2º Seminário de Relações Internacionais: Graduação e...
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2º Seminário de Relações Internacionais: Graduação e Pós-graduação
28 e 29 de agosto de 2014 – João Pessoa – Paraíba
Painel: Trabalho avulso
Área Temática: GI - Governança e Instituições Internacionais
DINÂMICA INSTITUCIONAL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
INSTITUCIONALISMO HISTÓRICO, RETORNOS CRESCENTES E PATH
DEPENDENCY EM ANALISE COMPARADA DA REFORMA DO COSENLHO DE
SEGURANÇA DA ONU E LIGA DAS NAÇÕES
Rogério Santos da Costa - Unisul
2
Resumo
Dentre as correntes que enfatizam o estudo das instituições na Ciência Política está a escola
neoinstitucionalista, que pode ser dividida em institucionalismo histórico, sociológico e da
escolha racional. Por sua vez, o institucionalismo histórico tem remetido especial atenção para
a evolução institucional condicionada à sua trajetória. Conhecida como Path Dependency,
esta abordagem define elementos explicativos para a estabilidade institucional e dificuldades
de mudança, principalmente agregada à perspectiva de Retornos Crescentes. Por outro lado,
ainda são relativamente escassos os estudos dentro da Ciência Política e Relações
Internacionais que contemplem uma abordagem sobre a evolução das instituições nas
Relações Internacionais, seus ciclos, continuidades, a baixa incidência de mudança ou
término. Se nos detivermos às instituições formais conhecidas como Organizações
Internacionais, temos um campo fértil e pouco explorado no que diz respeito à dinâmica
institucional. Isto porque, são poucas as Organizações Internacionais que nasceram e
deixaram de existir desde a criação da Liga das Nações. Mais que isto, as dificuldades de
mudança institucional são muito verificáveis justamente naquelas Organizações
Internacionais com maior peso nas Relações Internacionais, como o Conselho de Segurança
da Organização das Nações Unidas. Assim, este trabalho tem como objetivo geral interpretar
a realidade das Relações Internacionais e Organizações Internacionais utilizando conceitos do
neoinstitucioinalismo. Principalmente, pretende-se tratar da estabilidade institucional e
dificuldade de mudança do Conselho de Segurança da ONU à luz dos conceitos de Retornos
Crescentes e Path Dependency do institucionalismo histórico. O trabalho conta com uma
primeira parte de revisão da literatura, delimitação das correntes neoinstitucionais e definição
de conceitos-chave, e uma outra de análise do caso da reforma do Conselho de Segurança da
ONU, com comparações ao caso da Liga das Nações.
Palavras-chave: Neoinstitucionalismo/ dinâmica-instituições-internacionais/ Conselho-de-
Segurança-ONU
3
Introdução
A Ciência Política têm mostrado nas ultimas décadas uma preocupação crescente acerca da
evolução das instituições, ganhando espaço das correntes até então predominantes de
caráter comportamental. Muito mais do que um ator na arena política, as instituições tornam-
se cada vez mais um componente fundamental para a explicação da vida política na
sociedade, o que nos remete a pensá-las em toda sua complexidade. Trata-se, de uma
forma geral, de tentar responder às perguntas, estabelecer as relações causais, as
comparações, as regularidades e os padrões de comportamento sobre o surgimento, a
estabilidade e a mudança institucional.
Dentre as correntes que enfatizam o estudo das instituições está a escola conhecida como
neoinstitucionalismo, que pode ser dividida em institucionalismo histórico, institucionalismo
sociológico e institucionalismo da escolha racional. Por sua vez, o institucionalismo histórico
tem remetido especial atenção para a evolução institucional enquanto condicionada em
termos de sua trajetória. Conhecida como Path Dependency ou Trajetória Dependente, esta
abordagem consegue definir elementos explicativos para a estabilidade institucional,
principalmente agregada à perspectiva de Retornos Crescentes.
Por outro lado, ainda são escassos os estudos dentro da ciência política, e, especificamente
ao institucionalismo histórico, que contemplem uma abordagem sobre a evolução das
instituições nas Relações Internacionais. Neste campo da ciência política percebe-se muito
mais uma abordagem (liberal) que contempla a máxima de que as “instituições importam”,
dando a elas um papel relevante na determinação das Relações Internacionais, e menos
uma tentativa de interpretação da teoria política que busque explicar a sua evolução.
A especificidade do âmbito internacional, em contraposição ao nacional, explica em parte
esta dificuldade ou desinteresse. Mas se nos detivermos nas instituições formais conhecidas
como Organizações Internacionais, deixando um pouco de lado aquelas menos tangíveis
nas Relações Internacionais, como os regimes e as normas internacionais, temos um campo
fértil e pouco explorado no que diz respeito à dinâmica institucional. Isto porque, pode-se
contar nos dedos aquelas Organizações Internacionais que nasceram e deixaram de existir
desde a criação da Liga das Nações1. Mais que isto, as dificuldades de mudança
institucional são muito verificáveis justamente naquelas Organizações Internacionais com
maior peso nas Relações Internacionais, como o Conselho de Segurança da Organização
das Nações Unidas.
1 Uma das mais completas obras sobre Organizações Internacionais é DIEZ DE VELASCO, Manuel. Las
Organizaciones Internacionales. Madrid, Tecnos, 1999 (11a ed. - 1a ed. 1977). Nesta, praricamente não existe
identificação de Organizações Internacionais que foram extintas.
4
O Conselho de Segurança da ONU têm a incumbência de tratar as questões sobre a paz e a
guerra, com grande importância para as definições dos rumos das Relações Internacionais.
No entanto, depois que foi criado em 1945 não sofreu transformação significativa apesar das
transformações importantes no ambiente e na política internacional. Nossa perspectiva
neste ensaio é que podemos encaminhar um significado para este fenômeno a partir dos
estudos da escola neoinstitucional, com grande ênfase para os Retornos Crescentes e a
Path Dependency.
Assim, este trabalho tem como principal objetivo fazer um ensaio de interpretação de alguns
conceitos da escola neoinstitucionalista para a realidade das Relações Internacionais e das
Organizações Internacionais e, principalmente, ao tratarmos da estabilidade institucional do
Conselho de Segurança da ONU à luz dos conceitos neoinstitucionais, com ênfase nos
Retornos Crescentes e na Path Dependency. Para tanto, num primeiro momento vamos
situar as perspectivas principais do neoinstitucionalismo para a análise das Organizações
Internacionais, tentando apontar aqueles elementos conceituais que possuem maior
significado à luz das Relações Internacionais. Em seguida faremos uma abordagem do
ambiente internacional, de suas especificidades, das possibilidades dos conceitos
neoinstitucionais, e por fim trataremos da aproximação dos conceitos enunciados ao caso
do Conselho de Segurança da ONU e comparações com o caso da Liga das Nações.
Neoinstitucionalismo, Retornos Crescentes e Path Dependency
Neoinstitucionalismo
A expressão neoinstitucionalismo não surge por acaso. Trata-se do reflexo de um processo
de resgate da importância do Estado na vida política, e tem uma similaridade com o
processo de recrudescimento da ação do Estado após a crise de 29 e depois da II Guerra
Mundial. No entanto, é nas últimas decadas que começa a ganhar corpo enquanto corrente
da Ciência Política, e é dividida, segundo classificação de Hall e Taylor2 em três vertentes: o
institucionalismo sociológico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo
histórico. Para nossos propósitos não pretendemos descrever e aprofundar todas as
características destas correntes ou suas diferenças e semelhanças, senão que enfatizar as
marcas importantes para a análise das instituições no âmbito das Relações Internacionais.
2
HALL, Peter; Taylor, Rosemary C.R. “As três versões do Neoinstitucionalismo”. Revista Lua Nova, São
Paulo, CEDEC, Political Science and the three New Institutionalisms”. Publicado originalmente em Political
Studies, dec. 1996. Uma primeira versão foi apresentada pelos autores em 1994, no congresso da American
Political Science Association e numa reunião no mesmo ano na Universidade de Maryland, sobre “What is
Institutionalismo Now?”.
5
O Institucionalismo Sociológico nasce paralelamente aos outros dois no âmbito da Ciência
Política. Segundo Hall e Taylor3 três características principais destacam esta vertente dentro
do neoinstitucionalismo. A primeira, e de forma mais global que na Ciência Política, diz
respeito ao enfoque das instituições com ênfase em “padrões de significado” que moldam a
ação humana. Assim, aproximam as instituições da cultura, deixando de lado a dicotomia
conceitual e fazendo uma redefinição cognitiva redefinindo cultura como sinônimo de
instituições. Neste aspecto em particular, resgataremos a idéia de cultura como importante
para a análise das Relações e das Organizações Internacionais.
A segunda característica diz respeito à influência das instituições, seus valores, signos
esquemas cognitivos e modelos morais, no comportamento dos indivíduos. Isto não significa
que os indivíduos não tenham racionalidade nas suas ações, mas que esta ação racional é
uma construção sociológica. Em terceiro lugar aparece a legitimidade social como elemento
fundamental para explicar a criação, estabilidade e mudança institucional. Apontando
algumas fontes desta legitimidade, como autoridade e profissionalização do Estado, bem
como a formação de redes com diversos atores dentro da sociedade, Hall e Taylor elencam
ainda como exemplo os regimes internacionais, o que remete importância igualmente às
Organizações Internacionais. De fato, a legitimidade é um fator fundamental para o
entendimento da criação, estabilidade e mudança das Organizações Internacionais, e
principalmente, como veremos, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O Institucionalismo da Escolha Racional surge das análises da estabilidade do
comportamento do Congresso dos Estados Unidos da América, que aparentemente seriam
contraditório com os preceitos da escolha racional. Surge justamente quando seus
estudiosos chegam a conclusão de que a estabilidade é encontrada no modo como está
estruturado institucionalmente o Congresso estadunidense, que minimiza o efeito das
mudanças de maioria e reduz as possibilidades de mudanças legislativas. Quatro grandes
propriedades são apontadas por Hall e Taylor acerca da vertente da Escolha racional do
neoinstitucionalismo.
Em primeiro lugar está o cálculo estratégico para a maximização de sua satisfação na
escolha de suas preferências. Em segundo lugar está o entendimento da vida política como
apresentando uma série de dilemas de ação coletiva, pois a ação para maximização de
suas preferências leva a um resultado sub-ótimo para a coletividade. Em terceiro lugar está
o comportamento de um ator é determinado por um cálculo estratégico que leva em
consideração as possíveis ações dos outros atores, sendo as instituições responsáveis pela
estruturação das interações estratégicas que dão confiabilidade no cálculo estratégico. Por
3 Idem.
6
fim, para os institucionalistas da escolha racional as instituições são criadas pelos atores
para obtenção de ganhos de coordenação. Estas características de uma forma geral são
importantes para a análise do ambiente internacional, e a questão da coordenação, de uma
forma específica que será vista adiante, têm papel muito importante para o entendimento da
criação e evolução das Organizações Internacionais.
Hall e Taylor destacam o trabalho de George Tsebelis (e outros)4 na análise da reforma
institucionalista no seio da União Européia. O mesmo Tsebelis oferta uma abordagem muito
significativa para pensarmos a análise do processo decisório na política internacional. Trata-
se da idéia de “jogos ocultos”, que este autor chama de “jogos em múltiplas arenas”, o que
explica a decisão que parece ser sub-ótima na visão de um observador, mas que do ponto
de vista do ator em um cenário de múltiplas arenas é uma decisão ótima.5
Outro autor citado por Hall e Taylor é Robert Kehoane, um dos principais autores na análise
das Organizações Internacionais. Neste caso, Kehoane é citado por emprestar os “conceitos
do institucionalismo da escolha racional para explicar a ascensão ou a queda dos regimes
internacionais, o tipo de responsabilidades que os Estados delegam às Organizações
Internacionais e a forma dessas organizações”6. Mais adiante retomaremos este autor e as
implicações e o lugar de suas perspectivas para a análise das Organizações Internacionais.
O Institucionalismo Histórico se desenvolve como resposta às análises de grupo na Ciência
Política e contra o estruturo-funcionalismo, predominantes nas décadas de sessenta e
setenta. Assim, apresentam algumas especificidades em relação às outras apresentadas,
segundo Hall e Taylor:
Em primeiro lugar, esses teóricos tendem a conceituar a relação entre as instituições e o comportamento individual em termos muito gerais. Segundo, elas enfatizam as assimetrias de poder associadas ao funcionamento e ao desenvolvimento das instituições. Em seguida, tendem a formar uma concepção do desenvolvimento institucional que privilegia as trajetórias, as situações críticas e as conseqüências imprevistas. Enfim, elas buscam combinar explicações da contribuição das instituições à determinação de situações políticas com uma avaliação da contribuição de outros tipos de fatores, como as idéias, a esses mesmos processos7.
4 TSEBELIS, George. “The Power of the European Parliament as a Conditional Agenda Setter”. American
Political Science Review, 88, 1994, 1, pp. 795-815; Pollack, M. “Obedient Servant or Runaway Eurocracy?”
Working Paper, Harvard Center for European Studies, 1995; Martin, L. “The Influence of National Parliaments
on European Integration”. Working Paper, Harvard Center for International Affairs, 1994. 5 TSEBELIS, George. “Jogos ocultos. Escolha racional no campo da política comparada”. São Paulo, Edusp,
1998 6 KEHOANE, R. O. e MARTIN, L. “Delegation to International Organizations”, comunicação apresentada à
reunião de 1994, citada; L. Martin, “Interests, Power and Multilateralism”. International Organization, 46, 1992,
4, pp. 765-792; 7 Idem, p. 32.
7
Para os propósitos deste ensaio, excetuando a primeira característica, as demais possuem
um amplo leque de possibilidades para a análise das Organizações Internacionais. As
assimetrias de poder são particularidades presentes no âmbito da Política Internacional e,
estão na questão central para a análise do Conselho de Segurança. No que diz respeito a
outros fatores, notadamente as idéias, existe uma nítida vinculação, verificada
empiricamente e apresentada por autores na área, entre as idéias que modelam as
principais ações dos Estados na arena internacional e a evolução das Organizações
Internacionais.
Mas é na característica de desenvolvimento institucional que repousa uma grande
contribuição para a análise das Organizações Internacionais. Aqui são particularmente
importantes as concepções de conseqüências imprevisíveis, situações críticas e trajetória,
particularmente de Path Dependency, ou Trajetória Dependente. Vejamos mais de perto
esta característica.
Retornos Crescentes e Path Dependency
O neoinstitucionalismo de uma forma geral, e o histórico de forma particular encaminham
suas perspectivas de análise de modo a tentar responder às questões que dizem respeito à
evolução institucional, o que significa saber como surgem, como se estabilizam ou se
transforma, e igualmente como deixam de existir.
Buscando uma abordagem comparativa, Kathlen Thelen8 argumenta que existem muito
mais coincidências e falsos dilemas do que diferenças entre o institucionalismo histórico e o
da escolha racional. Sua análise é conduzida a apresentar uma critica ao institucionalismo
da escolha racional pela ênfase no equilíbrio, bem como das análises que separam a
estabilidade da mudança institucional. Este caminho é traçado a partir de elementos que
fundam e explicam Retornos Crescentes e Path Dependency. Segundo a autora, ao invés
do equilíbrio, melhor para os institucionalistas seria verificar o contexto (ambiente) das
regularidades institucionais, e para isto a Path Dependency é um bom caminho.
A idéia de Path Dependency tem sua matriz mais forte a partir da economia, que por sua
vez parte de um modelo que busca entender as estratégias tecnológicas. Seguindo modelo
desenvolvido por outros dois autores9, Thelen aponta que certas tecnologias podem
alcançar uma vantagem inicial em relação a outras e se manterem mesmo que as
alternativas fossem mais eficientes. A tendência a partir deste ponto é que esta vantagem
8 THELEN, Kathlen. “Historical institutionalism in comparative politics”. Annual Review of Political Science,
2, 1999. 9 ARTHUR WB. 1989. “Competing technologies, increasing returns, and lock-in by historical events”. Econ. J.
99:116.31; David PA. 1985. Clio and the economics of QWERTY. Am. Econ. Rev. 75(2):332.37.
8
tecnológica seja seguida, com conseqüente abandono de outras alternativas, ou então que
os competidores que não aderirem desapareçam pela desvantagem na concorrência. A
critica da autora em relação a esta abordagem é que a escolha inicial é muito aberta e
sujeita a oportunidades circunstanciais, e em política isto é raro. Por outro lado,
diferentemente da economia, em política os perdedores não desaparecem e sua
adaptabilidade pode ter resultado incerto para as instituições.
Já o institucionalismo sociológico vê as instituições criadas socialmente no sentido da
incorporação de parte do conhecimento cultural existente. Novas instituições seriam
“isomorfas”, mas condicionadas na sua formação pelos constrangimentos culturais
arraigados, o que seria uma Path Dependency. Segundo Thelen, este enfoque carece de
ordenação consistente sobre a relação entre aspectos políticos e cognitivos na mudança e
estabilidade institucional. Os dois modelos de Path Dependency, da economia e sociológico,
apesar de suas importâncias, carecem de utilidade ao pensarmos as mudanças
institucionais porque dependem de choques exógenos.
A partir do Institucionalismo Histórico, Thelen argumenta que a agregação das noções de
Conjunturas Críticas (ou Pressões Cruzadas) e Efeitos de Realimentação (feedback effects)
nos ensinam muito sobre os processos dinâmicos que ajudam a explicar como padrões
estáveis de política persistem e realmente se reproduzem com o tempo. As Conjunturas
Críticas são exemplos de que processos diferentes em interação afetam resultados
institucionais. Já os Efeitos de Realimentação podem ser explicados a partir do exemplo da
urna de Polya10, onde a partir de um primeiro resultado, existe uma condicionalidade que
tende a ser manter no tempo. Mas, enfatizando os mecanismos pelos quais são
reproduzidos padrões prévios, muitos destes trabalhos minimizam os fatores que poderiam
nos dizer como eles podem ser mudados. Assim, a autora propõe que a chave para o
entendimento da evolução e mudança institucional repousa em especificar com maior
precisão os mecanismos de reprodução e realimentação sob os quais uma instituição
particular se sustenta. Este argumento é particularmente importante para pensarmos mais à
frente o caso do Conselho de Segurança da ONU.
Paul Pierson11 tenta avançar no entendimento da evolução institucional a partir da Path
Dependency e de Retornos Crescentes, deslocando-se da lógica econômica para uma
adaptação à lógica política. De uma forma geral, aponta que cursos particulares de ação
10
A lógica da urna de Polya consiste de uma urna com duas bolas, uma vermelha e outra preta. Sem distinção ou
observação, retira-se uma das bolas devolvendo-a com uma outra da mesma cor. A partir do primeiro evento e da
repetição, os demais eventos (retiradas de uma bola) tenderão a resultar em aumento do número de bolas da cor
da primeira retirada. 11
PIERSON, Paul. “Increasing Returns, Path Dependence, and the Study of Politics”. American Political
Science Review, June, 2000.
9
uma vez introduzidos podem ser de difícil reversão. Desta forma, tenta demonstrar que
argumentos de Path Dependency são apropriados para um número significativo de áreas da
vida política, dentre as quais destacamos aqui a política internacional.
A Path Dependency assumida por Pierson é chamada por ele de concepção estreita, ou de
limitação, e que enfatiza que uma vez numa trajetória, os custos de reversão são tão altos
que induzem ou condicionam/limitam mudanças para trajetórias diferentes. Haverá outras
trajetórias, mas o entrincheiramento de certos arranjos institucional obstrui uma reversão
fácil da escolha inicial. O efeito dos Retornos Crescentes faz aumentar a probabilidade dos
mesmos passos serem dados na mesma trajetória. Ou seja, benefícios da ação atual
comparados com outras possíveis crescem com o tempo, os custos da saída também. Isto
também caracterizam os Retornos Crescentes como auto-reforçado (self-reinforcing) ou
como de realimentação positiva (positive feedback).
A partir de Arthur12, Pierson desenvolve os principais argumentos dos Retornos Crescentes
e da Path Dependency na economia. Nesta linha temos várias características: não podemos
dizer quais dos possíveis fins/estágios serão alcançados; quanto mais tempo passa do início
do processo, mais difícil a mudança; pequenos eventos têm importância – podem não
mudar a sucessão/trajetória, mas eles influenciam futuras escolhas; no longo prazo, pode
gerar resultados que trazem “pagamentos” (pay-offs) menores que a alternativa renunciada
teria; sucessões são críticas/perigosas; eventos anteriores importam mais que os mais
recentes; sucessões diferentes podem produzir resultados diferentes; a história importa.
Diversos cientistas políticos aceitam que as características de Retornos Crescentes de
Arthur podem ser aplicadas às instituições.13
Para efetivar a passagem dos Retornos Crescentes e da Path Dependency da economia
para a política, Pierson considera as principais especificidades do ambiente político. Assim,
quatro aspectos são fundamentais como característica específica do mundo político: a) a
natureza coletiva da ação política; b) a densidade institucional da política; c) o uso da
autoridade política para aprofundar as assimetrias de poder; d) a complexidade e opacidade
da política. Além disto, chama atenção para a dificuldade de inversão de curso na política,
pois, diferentemente da economia, a competição entre instituições é pouco eficiente para
prover mudança. Ou seja, existe uma tendência ao status quo no mundo político.
12
ARTHUR, W. Brian. 1994. “Increasing Returns and Path Dependence in the Economy”. Ann Arbor:
University of Michigan Press. 13
Especialmente North, Douglass C. “Institutions, Institutional Change and Economic Performance”.
Cambridge: Cambridge University Press, 1990; esta análise enfatiza as dificuldades dos países em vias de
desenvolvimento romperem as barreiras institucionais (path Dependency) para crescerem economicamente.
Segundo este autor, a Path Dependency “incentiva” uma adaptação dos indivíduos às situações existentes.
10
Assim, em ambientes onde prevalecem Retornos Crescentes ou Path Dependency, a vida
política é marcada por quatro características:
1) Equilíbrio Múltiplo: sob condições iniciais de Retornos Crescentes, vários resultados
são possíveis;
2) Contingência: Eventos relativamente pequenos ocorrendo em determinados
momentos podem ter conseqüências amplas e duradouras;
3) Papel crítico das regularidades e sucessões: eventos antigos importam mais que
recentes; quando eles (antigos) acontecem, podem ser cruciais, mesmo se
“pequenos”;
4) Inércia: Uma vez estabelecido o processo de Retornos Crescentes, a realimentação
positiva pode conduzir a um equilíbrio resistente à mudança.
Por fim, Pierson chama atenção para a necessidade de uma volta à história: “Argumentos
de Retornos Crescentes descansam em uma concepção de ‘causas’ históricas, quer dizer,
algum momento ordenador original ativou arranjos particulares, e a atividade é
continuamente reproduzida, embora o evento original já não aconteça”.
Passemos agora a uma delimitação do ambiente internacional no qual nascem e se
desenvolvem as Organizações Internacionais.
Relações Internacionais, Sistema Internacional e Organizações Internacionais
Começaremos por apontar os contornos do debate teórico das Relações Internacionais para
em seguida encaminhar uma abordagem das Organizações Internacionais pertinente com
os propósitos deste ensaio. A importância de apontarmos as linhas gerais do debate teórico
das Relações Internacionais está nas implicações e possibilidades da teoria política
apontada anteriormente, bem como no desvendar das principais percepções destas linhas
acerca de um Sistema Internacional e das Organizações Internacionais.
Apesar de existir uma certa diversidade de divisões, sub-divisões e novos realinhamentos
dentro das principais escolas de pensamento das Relações Internacionais, é comum a
divisão entre três grandes escolas: o realismo, o liberalismo e o marxismo. O mais longo
debate, no entanto, é feito pelo realismo e liberalismo.
No tocante ao marxismo, esta escola parte das relações de classe e reprodução do capital
em escala internacional forjando um sistema-mundo. Um dos principais expoentes desta
11
corrente teórica, Immanuel Wallerstein14, aponta as características do Sistema Internacional
como baseado nas relações históricas de produção e reprodução do capital, e que forja uma
hierarquia de Estados onde se baseiam os capitais, centros, periferias e semi-periferias. O
sistema, ou a economia-mundo capitalista seria então reflexo da interação dos capitais
particulares amparados pela estrutura estatal que lhe dá estabilidade.
Não adentrando na proposta e seus limites e possibilidades na perspectiva da análise das
Relações Internacionais, para nosso propósito é fundamental reter a noção marxista de que
as Relações Internacionais forjam, necessariamente para sua sobrevivência, esquemas de
relacionamentos que importam em proteção à estabilidade do Sistema. Assim, pensamos
que o limite da ação do Estado em sua legitimação ou deslegitimação de arranjos
institucionais estará fortemente ligado aos impactos para a estabilidade do Sistema. Ou
seja, a importância que os Estados darão às Organizações Internacionais dependerá do
grau em que esta importância refletirá na estabilidade do sistema capitalista, o seu limite.
Neste momento particular, cabe resgatar que parece existir perspectiva de pensarmos uma
certa aproximação entre a teoria marxista nas Relações Internacionais e o institucionalismo
sociológico no que diz respeito à formação institucional vindo de e condicionada às
estruturas sociais.
Já o realismo é a corrente mais radicional de análise das Relações Internacionais, tendo
suas origens e trajetória confundidas com a própria história das Relações Internacionais.
Isto acontece porque a intensificação das Relações Internacionais se dá a partir da
formação do Estado moderno, que é para o realismo a sua base e principal ator. Não só o
Estado é o ator por excelência nas Relações Internacionais, mas move-se em busca de
seus interesses a partir de, e buscando incrementar, seus instrumentos de poder. Isto se dá
porque, de forma diferente do âmbito nacional, o internacional não possui um poder
supremo, um “Estado mundial”, conferindo a este ambiente uma característica
essencialmente anárquica.
Desta forma, para os realistas, apesar da igualdade formal entre os Estados, existe uma
distribuição desigual de poder na arena internacional, o que pressupõe que a ação do
Estado é pautada por uma “política do poder”, onde questões de segurança são essenciais.
14 São obras importantes deste autor: Wallerstein, I. “The Modern World System I: Capitalist Agriculture and
the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century”, (O Sistema do Mundo Moderno I:
Agricultura Capitalista e as Origens da Economia do Mundo Europeu no Século Dezesseis), (São Diego:
Academic Press, Inc., 1974); Wallerstein, I. “The Modern World System II: Mercantilism and the Consolidation
of the European World-Economy”, 1600-1750, (O Sistema do Mundo Moderno II: O Mercantilismo e a
Consolidação da Economia do Mundo Europeu, 1600-1750) (Nova York: Academic Press, Inc., 1980);
Wallerstein, I. “The Modern World System III: The Second Era of Great Expansion of the Capitalist World-
Economy”, (O Sistema do Mundo Moderno III: A Segunda Era de Grande Expansão da Economia do Mundo
Capitalista), (São Diego: Academic Press, Inc., 1989); and Wallerstein, I. “The Capitalist World-Economy”, (A
Economia-Mundo Capitalista), (Cambridge: Cambridge University Press, 1979).
12
Decorre desta análise que a mudança no sistema internacional é limitada, e a tendência é
aparecerem e se forjarem esquemas de equilíbrio de poder nas Relações Internacionais.
A experiência frustrante da Liga das Nações (1919-1939) foi uma grande motivação para o
ressurgimento com força das abordagens realistas, a partir de Edward Hallett Carr, bem
como de Raymond Aron, Hans Morgenthau e Henry Kissinger. No final da década de
sententa Kenneth Waltz lança as bases para o que desde então é tratado como neo-
realismo, que procura firmar as bases de sustentação teórica a partir, principalmente, das
definições mais precisas das fontes e hierarquias de poder dos Estados nas Relações
Internacionais contemporâneas.15
Segundo Herz16, os realistas são responsáveis pela escassez de bibliografia sobre
Organizações Internacionais durante a Guerra Fria, o que dá mostras da pouca importância
dada por estes a elas. Segundo os realistas, instituições internacionais de uma forma geral,
o que vai de regimes e normas, e Organizações Internacionais de forma específica não
possuem influência suficiente na arena internacional para influenciarem as relações de
poder. A cooperação, base para a criação das Organizações Internacionais, seria dificultada
pela base anárquica e pela falta de confiança nas Relações Internacionais, e só se realizaria
enquanto meio dos Estados alcançarem seus interesses. Assim, elas seriam apenas um
instrumento para a ação racional-estratégica dos Estados, o que remete a similaridades com
a escola do institucionalismo da escolha racional.17
Para os propósitos deste ensaio, podemos fazer algumas simbioses úteis entre as correntes
teóricas neoinstitucionalistas e o realismo. De forma direta, a idéia de que as instituições são
criadas para coordenar têm correspondência na idéia de que elas são instrumentos para a
ação do Estado. Tanto num caso como no outro, elas possuem então um papel importante
nas relações políticas, apesar da negação veemente de grande parte dos realistas quanto a
isto.
Do institucionalismo histórico podemos resgatar a idéia das assimetrias de poder, e também
de forma direta elas fazem parte do corolário realista quando assumem que as relações de
poder são diferenciadas pelas capacidades também diferentes e desiguais que os Estados,
ou grupos de Estados, possuem uns em relação aos outros. No entanto, neste particular
cabe chamar atenção para o fato, negligenciado pelos realistas e salientado pelos liberais,
15
WALTZ, Kenneth N. “Teoria das Relações Internacionais”. Lisboa, Gradiva, 2002; GRIFFITHIS, Martin. “50
grandes estrategistas das relações internacionais”. São Paulo, contexto, 2004. 16
HERZ, Mônica; HOFFMAN, Andréa Ribeiro. “Organizações Internacionais: história e práticas”. Rio de
Janeiro, Elsevier, 2004. 17
Citados por Herz, idem: GRUBER, Lloyd. “Ruling the World. Power Politics and the rise of Supranational
Institutions”. Princeton, Princeton University Press, 2000; KOREMENOS, Barbara; LIPSON, Charles &
SNIDAL, Duncan. “The Rational design of International Institutions”. International Organization, n. 55, v.4,
pp761-700, 2001.
13
como veremos em seguida, que são exatamente as Organizações Internacionais as
instituições que podem servir de fonte de poder para equilibrar ou desequilibrar o jogo
político na arena internacional. Como veremos na próxima seção, isto ficará mais realçado
do ponto de vista do Conselho de Segurança da ONU, justamente pela Path Dependency
forjada desde sua constituição.
Por fim temos a corrente liberal, que também se confunde com o idealismo, é convertida e
também conhecida como teoria da interpendência e que, mais recentemente, ganha a
alcunha de interdependência complexa. Se quisermos traçar uma linha de autores e
pensadores que deixaram marca para esta corrente poderíamos passar por Immanuel Kant,
Hugo Grotios, Adam Smith, Jeremy Bentham e Woodrow Wilson, até chegarmos aos
formuladores das concepções recentes, Robert Keohane e Joseph Nye.18
De origem realista, Keohane e Nye passaram na década de setenta19 a questionar alguns
postulados desta escola, principalmente aquele que prega uma anarquia para o sistema
internacional e dá papel quase que absoluto para o Estado. Lançam assim as bases para o
que se convencionou chamar escola da interdependência. Na década de oitenta, Keohene e
Nye revisitam seus postulados, atestando ao Estado um caráter mais importante na
determinação das Relações Internacionais, mas enfatizando que existem muitos outros
atores e interconexões entre eles que nos fazem pensar na idéia de uma interdependência
complexa.20
Para esta corrente das Relações Internacionais, as Organizações Internacionais21 são
fundamentais, apesar dos Estados serem centrais, na construção de espaços de
cooperação e criação de confiança. São elas, junto ao Direito Internacional e aos regimes
internacionais que freiam a ação do Estado, que por sua vez sem isto estaria pondo em
risco o próprio sistema. Neste sentido, segundo Herz22, esta escola também se ancora na
idéia de que os atores são movidos por escolhas racionais que maximizem seus interesses,
e as instituições, assim como o mercado na economia, são responsáveis pelas correções de
curso que poderiam causar problemas.
18
Esta noção de continuidade possui similaridade com a apontada por Almond, de uma perspectiva “eclético-
progressiva” da Ciência Política. ALMOND, Gabriel. “Political science: the history of the discipline”. IN:
GOODIN, Robert & KLINGEMANN, Hans-Dieter. “A New Handbook of Political Science”. Oxford University
Press, 1996. 19
Veja-se KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. “Transgovernamental Relations and International Organization”.
World politics, 27, 1974; e principalmente KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. Power and Interdependence:
World Power in Transition. Boston, Little Brown, 1977. 20
KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. “Power and Interdependence Revisited”. International Organization 41,
pp. 725-53, 1987. 21
Os autores dão tratamento importante tanto para as Organizações Internacionais de caráter
Intergovernamentais, ou seja, criadas por Estados, bem como por poutras formas institucionais não Estatais.
Neste ensaio focamos particularmente as primeiras. 22
Idem, pp. 51-58.
14
Aqui cabem mais analogias com a teoria política e para a análise a seguir do Conselho de
Segurança. A lógica da teoria da interdependência complexa e o papel que assumem as
Organizações Internacionais têm como fonte de inspiração, inclusive sendo ponto
explicitamente vinculado, o “dilema do prisioneiro”. A importância deste princípio para as
Organizações Internacionais é que, com a repetição, os atores vão agir hoje sabendo que
poderão sofrer ações contrárias amanhã por outro ator, ou então que cooperando agora
terão cooperação amanhã. A confiança mútua é justamente estabelecida pelas
Organizações Internacionais, pois que resultam de acordos multilaterais formalizados em
Tratados.
Além disto, vale referência também à questão da legitimidade para entendermos a evolução
das Organizações Internacionais. Diferentemente da Lei e conseqüentemente do Direito
Interno a cada Estado que é regido pelo principio da legalidade, o Direito Internacional é
regido pelo princípio da Legitimidade. Neste sentido, como as Organizações Internacionais
são constituídas pelos Tratados Internacionais, que por sua vez são uma das fontes do
Direito Internacional, elas têm sua evolução, ou seja, sua criação, desenvolvimento,
estabilidade, mudança ou fim, definida a medida do grau e legitimidade que os Estados lhe
conferem.
Por fim, cabe resgatar a idéia de Tsebelis de jogos ocultos. A partir das idéias deste autor
podemos estabelecer que na arena internacional, com vários cenários e instâncias que são
relevantes no resultado final, muitas das decisões podem parecer sub-ótimas para o
observador. Porém, para os atores, neste caso os Estados, é fundamental que levem em
consideração e negociem, e eles o fazem, a partir da idéia de que estão agindo em múltiplas
arenas. Para finalizar este ensaio, passemos às considerações acerca das possibilidades
das idéias de Retornos Crescentes e de Path Dependency para o caso do Conselho de
Segurança da ONU.
Aplicações de Retornos Crescentes e da Path Dependency para o Conselho de
Segurança da ONU
A problemática que envolve o Conselho de Segurança diz respeito à idéia de Segurança
Coletiva e possui lógica baseada na escolha racional. Significa um arranjo de acordo (os)
que estabelece ser a todos a agressão a um dos membros, o que causaria o compromisso
de que também será de todos os membros a ação de retaliação a esta agressão. Assim, os
Estados agindo de forma racional não atentariam contra aqueles que por ventura façam
parte destes arranjos, pois a resposta teria um peso vital para o Estado agressor. De outra
lado, em termos internacionais um arranjo de Segurança Coletiva tende a limitar o próprio
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uso da força para a resolução de conflitos não armados, o que tende a manter a estabilidade
do sistema.
A Segurança Coletiva possui um leque bastante grande de visões e análises, e está
originalmente associada à paz de Westfália em 1648 e posteriormente à criação da Liga das
Nações em 1919, após a Primeira Guerra Mundial23. Este conflito internacional marcou era
nas Relações Internacionais por acontecer após séculos de conflitos na Europa que
pareciam insolúveis, mas que culminou numa destruição jamais vista. A resposta à Guerra
foi o surgimento de uma Organização Internacional de inspiração liberal e idealista, vinda do
presidente estadunidense Woodrow Wilson, a Sociedade das Nações, ou Liga das Nações.
Até então já haviam surgido Organizações Internacionais, como as Comissões Fluviais e as
Associações Técnicas e Administrativas, mas todas tinham apenas um caráter operacional.
A Liga, por sua vez, veio com um propósito de ser a primeira a ter um caráter universal, e
instalou também o primeiro grande arranjo institucional de Segurança Coletiva. Este sistema
se refletiu institucionalmente num Conselho composto por nove, depois ampliado para
quinze, que tinha a incumbência de tratar dos assuntos pertinentes a guerra e paz.
Importante notar que as decisões do Conselho eram tomadas por unanimidade, ou seja,
todos os 15 membros deveriam votar a favor. Ou seja, na prática todos tinham um direito de
veto. Apesar de seu caráter democrático, este sistema de tomada de decisão foi
responsável pela paralisia das decisões da Liga das Nações, e, como tratava (ou deveria
estar tratando) de questões de guerra e paz que, invariavelmente deveriam ser tomadas de
forma rápida, foi também responsável pelos principais problemas da Organização.
São signficativas as possibilidades de comparação do período de existência da Liga das
Nações com o vivido nos ultimos anos para a ONU e seu Conselho de Segurança. Esta
Organização Internacional sofreu um processo constante de desligitimação e confirmou a
tendência a não sofrer significativa mudança institucional. Os seus principais postulados
foram seguidamente desrespeitados, como a proibição de rearmamento da Alemanha, bem
como agressões entre Estados potências e pequenos Estados. Uma outra característica
marcante do período foi a indefinição de uma ou algumas superpotências, tendo o Sistema
Internacional à época marcantes características de multipolaridade. Outro elemento que
marca o período é a crise do sistema capitalista, sendo a quebra da bolsa de Nova Yorque
em 1929 seu principal ponto. Em função desta especificidade, cresceu sobremaneira o
fenômeno do Protecionismo e o abando das principais medidas de liberalização adotadas
internacionalmente até então. O Estado ganha importância significativa, e medidas
keynesianas anti-ciclicas ganham notoriedade.
23
ROBERTS, Adam. “The United Nations: variants of Collective Security”. In: WOODS, Ngaire. “Explaining
International Relations Since 1945”. Oxford, Oxford University Press, 1996
16
Outro elemento importante de ser realçado à época da Liga das Nações diz respeito ao
rearranjo hegemônico, com a crescente diminuição do peso do reino Unido como potência
hegem6onica e, principalmente após a II Guerra, o crescimento dos EUA. Houve, em função
desta característica, uma significativa corrida armamentista, reforçando o dilema de
segurança em situaçãos de rise hegemônica. Assim é que recrudesceram os conflitos
regionais e dai para internacionais e a Segunda Guerra mundial, características presentes
nas ultimas duas décadas no Sistema Internacional, desde o fim da Guerra Fria.
No entanto, a experiência da Liga, se não consegui impedir que vivêssemos a II Guerra
Mundial, ao menos foi fundamental para a criação de sua sucedânea e, em termos de
Segurança Coletiva, do mecanismo que argumentamos constitui-se numa Path
Dependency.
Após a Segunda Guerra e com a experiência da Liga das Nações foi forjada a Organização
das Nações Unidas. Seu desenho institucional guarda semelhança com sua antecessora,
também criando um Conselho de Segurança responsável pelo tratamento das questões de
Guerra e Paz. Porém, as diferenças em relação à Liga são importantes. O Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU) foi criado com onze membros, sendo cinco deles
permanentes e outros seis rotativos. Os permanentes são os Estados Unidos, o Reino
Unido, a França, a Rússia e a China. Como justificativa de tornar mais eficaz o processo
decisório, a Carta da ONU estabelece que as decisões, em forma de Resoluções, do CSNU
deverão ser tomadas por uma maioria qualificada e NENHUM VOTO CONTRÁRIO de
nenhum membro permanente. Além disto, este arranjo institucional é também um reflexo do
final da II Guerra, que é forjado por, e dá privilégios para as nações vencedoras em
detrimento das perdedoras, refletindo o jogo de forças à época.
Isto significa que os membros permanentes possuem a prerrogativa de intervenção na
soberania dos demais países membros da ONU (ou não), mas preservam o direito de não
terem ações contra a sua, ou seja, possuem o conhecido DIREITO DE VETO. É este direito
de veto o mecanismo substancial que acreditamos ser o causador da Path Dependency, da
estabilidade e da quase nenhuma ou insignificante mudança no Conselho de Segurança.
Isto porque, além do mecanismo poder ser usado para vetar a aprovação de qualquer
Resolução, o veto pode ser usado na inclusão e exclusão de membro, na possibilidade de
suspensão, na escolha do Secretário Geral, entre outras prerrogativas.
No entanto, a mais importante para nosso esquema analítico é a capacidade que os
membros têm para vetar uma mudança na própria carta da ONU, o que seria necessário
para a própria mudança no Conselho de Segurança e/ou no seu esquema de veto. Isto
acontece porque a Carta prevê que para que seja efetivada uma mudança nela própria é
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preciso a aprovação de 2/3 da Assembléia Geral, mas a entrada em vigor só se daria com a
ratificação de todos os membros permanentes do Conselho de Segurança. Ou seja, na
prática os cinco permanentes possuem um poder de veto, e, tanto o mecanismo quanto a
história tem demonstrado que este mecanismo induz, condiciona, limita a instituição à uma
rota específica desde sua criação, e também que o mecanismo é auto-reforçado, pois as
possibilidades que existem de mudança na composição ou no mecanismo de decisão do
CSNU poderá significar perda de poder.
Assim, o mecanismo possui uma forte tendência a não mudar substancialmente, pelo
contrário, tende a se perpetuar. Consideramos isto um exemplo de Path Dependency com
Retornos Crescentes, pois com o crescimento da complexidade da vida política
internacional, cresce também a capacidade dos membros permanentes
auferirem/barganharem ganhos advindos de sua posição. A história nos mostra esta
tendência.
Na sua carta constitutiva a ONU previa uma Conferência depois de dez anos de sua criação,
portanto em 1955, para se fazer uma revisão e adaptação da Organização. No entanto,
houve apenas uma modificação e somente em 1965 aceita pelos membros permanentes do
CSNU em que se passou de uma estrutura com seis membros permanentes para dez, sem
mais nenhuma modificação. Ou seja, houve uma acomodação de interesses passados vinte
anos de criação, tendo o mecanismo do veto impedido uma auto-mudança substancial. Isto
porque, podemos dizer, o cálculo dos membros permanentes é feito em relação às
prerrogativas de poder que possuem e que não estão dispostos a ceder. Ao contrário, estão
se utilizando para conseguirem vantagens a partir da idéia de que terão outras arenas em
disputa.
É emblemático neste sentido, a partir do 11 de setembro e da invasão dos EUA ao Iraque,
em 2003, o aprofundamento da discussão sobre uma mudança na composição do Conselho
de Segurança. A principal prerrogativa é que temos hoje, num dos mais importantes órgãos
de uma das mais importantes Organizações Internacionais, uma composição que não reflete
as relações de poder atuais, e sim a composição de forças do imediato pós II Guerra. Desta
forma, potências econômicas como a Alemanha e o Japão, potências regionais como o
Brasil, a Índia e a África do Sul reivindicam uma maior parcela de responsabilidade, e,
portanto de poder, sobre os desígnios de guerra e paz objeto do Conselho. No entanto, o
mecanismo de veto é utilizado para barrar mudanças na instituição. Ao procurarem uma
mudança no Conselho de Segurança estes Estados acima estão legitimando a sua
existência, inclusive da forma como ele existe desde a sua criação, o que também lhe
confere maior dificuldade para mudança.
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Cabe ressaltar então, que entendemos este exemplo como possível de ser analisado como
um mecanismo que impõe a Path Dependency, impõe uma rota dependente que restringe
mudança institucional e é, auto-reforçado e traz Retornos Crescentes. Além disto, conforme
observação de Pierson, é aplicável também a idéia de que um evento original ativou este
arranjo particular, ou seja, o veto foi estabelecido a partir da relação de poder à época, e a
atividade ou o arranjo é continuamente reproduzida, embora o evento original já não
aconteça, ou seja, embora tenhamos uma outra correlação de força nas Relações
Internacionais.
Comparações do Conselho de Segurança da ONU com a Liga das Nações.
Neste momento do ensaio faz-se algumas comparações que achamos relevantes em
relação à Liga das Nações, as características do seu período de existência, sua crise e o
resultado no sistema Internacional, já apontados anteriormente. Nestas comparações
evidenciamos a existência de muitas identidades, remetendo a possibilidades de
exacerbação de conflitos internacionais em escala mundial.
Em primeiro lugar, o ambiente internacional desde início de milênio é marcado por forte crise
hegemônica. É certo que ainda são muito debatidos a ocorrência de uma crise dos EUA no
pós-guerra fria e seus efeitos sobre a hegemonia deste Estado, mas há fortes indícios de
que ele apresenta dificuldades em impor seu poder ordenador no Sistema Internacional. A
crise econômica de 2007/2008 é reflexo da queda das potencialidades da economia
estadunidense desde a década de 70. A crise se estabelece definitivamente a partir dos
EUA, mas, em função de sua característica cíclica e sistêmica, se estende por todo o
Sistema capitalista tornando-se uma crise econômica mundial, a exemplo da crise de 1929 e
com intensidade muito semelhante.
Em segundo lugar, outros atores e agrupamentos de países estão se fortalecendo e
tornando ainda mais difíceis as potencialidades dos EUA regerem de forma efetiva uma
hegemonia. Exemplos disto são as capacidades da União Europeia enquanto bloco, China,
Japão, Índia e Brasil. Neste sentido, propomos a perspectiva de que o Sistema Internacional
está se rodenando numa multipolaridade em blocos, onde percebe-se a diminuição do poder
hegemônico dos EUA e a pulverização de poder no sistema, com ênfase para a
consolidação de poderes regionalmente relevantes, com amplos reflexos na ordem
internacional. Esta característica do sistema Internacional possui suas peculiaridades pelo
componente de blocos, mas muito se assemelha à multipolaridade do período da existência
da Liga das Nações.
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Em terceiro lugar, é possível verificar o fenômeno do protecionismo e da corrida
armamentista no período pós-guerra fria. O exemplo mais contundente desta perspectiva é
o congelamento das negociações comerciais da Organização Mundial do Comércio, bem
como o aumento de conflitos regionalmente localizados em todo o mundo. Movimentos
nacionalistas e de extrema direita, da mesma forma, ressurgem com intensidade forte em
países de alto grau de desenvolvimento econômico, em decorrência do acirramento da
competição nos seus mercados de trabalho.
Em quarto lugar, como amplamente vislumbrado anteriormente, resgatamos aqui a crise de
legitimidade por que passa a ONU, especialmente seu Conselho de Segurança. A exemplo
da Liga das Nações, a cada passo dos EUA em tentar manter suas prerrogativas
hegemonicas, através de ações militares unilaterais, mais a ONU deixa de representar uma
possibilidade de espaço de resolução de conflitos internacionais, de segurança e paz
mundial. Da ONU em direção a outras Organizações Internacionais, como a própria OMC já
citada, tem-se um efeito contagiante de desligitimação e diminuição de importância no
Sistema Internacional, a exemplo do período da Liga das Nações.
Assim, a identificação das características atuais e do período da Liga das Nações nos
remetem, à luz da dificuldade apresentada e discutida pela literatura neoinstitucionalista
para mudança do Conselho de Segurança da ONU capaz de acomodação dos poderes
existentes, constatamos a tendência de um sistema Internacional multipolar em blocos com
o aparecimento de conflitos localizados regionalmente que tendem a exacerbar a
insegurança internacional.
Nesta perspectiva, situações de Conjunturas Críticas podem constituir-se em possibilidades
de mudanças profundas no ordenamento institucional e na acomodação de poderes
internacionalmente. Uma avaliação de reversão dos Retornos Crescentes por parte dos
membros permanentes do Conselho de Segurança pode significar a perspectiva de ceder
um poder que já não é mais real, é muito mais formal, ou seja, o poder de veto na
organização.
Quando a Alemanha no pós-Segunda Guerra começou a se rearmar e a Liga das nações
tentou impor sanções aquele país, o resultado já era de uma deslegitimação e falta de
capacidade impositiva da organização. A Alemanha simplesmente se retirou da Liga das
Nações. O momento da ONU não remete a pensarmos uma retirada de nações
descontentes com o status de poder no Conselho de Segurança, mas parece que estamos
diante das mesmas condições para, cada vez mais, esta organização ser relegada a
segundo plano no sistema internacional e os conflitos internacionais se exacerbarem. Ao
menos que tenhamos Conjunturas Críticas significativas que redefinam os caminhos
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instituidos na criação da própria ONU, rumo a uma nova situação de Retornos Crescentes
para um outro grupo hegemonico no Sistema Internacional.
Considerações finais
Procuramos neste ensaio pensar algumas alternativas de análise das Relações
internacionais de uma forma geral, e das Organizações Internacionais de forma particular, a
partir de conceitos e construções teóricas do neoinstitucionalismo, especificamente os
Retornos Crescentes e a Path Dependency para o Conselho de Segurança da ONU em
comparação com a Liga das Nações. Acreditamos que, de uma forma geral, as idéias
ilustradas mostram um campo fértil para aprofundamento de estudos nas Relações
Internacionais a partir destes conceitos.
Temos claro que, ao formarmos um amplo leque de conceitos e formações teóricas de
diferentes matrizes, poderemos estar incorrendo no erro de juntar lados inconciliáveis. Da
mesma forma, temos consciência da negligência de alguns estudos de Organizaçòes
Internacionais acerca do assunto. No entanto, como ensaio, este trabalho tem justamente a
perspectiva de ser aperfeiçoado para ter uma validade científica maior. Devemos salientar,
no entanto, que acreditamos que o exercício se mostrou fértil a partir de suas pretensões, o
que nos encoraja a seguir por este caminho.