequado ao processo educacional.

Assim, inúmeros documentos internacionais passaram a ser elaborados no intuito de coibir o uso de castigo físico no processo educacional.

16 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo IX. Direito de Família: Direito parental. Direito protectivo. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1959, p. 120. 17 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Dicionário de direito de família. Rio de

Janeiro: Editora Forense, 1987, p. 803.

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A Convenção sobre os Direitos da Criança adotada

pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, e promulgado no Brasil através do Decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990, prevê em seu artigo 19:

Artigo 19 1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. 2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.18

Diante disso, vários relatórios e comentários gerais

foram elaborados pela Organização das Nações Unidas. Dentre eles, destaca-se o Comentário Geral nº 08, divulgada na 42ª sessão do Comitê dos Direitos da Criança, em Genebra, de 15 de maio a 2 de junho de 2006.19

Esse comentário geral foi um dos fundamentos para elaboração da Lei 13.010/2014 no Brasil, e trata do “direito da criança à proteção contra o castigo físico e outras formas cruéis ou degradantes de castigo”. Trata-se

18 Original sem grifo. 19 Anexo B.

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de um estudo sobre os artigos 19 (acima transcrito), 28(2) (respeito à dignidade humana da criança no ambiente escolar) e 37 (zelo pela criança privada de sua liberdade) da Convenção sobre os Direitos da Criança.20

Nos interessa o comentário a respeito do artigo 19, e em seu item 11 define o castigo físico da seguinte forma:

O Comitê define o castigo “corporal” ou “físico” como qualquer castigo no qual a força física é usada com a intenção de causar algum grau de dor ou desconforto, por mais leve que seja. A maior parte deles envolve bater nas crianças (“dar palmadas”, “tapas”, “bater”) com a mão ou algum objeto – chicote, vara, cinto, sapato, palmatória, etc. Mas pode também envolver, por exemplo, chutar, sacudir ou empurrar a criança, arranhá-la, beliscá-la, mordê-la, puxar seus cabelos ou torcer sua orelha, forçar a criança a permanecer em posições desconfortáveis, queimá-la, escaldá-la ou forçá-la a ingerir algo (por exemplo, lavar a boca da criança com sabão ou forçá-la a engolir condimentos picantes). Na visão do Comitê, o castigo físico é invariavelmente degradante. Além disso, há outras formas de castigo não físico que também são cruéis e degradantes, portanto incompatíveis com a Convenção. Esses incluem, por exemplo, castigos que diminuam, humilhem, denigram, expiem, ameacem, assustem ou ridicularizem a criança.

Nota-se a semelhança com a ideologia existente na

Lei 13.010 no intuito de evitar qualquer tipo de castigo físico no processo disciplinar. E ainda observa, no item 13 que o Comitê não é contra a disciplina, mas apenas é favorável ao desenvolvimento saudável das crianças sem o uso de violência ou forma de humilhação.

Essa ressalva foi importante para facilitar a aceitação dessa ideia até então “inovadora” para as famílias em todo o mundo.

20 Anexo A.

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O Comitê fundamenta seu comentário não somente

na Convenção sobre os Direitos da Criança, mas também na Carta Internacional de Direitos Humanos, que engloba tanto a Declaração Universal quanto os dois Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que garantem o direito de todos ao respeito pela sua dignidade humana.

Também atribui aos Estados partes da Convenção sobre os Direitos da Criança a obrigação providenciar leis e qualquer forma de eliminar o castigo físico e humilhante da vida das crianças (item 22), até mesmo porque somente a lei não é suficiente para tornar sua matéria efetiva.

Outro documento internacional de destaque é o Relatório do especialista independente para o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência Contra Crianças apresentado na Assembleia Geral da ONU ocorrida em 23 de agosto de 2006.

Nesse relatório ao tratar de uma série de violências contra a criança menciona a violência praticada no contexto de medida disciplinar, as constatações foram realmente importantes ao passo que constatou que nos lares e na família ocorre violência contra a criança.

A violência contra crianças na família pode frequentemente ocorrer no contexto de medidas disciplinares e assumir a forma de castigo físico, cruel ou humilhante. Tratamentos e castigos duros na família são comuns tanto em países industrializados quanto em desenvolvimento. [...] É extremamente importante que os pais sejam estimulados a só usar métodos de disciplina não violentos.21

Justamente por ser de extrema importância estimular os cuidadores das crianças a banir os métodos

21 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório do especialista independente para o Estudo das Nações Unidas sobre a Violência Contra Crianças. (onu/a/61/150 e Corr. 1, 26 de agosto de 2006), 2006,

item 41.

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violentos da família que recomenda aos Estados Partes que:

(c) Desenvolvam programas educacionais para pais sensíveis ao gênero que enfoquem métodos disciplinares não violentos. Esses programas [...] devem orientar os pais no sentido de que adotem métodos disciplinares construtivos e positivos e abordagens que promovam o desenvolvimento da criança, levando em consideração suas capacidades em formação e a importância de respeitar suas opiniões. (Item B, 1, c).

Essa pequena análise dos principais documentos

que influenciaram a criação da Lei nº 13.010/2014 é suficiente para perceber forte ideologia reproduzida nos dispositivos legais. Inclusive no que diz respeito a obrigação do Estado de orientar os cuidadores das criança como disciplinar sem a utilização de castigo físico.

Nos estudos sobre a violência da criança no mundo, a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a infância) elaborou o relatório denominado “Ocultos a plena luz: Un análisis estadístico de la violencia contra los niños”.

O estudo constatou que 6 a cada 10 criança (cerca de 1 bilhão em todo o mundo), entre 2 e 14 anos sofrem castigos físicos de seus cuidadores, e que na maioria dos casos há combinação de castigos físicos e agressões psicológicas, e que 3 a cada 10 adultos acreditam no castigo físico como meio necessário para educação da criança. O mesmo estudo constatou que quanto menor a escolaridade mais se acredita no castigo físico como forma de educar.

É citado como exemplo o Yemen, país em que 51% dos pais sem escolaridade acham que o castigo físico é necessário, enquanto que 21% dos pais com escolaridade secundária ou superior defendem o castigo físico como forma de educação.

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Em 3 de cada 4 países com os dados disponíveis,

os pais de baixo nível econômico tendem a apoiar mais os castigos físicos do que os pais mais ricos.

No Brasil Julio Jacobo Waiselfisz elaborou um “Mapa da violência 2012 – Crianças e adolescentes do Brasil” no qual analisou cerca de cem mil casos no ano de 2011.22 Constatou que:

a) 63,1% dos casos atendidos no SUS de violência contra a criança e ao adolescente a agressão física ocorreu em sua própria residência.

b) 40,5% do atendimento no SUS é de violência física.

c) 39,1% dos responsáveis pela agressão são os pais/padrasto/madrasta.

d) 50% das agressões feitas pelos pais são em crianças de até 9 anos.

Todas as estatísticas apresentadas demonstram de forma muito clara a intenção do legislador quando da elaboração da Lei 13.010/2014: banir o castigo físico, ainda que leve, das famílias brasileiras como meio de disciplinar a criança.

Como ser em desenvolvimento que é, a criança é absolutamente dependente de seus cuidadores e, portanto, a proteção da saúde física, emocional e psicólogica da criança é mais importante para o Estado do que a autonomia familiar.

As consequências da lei ainda não são visíveis. A sociedade ainda rechaça a ideia de educar suas

crianças sem poder utilizar do castigo físico moderado como meio de disciplina.

Além disso, a lei não estabeleceu nenhum tipo de punição aos pais e cuidadores que forem denunciados e/ou surpreendidos usando do castigo físico moderado na educação de suas crianças.

22 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2012. Crianças e adolescentes do Brasil. 1ª edição. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, 2012.

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Diz a lei ao alterar o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; V - advertência. Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.

Não há coerção na lei. Tudo se resume a apenas

uma orientação que dificilmente será seguida. Ainda mais porque o Estado está falhando em promover programas que incentivem a informem aos pais e cuidadores como realizar um processo educacional sem utilizar o castigo físico moderado como correção.

Maria Berenice Dias esclarece que: Não houve a criminalização dos pais e responsáveis que agridem sob qualquer pretexto: correção, disciplina ou educação. Foi vetada a única apenação pecuniária que constava no projeto, e que consistia na aplicação de multa, no valor de três a 20 salários mínimos, aos profissionais da saúde, da assistência social, da

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educação ou a qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública, que deixasse de comunicar ao Conselho Tutelar a suspeita ou confirmação da ocorrência de atos de violência contra menores ou adolescentes.23

Sem a criminalização ou a sanção é praticamente

impossível que a lei insira novos costumes na sociedade. No entanto, a mesma doutrinadora entende que o grande legado da Lei 13.010/2014 é a revogação do inciso I do artigo 1.638 do Código Civil que ao proibir o castigo imoderado autorizava, implicitamente, o castigo moderado.

De qualquer modo a Lei tem o mérito de acabar com a absurda permissão que o Código Civil outorgava aos pais de castigar os filhos, ainda que moderadamente. Isto porque só o castigo imoderado ensejava a perda do poder familiar (CC 1.638 I). Ou seja, o castigo moderado era admitido. Agora não mais. Quem impinge castigo físico ou tratamento cruel ou degradante fica sujeito a cumprir medidas de caráter psicossociais.24

Ainda não existem jurisprudências sobre o tema,

mas é forçoso concluir que a alteração legislativa introduzida pela Lei 13.010/2014 ainda não foi suficientemente eficaz em sua proposta.

23 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 475. 24 Ibidem, p. 475-476.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho apresentou um

questionamento a respeito da Lei da Palmada, que possui a finalidade de proibir o castigo físico moderado como opção de método pedagógico no processo educacional.

Uma análise perfunctória da referida lei conclui que há um excesso de interferência do Estado na intimidade de seus governados, já que seu dever de proteger a criança de qualquer espécie de violência está sendo cumprido em face do ordenamento jurídico brasileiro vigente.

No entanto, um estudo mais profundo sobre o tema proposto propõe uma reflexão sobre um costume verdadeiramente incutido nos lares brasileiros: o uso da palmada como meio de se educar crianças.

A partir da promulgação da Lei da Palmada, um costume que era prater legem passou a ser contra legem e, como visto no decorrer do trabalho, o costume contra legem não possui o poder de revogar lei. Não é possível eximir-se da obrigação de respeitar a lei com o fundamento de que se praticou um costume. Portanto, o castigo físico moderado, conhecido popularmente como a “palmada”, configura uma conduta ilegal.

A lei em estudo não foi proposta e promulgada ao mero acaso. Esta foi motivada por estudos nacionais e internacionais, e em recomendações realizadas por órgãos internacionais.

A realidade demonstra que a violência não deixa de ser violência por ser moderada ou imoderada, física ou psicológica.

Não obstante o entendimento comum de que a palmada, a chinelada, o puxão de orelha, os gritos, os xingamentos, etc, é algo normal e, até mesmo, benéfico à criança, há de ser considerado que a criança, como

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pessoa, é merecedora de proteção integral à sua dignidade humana.

Definitivamente não é digno submeter uma criança a tapas e a gritos sob a justificativa de educa-la. Se não é digno fazê-lo com um adulto, obviamente não é digno fazê-lo com uma criança.

O mesmo argumento usado para defender o uso do castigo físico moderado como meio de educar é o mesmo que justifica o seu não uso: a criança é um ser frágil, em desenvolvimento físico e emocional, e está passiva a qualquer situação que lhe é imposta pelos adultos.

A criança é digna, e isso é um fato incontestável. Então, porque ela merece apanhar para ser educada? Se esse não é um meio adequado a ser utilizado nas instituições de ensino, porque o é para ser utilizado nos lares, no processo de educação familiar?

Não obstante a isso, há um outro viés considerado: a intervenção estatal na família.

A autonomia familiar é um direito à liberdade garantido pelo direito brasileiro através do princípio da não intervenção (art. 1.513 do Código Civil) e a Lei da Palmada constitui uma evidente interferência do Estado nas escolhas dos membros da família sobre a forma de se educar suas crianças.

Certa ou errada, a forma de se educar é uma faculdade dos cuidadores das crianças, e essa se dá na intimidade da família, instituto que historicamente goza de extrema liberdade em face do Estado.

Assim, após a análise de todos os fundamentos apresentados, conclui-se que a Lei da Palmada constitui uma efetiva intervenção do Estado na tentativa de extirpar o castigo físico moderado dos lares brasileiros, mas sem muito sucesso.

Sua promulgação foi capaz de levar a população a discussão sobre o tema, mas ainda não surtiu efeitos no comportamento da grande maioria dos pais ou cuidadores das crianças.

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Apesar de a intervenção estatal na família ser

extremamente justificada, posto que o objetivo do Estado é o de garantir o respeito à dignidade humana da criança, garantindo-lhe o direito a ter uma infância longe de qualquer espécie de violência, justamente por ser uma lei em oposição aos costumes, tenderá a cair em desuso.

Apenas a imputação de punições efetivas e a realização de fiscalizações eficazes é que poderiam, talvez, modificar o costume, atualmente contra legem, da palmada.

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