2 Sistema interamericano de direitos humanos · que se trata de uma visão positivista em...

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2 Sistema interamericano de direitos humanos...

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DUMPING SOCIAL Os reflexos da globalização

nos direitos humanos

4 Sistema interamericano de direitos humanos...

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Daniela Menengoti Ribeiro Milaine Akahoshi Novaes

DUMPING SOCIAL Os reflexos da globalização

nos direitos humanos

Primeira Edição E-book

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Toledo – PR 2016

6 Sistema interamericano de direitos humanos...

Copyright 2016 by Daniela Menengoti Ribeiro; Milaine Akahoshi Novaes

EDITORA: Daniela Valentini CONSELHO EDITORIAL:

Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR Dr. José Francisco de Assis Dias – UNIOESTE - PR

Dr. Lorella Congiunti – PUU - Roma REVISÃO ORTOGRÁFICA: Prof. Ademir Menin

DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Editora Vivens CAPA: Leandro Correia

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou

transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem

permissão escrita das autoras. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

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http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Ribeiro, Daniela Menengoti.

R484d Dumping social: os reflexos da globalização

nos direitos humanos. / Daniela Menengoti Ribeiro,

Milaine Akahoshi Novaes. - 1. ed. ebook -

Toledo,PR : Vivens, 2016.

184 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN 978-85-92670-26-9

1. Responsabilidade social das empresas.

2.Organizações internacionais. 3. Direito da

personalidade. 4.Dumping social. I. Título.

CDD 22.ed.346.013

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.............................................................. 1 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NO MUNDO JURÍDICO GLOBALIZADO........................ 1.1 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO................................................................ 1.2 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO........... 1.3 O CONCEITO DE DUMPING SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS...........................................................

1.3.1 O conceito de dumping em sentido amplo........... 1.3.2 O conceito de dumping social.............................

1.4 O DEBATE EM TORNO DA CLÁUSULA SOCIAL NO ÂMBITO DA OMC E DA OIT........................................

1.4.1 Qual organização internacional – OMC ou OIT – é competente para implementar a cláusula social?........................................................

2 OMISSÃO DOS ESTADOS E O DUMPING SOCIAL.................................................... 2.1 O DIREITO DO TRABALHO E SUAS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO GLOBALIZADO.................................................. 2.2 GLOBALIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS................................................. 2.3 O DEBATE JURÍDICO NO BRASIL.......................... 2.4 CASOS ATUAIS DE DUMPING SOCIAL.................

2.4.1 Dumping social no Brasil................................. 2.4.2 Dumping social na Europa..............................

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3 OS DIREITOS HUMANOS AFETADOS PELO DUMPING SOCIAL................................................. 3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS HUMANOS..................................................

3.1.1 As gerações de direitos humanos....................... 3.1.2 O direito à vida, à integridade psicofísica e à saúde..................................................................... 3.1.3 O dumping social e a lesão aos direitos dos empregados brasileiros.......................................

4 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA ELIMINAÇÃO E CONTROLE DO DUMPING SOCIAL................................. 4.1 PACTO GLOBAL E OUTRAS INICIATIVAS DA ONU........................................ 4.2 PRINCÍPIOS DA OCDE SOBRE O GOVERNANÇA CORPORATIVA...................................... 4.3 SELO SOCIAL.............................................................. 4.4 CRÍTICAS ÀS INICIATIVAS DE COMBATE E PREVENÇÃO AO DUMPING SOCIAL: HAVERIAM OUTRAS SOLUÇÕES?.................................. REFERÊNCIAS..................................................................

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Nada é impossível mudar Desconfiai do mais trivial,

na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada,

de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural.

Nada deve parecer impossível de mudar.

Bertold Brecht

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APRESENTAÇÃO O dumping social é um tema contemporâneo e

recorrente em diversos países. Muitas empresas têm se utilizado deste mecanismo com o objetivo de aumentar os lucros e, também, para se destacar perante a concorrência. Assim, violam sistematicamente direitos laborais a fim de aumentar seus ganhos. Neste cenário, muitos trabalhadores sofrem em empregos precários, são explorados em condições análogas à escravidão, exercem suas atividades em lugares sem proteção e segurança, outros trabalham mais horas do que a legislação permite para ao final ganharem uma quantia irrisória, dentre tantos outros casos de transgressões.

Quando se fala em exploração do ser humano na cadeia produtiva, é usual lembrar-se dos países asiáticos, onde abusos já foram noticiados na mídia e em documentários por diversas vezes. Entretanto, esta constatação também pode se dar em solo brasileiro, como por exemplo, em fábricas de costura que empregam imigrantes latinos, ou em fazendas que tratam os trabalhadores em situações semelhantes à escravidão.

A escolha de não cumprir as normas trabalhistas para aumentar os lucros empresariais tem se tornado comum na seara nacional e internacional. Tal fato tem gerado um debate em torno da implantação de cláusulas comerciais no âmbito da OMC ou da OIT, e iniciativas no âmbito da ONU.

As organizações internacionais, na atual conjuntura, têm ganhado força para a resolução de impasses entre os Estados diante dos mais diversos problemas de ordem global ou regional, como questões políticas, sociais, humanitárias, econômicas, dentre outras, porém, não há consenso entre os países quanto a

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implantação de cláusulas sociais no âmbito da OMC, da OIT ou de ambas organizações.

Existem entendimentos de que a população dos países menos favorecidos se beneficia com a instalação de empresas nestes locais, uma vez que por não cumprirem as normas mínimas de proteção do trabalhador, tais localidades são estrategicamente vantajosas, fazendo com que haja um desenvolvimento econômico na área. Contudo, entende-se que as empresas que praticam o dumping social não podem ser vistas como uma opção a estas pessoas, mas como uma falta de opção. Os indivíduos submetem-se a empregos precários por ser a única alternativa ou por falta de instrução. Explorar o ser humano que se encontra em situação de vulnerabilidade é algo dissonante com a concepção contemporânea de promoção dos direitos humanos.

É inegável que a globalização tenha efeitos positivos. O avanço tecnológico, o intercâmbio cultural e científico, a competitividade do mercado são elementos que contribuem para o progresso da sociedade. Porém, a enorme expansão das relações econômicas nas últimas décadas, com empresas transnacionais buscando oportunidades de negócios ao redor do mundo, trouxe consigo novas ameaças à direitos

Da mesma forma, a obra não critica a geração de riquezas, a obtenção de lucros e o crescimento empresarial, desde que tais fatores ocorram dentro da legalidade e de uma moral universal, com o pleno respeito dos direitos humanos, aliados ao desenvolvimento social.

Mas é indiscutível que existe também o lado negativo que merece atenção, cabendo à sociedade científica levantar a reflexão e difundir um tema tão contemporâneo e importante como é o do dumping social.

Questões sociais, ambientais, de garantia de direitos dos trabalhadores e diversidade cultural da

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dignidade da pessoa humana se acentuam diante do mundo globalizado. E, é imprescindível a busca pelo fortalecimento dos mecanismos de prestação de contas e responsabilização por violações a direitos humanos por parte do setor privado.

Não se pode generalizar a atuação das empresas transnacionais, e há inúmeras iniciativas para se promover a prática de boa governança, porém, são propostas singelas e não vinculativas.

A grande inquietação quanto à atuação das empresas transnacionais é seu comprometimento com os direitos humanos em países onde há falhas legislativas para sua efetiva garantia. Pode uma empresa, com sede em um país que exigi o cumprimento das normas protetivas do homem e da sociedade, eximir-se essa responsabilidade quando atua em outro território? É possível perdoar as empresas transnacionais dessa amnésia jurídica?

A sociedade e, em especial os juristas, precisam estar atentos às modificações trazidas pela globalização nas novas formas de produção, com o intuito de solucionar os conflitos resultantes das tensões sociais. A violação aos direitos mínimos laborais é recorrente em todo o mundo, com a complacência dos Estados, das empresas, das organizações internacionais e, sobretudo, diante dos olhos da sociedade. Assim, o desafio atual é conciliar o desenvolvimento econômico com a garantia dos direitos sociais. Esses desafios mostram que os países já não são os únicos violadores de direitos, nem os únicos responsáveis por seu respeito e proteção neste novo ambiente.

No Brasil, não existe uma legislação específica que trata do dumping social, mas o tema vem despertando a atenção do judiciário pátrio, diante do grande número de demandas, com isto, as decisões jurisprudenciais têm traçado os contornos deste instituto, com base na reparação por dano social.

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O Tribunal Superior do Trabalho tem firmado entendimento de que o juiz não pode reconhecer o dumping social de ofício, com o argumento de que o magistrado deve decidir nos limites da demanda proposta, sob pena de configurar julgamento extra petita. Em concordância com alguns doutrinadores, entende-se que se trata de uma visão positivista em desarmonia com o ideal de justiça contemporâneo, na medida em que limita a perspectiva de promover a defesa do trabalhador e, assim, efetivar o princípio que fundamenta todo o ordenamento jurídico brasileiro: o princípio da dignidade da pessoa humana.

O tema também ganha destaque na Europa, que assistiu uma grande mobilidade empresarial e de pessoas com a União Europeia, o que possibilita uma empresa ter sede em um país, seduzir trabalhadores em outro, a fim de executar obras em uma terceira localidade.

O Tribunal de Justiça da União Europeia, apesar de reconhecer a finalidade social da União Europeia e da importância da promoção dos direitos dos trabalhadores, decidiu pela liberdade de estabelecimento das empresas. Tais decisões são criticadas por doutrinadores os quais consideraram que neste conflito de direitos deveria preponderar os direitos fundamentais da pessoa.

As relações de trabalho devem ser um meio de efetivação deste princípio, a fim de promover o pleno desenvolvimento da personalidade e das potencialidades do indivíduo. Contudo, a prática do dumping social faz com que os trabalhadores sejam prejudicados em seus direitos, podendo gerar consequências irreversíveis. Neste cenário, vislumbrou-se que a vida, a integridade física, psíquica e a saúde são direitos essenciais que merecem atenção especial por serem aspectos inatos, bens preciosos a serem preservados.

A última parte da obra ilustra algumas possíveis soluções para coibir e prevenir o dumping social. Alguns instrumentos são utilizados no âmbito internacional como

Apresentação 15

forma de reprimir atividades nocivas aos trabalhadores. No entanto, há crítica de que esses recursos não apresentam mecanismo de sanção para as empresas que assumem o compromisso de implementá-los, mas acabam por não os executar na prática. Assim, podem ser utilizados como ferramentas de marketing empresarial, distanciando do verdadeiro fim que é proteger os direitos fundamentais de seus empregados.

Defende-se a internacionalização do direito, com base na defesa dos direitos humanos. Uma vez que a humanidade possui adversidades globais, as soluções devem se alicerçar em princípios comuns.

As empresas, por assumirem uma dimensão inédita no mundo globalizado, também devem se incumbir de assegurar a defesa do ser humano. No campo do direito interno, existem legislações que reconhecem a responsabilidade destas pessoas jurídicas, porém, essas grandes corporações possuem dimensões internacionais, atuando em vários países, e não há, ainda, um documento universal que as incumba da responsabilidade por violações aos direitos humanos em territórios onde as legislações são deficientes ou inexistentes.

É preciso reagir, reavaliar valores e dar respostas aos apelos de uma nova economia. E este avanço depende tanto do crescimento econômico através de políticas e práticas de negócios conscientes, quanto do reconhecimento e concretização dos direitos em todas as dimensões. Ninguém perde inovando, só se ganha um mundo novo.

Daniela Menengoti Ribeiro Milaine Akahoshi Novaes

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LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS ALCA - Acordo de Livre Comércio das Américas AARU – Acordo Antidumping da Rodada do Uruguai BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento CE – Constituição Europeia CEPAA – Council for Economic Priorities Accreditation Agency – Órgão de Credenciamento do Conselho de Prioridades Econômicas CF – Constituição Federal CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CPC – Código de Processo Civil CVM – Comissão de Valores Mobiliários ETN – Empresas Transnacionais EUA – Estados Unidos da América FMI - Fundo Monetário Internacional GATT - General Agreement on Tariffs and Trade - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa MERCOSUL - Mercado Comum do Sul MPT – Ministério Público do Trabalho OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIT – Organização Internacional do Trabalho OMC – Organização Mundial do Comércio ONU – Organização das Nações Unidas ONG – Organização Não Governamental RSE – Responsabilidade Social da Empresa TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia TRT – Tribunal Regional do Trabalho TST – Tribunal Superior do Trabalho UE – União Europeia

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AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NO MUNDO JURÍDICO GLOBALIZADO

Diante da conjuntura política e econômica

mundial, as organizações internacionais têm ganhado força para a resolução de impasses entre os Estados. Estas instituições estabelecem cooperação entre os países diante dos mais diversos problemas de ordem global ou regional, como questões políticas, sociais, humanitárias, econômicas, dentre outras.

Para Herz e Hoffmann as referidas organizações internacionais

[...] são hoje parte central da política internacional e da vida social em diferentes partes do mundo. A prática profissional, a compreensão do mundo que nos cerca e o exercício da cidadania exigem atenção ao tema.1 Até chegarem ao formato atual, as organizações

internacionais percorreram uma longa trajetória histórica. Inicialmente, foram criadas para atender aos interesses da comunidade internacional e expandiram-se após o término da Segunda Guerra Mundial.

[...] a rede de organizações internacionais faz parte de um conjunto maior de instituições que garantem uma certa medida de governança global. Normas, regras, leis, procedimentos para a resolução de disputas, ajuda humanitária, a utilização de força militar, programas de assistência ao desenvolvimento, mecanismos para

1 HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 9.

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coletar informações são algumas das práticas que produzem a governança global.2

As organizações internacionais se multiplicaram

significativamente, e que foram criadas centenas delas na segunda metade do século XX. Seja com alcance global ou regional, “cada uma dessas organizações agrega valores e interesses que têm uma influência material sobre o processo formal de produção do direito”3.

As organizações internacionais possuem objetivos diversos, havendo variadas áreas de atuação de acordo com os problemas que afligem a comunidade internacional, tais como o desenvolvimento econômico e social, a manutenção da paz, questões humanitárias, etc. No tópico seguinte serão estudadas a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), pois o dumping social é matéria que diz respeito tanto à esfera trabalhista quanto ao comércio internacional. Ademais, ambas as organizações se debruçam sobre o tema em razão da sua atualidade.

1.1 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

A Revolução Industrial, que se desenvolveu a

partir do final do século XVIII, provocou reflexões éticas e econômicas sobre o custo do trabalho humano, dando início a uma harmonização internacional da legislação trabalhista. Esse período contou com as contribuições dos líderes industriais Robert Owen4 e Daniel Legrand5,

2 Ibidem, p. 18. 3 VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns problemas de coerência sistêmica. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 167, 2005, p. 143. 4 Robert Owen (1771 - 1858) considerado o primeiro defensor das reformas sociais tendo sustentando, em prol da classe trabalhadora, as ideias difundidas em 1813 na sua obra “A New View of Society”.

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os primeiros que atuaram em prol das melhorias das normas sociais-trabalhistas, e culminou com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT ou ILO, do inglês International Labour Organization).

A OIT é atualmente uma agência das Nações Unidas, com sede em Genebra, na Suíça, porém, foi instituída em 1919 pelo Tratado de Versalhes, acordo de paz assinado pelas potências europeias que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial.

Neste Tratado, a Alemanha assumiu a responsabilidade pelo conflito mundial, comprometendo-se a cumprir exigências políticas, econômicas e militares, impostas à Alemanha pelas nações vencedoras da Primeira Guerra6, estabeleceu-se a Sociedade das Nações, ou Liga das Nações (Parte I, artigos 1 a 26 e anexo) e a Organização Internacional do Trabalho (Parte XIII, artigos 387 a 399).

Segundo o Tratado de Versalhes, a Organização do Trabalho era indispensável uma vez que a Liga das Nações buscava estabelecer a paz universal, e que tal paz só podia ser alcançada com base na justiça social.7

Apesar do pioneirismo reconhecido, suas ideias não obtiveram apoio dos intelectuais ingleses, europeus e dos Estados Unidos da América. 5 A partir de 1841, Daniel Legrand (1783 –1859) atuou na internacionalização das normas sociais-trabalhistas. É uma personalidade reconhecida pelo engajamento na proteção de crianças que trabalhavam na manufatura e pelo esforço em desenvolver junto às empresas, um senso moral, de dignidade e respeito à vida familiar dos trabalhadores. 6 As duras imposições feitas à Alemanha e o alto custo da indenização que teve que pagar aos países vencedores, principalmente França e Inglaterra, pelos prejuízos causados durante a guerra (art. 231 do Tratado - cláusula da “culpa de guerra”), fez surgir uma crise financeira e moral naquele país, culminando em um movimento de revolta que abriu espaço a ascensão do nazismo. 7 “Attendu que la Société des Nations a pour but d'établir la paix universelle, et qu'une telle paix ne peut être fondée que sur la base de la justice sociale”. In: UNIVERSITÉ PERPIGNAN. Digithèque de matériaux juridiques et politiques.Traité de Versailles de 1919.

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Ainda, segundo o art. 387, os membros originários da Liga das Nações serão membros originários da Organização Internacional do Trabalho.8

Tem-se, assim, que as normas para proteção dos trabalhadores nasceram de pressões internacionais, e com forte influência para que fossem adotadas pelas legislações internas dos Estados, repercutindo no Tratado de Versalhes e, consequentemente, na criação da OIT.9 Por se tratar da primeira organização internacional a ser criada, a OIT foi, desta forma, responsável pela expansão do direito internacional na década de 1940, colaborando para a elaboração de legislações trabalhistas e para a adoção de políticas sociais e econômicas globais.

Em 1944, à luz dos efeitos da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial10, a OIT adotou a Declaração da Filadélfia como anexo de sua Constituição. A Declaração antecipou e serviu de modelo para a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, inaugurando a reflexão sobre o desenvolvimento nos organismos internacionais,

Disponível em: <http://mjp.univ-perp.fr/traites/sdn1919.htm>. Acesso em: 20 set. 2016. 8 “Les membres originaires de la Société des Nations seront membres originaires de cette organisation, et, désormais, la qualité de membre de la Société des Nations entraînera celle de membre de la dite organisation.” In: UNIVERSITÉ PERPIGNAN. Digithèque de matériaux juridiques et politiques.Traité de Versailles de 1919. Disponível em: <http://mjp.univ-perp.fr/traites/sdn1919.htm>. Acesso em: 20 set. 2016. 9 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 23. 10 Este período foi também marcado pela Guerra Fria, que colocou em lados opostos Estados Unidos e União Soviética. Tratava-se de uma disputa geopolítica entre o capitalismo norte-americano e o socialismo soviético, onde ambos os países buscavam ampliar suas áreas de influência sem entrar em conflito armado.

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Artigo 2º [...] a) todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm o direito de efetuar o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em liberdade e com dignidade, com segurança económica e com oportunidades iguais.11

A Organização Internacional do Trabalho propõe

normas internacionais que buscam cumprir os direitos do trabalhador a um labor digno, justo e salubre. Sua missão é

[...] promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.12

Outrossim, tem por objetivo promover o trabalho

decente e produtivo: [...] o Trabalho Decente, conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.13

Verifica-se através desta concepção, que a OIT

busca promover o bem-estar e garantir uma vida digna aos trabalhadores, podendo-se afirmar que a definição de

11 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Declaração de Filadélfia. Disponível em: <http://www.ilo.org>. Acesso em: 30 set.

2016. 12 OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <http://www.oit.org.br>. Acesso em: 21 jun. 2016. 13 OIT. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em

<http://www.oit.org.br>. Acesso em: 21 jun. 2016.

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trabalho decente “[...] está relacionada, em sua essência, à afirmação da dignidade da pessoa humana do trabalhador”14.

Tem-se que a OIT desponta como a principal instituição encarregada das questões trabalhistas, “[...] visando o desempenho de uma função integral na busca da justiça social e, sobretudo, da qualidade de vida através de uma vida digna”15.

O trabalho decente, defendido pela OIT, é condição fundamental para que as pessoas possam usufruir de qualidade de vida e ter um pleno desenvolvimento em sociedade. É um meio de garantir o bem-estar dos indivíduos e, assim, promover a dignidade humana. Neste sentido, observa-se os objetivos principais da OIT, quais sejam:

[...] promover os princípios do direito do trabalho; oportunizar emprego e renda aos trabalhadores; aumentar a eficácia social dos direitos dos trabalhadores; fortalecer as organizações do trabalho; capacitar os sindicatos para tomarem decisões políticas, econômicas e sociais capazes de melhorar as condições de trabalho.16

As normas internacionais do trabalho são geradas

a partir das convenções e recomendações elaboradas pela OIT. As primeiras, após serem ratificadas por um

14 ALVES, Marcos César Amador. Trabalho Decente sob a Perspectiva dos Direitos Humanos. In: PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de (Coords.). Direitos Humanos e Direito do Trabalho São Paulo: Atlas, 2010, p. 337. 15 MAYORGA, Ludy Johanna Prado; UCHOA, Anna Walléria Guerra. Efeitos do dumping social no direito ao meio ambiente do trabalho sadio: atuação da OIT e OMC. In: Direito do trabalho. MISAILIDIS,

Mirta Gladys Lerena Manzo des; SILVA, Lucas Gonçalves da; BARBATO, Maria Rosaria Barbato (Coords.). Florianópolis: CONPEDI, 2014, p. 101. 16 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2013, p. 348.

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país, passam a integrar seu ordenamento jurídico. Por sua vez, as recomendações não estão sujeitas à ratificação, apenas sugerem diretrizes, possuindo caráter complementar, integrativo e interpretativo em relação às Convenções.17

Diante da diversidade cultural, histórica, geográfica e de desenvolvimento é difícil uniformizar orientações internacionais sobre a proteção dos direitos dos trabalhadores para todos os países. Neste sentindo, as Convenções da OIT estabelecem diretrizes mínimas ou fixam princípios a serem observados pelos países que as ratificam.18

As Convenções da OIT também não preveem aplicação de sanção em caso de descumprimento das obrigações nelas contidas. Esta é a maior crítica feita à OIT, já que ela não dispõe de instrumentos coercitivos para fazer valer suas próprias decisões. Em virtude dessa circunstância, reivindicam-se a vinculação de padrões trabalhistas à seara comercial multilateral, como é o caso da OMC, considerada uma das poucas organizações internacionais com capacidade de coagir os membros a cumprirem suas decisões.19

A Constituição da OIT, na redação advinda da reforma aprovada na 29ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Montreal, Canadá, no ano de 1946, não estabeleceu quais as sanções que deveriam ser aplicadas aos Estados-membros, limitando-se a estipular, no seu artigo 33, o seguinte:

17 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e Trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 88-89. 18 MARTINS, Sérgio Pinto. O Pluralismo no Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2001, p. 74. 19 DI SENA JÚNIOR, Roberto. Comércio Internacional & Globalização:

a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2008, p. 187-188.

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Se um Estado-Membro não se conformar, no prazo prescrito, com as recomendações eventualmente contidas no relatório da Comissão de Inquérito, ou na decisão da Corte Internacional de Justiça, o Conselho de Administração poderá recomendar à Conferência a adoção de qualquer medida que lhe pareça conveniente para assegurar a execução das mesmas recomendações.20

Por conseguinte, em razão de não existir sanções

no âmbito da OIT, em caso de inobservância das obrigações internacionais, aplica-se uma advertência por parte da Conferência aos respectivos Estados-membros, que se caracteriza mais como uma sanção de ordem moral do que efetivamente jurídica.

Desse modo, a OIT tem a função de harmonizar as relações de trabalho, com o estabelecimento de normas internacionais, que promovam a justiça social e o respeito aos direitos humanos. Para tanto, elaboram convenções e recomendações que fixam diretrizes sobre tais direitos. Por não constituir um rol taxativo de sanções, eventuais inobservâncias não ensejam medidas coercitivas, mas a aplicação de advertência por parte da Conferência aos Estados-membros descumpridores.

1.2 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

A Primeira Guerra Mundial trouxe consigo o clima

de desconfiança no comércio global e a partir de então a situação econômica internacional entra em colapso, seguido da grande depressão econômica que teve início em 1929, e que persistiu ao longo da década de 1930, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial, teve

20 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e seu anexo (Declaração de Filadélfia). Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf>. Acesso em: 20 set. 2016.

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seus efeitos sentidos no mundo inteiro. Estes efeitos, bem como sua intensidade, variaram de país a país.

Os Estados Unidos adotam uma política protecionista mais rigorosa aumentando em seus direitos aduaneiros, o que ajuda a enfraquecer ainda mais suas relações com a Europa. Outros países, além dos Estados Unidos, que foram duramente atingidos pela Grande Depressão, dentre eles Alemanha, Austrália, França, Itália, Reino Unido e especialmente o Canadá.

O New Deal21, medida econômica adotada pelo governo americano, juntamente com programas de ajuda social realizadas por este estado, ajudou a minimizar os efeitos da Depressão a partir de 1933. A maioria dos países atingidos pela crise passaram, então, a recuperar-se economicamente.22

Assim, o século XX se inicia marcado pelo protecionismo econômico associado aos programas de regimes nacionalistas e autoritários, o que consequentemente, gera a retenção das práticas comerciais entre Estados.

Os impactos negativos em termos de redução do bem-estar provocados por políticas protecionistas estiveram bastante visíveis no período entre as duas grandes

21 O New Deal, cuja tradução literal seria “Novo Acordo”, foi o nome dado à série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, prestando assistência aos prejudicados pela Grande Depressão. 22 A partir da segunda metade do século 19, as maiores nações europeias passaram a firmar entre si e com os Estados Unidos vários acordos comerciais bilaterais. Nesse processo, a França ocupou um papel destacado ao difundir a utilização da cláusula de nação mais favorecida, que estendia a todos os países os benefícios negociados bilateralmente. In: REGO, Elba Cristina Lima. Do Gatt à OMC: O que

mudou, como funciona e para onde caminha o sistema multilateral de comércio. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/gatt.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2016, p. 2-3.

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guerras mundiais. Os anos 30 foram marcados pela escassa cooperação entre as nações, sobretudo no que se refere às trocas comerciais. Predominaram as guerras comerciais, baseadas em desvalorizações cambiais competitivas e na imposição de barreiras às importações.23

Em 1944, com o fim da Segunda Guerra Mundial,

44 países se reuniram em Bretton Woods, com o intuito de planejar os rumos da economia internacional. Desta reunião, decidiu-se pela criação de três organizações dentro do sistema da Organização das Nações Unidas, quais sejam: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), e a Organização Internacional do Comércio (OIC), sendo que esta última organização não se concretizou à época.

Em 1947, as pressões internacionais para redução das tarifas comerciais levaram à assinatura do GATT24 - General Agreement on Tariffs and Trade - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, teve como objetivo criar um conjunto de regras multilaterais, facilitadoras do livre comércio através da redução de

23 REGO, Elba Cristina Lima. Do Gatt à OMC: O que mudou, como funciona e para onde caminha o sistema multilateral de comércio. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/gatt.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2016, p. 3. 24 O GATT 1947 foi constituído como tratado internacional multilateral, com 38 artigos, adotado por 23 partes contratantes. Inicialmente, deveria ter prazo de 7 anos, até ser estabelecida a Organização Internacional do Comércio (OIC). No entanto, o GATT foi se institucionalizando e ficando com uma aparência de uma organização internacional. Com as crescentes demandas do comércio internacional, em 1986 iniciou-se as negociações da Rodada do Uruguai, finalizada em 15.07.1994 com o Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio. In: CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional: exame do tema à luz da

globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 416-417.

As organizações internacionais... 29

barreiras tarifárias e de outras formas de discriminação comercial.

De 1947 até 1994, o GATT funcionou com o papel de conduzir as negociações relativas ao intercâmbio internacional de mercadorias. O comércio havia inaugurado um novo período de expansão mundial. Mas, apesar de seus êxitos, o sistema comercial global também mostrou notáveis deformidades. Importantes áreas do comércio, incluindo a agricultura e os serviços, ficaram fora das regras do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT). Essas omissões, unidas ao aumento do protecionismo depois das comoções provocadas pelo preço do petróleo na década de 1970 e da reestruturação industrial nos países desenvolvidos nos anos 1980, exigiram que o GATT reinventasse a si mesmo. Assim, em 1986, os países integrantes desse acordo responderam a esses desafios com o lançamento da Rodada Uruguai:

[...] ao longo de sua existência como organização, o GATT promoveu oito rodadas, durante as quais o comércio internacional foi paulatinamente desgravado. Com a constituição da OMC durante a Rodada do Uruguai, as matérias antes tratadas no âmbito do GATT adquiriram maior organicidade e estabilidade, uma vez que a disciplina do comércio internacional passou a ser da competência de uma organização internacional formalmente constituída, com regras próprias, princípios específicos e pessoal permanente.25

Durante a Rodada Uruguai de negociações,

iniciada em setembro de 1986 e encerrada em abril de 1994, na cidade de Marrakesh, voltou-se a discutir a necessidade de criação de um organismo internacional destinado a regulamentar o comércio internacional, não

25 DI SENA JÚNIOR, Roberto. Comércio Internacional & Globalização:

a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2008, p. 42-43.

30 Dumping social

apenas de bens, mas também serviços, investimentos e propriedade intelectual. Como resultado, a Ata da Rodada Uruguai inclui um novo Acordo de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT 1994), o qual mantem a vigência do GATT 1947, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), o Acordo sobre Investimentos (TRIMS), o Acordo sobre direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), além de acordos destinados a regulamentar procedimentos de solução de controvérsias, medidas antidumping, medidas de salvaguarda, medidas compensatórias, valoração aduaneira, licenciamento, procedimentos, dentre outros.26

Por fim, a Ata da Rodada Uruguai também contém o Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio (OMC), encarregada de efetivar e garantir a aplicação dos acordos e dos instrumentos jurídicos constituídos, e contrariamente ao seu predecessor (o GATT), é uma organização permanente que goza de personalidade jurídica de direito internacionsl. Todos os países membros do GATT se tornaram, de pleno direito, membros originais da OMC, em 1 de janeiro de 1995.

Os membros da OMC fixaram os seguintes objetivos: o aumento do nível de vida; a realização do pleno emprego e de um nível crescente do rendimento real e da procura efetiva; o crescimento da produção e do comércio de mercadorias e de serviços; o desenvolvimento sustentável e a proteção do ambiente; a tomada em consideração das necessidades dos países em desenvolvimento.

Dessa forma, verifica-se que a OMC sucedeu ao GATT a fim de ser um organismo mais sólido e eficaz. Acerca desta temática, Thorstensen expressa:

26 Os Acordos fundadores da OMC foram integralmente incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo no 30, de 15 de dezembro de 1994, promulgado pelo Decreto no 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

As organizações internacionais... 31

[...] a OMC pretende ser a coluna mestra do novo sistema internacional do comércio, que se pretende mais integrado, mais viável e mais duradouro, fornecendo suas bases institucionais e legais. A estrutura legal da OMC engloba as regras estabelecidas pelo antigo GATT, mais modificações efetuadas ao longo dos anos, os resultados das negociações passadas de liberalização do comércio, além de todos os resultados da Rodada do Uruguai.27

Portanto, além de englobar os objetivos do GATT,

a OMC os ampliou. Desta maneira, não houve uma ruptura no regime do comércio internacional, mas uma ampliação e institucionalização. Nesse sentido, os acordos negociados no âmbito das rodadas do GATT, tais como o Acordo GATT 1994, o acordo de agricultura, têxteis, antidumping, e outros, foram diretamente incorporados pela organização, constituindo anexos do seu acordo constitutivo,28

Afirma-se que esta organização internacional tem como propósito o crescimento da produção e do comércio de bens e serviços, com reflexos no aumento da oferta de emprego e na renda das populações, proteger a propriedade intelectual,

mas também seguem os passos da nova configuração do FMI e do Banco Mundial, ao reforçar o apoio ao desenvolvimento sustentável e à preservação do meio ambiente.29

27 THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a rodada do milênio. São Paulo: Aduaneiras, 1999, p. 41. 28 HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 154. 29 CRETELLA NETO, José. Curso de Direito Internacional Econômico.

São Paulo: Saraiva, 2012, p. 423.

32 Dumping social

Destaca-se também que um dos papéis fundamentais da OMC é a solução de disputas internacionais, pelo estabelecimento de processos merecedores de consenso e capazes de evitar imposições de grandes países ou blocos econômicos.30

Além de se responsabilizar pelas novas áreas relacionadas ao comércio – agricultura, serviços, têxteis, investimentos e propriedade intelectual – a OMC também respondia pelo novo sistema vinculante de solução de disputas que asseguraria aos membros da organização maior proteção de seus direitos.31

O organismo de solução de controvérsias da OMC é um dos principais instrumentos internacionais de solução de litígios existentes, e certamente o mais importante instrumento no âmbito do direito internacional econômico, utilizado tanto pelos países mais fracos como pelos países mais fortes. Os casos concretos demonstram um ganho real dos países menos desenvolvidos, o que evidencia que “a OMC vem ganhando maior legitimidade e respeito por parte de seus usuários”.32

Neste sentido, destaca-se como uma das organizações internacionais mais influentes, em especial pela atuação do seu sistema de solução de controvérsias.33

30 GRIECO, Francisco de Assis. O Brasil e a nova economia global. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 106. 31 O sistema de resolução de litígios da OMC fundamenta-se nos artigos XXII e XXIII do GATT de 1994, assim como nas regras e procedimentos elaborados ulteriormente que constam no Memorando de Entendimento nas Regras e Processos que regem a Resolução de Litígios incorporado no Acordo sobre a OMC. 32 VARELLA, Marcelo Dias; SILVA, Alice Rocha da. A mudança de orientação lógica de solução das controvérsias econômicas internacionais. In: Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano 49, n. 2, 2006, p. 25. 33 CRETELLA NETO, José. Curso de Direito Internacional Econômico.

São Paulo: Saraiva, 2012, p. 386.

As organizações internacionais... 33

No atual cenário, a OMC possui o papel de coibir os abusos praticados pelos Estados para impulsionar a economia local, os quais beneficiam suas indústrias e comércio doméstico com prejuízo de outros países. Acerca da definição desta organização, importante conferir o site oficial da instituição:

[...] existem várias maneiras para se observar a Organização Mundial do Comércio. É uma organização para a abertura do comércio. É um foro para que os governos negociem acordos comerciais. É um lugar onde possam resolver disputas comerciais. Possui um sistema de normas comerciais. Essencialmente, a OMC é o lugar onde os governos recorrem para resolver problemas comerciais que tem entre si. (Tradução livre)34

Dentre diversas matérias, a OMC regula medidas

antidumping, coibindo a situação em que a empresa exportadora, de forma ardilosa, vende seus produtos no mercado externo por preço inferior ao praticado internamente “[...] para, após eliminar os concorrentes e conquistar o mercado, elevar unilateralmente os preços e auferir lucros monopolistas”35. Contudo, não se pode incluir nesta regulamentação o dumping social, pois, se tratam de institutos diferentes, e não há qualquer menção a seu respeito no Acordo Antidumping da Rodada do Uruguai (AARU).

34 WORLD TRADE ORGANIZATION. Disponível em:

<https://www.wto.org/>. Acesso em: 15 mar. 2015. Texto original: “There are a number of ways of looking at the World Trade Organization. It is an organization for trade opening. It is a forum for governments to negotiate trade agreements. It is a place for them to settle trade disputes. It operates a system of trade rules. Essentially, the WTO is a place where member governments try to sort out the trade problems they face with each other.” 35 DI SENA JÚNIOR, Roberto. Comércio Internacional & Globalização:

a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2008, p. 85.

34 Dumping social

Infere-se que a OMC sucedeu ao GATT e se consolidou como uma organização bem estruturada, com o objetivo de fiscalizar o comércio mundial. Além disto, gerencia a criação de acordos no sistema multilateral e supervisiona o cumprimento deles. Possui, ainda, um efetivo instrumento de solução de controvérsias e pode instituir sanções entre seus membros. É uma organização de fundamental relevância para os países menos desenvolvidos, os quais podem defender seus interesses na esfera do comércio internacional, diante do poder econômico das nações mais desenvolvidas.

1.3 O CONCEITO DE DUMPING SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Para entender o conceito de dumping social

convém definir o que é o dumping, pois são institutos com origens e sentidos diversos. O termo dumping é utilizado no direito comercial, já o fenômeno do dumping social é tratado pela doutrina e jurisprudência do Direito do Trabalho. O ponto em comum é que ambos estão correlacionados aos preços baixos de mercadorias que afetam a concorrência.

Assim, por causar reflexos na comercialização dos produtos, é que o dumping social é uma matéria que ultrapassa as questões trabalhistas e pode causar prejuízos em questões de ordem econômica e empresarial. Diante disto, existe uma discussão sobre implementação de cláusula social no âmbito de organizações internacionais, como uma medida de combate a esta prática ilícita no contorno global.

1.3.1 O conceito de dumping em sentido amplo

Junto à OMC o dumping apresenta-se no seguinte

conceito a “[...] exportação de produtos a um preço inferior ao seu valor normal, ou seja, a um preço inferior

As organizações internacionais... 35

aquele encontrado no mercado interno ou em outros países, com relação ao seu custo de produção” (tradução livre)36. Também, o artigo VI do GATT - General Agreement on Tariffs and Trade/Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio estabelece que:

[...] as partes contratantes reconhecem que o dumping, o qual introduz produtos de um país no mercado de outro com um preço inferior ao seu valor normal, é condenável quando causa ou ameaça causar um prejuízo a um ramo de produção estabelecido no território de uma parte contratante ou retarda substancialmente a criação de uma indústria nacional. Para efeitos de aplicação deste artigo, um produto exportado deve ser considerado como introduzido no mercado de um país importador a um preço inferior ao seu valor normal, se seu preço é: a) menor que o preço comparável, nas operações comerciais normais, de um produto similar destinado ao consumo no país exportador; ou b) na falta de preço no mercado interno, se o preço do produto exportado for: i) menor que o preço comparável mais alto de um produto similar destinado à exportação a um terceiro país, no decurso de operações comerciais; ou ii) menor que o custo de produção deste produto no país de origem, mais um acréscimo razoável para despesas de venda e lucro. 37 (Tradução livre).

36 WORLD TRADE ORGANIZATION. Disponível em:

<https://www.wto.org/>. Acesso em: 15 mar. 2015. Texto original: “Occurs when goods are exported at a price less than their normal value, generally meaning they are exported for less than they are sold in the domestic market or third-country markets, or at less than production cost.” 37 WORLD TRADE ORGANIZATION. Disponível em: <https://www.wto.org/>. Acesso em: 15 mar. 2015. Texto original: 1. The contracting parties recognize that dumping, by which products of one country are introduced into the commerce of another country at less than the normal value of the products, is to be condemned if it causes or threatens material injury to an established industry in the territory of a contracting party or materially retards the establishment of a domestic industry. For the purposes of this Article, a product is to be

36 Dumping social

O dumping ocorre na ocasião em que o preço de exportação de um produto é inferior àquele normalmente praticado, ou seja, quando uma empresa vende um produto no mercado estrangeiro por um preço menor do que seu custo de produção, ou por um preço inferior ao que pratica em seu mercado interno.

Trata-se de uma prática desleal de comércio internacional que gera danos ao mercado doméstico e/ou prejudica o seu desenvolvimento.

Sobre esta matéria, o Brasil também tomou medidas, elaborando normas para coibir o dumping. Nesse sentido, foi editada a Lei nº 9.019 de 30 de março 199538 que dispõe sobre a aplicação dos direitos

considered as being introduced into the commerce of an importing country at less than its normal value, if the price of the product exported from one country to another: (a) is less than the comparable price, in the ordinary course of trade, for the like product when destined for consumption in the exporting country, or, (b) in the absence of such domestic price, is less than either (i) the highest comparable price for the like product for export to any third country in the ordinary course of trade, or (ii) the cost of production of the product in the country of origin plus a reasonable addition for selling cost and profit. 38 O artigo 1º da Lei 9.019/95 discorre toda a trajetória histórica das medidas antidumping ao estatuir que: “os direitos antidumping e os

direitos compensatórios, provisórios ou definitivos, de que tratam o Acordo Antidumping e o Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios, aprovados, respectivamente, pelos Decretos Legislativos nºs 20 e 22, de 5 de dezembro de 1986, e promulgados pelos Decretos nºs 93.941, de 16 de janeiro de 1987, e 93.962, de 22 de janeiro de 1987, decorrentes do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (Gatt), adotado pela Lei nº 313, de 30 de julho de 1948, e ainda o Acordo sobre Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 e o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, anexados ao Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio (OMC), parte integrante da Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do Gatt, assinada em Marrakech, em 12 de abril de 1994, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, promulgada pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, serão aplicados mediante a cobrança de importância, em moeda corrente do País, que

As organizações internacionais... 37

previstos no acordo antidumping e no acordo de subsídios e direitos compensatórios, e dá outras providências. Posteriormente, em 26 de julho de 2013, foi promulgado o Decreto nº 8.05839, que regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping.

O artigo 7º do referido Decreto traz o conceito de dumping como “[...] a introdução de um produto no mercado doméstico brasileiro, inclusive sob as modalidades de drawback, a um preço de exportação inferior ao seu valor normal”40.

Ressalta-se que a legislação antidumping passou a se constituir no início do século XX. O Canadá, em 1904, foi pioneiro em dispor uma legislação específica sobre o assunto. Em seguida, acompanharam esta tendência a Nova Zelândia (1905), Austrália (1906) e África do Sul (1914). Em 1995, a Organização Mundial do Comércio estabeleceu um Acordo Antidumping, e a partir de então, a legislação continua evoluindo até os dias atuais41.

A doutrina divide o dumping em duas situações: o dumping do tipo intencional, quando há um planejamento estratégico deliberado por parte da empresa; e o não intencional, no caso de um choque na economia,

corresponderá a percentual da margem de dumping ou do montante de subsídios, apurados em processo administrativo, nos termos dos mencionados Acordos, das decisões PC/13, PC/14, PC/15 e PC/16 do Comitê Preparatório e das partes contratantes do Gatt, datadas de 13 de dezembro de 1994, e desta lei, suficientes para sanar dano ou ameaça de dano à indústria doméstica”. 39 PLANALTO. Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013. Regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping [...]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8058.htm>. Acesso em: 20 set. 2016. 40 Ibidem. 41 CORDOVIL, Leonor. Antidumping: interesse público e protecionismo no comércio internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 31.

38 Dumping social

produzindo efeitos temporários no mercado. Nesta ocorrência, não seriam aplicadas medidas antidumping.42

No que tange às razões pelas quais existe a prática do dumping, Guilherme Chagas Gerdau Johannpeter as classifica como: a) “maximização de vendas” em vez de lucros, na qual o aumento de produção é utilizado como instrumento de dissolução dos custos fixos e ganhos em economia de escala. O excesso de produção é canalizado para a exportação, causando excesso de oferta no mercado importador e consequente redução dos preços; b) “competição predadora”, onde a empresa que deseja conquistar um segmento de mercado vende seus produtos por preços extremamente baixos com o intuito de eliminar os concorrentes, para, em seguida, dominar o mercado e elevar os preços; c) “dumping estratégico”, onde a tecnologia evolui de maneira tão rápida que os custos de produção são reduzidos com o passar do tempo; d) “dumping estrutural”, relacionado com a estrutura dos mercados e os custos de transação. O excesso de oferta de produto motiva a exportação por preços mais baixos do que os praticados no mercado interno do exportador; e) “dumping ecológico” que refere-se à falta de investimentos com a proteção ambiental, ao uso de materiais não recicláveis oriundos de fontes naturais não renováveis; por fim, f) “dumping social”, relacionado à diferença de remuneração e de direitos trabalhistas, que influem no custo final dos produtos.43 Esta última modalidade será analisada adiante de forma mais aprofundada.

42 SCHMIDT, Cristiane Alkmin Junqueira; SOUSA, Isabel Ramos de; LIMA, Marcos André M. de. Tipologias de dumping. Documento de

trabalho nº 17, agosto/2002. Rio de Janeiro: Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE/MF), 2002, p. 5. 43 JOHANNPETER, Guilherme Chagas Gerdau. Antidumping: prática desleal no comércio internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 83-88.

As organizações internacionais... 39

Além destas categorias, destaca-se, também, o “dumping cambial”, como aquele que:

[...] seria constatado no momento em que os governos nacionais praticam uma manutenção artificial de taxas de câmbio abaixo do que realmente são. Isto reforçaria os preços de exportação e em contra partida acabariam por “proibir” as importações. Esta situação é facilitada pela ausência de um sistema de compensação internacional de câmbios monetários, que traz como consequência uma falta de base real de equiparação de moedas nacionais, possibilitando desvalorizações ou supervalorizações de acordo com o interesse do governo ou de especuladores privados.44

Portanto, a definição de dumping social originou-

se do conceito de dumping. Ambos possuem o objetivo de aumentar os lucros através de meios ilícitos, porém, cada um tem origens distintas. Ressalta-se que nem sempre o dumping social está relacionado ao preço baixo da mercadoria, uma vez que o empregador pode adotar postura que caracteriza esta prática, como, por exemplo, pagar salários irrisórios aos seus funcionários e, no entanto, colocar à venda suas mercadorias com preços altíssimos, a exemplo de marcas renomadas.

1.3.2 O conceito de dumping social

O dumping social refere-se a uma conduta

utilizada, na maioria das vezes, por grandes empresas em decorrência da economia globalizada e da forte concorrência, na qual objetiva-se maior lucro, diminuindo-se os custos de produção em detrimento das garantias dos trabalhadores.

44 SILVA, Alice Rocha da. Dumping e Direito Internacional Econômico. In: Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB.

Brasília, v. 2, n. 2, jul./dez. 2005, p. 401.

40 Dumping social

Consiste, assim, em uma prática reincidente de descumprimento da legislação trabalhista, como forma de possibilitar a majoração do lucro e de levar vantagem sobre a concorrência, causando grave desajuste em todo o modo de produção, com sérios prejuízos para os trabalhadores e para a sociedade em geral.45

O termo dumping social foi utilizado, a princípio, em âmbito internacional, para caracterizar esta prática no comércio entre as nações, mas é possível sua identificação também no mercado interno46. As empresas, sob influência da economia globalizada, estão se utilizando de novos recursos para auferirem lucro, resultando no fenômeno do dumping social.47

Roberto Di Sena Júnior defende que o dumping social pressupõe que alguns produtos sejam baratos devido à utilização de mão de obra escrava ou infantil, que salários sejam irrisórios, por negligência da parte do empregador na concessão de direitos essenciais aos trabalhadores (como o direito de greve, de organização e de negociação coletiva) ou em razão de situações precárias de trabalho.48

O conceito elaborado por Leandro Fernandez é, do mesmo modo, pertinente ao estudo do tema:

[...] dumping social pode ser definido como a modalidade de concorrência desleal consistente na comercialização de mercadorias ou serviços a preços

45 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 22. 46 Ibidem, p. 10. 47 MAYORGA, Ludy Johanna Prado; UCHOA, Anna Walléria Guerra. Efeitos do dumping social no direito ao meio ambiente do trabalho sadio: atuação da OIT e OMC. In: Direito do trabalho. MISAILIDIS,

Mirta Gladys Lerena Manzo de; SILVA, Lucas Gonçalves da; BARBATO, Maria Rosaria Barbato (Coords.). Florianópolis: CONPEDI, 2014, p. 96-97. 48 DI SENA JÚNIOR, Roberto. Comércio Internacional & Globalização:

a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2008, p. 94.

As organizações internacionais... 41

inferiores àqueles normalmente praticados pelo mercado, obtidos mediante a reiterada utilização de mão de obra em condições inadequadas a padrões laborais mínimos, gerando danos sociais.49

Considera-se a ampliação do conceito de dumping

social ao afirmar que não é necessária a existência de comercialização dos produtos com preços inferiores aos de mercado para se concretizar esta estratégia, embora isto seja o mais comum.50

A ideia do dumping social está atrelada ao novo modelo de produção, em que a organização estrutural das empresas é redimensionada para a redução dos custos. Sobre estes modos contemporâneos de produção, Viana observa que a grande empresa tende a fracionar sua cadeia produtiva, o que a impele a

se desgarrar do território de origem, como se passasse de imóvel a móvel, sempre em busca de mão de obra barata, direitos flexíveis, sindicatos dóceis e políticas fiscais favoráveis.51

Existe, desta forma, uma mobilidade dos locais de

produção, como forma de ser um diferencial competitivo. Em uma economia de escala global, este é um fator estratégico para as grandes corporações, pois as variações nos custos de produção tornam-se um componente significativo na decisão de investimentos transnacionais52.

49 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014,

p. 88. 50 Ibidem, p. 113. 51 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado: o direito do trabalho no limiar do século XXI. In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 65, jul./dez. 2014, p. 159. 52 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 133.

42 Dumping social

Há décadas tem-se verificado que as empresas transcendem os limites de seu território para alcançar mão de obra, insumos, impostos e outros fatores mais benéficos à sua produção. Como exemplo, tem-se que:

O par de tênis importado pelo país A não é mais produzido, em sua totalidade, no país B. O país B produz apenas a sola, e importa, dos países C e D, o cadarço e o couro. Cada um destes elementos é fabricado pela mão de obra local, ou seja, dos países B, C e D.53

Por conseguinte, as grandes empresas buscam se

instalar em países onde possam aumentar os seus lucros em detrimento dos direitos trabalhistas, afetando diretamente os benefícios dos trabalhadores. Deste modo, busca-se a redução dos custos por meio da prática cada vez mais frequente de transferência de unidades produtivas para países ou regiões nos quais não são respeitados padrões laborais mínimos.54

Em vista disso, novas técnicas de gerenciamento têm levado a mudanças estruturais nas empresas. Através desta nova organização operacional, a terceirização ganhou força. As empresas não se fixam em um só território e buscam terceirizar a produção para a empresas do mesmo grupo econômico localizadas em outros países que oferecem maiores benefícios econômicos. São raras as empresas que se identificam, hoje, como uma só nação ou cultura.55

É diante deste cenário, no qual grande parcela da população possui como única escolha o subemprego, já

53 CORDOVIL, Leonor. Antidumping: interesse público e protecionismo no comércio internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 212. 54 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 90. 55 CORDOVIL, Leonor. Antidumping: interesse público e protecionismo no comércio internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 212.

As organizações internacionais... 43

que as empresas se aproveitam desta fragilidade da legislação destes países para se beneficiarem é que,

[...] renascem formas extremamente cruéis de exploração do homem, como as oficinas domiciliares de Hong Kong, a exploração de crianças em países como a Índia e o Brasil, a escravidão branca no campo.56

Além do trabalho análogo ao de escravo e do

trabalho infantil, cita-se ainda, outras condutas não menos graves de transgressão de direitos humanos, quando empresas optam pelo não pagamento de horas extras, pelo pagamento de salários “por fora”, pela contratação de trabalhadores sem reconhecimento de vínculo de emprego ou mesmo por tolerar e incentivar condutas de flagrante assédio moral no ambiente de trabalho.57

Essa realidade também é verificada no âmbito nacional. A situação é recorrente nas indústrias de vestuários. Peter Dicken constata que a força de trabalho na indústria do vestuário é predominantemente feminina e jovem e, normalmente, essas pessoas não possuem qualificação. Além disso, explica que um grande número de trabalhadores é formado por imigrantes ou membros de grupos étnicos minoritários, e conclui que:

[...] muitos operários são trabalhadores de fábrica de primeira geração, empregados com salários extremamente baixos e com uma carga horária muito longa: uma semana de 7 dias e um dia de 12 a 14 horas de trabalho não são incomuns [...]. Sendo assim,

56 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado: o direito do trabalho no limiar do século XXI. In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 65, jul./dez. 2014, p. 163. 57 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 9.

44 Dumping social

utiliza-se um grande número de profissionais terceirizados: mulheres trabalhando como costureiras em máquinas e que fazem o serviço manual em casa, aceitando taxas de pagamento por peça muito baixas. Essas trabalhadoras são facilmente contratadas e demitidas, e não têm qualquer proteção sobre suas condições operacionais. Muitas delas são empregadas na contravenção dos regulamentos governamentais de emprego.58

Os grupos de trabalhadores vulneráveis são, na

maior parte das vezes, desqualificados e expostos ao desemprego ou ao emprego precário, e por isso “são os mais explorados pelo sistema. É aqui que se encontra o maior contingente de mulheres, jovens e (no caso de países avançados) imigrantes”59. Entretanto, não são apenas os países avançados que possuem os imigrantes trabalhando em condições de vulnerabilidade.

No Brasil, os dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social revelam que entre 1995 e 2013 foram resgatadas 46.478 pessoas encontradas em situação análoga à de escravo.60 Segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho, em 2016, foram registrados 1.010 trabalhadores em condições análogas às de escravo.61

58 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 280-282. 59 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado: o direito do trabalho no limiar do século XXI. In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 65, jul./dez.

2014, p. 161. 60 MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. Resultado das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/resultados-das-operacoes-de-fiscalizacao-para-erradicacao-do-trabalho-escravo.htm>. Acesso em: 20 jul. 2016. 61 MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. Quadro das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo - SIT/SRTE - 2015 Atualizado com informações do COETE em

As organizações internacionais... 45

Com estes dados, verifica-se que as hipóteses do artigo 149 do Código Penal62 – trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho – são condutas frequentes, as quais confirmam uma realidade incontestável no Brasil.

Além de atingir os trabalhadores, o dumping social ainda gera danos perante as empresas que cumprem a lei, uma vez que constitui concorrência desleal. De tal maneira, as empresas

passam a funcionar como indesejável paradigma de impunidade, influenciando negativamente todos aqueles que respeitam ou pretendem respeitar a legislação trabalhista.63

Nesse sentido, o dumping social afigura-se como

hipótese de concorrência desleal, que por sua vez é designada como uma prática ilícita com o intuito de eliminar concorrentes e angariar clientela. Esta prática prejudica não só a atividade empresarial como, também, acaba atingindo toda a sociedade, pois afeta a economia de maneira geral. Desta maneira,

a prática de concorrência desleal gera profundos prejuízos ao funcionamento eficiente do mercado,

19/01/2016. Disponível em: <file:///C:/Users/Dani/Downloads/Trabalho-

Escravo-2015.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016. 62 “Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.” In: PLANALTO. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 20 set. 2016. 63 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 9.

46 Dumping social

podendo, inclusive, obstar a viabilidade da continuidade de atuação dos concorrentes comerciais.64

Configura-se, portanto, uma conduta desonesta

em matéria comercial ou industrial perante as empresas cumpridoras da lei. No caso do dumping social, a empresa que não respeita os padrões laborais mínimos, burla a ordem jurídica e afeta não só os trabalhadores, mas também todos aqueles que exercem a atividade econômica dentro do sistema legal e dos princípios de boa-fé.

O fenômeno do dumping social trabalhista pode ser verificado na medida em que as empresas, de forma consciente, deliberada e reiterada, violam direitos básicos e fundamentais dos trabalhadores com o objetivo de conseguir vantagens econômicas e financeiras, aumentando sua competitividade de forma desleal, prejudicando diretamente trabalhadores e empresas que cumprem corretamente com a sua função social e respeitam seus deveres trabalhistas.65

Neste sentido, além de violarem regras estabelecidas pela OIT, no que tange aos direitos trabalhistas, também violam regras de comércio justo e equilibrado estabelecido pela OMC.

No mesmo sentido, ressalta-se que: [...] as agressões ao Direito do Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas. Dessas agressões, o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica, portanto, dano a outros empregadores não

64 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014,

p. 89. 65 FERREIRA, Vanessa Rocha; RODRIGUES, Leonardo Nascimento. Dumping social trabalhista: a concorrência desleal e a violação aos direitos dos trabalhadores. In: Cadernos de Direito. Piracicaba, v.

14(27), jul.-dez. 2014, p. 220.

As organizações internacionais... 47

identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se veem forçados a agir da mesma forma. O resultado é a precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção.66

A doutrina e a jurisprudência determinam que o

dumping social se caracteriza por ser uma prática consciente e reiterada de infração aos direitos sociais dos trabalhadores, sendo necessária também para a sua configuração a continuidade no tempo da conduta transgressora.

Neste sentido, Leandro Fernandez defende que

[...] no que diz respeito à proteção de direitos laborais, uma conduta isolada não será idônea a provocar o dano social característico dessa modalidade de dumping. Para que se configure é necessária a continuidade da prática ilícita no tempo.67

Há de se destacar ainda danos sociais, que

consistem na lesão a direitos ou interesses de natureza extrapatrimonial e transindividual68. Nesse sentido, considera-se o dumping social como uma das manifestações de dano à coletividade, sendo que a reparação69 é essencial para a “[...] recuperação da autoridade do ordenamento jurídico trabalhista e para dar

66 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014. P. 71. 67 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014,

p. 90. 68 Ibidem, p. 91. 69 Segundo a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, em 2015 o Brasil indenizou o equivalente a R$ 3.175.477,49. In: MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. Quadro das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo - SIT/SRTE - 2015 Atualizado com informações do COETE em 19/01/2016. Disponível em: <file:///C:/Users/Dani/Downloads/Trabalho-

Escravo-2015.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2016.

48 Dumping social

eficácia concreta ao compromisso internacional firmado pelo Brasil no contexto da globalização econômica”70.

A jurisprudência brasileira tem se posicionado no seguinte sentido sobre o tema:

DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, d, e 832, § 1º, da CLT (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - 9ª REGIÃO, Autos nº 0000585-15.2013.5.09.0004).

Além de todas as consequências apresentadas,

destaca-se a violação da dignidade da pessoa humana, que é afetada no caso de dumping social pois o homem passa a ser visto como uma mercadoria a serviço dos interesses das empresas transnacionais, que por sua vez se caracterizam por possuir a matriz em um país e atuação em diversos outros.

Contraria-se, desta forma, os preceitos kantianos de reconhecer o homem um ser com um fim em si

70 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 25.

As organizações internacionais... 49

mesmo. Ou seja, a pessoa humana está acima de todos os valores. Segundo Immanuel Kant:

O homem, e, duma maneira geral, todo ser racional, existe como fim em sim mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas acções, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem // a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim.71

Os preceitos de Kant, atualmente reivindicados

por todas as sociedades, determinam que a dignidade da pessoa humana sucederia da soma da autonomia do ente racional para a formulação de princípios morais universais, com o fato de o ser humano não ter preço, mas sim um valor intrínseco, eis que deve existir enquanto fim em si mesmo e jamais como instrumento para a satisfação dos interesses de outrem.

Desta forma, é evidente que a prática do dumping social viola os direitos fundamentais do trabalhador. Isso porque, o homem passa a maior parte da sua vida no trabalho, de modo que, uma vez prejudicado em seu labor, prejudica-se a sua própria dignidade.

O trabalhador não deve ser considerado como mero fator de produção que aliena a sua força de trabalho ao capital, mas deve ser respeitado como indivíduo, sujeito de direito à integridade física e mental no ambiente laboral com extensão a todo âmbito em que vive.72

Reitera-se na prática, o entendimento do trabalhador como fonte de energia em lugar da

71 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.

Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 72. 72 SILVA, Leda Maria Messias da; PEREIRA, Marice Taques. Docência (In) digna: o meio ambiente laboral do professor e as consequências em seus direitos da personalidade. São Paulo: LTr, 2013, p. 29.

50 Dumping social

apreensão de sua qualidade de pessoa que trabalha. Porém, confia-se que novas orientações formuladas por organizações internacionais, em particular da OIT, OMC, corrijam esses desvios do “[...] direito, que considerava o homem inteiro, para transformá-lo inteiramente em peça de uma engrenagem”.73

Por outro lado, há quem defenda a ideia74 de que as multinacionais que se instalam em um local subdesenvolvido, pagando baixos salários, impondo horas extras, privando os empregados de descanso semanal, dentre outras afrontas aos mínimos direitos trabalhistas, na verdade são benéficas, pois sem elas, estas pessoas não teriam outra alternativa de emprego. Em outras palavras, melhor ser explorado e mal remunerado do que viver na mendicância ou prostituição, por exemplo. Neste sentido tem-se que:

[...] mesmo assim, não faltam candidatos para empregos nessa indústria de rápido crescimento em alguns países em desenvolvimento. O emprego em fábrica é geralmente considerado como preferível ao desemprego e ao subemprego em um ambiente rural de pobreza extrema. Um trabalho em fábrica propicia um rendimento de outra forma não alcançável e, certo grau de liberdade individual.75

73 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado: o direito do trabalho no limiar do século XXI. In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 65, jul./dez. 2014, p. 174. 74 O economista Ph.D. Benjamin Powell, Diretor do Free Market Institute da Texas Tech University, é um grande defensor da ideia de

que as fábricas que se instalam nos países pobres são uma forma de promover oportunidades aos trabalhadores, sendo a melhor alternativa para estas pessoas. Esta tese é defendida no seu livro “Out of Poverty, Sweatshops in the Global Economy” (Fora da pobreza,

fábricas de suor na economia global – tradução livre). Ver a respeito em: <http://www.benjaminwpowell.com/books.html>. 75 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 282.

As organizações internacionais... 51

Trata-se, entretanto, de um pensamento equivocado que subtrai a liberdade76 dos trabalhadores, que se veem reféns de um poder político e econômico avassalador.

Tomando como exemplo a China, sabe-se que a economia de um país pode até revitalizar-se com a prática do dumping social, mas torna-se indesejável na medida em que se sacrificam direitos de trabalhadores para se atender a este objetivo.

Nesta visão, os empregados ficam sem alternativas diante das grandes corporações que se instalam e ditam regras em seus países. Desta forma, as empresas que praticam o dumping social não podem ser vistas como uma opção às pessoas, mas como uma falta de opção. Busca-se, assim, um resgate ético e moral nas relações industriais que desprezam as diretrizes sociais mínimas. 1.4 O DEBATE EM TORNO DA CLÁUSULA SOCIAL NO ÂMBITO DA OMC E DA OIT

O estudo em torno da cláusula social justifica-se,

sobretudo, pela proteção dos direitos humanos, já que existe um notável desconforto com relação aos modos de produção adotados em diversas indústrias pelo mundo.

Foi com o propósito de melhorar a tutela dos direitos sociais, que se originou a ideia de fixar medidas na esfera do comércio entre os países. Neste cenário, “[...] uma das soluções que se tem adotado é a inserção

76 As sociedades costumam impor restrições morais e legais ao funcionamento do mercado, fazendo com que os indivíduos não sejam inteiramente livres para celebrar contratos de qualquer natureza. Segundo Michael Walzer, tais restrições podem são denominadas nos Estados Unidos como blocked exchanges, que incluiriam, desde hipóteses de proibição do comércio de seres humanos e de cargos públicos às leis trabalhistas, que disciplinam o limite da jornada de trabalho. Ver a respeito em: WALZER, Michael. Spheres of Justice: a

defense of pluralism an equality. New York: Basic Books, 1983.

52 Dumping social

de cláusulas sociais em tratados internacionais, a fim de se imporem patamares mínimos”77.

O conceito de cláusula social ou padrões trabalhistas nasceu da discussão sobre dumping social.78 Todavia, existe um embate doutrinário acerca da imposição dessa cláusula. A questão que se suscita é se a imposição deve ser feita pela OMC ou OIT, ou por ambas.

A cláusula social tem por objetivo reprimir a prática do dumping social, bem como regulamentar e suspender quaisquer vantagens, benefícios e concessões feitos às importações originárias de países com “[...] padrões trabalhistas de caráter servil, utilização de trabalho infantil ou semiescravidão”79. Ademais, a cláusula social pode ter diversas vertentes, pois,

[...] o conteúdo dessas cláusulas pode assumir os mais diversos delineamentos: pode se fundar na concessão de benefícios tributários entre países signatários de determinado tratado, pode limitar ou recusar a importação de países ou empresas que não respeitem os direitos sociais insculpidos em documentos internacionais, ou estabelecer diversos mecanismos de sanção comercial. É possível, ainda, pactuar-se a incidência de tributos adicionais a tributação alfandegária das mercadorias produzidas sem observância dos labour standards convencionados.80

Quanto à adoção da cláusula, não existe

consenso entre os países. Um grupo liderado pelos Estados Unidos tentou incorporá-la aos padrões

77 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 91. 78 DI SENA JÚNIOR, Roberto. Comércio Internacional & Globalização:

a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2008, p. 97. 79 GRIECO, Francisco de Assis. O Brasil e a nova economia global. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 24. 80 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014,

p. 101.

As organizações internacionais... 53

trabalhistas junto à OMC. Porém, esta tentativa fracassou porque não houve apoio de todos os países desenvolvidos e, também, porque os países em desenvolvimento eram veementemente contrários a esta imposição.81

Além dos Estados Unidos, outros países desenvolvidos, como os membros da União Europeia, também defendem o estabelecimento de cláusulas sociais em instrumentos de comércio internacional, com o argumento de que

os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento obtêm injustas vantagens competitivas valendo-se da utilização de mão de obra em condições degradantes de trabalho.82

Esta proposta de regular padrões trabalhistas é

conduzida pelos países desenvolvidos sob o argumento de que os países em desenvolvimento obtêm vantagens no comércio mundial em razão da ineficácia ou ausência de regulamentação que salvaguarda o trabalhador.83 Desta forma, os países desenvolvidos sentem-se prejudicados por aqueles que não adotam direitos trabalhistas mínimos e conseguem, assim, colocar no mercado produtos com preços mais baixos.

Por outro lado, os países em desenvolvimento consideram que a exigência de padrões trabalhistas e a imposição de uma sanção comercial levariam ao

81 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 576. 82 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 103. 83 MAYORGA, Ludy Johanna Prado; UCHOA, Anna Walléria Guerra. Efeitos do dumping social no direito ao meio ambiente do trabalho sadio: atuação da OIT e OMC. In: Direito do trabalho. MISAILIDIS, Mirta Gladys Lerena Manzo de; SILVA, Lucas Gonçalves da; BARBATO, Maria Rosaria Barbato (Coords.). Florianópolis: CONPEDI, 2014, p. 108.

54 Dumping social

protecionismo, favorecendo os países mais fortes. Esta é a opinião de parte da doutrina, quando afirma que a cláusula sócia pela sua feição impositiva e arbitrária poderia levar à adoção de medidas protecionistas, uma vez que se penderia para o alto custo econômico e social da mão de obra nos países industrializados.84

Nos países em desenvolvimento também existe um forte sentimento de que a imposição de padrões trabalhistas é apenas mais uma forma de justificar o protecionismo contra suas exportações e, como tal, um obstáculo a seu tão necessário desenvolvimento econômico.85

Para outra parte da doutrina86, os países em desenvolvimento não são contra a adoção de padrões trabalhistas mais elevados. Apenas discordam da maneira que se propõe que isto seja feito, de forma que a aplicação de sanções comerciais ao invés de melhorar a situação dos trabalhadores, poderia prejudicá-los mais, levando-os ao desemprego e à miséria.

Assim, uma vez punidos com sanções comerciais, os países teriam seu ciclo produtivo interrompido, e desta forma não teriam condições econômicas de realizar uma reforma para se adequar às condições de uma concorrência leal.

Teme-se que as consequências de tratar tais questões como instrumento de sanção na OMC, piorariam as condições sociais do país penalizado, gerando mais pobreza e exclusão, e não o contrário:

[...] se sanções comerciais forem relacionadas a descumprimento de legislação laboral mínima, em

84 GRIECO, Francisco de Assis. O Brasil e a nova economia global. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 24. 85 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 577. 86 DI SENA JÚNIOR, Roberto. Comércio Internacional & Globalização:

a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2008, p. 187.

As organizações internacionais... 55

tratados internacionais, e se um Estado for excluído do comércio internacional até que passe a atender essas condições de trabalho mínimas, ficaria sem os benefícios gerados pelo processo econômico comercial.87

A hegemonia e a desarmonia também são

consideradas preocupações quando o tema das cláusulas sociais é arguido no âmbito da OMC:

[...] as práticas abusivas de grandes empresas, tendentes à hegemonia, aniquilam os mercados internos e favorecem o desequilíbrio internacional dos meios de produção e consumo, pondo em risco a paz mundial. Foi assim, por exemplo, que as práticas produtivas internas tornaram-se preocupações da OMC, quando esta preconiza a elaboração das cláusulas sociais.88

Alberto do Amaral Júnior sistematiza o tema das

cláusulas sociais em quatro dimensões: a) a preocupação com as práticas desleais de comércio; b) a busca de soluções que reduzam os níveis de desemprego nas economias que sofrem as consequências do processo de globalização; c) a expansão do desconforto ético e moral com a violação dos direitos humanos; d) o temor de que tais argumentos favorecerão o protecionismo, afetando as exportações dos países em desenvolvimento.89

87 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos Humanos e Trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 58-59. 88 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 18. 89 AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A OMC e o comércio internacional.

São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 317.

56 Dumping social

Em que pese estas controvérsias, os padrões laborais podem ser identificados como proteção dos direitos humanos dos trabalhadores, buscando-se, especialmente, amparar a sua dignidade. Neste sentido, defende-se a necessidade, do estabelecimento de padrões universais de proteção do trabalho, a serem seguidos e observados por toda a sociedade internacional. Não resta dúvida de que a definição e o reconhecimento de um conjunto de padrões globais mínimos de condições de trabalho, correspondem à verdadeira valorização do labor humano.90

1.4.1 Qual organização internacional – OMC ou OIT – é competente para implementar a cláusula social?

Acerca da competência para a implementação da

cláusula social, há um caloroso debate, que se divide em três correntes: a primeira defende a sua implantação no âmbito da OMC, já que se trata de transações comerciais internacionais; a segunda justifica sua inserção no campo de domínio da OIT; e a última entende que o correto seria uma atuação conjunta de ambas organizações internacionais.91

Destaca-se que houve um debate acerca da cláusula social, no momento de criação da OMC.92 Na primeira conferência da OMC ocorrida em dezembro de 1996, em Cingapura, os países asiáticos, principalmente Índia e Paquistão, reagiram incisivamente contra a sua implantação.

90 ALVES, Marcos César Amador. Trabalho Decente sob a Perspectiva dos Direitos Humanos. In: PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de (Coords.). Direitos Humanos e Direito do Trabalho São Paulo: Atlas, 2010, p. 335. 91 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 103. 92 GRIECO, Francisco de Assis. O Brasil e a nova economia global.

São Paulo: Aduaneiras, 2001, p. 24.

As organizações internacionais... 57

Entretanto, parte da doutrina defende que a discussão das cláusulas sociais não pode ser compreendida somente pelo ângulo do comércio internacional, entendendo que o dumping social possui peculiaridades além das objeções comerciais e financeiras.93 Para essa corrente, entender o fenômeno apenas por essa perspectiva significaria legitimar uma espécie de lógica capitalista que não deve ser admitida nos Estados Democráticos de Direito.94 A noção de direitos humanos seria, assim, corrompida se a violação das normas laborais for tratada somente pelo prisma de práticas desleais de comércio.95

Os que defendem que a cláusula social pertence à esfera de responsabilidade da OIT, argumentam que padrões trabalhistas, como salário e condições de trabalho são variáveis que fogem do âmbito da OMC.

Essa vertente doutrinária reconhece as deficiências a serem superadas pela OIT, como a necessidade de criação de um sistema efetivo que estabeleça sanções. Mesmo assim, defendem ser mais plausível, quer por razões funcionais, quer por motivos de prudência política, que a OIT se converta em foro privilegiado para o tratamento da violação dos direitos trabalhistas. Ademais sustentam que:

[...] Desde a sua criação, a OIT vem dedicando-se à tarefa de definir os Direitos Trabalhistas, empenhando-se em prol da sua aceitação internacional. A meta de acompanhar a evolução dos acontecimentos. Nesse campo conduziu à elaboração de um complexo sistema de monitoramento, que compreende a apresentação de relatórios pelos Estados e a análise destes pelo Comitê de Especialistas, o questionamento dos representantes

93 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 103. 94 Ibidem. 95 AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A OMC e o comércio internacional.

São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 310.

58 Dumping social

estatais na conferência anual da OIT, visitas aos países-membros e a publicação das violações dos Direitos Trabalhistas reconhecidos internacionalmente.96

A terceira corrente defende a atuação conjunta da

OMC e da OIT no que se refere ao tema das cláusulas sociais; e, assim, agregar as experiências da OMC como instância de resolução de conflitos e a possibilidade de utilização de seus mecanismos de efetivação de suas decisões, e o desenvolvimento da OIT, no que diz respeito a instrumentos de cooperação técnica97. Tal modelo é defendido uma vez que:

[...] a OIT é a organização de maior competência no campo internacional do trabalho e uma vez que a GATT/OMC é a organização de maior competência na área do comércio internacional, a combinação destas duas organizações poderia gerar o mais efetivo regime de execução dos termos de adesão aos direitos humanos internacionais e às normas laborais [...]. (Tradução livre)98

Difícil é vislumbrar uma única saída para um

assunto tão complexo, que envolve, de um lado, a dignidade do trabalhador; e, de outro, o interesse de lucro

96 Ibidem, p. 313. 97 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 105. 98 EHRENBERG, Daniel S. From Intention to Action an ILO-GATT/WTO Enforcement Regime for International Labor Rights. In: COMPA, Lance A; DIAMOND, Stephen F. (Orgs.). Human rights, labor rights, and international trade. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1996, p. 164. Texto original: “Since the ILO is the most competent organization in the field of international labor and since the GATT/WTO is the most competent organization in the field of international trade, combining these two organizations would create the most effective enforcement regime in terms of establishing adherence to international human rights and labor standards with respect to goods that enter the international trading system.”

As organizações internacionais... 59

das grandes empresas, que causaria, por consequência, impactos na economia de diversos países. Porém, dentre as alternativas levantadas, entende-se que a atuação conjunta proporcionaria benefícios mútuos, criando sinergias positivas e permitindo uma visão mais ampla da relação entre comércio e práticas trabalhistas. A cooperação destas organizações internacionais deve ser em prol da questão mais importante a ser utilizada como parâmetro para todas as medidas: a proteção do ser humano.

60 Dumping social

2

OMISSÃO DOS ESTADOS E O DUMPING SOCIAL Merece aprofundamento o estudo das relações

entre globalização, comércio internacional e o papel das empresas neste novo cenário global. As transformações nas relações de trabalho, e as modificações do direito laboral para acompanhar a rápida evolução da sociedade neste novo milênio, também, é um ponto a ser exposto com análises pormenorizadas.

Diante desta nova realidade social e econômica, o Direito do Trabalho encontra-se em crise, já que necessita acompanhar as mudanças pelas quais o mundo vem passando. Torna-se, assim, necessária a sua revisão e adequação a essas transformações produzidas pela globalização da economia e da informática, bem como as transformações trazidas pela concorrência internacional.99

É fundamental, ainda, a averiguação de casos de dumping social no Brasil e em outros países para melhor apreensão da presente matéria. Desta forma, serão explorados casos levados ao Poder Judiciário, tanto no direito pátrio quanto no ordenamento europeu, a fim de ilustrar como os Tribunais vêm tratando a questão de conciliar o poder econômico com a proteção do trabalhador.

Atenta-se para o fato de que o dumping social não é um fenômeno originariamente interno a um país. Sua ocorrência exige, quase sempre, uma relação entre mais

99 NOVAK, Marlene Iusten. Globalização, Mudança Capitalista e Trabalho. In: GUERRA, Sidney; NOVAK, Marlene (Coords.). Direito, desenvolvimento e cidadania: estudos em homenagem ao professor Haroldo Carvalho Cruz. Barra Mansa: Editora Lumen Juris, 2011, p. 123.

62 Dumping social

de um Estado. Considera-se, ainda, que para constatar a sua realização é preciso demonstrar que a empresa praticou dumping social com a finalidade de rejeitar o sistema jurídico vigente ou de utilizá-lo de modo abusivo100, o que torna a sua comprovação ainda mais complexa.

Desta maneira, o tema dumping social requer o exame de diferentes variáveis, como o fenômeno da globalização e a expansão dos mercados, relacionados com a garantia dos direitos dos trabalhadores frente ao poder econômico das empresas que buscam o aumento do lucro através de práticas reprováveis que desrespeitam os direitos mínimos de todo ser humano. Verifica-se que é necessário um diálogo entre as transações comerciais e a promoção dos direitos humanos, uma vez que uma realidade não pode conviver dissociada da outra.

2.1 O DIREITO DO TRABALHO E SUAS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO GLOBALIZADO

As relações de trabalho são diretamente afetadas

pelo fenômeno da globalização. Convém tecer algumas considerações sobre tais interferências no contexto do

100 Neste sentido, observar a seguinte decisão: “DUMPING SOCIAL. NÃO CARACTERIZADO. O dumping social corresponde a práticas lesivas aos valores sociais do trabalho e aos princípios da livre concorrência e da busca do emprego, podendo causar prejuízos de ordem patrimonial ou imaterial à sociedade como um todo. Apesar da ilegalidade do comportamento dos reclamados, ensejando o reconhecimento por sentença de parte dos direitos pleiteados nesta reclamação trabalhista, não é possível condená-los ao pagamento da indenização pretendida, porquanto não houve prova, a cargo da reclamante, no sentido de que os reclamados praticaram concorrência desleal com a finalidade de rejeitar o sistema jurídico vigente ou de utilizá-lo de modo abusivo. Recurso provido, neste particular. (TRT-24 00005641920135240005, Relator: Ricardo G. M. Zandona, 2ª Turma, Data de Publicação: 01/06/2015).”

Omissão dos Estados... 63

Direito do Trabalho, tanto no plano interno como no plano internacional.

Inicialmente, é importante elucidar a etimologia da palavra trabalho. Trata-se de vocábulo de origem no latim: tripalium, cujo significado remonta a um instrumento utilizado nos animais101. Esta é sua ligação histórica ao castigo e ao sofrimento, de maneira que os nobres e senhores feudais consideravam trabalhar algo com conotação negativa.102

Atualmente, o trabalho possui outras acepções ligadas à produtividade, criatividade e capacidade do ser humano de deixar sua contribuição para o progresso social. Assim, a evolução da ideia de trabalho como valor, passou por concepções negativas, de sofrimento e castigo, até se chegar ao pensamento contemporâneo, que o considera como o motor do progresso das civilizações

Para se chegar ao conceito atual, as formas de manifestação do trabalho passaram por uma grande evolução, diretamente ligada à da própria humanidade, quais sejam: escravidão – servidão feudal – corporações de ofício – operários de fábrica – empregados.103 Do mesmo modo, o Direito percorreu uma longa trajetória para alcançar os conceitos e instituições desenvolvidos até o presente momento.

A legislação trabalhista é recente, pois remonta à Revolução Industrial ocorrida nos fins do século XVIII e início do século XIX, marcada pelo intervencionismo do

101 “[...] era uma espécie de instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais. Era um instrumento usado pelos agricultores para bater, rasgar e esfiapar o trigo, espiga de milho e o linho” (MARTINS, 2014, p. 4). 102 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2008, p, 3. 103 DAMASCENO, Fernando Américo Veiga. Direito, processo e justiça do trabalho: princípios e perspectivas. Barueri: Manole, 2002, p. 49.

64 Dumping social

Estado, principalmente para realizar o bem-estar social104 e proporcionar proteção jurídica e economica aos trabalhadores. Assim, segundo Vicente de Paula Barreto,

O direito do estado liberal concebido no contexto do contratualismo e centrado na propriedade, fechou-se no chamado império da lei e no formalismo jurídico abstrato, impedindo a consideração dos direitos sociais como direitos humanos. Os direitos sociais como direitos nascidos, precisamente, em virtude e como resposta à desigualdade social e econômica da sociedade liberal, constituem-se como núcleo normativo central do estado democrático de direito.105

Registra-se, assim, que o Direito do Trabalho

nasceu em razão da exploração implacável do trabalho e é fruto da reação ocorrida no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho humano.106 E, a partir de então, já na primeira metade do século XIX, legislações e constituições de diversos países passaram a estabelecer normas laborais. É o caso da Constituição do México de 1917, a primeira a proteger os direitos dos trabalhadores, seguida pela Constituição de Weimar na Alemanha, de 1919. Neste mesmo ano, foi criada a OIT através do Tratado de Versalhes, como um organismo

104 Welfare State (termo em inglês), Estado de Bem-estar Social, também conhecido como Estado-Providência, é a organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida social, política e econômica do país, em parceria com sindicatos e empresas privadas. Cabe, no entanto, ao Estado do Bem-estar Social garantir os serviços públicos e a proteção à população. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti; ROMANCINI, Malu. Sistema Interamericano de Direitos Humanos: a efetivação dos direitos da personalidade pela interconstitucionalidade. 1. ed. e-book. Maringá: Vivens, 2015, p. 37. 105 BARRETO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 195. 106 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus,

2008, p, 16..

Omissão dos Estados... 65

supra-estatal a formular regras de proteção do trabalho no plano mundial.

Em 1927, a Carta del Lavoro na Itália instituiu o corporativismo e inspirou o sistema sindical brasileiro e de outros países e, em 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que disciplinou alguns direitos trabalhistas.107

No Brasil, a Constituição de 1824 assegurou liberdade para o desempenho do trabalho ao abolir as Corporações de Ofício108 (art. 179, XXV). Já o Código Comercial de 1850 trazia regras de Direito Processual, Direito Civil e Direito do Trabalho. Por sua vez, a Constituição de 1891 reconheceu a liberdade de associação em seu art. 72, § 8°. Assim, a primeira Constituição a tratar especificamente do Direito do Trabalho foi a de 1934. Também, no início do século XX, despontaram algumas leis esparsas que tratavam de diversas questões trabalhistas, sendo que a Consolidações das Leis do Trabalho somente foi compilada em 1943. Por fim, a Constituição de 1988 colocou o homem como figura principal a ser protegida “[...] abandonando o conceito individualista e privatista e priorizando o coletivo, o social e a dignidade humana”109.

Vislumbra-se que, para os direitos sociais se encontrarem com a ampla proteção normativa, houve uma gradual evolução da legislação em prol do trabalhador. Neste sentido, atualmente, os direitos sociais (art. 6º), nos quais estão integrados os direitos trabalhistas (arts. 7º a 11º), estão previstos no Título II,

107 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2008, p, 17-18. 108 As Corporações de Ofício eram um tipo de associação existente no final da Idade Média, em que se agrupavam pessoas as quais desempenhavam o mesmo trabalho. Em linhas gerais, hierarquicamente, era subdivida em três classes: os mestres, os oficiais e os aprendizes. 109 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus,

2008, p, 18-21.

66 Dumping social

“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, juntamente com os direitos individuais (art. 5º), e foram incorporados como cláusula pétrea na Constituição Federal brasileira.110 Ademais, o artigo 1º, IV, da Constituição Federal estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa.

Desta forma, os direitos sociais são direitos fundamentais do homem. Não se tratam apenas de normatividades específicas, mas possuem natureza transcendental, já que instituem valores para toda a sociedade e para todo o ordenamento jurídico. Neste sentido, mencionam que esses valores são:

[...] a solidariedade (como responsabilidade social de caráter obrigacional), a justiça social (como consequência da necessária política de distribuição dos recursos econômicos e culturais produzidos pelo sistema) e a proteção da dignidade humana (como forma de impedir que os interesses econômicos suplantem a necessária respeitabilidade à condição humana).111

Tem-se, assim, que é imprescindível que o Direito

do Trabalho se adapte às realidades econômicas e sociais da época, sem esquecer a figura do trabalhador que deve ser protegido.112

Trata-se do ramo do direito responsável por promover a proteção do trabalhador, através da regulamentação do ordenamento jurídico, ponderando-se com as exigências empresariais. Por conseguinte, o Direito do Trabalho tem papel de

110 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 32. 111 Ibidem. 112 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus,

2008, p, 8.

Omissão dos Estados... 67

[...] condicionar a estrutura econômica de forma a conciliar interesses aparentemente opostos: livre mercado e valorização do trabalho; garantia do desenvolvimento do capital e preservação da dignidade do trabalhador.113

Vólia Bomfim Cassar divide o Direito do Trabalho

em cinco funções primordiais: a) tutelar, porque se propõe a proteger o trabalhador e reger o contrato mínimo de trabalho; b) econômica, em razão de abranger elementos sobre capital, mercado e economia; c) pacificadora, pois tem por função harmonizar os conflitos entre trabalho e capital; d) política, porque seu interesse é público, atingindo toda a população; e e) social, uma vez que busca a melhoria da condição social do trabalhador e da sociedade como um todo.114

É, pois, evidente que as relações de trabalho sofrem profundos impactos diante das constantes transformações do cenário contemporâneo. Os avanços tecnológicos ensejam inúmeras implicações, tais como o surgimento de novas formas de organização do trabalho e da produção, mudanças no conteúdo do trabalho, demanda por novas relações de emprego.115 Nota-se que tal movimento é sentido pelos trabalhadores tanto no plano nacional, quanto no internacional. O trabalho encontra-se, diante destes acontecimentos, no cerne da estrutura social. A sociedade em geral é afetada pelo transcurso da globalização, pela transformação tecnológica, e pelas relações produtivas das empresas.116

113 BUSSINGUER, Marcela de Azevedo. Política pública e inclusão social: o papel do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 11. 114 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2008, p, 13. 115 GARCIA, Maria de Fátima; FARIA, Sylvia Maria Gomes. O trabalho e o imaginário do capitalista: uma leitura crítica. In: PRIORI, Angelo (Org.). O mundo do trabalho e a política. Maringá: EDUEM, 2000, p. 52. 116 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide

Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 265.

68 Dumping social

A globalização é uma complexa variedade de processos com orientações políticas e econômicas, e que, ao mesmo tempo em que transforma o cotidiano, cria novos sistemas e forças transnacionais.117 Diante deste quadro, o mercado de trabalho sente os efeitos desta nova ordem, de maneira que primordial o exame sobre a aplicação das garantias fundamentais. Neste sentido, assegura-se que:

Diante deste processo, necessário se faz uma profunda reflexão sobre a possibilidade de realização da democracia e das garantias dos direitos fundamentais. Para tanto, é preciso discutir a relação Estado x Direito x sociedade. O mercado de trabalho passou por profunda modificação em face da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição, do estreitamento das margens do lucro, da necessidade maior da produção, da divisão internacional do trabalho e da subordinação dos países mais pobres aos mais ricos.118

No caso do Brasil, o mercado de trabalho é

caracterizado por uma alta rotatividade, baixos salários, falta de qualificação e trabalho informal. Ademais, Cassar lembra que, apesar das mudanças ocorridas com as legislações laborais, o Brasil ainda não pode ser visto como um país que efetivou o Welfare State (o bem-estar social), pois

[...] ainda temos trabalho escravo ou, em condições análoga; exploração do trabalho do menor; condições subumanas de trabalho e legislação trabalhista ainda muito desrespeitada.119

117 GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse

político atual e o futuro da social-democracia. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 43. 118 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2008, p, 24. 119 Ibidem, p, 29.

Omissão dos Estados... 69

No que tange o estudo das relações de trabalho no domínio internacional, constata-se que as migrações internacionais estão aumentando. Trata-se de um fenômeno cada vez mais recorrente no mundo.120

Manuel Castells declara que a migração é cada vez maior, o que leva à multiplicidade étnica nas sociedades desenvolvidas,

[...] aumentando o deslocamento da população internacional, e o surgimento de um conjunto de camadas múltiplas de conexões entre milhões de pessoas entre fronteiras e culturas.121

Neste sentido, é de grande relevância o estudo e

a reflexão do trabalho em um mundo globalizado, onde as distâncias diminuíram e é mais intensa a movimentação das pessoas pelos países.

São inúmeras as dificultadas enfrentadas pelas pessoas que se deslocam para outro país em busca de trabalho e de uma nova vida.

Muito além da adaptação a uma nova cultura e a uma nova língua, está a sujeição a trabalhos precários e sem o amparo de normas laborais mínimas. Muitas vezes, ainda, os trabalhadores encontram-se em situação irregular no país de destino, o que dificulta a proteção diante das violações a seus direitos. Neste sentido, Fernando Américo Veiga Damasceno retrata que:

O intenso processo de globalização, que caracteriza atualmente o panorama mundial, provocou o declínio da capacidade estatal de viabilizar políticas sociais e de garantir os direitos dos operários. O assédio dos

120 A imigração já era perceptível nos países desenvolvidos. No Brasil, tomou uma dimensão notória com a chegada dos haitianos, mas já era sentida com a presença dos colombianos e bolivianos, os quais são agenciados para o labor nas fábricas de costura. 121 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide

Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 172.

70 Dumping social

exilados econômicos, oriundos dos países excluídos, gerou um grande contingente de subempregados, exercendo trabalho precário, desprotegido do Direito do Trabalho ou de representação sindical e até mesmo sem direitos políticos. Impõe-se, nesse cenário, a adoção de normas de proteção que diminuam o efeito da exclusão e do trabalho precário.122

A vulnerabilidade do trabalhador que exerce suas

atividades nessas circunstâncias merece atenção por diversas razões. Primeiramente, por ser uma prática recorrente em todo o mundo e, posteriormente, mas não menos importante, é o olhar para o ser humano que exerce suas funções não apenas para buscar o seu sustento e de sua família, mas que desempenha o trabalho como forma de expressar a sua dignidade e realizar plenamente o seu valor dentro de determinada sociedade. Neste sentido, destaca-se que:

O trabalho é peça importante para a sociedade, como meio de crescimento tecnológico, econômico e social, porém é ainda mais importante para cada pessoa individualmente, pois através dele esta descobre seu valor existencial, aprende a noção de respeito através da socialização, mantém o seu sustento, ou seja, o trabalho é essencial para a dignidade do homem, e consequentemente para o exercício de todos os outros direitos advindos da sua condição humana.123

Esta reflexão sobre o emprego e a inclusão social

[...] é um exercício difícil de ser articulado com as múltiplas visões de mundo que veem no trabalho

122 DAMASCENO, Fernando Américo Veiga. Direito, processo e justiça do trabalho: princípios e perspectivas. Barueri: Manole, 2002, p. 3. 123 MORAES, Kelly Farias de. Ações afirmativas no combate à discriminação nas relações de trabalho. In: ZAINAGHI, Domingos Sávio (Coord.). Revista de Direito do Trabalho. Ano 38, vol. 147, jul.-

set./2012, p. 278.

Omissão dos Estados... 71

exclusivamente um instrumento para alcançar a supremacia econômica e acumular capital.124

Torna-se, portanto, imprescindível reafirmar a

posição do homem como ser dotado de dignidade e o trabalho como um meio de ratificar a sua plenitude no meio social em que vive.

A globalização, apesar de não ser um fenômeno recente, intensificou-se expressivamente nas últimas décadas, e através dela desencadeou-se um processo de transformações em diversas áreas, sobretudo nas relações de trabalho, trazendo à tona o debate em torno da prática do dumping social.

Diante disso, o Direito precisa estar atento à estas modificações, na busca por solucionar os conflitos resultantes das tensões sociais. Assim, a violação dos direitos mínimos laborais é um fato recorrente em todo o mundo, e tem tido a complacência dos Estados, das empresas (que são os novos atores na governança global), das organizações internacionais e, sobretudo, diante dos olhos da sociedade de consumo.

2.2 GLOBALIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS

O termo globalização é utilizado em diversos

segmentos, além de ser exaustivamente estudado nos dias atuais nas mais variadas áreas do conhecimento. Caracteriza-se por ser um processo irreversível que tem se intensificado nas últimas décadas. Trata-se de uma acentuada integração econômica, cultural, social e política que afeta as pessoas, as empresas e todas as nações do globo.

Zygmunt Bauman contribui com a seguinte definição:

124 BUSSINGUER, Marcela de Azevedo. Política pública e inclusão social: o papel do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 138.

72 Dumping social

A “globalização” está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino mediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” – e isso significa basicamente o mesmo para todos.125

No mesmo sentido, Daniel Sarmento explica que

globalização [...] é o resultado de um processo histórico muito provavelmente irreversível, que se acelerou vertiginosamente nas décadas finais do século XX. O espantoso avanço tecnológico no campo da informática e das telecomunicações encurtou distâncias, ampliou mercados, homogeneizou costumes e diluiu a importância das fronteiras nacionais. Com a globalização, o que ocorre a milhares de quilômetros, fora dos limites de um Estado, pode influenciar, em tempo real, a vida cotidiana de um cidadão daquele Estado.126

A globalização é, portanto, um processo

multidimensional, impactando em diversos áreas da atividade humana, mas que, na sua essência, possui maior estreitamento com os planos social, econômico, político e cultural.

Considera-se que no fim do segundo milênio as

125 BAUMAN, Zygmunt. Globalização, as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999, p. 7. 126 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 430.

Omissão dos Estados... 73

[...] economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema de geometria variável.127 Nesta direção, faz-se os seguintes apontamentos

sobre este período: Embora o modo capitalista de produção seja caracterizado por sua expansão contínua, sempre tentando superar limites temporais e espaciais, foi apenas no final do século XX que a economia mundial conseguiu tornar-se verdadeiramente global com base na nova infraestrutura, propiciada pelas tecnologias da informação e da comunicação, e com a ajuda decisiva das políticas de desregulamentação e da liberalização postas em prática pelos governos e pelas instituições internacionais.128

Esta facilidade entre as relações culturais e

econômicas transforma a interação entre as nações. No cenário atual, existe uma ampla conexão entre os países, pois com o avanço tecnológico, as fronteiras parecem desaparecer. Segundo Octavio Ianni,

os processos envolvidos na modernização ultrapassam ou dissolvem fronteiras de todo o tipo, locais, nacionais, regionais, continentais; ultrapassam ou dissolvem barreiras culturais, linguísticas, religiosas ou civilizatórias.129

Desta forma, um dos efeitos resultantes da

globalização é a eliminação das barreiras para a prática do livre comércio. Criam-se grupos regionais com

127 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 39. 128 Ibidem, p. 142. 129 IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 5. ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1998, p. 80.

74 Dumping social

unidade de interesses e com fim de afastar obstáculos que prejudiquem a expansão e desenvolvimento do mercado, como, por exemplo, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), a União Europeia, dentre outros.

Atualmente, os países têm intensa comunicação tanto no aspecto das informações, como também nos relacionamentos políticos e econômicos. Desse modo, as nações possuem relação umas com as outras, mas também com organismos mundiais, que constituem por meio de interesses preestabelecidos, exatamente pelas relações que há entre os partícipes (Estados) desses grupos e pela interdependência que se cria.130

A nova formação econômica mundial envolve aspectos organizacionais, políticos, comerciais e financeiros que se relacionam de maneira dinâmica. Por consequência, produz uma reorganização espacial da atividade econômica global, gerando novas formas de exploração e redefinindo as funções dos Estados nacionais.131 Mireille Delmas-Marty ensina:

A desagregação afeta inicialmente os Estados: embora não estejam fadados a desaparecer, eles estão submetidos a interdependências que minam a autoridade e a soberania nacionais. Na Europa, a maioria das decisões com repercussões em nosso cotidiano é tomada no nível de União Europeia, de tal maneira que, nas sociedades ditas “nacionais”, não resta mais a menor parcela na qual a Europa não intervenha. Ora, a Europa depende amplamente das escolhas mundiais.132

130 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 112. 131 SILVA, César Augusto Silva da. O Direito econômico na perspectiva da globalização: análise das reformas constitucionais e da legislação ordinária pertinente. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 9-10. 132 DELMAS-MARTY, Mireille. A governança global é passível de redemocratização? In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não tem mais tempo a perder: apelo por uma

Omissão dos Estados... 75

Assim, a globalização leva a esta interdependência entre as nações, que pode ser vista de forma mais evidente na Europa, uma vez que, embora cada Estado mantenha sua soberania, as suas decisões devem ser consideradas no âmbito da União Europeia, e não mais isoladamente. Neste cenário, Mireille Delmas-Marty opina “[...] o reequilíbrio pressuporia uma governança mundial “democrática”, no sentido de que seria a expressão não só dos povos, mas dos cidadãos do planeta”133.

O processo de expansão do capitalismo, após o declínio da União Soviética, somado à inovação tecnológica que avança em ritmo acelerado, desencadeou nos seguintes aspectos:

Descentralização das empresas e sua organização em redes tanto internamente quanto em suas relações com outras empresas; considerável fortalecimento do papel do capital vis-a-vis o trabalho, com o declínio concomitante da influência dos movimentos de trabalhadores; individualização e diversificação cada vez maior das relações de trabalho; incorporação maciça das mulheres na força de trabalho remunerada, geralmente em condições discriminatórias; intervenção estatal para desregular os mercados de forma seletiva e desfazer o estado do bem-estar social com diferentes intensidades e orientações, dependendo da natureza das forças e instituições políticas de cada sociedade; aumento da concorrência econômica global em um contexto de progressiva diferenciação dos cenários geográficos e culturais para a acumulação e a gestão do capital.134

governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 21. 133 Ibidem. 134 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide

Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 39-40.

76 Dumping social

Infere-se que, em poucas décadas, ocorreram inúmeras mudanças na economia, no modelo organizacional das empresas, nas relações de trabalho, dentre tantas outras alterações em razão da tecnologia e da globalização. Assim, o Estado perde o poder de garantir a eficácia dos direitos sociais na medida em que não detém o pleno domínio das variáveis que influem em sua economia. A sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas, e de regulamentação e fiscalização do seu mercado interno é afetada. Desta forma, o mercado “[...] torna-se o ambiente propício para o mais violento darwinismo social, onde o mais fraco é eliminado e excluído de todas as benesses da civilização”135.

São diversos os elementos que contribuem para a identidade do mundo moderno atual, como o desenvolvimento tecnológico, os sistemas de informação, a competitividade global, bem como a nova forma de organização e estruturação das empresas transnacionais. Neste ponto, Manuel Castells atenta para a evolução do comércio internacional como um fator decisivo para caracterizar a atual forma econômica entre os países.

A evolução do comércio internacional no último quartel do século XX caracterizou-se por quatro tendências principais: sua transformação setorial; sua diversificação relativa, com proporção cada vez maior de comércio se deslocando para países em desenvolvimento, embora com grandes diferenças entre países desenvolvidos; a interação entre a liberalização do comércio global e a regionalização da economia mundial; e a formação de uma rede de relações comerciais entre firmas, atravessando regiões

135 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 44.

Omissão dos Estados... 77

e países. Juntas, estas tendências configuram a dimensão comercial da nova economia global.136.

As grandes companhias remodelam o panorama

internacional, ao expandirem o livre comércio e ao adequarem sua estrutura e organização a um novo modelo de produção, fracionado em diversas partes do globo. As empresas transnacionais são um dos sujeitos responsáveis pelas alterações ocorridas nas atividades econômicas da atualidade, isto

devido à sua possibilidade de controlar e coordenar as redes de produção em vários países; tirar proveito das diferenças geográficas das distribuições de fatores; e mudar e alterar novamente os recursos em nível global.137

Desta forma, estas corporações estão atentas às

ações dos concorrentes, sempre buscando se adaptar as às políticas de produção e de preços.138 As empresas transnacionais instalam sua linha de produção em lugares estratégicos, buscando a redução dos custos de produção. Neste sentido, é possível identificar em algumas marcas de roupa os seguintes dizeres na etiqueta: “desenhado na França e feito no Vietnã”. De fato, a fabricação de peças de vestuário exemplifica bem este processo.

Segundo Peter Dicken a manufatura de roupa é uma candidata perfeita para subcontratação internacional, pois a sua produção pode ser separada em vários territórios, com criação e corte executados em uma

136 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 148. 137 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 467. 138 SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São

Paulo: Atlas, 2005, p. 272.

78 Dumping social

localidade, e costura e montagem em outra, sendo que estas últimas etapas normalmente se dão em um país em desenvolvimento.139

Percebe-se que a globalização permite esta nova característica do processo produtivo, com o fracionamento dos estágios de produção entre diversos países, de acordo com as vantagens apresentadas em cada lugar.

Neste sentido, Daniel Sarmento aduz que “a mobilidade dos meios de produção atua hoje no sentido de libertar os agentes econômicos transnacionais das amarras do direito interno dos países em que operam”, e registra a diferença entre o modelo de produção fordista e o modelo de produção toyotista:

Destaca-se, neste particular, o caso do paradigma industrial fordista, que tinha como característica o fato de que as empresas ocupavam-se de todas as fases do processo produtivo, centralizando-as num mesmo local. Este é substituído pelo modelo toyotista, em que a produção dos bens fragmenta-se por vários agentes econômicos diferentes, que muitas vezes se dispersam por vários Estados, com o objetivo de aproveitar seletivamente as vantagens proporcionadas pela legislação interna de cada um.140

Todos estes fatores estimulam a concorrência, de

modo que para sobreviver no mercado global, as empresas devem se ajustar às novas exigências. Sobre esta temática, pondera-se que as acentuadas trocas internacionais de bens, serviços, capitais, tecnologias e informações intensificam a concorrência e expõem a estrutura econômica interna a um alto grau de

139 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 300. 140 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 47.

Omissão dos Estados... 79

competitividade e eficiência, em relação aos concorrentes.141 Neste processo, as empresas objetivam aumentar a produtividade em meio à rivalidade acirrada das relações econômicas de compra e venda, tudo com o menor dispêndio possível no decurso da produção de suas mercadorias. Assim, as empresas se orientam por quatro caminhos principais para aumentar os lucros, em um determinado ambiente financeiro: “[...] reduzir os custos de produção (começando com custos de mão de obra); aumentar a produtividade; ampliar o mercado; e acelerar o giro do capital”142.

Peter Dicken elenca duas características do mundo atual:

[...] primeiro, a concorrência apresenta uma extensão cada vez mais global, e, segundo, essa concorrência é extremamente volátil [...]. As empresas não estão mais concorrendo principalmente com rivais nacionais, mas com empresas do mundo inteiro.143

Assim, os fabricantes empenham-se em buscar

inovações para ter competitividade no mercado e conquistar a preferência dos consumidores em nível global. Porém, além de empregarem meios válidos para a obtenção de vantagens, como inovação tecnológica ou mudanças estruturais, existem corporações que se utilizam de estratégias ilícitas com o fim de reduzir seus custos de produção. Tal situação ocorre com o dumping social, como foi visto no capítulo anterior.

É desta maneira que, a fim de garantir competitividade em um mercado em constante expansão,

141 SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 272. 142 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 137. 143 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 127.

80 Dumping social

as empresas buscam fortalecer sua posição diante de uma concorrência global. A ampliação do mercado mundial coopera para o crescimento da produção e, nesta situação, a concorrência se dá em termos internacionais.

Desta maneira, as empresas transnacionais tendem a se consolidar no mundo, ganhando grandes fatias de mercado, pois se unem em conglomerados e atuam em regime de oligopólio. Tais empresas identificam os locais propícios para desenvolver suas atividades e as regiões onde possam realizar suas operações de forma mais rentável, ou seja, procuram setores, regiões e países onde os direitos trabalhistas sejam negligenciados, de forma a maximizar seus lucros e diminuir os custos de produção.144

Diante desta nova dinâmica, as relações de trabalho são afetadas. As medidas concorrenciais adotadas em determinado país interferem nos ajustes econômicos de tantos outros, com influência sobre a eficácia dos direitos sociais.145 Segundo a análise de Daniel Sarmento, os efeitos destas transformações refletem no lado mais fraco, gerando desigualdades sociais:

Por outro lado, a globalização econômica, ao elevar ao plano transnacional a concorrência comercial, força os agentes econômicos a buscarem a redução, a qualquer preço, dos seus custos, sob pena de perda da capacidade competitiva. Esta busca tem se traduzido em diminuição da oferta de trabalho, com a crescente automação, e em pressões, muitas vezes vitoriosas, no sentido da flexibilização e da desregulamentação das

144 SILVA, César Augusto Silva da. O Direito econômico na perspectiva da globalização: análise das reformas constitucionais e da legislação ordinária pertinente. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 25. 145 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 18.

Omissão dos Estados... 81

relações laborais. O quadro se agrava diante da constatação de que, em um contexto de amplo desemprego, o poder de barganha dos trabalhadores e dos seus sindicatos praticamente desaparece, o que torna ainda mais desigual a relação entre patrão e empregado.146

Para não perderem a capacidade competitiva, a

redução dos custos das grandes corporações prepondera sobre a flexibilização e desregulamentação da força de trabalho. Amplia-se o mercado de trabalho informal, e campeia a terceirização, fragilizando os trabalhadores e seus sindicatos.147

Cabe salientar que, para além da afronta aos direitos laborais, as grandes companhias desrespeitam o meio ambiente, destruindo recursos naturais, na ânsia de uma maior lucratividade. Neste ponto, Peter Dicken argumenta:

Até onde as diferenças internacionais nos padrões e nas regulamentações trabalhistas (como uso de mão de obra infantil, condições deficientes de saúde e segurança, repressão dos sindicatos do trabalho e direitos trabalhistas) e nos padrões e regulamentações relacionados ao meio ambiente (como poluição industrial, o uso perigoso de materiais tóxicos no processo de produção) distorcem o sistema comercial e geram vantagens injustas? Em ambos os casos, uma argumentação frequente é a de que as empresas – assim como os países individuais – podem enfraquecer seus concorrentes, tirando proveito da mão de obra barata e explorada e dos padrões ambientais negligentes.148

146 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 46. 147 Ibidem, p. 47. 148 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 95.2010, p. 576.95.

82 Dumping social

Marcelo Dias Varella ministra que as trocas comerciais em escala global fazem com que os danos sejam mais frequentes. Neste sentido, é difícil apontar a responsabilidade empresarial pelos prejuízos causados aos direitos humanos ou ao meio ambiente em razão da utilização de estratégias jurídicas. A procura por lugares com legislações vulneráveis, bem como a constituição de empresas-espelho que são aquelas relacionadas a empresas multinacionais constituídas em países onde desenvolvem parte de suas atividades (espelhos, por refletirem apenas uma imagem da empresa principal).149

Desta feita, explorar de forma abusiva o meio ambiente e o trabalho prestado pelas pessoas gera desvantagens injustas perante aquelas empresas que seguem todas as regulamentações internacionais e padrões ideais de respeito à natureza e aos direitos laborais. Da mesma forma, os países negligentes quanto a estas questões desejam sobressair-se economicamente diante de dilemas que afetam toda a humanidade.

Assim, em meio à evolução tecnológica e à interdependência de mercados, os trabalhadores encontram-se vulneráveis. Os obreiros são vistos como uma mercadoria em poder das grandes corporações transnacionais, fato que lhes atingem, sobretudo, a dignidade. Consta-se que:

Em um país fundado sob a lógica capitalista, em que as pessoas sobrevivem daquilo que recebem pelo seu trabalho e na qual as empresas adquirem lucro pela exploração do trabalho, atitudes com tais contornos se afiguram ofensivas à ordem axiológica estabelecida, isso porque retiram do trabalhador, cuja mão de obra reverte em proveito do empreendimento, a segurança capaz de lhe permitir uma interação social

149 VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do Direito: direito internacional, globalização e complexidade. Brasília: UniCEUB, 2013, p. 95.

Omissão dos Estados... 83

minimamente programada. Ou seja, ao colocar o lucro do empreendimento acima da condição humana daqueles cuja força de trabalho justifica e permite seu desenvolvimento como empresa, o empregador nega-lhes condição de vida digna.150

Destarte, o trabalho deve ser um meio de

desenvolver a inserção social e de promover a dignidade humana. No atual cenário, deve-se coibir a utilização da mão de obra como um elemento de produção substituível. A de se considerar que todos merecem ser tratados de forma igualitária.

Em um contexto global, isso significa ser sensível à imensa diversidade existente, ao mundo como um mosaico de pessoas que merecem, igualmente, “uma vida boa”.151

Existe um limiar entre globalização e exclusão

social. Se por um lado, a modernização auxilia em diversos aspectos da vida humana àqueles que não possuem acesso às oportunidades de qualificação ou instrução, por outro lado, estes sofrem o peso de viverem excluídos da sociedade contemporânea. Manuel Castells considera que existe uma

[...] liberação paralela de forças produtivas consideráveis da revolução informacional e a consolidação de buracos negros de miséria humana na economia global.152

150 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 10. 151 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 589. 152 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide

Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 40.

84 Dumping social

Ademais, o autor resume as transformações da sociedade:

[...] testemunhamos a integração global dos mercados financeiros; o desenvolvimento da região do Pacífico asiático como o novo centro industrial global dominante; a difícil unificação econômica da Europa; o surgimento de uma economia regional na América do Norte; a diversificação, depois desintegração, do ex-Terceiro Mundo; a transformação gradual da Rússia e da antiga área de influência soviética nas economias de mercado; a incorporação de preciosos segmentos de economias do mundo inteiro em um sistema interdependente que funciona como uma unidade em tempo real. Devido a estas tendências houve também a acentuação de um desenvolvimento desigual, desta vez não apenas entre o Norte e o Sul, mas entre os segmentos e territórios dinâmicos das sociedades em todos os lugares e aqueles que correm o risco de tornar-se não pertinentes sob a perspectiva da lógica do sistema.153

A despeito dos benefícios criados pelo fenômeno

da globalização, cumpre examinar os conflitos gerados, bem como averiguar alternativas para as dificuldades derivadas deste processo, que também produzem maus resultados. Os processos de produção, distribuição e consumo produzem ‘bons’ resultados na forma de oportunidades de emprego, rendimentos e acesso a uma variedade cada vez maior de produtos, serviços e artefatos culturais de consumo. E produzem ‘maus’ na forma de desemprego, pobreza, esgotamento de recursos, poluição ambiental e danos culturais.154

Por consequência, tal fato assemelha-se a dois lados de uma mesma moeda: sob uma perspectiva é

153 Ibidem. 154 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 33.

Omissão dos Estados... 85

possível vislumbrar que atualmente existe, por exemplo, uma grande variedade de produtos e um maior acesso às mercadorias. Todavia, sobre a outra faceta inclui-se o impacto ambiental, a exclusão social, a violação de direitos trabalhistas, dentre outros. Com efeito, cada setor do direito internacional desenvolveu-se com seu próprio ritmo, uma vez que “[...] o mercado se globalizou mais rapidamente do que os direitos sociais, proclamados em nível mundial, mas aplicados em nível nacional”155.

À luz de tudo o que foi exposto, verifica-se que mais do que qualquer outra instituição, a empresa transnacional tornou-se o principal motor da economia global contemporânea e uma grande ameaça para a autonomia do estado-nação.156

As empresas transnacionais destacaram-se no cenário da globalização determinando as ações empresariais por todo o mundo, e até submetendo os Estados a seus interesses.157 Mas o papel desempenhando por essas empresas nas relações internacionais ultrapassam o âmbito econômico. Questões sociais, ambientais, de garantia de direitos dos trabalhadores e de sua dignidade também estão nesta pauta.

Neste mesmo sentido, Thomas Friedman afirma que, de 1800 a 2000, as empresas multinacionais foram o principal agente de mudança para integração global, as quais se expandiram em busca de mercado e mão de obra.

155 DELMAS-MARTY, Mireille. A governança global é passível de redemocratização? In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não tem mais tempo a perder: apelo por uma governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 26. 156 DICKEN, Peter. Mudança Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial. Tradução de Teresa Cristina Felix de Souza. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 125. 157 MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 15. ed. São

Paulo: Atlas, 2014, p. 113.

86 Dumping social

Foi nesse período que assistimos de fato ao nascimento e à maturação de uma economia global propriamente dita, no sentido de que havia uma movimentação de bens e informações entre os continentes em volume suficiente para a constituição de um mercado de fato global, com a venda e revenda de produtos e mão de obra em escala mundial.158

Esse novo panorama que atribui poder às

corporações em razão de complexas ramificações e a flagrante violação de direitos humanos despertou o interesse de juristas e economistas para o estudo do tema.

Neste sentido, Kathya Martin-Chenut pondera que:

Em todos os continentes as violações dos direitos humanos são cometidas por ou com a cumplicidade de empresas. Os exemplos são múltiplos. Eles revelam por vezes a amplitude das violações dos direitos humanos cometidos e a conscientização dos impactos decorrentes de sua atividade sobre a sociedade. De fato, as empresas se beneficiam em um contexto de conivência na esfera internacional. (Tradução livre)159

158 FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 20. 159 MARTIN-CHENUT, Kathia. Droit de l’homme et responsabilité de entreprises: les principes directeurs des Nations Unies. In: GIUDICELLI-DELAGE, Geneviève; MANACORDA, Stefano (Coords.). La responsabilité pénale des personnes Morales: perspectives

européennes et internationales. Collection de l'UMR de droit comparé de Paris (volume 30). Paris: Société de législation comparée, 2013, p. 229-230. Texto original: “Sur tous les continents des violations des droits de l’homme sont commises par ou avec la complicité d’entreprises. Les exemples sont multiples. Ils révèlent à la fois l’ampleur des violations des droits de l’homme commises et la prise de conscience des impacts décuplés de leurs activités sur la société. Les entreprises bénéficient en effet d’un contexte permissif dans la sphère internationale.”

Omissão dos Estados... 87

As grandes corporações atuam na conjuntura mundial como novos atores e manejam, com propriedade, a economia globalizada, apresentando por vezes uma renda excedente o Produto Interno Bruto (PIB) de alguns países. Em razão de não serem reconhecidas formalmente como sujeito de direito internacional nos diplomas jurídicos universais, não possuem quaisquer atribuições em termos de direitos humanos, a fim de serem responsabilizadas internacionalmente por violações de tais direitos na cadeia produtiva.160

Os sujeitos de direito internacional público reconhecidamente aceitos pela doutrina clássica e pelos instrumentos jurídicos internacionais são os Estados e as Organizações Internacionais. Neste sentido, as empresas, por não comporem esse quadro, não podem responder internacionalmente por eventuais violações a direitos humanos.

Pode-se afirmar que não houve uma adequada evolução da responsabilidade das empresas no contexto da globalização da economia e jurídico a esta nova ordem internacional. E, ainda que em algumas ocasiões sejam muito mais poderosas que os Estados, as empresas transnacionais não possuem personalidade jurídica nem obrigações jurídicas internacionais em matéria de direitos humanos no trabalho. Para solucionar esta anomalia jurídica, diversas corporações adotaram instrumentos jurídicos não vinculativos que são limitados,

160 MARTIN-CHENUT, Kathia. Droit de l’homme et responsabilité de entreprises: les principes directeurs des Nations Unies. In:

GIUDICELLI-DELAGE, Geneviève; MANACORDA, Stefano (Coords.). La responsabilité pénale des personnes Morales: perspectives européennes et internationales. Collection de l'UMR de droit comparé de Paris (volume 30). Paris: Société de législation comparée, 2013, p. 229-230.

88 Dumping social

tanto do ponto de vista da sua natureza como do seu campo de aplicação e alcance jurídico.161

A responsabilização das empresas transnacionais é, ainda, dificultada pelo princípio da autonomia de cada estabelecimento do grupo, que responde de forma autônoma na sua gestão. Desta forma, mesmo que as decisões mais importantes sejam tomadas pela empresa matriz, esta não pode ser considerada responsável pelas atividades de uma subsidiária que infrinja os direitos humanos ou ambientais, e muito menos dos seus subcontratantes ou intermediários em outros países.162

Neste ponto, deve-se levar em conta a impotência dos Estados, em que muitas vezes são mantidos por um contexto local de corrupção e de fragilidade do Estado de direito, agregada a falta de vontade política dos Estados de origem das empresas e aos obstáculos legais gerados por suas legislações internas.163

Para que essas práticas reprováveis sejam contornadas, o direito do trabalho precisa se adequar às transformações produzidas pela globalização da economia e da informática e pela concorrência internacional, e sobre as quais esse ramo do direito ficou alienado.

161 DAUGAREILH, Isabelle. Responsabilidad social de las empresas transnacionales: análisis crítico y prospectiva jurídica. In: Cuadernos de Relaciones Laborales. v. 27, nº 1, 2009, p. 77. 162 MARTIN-CHENUT, Kathia. Quelles responsabilités face aux exigences d’une démocratie environnementale? In: CANAL-FORGUES, Eric. Démocratie et diplomatie environnementales: Acteurs et processus en droit international. Paris: Editions A. Pedone, 2015, p. 292. 163 MARTIN-CHENUT, Kathia. Quelles responsabilités face aux exigences d’une démocratie environnementale? In: CANAL-FORGUES, Eric. Démocratie et diplomatie environnementales: Acteurs et processus en droit international. Paris:

Editions A. Pedone, 2015, p. 293.

Omissão dos Estados... 89

É certo que globalização tem seus efeitos positivos. O avanço tecnológico, o intercâmbio cultural e científico, a competitividade do mercado são elementos que contribuem para o progresso em diversos setores da sociedade. Da mesma forma, não se critica a geração de riquezas, a obtenção de lucros e o desenvolvimento empresarial, desde que tais fatores ocorram dentro da legalidade e de uma moral universal, com o pleno respeito dos direitos humanos. 2.3 O DEBATE JURÍDICO NO BRASIL

Em termos de combate ao dumping social no

Brasil, existe o projeto de lei nº 1.615/2011 apresentado em 15 de junho de 2011 pelo Deputado Federal Carlos Gomes Bezerra, o qual visa regulamentar o dumping social, bem como fixar indenização e multa administrativa para a empresa que o praticar.

Atualmente, o projeto está em pauta na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e foram proferidos, por enquanto, dois votos pela aprovação do projeto e dois votos pela sua rejeição, sendo que a última tramitação consta do dia 19 de maio de 2015.164

Em que pese a importância de haver uma legislação sobre o tema, considera-se necessário haver um debate mais profundo em torno dos artigos previstos neste projeto de lei antes de sua aprovação. Entende-se ser salutar, também, a convocação de audiências públicas, a fim de haver ampla discussão na sociedade a respeito do tema.

O deputado Carlos Bezerra, em sua justificação, afirma ser temerário deixar a regulação da matéria sob

164 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de Lei e Outras Proposições: PL 1615/2011. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=509413. Acesso em 20.jul.2016.

90 Dumping social

responsabilidade da jurisprudência, a qual pode apresentar interpretações judiciais conflitantes.

De fato, o dumping social é um assunto recente que carece de regulamentação para orientar a conduta dos juízes, já que os fatos sociais estão cobrando do poder judiciário uma postura a respeito da presente matéria. Entretanto, critica-se o referido projeto de lei na medida em que versa sobre um tema tão complexo de maneira simplista em apenas 4 artigos abaixo transcritos:

Art. 1º Configura “dumping social” a inobservância contumaz da legislação trabalhista que favoreça comercialmente a empresa perante sua concorrência. Art. 2º A prática de “dumping social” sujeita a empresa a: a) pagamento de indenização ao trabalhador prejudicado equivalente a cem por cento dos valores que deixaram de ser pagos durante a vigência do contrato de trabalho; b) pagamento de indenização à empresa concorrente prejudicada equivalente ao prejuízo causado na comercialização de seu produto; c) pagamento de multa administrativa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por trabalhador prejudicado, elevada ao dobro em caso de reincidência, a ser recolhida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Art. 3º O juiz, de ofício, a pedido da parte, de entidade sindical ou do Ministério Público pode declarar a prática de “dumping social”, impondo a indenização e a multa estabelecidas nas alíneas “a” e “c” do art. 2º. Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Uma breve análise destes artigos podem ensejar

muitas dúvidas que, por fim, remanesceriam para a jurisprudência resolver; como, por exemplo, acerca da definição de dumping social: o que caracterizaria a “inobservância contumaz”? Bem como, a alínea “b” do artigo 2º, poderia gerar insegurança jurídica quanto ao pagamento de indenização à empresa concorrente prejudicada, pois qual seria o critério para definir quais

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seriam estas empresas? Uma vez que as empresas poderiam se sentir prejudicadas reclamando o valor da indenização. Ademais, conforme já estudado, também existe uma argumentação na doutrina para ampliação do conceito de dumping social a fim de abranger os casos em que as empresas afrontam reiteradamente os direitos trabalhistas para aumentar seus lucros, contudo, continuam a praticar preços elevados, como por exemplo, em roupas e calçados de marcas famosas, de maneira que, em tese, não estariam prejudicando a concorrência, mas sim aumentando seus lucros com a redução dos seus custos.

Enquanto não se consolida uma legislação específica no Brasil, os juízes do trabalho Jorge Luiz Souto Maior, Ranúlio Mendes e Valdete Souto Severo acreditam que o conceito de relação de trabalho deve ser repensado diante destes novos paradigmas, considerando o processo como um instrumento capaz de transformar o mundo dos fatos.

O processo do trabalho não pode perder de vista os fatos. É a partir deles que atuamos. É com eles que devemos nos preocupar. Se a reiterada inobservância dos direitos fundamentais trabalhistas é uma realidade, se vemos diariamente empresas que optam, de forma consciente e descomprometida, pelo lucro em lugar do compromisso social, não podemos permanecer passivos.165

Em síntese, é imperioso reavaliar as práticas

trabalhistas, em razão dos acontecimentos que ferem a dignidade dos trabalhadores. O contínuo desrespeito dos direitos sociais impele os juristas a “extrair do conjunto normativo, que é pautado pela predominância dos

165 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 146.

92 Dumping social

Direitos Humanos, os efeitos punitivos, exemplares, de tais condutas”166.

Destarte, o fato de não existir uma legislação específica para punir o dumping social desponta a necessidade de o judiciário se tornar mais ativo frente aos recorrentes descumprimentos das normas laborais, com fundamento na proteção dos direitos fundamentais e da dignidade humana.

Faz-se necessário, assim, a interpretação do sistema de proteção dos direitos humanos, com base na Constituição Federal, nas leis, códigos, e nos tratados, com aplicação efetiva das normas que amparam o trabalhador como uma pessoa dotada de plena dignidade.

O fato de não haver, ainda, regras particularmente destinadas ao dumping social, não impede o reconhecimento de sua prática e a aplicação da legislação já existente em defesa do trabalhador contra quaisquer abusos e injustiças.

Observe-se, por fim, que no mundo globalizado e tecnológico, as rápidas transformações na sociedade ensejam que o direito seja também mais ágil e efetivo, de maneira que consiga acompanhar os novos eventos.

Com a evolução da sociedade, evoluem-se as regras sociais. Nestes novos tempos, inadiável é o enfrentamento, caracterização, punição e combate do dumping social, bem como estudo de alternativas para reprimir sua prática.

2.4 CASOS ATUAIS DE DUMPING SOCIAL Após a análise dos efeitos da globalização nas

relações de trabalho, e consequentemente no Direito do Trabalho, é indispensável a verificação prática de casos de dumping social. Insta salientar que o presente estudo se delimita em abordar julgados ocorridos no Brasil e na

166 Ibidem, p. 15.

Omissão dos Estados... 93

Europa. Em que pese o dumping social ocorra em diversas partes do mundo, sobretudo em países asiáticos como China, Índia, Vietnã, Camboja etc., somente alguns Estados preocupam-se em elaborar e concretizar legislações repressoras das condutas violadoras dos direitos laborais. Nos países em que há notoriamente maior incidência desse instituto do dumping social, os casos raramente vêm à tona, justamente pela falta ou ineficácia da legislação e atuação dos órgãos públicos. Isto é,

[...] a segurança social e a proteção do bem estar na Ásia permanecem profundamente fracas e são mais reprimidas em razão da necessidade de ser internacionalmente competitiva (tradução livre).167

Neste sentido, constatou-se que o tema vem

sendo objeto de análise nos tribunais europeus, onde existe maior tendência para se abordar a proteção dos direitos humanos. No Brasil também existe uma maior conscientização do Poder Judiciário quanto a este tema, porém, ainda recente e caminhando a passos lentos. 2.4.1 Dumping social no Brasil

A agressão reiterada dos direitos trabalhistas para

garantir melhores preços em produtos e ganhar competitividade é o que caracteriza o dumping social. Esse fenômeno vem despertando a atenção do judiciário brasileiro diante do grande número de demandas,

É um tema atual que ainda apresenta controvérsias em sua aplicação no caso concreto, como

167 LOW, Linda. Social protection in the “new” economy. In: Bulletin on Asia-Pacific Perspectives. Asia-Pacific Economies: sustaining growth amidst uncertainties. New Yorl: United Nations, 2002, p. 34. Texto original: “Asian social security and welfare protection remain fundamentally weak and are squeezed further by the need to be internationally competitive.”

94 Dumping social

se demonstrará em algumas decisões dos tribunais pátrios. Apesar de ser um tema contemporâneo e tratar-se de uma matéria em construção

vários juízes do trabalho, em diferentes regiões do nosso imenso Brasil, vêm demonstrando sensibilidade à questão social subjacente a atitudes de reiterado desrespeito aos direitos fundamentais trabalhistas.168

Em decisão datada de 17 de junho de 2015, nos

autos nº 0000827-86.2014.5.10.0011 em trâmite na 11ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, o juiz do trabalho Gilberto Augusto Leitão Martins considerou caracterizada a prática de dumping social pela empresa Brookfield Centro-Oeste Empreendimentos Imobiliários S.A., condenando-a ao pagamento a título de indenização por dano moral à coletividade de trabalhadores e à sociedade o montante de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Na sentença, o magistrado entende pela ocorrência do instituto:

Entendo perfeitamente caracterizado o descumprimento da legislação trabalhista, a ponto de comprometer setores da própria sociedade diretamente interessados ou mesmo dependentes da mão de obra remunerada, a atingir milhares de trabalhadores com efeito multiplicador sobre famílias e a própria economia. Neste sentido forçoso concordar com o autor quanto à caracterização do dano moral coletivo (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 10ª REGIÃO, autos nº 0000827-86.2014.5.10.0011).

No Paraná, em decisão assinada em 12 de maio

de 2015 pelo o juiz do trabalho José Wally Gonzaga Neto, o Itaú Unibanco S.A. foi condenado ao pagamento

168 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 88.

Omissão dos Estados... 95

no montante de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) por danos morais coletivos em razão da prática de dumping social. Invocou na sua sentença a reiteração de ilícitos trabalhistas pelo referido empregador, comprovada pelo expressivo número de ações nesse Tribunal, bem como ressaltou o lucro bilionário anual do banco, ampliado em razão da violação de diversas normas laborais. O magistrado fundamenta com os seguintes termos:

[...] considerando a gravidade dos atos ilícitos perpetrados pelo réu, a sua expressiva capacidade econômica (lucro líquido de R$ 16,5 bilhões em 2013 – conforme o “Ranking das 25 empregadoras com maior número de processos trabalhistas no TRT 9ª Região” – e de R$ 4,73 bi no primeiro trimestre de 2015), que é aumentada a custos de sonegação de direitos trabalhistas, a reiteração crônica de ilícitos trabalhistas em prejuízo da saúde e segurança de seus empregados, exigindo-lhes jornadas extenuantes (além de duas horas diárias), sem o correspondente pagamento (registro incorreto) e violando-lhe os intervalos para alimentação e repouso (especialmente dos sujeitos a jornada de seis horas quando prorrogam esta jornada), julgo parcialmente procedente o pedido de pagamento de indenização por danos morais coletivos, a qual fixo no patamar razoável de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais). Esclareço que o valor representa apenas 0,4% do lucro líquido do Itaú Unibanco S.A. no primeiro trimestre de 2015 e significa um montante de menos de R$ 230,00 por empregado (o réu possui mais de 88 mil empregados que serão beneficiados com a retificação da sua conduta) (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO).

Os Tribunais, em sede de recurso ordinário, têm

corroborado as decisões de primeiro grau. Neste sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região manteve decisão proferida nos autos nº 0001993-

96 Dumping social

11.2011.5.15.0015, que condenou a Magazine Luiza S.A. ao pagamento de indenização por dano social no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais). No acórdão, o Desembargador João Alberto Alves Machado relata:

Portanto, não logrando a reclamada demonstrar que as situações descritas nos autos não caracterizam prática habitual da empresa, entendo que restou demonstrada a prática de dumping social, uma vez comprovado o descumprimento reiterado de normas trabalhistas relacionadas à saúde e segurança dos trabalhadores, sem qualquer justificativa plausível, bem como o descumprimento das obrigações de fazer e não fazer assumidas perante o Ministério Público do Trabalho.

A ementa abaixo transcrita também respalda este

entendimento, ao ressaltar a necessidade do Poder Judiciário de reagir às agressões reincidentes aos direitos trabalhistas, as quais geram o dano social:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário Trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no artigo 404, parágrafo único, do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, d, e 832, § 1º, da CLT - 1ª Jornada de Direito Material do Trabalho -

Omissão dos Estados... 97

ENUNCIADO 04 (RO 0000145.88.2013.5.01.0053, TRT 1ª Região, Desembargadora Relatora Edith Maria Corrêa Tourinho, 17.12.2013).

Do mesmo modo o acórdão do Tribunal Regional

do Trabalho da 18ª Região manteve a decisão de primeira instância:

DUMPING SOCIAL. O instituto denominado dumping social visa impedir o comportamento desleal das empresas que, com o intuito de obter maior produtividade, burlam reiteradamente a legislação trabalhista, com prejuízo tanto aos trabalhadores quanto à coletividade em geral. Por isso, é cabível a aplicação da multa correspondente. Recurso parcialmente provido. (RO 0001082-82.2010.5.18.0101, TRT 18ª Região, Redator Designado Desembargador Daniel Viana Júnior, 16.12.2010).

Registra-se que os desembargadores da 2ª Turma

do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reconheceram, de ofício, o dumping social, isto é, sem que houvesse pedido da parte e condenaram a empresa JBS AVES LTDA. ao pagamento de indenização por dano social no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). No acórdão, os julgadores destacam a existência de diversos processos contra a mesma empresa, em regra, tratando de matérias idênticas, com repetição das lesões aos direitos de seus empregados. Segundo o desembargador Marcelo José Ferlin D'Ambroso, relator do processo,

Tal conduta, indubitavelmente, rotineira no seio da empresa demandada, deve, pois, ser coibida por esta Justiça Especializada, motivando a necessária reação deste Órgão Fracionário, haja vista os enormes prejuízos causados em todo modo de produção, com consideráveis danos ao trabalhadores e, por via reflexa, à sociedade em geral (TRT 4ª REGIÃO, RO nº 0000669-62.2013.5.04.0551, 05/03/2015) .

98 Dumping social

Ademais, a ementa ressalta a atuação do julgador diante do contumaz atentado às condições de trabalho, que atinge, sobremaneira, as normas e os princípios garantidos pela Constituição Federal, resultando em dano para toda a sociedade. Veja-se o teor:

LESÃO MASSIVA DE DIREITOS SOCIAIS. DUMPING SOCIAL. CONDENAÇÃO DE OFÍCIO. A utilização do processo do trabalho, mediante a sonegação contumaz de direitos para posterior defesa em ação trabalhista, com o afã de fragilizar as condições de trabalho, auferindo enriquecimento ilícito empresarial, com violação de dispositivos legais de ordem pública, sobretudo no que tange a direitos sociais consagrados na Constituição da República, gera, sem dúvida, dano social, haja vista a flagrante violação dos preceitos do Estado Democrático de Direito concernentes à função social da propriedade e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Neste contexto, considerando a conduta reiterada da empresa ré, caracterizada pela supressão massiva de direitos trabalhistas, não pode o Julgador permanecer inerte diante deste quadro abusivo e nefasto que induz ao uso predatório do Poder Judiciário. Condenação imposta de ofício no pagamento de indenização por dumping social (TRT 4ª REGIÃO, RO Nº 0000669-62.2013.5.04.0551, 05/03/2015).

Todavia, o julgamento de ofício pelo juiz nos

casos mencionados é matéria controvertida. Existem inúmeros acórdãos em sentido contrário, ou seja, que excluem a condenação por dumping social nos casos em que não há pedido da parte neste sentido, com o argumento de que o juiz deve decidir nos limites da demanda proposta, sob pena de configurar julgamento extra petita. Tal entendimento também vem sendo adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho169.

169 A 1ª, 6ª e 7ª Turma da referida Corte já se manifestaram pela exclusão da condenação de ofício por dumping social,

Omissão dos Estados... 99

Em Recurso de Revista, julgado em 21 de outubro de 2015, o TST reformou acórdão regional que havia condenado de ofício o pagamento de indenização por dumping social. O Ministro Relator João Oreste Dalazen, da 4ª Turma, sustentou que tal concepção viola os princípios da ampla defesa e do contraditório. Eis o teor do acórdão:

RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. DUMPING SOCIAL. INDENIZAÇÃO. CONDENAÇÃO EX OFFICIO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO 1. A Constituição Federal garante aos litigantes em processo judicial o exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da CF). 2. Acórdão regional que condena a Reclamada, de ofício, ao pagamento de indenização por dumping social, sem que haja sido assegurada à parte oportunidade de expor suas razões em contraditório e utilizar-se de todos os meios de defesa permitidos pelo ordenamento, viola a ordem constitucional vigente. 3. Recurso de revista da Reclamada de que se conhece e a que se dá provimento (RR nº 126100-45.2009.5.01.0482, Data de Julgamento: 21/10/2015, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/10/2015) contraditório.

Na doutrina, os juízes do trabalho Souto Maior,

Moreira e Severo criticam veementemente a exigência de que o juiz deve ficar alheio diante da realidade social. Para estes autores, trata-se de uma crise institucional agarrada ao paradigma racionalista. Afirmam que tal fundamento “[...] é uma visão equivocada e ultrapassada

respectivamente nos Recursos de Revista de números: 1032-98.2012.5.15.0156, 78200- 58.2009.5.04.0005 e 11900-32.2009.5.04.0291.

100 Dumping social

do conteúdo do princípio dispositivo, cujo caráter democrático é inegável”170.

Da mesma forma, defende-se uma perspectiva contemporânea da manifestação jurisdicional ao propor um novo significado para o princípio da legalidade diante do Estado Democrático de Direito. Para tanto, opina que:

A lei, muito embora conservando grande importância, deixa finalmente de ser a expressão máxima do Direito. Como não poderia deixar de ser, o papel do juiz também se transforma por completo. O magistrado, que até então era a mera boca da lei, passa a ser aquele sujeito que, interpretando o texto legal, dele extrai a norma enquanto ideal de justiça. O ofício de julgar, destarte, deixa de ser visto, como simples operação silógica de subsunção do fato à lei, para, então, ser exercitado dentro de um paradigma essencialmente axiológico, cujo valor primordial é a exaltação constitucional das virtudes humanas em detrimento do patrimonialismo.171

Avista-se, desta forma, uma noção

contemporânea da aplicação da lei como uma norma com ideal de justiça. Os princípios constitucionais que salvaguardam o ser humano sobressaem-se sobre os valores patrimoniais. Neste modelo, os juízes submetem os fatos à lei com vistas ao bem comum e à felicidade coletiva, conforme coloca João Batista Herkenhoff:

De independência e coragem os juízes sempre precisarão, caso queiram ser úteis ao povo, e não dóceis instrumentos de dominação de poucos.

170 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 117-118. 171 CESÁRIO, João Humberto. Técnica processual e tutela coletiva de interesses ambientais trabalhistas: os provimentos mandamentais como instrumentos de proteção do cidadão-trabalhador. São Paulo: LTr, 2012, p. 36.

Omissão dos Estados... 101

Independentes e corajosos, os magistrados, ao aplicarem teleologicamente o Direito, tendo em vista as exigências da finalidade social e do bem comum, não poderão obscurecer que o bem comum é, até etimologicamente, felicidade coletiva, bem geral, e nunca o individualismo, a opressão que uma lei particular ou artigo de lei consagrar.172

Com base neste contexto, uma primeira corrente

defende a condenação de ofício por dumping social. Referida corrente admite que tal entendimento patrocina uma atuação mais efetiva do juiz perante a constatação da violação reiterada e sistemática de direitos trabalhistas. Não consente, assim, com a passividade jurisdicional frente ao desrespeito contumaz das empresas, por se caracterizar uma afronta a toda sociedade e ao ordenamento jurídico. Esta posição parece ser mais coerente com os preceitos do Estado Democrático de Direito e com a proteção constitucional dos direitos sociais, confrontando com um pensamento positivista ultrapassado. Nestes termos, Souto Maior, Mendes e Severo sustentam:

Os direitos fundamentais, categoria na qual se inscrevem os direitos trabalhistas, são imediatamente vigentes [...] e exigem uma intervenção positiva e efetiva dos órgãos públicos, notadamente do Poder Judiciário, sob pena de se transformarem em mera retórica. A necessidade de fazer com que o projeto constitucional se torne realidade é o que determina o papel ativo que se impõe ao Juiz do Trabalho atualmente.173

172 HERKENHOFF, João Batista. Como aplicar o direito. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 22. 173 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo:

LTr, 2014, p. 145-146.

102 Dumping social

Entretanto, a segunda corrente, que possui concepções opostas a esses ideais, apresenta maior expressividade nos tribunais, inclusive nas turmas do TST. Fundamenta-se nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil (o juiz deve decidir nos limites da lide), preconizando a iniciativa da parte para ocorrer condenação, mesmo que existam provas robustas da ocorrência de dumping social. O argumento principal é a violação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV da CF/88).

Outro ponto que merece observação é com relação aos legitimados para pleitear a condenação por dumping social. Por se tratar de matéria atinente aos interesses de toda a coletividade, a ação civil pública constitui-se o meio idôneo para o combate desta prática, consequentemente, os legitimados são aqueles do rol do artigo 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985174. Isto é,

[...] no tocante às reclamações trabalhistas, é certo que o demandante não detém legitimidade para a tutela de direitos transindividuais. Assim, não poderá formular pedido em favor da coletividade nem em seu próprio proveito [...].175

Nesta esteira, o TST negou provimento ao agravo

de instrumento em recurso de revista interposto pelo

174 Art. 5o. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 175 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014.

p. 171-172.

Omissão dos Estados... 103

reclamante, o qual pleiteava, dentre outros pedidos, a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos sociais. Em seus fundamentos, a Corte Superior reiterou a decisão do Tribunal Regional da 18ª Região:

O Tribunal Regional considerou o autor parte ilegítima ad causam, tendo em vista “que, sem embargo da importância jurídica de que se reveste o instituto atinente à indenização por dano social (dumping social), o seu reconhecimento e, por corolário, a condenação em indenização e obrigações de fazer de nítido caráter sancionatório/pedagógico exigem, sim, pedido expresso por parte de legitimados a tanto, dentre os quais o Ministério Público, a quem a Constituição da República de 1988, em seu artigo 129, inciso III, atribuiu como funções institucionais promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (PROCESSO Nº TST-AIRR-1597-07.2011.5.18.0191, Ministra Relatora DORA MARIA DA COSTA, 27/08/2014)

Outro aspecto de relevada importância a ser

explorado nesta temática é quanto à conceituação de dano social e sua diferença com o dano moral coletivo. De acordo com Flávio Murilo Tartuce Silva, ambos possuem enfoques semelhantes, mas não se pode confundi-los. Dessa maneira, apresenta a seguinte formulação de dano social:

O dano social é aquele que repercute socialmente, podendo gerar prejuízos de ordem patrimonial ou imaterial aos membros da coletividade. Há um rebaixamento moral, uma perda de qualidade de vida. O dano social está caracterizado, por exemplo, nas condutas socialmente reprováveis, que fazem mal ao coletivo, movidas pelo intuito egoísta (SILVA, 2008, web).

104 Dumping social

Logo, o dano social é aquele que produz consequências materiais e imateriais para toda a sociedade. Já o dano moral coletivo, limita-se ao aspecto moral de uma comunidade.

Souto Maior, Mendes e Severo classificam o dano social como gênero, do qual derivam as espécies: dano moral coletivo, como lesão extrapatrimonial coletiva causada por ato ilícito, e o dumping social, com natureza jurídica de dano material coletivo (mensurável ou não), ocasionado também por ato ilícito.176 Os referidos autores ensinam, ainda, que o dumping social

é uma das manifestações de dano social, vez que contraria, frontalmente, o projeto constitucional que fora destinado à legislação trabalhista no sentido da melhoria da condição social dos trabalhadores.177

Logo, o dumping social produz impactos em

diversas frentes: atinge o trabalhador individual em seus direitos e na sua essência como ser humano, bem como prejudica as empresas diante da concorrência desleal e, por fim, acomete toda a sociedade, retirando a paz coletiva com comportamentos socialmente reprováveis.

Nota-se que se trata de um tema recente a ser enfrentado pelos juízes e tribunais e que, por isso, ainda é objeto de aspectos controversos os quais são merecedores de profundas análises para a resolução dos conflitos sociais. Defende-se, neste panorama, a aplicação de uma postura que se harmonize com os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da justiça social.

176 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; MENDES, Ranúlio; SEVERO, Valdete Souto. Dumping social nas relações de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 60. 177 Ibidem, p. 25.

Omissão dos Estados... 105

2.4.2 Dumping social na Europa Após a análise de casos de condenação por

dumping social no judiciário brasileiro, tratar-se-á de algumas ocorrências nos tribunais europeus. Salienta-se que, os litígios aqui abordados envolvem empresas europeias questionadas sobre a prática de dumping social dentro da própria União Europeia.

Recentemente a empresa irlandesa Atlanco Rimec, agenciadora de mão de obra para o ramo da construção, foi condenada por praticar dumping social na França. A referida empresa foi condenada em primeira instância ao pagamento de uma indenização de 150.000 euros e ao pagamento de 22 milhões de euros para as autoridades francesas de segurança social.178 Ademais, a Atlanco Rimec já foi denunciada em documentário179 o qual revelou a prática de dumping social em diversos países, como: Holanda, Dinamarca, Suécia, dentre outros.

Apesar de existir algumas condenações na Europa, como a acima descrita, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tomou decisões em sentido contrário aos interesses laborais. Serão analisadas duas decisões deste Tribunal, as quais criaram uma grande polêmica quanto à questão do dumping social no mencionado continente por fazer prevalecer o poder econômico perante os direitos sociais.

Será estudado o “caso Viking”, de nº C-438/05, entre as partes The International Transport Workers’ Federation e The Finnish Seamen’s Union contra Viking

178 EUROPEAN FEDERATION OF BUILDING AND WOODWORKERS. Comuniqué de presse. Le fournisseur de main-d’œuvre Atlanco Rimec « condamné » pour dumping social dans le secteur européen de la construction. 22 mar. 2015. Disponível em: <http://www.stopsocialdumping.eu/downloads/0>. Acesso em: 09 nov. 2015. 179 O documentário, em inglês, pode ser visualizado no <https://www.youtube.com/watch?v=HctuiVm_BhI>.

106 Dumping social

Line ABP e OÜ Viking Line Eesti e o“caso Laval”, de nº C-341/05, entre Laval un Partneri Ltd contra Svenska Byggnadsarbetareförbundet, Svenska Byggnadsarbetareförbundets avd.1, Byggettan, Svenska Elektrikerförbundet.

Em síntese, o caso Viking ocorreu pelas seguintes razões: a empresa de navegação da Finlândia Viking Line era proprietária do ferryboat de nome Rosella, com bandeira finlandesa, e que fazia a rota entre Talin (Estônia) e Helsínquia (Finlândia). A tripulação da Rosella fazia parte do sindicato Finnish Seamen’s Union (FSU), que por sua vez era filiado à International Transport Workers’ Federation (ITF), uma federação internacional que reúne sindicados de trabalhadores de transporte de diversos países, com sede em Londres. A Viking Line decidiu que iria registrar uma nova nacionalidade para o Rosella, isto é, da Estônia, uma vez que assim poderia pagar à tripulação salários deste país, que são mais baixos que o padrão finlandês. Após litígios entre a Viking e os sindicatos nos Tribunais da Finlândia e do Reino Unido, a questão foi levada para o Tribunal de Justiça da União Europeia.180

Os impasses analisados pela Corte Europeia envolviam, sobretudo, a liberdade de estabelecimento181 e o direito de ação coletiva. O acórdão do TJUE, de 11 de dezembro de 2007, menciona que a proteção dos trabalhadores é um interesse legítimo a justificar o

180 EUROPEAN COMISSION LEGAL SERVICE. Case C-438/05 International Transport Workers’ Federation and Finnish Seamen’s Union v Viking Line ABP and OÜ Viking Line Eesti, judgment of 11 December 2007. Jul/2008. Disponível em: <http://ec.europa.eu/dgs/legal_service/arrets/05c438_en.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2015. 181 A liberdade de estabelecimento refere-se ao direito de uma pessoa física ou jurídica de desenvolver atividade econômica em qualquer Estado-membro. Integra as quatro liberdades fundamentais do direito comunitário: 1. Livre circulação de mercadorias; 2. Livre circulação de pessoas; 3. Liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços; 4. Livre circulação de capitais e pagamentos.

Omissão dos Estados... 107

ajuizamento de uma ação coletiva, quando em conflito com uma das liberdades fundamentais (livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais). Argumenta, ainda, que a comunidade europeia deve ter por parâmetro a promoção do desenvolvimento econômico, aliado à proteção social. A seguir o teor do item nº 77:

Observe-se, a este respeito, que o direito de desencadear uma ação coletiva que tenha por objetivo a proteção dos trabalhadores constitui um interesse legítimo suscetível de justificar, em princípio, uma restrição a uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado [...] e que a proteção dos trabalhadores figura entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal de Justiça[...].182

Contudo, o TJUE declara que a proteção dos

trabalhadores só pode ser justificada “[...] na condição de se provar que são aptas a garantir a realização do objetivo legítimo prosseguido e não ultrapassam o necessário para o alcançar”183. Ou seja, no presente caso, entendeu que as ações dos sindicatos prejudicaram a liberdade de estabelecimento, restringindo o artigo 43

182 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Autos nº C-438/05. 11 dez. 2007. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dca3a655954752411dadd39ef11da3d550.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuMbNz0?text=&docid=71495&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=44375>. Acesso em: 10 nov. 2015, p. 10834-10835. 183 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Autos nº C-438/05. 11 dez. 2007. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dca3a655954752411dadd39ef11da3d550.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuMbNz0?text=&docid=71495&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=44375>. Acesso em: 10 nov. 2015, p. 10840.

108 Dumping social

da Constituição Europeia (atual artigo 49184 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia- TFUE), que trata da liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro em outro Estado-membro. Neste sentido, o TJUE afirmou:

O artigo 43º CE é suscetível de conferir a uma empresa privada direitos que podem ser oponíveis a um sindicato ou a uma associação de sindicatos. O artigo 43º CE deve ser interpretado no sentido de que ações coletivas como as que estão em causa no processo principal [...] constituem restrições na acepção do referido artigo.185

O julgamento é criticado ao considerar que foram

utilizados critérios de ponderação frágeis, com elementos de convicção fechados e discutíveis.186 Afirma-se, ainda, que a decisão prejudica não só os trabalhadores do

184 Art. 49. No âmbito das disposições seguintes, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro. A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às atividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 54.º, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais. 185 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Autos nº C-438/05. 11 dez. 2007. Disponível em:

<http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dca3a655954752411dadd39ef11da3d550.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuMbNz0?text=&docid=71495&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=44375>. Acesso em: 10 nov. 2015, p. 10839. 186 BRAVO-FERRER, Miguel Rodríguez-Piñero y. Libre prestación de servicios y derecho colectivo del trabajo. In: Temas Laborales. v. II, nº 100/2009, p. 517-550. Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3082171.pdf>. Acesso em: 13 nov.2015, p. 531.

Omissão dos Estados... 109

ramo, como também se caracteriza como uma forma de incentivar outras empresas a utilizar desta manobra para reduzir seus custos. De acordo com o autor:

Para defender a liberdade de estabelecimento, a jurisprudência comunitária parece haver dado carta branca a uma prática objeto de severas críticas nos meios internacionais, não somente pela exploração dos marinheiros afetados, mas também pelas distorções que apresentam no mercado das companhias navais que possuem uma bandeira por conveniência, que estão produzindo a redução e separação de frotas nacionais e a eliminação de numerosos postos de trabalho. (Tradução livre)187

Com relação ao Caso Laval, o acórdão foi julgado

em 18 de dezembro de 2007, levando o TJUE a interpretar os artigos 12 e 49 da CE (respectivamente, atuais artigos 18188 e 56189 do TFUE), os quais tratam de

187 BRAVO-FERRER, Miguel Rodríguez-Piñero y. Libre prestación de servicios y derecho colectivo del trabajo. In: Temas Laborales. v. II, nº

100/2009, p. 517-550. Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3082171.pdf>. Acesso em: 13 nov.2015, p. 533. Texto original: Para defender la libertad de establecimiento, la jurisprudencia comunitaria parece haber dado carta blanca a una práctica objeto de severas críticas en los medios internacionales, no sólo por la explotación de los marinos afectados, sino también por las distorsiones que plantean en el mercado de transportes las navieras que utilizan bandera de conveniencia, que están produciendo la reducción y separación de flotas nacionales y la eliminación de muy numerosos puestos de trabajo. 188 Art. 18. No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem adotar normas destinadas a proibir essa discriminação. 189 Art. 56. No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação. O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem determinar que as disposições do presente capítulo

110 Dumping social

questões relativas à nacionalidade e à livre prestação de serviço, bem como a analisar a Diretiva n° 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços.

A Laval, empresa com sede na Letônia, ganhou um concurso público para construção de uma escola na Suécia. Para a execução deste contrato, utilizou-se de trabalhadores letões, os quais possuem um padrão salarial mais baixo que os suecos. Na Europa, tal fato caracteriza-se como dumping social, uma vez que esta expressão frequentemente é utilizada para

[...] descrever uma situação quando os empregadores enviam trabalhadores para países com altos salários e continuam aplicando suas condições nacionais de trabalho com baixos salários.190

Diante disto e após negociações frustradas, os

sindicatos suecos dos trabalhadores organizaram bloqueios nos canteiros de obras da Laval, bem como ingressaram com ações coletivas no Arbetsdomstolen, Tribunal do Trabalho da Suécia. A Laval também ingressou com ação no mesmo tribunal, pedindo a ilegalidade e a cessação do bloqueio, bem como solicitou que essas organizações sindicais fossem condenadas a indenizá-la do prejuízo sofrido. Com esta situação, o Arbetsdomstolen decidiu suspender a instância e submeter um pedido de decisão prejudicial ao TJUE, questionando se as organizações sindicais podem tentar obrigar, através de uma ação coletiva, uma empresa

são extensivas aos prestadores de serviços nacionais de um Estado terceiro e estabelecidos na União. 190 NEVES, Helena Telino. Limites ao exercício do direito à greve na União Europeia após os acórdãos Viking e Laval. In: Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Universidade de Lisboa. ano 3, nº 10,

2014, p. 8139.

Omissão dos Estados... 111

estrangeira que destaca trabalhadores para a Suécia a aplicar uma convenção coletiva sueca.

O TJUE, por conseguinte, examinaria se constitui uma restrição à livre prestação de serviços o fato das organizações sindicais de um Estado-Membro desencadearem uma ação coletiva e, em caso afirmativo, se esta pode ser justificada.

As organizações sindicais demandadas no processo principal e o Governo sueco alegaram que as restrições em causa são justificadas, em razão da proteção de um direito fundamental reconhecido pelo direito comunitário e que têm por objetivo a proteção dos trabalhadores. E o TJUE, no item 103 do acórdão, reconheceu que a proteção dos trabalhadores diante da situação de dumping social, e determinou que pode ensejar, em princípio, uma restrição a outros direitos. Veja-se:

103. Observe-se, a este respeito, que o direito de desencadear uma ação coletiva com o objetivo de proteger os trabalhadores do Estado de acolhimento contra uma eventual prática de dumping social pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, susceptível de justificar, em princípio, uma restrição a uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado [...].191

Ademais, explicou que a União Europeia se

caracteriza não apenas como um mercado interno com livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais entre os Estados-Membros, mas que possui uma política social, com missão de promover “[...] o

191 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Autos nº C-341/05. 18 dez. 2007. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=71925&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=427518>. Acesso em: 10 nov. 2015, p. 11887.

112 Dumping social

desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das atividades econômicas e um elevado nível de emprego e de proteção social”192

Entretanto, em que pese os argumentos acima expostos, o tribunal decidiu que, neste caso particular, existiu uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49° da CE (atual artigo 56 do TFUE), tornando menos atrativa ou mais difícil, para as empresas, a execução de trabalhos de construção no território sueco.193 Considerou que, em um primeiro momento, é razoável a atuação dos sindicatos com o fim de garantir a proteção dos trabalhadores nas questões que envolvem serviços transnacionais. Porém, pronunciou-se que, no caso em tela, este objetivo não se justifica. Eis sua consideração:

A este respeito, deve observar-se que, em princípio, um bloqueio desencadeado por uma organização sindical do Estado-Membro de acolhimento, tendo em vista garantir condições de trabalho e de emprego de um determinado nível aos trabalhadores destacados no âmbito de uma prestação de serviços transnacional, constitui um objetivo de proteção dos trabalhadores. Todavia, deve entender-se que, quanto às obrigações específicas ligadas à adesão à convenção coletiva da construção civil, que as organizações sindicais procuram impor às empresas estabelecidas noutros Estados-Membros através de uma ação coletiva como a que está em causa no processo principal, o entrave

192 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Autos nº C-341/05. 18 dez. 2007. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=71925&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=427518>. Acesso em: 10 nov. 2015, p. 11888. 193 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Autos nº C-341/05. 18 dez. 2007. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=71925&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=427518>. Acesso em: 10 nov. 2015, p. 11886.

Omissão dos Estados... 113

que esta última implica não pode ser justificado à luz de tal objetivo.194

Diante de todo o exposto, verificou-se que um dos

grandes desafios da sociedade, em seu processo de desenvolvimento, “[...] consiste em saber como compatibilizar a garantia dos direitos sociais com a sustentabilidade econômica e financeira do sistema”195. Esta possível colisão entre os direitos fundamentais da pessoa e as liberdades fundamentais da Comunidade Europeia é matéria que já há algum tempo vem sendo apresentada aos tribunais europeus.196

Rebecca Zahn discorre que “[...] as decisões do TJUE nos casos Viking e Laval exemplificam o delicado equilíbrio entre liberdades econômicas e direitos sociais” (tradução livre)197. Contudo, a autora opina que “[...] ao invés de esclarecer a posição dos sindicatos na tentativa

194 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA. Autos nº C-341/05. 18 dez. 2007. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=71925&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=427518>. Acesso em: 10 nov. 2015, p. 11889. 195 NEVES, Helena Telino. Limites ao exercício do direito à greve na União Europeia após os acórdãos Viking e Laval. In: Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Universidade de Lisboa. ano 3, nº 10,

2014, p. 8150. 196 BRAVO-FERRER, Miguel Rodríguez-Piñero y. Libre prestación de servicios y derecho colectivo del trabajo. In: Temas Laborales. v. II, nº 100/2009, p. 517-550. Disponível em: <http://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3082171.pdf>. Acesso em: 13 nov.2015, p. 524. 197 ZAHN, Rebecca. The Viking and the laval cases in the context of european enlargement. In: Web Journal of Current Legal Issues.

University of Edinburgh, 2008. Disponível em <http://webjcli.ncl.ac.uk/2008/issue3/zahn3.html>. Acesso em: 11 nov. 2015, p. 16. Texto original: The decisions by the ECJ in the Viking and Laval cases exemplify the delicate balancing act between economic freedoms and social rights.

114 Dumping social

de combater o dumping social, o TJUE emitiu critérios vagos e limitados [...]” (tradução livre)198.

Da mesma forma, Neves condena a posição adotada pelo tribunal nos casos mencionados ao considerar que o processo de construção europeia demonstra não estar se adaptando às circunstâncias atuais, pois

[...] fez regredir a importância da articulação entre o crescimento econômico e a promoção do bem-estar, fazendo acreditar que com baixo crescimento econômico não é possível sustentar o Estado Social [...].199

O Tribunal observou a finalidade social da

Comunidade Europeia, deixando claro sua intenção em reconhecer a liberdade de estabelecimento das empresas sobre os direitos sociais dos trabalhadores. Em síntese, a eliminação das fronteiras do comércio, dos capitais e dos serviços pelas regras do direito internacional e comunitário definem os sistemas jurídicos nacionais.

Não obstante as críticas até aqui elencadas, é importante observar que, em ambos os julgamentos, o TJUE enfatizou a natureza fundamental do direito de ação coletiva, bem como reconheceu a legitimidade de

198 ZAHN, Rebecca. The Viking and the laval cases in the context of european enlargement. In: Web Journal of Current Legal Issues. University of Edinburgh, 2008. Disponível em <http://webjcli.ncl.ac.uk/2008/issue3/zahn3.html>. Acesso em: 11 nov. 2015, p. 18. Texto original: Rather than clarifying the position of trade unions in combating attempts at social dumping by enterprises, the ECJ has issued vague yet stringent criteria which may or may not work in the trade unions’ favour depending on the political and economic context in which they are applied. 199 NEVES, Helena Telino. Limites ao exercício do direito à greve na União Europeia após os acórdãos Viking e Laval. In: Revista do Instituto de Direito Brasileiro. Universidade de Lisboa. ano 3, nº 10,

2014, p. 8150.

Omissão dos Estados... 115

ações desta natureza no combate da prática de dumping social.200

Assim, o desafio atual da sociedade é conciliar o desenvolvimento econômico com a garantia dos direitos sociais. Com a implementação da União Europeia passou a existir uma grande mobilidade empresarial e de pessoas, de maneira que uma empresa pode ter sede em um país, aliciar trabalhadores em outro, a fim de executar obras em um terceiro local.

Desta forma, os tribunais europeus estão sendo acionados para decidir matérias com relação à diferença de padrões trabalhistas entre os países, bem como o conflito de legislações, tudo isso aliado às liberdades empresariais de se instalar em qualquer nação do bloco econômico. Portanto, é necessário haver equilíbrio entre o crescimento econômico e a proteção dos trabalhadores, a fim de se promover a existência de uma sociedade justa e harmônica, extinguindo-se a prática do dumping social.

200 ZAHN, Rebecca. The Viking and the laval cases in the context of european enlargement. In: Web Journal of Current Legal Issues. University of Edinburgh, 2008. Disponível em <http://webjcli.ncl.ac.uk/2008/issue3/zahn3.html>. Acesso em: 11 nov. 2015, p. 8.

116 Dumping social

3

OS DIREITOS HUMANOS AFETADOS PELO DUMPING SOCIAL

A prática do dumping social causa malefícios ao

trabalhador, sobretudo no que se refere aos direitos da personalidade. Estes são fruto da evolução jurídica quanto à tutela dos indivíduos, pois protege seus valores essenciais com fundamento na dignidade da pessoa humana. Todos os seres humanos devem ter uma vida digna assegurada pelo Estado e respeitada por parte dos seus semelhantes. Assim, também se insere nesta proteção aquele que desempenha um labor.

O estudo do dumping social ainda é pouco difundido, necessitando de mais debate no meio jurídico em razão da sua importância e atualidade. Nos meios de comunicação sempre há notícias de violações dos direitos trabalhistas que chocam a sociedade pela falta de sensibilidade, em que o ser humano é tratado para gerar lucros para alguns. Trata-se de um paradoxo na medida em que se é notório, atualmente, o tratamento degradante de trabalhadores em grande parte do globo e, por outro lado, o tema dumping social ser pouco conhecido e estudado na comunidade jurídica.

Neste cenário, é fundamental frisar a importância de um meio ambiente do trabalhado sadio, hígido, seguro. Assim, diante do amplo rol de direitos humanos, serão analisados o direito à vida, à integridade física e psíquica e à saúde do trabalhador, como aqueles mais gravemente afetados pelo dumping social.

118 Dumping social

3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Inicialmente cabe esclarecer que as expressões

direitos fundamentais e direitos humanos estão essencialmente interligadas, uma vez que todas convergem para a proteção do ser humano.

Não há, porém, quer na esfera conceitual, quer na terminológica, consenso doutrinário para a expressão direitos fundamentais, posto que, não raras vezes, expressões como direitos humanos, direitos do homem e direitos subjetivos lhe são equivocadamente equiparadas. Assim, cumpre fazer uma distinção entre a expressão direitos fundamentais e a expressão direitos humanos.201

Do ponto de vista histórico, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Estabelecendo, contudo, um corte epistemológico para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, deve-se distingui-los

[...] enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de direito interno.202

A concepção de direitos fundamentais é ampla

devido à proteção interna estabelecida pelo ordenamento jurídico de cada país, normalmente especificados na Constituição. Tal conjunto de direitos possui, assim,

201 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª

edição. Livraria do advogado. Porto Alegre, 2007, p. 33. 202 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. In: GUERRA FILHO, Willis Santiago. (Coord.) Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 12.

Os direitos humanos afetados... 119

estatuto especial no direito interno das nações, sendo considerado exigência básica para que um Estado integre a comunidade internacional.203

Assim, tem-se que enquanto os direitos fundamentais declaram direitos considerados básicos em determinado Estado, os direitos humanos expressam compromissos nacionais com valores, destinados a estabelecer uma ordem internacional politicamente justa.

Segundo Claudio Brandão,

há uma conexão entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, pois eles têm a mesma substância. A diferença entre eles, portanto, é de forma, não de conteúdo.204 Ingo Wolfgang Sarlet faz uma cautelosa

explicação sobre esta questão terminológica: Em que pese os dois termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) sejam comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e

203 BARRETO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 243. 204 BRANDÃO, Cláudio. Direitos humanos e fundamentais em perspectiva. São Paulo: Atlas, 2014, p. 5.

120 Dumping social

tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).205

Os seres humanos, assim, quando possuem seus

direitos essenciais reconhecidos pelo ordenamento jurídico de um Estado, são amparados por seus direitos fundamentais. Enquanto que a proteção dos direitos humanos é dada em um âmbito global, direcionada a toda humanidade através de instrumentos de direito internacional, como por exemplo, tratados e convenções.

Porém, como lembra Marcelo Neves, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais dizem respeito à inclusão da pessoa e à diferenciação da sociedade:

Os conteúdos praticamente coincidem. A diferença reside no âmbito de suas pretensões de validade. Os direitos fundamentais valem dentro de uma ordem constitucional estatalmente determinada. Os direitos humanos pretendem valer para o sistema jurídico mundial de níveis múltiplos, ou seja, para qualquer ordem jurídica existente na sociedade mundial.206

Se, no âmbito interno, os direitos fundamentais

dependem de normatização, os direitos humanos seguem caracterizados pela proteção internacional e universal, atingindo a todas as pessoas.207 Ou seja, a expressão direitos humanos guarda relação com os documentos de

205 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 29. 206 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 253. 207 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, artigo 1º: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” In: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:

<http://portal.mj.gov.br>. Acesso em: 24 nov. 2015.

Os direitos humanos afetados... 121

direito internacional, aspirando validade universal para todos os povos e épocas, revelando caráter supranacional. 3.1.1 As gerações de direitos humanos

Alguns doutrinadores defendem que o vocábulo

dimensão substitui o termo geração de forma mais adequada, contemplando a visão integral dos direitos humanos, uma vez que a expressão gerações de direitos induz ao equívoco de considerar-se um processo substitutivo e de sucessão cronológica, e de suposta caducidade, portanto, dos direitos de gerações anteriores – o que não é verdadeiro.208

Para Willis Santiago Guerra Filho, tal contexto [...] não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos gestados em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recentes tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada, e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los.209

No caso do direito individual de propriedade, num

contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, o mesmo só pode ser exercido observando-se sua função social e, com o aparecimento

208 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. Dão

Paulo: Malheiros, 1997, p. 514. 209 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. In: GUERRA FILHO, Willis Santiago. (Coord.) Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 13.

122 Dumping social

da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.210

Para Willis Santiago Guerra Filho, “as diversas gerações de direitos humanos correspondem às dimensões dos direitos fundamentais”211 porque o termo gerações supõe o processo de evolução de determinado direito, ao passo que dimensão nasce desse processo evolutivo já consolidado. Portanto, as gerações de direitos humanos evoluem e se positivam no plano internacional para, posteriormente, com a afirmação no direito interno, manifestar-se como dimensão de direitos fundamentais.

Assim, quando se tratar de direitos fundamentais, utilizar-se-á o termo dimensões distinguindo a formação sucessiva de uma primeira, uma segunda, uma terceira, uma quarta e, mais recentemente, uma quinta geração.

Os direitos humanos de primeira geração são direitos civis e políticos, ou direitos do homem. Trata-se dos direitos individuais vinculados à liberdade, à propriedade212, à segurança e à resistência às diversas formas de opressão. São, pois,

direitos inerentes à individualidade, tidos como atributos naturais, inalienáveis e imprescritíveis, que

210 Ibidem. 211 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teses sobre direitos fundamentais, princípios jurídicos e estado democrático de direito. In:

ALMEIDA FILHO, Agassis de; CRUZ, Danielle da Rocha (Coords.). Estado de Direito e direitos fundamentais. Rio de janeiro: Forense, 2005, p. 670. 212 “A Declaração Francesa considerava o direito de propriedade como inviolável e sagrado, o que os redatores de 1948 nunca teriam aceito. Mas não teriam aceito também que o objeto de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem, fórmula que implica uma filosofia do direito natural e da finalidade individualista.” In: ARON, Raymond. Duas declarações de direitos. In: GROCE, Benedetto; CARR, Edward Hallett; ARON, Raymond. Declarações de direitos. Ed. atual. e rev. por EaD/CEE/MCT, 2. ed. Brasília: Senado Federal, Centro de Estudos Estratégicos, Ministério da Ciência e Tecnologia, 2002, p. 33.

Os direitos humanos afetados... 123

por serem de defesa e serem estabelecidos contra o Estado, têm especificidade de direitos “negativos”.213

Nas palavras de Antonio Carlos Wolkmer, tais

direitos apareceram ao longo dos séculos XVIII e XIX

como expressão de um cenário histórico marcado pelo ideário do jusnaturalismo secularizado, do racionalismo iluminista, do contratualismo societário, do racionalismo individualista e do capitalismo concorrencial.214

O período consolida a hegemonia da classe

burguesa, que decorre, principalmente, da insatisfação dos governados com a realidade política, econômica e social da época e estabelece, como fontes legais institucionalizadas dos direitos civis clássicos de primeira dimensão, a notável Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776, e da França, de 1789. Tais direitos e garantias foram posteriormente positivados pela Constituição norte-americana de 1787 e pelas Constituições francesas de 1791 e 1793, além da importante influência exercida no Código Napoleônico de 1804, fiel tradutor do espírito liberal-individual.215

Segundo Celso Lafer, Os direitos humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são, neste sentindo, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não-Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao

213 WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo:

Saraiva, 2001, p. 7. 214 WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 7. 215 Ibidem, p. 8.

124 Dumping social

indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social.216

Tais direitos civis e políticos foram consagrados

nos sistemas jurídicos através do processo histórico e implementados pelas etapas da justificativa e fundamentação, gozando atualmente de argumentos que aprofundaram a importância da temática dos direitos humanos para a construção do Estado Liberal de Direito.217

Para Fábio Konder Comparato, [...] representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas. Mas em contrapartida, a perda da proteção familiar, estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei.218

São, assim, direitos projetados para proteger o

direito individual à liberdade, à segurança, à integridade física e à moral da pessoa humana contra os abusos do poder soberano do Estado absolutista.

Esses direitos correspondem essencialmente às obrigações de não fazer para o estado liberal. Fala-se também em “direitos-abstenção” porque eles exigem do

216 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 126. 217 BARRETO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 194. 218 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001, p. 51.

Os direitos humanos afetados... 125

Estado tão somente a não-intervenção no exercício das liberdades individuais.219

Pode-se creditar o surgimento e o resguardo

dessa geração de direitos à moral individualista e secular, que coloca o indivíduo como centro do poder, combatendo, de outra parte, os arranjos entre poder político e religioso e assinalando a secularização do poder do Estado.220

São, portanto, direitos que abrigam as liberdades individuais impondo limitações ao poder do Estado, decorrentes da evolução do direito natural sob a perspectiva de ênfase jusnaturalista centrada no homem e influenciados pelos ideais iluministas de Rousseau, Locke e Montesquieu. Caracterizam-se, outrossim, por surgir no contexto da formação do constitucionalismo político clássico, que sintetiza as teses do Estado Democrático de Direito, da teoria da tripartição dos poderes, do princípio da soberania popular e da doutrina da universalidade e garantias fundamentais.221

Os direitos humanos de segunda geração consistem nos direitos econômicos, sociais e culturais, ou direitos humanos fundados social e politicamente sobre os conceitos de igualdade e de justiça social. Estão elencados nesta geração o direito ao trabalho, à saúde, à educação etc.

A contextualização histórica dos direitos de segunda geração é nitidamente marcada pelo surto do processo de industrialização e os graves impasses

219 “À ces droits correspondent pour l’essentiel des obligations de ne pas faire pour l’ètat libéral. On parle aussi de “droits-abstention” car ils ne requièrent de l’État qu’une simple non-intervention dans l’exercice de libertés individuelles.” In: SALMON, Jean. Dictionnaire de droit international public. Bruxlles: Bruylant, 2001, p. 397. 220 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 46 e ss. 221 WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo:

Saraiva, 2001, p. 7.

126 Dumping social

socioeconômicos que varreram a sociedade ocidental entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX.222

O capitalismo concorrencial evoluiu para a dinâmica financeira e monopolista e a crise do modelo liberal de Estado possibilitou o nascimento do Estado do Bem-Estar Social, que passou a arbitrar as relações entre capital e trabalho. O período ainda registra o desenvolvimento das correntes socialistas, anarquistas e reformistas.223

Os direitos sociais ou prestacionais contribuem na transição do constitucionalismo liberal – fundado na construção do individualismo, na inação do poder estatal e na propriedade privada – para o constitucionalismo social, uma vez que determinam ou exigem do Estado, enquanto ente propiciador da liberdade humana, a efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional.

A despeito das conquistas provenientes das lutas sociais pelo reconhecimento e a eficácia dos direitos civis e políticos de primeira geração, bem como dos direitos econômicos, sociais e culturais, outros valores meta-individuais, coletivos e difusos224 – como a solidariedade e a fraternidade –, até então não debatidos pela sociedade ocidental, foram colocados em pauta por ocasião do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e

222 Ibidem, p. 8. 223 Ibidem. 224 “Aspecto nuclear dos direitos metaindividuais, a distinção entre direitos difusos e coletivos nem sempre fica muito clara, podendo-se dizer que o critério subjetivo os diferencia (maior ou menor indeterminação dos titulares do Direito). Os direitos difusos centram-se em realidades fáticas, “genéricas e contingentes, acidentais e mutáveis” que engendram satisfação comum a todos (pessoas anônimas envolvidas mas que gastam produtos similares, moram na mesma localidade etc.), enquanto os direitos coletivos envolvem interesses comuns no interior de organizações sociais, de sindicatos, de associações profissionais etc.” In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 10.

Os direitos humanos afetados... 127

passaram a ser chamados direitos humanos de terceira geração.

Acerca dos direitos mais citados e reconhecidos consensualmente como de terceira dimensão estão o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural, e o direito à comunicação.

Em razão das transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, outros direitos podem ser inseridos na terceira dimensão, como os direitos de gênero, os direitos da criança, do idoso, dos deficientes físicos e mentais, das minorias (étnicas, religiosas, sexuais) e os novos direitos da personalidade (à intimidade, à honra, à imagem).

Nestes termos, a solidariedade225 e a fraternidade respondem às preocupações e às aspirações de paz, de desenvolvimento e de um ambiente saudável, que ganharam impulso no período pós-Segunda Guerra Mundial (1945-1950). Tais direitos transcendem, assim, os Estados, refletindo os objetivos da comunidade internacional:226

A explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, a mutilação e o extermínio de vidas

225 Léon Duguit propõe o termo interdependência social no lugar de solidariedade: “O homem, diremos nós, está ligado aos outros homens pelos laços da solidariedade social. Para evitar a palavra solidariedade, pode-se dizer interdependência social.” In: DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. Tradução de Eduardo Salgueiro.

Florianópolis: Obra Jurídica, 2004, p. 22. 226 No Brasil, esses direitos metaindividuais se concretizam com a aprovação da Lei da Ação Civil Pública (n. 7.347/85), que disciplina e protege o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; na Constituição brasileira de 1988, art. 5º, § 2º, no que tange aos direitos não-expressos ou atípicos; no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) e no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90).

128 Dumping social

humanas, a destruição ambiental e os danos causados à natureza pelo desenvolvimento tecnológico desencadearam a criação de instrumentos normativos no âmbito internacional. Igualmente uma política governamental em defesa dos consumidores foi sendo estabelecida nas décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos e na Europa.227

Ingo Wolfgang Sarlet destaca que o titular desta

geração de direitos não é mais o homem individualmente considerado, posto que ela respeita à proteção de categorias ou grupos de pessoas, trazendo

[...] como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa [...].228

Resultam, destarte, das novas reivindicações

fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado de beligerância e pelo processo de descolonização do pós-guerra.

Na denominação adotada pela ONU, os direitos contemporaneamente considerados de terceira e até mesmo de quarta dimensão, assim como os das gerações anteriores, têm servido como ponto de apoio às reivindicações jurídicas dos desprivilegiados.

Estes direitos têm como titular não o indivíduo na singularidade, mas sim grupos humanos como a

227 WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11. 228 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª

edição. Livraria do advogado. Porto Alegre, 2007, p. 50-51.

Os direitos humanos afetados... 129

família, o povo, a nação, coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade.229

É o exemplo por excelência do direito à

autodeterminação dos povos, expresso nos artigos 1º, § 2º230, e 55231 da Carta das Nações Unidas, consagrado também no artigo 1º232 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, reafirmados nos mesmos termos no artigo 1º do Pacto dos Direitos Civis e Políticos;233 e reconhecidos pacificamente por todos os Estados como um direito de titularidade coletiva.

229 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo

com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 131. 230 “Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal.” In: NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://unicrio.org.br>. Acesso em: 15 set. 2016. 231 “Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.” In: NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://unicrio.org.br>. Acesso em: 15 set.

2016. 232 “1. Todos os povos têm o direito de livre determinação. Em virtude deste direito, estabelecem livremente sua condição política e desse modo regulam o seu desenvolvimento econômico, social e cultural”. In: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Acesso em 30 jan. 2016. 233 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Pacto internacional sobre direitos civis e políticos. Acesso em: 26 nov. 2016.

130 Dumping social

Tradicionalmente, os direitos humanos são divididos em três gerações: os direitos civis ou negativos, que não exigem nenhuma despesa do Estado; os direitos sociais ou positivos, que implicam intervenção e despesa ao Estado; e os direitos coletivos ou de terceira geração.

A quarta geração de direitos humanos, reconhecida doutrinariamente, refere-se aos direitos ligados à biotecnologia, à bioética234 e à regulação da engenharia genética:

Trata-se dos direitos específicos que têm vinculação direta com a vida humana, como a reprodução humana assistida (inseminação artificial), aborto, eutanásia, transplante de órgãos, engenharia genética e outros.235

Esses novos direitos, que emergiram no final do

século XX, projetam desafiadoras discussões, pois identificam-se com a universalização de direitos fundamentais já existentes, como o direito à democracia direta, à informação e ao pluralismo, por exemplo – o que explica o descompasso e os limites da ciência jurídica convencional para regulamentar e proteger com efetividade tais procedimentos. “Daí a prioridade de se redefinirem as regras, os limites e as formas para o bem-estar e não para a ameaça ao ser humano”.236

Há doutrinadores que consideram ainda a existência de uma quinta geração de direitos humanos advinda das tecnologias de informação, do ciberespaço e

234 Antonio Carlos Wolkmer lembra que existem subsídios legais que podem viabilizar fundamentos para os “novos” direitos da bioética: Código de Nuremberg (1947), Declaração de Helsinque (1964), lei brasileira da Biossegurança (n. 8.974 de 5.1.1995) e a Lei de Doação de Órgãos (n. 9.434 de 4.2.1997), além de vários projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional sobre clonagem, reprodução humana assistida e eutanásia. 235 WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 12. 236 Ibidem, p. 13.

Os direitos humanos afetados... 131

da realidade virtual em geral, decorrentes da contínua e progressiva evolução da sociedade.237

Outrossim, os direitos reconhecidos como do homem na sua singularidade – sejam eles os de primeira ou de segunda dimensão – têm a titularidade inequívoca do indivíduo. Já os direitos de terceira, de quarta e de quinta dimensões podem implicar conflitos no que tange à titularidade do indivíduo e/ou da coletividade, diante da multiplicidade de grupos (trabalhadores, mulheres, minorias étnicas etc.) que eventualmente sobrepõem-se uns aos outros.

Segundo Norberto Bobbio, “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas sim o de protegê-los”238. Noutras palavras, o processo de reconhecimento das garantias dos direitos humanos nos sistemas normativos nacionais ou internacionais resulta do processo de amadurecimento histórico; a justificação e a fundamentação dos direitos é etapa indispensável e indissociável da sua proteção.

Diante desta análise, convém examinar os direitos diretamente afetados pela prática do dumping social, já que o instituto se traduz em uma atividade que age no sentido inverso, ou seja, violando direitos do trabalhador.

3.1.2 O direito à vida, à integridade psicofísica e à saúde

Os direitos humanos devem ser resguardados na

relação de trabalho, já que existem diversas hipóteses de violação de tais direitos no cotidiano de quem desempenha um labor.

Para Adriano De Cupis existe uma hierarquia entre os bens, ressaltando que existem bens máximos

237 Ibidem, p. 15-16. 238 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson

Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 23.

132 Dumping social

sem os quais os outros perderiam seu valor. Segundo o autor,

aqueles que se apresentam como os bens mais preciosos relativos à pessoa, são precisamente modos de ser físico ou morais - aptos a satisfazer correspondentes necessidades de ordem física e moral.239

Nestes termos, Carlos Alberto Bittar, defende que

dentre os direitos de ordem física, o direito à vida ocupa posição de primazia,

como bem maior na esfera natural e também jurídica, exatamente porque, em seu torno e como consequência de sua existência, todos os demais gravitam, respeitados, no entanto, aqueles que dele extrapolam.240

O direito à vida é o bem máximo do ser humano,

essencial para exercício de todos os outros direitos, ou melhor, “o direito à vida é um pressuposto para o exercício dos direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico de um país”241.

A Constituição Federal de 1988 garante, no artigo 5º, caput, a inviolabilidade do direito à vida, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê, no artigo 3º, que “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”242.

239 CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Tradução de Afonso

Celso Furtado Rezende. 2. ed. São Paulo: Quorum, 2008, p. 29. 240 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da personalidade. 4. ed. São

Paulo: Forense, 2000, p. 67. 241 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2013, p. 251. 242 UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2016.

Os direitos humanos afetados... 133

Além do bem da vida, a integridade física situa-se entre os bens mais elevados na escala hierárquica, tomando parte na categoria dos bens essenciais e inatos. É o que explica Adriano De Cupis a seguir:

O bem da integridade física é a par do bem da vida, um modo de ser físico da pessoa, perceptível mediante os sentidos. Este bem, por outro lado, segue, na hierarquia dos bens mais elevados, o bem da vida. De fato, enquanto este último consiste puramente e simplesmente na existência, a integridade física, pressupondo a existência, acrescenta-lhe alguma coisa que é, precisamente, a incolumidade física de importância indubitavelmente inferior ao seu pressuposto.243

No desempenho do trabalho não podem ocorrer

lesões à integridade física, cabendo ao empregador utilizar-se de todas as medidas necessárias para garantir a sua segurança.

O direito à integridade se refere tanto à integridade física quanto psíquica. O primeiro é o direito conferido ao seu titular de “fazer cessar os atos materiais praticados por terceiros contra seu corpo”, enquanto que o segundo consiste na “imposição de um dever jurídico a toda e qualquer pessoa de não provocar dano à psique de outrem”244.

Para Elimar Szaniawski, a doutrina atual tem afastado a ideia de duas tipificações diferentes para a tutela da integridade da pessoa “concebendo a expressão integridade, sob um único perfil psíquico e físico, que constituem os componentes indivisíveis da estrutura humana”, e conclui que “o ser humano é uma indissolúvel unidade psicofísica não se limitando ao aspecto estático

243 CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Tradução de Afonso Celso Furtado Rezende. 2. ed. São Paulo: Quorum, 2008, p. 75-76. 244 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 170-171.

134 Dumping social

individual”245. Ademais, entre os direitos sociais inseridos no artigo 6º246 da Constituição, destaca-se o direito à saúde, tratando-se de um bem essencial ao indivíduo, relacionado ao seu desenvolvimento livre e sadio.

Um enfoque significativo entre a tutela da saúde e o direito à integridade psicofísica se efetiva na proteção da saúde em razão da possibilidade de desenvolvimento da personalidade do indivíduo.247 Sob esta perspectiva, Pietro Perlingieri alude que a tutela da dignidade deve realizar-se em relação a todos os aspectos:

[...] a diversidade dos interesses fundamentais do homem não se traduz em uma pluralidade de direitos fundamentais diversificados por conteúdo e por disciplina. O mesmo interesse à saúde, indissolúvel daquele do livre desenvolvimento da pessoa, pode apresentar-se de formas diversas, assumindo relevância e configurações diversas, segundo seja visto como direito ao serviço sanitário, à salubridade do ambiente, à integridade física ou àquela mental; [...] o que releva é o valor da pessoa unitariamente entendida.248

Em suma, o trabalhador encontra-se sujeito às

condições dispensadas pelo seu empregador e, muitas vezes, submete-se a situações inadequadas e abusivas

245 Ibidem, p. 171. 246 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” In: PLANALTO.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 jul. 2016. 247 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 171. 248 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 159.

Os direitos humanos afetados... 135

seja por falta de alternativas, por sua posição de vulnerabilidade, por falta de instrução ou até mesmo por dependência econômica. Neste quadro, qualquer indivíduo merece ser respeitado como pessoa dotada de dignidade humana, isto é, aqueles que desempenham um labor também devem ter resguardados todos os direitos que abrangem tanto a sua incolumidade física, psíquica e moral.

3.1.3 O dumping social e a lesão aos direitos dos empregados brasileiros

Na seara trabalhista, a CLT contém poucas

normas diretamente relacionadas aos direitos fundamentais. Como exemplo, têm-se os artigos 482, alínea j, e 483, alínea e, que tratam da lesão à ofensa, à honra e à boa fama; e o artigo 373-A, inciso VI, que veda a revista íntima nas empregadas. O legislador demonstrou possuir uma visão singela acerca da importância de tais direitos, limitando-se a resguardar o valor patrimonial da relação de emprego. No entanto, esta lacuna das normas trabalhistas é preenchida não só pela aplicação subsidiária do Código Civil, mas também pela própria Constituição Federal, já que é fonte primária de todo o ordenamento jurídico brasileiro, conforme permitida no artigo 8º da CLT249.

249 “Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.” In: PLANALTO. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 10. jul. 2016.

136 Dumping social

Alicerçados na previsão constitucional, todos os trabalhadores possuem o direito de ver seu labor reconhecido na promoção do desenvolvimento nacional e

têm direito à promoção de melhores condições de trabalho e existência, além da observância das garantias constitucionais e legais incidentes sobre as relações de trabalho.250

O trabalhador, como todo ser humano, possui

atributos essenciais em consequência de sua dignidade. Em uma relação de trabalho, o indivíduo se encontra, maioria das vezes, em uma condição de subordinação jurídica e de dependência econômica. Assim, a lesão a seus direitos surge em meio a esse conflito entre os poderes do empregador e a subordinação do trabalhador.

É recorrente no Brasil e em diversos países a situação em que as empresas, para auferir vantagens econômicas, não viabilizam condições mínimas de segurança e higiene no ambiente de trabalho, ou se utilizam de mão de obra infantil ou do trabalho escravo, dentre outras tantas transgressões à legislação laboral, que não raras vezes culminam em acidentes de trabalho e/ou a perda da vida do trabalhador.

Em razão disto, serão investigados a seguir o direito à vida, à integridade psicofísica e à saúde do trabalhador, por serem os direitos mais gravemente afetados em consequência da prática do dumping social, sem por isso, deixar de considerar o valor das outras espécies.

250 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014.

p. 37.

4

POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA ELIMINAÇÃO E CONTROLE DO DUMPING SOCIAL

Diante do que foi analisado, constatou-se que o

dumping social é um desafio a provocar respostas no campo do direito interno e internacional. Trata-se de um problema atual que requer a busca por soluções plausíveis, que respeitem o desenvolvimento econômico e social, mas que salvaguardem principalmente o ser humano, que é o cerne de toda a ordem jurídica.

Pode-se afirmar que, atualmente, a sociedade encontra-se em crise, exigindo-se respostas criativas, capazes de lidar com a complexidade da realidade global. Para a jurista Mireille Delmas-Marty, esta crise revela um vazio, ou melhor, “uma ausência de modelo teórico para se representar as práticas ligadas à organização dos poderes” (tradução livre)251.

Vive-se atualmente uma sociedade global de riscos, a qual se encontra imersa em crises

decorrentes da própria forma de estruturação da economia globalizada e de novos desenvolvimentos tecnológicos, que existem em vários países e têm a capacidade de causar danos a todo o planeta.252

251 DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit (III). La refondation des pouvoirs. Paris: Le Seuil, 2007, p. 7. Texto original: “Le constat vaut aussi pour les autres institutions, tant il est vrai que les crises ont d’abord révélé un vide, ou plus exactement une absence de modèle théorique pour se représenter les pratiques liées à l’organisaition des pouvoirs.” 252 VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do Direito: direito internacional, globalização e complexidade. Brasília: UniCEUB, 2013, p. 473.

138 Dumping social

Nestas circunstâncias, em que muitos trabalhadores de variadas nacionalidades sofrem a ausência de um mecanismo de combate ao dumping social, busca-se discutir possíveis soluções, não só para eliminação deste problema, como também para investigação de caminhos para a sua prevenção.

O momento é adequado para se questionar sobre ações para superar essas ambivalências da globalização e do desenvolvimento.253 Afinal, ao mesmo tempo em que o modelo antigo não demonstra mais ser suficiente, ainda é necessário descobrir uma nova forma de enfrentar a realidade atual. Desta maneira “entre o que não é mais e o que ainda não é, há um caminho a se construir; mas sabe-se das dificuldades que se precisará resolver para supera-las” (tradução livre)254.

Em razão desta ausência de respostas para casos recorrentes de dumping social, é que se pretende apresentar as iniciativas adotadas e sugerir propostas, tendo como base uma conexão entre o que está sendo debatido no âmbito da internacionalização do direito e da responsabilidade social da empresa.

Porém, antes de aprofundar neste conteúdo, convém expor alguns instrumentos utilizados no âmbito internacional como forma de reprimir atividades nocivas aos trabalhadores, quais sejam: o selo social, o global compact ou pacto global das Nações Unidas, a certificação SA 8000 e os códigos de conduta.

253 MORIN, Edgar. Por uma governança de destino comum. In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não tem mais tempo a perder: apelo por uma governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 75. 254 DELMAS-MARTY, Mireille. Les forces imaginantes du droit (III). La refondation des pouvoirs. Paris: Le Seuil, 2007, p. 8. Texto original: “Entre ce qui n’est plus et ce qui n’est pas encore, le chemin reste à baliser; mais il est dejà révélateur des difficultés qu’il faudra résoudre pour en sortir.”

Possíveis soluções... 139

4.1 PACTO GLOBAL E OUTRAS INICIATIVAS DA ONU O compromisso da Organização das Nações

Unidas (ONU) com a temática dos impactos das atividades das empresas transnacionais na sociedade pode ser dividido em três etapas.255

A primeira fase se deu na década de 1970, quando da criação da “Comissão sobre Multinacionais” no âmbito da ONU, que teria como principal objetivo desenvolver um código de conduta a ser adotado pelas empresas. A Comissão apresentou um draft dos estudos em meados de 1990. Porém, em razão de divergências entre países em desenvolvimento e desenvolvidos, o documento não teve plena aceitação – estes países buscavam solidificar a capacidade de regularem sobre as obrigações das empresas transnacionais, e aqueles buscavam criar um campo de manobra para as empresas atuarem nos mercados emergentes.

A segunda fase tem como foco de discussão, as obrigações das empresas relativas aos direitos humanos, e consolida-se em 1997 com o estabelecimento de um grupo de trabalho na “Subcomissão para Promoção e Proteção dos Direitos Humanos”, subordinada ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, para analisar os métodos de trabalho e atividades das empresas transnacionais.

Em 1999, esse “Grupo de Trabalho sobre Métodos de Trabalho e Atividades das Corporações Transnacionais” passa a desenvolver um conjunto de normas de conduta para empresas, culminando, em 2003, com as “Normas sobre Responsabilidades das

255 DEVA, Surya; BILCHITZ, David. The Human Rights Obligations of Business: A Critical Framework for the Future. In: DEVA, Surya; BILCHITZ, David (Eds.). Human Rights Obligations of Business: Beyond the Corporate Responsibility to Respect? Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 5 e ss.

140 Dumping social

Corporações Transnacionais e Outros Empreendimentos Privados com Relação aos Direitos Humanos”256.

Apesar de ter sido aprovada pela Subcomissão, o Conselho de Direitos Humanos não reconheceu o status legal do documento, atribuindo-lhe severas críticas em razão de estender às empresas, as obrigações estatais relativas aos direitos humanos. Com o descontentamento por parte do Conselho de Direitos Humanos, a proposta não foi implementada.

Contemporaneamente, o então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, lançou em 2000 o Projeto Global Compact ou Pacto Global, que consistia em um apelo ao setor privado para que, juntamente com algumas agências das Nações Unidas257 e outras organizações da sociedade civil, contribuísse para o progresso da prática da responsabilidade social corporativa, na busca do respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e à ética nos negócios, e assim, solucionar os desafios da globalização.

O Pacto Global é um mecanismo voluntário no qual a empresa ou a instituição é incentivada a assumir publicamente o compromisso de gerenciar seu crescimento de maneira responsável, baseando suas políticas e práticas de negócios em 10 princípios de valores universais cujos pilares são: direitos humanos, relação de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção.

256 Norms on the Responsibilities of Transnational Corporations and Other Business Enterprises with Regard to Human Rights, U.N. Doc. E/CN.4/Sub.2/2003/12/Rev.2 (2003). 257 Para cumprir os compromissos propostos, os signatários são auxiliados por cinco agências de apoio da ONU: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que lidera as atividades, o Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos (OHCHR), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO).

Possíveis soluções... 141

A terceira e última fase é marcada pela nomeação, em 2005, de John Ruggie como Representante Especial do Secretário Geral da ONU para a temática Direitos Humanos e Empresas Transnacionais.258

A nomeação de John Ruggie deixou transparecer a influência norte-americana na definição mais branda de regras e princípios que seriam aplicadas às empresas. Seu mandato foi denominado de “Pragmatismo Principiológico”, em razão de priorizar ações e normativas que tivesse mais chance de serem alcançadas e que promovesse mudanças na vida diária das pessoas, ainda que não protegessem plenamente os direitos humanos.259

O trabalho de Ruggie teve como resultado dois documentos: o “Protect, Respect and Remedy” Framework de 2008260, e os “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos” de 2011261, que

258 DEVA, Surya; BILCHITZ, David. The Human Rights Obligations of Business: A Critical Framework for the Future. In: DEVA, Surya; BILCHITZ, David (Eds.). Human Rights Obligations of Business: Beyond the Corporate Responsibility to Respect? Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 10. 259 RUGGIE, John. Interim Report of the Special Representative of the Secretary-General on the Issue of Human Rights and Transnational Corporations and Other Business Enterprises. U.N. Doc.

E/CN.4/2006/97. 2006. Disponível em: <http://www1.umn.edu/humanrts/business/RuggieReport2006.html>. Acesso em 30.jul.2016. 260 OHCHR, United Nations High Commissioner for Human Rights. Protect, Respect and Remedy: Framework, 2008. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2016. 261 OHCHR, United Nations High Commissioner for Human Rights. Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Respect and Remedy’ Framework, 2011. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2016.

142 Dumping social

orientam, de forma não vinculativa, as atividades das empresas em relação aos direitos humanos.

Importante destacar que o “Protect, Respect and Remedy” atribuía “deveres” aos Estados e somente “responsabilidades” às empresas, deixando transparecer a tendência que prevaleceria no documento de 2011, no qual os Estados possuiriam obrigações stricto sensu com a proteção e respeito aos direitos humanos, e reparações às vítimas enquanto que as empresas responderiam em um nível ético e moral, do que seria certo e valorizado enquanto rotina empresarial.

Para divulgar, discutir e auxiliar a implementação dos “Princípios Orientadores” nos Estados e nas atividades das empresas, criou-se um Grupo de Trabalho em Direitos Humanos e Empresas262.

Em 2014, uma nova iniciativa sobre a temática dos direitos humanos e empresas surgiu na 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, com a Resolução A/HRC/26/L.22/Rev.1.263 Liderada pela Bolívia, Cuba, Equador, Venezuela e África do Sul, a proposta aprovada criou um grupo de trabalho intergovernamental para a elaboração de um tratado internacional vinculante, sobre empresas transnacionais, outros empreendimentos comerciais e violações a direitos humanos, a ser apresentado para análise ao Conselho de Direitos Humanos, em meados da segunda metade de 2016.

262 Em razão da Resolução A/HRC/26/L.1., deliberada na 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o mandato do “Grupo de Trabalho em Direitos Humanos e Empresas” foi revogado por mais três anos. In: CONECTAS. Resolution A/HRC/26/L.1. Genebra: ONU, 2014. Disponível em: <http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/HRC26_L_1_Rev_1_Orallyrevised.doc>. Acesso em: 30 jul.2016. 263 CONECTAS. Resolution A/HRC/26/L.22/Rev.1. Genebra: ONU, 2014. Disponível em: <http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/HRC26_L_22_Rev_1_Orallyrevised.doc>. Acesso em: 30 jul.2016.

Possíveis soluções... 143

A certificação SA 8000 foi desenvolvida em outubro de 1997 pelo Órgão de Credenciamento do Conselho de Prioridades Econômicas em inglês Council for Economic Priorities Accreditation Agency (CEPAA), ligada à ONU, e reuniu ONG, empresas e sindicatos e baseou-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nas convenções da OIT e da ONU.

Visa à responsabilidade social na área empresarial e proteção dos direitos humanos fundamentais dos trabalhadores, porém, não há mecanismos de sanção para as empresas que descumprem as normas, incorrendo no risco de se tornar apenas um instrumento de marketing empresarial, sem efetivamente colocar em prática todos os requisitos necessários para se alcançar a certificação.264

Além da norma SA8000 há outras normas nesta categoria, entre elas cita-se a ISO 9000, o Fair Labor Association Code, o American Apparel Manufacturers Code, o International Council of Toys Industries Code, além dos códigos próprios das empresas, e apresentam variações em seu escopo, em seus requisitos de monitoração e aceitação. 4.2 PRINCÍPIOS DA OCDE SOBRE O GOVERNANÇA CORPORATIVA

Os “Princípios da OCDE sobre o Governança

Corporativa de 2004”265 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)266,

264 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 98. 265 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Os princípios da OCDE sobre governança corporativa, 2004. Disponível em: <http://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceprinciples/33931148.pdf>. Acesso em: 09.dez. 2015. 266 A OCDE que tem como objetivo a promoção de políticas que visam: a) alcançar o mais elevado nível de crescimento econômico e

144 Dumping social

são recomendações de boas práticas em empresas privadas, podendo ser adaptados às circunstâncias específicas de cada país e região.267

Tornaram-se uma importante referência internacional para empresas, investidores, sociedades e outros sujeitos com interesses relevantes em todo o mundo. 268

A OCDE também lançou as Diretrizes da OCDE sobre governança corporativa para empresas de controle estatal269 estabelecem referências para o relacionamento

de emprego sustentável e uma crescente qualidade do nível de vida nos países membros, mantendo a estabilidade financeira e contribuindo assim para o desenvolvimento da economia mundial; b) contribuir para a expansão econômica dos países membros e dos países não membros em vias de desenvolvimento econômico; c) contribuir para a expansão do comércio mundial, numa base multilateral e não discriminatória, de acordo com as obrigações internacionais. In: ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Disponível em: <http://www.oecd.org>. Acesso em: 09 dez. 2015 267 RIBEIRO, Daniela Menengoti. Responsabilidade Social, Ambiental e Governança Corporativa. Maringá: Centro Universitário de Maringá,

Núcleo de Educação a Distância, 2016, p. 14-61. 268 Alguns países criaram leis exigindo que as empresas sediadas em seu território instituíssem códigos de boa conduta. Os Estados Unidos, por exemplo, adotaram em 2002 a Lei de Sarbanes-Oxley (Sarbanes-Oxley Act), também apelidada de Sarbox ou ainda de SOX, visa garantir a criação de mecanismos de auditoria nas empresas, incluindo ainda regras para a criação de comitês encarregados de supervisionar suas atividades e operações. Como base nos princípios de governança corporativa, a lei busca a responsabilidade penal da diretoria. Em resumo, busca garantindo a transparência na gestão das empresas, protegendo os acionistas e a sociedade contra fraudes. A Alemanha, adotou também o Código de Governança Corporativa, um instrumento jurídico baseado nos Princípios de Governança Corporativa da OCDE e que é parte integrante do ordenamento jurídico alemão. In: RIBEIRO, Daniela Menengoti. Responsabilidade Social, Ambiental e Governança Corporativa. Maringá: Centro

Universitário de Maringá, Núcleo de Educação a Distância, 2016, p. 35. 269 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE) Diretrizes da OCDE sobre governança corporativa para empresas de controle estatal. Disponível em:

Possíveis soluções... 145

entre Estado, conselheiros, gestores, investidores e outras partes interessadas e enfocam políticas que assegurem boa governança corporativa.

A proposta de diretrizes para promover melhores práticas de governança na atuação das empresas estatais foi apresentada em abril de 2005, e tem como referência os Princípios de Governança Corporativa, apresentadas pela OCDE em 2004.

Os documentos contêm normas não vinculativas, direcionadas aos Estados-membros da OCDE, mas que também podem ser, e vem sendo, utilizadas por outros países não vinculados a esta organização internacional.270

No Brasil, o movimento por boas práticas mostrou-se mais dinâmico a partir das privatizações e a da abertura do mercado nacional nos anos 1990, e as definições propostas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)271 e pela Comissão de

<http://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceofstate-ownedenterprises/42524177.pdf>. Acesso em: 09 dez. 2015. 270 Trinta e quatro países fazem parte da organização: Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Coréia, Luxemburgo, México, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polónia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos. Desde 2012, a OCDE tem 25 estados não-membros com o status de observadores ou participantes de pleno direito nas suas Comissões. In: ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Disponível em: <http://www.oecd.org>. Acesso em: 09 dez. 2015 271 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), organização sem fins lucrativos, é a principal referência do Brasil para o desenvolvimento das melhores práticas de Governança Corporativa. Desde 27 de novembro de 1995, o Instituto contribui para o desempenho sustentável e influencia os agentes da sociedade no sentido de mais transparência, justiça e responsabilidade. In: INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Disponível em: <www.ibgc.org.br>. Acesso em: 11 dez. 2015.

146 Dumping social

Valores Mobiliários (CVM)272 seguem orientações semelhantes às da OCDE, focando em uma administração estratégica das empresas e na otimização do seu desempenho e proteção às partes interessadas.

Apesar de bem-intencionado, os “Princípios da OCDE sobre o Governança Corporativa de 2004” buscam principalmente defender e garantir os direitos dos acionistas, dando pouca atenção aos trabalhadores e aos demais stakeholders273.

Assim, como os outros instrumentos, não são vinculativos e, portanto, não há punição caso a empresa deixe de cumprir seu código de conduta, podendo ser utilizado pelas corporações apenas como instrumento de propaganda para ganhar confiança do mercado consumidor. 4.3 SELO SOCIAL

O selo social é uma iniciativa brasileira e tem como proposta vincular marcas e produtos à observância de normas laborais fundamentais, a fim de que o consumidor possa adquirir bens de empresas que valorizem a responsabilidade social, e com isto estimular

272 A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi criada em 07/12/1976 pela Lei 6.385/76, com o objetivo de fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil. A CVM é uma entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária. In: COMISSÃO DE VALORES

MOBILIÁRIOS (CVM). Disponível em: <www.cvm.gov.br>. Acesso em: 11 dez. 2015. 273 Segundo José A. Puppim de Oliveira, os stakeholders podem ser definidos como “[...] grupos de interesse com certa legitimidade que exercem influência junto às empresas” e que pressionam proprietários, acionistas e gestores, interferindo, de certa forma, nos rumos da empresa. In: OLIVEIRA, José A. Puppim de. Empresas na sociedade: sustentabilidade e responsabilidade social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 94.

Possíveis soluções... 147

a atividade empresarial a promover a proteção dos direitos trabalhistas em sua cadeia produtiva.

Critica-se este mecanismo por não existir ainda uma consciência social para se pagar mais por um produto que possua uma etiqueta de adesão a este instrumento. Ademais, não existe sanção para a empresa que tenha aderido ao programa, mas que posteriormente deixe de seguir os compromissos firmados, pois como consequência apenas perderá o selo.274

Em outubro de 2012, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com ações civis públicas contra sete usinas de açúcar e álcool credenciadas com o selo Empresa Compromissada, alegando-se que não foram devidamente observadas as regras enunciadas pela União Federal para o deferimento da certificação por empresas de auditoria privada, com o acometimento de inúmeras irregularidades.275

Seriam agraciadas com o selo, concedido pela Secretaria-Geral da Presidência da República, as empresas que oferecessem boas condições de trabalho aos seus empregados, atendendo o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Boas Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar276, lançado pelo Governo Federal.

274 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 94-96. 275 A sentença proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região em outubro de 2013 no Processo: 0001375-30.2012.5.15.0048 determinou sua extinção sem resolução do mérito do pedido de cassação de selo de responsabilidade social em razão da extinção do selo em abril de 2013, porém julgou procedente os pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho para condenar a União a não conceder selos de responsabilidade social sem prévia fiscalização do Ministério do Trabalho. 276 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar. Disponível em: <http://www.secretariadegoverno.gov.br/acesso-a-informacao/perguntas/compromisso-nacional-para-aperfeicoar-as-condicoes-de-trabalho-na-cana-de-acucar>. Acesso em: 20 ago.2016.

148 Dumping social

O selo, criado com o propósito de melhorar a imagem do setor no Brasil e no exterior, deixou de vigorar em abril de 2013. 4.4 CRÍTICAS ÀS INICIATIVAS DE COMBATE E PREVENÇÃO AO DUMPING SOCIAL. HAVERIAM OUTRAS SOLUÇÕES?

Todos estes recursos, acima expostos, objetivam

a proteção do ser humano perante os atuais modos de produção empresarial, os quais não reconhecem a essência e importância do trabalhador como pessoa. São instrumentos de considerável relevância se utilizados de forma coerente e sincera. Porém, a crítica apontada é que não possuem qualquer tipo de sanção em caso de não cumprimento. Desta forma, pode existir um forte marketing de que determinada empresa ou marca é socialmente responsável e, com isso, ganhar destaque entre os concorrentes, contudo, na prática agir de forma contrária, isto é, mascarando a realidade do ambiente de trabalho, por exemplo.

A dignidade humana possui valores globais, tais como educação, meio ambiente, acesso à justiça, dentre outros. Esses valores internacionalmente aceitos revelam a necessidade de encontrar respostas universais, porém, sensíveis às questões culturais. Para que isso se concretize é necessária uma solidariedade transnacional e transtemporal, na consideração do humano como elemento comum, sem jamais desconsiderar a diversidade cultural, porém buscando concretizar valores que são de toda a humanidade.277

277 SALDANHA, Jânia Maria Lopes; SUBTIL, Leonardo de Camargo. Os desafios do processo e da jurisdição frente à internacionalização do direito e aos processos de integração: rumo à efetivação dos direitos humanos. In: Revista NEJ – Eletrônica. vol. 15, n. 3, set-dez

2010, p. 349.

Possíveis soluções... 149

Nota-se que os seres humanos enfrentam os mesmos problemas similares em razão do processo de globalização, e que cada vez mais haverá uma interdependência entre todos os povos, caminhando para um destino comum. A partir desta premissa, Edgar Morin defende a criação de instâncias planetárias, mas “sem negar as nações e as pátrias, pelo contrário, integrando-as [...]”278.

Nesta mesma linha, René Passet acredita que para a resolução de problemas planetários deve-se delegar parte da soberania a organizações mundiais, e ressalta que

se o interesse social não é a simples soma de interesses individuais, o interesse da humanidade não se reduz a uma soma de interesses nacionais. Deve-se expressar por meio de instituições específicas.279

Mireille Delmas-Marty280 defende “um direito

realmente internacional, apto para por em ordem, sem a reduzir, a infinita diversidade dos sistemas jurídicos que coexistem e se combatem”. Trata-se de um direito que realize a integração entre estes diferentes sistemas, não com o intuito de unificá-los, mas de aproximá-los “numa harmonia feita tanto da subordinação deles a uma ordem supranacional como da coordenação deles segundos

278 MORIN, Edgar. Por uma governança de destino comum. In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não tem mais tempo a perder: apelo por uma governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 74-75. 279 PASSET, René. Dos princípios para a organização de uma governança mundial. In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não tem mais tempo a perder: apelo por uma governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 52. 280 DELMAS-MARTY, Mireille. Por um direito comum. São Paulo:

Martins Fontes, 2004, 305.

150 Dumping social

princípios comuns”281. Neste sentido, o direito comum teria as seguintes características:

Um direito acessível a todos que não seria imposto de cima como verdade revelada, pertencente apenas aos intérpretes oficiais, mas consagrado de baixo como verdade compartilhada, portanto relativa e evolutiva; comum igualmente a diferentes setores do direito para assegurar a coerência de cada sistema, apesar da especialização crescente das regras; comum, enfim, a diferentes Estados dentro da perspectiva de uma harmonização que não lhes imponha renunciar a sua identidade cultural e jurídica.282

Com esta concepção, rompe-se a análise

estritamente nacional das jurisdições, encontrando na internacionalização do direito

um novo substrato de análise nacional, regional e internacional, que dê conta do fenômeno complexo de uma concepção alargada do que seja a jurisdição atual.283

Diante de tais considerações, uma comunidade

que se constrói sem princípios fundadores poderia tomar por base o universalismo dos direitos humanos, fundamentado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e nos pactos internacionais das Nações Unidas.284 Sarmento considera que:

281 Ibidem, p. 306. 282 Ibidem, p. IX. 283 SALDANHA, Jânia Maria Lopes; SUBTIL, Leonardo de Camargo. Os desafios do processo e da jurisdição frente à internacionalização do direito e aos processos de integração: rumo à efetivação dos direitos humanos. In: Revista NEJ – Eletrônica. vol. 15, n. 3, set-dez 2010, p. 335. 284 DELMAS-MARTY, Mireille. A governança global é passível de redemocratização? In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não tem mais tempo a perder: apelo por uma

Possíveis soluções... 151

[...] os Direitos Humanos, conquanto tenham se originado de fato do pensamento ocidental, se universalizaram e constituem imperativos éticos que protegem todo e qualquer ser humano, independentemente do seu país ou cultura.285

Conclui-se que a internacionalização do direito,

com fundamento na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e com o entendimento de que a humanidade possui valores comuns a serem preservados, independente das fronteiras estabelecidas para cada Estado, é uma ideia que tem avançado e ganhado repercussão entre os juristas contemporâneos.

Ainda sobre a internacionalização do direito e a defesa dos direitos humanos, Kathia Martin-Chenut286 aponta que existe uma grande assimetria entre os Estados e as empresas, as quais constituem a maioria das entidades econômicas mundiais.287 Igualmente,

governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 27. 285 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 20. 286 Kathia Martin-Chenut desenvolve pesquisas relacionando esta temática com a responsabilidade social das empresas (RSE). Para maiores informações, consultar: Projeto IdEx-Attractivité: Responsabilité Sociétale des Entreprises et Organisations: identification et classement des outils juridiques. Disponível em <http://dres.misha.cnrs.fr/spip.php?rubrique193>. Acesso em: 28 nov. 2015. Consultar, também, MARTIN-CHENUT, Kathia. Droit de l’homme et responsabilité de entreprises: les principes directeurs des Nations Unies. In: GIUDICELLI-DELAGE, Geneviève; MANACORDA, Stefano (Coords.). La responsabilité pénale des personnes Morales: perspectives européennes et internationales. Collection de l'UMR de droit comparé de Paris (volume 30). Paris: Société de législation comparée, 2013, p.229-247. 287 MARTIN-CHENUT, Kathia. Droit de l’homme et responsabilité de entreprises: les principes directeurs des Nations Unies. In: GIUDICELLI-DELAGE, Geneviève; MANACORDA, Stefano (Coords.). La responsabilité pénale des personnes Morales: perspectives

européennes et internationales. Collection de l'UMR de droit comparé

152 Dumping social

Marcelo Dias Varella constata que as empresas multinacionais participam de todos os setores, figurando como novos atores econômicos. Esta realidade “gera um cenário em que algumas grandes empresas têm faturamento maior do que o produto interno bruto (PIB) de vários pequenos Estados”288.

Apesar dos Estados se apresentarem como a figura central em direito internacional,

sua capacidade de intervenção, regulação e até mesmo de sanção está debilitada, confrontada, sob pressão, e inclusive ameaçada pelo poder das empresas transnacionais. (Tradução livre)289

Percebe-se que as empresas não são

consideradas como sujeitos de direito internacional, ou seja, não são destinatárias diretas dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Esse papel é dos Estados. Isso porque os sujeitos de direito internacional público reconhecidamente aceitos pela doutrina clássica e pelos instrumentos jurídicos internacionais são os Estados e as Organizações Internacionais. Neste sentido, as empresas, por não comporem esse quadro, não podem responder internacionalmente por eventuais violações a direitos humanos.

Ainda que o direito interno atribua às empresas a qualidade de sujeito de direito e reconheça a

de Paris (volume 30). Paris: Société de législation comparée, 2013, p. 230. 288 VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do Direito: direito internacional, globalização e complexidade. Brasília: UniCEUB, 2013, p. 67. 289 DAUGAREILH, Isabelle. Responsabilidad social de las empresas transnacionales: análisis crítico y prospectiva jurídica. In: Cuadernos de Relaciones Laborales. v. 27, nº 1, 2009, p. 82 Texto original: [...] su capacidad de intervención, regulación e incluso de sanción está debilitada, enfrentada, sometida a presión, e incluso amenazada por el poder de las empresas transnacionales.

Possíveis soluções... 153

responsabilidade das pessoas jurídicas em sua atuação nos países, não há o reconhecimento de seu papel como sujeito de direito no plano internacional.

Ainda que o século XXI tenha sido marcado pela atuação das empresas transnacionais no cenário global, pois elas estenderam suas economias à totalidade dos espaços políticos do planeta290, apresentam-se como atores – não sujeitos de direito internacional – que desempenham papel decisivo na recente evolução do Direito Internacional, bem como entidades marcantes na unificação do Direito.

As atividades das empresas transnacionais estão ligadas a diversos Estados, razão pela qual se situam na interface dos direitos nacionais (Direito Privado e Direito Público) e do Direito Internacional (Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado).291

Mireille Delmas-Marty observa que os atores

econômicos e financeiros defendem seus interesses mundialmente, enquanto que interesses comuns estão subordinados aos poderes exercidos dentro de um espaço nacional, ou seja, são reservados essencialmente à tutela do Estado.292 Propõe, assim, uma nova coordenação de papéis entre os diferentes atores da globalização:

[...] trata-se dos atores públicos, estatais, interestatais ou supraestatais, titulares dos poderes legislativos, judiciários e executivos ou dos membros da sociedade

290 CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional: exame do tema à luz da globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 9. 291 Ibidem, p. 10. 292 DELMAS-MARTY, Mireille. A governança global é passível de redemocratização? In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não tem mais tempo a perder: apelo por uma governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 25.

154 Dumping social

dita “civil”, composta dos atores econômicos e cívicos que expressam vontades já globalizadas, e dos atores científicos, titulares de um conhecimento já mundial.293

Os Estados, muitas vezes convenientemente, não

fiscalizam ou controlam efetivamente a atividade econômica das grandes empresas. Diante desta situação, não existe um estatuto de direito internacional direcionado às empresas transnacionais e o direito interno ainda não é satisfatório para alcançar as filiais e as matrizes estabelecidas em diferentes países.294

Esta ausência de normas traz à tona um autêntico desafio no plano jurídico, qual seja, o de conseguir que a empresa transnacional preste contas em sua globalidade e repare os danos resultantes da violação dos direitos humanos, com mais razão ainda sobre aqueles cometidos no estrangeiro295. Sobre a dificuldade de responsabilização, Kathia Martin-Chenut acrescenta:

De fato, os obstáculos para a identificação de responsáveis e para um envolvimento efetivo de responsabilidade das empresas transnacionais são múltiplos, especialmente pelo fato dos grupos de empresas que dependem cada vez mais de subcontratação. Em geral, é difícil de alcançar a matriz da empresa – muitas vezes a única capaz de assumir a indenização de danos causados no exterior -, em virtude da existência de numerosas filiais e diversos

293 Ibidem, p. 25. 294 DAUGAREILH, Isabelle. Responsabilidad social de las empresas transnacionales: análisis crítico y prospectiva jurídica. In: Cuadernos de Relaciones Laborales. v. 27, nº 1, 2009, p. 81. 295 DAUGAREILH, Isabelle. Responsabilidad social de las empresas transnacionales: análisis crítico y prospectiva jurídica. In: Cuadernos de Relaciones Laborales. v. 27, nº 1, 2009, p. 82. Texto original: Es un auténtico desafío en el plano jurídico lograr que la empresa transnacional en su globalidad rinda cuentas y repare los daños resultantes de la violación de los derechos humanos, com más razón aún si aquéllos se han cometido el extranjero.

Possíveis soluções... 155

subcontratantes que são uma barreira entre a empresa e as vítimas (tradução livre)296.

A Organização das Nações Unidas (ONU) vem

demonstrando preocupação sobre esta lacuna desde a década de 1970, pois foi neste período que as empresas transnacionais foram cúmplices de ditaduras militares na América Latina e na África, provocando grandes catástrofes ecológicas297. Assim, existiram diversas tentativas de responsabilização das empresas para proteção dos direitos humanos, até culminar na elaboração dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, adotados em junho de 2011298 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.299

296 MARTIN-CHENUT, Kathia. Quelles responsabilités face aux exigences d’une démocratie environnementale? In: CANAL-FORGUES, Eric. Démocratie et diplomatie environnementales: Acteurs et processus en droit international. Paris: Editions A. Pedone, 2015, p. 292. Texto original: “En effet, les obstacles à l’identification des responsables et à um engagement effectif de la responsabilité des entreprises transnationales sont multiplies, notamment du fait qu’il s’agit de groupes d’entreprises qui en plus font appel à des sous-traitances. Il est généralement difficile de remonter jusqu’à la société mère – souvent la seule capable d’assumer financièrement l’indemnisation des préjudices causes à l’étranger - , em raison de l’existence de nombreuses filiales et de divers sous-traitants qui font écran entre elle et les victimes.” 297 DAUGAREILH, Isabelle. Responsabilidad social de las empresas transnacionales: análisis crítico y prospectiva jurídica. In: Cuadernos de Relaciones Laborales. v. 27, nº 1, 2009, p. 87. Texto original: [...] las empresas multinacionales fueron cómplices de dictaduras militares en Latinoamérica o en África, provocando grandes catástrofes ecológicas. 298 OHCHR, United Nations High Commissioner for Human Rights. Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Respect and Remedy’ Framework, 2011. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/Publications/GuidingPrinciplesBusinessHR_EN.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2016. 299 MARTIN-CHENUT, Kathia. Droit de l’homme et responsabilité de entreprises: les principes directeurs des Nations Unies. In:

GIUDICELLI-DELAGE, Geneviève; MANACORDA, Stefano (Coords.).

156 Dumping social

Estes princípios caracterizam-se pela previsão de responsabilidades diferenciadas, mas complementares, entre os Estados e as empresas.300 Entretanto, não existe obrigatoriedade para adoção de tais princípios, pois se tratam de soft law (também chamada ou soft norm301 ou droit mou), em contraposição à hard law.

Em que pese também se tratar de um conceito de direito internacional privado, restringe-se a conceituação com enfoque para o direito internacional público. Neste sentido, a expressão soft law se refere às declarações e aos documentos que estabelecem “princípios e parâmetros que os Estados desejam alcançar quanto à promoção de direitos sociais”302.

Constituem-se, assim, em standards a orientar a atuação das nações e delinear condutas no âmbito do direito internacional, sendo, todavia, normalmente considerados destituídos de forca vinculante. São exemplos de soft law recomendações, textos de preâmbulos de declarações internacionais, códigos de conduta.303

Desta forma, as normas de soft law indicam

obrigações morais dos Estados e não possuem força vinculante. Marcelo Dias Varella aponta que, por meio delas, “os Estados se comprometem a cooperar e a

La responsabilité pénale des personnes Morales: perspectives

européennes et internationales. Collection de l'UMR de droit comparé de Paris (volume 30). Paris: Société de législation comparée, 2013, p. 242. 300 Ibidem, p. 240. 301 Marcelo Varella explica sua preferência pela utilização do termo soft norm, uma vez que a palavra law tem acepção de obrigação, contrastando com o sentido da expressão. In: VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns problemas de coerência sistêmica. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 167, 2005, p. 151. 302 FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 93. 303 Ibidem.

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respeitar os acordos realizados, sem submeterem-se, no entanto, a obrigações jurídicas”304. Apesar das normas de soft law se caracterizarem por possuir um valor normativo menor do que as normas tradicionais, elas podem ser utilizadas para interpretar o alcance das normas de hard law. Diante disto, são normas sem um valor propriamente jurídico, mas que possuem extrema relevância para o direito internacional contemporâneo.305

Não obstante as críticas endereçadas aos mencionados princípios, Kathia Martin-Chenut sustenta que seu processo de adoção e o fato do tema se manter na agenda da ONU, contribuíram para o reconhecimento mundial de uma responsabilidade de empresas em matéria de direitos humanos.306

Não é diferente a posição de Daugareilh, para quem:

A soft law que, atualmente embasa a responsabilidade social das empresas, permite explorar um novo campo para a regulamentação jurídica, ao mesmo tempo em que expressa a consciência da comunidade internacional sobre a necessidade de regulação jurídica das atividades da empresa globalizada. Portanto, a RSE tem se consolidado como um campo propício para

304 VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional: alguns problemas de coerência sistêmica. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 167, 2005, p. 151. 305 MAZZUOLI, Valério de Oliveira; TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira. O direito internacional do meio ambiente e o greening da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. In: Revista Direito GV. vol. 9, n. 1. São Paulo, jan/jun 2013, p. 219. 306 MARTIN-CHENUT, Kathia. Droit de l’homme et responsabilité de entreprises: les principes directeurs des Nations Unies. In:

GIUDICELLI-DELAGE, Geneviève; MANACORDA, Stefano (Coords.). La responsabilité pénale des personnes Morales: perspectives européennes et internationales. Collection de l'UMR de droit comparé de Paris (volume 30). Paris: Société de législation comparée, 2013, p. 246.

158 Dumping social

a inovação jurídica em um contexto de globalização. (Tradução livre)307

Os efeitos da soft law, ainda que não vinculantes

aos Estados, são notáveis e traz como exemplo a Declaração da OIT (1988), que apesar de não ser obrigatória, desencadeou a ratificação de convenções fundamentais, possuindo um efeito promocional.

Portanto, não têm fronteiras os efeitos das atividades das empresas transnacionais, assim como as consequências no âmbito laboral e ambiental. A aplicação do direito normalmente está limitada ao território do Estado. Kathia Martin-Chenut, ainda, completa:

Mas a impotência dos Estados territoriais, às vezes mantidos por um contexto local de corrupção e de fragilidade do Estado de direito, se agrega à falta de vontade política dos Estados de origem das empresas e aos obstáculos legais gerados por suas legislações internas. (Tradução livre)308

307 DAUGAREILH, Isabelle. Responsabilidad social de las empresas transnacionales: análisis crítico y prospectiva jurídica. In: Cuadernos de Relaciones Laborales. v. 27, nº 1, 2009, p. 98-99. Texto original: El soft law en el que, por el momento, se apoya la responsabilidad social de las empresas permite explorar un nuevo campo para la reglamentación jurídica, al mismo tiempo que expresa la consciencia de la comunidad internacional acerca de la necesidad de una regulación jurídica de las actividades de la empresa globalizada. Por lo tanto, la RSE se ha consolidado como un ámbito propicio para la innovación jurídica en un contexto de globalización. 308 MARTIN-CHENUT, Kathia. Quelles responsabilités face aux exigences d’une démocratie environnementale? In: CANAL-FORGUES, Eric. Démocratie et diplomatie environnementales: Acteurs et processus en droit international. Paris: Editions A. Pedone, 2015, p. 293. Texto original: [...] à l’impuissance des Etats territoriaux, entretenue parfois par un contexte local de corruption et de fragilité de l’état de droit, s’ajoute le manque de volonté politique des Etats d’origine des entreprises et les obstacles juridiques poses par leurs législation interne.

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Assim, apesar de ser função primordial do Estado proteger os seres humanos, nem todos se preocupam efetivamente em criar condições para a sua tutela, seja por ser um Estado de Direito frágil, ou por dar primazia aos interesses econômicos em detrimento do desenvolvimento social.

Ademais, as normas internas dos Estados podem ser – e frequentemente o são – alteradas ao sabor de pressões de lobbies. Neste sentido, a regulamentação das empresas em âmbito internacional asseguraria uma uniformidade de controle, garantindo tratamento jurídico idêntico.309

A responsabilidade social das empresas pode ser uma “[...] resposta à ausência de regulação - jurídica - das atividades das empresas transnacionais no âmbito dos direitos humanos” (tradução livre)310, e preencheria uma lacuna, pois considera os interesses da sociedade e proporciona uma resposta para os impactos das atividades nocivas.311

Entende-se que a expansão econômica das empresas deve vir acompanhada de responsabilidade social. Como alternativa para esta questão, propõe a criação de regulamentos conjuntos entre os países e as

309 CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional: exame do tema à luz da globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 99. 310 DAUGAREILH, Isabelle. Responsabilidad social de las empresas transnacionales: análisis crítico y prospectiva jurídica. In: Cuadernos de Relaciones Laborales. v. 27, nº 1, 2009, p. 90. Texto original: [...] respuesta a la ausencia de regulación — jurídica— de las actividades de las empresas trasnacionales en el ámbito de los derechos humanos. 311 MARTIN-CHENUT, Kathia. Droit de l’homme et responsabilité de entreprises: les principes directeurs des Nations Unies. In:

GIUDICELLI-DELAGE, Geneviève; MANACORDA, Stefano (Coords.). La responsabilité pénale des personnes Morales: perspectives européennes et internationales. Collection de l'UMR de droit comparé de Paris (volume 30). Paris: Société de législation comparée, 2013, p. 247.

160 Dumping social

empresas a fim de se estabelecer limites e controle para a atuação lesiva das atividades empresariais desenvolvidas em diversas localidades do globo. Tal medida ajudaria a garantir os direitos de todos os que são afetados pela atuação de organizações corporativas. Compartilhar a responsabilidade promoveria o reconhecimento de que os Estados não são mais os únicos detentores de um poder global, seja político ou econômico.

Cabe frisar que isto não deve ter o condão de diminuir a responsabilidade dos Estados, mas ser uma nova forma de dividi-la entre os novos atores econômicos, conforme relata Kathia Martin-Chenut:

Para que a responsabilidade societária e ambiental das empresas transnacionais se torne uma realidade, o direito internacional e do direito nacional [...] devem se articular no objetivo de fortalecer o dever de vigilância das sociedades matrizes para se evitar esta negação de justiça. No entanto, o aumento da responsabilidade dos atores econômicos não deve ser feito em detrimento daquelas dos Estados. É preciso refletir em termos de compartilhamento, de redistribuição ou de reequilíbrio de responsabilidades, que não resultam em menos desempenho social ou ambiental, ou mesmo pensar sobre a extensão da aplicação do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas na relação entre Estados e empresas transnacionais. (Tradução livre)312

312 MARTIN-CHENUT, Kathia. Quelles responsabilités face aux exigences d’une démocratie environnementale? In: CANAL-FORGUES, Eric. Démocratie et diplomatie environnementales: Acteurs et processus en droit international. Paris: Editions A. Pedone, 2015, p. 300. Texto original: “Pour que responsabilité sociétale et environnementale des entreprises transnationales devienne une réalité, droit international et droit national [...] doivent s’artirculer dans le dessein de renforcer le devoir de vigilance des sociétés mères et d’éviter des dénis de justice. Pourtant, l’accroissement de la responsabilité des acteurs économiques ne doit pas se faire au détriment de celle des Etats. Il faut réfléchir en termes

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Para Marcelo Dias Varella, a sociedade se depara com novos desafios a serem vencidos, buscando-se respostas para harmonizar a convivência dos seres humanos. Defende-se, assim, a busca por soluções comuns, com a união dos diferentes atores envolvidos a fim de se preservar a vida e melhorar o bem-estar global. Nestes termos, o mencionado autor acredita que:

Todos esses fatores contribuem para a emergência de outros atores, além de Estados nacionais. Atores econômicos, cívicos e científicos tornam-se mais relevantes. Muitos deles, em função da capacidade de captação de recursos, de mobilização social, de especialização ou tecnicidade, influenciam de fato a condução de negociações em torno de soluções regionais ou globais. Há diferentes níveis de dependências das normas estatais, nacionais e internacionais, em relação a atores privados, como cientistas e atores cívicos.313

Reconhece-se, pois, a necessidade de mudanças

no panorama mundial. É natural que transformações não ocorram repentinamente, pois são frutos de um processo histórico, mas é necessário tomar medidas mais urgentes, diante de situações que exigem essa reação emergencial, como é o caso do dumping social.

A proteção jurídica se faz necessária quando novos paradigmas surgem na sociedade e a força para que essas mudanças ocorram deve também ao judiciário.

No Brasil, as recentes jurisprudenciais do TST e o legislador, por meio da Lei nº 11.962/2009, alterou a

de partage, de redistribution ou de rééquilibrage de responsabilités qui ne se traduisent pas par moins disant social ou environnemental, voire même réfléchir à l’extension de l’application du príncipe des responsabilités communes mais différenciées à la relation entre Etats et entreprises transnationales.” 313 VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do Direito: direito internacional, globalização e complexidade. Brasília: UniCEUB, 2013, p. 473.

162 Dumping social

redação do artigo 1º da Lei nº 7.064/82, estendendo o direito a todos os trabalhadores contratados no Brasil transferidos por seus empregadores para prestar serviços no exterior. Isso indica a prevalência do princípio da norma mais favorável sobre o princípio da territorialidade, afastando-se, assim, a aplicação da Súmula nº 207314, que consagrava o princípio “lex loci execucionis”.

De igual forma, destaca-se na jurisprudência do STF o julgado do Caso Air France, considerada uma das decisões mais importantes sobre o assunto. Na qual, invocou-se o direito à igualdade, que não admite o tratamento diferenciado com base na origem do empregado,

RE 161243 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ORIGEM: DF - DISTRITO FEDERAL. RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO. JULGAMENTO: 29/10/1996. ÓRGÃO JULGADOR: SEGUNDA TURMA. EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. CF, 1967, art. 153, § 1º; CF, 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: CF, 1967, art. 153, § 1º; CF, 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou

314 No Brasil, prevalecia a orientação do Tribunal Superior do Trabalho, por meio de sua Súmula 207, em que se aplicava o princípio “lex loci execucionis”, segundo o qual a lei que rege um contrato de trabalho é aquela do local da prestação de serviços e não do local de contratação. Esse dispositivo estabelecia que "a relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação".

Possíveis soluções... 163

extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido.

Preliminarmente a Turma conheceu do recurso

para examinar desde logo a questão constitucional, relativa à ofensa ao princípio da isonomia, e no mérito da questão constitucional, o Tribunal conheceu do recurso e deu provimento, para reconhecer a isonomia entre o empregado brasileiro e o empregado francês, concedendo ao primeiro todos benefícios e vantagens conferidos no Estatuto do Pessoal da Empresa, que, a princípio, só beneficiariam os empregados de nacionalidade francesa.315

Porém, ainda que essa tendência também tem sido verificada em ordenamentos jurídicos de outros países, está longe de ser uma realidade universal. Inúmeros países, em especial os menos desenvolvidos, carecem de legislação que respeite padrões laborais, e as grandes empresas se beneficiam destas lacunas para aumentar seus lucros, sacrificando direitos do trabalhador.

Por fim, a conscientização da opinião mundial sobre pontos importantes que atingem a humanidade também é um meio de gerar mudanças. Tanto no caso do dumping social, como em outras questões relevantes, é preciso levar a discussão para todo o globo, uma vez que “quanto mais consciência a respeito dos perigos que arrastam a humanidade, mais se pode reagir e encontrar energia para combatê-los”.316

315 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 113. 316 MORIN, Edgar. Por uma governança de destino comum. In: GOLDMAN, Sacha (Org.). Tradução de Clóvis Marques. O mundo não

164 Dumping social

A pesquisa sobre o dumping social no meio acadêmico é uma forma de invocar e promover o debate e, também, de propagar a discussão do tema a fim de que seja conhecido pela sociedade em geral. Afinal, “observar, analisar e teorizar é um modo de ajudar a construir um mundo diferente e melhor”317.

A proposta deste estudo não é encerrar a discussão do tema com concepções peremptórias e impositivas, mas trazer inquietações e novas formas de questionamento, com a intenção de fomentar a matéria para que haja continuamente reflexões salutares. É um tema recorrente atualmente e em que todos encontram-se envolvidos, pois roupas, sapatos, relógios, brinquedos, celulares, dentre tantos outros objetos do dia a dia proveem de fábricas de diversas partes do globo.

E não há como o consumidor fazer a sua parte, cobrando mais responsabilidade das empreses se ele não conhece o modo de produção destes bens, ou melhor, o meio ambiente onde o trabalho é executado, a realidade da pessoa que exerce suas atividades, quanto ela ganha, se executa o labor voluntariamente ou por falta de opção. Para que a verdadeira transformação ocorra, é preciso que todos tenham consciência dos desafios e estejam empenhados na mudança.

tem mais tempo a perder: apelo por uma governança mundial solidária e responsável. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 74. 317 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. Tradução de Roneide

Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 42.

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