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2 Revisão bibliográfica
A revisão bibliográfica abrange os seguintes temas:
-O papel do carvão mineral na matriz energética brasileira;
-A origem e classificação das cinzas de carvão mineral, com enfoque na
cinza volante;
-As formas de aproveitamento das cinzas volantes de carvão;
-A relação das cinzas com o meio ambiente;
-Os tipos de cal;
-Os processos de estabilização de solos, bem como as reações solo-cal e o
comportamento mecânico deste conjunto;
-Pesquisas realizadas com solo e cinzas de carvão mineral;
-Pesquisas realizadas com solo e cinzas de resíduos sólidos urbanos;
-Conceitos sobre o ensaio de resistência ao cisalhamento direto.
2.1 Importância do carvão mineral na matriz energética brasileira
O carvão mineral é um recurso natural não renovável, utilizado como
combustível para geração de energia térmica. De acordo com Pinto (1971), as
principais usinas termelétricas que utilizam o carvão mineral para tal finalidade
estão situadas no sul do Brasil, onde se encontram as principais jazidas
carboníferas do país. Dentre elas, podem-se citar a Termelétrica de Figueira no
Norte do Paraná, a Sociedade Termelétrica de Capivari, em Santa Catarina, e as
Termelétricas de Charqueada e Candiota, situadas no Rio Grande do Sul. Na
Tabela 2.1, são apresentados o consumo de carvão e a produção de cinzas nestas
usinas termelétricas.
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Tabela 2.1: Consumo de carvão e produção de cinzas nas usinas termelétricas do sul do Brasil (Abreu, 1990 apud Mallman, 1996).
Centrais termoelétricas Consumo de carvão
(anual) (ton)
Produção de cinza
(anual)
Pesada
(ton)
Volante
(ton)
Candiota (RS) 1.334.795 139.859 559.435
Charqueadas (RS) 321.682 95.873 113.765
São Jerônimo (RS) 157.696 63.072* -
Jorge Lacerda 1.266.696 152.000 354.675
Total (ton) 3.080.869 450.804 1.027.875
* A cinza pesada de São Jerônimo é do tipo escória.
A Figura 2.1 mostra a participação do carvão mineral na oferta interna de
energia no Brasil, de acordo com os dados do Balanço Energético Nacional de
2013, com base nos dados de 2012. Comparando com os dados de 2011 (Figura
2.2), pode-se observar uma pequena redução na participação das fontes de energia
renováveis, devido à menor oferta de energia hidráulica e de etanol. Esta redução
está quantificada na Figura 2.3.
Figura 2.1: Oferta interna de energia no Brasil com base nos dados de 2012 (EPE, 2013).
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Figura 2.2: Oferta interna de energia no Brasil com base nos dados de 2011 (EPE, 2013).
Figura 2.3: Participação de renováveis na matriz energética brasileira (EPE, 2013).
2.2 Origem e classificação das cinzas
As cinzas são formadas a partir do processo de combustão do carvão
mineral. Convém dizer que as características físico-químicas do carvão mineral,
bem como o tipo de cinza produzido na sua queima, dependem de sua origem
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geológica. Por exemplo, o carvão brasileiro apresenta elevado teor de matéria
orgânica em sua composição, responsável pela formação de resíduos; o que o
diferencia do carvão proveniente de outras regiões.
Após o processo de queima do carvão, cerca de 80% do material não
queimado, ou seja, obtido de uma combustão incompleta, é recuperado em
tubulações de exaustão de gás. Este material não queimado denomina-se cinza
volante ou cinza leve, que é constituída por partículas extremamente finas - 100%
menor que 0,15 mm.
Os 20% restantes correspondem à cinza pesada ou cinza de fundo, que
possui uma granulometria mais grossa e é coletada em um recipiente com água,
localizado abaixo da câmara de combustão. Quando uma dada quantidade de
cinza pesada se acumular no recipiente, ele é então removido através de um jato
de água de alta pressão e conduzido por um canal de limpeza para tanques de
disposição ou bacias de decantação (Farias, 2005). Este processo pode ser
observado na Figura 2.4.
Figura 2.4: Processo de queima do carvão mineral em usinas termelétricas (Farias, 2005).
Além dessas duas classificações, Rohde et al (2006) ainda cita um outro
tipo de cinzas que são as escórias/cinza grossa, originada no processo de
combustão do carvão em grelhas fixas e móveis, apresentando-se com
granulometria grosseira e altos teores de carbono.
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2.2.1 Cinza volante
A cinza volante ou fly ash é uma mistura heterogênea com propriedades
pozolânicas, cujas características físicas e químicas variam com a composição
química do carvão, a temperatura da combustão e o método de retirada, sendo
estes dois últimos responsáveis pela estrutura cristalina da cinza, que atribui a ela
suas características cimentantes. A norma NBR 12653 (1992) dita as
especificações dos mateeriais pozolânicos, definidos como sendo um material
silicoso ou sílico-aluminoso, que embora dotado de pouca ou nenhuma
capacidade de cimentação, na presença de umidade desenvolve reações químicas
com hidróxidos alcalinos e alcalinos terrosos à temperatura ambiente, a fim de
formar ou auxiliar na formação de compostos com propriedades cimentantes.
Segundo Rohde et al (2006), os elementos responsáveis pela atividade pozolânica
das cinzas são SiO2, Al2O3, Fe2O3, CaO, MgO, SO3, Na2O e K2O.
Em 1947, surgiram as primeiras tentativas da parte de comerciantes de
cinzas e da ASTM, de preparo das especificações de cinzas volantes para uso na
indústria do cimento. Em 1953, a ASTM criou um método de amostragem e
ensaios de cinzas volantes a serem utilizadas como aditivo no concreto de cimento
Portland. A norma ASTM C 618 (2008) apresenta as especificações para o uso da
cinza volante de carvão em concreto.
Têm sido muito utilizadas em pesquisas as cinzas volantes provenientes de
termelétricas da região sul do Brasil, como é o caso da presente pesquisa. A
composição química das cinzas desta região consiste em elevados teores de sílica,
alumina, óxido de ferro, óxido de cálcio, magnésio, sódio, potássio, dentre outros.
Quanto às características físicas, elas possuem uma granulometria de tamanho
silte ou areia, são materiais isentos de plasticidade e coesão, e sua densidade real
dos grãos tende a variar entre 2,05 e 2,2 g/cm³. Com relação à sua mineralogia,
elas são constituídas de material vítreo de natureza sílico-aluminosa, com a
presença de compostos cristalizados (Rohde et al, 2006).
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2.3 Aproveitamento das cinza volante de carvão mineral
Segundo Ceratti (1979), com o aumento da instalação de termelétricas
como usinas geradoras de energia, veio a primeira utilização de cinzas volantes
provenientes de termelétrica como agente cimentante do concreto em 1936, nos
EUA, onde foram construídos alguns quilômetros de parede de retenção ao redor
do lago Michigan.
Aos poucos, com a realização de pesquisas em todo o mundo, a cinza
volante tornou-se um material aplicado a diversos usos (ASTM D5759-12, 2005).
Nuñez (2007 apud Rosa, 2009) afirmam que, na década de 60, já se usavam
cinzas volantes estabilizadas na Inglaterra, França, Alemanha, na antiga URSS, na
Polônia e nas antigas Tchecoslováquia e Iugoslávia. Rohde et al (2006) relatam
que, de uma maneira geral, as formas de utilização das cinzas de carvão para fins
comerciais são divididas em três categorias principais: construção, fabricação e
estabilização, conforme especificado a seguir.
A construção é o setor que mais emprega subprodutos da combustão do
carvão. As cinzas podem ser aplicadas em concreto e argamassas; na fabricação
do cimento Portland pozolânico; em processos de estabilização sob pressão; em
aterros estruturais e sem funções estruturais como material de enchimento em
obra; em bases estabilizadas e solos modificados e estabilizados para rodovias; e
em pistas e edificações. Já na categoria fabricação, a cinza é empregada como
artefatos de cinza-cal, de cimento, ou artefatos cerâmicos.
No ramo da estabilização, a cinza volante pode ser utilizada para a
estabilização de resíduos tóxicos. Primeiramente, ela passa por um processo de
solidificação, ao ser misturada com água e produtos aglomerantes como cal e
cimento Portland. Desde então, é formada uma massa endurecida, com baixa
capacidade de produzir lixiviado, que é muito usada tanto para a estabilização de
resíduos inorgânicos, como para resíduos orgânicos.
No Brasil, o primeiro registro da utilização da cinza volante foi em 1964,
quando ela foi incorporada ao concreto, na construção da hidrelétrica de Jupiá,
para diminuir o calor de hidratação do concreto. Desde então, o emprego de cinzas
volantes já tem sido destinado a outras aplicações, como na fabricação de pré-
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moldados e em obras rodoviárias, contudo, a principal utilização tem sido na
indústria do cimento, como matéria-prima na fabricação do cimento Portland.
No âmbito da estabilização de solos, o emprego da cinza volante também é
amplo, tendo sido estudado por autores como Pinto (1971), Nardi (1975), Ceratti
(1979), Da Silva (1982), Mallmann (1996), Carraro (1997), Consoli (2001), Rosa
(2009), Lopes (2011) e Junior (2011).
Desse modo, conclui-se que a grande e crescente quantidade de resíduos
gerados, somada aos custos e riscos ambientais gerados pela disposição dos
mesmos, podem ser considerados agentes motivadores de estudos com foco no
aproveitamento das cinzas volantes para aplicações diversas.
2.4 Cinzas e meio ambiente
De acordo com a norma NBR 10004 (1984), os resíduos sólidos podem ser
classificados como perigosos, não-inertes e inertes. Para saber em que classe se
enquadra a cinza de carvão mineral, é necessário realizar ensaios de solubilização
e lixiviação, avaliando se as concentrações dos elementos químicos analisados
ultrapassam os valores de referência.
Segundo Mallmann (1996), com a crescente produção de cinzas nos países
que utilizam a queima de carvão como energia, passou a haver uma maior
preocupação no sentido de estudar os seus efeitos sobre o meio ambiente. O autor
cita em sua pesquisa estudos que foram realizados com este objetivo, como os de
Smith et al (1979), Kaakinen et al (1985) e Repetto (1988); e também destaca a
atuação de pesquisadores brasileiros para essa problemática, como Andrade e
Solari (1985), e Martins e Zanella (1990), que realizaram estudos dessa ordem na
Temelétrica de Candiota, no Rio Grande do Sul.
2.5 Cal
O processo de formação da cal se dá pela calcinação de rochas
carbonatadas cálcicas e magnesianas, a temperaturas próximas a 1000 °C. A cal
pode ser virgem ou hidratada, sendo a cal virgem classificada de acordo com o
óxido predominante (Silva, 2009):
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- cal virgem cálcica: com óxido de cálcio entre 100% e 90% do óxido total
presente;
- cal virgem magnesiana: com teores de óxido de cálcio variando entre
90% e 65% do óxido total presente;
- cal virgem dolomítica: com óxido de cálcio entre 65% e 58% do óxido
total presente.
A cal hidratada resulta da hidratação da cal virgem e também é classificada
conforme a cal virgem que lhe dá origem. A norma NBR 7175 (2003) apresenta
as especificações para a cal hidratada, expostas no capítulo seguinte.
As equaçõs eq. (2.1) e eq. (2.2) mostram as reações de formação da cal
virgem e da cal hidratada, respectivamente.
CaCO3 + calor ↔ CaO + CO2 eq. (2.1)
CaO + H2O ↔ Ca(OH)2 + calor eq. (2.2)
É importante destacar que a qualidade comercial da cal depende das
propriedades químicas do calcário e da qualidade da queima, devendo-se atentar
para a temperatura de calcinação utilizada e para o tempo em que o material é
exposto ao aquecimento (Nardi, 1975).
Dentre as aplicações que a cal possui no Brasil, as principais são na área
das indústrias (siderúrgicas, tinta, celulose, entre outras). Além disso, ela também
pode ser utilizada em processos de tratamento de águas potáveis e industriais, ou
de estabilização de solos como material cimentante. Guimarães (2002 apud Lopes,
2011) apresenta um resumo da composição média das cales comercializadas no
mercado brasileiro (Tabela 2.2).
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Tabela 2.2: Composição média das cales no mercado brasileiro (Guimarães, 2002 apud Lopes, 2011).
Tipo de cal
(%)
Cal virgem
cálcica (%)
Cal hidratada
cálcica (%)
Cal hidratada
dolomítica ou
magnesiana
(%)
Cal virgem
dolomítica ou
magnesiana
(%)
CaO 90-98 70-74 39-61 51-61
MgO 0,1-0,8 0,1-1,4 15-30 30-37
Insolúvel no
HCl 0,5-3,5 0,5-2,5 0,5-18,2 0,5-4,5
Fe2O3+Al2O3 0,2-1,0 0,2-0,8 0,2-1,5 0,2-1,0
Perda ao fogo 0,5-5,0 23-27 19-27 0,5-4,8
CO2 0,2-3,8 1,5-3,5 3,0-6,0 0,5-4,5
SO3 0,1-0,6 0,1-0,0 0,02-0,2 0,05-0,1
CaO+MgO base
de não volátil 96-98,5 76-99
MgO não
hidratado - 0,5-1,8 5-25 -
É importante destacar que, com base na norma NBR 5751 (1992), a
atividade pozolânica de materiais com cal, como as cinzas, pode ser determinada
por diversos métodos, que se baseiam na determinação da resistência à
compressão de argamassas ou na evolução do conteúdo de Ca(OH)2 no tempo.
Dentre esses métodos, pode-se citar o Método de Chapelle modificado, que
determina a reatividade do material pela sua capacidade de fixar cal quando
mantido em solução aquosa com óxido de cálcio. De forma simplificada, o
método consiste em manter em ebulição, durante 16 horas, uma mistura com 1 g
de CaO, 1 g de cinza e 250 g de água isenta de CO2. O resultado é expresso pela
quantidade de CaO fixada por grama de cinza pozolânica, e quanto maior a
fixação, mais reativo é o material.
2.6 Estabilização de solos
Villibor (1982) apud Santanna (1998) definem a estabilização de um solo
como sendo a alteração de qualquer propriedade do mesmo que melhore seu
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comportamento sob o ponto de vista de aplicação à engenharia. De acordo com
Medina e Motta (2004) apud Soliz (2007), as propriedades do solo que se visa
modificar no seu processo de estabilização são:
- a resistência ao cisalhamento, tornando-o menos sensível às mudanças
ambientais, como a umidade, e mais compatível com as cargas que a estrutura vai
absorver;
- a permeabilidade, aumentando-a ou diminuindo-a;
- a compressibilidade, reduzindo-a.
Para Guimarães (2002 apud Lopes, 2011), a estabilização dos solos pode
ser classificada em dois grupos:
- estabilização mecânica: abrange a correção da granulometria e
plasticidade, com adição ou subtração de certas quantidades das frações
constituintes, além da compactação;
- estabilização química: consiste de mistura com aditivos orgânicos ou
inorgânicos, como materiais betuminosos, resinas, compostos de fósforo, silicatos
de sódio, cal, cimento Portland, dentre outros, com posterior compactação.
Kézdi (1979) apud Vizcarra (2010) ressaltam que a escolha do melhor
método a ser adotado deve ser feita, considerando as propriedades do solo em sua
condição natural, as propriedades esperadas do solo estabilizado, e os efeitos no
solo após a estabilização.
No caso da estabilização mecânica, ela pode ocorrer através da
compactação ou da estabilização granulométrica. Segundo Santos et al (1995)
apud Lopes (2011), quando o solo é estabilizado por compactação, significa que,
pela aplicação de sucessivas cargas, a porosidade do solo é reduzida, ou seja, o
volume de vazios do solo diminui, levando a um aumento de resistência mecânica.
Já a estabilização mecânica por correção granulométrica envolve a mistura
do solo com um ou mais solos e/ou outros materiais, possibilitando a obtenção de
um novo produto com propriedades adequadas. Santanna (1998) afirma que a
combinação de materiais utilizada na mistura deve ser feita corretamente, de
modo que o produto final possua maior resistência às cargas, ao desgaste e à
erosão, estando adequado para aplicações de engenharia diversas.
No que se refere à estabilização química, ela consiste na adição de uma
determinada substância química ao solo, provocando uma reação química do
aditivo com os minerais do solo (fração coloidal), ou o preenchimento dos poros
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pelo produto da reação química do aditivo com a água. Nas misturas constituídas
por solo e cimento, e solo e cal, ocorre, inicialmente, uma reação físico-química,
onde os cátios Ca++ liberados pela hidratação do cimento reagem com a superfície
dos argilominerais, modificando o pH da solução eletrolítica. Posteriormente, a
rigidez da mistura sofre um acréscimo, devido aos produtos cimentantes oriundos
da reação pozolânica (Medina, 1987 apud Soliz, 2007).
Ainda segundo estes autores, após a mistura do solo com o agente
estabilizador, pode ou não ocorrer a formação da matriz contínua com o solo. Na
matriz contínua, o agente estabilizador preenche todos os poros, e as partículas de
solo ficam nela mergulhadas como se fossem um inerte de enchimento. Neste
caso, as propriedades do sistema são essencialmente as da matriz, havendo
predominância das propriedades mecânicas do estabilizador. Da mistura entre o
solo e o agente estabilizador, as reações resultantes podem ser físicas (variação de
temperatura, hidratação, evaporação, adsorção) ou químicas (troca catiônica,
precipiração, polimerização, oxidação, solução e carbonatação).
Sandroni & Consoli (2010) concluíram que não só a quantidade de
material cimentante regula o grau de cimentação de um solo estabilizado
quimicamente, atribuindo-lhe resistência, mas também fatores como a forma, a
densidade, a condição de cura, as condições de umidade, e as quantidades
existentes dos produtos reagentes, como a cal, desempenham papel relevante neste
processo.
2.6.1 Solo-cal
A combinação solo-cal é utilizada quando não se dispõe de um material
com características de resistência, deformabilidade e permeabilidade adequadas ao
projeto. Ela é comumente empregada na construção de estradas, sendo geralmente
utilizada como base ou sub-base de pavimentos. Além disso, a mistura solo-cal
também pode ser aplicada na proteção de taludes contra a erosão em obras
hidráulicas, e nas fundações de edificações de pequeno porte em solos com baixa
capacidade de suporte ou que apresentam baixa estabilidade volumétrica (Ingles
& Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).
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Segundo Pinto (1971), já foram realizadas muitas pesquisas com o
objetivo de identificar a melhor cal para processos de estabilização de solos.
Nelas, verificou-se que, em geral, a cal dolomítica produzia uma resistência cerca
de 30% maior do que a cal calcítica, contudo, na presença de certas cinzas
volantes, a cal calcítica produzia resistências maiores.
Nardi (1975) aponta que o óxido de cálcio (cal virgem) geralmente produz
melhores resistências no solo estabilizado, mas quase não é utilizado devido ao
seu potencial cáustico, apresentando periculosidade no seu manuseio.
No Brasil, a cal hidratada é a mais utilizada para a estabilização de solos,
sendo que as suas especificações estão presentes na norma NBR 7175 (2003).
A quantidade de cal necessária ao tratamento de solos pode ser arbitrada
de acordo com as características do solo a ser melhorado e as características
mecânicas desejadas na mistura, que dependem do tipo de tratamento que se
deseja. O tratamento do solo com cal pode ser por modificação ou estabilização
(Dias, 2004):
-modificação: o teor de cal adicionado ao solo é pequeno, apenas
suficiente para desenvolver as reações da fase rápida, sem desenvolver reações
lentas, cimentantes. Ocorrem redução da plasticidade, melhorias na
trabalhabilidade e aumento da resistência à defloculação e erosão;
-estabilização: o teor de cal adicionado ao solo é tal que além das reações
rápidas, as reações lentas possam ocorrer. Há um aumento definitivo da
resistência e rigidez do solo devido à ocorrência de reações pozolânicas.
A Tabela 2.3 apresenta um resumo da previsão da quantidade de cal a ser
adicionada para a estabilização em função do tipo de solo.
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Tabela 2.3: Previsão da quantidade de cal em função do tipo de solo (Ingles & Metcalf, 1972 apud Sandroni & Consoli, 2010).
Tipo de solo Teor de cal para
modificação (%)
Teor de cal para
estabilização (%)
Pedra finamente britada 2 a 4 Não recomendado
Pedregulho argiloso bem
graduado 1 a 3 ≥3
Areias Não recomendado Não recomendado
Argila arenosa Não recomendado ≥5
Argila siltosa 1 a 3 2 a 4
Argilas 1 a 3 3 a 8
Solo orgânico Não recomendado Não recomendado
Vale destacar que o tratamento de solos com cal não é eficiente em solos
altamente orgânicos, tampouco em solos com baixo ou nenhum teor de argila,
visto que o melhoramento das propriedades mecânicas é produzido pelas reações
entre a cal e os minerais argílicos, sendo o ganho de resistência diretamente
proporcional à quantidade de sílica disponível. Para Thompson (1966) apud Rosa
(2009), solos reativos são aqueles que, ao reagirem com a cal, sofrem um ganho
de resistência considerável, da ordem de 345 KN/m², após 28 dias de cura à
temperatura de 22,8 °C.
2.6.1.1 Reações solo-cal
Nóbrega (1985, apud Guimarães, 2006) relatam que a estabilização solo-
cal deve-se a dois tipos de ações: uma imediata, atribuída à troca catiônica e à
floculação-aglomeração; e outra a longo prazo, caracterizada pela carbonatação e
pelas reações pozolânicas, que proporcionam um aumento da resistência devido à
formação de produtos cimentantes.
A troca catiônica inicia o processo de estabilização rapidamente,
provocando mudanças na plasticidade do solo, além de pequenos aumentos na
resistência mecânica das misturas solo-cal, sendo seguida pela floculação e
aglomeração. Baseando-se nos autores Prusinski e Bhattacharja (1999, apud
Junior, 2011), para neutralizar a deficiência de carga na superfície do
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argilomineral, cátions e moléculas de água são atraídos para a superfície de
clivagem carregada negativamente, o que resulta na separação de duas camadas,
chamada de dupla camada difusa. Grim (1953) apud Thomé (1994) afirmam que,
assumindo igual concentração, a ordem de adsorção preferencial de cátions
comuns associados com os solos é dada pela seguinte série: Na+ < K+ < Ca2+ <
Mg2+ < Al3+, ou seja, cátions de menor valência são substituídos por cátions de
maior valência. Dessa forma, como a cal é uma fonte de cálcio livre, a sua adição
em quantidade suficiente cria uma concentração de íons Ca2+ que serão adsorvidos
na superfície dos argilominerais. A Figura 2.5 mostra este mecanismo.
Figura 2.5: Mecanismo de troca catiônica (Prusinski e Bhattacharja, 1999, apud Junior, 2011).
A floculação e aglomeração causam mudanças na textura da argila, uma
vez que sua estrutura é alterada de plana e paralela para uma orientação aleatória
de partículas (Prusinski e Bhattacharja, 1999 apud Junior, 2011). Segundo o relato
do TRB (1987, apud Junior, 2011), Herzog e Mitchell (1963) afirmaram que o
fenômeno da floculação é causado pelo aumento da concentração eletrolítica da
água intersticial, pelo alto pH e pela redução da espessura da dupla camada difusa,
através de trocas catiônicas.
A carbonatação ocorre quando o dióxido de carbono existente no ar ou em
água estagnada entra em contato com a matriz solo-cal e converte a cal novamente
em carbonato de cálcio, que é ineficiente na estabilização química de solos e
solubiliza na água ácida. Desse modo, a carbonatação consiste num processo
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indesejável, uma vez que reduz a quantidade de cal disponível no meio para
produzir reações pozolânicas (Sandroni & Consoli, 2010).
As reações pozolânicas ocorrem mediante a reação da sílica e alumina do
solo com a cal na presença de água, que tem a função de carregar os íons cálcio e
hidroxila para a superfície da argila. São constituintes de sílica e alumina os
argilominerais, quartzo, feldspato, micas e minerais silicosos ou alumino-
silicosos. Os íons hidroxila liberados da cal elevam o pH da mistura de modo que
a sílica e a alumina sejam dissolvidas da argila. Essas reações formarão géis de
silicatos que cobrem e ligam as partículas de argila, preenchendo os seus vazios.
Eles são cristalizados lentamente e transformados em silicatos hidratados de
cálcio bem definidos. Essas reações não cessarão enquanto houver hidróxido de
cálcio reagindo e sílica disponível no solo (Ingles e Metcalf, 1972 apud Junior,
2011). As reações presentes nas equações eq. (2.3), eq. (2.4) e eq. (2.5), e a Figura
2.6 mostram este processo.
Ca(OH)2 � Ca+2 + 2(OH)- eq. (2.3)
Ca+2 + 2(OH)- + SiO2 (sílica) � CSH (silicato de cálcio hidratado) eq. (2.4)
Ca+2 + 2(OH)- + Al2O3 (alumina) � CAH (aluminato de cálcio hidratado)eq. (2.5)
onde C=CaO; S=SiO2; A=Al2O3; H=H2O
Figura 2.6: Ingles e Metcalf (1972) apud Lopes (2011).
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As reações entre o solo e a cal sofrem a influência de fatores como
temperatura, tempo de cura e natureza dos materiais. Os fatores temperatura,
tempo de cura e teor de umidade variam de forma significativa durante o período
de cura. Lima et al (1993, apud Guimarães, 2006) apontam que, no período inicial
da cura, costuma ocorrer um acréscimo rápido da resistência do solo estabilizado,
no entanto, à medida que a cura progride, a velocidade de aumento da resistência
torna-se cada vez menor devido às reações pozolânicas, que fazem com que a
resistência aumente mesmo após alguns anos. Com relação à temperatura, ela
funciona como catalisador das reações, sendo o acréscimo da resistência
diretamente proporcional ao incremento da temperatura.
Quanto à natureza dos materiais envolvidos, pode-se dizer que a natureza
do solo é mais importante devido à sua mineralogia e textura. Há argilominerais
como a caulinita e a ilita que reagem de forma mais lenta com a cal e produzem
minerais menos diversificados (Nobrega, 1985 apud Guimarães, 2006).
2.6.1.2 Dosagem da cal
A dosagem da cal visa selecionar a quantidade de cal necessária a ser
adicionada ao solo, atribuindo-lhe resistência. Dentre os métodos utilizados, Rosa
(2009) cita:
- Método do pH (Eades & Grim, 1966): consiste na determinação do teor
mínimo de cal que produza um aumento no valor de pH para 12,4;
-Método do ICL (Initial Consumption of Lime): proposto por Rogers et al
(1997), é uma variação do método do pH, onde o teor mínimo de cal é aquele
onde o pH atinge um valor constante (máximo);
-Método do Lime Fixation Point (Hilt & Davidson, 1960): baseado no
limite de plasticidade, que determina o teor de cal máximo que proporciona
melhoria na trabalhabilidade, sem ganhos significativos de resistência;
-Método de Thompson (1966): define como reativo um solo que apresente
um aumento de resistência à compressão simples de pelo menos 345 kPa quando
estabilizado com cal.
De acordo com Lopes (2011), estudos de Eades & Grim de 1966
demonstraram que a porcentagem de cal obtida pelo método do pH não produz a
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máxima resistência à compressão nos solos tropicais e subtropicais, não
assegurando se a reação do solo com a cal produzirá um substancial aumento de
resistência, devendo ser usado apenas como referência.
Além desses métodos clássicos de dosagem de cal, um outro método
utilizado é a relação volume de vazios/volume de agente cimentante, utilizada na
previsão do comportamento mecânico de solos artificialmente cimentados. Esta
metodologia tem sido foco de inúmeras pesquisas; dentre elas Junior (2011) cita
as de Foppa (2005), Junior (2007), Consoli et al (2007, 2009a, 2009b),
Lautenschläger (2007), Righetto (2008), Cruz (2008), Rosa (2009), Sandroni &
Consoli (2010).
A primeira pesquisa a desenvolver esta metodologia foi a de Junior (2007),
que utilizou o conceito de que, dada uma variação no volume de vazios de uma
amostra, haveria uma variação proporcional no volume de cal para contrabalançar
a perda ou ganho de resistência.
2.6.1.3 Variáveis determinantes do comportamento de mistura solo-cal
Como dito anteriormente, a adição de cal a um solo argiloso provoca
alterações em algumas de suas propriedades físicas. Em geral, ocorrem melhoras
na plasticidade, trabalhabilidade e nas características de resistência e
permeabilidade. Essas alterações, por sua vez, dependem de diversos fatores como
tipo de solo, tipo e teor de cal, tipo e teor de cinza, efeito da densidade e energia
de compactação, período e condições de cura (Lovato, 2004).
No que se refere ao efeito da cal, a primeira resposta da mistura solo-cal
consiste na redução do índice de plasticidade, acompanhada de mudanças na
granulometria e melhoria na trabalhabilidade. A segunda resposta consiste no
ganho de resistência que ocorre através da cimentação das partículas (Ingles &
Metcalf et al, 1972 apud Junior, 2011).
De similar importância à quantidade de cal é a densidade na qual a mistura
é compactada. Com o aumento da densidade, a resistência aumenta, a
permeabilidade diminui até um valor mínimo, próximo da umidade ótima, e
depois começa a aumentar novamente (Ingles & Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).
44
Segundo Lovato (2004), há relatos do TRB (1987) de que misturas solo-
cal apresentam menor massa específica aparente máxima do que o solo natural
para uma mesma energia de compactação. À medida que o teor de cal aumenta,
essa massa continua diminuindo e a umidade ótima tende a aumentar.
Quando adicionada cal, as partículas de solo tornam-se mais floculadas,
devido à substituição dos íons sódio monovalentes da argila por íons cálcio
divalentes. Com a floculação, a quantidade de vazios no solo aumenta, o que
significa um índice de vazios mais elevado, que provoca a redução da massa
específica aparente seca do solo. De forma análoga, com o aumento de vazios,
maior será a quantidade de água necessária para preenchê-los, o que resultará em
uma umidade ótima maior e, consequentemente, em uma curva de compactação
mais achatada (Sivapullaiah et al, 1998 apud Lovato, 2004).
Outro fator importante por reger o comportamento de misturas solo-cal é o
tempo de cura, visto que ele é fundamental para as reações pozolânicas. Ingles e
Metcalf (1972 apud Rosa, 2009) estudaram a influência do tempo de cura na
resistência de diferentes tipos de solo. A Figura 2.7 mostra os resultados deste
estudo, através do qual foi possível concluir que o pedregulho arenoso é o solo
que mais apresenta resistência quando submetido à cura, sendo o ganho de
resistência diretamente proporcional ao período de cura.
Figura 2.7: Efeito do tempo de cura sobre a resistência à compressão simples para alguns solos estabilizados com cal (Ingles & Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).
A adição de materiais pozolânicos ao solo, como a cinza volante, é outro
fator que auxilia nas reações com a cal, proporcionando à mistura ganhos de
45
resistência consideráveis (ASTM C593-06, 2011). Consoli et al (2001) estudaram
a mistura de um solo arenoso tratado com cal de carbureto e cinza volante,
verificando que ela apresentou um desempenho considerável em termos da
resistência ao cisalhamento e deformabilidade.
Além dos fatores citados, ainda se pode destacar a influência do teor de
umidade e da relação água/cal. Quanto ao efeito do teor de umidade, estudos
realizados com solo-cal e solo-cinza-cal mostram que, em alguns casos, o teor de
umidade que proporciona máxima resistência e máxima durabilidade não é
necessariamente igual ao teor de umidade que é determinado no ensaio de
compactação e que gera a maior massa específica aparente seca, e sim um valor
levemente inferior ao teor ótimo (Consoli et al, 2001).
De acordo com Sandroni & Consoli (2010), Osinubi (1998) estudou a
influência do retardamento da compactação em misturas solo-cal, observando uma
redução na umidade ótima da mistura à medida que o tempo de espera entre a
mistura e a compactação aumenta. Isto pode ser atribuído às trocas catiônicas e à
floculação das partículas de argila que ocorrem simultaneamente, provocando a
redução de água disponível no sistema.
Quanto à proporção água/cal, o trabalho de Junior (2007) permitiu
verificar que não há relação entre ela e a resistência à compressão simples. Dessa
forma, para uma mistura composta por solo e cal, a relação água/cal não é a
melhor maneira de prever a resistência em solos não saturados, sendo a água
somente necessária para transportar íons cálcio e hidroxila para a superfície da
argila para que ocorram as reações químicas. Em contrapartida, segundo Consoli
et al (2004), para a estimativa da resistência de solos tratados com cimento, a
relação água/cal é eficaz.
2.6.1.4 Comportamento mecânico do solo-cal
A resistência de misturas solo-cal normalmente é avaliada através dos
ensaios de compressão simples, compressão triaxial e Índice de Suporte
Califórnia, e depende de variáveis como teor de cal, tipos de solo e cal, energia de
compactação, tempo e temperatura de cura, descritos anteriormente (TRB, 1987
apud Lovato, 2004).
46
Segundo Ingles & Metcalf (1972 apud Rosa, 2009), geralmente, a
resistência à compressão simples aumenta linearmente com a quantidade de cal
até certo nível, da ordem de 8% para solos argilosos. A partir deste ponto, a taxa
de acréscimo de resistência diminui com a quantidade de cal, devido às misturas
solo-cal apresentarem uma cimentação lenta que dependerá do tipo de solo,
conforme mostra a Figura 2.8.
Figura 2.8: Efeito da quantidade de cal sobre a resistência à compressão simples para alguns solos tratados com cal e curados por 7 dias (Ingles e Metcalf, 1972 apud Rosa, 2009).
Com base em Sandroni & Consoli (2010), Ormsby e Kinter (1973)
verificaram a influência da composição química do solo na resistência adquirida.
Em solos ricos com caolinita, a adição de cal cálcica fornece ao solo maiores
resistências do que a dolomítica, sendo a resistência à compressão simples função
linear do teor de cal adicionado. Quando o principal argilomineral é a
montmorilonita, os melhores efeitos são obtidos na presença de cal dolomítica.
Vale ressaltar que na cal dolomítica a presença de magnésio reduz a quantidade de
cálcio necessária para as reações pozolânicas. Sendo assim, essa falta de cálcio
pode ser compensada pela dosagem de um maior teor de cal, como afirma
Bhattacharja (2003 apud Lovato, 2004).
Segundo Rosa (2009), o aumento da resistência à compressão simples de
misturas solo-cal com o aumento da energia de compactação foi verificado por
Mateos (1964), que afirmou que a resistência das misturas é fortemente
influenciada pela temperatura de cura, recomendando a construção de camadas de
47
pavimento estabilizadas com cal no início do verão. Consoli et al (2001)
constataram em sua pesquisa que a energia de compactação influencia
sobremaneira na determinação da resistência mecânica de solos tratados com cal
de carbureto e cinza volante.
De acordo com Junior (2011), a resistência ao cisalhamento de um solo
fino reativo é representada por um aumento significativo da coesão, sendo o
aumento do ângulo de atrito bem menos expressivo. Thomé (1994), ao estabilizar
um solo classificado como gley húmico com 5, 7 e 9% de cal, obteve valores de
coesão e ângulo de atrito compreendidos entre 13,7 e 21,6 kPa, e 19,7° e 23,1°,
respectivamente, quando no início o solo natural tinha uma coesão de 6,1 kPa e
ângulo de atrito de 18,3°. Consoli et al (2001), ao verificarem o comportamento
de um solo silte-arenoso tratado com 4% de cal de carbureto, observaram um
acréscimo na coesão de 10 KN/m² para 42 KN/m², e um acréscimo no ângulo de
atrito de 35° para 38° em relação ao solo natural.
Quanto ao comportamento tensão-deformação de misturas solo-cal, a
mudança na deformabilidade de um solo fino reativo é marcante se as reações
pozolânicas já tiverem ocorrido. A tensão de ruptura aumenta significativamente
enquanto a deformação para ruptura diminui, revelando o comportamento frágil
deste tipo de mistura (Lopes, 2011). Consoli et al (2001), em seu estudo com
mistura solo-cinza-cal, observaram um comportamento frágil na ruptura e que a
deformação axial na ruptura diminui com a cimentação.
2.6.2 Solo-cinza volante de carvão
De acordo com Rohde et al (2006), a estabilização de solos com cinza
volante em misturas solo-cinza-cal teve suas primeiras aplicações nas décadas de
1920 e 1930. A adição de cinza volante a solos que inicialmente não seriam
adequados à estabilização com cal parte do princípio de que a adição de material
pozolânico, como a cinza volante, auxilia nos níveis de reação com a cal,
formando um composto com propriedades cimentantes.
Nardi, em 1975, afirmou que processos clássicos de estabilização de solos
costumam ser de difícil aplicação a solos mal graduados e uniformes desprovidos
de finos, como os solos arenosos. Isto se deve ao fato de que a uniformidade das
48
partículas destes solos dificulta a cimentação, devido ao maior volume de vazios e
ao menor número de contatos entre os grãos de solo.
Quispe (2013) reafirma que solos arenosos, com escassez de argila
coloidal, não reagem satisfatoriamente à cal; dessa forma, uma das alternativas é
utilizar cimento, mas como este pode ser uma solução muito cara, costuma-se
utilizar a cinza volante, que possui a função de substituir a fração fina (argila) do
solo, reagindo com a cal através das reações pozolânicas.
Um dos trabalhos mais significativos realizados é o de Mateos (1961 apud
Pinto, 1971), que ensaiou e descreveu fatores que afetam a estabilização dos solos
representativos do Estado de IOWA, nos EUA, com cinzas volantes da região.
Dentre estes fatores, podem-se citar tipos de cal, cinza e solo; efeito de diferentes
proporções de cal e cinza; relações entre umidade, densidade e resistência; efeitos
da energia de compactação e da temperatura de cura; influência da adição de
aditivos químicos e da demora na compactação depois de a mistura ser
umedecida; testes de congelamento e degelo, dentre outros.
Pinto (1971) utilizou em sua pesquisa misturas de areia com cinza volante
(10%, 17,5%, 25%) e cal dolomítica hidratada (6%). Foram adotadas duas
energias de compactação e três idades de cura (7, 14 e 28 dias), e foi analisada a
influência da temperatura de cura (7°C, 23°C, 40°C e 60°C) para a mistura com
17,5% de cinza. Os ensaios de resistência à compressão simples mostraram que os
teores ótimos de cinza volante, necessários para a obtenção de resistências
elevadas, estariam entre 15% e 25%, ou 30%. Além disso, foi observado um
aumento da resistência com a energia de compactação e com o prolongamento do
tempo de cura para as misturas. Vale destacar que corpos de prova curados a
elevadas temperaturas atingiram, em poucos dias, resistências bem superiores aos
curados em muitos dias à temperatura ambiente.
Dando prosseguimento à pesquisa de Pinto (1971), Nardi (1975) realizou
um estudo, em laboratório, da estabilização de um solo arenoso misturado à cinza
volante (13%) e cal hidratada cálcica (4%), e verificou o efeito da adição de
cimento portland (1%) e de brita (30%) na resistência da mistura. Foram
realizados ensaios de resistência à compressão simples e à compressão diametral,
através dos quais foi constatado um crescimento linear da resistência com o
tempo, que não só depende do esforço de compactação, mas também das dosagens
das misturas.
49
Mallmann (1996) verificou o comportamento mecânico e físico da
estabilização de cinzas volante e pesada com cal dolomítica hidratada e areia,
curadas pelos processos de cura autoclave (149 a 188°C) e câmara à temperatura
constante (21°C). Os resultados dos ensaios de resistência à compressão simples
mostraram que, para a cura em autoclave, a resistência aumentou em comparação
aos corpos de prova curados à temperatura constante, a 7, 14, 28 e 60 dias de cura.
Também se observou um aumento da resistência com o aumento da energia de
moldagem, devido ao maior número de reações pozolânicas desenvolvidas com a
aproximação das partículas. A proporção da quantidade de cal e cinza na mistura
influenciou sobremaneira nos resultados dos ensaios e, em termos estatísticos,
verificou-se que a energia de moldagem e o tempo de cura são os fatores que
apresentam os maiores efeitos sobre os resultados de resistência, para ambos os
processos de cura.
Consoli et al (2001) realizaram ensaios de compressão não confinada e
ensaios de compressão triaxial drenados de um solo arenoso melhorado com cal
carbonática e cinza volante, no intuito de avaliar o seu comportamento tensão-
deformação. As mudanças no comportamento da mistura foram observadas
imediatamente após a mistura e a compactação, e após 28 dias de cura. Além
disso, buscou-se analisar a influência do teor de umidade e do peso específico
seco no comportamento da mistura, testando amostras moldadas no teor de
umidade ótimo, no lado seco e no lado úmido da curva de compactação obtida. De
acordo com os resultados, a adição de cal carbonática provocou, inicialmente, um
aumento do ângulo de atrito e da coesão, sendo que a máxima rigidez triaxial
ocorreu para as amostras moldadas no lado seco, enquanto a resistência máxima
ocorreu no teor de umidade ótima. Após 28 dias, as reações pozolânicas
induziram a um comportamento frágil e aumentaram ainda mais a resistência de
pico e a rigidez, sendo que ambas ocorreram no lado seco da curva de
compactação.
Rosa (2009) quantificou a influência das variáveis quantidade de cal,
quantidade de cinza volante, porosidade e tempo de cura sobre a resistência de um
solo arenoso artificialmente cimentado, verificando a adequação do uso da relação
vazios-cal na estimativa da resistência à compressão simples destas misturas. Os
resultados demonstraram que o aumento da quantidade de cal e cinza volante, da
massa específica aparente seca e do tempo de cura provocou o aumento da sua
50
resistência à compressão simples. Esta aumenta linearmente com o aumento da
quantidade da cal (3% até 9%) e exponencialmente com a redução da porosidade
das misturas, o que assegura a adequabilidade da relação vazios/cal na estimativa
da resistência. O ganho de resistência com o aumento da massa específica
aparente seca do material compactado e do teor de cinza volante indica que a
efetividade da cimentação é maior nas misturas mais compactas e com maior
porcentagem de cinza volante (0% até 25%), devido à ocorrência de reações
pozolânicas.
Lopes (2011) estudou a aplicabilidade das cinzas volante e de fundo em
camadas de base de pavimentos rodoviários, através da mistura destas cinzas a um
solo areno-siltoso não laterítico. Foram realizados ensaios de caracterização física,
química, mecânica, e ensaios de solubilização e lixiviação. Os teores de cinza de
fundo foram 30% e 40%, e da cinza volante foram 10% e 20%, relacionados ao
peso do solo seco. Também foram realizados ensaios com a adição de 3% de cal.
As análises mecanísticas-empíricas com os valores de módulo resiliente
mostraram que é viável a utilização de cinzas como aditivo ao solo para utilização
em base de pavimentos de baixo volume de tráfego. Os ensaios triaxiais de cargas
repetidas demonstraram que a tensão confinante é mais influente no solo estudado
e que este comportamento não muda com a adição das cinzas. As análises dos
resultados de módulo de resiliência comprovaram a influência dos fatores tipo e
teor de cinza, tempo de cura e cal no módulo de resiliência, que apresentou
melhores resultados nas misturas com cinza volante e cal.
Junior (2011) estudou a aplicabilidade da relação volume de
vazios/volume de cal na estimativa da resistência à compressão simples e triaxial
para um solo areno-argiloso misturado com cal e cinza volante. Para isso, foram
realizados ensaios de compressão simples e triaxial. A adição de cal (3% a 11%)
promoveu ganhos de resistência nas misturas solo-cal e solo-cinza-cal,
verificando-se um aumento não-linear da resistência à compressão simples com o
aumento da quantidade de cal. Além disso, verificou-se que, independentemente
da quantidade de cal adicionada, a resistência aumentou potencialmente com a
redução da porosidade da mistura compactada. Em contrapartida, a taxa de ganho
de resistência não alterou consideravelmente com o aumento da massa específica
aparente seca. Quanto à resistência à compressão triaxial, constatou-se que quanto
51
maior a cimentação, tensão confinante efetiva de ensaio, tempo de cura; e quanto
menor a relação vazios/cal, maior a resistência obtida.
Consoli et al (2011) desenvolveram um estudo com o objetivo de
quantificar a influência do período de cura (28, 60 e 90 dias de cura), teor de cal
(3 a 9%) , teor de cinza volante (0, 12,5 e 25%) e porosidade na resistência de um
solo arenoso misturado com cinza volante e cal; assim como avaliar o uso da
relação porosidade/teor volumétrico de cal na estimativa da resistência à
compressão não confinada. De acordo com os resultados, concluiu-se que quanto
maior o teor de cinza volante e quanto maior o período de cura, maior é a
resistência à compressão não confinada para um dado teor de cal. Em todas as
misturas solo-cinza-cal, sob todos os períodos de cura, a resistência aumentou
exponencialmente com a redução da porosidade, o que mostra ser a relação
porosidade/teor volumétrico de cal um parâmetro satisfatório na avaliação da
resistência da mistura em estudo.
Em outro estudo, Consoli et al (2011) também quantificaram a influência
dos teores de cinza volante (12,5 e 25%) e cal (3, 5, 7 e 9%), do tempo de cura
(28, 60 e 90 dias) e da porosidade na resistência de uma mistura composta por
solo arenoso, cinza volante e cal, avaliando o uso da proporção vazios/cal na
estimativa da resistência à compressão não confinada. Os ensaios mostraram que a
resistência aumenta linearmente com o teor de cal para as misturas, e
exponencialmente com a redução da porosidade para todas as misturas estudadas,
sendo a relação vazios/cal um bom parâmetro na avaliação da resistência do solo
em estudo. Ainda se pode destacar que houve um aumento da resistência com o
aumento do período de cura. Para 90 dias de cura, foi observado um aumento de
38% na resistência das misturas, evidenciando que os efeitos dos teores de cal e
cinza volante, do peso específico seco e suas interações são estatisticamente
significantes para as misturas submetidas a este período de cura.
2.6.3 Solo-cinza de RSU
Pesquisas sobre a utilização de cinzas de resíduos sólidos urbanos (RSU)
em processos de estabilização de solos são recentes quando comparadas aos
estudos realizados com cinzas de carvão mineral, devido ao fato de o número de
52
usinas termoelétricas de RSU ser menor do que as que utilizam carvão (Vizcarra,
2010). Contudo, o comportamento relatado sobre os seus mecanismos de
estabilização pode ser comparado aos das cinzas de carvão, desde que o RSU seja
composto principalmente por matéria orgânica. Pode-se dizer que o estudo deste
tipo de cinza tem sido motivado pelos mesmos princípios, de reaproveitamento de
resíduos, busca por materiais de construção não convencionais e preservação de
jazidas de materiais naturais.
Ferreira et al (2003 apud Quispe, 2010) relatam que a cinza volante de
RSU pode ser aplicável a rodovias como material substituto de areia e/ou cimento
para bases e sub-bases estabilizadas com cimento. Estes autores ainda comentam
que uma aplicação potencial para este tipo de cinza está na estabilização do solo,
como um substituto de cal ou cimento.
A seguir, serão descritas as pesquisas de Vizcarra (2010), Quispe (2013) e
Szeliga (2014), que utilizaram cinzas provenientes da incineração de resíduos
sólidos urbanos.
Na pesquisa de Vizcarra (2010), foram realizadas misturas das cinzas
volante e de fundo de RSU (20% e 40%) com um solo argiloso não laterítico
regional, com a finalidade de avaliar sua aplicabilidade em camadas de base de
pavimentos. Para tal, foram executados ensaios de caracterização química, física e
mecânica destas misturas, bem como o dimensionamento mecanístico para uma
estrurura típica de pavimento. Os resultados demonstraram que a inserção de
cinza volante e cura prévia da mistura dobram o valor do módulo resiliente,
resultando na diminuição da espessura da camada de base em comparação ao solo
puro, para um mesmo nível de carregamento e mesmos critérios de
dimensionamento. Os resultados obtidos foram satisfatórios, sendo dependentes
do teor e do tipo de cinza utilizados, destacando o emprego positivo da cinza
volante de RSU para aplicação em camadas de base de pavimentos rodoviários.
Quispe (2013) realizou um estudo com misturas de um solo coluvionar
argiloso com os teores de 20%, 30% e 40% de cinza volante e cinza de fundo, sob
30 e 60 dias de cura, com o objetivo de avaliar a aplicabilidade das mesmas para
obras geotécnicas. Foram então realizados ensaios de caracterização física,
química e mecânica (compactação Proctor Normal e ensaios triaxiais consolidados
isotropicamente drenados) destas misturas. Os resultados mostraram que todas as
misturas solo-cinza apresentaram melhores parâmetros de resistência em
53
comparação ao solo puro, sendo que as misturas com cinza volante obtiveram os
melhores resultados. Em contrapartida, para maiores teores de cinza volante,
houve uma diminuição da coesão. Com relação ao tempo de cura, em geral, houve
melhora do comportamento das misturas solo-cinza em comparação ao obtido sem
cura. As misturas com 40% de cinza volante e 30% de cinza de fundo
apresentaram as melhores características de resistência, podendo ser aplicadas a
uma ampla gama de obras geotécnicas.
Na pesquisa de Szeliga (2014), foram realizados ensaios triaxiais de
misturas com solo arenoso, cal e teores de 30% e 40% de cinzas volante e de
fundo, a diferentes períodos de cura, a fim de avaliar a sua aplicação para obras
geotécnicas. Para ambos os tipos de cinza, verificou-se que os melhores resultados
obtidos ocorreram para 40% de cinza. Para as misturas com cal, não foi possível
se estabelecer um padrão com relação aos períodos de cura estudados, sendo o
melhor resultado obtido para a mistura com 27% de cinza, a 60 dias de cura. A
execução de ensaios com corpos de prova pré-moldados para esta mesma
porcentagem, no mesmo tempo de cura, permitiu concluir que a técnica de
moldagem interfere na resistência do material, uma vez que, ao utilizar corpos de
prova pré-moldados, os resultados obtidos tendem a ser melhores do que os com
corpos de prova sem ser moldados.
2.7 Resistência ao cisalhamento
A resistência ao cisalhamento do solo pode ser definida como a máxima
tensão de cisalhamento que o solo pode suportar sem sofrer a ruptura, ou como a
tensão cisalhante no plano em que a ruptura estiver ocorrendo. Gerscovich (2010)
afirma que a resistência ao cisalhamento de um solo é função de dois
componentes, o embricamento e a resistência entre as partículas, sendo este
último dividido em mais dois componentes, que são a coesão e o ângulo de atrito.
O embricamento consiste no trabalho necessário para movimentar a
partícula de forma ascendente. No caso de um solo denso, como o utilizado por
Benedetti (2011) em sua pesquisa, há uma força adicional para superar o
embricamento entra as partículas, levando à ocorrência de uma expansão
volumétrica durante o ensaio, chamada de dilatância.
54
A coesão pode ser dividida em coesão aparente, resultante das pressões
capilares da água contida nos solos, e coesão verdadeira, oriunda de pequenas
atrações entre as partículas que dependem da natureza dos solos ou sedimentos.
Para solos ou sedimentos com granulometria fina, o ângulo de atrito aumenta com
a redução da plasticidade, e para solos granulares, o ângulo de atrito depende da
forma e aspereza dos grãos, e do fato de a amostra ser bem ou mal graduada.
Atualmente, existem diversos métodos para se determinar a resistência ao
cisalhamento de um solo, no entanto, os mais utilizados incluem o ensaio de
cisalhamento direto e o ensaio triaxial. Como na presente pesquisa foi realizado o
ensaio de cisalhamento direto, apenas este será enfocado.
2.7.1 Ensaio de resistência ao cisalhamento
O ensaio de cisalhamento direto permite a determinação da resistência ao
cisalhamento do solo através da obtenção dos parâmetros coesão e ângulo de
atrito. Durante o ensaio, uma tensão normal pré-definida é aplicada ao corpo de
prova, e uma tensão cisalhante, que irá provocar a ruptura, é continuamente
aplicada e verificada, obtendo-se, assim, a tensão cisalhante máxima suportada
pelo solo.
Os parâmetros coesão e ângulo de atrito são agrupados pelo critério de
Mohr-Coulomb, expresso na equação eq. (2.6), e graficamente na Figura 2.9.
� = �´ + �´��ø´ eq. (2.6)
onde
� é a tensão cisalhante efetiva em kPa;
�´é a tensão normal efetiva em kPa;
��ø´ é a tangente do ângulo de atrito interno;
c´ é a coesão aparente.
55
Figura 2.9: Representação gráfica do critério de ruptura de Mohr-Coulomb.
Como vantagens, este ensaio é simples e apresenta facilidade de execução.
Como desvantagens, Das (2007) aponta o fato de a ruptura ocorrer ao longo de
um plano pré-determinado, o que não é relevante para determinados casos; e ainda
ressalta que este ensaio não permite um controle de drenagem do corpo de prova,
já que a caixa não possui um sistema de vedação adequado e eficiente.
Ainda segundo este autor, o ensaio de cisalhamento pode ser realizado
com tensão controlada ou com deformação controlada. Nos ensaios com tensão
controlada, a força de cisalhamento é aplicada em incrementos iguais até que o
corpo de prova sofra ruptura; já nos ensaios com deformação controlada, uma taxa
constante de deslocamento cisalhante é aplicada a uma metade da caixa por um
motor que atua por meio de engrenagens. A vantagem do segundo método é que,
no caso de uma areia compacta, a resistência ao cisalhamento de pico (na ruptura)
e a resistência ao cisalhamento inferior (no ponto após a ruptura, chamado de
resistência última) podem ser observadas graficamente. Além disso, este método
modela melhor as situações reais de campo. A Figura 2.10 apresenta um esquema
do equipamento de cisalhamento direto com deformação controlada, o qual será
utilizado na presente pesquisa.
Figura 2.10: Esquema do equipamento do ensaio de cisalhamento direto com deformação controlada (Gerscovich, 2010 apud Benedetti, 2011).
56
2.8 Considerações finais
Na revisão bibliográfica do presente estudo, foi relatada a participação do
carvão mineral na matriz energética brasileira, bem como a descrição dos resíduos
oriundos do processo de combustão do carvão mineral, que consistem em dois
tipos de cinza, a volante e a de fundo. Como nesta pesquisa é estudada a cinza
volante, a revisão enfoca as áreas de aplicação deste material, que é muito
utilizado no setor de construção, na fabricação de cimento pozolânico, por
exemplo; além de ser empregado como agente estabilizante de solos, dentre outros
fins. Esta pesquisa também aborda os tipos de processos de estabilização de solos,
que podem ser químico ou mecânico; e os processos de tratamento do solo com a
cal, bem como as reações desencadeadas entre ambos e os fatores que influenciam
no comportamento da mistura solo-cal, como tipo de solo, teor de cal, tipo e teor
de cinza, efeito da densidade e energia de compactação e do tempo de cura.
Também são abordadas as pesquisas realizadas com a cinza volante, reforçando o
emprego positivo deste material em misturas com solo-cal, seja em obras
geotécnicas, seja como revestimento de base de pavimentos, contribuindo para
uma destinação ambientalmente correta deste material. É importante destacar que
por se tratar de um resíduo dotado de variações em sua constituição, é
imprescindível a realização de ensaios de caráter ambiental de modo a verificar a
aplicabilidade segura do mesmo.