2 Literatura 019...Bossa Nova e a vida intelectual do circuito Zona Sul). (FIGUEIREDO, Luciano...
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2019 Literatura
Setembro
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Literatura
Exercícios de revisão: Modernismo (2ª fase) – Prosa
Exercícios
1. Se a obra historiográfica de Sérgio Buarque de Hollanda foi um olhar para o passado brasileiro a partir
da História de São Paulo (as monções, as entradas e bandeiras, os caminhos e fronteiras) entre a
generalidade do ensaio, em Raízes do Brasil, e a sistematização acadêmica de sua produção na USP, a
cidade do Rio de Janeiro funda um universo poético e um horizonte criativo inteiramente novos em
Chico Buarque, no cruzamento das atividades do “morro” (o samba, sobretudo) com as da “cidade” (A
Bossa Nova e a vida intelectual do circuito Zona Sul). (FIGUEIREDO, Luciano (org). História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013, p. 451)
O sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, em sua obra “Raízes do Brasil”, buscou caracterizar traços
fundadores da nossa identidade cultural, ao tempo que também a literatura registrava aspectos
regionais de nossa cultura mais enraizada, tal como ocorreu
a) nas crônicas dos jornais e revistas da época conhecida como belle époque.
b) no período de autores pioneiros conhecido como pré-modernismo.
c) nas páginas ainda tímidas de nossa prosa mais intimista da década de 1940.
d) nos poemas em prosa do então jovem e promissor Carlos Drummond de Andrade.
e) em romances de afirmação do período modernista e da chamada geração de 30.
2. (...) procurei adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro?
Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que
todos nós desejamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite
pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos somos como a minha cachorra Baleia
e esperamos preás. (...) Carta de Graciliano Ramos a sua esposa.
(...) Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de
suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas.
Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinha Vitória guardava o cachimbo.
(...)
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um
Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro
enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes. Graciliano Ramos, Vidas secas
As declarações de Graciliano Ramos na Carta e o excerto do romance permitem afirmar que a
personagem Baleia, em “Vidas Secas”, representa
a) o conformismo dos sertanejos.
b) os anseios comunitários de justiça social.
c) os desejos incompatíveis com os de Fabiano.
d) a crença em uma vida sobrenatural.
e) o desdém por um mundo melhor.
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3. Carta do escritor Graciliano Ramos ao pintor Cândido Portinari.
Rio – 18 – Fevereiro – 1946
Caríssimo Portinari:
A sua carta chegou muito atrasada, e receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa
pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno, penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos
deformações; contudo as deformações e miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos
censuram.
O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem,
poderíamos continuar a trabalhar? Desejamos realmente que elas desapareçam ou seremos também
uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você
mostrou quando almocei no Cosme Velho pela última vez, o que mais me comoveu foi aquela mãe com
a criança morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem
miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz que espécie de arte surgiria? Chego
a pensar que faríamos cromos, anjinhos cor-de-rosa, e isto me horroriza.
Felizmente a dor existirá sempre, a nossa velha amiga, nada a suprimirá. E seríamos ingratos se
desejássemos a supressão dela, não lhe parece? Veja como os nossos ricaços em geral são burros.
Julgo naturalmente que seria bom enforcá-los, mas se isto nos trouxesse tranquilidade e felicidade, eu
ficaria bem desgostoso, porque não nascemos para tal sensaboria. O meu desejo é que, eliminados os
ricos de qualquer modo e os sofrimentos causados por eles, venham novos sofrimentos, pois sem isto
não temos arte.
E adeus, meu grande Portinari. Muitos abraços para você e para Maria.
Graciliano
sensaboria: contratempo, monotonia
Depreende-se corretamente do texto que o escritor Graciliano Ramos:
a) compreende a miséria humana e os sofrimentos como motivadores da produção artística, que não
pode ser apenas ornamental.
b) entende que a função da pintura é oferecer as soluções práticas para o erradicamento da miséria
humana.
c) se refere a pinturas que ele mesmo produziu sobre as diferenças sociais que afetam o povo
brasileiro.
d) se dirige ao pintor Portinari com o claro objetivo de propor a formação de uma política que exclua
os ricos da sociedade.
e) escreve ao pintor Portinari para tentar amenizar o remorso que sente por explorar a miséria
humana.
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4. Leia o texto.
Fazia um mês que eu chegara ao colégio. Um mês de um duro aprendizado que me custara suores
frios. Tinha também ganho o meu apelido: chamavam-me de Doidinho. O meu nervoso, a minha
impaciência mórbida de não parar em um lugar, de fazer tudo às carreiras, os meus recolhimentos, os
meus choros inexplicáveis, me batizaram assim pela segunda vez. Só me chamavam de Doidinho. E a
verdade é que eu não repelia o apelido. Todos tinham o seu. Havia o Coruja, o Pão-Duro, o Papa-Figo.
Este era o pobre do Aurélio, um amarelo inchado não sei de que doença, que dormia junto de mim.
Vinha um parente levá-lo e trazê-lo todos os anos. Em S. João não ia para casa, e só voltava no fim do
ano porque não havia outro jeito. A família tinha vergonha dele em casa. Nunca vi uma pessoa tão feia,
com aquele corpanzil bambo de papangu. Apanhava dos outros somente com o grito: — Vou dizer a
Seu Maciel! — Mas não ia, coitado. Nem esta coragem de enredo, ele tinha. Dormia com um ronco de
gente morrendo e a boca aberta, babando. Às vezes, quando eu acordava de noite, ficava com medo do
pobre do Aurélio. Ouvia falar que era de amarelos assim que saíam os lobisomens. Certas ocasiões
não podia se levantar, e dias inteiros ficava na cama, com um lenço amarrado na cabeça. E o seu Maciel
não respeitava nem esta enfermidade ambulante: dava no pobre também. (José Lins do Rego. Doidinho.)
Doidinho, cuja primeira edição é de 1933, é obra inserida no “Regionalismo de 30”. Essa fase analisa a
relação do homem comum com a realidade opressora em que a figura do “herói problemático” luta para
vencer a hostilidade do meio ou se recolhe ao próprio mundo interior.
Identifique um fragmento do texto que apresente algum aspecto ligado a essa tendência.
a) “Fazia um mês que eu chegara ao colégio. Um mês de um duro aprendizado que me custara suores
frios.”
b) “Só me chamavam de Doidinho. E a verdade é que eu não repelia o apelido. Todos tinham o seu.
Havia o Coruja, o Pão-Duro, o Papa-Figo.”
c) “Este era o pobre do Aurélio, um amarelo inchado não sei de que doença, que dormia junto de mim.
Vinha um parente levá-lo e trazê-lo todos os anos.”
d) “Apanhava dos outros somente com o grito: — Vou dizer a Seu Maciel! — Mas não ia, coitado. Nem
esta coragem de enredo, ele tinha.”
e) “Dormia com um ronco de gente morrendo e a boca aberta, babando.”
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5. Incidente em Antares (fragmento)
Durante alguns minutos a defunta fica a olhar em torno – para a esplanada, o céu, o muro do cemitério,
a lanterna acesa caída no chão... Depois se põe de joelhos e nessa posição, lentamente, faz a volta do
esquife vizinho, desatarraxando-lhe a tampa, que tenta em vão erguer, terminada a operação. Bate três
vezes com o punho cerrado na tampa do caixão negro, cujo ocupante responde, após segundos, com
três batidas semelhantes. D. Quitéria vê a tampa que ela desaparafusou erguer-se lentamente e por fim
cair para um lado. Um homem de estatura mediana e vestido de escuro sai do seu féretro, dá alguns
passos com uma rigidez de boneco de mola, olha a seu redor, inclina-se, apanha a lanterna, passeia a
sua luz pelo muro do cemitério, depois pela copa dos cinamomos, projeta-a contra a esplanada e por
fim foca o rosto da dama, que continua ajoelhada.
— D. Quitéria Campolargo! – exclama o desconhecido. — Que honra! Que prazer!
Érico Veríssimo
Pode-se afirmar sobre a Geração de 1930 do Modernismo brasileiro à qual a crítica vincula Érico
Veríssimo:
a) [...] inspirado pelas propostas iconoclastas das vanguardas europeias, deu início a um
questionamento sistemático dos valores que fundamentam o gosto nacional. (Maria Luiza M.
Abaurre, Maria Bernadete M. Abaurre e Marcela Pontara)
b) [...] busca apresentar o homem como um produto biológico, cujo comportamento é moldado pelo
ambiente e pela herança genética. Essa tendência ocorre, especialmente, devido ao contexto
científico da época que creditava à ciência natural a única forma de se explicar o mundo. (Luciana
Paula Bento Luciani)
c) As manifestações literárias do período [...] indicam, de modo geral, o surgimento de uma
mentalidade valorizadora da capacidade humana. Essa mentalidade inspirada na revalorização da
cultura clássica da Antiguidade, conviveu com valores tipicamente medievais. (Ulisses Infante)
d) [...] foi um período no qual se observou a ressurreição da literatura grecolatina e o homem como
um meio para a realização de seus fins transcendentes. (Anne Cristina Barbosa Peres)
e) O romance brasileiro de então, encontrando no regionalismo uma de suas principais vertentes,
ganha matizes ideológicos e se transforma num importante instrumento de análise e de denúncia
da realidade. (William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães)
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6. A literatura de 1930 é demarcada por uma temática social, em que o urbano e o rural se intercruzam,
haja vista os romances de José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado. Os dois primeiros
autores dão prioridade às histórias que transcorrem em espaço rural; a mesma coisa já não se pode
afirmar em relação à obra de Jorge Amado, pois grande parte dela tem como ambiente a cidade da
Bahia, atual Salvador. Com base no exposto, observe as imagens a seguir:
Analise as seguintes afirmativas:
I. As três imagens referem-se, de modo simultâneo, às obras dos romancistas de trinta, José Lins
do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado, pois a produção artística desses autores relata
acontecimentos que ocorrem nos três espaços representados nas imagens expostas.
II. Dos três autores mencionados, dois deles têm textos memorialistas, Graciliano Ramos, por relatar
as memórias dos anos que passou na prisão, e Jorge Amado, quando narra a história dos amores
de Gabriela com Nacib e de Dona Flor com os seus dois maridos.
III. Há antagonismo entre as imagens 1, 2 e 3, respectivamente, com os romances de José Lins do
Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado os quais, pelo fato de fazerem parte da geração
denominada regionalista, mimetizam, de modo crítico, aspectos da realidade que têm por cenários
o campo e a cidade.
IV. A imagem 2 representa o espaço onde transcorrem os acontecimentos relatados nos romances
do ciclo do açúcar, de José Lins do Rego, enquanto a 3 relaciona-se com o cenário da seca, tema
central de Vidas Secas. Trata-se de uma narrativa de Graciliano Ramos, na qual o animal e o
homem se equivalem, pois, enquanto Fabiano se considera “bicho”, Baleia nutre sentimentos
humanos.
V. Dos três autores, o único que apresenta, na maioria de seus romances, um cenário urbano tal qual
se encontra representado na imagem 3 é Jorge Amado, cuja crítica social se volta para
acontecimentos na cidade da Bahia, atual Salvador
Está(ão) CORRETA(S) apenas:
a) I, II e III.
b) I e II.
c) IV.
d) I e V.
e) I, III e IV.
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7. Omolu espalhara a bexiga na cidade. Era uma vingança contra a cidade dos ricos. Mas os ricos tinham
a vacina, que sabia Omolu de vacinas? Era um pobre deus das florestas d’África. Um deus dos negros
pobres. Que podia saber de vacinas? Então a bexiga desceu e assolou o povo de Omolu. Tudo que
Omolu pôde fazer foi transformar a bexiga de negra em alastrim, bexiga branca e tola. Assim mesmo
morrera negro, morrera pobre. Mas Omolu dizia que não fora o alastrim que matara. Fora o lazareto*.
Omolu só queria com o alastrim marcar seus filhinhos negros. O lazareto é que os matava. Mas as
macumbas pediam que ele levasse a bexiga da cidade, levasse para os ricos latifundiários do sertão.
Eles tinham dinheiro, léguas e léguas de terra, mas não sabiam tampouco da vacina. O Omolu diz que
vai pro sertão. E os negros, os ogãs, as filhas e pais de santo cantam:
Ele é mesmo nosso pai
e é quem pode nos ajudar...
Omolu promete ir. Mas para que seus filhos negros não o esqueçam avisa no seu cântico de despedida:
Ora, adeus, ó meus filhinhos,
Qu’eu vou e torno a vortá...
E numa noite que os atabaques batiam nas macumbas, numa noite de mistério da Bahia, Omolu pulou
na máquina da Leste Brasileira e foi para o sertão de Juazeiro. A bexiga foi com ele. Jorge Amado, Capitães da Areia.
*lazareto: estabelecimento para isolamento sanitário de pessoas atingidas
Considere as seguintes afirmações referentes ao texto de Jorge Amado:
I. Do ponto de vista do excerto, considerado no contexto da obra a que pertence, a religião de origem
africana comporta um aspecto de resistência cultural e política.
II. Fica pressuposta no texto a ideia de que, na época em que se passa a história nele narrada, o Brasil
ainda conservava formas de privação de direitos e de exclusão social advindas do período colonial.
III. Os contrastes de natureza social, cultural e regional que o texto registra permitem concluir
corretamente que o Brasil passou por processos de modernização descompassados e desiguais.
Está correto o que se afirma em:
a) I, somente.
b) II, somente.
c) I e II, somente.
d) II e III, somente.
e) I, II e III.
8. O romance regionalista nordestino que surge e se desenvolve a partir de 1930, aproximadamente, pode
ser chamado de neorrealista. Isso se deve ao fato de que esse romance:
a) retoma o filão da temática regionalista, descoberto e explorado inicialmente pelos realistas do
século XIX.
b) apresenta, através do discurso narrativo, uma visão realista e crítica das relações entre as classes
que estruturaram a sociedade do Nordeste.
c) tenta explicar o comportamento do homem nordestino pelos fatores raça, meio e momento com
base numa postura estritamente científica.
d) abandona de todo os pressupostos teóricos do Realismo do século passado, buscando as causas
do comportamento humano mais no individual do que no social.
e) procura fazer do romance a anotação fiel e minuciosa da nova realidade urbana do Nordeste.
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9. Considere o seguinte trecho do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos:
As vacas vinham abrigar-se junto à parede da casa, pegada ao curral, e a chuva fustigava-as, os
chocalhos batiam. Iriam engordar com o pasto novo, dar crias. O pasto cresceria no campo, as árvores
se enfeitariam, o gado se multiplicaria. Engordariam todos, ele Fabiano, a mulher, os dois filhos e a
cachorra Baleia. Talvez Sinhá Vitória adquirisse uma cama de lastro de couro. Realmente o jirau de
varas onde se espichavam era incômodo.
Nesse trecho, fica claro que:
a) o narrador imagina uma cena que nada tem a ver com o cenário real em que se encontram suas
personagens.
b) Sinhá Vitória gostava de imaginar coisas, com a chegada das chuvas e a prosperidade da família.
c) Fabiano, em certos momentos, tinha consciência de que a situação em que viviam era irreversível.
d) Fabiano não deixava de alimentar esperanças de um melhor destino para sua família.
e) Sinhá Vitória, em certos momentos, deixava de alimentar qualquer esperança quanto ao futuro da
família.
10. Graciliano Ramos é o autor que, no Modernismo, fez parte da
a) fase destruidora, que procurou romper com o passado.
b) segunda fase, em que se destacou a ficção regionalista.
c) fase irreverente, que buscou motivos no primitivismo.
d) geração de 45, que procurou estabelecer uma ordem no caos anterior.
e) década de 60, que transcendentalizou o regionalismo.
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Gabarito
1. E
A literatura brasileira registrou aspectos regionais de nossa cultura mais enraizada em romances de
afirmação da nossa identidade cultural no período modernista da chamada de geração de 30. Trata-se
de romances caracterizados pela denúncia social através do retrato da realidade das regiões mais
inóspitas e miseráveis do Brasil, aproximando-se de procedimentos do Realismo-Naturalismo a que se
acrescenta a análise psicológica dos personagens.
2. B
O mundo de preás referido na carta de Graciliano e nos “pensamentos” de Baleia antes de morrer
representa, metaforicamente, os anseios por uma vida digna, pela justiça social referida na alternativa
correta.
3. A
Através da carta a Portinari, Graciliano Ramos defende a ideia de que arte é um ato de consciência crítica
com a função de expor os aspectos negativos da sociedade, provocar interrogações e reflexões, assim
como discussões sobre os acontecimentos no mundo.
4. D
Em “Doidinho”, descreve-se o cotidiano dos alunos do colégio, sujeito a humilhações e ao abandono da
própria família, como acontecia com Aurélio. No terceiro parágrafo do texto, o leitor é permeável ao
sentimento de piedade e medo que este personagem incute no narrador, principalmente nos trechos
“Apanhava dos outros somente com o grito: - Vou dizer a seu Maciel! – Mas não ia, coitado” e “Às vezes,
quando eu acordava de noite, ficava com medo do pobre do Aurélio. Ouvia falar que era de amarelos
assim que saíam os lobisomens”.
5. E
O romance da Geração de 30 tem uma preocupação com a denúncia social, retomando a perspectiva
crítica do Realismo, ao mesmo tempo em que se interessa por lugares distantes dos grandes centros
urbanos. Por isso, fala-se em escritores neorrealistas e regionalistas.
6. D
As incorretas são: Graciliano Ramos escreveu obra memorialista: “Memórias do Cárcere”, já “Gabriela”
e “Dona Flor e seus Maridos”, não são obras dessa natureza; Não há antagonismos entre os espaços
retratados, respectivamente engenho, sertão e centro urbano, pois os três se referem ao contexto
regionalista da 2ª geração modernista; A imagem 2 representa o espaço retratado em “Vidas Secas”; já
a imagem 1, um engenho, retrata, como o próprio nome indica, os romances do ciclo do açúcar.
7. E
A questão sobre Capitães da areia, relacionada ao trecho no qual Omulu começa sua vingança contra os
ricos, traz algumas afirmações relacionadas ao contexto histórico, social e cultural do Brasil da década
de trinta. Na primeira afirmação, destaca-se a importância do candomblé como resistência cultural e
política a partir da figura de Omulu, orixá que intenta uma vingança social a favor dos pobres. A segunda
afirmação apresenta a persistência da discriminação contra religiões afro-brasileiras originadas no
período colonial, até o século XX. A terceira afirmação, também correta, registra a desigualdade social
do Brasil, bem evidente no romance. Logo, todas as afirmativas estão corretas.
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8. B
O período que se desenvolve após 1930 é chamado de Neorrealismo porque apresenta, de forma crítica,
as relações entre as classes e a situação vivida no Nordeste brasileiro.
9. D
O trecho apresenta que mesmo que os personagens apresentassem problemas, ainda sim, Fabiano, não
perdia as esperanças de que conseguiriam ter um destino melhor.
10. B
Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas, é um dos principais representantes da prosa na segunda
geração do modernismo, sobressaindo-se entre os demais escritores em virtude de suas qualidades
universalistas e, sobretudo, pela linguagem enxuta, rigorosa e conscientemente trabalhada.
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Pós-Modernismo (Poesia)
Resumo
Em seu estudo Quadro sintético da literatura brasileira (1956), Alceu Amoroso Lima incluiu a expressão
Pós-modernismo, com o significado sobretudo cronológico como diferença em relação ao Modernismo, que
apresentava sinais de desgaste.
Devido a multiplicidade de tendências, a certeza de que o Pós-modernismo representa a ruptura e não
a continuidade do Modernismo é pouco nítida: em razão das especificações culturais e históricas e das
diferenças artísticas no contexto brasileiro, o conceito de Pós-modernismo é difuso e impreciso. A
heterogeneidade das formas artísticas, as expressões pouco comuns, os hibridismos, as tentativas de novas
formas de expressão são inerentes à pós-modernidade. Deste modo, a definição de pós-modernidade é
controversa e polêmica devido à sua complexidade e à pluralidade de elementos que envolve.
O Pós-modernismo não se deu só na literatura. O termo passou a designar as mudanças ocorridas nos
campos das artes, das ciências, da filosofia a partir do final da década de 60. A crítica brasileira elegeu Clarice
Lispector, e Guimarães Rosa, na prosa e João Cabral de Melo Neto, no verso como os precursores do Pós-
modernismo no Brasil.
Características do Pós-modernismo
● Pesquisa da linguagem (instrumentalismo);
● Renovação na estrutura da narrativa;
● Apelo fantástico (realismo mágico), crítica do real através da ilógica, do irreal;
● Identificação com os Modernistas da primeira geração: o caráter renovador e experimental reaparece;
● Valorização de contos e minicontos como forma de espelhar o tempo moderno;
● Popularização da literatura com a documentação da realidade brasileira cotidiana por meio de linguagem antiliterária;
● Caráter vanguardista da poesia: concretismo, poema-processo, poesia-práxis, poesia-social.
João Cabral de Melo Neto
João Cabral de Melo Neto (1920-1999) foi um poeta e diplomata brasileiro. Autor de “Morte e Vida
Severina”, poema dramático que o consagrou. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Recebeu
o Prêmio da Poesia, do Instituto Nacional do Livro, o Prêmio Jabuti da Academia Brasileira do Livro e o
Prêmio da União Brasileira de Escritores, pelo livro “Crime na Calle Relator”.
Nasceu no Recife, Pernambuco. Filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro Leão
Cabral de Melo. Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo e primo do poeta Manuel Bandeira e do Sociólogo
Gilberto freire. Passou sua infância entre os engenhos da família nas cidades de São Loureço da Mata e
Moreno. Estudou no Colégio Marista, no Recife. Amante da leitura lia tudo o que tinha acesso, no colégio e
na casa da avó.
Em 1941, participa do Primeiro Congresso de Poesia do Recife, lendo o opúsculo "Considerações sobre
o Poeta Dormindo". Em 1942 publica sua primeira coletânea de poemas, com o livro "Pedra do Sono", onde
predomina uma atmosfera vaga de surrealismo e absurdo. Depois de se tornar amigo do poeta Joaquim
Cardoso e do pintor Vicente do Rego Monteiro, transfere-se para o Rio de Janeiro.
Durante os anos de 1943 e 1944, trabalhou no Departamento de Arregimentação e Seleção de Pessoal
do Rio de Janeiro. Em 1945 publica seu segundo livro "O Engenheiro", custeado pelo empresário e poeta
Augusto Frederico Schmidt. Realiza seu segundo concurso público, e em 1947 ingressa na carreira
Literatura
diplomática passando a viver em várias cidades do mundo, como Barcelona, Londres, Sevilha, Marselha,
Genebra, Berna, Assunção, Dacar e outras.
Em 1950, publicou o poema "O Cão Sem Plumas", a partir de então começa a escrever sobre temas
sociais. Em 1956 escreve o poema "Morte e Vida Severina", responsável por sua popularidade. Trata-se de
um auto de Natal que persegue a tradição dos autos medievais, fazendo uso da redondilha, do ritmo e da
musicalidade. Foi levado ao palco do Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA), em 1966,
musicada por Chico Buarque de Holanda. O poema narra a trajetória de um retirante, que para livrar-se de
uma vida de privações no interior, ruma para a capital. Na cidade grande o retirante depara-se com uma vida
de dificuldades e miséria.
João Cabral de Melo Neto foi casado com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve cinco filhos.
Casou pela segunda vez com a poetisa Marly de Oliveira. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras,
para a cadeira nº 37, tomando posse em 6 de maio de 1969. Em 1992, começa a sofrer de cegueira
progressiva, doença que o leva à depressão.
João Cabral de Melo Neto morreu no Rio de Janeiro, no dia 9 de outubro de 1999, vítima de ataque
cardíaco. Fonte: https://www.ebiografia.com/joao_cabral_de_melo_neto/
Ferreira Gullar
Ferreira Gullar, pseudônimo de José de Ribamar Ferreira, foi um poeta, crítico de arte e ensaísta
brasileiro. Abriu caminho para a "Poesia Concreta" com o livro "A Luta Corporal". Organizou e liderou o
movimento literário "Neoconcreto". Recebeu o Prêmio Camões, em 2010. Em 2014, foi eleito para a Academia
Brasileira de Letras.
Nasceu em São Luís, Maranhão, no dia 10 de setembro de 1930. Iniciou seus estudos em sua cidade
natal. Com 13 anos passou a se dedicar à poesia. Com 18 anos começou a assinar Ferreira Gullar e publicou
seu primeiro livro de poesias intitulado "Um Pouco Acima do Chão". Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde
atuou como jornalista. Participou do Centro Popular de Cultura da extinta União Nacional do Estudante.
Ferreira Gullar iniciou sua obra sob os princípios da poesia concreta, logo deixou os vanguardistas de
São Paulo, numa luta para construir uma expressão própria. Em 1954 escreveu a "A Luta Corporal", livro que
prenunciava a Poesia Concreta. Em 1956, depois de participar da primeira exposição de Poesia Concreta,
realizada em São Paulo, organizou e liderou o grupo "Neoconcreto", no qual participaram Lígia Clark e Hélio
Oiticica. Após romper com os concretistas, aproxima-se da realidade popular e do pensamento progressista
da época, todo ele ligado ao populismo.
Ferreira Gullar presidia o Centro Popular de Cultura da UNE, quando em 1964, veio o golpe militar. Filiado
ao PC e um dos fundadores do grupo Opinião, foi preso e viveu fora do país de 1971 a 1977. Esteve exilado
em Paris e depois em Buenos Aires.
Em 1976, publica o "Poema Sujo", escrito em 1975, no exílio em Buenos Aires, que representa a solução
dos problemas vividos por todos os intelectuais do período, que viram seus ideais populistas serem
sufocados pela revolução de 1964. Em 1977 é absolvido pelo STF e retorna ao Brasil.
Para o teatro, Ferreira Gullar escreveu, em 1966, em parceria com Oduvaldo Vianna Filho, a peça "Se
Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come". Em parceria com Arnaldo Costa e A.C. Fontoura, escreveu, em
1967, "A Saída? Onde Fica a Saída?". Junto com Dias Gomes, em 1968, escreveu "Dr. Getúlio, Sua Vida e Sua
Glória". Para a televisão, colaborou para as novelas Araponga em 1990, Irmãos Coragem, em 1995 e Dona
Flor e Seus Dois Maridos, em 1998.
Ferreira Gullar ganhou diversos prêmios de literatura, entre eles, o Prêmio Jabuti de Melhor Livro de
Ficção de 2007, com "Resmungos". Também teve reconhecimento com Prêmio Camões, em 2010. No mesmo
ano, recebeu o título de Doutor Honoris Causa, da UFRJ. Em 2011, recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia.
No dia 9 de outubro de 2014, Ferreira Gullar foi eleito para a cadeira nº 37 da Academia Brasileira de
Letras. Em dezembro desse mesmo ano realizou a exposição "A Revelação do Avesso" onde apresentou 30
quadros feitos a partir de colagens com papel colorido, que foram produzidas como passatempo. A mostra
foi acompanhada por um livro com fotos da coleção completa e também com poemas do autor.
Ferreira Gullar faleceu no Rio de Janeiro, no dia 4 de dezembro de 2016.
Literatura
Fonte: https://www.ebiografia.com/ferreira_gullar/
Movimentos da poesia pós-moderna
Poesia Concreta
Revista Noigrandes, 1958(São Paulo): o manual da Poesia Concreta foi publicado. Assinado pelos
poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, o manifesto foi batizado - ironicamente
- de Plano Piloto Para Poesia Concreta. As propostas dos idealizadores eram: poesia concreta: produto de
uma evolução crítica de formas dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a
poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutura. espaço
qualificado: estrutura espaço-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear, daí a
importância da ideia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual, até o seu sentido
específico (fenollosa/pound) de método de compor baseado na justaposição direta – analógica, não lógico-
discursiva – de elementos.
Pós-tudo
Augusto de Campos
Velocidade
Ronaldo Azeredo
Literatura
Textos de apoio
TEXTO I
O Cão Sem Plumas
A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.
João Cabral de Melo Neto
Literatura
TEXTO II
Morte e Vida Severina
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
Literatura
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
João Cabral de Melo Neto
Literatura
TEXTO III
Poema Sujo
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
Literatura
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
Trecho de Poema Sujo, de Ferreira Gullar.
TEXTO IV
Não há vagas
Não há vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
Ferreira Gullar
Literatura
TEXTO V
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
Ferreira Gullar
Literatura
Exercícios
1. Considere as seguintes afirmações sobre o Concretismo.
I. Buscou na visualidade um dos suportes para atingir rupturas radicais com a ordem discursiva da
língua portuguesa.
II. Teve como integrantes fundamentais Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari.
III. Foi um projeto de renovação formal e estética da poesia brasileira, cuja importância ficou restrita
à década de 1950.
Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e II.
e) I, II e III.
2. Sobre as principais características do Concretismo, é incorreto afirmar:
a) Principal corrente de vanguarda da Literatura Brasileira, o Concretismo foi fortemente
influenciado pelas vanguardas europeias do começo do século XX.
b) O Concretismo foi responsável por marcar um avanço na arte multimídia, pois a poesia passou a
ter relação imediata com outras artes.
c) O Concretismo foi marcado pelas experiências estéticas no campo da linguagem, apresentando
poucas inovações em relação à forma.
d) Uma das principais características do Concretismo foi a ruptura com a estrutura discursiva do
verso tradicional.
e) Entre os recursos da poesia concretista estão: experiências sonoras, emprego de caracteres
tipográficos de diferentes formas e tamanhos e criação de neologismos.
Literatura
3. Na obra Quaderna (1960), João Cabral de Melo Neto incluiu um conjunto de textos, intitulado “Poemas
da cabra”, cujo tema é o papel desse animal no universo social e cultural nordestino. Um desses
poemas é reproduzido abaixo
Um núcleo de cabra é visível
por debaixo de muitas coisas.
Com a natureza da cabra
outras aprendem sua crosta.
Um núcleo de cabra é visível
em certos atributos roucos
que têm as coisas obrigadas
a fazer de seu corpo couro.
A fazer de seu couro sola.
a armar-se em couraças, escamas:
como se dá com certas coisas
e muitas condições humanas.
Os jumentos são animais
que muito aprenderam com a cabra.
O nordestino, convivendo-a,
fez-se de sua mesma casta.
Acerca desse poema, NÃO se pode afirmar que
a) o poeta vê a cabra como um animal forte e que influencia outros seres que vivem em condições
adversas.
b) aquilo que a cabra parece ensinar aos demais seres é a resignação e a paciência diante da
adversidade.
c) a cabra oferece uma espécie de modelo comportamental para aqueles que precisam ser fortes
para enfrentar uma vida dura.
d) a cabra é um animal resistente ao meio hostil em que vive, assim como outros animais também o
são, como o jumento.
e) há no poema uma aproximação entre a cabra e o homem nordestino, pois ambos são fortes e
resistentes.
Literatura
4. Cidade, City, Cité atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahisto- riloqualubrimendimultipliorganiperiodiplasti-
publirapareciprorustisagasimplitenaveloveravi-
vaunivoracidade
city
cité
O primeiro dos três “versos” do poema “Cidade/City/Cité”, de Augusto de Campos, se compõe de uma
longa “palavra” em que se pode subentender o termo “cidade” após “atro[cidade]”, “cadu[cidade]”,
“causti[cidade]”, “dupli[cidade]” e assim por diante, até “voracidade”, a que se seguem os versos “city”
e “cité”.
Com base nessa obra, é CORRETO afirmar que
a) Poesia Concreta defendia o êxodo urbano, ou seja, a fuga da cidade para o campo em busca de
condições mais saudáveis de vida.
b) o caráter cosmopolita de Poesia Concreta se pode ilustrar com a presença plurilingue de
vocábulos como “cidade”, “city”e “cité”.
c) o poema de Augusto de Campos busca, a um tempo, a “fero[cidade]” e a “simpli[cidade]” da Bossa-
nova e da Tropicália, respectivamente.
d) os poemas concretistas privilegiaram o trabalho com versos de métrica regular e bastante
extensos (como em “velo[cidade]” e “multipli[cidade]”.
e) o termo “voracidade” (“atributo daquele que devora”) fechando o verso, confirma o caráter
monótono e homogêneo que a cidade possui.
5. Leia o que disse João Cabral de Melo Neto, poeta pernambucano, sobre a função de seus textos: “Falo somente com o que falo: a linguagem enxuta, contato denso; falo somente do que falo: a vida
seca, áspera e clara do sertão; falo somente por quem falo: o homem sertanejo sobrevivendo na
adversidade e na míngua. Falo somente para quem falo: para os que precisam ser alertados para a
situação da miséria no Nordeste.”
Para João Cabral de Melo Neto, no texto literário,
a) a linguagem do texto deve refletir o tema, e a fala do autor deve denunciar o fato social para
determinados leitores.
b) a linguagem do texto não deve ter relação com o tema, e o autor deve ser imparcial para que seu
texto seja lido.
c) o escritor deve saber separar a linguagem do tema e a perspectiva pessoal da perspectiva do
leitor.
d) a linguagem pode ser separada do tema, e o escritor deve ser o delator do fato social para todos
os leitores.
e) linguagem está além do tema, e o fato social deve ser a proposta do escritor para convencer o
leitor.
Literatura
6. São características da poesia de João Cabral de Melo Neto:
a) Corte profundo entre a poesia romântica e a poesia moderna. O poeta criou um novo conceito de
poesia, que dessacraliza a chamada “poesia profunda”, ou seja, a poesia em que predominam os
versos de sentimentos ou de abordagem introspectiva. Sua poesia é antilírica, presa ao real e
direcionada ao intelecto, não às emoções.
b) Para o poeta, todo o ato de escrever provém da inspiração, fruto de uma investigação íntima que
privilegia os sentimentos e o lirismo.
c) O lirismo de João Cabral de Melo Neto, que tem raízes no neossimbolismo, concilia o humor com
temas do cotidiano, como a infância, a vida, a morte e o amor.
d) Dada sua farta produção poética, a poesia de João Cabral de Melo Neto costuma ser dividida em
quatro fases: a fase gauche; a fase social; a fase do “não” e a fase da memória.
e) João Cabral de Melo Neto integra o grupo de poetas religiosos que se formou no Rio de Janeiro
entre as décadas de 1930 e 40. Sua poesia é dividida em duas fases: a fase transcendental e a
fase material.
7. O trecho abaixo é um fragmento de “Morte e vida severina”, poema escrito por João Cabral de Melo
Neto. O poema conta a história de Severino, um retirante que foge da seca, saindo dos confins da
Paraíba para chegar ao litoral de Pernambuco (Recife). Lá, o retirante acredita que irá encontrar
melhores condições de vida. Este excerto (trecho) conta o momento em que, no final de sua
caminhada, Severino chega ao litoral. Mas, mesmo ali, encontra apenas sinais de morte, como quando
estava no sertão. Completamente desacreditado, sugere a um morador da região que pretende o
suicídio. Então, inicia com ele uma discussão. Acompanhe:
"- Seu José, mestre Carpina
Para cobrir corpo de homem
Não é preciso muita água.
Basta que chegue ao abdômen
Basta que tenha fundura igual a de sua fome.
- Severino retirante,
O mar de nossa conversa
Precisa ser combatido
Sempre, de qualquer maneira.
Porque senão ele alaga e destrói a terra inteira.
- Seu José, mestre Carpina,
Em que nos faz diferença
Que como frieira se alastre,
Ou como rio na cheia
Se acabamos naufragados
num braço do mar da miséria?"
NETO, J. C. de M. Morte vida Severina,1955.
Literatura
O argumento central de Severino para defender sua intenção de suicidar-se é:
a) o de que o rio, tendo fundura suficiente, será o melhor meio, naquela situação, para conseguir seu
intento.
b) o de que não é possível lutar com as mãos, já que as mãos não podem conter a água que se alastra.
c) o de que não é possível conter o mar daquela conversa, dada sua extensão e volume.
d) o de que a miséria, entendida como mar, irá naufragar mesmo a todos, independentemente do que
se faça.
e) o de que abandonando as mãos para trás será mais fácil afogar-se, já que não poderá nadar.
8. O açúcar O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
[dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
(…)
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Ferreira Gullar. Toda Poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 227-8.
Literatura
A antítese que configura uma imagem da divisão social do trabalho na sociedade brasileira é expressa
poeticamente na oposição entre a doçura do branco açúcar e
a) o trabalho do dono da mercearia de onde veio o açúcar.
b) o beijo de moça, a água na pele e a flor que se dissolve na boca.
c) o trabalho do dono do engenho em Pernambuco, onde se produz o açúcar.
d) a beleza dos extensos canaviais que nascem no regaço do vale.
e) o trabalho dos homens de vida amarga em usinas escuras.
9. TEXTO I O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias, mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias?
MELO NETO, J. C. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994 (fragmento).
TEXTO II João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio, transfere-a, aqui, ao retirante Severino, que, como o
Capibaribe, também segue no caminho do Recife. A autoapresentação do personagem, na fala inicial
do texto, nos mostra um Severino que, quanto mais se define, menos se individualiza, pois seus traços
biográficos são sempre partilhados por outros homens. SECCHIN, A. C João Cabral: a poesia do menos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999 (fragmento).
Com base no trecho de Morte e Vida Severina (Texto I) e na análise crítica (Texto II), observa-se que a
relação entre o texto poético e o contexto social a que ele faz referência aponta para um problema
social expresso literariamente pela pergunta “Como então dizer quem fala / ora a Vossas Senhorias?“.
A resposta à pergunta expressa no poema é dada por meio da
a) descrição minuciosa dos traços biográficos do personagem-narrador.
b) construção da figura do retirante nordestino como um homem resignado com a sua situação.
c) representação, na figura do personagem-narrador, de outros Severinos que compartilham sua
condição.
d) apresentação do personagem-narrador como uma projeção do próprio poeta, em sua crise
existencial.
e) descrição de Severino, que, apesar de humilde, orgulha-se de ser descendente do coronel
Zacarias.
Literatura
10. Meu povo, meu poema Meu povo e meu poema crescem juntos Como cresce no fruto A árvore nova No povo meu poema vai nascendo Como no canavial Nasce verde o açúcar No povo meu poema está maduro Como o sol Na garganta do futuro Meu povo em meu poema Se reflete Como espiga se funde em terra fértil Ao povo seu poema aqui devolvo Menos como quem canta Do que planta
FERREIRA GULLAR. Toda poesia. José Olympio: Rio de Janeiro, 2000.
O texto Meu povo, meu poema, de Ferreira Gullar, foi escrito na década de 1970. Nele, o diálogo com o
contexto sociopolítico em que se insere expressa uma voz poética que
a) precisa do povo para produzir seu texto, mas se esquiva de enfrentar as desigualdades sociais.
b) dilui a importância das contingências políticas e sociais na construção de seu universo poético.
c) associa o engajamento político à grandeza do fazer poético, fator de superação da alienação do
povo.
d) afirma que a poesia depende do povo, mas esse nem sempre vê a importância daquela nas lutas
de classe.
e) reconhece, na identidade entre o povo e a poesia, uma etapa de seu fortalecimento humano e
social.
Literatura
Gabarito
1. D
O Concretismo surgiu na década de 1950 e perdura até os dias de hoje, influenciando grupos de poetas,
músicos e artistas plásticos.
2. C
O Concretismo apresentou grandes inovações estéticas não só no campo da linguagem, mas também
na estrutura discursiva do poema, valendo-se de materiais gráficos e visuais.
3. B
Nenhum elemento no poema remete a resignação ou paciência. Em contrapartida, a força e a resistência
são características que, segundo o eu lírico, foram aprendidas por jumentos e homens em sua
convivência com a cabra: “Com a natureza da cabra Outras aprendem sua crosta”.
4. B
A poesia concreta, de fato, tem um caráter cosmopolita que é, no poema, ilustrado pela presença
plurilíngue de vocábulos como “cidade”, “city”e “cité”.
5. A
Além de harmonizar forma e conteúdo, a arte literária reflete um fato social; portanto, a única alternativa
possível sobre a função dos textos de João Cabral é a alternativa a.
6. A
A obra de João Cabral de Melo Neto reinventa o conceito de poesia, que dessacraliza a chamada “poesia
profunda”, isto é, a poesia em que predominam os versos de sentimentos ou de abordagem introspectiva.
Sua poesia é antilírica, presa ao real e direcionada ao intelecto, não às emoções.
7. D
“Em que nos faz diferença /Que como frieira se alastre, /Ou como rio na cheia/Se acabamos
naufragados/num braço do mar da miséria?" os versos anteriores deixam clara a desesperança de
Severino, justificando a alternativa “D”
8. A
Como vimos, a antítese trata da aproximação de palavras com sentidos opostos. Observe que a
alternativa (E) traz o adjetivo “amarga”, opondo-se à doçura do açúcar. Já na expressão “usinas escuras”,
temos uma oposição à brancura do açúcar. Logo, é a única alternativa que apresenta, de fato, uma
oposição clara entre as palavras. Observe que nenhuma alternativa traz palavras que se opõem ao que
foi pedido no enunciado, pois falam de situações que se completam.
9. C
A afirmação correta, alternativa C, é resposta à pergunta “Como então dizer quem fala / ora a Vossas
Senhorias?”. Expressa no poema a representação de muitos Severinos que compartilham a mesma
condição, ou seja, da figura do retirante nordestino.
10. E
Nota-se que o povo e o poema são indissociáveis, em todo o texto. Percebe-se que o poema nasce do
povo (1ª estrofe), cresce (2ª estrofe) e amadurece (3ª estrofe) junto com ele e, por fim, nele se reflete (4ª
estrofe). Ferreira Gullar buscava, por meio da arte, lutar contra a injustiça social e contra a opressão.
1
Literatura
Pós-Modernismo: Clarice Lispector
Resumo
Clarice Lispector
Nascida em Tchetchelnik, aldeia da Ucrânia, em 1925, e falecida no Rio de Janeiro, em 1977, Clarice Lispector,
brasileira naturalizada, passou a infância em Recife, mudando-se para o Rio de Janeiro entre os 12 e 13 anos.
Em 1944, com apenas 19 anos, publicou Perto do Coração Selvagem, romance que causou estranheza à crítica,
pelas novidades que trazia: a sondagem do mundo interior, as profundezas do subconsciente relativizando o
enredo, a ação, como em Virgínia Wolf, James Joyce e Marcel Proust.
Além de outros romances, como O Lustre, A Cidade Sitiada, A Maçã no Escuro, A Paixão Segundo G.H., Uma
Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, A Hora da Estrela e Água Viva, Clarice publicou alguns livros de contos,
sendo o primeiro Laços de Família, um verdadeiro mergulho nos bastidores do universo familiar, e em especial
na “doce náusea” da condição feminina dentro desse universo. Alguns contos e A Legião estrangeira, com
contos e crônicas, constituem outras obras da escritora.
“A leitura de Clarice é difícil e trabalhosa. Exige do leitor a mesma atenção concentrada e tensa, mas também
o mesmo intenso abandono que se intui presente no ato da escrita. Se Clarice escreve com o corpo, o seu
leitor não pode lhe conceder apenas a fria racionalidade de seu intelecto. Deve deixar-se invadir, aceitar a
agressão.
[...]
Às vezes, a página pega-nos como uma droga, uma súbita alegria do corpo todo, por simpatia, sintonia,
revelação. Outras vezes, queremos recusá-la como um prato demasiado gorduroso, álcool puro sem base
material. Daí as razões de sua popular impopularidade. Seus fãs são como uma confraria de adeptos, sempre
a relembrarem-se, um ao outro, não episódios ou personagens, nem situações ou palavras [...] mas a
reviverem sensações: um cheiro, um arrepiar de pele, um vazio de alma”.
Luciana Stegagno Picchio. Epifania de Clarice. Revista Remate de Males. nº9, UNICAMP/Campinas, 1989.
2
Literatura
Características das Obras de Clarice Lispector:
• Narrativa altamente intimista
• Narrativa fragmentada: sobreposição dos planos narrativos
• Mergulho profundo no fluxo de consciência dos personagens
• Desmoronamento das barreiras espaço-temporais
• Geralmente os personagens se encontram em busca de “algo”: suas identidades/individualidades
• Técnica digressiva de narrar
• Tempo da narrativa: psicológico
• Epifania: revelação
• A linguagem traduz os sentimentos das personagens e os transmite ao leitor.
•
Temáticas Clariceanas
• Temáticas humanas e universais
• O difícil reconhecimento do outro
• Hipocrisia das relações sociais familiares
• Papel social da mulher
• A própria linguagem
Texto de Apoio
Conto "As Caridades Odiosas" - Clarice Lispector
As Caridades odiosas
(...)Foi em uma tarde de sensibilidade ou de suscetibilidade? Eu passava pela rua depressa, emaranhada nos
meus pensamentos, como às vezes acontece. Foi quando meu vestido me reteve: alguma coisa se
encanchara na minha saia. Voltei-me e vi que se tratava de uma mão pequena e escura. Pertencia a um menino
a que a sujeira e o sangue interno davam um tom quente de pele. O menino estava de pé no degrau da grande
confeitaria. Seus olhos, mais do que suas palavras meio engolidas, informavam-me de sua paciente aflição.
Paciente demais. Percebi vagamente um pedido, antes de compreender o seu sentido concreto. Um pouco
aturdida eu o olhava, ainda em dúvida se fora a mão da criança o que me ceifara os pensamentos. -Um doce,
moça, compre um doce pra mim. Acordei finalmente. O que estivera pensando antes de encontrar o menino?
O fato é que o pedido deste pareceu cumular uma lacuna, dar uma resposta que podia servir para qualquer
pergunta, assim como uma grande chuva pode matar a sede de quem queria uns goles de água.Sem olhar
para os lados, por pudor talvez, sem querer espiar as mesas da confeitaria onde possivelmente algum
conhecido tomava sorvete, entrei, fui ao balcão e disse com uma dureza que só Deus sabe explicar: um doce
para o menino. De que tinha eu medo? Eu não olhava a criança, queria que a cena, humilhante para mim,
terminasse logo. Perguntei-lhe: que doce você...Antes de terminar, o menino disse apontando depressa com
3
Literatura
o dedo: aquelezinho ali, com chocolate por cima. Por um instante perplexa, eu me recompus logo e ordenei,
com aspereza, à caixeira que o servisse. -Que outro doce você quer? Perguntei ao menino escuro. Este, que
mexendo as mãos e a boca ainda esperava com ansiedade pelo primeiro, interrompeu-se, olhou-me um
instante e disse com delicadeza insuportável, mostrando os dentes: não precisa de outro não. Ele poupava a
minha bondade. -Precisa sim, corte eu ofegante, empurrando-o para a frente. O menino hesitou e disse: aquele
amarelo de ovo. Recebeu um doec em cada mão, levantando as duas acima da cabeça, com medo talvez de
apertá-los. Mesmo os doces estavam tão acima do menino escuro. E foi sem olhar para mim que ele, mais do
que foi embora, fugiu. A caixeirinha olhava tudo:-Afinal, uma alma caridosa apareceu. Esse menino estava
nesta porta há mais de uma hora, puxando todas as pessoas que passavam, mas ninguém quis dar.Fui
embora, com o rosto corado de vergonha. De verogonha mesmo? Era inútil querer voltar aos pensamentos
anteriores. Eu estava cheia de um sentimento de amor, gratidão, revolta e vergonha. Mas, como se costuma
dizer, o sol parecia brilhar com mais força. Eu tivera a oportunidade de... E para isso fora necessário um
menino magro e escuro... E para isso fora necessário que outros não lhe tivessem dado um doce.E as pessoas
que tomavam sorvete? Agora, o que eu queria saber com autocrueldade era o seguinte: temera que os outros
me vissem ou que os outros não me vissem? O fato é que, quando atravessei a rua, o que teria sido piedade
já se estrangulara sob outros sentimentos. E, agora sozinha, meus pensamentos voltaram lentamente a ser
os anteriores, só que inúteis.
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo.
4
Literatura
Exercícios
Texto para as questões 1 e 2.
1. O texto de Clarice Lispector aborda, genericamente, o insucesso de relações amorosas. Esse enfoque
genérico está confirmado pelo uso da seguinte estratégia de construção textual: a) inadequação de tempo e de espaço na narrativa
b) incoerência do discurso e da enunciação em 3ª pessoa
c) indiferença do autor e do enunciador aos fatos narrados
d) indeterminação dos nomes e de características dos personagens
2. O título do texto – Por não estarem distraídos – refere-se à causa do distanciamento dos amantes ao longo da relação estabelecida entre eles. A expressão não estarem distraídos apresenta o sentido de: a) falta de dedicação
b) excesso de cobrança
c) necessidade de confiança
d) ausência de comprometimento
5
Literatura
3. A tentação é comer direto da fonte. A tentação é comer direto na lei. E o castigo é não querer mais
parar de comer, e comer-se a si próprio que sou matéria igualmente comível. LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
O romance A Paixão Segundo G. H. é a tentativa de dar forma ao inenarrável, esbarrando a todo
momento no limite intransponível das palavras. Tal paradoxo, vale dizer, é o que funda toda literatura
clariceana. ROSENBAUM, Y. No território das pulsões. In: Clarice Lispector. Cadernos de Literatura Brasileira.
Instituto Moreira Salles. Edição Especial, cadernos 17 e 18, dez. 2004, p. 266.
A repetição de palavras é um dos traços constantes na obra de Clarice Lispector e remete à
impossibilidade de descrever a experiência vivida. A repetição de “comer”, no trecho citado, sugere:
a) União de significados contrários realizados para reforçar o sentido da palavra.
b) Realce de significado obtido pela gradação de diferentes expressões articuladas em sequência.
c) Ausência de significação em consequência do acréscimo de novas expressões relacionadas em
cadeia.
d) Equívoco no emprego do verbo em consequência do acúmulo de significados relacionados em
sequência.
e) Uniformidade de sentido expressa pela impossibilidade de transformação do significado
denotativo do verbo.
6
Literatura
4. A partida de trem
“Marcava seis horas da manhã, Angela Prain pagou o táxi e pegou sua pequena valise, Dona Maria Rita
de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha
bem vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade,
e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo ponto
— e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu o beijo
gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que
neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento,
surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas
para o caminho.
Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
-A senhora deseja trocar de lugar comigo?
Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo, Mas
parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filligranado de ouro espetado no peito,
passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
- É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?” LISPECTOR, C. Onde estiveste de noite. Rio de Janeiro. Nova Fronteira.
A descoberta de experiências emocionais com base no Cotidiano é recorrente na obra de Clarice
Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a):
a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada
b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.
c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.
d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.
e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.
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Literatura
5. Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. […]
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início,
se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros
apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois
juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. […] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida,
inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio
venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde
saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que
justificaria o começo – como a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso registrar os fatos
antecedentes. LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 (fragmento).
A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector,
culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se
essa peculiaridade porque o narrador:
a) Observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às
personagens.
b) Relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que
a compõem.
c) Reflete-se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso.
d) Admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolheras palavras
exatas.
e) Propõe-se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção.
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Literatura
6. Leia com atenção os seguintes excertos de contos do livro Laços de família, de Clarice Lispector: Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam
uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a
mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última
palavra. Feliz aniversário
Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia
lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto - ela o abafava com a mesma habilidade que as lides
em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar,
cuidando do lar e da família à revelia deles. Amor
Em ambos os excertos destaca-se um dos temas estruturadores do livro Laços de família, já que nele
a autora:
a) Explora o imaginário feminino, cuja natureza idealizante liberta a mulher de qualquer preocupação
existencial.
b) Denuncia o conformismo burguês da mulher, fazendo-nos ver que seus inúteis devaneios a
afastam da realidade.
c) Satiriza a hipocrisia dos laços familiares, propondo em lugar deles a harmonia de um mundo
politicamente mais aberto e mais democrático.
d) Desvela as tensões entre o universo íntimo e complexo da mulher e as condições objetivas do
cotidiano em que ela deve desempenhar seu papel.
e) Revela a solidez íntima da mulher, mais preparada para o sucesso das relações familiares do que
o homem, obcecado por valores materiais.
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Literatura
7. A questão a seguir refere-se à passagem transcrita do conto “Feliz Aniversário” (Laços de Família, 1960), de Clarice Lispector (1920-1977). Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A
aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de
repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a
aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a
sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos
aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente
como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração. Rodrigo, com
aquela carinha dura, viril e despenteada, cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido
naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a
aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à luz
aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo
devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, respeitara; a quem respeitara e que
lhe fizera filhos e lhe pagara os partos, lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles
azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz
aqueles seres risonhos fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas,
era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a
sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão. LISPECTOR, Clarice. "Feliz Aniversário". In: Laços de Família. 28. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 78-79.
Ainda que Clarice Lispector tenha morrido um dia antes de completar cinquenta e sete anos, a
problemática das mulheres de terceira idade faz-se presente em muitos de seus contos. “Feliz
Aniversário” registra tal tema. Neste conto, sentada à cabeceira da mesa preparada para a
comemoração de seu octogésimo-nono aniversário, D. Anita:
a) Vê, horrorizada, sua descendência constituída por seres mesquinhos.
b) Lembra-se, saudosa, da época em que seu marido era vivo e com ela dividia as dificuldades
cotidianas.
c) Contempla seu neto, Rodrigo, a trazer-lhe ao presente a imagem do falecido marido quando jovem.
d) Rememora, com rancor, sua vida de mulher, seja enquanto esposa, seja enquanto mãe, mostrando-
se indignada com a atual falta de afeto de filhos, netos e bisnetos.
e) Mistura presente e passado, deixando emergir a saudade que há tempo domina seu cotidiano.
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Literatura
8. “Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta
história não tem nenhuma técnica, nem de estilo, ela é ao deus-dará. Eu que também não mancharia
por nada deste mundo com palavras brilhantes e falsas uma vida parca como a da datilógrafa.” Clarice Lispector, A Hora da Estrela
Em A Hora da Estrela, o narrador questiona-se quanto ao modo e, até, à possibilidade de narrar a
história. De acordo com o trecho acima, isso deriva do fato de ser ele um narrador:
a) Iniciante, que não domina as técnicas necessárias ao relato literário.
b) Pós-moderno, para quem as preocupações de estilo são ultrapassadas.
c) Impessoal, que aspira a um grau de objetividade máxima no relato.
d) Objetividade, que se preocupa apenas com a precisão técnica do relato.
e) Autocrítico que percebe a inadequação de um estilo sofisticado para narrar a vida popular.
9. "Bem, é verdade que também eu não tenho piedade do meu personagem principal, a nordestina: é um relato que desejo frio. (...) Não se trata apenas da narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira. (...) Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam."
Clarice Lispector
Em uma das alternativas abaixo, há um aspecto do livro de Clarice Lispector, A Hora da Estrela, presente
no fragmento acima, que o aproxima do chamado "romance de 30", realizado por escritores como
Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz:
a) A preocupação excessiva com o próprio ato de narrar.
b) O intimismo da narrativa, que ignora os problemas sociais de seus personagens.
c) A construção de personagens que têm sua condição humana degradada por culpa do meio e da
opressão.
d) A necessidade de provar que as ações humanas resultam do meio, da raça e do momento.
e) A busca de traços peculiares da Região Nordeste
11
Literatura
10.
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Podemos observar uma conexão entre a fala de Clarice Lispector, o anúncio do comercial de TV e a
reação da personagem a ele. Sendo assim, Analise a crítica contida na tira cômica, e assinale a
alternativa que explique essas relações para fazer uma referência ao comportamento da sociedade
atual.
a) Buscando relacionar os preceitos da autora com o terceiro quadrinho, vê-se uma composição da
crítica de Lispector em seu livro “Perto de Um coração Selvagem”, uma vez que o desejo da
personagem se baseia na futilidade do Modernismo.
b) A citação da autora garante efeito de oposição em relação ao terceiro quadrinho, uma vez que a
liberdade não pode ser mensurada em preceitos consumistas.
c) Não é possível perceber certa crítica sobre o texto, mas sim vê-se a infuência dos canais de
comunicação, como televisões, em detrimento ao fazer poético e literário.
d) A tira cômica traz uma perspectiva similar sobre a frase dita pela autora, em relação ao conteúdo
no terceiro quadrinho, pois suas vontades são são mínimas que podem ser supridas com um novo
produto.
e) Os quadrinhos em sequência retratam uma das principais características de Clarice Lispector:
ironia. Inspirada por Machado de Assis, Lispector retrata a vida moderna de um jeito cômico e sutil.
12
Literatura
Gabarito
1. D
O status genérico típico da estratégia do texto é omitir características específicas, para que a
identificação dos personagens seja subjetiva e particular para cada leitor.
2. B
O excesso de cobranças, a falta de espontaneidade impede o casal de se perceber, tornando-os distantes,
pauta evidenciada nas obras clariceanas: a relação intimista do cenário pós-moderno.
3. B
A repetição acontece para enfatizar e esgotar os sentidos da palavra, característica exacerbada da
repetição cansativa da pós-modernidade e dos novos costumes.
5. C
Os questionamentos sobre o mundo e a existência são combustíveis para a escrita do autor. Assim como
mencionado no resumo, a reflexão do autor sobre sua perspectiva na nova modernidade, tornam essa
relação extremamente íntima.
6. D
As personagens femininas de Clarice sempre são questionadoras do lugar comum, de modo existencial
e intimista, é necessário observar a escola literária da autora, assim como suas perspectivas sobre o
mundo.
7. A
A narrativa Clariceana, como mencionada anteriormente, prevê o questionamento da vida sobre o cenário
vigente da época de modo extremamente presente. Assim, como evidenciado e interpretado no trecho
da questão, pode-se entender o horror da personagem ao completar mais um ano de vida.
8. E
Pautada na narrativa popular do cotidiano moderno, o narrador em primeira pessoa de “A Hora da Estrela”
busca investigar, como um todo, a razão de sua existência, baseada na normalidade do século XX.
9. C
A ideia que permeia o texto é a do determinismo, oriunda do século XVIII, na escola literária naturalista.
Desse modo, é possível perceber que o pós-modernismo caminha para uma absorção de ideias vindas
de outros períodos.
10. B
A fala de Clarice Lispector contrasta com a sua reação ao ouvir a propaganda de TV, porque a primeira
transmite a ideia de que há um desejo/sentimento de liberdade tão grande que ultrapassa os limites de
seu próprio nome; já a reação exprime clara submissão a propaganda, que vende fácil uma “nova droga”
que “ainda não tinha nome”. Podemos identificar uma crítica ao forte consumismo e ao poder dos meios
propagandísticos que influenciam diretamente o comportamento e desejos da sociedade.
Literatura
Pós-Modernismo – Guimarães Rosa
Resumo
Considerado por muitos como o maior criador, em prosa, do século XX no Brasil e um dos maiores da
cultura ocidental moderna, João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 1908. Estudou
medicina e trabalhou no interior de seu estado como médico da Força Pública.
Conhecendo mais de uma dezena de idiomas, em 1934 prestou concurso para o Itamaraty, onde trabalhou
como diplomata e como embaixador. Faleceu aos 59 anos, no Rio de Janeiro, três dias após sua posse na
Academia Brasileira de Letras.
Estreou com Sagarana (1946), que renova o conto brasileiro. Em 1956, aparecem as sete novelas
poéticas de Corpo de baile e Grande Sertão: veredas, romance filosófico, mítico e poético, em que funde prosa
e poesia, narrativa intensa e criação de ritmos, metáforas e alegorias.
Seus últimos livros compõem-se de histórias cada vez mais densas de poeticidade e simultaneamente mais
breves. Primeiras estórias é um conjunto de contos nos quais as crianças, os velhos, os loucos - seres rústicos
e em disponibilidade para a travessia existencial - vivem momentos de encantamento, de iluminação, de rara
e ancestral poesia, que universalizam e reinventam literariamente o sertão, como ocorre em Tutaméia, Estas
histórias e Ave palavra.
Em “O dorso do Tigre”, Benedito Nunes discorre sobre Guimarães Rosa e diz “Os espaços que se
entreabrem, na obra de Guimarães Rosa, são modalidades de travessia humana. Sertão e existência fundem-
se na figura da viagem, sempre recomeçada - viagem que forma, deforma e transforma e que, submetendo
as coisas à lei do tempo e da causalidade, tudo repõe afinal nos seus justos lugares.” confirmando a
complexidade das obras do autor.
Características das obras de Guimarães Rosa
• Regionalismo (universal: Sertão → mundo).
• Vasculha com profundidade a natureza humana, captando seus anseios, inquietudes e desejos.
• Dialeto mágico → reinvenção da linguagem.
• Reprodução da fala do Sertanejo.
• Sintaxe revolucionária.
• Uso de neologismos.
• Emprego de recursos poéticos (aliterações, assonâncias, ritmo, rimas).
• Travessia: caráter concreto e simbólico (Sertão, Diabo, Amor, Medo).
Literatura
Trecho de Grande sertão: veredas
De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de
difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp´ro, não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e
sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideia. O diabo
existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas
cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz
o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso...
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem - ou é o homem arruinado, ou
o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! - é o que digo. O senhor
aprova? Me declare tudo, franco é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso – por estúrdio
que me vejam é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e
instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia,
esperava por ela - já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso. Lhe agradeço.
Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor.
Fosse lhe contar...Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas
crianças - eu digo. Pois não é ditado: “menino - trem do diabo"? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra,
no vento... Estrumes...O diabo na, rua, no meio do redemunho...
Hem? Hem? Ah. Figuração minha, de pior pra trás, as certas lembranças. Mal haja-me! Sofro pena de
contar
não... Melhor, se arrepare: pois, num chão, e com igual formato de ramos e folhas, não dá a mandioca mansa,
que se come comum, e a mandioca-brava, que mata? Agora, o senhor já viu uma estranhez? A mandioca-doce
pode de repente virar azangada -motivos não sei; às vezes se diz que é por replantada no terreno sempre, com
mudas seguidas, de manaíbas - vai em amargando, de tanto em tanto, de si mesma toma peçonhas. E, ora
veja: a outra, a mandioca-brava, também é que às vezes pode ficar mansa, a esmo, de se comer sem nenhum
mal. E que isso é? Eh, o senhor já viu, por ver, a feiúra de ódio franzido, carantonho, nas faces duma cobra
cascavel? Observou o porco gordo, cada dia mais feliz bruto, capaz de, pudesse, roncar e engulir por sua suja
comodidade o mundo todo? E gavião, corvo, alguns, as feições deles já representam a precisão de talhar para
adiante, rasgar e estraçalhar a bico, parece uma quicé muito afiada por ruim desejo. Tudo. Tem até tortas
raças de pedras, horrorosas, venenosas -que estragam mortal a água, se estão jazendo em fundo de poço; o
diabo dentro delas dorme: são o demo. Se sabe? E o demo - que é só assim o significado dum azougue
maligno - tem ordem de seguir o caminho dele, tem licença para campear?!
Arre, ele está misturado em tudo.
Que o que gasta, vai gastando o diabo de dentro da gente, aos pouquinhos, é o razoável sofrer. E a
alegria de amor - compadre meu Quelemém diz. Família. Deveras? É, e não é. O senhor ache e não ache.
Tudo é e não é... Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e
é bom amigo-de-seus-amigos! Sei desses. Só que tem os depois - e Deus, junto. Vi muitas nuvens.
ROSA, J. G. Grande Sertão: veredas. 15. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962 p. 11-12.
Literatura
Trecho de A Terceira Margem do Rio
“Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que
testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro,
ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe
era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia,
nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa,
como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria
para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele,
que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa
casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande,
fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia
em que a canoa ficou pronta.
Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou
outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que
ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — “Cê vai, ocê fique, você
nunca volte!” Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns
passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um
propósito perguntei: — “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” Ele só retornou o olhar em mim, e me
botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber.
Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito
um jacaré, comprida longa.”
Disponível em: http://contobrasileiro.com.br/a-terceira-margem-do-rio-conto-de-guimaraes-rosa/
“Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não
foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida
me ensionou.”
Guimarães Rosa. Cadernos da literatura brasileira.
“Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que
dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da
tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? Este mundo é muito
misturado.”
Guimarães Rosa.
Literatura
Exercícios
1. O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois
desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
No romance Grande sertão: veredas, o protagonista Riobaldo narra sua trajetória de jagunço.
A leitura do trecho permite identificar que o desabafo de Riobaldo se aproxima de um(a):
a) diário, por trazer lembranças pessoais.
b) fábula, por apresentar uma lição de moral.
c) notícia, por informar sobre um acontecimento.
d) aforismo, por expor uma máxima em poucas palavras.
e) crônica, por tratar de fatos do cotidiano.
2. A gente via Brejeirinha: primeiro, os cabelos, compridos, lisos, louro-cobre; e, no meio deles, coisicas
diminutas: a carinha não-comprida, o perfilzinho agudo, um narizinho que-carícia. Aos tantos, não
parava, andorinhava, espiava agora - o xixixi e o empapar-se da paisagem - as pestanas til-til. Porém,
disse-se-dizia ela, pouco se vê, pelos entrefios: - “Tanto chove, que me gela!” ROSA, J. G. “Partida do audaz navegante”, Primeiras estórias.
Os diminutivos com que o narrador caracteriza a personagem traduzem também sua atitude em relação
a ela. De que modo essa atitude pode ser identificada?
a) Os diminutivos caracterizam a personagem tanto fisicamente, como subjetivamente.
b) Não há um impacto sobre a personagem (quanto aos diminutivos), mas sim em relação ao cenário.
c) Os diminutivos desenvolvem um papel essencial para a escrita do trecho, uma vez que são eles
parte de uma característica marcante do autor.
d) Parte de um regionalismo, os diminutivos competem uma construção de um cenário distante do
urbanizado.
Literatura
3. As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no
meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro
queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência
dos pastos de lá do sertão... “Um boi preto, um boi pintado,
Cada um tem sua cor.
Cada coração um jeito
De mostrar o seu amor.”
Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando ...
Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito ...
Vai, Vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando ... “
Todo passarinh’ do mato
Tem seu pio diferente.
Cantiga de amor doído
Não carece ter rompante ...”
O trecho anterior integra o conto O Burrinho Pedrês, da obra Sagarana, escrita por João Guimarães
Rosa. Dele é correto afirmar que
a) escreve o movimento agitado dos bois por meio de uma linguagem construída apenas pelo
emprego abusivo de frases nominais e de gerúndios.
b) apresenta um jogo entre a forma poética e a prosaica e, em ambos os gêneros, é possível constatar
a presença de ritmo marcado pelo uso de redondilhas.
c) há presença significativa de figuras sonoras como as aliterações que emprestam ao texto ritmo
duro e pesado, impedindo a musicalidade e o lirismo próprios da arte popular.
d) há uma mistura de textos narrativos e textos poéticos que quebra a sequência do conto e oferece
ao leitor um texto de duvidosa qualidade estética.
Literatura
4. O trabalho com a linguagem por meio da recriação de palavras e a descrição minuciosa da natureza,
em especial da fauna e da flora, são uma constante na obra de João Guimarães Rosa. Esses elementos
são recursos estéticos importantes que contribuem para integrar as personagens aos ambientes onde
vivem, estabelecendo relações entre natureza e cultura. Em Sarapalha, conto inserido no livro Sagarana,
de 1946, referências do mundo natural são usadas para representar o estado febril de Primo Argemiro.
Com base nessa afirmação, assinale a alternativa em que a descrição da natureza mostra o efeito da
maleita sobre a personagem Argemiro:
a) “É aqui, perto do vau da Sarapalha: tem uma fazenda, denegrida e desmantelada; uma cerca de
pedra seca, do tempo de escravos; um rego murcho, um moinho parado; um cedro alto, na frente
da casa; e, lá dentro uma negra, já velha, que capina e cozinha o feijão.”
b) “Olha o rio, vendo a cerração se desmanchar. Do colmado dos juncos, se estira o vôo de uma garça,
em direção à mata. Também, não pode olhar muito: ficam-lhe muitas garças pulando, diante dos
olhos, que doem e choram, por si sós, longo tempo.”
c) “É de-tardinha, quando as mutucas convidam as muriçocas de volta para casa, e quando o carapana
mais o mossorongo cinzento se recolhem, que ele aparece, o pernilongo pampa, de pés de prata e
asas de xadrez.”
d) “Estava olhando assim esquecido, para os olhos... olhos grandes escuros e meio de-quina, como
os de uma suaçuapara... para a boquinha vermelha, como flor de suinã....”
e) “O cachorro está desatinado. Pára. Vai, volta, olha, desolha... Não entende. Mas sabe que está
acontecendo alguma coisa. Latindo, choramingando, chorando, quase uivando.”
5. A respeito de Guimarães Rosa é correto afirmar que:
a) transmitiu ao nosso regionalismo valores universais, ao abordar dúvidas do próprio homem, numa
linguagem recriada poeticamente.
b) continuou a tradição das obras regionalistas anteriores, especialmente as do ciclo da cana-de-
açúcar, que denunciam a injustiça social.
c) foi mais valorizado como poeta, pela retomada dos recursos expressivos da língua, com sua
linguagem plena de sonoridades e figuras literárias.
d) retomou a influência científica e a linguagem objetiva e enxuta de Euclides da Cunha, autor de Os
sertões, para explicar a psicologia do sertanejo.
e) foi um autor de vanguarda que procurou mostrar as várias regiões do país, a partir de uma visão
subjetiva e extremamente poética.
Literatura
6. O leitor brasileiro que porventura entrar em contato com a arte de Guimarães Rosa através de Primeiras
Estórias inevitavelmente haverá de experimentar um choque, devido à agressiva novidade de estilo, à
qual os leitores antigos do autor se vêm habituando progressivamente (falamos no leitor brasileiro,
porque o estrangeiro, que a conhecer através da tradução, terá forçosamente sob os olhos um texto
atenuado e filtrado, adaptado pelo tradutor aos padrões existentes da língua acolhedora). Lembre-se de que o autor fez sua aparição na literatura como escritor regionalista. Não adotara, porém,
nenhuma das três técnicas à disposição do regionalismo: servir-se da linguagem regional
indistintamente em todo o livro, restringi-Ia à fala das personagens, ou substituí-Ia integralmente por
uma linguagem literária, convencional. A quarta solução, adotada por ele, consistia em deixar as
formas, rodeios e processos da língua popular infiltrarem o estilo expositivo e as da língua elaborada
embeber a linguagem dos figurantes. Disse língua elaborada e não culta: Guimarães Rosa, conhecedor
dos mais profundos do idioma, não se satisfaz em explorar-lhe todo o tesouro registrado e codificado,
mas submete-o a uma experimentação incessante, para testar-lhe flexibilidade. Daí um estilo
personalíssimo, que das obras de caráter regionalístico se alastrou por toda obra de ficção de nosso
autor, e até por suas raras produções ensaísticas. [...]
RÓNAI, Paulo. Os vastos espaços. In: ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. 4” ed., Rio de Janeiro: José
Olympio, 1968, p. XI-XII. (Fragmento) “
De acordo com o texto, assinale a alternativa INCORRETA.
a) Em: “...não se satisfaz em explorar-lhe todo o tesouro registrado e codificado, mas submete-o a
uma experimentação incessante ...”, na expressão em negrito, Rónai está se referindo ao emprego
dos vocábulos da língua dicionarizados.
b) Deduz-se do excerto que a obra de Guimarães requer uma leitura mais atenta, em virtude da
atualização de variedades linguísticas socialmente estigmatizadas.
c) Ao frisar que Guimarães empregava “língua elaborada e não culta”, Rónai corrobora a máxima do
choque estilístico que as obras de Guimarães suscitam.
d) O segmento parentético no primeiro parágrafo é uma forma de encaixamento que, todavia, não
compromete o fluxo da exposição.
O fragmento textual que segue, retirado da narrativa A terceira margem do rio, de João Guimarães
Rosa, servirá de base para as questões 7 e 8.
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre
fazendo ausência: e o rio-rio-rio — o rio — pondo perpétuo [grifo nosso]. Eu sofria já o começo da
velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços,
perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais.
De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar o vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que
bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da
cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha
tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas
fossem outras. E fui tomando idéia. ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.
Literatura
7. No quadro do Modernismo literário no Brasil, a obra de Guimarães Rosa destaca-se pela inventividade
da criação estética. Considerando-se o fragmento em análise, essa inventividade da narrativa roseana
pode ser constatada através do(a): a) recriação do mundo sertanejo pela linguagem, a partir da apropriação de recursos da oralidade.
b) aproveitamento de elementos pitorescos da cultura regional que tematizam a visão de mundo
simplista do homem sertanejo.
c) resgate de histórias que procedem do universo popular, contadas de modo original, opondo
realidade e fantasia.
d) sondagem da natureza universal da existência humana, através de referência a aspectos da
religiosidade popular.
8. Pode-se afirmar que, na expressão em destaque no fragmento textual, a manifestação da função
poética da linguagem evidencia o dinamismo do tempo. Esse dinamismo é representado por
a) ritmo cadente e neologismo.
b) assonância e reiteração de vocábulo.
c) onomatopéia e uso de metáfora.
d) efeitos de eco e uso de metonímia.
Literatura
9.
ROSA, R. Grande sertão: veredas: adaptação da obra de João Guimarães Rosa.
São Paulo: Globo, 2014 (adaptado).
A imagem integra uma adaptação em quadrinhos da obra Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
Na representação gráfica, a inter-relação de diferentes linguagens caracteriza-se por
a) romper com a linearidade das ações da narrativa literária.
b) ilustrar de modo fidedigno passagens representativas da história.
c) articular a tensão do romance à desproporcionalidade das formas.
d) potencializar a dramaticidade do episódio com recursos das artes visuais.
e) desconstruir a diagramação do texto literário pelo desequilíbrio da composição.
Literatura
10. Leia o texto a seguir e responda à questão.
Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado,
ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo.
O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este
caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga
que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião
compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma
aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver,
então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas
criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem
do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio
do redemunho... Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.
A fala expressa no texto é de Riobaldo. Como é o diabo, de acordo com o narrador?
a) Real
b) Uma personificação da sociedade doente.
c) Um estado de espírito, uma vez que ele regula a sociedade.
d) Ele é coadjuvante no trecho supracitado, sendo um lado de duas vertentes.
e) n.d.a
Literatura
Gabarito
1. D
O desabafo de Riobaldo se aproxima de um aforismo, que é uma máxima que enuncia através de poucas
palavras uma regra, por expor e sintetizar sua vida em oposições como “esquenta e esfria”.
2. A
Os diminutivos caracterizam a personagem tanto fisicamente (ela era 'pequena'), como subjetivamente,
indicando o afeto que o narrador nutria por ela.
3. B
João Guimarães Rosa, assim como muitos autores do conceito pós-moderno, buscou utilizar a
complexidade entre prosa e poesia em algum de seus contos, como o caso do trecho destacado. Sendo
característica estrutural da escola literária, os parâmetros de métrica, rima e musicalidade podem (ou
não) estar presentes.
4. B Para Guimarães, a interação do personagem-natureza torna-se única, de modo que um só poderá ser resultado do ambiente que lhe acolhe. Dessa forma, o espaço de fauna e flora, para o autor, é uma forma de reflexão do íntimo de cada personagem, fato que toca o leitor de modo a entender como única essa relação intrínseca.
5. A A alternativa A, como explica o material de apoio, aborda as características principais do autor João Guimarães Rosa, uma vez que sua temática, apesar de trabalhar com o regionalismo (exemplo: sertão mineiro), abordava questionamentos inseridos em qualquer contexto do globo. Através de uma linguagem simples e revolucionária, o autor pós-moderno abordou temáticas sobre o homem, a vida e sua existência.
6. A Segundo a leitura do texto, é possível perceber que o entendimento de João Guimarães Rosa requer extrema atenção pelo seu forte contato com a diversidade linguística, regional e cultural. Desse modo, a alternativa A faz-se incorreta.
7. A Como já mencionado anteriormente, a linguagem usual e inovadora de Guimarães Rosa trouxe uma nova perspectiva ao cenário moderno. Desse modo, é estabelecida essa como uma de suas principais características.
8. B Parte da prosa Roseana é evidenciada através do alto uso de figuras de linguagem que irão exacerbar o conteúdo da língua, em relação ao cenário e aos personagens. Assim, a assonância se faz presente no trecho destacado, para ampliar os sentidos da palavra desejada.
9. D
A imagem ilustra de maneira expressiva a fala, potencializando o caráter dramático do episódio. Isso fica
claro pelos tamanhos diferentes das figuras em função da narrativa.
Literatura
10. C
De acordo com o texto, o diabo não é real, não é um ser, mas um estado de espírito. Ele não existe de
forma autônoma, como fica claro no trecho: “Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. [...] Bem, o
diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo.”