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Como será o futuro do trabalho? José Pastore, Ph.D em Sociologia pela University of Wisconsin (EUA) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) O cérebro humano pesa um quilo e meio, em média, e tem 86 bilhões de neurônios que fazem 100 trilhões de conexões ativas funcionando o tempo todo. Apesar dessa imensa capacidade, no novo mundo em que estamos vivendo, o cérebro dos melhores enxadristas não consegue competir com um robô. Atualmente os campeões mundiais de xadrez perdem as partidas que disputam com os computadores. Ninguém poderia imaginar algo assim 15 ou 20 anos atrás. Mas esse novo mundo é uma realidade. Não é mais ciência imaginada, ou ficção científica. Estamos na era da inovação dos algoritmos que operam no mundo real por meio de sequências de regras automáticas, que podem produzir resultados extremamente complexos. É também a era da biologia sintética, em que os alimentos podem ser produzidos sem plantas e sem animais. E da realidade aumentada, com a qual podemos ver hoje exatamente o que se passou 500 ou 200 anos atrás, do descobrimento do Brasil às guerras napoleônicas. As novas tecnologias permitem que a grande maioria dos robôs aprenda diariamente enquanto trabalha. Eles 1

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Como será o futuro do trabalho?

José Pastore, Ph.D em Sociologia pela University ofWisconsin (EUA) e pesquisador da Fundação Institutode Pesquisas Econômicas (FIPE)

O cérebro humano pesa um quilo e meio, em média, etem 86 bilhões de neurônios que fazem 100 trilhões deconexões ativas funcionando o tempo todo. Apesardessa imensa capacidade, no novo mundo em queestamos vivendo, o cérebro dos melhores enxadristasnão consegue competir com um robô. Atualmente oscampeões mundiais de xadrez perdem as partidas quedisputam com os computadores.

Ninguém poderia imaginar algo assim 15 ou 20 anosatrás. Mas esse novo mundo é uma realidade. Não émais ciência imaginada, ou ficção científica. Estamosna era da inovação dos algoritmos que operam nomundo real por meio de sequências de regrasautomáticas, que podem produzir resultadosextremamente complexos.

É também a era da biologia sintética, em que osalimentos podem ser produzidos sem plantas e semanimais. E da realidade aumentada, com a qualpodemos ver hoje exatamente o que se passou 500 ou200 anos atrás, do descobrimento do Brasil às guerrasnapoleônicas.

As novas tecnologias permitem que a grande maioriados robôs aprenda diariamente enquanto trabalha. Eles

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podem diagnosticar doenças com muita facilidade – ecom mais precisão do que os diagnósticos feitos peloser humano. Eles são capazes de elaborar, também,uma ação judicial e saber qual é o argumento que temmais chance de ser vitorioso numa corte de justiçacom muito mais precisão do que o processo montadopelo ser humano.

Todas essas inovações estão abrindo caminhos, todosos dias, de uma forma que as pessoas nem esperavamque pudesse acontecer. Graças às novas tecnologias,tudo está mudando numa velocidade espantosa. E écom essa mesma velocidade que essas tecnologiasestão impactando o mundo do trabalho.

O primeiro impacto da revolução 4.0 no mundo dotrabalho é a substituição de trabalhos rotineiros, tantomanuais quanto não manuais. Mas as novastecnologias já começam, também, a substituir ostrabalhos inteligentes. Atualmente existem máquinasque fazem tradução simultânea de idiomas sem aintervenção de seres humanos. Essa atividade, apesarde ser muito sofisticada, já está sendo substituída pelainteligência artificial.

Existem também muitas máquinas de inteligênciaartificial que estãáo tomando decisões importantes nomercado financeiro. São robôs que usam as melhorescombinações possíveis de algoritmos para comprar ouvender bens ou ações, e maximizar a vontade docliente.

Tudo isso é possível porque as máquinas estãoaprendendo todos os dias.

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Recentemente um banco lançou um site no IPhone cominteligência artificial, cuja mensagem diz o seguinte:“Por enquanto nós não podemos dar todas asrespostas. Mas continuem perguntando, porque cadavez que vocês perguntam, esta máquina aprende e secapacita para dar mais respostas”.

As máquinas já falam, já traduzem, já interpretam e jácorrigem os próprios erros. E a fertilidade delas temsido muito alta. O número de robôs aumenta numaproporção exponencial a cada hora, e várias outrasinovações também. Há uma estimativa de que, em2030, com um valor equivalente a mil dólares nóspoderemos comprar a capacidade computacionalcompleta de um cérebro humano. E a estimativa é que,em 2050, com os mesmos mil dólares, vamos podercomprar a capacidade computacional, não de um, masde todos os cérebros humanos da face da Terra!

Será que os cérebros humanos ficarão obsoletos coma entrada de tanta tecnologia em velocidade tãoespantosa?

Considerando as peculiaridades das novas tecnologiasque estão entrando no mundo atual, podemos notarque a primeira característica é que essas inovaçõesnão são lineares. Ao contrário, elas têm trajetóriaserráticas. Uma inovação entra num determinado setor evocê acha que ela vai fazer com que o segmento sedesenvolva linearmente. Mas, de repente, outro setorse apodera dessa inovação, e é ali que ela vai criarnovos impactos. São inovações que têmdesdobramentos totalmente inesperados, em todas asdireções, e que ocasionam ondas de ruptura. Com

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frequência, : a ruptura gerada em um setor produzoutras mudanças, continuamente, noite e dia.

Não há também nenhuma proporcionalidade entre acausa e a consequência. Às vezes a tecnologia éinventada para uma causa relativamente modesta epassa a ser utilizada nas mais variadas atividades, commaior grau de complexidade na aplicação.. Bastapensar no SMS, que foi inventado para a comunicaçãohumana, e hoje serve para vender ingressos de teatro,passagens aéreas, comprar água mineral... O SMS sedesdobrou em várias áreas de uma maneira não linear,e continua assim.

As tecnologias migram também de setor para setor.Aquilo que era uma tecnologia estritamente bancária,como um ATM, que é um caixa eletrônico, hoje fazparte de muitos outros equipamentos. O poder dedisseminação das tecnologias é muito grande.

Claro que o mundo tecnológico oferece vantagens edesvantagens, bônus e ônus. Do lado dos bônus nóstemos a vida mais longa: as tecnologias da medicina eda alimentação estão proporcionando mais saúde paraos seres humanos. Na Europa, 50% das crianças quenascem hoje vão viver 105 anos. Não é pouco. Metadedas pessoas que têm 30 anos hoje vai viver até 97anos.

Há um enriquecimento pessoal inegável. Essastecnologias estão dando um grande apoio para océrebro humano. De repente, todos nós passamos aser muito mais informados do que éramosantigamente. Hoje dispomos de informaçãopraticamente em todas as áreas, e a maioria é gratuita,de acesso fácil e imediato. O próprio computador

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pessoal caseiro, aquele que usamos para passarmensagens e acompanhar notícias, ampliougrandemente a nossa capacidade de entendimento e deinformação. O mundo digital está fazendo hoje para océrebro a mesma coisa que a máquina a vapor fez noséculo XVIII e XIX para os músculos.

Mas as novas tecnologias trazem, também, o ônus dainsegurança. Muitas são invasivas e Elas aumentam osriscos para nossa privacidade. com as tecnologiasinvasivas. E muitas pProfissões se transformamrapidamente sem que as escolas consigamacompanhar. Outras se trnam obsoletas profissões sãodestruídas e, nesse caso, são exterminando empregosque serão exterminados definitivamente. Ao mesmotempo, surgem novas maneiras de trabalhar, diferentesdaquele emprego protegido, no qual se ficava a vidainteira, com aposentadoria, benefícios, segurança. Eaumenta surge a desigualdade entre as profissões.

Na medida em que as tecnologias ampliam criamdesigualdades, não há caldo de cultura melhor para serexplorado pelos políticos demagogos. O presidenteDonald Trump, por exemplo, ganhou a eleição nos EUAdizendo que a China, e não as tecnologias, estavadestruindo os empregos nos Estados Unidos. Esabemos que não é a China, são as novas tecnologias.A China pode ter uma parte nesse processo, mas não éa maior parte. Mas eEsse é um caldo de cultura políticaextraordinário, que está ocorrendo no mundo inteiro. Daía ascensão rápida dos líderes populistas.

Na literatura sobre a questão do impacto da tecnologiano trabalho há respostas para tudo, das mais otimistasàs mais pessimistas. A começar pela previsão do

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marxismo, segundo a qual as máquinas iriam reduzir ademanda por trabalho, aumentando o domínio docapital, e que somente fazendo uma revolução otrabalhador poderia ganhar poder.

Mas há também, entre os pessimistas, doiseconomistas importantes da atualidade, Carl Frey eMichael Osborne, ambos da Universidade de Oxford (*).Eles estudaram 702 profissões nos EUA e verificaramque, dentro de 20 anos, 47% das profissões atuais nãoexistirão mais. Segundo o estudo dos dois economistas,eEssas profissões serão definitivamente destruídas e aspessoas terão enorme dificuldade para sobreviver.

Martin Ford, um futurista norte-americano, autor devários estudos sobre tecnologia e inteligência artificial,por sua vez, escreveu em 2015 um livro clássico (**),prevendo que os robôs invadirão todas as profissões etomarão o lugar dos seres humanos. E a consultoriaMcKinsey também fez uma previsão, para o Brasil, deque quase 16 milhões de brasileiros serão afetadospelas novas tecnologias no ano de 2030.

Os setores mais impactados, segundo esses trabalhos,serão a indústria, comércio eletrônico, serviços emgeral, logística e também a agricultura. Aliás, aagricultura já está com uma revolução em andamento,especialmente aqui no Brasil, onde o setor deu umpasso enorme em matéria de avanço tecnológico.

Esses estudos garantem que poucos setores ficarão defora, quase todos serão atingidos. É uma visãopreocupante do futuro.

Mas nessa literatura há também os otimistas, algunsmuito respeitados, como a professora Melanie Arntz,

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da Universidade de Heidelberg (***), segundo a qualnão são as profissões que vão acabar, mas sim certasatividades que são executadas dentro de cadaprofissão. Na previsão dela, as profissões que vãoacabar mesmo serão 9%, e não 47%, como defendemFrey e Osborne..

O economista norte-americano e professor do MIT,David Autor (****), diz que a preocupação não tem queser com o que será destruído, ou com o que serácriado, mas com aquilo que será transformado. Porque,segundo ele, a maioria das profissões está setransformando. vai se transformar.

Hoje um médico está fazendo numa sala cirúrgicacoisas muito diferentes do que fazia 20 anos atrás, edaqui a 10 anos ele fará coisas que serão muitodiferentes do que está fazendo hoje. Mas ele continuarásendo médico, ou seja, a profissão persistirá, mas a suaapenas a atividade é que será muito diferente.

Para desmentir os pessimistas, temos os exemplos daAlemanha, dos EUA, do Japão e da Coréia, países queestão adotando novas tecnologias em larga escala eque apresentam níveis de desemprego baixíssimos. OPew Research Center, conceituado think tank deWashington, nos EUA, afirma que mesmo que hajamuita transformação nas profissões, os seres humanosvão se adaptar, vão se ajustar, porque sempre seajustaram. E o World Economic Forum (*****) estimaque até 2022 cerca de 75 milhões de empregosrealmente serão destruídos, mas, ao mesmo tempo,133 milhões de novos empregos serão criados. nesseperíodo. Porque, se de um lado alguns empregosterminam, outros surgem, por força do próprio avanço

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tecnológico. Há uma estimativa, que não é muitoprecisa, segundo a qual para cada aplicativo quedestrói um emprego no mundo digital, hoje, gera-se umemprego e meio no resto da economia.

Quando surgiu o automóvel também se falava que onovo meio de transporte iria acabar com tudo, destruirtodos os empregos. De fato, os carroceiros perderamtrabalho, mas o automóvel, além de ter o efeito maisbenéfico de um transporte mais rápido, criou anecessidade de estradas, de restaurantes nas estradas,de serviços de segurança e vários outros queacabaram gerando um número muito maior deempregos do que o dos carroceiros que forameliminados.

Se questionarmos qual é a relação entre inovaçãotecnológica e trabalho, vamos chegar à conclusão deque esse nexo é bastante complexo. Depende muito defatores de cada empresa e de fatores da própriaeconomia. Há empresas mais propícias para adotartecnologias em alta velocidade e também detransformar os seus empregados em novosprofissionais. Há outras que são mais lentas pelanatureza da sua atividade.

A mesma coisa acontece na economia. Há economiasem que os fatores de produção sobem muito de preço,como a mão de obra, por exemplo, e o empresáriocomeça a pensar na robotização para substituir umempregado muito caro. Mas depende do quanto podeser substituído. Como não é possível substituir tudo,não é tão simples esse nexo entre inovação e trabalho.

Uma coisa é certa: em todas as empresas, quandoentra uma inovação, raramente ela é abandonada.

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Mesmo mudando um pouco a estrutura econômica daempresa, a inovação permanece e, às vezes, semultiplica em outras inovações, e acaba trazendo maise mais tecnologias.

É preciso considerar aquele aspecto defendido peloseconomistas otimistas de que os seres humanos têmcapacidade de adaptação. Eles vão se adaptar, mas hádois desafios para isso, um de timing e outro dematching

O desafio de timing é saber quanto tempo osprofissionais vão levar para se ajustar a um novo tipode trabalho. Se levar um ano, dois anos ou três anos,vão ficar desempregados nesse período. É um timingmuito longo. O desafio de matching é saber se, com aatividade que vai ser criada, e mesmo com otreinamento, o trabalhador consiguirá se ajustar às novasmaneiras de trabalhar. sendo treinado, depois ele vai darcerto com a demanda e com as necessidades dessa novaatividade.

Esse é um grande desafio para a área educacional.Porque a substituição no mundo do trabalho é muitorápida e o ajuste é muito lento. E, além de ser lento, édifícil, caro e penoso, porque quando os trabalhadoresficam 12, 18 meses desempregados, para seremreajustados numa outra atividade esse processo émuito penoso. Tudo vai depender da capacidade deajuste que a sociedade tem. E nesse sentido aeducação é a atividade fundamental. A , a qualidade daeducação é fundamental. No mundo atual, a únicacoisa que conta é educação de boa qualidade parapoder fazer esse ajuste.

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Mas podemos listar aqui alguns fatores que vão reduzira nossa ansiedade em relação a todas essas questões.

O primeiro fator é que nem toda atividade éautomatizável, nem todo trabalho manual pode serrobotizado. Por exemplo, a atividade de zelador: édifícil você pensar que daqui 10 anos essa atividadeserá toda automatizada, robotizada. O mesmo emrelação ao enfermeiro, ao cuidador, ao cabeleireiro, aogarçom, cujas atividades não se consegue automatizar.

Colocar cordão no sapato ou no tênis numa fábricaexige 150 movimentos. Não é previsível uma máquinaque venha a fazer isso. Ou seja, muita coisa vaicontinuar, não é tudo que será transformado ou queserá destruído. E a criatividade humana ainda vai serdemandada, e será de grande utilidade, assim como aempatia, a coragem, todos esses componentesemocionais, afetivos, são atividades que as máquinasnão conseguirão fazer dentro de um bom tempo. Elasnão conseguirão, por exemplo, tocar uma sinfonia deBeethoven, cantar uma área da Traviata ou interpretaruma peça de Shakespeare no teatro.

As máquinas atuais têm muita dificuldade para serelacionar com os seres humanos. Algumas já estãoconversando, com seres humanos, mas orelacionamento pessoal e emocional ainda é difícil. Aprevisão, portanto, é que vão crescer as profissõesvoltadas para o emocional, para as habilidades sociais,para a destreza, para a diversidade. Devem cresceressas profissões. E vão surgir também novasprofissões que a gente nem imagina.

O que acontece com as novas profissões que vãosurgir é que, exatamente por não existirem, elas não

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têm nome. Não dá para falar daquilo que vai acontecerse não tem nome. Você pode falar genericamente quevai existir um fazendeiro urbano, um design virtual, umtécnico em impressão 3D, um cuidador remoto, umtécnico em implantes de cabelos ou de neurônios, masé pouco. Grande parte das novas habilidades estará nocampo social e emocional, no campo da liderança, daadministração, do manejo de pessoas. Mas, no campotecnológico, as profissões ainda não têm nome.

Vão surgir muitas profissões em determinadas áreasque a gente consegue identificar. Como a inteligênciaartificial, aplicada à manutenção de tudo que se podeimaginar. A internet das coisas, aplicada no ambientede trabalho ou no domicílio, também. As atividadesligadas ao laser, à biometria, facial ou manual. Aindanão se pode dizer qual é a profissão, mas são áreasonde vão surgir novas profissões. Como as que vãotratar da produção e distribuição de novos alimentos,mas que não usam nem animais, nem plantas.Profissões que estão ligadas a novas formas deenergia, ligadas ao frio, ao calor, à luz. Profissõesligadas às modificações genéticas, ou às terapiasgenéticas.

Qual é o profissional que vai trabalhar nessas áreas?Serão vários: o geneticista, o biólogo, o médico, até odemógrafo. Transplantes, imagens tridimensionais,realidade virtual, inteligência artificial ou fotossínteseartificial (imagine não precisar mais do sol para cultivaras plantas), tudo isso vai gerar muitas profissões daquipara frente. Armazenamento de energia,armazenamento de eletricidade, imagine quantasprofissões estarão aí envolvidas. E no entretenimento

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nem se fala, porque aqui é uma área de emoção, deafetividade social, e vai expandir muito. E na educaçãoé a mesma coisa. Então o mundo está por acontecer nocampo das novas profissões.

O que isso vai implicar para as relações do trabalho? Oque se pode afirmar nesse campo é que 50% ou maisdos trabalhos fixos, como nós conhecemos hoje, ocontrato por prazo indeterminado, em que a pessoa vaià empresa das 8 .às 6, deverão continuar por nomínimo mais 15 ou 20 anos, em todos os países domundo. Porque há muitas operações e atividades quesão estratégicas, que dependem de fidelidade,confiança, segurança e de conhecimento específico.Mas outras, na área da informação, pesquisa, compra,venda, processamento de dados, transmissão dedados, vão exigir novas formas de trabalho: tempoparcial, trabalho intermitente, trabalho por projeto comcomeço, meio e fim, tele trabalho, trabalho a distância.Essas profissões terão muitas mudanças, elas vão setransformar, e isso vai trazer um grande desafio para aeducação.

Nesse novo mundo já não basta ser adestrado, épreciso ser educado, e bem educado. É preciso tercuriosidade e, por conta própria e com ajuda dasescolas e das empresas, avançar no conhecimento. Éum mundo no qual as pessoas vão aprendercontinuamente no trabalho. Acabou aquele mundo emque primeiro se aprende, tira o diploma e aí vaitrabalhar. Esse mundo acabou. Agora é trabalhocontínuo, aprendizagem contínua.

A tal educação de qualidade é, basicamente, aquelaque capacita a pessoa paraa a pensar. Esse é um

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grande desafio no Brasil. , no meu entender. Eu vejomuitas escolas que conseguem fazer o aluno passarnas provas, mas não conseguem preparar o aluno parapensar. E pensar é fundamental para poder fazer oajuste para bem desempenhar o novo trabalho. Se ascoisas estão mudando depressa, eu só vou me ajustarse eu tiver capacidade de pensar, interpretar e agir.

E, nesse mundo de tecnologias tão rápidas, a empresanão vai poder ficar fora. A empresa terá que entrar coma sua parte, com sua contribuição para também ajudaro trabalhador, seu empregado, a fazer o ajuste nasnovas tecnologias.

Em um seminário que fizemos em São Paulo, em 2018,sobre impacto de tecnologia de emprego,selecionamos quatro casos que mostraram quealgumas as empresas estão muito alertas, preparando asua força de trabalho para esses ajustes. No setorfinanceiro o Bradesco apresentou um programa deeducação continuada surpreendente. No setor detecnologia a IBM mostrou que não apenas geratecnologia, como também prepara os jovens paraessas transformações, através de cursos,treinamentos, seminários, bibliografia, etc. No setorindustrial a Embraer, que é uma empresa que inovatodo dia, mostrou que o engenheiro entra e já écolocado em treinamento. E não para nunca mais. É ,está treinando o tempo todo para acompanhar as novastecnologias. E no setor agropecuário a Embrapa, quefaz pesquisa e gera conhecimento, leva as novastecnologias para a extensão rural e indica qual é acapacidade que o trabalhador vai precisar ter para usá-las.

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Foi animador perceber que empresas brasileiras jáestão se movendo nessa direção, nesse engajamentode preparação das pessoas para o mundo da revolução4.0. Porque há um fato inevitável: nós não vamos poderficar com inovações do século 21 com mentalidade doséculo 20 e instituições do século 19.

No novo mundo tecnológico tampouco poderá ficar defora o governo, que terá de pensar bem nas escolas enas empresas que se engajam nesse mundo do ajuste.O fato concreto é que escola, governo e empresasterão um papel fundamental daqui para frente.

Mas há algumas propostas de como sobreviver nessenovo mundo do trabalho que vão além da empresa, daescola e do governo (embora algumas delas envolvamo governo).

Bill Gates, por exemplo, tem uma proposta de tributaros robôs e outras inovações tecnológicas e usar essesrecursos para injetar na educação. A ideia doconhecido magnata e filantropo norte-americano écontrovertida, uma vez que tributar a inovação é quasecomo penalizar a inovação. Mas é uma ideia para sepensar.

Outra ideia considera que, uma vez que não vai havertrabalho para todos na forma que temos hoje, paratodos poderem trabalhar devemos reduzir a jornada detrabalho para 35 horas por semana, como fez a Françae outros países, alguns com jornadas de 30 horas porsemana, porque trabalhando menos tempo maispessoas poderão trabalhar. É outra ideia muitocontrovertida para resolver o problema do desempregoe da destruição do emprego. Mas também precisa sercondiderada.

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Há aqueles que defendem que o importante é melhorara educação básica e a educação profissional, porquecom isso as pessoas aprendem a pensar, e aprendendoa pensar elas têm condições de acompanhar as novastecnologias. E aqui também há muita controvérsiaporque, no que di\z respeito à educação profissional, éverdade que ela é mais rápida, mas raramente tem amesma velocidade das transformações tecnológicas.Por maior que seja o esforço de mudar o currículo e detreinar e retreinar o professor, sempre ela fica umpouco atrás. E a escola tradicional, mais atrás ainda.

De todo modo, a educação básica é fundamental.Melhorar a qualidade da educação básica é talvez amedida mais importante para o aluno saber pensarmatematicamente, pensar com a linguagem, porque nofinal das contas a linguagem é a ferramenta do nossopensamento. A pessoa que não domina bem alinguagem, não pensa bem, não tem capacidade depensar bem, daí a importância da educação básica.

Há outros que alegam a necessidade de intensificar oscursos rápidos e a distância. Um deles são os MOOCS(Massive Open Online Courses), que a Internet tem aosmilhares, e que ensinam as pessoas a dominartecnologias específicas. Muitos deles são gratuitos ealguns têm classes com 60 mil estudantes. O próprioMinistério do Trabalho no Brasil tem cursosprofissionais de curta duração para tecnologiasespecíficas à disposição, e essa me parece que é umaideia muito importante.

Outros, diante da constatação de que vai faltaremprego daqui a 10, 15 ou 20 anos, preconizamaprovar um programa de renda mínima para todas as

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pessoas, quer elas trabalhem, quer não trabalhem. Éuma ideia que está sendo muito debatida por países daEuropa, mas também muito controvertida. Não seimagina que um país que tem dificuldades para colocarremédio nos hospitais, como o Brasil, teria recursospara pagar uma renda mínima para todos os seushabitantes.

Outra estratégia, que é excelente, porque já deu provasde que funciona, é a aprendizagem contínua, que exigea articulação da escola com a empresa, da empresacom o governo e do governo com a escola. No Japão,as empresas recrutam os empregados nas instituiçõesde ensino e, no primeiro dia, os colocam emtreinamento. E esse treinamento não acaba nunca. Nosprimeiros anos, o salário desse jovem é muito mais altoque a sua produtividade dele, pois que ainda estáaprendendo. No meio da carreira, que é o período maisextenso, de 20 ou 30 anos, a produtividade é muitomais alta que o salário. Nesse momento a empresamais do que compensou o investimento que fez noinício. Para os idosos, o Japão vem simplificando ostablets e os sistemas para que sejam facilmente aprendidose, com eles, são administrados novos treinamentos paraprolongar a vida laboral das pessoas. Quando ofuncionário for idoso, novamente o salário ficará mais altoque a produtividade e a empresa voltará a investir no seuretreinamento. É o modo de compensar a diferença entresalário e produtividade que aumenta na idade avançada.

O Japão é um país exemplar em matéria de educaçãocontinuada, no qual empresa e instituições de ensinoestão juntas. E nos países da Escandinávia ocorreacontece a mesma coisa. Isso significa que precisamos

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criar nós vamos ter novos modelos de treinamento daquipara frente, voltados para para as a demanda de novashabilidades. E isso é uma enorme oportunidade para asinstituições de ensino superior. Uma enormeoportunidade de mercado para essas instituições, queprecisam se tornar versáteis, sofisticadas e parceirasdas empresas para poder entrar nesse ajuste tãonecessário da revolução 4.0. É um mercado , no meuentender, muito promissor.

Notas de rodapé:

(*) Carl B. Frey and Michael A. Osborne, The future ofemployment: how suceptible are jobs tocomputarization, Oxford University, 2013;

(**) Martin Ford, Rise of the robots, New York: BasicBooks, 2015;

(***) Melanie Arntz e col., The risk of automation forjobs in OECD Countries, Paris: OECD, 2016;

(****) David H. Autor, Why are there still so many Jobs?Journal of Econ. Perspectives, 2015;

(*****) WEF, The future of jobs report 2018;

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