2 O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade · Em seu livro Design for the Real World...
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2 O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade
O panorama atual aponta para a necessidade de uma visão voltada às
questões ambientais, exigindo do design uma participação muito distinta da
praticada no século passado. Na década de 1970, Papanek (1977) 9 já questionava
a profissão do designer da maneira como se apresentava, exigindo uma
responsabilidade moral e social por parte deste profissional, e apontava os
problemas ambientais decorrentes da produção em massa.
O design é uma atividade que procura transformar as necessidades das
pessoas em produtos ou serviços que visam a melhoria de sua qualidade de vida,
de forma que nos dias atuais, o grande desafio do designer é procurar aplicar
conceitos de sustentabilidade no desenvolvimento de produtos de menor impacto
ambiental.
Para que isso ocorra, esta tese sustenta que a sustentabilidade deve ser
inserida na indústria sob um contexto estratégico. É possível considerar então que
a sobrevivência no mercado competitivo de indústrias que produzem bens de
consumo e serviços dependerá cada vez mais da questão da sustentabilidade.
Desta forma, uma gestão de design que incorpore a sustentabilidade como
parte da estratégia corporativa das empresas irá posicioná-las frente às novas
necessidades ambientais, contribuindo para o desenvolvimento de produtos de
baixo impacto ambiental.
Sob esse contexto, o presente capítulo apresenta as relações existentes entre
o design e a questão da sustentabilidade, além de investigar a gestão do design
9 Victor Papanek (1927-1999). Designer e educador que se tornou grande defensor do design
social e ecologicamente responsável, enfatizando sua relação com as pessoas. Em seu livro Design for the Real World, destaca a responsabilidade moral do designer, desaprovando a criação de
produtos inseguros, mal adaptados ou essencialmente inúteis. Ressalta também a importância de se
compreender as necessidades básicas dos seres humanos e sua relação com o design. Para isso
estudou culturas orientais e ameríndias, inspirando-se também nas experiências de diferentes
países, inclusive aqueles em desenvolvimento. Ele escreveu que o projeto „se tornou a mais
poderosa ferramenta com a qual o homem molda suas ferramentas e ambientes (e, por extensão, da
sociedade e de si mesmo)‟. PAPANEK, V. Design para el mundo real: Ecología humana e
cambio social. Madrid: Ediciones Blume, 1977.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 37
frente a essas novas questões. Para essa contextualização, o tema é delineado de
modo a entender suas particularidades. São apresentadas definições e os níveis de
gestão do design; relações entre design e estratégia; finalizando com o estudo da
gestão de design tendo como competência central as questões ambientais e
conceitos de gestão ambiental estratégica. São também apresentadas algumas
ferramentas e procedimentos voltados às questões sustentáveis que podem ser
aplicadas no desenvolvimento de produtos e serviços de baixo impacto ambiental,
nos diferentes níveis em que o design participa da tomada de decisões em uma
organização.
2.1 Design e sustentabilidade
Desde a expansão da Revolução Industrial pela Europa, América e Ásia no
século XIX até os dias atuais, o design assumiu diferentes movimentos que
contribuíram para sua significação. Cross (2001) 10
destaca que o design surgiu de
uma evolução natural do processo artesanal pré-industrial para atender às novas
mudanças exigidas pela Revolução Industrial, no qual um novo processo
industrial foi desenvolvido. Avaliando essa evolução, Orberg (1962, apud
Niemeyer, 1998) 11
descreveu que o design vem sendo compreendido ao longo do
tempo sob três tipos distintos de prática e conhecimento. No início era visto como
atividade artística, sendo valorizado o compromisso do profissional como artífice
e a questão estética na concepção formal. Posteriormente, foi destacado o
compromisso do profissional em torno dos processos produtivos e das
atualizações tecnológicas. Num terceiro momento, o design aparece como
coordenação, integrando contribuições de diferentes especialistas, trabalhando
desde a especificação de matéria-prima, produção, utilização e destino final do
produto. Estes conceitos tanto se sucederam como coexistiram.
É possível dizer que estamos vivendo um quarto momento, no qual o design
se apresenta como interface entre os objetos e usuários, com outros focos que
trabalham valores simbólicos, emoção, experiências. Em entrevista dada em 2008,
10 Cross, N. Post-Industrial Design Education. Palestra de abertura, In: Education Forum,
International Council of Societies of Industrial Design (ICSID). Seoul, 2001. 11 NIEMEYER, L. Design no Brasil: origens e instalação. 2. ed. Rio de Janeiro: 2AB, 1998.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 38
Cardoso (2008, web)12
falou sobre isso e destacou uma desmaterialização do
design. O sociólogo e doutor em história da arte afirma que é contra a
categorização do design, pois dependendo do contexto, o significado das coisas
pode ser diferente. Ele destaca que o que define o objeto de design é muito mais
seu uso do que o próprio objeto. Ele ainda enfatiza: "O design tende a se afastar
da materialidade e caminhar em direção à experiência, ao uso e à emoção. Cada
vez mais os objetos de design serão imateriais." Esta desmaterialização do
design13
pode ser evidenciada pelas diferentes abordagens que vêm sendo
aplicadas: design emocional, design de serviço, design de interface, design focado
no usuário, design thinking.
Porém, por ainda ter uma relação direta com a produção e consumo de bens
duráveis, o design tem participação nos atuais problemas ambientais. Antigamente
a ideia de um mundo finito não foi considerada como limitação, pois não se
acreditava em limitações: o raciocínio de F. W. Taylor (apud Deforge, 1994) 14
consistia em que o infinito da produção seria alimentado pelo infinito dos recursos
e puxado pelo infinito do consumo. Hoje se observa que o alto desenvolvimento
tecnológico, o aumento do consumo, a busca pelo alto padrão de conforto criaram,
em contrapartida, a degradação do meio ambiente.
A Era Industrial, iniciada com a Revolução Industrial, foi estimulada
basicamente pela expansão da produção e do emprego até 195015
, sendo movida
posteriormente por um consumo crescente, principalmente de produtos tangíveis e
serviços. Essa Era Industrial é considerada uma grande bolha que expandiu
durante os séculos, favorecendo a ideia de perenidade, mas que vem mostrando
seu fim, pelas necessidades existentes fora dessa bolha (SENGE et al., 2009) 16
.
12 CARDOSO. R. Una cosa mentale. Entrevista concedida a Marco Aurélio Fiochi In: Itaú
Cultural, 2008. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina =2720&cd_materia=450>. Acesso em: 25 de set. 2001. 13 Devido à complexidade desta questão e por ser um momento ainda em definição, podendo se
tratar de um novo paradigma que se apresenta ao campo, esta problemática não foi desenvolvida
nesta tese. 14
DEFORGE, Y. Por um Design Ideológico. In: Estudos em Design, volume II, número 1, Rio de Janeiro, 1994. 15 Houve um período crítico durante estes anos: a crise dos anos 1930 fez com que a produção
mundial tivesse uma queda industrial inédita e que durou quase quatro anos, tamanha sua
gravidade (KAZAZIAN, 2005). 16
SENGE, P. et al. A revolução decisiva: como indivíduos e organizações trabalham e parceria
para criar um mundo sustentável. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 39
Foi a partir da década de 1960 que apareceram os primeiros movimentos em
prol da ecologia, isso após a ocorrência de diversas catástrofes ambientais
envolvendo a produção industrial. O livro da bióloga Rachel Carson, Silent Spring
(Primavera Silenciosa)17
, publicado em 1962, é considerado um marco
impulsionador do movimento global sobre as questões ambientais. Por meio deste
livro foram abordados pela primeira vez temas como devastação, agrotóxicos e
desiquilíbrio ecológico, crescendo a preocupação do impacto de atividades
antrópicas sobre o meio ambiente.
A chegada do homem à Lua no ano de 1969 reforçou o pensamento
ecológico da época. Poder contemplar as imagens da Terra vista de fora,
despertou a necessidade de mudanças. Isso é destacado por Kazazian (2005:21):
Projetado no espaço, o homem pode ter a ilusão de que seu estatuto muda para o de
um semideus. Ainda que tenha se aventurado para conferir a imagem de seu poder, ele tem a revelação de uma verdade completamente diferente. [...] A contemplação
da Terra, metamorfoseada em ícone da vida, devolve ao homem a imagem de sua
origem, de sua condição, de sua riqueza, de seus limites e de seu dever de
compartilhamento. A realidade física repentina e inesperada de seu hábitat, tão finito e fechado, convence-o então da necessidade absoluta de mudar a maneira de
ver a si mesmo.
A partir destes eventos, já na década de 1970, surgiram várias publicações
acusando a poluição decorrente da produção industrial; foram desenvolvidos
programas de rotulagem ambiental com o objetivo de educar e aumentar a
consciência ambiental dos consumidores, proporcionando incentivo com base no
mercado; passaram a ser desenvolvidos produtos voltados a um consumidor
ecologicamente correto; a indústria passou a ver que teria problemas, caso
continuasse sem se preocupar com este novo paradigma (PAZMINO, 2004). 18
Em 1968 foi constituído o Clube de Roma, um grupo formado por cientistas
e pessoas de diversos países que se reuniu com a finalidade de debater assuntos
relacionados a diversas esferas, sobretudo ao meio ambiente. Seu reconhecimento
foi a partir da publicação em 1972 do relatório “The Limits of Growth” (Os
Limites do Crescimento), em parceria com cientistas do MIT (Massachusetts
Institute of Technology). Por meio de modelos matemáticos que avaliavam os
riscos de um crescimento econômico baseado na exploração contínua de recursos
17 CARSON, R. L. Silent Spring. Greenwhich: Fawcett, 1962. 18 PAZMINO, A. V. P. M. Metodologia de Projeto de Produto com Abordagem Ambiental no
Desenvolvimento de Mobiliário Infantil. In: VI Congresso Brasileiro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Design, São Paulo, 2004.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 40
não-renováveis, este relatório abordou os problemas globais associados à
degradação ambiental. Em suas conclusões, alertava sobre a necessidade de ações
que administrassem e prolongassem a existência dos recursos naturais, propondo
para o planeta um “crescimento zero”, o que chamou a atenção de políticos e
cientistas (NASCIMENTO, LEMOS & MELLO, 2008 19
; KAZAZIAN, 2005).
Esse relatório despertou uma consciência ecológica mundial, refletindo na
organização da I Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente Humano, realizada
pelas Nações Unidas no ano de 1972, em Estocolmo. A grande discussão desta
conferência foi em torno da crise da época e abordou temas como o crescimento
populacional, modelos de desenvolvimento e a necessidade de ações preventivas e
efetivas de controle dos fatores que causam danos ambientais, principalmente a
poluição ocasionada pelas grandes indústrias (SEED-PR, 2008)20
. Dessa
conferência nasceu o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –
Pnuma. (KAZAZIAN, 2005; SEED-PR, 2008).
O economista Ernst F. Schumacher também já apontava a importância de
um "desenvolvimento sustentável" para a humanidade (em todos os sentidos). Sua
proposta era a adoção de „tecnologias adequadas‟ ao homem e ao meio, servindo
como inspiração a outros pensadores nos anos 70. Em seu livro Small is Beautiful
(O negócio é ser pequeno) de 1973, destacava a necessidade de uma completa
reformulação do modo de vida ocidental, uma sociedade „construída sobre
recursos não-renováveis‟, devastador de recursos naturais e de trabalho humano
desnecessário (SCHUMACHER, 1983) 21
.
Insatisfeito com a situação da época, Papanek (1977), que já tinha
experiências com trabalhos realizados em parceira com a ONU em países do
Terceiro Mundo, deficientes, doentes e pobres, publicou o livro intitulado Design
para o mundo real. Nele, questionava a profissão do designer da maneira como se
apresentava, exigindo uma responsabilidade moral e social por parte deste
profissional. O autor destacava que era preciso projetar dentro de um contexto
social. Com isso, cobrava dos designers um maior engajamento e, sobretudo, a
19 NASCIMENTO, L. F.; LEMOS, A. D. C.; MELLO, M. C. A. Gestão socioambiental
estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2008. 20 PARANÁ (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Educação ambiental. Curitiba: SEED –
PR., 2008. - 112 p.- (Cadernos Temáticos da Diversidade, 1). 21
SCHUMACHER. E. F. O negócio é ser pequeno: um estudo de economia que leva em conta as
pessoas. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 41
criação de um design voltado a compreender e atender às necessidades básicas dos
seres humanos e sua relação com o design. O autor apontava que o período estava
voltado para uma produção de massa e que o design era um forte aliado na
configuração de ferramentas e meio ambientes do homem.
Na década de 1980, permaneceu a consonância sobre a gravidade dos
problemas ambientais e da urgência de um eco-desenvolvimento, de maneira que
entraram em vigor diversas legislações específicas que estabeleciam exigências
sobre as emissões das indústrias existentes e procuravam controlar a instalação de
novas indústrias (NASCIMENTO, LEMOS & MELLO, 2008; FRANÇA &
ARAÚJO, 201022
). Conforme Nascimento, Lemos e Mello (2008), o enfoque
dado era no controle da poluição no “final do tubo” (end-of-pipe), caracterizando
um custo adicional para as organizações.
O conceito de desenvolvimento sustentável 23
só foi introduzido no debate
internacional por meio do relatório Our Common Future (Nosso Futuro Comum),
preparado pela Comissão Mundial pelo Desenvolvimento e Meio Ambiente
(WCED), em 1987. Este conceito também serviu de base para a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), a Eco-92,
que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992, sendo referência fundamental do Quinto
Plano de Ação da União Européia para o Ambiente (MANZINI & VEZZOLI,
2005).
Nesta conferência de 1992 foi criada a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) com o propósito de mobilizar os
países em um esforço conjunto para estabilizar as concentrações de gases do
efeito estufa em níveis que não resultem em uma mudança de clima perigosa. A
Convenção entrou em vigor em 1994 estabelecendo uma série de conceitos,
princípios e obrigações a seus signatários, denominados de Partes. A partir de
1995 as Partes passaram a se reunir anualmente em encontros denominados
22 FRANÇA, J. P.; ARAÚJO, I. J. Desenvolvimento sustentável, redefinição do poder local e
turismo como alternativa de desenvolvimento local. vol. 2. Holos, 2010. Disponível em: <http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/viewArticle/216>. Acesso em: 12 de dez.
2010. 23 Segundo Van Bellen (2002, apud Silva, 2009) há centenas de definições empregadas para este
termo. A definição aqui apresentada: “Um processo de transformação, no qual a exploração dos
recursos, a direção dos investimentos, a orientação da evolução tecnológica e a mudança
constitucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender as
necessidades e aspirações humanas (CMMAD, 1991 apud FRANÇA & ARAÚJO, 2010).
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 42
Conferência das Partes (COP), para avaliar e definir novos caminhos, além de
traçar acordos sobre questões importantes relacionadas aos objetivos da
Convenção (PORTAL BRASIL, 2011) 24
. Os últimos encontros ocorreram em
Copenhagen (2009) e Cancún (2010) e em 2011 o encontro será realizado em
Durban, na África do Sul.
A explosão demográfica ocorrida nos últimos sessenta anos também vem se
destacando e chamando a atenção para as questões ambientais: em 1950 havia 2,5
bilhões de pessoas e agora a humanidade ultrapassa os 6,5 bilhões de habitantes.
Segundo dados do Population Reference Bureau (2010)25
, a população mundial
em 2010 era de aproximadamente 6,9 bilhões de pessoas, com a previsão de em
2011 chegar aos 7 bilhões. Esse crescimento coloca em perigo o desenvolvimento
econômico e social, repercutindo no meio ambiente com o aumento das emissões
e a exploração inadequada de recursos naturais. Esse fato reforça a necessidade da
formação de uma mentalidade que posicione o ser humano como parte integrante
e dependente dos recursos do planeta. Mesmo com as reivindicações populares
sobre os perigos industriais e o questionamento a respeito da responsabilidade
humana em relação à natureza, durante os anos 80 a corrida pela busca de novas
tecnologias que trouxessem avanços à indústria favoreceu a crise ambiental.
Avaliando esse contexto, Doveil (2003)26
destacou a necessidade de uma
„drástica desmaterialização‟, reduzindo os impactos e os resíduos gerados pela
indústria. Ela considerou que para se obter sucesso com essa desmaterialização,
seria necessário reduzir em cerca de 90% o emprego de materiais até 2015.
As consequências da utilização atual dos recursos naturais foram
evidenciadas pela “Pegada Ecológica”, uma ferramenta desenvolvida no início da
década de 90 pelos pesquisadores William Rees e Mathis Wackernagel27
. Esta
ferramenta avalia a superfície produtiva necessária a um indivíduo, cidades,
regiões e nações, organizações, produtos e serviços, para responder a seu consumo
de recursos e à sua necessidade de absorção de recursos. Geralmente a pegada
24 PORTAL BRASIL. O que é a COP16. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/
cop/panorama/o-que-esta-em-jogo/o-que-e-a-cop-16>. Acesso em: 12 mai. 2010. 25 PRB - Population Reference Bureau. 2010 World Population Data Sheet, 2010. Disponível em
< http://www.prb.org/pdf10/10wpds_eng.pdf > Acesso em: 15 de maio. 2011. 26 DOVEIL, F. Recomeçando pelo Design: experiências com os materiais, um tema em direção à
sustentabilidade, 2003. Disponível em <http://www.arcdesign.com.br/index_nl.php?
file=news%2FsiteNoticias.php?cat=4> Acesso em: 17 set 2009. 27
Em 1995 William Rees e Mathis Wackernagel publicaram o livro Our Ecological Footprint:
Reducing Human Impact on the Earth.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 43
ecológica de uma população tecnologicamente avançada é maior do que a de uma
população em desenvolvimento. Conforme os padrões europeus, seriam
necessários dois planetas e meio para satisfazer as necessidades da população; já
se avaliando os padrões americanos, seriam necessários cinco planetas
(KAZAZIAN, 2005).
Um estudo recente realizado pela organização não governamental World
Wildlife Foundation (WWF) apontou que para manter seu estilo de vida atual,
cada habitante da Terra precisaria de 2,9 hectares por ano, sendo que o disponível
para cada ser humano é apenas 1,6 hectare (PLANETA SUSTENTÁVEL,
2010).28
Diante do paradigma ambiental definido no final do século XX, foi
estabelecida a necessidade das empresas em reduzirem seus impactos sobre o
meio ambiente. Segundo Oliveira (2000) 29
, a partir dos anos de 1990, as
indústrias começaram a considerar aspectos ambientais em seus processos. O
autor afirma que o que contribui para isso foi a avaliação do risco de uma ação
ambientalmente equivocada para a imagem da empresa, cujo controle passou a ser
cobrado com a implantação de normas ambientais e pelo consumidor ecológico.
Essa „onda verde‟ foi apoiada por diversas entidades empresariais e movimentos
ambientalistas, sendo também considerada a questão do emprego e da saúde dos
trabalhadores (OLIVEIRA, 2000).
Devido a essas normas ambientais estabelecidas, algumas indústrias se
viram obrigadas a diminuir seus impactos, desde a definição de materiais até o
descarte das peças no fim de vida. Segundo Medina (2003) 30
, para alcançar estes
objetivos, as empresas de diversos setores, entre eles o setor automobilístico, têm
aplicado novas formas projetuais que procuram integrar a componente ambiental
na concepção de novos produtos. Porém, em alguns casos, as ações realizadas são
restritas a essas normas, de maneira que a sustentabilidade não é aplicada de
forma eficaz.
28 PLANETA SUSTENTÁVEL. Estante. Pegada Ecológica e Ecopercepção. Disponível em
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/estante/estante_264234.shtml. Acesso em 17 de abr.
2010. 29 OLIVEIRA, A. J. Eco-design e remanufatura: algumas contribuições para o projeto de
produtos eco-eficientes. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenação
dos Programas de Pós-Graduação em engenharia, Departamento de Engenharia de Produção, Rio
de Janeiro, 2000. 30
MEDINA. H. V. Eco-design na Indústria Automobilística: O conceito de carro urbano. In: II
Congresso Internacional de Pesquisa em Design, Rio de Janeiro, 2003.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 44
Cardoso (2008, web) enfatiza que as discussões sobre a sustentabilidade e
impacto ambiental dentro do design já são bem antigas, ao contrário do que ocorre
em outras áreas. Sob o ponto de vista do historiador, o papel do designer não é
“ficar tentando bolar o produto que vai salvar a humanidade”, mas ter uma
atuação responsável, que coopere com a sustentabilidade. Deve então procurar
desperdiçar menos energia e gerar menos lixo em sua prática profissional. Desta
forma, verifica-se que introduzir a sustentabilidade por meio do design e de sua
gestão pode ser um caminho de fácil acesso para as empresas.
Thackara (2008) também aborda o design e suas alternativas para um
mundo complexo. Defende a tese de que há muitas coisas erradas com o design
atual, mas que hoje em dia muitos designers já estão projetando serviços e
sistemas radicalmente menos prejudiciais ao ambiente e mais socialmente
responsáveis. Porém enfatiza a necessidade de algumas mudanças: „Nessa nova
era de inovação colaborativa, os designers estão tendo de evoluir de autores
individuais de objetos, a facilitadores da mudança entre grandes grupos de
pessoas‟(THACKARA, 2008:21). Trata-se de uma mudança de paradigma.
O designer apresenta um perfil multidisciplinar e integrador, que procura
associar os métodos de seu processo com o conhecimento adquirido de outras
áreas. Pelo contexto é possível dizer que um design voltado para a
sustentabilidade não será eficaz se praticado apenas por designers; deve ser
considerada uma abordagem que permita estar integrada no processo de
desenvolvimento de produtos, sendo realizado de maneira colaborativa, por meio
de diversos agentes, entre eles o designer.
Mozota (2003)31
destaca que o processo de design tem um caráter
multidisciplinar e iterativo, indo além da simples produção de resultados estéticos,
por estar inserido em muitas ações de tomada de decisão.
A autora aponta que a atividade do design pode ser praticada em diferentes
disciplinas (ambientes, produtos, embalagens, design gráfico, etc.) e que pode
ingressar em uma organização por meio de diferentes funções (pesquisa e
desenvolvimento, produção, marketing, CEO, etc.), sendo um processo criativo e
de gestão. Neste trabalho é feito um recorte com foco em empresas voltadas ao
31
MOZOTA, B. B. Using design to build brand value and corporate innovation. New York:
Allworth Press, 2003.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 45
desenvolvimento de produtos ligados à indústria da mobilidade, conforme é visto
no Capítulo 3.
Gimeno (2000) 32
também afirma que em função da influência que o design
exerce sobre o produto (transmite imagem da empresa, permite a diferenciação do
produto, a inserção de valores simbólicos, funcionais e estéticos conforme a
necessidade de usuários e do mercado, etc.), pode ocupar posição como um
instrumento de gestão em uma empresa, influenciando também na tomada de
decisões e direcionamento de estratégias.
Corroborando, Best (2011:6) 33
destaca que “a gestão de design é um papel
de liderança, um papel que requer que se explique, inspire, se persuada e que
demonstre como o design pode positivamente contribuir para a organização e
muitas formas variadas.” Uma das formas proposta por este trabalho é estimular a
sustentabilidade como meta estratégica por meio da gestão do design, que é
discutida na próxima seção.
2.2 A gestão do design
O design é apontado como grande diferencial no mercado competitivo,
apesar de ainda ser considerado por muitas empresas apenas um elemento
estético. Conforme relatam diversos autores, dentre eles Urban & Hauser (1993)34
,
o Centro Português de Design (1997), Gimeno (2000), Mozota (2003), Best
(2009), Von Stamm (2009), um bom design contempla muito mais do que isso:
pode ser um instrumento de gestão que contribui nas definições estratégicas,
conhece e considera as necessidades dos usuários, passa pela definição do custo
de um produto, de sua produção e de sua posterior manutenção, de forma a
permitir vantagem competitiva.
A promoção da inovação dentro das empresas é outro fator importante no
desenvolvimento de produtos. Neste sentido, Kelley (2001) 35
afirma que é preciso
32 GIMENO. J. M. I. La gestión del diseño en la empresa. Madrid: Mc Graw Hill, 2000. 33 BEST, K. Gestão de design: gerir a estratégia, os processos e a implementação do design.
Lisboa: Diverge Design S.A, 2009. 34 URBAN, G. L., HAUSER, J. R. Design and marketing of new products. 2 ed. Englewood-
Cliffs, Prentice-Hall, 1993. 35KELLEY, T. A arte da Inovação. 2 ed. São Paulo: Futura, 2001.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 46
promover o pensamento criativo e inovador no mercado de negócios, uma vez em
que ser o primeiro a ter uma ideia e colocá-la no mercado é vital para a própria
sobrevivência e a superação dos concorrentes. Porém, esta busca desenfreada por
inovação deve ser feita de maneira consciente, pois observando o cenário
ambiental em que nos encontramos, é latente a compreensão sobre a necessidade
de incorporar soluções sustentáveis na criação de novos produtos e serviços.
Ainda abordando a inovação, segundo Kootstra (2009) 36
, a Comissão
Européia considera a gestão do design uma competência que auxilia o processo da
inovação. Além disso, estudos realizados pelo Design Mangement Europe (DME)
apontam que as empresas que investem em design tendem a ser mais inovadoras e
rentáveis, crescendo mais rapidamente que as empresas que não trabalham com
design. Além disso, afirma que as empresas orientadas para a inovação percebem
antes que as demais o design como estratégia.
Martins e Merino (2008) 37
destacam que o emprego do design é
potencializado quando incorporado ao processo produtivo, desde as definições
estratégicas da empresa, passando por todas as fases de desenvolvimento de seus
produtos, de maneira integrada com as demais áreas e sob todos os aspectos.
Gimeno (2000) também defende que o design ocupa papel de instrumento
de gestão da competitividade de uma empresa, permitindo um posicionamento no
mercado que possibilite defender-se de condições adversas que venham a ocorrer,
alterar o equilíbrio competitivo do setor ou aproveitar mudanças que ocorram para
melhorar seu posicionamento.
A Gestão do Design surgiu na década de 1960 na Grã-Bretanha e, neste
período, o termo era empregado para designar a gestão da interface entre os
escritórios de design e seus clientes. Posteriormente, a partir dos esforços
realizados conjuntamente entre o Royal College of Art e London Business School
(dirigida por Peter Gorb, um dos pioneiros da gestão do design), verificou-se que
o designer poderia exercer um papel crucial na indústria e na economia. Outro
episódio de destaque foi a fundação do Design Management Institute (DMI), em
36 KOOTSTRA, G. L. The incorporation of design management in today’s business practices:
An analysis of design management practices in Europe. Rotterdam: The Hague and INHOLLAND
University, 2009. Disponível em: < http://database.designmanagementeurope.com/>. Acesso em:
12 de nov. 2010. 37 MARTINS, R. F. F.; MERINO, E. A. D. Gestão de design como estratégia organizacional.
Londrina: EDUEL, 2008.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 47
1975, em Boston (EUA), por Bill Hannon e pelo Massachussetts College of Arts,
com o objetivo de fomento e formação na área. Desde o ano de 1989 o instituto
divulga atividades de caráter profissional da área de design e informações sobre
design management (MOZOTA, 2003).
Peter Gorb (1990 apud Mozota, 2003) definiu o design management como
sendo a implantação dos recursos de design disponíveis em uma corporação, a fim
de auxiliá-la a atingir seus objetivos. Complementando esta definição, Mozota
(2003) afirma que a gestão do design deve também tornar parceiros gerentes e
designers, além de definir os métodos de gestão que irão integrar o design na
empresa. Sobre esse aspecto, a autora destaca a importância de explicar sobre
gestão aos designers e sobre design aos gestores, com a finalidade de aperfeiçoar a
tarefa e garantir a eficácia do processo de gestão do design.
Martins e Merino (2008) apontam algumas definições sobre gestão de
design, que foram colocadas no Quadro 2 para melhor compreensão.
AUTOR(ES) DEFINIÇÃO/ CARACTERÍSTICAS
Bersen (1997)
A implantação de uma Gestão de Design deve ocorrer de maneira progressiva, responsável e espontânea, pois o design pode ser integrado à empresa por etapas e em diferentes níveis: dos projetos e programas de design, da informação sobre os valores da empresa, da promoção do departamento de design, da comunicação entre este departamento e a direção geral.
Magalhães (1997)
Ocupa-se da orientação política do design, apoiada por análises de fatores internos e externos em nível hierárquico mais alto, desde as primeiras fases do desenvolvimento.
Bahiana (1998)
O potencial da gestão estratégica deve ser incorporado ao processo de produção desde a concepção da estratégia, passando pela concepção do produto e em todas as fases de seu ciclo de vida, integrado às demais áreas. Devem ser considerados todos os aspectos de aplicação: marca, identidade visual, embalagem (produto, transporte), comunicação, material de apoio de vendas, arquitetura entre outras.
Wolf (1998) Planejar e coordenar estratégias correspondentes aos objetivos e valores da empresa, motivar os empregados e controlar os trabalhos, assegurando com que cumpram os objetivos, prazos e custos planejados.
Gimeno (2000)
Conjunto de técnicas de gestão empresarial direcionadas a maximizar a um menor custo, a competitividade obtida pela empresa pela incorporação e utilização do design como instrumento de estratégia empresarial.
Mozota (2002)
É a qualidade de relacionar o design e a ciência de gestão. A qualidade total permite a visualização do design na empresa, implicando a melhoria de produtos e processos, baseada na satisfação do usuário.
Soares (2002)
É a atividade macro das estratégias de designers e grupos interdisciplinares com poder decisório na organização, estruturada para moldar o perfil da empresa, produtos e/ou serviços.
Avedaño (2003)
Conjunto de atividades de diagnóstico, coordenação, negociação e design, que pode ser desenvolvida tanto na atividade de consultoria externa como no âmbito da organização, interagindo com os setores responsáveis pela produção, programação econômico-financeira e comercialização, permitindo sua participação ativa nas decisões de produto.
Merino (2003)
Consiste em integrar necessidades tecnológicas, sociais e econômicas, biológicas e efeitos psicológicos de materiais, forma, cor, volume e espaço. Proporciona a percepção do conjunto e do detalhe, do imediato e do final.
Quadro 2 - Conceitos e definições de Gestão do Design segundo diversos autores. Baseado em Martins e Merino, 2008
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 48
Verifica-se por estas definições que o ponto central da gestão do design
consiste em coordenar recursos e ações de design em uma empresa, objetivando a
melhoria dos processos e produtos desenvolvidos. Deve também estar relacionada
à gestão estratégica da empresa, participando das definições de seu planejamento
estratégico.
Mozota (2003) relata que a atividade da gestão do design envolve muito
mais do que apenas a rotina administrativa. Segundo a autora, deve promover a
compreensão da relevância do design para atingir metas de longo prazo da
empresa e coordenar os recursos em todos os níveis da empresa. Desta forma, o
elemento característico da gestão do design é identificar e comunicar as maneiras
pelas quais o design pode contribuir para o valor estratégico de uma empresa.
Nesse sentido verifica-se que a sustentabilidade pode ser inserida em uma
empresa por meio da gestão do design.
O Centro Português de Design (1997) 38
afirma que o design não diz
respeito apenas aos designers, de maneira que seus resultados interferem em todo
o processo de desenvolvimento de produtos. Porém, enfatiza também a
dificuldade do design ser incorporado como ferramenta de gestão empresarial,
isso por ainda existir certa incompreensão de sua definição e utilização.
Minuzzi et al. (2003) 39
corroboram no sentido de que o design é visto
principalmente como uma ferramenta de otimização de um produto, porém os
designers devem contribuir também com a otimização estratégica. As
competências e objetivos definem diferentes variáveis de medida do desempenho
do design. Os autores verificam que a gestão do design pode promover mudanças
gerenciais induzidas pela qualidade; esta, por sua vez, coloca o cliente no centro
da organização e introduz uma visão de valor percebido no produto e no serviço.
Sua implantação nas organizações deve promover uma mudança nos paradigmas
de gestão, apresentando um anseio pela melhoraria contínua de produtos,
processos e das próprias empresas.
Mozota (2003) reflete que o conceito de qualidade total tem aspectos em
comum com design e com gestão. Esse conceito engloba os sucessivos avanços
38 CENTRO PORTUGUÊS DE DESIGN. Manual de Gestão de Design. Porto: DZ Centro de
Diseño, 1997. 39 MINUZZI, R. F. B.; PEREIRA, A. T. C.; MERINO, E. A. D. Teoria e prática na gestão do
design. In: 2° Congresso Internacional de Pesquisa em Design, Rio de Janeiro, 2003. CD-ROM.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 49
científicos na área de gestão de qualidade em benefício da empresa e seu
desempenho. Também ilustra adequadamente o modelo de convergência da gestão
do design, pois é reforçada pelos paradigmas de gestão, em que a gestão do design
e o design podem ser medidos e melhorados pelos métodos de qualidade total. O
design já emprega algumas técnicas de gestão da qualidade, como a ergonomia,
marketing e análise de valor. A partir da observação dessas técnicas, a gestão do
design pode criar ferramentas de gestão do design, como também ferramentas
para medir a eficácia do projeto, como pesquisas de satisfação dos clientes. A
importância do design na cadeia de valor pode ser avaliada através de critérios de
medição da qualidade e sobre a escolha de parceiros e seleção de fornecedores.
No processo de desenvolvimento de produtos e serviços, o design precisa ter
seu lugar definido, necessitando também da colaboração de outros especialistas.
Portanto, na realização do projeto, a gestão do design deve planejar e gerar os
recursos humanos e materiais necessários; no plano empresarial, deve criar uma
organização e ambiente favoráveis ao desenvolvimento de novos produtos,
proporcionando condições e meios adequados (CENTRO PORTUGUÊS DE
DESIGN, 1997).
Apoiando esta questão, Teixeira (2005:30) 40
argumenta que a gestão do
design deve ser utilizada para „designar o planejamento, a execução e a
coordenação das ações inerentes ao desenvolvimento do Design Estratégico nas
empresas‟. De acordo com a autora, para isso é preciso gerar um conjunto de
„competência e expectativas dentro da organização, para que o Design Estratégico
possa florescer‟. A autora ainda destaca que assim, a gestão do design transforma
o planejamento estratégico em ação, abrangendo o design sob a perspectiva das
categorias tradicionais da administração, objetivando operacionalizar o design
estratégico.
Teixeira (2005) aborda em sua tese a relação e diferenciação existente entre
o design estratégico e o design management (gestão do design). Para a autora, o
design estratégico trabalha questões relacionadas ao futuro dos negócios da
empresa. Neste sentido, destaca que o design estratégico deve atuar para o
incremento da competitividade empresarial, uma vez que indefinições de mercado
40 TEIXEIRA, J. A. O design estratégico na melhoria da competitividade das empresas.
Florianópolis: UFSC, 2005. Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PEPS4703.pdf>.
Acesso em: 18 de out. 2009.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 50
e mudanças de comportamento do consumidor exigem das empresas „previsões e
respostas rápidas‟, sendo necessário antecipar possíveis cenários (TEIXEIRA,
2005:27).
Considerando a visão prospectiva do design estratégico, a autora remete à
orientação das estratégias organizacionais, que devem integrar produto, serviço,
comunicação do produto e imagem corporativa, permitindo pronunciar uma visão
estratégica geral da empresa, atividade decorrente da gestão do design.
Aqui se verifica importante desenhar melhor o termo estratégia, que
posteriormente é abordado também em um nível de gestão de design.
2.3 Design e estratégia
Esta seção procura elucidar as questões relacionadas com os meios de
incorporar o design como elemento estratégico nas empresas, contribuindo para o
reconhecimento de sua importância como variável que permite atingir qualidade
de produto, inovação e um melhor posicionamento de mercado.
Conforme lembra Von Stamm (2008) 41
, apesar dos diversos anos de sua
existência e aplicação, ainda perdura uma confusão sobre a definição de design,
sua utilização e de que forma pode realmente cooperar para a competitividade de
uma empresa. No entanto, cada vez mais diferentes empresas estão começando a
entender o seu potencial e contribuição no contexto da inovação. A autora destaca
que muitas organizações confundem design com styling 42
, ou seja, o design ainda
é considerado por muitos apenas um elemento estético.
Teixeira (2005) afirma que as organizações competitivas têm o design como
uma atividade „incessante‟ e sujeita a técnicas de gestão empresarial. Para isso,
devem identificar mercados nos quais seus produtos possam ser competitivos. Os
produtos irão determinar a estrutura econômica e produtiva da empresa e as
características dos mercados competitivos; o mercado, por sua vez, irá especificar
a estrutura da empresa e os produtos competitivos a serem produzidos. Com isso,
41 VON STAMM, B. Managing innovation, design and creativity. 2 ed. Chichester: Wiley,
2008. 42 A autora descreve styling como sendo a última coisa a ser aplicado a um produto já existente, no
final do seu processo de desenvolvimento, enquanto o design é parte integrante do processo de
desenvolvimento de um produto, desde o início (VON STAMM, 2008:114).
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 51
o design poderá ocupar a posição de instrumento de gestão da competitividade da
empresa.
Para Mozota (2003), controlar o design a um nível estratégico consiste em
gerir sua contribuição ao processo de formulação da estratégia de uma
organização, estabelecendo relações entre design, comunicação corporativa e alta
administração.
Gimeno (2000) enfatiza que é na estratégia de diferenciação do produto que
o design pode contribuir da melhor forma, pois o valor de diferenciação
(simbólico, funcional e estético) que o design confere ao produto reflete a sua
importância para a competitividade empresarial.
Uma estratégia se refere ao planejamento e execução de ações para se
alcançar um objetivo traçado. Mas conforme Mintzberg, Ahlstrand e Lampel
(2010)43
o termo estratégia envolve mais do que isso: apresenta uma coerência
entre um plano traçado e o que realmente foi executado e qual seu comportamento
ao longo do tempo.
É possível considerar que, tradicionalmente, há duas abordagens distintas
para posicionamento estratégico: Von Stamm (2008) e Mintzberg, Ahlstrand e
Lampel (2010) nomeiam „estratégia planejada‟ e „estratégia emergente; Mozota
(2003) „estratégia deliberada‟ e „estratégia emergente‟; e Cooper & Press (1994)44
designam como „abordagem linear convencional‟ e „abordagem tipo rugby‟.
A estratégia planejada, deliberada ou abordagem linear, refere-se a um
modelo racional, linear do processo estratégico, não permitindo flexibilidade ao
processo. Já a outra abordagem permite a interferência e execução das atividades
em todos os níveis da organização (VOM STAMM, 2008; MOZOTA, 2003;
COOPER & PRESS, 1994). Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010:26-27)
apontam que as estratégias deliberadas são “intenções plenamente realizadas” e
que a estratégia emergente se refere a um padrão realizado, mas que não havia
sido necessariamente planejado. Para uma melhor compreensão, o Quadro 3
resume a descrição das duas abordagens defendidas por Von Stamm:
43 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de estratégia: um roteiro pela selva
do planejamento estratégico. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. 44
COOPER, R.; PRESS, M. The design agenda: a guide to successful design management.
Chichester: Wiley, 1994.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 52
Estratégia Planejada Estratégia Emergente
Ponto de partida Contexto externo e interno da organização (tradicional análise SWOT).
Ação dentro da organização, aprendizagem de tentativa e erro, mas ainda destinados à execução de uma estratégia de substituição.
Levando a Identificação e fatores-chave de sucesso (externo) e competências distintivas (interna).
Insigths de experiências que por sua vez influenciam uma ação futura.
Resultando em Criação, avaliação e implementação de uma estratégia.
Análise e revisão da estratégia de substituição.
Fluxo De cima para baixo De baixo para cima, bem como de cima para baixo.
Nível de incerteza (impulsionado pela complexidade e pela taxa de variação)
Baixo Alto
Quadro 3 – Estratégia planejada versus estratégia emergente. Fonte: Von Stamm (2008:100), tradução livre da autora
Mozota (2003) também aponta os modelos de posicionamento de design
estratégico como „inato‟ e „adquirido‟, já incorporando o design como elemento
estratégico. Sustenta que no modelo „inato‟, o design é considerado como
competência central45
, desde o início da organização. Apresenta como exemplo
companhias fundadas por designers e que têm em comum uma estratégia global
de design, que penetra em todo o processo de organização e na cadeia de valor, do
produto para a comunicação. Já o modelo „adquirido‟ ou de design aprendido com
a experiência, apresenta uma valorização progressiva do design na empresa.
A partir das informações anteriores é possível tirar algumas conclusões
sobre estratégia corporativa, agregando como o design desempenha a sua função
estratégica no centro das demais atividades empresariais. No Quadro 4,
desenvolvida por Cooper & Press (1994), são definidos os objetivos gerais da
estratégia corporativa, juntamente com os objetivos do design estratégico e as
ferramentas de gestão de design que seguem tais objetivos.
Conforme sintetizam Olson, Cooper e Slate (1998) 46
, o design estratégico
significa a alocação e coordenação eficiente dos recursos de design e atividades
para alcançar os objetivos de uma empresa, da criação de identidade adequada, à
demanda de produtos e seus ambientes.
45 O termo é detalhado na seção 2.5 deste capítulo. 46 OLSON, E. M.; COOPER, R..; SLATER, S. F. Design strategy and competitive advantage. In:
Business Horizons, Volume 41, 1998, p. 55-61.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 53
Meta da estratégia corporativa
Objetivo do design estratégico
Ferramentas de gestão de design
Determinar „visão‟ de direção Visualizar e comunicar os objetivos corporativos.
Programa de identidade corporativa. Design para qualidade.
Concentrar esforços para manter a união
Produção de bens e serviços adequados às vantagens competitivas das empresas.
Política de design focada em objetivos claros. Integração do design.
Fornecer consistência ao longo do tempo de concentração
Garantir o desenvolvimento compatível e aplicação de política de design.
Padrões de design. Acompanhamento de projeto. Concepção de liderança eficaz.
Assegurar flexibilidade Adaptar o foco dos recursos de design para mudar o ambiente externo.
Cultura de inovação. Design direcionado para fora.
Quadro 4 – Estratégia corporativa, design estratégico e gestão de design Fonte: Cooper & Press (1994:134), tradução livre da autora
Com isso, verifica-se que o reconhecimento e a identificação do nível de
inserção do design em uma empresa auxiliam na determinação do nível de
competitividade promovido pelo design na organização, convergindo para a
satisfação do usuário-cliente-consumidor.
Conforme destaca Mozota (2003), essa estruturação reforça a ideia
desenvolvida em torno do conceito de qualidade total, no qual o design e sua
gestão têm pontos comuns e contribuições efetivas de ambos os lados.
Para compreender como o design pode ser trabalhado dentro das
organizações, na seção a seguir são apresentados os níveis de gestão do design e
suas principais características.
2.4 Níveis da gestão do design
Conforme levantado anteriormente, de acordo com as características de suas
atividades, a gestão do design pode ser desenvolvida nas empresas sob diferentes
níveis, podendo ser combinada por processos operacionais e estratégicos. Os
processos operacionais estão concentrados nos projetos desenvolvidos pelas
empresas e os processos estratégicos, ligados às estratégias das corporações.
Observa-se que em algumas organizações a gestão de design ocorre apenas a nível
operacional, sendo que em outras, pode ocorrer simultaneamente nos níveis
operacionais e estratégicos.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 54
O Centro Português de Design (1997: 24) discorre a gestão do design a nível
estratégico e operacional. Segundo a entidade, os principais aspectos relacionados
à gestão de design a nível estratégico são:
- diagnosticar a situação da empresa, produtos e tecnologias, relacionando
aos principais concorrentes;
- definir campos de atuação para o futuro, avaliando tecnologias, produtos e
mercados;
- avaliar pontos fortes e fracos da empresa e determinar opções;
- integrar ao desenvolvimento de produtos o marketing, produção,
engenharia, finanças, design, entre outros, avaliando riscos e novas possibilidades;
- instalar o design e a inovação na cultura da empresa.
Com relação ao nível operacional, o Centro Português de Design (1997)
aponta a gestão de projetos específicos, ocupando-se das atividades de
planejamento, organização e controle de recursos humanos, financeiros, materiais
e tempo. Também organiza um processo de desenvolvimento que estabeleça as
etapas e extensão de cada fase, níveis de decisão, garantindo o fluxo de
informação entre equipe e administração.
Martins e Merino (2008) discorrem sobre os níveis operacional, tático e
estratégico. Segundo os autores, o nível operacional do design é aplicado no
processo de desenvolvimento de novos produtos, o nível tático trabalha os
recursos necessários e a organização das atividades e o nível estratégico é
aplicado na estrutura organizacional. Apontam um modelo de cadeia de valor para
o design, definido por Patrick Hetzel, que se resume no Quadro 5.
Influência do Design Níveis de decisão
Níveis de criação de valor
Níveis de competência
Sobre a oferta: dá um sentido ao discurso e ao objeto
Gestão de Design operacional
Atuação sobre a oferta da organização ou função diferenciadora do Design
Design ação ou como competência econômica. Criação de valor sobre as
funções da organização
Sobre os homens: ajuda a mobilizar e motivar pela
facilidade de circulação de informações, aproximando diferentes atores num
mesmo projeto
Gestão de Design tático
Atuação sobre a empresa ou função coordenadora
do Design
Design função ou como competência controladora.
Criação do valor sobre as funções suporte, em particular sobre a gestão da inovação e
da tecnologia
Sobre a empresa: facilita a formulação de um projeto
que incite a visão do núcleo estratégico
Gestão de Design
estratégico
Atuação do Design sobre o ambiente empresarial
ou função transformadora do Design
Design visão ou como competência psicológica,
influência na compreensão do ambiente e transformação de procedimentos
Quadro 5 – Gestão de Design sobre os três níveis de especialidade Fonte: Martins & Merino (2008:158)
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 55
Mozota (2003) aponta as diferentes posições e características dos níveis de
design no sistema decisório da empresa. A autora trabalha com os termos design
operacional, design funcional e design estratégico. O Quadro 6 apresenta um
resumo desta caracterização:
Design Operacional Design Funcional Design Estratégico
Estratégia: definir uma política de design no produto e nas políticas de comunicação. Definir políticas de marca e o papel do design na marca
Estratégia: coordenar a estratégia de design com outras áreas e instalar uma estratégia de design para a implantação da estratégia de negócios
Estratégia: definir uma estratégia de negócios que integre as metas do design. Definir uma estratégia de design, garantindo que esta reúna produtos, comunicação, espaço e informação
Planejamento: esboçar o briefing de design
Planejamento: definir prazos e procedimentos, requisitos de desempenho do design; definir relações entre design e qualidade total
Planejamento: definir projetos de design. Definir padrões para o design
Estrutura: selecionar designers, definir as equipes de projeto, nomear um “líder” do design
Estrutura: definir o papel, espaço de trabalho e as tarefas do gerente de design na estrutura de negócios, criar um modelo de matriz para a inovação e os projetos. Implementar um serviço de design interno
Estrutura: representar o design no topo do nível de gestão. Criar uma mentalidade favorável ao design
Finanças: estimar e gerenciar orçamentos de projeto. Estimar custos de design
Finanças: listar fornecedores e designers colaboradores; garantir previsão do orçamento
Finanças: definir regulamentação da gestão de design; assegurar que exista um orçamento para a implantação da estratégia de design
Recursos humanos: definir as competências do design
Recursos humanos: criar entendimento do design entre os parceiros da empresa
Criar um clima favorável ao design. Certificar-se de que há um orçamento para a execução da estratégia de design
Informações: desenvolvimento e compreensão dos objetivos de negócio entre os designers. Esboçar documentação e controles de projeto
Informações: esboçar planos de marketing, design e produção. Disseminar o conhecimento do design pela empresa
Informações: comunicar a missão do design na empresa. Implementar a busca por tendências
Comunicação: desenvolver ligações com escolas de design. Criar diretrizes gráficas
Comunicação: administrar a relação entre padrões gráficos e arquitetônicos
Comunicação: promover concursos de design. Comunicar os conceitos do produto
P&D: apoiar transferência de tecnologia
P&D: administrar a relação com fornecedores. Elaborar uma política de qualidade
P&D: criar relacionamento entre design e pesquisa de tendências tecnológicas
Quadro 6 – Caixa de ferramentas da gestão de design Fonte: Adaptado de Mozota ( 2003:257), tradução livre da autora
Segundo Magalhães (1995) 47
, o design operacional trabalha ações voltadas
ao processo de design, atuando sob a forma de ação isolada. Já o design
estratégico está direcionado para o gerenciamento pelo design nas empresas e
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 56
deve apresentar a coerência existente, seus objetivos e o que faz, produz ou
comunica. Integra o design na estratégia corporativa, sendo utilizado como
processo catalisador. Nesse sentido, o autor destaca as diferenças existentes entre
os níveis operacional e estratégico da gestão do design. Esta comparação é
apresentada no Quadro 7:
Visão do design operacional Visão do design estratégico
Ação a partir de uma proposta inicial dada.
Ação ocorre desde o início do desenvolvimento, participando da conceituação do produto junto às demais áreas envolvidas no processo.
Ação isolada de outras áreas, buscando uma habilitação específica.
Ação catalisadora de conhecimentos envolvidos no processo, assumindo sua interdisciplinaridade.
Pensamento fracionado. Pensamento global.
Eficiência do design. Desenvolver corretamente o produto.
Eficácia do design (além da eficiência). Desenvolver o produto certo.
Ênfase nas necessidades do usuário do produto.
Ênfase nas necessidades e desejos do beneficiário do produto (incluindo cliente, consumidor, usuário, fabricante e sociedade), tendo os concorrentes como referência.
Ênfase na solução de problemas. Monitoramento dos problemas e prospecção das oportunidades.
Processo de dentro para fora do produto, a forma segue a função.
Processo de fora para dentro do produto, a forma segue a mensagem.
Solução de problemas físicos dos produtos.
Posicionamento psicológico dos produtos através de especificação de atributos físicos.
Quadro 7 – Quadro comparativo entre as visões do design operacional e estratégico Fonte: Adaptado de Magalhães, 1995
Nesta tese são abordados os níveis de gestão operacional e estratégico do
design, por se identificar que na indústria da mobilidade urbana esses são os
níveis de maior atuação do designer em uma organização. Além disso, verifica-se
que a gestão em nível tático ou funcional pode ser aplicada nestes dois níveis.
Já foi constatado que as empresas podem se encontrar em diferentes estágios
de utilização do design em seu processo. Observando isso, o Centro de Design da
Dinamarca (DDC) constituiu uma escala de classificação para o envolvimento da
empresa com o design, o Design Ladder. Esta ferramenta foi desenvolvida pelo
DDC em 2003 com o objetivo de medir o nível de aplicação da atividade de
design em empresas dinamarquesas, em função da abordagem dada para
investimento em design. Foi o primeiro passo no desenvolvimento de um método
47
MAGALHÃES, C. F. Design Estratégico: integração e ação do design industrial. In: Estudos
em Design, Rio de Janeiro, v III, n. 01, jul. 1995.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 57
para avaliar os benefícios econômicos do design na Dinamarca (SEEPROJECT,
2011, web) 48
.
A Rede Design Brasil (2005) 49
explica que o método faz analogia a uma
escada com quatro degraus (Figura 3), em que cada degrau apresenta esses
diferentes estágios de participação do design nas empresas:
Figura 3 – Escada do Design. Fonte: Design Brasil, 2005
As definições designadas para cada estágio são descritas a seguir:
- Primeiro estágio: nenhuma aplicação de Design - Empresas que se
encontram neste primeiro degrau não fazem uso do design em nenhum estágio do
processo. Outras disciplinas acumulam a função de introduzir funcionalidade ou
estética ao desenvolvimento dos produtos ou serviços. As necessidades do usuário
final tendem a não ser consideradas.
- Segundo estágio: Design como Estilo - O design é considerado apenas
como estilo, sendo introduzido em um estágio já avançado do projeto. Pode ter o
envolvimento de profissionais do design, porém normalmente é desenvolvido por
profissionais de outros setores.
- Terceiro estágio: Design como Processo - O design não é usado apenas
como produto final, mas como um método de trabalho. É integrado nos estágios
iniciais do processo, combinando-se com as várias disciplinas envolvidas.
- Quarto estágio: Design como Estratégia - Utilizado, por exemplo, como
uma ferramenta de fomento à inovação no ambiente de trabalho. Neste estágio, o
design é incorporado como um elemento chave da empresa e desempenha um
48 SEE PROJECT. Design Ladder. Disponível em: <http://www.seeproject.org/
casestudies/Design%20Ladder> Acesso em: 15 de mar. De 2011. 49 REDE DESIGN BRASIL. Design degrau por degrau. 2005. Disponível em:
<http://www.designbrasil.org.br/artigo/design-degrau-por-degrau>. Acesso em: 10 de jul. de 2010.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 58
papel em todas as fases de desenvolvimento (REDE DESIGN BRASIL, 2005;
SEE PROJETC, 2011).
Observa-se que o que define cada estágio merece ser mensurado, devido à
complexidade de se determiná-los dentro de uma empresa. Avaliando este modelo
não foi identificado como ocorre este posicionamento, pois não foi possível
avaliar o método desenvolvido. Além disso, analisando-se esta escada, verifica-se
a potencialidade da inclusão de aspectos ambientais no desenvolvimento de
produtos e serviços por meio de uma gestão do design que apresente esta
abordagem de forma estratégica para as organizações.
Portanto, a presente tese busca por meio deste modelo de diagnóstico a
elaboração de uma ferramenta estratégica que auxilie as empresas a definirem
com maior claridade e objetividade seu estágio de maturidade em relação à gestão
do design e sustentabilidade.
2.5 Design e estratégia: as questões ambientais como competência central
Incorporar o fator ambiental na indústria e na sociedade em geral foi o novo
paradigma definido ainda no final do século XX. Quando a Revolução Industrial
foi iniciada e novos objetos surgiram para atender às necessidades da época, a
possibilidade de esgotamento dos recursos naturais e a emissão de resíduos não
preocupava a humanidade, mesmo com o crescimento econômico ligado a setores
produtivos altamente poluentes e com a crescente exploração dos recursos
naturais.
Perante as questões ecológicas e as diferenças socioeconômicas existentes,
observa-se que as inovações devem estar comprometidas com a sustentabilidade e
a adaptabilidade de produtos e serviços, privilegiando, sempre que possível a
desmaterialização e o uso no lugar da posse (BRASIL & RITTO, 2010) 50
.
Hoje em dia, cada vez mais as indústrias vêem a necessidade de implantar
requisitos e procedimentos ambientais em seus processos e o design pode auxiliar
50 BRASIL, L.; RITTO, A. C. A. Design, ambientes organizacionais e suas relações. s/d.
Diponível em <http://webmail.faac.unesp.br/~paula/Paula/ambientes.pdf >. Acesso em 15 de mai.
2010.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 59
a viabilizar isso de maneira adequada e eficiente, através de uma gestão de design
que trabalhe a sustentabilidade como competência central das organizações.
Como já visto anteriormente, a preocupação com as questões ambientais
tem motivado governos e consumidores a forçarem regulamentações ambientais
mais rígidas e a terem uma maior consciência ambiental. Segundo Von Stamm
(2008), não são apenas essas pressões externas exercidas sobre as organizações
que promovem nos gestores um olhar mais “verde” no desenvolvimento de
produtos e serviços, mas que o posicionamento dessas empresas como
responsáveis e pró-ativas, indicam que o desenvolvimento ambientalmente
consciente faz sentido para os negócios.
Conforme Hamel & Prahalad (2009) 51
, a competência central ou core
competence designa as competências estratégicas, únicas e distintas de uma
organização. Está relacionada ao aprendizado coletivo da organização,
especialmente a capacidade de coordenar diversas habilidades de produção e
integrar os fluxos de tecnologia. O desenvolvimento em torno da competência
central exige uma mudança radical na organização corporativa. Segundo os
autores, o primeiro passo demanda identificar qual ou quais são essas
competências, que devem satisfazer a três requisitos: proporcionar acesso
potencial a uma ampla variedade de mercados, trazer benefícios para o cliente do
produto e ter uma característica única, de difícil imitação pelos concorrentes, que
será ainda mais difícil se contemplar um misto entre um complexo de tecnologias
individuais e habilidades de produção.
Mozota (2003) também menciona as competências centrais e relata que sua
dinâmica é reforçar as capacidades de novos conhecimentos, tanto dos indivíduos
como da empresa. Abordando a questão da inovação, considera que pode ser
tratada como vantagem competitiva quando introduzida a um ritmo constante.
Nesse contexto, a capacidade de transformar rapidamente o desenvolvimento
científico em inovação é uma necessidade fundamental e enfatiza o
posicionamento dos designers, uma vez que construir novos conhecimentos é o
„pão com manteiga‟ de seu cotidiano.
Neste sentido, as questões relacionadas ao meio ambiente e à
sustentabilidade podem ser trabalhadas como competência central. Um exemplo a
51
PRAHALAD, C.K.; HAMEL, G. Core Competency of the Corporation. In: Harvard Business
Review on McKinsey Award Winners. Harvard Business Press, 2009, p. 133-168.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 60
ser considerado é a Natura. A organização se posiciona perante a sociedade como
empresa que busca „criar valor para a sociedade como um todo, gerando
resultados integrados nas dimensões econômica, social e ambiental‟. Conforme
apresentado no site da empresa52
, sua razão de ser é „criar e comercializar
produtos e serviços que promovam o Bem-Estar/Estar Bem‟. O Bem-Estar diz
respeito à „relação harmoniosa e agradável do indivíduo consigo mesmo e com
seu corpo‟. O Estar Bem é a „relação empática, bem-sucedida, prazerosa, do
indivíduo com o outro, com a natureza da qual faz parte e com o todo‟. Trata-se
de uma empresa de cosméticos cuja „essência‟ é voltada ao desenvolvimento de
produtos que mobilizam redes sociais que integram conhecimento científico com
a sabedoria de comunidades tradicionais. Promove o uso sustentável da
biodiversidade botânica brasileira, além de não realizar testes em animais e
trabalhar sob rigorosas normas de segurança internacionais.
Von Stamm (2008) orienta que dentro de uma empresa, os designers estão
bem posicionados para assumir a responsabilidade de garantir o mínimo impacto
ambiental nos produtos. Isso é reforçado por MacKenzie (1997 apud VON
STAMM, 2008:284):
Por muitos anos, os designers procuram afirmar sua influência e demonstrar o
poder do design. As novas exigências sobre a concepção com o menor impacto ecológico irá fornecer uma plataforma ideal para os designers justificarem suas
reivindicações e reconhecerem a sua responsabilidade. Por que deveria cair tanta
responsabilidade sobre o designer? O design é parte de um processo holístico, que
envolve uma grande variedade de outras habilidades. No entanto, o design é uma parte crucial do processo (tradução livre da autora)
53.
Avaliando-se os diferentes níveis de gestão de design, que permite sua
inserção na empresa sob diversos níveis de tomada de decisão, verificam-se
distintas possibilidades de contribuição dos designers. Tanto em um nível
operacional como em um nível estratégico podem ser aplicadas abordagens e
ferramentas que atuem diretamente sobre os produtos desenvolvidos,
52 NATURA. Disponível em:
<http://scf.natura.net/Conteudo/Default.aspx?MenuStructure=5&MenuItem=1>. Acesso em 10 de
jul. 2010. 53For many years, designers have been asserting their influence and demonstrating the power of
design. The new demands on designing for minimum ecological impact will provide an ideal
platform from which designers can justify their claims and acknowledge their responsibility. Why
should so much responsibility fall to the designer? Design is one part of a holistic process, which
involves a wide range of other skills. However, design is a pivotal part of the process.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 61
influenciando a definição de materiais e processos ou número de componentes,
prolongando seu tempo de uso ou favorecendo o reuso ou reciclagem. Podem
também ser usadas para facilitar a implantação da sustentabilidade nas
organizações.
Na seção a seguir são apresentadas algumas ferramentas, selecionadas
devido à sua relação direta com o design ou devido à sua consolidação, que tratam
da abordagem da sustentabilidade no desenvolvimento de produtos e serviços de
baixo impacto ambiental. Posteriormente, no Capítulo 5, é apresentado um
levantamento com outros procedimentos que podem ser aplicados.
2.6 Abordagens e ferramentas para o desenvolvimento de produtos com baixo impacto ambiental
Já foi destacado que os milhões de produtos desenvolvidos para melhorar a
qualidade de vida das pessoas acabam impactando de alguma forma no meio
ambiente. Por isso, o grande desafio do design atualmente é analisar e aplicar
técnicas para o desenvolvimento de produtos e serviços, além de buscar a
minimização de resíduos e impedir ou reduzir os impactos ambientais causados na
fabricação dos mesmos.
Com o objetivo de apontar as diferentes possibilidades de aplicar conceitos
ecológicos no desenvolvimento de produtos, nesta seção são apontadas algumas
ferramentas que permeiam esta linha.
a) Ecodesign
O Ecodesign (Green Design ou Design for Environment) visa a inserção de
requisitos ambientais no desenvolvimento de produtos, procurando reduzir os
impactos gerados durante sua fabricação, uso e descarte, por meio da correta
aplicação e seleção de materiais ou processos de fabricação, facilitando de alguma
maneira sua desmontagem, reuso e/ou reciclagem, considerando todo seu ciclo de
vida.
Segundo Kazazian (2005), a primeira definição de ecodesign foi dada por
Victor Papanek na década de 70. Trata-se de uma abordagem que tem por
consequência tornar a economia mais leve. Manzini e Vezzoli (2005:17) apontam
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 62
que o „ecodesign é um modelo “projetual” ou de projeto (design), orientado por
critérios ecológicos‟.
Também chamada de ecoconcepção, aborda a redução dos impactos de um
produto, conservando sua funcionalidade e desempenho e melhorando a qualidade
de vida dos usuários. Por meio dessa abordagem verifica-se que a questão
ambiental é um fator tão importante quanto a demanda de mercado, a
exequibilidade técnica ou o controle dos custos (KAZAZIAN, 2005).
O ecodesign foi inicialmente utilizado por designers para designar a ideia de
se projetar produtos de baixo impacto ambiental, focalizando prioritariamente o
produto, preocupando-se com os materiais aplicados, com seu uso e posterior
desuso, embalagens e marketing (OLIVEIRA, 2000).
Gimeno (2000) afirma que o ecodesign possibilita repensar os produtos
considerando as questões ecológicas por meio da adoção de melhorias técnicas
disponíveis e produção limpa (economia de energia e matérias-primas,
preservação da biodiversidade, minimização de resíduos, utilização de tecnologias
limpas, uso de combustíveis renováveis, etc.). Considera ainda que o ecodesign
pode ser um fator diferencial do produto, como também um atributo de qualidade
deste produto. Mas para isso, destaca que é preciso uma integração de disciplinas
conexas e interdependentes, que determinem a ecoeficiência dos produtos
desenvolvidos.
Conforme destaca Medina (2003:9), por essa abordagem „os projetos de
produtos serão tão mais eficientes quanto mais permitirem uma recuperação e uso
racional de materiais e energia e componentes desses produtos em fim de vida‟. A
autora também ressalta que permite ampliar os limites do projeto, reforçando seu
caráter multidisciplinar, projetando não apenas o produto, mas o „sistema-
produto‟. Neste sentido, a autora complementa o pensamento sobre a questão da
multidisciplinaridade:
O conceito de eco-design é portanto transversal aos campos teóricos da engenharia,
arquitetura e desenho industrial, além de ser fulcral para a ecologia industrial, que
surgiu exatamente dessa interdisciplinaridade necessária ao trato da questão
ambiental. Como internalizar o meio ambiente na atividade industrial da forma mais ampla possível é a questão central dessa nova área do conhecimento. Por isso
mesmo abordagens do tipo ACV e eco-design foram apropriadas,
instrumentalizadas e ampliadas no seio da ecologia industrial (MEDINA, 2003:9).
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 63
Kindlein Jr et al. (2004) 54
destacam alguns princípios para a execução de
produtos, procurando prever e prevenir o potencial de agressividade ao meio
sejam eles:
- economia ao máximo do uso de água, ar, espaço, energia ou outros
recursos não renováveis;
- propiciar a reutilização dos produtos, promovendo a estes um novo uso
após o descarte;
- trabalhar a modularidade, permitindo ao usuário criar novos produtos à sua
conveniência;
- durabilidade dos produtos ao invés de serem descartáveis;
- produtos biodegradáveis ou recicláveis e com baixa utilização de materiais
compósitos;
- produtos não poluentes e não agressivos, evitando qualquer tipo de
poluição que atinja a natureza e o homem.
Kazazian (2005) enfatiza que o ecodesign seria uma abordagem de melhoria
contínua (Figura 4), procurando “um ciclo de fluxos, de sinergias de atores”,
abordados nos programas ISO 14000. O autor ainda destaca que é preciso
considerar que não existe um produto totalmente ecológico, pois qualquer produto
oferecerá algum impacto ambiental, talvez alguns maiores que outros, mas os
impactos sempre existirão.
Sob o ponto de vista de outros autores, o conceito de Ecodesign é restrito.
Segundo Pereira (2003, apud Fernandes & Armellini, 2004) 55
, o ecodesign
aborda referências unicamente a fatores ecológicos pontuais. Já a perspectiva
ampliada do desenvolvimento sustentável procura abranger os aspectos ecológico
e social, atemporal e planetário dos danos produzidos, auxiliando na busca por
soluções.
54
KINDLEIN JUNIOR, W.; BRAUM, A. F.; GUANABARA, A. S.. Estudo da melhoria da
sustentabilidade de projeto de novos produtos baseados na biônica. In: Anais P&D Design, São
Paulo, 2004. 55 FERNANDES, D.; ARMELLINI, C. Desenvolvimento de novas técnicas para utilização de
sucata de vidro visando a produção de novos produtos. In: Anais P&D Design, São Paulo, 2004.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 64
Figura 4 – Roda de Deming. Fonte: Kazazian, 2005
Manzini também aponta problemas com esta nomenclatura. Para o autor,
este termo limita o campo de observação e atuação:
[...] para atingir a sustentabilidade ambiental, não é suficiente melhorar o que antes
já existia, mas sim pensar em produtos, serviços e comportamentos diversos dos
conhecidos até hoje. Ou seja, é necessário operar também em níveis mais altos, com outros aspectos a serem considerados (o projeto de novos produtos-serviços
intrinsecamente sustentáveis e a proposta de novos cenários que correspondam a
estilos de vida sustentáveis) (MANZINI & VEZZOLI, 2005:23).
Para se referir a esse gênero de atividades, Manzini adota o termo design
para a sustentabilidade, que é tratado no tópico a seguir.
b) Design para a sustentabilidade
Conforme já visto anteriormente, a atividade do design tem se expandido
para além das características funcionais, estéticas e tecnológicas dos produtos e
atualmente vê-se a necessidade de considerar novos cenários, que sugerem
soluções sustentáveis, em um nível além de simplesmente desenvolver produtos
mais ecológicos.
Com isso, a proposta de Manzini e Vezzoli (2005) é trabalhar o design para
a sustentabilidade. Os autores afirmam que o desenvolvimento de produtos limpos
requer, além da aplicação de tecnologias limpas, uma nova capacidade de design,
permitindo obtê-los sem muitas sofisticações tecnológicas. Desta forma, o
desenvolvimento do design para a sustentabilidade considera as questões
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 65
ambientais no desenvolvimento de produtos de uma maneira mais abrangente,
pois procura capacitar o sistema produtivo a responder à procura social de bem-
estar, utilizando uma quantidade de recursos ambientais bastantes inferiores aos
níveis praticados atualmente. Isto requer gerir, de maneira coordenada, todos os
instrumentos de que se possa dispor (produtos, serviços e comunicações), dando
unidade e clareza às próprias propostas. Deve também aprofundar suas escolhas
na constante avaliação das implicações ambientais, nas diferentes soluções
técnica, econômica e socialmente aceitáveis, considerando ainda durante a
concepção de produtos e serviços, todas as condicionantes que os determinem por
todo o seu ciclo de vida.
Neste sentido McDonough e Braungart (2002)56
apontam a necessidade de
um novo comportamento produtivo (indústria e seus projetistas, arquitetos e
designers), apresentando uma visão diferenciada sobre o impacto que podemos
causar. Por meio de um design ecológico e inteligente é possível uma relação
diferenciada do homem com o planeta.
A proposta de trabalhar um design para a sustentabilidade requer promover
a capacidade do sistema produtivo de responder a essa nova necessidade social de
bem estar, reduzindo drasticamente a quantidade de recursos naturais empregados,
envolvendo de maneira coordenada todos os instrumentos disponíveis (produtos,
serviços e comunicações). Desta forma, trata de um projeto de estratégias
aplicadas sob a prospectiva da sustentabilidade ambiental (MANZINI &
VEZZOLI, 2005).
Um sistema industrial que tira da natureza, que produz e devolve para ela,
pode definir produtos e serviços que geram valores ecológicos, sociais e
econômicos. O conflito existente entre indústria e meio ambiente é consequência
da maneira como temos concebido as soluções. Nosso entendimento sobre a
natureza mudou drasticamente nos últimos anos, porém as indústrias ainda
operam conforme paradigmas desenvolvidos quando o homem tinha um
discernimento muito diferente do mundo. O design de produtos e sistemas
pensado desde a Revolução Industrial resultou em uma série de consequências
indesejadas e trágicas (MCDONOUGH E BRAUNGART, 2002).
56
MCDONOUGH, W.; BRAUNGART, M. Cradle to cradle: remaking the way we make things.
New York: North Point Press, 2002.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 66
Neste sentido, McDonough e Braungart (2002) defendem a tese de que “o
projeto pode refletir um espírito novo” se designers e projetistas aplicarem a
inteligência dos sistemas naturais, a eficácia da ciclagem de nutrientes, a
abundância da energia solar, a ponto de criar produtos e sistemas industriais que
co-existam com a natureza. Apenas desta forma os autores vêem uma esperança
para um futuro de prosperidade sustentável.
Um medidor para atender a esses princípios seria a ecoeficiência dos
produtos desenvolvidos. Gimeno (2000) aponta que a ecoeficiência trata de
produzir mais com menos, reduzindo o impacto ambiental e aumentando a
qualidade do produto.
Sobre ecoeficiência, Ferreira, (2004) 57
também destaca:
Ecoeficiência de um produto consiste na característica ambiental que um artefato,
equipamento ou componente possui, incorporada via projeto. O produto ecoeficiente apresenta requisitos especiais, que o diferenciam de outros, ao ser
fabricado, estocado, transportado, utilizado, descartado, coletado e reciclado, num
nível ecológico adequado aos seus usuários e ao meio natural, no qual estes se
inserem. Desta forma vale destacar que a preocupação principal da atividade do design deve residir na tentativa de obtenção de soluções que contemplem uma
combinação efetiva de descarte-reciclagem racional dos componentes dos
produtos. O binômio citado passa, obrigatoriamente, a incorporar a lista de requisitos e condicionantes de projeto de qualquer produto a ser concebido.
Segundo o autor, o planeta está polarizado em economias centrais e
periféricas, baseando-se na necessidade de contenção dos níveis de produção, em
vista do efetivo atendimento das necessidades da maioria da população. Porém,
nas economias ditas periféricas (países sul-americanos, por exemplo), há a
necessidade de retomar os níveis de produção e consumo, represados em períodos
econômicos altamente inflacionários, com vistas ao atendimento das necessidades
básicas da população. No caso das economias periféricas, o fator agravante na
retomada do crescimento e atendimento das demandas de mercado vem sendo a
utilização de tecnologias obsoletas importadas de economias centrais, ainda
poluentes e danosas ao meio natural. Ferreira (2004) afirma ainda que esses
modelos industriais importados, sem um upgrade devido, caracterizam-se pela
baixa capacidade de absorção dos seus efluentes industriais por parte do entorno
imediato.
57
FERREIRA, M. dos S. A Função Design e a Corrente da Sustentabilidade: Eco-Eficiência de
um Produto. In: Anais P&D Design, São Paulo, 2004.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 67
Medina e Gomes (2002) 58
destacam que a ecoeficiência é um indicador que
compatibiliza os desempenhos econômico e ambiental. Esse conceito vem sendo
adotado por empresas do mundo inteiro, a fim de indicar que seus sistemas de
produção, produtos e serviços têm performances econômica e ambiental corretas.
Segundo as autoras, a empresa que busca a ecoeficiência passa a adotar condutas
como reduzir o consumo de matérias-primas primárias, substituindo-as por
matérias-primas secundárias, aumentar a vida útil de seus produtos e reduzir seu
consumo industrial de energia elétrica, entre outros.
Já McDonough e Braungart (2002) destacam a eficiência em detrimento à
eficácia. No ponto de vista dos autores, a ecoeficiência trabalha apenas de forma
superficial, tornando, por exemplo, um sistema velho um pouco menos destrutivo.
Já quando se trabalha com a „ecoeficácia‟ é possível ter uma visão mais ampla do
propósito principal de um produto ou sistema, considerando o todo.
Manzini e Vezzoli (2005) enfatizam que para ser reconhecido como tal, o
design para a sustentabilidade deve constantemente avaliar as implicações
ambientais existentes nas diferentes soluções técnica, econômica e socialmente
aceitáveis, considerando todas as condicionantes de todo o seu ciclo de vida. Para
isso, consideram a metodologia definida pelo Life Cycle Design.
c) Life Cycle Design
Manzini e Vezzoli (2005) afirmam que um produto deve ser projetado
considerando-se o conceito de ciclo de vida. O termo usado em inglês é o Life
Cycle Design (LCD). Os autores definem LCD como a concepção de produtos em
que, durante todas as suas fases de projeto são consideradas as possíveis
implicações ambientais ligadas ao seu ciclo de vida, procurando reduzir possíveis
impactos ambientais (MANZINI & VEZZOLI, 2005). Desta forma, é necessário
balancear o binômio vida útil/ ciclo de vida dos produtos em geral, considerando
todas as atividades envolvidas no desenvolvimento do produto, desde a extração e
processamento da matéria-prima, fabricação, distribuição, uso e desuso,
montagem e desmontagem, reciclagem e disposição final.
Tanto Manzini e Vezzoli (2005) quanto Kazazian (2005) destacam cinco
fases do ciclo de vida de um produto (Figura 5): (1) definição de matéria-prima;
58
MEDINA, H. V.; GOMES, D. E. B. A Indústria Automobilística Projetando para a Reciclagem.
In: Anais 5ºP&D Design, Brasília, 2002.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 68
(2) escolha de tecnologias e processos de fabricação; (3) distribuição do produto;
(4) aprimoramento do uso; e (5) descarte e valorização final do produto.
De acordo com Ferreira (2004), o termo „vida útil‟ está relacionado aos
interesses do usuário/ consumidor, enquanto que o ciclo de vida do produto é de
interesse do produtor/ distribuidor, vinculando-se a características mercadológicas
(e agora ambientais) de descontinuidade e descartabilidade, integradas à lista de
requisitos a ser atendida no design do produto.
Figura 5 – Ciclo de vida do produto. Fonte: Kazazian, 2005
Ferreira (2004) apresenta como um exemplo aplicável deste binômio o
processo de escolha dos materiais e processos de fabricação de um componente ou
produto. Normalmente as quatro primeiras fases são mais estudadas no
desenvolvimento de produtos, mas o que fazer com eles após seu uso? É preciso
dar maior valor de descarte para os produtos, verificar maneiras mais nobres para
seu fim, dar uma nova função, reutilizar o objeto ou promover sua reciclagem
(Figura 6).
Ferreira (2004) também destaca a possibilidade de reutilização ou
reciclagem de matérias-primas por meio da relação de troca com o consumidor/
usuário final, como outro fator de importância no desenvolvimento de produtos.
Para o autor, „através de canais de comunicação e distribuição, hoje disponíveis,
pode-se estabelecer procedimentos de devolução de produtos/ embalagens a serem
reutilizados pela indústria‟. Há segmentos mercadológicos com maiores
possibilidades de trabalhar a característica de reciclabilidade dos produtos (que
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 69
deve ser prevista já em sua concepção), destacando-se o setor automotivo, de
embalagens, bebidas e eletrodomésticos.
Figura 6 – Solução de reutilização e de valorização do produto. Fonte: Kazazian, 2005
O autor ainda afirma que,
A gestão ambiental de processos produtivos deve passar por uma otimização das
relações de transformação entre matéria e energia, ao longo da cadeia produtiva do
produto. E, por decorrência desta postura, os produtos resultantes deste modo de produção passam a ser avaliados economicamente pela sua ecoeficiência
(FERREIRA, 2004).
A maior preocupação da indústria em relação ao desenvolvimento de
produtos e o meio ambiente era com a escassez de matéria-prima, os resíduos
gerados e a poluição no fim dos processos, por conta dos limites impostos pelas
leis ambientais. Hoje a ideia é atuar de forma preventiva, introduzindo parâmetros
ambientais ainda nas etapas de projeto dos produtos (OLIVEIRA, 2000).
Conforme Nascimento, Lemos e Mello (2008), quando é aplicada a
abordagem do LCD, considerando-se todas as diferentes fases do
desenvolvimento de um produto, o designer pode definir os critérios mais
adequados para obter a redução dos impactos ambientais associados a cada fase
do desenvolvimento.
Medina (2003) aponta que a diferença básica entre ecodesign e life cycle
design está relacionada ao peso dado à componente ambiental nos objetivos do
projeto. Segundo a autora, no primeiro caso o ciclo de vida dos produtos é levado
em consideração apenas quando do desenvolvimento do projeto de um produto; já
no segundo, o ciclo de vida do produto é o objeto central do projeto. Neste
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 70
sentido, como já apontado, Manzini e Vezzoli (2005) consideram o ecodesign um
modelo projetual orientado por critérios ecológicos, enquanto que o life cycle
design é o projeto de um sistema-produto englobando as fases de pré-produção
(produção de matérias-primas) produção, distribuição, uso e descarte.
Oliveira (2000) também enfatiza que até pouco tempo atrás a preocupação
maior dos designers era apenas com os impactos na fase de uso dos produtos,
enquanto a indústria se preocupava apenas com o processo produtivo, não
considerando os impactos de uso e descarte. Essa visão parcial do processo
originava soluções ambientais que produziam menor impacto ambiental em
determinadas fases do ciclo de vida do produto, porém aumentavam em outras,
quando se analisava o processo como um todo, “do berço ao túmulo”, ou seja,
desde a escolha da matéria-prima ao descarte final.
McDonough e Braungart (2002) defendem o ciclo fechado “do berço ao
berço”, sustentado pelo princípio da eliminação do conceito de resíduo no
desenvolvimento de produtos, assim como ocorre na natureza. Segundo os
autores, eliminar o conceito de resíduo significa projetar sob o entendimento de
que o resíduo não existe: “Isso significa que os nutrientes importantes contidos
nos materiais moldam e determinam o projeto: a forma segue a evolução, não
apenas a função. Nós pensamos que esta é uma perspectiva mais robusta do que a
forma atual de fazer as coisas” (tradução livre da autora) 59
.
Para isso, os autores defendem que os produtos devem ser compostos por
materiais biológicos, que irão se decompor e se transformar em alimento nos
chamados ciclos biológicos, ou materiais técnicos, cujos resíduos permanecem no
círculo fechado dos ciclos técnicos, servindo como „nutrientes valiosos‟ para a
indústria.
Manzini e Vezzoli (2005) afirmam que o designer deve contribuir para a
sustentabilidade, colaborando com o aparecimento de uma geração de produtos
sustentáveis baseada nos princípios do Life Cycle Design e do design para a
sustentabilidade. Os autores alegam que „sem o caráter estratégico‟ do segundo, o
LCD não passaria dos limites do redesign de produtos e que sem o primeiro, o
59 It means that the valuable nutrients contained in the materials shape and determine the design:
form follows evolution, not just function. We think this is a more robust prospect than the current
way of making things (MCDONOUGH & BRAUNGART, 2002:104).
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 71
design para a sustentabilidade não teria fundamentações concretas em que se
basear.
d) Design for X
Durante a década de 1990, devido às necessidades existentes no período em
relação ao desenvolvimento de produtos mais ecológicos, nos EUA e Europa
surgiram novas concepções de projetos, denominadas DfX (Design for X), em que
“X” representava um objetivo a ser trabalhado no projeto (Nascimento, Lemos e
Mello , 2008).
Dentre as diferentes concepções do Design for X são apresentadas aqui o
Design para Desmontagem e o Design para a Reciclagem.
- Design para Desmontagem (DFD – Design for Disassembly)
A importância do DFD despontou com a necessidade de recuperar peças e
materiais dos produtos após seu descarte, isto visando a recuperação para
reutilização ou reciclagem.
Dowie-Bhamra (2008) 60
, Gimeno (2000) e Duarte (1997) 61
destacam
alguns benefícios quando se consegue uma desmontagem eficiente dos produtos:
• componentes com qualidade superior e de maior importância podem ser
recondicionados ou reutilizados;
• fácil acesso a componentes, simplificação das fixações e redução na
manipulação do produto;
• peças metálicas podem ser separadas facilmente em categorias, sem
contaminação, o que aumenta seu valor de reciclagem;
• peças plásticas podem facilmente ser removidas e recicladas;
• peças feitas de materiais pesados e não magnéticos como vidro ou
borracha podem ser facilmente separados e reprocessados.
Duarte (1997) destaca que por meio do DFD é possível prolongar a vida útil
de produtos ou componentes, uma vez que torna possível a reutilização e a
remanufatura. Este método facilita a manutenção e influencia de forma decisiva a
60 DOWIE-BHAMRA, T. Design for Disassembly. Disponível em:
< http://www.co-design.co.uk/design.htm>. Acesso em: 21 de jun. 2008. 61 DUARTE, M. D. Avaliação do Ciclo de Vida. In: DUARTE, Marcos Daniel. Caracterização
da rotulagem ambiental de produtos. Florianópolis: UFSC, 1997. Disponível em: http://www.
eps.ufsc.br/disserta97/duarte/index.html. Acesso em: 22 mai. 2008.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 72
reciclagem e a facilidade de desmonte. O autor também ressalta que, devido a
dificuldades de diagnóstico da falha e\ou desmontagem de componentes, muitos
produtos são abandonados ou jogados quando necessitam do reparo de apenas um
de seus componentes.
Para Duarte (1997) o projeto de um produto deve prever sua desmontagem,
visando a remanufatura, reaproveitamento de componentes e reciclagem de
materiais. Desta forma, já deve ser considerado nas fases iniciais do projeto para
que o produto seja concebido de tal forma que seus componentes possam ser
desencaixados facilmente ou que os sistemas possam ser reciclados
conjuntamente, se forem constituídos de um mesmo material.
Outro benefício apontado por Gimeno (2000) é que esta diretriz propõe „um
desenho para a simplicidade‟ e o autor destaca que a elegância de um bom design
se encontra na simplicidade. Desta forma é prevista a redução no número de
peças, além do desenho de peças multifuncionais, que podem ser comuns entre
outros produtos.
- Design para Reciclagem (DFR)
Outro método existente, mas que não é usado em sua potencialidade pelas
indústrias, é a reciclagem. Duarte (1997) destaca o apelo de marketing existente
nas embalagens, que apontam um produto com potencialidade de reciclagem, mas
que não comprometem o fabricante à recaptura do produto após o uso.
O objetivo da reciclagem é a transformação do produto, obtendo materiais
ou componentes que possam ser reciclados e transformados em novas matérias-
primas a serem utilizadas para a fabricação do mesmo produto ou de novos
produtos, com o mínimo de energia. De maneira genérica, há dois sistemas
distintos de reciclagem: o looping fechado e o looping aberto (LIMA &
ROMEIRO FILHO, 2001) 62
. No looping fechado os resíduos do sistema
retornam para o mesmo sistema produtivo; já no looping aberto, os resíduos não
podem ser reutilizados na fabricação do mesmo produto, sendo normalmente
usados como materiais menos nobres.
62 LIMA, R. M.; ROMEIRO FILHO, E. A reciclagem de materiais e suas aplicações no
desenvolvimento de novos produtos: um estudo de caso. In: Anais do 3° Congresso Brasileiro de
Gestão de Desenvolvimento de Produto. Florianópolis, 2001.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 73
Bello (1998) 63
destaca que as vantagens da reciclagem são ressaltadas
quando os custos de obtenção de uma matéria-prima pelos processos tradicionais
são maiores. Por outro lado, também é possível considerar que os impactos
ambientais gerados pela reciclagem são menores, uma vez que não ocorre a
extração e pré-beneficiamento de matérias-primas, apesar da energia despendida.
McDonough e Braungart (2002) discorrem que os produtos atualmente
gerados pela indústria, em sua maioria, não são projetados para a reciclagem, pois
utilizam diferentes materiais, com diferentes acabamentos, diminuindo a
qualidade dos materiais e exigindo maiores quantidades de materiais virgens e
energia. Argumentam que a reciclagem normalmente atua de maneira negativa,
como “downcycling”, pois reduz a qualidade dos materiais ao longo do tempo,
sendo que este material será provavelmente utilizado em outros tipos de produtos,
cuja qualidade também será inferior.
As prioridades para a reciclagem segundo Duarte (1997) são:
redução de materiais;
reutilização de componentes;
remanufatura;
reciclagem de materiais;
geração de energia (combustão);
disposição em aterros.
Bello (1998) ressalta que apesar de sua importância, a reciclagem apresenta
algumas limitações. Dentre elas sua complexidade e custos para coleta e seleção,
além de que alguns produtos e materiais são mais adequados ao processo do que
outros. A autora considera também que a reciclagem não é a melhor forma de
aproveitamento de materiais, uma vez que atua principalmente nas primeiras
etapas de transformação de um produto.
Isso também é defendido por McDonough e Braungart (2002), que apontam
que a reciclagem do tipo “downcycling” pode ser mais cara para o negócio, em
parte porque tenta forçar a longevidade dos materiais, mais do que o inicialmente
63 BELLO, C. V. V. Iniciativas visando à Gestão da Qualidade Ambiental. In: BELLO, C. V. V.
Zeri – Uma proposta para o desenvolvimento sustentável, com enfoque na qualidade
ambiental voltada ao setor industrial. Florianópolis: UFSC, 1998. Disponível em:
http://www.eps.ufsc.br/disserta98/bello/index.html. Acesso em: 21 de jun. 2008.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 74
projetado, com uma conversão complicada e confusa em que se gasta mais energia
e recursos.
Conforme McDonough e Braungart (2002) desenvolver produtos voltados
para a reciclagem inclui aplicar materiais adequados. Como já apontado, os
autores sugerem que os produtos devem ser compostos por materiais
biodegradáveis, que podem ser decompostos por „ciclos biológicos‟ ou por
materiais técnicos de alta qualidade que poderão ser „upcycled‟ ao invés de apenas
reciclados, mantendo sua alta qualidade em um ciclo industrial fechado.
e) Produção mais limpa (P+L)
Conforme o site do Conselho Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Sustentável (CEBDS, 2010) 64
a Produção mais Limpa (P+L) é
a aplicação contínua de uma estratégia técnica, econômica e ambiental integrada
aos processos produtivos, produtos e serviços, de maneira a aumentar a eficiência
no uso de matérias-primas, água e energia; busca a não geração, minimização ou
reciclagem de resíduos e emissões; e oferece benefícios ambientais, de saúde
ocupacional e econômicos. A P+L requer mudança de atitude, exercício de
gerenciamento ambiental responsável e avaliação de opções tecnológicas (REDE
BRASILEIRA DE PRODUÇÃO MAIS LIMPA, 2010) 65
.
Por meio de seus elementos essenciais (Figura 7), a Produção Mais Limpa
adota uma abordagem preventiva como resposta à responsabilidade financeira
adicional atribuída pelos custos de controle da poluição e pelos tratamentos de
final de tubo66
(CEBDS, 2010).
64 CEBDS. Conselho Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável. Produção mais
Limpa – Conceito. Disponível em: <http://www.cebds.org.br/cebds/eco-pmaisl-conceito.asp>.
Acesso em 26 jun. 2010. 65 Rede Brasileira de Produção mais Limpa. Disponível em <http://www.pmaisl.com.br/>. Acesso
em: 26 jun. 20l0. 66 As técnicas de Fim de Tubo, segundo a FIESP (2010), são ações que ajudam a diminuir o
impacto ambiental de determinados resíduos, dando-lhes tratamento. Assim, o Fim de Tubo só é
válido no tratamento de resíduos que não puderam ser evitados no processo, sendo considerada
uma alternativa de remediação, enquanto a P+L é uma proposta de solução.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 75
Figura 7 – Elementos essenciais da estratégia de P+L. Fonte: CEBDS, 2010.
Segundo Nascimento, Lemos e Mello (2008), a P+L busca direcionar o
design dos produtos para a redução de impactos negativos de seu ciclo de vida,
desde a extração da matéria-prima até seu descarte. Direciona os processos
produtivos para a economia de matéria-prima e energia, eliminação do uso de
materiais tóxicos e a redução nas quantidades e toxicidade dos resíduos e
emissões. Já em relação aos serviços, busca incorporar as questões ambientais
dentro da estrutura e entrega de serviços.
A questão mais importante da P+L é que exige uma melhoria tecnológica,
além da aplicação de know-how e a mudança de atitudes. Esses três fatores
reunidos fazem o diferencial em relação às outras técnicas ligadas a processos
produtivos (CEBDS, 2010).
Nascimento, Lemos e Mello (2008) sugerem que aplicação de know-how
significa melhorar a eficiência e a eficácia, adotando melhores técnicas de gestão,
fazendo alterações por meio de práticas de housekeeping 67
ou soluções caseiras e
revisando políticas e procedimentos quando necessário.
A mudança de atitude significa encontrar uma nova abordagem para o
relacionamento entre a indústria e o ambiente, pois conforme Nascimento, Lemos
e Mello (2008), repensar um processo industrial ou um produto em termos de P+L
pode gerar melhores resultados, sem requerer novas tecnologias.
Nascimento, Lemos e Mello (2008) sugerem que o retorno do investimento
em P+L é bastante rápido, pois o maior investimento diz respeito à mudança de
67 Ferramenta utilizada pelas empresas para assegurar a implantação da Qualidade, Produtividade e
Agilidade nos serviços prestados, bem como a melhoria qualidade de vida
dos funcionários.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 76
comportamento, sendo necessário realizar treinamentos buscando a sensibilização
das pessoas em todos os níveis da organização. Verifica-se que os custos
investidos em proteção ambiental tendem a diminuir ao longo do tempo, devido à
geração de diversos benefícios a partir do aumento da eficiência dos processos
produtivos.
f) Emissão Zero (Zeri)
A proposta Zeri (Zero Emissions Research and Initiatives) foi desenvolvida
por Gunter Pauli em 1994 e lançada na Universidade das Nações Unidas (UNU),
em Tóquio (BELLO, 1998; NASCIMENTO, LEMOS & MELLO , 2008).
Conforme Kazazian (2005), a emissão zero é uma estratégia que pode ser
implantada por uma empresa e aproxima-se da produção limpa pela redução
máxima de resíduos, além da possibilidade de venda das emissões restantes a
outras empresas como matérias secundárias.
Como o próprio nome sugere, o programa visa a emissão zero de resíduos e
tem os seguintes objetivos:
- nenhuma produção de resíduo líquido, gasoso ou sólido;
- utilizar todos os inputs (matérias-primas de que necessitam) na produção;
- quando houver resíduo, este deve ser utilizado por outras indústrias,
criando valor agregado (NASCIMENTO, LEMOS & MELLO, 2008).
Nascimento, Lemos e Mello (2008) descrevem que a produção com emissão
zero ainda é vista nos dias de hoje como um conceito utópico ou dispendioso para
as organizações. Mas advertem que isso também ocorreu quando o setor industrial
não aceitava passar a fabricar produtos com defeito zero, sendo atualmente este
um critério de competitividade no mercado.
Bello (1998) destaca que a estratégia Zeri compreende três linhas de ação:
uma metodologia para conduzir a mudança industrial em direção ao
desenvolvimento sustentável, P&D para criação de novos modelos e protótipos
industriais e novos empreendimentos empresariais ou reestruturações dos
existentes. Estas são “linhas mestras da estratégia Zeri” que devem ser vistas
como iniciativas interligadas e complementares.
O programa Zeri propõe uma metodologia de implantação em cinco fases.
Esta metodologia é apresentada no Quadro 8:
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 77
FASES CONSIDERAÇÕES
Fase 1 – Produtividade total da matéria-prima
Aproveitar os insumos na sua totalidade, mediante a eliminação de qualquer resíduo. Propõe que com a mesma quantidade de matéria-prima se produza bens com maior durabilidade sem perder em eficiência. Toda a matéria-prima deve estar contida no produto final e este deve ter um ciclo de vida mais longo.
Fase 2 – Ciclo de Vida de Materiais (Modelo Output – Input)
Para fechar o ciclo dos materiais é preciso planejar e reestruturar a produção industrial de modo a fazer com que toda a matéria-prima seja transformada em bens úteis ou reintegrada nos ecossistemas sem danificá-los. Resíduos, emissões de toda espécie e bens descartados podem ser insumos para outros produtos, mediante diversos processos produtivos apropriados, em que nada se perde. Além disso, requer rigorosa análise dos processos industriais, com o objetivo de planejar a produção industrial como um sistema fechado.
Fase 3 – Conglomerados industriais
A estratégia de integrar e aglomerar a atividade industrial com vistas à sustentabilidade ambiental aplica-se a todos os empreendimentos industriais nos quais a empresa não está montada para fazer uso total da matéria-prima que processa, seja por uma questão de porte, seja pela natureza dos bens que produz. A matriz produtos-insumos oferece uma base para a identificação dos conglomerados industriais. As corporações estabelecem novas sociedades entre organizações que não haviam sido consideradas.
Fase 4 – Identificação de avanços tecnológicos
Visa identificar os avanços necessários para se alcançar o sucesso. Para tanto é preciso estabelecer um programa de pesquisa para solucionar as falhas, traduzindo as conclusões das matrizes produtos-insumos em redução de custos, vendas e estratégias competitivas, integrando a sustentabilidade e preservando o ambiente natural.
Fase 5 – Planejamento de políticas industriais
É o projeto de formulação de políticas. A maioria das legislações não leva em conta as oportunidades que decorrem das matrizes produtos-insumos. Em decorrência disso, o processo de formulação de políticas industriais deve ser repensado.
Quadro 8 – As cinco fases do programa Zeri Fonte: Adaptado de Nascimento, Lemos e Mello (2008) e Bello (1998)
Conforme Nascimento, Lemos e Mello (2008) e Bello (1998), alcançar a
emissão zero é um grande desafio, mas com motivações ambientais e econômicas
atrativas para as mais diversas organizações. Trata-se de uma evolução da
qualidade total, em busca da melhoria contínua e sua aplicação exige mudança de
paradigmas, de percepção e da maneira de lidar com problemas complexos dentro
da organização. Em sua aplicação devem ser considerados o crescimento
econômico, a qualidade ambiental e o desenvolvimento social, que se resumem no
conceito do desenvolvimento sustentável.
g) SPeAR- Sustainable Project Appraisal Routine
Perez (2007) 68
relaciona a „análise de sustentabilidade‟, que tem por
objetivo garantir que no processo de desenvolvimento dos conceitos de design
seja pensado o ciclo de vida do produto, além de identificar de forma contínua o
desenvolvimento da sustentabilidade.
68
PEREZ, A. Procedimentos para a gestão estratégica do design industrial. In: 4º Congresso
Internacional de Pesquisa em Design, Rio de Janeiro, 2007.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 78
Para essa análise, o autor sugere o diagrama SPeAR- Sustainable Project
Appraisal Routine (Figura 8), desenvolvido pela Arup Environmental para ser
usado como procedimento de gestão de design para sustentabilidade. Este
diagrama fornece um perfil de desempenho da sustentabilidade e destaca os
pontos fortes e fracos empregados. A avaliação é baseada no desempenho de cada
indicador em função de uma escala que aponta os melhores e piores casos.
Figura 8 – Ilustração do modelo SPeAR para análise de sustentabilidade. Fonte: Perez, 2007.
O diagrama é dividido em quatro setores iguais, representando as
subdivisões da prática sustentável: recursos econômicos, ambientais, sociais e
naturais. Em cada um desses setores, há outras subdivisões que identificam outros
aspectos. O diagrama tem círculos concêntricos que vão do vermelho (mais
perigoso) na borda externa e tornam-se mais verde em direção ao centro.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 79
O diagrama de SPeAR é proposto como uma ferramenta de auditoria para
que as empresas possam avaliar seu desempenho em relação à sustentabilidade e
possam monitorar as melhorias (THE ARCHITECT´S JOURNAL, 2000) 69
.
h) D4S Strategy Wheel
Outro diagrama que também pode ser aplicado como ferramenta de gestão
do design para a sustentabilidade é a D4S Strategy Wheel (Figura 9), do Programa
Design para a Sustentabilidade da Delft University of Technology (D4S, 2006) 70
.
Figura 9 – D4S Strategy Wheel. Fonte: D4S, 2006.
Esse diagrama ilustra sete estratégias gerais do design para a
sustentabilidade que cobrem uma ampla gama de direções paralelas e melhoria
das etapas do ciclo de vida do produto. São elas:
1. Seleção de materiais de baixo impacto;
2. Redução do uso de materiais;
3. Otimização das técnicas de produção;
69THE ARCHITECT´S JOURNAL. Arup takes aim at appraisals with SPeAR of
sustainability. Disponível em: <http://www.architectsjournal.co.uk/home/arup-takes-aim-at-
appraisals-with-spear-of-sustainability/192236.article>. Acesso em: 10 de jul. 2010. 70
D4S. Design for Sustainability: a practical approach for Developing Economies, 2006.
Disponível em: <http://www.d4s-de.org/>. Acesso em: 13 de mar. 2010.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 80
4. Otimização do sistema de distribuição;
5. Redução do impacto durante a utilização;
6. Otimização da vida inicial;
7. E otimização do sistema de fim-de-vida (D4S, 2006).
O diagrama pode ser usado para definir qual ou quais das sete estratégias de
design são mais adequadas para o produto em desenvolvimento. Von Stamm
(2008) reforça que as diferentes opções do diagrama ajudam os gestores a
identificarem a opção com o menor impacto ambiental e permite uma comparação
ponderada dos diferentes eixos do diagrama.
Além destas, há dezenas de outras ferramentas e procedimentos que podem
ser aplicadas no desenvolvimento de produtos, mas verifica-se que são poucas as
organizações que fazem uso efetivamente destas práticas. Outras pesquisas
apontam a falta de conhecimento de sua aplicação por parte de empresas e
profissionais e de sua integração com o processo de desenvolvimento de produtos
(LEAL & OLIVEIRA 2002; ALCÂNTARA, 2003; BARBOSA, 2003; MORAES,
2005; SANTOS, 2005; PIGOSSO, 2008; SILVA, 2009), como também pelo
surgimento quase frequente de novos métodos e ferramentas em detrimento da
compreensão e aperfeiçoamento das já existentes (PIGOSSO, 2008).
As ferramentas e práticas existentes podem ser aplicadas nas diferentes fases
do desenvolvimento de produtos e serviços e por meio da gestão de design,
podendo ser integradas de forma eficaz dentro dos processos. Verifica-se então
que por meio de um instrumento de diagnóstico que auxilie as empresas a
identificarem suas necessidades e apresente os procedimentos correspondentes,
seu uso poderá ser intensificado.
Outra possibilidade de obter vantagens competitivas e adequação aos
aspectos legais em relação às questões de sustentabilidade é por meio da
implantação de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Esse sistema deverá ser
adequado às características e cultura da empresa, considerando que os objetivos
esperados com esta mudança estarão relacionados a uma série de fatores de ordem
estratégico-operacionais, direcionados à aquisição de resultados econômicos e
sócio-ambientais e garantia de sobrevivência da organização num cenário em
constantes mudanças (VALLE, 2006; NASCIMENTO, LEMOS & MELLO,
2008).
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 81
Na seção que segue este tema é abordado, ponderando-se novas
considerações.
2.7 Gestão ambiental estratégica
A premissa básica da gestão ambiental é o comprometimento da alta
administração da empresa em definir uma política clara e objetiva que oriente as
atividades da organização em relação ao meio ambiente. Surgiu na década de
1990, com a entrada em vigor das normas internacionais de gestão ambiental, a
série ISO 14000. O Sistema de Gestão Ambiental consiste em um conjunto de
medidas e procedimentos que possibilitam reduzir e controlar os impactos gerados
no meio ambiente. Seu ciclo de atuação inicia-se desde a fase de concepção até a
eliminação efetiva dos resíduos gerados depois do produto implantado/ produzido
e durante seu funcionamento (VALLE, 2006) 71
.
Em 1984, com o intuito de promover instrução básica em ecologia,
visando mudar a forma de agir e pensar dos gestores de empresas e reduzir os
impactos gerados no ambiente por suas organizações foi fundado o Instituto
Elmwood, nos EUA, por Fritjof Capra. Foi desenvolvida a partir de então a
proposta de gestão ecológica ou ecomanagement, a fim de apontar como
estabelecer prioridades e como criar planos de ação para a implantação dessas
melhorias de maneira sistemática (NASCIMENTO, LEMOS & MELLO, 2008).
O foco do Instituto Elmwood está direcionado a três componentes: (1)
pensamento sistêmico, (2) conhecimento dos princípios da ecologia e (3) prática
dos valores ecológicos. É baseado nos princípios da ecologia profunda, aplicando
o pensamento sistêmico para a compreensão e solução dos problemas sociais,
econômicos e ambientais.
Neste sentido, a distinção entre gestão ambiental e gestão ecológica diz
respeito ao uso do termo “ecológico” de maneira ampla e profunda, de forma que
a gestão ecológica aplica o conceito de ecologia profunda. A síntese destas
diferenças é apresentada por Nascimento, Lemos e Mello (2008), conforme
Quadro 9:
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 82
Ambientalismo superficial Ecologia profunda
Aceita o paradigma mecanicista dominante. Envolve a mudança para uma visão holística e sistêmica do mundo.
É antropocêntrico. Encara os humanos como fonte de todo valor e atribui apenas valor de uso à natureza.
Reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e encara os humanos simplesmente como um determinado fio da teia da vida.
Tende a aceitar, por omissão, a ideologia do crescimento econômico ou a endossá-lo abertamente.
Substitui a ideologia do crescimento econômico pela ideia da sustentabilidade ecológica.
Quadro 9 – Distinção entre ambientalismo superficial e ecologia profunda. Fonte: Nascimento, Lemos e Mello, 2008.
Nascimento, Lemos e Mello (2008) destacam que para os defensores da
gestão ecológica, a gestão ambiental é uma abordagem defensiva e reativa; já a
gestão ecológica trata de uma abordagem ativa e criativa. Conforme os autores, o
reconhecimento de que os problemas ecológicos atuais não podem ser
compreendidos separadamente, mas que são problemas sistêmicos, interligados e
interdependentes, é o que proporcionará a mudança de uma gestão ambiental para
uma gestão ecológica.
Neste sentido Senge et al. (2009) também afirmam que é possível alinhar
as prioridades das organizações com „as forças em atuação no mundo‟, gerando
valor sustentável inclusive para os acionistas. Para isso é preciso refletir sobre a
criação de valor, ou seja, a contribuição da empresa tanto para acionistas como
para a sociedade, refletindo a necessidade de a empresa gerenciar os negócios no
presente, criando mercados e tecnologias para o futuro. Ao mesmo tempo, é
preciso concentrar o foco em operações básicas, mas manter-se aberto a novos
pontos de vista. Isto é destacado na Figura 10, que apresenta uma matriz de valor
desenvolvida por Stuart Hart e Mark Milstein (2003 apud Senge et al., 2009):
71
VALLE, C. E. Qualidade ambiental: ISO 14000. 6ª ed. rev. atualiz. São Paulo: Editora Senac
São Paulo, 2006.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 83
Figura 10 – Os quatro elementos do valor para os acionistas. Fonte: Senge et al. (2009).
Nascimento, Lemos e Mello (2008), destacam que esse novo pensamento
voltado às questões ambientais deva ser acompanhado por uma mudança de
valores: passar da expansão para a conservação, da quantidade para a qualidade,
da dominação para a parceria, constituindo um novo paradigma. Pela filosofia
fundamentada pela gestão ecológica, o impacto de operações de uma organização
não terá melhoria significativa se a organização não passar por uma mudança
radical em sua cultura organizacional, ou seja, uma mudança de paradigma.
Com isso, também é destacado por Senge et al. (2009) que a
sustentabilidade como criação de valor para os acionistas trata-se de um desafio
multidimensional. Isso é representado pela Matriz de Valor Sustentável, também
desenvolvida por Hart e Milstein e que inclui desafios sociais e ambientais que
atualmente se defrontam com as empresas. Os autores destacam ainda que muitos
gestores não conseguem visualizar estes valores sustentáveis por falta de
percepção de suas ligações com os objetivos das empresas:
A apatia dos gestores e dos funcionários em relação às iniciativas da empresa na
área de sustentabilidade tende a resultar da falta de percepção de suas ligações com os objetivos de negócios. Em consequência, essas iniciativas geralmente são
avulsas, reativas e não integradas com a missão básica e com os planos de negócios
da empresa (SENGE et al., 2009:121-122).
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 84
Esse referencial facilita uma visão integrada das atividades da organização,
apontando de que forma trabalhar para gerar e preservar valor, simplificando a
tomada de decisões estratégicas. A Matriz de Valor Sustentável (Figura 11)
auxilia na classificação das forças que empurram as empresas para a economia
regenerativa, criando condições para compreender melhor como as práticas
sustentáveis se relacionam diretamente com as estratégias empresariais (ibidem).
Figura 11 – Matriz de Valor Sustentável. Fonte: Senge et.al. (2009).
Segundo Senge et al. (2009), para muitas empresas o modelo de valor
sustentável é uma ferramenta que desdobra as questões de sustentabilidade em
partes menores e factíveis. Além disso, amplia o conceito de sustentabilidade para
além da visão básica de impacto ambiental, risco e redução de custos e cria uma
nova abordagem da criação de valor baseada no conceito de sustentabilidade
como objetivo central e não apenas “acessório”. Desta forma, considera a questão
estrategicamente, sugerindo que quanto maior a variedade de quadrantes usada
pelas empresas como estratégia, maior será a criação de valor. Portanto, a direção
de crescimento tomada pela empresa irá impulsionar na criação de valor
sustentável, fornecendo recursos para se diferenciar das demais. Os vetores da
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 85
sustentabilidade criarão novas necessidades insatisfeitas, o que possibilitará aos
líderes definir as estratégias para atender a essas necessidades.
Avaliando-se esta matriz, apesar de apontar uma nova criação de valor,
apresenta-se ainda de forma incompleta, pois não aponta como vetores externos
de “hoje” as normas internacionais ou a mudança de paradigma, representando
apenas uma matriz que gera valor aos acionistas.
2.8 Discussão
Foi possível constatar que a ideia de um mundo finito não foi considerada
com a expansão da era industrial. Também não se pode negar a influência do
capitalismo sobre a produção do design, reconhecendo que existe uma economia
política do consumo, na qual estamos ligados a altos níveis de aquisição de bens
materiais. Aparentemente, mesmo com a evidência da necessidade de uma
mudança de comportamento em relação à questão ambiental, ainda não estamos
dispostos a deixar de lado os benefícios e conforto adquiridos. Porém, pelos dados
apresentados observa-se que as necessidades do mundo atual suscitam por uma
nova realidade.
A questão ambiental e o ecodesign já tiveram um caráter ideológico e
político, porém atualmente constata-se que essas demandas assumem mais um
caráter paradigmático. Essa alteração da abordagem sobre o meio ambiente já foi
entendida por vários autores em grande parte das sociedades modernas.
Anteriormente a sociedade ocidental tinha uma visão rígida e
antropocêntrica sobre a relação homem/natureza, em que os seres humanos eram
considerados seres superiores e diferenciados do resto da natureza; como já
destacado, acreditava-se no crescimento econômico ilimitado e nos recursos
infinitos, além de considerar a ciência e a tecnologia como solucionadoras de
todos os problemas. Esse era o Paradigma Social Dominante (PSD). Segundo
Silva Filho (2007) 72
, Herman Daly propôs a existência de um “novo paradigma
sócio-econômico”, interpretando o conceito de paradigma científico de Thomas
72 SILVA FILHO, J. C. L. Medindo uma Nova Percepção do Meio Ambiente: A Escala do
“Novo Paradigma Ecológico”, 2007. Disponível em: <http://www.revistaea.org/artigo.php?
idartigo=505&class=21>. Acesso em: 10 de dez. 2009.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 86
Kuhn para a economia política – „um paradigma são modelos que os membros de
uma comunidade partilham‟. Mais tarde, outros autores consideraram como uma
consequência dessa reflexão a criação de um novo paradigma socioambiental,
destacando o papel do meio ambiente na nova interpretação econômica. Foi
inicialmente chamado de Novo Paradigma Ambiental (NPA) e posteriormente de
Novo Paradigma Ecológico (NPE), contrapondo-se ao paradigma vigente. Esse
novo paradigma decorria da ideia de que o homem é condicionado pelo meio
biofísico, como os demais seres vivos, e que as fontes naturais são delicadas e
restritas, limitando a possibilidade de crescimento humano e alegando que seu
esforço para sobrepor a natureza pode levar a graves problemas para toda a
humanidade.
Portanto, conclui-se que não cabe mais adotar questões ecológicas como
ideologia para o design, mas sim discutir a abordagem da sustentabilidade como
um novo paradigma que, conforme Thackara (2008), procura versar sobre a
passagem de uma civilização do desperdício e do consumo para uma civilização
da conscientização e da ação.
Os saberes relacionados a questões ambientais e ecológicas devem ser
aplicados pelo profissional de design e por outros profissionais que trabalham
com desenvolvimento de produtos e serviços. Estes profissionais devem ter
conhecimento tal, capaz de discernir as ferramentas de projeto que fazem a
relação destes conhecimentos e de possibilitar uma visão macro do impacto
ambiental, permitindo uma amplitude de possibilidades em um novo projeto.
Vale ressaltar que o desenvolvimento de produtos industriais deve
considerar a abordagem da sustentabilidade, desenvolvendo produtos que
produzam menor impacto em sua fabricação, uso e descarte, além de visar a
redução de custos tanto para a empresa como para os consumidores. Deve
procurar também por soluções não só em produtos, mas desenvolvendo sistemas e
serviços que procurem modificar a vida das pessoas.
O design para a sustentabilidade não deve ser visto como uma proposta
audaciosa, que irá solucionar os problemas ambientais que assolam o planeta, e
nem será eficaz se praticado apenas por designers, mas deve ser considerada uma
abordagem que permite estar inserida no processo de desenvolvimento de
produtos. Por isso, é preciso repensar os conceitos produtivos, o sistema no qual
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 87
estamos inseridos, como também nossa postura como profissionais, usuários e
consumidores.
Sob este novo paradigma, Manzini e Vezzoli (2005) destacam que a
atividade do design deve unir o tecnicamente possível ao ecologicamente
necessário, criando “propostas culturais e socialmente aceitáveis". Por
conseguinte, a adoção de um design para a sustentabilidade deve considerar todos
os atores do tema, pensar futuros sustentáveis, trabalhar por meio das estratégias
necessárias e ter o designer como agente unificador.
É latente a necessidade de incorporar as questões sustentáveis relacionadas
ao meio ambiente para dentro das organizações de uma maneira mais “natural”.
Por isso, esse capítulo procurou apresentar argumentos para a inclusão da
sustentabilidade como estratégia empresarial, podendo ser trabalhada de diferentes
formas, dependendo do nível de atuação dos profissionais.
Pelas informações expostas é possível concluir que, embora algumas
abordagens sejam mais antigas, o conceito ainda é inédito para muitas
organizações, sendo entendida como uma atividade marginal. Sob este ponto de
vista, se os benefícios ambientais e sociais forem determinados apenas às custas
do desempenho econômico, a estratégia da empresa não será trabalhada sob os
patamares do desenvolvimento sustentável.
Verifica-se a necessidade de que o tema seja incorporado como parte da
estratégia da empresa e não apenas de maneira pontual nos projetos, exigindo
mudanças dentro das organizações que provoquem a busca por novos
conhecimentos e aprimoramento técnico. Como observado, o design tem potencial
para auxiliar esta tomada de decisão, sendo destacada também a gestão do design,
seus níveis de envolvimento dentro da empresa e como está inserida no cenário da
sustentabilidade.
Foram apresentadas algumas ferramentas e procedimentos que podem
auxiliar nesta transição. No entanto, vale ressaltar que para que seja efetiva, uma
mudança cultural não deve ocorrer apenas em um nível operacional, pois foi
possível averiguar que as ferramentas são complexas e precisam ser trabalhadas e
aplicadas por todos dentro da organização. Para que isso seja efetivo, fica clara a
necessidade do envolvimento da alta administração, para que o grupo decida que
ações tomar a um nível estratégico.
O design e sua gestão no cenário da sustentabilidade 88
Pela análise do conteúdo apresentado, vê-se que os métodos discutidos já
são aplicados em diferentes organizações, porém são observadas lacunas na
aplicação destes procedimentos. Observa-se que as práticas encontradas na
bibliografia não apresentam de forma objetiva como mensurar e aplicar uma
gestão sustentável nas empresas, muito menos é possível para as corporações
identificarem seus pontos fracos e fortes com relação a esta abordagem. Isso
impossibilita um planejamento estratégico que aborde de maneira eficaz a
sustentabilidade na cultura da empresa.
Portanto, o desenvolvimento de um modelo de diagnóstico que permita às
empresas definir seu estágio de posicionamento em relação ao design à
sustentabilidade contribuirá com as definições estratégicas voltadas a estes
aspectos e com o desempenho ambiental destas organizações.
Para viabilizar o estudo foi feito um recorte no setor industrial brasileiro, de
forma que no próximo capítulo é avaliada a indústria da mobilidade urbana, um
dos segmentos responsáveis pelos atuais impactos gerados ao meio ambiente,
considerando-se uma posterior avaliação no setor.