2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

download 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

of 98

Transcript of 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    1/98

    Uma Casa na Imensa Pradaria

    Laura Ingalls Wilder

    A Casa na Pradaria - 2

    A grande floresta comeava a estar demasiado habitada.Assim, o pai vendeu a casinha e construiu uma carroa coberta.Podiam viajar para os territrios ndios.

    Comeou ento a longa jornada do Wisconsin para Oclaoma.Depois de mltiplas peripcias l chegaram e o pai construiuuma nova casa na imensa pradaria.Durante um ano, o pai, a me, Mary e Laura dedicaram-se

    nova terra e ao novo lar. S que estavam em territrio ndio eisso iria trazer problemas a eles e ao governo.Obra que deu origem srie de TV, uma obra para ser lida

    por crianas, jovens e adultos.

    ndice

    1 - Viagem para Oeste ..................... 7/02- Travessia do ribeiro ................. 16/03 - Acampamento na alta pradaria ......... 22/04 - Dia na pradaria ...................... 28/15 - A casa na pradaria ................... 36/16 - Mudana .............................. 47/17 - A alcateia de lobos .................. 52/28 - Duas portas resistentes .............. 63/29 - Lume na chamin ...................... 68/210 - Telhado e soalho .................... 76/211 - ndios em casa ...................... 82/312 - gua doce para beber ................ 90/313 - cornilongos do Texas ................ 98/314 - Acampamento ndio .................. 104/315 - Febre e sezes ..................... 110/416 - Fogo na chamin .................... 119/4

    17 - O pai vai cidade ................. 124/418 - O ndio alto ....................... 134/419 - O Sr. Edwards encontra o Pai Natal . 140/520 - Um grito na noite .................. 148/521 - Concentrao ndia ................. 154/522 - Fogo na pradaria ................... 160/523 - O grito de guerra dos ndios ....... 168/624 - A partida dos ndios ............... 176/625 - Soldados ........................... 182/626 - Partida ............................ 188/6

    1.

    Viagem para oeste

    H muito tempo, quando todos os avs e todas as avs dehoje, alguns meninos e meninas ou bebs pequeninos, ou talvez

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    2/98

    nem sequer tivessem ainda nascido, o Pai, a Me, Maria, Laurae a pequenina Carrie sairam da sua casinha na Grande Florestado Wisconsin. Foram-se embora e deixaram-na sozinha e vazia naclareira entre as grandes rvores, e nunca mais a voltaram aver. Partiam para a regio dos ndios.O pai disse que j havia muita gente na Grande Floresta.

    Laura ouvia muitas vezes o bater ressoante de um machado queno era o do pai ou o eco de um tiro que no fora disparadopela sua espingarda. O caminho que passava pela casinhatransformara-se numa estrada. Quase todos os dias Laura eMaria interrompiam as brincadeiras para olharem, admiradas,para um carroo que passava lentamente e a gemer do peso poressa estrada. Os animais selvagens no ficavam numa regioonde havia tanta gente. E o pai delas tambm no queria ficar.Gostava de uma terra onde os animais selvagens vivessem semmedo. Gostava de ver os ouriozinhos e as suas mes aolharem-no das florestas sombrias e os urSos gordos epreguiosos a comer bagas bravas nas moitas. Nos longos seresde Inverno conversava com a me a respeito da regioocidental. No Oeste a terra era plana e no havia rvores. Aerva crescia, densa e alta. No Oeste os animais selvagenspasseavam e corriam como se estivessem numa pastagem que se

    estendia muito para alEm do que a vista alcanava e no haviacolonos. S l viviam ndios.

    7

    Um dia, mesmo, mesmo no fim do Inverno, o pai disse me:- J que no te opes, resolvi ir ver o Oeste. Fizeram-me

    uma oferta por isto aqui e acho que podemos vender agora, pois o mximo que nos podero dar: Chegar para comearmos noutrolado.- Oh, Charles, temos de ir agora? - perguntou a me, pois o

    tempo estava muito frio e a casinha aconchegada era muitoconfortvel.- Se queremos ir este ano, temos de ir agora - respondeu-lhe

    o pai. - No podemos atravessar o Mississipi depois de o geloestalar.Por isso, o pai vendeu a casinha. E vendeu tambm a vaca e o

    bezerro. Fez arcos de nogueira e colocou-os, levantados, nacaixa do carroo. A me ajudou-o a esticar lona branca porcima deles.Quando a escurido comeava a desaparecer, antes de

    amanhecer, a me sacudiu devagarinho Maria e Laura, atacordarem. luz da lareira e de velas, lavou-as, penteou-as evestiu-lhes roupas quentes. Por cima das compridas camisas dedormir de flanela encarnada, vestiu-Lhes combinaes e

    vestidos de l e calou-lhes meias altas, tambm de l. Depoisenfiou-lhes os casacos, os carapuos de pele de coelho e asluvas de l encarnada.Todas as coisas da casinha estavam no carroo, menos as

    camas, as mesas e as cadeiras. No precisavam de levar essascoisas porque o pai podia fazer outras novas.O cho estava coberto de uma camada fina de neve e ainda

    estava escuro e frio. As rvores nuas erguiam-se geladascontra as estrelas. Mas no oriente o cu estava plido eatravs da floresta cinzenta viam-se lanternas de carroespuxados a cavalos, que traziam o av e a av, as tias, os tiose os primos.Maria e Laura apertavam a si as suas bonecas de trapo e no

    diziam nada. Os primos e as primas pararam volta, a olharpara elas. A av e as tias abraaram-nas e beijaram-nasdiversas vezes e disseram-lhes adeus.O pai pendurou a espingarda nos arcos interiores da

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    3/98

    cobertura de lona, de modo a chegar-Lhe facilmente do banco.Pendurou a bolsa dos cartuchos e o polvorinho debaixo daespingarda. Colocou cuidadosamente a caixa da rabeca entrealmofadas, para que os solavancos no estragassem a rabeca.Os tios ajudaram-no a atrelar os cavalos ao carroo. Os

    primos e as primas beijaram Maria e Laura, como lhes mandaram.O pai pegou em Maria e depois em Laura e p-las na cama feitana parte de trs do carroo.

    8

    Ajudou a me a subir para o banco e a av estendeu-lhe apequenina Carrie. O pai saltou para o lado da me e Jack, obuldogue malhado, meteu-se debaixo do carroo.E assim partiram todos da casinha feita de troncos. Os

    postigos de madeira estavam fechados e, assim, a casinha nopodia v-los partir. Ficava no interior da vedao de madeira,atrs dos dois grandes carvalhos, cujas copas verdes serviamde telhado, no Vero, a Maria e Laura, que debaixo delasbrincavam.

    O pai prometeu que, quando chegassem ao Oeste, Laura veriaum papuse.- Que um papuse? - perguntou ela.- um bebezinho ndio, todo castanho - respondeu-lhe ele.Percorreram uma grande distncia, pela floresta coberta de

    neve, at chegarem cidade de Pepin. Maria e Laura j atinham visto uma vez, mas acharam-na diferente. A porta doarmazm e as portas de todas as casas estavam fechadas, ostocos das rvores estavam cobertos de neve e no se viamcrianas a brincar fora de casa. Entre os tocos erguiam-segrandes montes de lenha. S se viam dois ou trs homens debotas e bons de pele e casaces aos quadrados, de coresvivas.A me, Laura e Maria comeram po e melo no carroo e os

    cavalos comeram milho dos embornais, enquanto, no armazm, opai trocava as peles por coisas de que precisariam na viagem.No se podiam demorar muito na cidade, pois tinham deatravessar o lago naquele dia.O enorme lago estendia-se, plano, liso e branco, at

    beirinha do cu cinzento. Atravessavam-no rastos de carroes,at se perderem de vista e desfazerem em nada.O pai conduziu o carroo para o gelo, seguindo esses

    rastos. Os cascos dos cavalos faziam um clop-clop abafado,enquanto as rodas ao girarem no gelo produziam um rudo comose estivessem a esmag-lo. A cidade foi ficando cada vez maispequenina, atrs deles, at que o prprio armazm alto ficoureduzido a um pontinho. Em redor do carroo s havia espao

    vazio e silencioso. Laura no gostava, mas o pai ia no banco eJack debaixo do carroo, e ela sabia que no lhe poderiaacontecer nenhum mal enquanto o pai e o Jack ali estivessem.Por fim, o carroo comeou a subir uma encosta de terra e

    apareceram outra vez rvores. Entre as rvores havia, tambm,uma casinha de troncos. Por isso, Laura sentiu-se melhor.No morava ningum na casinha, que servia apenas de guarida

    aos viajantes que por ali passavam. Era pequenina e estranha,com uma grande lareira e beliches toscos encostados sparedes, a toda a volta.Mas ficou quente quando o pai acendeu o lume. Nessa noite,

    Maria, Laura e a pequenina Carrie dormiram com a me numa camafeita no cho, diante da lareira, enquanto o pai dormia no

    carroo, para o guardar e mais aos cavalos.Um rudo estranho acordou Laura, de noite. Parecia um tiro,mas era mais forte e demorado do que um tiro. Ouviu-o diversasvezes.

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    4/98

    Maria e Carrie dormiam, mas Laura no conseguiu dormirenquanto no ouviu a voz da me dizer-lhe baixinho, no escuro:- Dorme, Laura. s o gelo a estalar.Na manh seguinte, o pai disse:- Foi uma sorte termos atravessado ontem, Carolina. No me

    admira que o gelo se quebrasse hoje. Atravessmos tarde etivemos sorte, pois podia ter comeado a quebrar quandoestvamos no meio do lago.- Ontem pensei nisso, Charles - disse a me, em voz baixa.Laura no tinha pensado nisso antes, mas ao ouvir aquela

    conversa pensou no que teria acontecido se o gelo se tivessepartido debaixo das rodas do carroo e tivessem cado todos gua gelada, no meio do grande lago.- Ests a assustar algum, Charles - disse a me, e o pai

    envolveu Laura no seu grande e tranquilizador abrao.- Atravessmos o Mississipi! - exclamou ele, a apert-la com

    fora, todo contente. - Que dizes a isso, meia-canequinha desidra doce meio bebida? Gostas de ir para o Oeste, onde vivemos ndios?

    10 11

    Laura disse que gostava e perguntou se j estavam na terrados ndios. Mas ainda no estavam; estavam s no Minesota.O territrio dos ndios ficava muito, muito longe. Quase

    todos os dias os cavalos percorriam a maior distncia quepodiam; quase todas as noites, o pai e a me armavam oacampamento num lugar novo. s vezes tinham de ficar uns diasnum acampamento, porque um rio estava com uma grande enxurradae no o podiam atravessar enquanto a gua no baixasse.Atravessaram tantos riachos que lhes perderam o conto. Viramestranhas florestas e estranhos montes e terras sem rvoresainda mais estranhas. Atravessaram rios por compridas pontesde madeira e por fim chegaram a um rio largo e amarelo, queno tinha ponte nenhuma.Era o rio Missuri. O pai conduziu o carroo para uma

    jangada e ficaram todos muito quietinhos, enquanto a jangadase afastava, a oscilar, da terra firme e atravessava todaaquela gua ondulante e de um tom amarelo-barrento.Ao fim de muitos dias encontraram outra vez montes. Num

    vale, o carroo atolou-se em lama funda e preta. Choviamuito, trovejava e relampejava. No havia lugar nenhum ondeacampar e acender uma fogueira. Dentro do carroo estava tudohmido, frio e triste, mas tiveram de l ficar e de comercomida fria.No dia seguinte, o pai encontrou um lugar numa encosta onde

    puderam acampar. Parara de chover, mas tiveram de esperar uma

    semana que o regato descesse e a lama secasse, para que o paipudesse desatolar as rodas do carroo e continuar a viagem.Um dia, enquanto esperavam, saiu da floresta um homem alto e

    magro, montado num garrano preto. O pai e ele conversaram umbocado, embrenharam-se juntos na floresta e quando voltarammontavam ambos garranos pretos. O pai trocara os cansadoscavalos castanhos pelos garranos.Eram uns bonitos cavalinhos e o pai disse que no eram,

    realmente , garranos, e sim, mustangs do Oeste: Fortescomomulas e mansos como gatinhos, afirmou. Tinham olhos grandes,dceis e meigos, crina e cauda compridas, pernas delgadas epatas muito mais pequenas e velozes do que as dos cavalos da

    Grande Floresta.Quando Laura perguntou como se chamavam, o pai disse que elae Maria podiam escolher os nomes. Por isso, Maria chamou a umPet e Laura chamou ao outro Patty. Quando o rugido da

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    5/98

    enxurrada do regato se tornou menos atroador e a estrada ficoumais seca, o pai desatolou o carroo da lama, atrelou Pet ePatty e partiram todos juntos.

    12 13

    Tinham viajado no carroo coberto toda a longa distncia daGrande Floresta do Wisconsin e atravessado o Minesota, o Iovae o Missuri. Ao longo de todo esse grande caminho Jack trotaradebaixo do carroo. Agora iam atravessar o Cansas. ; O Cansasera uma infindvel terra plana coberta de erva alta agitadapelo vento. Dia aps dia, percorreram o Cansas, sem ver maisnada alm da erva ondulante e do cu enorme. O cu, um crculoperfeito, curvava at ao nvel da terra e o carrooencontrava-se exactamente no meio do crculo.Pet e Patty avanavam o dia inteirinho, a trote, a passo e

    de novo a trote, mas no conseguiam sair do meio daquelecrculo. Quando o Sol se punha, o crculo continuava aenvolv-los e a orla do cu tornava-se cor-de-rosa. Depois,devagarinho, a terra escurecia. O vento produzia um som triste

    na erva. A fogueira do acampamento era pequena e jackperdia-se, naquele espao imenso. Mas do cu pendiam umasestrelas muito grandes, que cintilavam to perto que Lauratinha a impresso de que quase se poderia tocar-lhes.No dia seguinte a terra era a mesma, o cu era o mesmo e o

    crculo no se modificava. Laura e Maria j estavam cansadasde todas essas coisas. No havia nada de novo para fazernem nada de novo para ver. A cama estava feita na parte detrs do carroo e muito bem tapada com um cobertor cinzento,onde Laura e Maria se sentavam. Os lados de lona do carrooestavam enrolados para cima e atados para deixar entrar ovento da pradaria. O vento fazia voar para todos os lados ocabelo castanho e liso de Laura e os caracis dourados deMaria, e a luz forte obrigava-as a semicerrar as plpebras.s vezes, viam passar pelo meio da erva um grande coelho,

    que se afastava a dar grandes saltos. Jack no lhe ligavaimportncia nenhuma. Coitadinho do Jack, tambm estava cansadoe tinha as patas doridas de viajar tanto. O carroo l ia aossolavancos, com a cobertura de lona a estalar ao vento. Atrsdo carroo iam ficando dois leves rastos de rodas, sempreiguais.O pai ia de costas curvadas, com as rdeas frouxas nas mos

    e a comprida barba castanha agitada pelo vento. A me, direitae calada, levava asmos abandonadas no colo. Carrie dormianum ninhozinho entre as trouxas macias. , Maria bocejou eLaura perguntou:- Ma, no podemos descer e correr atrs do carroo? Tenho

    as pernas to cansadas...- No, Laura - respondeu a me.- Falta muito para acamparmos? - insistiu Laura, pois

    parecia-lhe que decorrera muito tempo desde que, ao meio-dia,tinham almoado sentados na relva limpa, sombra do carroo.Foi o pai que lhe respondeu:- Falta um bocado. Ainda muito cedo para acamparmos.- Quero acampar agora! - teimou Laura. - Estou to cansada!- Laura! - disse apenas ame e bastou, pois significava que

    ela no devia protestar.Por isso, Laura no voltou a protestar em voz alta, mas

    continuou a sentir-se m por dentro, a pensar em queixas eprotestos que guardava s para si.

    Doam-lhe as pernas e o vento no deixava de Lhe desmancharo cabelo. A erva ondulava, o carroo dava solavancos edurante muito tempo no aconteceu mais nada.- Estamos a chegar a um ribeiro ou a um rio - disse o pai. -

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    6/98

    Vem aquelas rvores l adiante, meninas?Laura levantou-se e agarrou-se a um dos arcos do carroo.

    Muito ao longe, viu uma espcie de mancha baixa e escura.- So rvores - disse o pai. - V-se pela forma das sombras.

    Nesta regio, rvores querem dizer gua. Acamparemos ali estanoite.

    14 15

    2.

    TRAVESSIA DO RIBEIRO

    Pet e Patty comearam a trotar mais depressa, como se tambmestivessem contentes. Laura agarrou-se bem ao arco do carrooaos solavancos e continuou de p. Por cima do ombro do pai e auma grande distncia, atravs das ondas de erva verde,

    distinguiu as rvores, que lhe pareceram diferentes de quantasj vira antes. No eram mais altas do que arbustos.De sbito, o pai gritou aos cavalos que parassem e murmurou,

    baixinho:- Qual ser agora o caminho?A estrada dividia-se, naquele ponto, e no era possvel

    distinguir qual dos dois caminhos era o mais utilizado, poisno eram ambos mais do que leves rastos de rodas na erva. Umseguia para oeste, o outro descia um pouco, para sul. Ambosdesapareciam a breve trecho na erva alta e ondulada pelovento.- Creio que ser melhor descer - decidiu o pai. - O ribeiro

    fica l em baixo. Talvez este seja o caminho para o vau... - Evirou Pet e Patty para sul.A estrada descia e subia e voltava a descer e a subir, na

    terra levemente ondulada. As rvores j estavam mais perto,mas no pareciam mais altas. De sbito, Laura soltou umaexclamao e agarrou-se ainda com mais fora ao arco docarroo, pois deixou de haver erva ondulante quase debaixo dofocinho de Pet e Patty, deixou mesmo de haver cho. Lauraolhou para l do rebordo da terra e das copas das rvores.A estrada virava, ali. Durante um bocado, seguia ao longo do

    cimo do penhasco, mas depois comeava a descer acentuadamente.O pai travou; Pet e Patty fizeram tanta fora para trs quequase se sentaram. As rodas do carroo deslizaram para afrente e foram descendo bocadinho a bocadinho pela encostangreme. De ambos os lados do carroo erguiam-se penhascos

    denteados de terra vermelha nua. Nos cumes ondulava erva, masnos lados sulcados e abruptos no crescia nada. Os penhascosestavam quentes e lanavam baforadas de calor contra o rostode Laura. O vento continuava a soprar, l em cima, mas nochegava quela profunda fenda do solo. Ali havia uma quietudeestranha e vazia.Depois o carroo endireitou-se. A estreita abertura pela

    qual tinham descido desembocava nas terras baixas da margem dorio. Era a que cresciam as rvores altas cujas copas Lauravira de cima, na pradaria. Havia bosques sombrios espalhadosnos prados ondulantes, e nos bosques estavam deitados cervosque mal se viam entre as sombras. Os animais voltaram a cabeana direco do carroo e alguns corvozinhos mais curiosos

    levantaram-se, para ver melhor.Laura estava surpreendida, porque no via o rio. Mas asterras baixas eram vastas. Ali, abaixo da pradaria, haviacolinas de encostas suaves e descampados cheios de sol. O ar

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    7/98

    era parado e quente e a terra, sob as rodas do carroo,macia. A erva crescia rala nos descampados soalheiros e oscervos no a deixavam atingir grande altura.Durante um bocado, os altos e nus penhascos de terra

    vermelha continuaram a erguer-se atrs do carroo.

    16 17

    Mas j se encontravam quase ocultos atrs de colinas ervores quando Pet e Patty pararam para beber, no rio.O som da gua a correr impetuosamente enchia o ar parado. Ao

    longo das margens, as rvores inclinavam-se para a gua eescureciam-na de sombras. Mas no meio o rio corria velozmente,com tons cintilantes de prata e azul.- Este ribeiro est muito cheio - observou o pai. - Mas

    creio que podemos atravess-lo sem novidade. V-se que umvau pelos antigos sulcos de rodas. Que dizes, Carolina?- Tu que sabes, Charles - respondeu a me.Pet e Patty levantaram os focinhos molhados. Espetaram as

    orelhas para a frente, a olhar para o ribeiro, e depois

    inclinaram-nas para trs, para ouvirem o que o pai estava adizer. Suspiraram e encostaram os focinhos macios um ao outro,a segredarem. Um pouco acima, Jack mergulhava a lnguavermelha na gua e bebia.- Vou descer a cobertura do carroo - disse o pai; ao mesmo

    tempo que saltava do banco, desenrolava os lados de lona e osprendia muito bem caixa do carroo. Depois puxou a corda daretaguarda, de modo que a lona se franziu toda no meio e sdeixou um buraquinho redondo, to pequenino que no se vianada por ele.Maria enroscou-se na cama. no gostava de vaus e tinha medo

    da gua corrente. Mas Laura estava toda excitada, pois gostavado chapinhar da gua. O pai voltou para o banco e disse:- Talvez tenham de nadar, ali no meio, mas atravessaremos

    sem novidade, Carolina.Laura lembrou-se de Jack e disse:- Gostaria que o Jack pudesse vir no carroo, Pai.O pai no lhe respondeu e agarrou firmemente nas rdeas.- O Jack sabe nadar, Laura. no lhe acontecer nada...O carroo avanou devagarinho no lodo e a gua comeou a

    bater nas rodas. O bater tornou-se mais forte, to forte que ocarroo estremecia, quando a gua lhe dava. De repente, ocarroo subiu, balanou e oscilou, a flutuar. Que sensaodeliciosa!O barulho parou e ame disse, em voz firme:- Deitem-se, meninas!Sem perderem um segundo, Maria e Laura estenderam-se na

    cama. Quando ame falava assim, faziam logo o que lhesmandava. Com um brao, ame tapou-as com um cobertor, cabease tudo.- Fiquem quietinhas, assim como esto - ordenou. - no se

    mexam.Maria, apesar de estar a tremer, no se mexeu. Mas Laura no

    conseguia estar quieta, tinha de se mexer um bocadinho.Gostaria tanto de ver o que se estava a passar! Sentia ocarroo oscilar e virar. O rudo do bater da gua voltou, maspor pouco tempo. Nisto, a voz do pai assustou-a:- Toma as rdeas, Carolina!O carroo deu um solavanco e ouviu-se um baque pesado, a

    seu lado. Laura sentou-se na cama e afastou o cobertor da

    cabea.O pai desaparecera. Ame estava sozinha, a segurar asrdeas com fora, com as duas mos. Maria tapou melhor a caracom o cobertor, mas Laura ergueu-se mais um bocadinho. No

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    8/98

    conseguia ver a margem do ribeiro. no conseguia ver nada frente do carroo, a no ser gua a correr impetuosamentepara ele. E, na gua, cabeas: a cabea de Pet, a cabeade Patty e a cabea pequena e molhada do pai. Via tambm, nagua, a mo do pai a segurar com fora a rdea de Pet.Laura ouvia vagamente a voz do pai, atravs do barulho da

    gua impetuosa. Falava calma e tranquilizadoramente, mas elano conseguia ouvir o que ele dizia. Falava com os cavalos. Orosto dame estava branco e assustado.- Deita-te, Laura - mandou a me.Laura deitou-se. Tinha frio e sentia-se agoniada. Fechou os

    olhos com fora, mas continuou a ver a

    18 19

    terrvel gua e a barba castanha do pai mergulhada nela.Durante muito, muito tempo o carroo balanou e oscilou,

    Maria chorou em sicio e Laura sentia-se cada vez maisagoniada. Depois as rodas da frente encontraram apoio erangeram e o pai gritou. Todo o carroo estremeceu e seinclinou para trs, mas as rodas giravam no solo. Laura

    levantou-se de novo, agarrada ao banco, e viu as garupaspretas e hmidas de Pet e Patty subirem a custo um aterroingreme e o pai a correr a seu lado e a gritar: "V, Patty!V, Pet! Toca a subir! A subir! Vamos l! Minhas lindezas!"Pararam no cimo do aterro, a ofegar e a pingar. O carroo

    imobilizou-se tambm, em segurana, fora do ribeiro. O paiofegava e pingava igualmente, e ame exclamou:- Oh, Charles!- Pronto, pronto, Carolina! Estamos todos em segurana,

    graas boa e estanque caixa do carroo, bem presa ao tremdas rodas. Nunca na minha vida vi um ribeiro subir todepressa. Pet e Patty nadam bem, mas creio que no se teriamsafado se eu no tivesse dado uma ajuda.Se o pai no tivesse sabido que fazer, ou se ame se

    tivesse assustado e no fosse capaz de tomar conta das rdeas,ou se Laura e Maria tivessem sido ms e a aborrecessem, entoter-se-iam perdido todos. O rio T-los-ia virado e arrastado eter-se-iam afogado sem que ningum nunca soubesse o que lhesacontecera. Durante semanas, talvez, nenhuma outra pessoapassaria por aquela estrada.- Enfim, est tudo bem quando acaba bem - comentou o pai.- Charles, ests molhado at aos ossos - disse a me. Mas

    antes que o pai pudesse responder, Laura gritou: -Onde est oJack?Tinham-se esquecido do co. Tinham-no deixado do outro lado

    daquela gua horrvel e agora no o viam em lado nenhum. Jackdevia ter tentado nadar atrs deles, mas no o viam debater-se

    na gua.Laura engoliu em seco, para no chorar. Sabia que era uma

    vergonha chorar, mas chorava por dentro. O pobre Jackseguira-os to paciente e fielmente durante toda a longaviagem do Wisconsin at ali, e agora tinham-no deixadoafogar-se. Estava muito cansado, deviam t-lo deixado subirpara o carroo. Ficara parado na margem, a ver o carrooafastar-se, como se no quisessem saber dele para nada. Enunca saberia quanto lhe queriam.O pai disse que nem por uma fortuna quereria fazer

    semelhante coisa ao Jack. Se soubesse como o ribeiro subiriaquando estavam no meio da corrente, no teria deixado Jackpara trs, a fim de tentar atravessar a nado.

    - Mas agora no tem remdio - concluiu.Andou de um lado para o outro, na margem do ribeiro, procura de Jack, a cham-lo e a assobiar-lhe.Em vo. Jack desaparecera.

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    9/98

    Por fim, s lhes restou continuarem a viagem. Pet e Pattytinham descansado e a roupa do pai secara-lhe no corpoenquanto procurava Jack. Tomou de novo as rdeas e conduziu ocarroo pela encosta acima, afastando-se das terras baixas.Laura foi todo o caminho a olhar para trs. Sabia que no

    voltaria a ver Jack, embora desejasse tanto v-lo! Mas a nicacoisa que conseguia ver eram curvas baixas de terra entre ocarroo e o ribeiro e, para l dele, aqueles estranhospenhascos de terra vermelha.Depois surgiram outros penhascos iguais, frente do

    carroo. Leves rastos de rodas penetravam numa fenda entre asparedes de terra. Pet e Patty subiram at a fenda se tornar umpequeno vale ervoso, que foi alargando de novo e desembocou naAlta Pradaria.no se via nenhuma estrada, nem sequer o mais pequeno

    vestgio de rodas ou da passagem de um cavaleiro. Dava aimpresso de que aquela pradaria nunca tinha sido vista porningum. S a erva alta e brava cobria a interminvel terradeserta, com um grande cu vazio por cima. Muito ao longe, acurva do Sol tocava a beirinha da terra. Era um Sol enorme,cuja luz parecia pulsar e latejar. A toda a volta da beira docu havia uma luminosidade rosa-plida, sobre a qual se via

    outra amarela e, por cima desta, uma azul. Acima do azul, ocu no tinha cor nenhuma. Sombras purpreas reuniam-se sobrea terra e o vento soprava, triste.O pai parou os cavalos e desceu do carroo com a me, para

    prepararem o acampamento. Maria e Laura apearam-se tambm.- Ma - perguntou Laura, em tom suplicante -, o Jack foi para

    o Cu, no foi? Era um co to bom! no pode ir para o Cu?Ame ficou sem saber que responder, mas o pai disse:- Sim, Laura, pode. Deus, que no esquece os pardais, no

    deixaria um bom co como o Jack desamparado.Laura sentiu-se um bocadinho melhor, mas s um bocadinho.

    Estava triste. O pai no assobiava enquanto trabalhava, comode costume, e passados instantes disse:- Palavra que no sei o que faremos numa regio selvagem sem

    um bom co de guarda.

    20 21

    3.

    ACAMPAMENTO NA ALTA PRADARIA

    O pai montou o acampamento, como de costume. Primeiro,desatrelou Pet e Patty, tirou-lhes os arneses e prendeu-os acordas compridas, atadas a cavilhas grandes, de ferro,cravadas no cho. Quando os cavalos ficavam assim, podiamcomer toda a erva que as compridas cordas lhes permitiamalcanar. Mas a primeira coisa que Pet e Patty fizeram no foicomer, e sim deitarem-se no cho e rebolarem para um lado epara o outro. Rebolaram at deixarem de sentir por completo aimpresso dos arneses nas costas.Enquanto Pet e Patty se rebolavam, o pai arrancou toda a

    erva de um grande espao redondo. Havia erva velha e secajunto s razes da verde e o pai no queria correr o risco deincendiar a pradaria. Se a relva seca pegasse fogo, deixaria

    toda aquela regio nua e negra.- melhor proceder pelo seguro - comentou o pai. - Poupatrabalhos, no fim.Quando o espao ficou limpo, o pai colocou no meio dele um

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    10/98

    punhado de erva seca. Trouxera de junto do rio um braado degravetos e lenha morta. Colocou gravetos pequenos, depoisgravetos maiores e por fim lenha sobre o punhado de erva seca,a que deitou fogo. A fogueira crepitou alegremente no interiordo crculo de terreno nu, do qual no podia sair.Depois o pai foi buscar gua ao ribeiro, enquanto Maria e

    Laura ajudavam ame a preparar o jantar. Ame mediu gros decaf, deitou-os no moinho e Maria moeu-os. Laura encheu acafeteira com gua que o pai trouxera e a me p-la ao lume.Colocou tambm nas brasas a chapa de ferro do forno.Enquanto a chapa aquecia, amassou farinha de milho com sal e

    gua e formou pequenos bolos. Untou a chapa com um courato,disps os bolos de milho e tapou-os com a cobertura do forno.Depois o pai ps brasas em cima da cobertura, enquanto a mepartia fatias de carne de porco salgada, gorda. Fritou asfatias de carne na aranha de ferro. A aranha tinha pernascurtas, que assentavam nas brasas, e era por isso que sechamava aranha; se no tivesse pernas, seria apenas umafrigideira.O caf ferveu, os bolos cozeram e a carne fritou-se, e

    cheirava tudo to bem que Laura se sentiu cada vez maisesfomeada.

    O pai colocou o banco do carroo junto do lume, para ele eame se sentarem. Maria e Laura sentaram-se no varal docarroo. Cada um tinha um prato de folha e um garfo e umafaca de ao com cabo de osso. Ame tinha um pcaro de folha eo pai outro, e a beb Carrie tinha um pucarozinho s para ela,mas Maria e Laura tinham de compartilhar o seu. Bebiam gua;s poderiam beber caf quando fossem crescidas.Enquanto jantavam, as sombras purpreas adensaram-se volta

    da fogueira do acampamento. A imensa pradaria estava escura esilenciosa. S o vento andava sorrateiramente pelo meio daerva e as grandes estrelas baixas pendiam, cintilantes, do cuenorme.A fogueira do acampamento era acolhedora na grande escurido

    fria. As fatias de carne de porco estavam tostadinhas egostosas e os bolos de milho eram bons. no escuro, longe docarroo, Pet e Patty tambm comiam. Ouviam-nos arrancarbocados de erva e mastig-los.

    22 23

    - Acamparemos aqui um ou dois dias - disse o pai. - Talvezpor c fiquemos. H boa terra, rvores junto do rio, muitacaa... tudo quanto um homem pode desejar. Que dizes,Carolina?- Podamos ir mais longe e ficar pior - respondeu a me.

    - De qualquer modo, amanh dou uma vista de olhos. Levo aespingarda para arranjar um pouco de boa carne fresca.Acendeu o cachimbo com uma brasa e estendeu as pernas para

    ficar mais confortvel. O cheiro agradvel do tabacomisturou-se com o calor do lume. Maria bocejou e escorregou dovaral do carroo para o cho. Laura bocejou tambm. A melavou rapidamente os pratos e os pcaros de folha, os garfos eas facas. Lavou a chapa e a cobertura do forno e a aranha epassou o pano da loua por gua.Ficou um instante imvel, a escutar o longo uivo que vinha

    da negra pradaria. Sabiam todos o que era, mas aquele somcausava sempre um calafrio a Laura e arrepiava-lhe a nuca.Ame sacudiu o pano da loua e depois mergulhou no escuro e

    estendeu-o na erva para secar. Quando voltou, o pai disse:- Lobos. Quase a um quilmetro de distncia, parece-me. Bem,onde h cervos, h lobos. Gostaria...No disse do que gostaria, mas Laura adivinhou: "gostaria

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    11/98

    que Jack estivesse com eles". Quando os lobos uivavam naGrande Floresta, Laura soubera sempre que Jack no deixariaque lhe fizessem mal. Sentiu um n duro na garganta earder-Lhe o nariz. Mas pestanejou muito depressa e nochorou. O lobo - ou talvez fosse outro - uivou de novo.- So horas de as meninas pequenas irem para a cama! - disse

    a me, alegremente.Maria levantou-se e virou-se para ame lhe desabotoar o

    vestido. Mas Laura levantou-se de um pulo e ficou imvel. Viaqualquer coisa... no escuro, para l da claridade da fogueira,brilhavam duas luzinhas verdes, rente ao cho. Eram olhos.Subiu-lhe uma frira pelas costas acima, o couro cabeludo

    arrepiou-se-lhe e os cabelos puseram-se-lhe em p. As luzesverdes mexeram-se. Uma piscou, depois piscou a outra e depoisbrilharam muito as duas, mais perto. Estavam a aproximar-semuito depressa.- Olhe, Pi, olhe! - disse Laura. - Um lobo!

    24 25

    O pai mexeu-se muito depressa, embora no parecesse. Numpice, tirou a espingarda do carroo e preparou-se paradisparar contra os olhos verdes, que pararam de avanar. Mascontinuaram no escuro, a olh-lo.- no pode ser um lobo... a no ser que esteja raivoso -

    disse o pai, enquanto ame pegava em Maria e a punha nocarroo. - Mas no . Escutem os cavalos. - Pet e Pattycontinuavam a mastigar tufos de erva.- Um lince? - sugeriu a me.- Ou um coiote? - O pai pegou num pau, gritou e atirou-o. Os

    olhos verdes ficaram mais rentes ao cho, como se o animal seagachasse para saltar. O pai apontou a espingarda, mas o bichono se mexeu.- no vs, Charles! - pediu a me.Mas o pai continuou a avanar devagarinho para aqueles

    olhos, que tambm avanavam devagarinho para ele, rentes aocho. Laura viu o animal na orla do escuro: era acastanhado emalhado. O pai e Laura gritaram.Quando deu por ela, Laura tentava abraar Jack, que pulava,

    ofegava e no parava quieto, a lamber-lhe a cara e asmos coma lngua quente e hmida. no conseguia agarr-lo. O cosaltava dela para o pai e para ame e depois voltava paraela.- Por esta que eu no esperava! - exclamou o pai.- Nem eu - disse a me. - Mas precisavas de acordar o beb?

    - Embalava Carrie nos braos, a tentar sosseg-la.Jack estava perfeitamente bem. Pouco depois, no entanto,

    deitou-se perto de Laura e soltou um suspiro. Os seus olhosestavam vermelhos de cansao e toda a parte de baixo do seucorpo coberta de lama seca. A me deu-lhe um bolo de milho eele lambeu-se e sacudiu a cauda, bem educado, mas noconseguiu colo, de to cansado.- Sabe-se l quanto tempo teve de nadar! - observou o pai. -

    Nem que distncia foi arrastado pela corrente abaixo, antes dechegar a terra.E quando, finalmente, os encontrara, Laura chamara-lhe um

    lobo e o pai ameaara dar-Lhe um tiro!Mas Jack sabia que no tinha sido por mal.- Sabes que no foi por mal, no sabes? - perguntou-lhe

    Laura, e Jack abanou o coto da cauda: sabia.

    J passava da hora de dormirem. O pai prendeu Pet e Patty manjedoura, na retaguarda do carroo, e deu-lhes milho.Carrie readormecera e ame ajudou Maria e Laura adespirem-se. Enfiou-lhes as compridas camisas de dormir pela

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    12/98

    cabea, enquanto elas estendiam os braos para as mangas. Elasprprias abotoaram os peitilhos e ataram os cordes das toucasde dormir sob o queixo. Debaixo do carroo, Jack deu trsvoltas, cansado, e por fim deitou-se para dormir.Laura e Maria rezaram as suas oraes, no carroo, e

    meteram-se na sua pequenina cama. Ame deu-Lhes um beijo deboas-noites.Do lado de fora da lona, Pet e Patty comiam a sua rao de

    milho. Quando Patty enfiava o focinho na manjedoura, Lauraouvia o barulho que fazia mesmo junto do seu ouvido. Ouviam-sepequenas corridinhas na erva e nas rvores perto do ribeiro,um mocho piava: "u-u? u-u?" Respondeu-lhe outro, de maislonge: "u-u, u-u." Muito mais longe ainda, os lobos uivavamna pradaria e, debaixo do carroo, Jack rosnava baixinho.Dentro do carroo sentiam-se todos seguros e aconchegados.Defronte da cobertura aberta do carroo, pendiam, muito

    numerosas, as grandes estrelas cintilantes. Laura pensou que opai podia chegar-Lhes. Quem lhe dera que ele tirasse a maiorde todas do fio de que estava suspensa do cu e lhaoferecesse! Estava bem acordada, no tinha sono nenhum, mas,de repente, ficou muito surpreendida: a estrela grandepiscara-lhe!

    Nisto, acordou, na manh seguinte.

    26 27

    4.

    Dia na PRADARIA

    Laura ouviu, muito perto do ouvido, relinchozinhos baixos eo tamborilar do milho na manjedoura. O pai estava a dar opequeno-almoo a Pet e Patty.- Para trs, Pet, no sejas sfrega - disse. - Sabes que a

    vez da Patty.Pet bateu com uma pata e soltou um pequeno relincho.- Ento Patty, fica do teu lado da manjedoura - disse o pai.

    - Este lado da Pet.Foi a vez de Patty protestar.- Ah, levaste uma dentadinha, no levaste?! - perguntou o

    pai. - Foi bem feito. Eu disse-te que comesses o teu milho.Maria e Laura olharam uma para a outra e riram-se.

    Cheirava-lhes a toucinho fumado e a caf e ouviam panquecas arechinar na chapa. Saltaram da cama.Maria conseguia vestir-se sozinha e s no era capaz de

    abotoar o boto do meio. Laura abotoou-Lho e depois Mariaabotoou os botes dela todos. Lavaram as mos e a cara nabacia de folha colocada no degrau do carroo. A medesembaraou-lhes o cabelo e penteou-as, enquanto o pai iabuscar mais gua ao ribeiro.Depois sentaram-se na erva limpa e, com os pratos de folha

    no colo, comeram panquecas, toucinho fumado e melao.A toda a volta, moviam-se sombras sobre a erva ondulante,

    enquanto o Sol subia no cu. Cotovias levantavam voo das ondasde erva para o cu alto

    28

    e claro a cantar. Nuvenzinhas cor de prola vogavam no azulimenso. Em cima de todos os tufos de erva passarinhos

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    13/98

    minsculos oscilavam e cantavam fininho. O pai disse que erampardais.- Pardalito, pardalito! - cantarolou Laura, a imitar os

    passarinhos. - Pardalito!- Come, Laura - admoestou-a a me. - Deves ter boas

    maneiras, mesmo que estejamos a mais de cem quilmetros detudo.O pai sorriu brandamente e observou:- Estamos s a sessenta quilmetros de Independence,

    Carolina, e sem dvida h um ou outro vizinho mais perto doque isso.- Sejam sessenta quilmetros, nesse caso - concordou a me.

    - Mas de qualquer modo feio cantar mesa. Ou quando se esta comer - acrescentou, visto no haver mesa.Havia s a enorme e deserta pradaria, com a erva agitada em

    ondas de luz e sombra, em toda a sua extenso, o grande cuazul a cobri-la e os passarinhos a voar e a cantar de alegria,porque o Sol nascia. E no se ia em lado algum sinal de quequalquer outro ser humano ali tivesse estado jamais.No meio de todo aquele espao de terra e cu erguia-se o

    solitrio e pequeno carroo coberto, junto do qual estavamsentados o pai, a me, Laura, Maria e Carrie, a tomar o

    pequeno-almoo. Os cavalos comiam a sua rao de milho e Jack,imvel, fazia um grande esforo para no pedir que lhe dessemde comer. Laura no estava autorizada a dar-lhe de comerenquanto ela prpria comia, mas reservava-lhe bocadinhos decomida, que depois lhe dava. E a me fez uma grande panquecapara ele, com o resto da massa.Havia coelhos por toda a parte e milhares de

    galinhas-da-pradaria, mas naquele dia Jack no podia caar oseu prprio pequeno-almoo: o pai ia caar e ele tinha deficar de guarda ao acampamento.

    29

    Primeiro, o pai atou Pet e Patty s cordas compridas.Depois tirou a selha do lado do carroo e encheu-a de gua doribeiro. A me ia lavar.Em seguida, o pai enfiou a machadinha afiada no cinto,

    suspendeu o polvorinho ao lado da machadinha, meteu a caixadas buchas e a bolsa das balas na algibeira e pegou naespingarda.- No te apresses, Carolina - disse me. - S partiremos

    quando quisermos. Dispomos de todo o tempo que nos apetecer.E foi-se embora. Durante um bocado viram-lhe a parte

    superior do corpo acima da erva alta, a afastar-se e a

    tornar-se cada vez mais pequena. Depois desapareceu e apradaria ficou de novo deserta.Maria e Laura lavaram a loua, enquanto a me fazia as

    camas, no carroo. Arrumaram muito bem os pratos lavados nacaixa que lhes competia. Apanharam todos os gravetozinhosespalhados pelo cho e puseram-nos no lume e empilharam alenha contra uma das rodas do carroo. Assim, tudo noacampamento ficou limpo e arrumado.A me trouxe do carroo o recipiente de madeira do sabo

    mole, arregaou a saia e as mangas e ajoelhou-se defronte daselha, na erva. Lavou lenis, fronhas e roupa brancainterior, lavou vestidos e camisas, passou tudo por gua limpae depois estendeu na erva para secar ao sol.

    Maria e Laura foram explorar. No se podiam afastar muitodo carroo, mas mesmo assim era divertido correr atravs daerva alta, ao sol e ao vento. sua frente, saltavam grandescoelhos e pssaros levantavam voo e voltavam a pousar. Havia

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    14/98

    pardalitos minsculos por toda a parte, com os ninhos muitopequeninos nos tufos altos de erva. Havia tambm por toda aparte geomis pequenos, castanhos s riscas.Esses animaizinhos pareciam macios como o veludo, tinham

    olhos redondos e brilhantes, focinho enrugado e patinhas muitopequeninas. Surdiam de buracos do cho e levantavam-se paraolhar para Maria e Laura. Com as patas traseiras dobradasdebaixo do corpo e as patinhas dianteiras dobradas e apertadascontra o peito, pareciam exactamente bocados de madeira mortaespetados no cho. Com a diferena de que os seus olhoscintilavam.Maria e Laura quiseram apanhar um para o levarem me.

    Diversas vezes estiveram quase, quase a consegui-lo. Obichinho deixava-se ficar perfeitamente imvel, at elas terema certeza de que daquela vez que era, mas depois, mal lhetocavam, desaparecia. S ficava o buraquinho redondo no cho.Laura fartou-se de correr, mas no apanhou nem um. Quanto a

    Maria, ajoelhou-se, muito quieta, ao lado de um buraco, espera de que o dono da toca viesse superfcie, enquanto sua volta uma quantidade de geomis saltitavam alegremente ouse apoiavam nas patas traseiras a olhar para ela. Mas doburaco no saiu nem um.

    A certa altura, pairou uma sombra atravs da erva e todos osgeomis desapareceram. Era um falco, que voava sobre apradaria. Voava to baixo que Laura lhe pde ver o olhoredondo e cruel virado para baixo, a olhar para ela, o bicoafiado e as garras arqueadas, prontas a cair sobre a presa.Mas o falco s viu Laura e Maria e buracos redondos e vaziosno cho. Afastou-se, por isso, para procurar o almoo noutrolado.E tanto bastou para que todos os pequeninos geomis voltassem

    superfcie.Faltava pouco para o meio-dia e o Sol estava quase a pino,

    por cima das suas cabeas. Por isso, Laura e Maria apanharamflores silvestres e levaram-nas me, em vez do geomi.A me estava a dobrar a roupa seca. As calcinhas e as

    combinaes estavam mais brancas do que a neve, quentes do sole a cheirar a erva. A me ps a roupa no carroo e pegou nasflores. Admirou igualmente as de Laura e as de Maria ecolocou-as juntas num pcaro de gua. Ps o copo no degrau docarroo, para tornar o acampamento bonito.

    30 31

    Depois abriu dois bolos de milho frios e barrou-os demelao: um para Maria e outro para Laura. Foi o seu almoo esoube-lhes muito bem.

    - Onde est um papuse? - perguntou Laura.- No fales com a boca cheia, Laura - disse a me.Por isso, Laura mastigou e engoliu o que tinha na boca,

    antes de insistir:- Quero ver m papuse.- Valha-nos Deus! - exclamou a me. - Porque queres tu ver

    ndios? Havemos de ver muitos. No me admiraria se vssemos,at, a mais do que desejamos.- No nos faro mal, pois no? - perguntou Maria, que era

    sempre muito bem comportada e nunca falava com a boca cheia.- No! - respondeu-lhe a me. - No metas ideias dessas na

    tua cabea.- Porque no gosta de ndios, Ma? - perguntou Laura e, com a

    ponta da lngua, lambeu um pingo de melao.- Porque no gosto de mais nada. E no lambas os dedos,Laura.- Mas isto terra de ndios, no ? - teimou Laura. -

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    15/98

    Porque viemos para a sua terra, se no gosta deles?A me disse-lhe que no sabia se ali era terra de ndios ou

    no. No se sabia onde ficava a fronteira do Cansas. Mas fosseou no fosse, os ndios

    32

    no ficariam ali muito tempo. Um homem de Washington informarao pai de que o territrio ndio seria em breve aberto aoscolonos. Talvez at j tivesse sido aberto. No sabiam porqueWashington ficava muito longe.Depois a me tirou o ferro de engomar do carroo e

    aqueceu-o no lume. Borrifou um vestido de Maria e outro deLaura, um vestidinho da beb Carrie e o seu vestido estampado,aos raminhos. Estendeu um cobertor e um lenol no banco docarroo e passou os vestidos a ferro.A beb dormia no carroo. Laura, Maria e Jack tinham-se

    deitado sua sombra, pois o sol estava quente quela hora.Jack tinha a boca aberta, a lngua vermelha pendente e piscavaos olhos, sonolento. A me cantarolava baixinho, enquanto o

    ferro alisava todas as rugas dos vestidos. volta delas atmesmo beirinha do mundo, s se via erva ondular ao vento.Muito alto, no cu, farrapos de nuvens brancas flutuavam no arazul.Laura estava muito contente. O vento cantava uma cano

    baixa e sussurrante na erva. Ouvia-se o crepitar das asas dosgafanhotos em toda a imensa pradaria e das rvores junto dorio subia um zumbido abafado. Mas todos esses rudos formavamum grande silncio quente e agradvel. Laura nunca vira lugarnenhum de que gostasse tanto como aquele.S percebeu que tinha adormecido quando acordou. Jack estava

    de p, a agitar o coto da cauda. O Sol estava baixo e o paivinha pela pradaria fora, ao longe. Laura levantou-se edesatou a correr, e a sombra comprida do pai pareceuestender-se ao encontro dela, na erva ondulante.

    33

    Ergueu a caa no ar, para ela ver. Apanhara um coelho - omaior que ela j vira - e duas gordas galinhas-da-pradaria.Laura, de to contente, comeou a pular, a bater palmas e agritar. Depois agarrou a manga do outro brao do pai e foi aolado dele, aos saltinhos, atravs da erva alta.- Esta regio est a abarrotar de caa - disse-lhe o pai. -

    Vi a uns cinquenta gamos, alm de antlopes, esquilos,

    coelhos e aves de toda a espcie. E o ribeiro est cheio depeixe - disse, depois me. - Podes crer, Carolina, h aquitudo quanto precisamos. Poderemos viver como reis!O jantar foi maravilhoso. Sentaram-se junto da fogueira e

    comeram a carne tenra e gostosa, at mais no poderem. Quando,por fim, pousou o prato, Laura suspirou, regalada. No lheapetecia mais nada neste mundo.A ltima cor desaparecia do cu enorme e toda a terra plana

    estava a escurecer. O calor da fogueira sabia bem, porque ovento nocturno era fresco. Papa-moscas piavam tristemente noarvoredo, junto do rio.

    34

    Um pssaro cantou um bocadinho, mas as estrelas acenderam-se

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    16/98

    e os pssaros calaram-se todos.Suavemente, a rabeca do pai soou luz das estrelas. De vez

    em quando, ele cantava um bocadinho; outras vezes, cantava arabeca sozinha. A voz suave, fina e distante da rabeca no secansava:

    Quem te conhece tinha de amar-te,Querida do meu corao...

    As grandes estrelas brilhantes pendiam do cu. Pareciamficar cada vez mais baixas, a palpitar de msica.Laura soltou uma exclamao e a me aproximou-se logo dela.- Que foi, Laura?- As estrelas estavam a cantar - respondeu Laura, baixinho.- Adormeceste, foi o que foi. a rabeca. De qualquer modo,

    so horas de as meninas pequenas irem para a cama.Despiu Laura luz da fogueira, vestiu-lhe a camisa de

    dormir, atou-Lhe a touca e aconchegou-a na cama. Mas a rabecacontinuou a cantar luz das estrelas. A noite estava cheia demsica e Laura tinha a certeza de que parte dela vinha das

    grandes e luminosas estrelas, que pareciam oscilar to baixo,por cima da pradaria.

    35

    5.

    A CASA NA PRADARIA

    Na manh seguinte, Laura e Maria levantaram-se mais cedo doque o Sol. Comeram o pequeno-almoo de papas de milho commolho de galinha-da-pradaria e apressaram-se a ajudar a me alavar a loua. O pai estava a meter tudo o mais no carroo ea atrelar Pet e Patty.Quando o Sol nasceu, j iam pela pradaria fora. Agora no

    havia estrada. Pet e Patty abriam caminho atravs da erva e ocarroo s deixava atrs de si o rasto das suas rodas.Antes do meio-dia, o pai gritou: "A", e o carroo parou.- C estamos, Carolina! - exclamou. - Construiremos aqui

    mesmo a nossa casa.Laura e Maria passaram para a manjedoura e da saltaram para

    o cho, muito apressadas. sua volta s havia pradaria, que

    se estendia at orla do cu.As terras baixas do ribeiro ficavam perto, a norte, abaixo

    da pradaria. Viam-se algumas copas de rvores verde-escuras e,para l delas, fragmentos do limite dos penhascos de terravermelha seguravam a erva da pradaria. Muito ao longe, aleste, uma linha irregular, de tons verdes diferentes,atravessava a pradaria. O pai disse que era o rio.- o rio Verdigris - disse, e apontou-o para a me ver.O pai e a me comearam logo a descarregar o carroo.

    Tiraram tudo e empilharam as coisas no cho. Depois tiraram acobertura do carroo e taparam as coisas com ela. Em seguida,soltaram at a caixa do carroo, sob os olhares de Laura,Maria e Jack.

    O carroo tinha sido a sua casa durante muito tempo, masagora s restavam dele as quatro rodas e as peas que asligavam entre si.

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    17/98

    36

    Pet e Patty continuavam atreladas ao varal. O pai pegou numbalde e no machado, sentou-se no que restava do carroo epartiu pela pradaria fora, at deixar de se ver.- Aonde foi o P? - perguntou Laura.- Foi buscar uma carga de troncos s terras baixas do rio.Era estranho e assustador ficar sem o carroo na Alta

    Pradaria. A terra e o cu pareciam demasiado grandes e Laurasentia-se pequenina. Apetecia-lhe esconder-se e ficarquietinha na erva alta, como uma pequena galinha-da-pradaria.Mas no o fez. Ajudou a me, enquanto Maria se sentava na ervae tomava conta da beb Carrie.Laura e a me comearam a fazer as camas debaixo da tenda

    formada pela cobertura do carroo. Depois a me arrumou oscaixotes e as trouxas, enquanto Laura arrancava a erva toda doespao que ficava defronte da tenda, para a fogueira. Claroque no poderiam acender o lume enquanto o pai no trouxesse alenha.Como no tinha mais nada que fazer, Laura explorou um pouco,

    sem se afastar muito da tenda. Encontrou uma espcie detunelzinho engraado, na erva. Quem olhasse para o cimo daerva ondulante, no daria por ele, mas se algum seaproximava, l estava: um carreiro estreito, recto e duroaberto entre os caules da erva. Seguia por ali fora, atmergulhar na infindvel pradaria.Laura andou um bocadinho por ele adiante. Foi andando

    devagar, mais devagarinho ainda, at que parou, a sentir-seesquisita. Por isso, voltou depressa para trs. Olhou por cimado ombro e no viu nada. Mas mesmo assim continuou a andardepressa.Quando o pai chegou com um carregamento de troncos, Laura

    falou-lhe do carreiro e ele disse que j o vira no diaanterior.- Deve ser algum caminho antigo.Nessa noite, junto da fogueira, Laura voltou a perguntar

    quando veria um papuse. Mas o pai no sabia. Disse-lhe quenunca se viam ndios, a no ser quando eles queriam servistos. Tinha visto ndios

    37

    quando era rapaz, no estado de Nova Iorque, mas Laura nuncavira nenhum. S sabia que eram homens selvagens de peleencarnada e que os seus machados se chamavam tomahawks.

    Como o pai sabia tudo a respeito de animais selvagens,tambm devia saber tudo a respeito de homens selvagens. Lauraestava convencida de que, qualquer dia, ele Lhe mostraria umpapuse, assim como lhe mostrara corozinhos, ursinhos e lobos.Durante dias o pai carregou troncos, com os quais fez duas

    pilhas: uma para a casa e outra para o estbulo. Comeou ahaver um caminho, por onde ele passava quando ia s terrasbaixas do rio e de l voltava. noite, presas s cordas, Pete Patty comiam a erva, at ficar curta e grossa, a toda avolta dos montes de troncos.O pai comeou a fazer a casa primeiro. Mediu o tamanho a

    passo, no cho, depois pegou na p e abriu um sulco poucofundo ao longo de dois lados desse espao. Rebolou para esses

    sulcos dois dos troncos maiores. Eram troncos sos e fortes,porque tinham de sustentar a casa. Chamavam-se soleiras.Em seguida, o pai escolheu mais dois troncos grandes e

    fortes e rolou-os at s extremidades das soleiras, de modo a

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    18/98

    formarem um quadrado vazio no interior. Pegou ento no machadoe fez um entalhe fundo e largo perto da ponta desses troncos.Fez os entalhes na parte de cima dos troncos, mas mediu assoleiras a olho e f-los de maneira que se ajustassem bem volta de metade do dimetro da soleira.Abertos os entalhes, virou o tronco. Os entalhes

    ajustaram-se soleira. Estavam acabados os alicerces da casa,que j tinha um tronco de altura. As soleiras estavam meioenterradas no cho, no qual as extremidades dos troncosassentavam perfeitamente. Aos cantos, onde se cruzavam, osentalhes permitiam que se ajustassem e no ficassem um maisalto do que o outro. As duas pontas ficavam sadas, a partirdos entalhes.No dia seguinte, o pai comeou a levantar as paredes. Rolou

    um tronco de cada lado e entalhou-lhes as pontas, paraassentarem e se ajustarem nos troncos laterais. A casa jtinha dois troncos de altura.Os troncos encaixavam solidamente uns nos outros, aos

    cantos. Mas como no h nenhum tronco perfeitamente liso etodos eles so mais largos numa ponta do que na outra, ficavamfendas a todo o comprimento das paredes. Mas isso no tinhaimportncia, pois o pai colmat-las-ia.

    Sozinho, construiu a casa at trs troncos de altura. Depoisa me teve de o ajudar. O pai levantava a ponta de um troncopara a parede e depois a me segurava-o, enquanto elelevantava o outro lado. Ele punha-se de p em cima da parede,para fazer os entalhes, e a me ajudava-o a virar e segurar otronco, enquanto ele o assentava como devia ser, para que ocanto ficasse perfeitamente em ngulo recto.Assim, tronco a tronco, foram levantando as paredes, at

    ficarem to altas que Laura j no lhes podia saltar por cima.Cansada de ver o pai e a me construrem a casa, foi at erva alta, explorar. De sbito, ouviu o pai gritar:- Larga! Sai da debaixo!O tronco grande e pesado estava a escorregar e o pai tentava

    segurar o seu lado, para evitar que casse em cima da me. Masno conseguiu. O tronco caiu e Laura viu a me dobrada nocho.Chegou junto dela quase to depressa como o pai. O pai

    ajoelhou e chamou a me numa voz muito assustada.- Estou bem - respondeu ela, ofegante.O tronco cara-lhe em cima do p. O pai levantou o tronco e

    a me tirou o p debaixo dele. O pai apalpou-lho, para ver separtira alguns ossos.- Mexe os braos - disse-lhe. - Doem-te as costas? Podes

    virar a cabea?A me mexeu os braos e virou a cabea.

    38 39

    - Graas a Deus! - exclamou o pai, e ajudou-a a sentar-se.- Estou bem, Charles - repetiu ela. - s o meu p.O pai descalou-Lhe o sapato e a meia, muito depressa,

    apalpou-lhe o p todo e f-la mover o tornozelo, o peito do pe os dedos todos.- Di-te muito?A cara da me estava cinzenta e no se lhe viam os lbios,

    de to apertados.- No di muito - respondeu.- No h ossos partidos - disse o pai. - s uma deslocao

    grande.

    40

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    19/98

    - Uma deslocao cura-se depressa - redarguiu a me,tranquilizadora. - No estejas to preocupado, Charles.- O culpado fui eu. Devia ter usado suportes.Ajudou-a a ir para a tenda, ps lenha na fogueira e aqueceu

    gua. Quando a gua estava quente quanto a me podia suportar,meteu nela o pinchado.Foi uma grande sorte o p no ter ficado esmagado. S uma

    covinha do cho o evitou.O pai foi deitando mais gua quente no alguidar onde o p da

    me estava mergulhado. O p estava vermelho do calor e otornozelo inchado comeou a ficar escuro. A me tirou o p dagua e envolveu-o, e ao tornozelo, em tiras de pano bemapertadas.- C me hei-de arranjar - disse.No pde calar o sapato. Mas enfaixou mais o p e, a

    coxear, fez o jantar, como de costume, embora um bocadinhomais devagar. O pai disse que ela no poderia ajudar a fazer acasa enquanto o tornozelo no estivesse bom.Com o machado, fez suportes, que eram umas pranchas

    compridas e planas. Uma extremidade assentava no cho e a

    outra na parede de troncos. No levantaria mais troncos; ele ea me rol-los-iam pelos suportes acima.Mas o tornozelo da me ainda no estava bom. Quando ela o

    desligava, noite, para o meter em gua quente, estava todocor de prpura, negro, verde e amarelo. A casa tinha deesperar.

    41

    At que, uma tarde, o pai subiu a estrada que vinha doribeiro a assobiar alegremente. Tinha ido caar e noesperavam que regressasse to cedo. Assim que as viu gritou:- Trago boas notcias!Tinham um vizinho apenas a trs quilmetros de distncia, do

    outro lado do ribeiro. O pai encontrara-o na floresta. Iampermutar trabalho, o que facilitaria a vida a todos.- Ele solteiro - informou o pai - e diz que passa melhor

    sem casa do que tu e as pequenas. Por isso, vai ajudar-meprimeiro. Depois, assim que tiver os seus troncos preparados,vou eu ajud-lo a ele.No precisavam de esperar mais tempo pela casa e a me j

    no precisava de ajudar a faz-la.- Que me dizes, hem, Carolina? - perguntou o pai,

    alegremente.- Acho bem, Charles - respondeu a me. - Fico satisfeita.

    O Sr. Edwards chegou na manh seguinte, muito cedo. Eramagro, alto e bronzeado. Inclinou a cabea me e tratou-adelicadamente por "minha senhora". Mas disse a Laura que eraum gato-bravo do Tenessi. Usava botas altas, fato-macaco rotoe barrete de pele, e era capaz de cuspir suco de tabaco a umadistncia que Laura nunca julgara possvel. E acertava semprenaquilo que escolhia como alvo da saliva, fosse o que fosse.Laura bem experimentou, mas nunca foi capaz de cuspir tolonge nem to certeiramente como o Sr. Edwards.Era um trabalhador desembaraado. Num dia, ergueram as

    paredes altura que o pai queria. Enquanto trabalhavam,cantavam e gracejavam e os seus machados faziam voar as lascasde madeira.

    Por cima das paredes construram o esqueleto do telhado, debarrotes estreitos. Depois, na parede sul, fizeram umaabertura alta para a porta e nas paredes leste e oestecortaram quadrados, para as janelas.

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    20/98

    Laura estava desejosa de ver o interior da casa. Assim que aabertura alta para a porta ficou feita, correu l para dentro.Era tudo s riscas, no interior. O sol que entrava pelasfendas da parede ocidental traava riscas de luz, enquanto osbarrotes do esqueleto do telhado projectavam riscas de sombra.As riscas de sombra e de luz cruzavam as mos, os braos e osps nus de Laura, que via riscas de pradaria atravs dasfendas entre os troncos. O cheiro agradvel da pradariamisturava-se ao cheiro agradvel da madeira cortada.Depois, enquanto o pai serrava os troncos para a abertura da

    janela, na parede ocidental, entravam jorros de sol. Quandoele acabou, reflectiu-se no cho do interior da casa um grandenaco de sol.O pai e o Sr. Edwards pregaram volta dos troncos cortados

    daporta e da janela tbuas finas. A casa estava acabada; sfaltava o telhado. As paredes eram slidas e a casa grande,muito maior do que a tenda. Era uma boa casa.O Sr. Edwards disse que se ia embora, mas o pai e a me

    insistiram em que ficasse para jantar. A me fizera um jantarespecial, em virtude de terem uma visita.Havia coelho guisado com bolinhos de farinha branca e muito

    molho. Havia po fumegante, de farinha de milho, temperado com

    gordura de toucinho fumado. Havia melao para barrar o po demilho, mas como se tratava de um jantar especial no adoaramo caf com melao: a me, foi buscar o cartuchinho de acaramarelo ao armazm.O Sr. Edwards disse que gostou muito do jantar.Depois o pai foi buscar a rabeca.O Sr. Edwards estendeu-se no cho, para ouvir, mas o pai

    tocou primeiro para Laura e Maria. Tocou a cano de que elasmais gostavam e cantou-a. A preferncia de Laura devia-se aofacto de a voz do pai se tornar grave, muito grave, naquelacano.

    Oh, eu sou um rei cigano!Fao aquilo que me apetece!Puxo o barrete de dormir pra baixoE todo o mundo me pertence!

    Depois a sua voz tornava-se grave, mais grave, mais graveat do que a da mais velha das rs:

    Oh, eu sou um rei ci GANO!

    Desataram todos a rir e Laura teve dificuldade em parar.

    - Oh, cante outra vez, P! Cante outra vez! - gritou, antesde se lembrar de que as crianas devem ser vistas e noouvidas; quando se lembrou, calou-se.O pai continuou a tocar e comeou tudo a danar. O Sr.

    Edwards soergueu-se num cotovelo, depois sentou-se e por fimlevantou-se de um pulo e danou.

    42 43

    Danou como um boneco articulado ao luar, enquanto a rabeca

    tocava alegremente, o p do pai batia o compasso no cho e asmos de Laura e Maria batiam palmas - e os ps igualmentebatiam o compasso.- Voc o rabequista mais engraado que j conheci! -

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    21/98

    gritou o Sr. Edwards ao pai, cheio de admirao.O Sr. Edwards no parava de danar e o pai no parava de

    tocar. Tocou O Cheiro do Dinheiro, Viajante do Arcansas,Lavadeira Irlandesa e a Corneta do Diabo.O vozeiro do pai e a vozinha de Laura ecoaram pela pradaria

    e da margem do ribeiro chegaram, baixinho, os dois ltimosversos cantados pelo Sr. Edwards:

    Deixem o velho Dan Tucker passar,Que vem atrasado para o jantar!

    Quando a rabeca do pai emudeceu, j no ouviram a voz do Sr.Edwards. S o vento murmurava entre a erva da pradaria. Agrande Lua amarela flutuava, alta, no cu. O cu estava tocheio de luz que A beb Carrie no conseguia dormir com todaaquela msica. Sentada no colo da me, olhava para o Sr.Edwards de olhos arregalados, batia palmas com as mospequeninas e ria.At as chamas da fogueira danavam e a toda a sua volta as

    sombras danavam tambm. S a casa nova estava imvel e

    silenciosa na escurido, at que a lua cheia nasceu e iluminouas suas paredes cinzentas e as lascas de madeira amarelaespalhadas sua volta.O Sr. Edwards disse que tinha de ir andando. O caminho de

    regresso ao seu acampamento, que ficava do outro lado dafloresta e do ribeiro, era muito longo. Pegou na espingarda edeu as boas-noites a Laura, a Maria e me. Declarou que umsolteiro s vezes se sentia muito s e que gostara daquelesero em famlia.- Toque, Ingalls! - pediu. - Toque para a msica me

    acompanhar pela estrada fora.Por isso, enquanto ele descia a estrada do rio e

    desaparecia, o pai tocou e cantou, e o Sr. Edwards e Lauracantaram tambm com todas as suas foras:

    E morreu de uma dor de dentes na algibeira. Deixem ovelho Dan Tucker passar,

    Que vem atrasado para o jantar!O jantar est comido e os pratos lavadosE s restam de abbora uns bocados.O velho Dan Tucker foi cidade,Montado num macho e de co trela...

    44 45

    no se via brilhar nem uma estrelinha e toda a pradariaestava cheia de msica. Tornou-se tudo silencioso para ouvir ocanto do rouxinol, que cantou, cantou ... O vento frescopercorria a pradaria e o canto do rouxinol ouvia-se, vibrantee ntido, acima dos murmrios da erva. O cu parecia uma taade luz voltada para baixo, para a terra negra e plana.O rouxinol calou-se. Ningum se mexeu nem falou. Laura e

    Maria estavam muito caladas e o pai e a me imveis. S ovento suspirava e a erva bulia. Ento o pai apoiou a rabeca noombro e, docemente, encostou o arco s cordas. Soaram algumasnotas, lmpidas como gotas de gua a cair no silncio. Umapausa, e depois o pai comeou a tocar a cano do rouxinol. O

    rouxinol respondeu-Lhe, comeou a cantar de novo. Cantou aacompanhar a rabeca do pai.Quando as cordas emudeciam, o rouxinol continuava a cantar.

    Quando o rouxinol se calava, a rabeca chamava-o e ele cantava

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    22/98

    de novo. A ave e a rabeca falavam uma com a outra na noitefresca, ao luar.

    6.

    MUDANA

    - As paredes esto levantadas - dizia o pai me, de manh.- Acho melhor mudarmo-nos l para dentro e remediarmo-nos omelhor que pudermos sem soalho e outras coisas. Tenho deconstruir o estbulo o mais depressa possvel, para que Pet ePatty tambm tenham um abrigo. A noite passada ouvi lobosuivarem de todas as direces, segundo parecia, e de perto.- Bem, tens a tua espingarda e, por isso, no me preocupo -

    respondeu a me.- Sim, e tambm h o Jack. Mas sentir-me-ei mais tranquilo

    quando tu e as garotas estiverem protegidas por paredesslidas.

    - Na tua opinio, porque ser que ainda no vimos ndiosnenhuns? - perguntou a me.- Oh, no sei! - respondeu o pai, despreocupado. - Vi os

    acampamentos deles entre os penhascos. Creio que estoausentes, numa excurso de caa.A me chamou:- Meninas, nasceu o Sol!Laura e Maria saltaram da cama e vestiram-se.- V, comam o pequeno-almoo depressa - disse a me,

    enquanto lhes punha nos pratos de folha o resto do coelhoguisado. - Hoje mudamo-nos para a casa e todas as aparas demadeira tm de ser apanhadas.Por isso, as duas comeram depressa e apressaram-se a tirar

    de casa todas as aparas de madeira. Andaram num corropio, parac e para l com toda a rapidez

    46 47

    possvel, com as saias cheias de aparas que despejavam nummonte perto da fogueira. Mas mesmo assim ainda havia aparasdentro de casa quando a me comeou a varr-la com a vassourade ramos de salgueiro.A me coxeava, embora o seu tornozelo comeasse a ficar bom.

    Varreu o cho de terra num instante, e depois Maria e Lauracomearam a ajud-la a levar as coisas para dentro de casa.

    O pai estava empoleirado nas paredes, a estender a coberturade lona do carroo por cima da armao do telhado. O ventoenfunava a cobertura, a barba do pai voava num desalinho e oseu cabelo estava em p, como se quisesse soltar-se da cabea.Mas ele agarrava a lona com fora e resistia ao vento. A certaaltura, porm, o vento puxou-a de tal maneira que Laura pensouque ou ele a largava ou ia pelos ares, a voar como um pssaro.Mas o pai firmou-se bem nas paredes, com as pernas, agarrou alona ainda com mais fora e prendeu-a.- Pronto! - disse. - Fica onde ests e vai...- Charles! - admoestou a me, com os braos cheios de

    mantas, a olh-lo reprovadoramente.... e porta-te bem - emendou o pai, a falar com a lona. -

    Que pensavas que eu ia dizer, Carolina?- Oh, Charles, meu tunante! - brincou a me.O pai desceu pelo canto da casa. As pontas sadas dos

    troncos serviram-lhe de escada. Passou as mos pelo cabelo,

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    23/98

    que ficou ainda mais desalinhado, e a me desatou a rir. Entoele abraou-a, com mantas e tudo.- Uma casinha aconchegada, hem?- Sentir-me-ei grata quando estiver l dentro - disse a me.No havia porta nem janelas. Tambm no havia soalho, s

    cho de terra, e o telhado era a cobertura de lona. Mas a casatinha boas paredes resistentes e ficaria onde estava. No eracomo o carroo, que todas as manhs partia para outro ladoqualquer.- Vamos viver bem aqui, Carolina - disse o pai. - uma boa

    regio, onde no me importarei de passar o resto da vida.- Mesmo quando estiver povoada?- Mesmo quando estiver povoada. Por muitos que sejam os

    vizinhos, e por muito perto que fiquem, aqui nunca me sentireiapertado. Olha para o cu!Laura compreendeu o que o pai queria dizer. Ela tambm

    gostava daquele lugar. Gostava do cu enorme e dos ventos, daterra cujo fim no se via. Era tudo muito novo, limpo, grandee maravilhoso. hora do almoo a casa estava arrumada. O banco do carroo

    e dois cotos de troncos serviam de cadeiras. As camas estavammuito bem feitas, no cho, e a espingarda do pai encontrava-se

    nos seus suportes, por cima da abertura da porta. Caixotes etrouxas estavam arrumados, encostados s paredes. Era uma casaagradvel. Pelo telhado de lona coava-se uma luz suave, ovento e o sol entravam pelas aberturas das janelas e todas asfendas das quatro paredes brilhavam um bocadinho, porque o Solestava a pino.S o lume continuava no mesmo stio. O pai disse que faria

    uma chamin na casa, assim que pudesse. Tambm cortariapranchas para fazer um bom telhado, antes de chegar o Inverno.Assentaria um cho de tbuas e faria camas, mesas e cadeiras.Mas todo esse trabalho teria de esperar para depois de eleajudar o Sr. Edwards e de construir um estbulo para Pet ePatty.- Quando isso tudo estiver pronto - disse a me -, quero uma

    corda para a roupa.- E eu quero um poo! - replicou o pai, a rir.Depois do almoo atrelou Pet e Patty ao carroo e foi

    buscar uma selha de gua ao ribeiro, para a me poder lavar aroupa.- Podias lavar a roupa no ribeiro - observou. - As mulheres

    ndias lavam l.- Se quisssemos viver como ndios, abrias um buraco no

    telhado para deixar sair o fumo e acendamos o lume no cho,dentro de casa - respondeu-lhe a me. - assim que os ndiosfazem.

    48 49

    Nessa tarde, a me lavou a roupa na selha e estendeu-a naerva a secar.Depois do jantar, sentaram-se um bocado junto da fogueira.

    Nessa noite dormiriam dentro de casa; nunca mais dormiriam aolado de uma fogueira de acampamento. O pai e a me falaram dafamlia do Wisconsin e a me disse que gostaria de Lhes poderescrever uma carta. Mas Independence ficava a sessentaquilmetros de distncia e nenhuma carta poderia seguirenquanto o pai no pudesse fazer a longa viagem at ao postodos correios de l.

    Na Grande Floresta, to longe, o av e a av, as tias e ostios e os primos e as primas no sabiam onde o pai, a me,Laura, Maria e a beb Carrie estavam. E eles, ali sentados volta da lareira, tambm no sabiam o que poderia ter

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    24/98

    acontecido na Grande Floresta. No havia maneira nenhuma desaberem.- So horas de dormir - disse a me.A beb Carrie j estava a dormir e a me levou-a para dentro

    e despiu-a, enquanto Maria desabotoava o vestido e acombinao de Laura e o pai pendurava uma manta a tapar oburaco da porta. A manta sempre era melhor do que nada. Depoiso pai foi buscar Pet e Patty para mais perto da casa.Chamou, baixinho:- Vem c, Carolina, anda ver a Lua.Maria e Laura estavam deitadas na sua pequena cama, no cho,

    dentro da casa nova, e viam o cu atravs da abertura dajanela do lado leste. A orla da grande Lua luminosa brilhavana base do espao da janela e Laura sentou-se, para vermelhor. Olhou para a grande Lua que vogava silenciosamente,muito alto, no cu lmpido.A sua luz transformava em riscas prateadas todas as fendas

    daquele lado da casa. O luar entrava pela abertura da janela eprojectava no cho um quadrado de suave radincia. Laura viuperfeitamente a me, quando ela levantou a manta da porta eentrou.Ento Laura deitou-se muito depressa, antes que a me a

    visse desobedientemente sentada na cama.Ouviu Pet e Patty relincharem baixinho, quando o pai se

    aproximou, e depois ouviu, vindo do cho, o bater abafado dosseus cascos. Pet e Patty, e o pai vinham na direco da casa,e o pai cantava:

    Navega, navega, Lua de prata!Derrama a tua luz pelo cu...

    A sua voz parecia fazer parte da noite, do luar e dosilncio da pradaria. Chegou porta ainda a cantar: Aoplido luar prateado...- Caluda, Charles - disse-lhe a me, baixinho. - Acordas as

    crianas.Por isso, o pai entrou em silncio. Jack entrou atrs dele e

    deitou-se atravessado entrada da porta. Agora estavam todoscercados pelas paredes fortes da casa nova, aconchegados e emsegurana. Sonolentamente, Laura ouviu um longo uivo de lobo,muito ao longe, na pradaria. Mas sentiu apenas um pequenocalafrio na espinha e adormeceu, adormeceu.

    50 51

    7.

    A ALCATEIA DE LOBOS

    S num dia, o pai e o Sr. Edwards construram o estbulopara Pet e Patty. At lhe puseram o telhado. Mas para issotiveram de trabalhar at muito tarde e a me teve de lhesguardar o jantar no borralho.O estbulo no tinha porta, mas, ao luar, o pai cravou bem

    duas estacas fortes no cho, uma de cada lado da abertura daporta, e depois de meter Pet e Patty no estbulo, colocou

    pequenos troncos rachados ao meio uns por cima dos outros,atravs da abertura. As estacas seguravam-nos e ficava assimuma parede slida.- Pronto! - exclamou o pai. - Agora os lobos podem uivar

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    25/98

    vontade! Esta noite dormirei descansado.De manh, quando o pai tirou os troncos rachados ao meio de

    trs das estacas, Laura ficou pasmada: ao lado de Pet estavauma potrazinha de pernas e orelhas compridas, que mal sesegurava em p.Quando Laura correu para ela, a meiga Pet inclinou as

    orelhas para trs e arreganhou-lhe os dentes.- Para trs, Laura! - disse o pai, vivamente, e acrescentou,

    dirigindo-se a Pet: - Sabes que no fazemos mal tuapotrazinha, no sabes?Pet respondeu-lhe com um relinchozinho. Deixava o pai afagar

    a potra, mas no permitia que Laura ou Maria se aproximassem.Bastava que elas espreitassem pelas fendas da parede doestbulo para que Pet revirasse os olhos e lhes mostrasse osdentes. Nunca tinham visto uma potra com orelhas tocompridas. O pai disse que era uma mulazinha, mas Laurareplicou que lhe parecia mais um coelho grande. Por isso,baptizaram-na de Bunny, que quer dizer coelhinha.Quando Pet estava presa corda, com Bunny a mordiscar erva

    sua volta e a admirar-se com o grande mundo que a cercava,Laura tinha de tomar muito bem conta da beb Carrie. Sealgum, a no ser o pai, se aproximava de Bunny, Pet

    relinchava, enraivecida, e preparava-se para morder qual delasfosse.No princpio da tarde de domingo, o pai montou Patty e foi

    dar uma volta pela pradaria, para a conhecer melhor. Comohavia muita carne em casa, no levou a espingarda.Cavalgou atravs da erva alta, ao longo da orla dos

    penhascos do ribeiro. sua frente voavam pssaros, quedescreviam crculos e desapareciam entre a erva. O pai olhavapara as terras baixas do rio, enquanto cavalgava. Talvezestivesse a ver os gamos que por l pastavam. Nisto, Pattycomeou a galopar e o pai e ela tornaram-se rapidamente muitopequenos, at s se ver erva ondulante onde eles tinhamestado.Ao fim da tarde, o pai ainda no regressara a casa. A me

    atiou as brasas, acrescentou o lume com aparas de madeira ecomeou a fazer o jantar. Maria estava em casa, a tomar contada beb, e Laura perguntou me:- Que ter o Jack?Jack andava de um lado para o outro e parecia inquieto.

    Franzia o nariz na direco do vento e o plo do pescoopunha-se-lhe em p, descia e eriava-se de novo. De sbito,ouviram-se os cascos de Pet. Correu volta do crculo que acorda lhe permitia descrever e imobilizou-se, a relincharbaixinho, como num lamento. Bunny chegou-se para ela.- Que , Jack? - perguntou a me ao co.Ele olhou-a, mas, claro, no pde dizer nada. A me olhou em

    redor do grande crculo de terra e cu, mas no viu nada de

    anormal.

    52 53

    -O mais certo no ser nada, Laura - disse.Amontoou brasas volta da cafeteira, da aranha e em cima da

    cobertura do forno. A galinha-da-pradaria rechinava na aranhae os bolos de milho comeavam a cheirar bem. Mas a me olhavaconstantemente volta da pradaria. E Jack andava de um ladopara o outro, desassossegado, e Pet no comia erva. Olhavapara noroeste, na direco que o pai tomara, e conservava a

    potra a seu lado.De repente, Patty apareceu a correr atravs da pradaria.Vinha toda esticada, a correr com quanta fora tinha, e o paiestava todo inclinado para a frente, quase colado ao seu

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    26/98

    pescoo.Patty ultrapassou o estbulo, antes que o pai conseguisse

    faz-la parar. Teve de puxar as rdeas com tanta fora, para adeter, que ela quase se sentou. Tremia toda e tinha o plopreto manchado de suor e espuma. O pai desmontou, ofegante.- Que se passa, Charles? - perguntou-lhe a me.Como o pai olhava na direco do rio, a me e Laura olharam

    tambm. Mas s viram o espao acima das terras baixas, comalgumas copas de rvores, e os cumes distantes dos penhascosde terra, abaixo dos pastos da Alta Pradaria.- Que se passa? - repetiu a me. - Porque vinhas a cavalgar

    daquela maneira?O pai respirou fundo, antes de responder:- Estava com medo de que os lobos chegassem c primeiro do

    que eu. Mas verifico que est tudo bem.- Lobos! - gritou a me. - Que lobos?- Est tudo bem, Carolina. Deixa-me recuperar o flego.Quando pde respirar melhor, o pai explicou:- No vim a cavalgar daquela maneira por querer. Tive de

    fazer tudo para conseguir dominar a Patty. Cinquenta lobos,Carolina, os maiores lobos que j vi. No voltaria a passarpelo mesmo, nem por uma pilha de dinheiro.

    Uma sombra estendeu-se sobre a pradaria, porque o Sol sepusera, e o pai acrescentou:- Eu depois conto-te.- Jantamos em casa - disse a me.- No h necessidade disso - afirmou o pai. - O Jack

    avisar-nos- com tempo suficiente.Foi buscar Pet e a potra, mas ao contrrio do que era hbito

    no as levou, e Patty, ao rio, para beberem. Deu-lhes guana selha, que estava cheia para a me lavar na manh seguinte.Escovou os flancos suados e as pernas de Patty e meteu-a noestbulo, com Pet e Bunny.O jantar estava pronto. O lume formava um crculo de luz na

    escurido. Laura e Maria ficaram junto do lume e conservaramcom elas a beb Carrie. Sentiam a escurido a toda a volta eolhavam constantemente para trs, para o ponto onde o escurose confundia com a orla da claridade do lume e onde seagitavam sombras, como se tivessem vida.Jack estava sentado nas patas traseiras, ao lado de Laura.

    Tinha as orelhas levantadas, escuta. De vez em quando,afastava-se um bocadinho, contornava o crculo de luz evoltava a sentar-se ao lado de Laura. Tinha o plo assente nopescoo largo e no rosnava. Mostrava um bocadinho os dentes,mas isso devia-se ao facto de ser buldogue.Laura e Maria comeram os seus bolos de milho e as coxas da

    galinha-da-pradaria, e ouviram o pai contar me o caso doslobos.Encontrara mais alguns vizinhos. Estavam a chegar colonos

    que se instalavam ao longo das duas margens do ribeiro. Amenos de cinco quilmetros, num cncavo da Alta Pradaria,

    54 55

    um casal estava a construir uma casa. Tinham o apelido Scott eo pai disse que eram simpticos. Uns dez quilmetros depoisdeles, dois homens solteiros viviam numa casa. Tinhamdemarcado duas quintas e construdo a casa na linha que asdividia. A cama de um dos homens ficava numa das paredes e ado outro na outra. Assim, cada um dormia na sua prpria

    quinta, embora estivessem na mesma casa e esta tivesse apenasdois metros e meio de largura. Cozinhavam e comiam juntos nomeio da casa.O pai ainda no dissera nada a respeito dos lobos. Laura

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    27/98

    desejava que ele dissesse, mas sabia que no devia interromperquando o pai estava a falar.Ele disse que os tais solteiros no sabiam se havia mais

    algum na regio; s tinham visto ndios. Por isso, ficaramcontentes quando viram o pai, que se demorou com eles mais doque tencionara.Quando partiu, de uma pequena colina da pradaria viu um

    ponto branco em baixo, junto do rio. Calculou que fosse umcarroo, e no se enganou. Quando o alcanou, encontrou umcasal e cinco filhos. Vinham do Iowa e tinham acampado ali embaixo porque um dos seus cavalos estava doente. Entretanto ocavalo melhorara, mas o ar nocturno, insalubre, ali perto dorio, causara-Lhes febre e sezes. O homem, a mulher e os trsfilhos mais velhos estavam to doentes que no se podiamlevantar. O garoto e a garota mais novos, que no eram maioresdo que Maria e Laura, cuidavam deles.Fez o que pde por eles e depois voltou para trs, a fim de

    informar os solteiros da sua presena. Um deles partiu logo acavalo, para trazer a famlia mais para cima, onde os bonsares da Alta Pradaria depressa os curariam.Com uma coisa e outra, o pai acabara por se pr a caminho de

    casa mais tarde do que pensara. Metera por um atalho atravs

    da pradaria e, de repente, surdira uma alcateia de lobos deuma depresso. Num abrir e fechar de olhos, havia lobos a todaa sua volta.- Era uma grande alcateia - disse. - A uns cinquenta e dos

    maiores que j vi na minha vida. Deviam ser aquilo a quechamam lobos-bfalos. O guia da alcateia era uma grande feracinzenta, que deve ter pelo menos noventa centmetros dealtura de ombros. Palavra que fiquei com os cabelos em p!- E no levaste a espingarda - lembrou a me.- Tambm pensei nisso, mas a espingarda no me teria servido

    de nada. No se pode lutar contra cinquenta lobos com umaespingarda. E a Patty no conseguia correr mais do que eles.- Que fizeste? - perguntou a me.- Nada. A Patty tentou fugir. Eu tambm nunca desejei tanto

    uma coisa como ver-me dali para fora. Mas sabia que se a Pattycomeasse, sequer, a correr, os lobos nos cairiam em cima numpice e nos atirariam ao cho. Por isso, mantive-a a passo.- Meu Deus, Charles! - exclamou a me, baixinho.

    56 57

    - verdade. No passaria outra vez pelo mesmo, por dinheironenhum. Nunca tinha visto lobos assim, Carolina. Um, enorme,trotava mesmo ao lado do meu estribo. Podia ter-Lhe tocado como p nas costelas, se quisesse. Mas eles no me prestaram

    ateno nenhuma: Calculo que deviam ter acabado de caarqualquer coisa e comido at se fartarem. como te digo,Carolina, os lobos limitaram-se a cercar-me e Patty e atrotar connosco. Em pleno dia! At pareciam uma matilha deces a passear com um cavalo. Cercavam-nos por todos os lados,trotavam, saltavam, brincavam e fingiam que se mordiam uns aosoutros, exactamente como ces.- Meu Deus, Charles! - repetiu a me.O corao de Laura batia muito depressa e ela tinha a boca e

    os olhos muito abertos e fixos no pai.- A Patty tremia toda e ressentia-se do freio - continuou o

    pai. - Escorria suor, de to assustada. At eu suava. Masobriguei-a a vir a passo, no meio dos lobos. Eles

    acompanharam-nos uns quinhentos metros ou mais. O latago quetrotava junto do meu estribo parecia que estava ali paraficar."Depois chegmos entrada de outra depresso que descia

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    28/98

    para o rio. O grande guia cinzento meteu por ela abaixo e oresto da alcateia seguiu-o a trote. Assim que o ltimodesapareceu, dei rdea solta Patty."Ela lanou-se direita a casa, atravs da pradaria, e no

    poderia ter vindo mais depressa se eu a fustigasse com umchicote de couro. Vim assustado todo o caminho, receoso de queos lobos tivessem vindo para c e chegado mais depressa do queeu. Senti-me grato por teres a espingarda, Carolina, e por acasa estar construda. Sabia que, com a espingarda, nodeixarias os lobos entrar em casa. Mas a Pet e a potra estavamc fora...- Escusavas de te ter preocupado, Charles - afirmou a me. -

    Creio que teria conseguido salvar os nossos animais.- Eu no raciocinava com clareza, naquela altura, Carolina.

    Sei que terias conseguido salv-los. De qualquer modo, aqueleslobos no Lhes teriam feito mal. Se estivessem com fome, euno estaria aqui a...- As paredes tm ouvidos - disse a me, a lembrar-Lhe de que

    no devia assustar Maria e Laura.- Enfim, est tudo bem quando acaba bem - declarou o pai. -

    E aqueles lobos j devem estar a quilmetros daqui, a estahora.

    - Que os fez proceder assim? - perguntou Laura ao pai.- No sei, Laura. Creio que tinham acabado de comer o mais

    que podiam aguentar e iam beber ao ribeiro. Ou talvez andassema brincar na pradaria e no prestassem ateno a mais nadaalm da sua brincadeira, como fazem s vezes as meninaspequenas. Talvez vissem que eu no tinha a espingarda e nolhes podia fazer mal, ou talvez fosse a primeira vez que viamum homem e no soubessem que os homens lhes podem fazer mal.Por isso, no me ligaram importncia...Pet e Patty andavam s voltas no estbulo, inquietas. Jack

    andava roda da fogueira. Quando parava para farejar o ar eescutar, o plo do pescoo punha-se-lhe em p.- So horas de as meninas pequenas irem para a cama - disse

    a me, alegremente.Nem sequer a beb Carrie tinha sono, ainda, mas a me

    levou-as todas para casa. Disse a Maria e a Laura que sedeitassem, enquanto ela vestia a camisinha de dormir beb ea deitava na cama grande. Depois saiu, para lavar a loua.

    58 59

    Laura desejou que o pai e a me estivessem dentro de casa.Pareciam to longe, l fora.Maria e Laura foram bem comportadas e ficaram quietas na

    cama, mas Carrie sentou-se e comeou a brincar sozinha, s

    escuras. Tambm s escuras, o brao do pai passou por trs damanta da porta e, silenciosamente, tirou a espingarda. Ospratos de folha batiam uns nos outros, junto do lume. Depoisuma faca raspou a aranha. O pai e a me conversavam e chegouao nariz de Laura o cheiro a fumo de tabaco.A casa estava em segurana, mas no dava essa sensao

    porque a espingarda do pai no estava por cima da porta etambm porque em vez de porta havia apenas uma manta.Passado muito tempo, a me levantou a manta e entrou.

    Entretanto, a beb Carrie adormecera. A me e o pai entraramdevagarinho e deitaram-se sem fazer barulho. Jack deitou-sedefronte da abertura da porta, mas no assentou a cabea naspatas; ficou com ela levantada, escuta. A me respirava

    suavemente, o pai respirava alto e Maria tambm estava adormir. Mas Laura esforava os olhos, no escuro, para verJack. No conseguia distinguir se o plo do seu pescoo estavaem p.

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    29/98

    De sbito, sentou-se na cama. Adormecera. A escuridodesaparecera, o luar entrava pelo buraco da janela e por todasas fendas da parede desse lado. O pai recortava-se, preto, noluar, janela. Tinha a espingarda na mo.Laura teve a impresso de que um lobo lhe uivou mesmo ao

    ouvido.Desviou-se, assustada, da parede. O lobo estava do outro

    lado. Laura tinha tanto medo que no fez o mnimo rudo. Noera s na espinha que sentia frio, era em todo o corpo. Mariatapou a cabea com a roupa da cama. Jack rosnou e arreganhouos dentes manta da porta.- Quieto, Jack - disse-Lhe o pai.Uivos horrveis enchiam a casa. Laura levantou-se da cama.

    Queria ir para junto do pai, mas sabia que no deviaincomod-lo naquele momento. Ele virou a cabea e viu-aparada, em camisa de dormir.- Queres v-los, Laura? - perguntou, baixinho.Laura no foi capaz de falar, mas acenou com a cabea e foi

    ter com ele. O pai encostou a espingarda parede e levantou-aat ao buraco da janela.Os lobos formavam um semicrculo, ao luar. Estavam sentados

    nas patas traseiras e olharam para Laura, janela, e Laura

    olhou para eles. , Nunca vira lobos to grandes. O maior eramais alto do que ela. Era at mais alto do que Maria. Estavasentado no meio do semicrculo, mesmo defronte de Laura.

    60

    Tudo nele era grande: as orelhas pontiagudas, o focinhoafunilado com a lngua pendurada, os ombros e as pernas fortesao lado uma da outra e a cauda enrolada volta do corposentado. A pele era cinzenta e hirsuta e os olhos verdes,cintilantes.Laura apoiou os dedos dos ps numa fenda da parede, cruzou

    os braos no parapeito e olhou para o lobo, sem se cansar. Masno ps a cabea de fora, por causa daqueles lobos que estavamali to perto, a mudar a posio das patas e a passar a lnguapelos beios. O pai estava firme atrs dela, com um brao aapertar-Lhe a cintura.- grandssimo - murmurou Laura.- Pois . E repara como a sua pele brilha - respondeu o pai,

    baixinho, com a boca encostada ao seu cabelo.O luar arrancava pequenas cintilaes pele hirsuta, a toda

    a volta do grande lobo.- Esto a formar um crculo roda da casa - segredou o pai,

    e Laura foi com ele outra janela.O pai voltou a encostar a espingarda parede e a levant-la

    para a janela. L estava, realmente, o outro meio crculo delobos. Os olhos de todos eles brilhavam, verdes, sombra dacasa. Laura ouvia-Lhes a respirao. Quando viram o pai eLaura a espreitar, os lobos do meio do crculo recuaram umbocadinho.Pet e Patty relinchavam e corriam dentro do estbulo. Os

    seus cascos batiam no cho e contra as paredes.Passado um momento, o pai voltou para a outra janela e Laura

    foi com ele. Chegaram mesmo a tempo de ver o lobo grandeerguer o focinho, at apontar a direito para o cu. Abriu aboca e uivou longamente Lua.Depois, a toda a volta da casa, o crculo de lobos ergueu o

    focinho para o cu e respondeu-lhe. Os seus uivos vibraram

    dentro de casa, impregnaram o luar e estremeceram no imensosilncio da pradaria.

  • 8/11/2019 2- Uma Casa Na Imensa Pradaria(1)

    30/98

    61

    - Agora volta para a cama, meia-canequinha - disse o pai. -Vai dormir, anda. O Jack e eu tomamos conta de vocs todas.Laura voltou para a cama, mas durante muito tempo no

    conseguiu dormir. Ficou deitada a ouvir a respirao doslobos, do outro lado da parede de troncos. Ouviu as suasgarras raspar o cho e o farejar de um focinho numa fenda.Ouviu o grande guia cinzento uivar de novo e todos os outrosimitarem-no.Mas o pai andava silenciosamente de uma abertura da janela

    para outra e Jack no parava de andar de um lado para o outrodiante da manta que cobria a abertura da porta. Os lobospodiam uivar, mas no conseguiriam entrar enquanto o pai e oJack ali estivessem. Por isso Laura acabou por adormecer.

    62

    8.

    Duas portas resistentes

    Laura sentiu um calorzinho agradvel na cara, abriu os olhose viu que o sol matinal brilhava. Maria falava com a me,junto do lume. Laura correu para fora de casa, s com a camisade dormir. No se viam lobos nenhuns; mas os seus rastosabundavam volta da casa e do estbulo.O pai subiu, a assobiar, a estrada do ribeiro. Colocou a

    espingarda nos suportes e levou Pet e Patty a beber, como decostume. Seguira os rastos dos lobos numa distncia to grandeque sabia que eles se encontravam longe, atrs de um rebanhode gamos.Os cavalos recuaram, ao ver os rastos dos lobos, e

    arrebitaram nervosamente as orelhas. Pet conservou a suapotrinha junto de si. Mas acompanharam de boa vontade o pai,que sabia no haver nada a temer.O pequeno-almoo estava pronto. Quando o pai voltou do

    ribeiro, sentaram-se volta do lume e comeram papas de milhoe g