2004 Natal Rn OTUTUMI Christiane Hatsue Vital

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UnP UNIVERSIDADE POTIGUAR ALQUIMY ART PRÓ REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTETERAPIA CRISTIANE HATSUE VITAL OTUTUMI O UNIVERSO SONORO DA ARTETERAPIA: DESENVOLVIMENTO MUSICAL NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA NATAL 2004

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ARTETERAPIA

Transcript of 2004 Natal Rn OTUTUMI Christiane Hatsue Vital

  • UnP UNIVERSIDADE POTIGUAR

    ALQUIMY ART

    PR REITORIA DE PS-GRADUAO LATU SENSO

    CURSO DE PS-GRADUAO EM ARTETERAPIA

    CRISTIANE HATSUE VITAL OTUTUMI

    O UNIVERSO SONORO DA ARTETERAPIA:

    DESENVOLVIMENTO MUSICAL NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA

    NATAL

    2004

  • CRISTIANE HATSUE VITAL OTUTUMI

    O UNIVERSO SONORO DA ARTETERAPIA:

    DESENVOLVIMENTO MUSICAL NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA

    Monografia apresentada Universidade

    Potiguar UnP e ao Alquimy Art SP, como parte dos requisitos para a

    obteno do ttulo de Especialista em

    Arteterapia.

    Orientadora: Prof. Dra. Cristina Dias

    Allessandrini.

    Co orientadora: Prof. Sonia Silva

    NATAL

    2004

  • O88u Otutumi, Cristiane Hatsue Vital

    O universo sonoro da arteterapia: desenvolvimento musical nas etapas da

    oficina criativa. / Cristiane Hatsue Vital Otutumi. Natal, 2004. 94 f.

    Monografia (Especializao em Arteterapia). - Universidade Potiguar.

    Pr-Reitora de Pesquisa e Ps-Graduao.

    1. Arteterapia - Monografia. 2. Msica 3. Musicoterapia I. Ttulo.

    RN/UNP/BCFP CDU: 37.015.3

  • CRISTIANE HATSUE VITAL OTUTUMI

    O UNIVERSO SONORO DA ARTETERAPIA:

    DESENVOLVIMENTO MUSICAL NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA

    Monografia apresentada pela aluna Cristiane Hatsue Vital Otutumi ao curso de Especializao

    em Arteterapia em ___/___/___ e, recebendo a avaliao da Banca Examinadora constituda

    pelos professores:

    _________________________________________________

    Prof. Dra. Cristina Dias Allessandrini

    ___________________________________________________

    Prof. Sonia Silva

    ___________________________________________________

    Prof. MsC. Deolinda Fabietti

  • A Frutos da Natureza e todos os seus colaboradores,

    Amigos de longa data.

    queles que acreditam em possibilidades infindveis

    de se visualizar luz.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos meus pais, Leila e Shingiro Otutumi, por me permitirem e me

    incentivarem com tanto amor e dedicao a sempre prosseguir, percebendo a

    importncia que o meio musical se tornou para mim.

    Aos meus irmos queridos, Mrcio e Fernando, por me acompanharem, fortalecendo

    laos de real fraternidade entre ns, e tambm por seguirem neste rumo s artes,

    perseverando na busca de seus prprios caminhos.

    Aos meus tios, Mrio e Rosely, que se tornaram tambm pais ao apoiar quando

    precisei e quando no sabia que precisava de algo. Por saber, com eles, o que servir.

    Ao meu primo Francisco, mais uma rvore de arte que se abre.

    Aos meus avs maternos que foram a raiz forte de tudo.

    Ao meu esposo Fabio, companheiro e leitor atento, minha fonte de bom senso em

    palavras e gestos, que tanto acredita e luta por ns, e pela verdadeira msica.

    prof. Dra. Cristina Allessandrini, pelo carinho, pelo entusiasmo e incentivo,

    orientao e conhecimentos compartilhados nesta fase to rica e importante.

    prof. Sonia Silva, pela ateno e cuidado com minhas palavras e pela sempre

    receptiva troca de idias.

    Aos amigos Marcus Varela pela traduo do resumo para a lngua inglesa e a

    Elizabeth Kanzaki pela pacincia durante minhas eternas dvidas de normalizao.

    A tantos amigos e professores, alunos e clientes pelo encontro nesta vida.

    A Deus, pai infinito, que oferece essa oportunidade para mim.

  • O artista cria e criado, para revelar novas

    realidades entre as palavras e o terreno do

    inominvel.

    Carlos Daniel Fregtman (1989)

  • RESUMO

    O objetivo deste trabalho apresentar o meio sonoro da arteterapia, atravs da metodologia

    idealizada por Allessandrini (1996) denominada Oficinas Criativas, na qual a concepo do som fundamenta-se e conduzida em cada uma das suas cinco etapas: Sensibilizao,

    Expresso livre, Elaborao, Transposio de linguagem e Avaliao. A partir da experincia

    vivida em encontros com grupos de terceira idade, so comentadas diversas propostas de

    atividades, relacionando-as tambm com os nveis de expresso humana segundo Lusebrink

    (1990). O estudo enriquecido com breve considerao sobre a arte como expresso

    espontnea e como expresso individual, bem como uma explanao entre arteterapia e

    musicoterapia, alm de depoimentos das participantes e ilustraes dos trabalhos realizados,

    oferecendo um panorama que confirma como o uso da msica em um contexto de atelier

    teraputico pode contribuir facilitando a conscincia de potencialidades e oportunizando um

    processo verdadeiro de transformao interna.

    Palavras-chave: Arteterapia (msica). Msica e criatividade. Msica.

  • ABSTRACT

    The purpose of this work is to present the environmental sounds of Art Therapy, through the

    methodology idealized by Allessandrini (1996), denominated Creative Workshop, in which the conception of sound is based and conduced through each one of its five stages:

    Sensibilization, Free Expression, Development, Language transposition and Avaliation.

    Starting with experiences lived in third age group meetings, several activity proposals are

    commented and also related with human expression levels, according to Lusebrink (1990).

    The study is enriched with a concise consideration of art as spontaneous expression and

    individual expression, along with an explanation between Art Therapy and Music Therapy.

    There are members testimonies and illustrations of works, offering an overview that confirms how the use of music in a context of therapeutic atelier can contribute facilitating

    consciousness of potentials and allowing a true process of internal transformation.

    Key-words: Art Therapy (music). Music and Creativity. Music.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Quadro 1 A msica e sua poca .................................................................... 24

    Quadro 2 Apresentao da musicoterapia como nica rea de atuao em

    msica com objetivos teraputicos................................................

    43

    Quadro 3 Apresentao de diferentes atividades com utilizao da msica,

    acrescentando a Arteterapia como uma nova rea de atuao

    com fins teraputicos.....................................................................

    44

    Exemplo musical 1 Frase cantada ................................................................................. 51

    Exemplo musical 2 Palavras cantadas .......................................................................... 74

    Exemplo musical 3 Aconchego .................................................................................... 75

  • LISTA DE FOTOGRAFIAS

    Fotografia 1 Sou eu ..................................................................................................... 53

    Fotografia 2 Canto do povo ........................................................................................ 54

    Fotografia 3 Trabalho com ls .................................................................................... 56

    Fotografia 4 Tecendo com as mos ............................................................................ 56

    Fotografia 5 Com ls em dupla ................................................................................... 56

    Fotografia 6 Relaxamento .......................................................................................... 57

    Fotografia 7 Brincando ............................................................................................... 58

    Fotografia 8 Ritmando ................................................................................................ 58

    Fotografia 9 Recorte e colagem .................................................................................. 68

    Fotografia 10 Performance Sonora ............................................................................... 70

    Fotografia 11 Confeco dos bonecos .......................................................................... 71

    Fotografia 12 Os bonecos ............................................................................................. 71

    Fotografia 13 Confeco dos ganzs ............................................................................ 72

    Fotografia 14 Mscaras de carnaval ............................................................................. 76

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Exploso ........................................................................................... 60

    Figura 2 A msica fez assim .......................................................................... 60

    Figura 3 Abrindo a janela ............................................................................... 61

    Figura 4 Minha casa ....................................................................................... 61

    Figura 5 Movimento Sonoro .......................................................................... 63

    Figura 6 Bordado ............................................................................................ 63

    Figura 7 Rpida, lenta e mais cano ............................................................. 63

    Figura 8 Carnaval ........................................................................................... 63

    Figura 9 As msicas ....................................................................................... 63

    Figura 10 Lao de amizade .............................................................................. 65

    Figura 11 Cordo de So Francisco ................................................................. 65

    Figura 12 Flor ................................................................................................... 65

    Figura 13 Paz e amor ........................................................................................ 65

    Figura 14 Sou uma pessoa feliz ........................................................................ 68

    Figura 15 Vamos amenizar o estresse .............................................................. 68

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................................. 13

    1.1 BUSCAS E MOTIVAOES ........................................................................................ 13

    1.2 COMPONDO A ESCRITA ......................................................................................... 17

    2 DO SOM AO MUSICAL .............................................................................................. 21

    2.1 EXPRESSO COLETIVA X ARTSTICA INDIVIDUAL ....................................... 21

    2.2 A SUTE DO CONHECIMENTO ............................................................................... 25

    3 ARTETERAPIA E MUSICOTERAPIA ..................................................................... 30

    3.1 UTILIZAO TERAPUTICA ................................................................................. 30

    3.1.1 Musicoterapia .......................................................................................................... 30

    3.1.2 Arteterapia ............................................................................................................... 32

    3.2 ESTUDO COMPARATIVO ........................................................................................ 35

    4 MSICA NA ARTETERAPIA .................................................................................... 47

    4.1 INTEGRANDO SONS NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA ........................... 48

    4.1.1 Sensibilizao ........................................................................................................... 49

    4.1.2 Expresso livre ........................................................................................................ 57

    4.1.2.1 Recurso sonoro como apoio para construes plsticas ................................... 64

    4.2.3 Elaborao ............................................................................................................... 67

    4.2.4 Transposio de Linguagem ................................................................................... 70

    4.1.5 Finalizao dos encontros ....................................................................................... 73

    5 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 78

    REFERNCIAS .............................................................................................................. 81

  • APNDICE A DISCOGRAFIA COMENTADA UTILIZADA NOS

    ENCONTROS ..................................................................................................................

    85

  • APNDICE B PROJETO DE ARTETERAPIA COM IDOSAS ............................. 89

    APNDICE C FICHA CADASTRAL DE PARTICIPANTES ................................ 94

  • 13

    1 INTRODUO

    1.1 BUSCAS E MOTIVAES

    Comecei a estudar flauta doce aos seis anos porque tinha problemas respiratrios.

    Lembro-me de estudar em casa com minha tia, soprando bexiga, velas, fazendo exerccios

    para respirao, coordenao fina, escrita musical. Tudo era bem artesanal e criativo: jogos de

    figuras musicais com pedaos de madeira, folhas de atividades com versinhos, partituras

    feitas por minha tia. Isso me incentivava e despertava em meus irmos mais novos tambm a

    vontade de aprender. Depois de um tempo fui estudar na escola de msica onde ela

    trabalhava. L havia um ambiente musical maior e pude conhecer outras pessoas que tambm

    gostavam do que eu gostava. A partir da a flauta no parou mais de tocar.

    Tive sorte em ter perto de mim pessoas que se importavam com esse tipo de

    conhecimento. Minha me j havia sido parceira de minha tia nos estudos de violo clssico;

    meu pai compreendia a importncia, apesar de no entender nada dessas bolinhas pretas;

    minha av materna sempre viveu a cantar e a danar no meio da casa; meu av sabia tocar

    violo, apesar de gostar mais de ler versos, de contar histrias, causos de sua vida (sempre

    primando pelo bom e correto portugus). Tanta coisa, tanta gente!

    Em nossas reunies de famlia aniversrios, festas de fim de ano, pscoa, havia

    gincana com as crianas, brincadeiras de roda, jograis sobre o natal, perguntas e debates com

    temas diversos. Adultos e crianas brincavam, aprendendo. Houve natal em que ensaivamos

    teatro de fantoches para apresentar no dia 25: arrumvamos a platia, fazamos convites para

    distribuir entre os primos e tios; ajudvamos na preparao do lanche, era uma verdadeira

  • 14

    festa. As datas especiais eram esperadas ansiosamente. Lembro-me de ter montado por vrios

    anos, cartes de natal com figuras em alto relevo coloridas com papel laminado e algodo, e

    distribu-las para toda a famlia; de escrever versos e rimas para ler, de montar com meu tio,

    meus irmos e primos o prespio em origami. Muitas recordaes boas que poderia descrever

    por muitas pginas.

    ntido observar hoje que o meu universo artstico no era somente de sons. A msica

    foi o que deu esse impulso de mobilizar para minha formao profissional a beleza que recebi

    da arte, em forma de arte. Foi a maneira mais clara de dar continuidade ao que j fazia parte

    do meu ritmo de vida, do que eu acreditava, do que poderia contribuir para uma nova

    conscincia, e, assim, fui criando por meio dela a minha prpria identidade. Assim, na

    adolescncia pude notar mais evidentemente os benefcios que recebia fazendo msica. Desde

    a socializao (na movimentao de idias em grupos e na participao ativa do ambiente de

    convvio) auto-estima (no estmulo capacidade), ao apoio para amenizar os conflitos

    interiores dessa fase, formao cultural e construo do meu ser individual consciente.

    Procurei estudar didtica e educao musical infantil, e esse conhecimento foi de

    grande utilidade para a sedimentao terica de minhas idias. Dessa forma, dediquei tempo a

    essa prtica que foi a primeira e a propulsora de outras. Assim, como tornar dinmica,

    prazerosa e eficiente a aprendizagem? Era a questo central que movia meus planos de aula.

    A convico de que o verdadeiro aprender deveria ser inerente a uma boa sensao era e

    ainda presente, bem como a certeza de que a msica poderia ir mais alm das notas musicais.

    Se para mim era to bom, por que no para os outros? Pude estudar msica em timas

    instituies, pratiquei muita tcnica de instrumento, participei de diversos grupos, mas ainda

  • 15

    no estava satisfeita. Percebi que ainda faltava algo (que estava na msica) e no era o que eu

    aprendia na universidade.

    Nesta poca, meus pais e tios abriram uma loja de produtos naturais em frente a nossa

    casa. Manter a sade do corpo era tambm imprescindvel. Vamos clientes buscando

    melhorar sua alimentao quase que obrigados por recomendaes mdicas, pessoas com

    debilidades orgnicas que muitas vezes traziam, aliadas a isso, depresses e queixas

    emocionais graves, pessoas dos mais diferentes estilos de vida. Percebi que na maneira de

    comer as pessoas revelavam suas histrias e, portanto, mudar seu cardpio era mudar de

    atitude perante a vida. A questo da escolha de melhores alimentos e o cuidado com a sade

    trouxe muitas ligaes com o fazer arte, pois notava que com o auxlio da msica era possvel

    tambm promover essa transformao pessoal.

    Aps trs anos de envolvimento com temas ligados a sade e ao bem estar, decidimos,

    em famlia, construir mais uma sala para que pudesse ser um lugar de atividades artsticas,

    principalmente musical. Inauguramos, ento, em 2001 o Espao Musical Frutos da

    Natureza, juntamente com meu esposo, onde aprendi a organizao e a coordenao de

    projetos e professores, quando tambm comecei a trabalhar com msica voltada terapia. Foi

    um fazer intuitivo e como todo comeo, borbulhando de idias. Trabalhei com clientes das

    diversas faixas etrias desde crianas a adultos; atendi meu pai durante quase dois anos

    verificando nele visveis progressos na sade e em sua postura diante de situaes da sua vida.

    Meu trabalho j lidava melhor com o indivduo, fazendo-o expressar suas emoes e

    estimulando bastante o seu potencial criativo, atravs de materiais similares aos da arteterapia,

    mas que ainda precisava de fundamentao terica.

  • 16

    O encontro com a arteterapia1 no me deixou dvidas, era isso o que eu buscava:

    possibilitar recursos artsticos que no somente a msica para auxiliar a autodescoberta. Foi

    uma coincidncia sabida e procurada por mim, interna e inconscientemente. Vim sem crticas

    e preconceitos, vim com alegria, com o mpeto de trabalhar, pois, sempre soube que as

    pessoas precisam deixar acontecer seu lado positivo, amvel, caridoso, fraterno. Havia uma

    certeza de que possvel unir o trabalho s virtudes e aos bons sentimentos, e, com a

    arteterapia, descubro uma outra maneira de utilizar a arte e fazer o caminho do bem - estar

    aproximar-se de mim e de outras pessoas. Desse modo, em campo de estgio pude vivenciar

    com idosas um ambiente arteteraputico: gratificante e significativo para mim e para as

    participantes. Desde a convivncia com pessoas com tantas histrias para contar, mundos

    diferentes, sabedoria de vida, coragem de se permitir compreender suas dificuldades. Ser

    observador-colaborador de um processo de mudana e descoberta pessoal dessas senhoras foi

    um grande aprendizado.

    Essas vivncias, juntamente com muitas leituras, alm de estruturarem minha

    formao em arteterapia vieram tambm otimizar meu desenvolvimento como musicista e

    professora de msica. Notei que as aulas continuavam com o cuidado de estabelecer ligao

    entre a teoria e a prtica, e mais ainda, podia perceber claramente os contedos internos que,

    inevitavelmente, os alunos traziam consigo. Isso possibilitou compreender porque algumas

    atividades traziam bons resultados e outras no, e assim, encorajei-me a observar o que era

    mais apropriado para cada classe; permitiu ainda, que fosse trabalhada a tcnica musical e

    elementos como melodia, harmonia e ritmo com maior conscincia resultando numa

    aprendizagem mais verdadeira. Sem deixar que a criao fizesse parte da metodologia de

    1 Esse termo pode ser encontrado em diversas formas como: arte-terapia, arte terapia, arteterapia. Emprego a

    ltima opo no presente texto, sendo que, nas citaes, como apresentadas pelos autores.

  • 17

    ensino, acabei criando um perfil prprio de trabalho que valoriza o aluno, bem como a

    situao de aprendizagem.

    inerente natureza humana trazer tona aspectos pessoais na sua expresso, no seu

    comportamento, na verbalizao, assim como na forma de arte, em atividades plsticas, na

    msica, na dana, entre outras, como afirma a educadora musical Violeta Gainza (1987, p. 31)

    Toda conduta expressiva projetiva e, como tal, tem a qualidade de refletir aspectos da

    personalidade. Saber que isso acontece a minha certeza. Compreender essas condutas a

    maior busca.

    1.2 COMPONDO A ESCRITA

    Para escrever este trabalho retomei algumas leituras antigas quando meu interesse por

    msica aliada a terapia iniciou-se. Reencontrei autores como o musicoterapeuta argentino

    Carlos D. Fregtman (1986, 1989), Violeta Gainza (1982) educadora musical argentina, Edgar

    Willems (1961) com suas profundas bases psicolgicas em msica, Carl Albert Friedenreich

    (1990) sobre a educao musical no pensamento de Rudolf Steiner2, Carol Bush (1995) com

    suas experincias de msica e imagens numa abordagem idealizada por Helen Bonny3, como

    tambm pude encontrar novos autores nos estudos mais recentes com a arteterapia. Assim,

    Allessandrini (1996, 1999) com a estruturao das Oficinas Criativas e suas prticas em

    atelier teraputico, Andrade (2000) trazendo o percurso da arteterapia e relacionando-a com

    outras reas de atuao, Fagali (1997-98) apresentando seu trabalho de Oficinas Integrativas,

    Carvalho (1995) organizando pensamentos sobre a questo da cura com a arte, fazem parte

    dessa fase.

    2 Rudolf Steiner: filsofo e mdico alemo, idealizador da Antroposofia.

    3 Helen Bonny: violinista americana que nos anos 60 iniciou pesquisa de msica e os estados alterados de

    conscincia com pacientes alcolatras de dois hospitais americanos.

  • 18

    Com o objetivo de responder as questes trazidas em minhas buscas, apresentadas

    anteriormente, e, ainda proporcionar ao leitor um outro olhar sobre a prtica de msica em

    atelier teraputico, o presente trabalho inicia-se com o captulo Do som ao musical, pois

    mostra o caminho dos sons desde os rudos primitivos, sua manifestao com danas, ritos

    mgicos, sua importncia nesse contexto, e, posteriormente, msica como revelao artstica

    e individual de nossos dias. Assim, em Sute do Conhecimento parto do princpio que esta

    fragmentao no ocorreu somente na msica, e ento apresento a direo tomada pela

    cincia, que ao absorver o positivismo levou a construo da verdade sobre o patamar de

    normas e padres absolutos, o que possivelmente trouxe como resposta um crescente interesse

    e surgimento, principalmente no Ocidente, de inmeras formas de tratar o ser humano de

    maneira mais global.

    No terceiro captulo, Arteterapia e Musicoterapia, procurei me aprofundar nas duas

    reas e como, para ambas, se manifestam as relaes prticas entre paciente e terapeuta.

    Possuindo em comum a msica como recurso teraputico, parto da musicoterapia onde a

    atmosfera sonora foi bem estudada e desenvolvida, para auxiliar no estudo da atividade

    musical em atelier teraputico. Assim, so apresentadas nas duas reas de conhecimento, a

    formao e conceitos dados por profissionais e tericos, para posteriormente em Estudo

    Comparativo serem abordadas de maneira que se explicitem seus pontos comuns e

    divergentes.

    Para o quarto captulo Msica na Arteterapia, venho apresentar a metodologia

    Oficinas Criativas, idealizada por Cristina Allessandrini (1996) utilizada nos encontros de

    arteterapia, e suas cinco etapas: 1. sensibilizao, 2. expresso livre, 3. elaborao, 4.

    transposio de linguagem e 5. avaliao. Para este ltimo item, neste texto, denomino

  • 19

    finalizao dos encontros, pois esta etapa admite uma sntese da sesso vivida pelos

    participantes. Sabendo que freqentemente os trabalhos em arteterapia so expressos em

    recursos plsticos, ficando a msica como figura de fundo para essas construes, aqui

    proponho o desenvolvimento de atividades ligadas ao universo dos sons, e dessa forma, trago-

    a para um plano de igualdade ao das artes plsticas. Como nos trabalhos em arteterapia essa

    metodologia de Oficinas criativas utilizada, evidencia-se um procedimento em arteterapia.

    Todas as fases do processo so comentadas, alm de ilustradas com trabalhos, depoimentos e

    fotos das propostas com os grupos.

    Considero, como fechamento deste trabalho, que alm dos desafios de escrever sobre

    musicoterapia e arteterapia, importante e at mesmo ousado, trazer a msica para um

    patamar de maior presena em atelier teraputico. Acredito que essa realidade possa vir a

    estar mais evidente nos encontros, se os colegas profissionais no se inibirem de utilizar

    recursos sonoros em suas propostas, e, assim agindo, vo contribuir enormemente para que os

    estudos nesta rea se aperfeioem e se aprofundem ainda mais.

  • 20

    A msica um elo entre pocas, entre pessoas e at

    entre partes aparentemente inatingveis do self.

    Katsh e Merle-Fishman (1985)

  • 21

    2 DO SOM AO MUSICAL

    Tem-se como uma das premissas em arteterapia a expresso espontnea dos

    participantes atravs de recursos artsticos. Apesar de trabalhar com arte, no h

    correspondncias com o aprimorar tcnicas ou quaisquer outros objetivos que tentem alcanar

    algum grau de perfeio nas produes. Beleza e expresso podem coexistir, mas, unidas, no

    fazem parte da finalidade dos atendimentos, pois que estando o foco em criar belamente

    desviamos a ateno de ns mesmos. Desse modo, importante observar que essa dualidade,

    presente em nossa sociedade de hoje, deu-se a partir da diviso da manifestao coletiva de

    sociedades antecessoras. Portanto, faz-se necessrio lembrar, como se configuraram esses

    caminhos, a partir da experincia musical, tema desse trabalho. Assim, desde a origem do

    fazer musical, das vivncias sonoras primitivas at o que hoje chamamos msica, e ainda,

    lanar perguntas sobre a questo do conhecimento, o que pretende abordar esse captulo.

    2.1 EXPRESSO COLETIVA X ARTSTICA INDIVIDUAL

    Segundo o pensamento de Karlheinz Stockhausen (apud FREGTMAN,1989) um dos

    grandes vultos da msica contempornea - a origem da msica est na origem do homem ou

    do universo: quando h movimento tudo vibra e, portanto h msica; seguindo esse

    raciocnio, para o musicoterapeuta argentino Carlos Fregtman (1989) vivemos numa

    sonosfera, pois onde h ar, gua, vida, h som. Uma infinidade de afirmaes,

    complementares e contrrias, recentes e no muito atuais sobre esse assunto podem ser

    encontradas, e durante as diferentes pocas esse conceito e sua funo na sociedade foram

    bastante modificados. Mas como foi o desenrolar desse som para a concepo de msica que

    temos hoje?

  • 22

    Partindo dos povos primitivos podemos dizer que essa atividade sonoro musical era

    a sua prpria expresso de grupo, ou seja, aspectos como coletividade e naturalidade eram

    interdependentes e essenciais, como narra Fregtman (1989, p. 34):

    Nos povos primitivos, as manifestaes musicais eram compreendidas de imediato

    pela comunidade; elas no tinham fins artsticos ou individuais, mas eram

    exteriorizao espontnea e vitais, para a tribo em sua totalidade.

    Essas manifestaes tiveram incio com sons do prprio corpo a comear pela voz

    (atravs de rudos, grito, canto); depois unindo-se a movimentos corporais, danas, gestos e

    da em diante para a fabricao e uso de instrumentos sonoros como chocalhos, flautas de

    ossos, etc. Ainda em Fregtman (1989, p. 34-35) encontramos:

    O canto dos povos primitivos tem origem num estado de excitao ou embriaguez e

    se manifesta sob a forma de impulsos motores com significaes erticas, mgicas

    ou religiosas. Tratava-se de desumanizar a voz com a finalidade de comunicar-se

    com todo o sobre-humano, utilizando como meio vrios recursos, tais como

    guinchos, emisses nasais, gritos, canto ventrloquo, falsete, etc., e dispondo todas

    essas formas em registros extremamente agudos.

    Vinculadas ao canto, surgem duas necessidades: o movimento (o movimento

    corporal e rtmico) e a emisso de rudos ou sons de acompanhamento.

    [...] Antes de recorrer a objetos materiais alheios ao seu corpo, o homem bate

    palmas, pisoteia, bate no ventre, nas coxas ou nas ndegas.

    Logo se comeam a utilizar molhos de soalhas ao redor do corpo dos bailarinos,

    pedaos de madeira que se entrechocam ou atritam, maracas de cabaa. A esses

    instrumentos se acrescentam outros, no teis para a marcao do ritmo, como, por

    exemplo: chocalhos, assobios, bzios, etc. Supe-se datar da a iniciao da prtica

    instrumental contnua.

    O homem foi aos poucos ampliando e elaborando suas relaes sonoras, alm de

    integrar outro aspecto importante: o movimento. A idia de som e movimento era algo

    inerente a sua forma de linguagem e comunicao; as tribos podiam trocar informaes sobre

    acontecimentos atravs de ritmos de tambores e tan-tans como no exemplo de Laban (1978, p.

    132) - sobre pases que ainda possuem tribos primitivas a notcia da passagem da caravana

    do explorador por perto de alguma aldeia transmitida em grandes detalhes e a uma

    velocidade incrvel aos mais afastados recantos do pas. Laban evidencia que esta linguagem

  • 23

    rtmica precisa pode ser explicada pelo fato de que o tocador de tambores faz uma leitura dos

    movimentos, decodificando-os ao tocar.

    Assim a msica, desde a antiguidade, esteve presente como aliada de questes mgicas

    e curativas, como tambm na formao educacional e cultural de alguns povos, como cita

    Bush (1995, p. 29):

    Diz-se que na Grcia antiga, Esculpio, o primeiro mdico da humanidade, utilizava

    a msica para curar. Na mesma cultura, Pitgoras ensinava seus discpulos a

    empregar a msica e o canto para se livrarem de medos, preocupaes e raiva. Em

    alguns templos do Oriente, a cura atravs de sons meldicos e de msica elevou-se

    ao status de arte maior. Acreditava-se, por exemplo, que sons repetidos ajudavam a

    induzir estados de meditao e a reduzir tenses fsicas e emocionais.

    Portanto, no raro encontrar na histria da humanidade registros de mitos e lendas

    que trazem consigo revelaes de poderes e fatos sobre humanos que Fregtman (1989, p. 27)

    exemplifica:

    As mitologias de quase todos os pases do mundo possuem figuras de deuses e

    semideuses aos quais se atribui milagrosa habilidade musical. Nas lendas gregas,

    Tirteo leva um exrcito ao ao som da flauta; Terpandro com um instrumento

    semelhante, volta a submeter um povo rebelde; Anfio levanta os muros de Tebas

    tocando uma lira [...] Os mitos irlandeses contm referncias a harpas milagrosas, a

    apitos e cornetas. As lendas galesas e escocesas falam de feitios lanados sobre

    pessoas por meio da msica [...] A bblia relata que os muros de Jeric caram

    quando os sacerdotes sopraram suas trombetas. Salomo foi levado loucura pelos

    cantos de suas mulheres e os marinheiros gregos e teutnicos eram deslumbrados e

    arrastados morte pelo doce canto das sereias.

    Com a vinda da monarquia e aristocracia, inicia-se a modificao e dissociao dos

    termos msica e expresso. A msica passa a ser vista como algo artstico, de beleza e luxo,

    surgindo a separao de msica culta (clssica, para os nobres) e msica popular (do povo). A

    idia de msico profissional tambm revelada nesta poca. Desse modo, a msica deixa de

    ter carter e compreenso coletivos, deixa de ser uma expresso emocional, para transformar-

  • 24

    se em expresso de carter esttico, com a necessidade de pblico e de executantes

    profissionais (FREGTMAN, 1989, p. 37).

    As criaes musicais passam a pertencer a um pblico especfico, ou seja, produzida

    por msicos profissionais e instrumentistas aqueles que sabem lidar com os sons de forma

    organizada e dominam a linguagem e execuo musical. Os perodos histricos como o

    Renascimento, o Barroco, o Classicismo, o Romantismo e o Contemporneo vo trazer, a seu

    tempo, as caractersticas prprias desse fazer musical, com suas instrumentaes, influncias

    de outras artes e do contexto histrico vivido. Para que se possa melhor compreender

    determinados estilos feita uma diviso da histria da msica, com fins unicamente didticos,

    como no seguinte quadro:

    A msica e sua poca

    Msica medieval At cerca de 1450

    Msica Renascentista 1450 1600

    Msica Barroca 1600 1750

    Msica clssica 1750 1810

    Romantismo do sculo XIX 1810 1910

    Msica do sculo XX de 1910 em diante

    Quadro 1 Perodos da histria da msica Fonte BENNETT (1989, p. 11)

    Dessa maneira, a msica se modifica nesses perodos em suas formas de execuo,

    sendo ora vocal ora instrumental, com fortes ligaes com a igreja e em outros momentos

    dando mais nfase ao profano. Tornou-se cada vez mais pblica, ou seja, de acesso ao povo e

    foi tambm acrescentando novos timbres com o desenvolvimento de diversos instrumentos,

    acsticos e eletrnicos e, at mesmo utilizando objetos e mquinas em exploraes sonoras

    mais ousadas. Passa a ser de conhecimento comum desde as manifestaes primitivas at as

    experincias eletroacsticas, bem como a convivncia ecltica de diversos estilos.

  • 25

    2.2 A SUTE DO CONHECIMENTO

    Partindo desta viso atual, proponho agora que reflitamos sobre a segregao de

    conhecimentos, que no ocorreu somente nas artes ou na rea musical, mas tambm em outras

    reas do saber humano. Escolhi chamar de sute, com o objetivo de retratar por meio de um

    termo musical o conjunto de diferentes especificidades a que tudo foi se diferenciando, j que

    sute o conjunto de peas instrumentais, dispostas ordenadamente e destinadas a serem

    executadas em uma audio ininterrupta (SADIE, 1994, p. 915).

    Estudos acadmico-cientficos proporcionaram atravs dos tempos, maior

    aprofundamento das informaes e realidades mais prximas do antes inimaginvel. O

    movimento Positivista por intermdio de Descartes entre outros, trouxe o padro de

    racionalidade e objetividade os quais so aspectos imprescindveis e relevantes para pesquisa

    e uma legitimao comprovada. Neste sentido para Urrutigaray (2003, p. 14):

    O modelo de racionalidade, como paradigma cientfico ainda dominante em nosso

    sculo, firmou-se a partir da revoluo cientfica do sculo XVI. Suas formulaes,

    acerca dos critrios de objetividade e de validade cientfica, continuam produzindo

    srias distines s formas de conhecimento consideradas no cientficas por se eximirem de critrios de rigor dispostos em mensuraes dos fatos.

    medida que os avanos tecnolgicos foram sendo descobertos, o compromisso com

    a verdade cientfica, ou seja, com valores precisos e mensurveis foram se aproximando e

    tomando conta tambm do universo humanstico. No somente nas reas exatas ou biolgicas

    aconteceram os avanos. Com a valorizao das informaes, o sistema educacional tambm

    sofreu a absoro dessa realidade, formando novos indivduos a partir de critrios que

    privilegiassem o conhecimento subjetividade e criatividade. Sobre isso Friedenreich

    (1990, p. 33) diz:

  • 26

    [...] na educao comum de hoje se atribui valor quase que exclusivo a um

    desenvolvimento preponderante do intelecto e aquisio de habilidades exteriores,

    temos uma vida social tendente a imobilizar-se at transformar-se em rotina, dentro

    da qual sentimentos e manifestaes de uma vontade individual criativa so

    geralmente considerados no-objetivos e, portanto, inoportunos.

    Assim, com a especificidade dominante, dificultou-se mais a possibilidade de pensar e

    lidar com o todo, alm de promover a difuso de profissionais com esse perfil de se distanciar

    de uma viso integrada. Para Urrutigaray (2003, p. 16):

    [...] Reforado por um ganho em detalhamentos e especificidades, perdeu-se a noo

    da totalidade e da complexidade. Favorecendo e reforando, como conseqncia, a

    competio, o individualismo, em desprezo solidariedade e a cooperao, pela

    indiferena frente s diferenas individuais.

    H que se colocar que desse caminho traado pela racionalidade, o homem obteve

    muitos sucessos, sendo parcial ou mesmo leviano deixar de citar os benefcios conquistados

    como, por exemplo, na medicina, o diagnstico e tratamento de doenas como a tuberculose e

    a inveno de aparelhos cirrgicos e vacinas; os meios de comunicao e transporte mais

    velozes e eficazes, ou seja, possibilidade de entender e dominar melhor o ambiente em que

    vivemos. A humanidade colhe hoje o que desenvolveu ao longo desses sculos de

    aprendizado, que, naturalmente, trilhou por boas e ms escolhas.

    Podemos verificar que, apesar do grande movimento em trazer a razo para o mais alto

    posto, uma outra corrente, em decorrncia desta primeira, comeou a se organizar, pois j

    nos fins do sculo XIX, em plena valorizao do movimento cientificista e positivista

    Moderno, encontramos as crticas da Fenomenologia tendncia classificatria e monoltica

    da cincia e da prpria psicologia[...] (FAGALI, 19971998, p. 44). A Fenomenologia vem

    oferecer juntamente com seus pensadores Edmund Husserl, Martin Heideger e outros uma

    viso inversa, trazendo a abertura de possibilidades para entender o fenmeno e no

    reduzindo-o a um nico aspecto.

  • 27

    E com esse pensamento mltiplo, amplo e de inter-relaes das pequenas estruturas,

    que se inicia a conquista das terapias alternativas (em sua maior parte Orientais) no Ocidente.

    Com uma proposta chamada holstica 4 terapias como aromaterapia, acupuntura, biodana,

    cromoterapia, iridologia, entre outras, chegaram proporcionando a pacientes e clientes uma

    abordagem mais completa do indivduo quanto a sua sade e bem-estar. Ao mesmo tempo, os

    estudos em psicologia com C. Jung e as precursoras da arteterapia, Margareth Nauburmg e

    Edith Kramer j iniciavam atendimentos com utilizao de materiais artsticos como auxiliar

    no tratamento de diversos distrbios. Mas por que o destaque desse universo holstico? o

    que responde Fagali (19971998, p. 44):

    O olhar mltiplo e o plural j se encontra em muitas concepes filosficas antigas, na mitologia grega e na concepo Zen oriental. Esta concepo de mundo ressurge

    como crtica s tendncias reducionistas e unidirecionais do cientificismo moderno,

    nestes fins do sculo XX, no movimento denominado Ps Moderno.

    Podese dizer, ento, que essa cultura holstica ficou restrita por muito tempo a povos

    orientais permitindo que os progressos tecnolgicos e a adoo da racionalidade trouxessem

    um momento de refinamento, no sentido de detalhamento de informaes. como pensa

    Bush (1995, p. 12): O trabalho com msica antigo, mas o poder da msica encontrou agora

    novas vias de expresso com as metodologias atuais [...]. So os casos da musicoterapia e da

    arteterapia que sero tratados nos prximos captulos.

    Neste sentido, temos presenciado cada vez mais acentuadas manifestaes de mtodos

    auxiliares para inmeras queixas de sade possibilitando melhor qualidade de vida alm

    de projetos e iniciativas transdisciplinares na educao, tecnologias, etc., pois, a compreenso

    4 Do grego: holos = todo. Holstico: 2. Que d preferncia ao todo ou a um sistema completo, e no anlise,

    separao das respectivas partes componentes (FERREIRA, 1993, p. 288).

  • 28

    de que necessrio unir os conhecimentos e complementar informaes entre as reas j se

    faz mais presente. Assim diz Fregtman (1989, p. 13):

    [...] Procurando compreender o mistrio de nossa vida, ns, seres humanos,

    seguimos trilhas muito diferentes. Entre elas se encontram as do cientista, do artista,

    do mstico, dos psicanalistas, dos poetas, dos msicos e de muitos mais. Cada um de

    ns produziu diferentes descries do mundo verbais e no verbais que enfatizam diversos aspectos, teis e valiosos em seu contexto, mas que, no obstante,

    constituem apenas descries limitadas da realidade, pois ningum, por si s, pode

    dar uma imagem completa do mundo em que vivemos.

    Apenas um trabalho compartilhado onde ferramentas de diversos conhecimentos

    manejam suas tcnicas com igual valor, pode contribuir verdadeiramente para a construo e

    formao de uma conscincia ampla e liberta de suas prprias limitaes. Assim, a idia de

    sute bem aceita: um conjunto de distintas partes, com estilo, forma, materiais, discursos

    diferentes, unidas num conjunto que, belamente, completam-se e compem uma verdadeira

    obra prima.

  • 29

    E o homem no somente percebe as transformaes

    como, sobretudo, nelas se percebe.

    Fayga Ostrower (1977)

  • 30

    3 ARTETERAPIA E MUSICOTERAPIA

    Msica, pintura, desenho, dana, enfim, as artes proporcionam um vivenciar encantador

    por si mesmas, mas aqui neste trabalho, trago a singularidade do seu papel teraputico.

    3.1 UTILIZAO TERAPUTICA

    Em um Congresso de Arteterapia realizado em Vitria, durante palestra apresentada

    por Allessandrini5, foi por ela comentada a questo do termo teraputico, onde concluiu ser

    a possibilidade de promover transformaes e melhorias no jeito de sentir e pensar a vida,

    fazendo a diferena. Essa diferena o que o teraputico possibilita e o objetivo de um

    processo de terapia seja com utilizao de recursos artsticos ou no. Buscar juntamente com

    o cliente o desvelar de seus prprios caminhos, e potenciais e encontrar meios mais

    satisfatrios de se colocar no mundo o que pretende uma terapia. Dessa forma, o intuito

    desse captulo o de apresentar duas abordagens, a musicoterapia e a arteterapia, cada linha

    de trabalho e sua relao com a msica, lembrando que apresentar significa de acordo com

    Ferreira (1993, p. 39) pr diante, vista, ou na presena de, mostrar, exibir, expor, etc. e,

    no caracterizar, fechando conceitos.

    3.1.1. Musicoterapia

    O que vem a ser musicoterapia? Quais os mtodos e/ou estruturas que norteiam o

    processo musicoterpico? Apesar de parecer fcil dizer o que seja esse trabalho, h inmeras

    formas de explicitar essa questo, como comenta Ruud (1990, p. 13):

    5 Informaes verbais obtidas em palestra proferida no 6

    o. Congresso de Arteterapia realizado em Vitria ES

    em setembro de 2004.

  • 31

    [...] parece haver quase tantas definies de musicoterapia quanto o nmero de

    musicoterapeutas. A musicoterapia freqentemente definida de acordo com o

    grupo especfico de tratamento, grupo etrio ou filosofia teraputica especfica do

    terapeuta que se incumbe da definio.

    Da mesma maneira que encontramos dificuldades de um consenso no conceito de

    msica, acontecem idias complementares e divergentes na musicoterapia, bem como em

    vrias outras reas do conhecimento. Segundo Ferreira (1993, p. 183) definir : determinar a

    extenso ou os limites de; explicar o significado de; fixar, estabelecer; dizer o que pensa a

    respeito de algo; o qual complexo em se tratando de cincia ainda em estudo e, tambm

    considerando que o saber infindvel. Porm, ainda assim, relevante verificarmos o que

    pensam os musicoterapeutas sobre seu trabalho. Para Benenzon (1988, p. 11):

    A musicoterapia o campo da medicina que estuda o complexo som-ser humano-

    som, para utilizar o movimento, o som e a msica, com o objetivo de abrir canais de

    comunicao no ser humano, para produzir efeitos teraputicos, psicoprofilticos e

    de reabilitao no mesmo e na sociedade.

    Em musicoterapia, sero desenvolvidas as relaes dos sons, das msicas com o

    homem, proporcionando-o maior conscincia de si e possibilitando-o viver melhor, mas isso

    no se restringe ao campo mdico. Apesar de serem bastante estudados e desenvolvidos os

    atendimentos com pacientes em hospitais utilizando msica de forma passiva como auxiliar

    em tratamentos, o musicoterapeuta poder ser engajado em instituies, escolas, clnicas

    multidisciplinares, hospitais, empresas, prefeituras, trabalhos sociais e reabilitao

    (INFOMT, 2003, p. 13).

    J a concepo para outra profissional, abrange as questes trazidas pelos pacientes e a

    forma de lidar com esses contedos em msica, ressaltando a importncia do terapeuta.

    Assim, para Furusava (2003, p. 33):

  • 32

    O trabalho de um musicoterapeuta consiste no constante desafio de transformar as

    questes trazidas por um paciente ou grupo em questes sonoras, instigando que elas

    sejam dinamizadas, tambm, de maneira musical.

    O processo musicoterpico um processo criativo onde no qual, e atravs do qual,

    musicoterapeuta e paciente tornam-se um nico artista que vivencia experincias,

    descobrindo possibilidades e criando novos elementos a partir do musical (grifo da

    autora).

    Da mesma forma que Benenzon (1988) no aspecto de se aliar movimentos, e tambm

    como Furusava (2003) sobre os contedos trazidos pelos pacientes, Fregtman (1989) traz

    como concepo de seu trabalho o fazer msica com movimentos, alm de lembrar que os

    instrumentos musicais tm alto poder de evocao de contedos internos:

    Trabalhar em musicoterapia com sons e movimentos mergulhar num

    mundo carregado de significaes ancestrais, de veculos de mobilizao

    altssimos como so os instrumentos musicais e de tantos possveis

    receptores valiosos quantos so os habitantes do planeta (FREGTMAN,

    1989, p. 25).

    A musicoterapia, enfim, lida com os recursos sonoros de instrumentos musicais, sons

    corporais, gravaes, aliados algumas vezes, a movimentos corporais e dinmicas realizadas

    em grupo ou individualmente. Pode vir a ser um processo teraputico vivido em hospitais,

    clnicas, escolas ou projetos sociais. Traz os conflitos ou as questes dos pacientes para serem

    expressas em forma de ritmos, melodias, sons e msica, assim, a musicalidade aqui estaria a

    servio do outro que o nosso paciente ou o nosso grupo (BARCELLOS apud FURUSAVA

    2003, p. 38).

    3.1.2 Arteterapia

    Cabem aqui as mesmas perguntas: O que a Arteterapia? Quais os mtodos de

    trabalhos presentes em atelier teraputico? Quais das artes envolve? Anlogo ao pensamento

  • 33

    de que quando o homem est participando e vivendo uma atualidade muito difcil conceituar

    historicamente o momento, da mesma maneira no simples encontrar uma explicao

    sucinta do que seja arteterapia, pois a Arte-Terapia um campo profissional muito novo e

    como a maioria das novas disciplinas ela ainda no muito bem-definida nem bem-

    compreendida (RUBIN apud CARVALHO, 1995, p. 25).

    Como a Arteterapia foi bastante estudada e sistematizada nos EUA e tambm Europa,

    relevante saber qual seu conceito para a Associao Americana de Arteterapia AATA:

    American Art Therapy Association, fundada em 1969 (apud CARVALHO, 1995, p. 23-24):

    Arte-terapia uma profisso assistencial ao ser humano. Ela oferece oportunidades

    de explorao de problemas e potencialidades pessoais por meio da expresso verbal

    e no-verbal e do desenvolvimento de recursos fsicos, cognitivos e emocionais, bem

    como a aprendizagem de habilidades, por meio de experincias teraputicas com

    linguagens artsticas variadas. A terapia por meio das expresses artsticas reconhece

    tanto os processos artsticos como as formas, os contedos e as associaes, como

    reflexos de desenvolvimento, habilidades, personalidade, interesses e preocupaes

    do paciente. O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um

    meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar autopercepo e o

    desenvolvimento pessoal.

    Nesta explanao verificamos um panorama geral do trabalho em arteterapia, seus

    objetivos, o desenvolvimento atravs de expresses verbais e no verbais, e o aspecto da

    criatividade presente em atelier. J em Liebman (2000) observamos uma questo muito

    importante sobre a esttica nesse fazer arte. imprescindvel que o arteterapeuta saiba

    conduzir as atividades de forma que no coloque o belo como parte do processo, pois,

    preocupar-se com a esttica das obras, de uma certa maneira, traz obstculos na expresso do

    cliente. E, sendo assim, modifica-se o principal objetivo que sua transformao pessoal,

    fazendo dos encontros aulas de arte. Para Liebmann (2000, p. 18):

  • 34

    A arteterapia usa a arte como meio de expresso pessoal para comunicar

    sentimentos, em vez de ter como objetivo produtos finais esteticamente agradveis a

    serem julgados segundo padres externos. Esse meio de expresso acessvel a

    todos, no apenas aos que tm talento artstico.

    Portanto, o objetivo no o de ensinar artes no sentido usual, nem emitido nenhum

    juzo crtico ou avaliao artstica. O participante levado pelo arteterapeuta a se soltar da

    maneira mais espontnea possvel, rabiscando, colorindo, desenhando, esculpindo, danando,

    o que e como quiser (CARVALHO, 1995, p. 24). Isso o possibilita desenvolver seus

    potenciais e a descobrir novas formas de agir em seu cotidiano.

    E esse o caminho que Norgren (1995) narra em artigo sobre seu trabalho com o

    pblico infantil e adolescente, quando enfatiza o processo de arteterapia como facilitador

    por ser ldico e permitir a expresso espontnea destes, juntamente com os materiais que

    dispe. Desse modo, estar com o material produzido e consigo prprio, tendo o terapeuta

    como seu companheiro de viagem, a criana ou adolescente vai se apossando de seus

    contedos mais profundos. Assim, dada ao cliente a possibilidade de integrar e estruturar

    sua prpria experincia, criar seu prprio eu, participar de sua cura (NORGREN, 1995, p.

    34). Naturalmente que esses pontos apresentados podem vir a contribuir e fazer parte no

    apenas de um processo com crianas e adolescentes, pois so em sua maioria aspectos amplos

    que tambm encontramos no desenvolver de adultos e idosos em atelier teraputico.

    Em outra concepo de arteterapia, de acordo com o livro A Arte cura? : recursos

    artsticos em psicoterapia Carvalho (1995, p. 25) comenta:

    [...] adotamos a denominao Arte-Terapia como aquela que define toda a rea de

    terapias expressivas, ou seja, como denominao maior, abrangendo todas as

    modalidades de uso de recursos artsticos[...].

  • 35

    Com isso, Carvalho (1995) esclareceu sua posio, de quais expresses artsticas

    fazem parte do processo em atelier teraputico, pois as linhas de atuao so diversas bem

    como as concepes de seus trabalhos. Desse modo, Allessandrini (1999) prope outro olhar

    sobre a arteterapia, trazendo pontos entre a arte e o ser humano:

    Em Arte Terapia evocamos o valor e a abrangncia que a Arte tem sobre o Ser

    Humano: pensante, formador, construtor, sensvel, consciente e intuitivo. [...] Nossa

    proposta evoca a presena do Ser Humano em pleno desenvolvimento de sua

    sensibilidade e de suas competncias (ALLESSANDRINI, 1999, p. 24).

    Assim, um aspecto mnimo que tambm condio sine qua non que a arte esteja

    no centro do trabalho para este poder ser considerado como arte terapia (grifo do autor)

    (ANDRADE, 2000, p. 165).

    3.2 ESTUDO COMPARATIVO

    Alm da Musicoterapia e da Arteterapia trabalharem igualmente com msica, temos

    agora o segundo ponto comum: a transdisciplinaridade. A possibilidade de se aliar a diversas

    faces do conhecimento oferece uma abertura muito grande no campo de atuao do

    profissional, alm de possibilitar tambm uma viso ampla da doena e/ou questes trazidas

    pelos clientes, pois o trabalho em equipe permite a troca e a complementao de dados que

    apenas um profissional no teria. Assim, sobre o emprego da arteterapia podemos encontrar

    Andrade (2000, p. 52) dizendo:

    (...) utilizada com crianas, adolescentes e adultos, em terapias focais, breves e de

    longa durao.Tambm so utilizados seus recursos em orientao profissional,

    vocacional, ocupacional, recrutamento, seleo e treinamento, bem como encontram

    amplo uso em preveno e educao.

  • 36

    Talvez essa multidisciplinaridade traga consigo outras perguntas: seriam ambas as

    reas uma metodologia de tratamento em psicologia? Ou um campo especfico do uso da

    arte nas suas diversas expresses, em terapia? Embora aparentemente bem prximas essas

    duas questes podem ter distncias grandes quanto formao que o profissional responsvel

    pelo atendimento dever suprir. Acredito, como a maioria dos artistas, que no basta ter a

    fundamentao de teorias da psique para realizar um bom atendimento, entretanto, no basta

    ter somente a tcnica da arte para ter sucesso com o cliente. Tambm para Papalia (1998, p.

    10):

    Mi dicurso es exigente: Sostengo que no cualquier persona puede ejercer la

    Musicoterapia. Sostengo que para ser musicoterapeuta es bsicamente necesario

    estar atravesado por la msica, es decir: ser musico, hablar desde la msica,

    amar la msica por sobre todos los recursos. Luego y sobre lo fundante que la msica es, una formacin psicolgico-conceptual general y especfica se hace

    condicin (grifo da autora).

    A autora sustenta ainda que todo profissional que utiliza-se da msica como recurso,

    seja com qual objetivo for, deve conhecer profundamente sua linguagem, aspectos auditivos e

    corporais; pois para ela, a musicoterapia uma opo de tratamento para distrbios orgnicos

    e tambm da psique, atravs da msica e movimento.

    Apesar da diversidade estar presente em ambas as reas, um diferencial surge: a

    aplicao passiva e ativa da arte. Em musicoterapia h procedimentos em que o paciente no

    age exatamente sobre o universo sonoro, mas deixa-se conduzir, em um nvel profundo, pelos

    acontecimentos e estmulos musicais. Nestes, esto inclusos o mtodo GIM e tambm, numa

    outra abordagem, a utilizao de gravaes com pacientes em coma, que sero comentados a

    seguir. Trabalhos como esses ligam-se muito ao campo da medicina a exemplo da citao

    de Benenzon (1988), mas envolvem tambm aprofundado estudo do consciente e inconsciente

    humano.

  • 37

    Em entrevista publicada recentemente pela revista INFOMT, uma estudante do curso

    de graduao em musicoterapia da UNAERP - Universidade de Ribeiro Preto (SP), conta sua

    experincia com pacientes da unidade de tratamento intensivo de um hospital da cidade. Seu

    trabalho focou pessoas entre 60 e 80 anos, em coma natural, onde estudou mtodos mdico-

    cientficos para medir as reaes dos pacientes; dentre eles, o eletrocardiograma e a escala de

    Glasgow que mede o grau de conscincia do indivduo, que varia de 3 (inconsciente) a 15

    (estado alterado de conscincia). Alm da utilizao de msicas de acordo com as

    preferncias do paciente, pesquisadas com seus familiares, usou tambm gravaes de

    mensagens para o tratamento:

    Para Denise, um dos casos mais excepcionais foi o caso da paciente E., em que a

    escala de Glasgow era 3. O ECG dela mudou muito principalmente quando ouviu a voz do neto e do irmo, que gravaram mensagens para ela, afirma (ANDRADE, 2003, p.08).

    J o mtodo GIM Guide Imagery Therapy trazido para o Brasil nos anos 90 e

    divulgado pela musicoterapeuta Lia Rejane Barcellos 6, o processo d-se a partir de gravaes

    pr-estabelecidas (com peas orquestrais de carter erudito), em que o paciente ouve a seleo

    ao mesmo tempo em que comenta lembranas ou sensaes estimuladas pelo terapeuta. O

    estmulo verbal, alm do sonoro, e o dilogo deve acontecer todo o tempo que durar as

    msicas. A idealizadora Helen Bonny (apud BUSH, 1995, p. 11), violinista americana,

    analisou diversas peas e as organizou em udio, chamados programas, variando entre 35 a 50

    minutos cada um. O pensamento norteador do processo que essa tcnica teraputica utiliza-

    se da fora inerente s obras-primas clssicas para evocar nveis metafricos da psique,

    revelando sentimentos e ao mesmo tempo facilitando a sua liberao.

    6 Informao verbal obtida em mini curso do XI Simpsio Brasileiro de Musicoterapia realizado na cidade de

    Natal RN em outubro/novembro de 2003.

  • 38

    A origem desse trabalho ocorreu a partir de pesquisas com pacientes alcolicos de dois

    hospitais americanos, nos anos 60, quando Bonny verificou que no era necessria a

    utilizao de drogas para alcanar os estados alterados de conscincia. Como trata de um

    aprofundamento ou mesmo evocaes desses estados, esse tratamento no pode ser feito com

    pacientes psicticos ou aqueles que por qualquer razo no tem a capacidade de simbolizao.

    destinado a pacientes adultos normais que tm a finalidade de busca da auto atualizao,

    partindo-se do pressuposto que o paciente deve gostar de msica erudita e estar disposto a

    esse tipo de abordagem.

    A dra. Bonny aplicou seus conhecimentos musicais, ajudando os pacientes a

    atingirem o inconsciente atravs da msica, juntamente com drogas alteradoras da

    mente. Muitos deles tiveram experincias intensas que alteraram suas vidas. Como

    profissional da msica, a dra. Bonny avaliou o potencial da msica para estimular o

    inconsciente sem as drogas (BUSH, 1995, p. 28).

    Diferentemente dessa linha da musicoterapia, em arteterapia tem-se a utilizao dos

    materiais artsticos de maneira que o cliente atue sobre ele, ativamente, produzindo e/ou

    expressando formas, construes e sons. No h utilizaes passivas nesse nvel, como essas

    propostas apresentadas, pois a aplicao da msica est ligada a movimentos, exploraes,

    verbalizaes ou expresso em pintura, desenho, argila entre outros, como narra Allessandrini

    (1999, p. 23) sobre seu trabalho de arteterapia no Alquimy Art SP: Desenhos, esculturas,

    construes, modelagem, trabalhos manuais, escritos, textos, poesias e msica esto sempre

    presentes. Fazem parte do contexto e ajudam a compor nossa criao e reflexo.

    Outro ponto distinto que musicoterapeutas defendem, a necessidade de uma

    entrevista e uma testificao musical como formas de avaliar se o paciente se adaptar ou no

    para o processo de musicoterapia. Para Barcellos (1999, p. 39):

  • 39

    Obtidos os dados que compem a histria do paciente atravs da Entrevista Inicial e

    observadas as suas reaes frente aos estmulos musicais na Testificao, somos

    capazes de verificar se trata-se de um paciente elegvel para a musicoterapia e quais

    so os objetivos a serem alcanados.

    Esta metodologia foi inaugurada por Benenzon (1985) quando disps a pacientes

    psiquitricos instrumentos como violo, piano, instrumentos de percusso e aparelho de som

    com estmulos musicais gravados, com o objetivo de obter as mais detalhadas informaes,

    alm de observar as reaes que os sons, o ritmo, os diferentes instrumentos, enfim, os

    distintos tipos de estmulos provocam no paciente (BARCELLOS, 1999, p. 33). Benenzon

    permite a substituio desses instrumentos - quando necessria, por outros do folclore do pas

    ou de origem do paciente, ou at mesmo conforme as possibilidades do terapeuta.

    Certamente que realizar uma entrevista inicial fato comum a vrias linhas de terapia,

    e, conhecer a histria e as expectativas do cliente fundamental para o atendimento1. Porm a

    musicoterapia tem algumas especificidades enquanto etapas de terapia da msica, como

    comenta Barcellos (1999, p. 13):

    Os procedimentos em Musicoterapia so os mesmos dos outros processos

    teraputicos com exceo da elaborao da ficha musicoterpica e da testificao

    musical que so encontradas exclusivamente num processo musicoterpico.

    Dessa forma, cria-se uma possibilidade de reconhecer o trabalho de musicoterapia,

    no somente pelo enfoque dado a msica ou a elementos sonoros, mas devido tambm aos

    procedimentos seguidos pelos profissionais da rea. Porm, ser mesmo necessrio esse tipo

    de avaliao? E que tipo de paciente no poderia trabalhar com musicoterapia se ela tem o

    alcance de chegar at mesmo a pessoas imobilizadas ou fora de sua conscincia normal?

    Como o tratamento se detm a uma nica linha, a msica, talvez sejam necessrias tais

    1 Apesar de que a arteterapia quando aplicada em grupo e/ou instituies diversas (como empresas, escolas, etc)

    tem ocasionalmente como primeira fase algumas visitas ao local e contato com dirigentes da instituio, no

    sendo necessria uma entrevista anterior com os participantes para ser traado o perfil do grupo.

  • 40

    precaues. Mas no necessariamente deva-se gostar de msica como j mencionado por

    alguns musicoterapeutas, mas sim saber se h sons que perturbam ou mesmo alterem

    indesejavelmente o comportamento do paciente e, por outro lado, verificar quais lhe chamam

    mais ateno e ir desvendando e ajudando-o a perceber por que isso acontece. Se a questo for

    intransponvel, concordo que o direcionamento possa ser outro, em vez de um tratamento com

    msica.

    J em arteterapia no se tem como etapa qualquer tipo de avaliao com finalidades

    especficas relativas s artes. At mesmo porque se tem como norte que a arte est para ser

    expresso de contedos internos e no para tcnica, e ainda sabe-se que alguns materiais

    evocam sentimentos mais estruturantes e outros de liberdade e abertura; assim, se um cliente

    no gosta do que faz, pode trocar de material, experimentar outro, pode ir moldando seu

    caminho de acordo com o que sentir. Para Allessandrini (1999, p. 21): Os diferentes

    materiais possibilitam um fazer artstico altamente re-estruturante e desencadeador de novos

    jeitos de lidar. E ainda para Andrade (2000, p. 35):

    Ao utilizar-se de prticas artsticas como a pintura, a modelagem e muitas outras

    tendo funes teraputicas, postula-se a capacidade da vida psquica organiza-se a

    partir delas e naturalmente deixa-se de lado os aspectos estticos e formais de

    julgamento da expresso enquanto Arte Maior ou no. O que importa de fato propiciar aos indivduos uma forma de dinamizar sua condio inata de organizar

    suas percepes, sentimentos e sensaes, ou seja os contedos internos de sua vida

    psquica vertidos em imagens e smbolo (grifo do autor).

    Se pensarmos que um dos pressupostos para ser paciente em musicoterapia seria

    gostar de msica, antes teramos que fazer uma outra pergunta: o que gostar de msica?

    cantar no chuveiro, ouvir algum estilo especfico? ter algum contato com sons? Se for

    assim, todos ns temos o tempo todo, como argumenta Fregtman (1989) sobre o termo

    sonosfera apresentado no captulo anterior. Ento, poderamos melhor dizer que: gostar de

  • 41

    msica ter prazer de agir ou estar num ambiente sonoro, alm de perceb-lo. E este outro

    ponto importante, pois mesmo vivenciando diariamente os elementos musicais, no cantarolar,

    no falar, no caminhar, no conversar, no so todas as pessoas que percebem esse meio sonoro.

    Assim, estar ciente de que pode-se lidar ou mesmo que pode-se gostar de msica no tarefa

    simples, pois em nosso foro ntimo, todos ns temos equilbrio rtmico em nossa pulsao, s

    que muitas vezes no o deixamos desenvolver-se ou simplesmente no sabemos ouvi-lo

    (FREGTMAN, 1986, p. 26).

    Em Arteterapia lida-se com diversos materiais e a msica tambm uma possibilidade

    que aos poucos vai sendo explorada e descoberta. As criaes sonoras com a voz, o corpo, os

    instrumentos e a expresso (muitas vezes plstica) do processo vivido vo possibilitando

    conexes entre o fazer, o sentir e o pensar do indivduo. Isso promove uma amplitude de

    conscincia, de saber mais de si mesmo, de permitir seus erros e acertos, pois oportuniza-se,

    em atelier teraputico, recri-los quando quiser ou necessitar. Como conta Urrutigaray (2003,

    p. 37):

    Fazer Arte num sentido literal envolve vrios nveis humanos como sensrio-motor, o emocional, o cognitivo e o intuitivo. Atravs da atividade com arte o sujeito

    transforma a realidade e a si mesmo, promovendo o desabrochar da percepo, da

    organizao e ordenao de seu pensamento, possibilitando a compreenso do

    momento circunstancial, bem como da dimenso de si mesmo.

    Essa abertura e desenvolvimento da percepo pessoal so conquistados a partir das

    simbolizaes ocorridas com o cliente, quando observa correspondncias de acontecimentos

    passados aos presentes, ou quando encontra solues para suas aflies internas.

    Diferentemente da psicoterapia, onde o paciente expressa-se verbalmente (e em alguns casos

    tambm corporalmente), nos encontros de arteterapia d-se maior importncia aos meios no

    verbais de expresso. Isso no exclui a utilizao dos meios verbais como Andrade (2000, p.

  • 42

    77) vem esclarecer: a arte terapia no oposta verbalizao, que naturalmente a usa

    combinada com a produo espontnea de arte.

    O dilogo acontece diretamente com os materiais, por exemplo, ao delimitar o

    movimento da gua quando pintando com aquarela, ao cortar papis para construo de um

    mosaico, ao montar um tronco para a confeco de um boneco e etc. O indivduo encontra

    outro caminho de dizer ou transmitir sua mensagem, de forma mais concreta e visvel, pois,

    quando uma pessoa se expressa plasticamente, a imagem criada traz elementos de seu

    universo pessoal. Observando, ento, o produto da criao, a pessoa auxiliada a ver e a dizer

    coisas de si prpria, observando-se mais (SANTOS, 1999, p. 119).

    Neste fazer arte, encontramos a criatividade como um outro aspecto fundamental que

    acompanha a Musicoterapia e a Arteterapia. O criativo pode ser colaborador em diversas

    aplicaes de tarefas, ou seja, em contexto educacional como auxlio para a aprendizagem,

    em contexto teraputico para desenvolvimento pessoal, entre outros, como pensa

    Allessandrini (1999, p. 23-24):

    Nosso objetivo promover a livre experincia de um trabalho criador,

    independentemente do contexto onde ele se desenvolve. Consideramos que o criativo

    altamente desencadeador de processos refinados de operaes mentais. Portanto,

    relevante buscar procedimentos e metodologias que caracterizem uma prtica

    teraputica e educacional em que a criatividade esteja presente em cada momento do

    processo.

    Isso traz um resultado muito evidente, pois a pessoa que tem oportunidade de criar,

    apresenta uma melhor flexibilidade, fator necessrio na aprendizagem de contedos e nas

    solues perante as dificuldades da vida (SANTOS, 1999, p. 129). Alm de tornar-se

    espontnea, original, e conhecer melhor suas possibilidades. J Chiesa (2004) lembra que a

    criatividade o combustvel de um atelier teraputico, pois nele que se proporciona a

  • 43

    expresso, a comunicao e a construo, atravs desse caminhar criativamente, ou seja,

    dando forma s sensaes, sentimentos ou imagens inconscientes e reprimidas. Partindo desse

    pensamento Andrade (2000, p. 33) comenta:

    O ato de criar e o produto da criao tornam-se o porta-voz da tentativa de resoluo

    o choque entre o que se apresenta ao indivduo advindo da realidade objetiva e a

    maneira deste compreende-la.

    A obra de arte a concretizao simblica da vida psquica, uma forma encontrada

    pelo homem de atinar com as sensaes conflituosas. O criar e o produto da criao

    podem se tornar o porta-voz desse ensaio de resoluo de conflitos. Na interao

    com o meio ambiente, o homem o transforma e se transforma.

    Dessa maneira, se o indivduo capaz de perceber o conhecido de forma inovadora e

    configurar essa percepo, ele se renova e assim, o criativo passa a ser uma necessidade

    existencial de descobrir nossas prprias potencialidades (CHIESA, 2004, p. 44), podendo ser

    possibilitadas pela Musicoterapia ou pela Arteterapia.

    Entretanto, ainda enfatizando que apenas a musicoterapia tem objetivos teraputicos,

    Barcellos (1999) comenta que as atividades artsticas em geral possuem o poder de expressar

    e revelar aspectos da psique humana e, portanto as atividades com msica podem tambm vir

    a resultar em efeitos teraputicos, mas, somente a musicoterapia possui esse objetivo.

    Exemplificando esse raciocnio, organizou o seguinte quadro:

    Utiliza msica? Pode vir a ter efeitos teraputicos?

    Tem objetivos

    teraputicos?

    Atividades musicais + + _

    Educao Musical + + _

    Aprendizagem de um

    instrumento musical + + _

    Musicoterapia + + +

    Legenda: + = SIM -- = NO Quadro 2 Apresentao da musicoterapia como nica rea de atuao em msica com objetivos teraputicos Fonte BARCELLOS (1999, p. 44)

  • 44

    Porm, acrescentando e apresentando a Arteterapia como uma nova possibilidade de

    ter-se msica com objetivos teraputicos, foi elaborada essa outra concepo:

    Utiliza msica como

    recurso?

    Pode vir a ter efeitos

    teraputicos?

    Tem objetivos

    teraputicos?

    S N S N S N

    Apresentaes e

    Execuo de peas

    Educao Musical

    Ensino Aprendizagem de um instrumento

    musical

    Musicoterapia

    Arteterapia

    Legenda: S sim N no Quadro 3 Apresentao de diferentes atividades com utilizao da msica, acrescentando a Arteterapia como uma nova rea de atuao com fins teraputicos.

    Verificamos que ambas Musicoterapia e Arteterapia tm seus objetivos focados num

    processo teraputico, utilizando-se cada uma em seu contexto seja setting musicoterpico

    ou atelier teraputico suas tcnicas e procedimentos para tal fim, e oferecendo a seus

    clientes uma outra possibilidade de desenvolvimento pessoal e autodescoberta pela msica.

    Seja atravs de sesses onde variados instrumentos so os porta-vozes de contedos internos

    ou onde os encontros tenham atividades de artes integradas; seja tendo e no, relaes

    passivas com o meio sonoro; seja solicitando e no, uma forma de testificao, ambas so

    interligadas pela transdisciplinaridade e versatilidade de aplicao, pela criatividade e

    possibilidade de expandir a conscincia racional dos participantes, e no se vinculam ao

    esttico da msica, pois esto livres para utilizar elementos musicais isolados, que no

    estruturalmente necessitem resultar numa pea musical completa.

  • 45

    Alm disso, so parceiras na conquista de um reconhecimento pblico, da utilizao

    da arte como recurso promovedor de um bem estar e uma qualidade de vida, que apenas uma

    transformao pessoal possibilita.

  • 46

    Uma casa na noite, entre matas e rvores

    brilha uma janela suavemente,

    e ali, no mbito do invisvel,

    soprava um tocador de flauta.

    Era uma cano to conhecida,

    To gentilmente se espalhava pela noite,

    Como se qualquer pas fosse a ptria,

    Como se cada caminho se houvesse

    realizado.

    O secreto sentido do universo

    Por seu sopro se revelava

    E se ofereceu agradvel ao corao

    E para sempre se tornou presente.

    Msica de Flautas, Hermann Hesse

  • 47

    4 MSICA NA ARTETERAPIA

    O trabalho em arteterapia oferece grande nfase s artes plsticas como instrumento do

    processo transformador, mas tambm a msica pode ser um recurso muito utilizado nos

    encontros: desde elemento formador de ambiente para convite s propostas - at como

    material de explorao e expresso sonora. Portanto, a idia trazer a msica para um

    patamar mais presente, pois verifico atualmente sua utilizao mais prxima a um plano de

    fundo das propostas plsticas. O interessante aliar msica e artes, e co-relacionar propostas,

    observando as expresses resultantes de uma na outra, ou seja, reconhecer o movimento

    sonoro nas produes, bem como os sons nos movimentos do corpo, etc.

    Desse modo, vamos designar para o termo msica no somente peas com formas e

    instrumentaes conhecidas, mas tambm todo tipo de manifestao sonora que no seja

    puramente como entendemos msica. o que sugere a musicoterapeuta Barcellos (1999, p.

    25): Quando falamos em msica, em musicoterapia, estamos evidentemente nos referindo

    no s msica estruturada, mas, qualquer manifestao que se apresente atravs de um dos

    elementos que a constituem, utilizados de forma isolada ou no. Assim, entonaes

    diferenciadas nas pronncias de palavras e frases, sons da natureza, explorao de timbres,

    fazem parte desse contexto.

    Para melhor compreender o processo em atelier teraputico, interessante apresentar a

    metodologia que Allessandrini (1996) criou e chamou de Oficinas Criativas, cujo

    atendimento pode ser individual ou grupal, o qual diz ser constitudo por etapas que

    possibilitem ao cliente expressar de maneira criativa sua imagem interna, por meio de

    recursos e experincias artsticas, descobrindo, elaborando e organizando seus conhecimentos.

  • 48

    Portanto, [...] o sujeito que experiencia a Oficina Criativa pode re-significar sua

    aprendizagem, j que para a autora, aprender exprime o grande segredo da vida: transformar

    toda ao passvel de introjeo e reflexo, bem como toda oportunidade de crescimento e

    desenvolvimento, em ao construtiva (ALLESSANDRINI, 1996, p. 15). E isso pode

    abranger tanto o campo educacional quanto o teraputico, pois o conhecimento e significao

    pessoal no podem ser separados, e so inerentes formao do indivduo.

    As cinco etapas7 que compem o trabalho de Oficinas Criativas so: 1) Sensibilizao;

    2) Expresso Livre; 3) Elaborao; 4) Transposio de Linguagem; 5) Avaliao. Para esta

    ltima, quando se d o fechamento do encontro, neste texto denominei finalizao dos

    encontros, pois admite uma sntese da sesso vivida pelos participantes.

    4.1 INTEGRANDO SONS NAS ETAPAS DA OFICINA CRIATIVA

    Para cada uma dessas fases sero relacionados sons e msicas que possam vir a

    participar de um encontro de arteterapia, assim, importante esclarecer que essas mudanas

    (de passagem de uma etapa para outra) so sutis e algumas vezes em seu desenrolar, podem

    ser suprimidas ou mais evidenciadas uma das partes, pois, como lembra Andrade (2000, p.

    112-113): [...] os processos intrapsquicos no progridem de maneira linear. H momentos de

    progresso e organizao e outros de recolhimento e imerso [...]. Alm disso, deve-se levar

    em conta o perfil do grupo, e como ele conduzido pelo arteterapeuta.

    Colaborando na fundamentao terica das propostas, trago o Continuum das Terapias

    Expressivas (ETC), estudo desenvolvido por Kagin8 e Lusebrink (1990) que um modelo

    7 Sero detalhadamente comentadas nos itens seguintes deste captulo.

    8 Tambm idealizadora do The Expressive Therapies Continuum (ETC).

  • 49

    conceitual de expresso e interao com diferentes materiais e tambm em variados nveis,

    formulado para ser utilizado em psicoterapias artsticas e expressivas. Consiste em quatro

    nveis organizados numa seqncia do desenvolvimento da formao da imagem e no

    processamento da informao, que so: Nvel Sensrio-Motor (S/M), Nvel

    Perceptual/Afetivo (P/A), Nvel Cognitivo-Simblico (C/S) e o Nvel Criativo (CR). Este

    ltimo considerado como a sntese dos outros trs e responsvel pela integrao,

    transformao e expresso da experincia em novas formas (CHIESA, 2004, p. 45).

    A prxis arteteraputica se faz presente atravs de relatos de atividades realizadas com

    dois grupos de idosas de duas instituies de terceira idade da cidade de Natal RN. Esse

    trabalho9 foi idealizado e desenvolvido em parceria com a amiga e colega de turma Ana Maria

    Pereira do Nascimento. Para identificar cada grupo, aqui denomino grupo A e grupo B, sendo

    tambm as participantes identificadas com as letras iniciais de seu primeiro nome. Como as

    propostas envolvem msica, todas as peas utilizadas nos encontros com os grupos foram

    citadas, comentadas sua forma de aplicao e organizadas no apndice A desta monografia.

    Os exemplos musicais em partituras foram registrados por mim, a partir das atividades. Dessa

    forma, recortes de encontros mais significativos, apresentao de alguns trabalhos, fotos,

    depoimentos10

    de participantes, alm das minhas consideraes, constam a seguir.

    4.1.1 Sensibilizao

    Nos encontros de arteterapia natural iniciarmos com alguma atividade que

    chamamos de sensibilizao, geralmente composta de expresses corporais envolvendo

    9Veja um dos projetos apndice B.

    10 Todos os trabalhos, fotos e depoimentos foram devidamente autorizados pelas participantes para constarem

    nesta monografia.

  • 50

    msica ou elementos musicais. A esse respeito narram Allessandrini e Nascimento (1999, p.

    35):

    [...] Sempre iniciamos com um trabalho corporal que prepara nossa mente e psique

    para a experincia criadora. A msica ajuda a compor a experincia. No

    relaxamento, escolhemos melodias suaves e delicadas, que expandem o universo

    interior distensionando o corpo e a mente.

    Nesta etapa o indivduo estabelece uma ligao consigo, numa percepo de si e

    tambm do ambiente que o cerca, simultaneamente, alm de preparar-se e assim, permitir-se a

    um maior envolvimento s propostas seguintes. Aqui ele convidado a tocar o si mesmo

    o seu mundo INTRA, que aproxima o valor do ser relao dele consigo, mas que muitas

    vezes no tem oportunidade de expressar colocando-se disponvel para o emergir de sua

    imagem interna (grifo da autora) (ALLESSANDRINI, 1996, p. 41).

    preciso esclarecer tambm que no necessariamente deva ser realizada toda

    sensibilizao com expresso corporal aliada a msica, mas um recurso para facilitar o

    processo de interiorizao espontnea e, mesmo tendo essa combinao de corpo, movimento

    e msica, temos infindveis maneiras de realizao. A sensibilizao pode ser compostas de

    exerccios ldicos, em atividades corporais, em observao dirigida ou sugerida, em

    construes no imaginrio etc. As atividades desenvolvidas nesse momento visam a

    vinculao do sujeito com a situao (ALLESSANDRINI, 1996, p. 42).

    Fagali (apud ALLESSANDRINI, 1996) comenta que quatro aspectos importantes do

    ponto de vista metodolgico e psicolgico no devem ser esquecidos:

    1o.) possibilitar a integrao das sensaes, no se direcionando a um canal especfico apenas,

    pois enfatiza que o contato com o mundo d-se a partir de inter relaes sensoriais,

    emocionais e intelectuais; 2o.) Levar a observao de estmulos dinmicos que se

  • 51

    apresentam em movimento, mas lembra que isto no implica necessariamente na

    movimentao externa do estmulo, pois o participante pode observar um estmulo esttico de

    forma ativa ou passiva; 3o.) Oferecer situaes que desenvolvam todas as formas de

    comunicao, seja introvertida ou extrovertida, pois segundo Fagali, devemos respeitar as

    caractersticas de cada um, alm de possibilitar viver as duas formas de expresso; 4o.)

    referindo-se natureza do estmulo escolhido, diz que podem ser elementos presentes no

    prprio meio, ou mesmo alguma imagem ou contedo que surgem dos participantes.

    Para contemplar esses itens, em atelier teraputico foram desenvolvidas variadas

    atividades, quando utilizamos gravaes musicais e, tambm msica ao vivo tocada por mim,

    na flauta doce. Ao iniciar o encontro, por algumas vezes, chamei-lhes a ateno dando as

    orientaes cantando (Exemplo musical 1) e, assim, rapidamente elas se organizavam e

    permaneciam atentas.

    Exemplo musical 1 Frase cantada Fonte composio Cristinane Otutumi

    Nesta proposta convidei as senhoras a se movimentarem de acordo com o andamento11

    das msicas tocadas, deixando claro que poderiam acompanha-las cantando quando

    quisessem. Todas as melodias faziam parte do repertrio de canes folclricas brasileiras

    Cai cai balo, Marcha soldado, Cano de ninar, etc., tornando-se mais evidente quando o

    andamento era modificado. O objetivo trazer a percepo das nuances do som (andamentos)

    e express-las com o corpo. Caminharam, pularam, fizeram gestos suaves, grandes, pequenos,

    11

    Andamento velocidade a que uma pea de msica executada (KENNEDY, 1994, p. 32).

  • 52

    cantarolaram e, a voz de IN, EV, NI se destacaram do grupo. Foi uma das primeiras propostas

    realizadas com som ao vivo.

    Outra maneira foi utilizar gravaes para essas sensibilizaes. Trabalhei com gneros

    conhecidos como choros, valsas, em sua maioria msica instrumental. Algumas vezes

    ouvimos canes com letras, que foram verificadas com cuidado antes de coloc-las para o

    grupo. Percebi que a letra aliada a instrumentao, e a todos outros elementos musicais, induz

    fortemente lembranas que, naturalmente, se escolhidas pelo arteterapeuta, devem fazer

    parte dos objetivos traados para o atendimento. Alm das lembranas que a questo mais

    presente no caso dos idosos, a msica tambm capaz de evocar sentimentos e sensaes

    desde melancolia, alegria, inquietude, calmaria e, etc. Portanto, importante organizar a

    discografia a ser utilizada, de acordo com o perfil traado e os objetivos com o grupo.

    Dessa forma, dirigimos uma sensibilizao onde aplicamos a msica Sou eu12, um

    samba cantado por Djavan e Moacir Santos. Essa escolha foi para dar continuidade a uma

    proposta de recorte e colagem do encontro anterior, em que o tema era: o que representa voc.

    O objetivo alm de trazer a percepo sonora e expresso corporal, atravs da letra unida a

    instrumentao e clulas rtmicas do samba, possibilitou ainda que as pessoas entrassem em

    contato com seus aspectos positivos de maneira alegre. Assim, a msica, com presena de

    instrumentos como piano, baixo, percusso e voz cantada, trouxe energia e foco atividade.

    Mesmo sem conhecer a msica as participantes cantarolaram o refro e danaram livremente

    ou em duplas (Fotografia 1). A letra diz: Se um claro lils te banhar de luz, no te acanhes

    no, sou eu!! Se uma estranha paz te vestir de azul, no te espantes no, sou eu!!....

    12

    Composio de Moacir Santos e Nei Lopes, presente no lbum Ouro Negro Veja apndice A.

  • 53

    Fotografia 1 Sou eu Fonte Proposta de sensibilizao corporal Grupo B

    O nvel sensrio motor neste momento ativado, pois nele que os componentes

    motor (que permite a liberao da energia e a expresso atravs de movimento) e sensrio

    (sensao ttil e a de contato direto com o material) esto oportunizando uma abertura quanto

    a inibio e ao controle, pois permite que o indivduo se distancie de seus preconceitos,

    julgamentos e crticas limitantes do seu lado racional (CHIESA, 2004, p. 46).

    Msicas que sugerem gestos foram tambm abordadas em nossos encontros.

    Inicialmente, conto sobre o contexto da cano e, logo depois, canto sua melodia principal

    lentamente, para o significado da letra tornar-se claro; para cada frase, convido-as para criar o

    seu movimento. O refro, geralmente de fcil assimilao, repetido algumas vezes e aos

    poucos o grupo vai assimilando toda a cano. Quando h gestos, a memorizao da letra

    rpida e dinmica, pois fica divertido aprender. Em um dos nossos encontros com grupo A,

    (Fotografia 2) montamos (com o grupo) uma coreografia para a msica Canto do povo de um

    lugar, de Caetano Veloso. O objetivo permitir que as participantes possam criar e se

    expressar, mesmo estando em grupo, alm de associar letra, msica e movimento de maneira

    concreta com o corpo.

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    Fotografia 2 Canto do povo Fonte Atividade de msica e coreografia Grupo A

    Outro tipo de estmulo para esse momento de sensibilizao comentar sobre os sons

    do seu cotidiano. Observar o contexto sonoro em que cada um convive muito rico, tanto

    para o grupo, como para o arteterapeuta, pois, geralmente estamos mais vinculados a notar e a

    lembrar de objetos, de pessoas, de coisas, ligadas ao nosso campo visual e, acabamos por

    esquecer que tambm a paisagem sonora13

    traz um pouco da histria dos participantes.

    Perguntas como que som est presente em seu acordar? Quais fazem parte de sua manh?

    H algum som que caracterize algum? Quais sons voc mais aprecia? Qual mais

    marcante?, so alguns exemplos de como iniciar e conduzir essa proposta que, aos poucos,

    resultam em comentrios de fatos vividos no dia-dia dos clientes. O objetivo buscar na

    memria essa imagem sonora e, com isso, proporcionar aos participantes conhecer e perceber

    melhor seu universo dos sons, conforme o depoimento a seguir:

    Pedi que sentassem confortavelmente nas cadeiras e fechassem os olhos. Respiramos.

    Percebam o som do ambiente, das coisas nesse ambiente. Silncio. Do seu cotidiano...

    IN o som do papagaio da vizinha l de casa!! BRI o som do meu cachorro! EV da minha geladeira!

    Utilizamos tambm, materiais que posteriormente pertenceriam a expresso livre,

    como foi o caso das ls, das bonecas, entre outras. interessante trabalhar movimento,