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2 Revisão bibliográfica A revisão bibliográfica abrange os seguintes temas: -O papel do carvão mineral na matriz energética brasileira; -A origem e classificação das cinzas de carvão mineral, com enfoque na cinza volante; -As formas de aproveitamento das cinzas volantes de carvão; -A relação das cinzas com o meio ambiente; -Os tipos de cal; -Os processos de estabilização de solos, bem como as reações solo-cal e o comportamento mecânico deste conjunto; -Pesquisas realizadas com solo e cinzas de carvão mineral; -Pesquisas realizadas com solo e cinzas de resíduos sólidos urbanos; -Conceitos sobre o ensaio de resistência ao cisalhamento direto. 2.1 Importância do carvão mineral na matriz energética brasileira O carvão mineral é um recurso natural não renovável, utilizado como combustível para geração de energia térmica. De acordo com Pinto (1971), as principais usinas termelétricas que utilizam o carvão mineral para tal finalidade estão situadas no sul do Brasil, onde se encontram as principais jazidas carboníferas do país. Dentre elas, podem-se citar a Termelétrica de Figueira no Norte do Paraná, a Sociedade Termelétrica de Capivari, em Santa Catarina, e as Termelétricas de Charqueada e Candiota, situadas no Rio Grande do Sul. Na Tabela 2.1, são apresentados o consumo de carvão e a produção de cinzas nestas usinas termelétricas.

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2 Revisão bibliográfica

A revisão bibliográfica abrange os seguintes temas:

-O papel do carvão mineral na matriz energética brasileira;

-A origem e classificação das cinzas de carvão mineral, com enfoque na

cinza volante;

-As formas de aproveitamento das cinzas volantes de carvão;

-A relação das cinzas com o meio ambiente;

-Os tipos de cal;

-Os processos de estabilização de solos, bem como as reações solo-cal e o

comportamento mecânico deste conjunto;

-Pesquisas realizadas com solo e cinzas de carvão mineral;

-Pesquisas realizadas com solo e cinzas de resíduos sólidos urbanos;

-Conceitos sobre o ensaio de resistência ao cisalhamento direto.

2.1 Importância do carvão mineral na matriz energética brasileira

O carvão mineral é um recurso natural não renovável, utilizado como

combustível para geração de energia térmica. De acordo com Pinto (1971), as

principais usinas termelétricas que utilizam o carvão mineral para tal finalidade

estão situadas no sul do Brasil, onde se encontram as principais jazidas

carboníferas do país. Dentre elas, podem-se citar a Termelétrica de Figueira no

Norte do Paraná, a Sociedade Termelétrica de Capivari, em Santa Catarina, e as

Termelétricas de Charqueada e Candiota, situadas no Rio Grande do Sul. Na

Tabela 2.1, são apresentados o consumo de carvão e a produção de cinzas nestas

usinas termelétricas.

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Tabela 2.1: Consumo de carvão e produção de cinzas nas usinas termelétricas do sul do Brasil (Abreu, 1990 apud Mallman, 1996).

Centrais termoelétricas Consumo de carvão

(anual) (ton)

Produção de cinza

(anual)

Pesada

(ton)

Volante

(ton)

Candiota (RS) 1.334.795 139.859 559.435

Charqueadas (RS) 321.682 95.873 113.765

São Jerônimo (RS) 157.696 63.072* -

Jorge Lacerda 1.266.696 152.000 354.675

Total (ton) 3.080.869 450.804 1.027.875

* A cinza pesada de São Jerônimo é do tipo escória.

A Figura 2.1 mostra a participação do carvão mineral na oferta interna de

energia no Brasil, de acordo com os dados do Balanço Energético Nacional de

2013, com base nos dados de 2012. Comparando com os dados de 2011 (Figura

2.2), pode-se observar uma pequena redução na participação das fontes de energia

renováveis, devido à menor oferta de energia hidráulica e de etanol. Esta redução

está quantificada na Figura 2.3.

Figura 2.1: Oferta interna de energia no Brasil com base nos dados de 2012 (EPE, 2013).

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Figura 2.2: Oferta interna de energia no Brasil com base nos dados de 2011 (EPE, 2013).

Figura 2.3: Participação de renováveis na matriz energética brasileira (EPE, 2013).

2.2 Origem e classificação das cinzas

As cinzas são formadas a partir do processo de combustão do carvão

mineral. Convém dizer que as características físico-químicas do carvão mineral,

bem como o tipo de cinza produzido na sua queima, dependem de sua origem

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geológica. Por exemplo, o carvão brasileiro apresenta elevado teor de matéria

orgânica em sua composição, responsável pela formação de resíduos; o que o

diferencia do carvão proveniente de outras regiões.

Após o processo de queima do carvão, cerca de 80% do material não

queimado, ou seja, obtido de uma combustão incompleta, é recuperado em

tubulações de exaustão de gás. Este material não queimado denomina-se cinza

volante ou cinza leve, que é constituída por partículas extremamente finas - 100%

menor que 0,15 mm.

Os 20% restantes correspondem à cinza pesada ou cinza de fundo, que

possui uma granulometria mais grossa e é coletada em um recipiente com água,

localizado abaixo da câmara de combustão. Quando uma dada quantidade de

cinza pesada se acumular no recipiente, ele é então removido através de um jato

de água de alta pressão e conduzido por um canal de limpeza para tanques de

disposição ou bacias de decantação (Farias, 2005). Este processo pode ser

observado na Figura 2.4.

Figura 2.4: Processo de queima do carvão mineral em usinas termelétricas (Farias, 2005).

Além dessas duas classificações, Rohde et al (2006) ainda cita um outro

tipo de cinzas que são as escórias/cinza grossa, originada no processo de

combustão do carvão em grelhas fixas e móveis, apresentando-se com

granulometria grosseira e altos teores de carbono.

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2.2.1 Cinza volante

A cinza volante ou fly ash é uma mistura heterogênea com propriedades

pozolânicas, cujas características físicas e químicas variam com a composição

química do carvão, a temperatura da combustão e o método de retirada, sendo

estes dois últimos responsáveis pela estrutura cristalina da cinza, que atribui a ela

suas características cimentantes. A norma NBR 12653 (1992) dita as

especificações dos mateeriais pozolânicos, definidos como sendo um material

silicoso ou sílico-aluminoso, que embora dotado de pouca ou nenhuma

capacidade de cimentação, na presença de umidade desenvolve reações químicas

com hidróxidos alcalinos e alcalinos terrosos à temperatura ambiente, a fim de

formar ou auxiliar na formação de compostos com propriedades cimentantes.

Segundo Rohde et al (2006), os elementos responsáveis pela atividade pozolânica

das cinzas são SiO2, Al2O3, Fe2O3, CaO, MgO, SO3, Na2O e K2O.

Em 1947, surgiram as primeiras tentativas da parte de comerciantes de

cinzas e da ASTM, de preparo das especificações de cinzas volantes para uso na

indústria do cimento. Em 1953, a ASTM criou um método de amostragem e

ensaios de cinzas volantes a serem utilizadas como aditivo no concreto de cimento

Portland. A norma ASTM C 618 (2008) apresenta as especificações para o uso da

cinza volante de carvão em concreto.

Têm sido muito utilizadas em pesquisas as cinzas volantes provenientes de

termelétricas da região sul do Brasil, como é o caso da presente pesquisa. A

composição química das cinzas desta região consiste em elevados teores de sílica,

alumina, óxido de ferro, óxido de cálcio, magnésio, sódio, potássio, dentre outros.

Quanto às características físicas, elas possuem uma granulometria de tamanho

silte ou areia, são materiais isentos de plasticidade e coesão, e sua densidade real

dos grãos tende a variar entre 2,05 e 2,2 g/cm³. Com relação à sua mineralogia,

elas são constituídas de material vítreo de natureza sílico-aluminosa, com a

presença de compostos cristalizados (Rohde et al, 2006).

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2.3 Aproveitamento das cinza volante de carvão mineral

Segundo Ceratti (1979), com o aumento da instalação de termelétricas

como usinas geradoras de energia, veio a primeira utilização de cinzas volantes

provenientes de termelétrica como agente cimentante do concreto em 1936, nos

EUA, onde foram construídos alguns quilômetros de parede de retenção ao redor

do lago Michigan.

Aos poucos, com a realização de pesquisas em todo o mundo, a cinza

volante tornou-se um material aplicado a diversos usos (ASTM D5759-12, 2005).

Nuñez (2007 apud Rosa, 2009) afirmam que, na década de 60, já se usavam

cinzas volantes estabilizadas na Inglaterra, França, Alemanha, na antiga URSS, na

Polônia e nas antigas Tchecoslováquia e Iugoslávia. Rohde et al (2006) relatam

que, de uma maneira geral, as formas de utilização das cinzas de carvão para fins

comerciais são divididas em três categorias principais: construção, fabricação e

estabilização, conforme especificado a seguir.

A construção é o setor que mais emprega subprodutos da combustão do

carvão. As cinzas podem ser aplicadas em concreto e argamassas; na fabricação

do cimento Portland pozolânico; em processos de estabilização sob pressão; em

aterros estruturais e sem funções estruturais como material de enchimento em

obra; em bases estabilizadas e solos modificados e estabilizados para rodovias; e

em pistas e edificações. Já na categoria fabricação, a cinza é empregada como

artefatos de cinza-cal, de cimento, ou artefatos cerâmicos.

No ramo da estabilização, a cinza volante pode ser utilizada para a

estabilização de resíduos tóxicos. Primeiramente, ela passa por um processo de

solidificação, ao ser misturada com água e produtos aglomerantes como cal e

cimento Portland. Desde então, é formada uma massa endurecida, com baixa

capacidade de produzir lixiviado, que é muito usada tanto para a estabilização de

resíduos inorgânicos, como para resíduos orgânicos.

No Brasil, o primeiro registro da utilização da cinza volante foi em 1964,

quando ela foi incorporada ao concreto, na construção da hidrelétrica de Jupiá,

para diminuir o calor de hidratação do concreto. Desde então, o emprego de cinzas

volantes já tem sido destinado a outras aplicações, como na fabricação de pré-

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moldados e em obras rodoviárias, contudo, a principal utilização tem sido na

indústria do cimento, como matéria-prima na fabricação do cimento Portland.

No âmbito da estabilização de solos, o emprego da cinza volante também é

amplo, tendo sido estudado por autores como Pinto (1971), Nardi (1975), Ceratti

(1979), Da Silva (1982), Mallmann (1996), Carraro (1997), Consoli (2001), Rosa

(2009), Lopes (2011) e Junior (2011).

Desse modo, conclui-se que a grande e crescente quantidade de resíduos

gerados, somada aos custos e riscos ambientais gerados pela disposição dos

mesmos, podem ser considerados agentes motivadores de estudos com foco no

aproveitamento das cinzas volantes para aplicações diversas.

2.4 Cinzas e meio ambiente

De acordo com a norma NBR 10004 (1984), os resíduos sólidos podem ser

classificados como perigosos, não-inertes e inertes. Para saber em que classe se

enquadra a cinza de carvão mineral, é necessário realizar ensaios de solubilização

e lixiviação, avaliando se as concentrações dos elementos químicos analisados

ultrapassam os valores de referência.

Segundo Mallmann (1996), com a crescente produção de cinzas nos países

que utilizam a queima de carvão como energia, passou a haver uma maior

preocupação no sentido de estudar os seus efeitos sobre o meio ambiente. O autor

cita em sua pesquisa estudos que foram realizados com este objetivo, como os de

Smith et al (1979), Kaakinen et al (1985) e Repetto (1988); e também destaca a

atuação de pesquisadores brasileiros para essa problemática, como Andrade e

Solari (1985), e Martins e Zanella (1990), que realizaram estudos dessa ordem na

Temelétrica de Candiota, no Rio Grande do Sul.

2.5 Cal

O processo de formação da cal se dá pela calcinação de rochas

carbonatadas cálcicas e magnesianas, a temperaturas próximas a 1000 °C. A cal

pode ser virgem ou hidratada, sendo a cal virgem classificada de acordo com o

óxido predominante (Silva, 2009):

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- cal virgem cálcica: com óxido de cálcio entre 100% e 90% do óxido total

presente;

- cal virgem magnesiana: com teores de óxido de cálcio variando entre

90% e 65% do óxido total presente;

- cal virgem dolomítica: com óxido de cálcio entre 65% e 58% do óxido

total presente.

A cal hidratada resulta da hidratação da cal virgem e também é classificada

conforme a cal virgem que lhe dá origem. A norma NBR 7175 (2003) apresenta

as especificações para a cal hidratada, expostas no capítulo seguinte.

As equaçõs eq. (2.1) e eq. (2.2) mostram as reações de formação da cal

virgem e da cal hidratada, respectivamente.

CaCO3 + calor ↔ CaO + CO2 eq. (2.1)

CaO + H2O ↔ Ca(OH)2 + calor eq. (2.2)

É importante destacar que a qualidade comercial da cal depende das

propriedades químicas do calcário e da qualidade da queima, devendo-se atentar

para a temperatura de calcinação utilizada e para o tempo em que o material é

exposto ao aquecimento (Nardi, 1975).

Dentre as aplicações que a cal possui no Brasil, as principais são na área

das indústrias (siderúrgicas, tinta, celulose, entre outras). Além disso, ela também

pode ser utilizada em processos de tratamento de águas potáveis e industriais, ou

de estabilização de solos como material cimentante. Guimarães (2002 apud Lopes,

2011) apresenta um resumo da composição média das cales comercializadas no

mercado brasileiro (Tabela 2.2).

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Tabela 2.2: Composição média das cales no mercado brasileiro (Guimarães, 2002 apud Lopes, 2011).

Tipo de cal

(%)

Cal virgem

cálcica (%)

Cal hidratada

cálcica (%)

Cal hidratada

dolomítica ou

magnesiana

(%)

Cal virgem

dolomítica ou

magnesiana

(%)

CaO 90-98 70-74 39-61 51-61

MgO 0,1-0,8 0,1-1,4 15-30 30-37

Insolúvel no

HCl 0,5-3,5 0,5-2,5 0,5-18,2 0,5-4,5

Fe2O3+Al2O3 0,2-1,0 0,2-0,8 0,2-1,5 0,2-1,0

Perda ao fogo 0,5-5,0 23-27 19-27 0,5-4,8

CO2 0,2-3,8 1,5-3,5 3,0-6,0 0,5-4,5

SO3 0,1-0,6 0,1-0,0 0,02-0,2 0,05-0,1

CaO+MgO base

de não volátil 96-98,5 76-99

MgO não

hidratado - 0,5-1,8 5-25 -

É importante destacar que, com base na norma NBR 5751 (1992), a

atividade pozolânica de materiais com cal, como as cinzas, pode ser determinada

por diversos métodos, que se baseiam na determinação da resistência à

compressão de argamassas ou na evolução do conteúdo de Ca(OH)2 no tempo.

Dentre esses métodos, pode-se citar o Método de Chapelle modificado, que

determina a reatividade do material pela sua capacidade de fixar cal quando

mantido em solução aquosa com óxido de cálcio. De forma simplificada, o

método consiste em manter em ebulição, durante 16 horas, uma mistura com 1 g

de CaO, 1 g de cinza e 250 g de água isenta de CO2. O resultado é expresso pela

quantidade de CaO fixada por grama de cinza pozolânica, e quanto maior a

fixação, mais reativo é o material.

2.6 Estabilização de solos

Villibor (1982) apud Santanna (1998) definem a estabilização de um solo

como sendo a alteração de qualquer propriedade do mesmo que melhore seu

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comportamento sob o ponto de vista de aplicação à engenharia. De acordo com

Medina e Motta (2004) apud Soliz (2007), as propriedades do solo que se visa

modificar no seu processo de estabilização são:

- a resistência ao cisalhamento, tornando-o menos sensível às mudanças

ambientais, como a umidade, e mais compatível com as cargas que a estrutura vai

absorver;

- a permeabilidade, aumentando-a ou diminuindo-a;

- a compressibilidade, reduzindo-a.

Para Guimarães (2002 apud Lopes, 2011), a estabilização dos solos pode

ser classificada em dois grupos:

- estabilização mecânica: abrange a correção da granulometria e

plasticidade, com adição ou subtração de certas quantidades das frações

constituintes, além da compactação;

- estabilização química: consiste de mistura com aditivos orgânicos ou

inorgânicos, como materiais betuminosos, resinas, compostos de fósforo, silicatos

de sódio, cal, cimento Portland, dentre outros, com posterior compactação.

Kézdi (1979) apud Vizcarra (2010) ressaltam que a escolha do melhor

método a ser adotado deve ser feita, considerando as propriedades do solo em sua

condição natural, as propriedades esperadas do solo estabilizado, e os efeitos no

solo após a estabilização.

No caso da estabilização mecânica, ela pode ocorrer através da

compactação ou da estabilização granulométrica. Segundo Santos et al (1995)

apud Lopes (2011), quando o solo é estabilizado por compactação, significa que,

pela aplicação de sucessivas cargas, a porosidade do solo é reduzida, ou seja, o

volume de vazios do solo diminui, levando a um aumento de resistência mecânica.

Já a estabilização mecânica por correção granulométrica envolve a mistura

do solo com um ou mais solos e/ou outros materiais, possibilitando a obtenção de

um novo produto com propriedades adequadas. Santanna (1998) afirma que a

combinação de materiais utilizada na mistura deve ser feita corretamente, de

modo que o produto final possua maior resistência às cargas, ao desgaste e à

erosão, estando adequado para aplicações de engenharia diversas.

No que se refere à estabilização química, ela consiste na adição de uma

determinada substância química ao solo, provocando uma reação química do

aditivo com os minerais do solo (fração coloidal), ou o preenchimento dos poros

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pelo produto da reação química do aditivo com a água. Nas misturas constituídas

por solo e cimento, e solo e cal, ocorre, inicialmente, uma reação físico-química,

onde os cátios Ca++ liberados pela hidratação do cimento reagem com a superfície

dos argilominerais, modificando o pH da solução eletrolítica. Posteriormente, a

rigidez da mistura sofre um acréscimo, devido aos produtos cimentantes oriundos

da reação pozolânica (Medina, 1987 apud Soliz, 2007).

Ainda segundo estes autores, após a mistura do solo com o agente

estabilizador, pode ou não ocorrer a formação da matriz contínua com o solo. Na

matriz contínua, o agente estabilizador preenche todos os poros, e as partículas de

solo ficam nela mergulhadas como se fossem um inerte de enchimento. Neste

caso, as propriedades do sistema são essencialmente as da matriz, havendo

predominância das propriedades mecânicas do estabilizador. Da mistura entre o

solo e o agente estabilizador, as reações resultantes podem ser físicas (variação de

temperatura, hidratação, evaporação, adsorção) ou químicas (troca catiônica,

precipiração, polimerização, oxidação, solução e carbonatação).

Sandroni & Consoli (2010) concluíram que não só a quantidade de

material cimentante regula o grau de cimentação de um solo estabilizado

quimicamente, atribuindo-lhe resistência, mas também fatores como a forma, a

densidade, a condição de cura, as condições de umidade, e as quantidades

existentes dos produtos reagentes, como a cal, desempenham papel relevante neste

processo.

2.6.1 Solo-cal

A combinação solo-cal é utilizada quando não se dispõe de um material

com características de resistência, deformabilidade e permeabilidade adequadas ao

projeto. Ela é comumente empregada na construção de estradas, sendo geralmente

utilizada como base ou sub-base de pavimentos. Além disso, a mistura solo-cal

também pode ser aplicada na proteção de taludes contra a erosão em obras

hidráulicas, e nas fundações de edificações de pequeno porte em solos com baixa

capacidade de suporte ou que apresentam baixa estabilidade volumétrica (Ingles

& Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).

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Segundo Pinto (1971), já foram realizadas muitas pesquisas com o

objetivo de identificar a melhor cal para processos de estabilização de solos.

Nelas, verificou-se que, em geral, a cal dolomítica produzia uma resistência cerca

de 30% maior do que a cal calcítica, contudo, na presença de certas cinzas

volantes, a cal calcítica produzia resistências maiores.

Nardi (1975) aponta que o óxido de cálcio (cal virgem) geralmente produz

melhores resistências no solo estabilizado, mas quase não é utilizado devido ao

seu potencial cáustico, apresentando periculosidade no seu manuseio.

No Brasil, a cal hidratada é a mais utilizada para a estabilização de solos,

sendo que as suas especificações estão presentes na norma NBR 7175 (2003).

A quantidade de cal necessária ao tratamento de solos pode ser arbitrada

de acordo com as características do solo a ser melhorado e as características

mecânicas desejadas na mistura, que dependem do tipo de tratamento que se

deseja. O tratamento do solo com cal pode ser por modificação ou estabilização

(Dias, 2004):

-modificação: o teor de cal adicionado ao solo é pequeno, apenas

suficiente para desenvolver as reações da fase rápida, sem desenvolver reações

lentas, cimentantes. Ocorrem redução da plasticidade, melhorias na

trabalhabilidade e aumento da resistência à defloculação e erosão;

-estabilização: o teor de cal adicionado ao solo é tal que além das reações

rápidas, as reações lentas possam ocorrer. Há um aumento definitivo da

resistência e rigidez do solo devido à ocorrência de reações pozolânicas.

A Tabela 2.3 apresenta um resumo da previsão da quantidade de cal a ser

adicionada para a estabilização em função do tipo de solo.

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Tabela 2.3: Previsão da quantidade de cal em função do tipo de solo (Ingles & Metcalf, 1972 apud Sandroni & Consoli, 2010).

Tipo de solo Teor de cal para

modificação (%)

Teor de cal para

estabilização (%)

Pedra finamente britada 2 a 4 Não recomendado

Pedregulho argiloso bem

graduado 1 a 3 ≥3

Areias Não recomendado Não recomendado

Argila arenosa Não recomendado ≥5

Argila siltosa 1 a 3 2 a 4

Argilas 1 a 3 3 a 8

Solo orgânico Não recomendado Não recomendado

Vale destacar que o tratamento de solos com cal não é eficiente em solos

altamente orgânicos, tampouco em solos com baixo ou nenhum teor de argila,

visto que o melhoramento das propriedades mecânicas é produzido pelas reações

entre a cal e os minerais argílicos, sendo o ganho de resistência diretamente

proporcional à quantidade de sílica disponível. Para Thompson (1966) apud Rosa

(2009), solos reativos são aqueles que, ao reagirem com a cal, sofrem um ganho

de resistência considerável, da ordem de 345 KN/m², após 28 dias de cura à

temperatura de 22,8 °C.

2.6.1.1 Reações solo-cal

Nóbrega (1985, apud Guimarães, 2006) relatam que a estabilização solo-

cal deve-se a dois tipos de ações: uma imediata, atribuída à troca catiônica e à

floculação-aglomeração; e outra a longo prazo, caracterizada pela carbonatação e

pelas reações pozolânicas, que proporcionam um aumento da resistência devido à

formação de produtos cimentantes.

A troca catiônica inicia o processo de estabilização rapidamente,

provocando mudanças na plasticidade do solo, além de pequenos aumentos na

resistência mecânica das misturas solo-cal, sendo seguida pela floculação e

aglomeração. Baseando-se nos autores Prusinski e Bhattacharja (1999, apud

Junior, 2011), para neutralizar a deficiência de carga na superfície do

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argilomineral, cátions e moléculas de água são atraídos para a superfície de

clivagem carregada negativamente, o que resulta na separação de duas camadas,

chamada de dupla camada difusa. Grim (1953) apud Thomé (1994) afirmam que,

assumindo igual concentração, a ordem de adsorção preferencial de cátions

comuns associados com os solos é dada pela seguinte série: Na+ < K+ < Ca2+ <

Mg2+ < Al3+, ou seja, cátions de menor valência são substituídos por cátions de

maior valência. Dessa forma, como a cal é uma fonte de cálcio livre, a sua adição

em quantidade suficiente cria uma concentração de íons Ca2+ que serão adsorvidos

na superfície dos argilominerais. A Figura 2.5 mostra este mecanismo.

Figura 2.5: Mecanismo de troca catiônica (Prusinski e Bhattacharja, 1999, apud Junior, 2011).

A floculação e aglomeração causam mudanças na textura da argila, uma

vez que sua estrutura é alterada de plana e paralela para uma orientação aleatória

de partículas (Prusinski e Bhattacharja, 1999 apud Junior, 2011). Segundo o relato

do TRB (1987, apud Junior, 2011), Herzog e Mitchell (1963) afirmaram que o

fenômeno da floculação é causado pelo aumento da concentração eletrolítica da

água intersticial, pelo alto pH e pela redução da espessura da dupla camada difusa,

através de trocas catiônicas.

A carbonatação ocorre quando o dióxido de carbono existente no ar ou em

água estagnada entra em contato com a matriz solo-cal e converte a cal novamente

em carbonato de cálcio, que é ineficiente na estabilização química de solos e

solubiliza na água ácida. Desse modo, a carbonatação consiste num processo

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indesejável, uma vez que reduz a quantidade de cal disponível no meio para

produzir reações pozolânicas (Sandroni & Consoli, 2010).

As reações pozolânicas ocorrem mediante a reação da sílica e alumina do

solo com a cal na presença de água, que tem a função de carregar os íons cálcio e

hidroxila para a superfície da argila. São constituintes de sílica e alumina os

argilominerais, quartzo, feldspato, micas e minerais silicosos ou alumino-

silicosos. Os íons hidroxila liberados da cal elevam o pH da mistura de modo que

a sílica e a alumina sejam dissolvidas da argila. Essas reações formarão géis de

silicatos que cobrem e ligam as partículas de argila, preenchendo os seus vazios.

Eles são cristalizados lentamente e transformados em silicatos hidratados de

cálcio bem definidos. Essas reações não cessarão enquanto houver hidróxido de

cálcio reagindo e sílica disponível no solo (Ingles e Metcalf, 1972 apud Junior,

2011). As reações presentes nas equações eq. (2.3), eq. (2.4) e eq. (2.5), e a Figura

2.6 mostram este processo.

Ca(OH)2 � Ca+2 + 2(OH)- eq. (2.3)

Ca+2 + 2(OH)- + SiO2 (sílica) � CSH (silicato de cálcio hidratado) eq. (2.4)

Ca+2 + 2(OH)- + Al2O3 (alumina) � CAH (aluminato de cálcio hidratado)eq. (2.5)

onde C=CaO; S=SiO2; A=Al2O3; H=H2O

Figura 2.6: Ingles e Metcalf (1972) apud Lopes (2011).

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As reações entre o solo e a cal sofrem a influência de fatores como

temperatura, tempo de cura e natureza dos materiais. Os fatores temperatura,

tempo de cura e teor de umidade variam de forma significativa durante o período

de cura. Lima et al (1993, apud Guimarães, 2006) apontam que, no período inicial

da cura, costuma ocorrer um acréscimo rápido da resistência do solo estabilizado,

no entanto, à medida que a cura progride, a velocidade de aumento da resistência

torna-se cada vez menor devido às reações pozolânicas, que fazem com que a

resistência aumente mesmo após alguns anos. Com relação à temperatura, ela

funciona como catalisador das reações, sendo o acréscimo da resistência

diretamente proporcional ao incremento da temperatura.

Quanto à natureza dos materiais envolvidos, pode-se dizer que a natureza

do solo é mais importante devido à sua mineralogia e textura. Há argilominerais

como a caulinita e a ilita que reagem de forma mais lenta com a cal e produzem

minerais menos diversificados (Nobrega, 1985 apud Guimarães, 2006).

2.6.1.2 Dosagem da cal

A dosagem da cal visa selecionar a quantidade de cal necessária a ser

adicionada ao solo, atribuindo-lhe resistência. Dentre os métodos utilizados, Rosa

(2009) cita:

- Método do pH (Eades & Grim, 1966): consiste na determinação do teor

mínimo de cal que produza um aumento no valor de pH para 12,4;

-Método do ICL (Initial Consumption of Lime): proposto por Rogers et al

(1997), é uma variação do método do pH, onde o teor mínimo de cal é aquele

onde o pH atinge um valor constante (máximo);

-Método do Lime Fixation Point (Hilt & Davidson, 1960): baseado no

limite de plasticidade, que determina o teor de cal máximo que proporciona

melhoria na trabalhabilidade, sem ganhos significativos de resistência;

-Método de Thompson (1966): define como reativo um solo que apresente

um aumento de resistência à compressão simples de pelo menos 345 kPa quando

estabilizado com cal.

De acordo com Lopes (2011), estudos de Eades & Grim de 1966

demonstraram que a porcentagem de cal obtida pelo método do pH não produz a

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máxima resistência à compressão nos solos tropicais e subtropicais, não

assegurando se a reação do solo com a cal produzirá um substancial aumento de

resistência, devendo ser usado apenas como referência.

Além desses métodos clássicos de dosagem de cal, um outro método

utilizado é a relação volume de vazios/volume de agente cimentante, utilizada na

previsão do comportamento mecânico de solos artificialmente cimentados. Esta

metodologia tem sido foco de inúmeras pesquisas; dentre elas Junior (2011) cita

as de Foppa (2005), Junior (2007), Consoli et al (2007, 2009a, 2009b),

Lautenschläger (2007), Righetto (2008), Cruz (2008), Rosa (2009), Sandroni &

Consoli (2010).

A primeira pesquisa a desenvolver esta metodologia foi a de Junior (2007),

que utilizou o conceito de que, dada uma variação no volume de vazios de uma

amostra, haveria uma variação proporcional no volume de cal para contrabalançar

a perda ou ganho de resistência.

2.6.1.3 Variáveis determinantes do comportamento de mistura solo-cal

Como dito anteriormente, a adição de cal a um solo argiloso provoca

alterações em algumas de suas propriedades físicas. Em geral, ocorrem melhoras

na plasticidade, trabalhabilidade e nas características de resistência e

permeabilidade. Essas alterações, por sua vez, dependem de diversos fatores como

tipo de solo, tipo e teor de cal, tipo e teor de cinza, efeito da densidade e energia

de compactação, período e condições de cura (Lovato, 2004).

No que se refere ao efeito da cal, a primeira resposta da mistura solo-cal

consiste na redução do índice de plasticidade, acompanhada de mudanças na

granulometria e melhoria na trabalhabilidade. A segunda resposta consiste no

ganho de resistência que ocorre através da cimentação das partículas (Ingles &

Metcalf et al, 1972 apud Junior, 2011).

De similar importância à quantidade de cal é a densidade na qual a mistura

é compactada. Com o aumento da densidade, a resistência aumenta, a

permeabilidade diminui até um valor mínimo, próximo da umidade ótima, e

depois começa a aumentar novamente (Ingles & Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).

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Segundo Lovato (2004), há relatos do TRB (1987) de que misturas solo-

cal apresentam menor massa específica aparente máxima do que o solo natural

para uma mesma energia de compactação. À medida que o teor de cal aumenta,

essa massa continua diminuindo e a umidade ótima tende a aumentar.

Quando adicionada cal, as partículas de solo tornam-se mais floculadas,

devido à substituição dos íons sódio monovalentes da argila por íons cálcio

divalentes. Com a floculação, a quantidade de vazios no solo aumenta, o que

significa um índice de vazios mais elevado, que provoca a redução da massa

específica aparente seca do solo. De forma análoga, com o aumento de vazios,

maior será a quantidade de água necessária para preenchê-los, o que resultará em

uma umidade ótima maior e, consequentemente, em uma curva de compactação

mais achatada (Sivapullaiah et al, 1998 apud Lovato, 2004).

Outro fator importante por reger o comportamento de misturas solo-cal é o

tempo de cura, visto que ele é fundamental para as reações pozolânicas. Ingles e

Metcalf (1972 apud Rosa, 2009) estudaram a influência do tempo de cura na

resistência de diferentes tipos de solo. A Figura 2.7 mostra os resultados deste

estudo, através do qual foi possível concluir que o pedregulho arenoso é o solo

que mais apresenta resistência quando submetido à cura, sendo o ganho de

resistência diretamente proporcional ao período de cura.

Figura 2.7: Efeito do tempo de cura sobre a resistência à compressão simples para alguns solos estabilizados com cal (Ingles & Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).

A adição de materiais pozolânicos ao solo, como a cinza volante, é outro

fator que auxilia nas reações com a cal, proporcionando à mistura ganhos de

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resistência consideráveis (ASTM C593-06, 2011). Consoli et al (2001) estudaram

a mistura de um solo arenoso tratado com cal de carbureto e cinza volante,

verificando que ela apresentou um desempenho considerável em termos da

resistência ao cisalhamento e deformabilidade.

Além dos fatores citados, ainda se pode destacar a influência do teor de

umidade e da relação água/cal. Quanto ao efeito do teor de umidade, estudos

realizados com solo-cal e solo-cinza-cal mostram que, em alguns casos, o teor de

umidade que proporciona máxima resistência e máxima durabilidade não é

necessariamente igual ao teor de umidade que é determinado no ensaio de

compactação e que gera a maior massa específica aparente seca, e sim um valor

levemente inferior ao teor ótimo (Consoli et al, 2001).

De acordo com Sandroni & Consoli (2010), Osinubi (1998) estudou a

influência do retardamento da compactação em misturas solo-cal, observando uma

redução na umidade ótima da mistura à medida que o tempo de espera entre a

mistura e a compactação aumenta. Isto pode ser atribuído às trocas catiônicas e à

floculação das partículas de argila que ocorrem simultaneamente, provocando a

redução de água disponível no sistema.

Quanto à proporção água/cal, o trabalho de Junior (2007) permitiu

verificar que não há relação entre ela e a resistência à compressão simples. Dessa

forma, para uma mistura composta por solo e cal, a relação água/cal não é a

melhor maneira de prever a resistência em solos não saturados, sendo a água

somente necessária para transportar íons cálcio e hidroxila para a superfície da

argila para que ocorram as reações químicas. Em contrapartida, segundo Consoli

et al (2004), para a estimativa da resistência de solos tratados com cimento, a

relação água/cal é eficaz.

2.6.1.4 Comportamento mecânico do solo-cal

A resistência de misturas solo-cal normalmente é avaliada através dos

ensaios de compressão simples, compressão triaxial e Índice de Suporte

Califórnia, e depende de variáveis como teor de cal, tipos de solo e cal, energia de

compactação, tempo e temperatura de cura, descritos anteriormente (TRB, 1987

apud Lovato, 2004).

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Segundo Ingles & Metcalf (1972 apud Rosa, 2009), geralmente, a

resistência à compressão simples aumenta linearmente com a quantidade de cal

até certo nível, da ordem de 8% para solos argilosos. A partir deste ponto, a taxa

de acréscimo de resistência diminui com a quantidade de cal, devido às misturas

solo-cal apresentarem uma cimentação lenta que dependerá do tipo de solo,

conforme mostra a Figura 2.8.

Figura 2.8: Efeito da quantidade de cal sobre a resistência à compressão simples para alguns solos tratados com cal e curados por 7 dias (Ingles e Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).

Com base em Sandroni & Consoli (2010), Ormsby e Kinter (1973)

verificaram a influência da composição química do solo na resistência adquirida.

Em solos ricos com caolinita, a adição de cal cálcica fornece ao solo maiores

resistências do que a dolomítica, sendo a resistência à compressão simples função

linear do teor de cal adicionado. Quando o principal argilomineral é a

montmorilonita, os melhores efeitos são obtidos na presença de cal dolomítica.

Vale ressaltar que na cal dolomítica a presença de magnésio reduz a quantidade de

cálcio necessária para as reações pozolânicas. Sendo assim, essa falta de cálcio

pode ser compensada pela dosagem de um maior teor de cal, como afirma

Bhattacharja (2003 apud Lovato, 2004).

Segundo Rosa (2009), o aumento da resistência à compressão simples de

misturas solo-cal com o aumento da energia de compactação foi verificado por

Mateos (1964), que afirmou que a resistência das misturas é fortemente

influenciada pela temperatura de cura, recomendando a construção de camadas de

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pavimento estabilizadas com cal no início do verão. Consoli et al (2001)

constataram em sua pesquisa que a energia de compactação influencia

sobremaneira na determinação da resistência mecânica de solos tratados com cal

de carbureto e cinza volante.

De acordo com Junior (2011), a resistência ao cisalhamento de um solo

fino reativo é representada por um aumento significativo da coesão, sendo o

aumento do ângulo de atrito bem menos expressivo. Thomé (1994), ao estabilizar

um solo classificado como gley húmico com 5, 7 e 9% de cal, obteve valores de

coesão e ângulo de atrito compreendidos entre 13,7 e 21,6 kPa, e 19,7° e 23,1°,

respectivamente, quando no início o solo natural tinha uma coesão de 6,1 kPa e

ângulo de atrito de 18,3°. Consoli et al (2001), ao verificarem o comportamento

de um solo silte-arenoso tratado com 4% de cal de carbureto, observaram um

acréscimo na coesão de 10 KN/m² para 42 KN/m², e um acréscimo no ângulo de

atrito de 35° para 38° em relação ao solo natural.

Quanto ao comportamento tensão-deformação de misturas solo-cal, a

mudança na deformabilidade de um solo fino reativo é marcante se as reações

pozolânicas já tiverem ocorrido. A tensão de ruptura aumenta significativamente

enquanto a deformação para ruptura diminui, revelando o comportamento frágil

deste tipo de mistura (Lopes, 2011). Consoli et al (2001), em seu estudo com

mistura solo-cinza-cal, observaram um comportamento frágil na ruptura e que a

deformação axial na ruptura diminui com a cimentação.

2.6.2 Solo-cinza volante de carvão

De acordo com Rohde et al (2006), a estabilização de solos com cinza

volante em misturas solo-cinza-cal teve suas primeiras aplicações nas décadas de

1920 e 1930. A adição de cinza volante a solos que inicialmente não seriam

adequados à estabilização com cal parte do princípio de que a adição de material

pozolânico, como a cinza volante, auxilia nos níveis de reação com a cal,

formando um composto com propriedades cimentantes.

Nardi, em 1975, afirmou que processos clássicos de estabilização de solos

costumam ser de difícil aplicação a solos mal graduados e uniformes desprovidos

de finos, como os solos arenosos. Isto se deve ao fato de que a uniformidade das

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partículas destes solos dificulta a cimentação, devido ao maior volume de vazios e

ao menor número de contatos entre os grãos de solo.

Quispe (2013) reafirma que solos arenosos, com escassez de argila

coloidal, não reagem satisfatoriamente à cal; dessa forma, uma das alternativas é

utilizar cimento, mas como este pode ser uma solução muito cara, costuma-se

utilizar a cinza volante, que possui a função de substituir a fração fina (argila) do

solo, reagindo com a cal através das reações pozolânicas.

Um dos trabalhos mais significativos realizados é o de Mateos (1961 apud

Pinto, 1971), que ensaiou e descreveu fatores que afetam a estabilização dos solos

representativos do Estado de IOWA, nos EUA, com cinzas volantes da região.

Dentre estes fatores, podem-se citar tipos de cal, cinza e solo; efeito de diferentes

proporções de cal e cinza; relações entre umidade, densidade e resistência; efeitos

da energia de compactação e da temperatura de cura; influência da adição de

aditivos químicos e da demora na compactação depois de a mistura ser

umedecida; testes de congelamento e degelo, dentre outros.

Pinto (1971) utilizou em sua pesquisa misturas de areia com cinza volante

(10%, 17,5%, 25%) e cal dolomítica hidratada (6%). Foram adotadas duas

energias de compactação e três idades de cura (7, 14 e 28 dias), e foi analisada a

influência da temperatura de cura (7°C, 23°C, 40°C e 60°C) para a mistura com

17,5% de cinza. Os ensaios de resistência à compressão simples mostraram que os

teores ótimos de cinza volante, necessários para a obtenção de resistências

elevadas, estariam entre 15% e 25%, ou 30%. Além disso, foi observado um

aumento da resistência com a energia de compactação e com o prolongamento do

tempo de cura para as misturas. Vale destacar que corpos de prova curados a

elevadas temperaturas atingiram, em poucos dias, resistências bem superiores aos

curados em muitos dias à temperatura ambiente.

Dando prosseguimento à pesquisa de Pinto (1971), Nardi (1975) realizou

um estudo, em laboratório, da estabilização de um solo arenoso misturado à cinza

volante (13%) e cal hidratada cálcica (4%), e verificou o efeito da adição de

cimento portland (1%) e de brita (30%) na resistência da mistura. Foram

realizados ensaios de resistência à compressão simples e à compressão diametral,

através dos quais foi constatado um crescimento linear da resistência com o

tempo, que não só depende do esforço de compactação, mas também das dosagens

das misturas.

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Mallmann (1996) verificou o comportamento mecânico e físico da

estabilização de cinzas volante e pesada com cal dolomítica hidratada e areia,

curadas pelos processos de cura autoclave (149 a 188°C) e câmara à temperatura

constante (21°C). Os resultados dos ensaios de resistência à compressão simples

mostraram que, para a cura em autoclave, a resistência aumentou em comparação

aos corpos de prova curados à temperatura constante, a 7, 14, 28 e 60 dias de cura.

Também se observou um aumento da resistência com o aumento da energia de

moldagem, devido ao maior número de reações pozolânicas desenvolvidas com a

aproximação das partículas. A proporção da quantidade de cal e cinza na mistura

influenciou sobremaneira nos resultados dos ensaios e, em termos estatísticos,

verificou-se que a energia de moldagem e o tempo de cura são os fatores que

apresentam os maiores efeitos sobre os resultados de resistência, para ambos os

processos de cura.

Consoli et al (2001) realizaram ensaios de compressão não confinada e

ensaios de compressão triaxial drenados de um solo arenoso melhorado com cal

carbonática e cinza volante, no intuito de avaliar o seu comportamento tensão-

deformação. As mudanças no comportamento da mistura foram observadas

imediatamente após a mistura e a compactação, e após 28 dias de cura. Além

disso, buscou-se analisar a influência do teor de umidade e do peso específico

seco no comportamento da mistura, testando amostras moldadas no teor de

umidade ótimo, no lado seco e no lado úmido da curva de compactação obtida. De

acordo com os resultados, a adição de cal carbonática provocou, inicialmente, um

aumento do ângulo de atrito e da coesão, sendo que a máxima rigidez triaxial

ocorreu para as amostras moldadas no lado seco, enquanto a resistência máxima

ocorreu no teor de umidade ótima. Após 28 dias, as reações pozolânicas

induziram a um comportamento frágil e aumentaram ainda mais a resistência de

pico e a rigidez, sendo que ambas ocorreram no lado seco da curva de

compactação.

Rosa (2009) quantificou a influência das variáveis quantidade de cal,

quantidade de cinza volante, porosidade e tempo de cura sobre a resistência de um

solo arenoso artificialmente cimentado, verificando a adequação do uso da relação

vazios-cal na estimativa da resistência à compressão simples destas misturas. Os

resultados demonstraram que o aumento da quantidade de cal e cinza volante, da

massa específica aparente seca e do tempo de cura provocou o aumento da sua

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resistência à compressão simples. Esta aumenta linearmente com o aumento da

quantidade da cal (3% até 9%) e exponencialmente com a redução da porosidade

das misturas, o que assegura a adequabilidade da relação vazios/cal na estimativa

da resistência. O ganho de resistência com o aumento da massa específica

aparente seca do material compactado e do teor de cinza volante indica que a

efetividade da cimentação é maior nas misturas mais compactas e com maior

porcentagem de cinza volante (0% até 25%), devido à ocorrência de reações

pozolânicas.

Lopes (2011) estudou a aplicabilidade das cinzas volante e de fundo em

camadas de base de pavimentos rodoviários, através da mistura destas cinzas a um

solo areno-siltoso não laterítico. Foram realizados ensaios de caracterização física,

química, mecânica, e ensaios de solubilização e lixiviação. Os teores de cinza de

fundo foram 30% e 40%, e da cinza volante foram 10% e 20%, relacionados ao

peso do solo seco. Também foram realizados ensaios com a adição de 3% de cal.

As análises mecanísticas-empíricas com os valores de módulo resiliente

mostraram que é viável a utilização de cinzas como aditivo ao solo para utilização

em base de pavimentos de baixo volume de tráfego. Os ensaios triaxiais de cargas

repetidas demonstraram que a tensão confinante é mais influente no solo estudado

e que este comportamento não muda com a adição das cinzas. As análises dos

resultados de módulo de resiliência comprovaram a influência dos fatores tipo e

teor de cinza, tempo de cura e cal no módulo de resiliência, que apresentou

melhores resultados nas misturas com cinza volante e cal.

Junior (2011) estudou a aplicabilidade da relação volume de

vazios/volume de cal na estimativa da resistência à compressão simples e triaxial

para um solo areno-argiloso misturado com cal e cinza volante. Para isso, foram

realizados ensaios de compressão simples e triaxial. A adição de cal (3% a 11%)

promoveu ganhos de resistência nas misturas solo-cal e solo-cinza-cal,

verificando-se um aumento não-linear da resistência à compressão simples com o

aumento da quantidade de cal. Além disso, verificou-se que, independentemente

da quantidade de cal adicionada, a resistência aumentou potencialmente com a

redução da porosidade da mistura compactada. Em contrapartida, a taxa de ganho

de resistência não alterou consideravelmente com o aumento da massa específica

aparente seca. Quanto à resistência à compressão triaxial, constatou-se que quanto

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maior a cimentação, tensão confinante efetiva de ensaio, tempo de cura; e quanto

menor a relação vazios/cal, maior a resistência obtida.

Consoli et al (2011) desenvolveram um estudo com o objetivo de

quantificar a influência do período de cura (28, 60 e 90 dias de cura), teor de cal

(3 a 9%) , teor de cinza volante (0, 12,5 e 25%) e porosidade na resistência de um

solo arenoso misturado com cinza volante e cal; assim como avaliar o uso da

relação porosidade/teor volumétrico de cal na estimativa da resistência à

compressão não confinada. De acordo com os resultados, concluiu-se que quanto

maior o teor de cinza volante e quanto maior o período de cura, maior é a

resistência à compressão não confinada para um dado teor de cal. Em todas as

misturas solo-cinza-cal, sob todos os períodos de cura, a resistência aumentou

exponencialmente com a redução da porosidade, o que mostra ser a relação

porosidade/teor volumétrico de cal um parâmetro satisfatório na avaliação da

resistência da mistura em estudo.

Em outro estudo, Consoli et al (2011) também quantificaram a influência

dos teores de cinza volante (12,5 e 25%) e cal (3, 5, 7 e 9%), do tempo de cura

(28, 60 e 90 dias) e da porosidade na resistência de uma mistura composta por

solo arenoso, cinza volante e cal, avaliando o uso da proporção vazios/cal na

estimativa da resistência à compressão não confinada. Os ensaios mostraram que a

resistência aumenta linearmente com o teor de cal para as misturas, e

exponencialmente com a redução da porosidade para todas as misturas estudadas,

sendo a relação vazios/cal um bom parâmetro na avaliação da resistência do solo

em estudo. Ainda se pode destacar que houve um aumento da resistência com o

aumento do período de cura. Para 90 dias de cura, foi observado um aumento de

38% na resistência das misturas, evidenciando que os efeitos dos teores de cal e

cinza volante, do peso específico seco e suas interações são estatisticamente

significantes para as misturas submetidas a este período de cura.

2.6.3 Solo-cinza de RSU

Pesquisas sobre a utilização de cinzas de resíduos sólidos urbanos (RSU)

em processos de estabilização de solos são recentes quando comparadas aos

estudos realizados com cinzas de carvão mineral, devido ao fato de o número de

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usinas termoelétricas de RSU ser menor do que as que utilizam carvão (Vizcarra,

2010). Contudo, o comportamento relatado sobre os seus mecanismos de

estabilização pode ser comparado aos das cinzas de carvão, desde que o RSU seja

composto principalmente por matéria orgânica. Pode-se dizer que o estudo deste

tipo de cinza tem sido motivado pelos mesmos princípios, de reaproveitamento de

resíduos, busca por materiais de construção não convencionais e preservação de

jazidas de materiais naturais.

Ferreira et al (2003 apud Quispe, 2010) relatam que a cinza volante de

RSU pode ser aplicável a rodovias como material substituto de areia e/ou cimento

para bases e sub-bases estabilizadas com cimento. Estes autores ainda comentam

que uma aplicação potencial para este tipo de cinza está na estabilização do solo,

como um substituto de cal ou cimento.

A seguir, serão descritas as pesquisas de Vizcarra (2010), Quispe (2013) e

Szeliga (2014), que utilizaram cinzas provenientes da incineração de resíduos

sólidos urbanos.

Na pesquisa de Vizcarra (2010), foram realizadas misturas das cinzas

volante e de fundo de RSU (20% e 40%) com um solo argiloso não laterítico

regional, com a finalidade de avaliar sua aplicabilidade em camadas de base de

pavimentos. Para tal, foram executados ensaios de caracterização química, física e

mecânica destas misturas, bem como o dimensionamento mecanístico para uma

estrurura típica de pavimento. Os resultados demonstraram que a inserção de

cinza volante e cura prévia da mistura dobram o valor do módulo resiliente,

resultando na diminuição da espessura da camada de base em comparação ao solo

puro, para um mesmo nível de carregamento e mesmos critérios de

dimensionamento. Os resultados obtidos foram satisfatórios, sendo dependentes

do teor e do tipo de cinza utilizados, destacando o emprego positivo da cinza

volante de RSU para aplicação em camadas de base de pavimentos rodoviários.

Quispe (2013) realizou um estudo com misturas de um solo coluvionar

argiloso com os teores de 20%, 30% e 40% de cinza volante e cinza de fundo, sob

30 e 60 dias de cura, com o objetivo de avaliar a aplicabilidade das mesmas para

obras geotécnicas. Foram então realizados ensaios de caracterização física,

química e mecânica (compactação Proctor Normal e ensaios triaxiais consolidados

isotropicamente drenados) destas misturas. Os resultados mostraram que todas as

misturas solo-cinza apresentaram melhores parâmetros de resistência em

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comparação ao solo puro, sendo que as misturas com cinza volante obtiveram os

melhores resultados. Em contrapartida, para maiores teores de cinza volante,

houve uma diminuição da coesão. Com relação ao tempo de cura, em geral, houve

melhora do comportamento das misturas solo-cinza em comparação ao obtido sem

cura. As misturas com 40% de cinza volante e 30% de cinza de fundo

apresentaram as melhores características de resistência, podendo ser aplicadas a

uma ampla gama de obras geotécnicas.

Na pesquisa de Szeliga (2014), foram realizados ensaios triaxiais de

misturas com solo arenoso, cal e teores de 30% e 40% de cinzas volante e de

fundo, a diferentes períodos de cura, a fim de avaliar a sua aplicação para obras

geotécnicas. Para ambos os tipos de cinza, verificou-se que os melhores resultados

obtidos ocorreram para 40% de cinza. Para as misturas com cal, não foi possível

se estabelecer um padrão com relação aos períodos de cura estudados, sendo o

melhor resultado obtido para a mistura com 27% de cinza, a 60 dias de cura. A

execução de ensaios com corpos de prova pré-moldados para esta mesma

porcentagem, no mesmo tempo de cura, permitiu concluir que a técnica de

moldagem interfere na resistência do material, uma vez que, ao utilizar corpos de

prova pré-moldados, os resultados obtidos tendem a ser melhores do que os com

corpos de prova sem ser moldados.

2.7 Resistência ao cisalhamento

A resistência ao cisalhamento do solo pode ser definida como a máxima

tensão de cisalhamento que o solo pode suportar sem sofrer a ruptura, ou como a

tensão cisalhante no plano em que a ruptura estiver ocorrendo. Gerscovich (2010)

afirma que a resistência ao cisalhamento de um solo é função de dois

componentes, o embricamento e a resistência entre as partículas, sendo este

último dividido em mais dois componentes, que são a coesão e o ângulo de atrito.

O embricamento consiste no trabalho necessário para movimentar a

partícula de forma ascendente. No caso de um solo denso, como o utilizado por

Benedetti (2011) em sua pesquisa, há uma força adicional para superar o

embricamento entra as partículas, levando à ocorrência de uma expansão

volumétrica durante o ensaio, chamada de dilatância.

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A coesão pode ser dividida em coesão aparente, resultante das pressões

capilares da água contida nos solos, e coesão verdadeira, oriunda de pequenas

atrações entre as partículas que dependem da natureza dos solos ou sedimentos.

Para solos ou sedimentos com granulometria fina, o ângulo de atrito aumenta com

a redução da plasticidade, e para solos granulares, o ângulo de atrito depende da

forma e aspereza dos grãos, e do fato de a amostra ser bem ou mal graduada.

Atualmente, existem diversos métodos para se determinar a resistência ao

cisalhamento de um solo, no entanto, os mais utilizados incluem o ensaio de

cisalhamento direto e o ensaio triaxial. Como na presente pesquisa foi realizado o

ensaio de cisalhamento direto, apenas este será enfocado.

2.7.1 Ensaio de resistência ao cisalhamento

O ensaio de cisalhamento direto permite a determinação da resistência ao

cisalhamento do solo através da obtenção dos parâmetros coesão e ângulo de

atrito. Durante o ensaio, uma tensão normal pré-definida é aplicada ao corpo de

prova, e uma tensão cisalhante, que irá provocar a ruptura, é continuamente

aplicada e verificada, obtendo-se, assim, a tensão cisalhante máxima suportada

pelo solo.

Os parâmetros coesão e ângulo de atrito são agrupados pelo critério de

Mohr-Coulomb, expresso na equação eq. (2.6), e graficamente na Figura 2.9.

� = �´ + �´��ø´ eq. (2.6)

onde

� é a tensão cisalhante efetiva em kPa;

�´é a tensão normal efetiva em kPa;

��ø´ é a tangente do ângulo de atrito interno;

c´ é a coesão aparente.

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Figura 2.9: Representação gráfica do critério de ruptura de Mohr-Coulomb.

Como vantagens, este ensaio é simples e apresenta facilidade de execução.

Como desvantagens, Das (2007) aponta o fato de a ruptura ocorrer ao longo de

um plano pré-determinado, o que não é relevante para determinados casos; e ainda

ressalta que este ensaio não permite um controle de drenagem do corpo de prova,

já que a caixa não possui um sistema de vedação adequado e eficiente.

Ainda segundo este autor, o ensaio de cisalhamento pode ser realizado

com tensão controlada ou com deformação controlada. Nos ensaios com tensão

controlada, a força de cisalhamento é aplicada em incrementos iguais até que o

corpo de prova sofra ruptura; já nos ensaios com deformação controlada, uma taxa

constante de deslocamento cisalhante é aplicada a uma metade da caixa por um

motor que atua por meio de engrenagens. A vantagem do segundo método é que,

no caso de uma areia compacta, a resistência ao cisalhamento de pico (na ruptura)

e a resistência ao cisalhamento inferior (no ponto após a ruptura, chamado de

resistência última) podem ser observadas graficamente. Além disso, este método

modela melhor as situações reais de campo. A Figura 2.10 apresenta um esquema

do equipamento de cisalhamento direto com deformação controlada, o qual será

utilizado na presente pesquisa.

Figura 2.10: Esquema do equipamento do ensaio de cisalhamento direto com deformação controlada (Gerscovich, 2010 apud Benedetti, 2011).

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2.8 Considerações finais

Na revisão bibliográfica do presente estudo, foi relatada a participação do

carvão mineral na matriz energética brasileira, bem como a descrição dos resíduos

oriundos do processo de combustão do carvão mineral, que consistem em dois

tipos de cinza, a volante e a de fundo. Como nesta pesquisa é estudada a cinza

volante, a revisão enfoca as áreas de aplicação deste material, que é muito

utilizado no setor de construção, na fabricação de cimento pozolânico, por

exemplo; além de ser empregado como agente estabilizante de solos, dentre outros

fins. Esta pesquisa também aborda os tipos de processos de estabilização de solos,

que podem ser químico ou mecânico; e os processos de tratamento do solo com a

cal, bem como as reações desencadeadas entre ambos e os fatores que influenciam

no comportamento da mistura solo-cal, como tipo de solo, teor de cal, tipo e teor

de cinza, efeito da densidade e energia de compactação e do tempo de cura.

Também são abordadas as pesquisas realizadas com a cinza volante, reforçando o

emprego positivo deste material em misturas com solo-cal, seja em obras

geotécnicas, seja como revestimento de base de pavimentos, contribuindo para

uma destinação ambientalmente correta deste material. É importante destacar que

por se tratar de um resíduo dotado de variações em sua constituição, é

imprescindível a realização de ensaios de caráter ambiental de modo a verificar a

aplicabilidade segura do mesmo.

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