2009_Direito Penal do Equilíbrio - 4ª Edição - Rogerio Greco

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\ DIREITO PENAL DO Equillbrio Apresente obra S8 destaca pela analise diferenciada, com uma posh;ao intermedi3- ria entre dais pontcs extremos. que sao: 0 abolicionismo penal, que busea 0 tim do Direito Penal e, de outro lado, 0 movimento de lei e ordem, que objetiva a aplic8C80 de um Direito Penal Maximo. o autor, sem descuidar das clt.tssicas lic6es, estuda criticamente as discursos extremados, e, dessa forma, traz 0 chamado Penal do EquiHbrion que al meja resolver as conflitos sociais com seriedade, protegendo, assim, as bens que julga mais importantes para a convlvia em sociedade. Para a plena aplicac;:ao desse Oirelto, devem sar obedecidos obrigato ri amente alguns princlpies basicos. Sao eles: intervencao mInima, lesiv id ade, adequa9Ao social, insignificancia, proporcionalidade, responsabilidade pessoal, limita9Ao das penas, culpabilidade e legalidade. Essa obra e, assim, li9ao esperada, e, seu autor uma das malores revela9ces do Direito Penal, privilegiando professores, estudantes e operadores, com um Direito mais dignoe humano. Obra atuah7a(la at6 1"/01{2009 212621-7007 www.editoralmpetu5.com.br h ipEr'l S William Douglas Juiz Federal Mestre em Direito I SBN 978-7626-85-320-3

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2009_Direito Penal do Equilíbrio - 4ª Edição - Rogerio Greco

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DIREITO PENAL DO

Equillbrio Apresente obra S8 destaca pela analise diferenciada, com uma posh;ao intermedi3-ria entre dais pontcs extremos. que sao: 0 abolicionismo penal, que busea 0 tim do Direito Penal e, de outro lado, 0 movimento de lei e ordem, que objetiva a aplic8C80 de um Direito Penal Maximo.

o autor, sem descuidar das clt.tssicas lic6es, estuda criticamente as discursos extremados, e, dessa forma, traz 0 chamado ~Oire ito Penal do EquiHbrion que almeja resolver as conflitos sociais com seriedade, protegendo, assim, as bens que julga mais importantes para a convlvia em sociedade.

Para a plena aplicac;:ao desse Oirelto, devem sar obedecidos obrigatoriamente alguns princlpies basicos. Sao eles: intervencao mInima, lesividade, adequa9Ao social, insignificancia, proporcionalidade, responsabilidade pessoal, limita9Ao das penas, culpabilidade e legalidade.

Essa obra e, assim, li9ao esperada, e, seu autor uma das malores revela9ces do Direito Penal, privilegiando professores, estudantes e operadores, com um Direito mais dignoe humano.

Obra atuah7a(la at6 1"/01{2009

212621-7007 www.editoralmpetu5.com.br hipEr'lS

William Douglas Juiz Federal

Mestre em Direito

ISBN 978-7626-85-320-3

{ I .

Rogerio Greco

DIREITO PENAL DO EQUILIBRIO

Uma Visao Minimalista : do Direito Penal

4aedi~ao,

revista, ampUada e atualizada ate! Q de janeiro de 2009

-Niter6i, RJ 2009

IMpETu~ © 2009, Editora Impetus Ltda.

Editora Impetus Ltda Rua Alexandre Moura, 51 - Gragoata - Niter6i - RJ CEP: 24210-200-Telefax: (21) 2621-7007

EDITORA<;:AO ELETRONlCA: SBNIGRI ARTES E 'IExTos LTDA

CAPA: WILSON COTRIM

REvISAO DE PORTUGU£S: TuCHA

COLABORADORA: MICHELINE BOTELHO

IMPRESSAO E ENCADERNA<;:AO: SERMOGRAF ARTES GRAFlCAS LTDA

G829d Greco, Rogerio.

Direito Penal do Equilibrio: uma visao minimalista do Direito Penal I Rogerio Greco. 4. ed. - Niter6i, RJ: Impetus, 2009.

184 p.; 16x23cm.

ISBN: 978-85-7626-320-3

1. Direito Penal- Brasil. Titulo. II. Serie.

CDD:345.81

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - E proibida a reprodw;:ao, salvo pequenos trechos, mencionando-se a fonte.

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ctaO da obra sao de total responsabilidade do autorl atualizador.

www.editoraimpetus.com.br

.Aquele que e chamado de Principe da Paz (Is 9:6), Deus Forte (Is 9:6), Maravilhoso, Conselheiro (Is 9:6), Santo de Deus (Mc 2:24), Cordeiro de Deus 00 1:29), Autor da Vida (At 3:15), Senhor Deus CAp 15:3), Todo­Poderoso, Leao da Tribo de Judci CAp 5:5), Raiz de Davi CAp 22:16), Verbo da Vida (1 Jo 1:1), Autor e Consumador?a Fe (Hb 12:2), Advogado (1 Jo 2:1),0 Caminho' 00 14:6), Sol Nascente CLc 1:78), Senhor de Todos (At 1036), Eu Sou 00 8:58), Filho de Deus 00 1:34), Pastor e Bispo das Almas (1 Pe 2:25), Messias 00 1:41), A Verdade 00 14:6), Salvador (2 Pe 2:20), Pedra Angular (Ef 2:20), Rei dos reis (Ap 19:16), Reto Juiz (2 Tm 4:8), Luz do Mundo 008:12), Cabe<;a da Igreja (Ef 1:22), Estrela da Manha (Ap 22:16), Sol da Justi<;a (Mt 4:2), Supremo Pastor (1 Pe 5:4), Ressurrei<;ao e Vida 00 11:25), Plena Salva<;ao CLc 1:69), Guia CMt 2:6),: 0

Alfa e 0 Omega CAp 1:8) - a ti Jesus.

.. . ~

RogeriO Grec·o e PFocurador de Justic;a, tendo ingressado no Ministerio Publico de Minas Gerais em 1989. Foi vice-presidente da Associac;ao Mineira do Ministerio Publico (bienio 1997-1998) e membro do conselho consultivo daquela entidade de classe (bienio 2000-2001). E membro fundador do Instituto de Ciencias Penais (ICP) e da Associac;ao Brasileira dos Professores de Ciencias Penais e membro eleito para 0 Conselho Superior do Ministerio Publico durante os anos de 2003, 2006 e 2008; professor de Direito Penal da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ); professor convidado de Direito Penal da Fundac;ao Escola Superior do Ministerio Publico do Distrito Federal; assessor especial do Procurador-Geral de Justic;a junto ao Tribunal de Justic;a de Minas Gerais; mestre em Ciencias Penais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal dt( Minas Gerais (UFMG); especialista em Direito Penal (Teoria do Delito) pela'Universidade de Salamanca (Espanha); doutorando . pela Universidade de Burgos (Espanha); palestrante em congressos e universidades em todo 0 Pais. E autor da.s seguintes obras: Direito Penal- (Belo Horizonte: Cultura); Estrutura ]uridica do Crime (Belo Horizonte: Mandamentos); Concurso de Pessoas (Belo Horizonte: Mandamentos); Direito Penal- lic;oes (Rio de Janeiro: Impetus); Curso de Direito Penal- parte geral e parte especial (Rio de Janeiro: Impetus); C6digo Penal Comentado - doutrina e jurisprudencia (Rio de Janeiro: Impetus); Virado do Avesso - Urn romance hist6tico-teol6gico sobre a vida do ap6stolo P~ulo (Rio de Janeiro: Nahgash,

2007). E embaixador de Cristo.

Fale direto com 0 autor pelo e-mail: [email protected].

P refaciar mais uma obra do Professor Rogerio Greco e urna imensa satisfac;ao. Nao sei quem criou a tradic;ao do prefacio mas, com certeza, foi urna pessoa iluminada. 0 prefacio e uma oportunidade de apresentac;ao, explicac;oes, homenagens, dando urn cunho ainda mais humano e pessoal ao livro.

Em urn prefacio fala-se da obra e/ou de seu autor e, caso se queira, de temas relacionados a qualquer dos dois. Seguindo a tradic;ao, falarei inicialmente da obra. ~

Este livro e resultado da dissertac;ao de mestrado. Repare: nao e ua dissertac;ao", mas resultado dela, urna vez que Rogerio cuidou "de traduzir para 0

leitor aquilo que pesquisou e criou de forma mais fluida, naturalmente sem perder o conteudo cientifico e a profundidade tecnica que caracterizam a produc;ao academica. 0 tema e de todo atraente: a busca de urn Direito P~nal do Equilibrio.

o equilibrio e a busca constante do homem, seja em sua alma, seja em seus pensamentos. E tambem 0 equilibrio a busca permanente do artista, do pintor, do musico, do apaixonado e do esteta, quer do fisicO', <Iuer do espfrito. 0 protagonista de A ultima carta do tenente, ao final de sua vida, conclui que a grande conquista do homem em sua jornada na astronave Terra e "urn corac;ao pleno, urn espirito estavel". Contudo, se 0 equilibrio e 0 desejo natural ou, para outros, 0 estado mais elevado do entendimento ou de uma produc;ao da" arte ou da ciencia, e tambem mercadoria rara, escassa, poucas vezes enctintrada, que tambem aflige 0 Direito, em especial 0. criminal.

As paixoes humanas e os dramas da sociedade fazem com que 0 Direito Penal e 0 Direito Processual Penal sejam palco de exageros tanto para urn lado ou para outro, vergando-se excessivamente para qualquer dos lados, apesar de o brocardo romanico advertir que in medio est virtus. Logo, enfrentando 0 '

pro blema de se levar 0 Direito Penal para uma margem qualquer do rio, perdendo 0 recomendavel trilhar meridiana da fronteira entre 0 rigor excessivo ou a permissividade, esta obra tern Iugar especial na bibliografia dos livros que precisavam ser escritos e, final mente, foram.

Nesse passo, abro urn parentese: ainda existem muitos e muitos livros a serem escritos. Todos nos, uma vez ou outra, nos flagramos desejando uma obra "assim ou assado", que fale sobre is to ou aquilo, que supra tal ou qual lacuna. A ciencia jurfdica ainda quer, dos mestres e dos operadores, ver urn sem-numero de temas enfrentados. Daf, instigante a vida de quem escreve e de

quem edita, errantes no mundo do pensam~nto bus cando oasis e perolas que, cedo ou tarde, serao captados pelo genio humano e disponibilizados a todos neste veiculo do desejo, da eternidade, da compreensao e da ligac;ao intelectual entre as pessoas: 0 livro.

A obra, portanto, tinha lugar reservado nas mesas e est antes de quem ama 0 Direito e persegue sua compreensao mais nobre.

Quanto ao autor, trata-se de nome cada dia mais conhecido e respeitado. Se as bibliotecas e estantes ainda estao com espac;os vagos a serem preenchidos, o rol dos doutos, dos mestres respeitados tambem nao se fecha ou esgota. Sempre havera espac;o para 0 estudioso, para 0 pensador, para aquele que tern 0 dom do ensino e 0 descortino do dominio singular do conhecimento. 0 surgimento do Professor Rogerio Greco confirma essa conclusao: as homenagens e receptividade crescentes no sodalicio dos grandes auto res confirmam suas invejaveis qualidades e realc;am 0 dinamismo da ciencia juridica.

Ainda sobre ele, cito 0 Salmo 1, de autoria do Rei Davi, mencionado na Nota do Autor do best-seller anterior de Rogerio, Direito Penal - Parte Geral, texto bfulico que abre 0 livro ora prefaciado. 0 salmo em questao enaltece 0

homem sabio e assevera que ele sera como more plantada a corrente de aguas, a qual dara 0 seu fruto no seu tempo, as suas folhas nao cairao e tudo quanta ele fizer prosperara.

o Profe~sor Rogerio Greco e destes homens, que tudo quanto faz prospera, e se assemelha a more bern plantada. Ao seu tempo, sem pressa nem demora, vern construindo urn bosque de boas mores: Procurador do Ministerio Publico de Minas Gerais, Professor festeJado, Embaixador de Cristo e, dado -conhecido dos mais proximos, marido e pai dedicado. E entre as arvores, ratificando 0 sucesso que tern, Rogerio e figura de simpatia extrema, que sempre recebe a todos e a tudo com urn sorriso otimista e confiante, capaz de contagiar expectativas positivas, mesmo diante de dilemas ou situac;oes desafiadoras. '.

o livro e, assim, lic;ao esperada e precisa, e seu autor uma das maio res revelac;oes do Direito Penal nos Ultimos tempos, privilegiando nao so a Editora, mas tambem professores, estudantes e operadores com sua participac;ao na construc;ao de urna sociedade harmonica e urn Direito mais equilibrado.

Mais uma vez, sinto honra dupla ao poder ter mais de sua compreensao especial do Direito Penal em minhas maos, privilegio que, a partir de agora, passa a ser coletivo.

William Douglas Juiz Fedenil, Mestre em Direito e

Membro do Conselho Editorial

CAPiTULO 1 INTRODU<;AO ........................................................................ 1

CAPiTULO 2 ABOLICIONISMO, DIREITO PENAL MiNIMO E MOVIMENTO DE LEI E ORDEM ............................................ 5

2.1. 0 Abolicionismo ........................................ " ......... 5 2.2. 0 Movimento de lei e ordem ....................................... 12

2.2.1. Direito penal do inimigo .................................... 17 2.3. 0 Direito penal minima .............................. : ............ 24

CAPiTULO 3 ENFOQUES CRIMINOLOGICOS ......................................... 31 3.1. Introduc;ao ....................................................... 31 3.2. Principais areas de estudo do criminologo ........................... 32 3.3. Teorias criminologicas ............................................ 34

3.3.1. Teoria do delito como eleic;ao ................................ 35 3.3.2. Teorias das influencias ...................................... 37 3.3.3. As predisposic;oes agressivas ................................ .40 3.3.4. 0 aprendizado da delinqiiencia ............................. .41 3.3.5. Teoriado etiquetamento (labeling approach) ................. 42 3.3.6. Bullying ........... ' .. ~ . ~ ................................... 44

3.4. Conclusao ........................................................ 45

CAPiTULO 4 . CONCEITO DE PRINCiPIOS ................................................ 47 4.1. 0 caniter normativo dos principios ................................. 49

CAPiTULO 5 PRINCiPIOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILIBRIO ................................................................... 55

5.1. Principio da dignidade da pessoa humana ........................... 55 5.1.1. A concepc;ao normativa da dignidade da pessoa humana ...... :: 57 5.1.2. 0 desrespeito ao principio da dignidade da pessoa humana

- pelo proprio Estado .............. " ......................... 60 5.1.3. A relativizac;ao do principio da digr:ddade da pessoa humana ... 60

5.2. Principio da intervenc;ao minima ........... ' ........................ 62 5.2.1. Teoria do bern juridico como fundamento da intervenc;ao

minima .................................................... 63 5.2.1.1. 0 criterio de selec;ao dos bens juridico-penais e a

criac;ao tipica ........................................ 65 5.2.2. Da natureza subsidiaria do Direito Penal ...................... 72

5.3. Principio da lesividage ............................................ 76 5.4. Principio daadequac;ao sOcial .... : ................................. 81

~

A discussao, longe de ser tao-somente academica, possui uma ~o ~ indiscutivel. A ado<;ao verdadeira de urn Direito Penal Minimo, pautado na teoria garantista anrep"oada por Luigi Ferraioli, em urn Estado

~-------------~--~~~ Constitucional de Direito, fara com que 0 legislador observe atentamente os direitos fundamentais consagrados em nosso texto constitucional, bern como nos tratados e convenc;6es internacionais que digam respeito aos direitos humanos, com plena aplica<;ao em nosso ordenamento juridico.

Podera ser n~conhecido como urn Direito Penal do Equilibrio porque se colocara entre a tese d~: Direito Penal Maximo, refletido nos chamados movimentos de Lei e Ordem, bern como a tese abolicionista, capitaneada por

~:~~~n. Justifica-se a defesa do tema e 0 seu aperfei<;oamento em razao do

momenta pelo qual a sociedade brasileira vern experimentando. A criminalidade organizada apavora a popula<;ao em geral com sua audacia; infra<;6es graves sao praticadas em plena luz do dia; os meios de comunica<;ao estimulam a veicula<;ao de imagens chocantes. A sociedade, amedrontada, cede diante dos apelos veiculados pelos comunicadores de massa e passa a aderir as teses da maior criminaliza<;ao e da cria<;ao de leis que impossibilitem o retorno do agente ao convi\io social, descartando-se, quase que peremptoriamente, a possibilidade de sua recupera<;ao.

Mesmo que completamente inviavel, em face do disposto no art. 60, § 4°, N, da Constitui<;ao Federal, que diz que nao sera objeto de delibera<;ao a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, politicos inescrupulosos voltam a discutir, quase sempre as vesperas das elei<;6es, a necessidade de serem implementadas no Brasil as penas de morte.e de prisao perpetua. .

A sociedade devera ser devidamente i;n.formada sobre a ilegitimidade de tal discurso, pois que, alem de nao poder seremendada a Constitui<;ao Federal com essa finalidade, mesmo se surgisse outra ordem constitucional, com a promulga<;ao de uma nova Constitui<;ao, os direitos ja conquistados nao poderiam retroagir, como bern salientou Fabio Konder Comparato (A

afirmat;ao hist6rica dos direitos humanos, p. 291), quando assevera que "em materia de direitos humanos, nao se admite regress6es, por meio de revoga<;ao normativa, ainda que efetuada por diplomas juridicos de hierarquia superior aquele em que foram tais direitos anteriormente declarados. Se, por exemplo, a pena de morte e abolida por norma constitucional, 0 advento de nova Constitui<;ao nao pode restabelece-Ia".

Nada melhor,portanto, do que levan tar a bandeira, neste momento, do DireitoPenal Minimo, mostrando a sociedade a verdadeira face do Direito Penal, como ele seleciona as pessoas que serao punidas, 0 tempo que se perde

2 -------------------------INTRODUC;Ao

com infra<;6es de pequena ou nenhuma importancia, enquanto os processos mais graves se encontram em prateleiras empoeiradas dos cart6rios criminais, muitas vezes com varios volumes, fazendo com que a justi<;a penal prefira liquidar os feitos mais "faceis", que the trarao estatisticas de produ<;ao, em prejuizo daqueles realmente importantes.

Todo 0 aparato policial, uma vez adotado 0 Direito Penru do Equilibrio, estara livre para investigar os casos de real importancia. Incontaveis infra<;6es penais deverao ser retiradas de nosso ordenamento juridico-penal, permitindo que aquelas condutas que afetem bens juridicos de relevo recebam, com a agilidade necessaria, a puni<;ao do Estado.

Nosso objetivo neste trabruho e buscar conscientizar os legisladores e aplicadores da lei - aqui incluidos os academicos de direito -, bern como a sociedade de forma geral, a respeito da falacia do discurso repressivo, que atende so mente aos anseios da classe dominante, pois que nele vislumbra urn instrumento de coa<;ao cuja finalidade unica· e atender egoisticamente seus interesses.

Demonstraremos que 0 problema que a sociedade brasileira atravessa nao podera, jamais, ser resolvido,com a ~aZ, mas que sua origem se encontra na incapacidade do Estado de atender aos seus deveres sociais, considerados como de segunda gera<;ao, tais como a educa<;ao, a saude, 0 trabalho, 0 lazer, a previdencia social, etc., pois q,!e nossos politicos

. consideram como simplesmente programaticas as normas constitucionais qu~ fazem previsao de tais direitos fundamentais. ~

Desta forma, a orienta<;ao constante do trabalho sera dirigida, primeiramente, a retirar do nosso ordenamento juridico-penal todas as contraven<;6es penais, que fogem a 16gica do Direito Penal do Equilibrio, uma vez que se a finalidade deste e a prote<;ao dos bens mais relevantes e necessarios ao convivio em sociedade, incapazes de serem protegidos tao­so mente pelos demai~ .ramos do ordenamento juridico; e se as contraven<;6es penais sao destinadas a prote<;ao dos bens que nao gozam do status de indispensaveis, no sentido que the empresta 0 Direito Penal, a unica solu<;ao razoavel sera a sua retirada da esfera de prote<;ao por este Ultimo.

Com a revoga<;ao dos tipos penais incriminadores, que somente tern 0

condao de servir aos interesses de alguns em detrimento de muitos, 0 discurso critico sera voltado nao mais ao processo de infla<;ao, mas, sim, a deflat;ao Zegislativa. 0 jurista nao pode temer a opiniao publica que desconhece 0

verdadeiro sentido do Direito Penal. A paulatina e ordenada descriminaliza<;ao fara com que a sociedade a aceite e a entenda, sem preconceitos, pois que os resultados the serao altamente favoraveis.

---------------------_.--DlREITO PENAL DO EQUlLfBRIO:

UMA VlsAo MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

Quando for de extrema necessidade a manuten<;ao de determinada infra<;ao penal, devera ser realizada uma novalnvestiga<;ao no sentido de que a pena seja sempre nroporcional ao mal que se quer evitar com a conduta incriminada. Aplicar-se-ao, aqui, tambem como instrumentos, 0 principio da individualiza<;ao e 0 da proporcionalidade das penas. 0 principio da insignificancia devera ser de observancia obrigatoria, pois que, na impossibilidade de serem redigidos pelo legislador tipos penais extremamente minuciosos, essa tarefa competira, tambem sem qualquer preconceito, aos aplicadores da lei.

Com a dimintli<;ao do rol das infra<;5es penais, a a~kial ficara livre para realizar a sua.yerdadeira fun<;ao, que e investigar 0 fato criminoso, apontando todos os elementos informativos que possam levar a sua possivel auto ria e materialidade.

Os j~s, a partir de entao, estarao aptos a julgar somente aqueles casos que importem em grave repercussao social, que atinjam os bens mais caros a sociedade.

o sistema carcerario, a seu turno, estara apto a abrigar aqueles que violam 0 Direito Penal objetivo, buscando, na fase da execu<;ao da pena, descobrir os motivos pelos quais determinado agente optou por praticar a infra<;ao penal, a fim de que, ao permitir 0 seu retorno ao convivio em sociedade, nao 'seja ele novamente premido a praticar novas infra<;5es penais. AMm disso, sera discutido 0 procedimento de r~<~~o, hoje em dia quase que abandonado pelo sistema, que se preocupa mais em conseguir manter preso.,0 condenado do que efetivamente recupeni-Io.

o estudo voltado para 0 Direito Penal do Equilibrio teni em mira 0 nosso Direito Penai positivo, cuja analise sera realizada levando-se em conta os principio~ expressos e implicitos em nosso texto constitucional, bern como outros elencados nos tratados e conven<;5es internacionais, com plena aplica<;ao em nosso ordenamento juridico.

Acreditamos que, com a ado<;ao de urn Direito Penal equilibrado, sera afastada a sensa<;ao de impuriidade, fator que induz e estimula a criminalidade. /.-----.-.-----.---~~.

4 INTRODUC;AO

Capitulo 2

ABOLIC,IONISMO, DIREITO PENAL MINIMO E MOVIMENTO

DE LEI E ORDEM

Definitivamente, 0 discurso penal agrada a sOciedade, pois que esta nele ~ deposita as suas esperan<;as. A midia, que exerce poderosa influencia em nos so meio, se encarrega de fazer 0 trabalho de convencimento da sociedade, mostrando casos atrozes, terriveis sequer de serem· imaginaoos, e, como resposta a eles, pugna por urn Direito Penal mais severo, mais radical em suas puni<;5es. A disputa por pontos na audiencia, por venda de seus produtos, transformou nossa imprensa em urn show de horrores que, por mais que possamos repugna-Io, go stamos de assisti-Io diariamente.

E nossa missao fazer uma distin<;ao, mesmo que breve, dos atuais discursos penais, deixando a descoberto suas verdadeiras inten<;5es para que, ao final, possamos optar, racionalmente, por urn deles.

Tres movimentos ideologicos serao analisados - 0 abolicionismo, 0 discurso de Lei e Ordem e 0 Direito Penal Minimo -, sendo nosso objetivo most~ar a face de cada urn deles, aquilo; que de concreto poderao produzir em nossa sociedade, deixando de lado qualquer outro sentimento que nao seja 0 efetivo raciocmio tecnico.

Assim, mesmo que nao tenham necessariamente surgido nessa ordem, faremos 0 estudo, primeiramente, do abolicionismo; em seguida, analisaremos o movimento de ~~i e Ordem para, ao final, de acordo com 0 que ousamos chamar de Direito Penal do Equilibrio, estudarmos 0 Direito Penal Minimo.

2.1. 0 ABOLICIONISMO Nao podemos negar que 0 R!r.~!!9.E.e--!l~--!t mai~~odos os

ramos do ordenamento juridico. Depois do Direjto Constitucional, que, na verdade, nao po de ser encarado como ramo,' mas sim como tronco do ~~o, no qual todos os ramos vao encontrar sua fon~a, de validade, e 0 Direito Penal, sem d6vida, aquele. que mais necessita da a_o, urna vez que, por meio de suas san<;oes, se coloca em jogo 0 bern juridico mais relevante, apos a vida, vale dizer, a liberdade.

Tambem nao podemos negar a ~ do Direito Penal (aqui erttendido mais como sistema penal), 0 pavor que, como regra geral, causa

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naqueles que caem nas suas garras. Certo e que 0 Direito Penal tern seu publico-alvo. Nem todas as pessoas faraD parte de sua "clientela". Aqueles que militam nessa seara podem testemunhar, com seguran<;a, que 0 Direito Penal tern cor, cheiro, aparencia, classe social, enfim, 0 Direito Penal, tambem como regra, foi feito para urn ~ado de pessoas, pre-escolhidas para fazer parte do show.

Embora inumen;>s principios tentem conter a turia do legislador, sabemos que a t~a, pelo meno_s a brasileira, e a de ~do Pe~~_ ~ __ substi~<t_~~§t,~~_~cial. A nossa Constitui<;ao Federal,

) : iriovadoramente, trouxe uma serie de principios que deverao servir de norte ao legislador, bern como aos aplicadores da lei. Contudo, mesmo que formalmente tais principios nao possam ser deixados de lado, informalmente a sua inobservancia e muito comum.

A titulo de raciocinio, imaginemos somente os principios da intranscendencia (responsabilidade pessoal) e da lirnita<;ao das penas, previstos, respectivamente, nos incisos XLV e XLVII do art. 52 da Constitui<;ao.

o mencionado inciso XLV diz que nenhuma pena passard da pessoa do condenado, podendo a obrigar;iio de reparar 0 dana e a decretar;ao do perdimento de bens ser, nos termos /Ja lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, ate 0 limite do valor do patrimonio transferido.

A prime ira vista, parece-nos urn principio de ordem logica, pois que ninguem podeni ser punido por urn fato praticado por outrem. Contudo, deve ser frisado que nem sempre foi assim. Em urn passado nao muito distante, e podemos, aqui, para fins de visualiza<;ao, estipular 0 final do seculo XVIII como marco inicial da modifica<;ao do raciocinio penal, nao somente aquele que praticava a infra<;ao penal era punido, como tambem os seus familiares, 0 seu cla, enfim, a .sua sociedade de forma geral.

HOje, parece que a discussao nao tern 0 menor sentido. Entretanto, se deixarmos de lado a visao formal do principio e perguntarmos, informalmente, se a pena ultrapassa a pessoa do condenado, a resposta so pode ser positiva. Isso porque, quando 0 Direito Penal consegue entrar na "residencia de alguem", ele faz urn estrago nao somente aquele que praticou a infra<;ao penal,

~~

como tambem a todos aqueles que the sao proximos. Quem nunca assistiu a uma cena em que a mae de determinado agente chorava compulsivamente perguntando-se por que seu filho estava sendo preso? Ou a de urna esposa que, com a prisao de seu marido, passou a ser privada das minimas condi<;6es de sobrevivencia, nao tendo 0 que comer, 0 que vestir, onde morar, etc.? Seus filhos passam a mendigar. A revolta toma conta daquela familia. Abre-se 0

caminho para novas infra<;6es penais. Assim, dizer que a pena e,

consequent~mente, 0 ~~~~~soa do condenado e uma tremenda falacla. ~~J ----------

6 ABOLlClONISMO, DIREITO PENAL MfNIMO E MOVIMENTO DE LEI E ORDEM

o inciso XLVII do art. 52 da Constitui a '. nao haverd penas: a) de morte salvo em c <; 0 Federal tambem preconlza que art. 84, XIX; b) de carater per~etuo. ) d aso:e guerra declarada, nos termos do e) crueis. Todas essas limitar 6es m ' c e tra alhos [orr;ados; d) de banimento;

"Y O&ram em torno de urn . ,. . . remontam ao periodo iluminista h.d prmclplO, cUJas ongens pessoa humana. ' con eCl 0 como principio da dignidade da

o ser humano possui valores inalien ' . observados pelo Estado encarreg d d aVelS que na~ podem deixar de ser sejam poucos os direito~ tidos co a °b a lmanuten<;ao da paz social. Embora

mo a so utos pois q a liberdade 0 sao a exemplo d ,ue nem mesmo a vida e

, 0 que ocorre com a pena d de guerra declarada e a pena p. t· d . e morte, nos casos

nva Iva e hberdade tr . devem ser observados a qual ' ou os eXlstem que

quer custo como 0 d· ·t humano de na~ ser torturado d' lIel 0 que tern 0 ser

. ,. " e ser tratado de form d· raclOclnlo, a pergunta que nos f' a 19na. Nesse azemos, neste momento ' .

que, se apos 0 devido processo Ie al al ' , e a segulnte: Seni g , guem, condenado ao c .

uma pena privativa de lib d d . umpnmento de er a e, VIer a ser colocado

supedotada, onde constantement ' . I em uma cela e e VIO entado pelos dema·

sendo observado 0 principio d d· . d IS presos, estaria portanto, sendo obedecida a d ~ 19~1l a~e da pessoa humana? Estaria, penas crueis? e. ermlna<;ao com;titucional que proibe as

Parte desse raciocinio foi abSOrvido I .. ~sta, cujas origens sao atribufdas a ~~s 0 a~:Ptos .do movimento Sem.tnda Guerra Mundial con£ ~, ao final da ~ , orme nos esclarece Evandro Li Sil --

por Antonio de Padova Marqui Junior: ns eva, citado

~u~::: ~cnic~sta sucedeu, log~. ap6s a termina<;ao da Segunda Direito pe~~lal't uma forte .. re~<;ao hUmanista e humanitaria. 0

. re o~eu lelto natural . tr·lh d d ' no carnlnho que vern 1 an 0 esde "eccaria .. Nao surgiu propriamente

escola penal mas il.zn.-.mt/ . uma nova influindo de' d· OVImento, sumamente criativo, que vem segunda meta: d: l:~e~soxxna re~orma.pen~ e penitenciaria da

. . ec 0 . Fm seu Ideallzador 0 advo ado professor Filhpo Gramatica que fundou em G'" g e Ce tr dE' ,enova, em 1945 urn

n 0 e studos de Defesa Social Gram ti· d ' . - d. . a ca a otava uma posl<;ao ra lcal. Para ele a Defesa Social co . t· destinada a garantir a ordem .al nSlS Ida.na a<;ao do Estado . SOCI , me lante meios q Importassem a propria aboli<;ao do Direito Pen . ue penitenciarios vigentes.' aI e dos sistemas (

A crueldade do Direito Penal, a sua natureza seletiva .. . . cumprir com as fim<;6es atribufd· ... ~, a mcapacldade de

~ as as penas (reprova<;ao ~o), a

1 Apud MARCHI JUNIOR, Antonio de Padova. Abolicionismo criminal. Disponfvel. . . em. www dlreltQpenal adv br.

7

caracteristica extremamente estigmatizante, a cifra negra2 correspondente as infra«;oes penais que nao foram objeto de persecu«;ao pelo Estado, a sele«;ao do que deve ou nao ser considerado como infra«;ao penal, bern como a possibilidade de os cidadaos resolverem, por meio dos outros ramos do ordenamento juridico (civil, administrativo, etc.), os seus contlitos interindividuais, levaram urn grupo de autores a raciocinar, definitivamente, com a tese abolicionista.

Conforme destacado por Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, o abolicionismo e urn movimento impulsionado por autores do norte da Europa, embora com considenivel repercussao no Canada, Estados Unidos e na America Latina. Partindo da deslegitima«;ao do poder punitivo e de sua in~ll-e~g.~~~~!_~~~itos, postula o d~S1\e~ef.!Jlle~-(t?3~~9!~~enal e sua substitui«;~o por ~odelos de solu«;ao de contlitos alternatlvos, preferentemente lnformrus. Seus mentores partem de ~ bases ideo16gicas, podendo ser assinalada de modo prevalentemente a fenomenol6gica, de Louk Hulsman, a marxista, da primeira fase de Thomas Mathiesen, a fenomeno16gico-hist6rica, de Nils Christie e, embora nao tenha formalmente integrado 0 movimento, nao parece temenirio induir neste a estruturalista, de Michel Foucault.3

Sem duvida, sao autores comprometidos com 0 principio da dignidade da pessoa humana, que chegaram as suas condusoes d~~i<lade do sistema penal. A puni«;ao dos fatos de bagatela, por urn lado, e a irnpunidade dos crimes de colarinho \;lranco, por outro, constituem exem~h~s daros da fujusti«;a do sistema penal. E, ainda, incriminar ou nao incriminar? 0 que faz permitir a transforma«;ao de urn fato que, ate ontem, era plenamente tolerado e~ urna conduta proibida pelo Direito Penal?

Louk Hulsman, urn dos precursores do movimento abolicionista, assevera: Nao se costuma perder tempo com manifesta«;oes de simpatia pela sorte do homem que vai para a prisao, porque se acredita que ele fez por merecer. 'Este homem cometeu urn crime' - pensamos; ou, em termos mais juridicos, 'foi julgado culpavel por urn Jato pun(vel com pena de prisao e, portanto, se fez justi«;a ao encarcera-Io'. Bern, mas 0

2 Dissertando sobre a cifra negra, esclarecem Juan J. Bustos Ramirez e Heman Hormazabal Malaree, in Nuevo Sistema de derecho pf:]na/, p. 37: "A estatistica criminal se confecciona a partir dos dados registrados pelos 6rgaos do controle social penal. Isso quer dizer que ha um grande numero ~e fatos ~univeis que po.r ~ao .terem sido registrados nao formam parte da estatistica criminal. Estes fatos constltuem a citra negra da cnmlnahdade. Com efeito, nem todo delito e denunciado. Nem todos os delitos denunciados sao registrados como tais pelo 6rgao ante 0 qual foi feita a denuncia. Nem todos os delitos denunciados e registrados pelo 6rgao que recebeu a denunpia sao opj~tQ :de investiga~aoe nem. todos .osinvestigados acabam sendo condenados. Deste modo, de acordo com 0 nivel do 6rga~ a partir do qual se 'efaborou a estatistica~ mais alta sera a cifra negra. Dito em outras palavr'aS',nao eo mesmoelaborara estatisticascriminais a partir das sen.ten~ conden~t?rias que dos fat~s denunciadosa poIicia· Entre a comissao do delito e a senten~a condenat6na atuam uma sene de filtros que nao permitem contar com dados estatisticos confiaveis". 3 BAllSTANilo;ZAFFARONI, EugeniO Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, v.l, p. 648.

- ......................... - - - - ___ • _ ...... ~.,.,.. ..... .., ... ., .. '0 nnnDIl.

que e urn crime? 0 que e urn 'fato punivel?'Como diferenciar urn fato pun(vel de urn fato nao-punivel?

Por que ser homossexual, se drogar ou ser bigamo sao fatos puniveis em. alguns paises e nao em outros? Por que condutas que antIgamente eram puniveis, como a blasfernia a bruxaria a tentativa de. s~ici~io, etc, ~o!e na~ sao mais? As CienCias'criminais ~useram em eVldenCla a r atiVldade do conceito d~ infra«;ao, que varia no tempo e no espa«;o, de tal modo que 0 que e ehtuoso' em urn contexto e aceitavel em outro. Conforme voce tenha nascido num lugar ao inves de ~utro, ou numa deterrninada epoca e nao em outra, voce e ~~sslvel- ~~ n~o - ~e ser encarcerado pelo que fez, ou pelo que e.4

A cr~ti~a abohc.lOlllsta e construida desde 0 momento em que surge a lei pen~, prOlbln.do ou lmpondo determinado comportamento sob~a amea«;a de ~an~a~, questionando os criterios, bern como a necessidade do tipo penal l~cnrmnador, passando pela escolha das pessoas que, efetivamente, sofrerao os ngore.s ~a lei penal"pois que, como e do conhecimento de todos, a "dientela" do . Dlfe~to Penal e constituida pelos pobres, rniseraveis, desempregados, estigmatizados por questoes raciais, relegados em segundo plano pelo Estado, que deles soment~ se lembra no momento crucial.de exercitar a sua for«;a como form~ de conten«;ao das massas, em beneficio de uma outra dasse, considerada supenor, que necessita desse "muro divis6rio" para que tenha tr iiilid d paz e

anq . a e, a ~ de que possa "pro~UZir e fazer prosperar a na«;ao". Mas as critlcas nao se limitam a esses momentos. Mesmo tendo

conhecimento do "publico-alvo" do Direito Penal, grande parte dele fica de fo~a, fazendo parte daquilo que se convencionou chamar de cifra negra, ou seJa, aq~ela parcela, na verdade a maior, de infra«;oes penais que nao chega ao conhecImento dos 6rgaos formais de repressao (polfcia Ministerio Pu'bli M . 'co,

~~lstratura, etc.). Na verdade, no que diz respeito a cifra negra, asseveram Hasse~er e Munoz Conde que "nem todos os delitos cometidos chegam a ser conhecldos; nem todos os delitos conhecidos chegam a ser denunciados· nem todos os delitos denunciados chegam a ser esdarecidos; nem todos os delito~ esdarecidos chegam a ser condenados".5

. ~uando 0 Estado consegue fazer valer 0 seu ius puniendi, com a aphca«;ao da pena previamente cominada pela lei p~nal, essa pena nao cumpre as fun«;oes que the sao conferidas, isto e, as ~ar e p~o.

Alem do mais, aquelas condutas que foram selecionadaspelo Estado, de acordo com urn criterio politico, para fazerem parte do ambito de aplica«;ao do

: HULSMAN, LO~k; ~E CELI~, Jacqueline Bernat. Penas perdidas - 0 Sistema penal em questao, p. 63. HASSEMER, Wlnfrled; MUNOZ CONDE, Francisco. Introducci6n a la crimino/ogia, p. 148.

-------------------------DlIlBITO PBNAL DO BQUILfBRIO:

.. , ~

9

Direito Penal, poderiam, muito bern, acaso ge~.adoras de confiitos, merecer a atenc;ao tao-somente dos demais ramos do ordenamento juridico, principalmente do Direito Civil e do Direito Administrativo, preservando-se, dessa forma, a dignidade da pessoa human a, que nao se encontraria na estigmatizante condiC;ao de condenada pela Justic;a Criminal.

Em suma, a ~, para os abolicionistas, e urn ~to completamente _~al, que nao pode ser aplicado sem que se ~a d~~~lll!.Il1ano .. · .

Contudo, por mais que seja digno de elogios 0 raciocmio abolicionista,

~~~~~ac;?esR~a as_g~.~~/!l~-?_~~~g~te~~ativa a nao ser a aplicaC;ao do Difeito---penal. Como deixar a cargo da propria sociedade resolver, por exemplo, por intermedio do Direito Civil ou mesmo do Direito Administrativo, urn caso de latrocinio, estupro, homicidio, ou seja, casos graves que mere cern urna resposta tambem grave e imediata pelo Estado.

Thomas Mathiesen, professor de Sociologia do Direito da Universidade de Oslo, mesmo sendo urn abolicionista convicto, chegou a confessar:

Temos que admitir talvez a possibilidade de se encarcerar alguns individuos permanec;a. A forma de se tratar deles deveria ser completamente diferente Uo que acontece hoje em nossas prisoes. Uma forma dis to ser assegurado, contra 0 aurnento de seu nillnero devido a urna mudanc;a de criterios, seria estabelecer um limite absoluto para 0 mimero de celas fechadas para tais pessoas a ser aceito em nossa sociedade.6

Embora extremamente louvavel 0 discurso abolicionista, 0 certo e que, para determinados fatos graves, ~elizmente, nao existe outro remedio a nao se~ 0 Direito Penal, nao have·ndo qualquer possibilidade, pelo menos na sociedade atual, de abrirmos mao do sistema penal, sob 0 argumento de que os outros ramos do ordenamento juridico sao capazes de resolver quaisquer tipos de conflitos e lesoes a bens juridicos de relevo.7

Em que pese a tese abolicionista preconizar que 0 Direito Penal nao e 0

instrumento habil para levar a efeito 0 juizo de censura sob os comportamentos desviados, ate 0 momento, infelizmente, como ja 0

6 MATHIESEN, Thomas. A caminho do seculo XX/- abolic;ao, um sonho impossivel? - ConversaQoes abolicionistas, p.277. ' 7 Nesse sentido, prelecionam Winfried Hassemer e Francisco Munoz Conde, in Introducci6n a la criminologia, p.362: "As propostas abolicionistas radicais soam nos momentos atuais, pelo menos com respeito aos delitos mais graves e preocupantes para a sociedade, como musica celestial e, na melhor das hip6teses, parecem ut6picas. Sem embargo, nao se deve menosprezar sua importancia como critica aos sistemas de reaQao it criminalidade de canUer punitivo atualmente existentes e como movimento para sua revisao e reforma. Sem dUvida saria melhor que os conflitos sociais se solucionassemde forma'dialogada atraves de negoc:iaQoes entre os implicados, livres de toda inger€JOcia ou coaQlio eXtema, ou que as normas que regulam a convivencia fossem respeitadas por todos voluntariamente sem necessidade de se recorrer it sanQao em caso de sua infringencia. Mas isso nao parece possivel em uma sociedade na qual a convivencia em si mesma €I conflitiva, e a (mica forma de soluQiio do conflito €I a imposiQiio de sanQOes aqueles que infrinjam as normasft

10 ABOLICIONISMO, DlREITO PENAL MfNIMa E MOVIMENTO DE LEI E ORDEM

dissemos, na~ conseguimos vislumb . ,. d rar outro que seJa cd" pratlca e comportamento apaz e Impedir a

" s graves, causador " rrreparaveis a sociedade" es mUltas vezes, de danos

Podemos raciocinar com Edmundo or " Ab I" . - Ivelra, quando aduz:

o If as pnsoes: sera essa logica possivel'" Em nivel institucional nao vemos co· A

concretizado, sobretudo na America mo. esse fenomeno possa ser Poder Executivo e do Pod J d. ", ~abna, onde as estruturas do

er u ICIariO nao " . " plausiveis para a adoc;ao d " A" prOplCIam condlc;oes abolh;ao da instituic;ao car;e;:~:r~e=Ias abolicionistas" Advogar a utopico. e ser urn nobre desejo, mas

AMm desses aspectos, por maio res ue se" " _ pena privativa de lib d . d q Jam as contqldic;oes que a

er a e encerre· p " . seus efeitos; por mais altos .' or mms negativos que sejam pais tern procurado 0 cam:ose~::~eu.s custos ~ociais, nenhum especialmente porque ainda oli-Ia do arsenal punitivo, coletividade de que apr" - prevalece a crenc;a, no seio da " ' Isao representa melh mquietac;oes engendradas pelos or r~sposta para as

Com 0 brilh t" comportamentos delinqilentes"8 an lsmo que the e peculiar Ant~ "

JUnior, dissertando sobre a impos ·bili"d d ' nlO .de .Padova Marchi . Sl a e atual de se at t '

o SIstema penal, erige a alternati d "" as ar icompletamente lh va 0 DIreito Penal M' ,.

me or se adapta as necessidades sociais: . mlmo como 0 que

o abolicionismo surgiu a partir d que havia significado urn a percepc;ao de que 0 sistema penal, /

enorme avanc;o da hum "d d / ignominia das torturas e anI a e contra ab/ contra a pena de mort " " \ \. macabros encontram-se retr t d. e, cUJos ntuais-J

F aa os na msuperavel ob d l\,f"

~~cault, perdeu sua legitimidade co. ra e ... ~.hel socIaI--' . . mo Instrumento de controle

To davia, 0 movimento abolicionis " leoitimidad - "ta, ao denunclar essa perda de

lY e, nao conse lU ropor urn m't d "bili e 0 0 segtl[o ~os t a aboliC;ao imediata do sistema . ara

lffipasse, 0 principio da interven~ao minim pe .. Dlan~e de tal ampla adesao da maioria da doutrin

a co~ st?U rapldamente abolicionistas que passaram a enxer ar 1 a, mcl~s~ve de alguns abolic;ao da pena" g ne e urn estagIo em direc;ao a

De fato, a opc;ao pela construc;ao de sociedades melh . . e mais racionais im - _ ores, mms Justas reduc;ao do siste~a ~::~ :::::~~a~a~a nealcessidade imediata de

se canc;a a abolic;ao, de

8 OLIVEIRA, Edmundo. 0 futuro altemativo das prisoes, p. 85.

--------------DlREITO PENAL D~ ;;u~LiB~;O~ - - •

UMA VlSAO MINIMAL~STA DO DIREITO ·PENAL 11

forma a manter as garantias conquistadas em favor do cidadao e, ao mesmo tempo, abrir espa«;o para a progressiva aplicac;ao de mecanismos nao penais de controle, aMm de privilegiar medidas preventivas de atua«;ao sobre as causas e as origens estruturais de conflitos e situa«;oes socialmente negativas.9

2.2. 0 MOVIMENTO DE LEI E ORDEM Se 0 movimento abolicionista, por melhores que sejam as inten«;oes de

seus defensores, esta fadado, pelo menos nas pr6ximas decadas, ao insucesso, pois que a sociedade nao e capaz de abrir mao do Direito Penal no que diz respeito a repressao dos comportamentos que atacam os bens mais importantes e necessarios ao convivio social, em. sentido diametralmente oposto se encontra a tese do chamado movimento de Lei e Ordem, que prega urn discurso do Direito Penal Maximo, fazendo a sociedade acreditar ser 0

Direito Penal a solu«;ao de todos os males que a afligem. A midia, no final do seculo passado e inicio do atual, foi a grande

propagadora e divulgadora do movimento de Lei e Ordem. Profissionais nao habilitados (jornalistas, rep6rteres, apresentadores de programas de entretenimento, etc.) chamaram para si a responsabilidade de criticar as leis penais, faz~ndo a sociedade acreditar que, mediante 0 recrudescimento das

.penas, a cria«;ao de novos tipos penais incriminadores e o.afastamento de determinadas garantias processuais, a sociedade ficaria livre daquela parcela de individu~s nao adaptados.lO

Como bern destacou Leonardo Sica, o terreno fertil para 0 desenvolvimento de urn Direito Penal simb6lico e uma sociedade amedrontada, acuada pela inseguran«;a, pela criminalidade e pela violencia urbana. Nao e necessaria estatistica para afirmar que a maioria das sociedades modernas, a do Brasil dramaticamente, vive sob 0 signo da inseguranc;a. 0 roubo com tra«;o cada vez mais brutal, 'seqiiestros­relfunpagos', chacinas, delinqiiencia juvenil, homicidios, a violencia

9 MARCHI JONIOR, Antonio de Padova. Abolicionismo criminal. Dispon[vel em: wwwdireitopenal adv.br. 10 Emiliano Borja Jimenez, in Curso de polftfca criminal, p. 91, prele~iona que "em .defi~itivo, se quer responder a certas exigencias dos cidadaos (sob 0 ausp[cio exagerado dos melos de comuOlcac;ao demassa) de uma luta sem quartel contra a criminalidade, atraves de uma p~~[tic~ de 'lei. ~ orde~' q~? poe 0 acento quas: que exclusivamente na protec;ao da sociedade. Em consequencla, a polltlca pe_OItenclana cum pre ~ma func;ao de 'incapacitac;ao social' do delinquente enca:minhadanosentido de que es.te ~~o cau~e dana ,E1 socled~de durante o tempo em que se encontre internado. Cumpre uma'func;ao de pura retnbUlc;ao, POlS 0 ca~lgo se satlsfaz quase integralmente, com pouqas possibilidades de diminuic;ao. ~ cumpreumafunC;ao depre~enC;~Qger~I, posto q~e se

erseguecom a privac;ao de liberdade da maioria dos condenados que 0 r~sto ~os cldadaos. eVlte .0 deseJo de ~erpetrar fatos delitivos por medo das conseque.n~ias ~epresentadas. pe~~ situac;ao rea~ dos reus. Flnalme~te, a func;Ao de prevenc;ao especial dirigida a que 0 sUJe~t? nao venha ~ dehnqulr no futuro, so se alc.an~a ~or melo da intimidac;ao que sofre 0 reu em um regime tao restntlvo para sua hberdade e do resto de seus dlreltos .

............... -- ....... . ---- --_ .. a ..... 4''''T,..lI.._ n ll.cn"'UIlNTn np. I.P.I E ORDEM

propagada em 'cadeia nacional', somados ao aumento da pobreza e a concentra«;ao cada vez maior da riqueza e a verticaliza«;ao social, resultam numa equa«;ao bombastica sobre os animos populares. 11

o convencimento e feito por intermedio do sensacionalismo da tr~smissao. de. imagens chocantes, que causam r~volta e repulsa no ~eio SOCIal. HomicidlOS crueis, estupros de crian«;as, presos que, durante rebelioes, t?rturam suas vitimas, corrup«;oes, enfim, ~ sociedade, acuada, acredita Sinceramente que 0 Direito Penal sera a solu«;ao para todos os seus problemas.

? Estado Social foi deixado de lado para dar lugar a urn Estado Penal. Inv~sti~en~os em ensino fundamental, medio e superior, lazer, cultura, saude, habIta«;ao sao relegados a segundo plano, priorizando-se 0 setor repressivo. A toda hora 0 Congresso N acional anuncia novas medidas de comb ate ao crime.

Como bern enfatizou Joao Ricardo W. Domelles,

o mito do Estado Minimo e SUblinhado, debilitando 0 Estado Social e glorificando 0 'Estado Penal'. E a constituic;ao de urn novo sentido comum penal que aponta para a criminaliza«;ao da rniseria como urn mecanismo perverso de controle social para, atraves deste caminho conseguir regular 0 trabalho assalariado precario em sOciedade~ capitalistas neoliberais.12

. Sempre vern a lume 0 exemplo norte-americano, principalmente do mOVlIDento denominado Tolerdncia Zero, 13 criado no come«;o da decada de 90 do seculo passado, na cidade de Nova, York. '

, Naquela oportunidade, 0 entao1prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, apos 0 sucesso de sua campanha eleitoral, em 1993, assume 0 cargo de chefe do Poder Executivo m~nicipal, dando inicio ao plano denominado Tolerancia Zero, juntamente .. ~oru. 0 chefe de policia William Bratton. Nas precis as coloca«;oes de LOlc Wacquant,

essa teoria, jamais comprovada empiricamente, serve de alibi crirninol6gico para a reorganiza¢o do trabalho policial empreendida por William Bratton, responsavel pela seguran«;a do metro de Nova York, promovido a chefe de policia municipal. 0 objetivo des~~ reorganiza«;ao: refrear 0 medo das classes medias e superiores _ as que votam - por meio da perseguic;ao. permanente dos pobres nos espa«;os publicos (ruas, parques, estac;oes 'ferrovianas, onibus e metro

~~ SICA, Leonardo. !?ire~to penal de emergencia e altemativas a prisao, p. 77. 13 DORNE~S, Joa~ Ricardo "'!. ?onflitos e segurant;a - Entre pombos e falcaes, p. 54.

Com mUita propnedade, Wlnfried Hassemer e Francisco Munoz Conde, in Introducci6n a la criminologia p. 235, ent~ndem que ".a tolerancia zero constitui uma foma de disciplina e de crintencao dos setores mai~ desfavorecldos economlcament~, e nao uma verdadeira soluc;ao ao problema SOCial que coridiciona esses comportamentos. 0 Esta~o SOCial se _ transf~rma assim em um Estado penal que, atraves do Direito Penal, pretende 0 ~ontrole da mao de obra nao quahficada que nao pode absorver 0 mercado de trabalho ou que nao quer assumlr 0 trabalho descontlnuo e mal retribuido que se Ihe oferece" .

-------------------------DIREITO PENAL DO BQUILIBRIO: 13

etc.). Usarn para isso tres meios: aurnento em 10 vezes dos ef~~vos e dos equiparnentos das brigadas, restitui<;ao das responsa?ili~ades operacionais aos comissarios de bairro com obriga<;ao qu~tttativa de resultados, e urn sistema de radar informatizado (com arqulvo central sinaletico e cartognifico consultavel em microcomputadores, a bordo dos carros de patrulha) que permite a redistribui<;ao continua e a interven<;ao qUC;lse ~stantanea das for<;as da .ordem, desem~ocando em uma aplica<;ao inflexivel da lei sobre delitos menores talS como embriaguez, a jogatina, a mendicancia, os atent~dos. a?s cost~mes, simples amea<;as e 'outros comportarnentos anti-SOCIalS assoclados

aos sem-teto', segundo a terminologia de Kelling.14

Tarnbem merecem destaque as criticas realizadas por Jock Young,

quando con dena a politica de tolerancia zero: , ' . Como manobra que objetiva limpar as mas de destro<;os h~m~os, como parte do processo de exclusao conco~it~te a emergencl~ de urna sociedade com grande popula<;ao margmalizada e empob~eclda, a qual deve ser dominada e contida - urn processamento a~uarlal ~ue se preocupa mais com sanearnento do que com justi<;a. POlS os fellZes compradores nos shopping~ nao podem ser perturbados pelo grotesco

I di 15 dos despossuidos, que bebem em p eno a. A politica de tolerancia zero e .u~~ das vertent~s do ch~~d~

movimento de Lei e Ordem. Por intermedlo desse mOVlmento. politico criminal, pretende-se que 0 Direito Penal seja 0 protetor ~e: baslc~ente, todos os bens existentes na sociedade, nao se devendo perqUlnr a res pelto d.e sua importfulcia. Se urn bern jurfdico e atingido por urn comportamento antt­social, tal conduta podera transformar-se em infra<;ao penal, bastando, para

tanto, a vontade do Iegislador. . . , . . . Nesse raciocmio, procura-se educar a sociedade sob a OtiC~ do Dlrelto

Penal, fazendo com que comportarnentos de pouca mo~ta" ~relevantes, sofram as conseqiiencias graves desse ramo do ordenamento )undico. 0 papel

d d do Dl'reito Penal faz com que tudo interesse a eIe, tendo como e uca or . b'1' conseqiiencia I6gica desse raciocinio urn Direito puramente. s~ OICO, impossivel de ser aplicado. Discorrendo sobre 0 s~bolism? do D~relto Penal, NUo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, com maestna, preIecI~n~. _

Para a lei penal nao se reconhece outra ~fica~la ~e~ao a de

tr iiilizar a opiniao publica, ou seja, urn ~o, com 0 anq . b'I' 'a qual se desemboca em urn Direito Penal de riscosrr.n 0 ICO, ou se) ,

os riscos nao se neutralizariam, mas ao indUZlf as pessoas a

14 WACQUANT, Lo"ic. As prisoes da miseria, p. 26. 15 YOUNG, Jock. A sociedade exc/udente, p. 199-200.

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I I

acreditarem que eles nao existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a urn Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em urn mero difusor de ideologia.16

Ou ainda, conforme aduz Claudio do Prado Amaral, usa-se indevidamente 0 Direito Penal no Ie do engano de estar dando retorno adequado a toda criminalidade moderna, mas que em realidade nao faz mais que dar revide a uma rea<;ao meramente simbolica, cujos instrumentos utilizados nao sao aptos para a luta efetiva eeficiente contra a criminalidade.17

Nao se educa a sociedade por intermedio do Direito Penal. 0 raciocinio do Direito Penal Maximo nos conduz, obrigatoriamente, a sua falta de credibilidade. Quanto mais infra<;oes penais, menores sao as po~sibUidades de serem efetivamente punidas as condutas infratoras, tornando-se ainda mais seletivo e maior a cifra negra.

Beccaria ja dizia, em 1764, que "a certeza de urn castigo, mesmo moderado, sempre causara n\ais intensa impressao do que 0 temor de outro mais severo, unido a esperan<;a da impunidade [ ... ]".18

Para os adeptos do mOvlmento de Lei eOrdem, as penas ditas alternativas, que evitam 0 desnecessario encarceramento do agente que praticou urna infra<;ao penal de pouca ou nenhuma importap.cia, estimula 0

cometimento de outros delitos. Ralf Dahrendorf, criticando 0 raciocinio das penas substitutivas,

assevera: Uma teoria penal que abomina a deten<;ao a ponto d~ substitui-Ia totalmente por multas e traballio util, por 'restri<;~~s.ao padrao de vida', nao s6 contem um erro intelectual, pois. confunde lei e economia, . como tambem esta socialmente errada. Ela sacrifica a sociedade pelo individuo. Isso pode soar a alguns como incapaz de sofrer obje<;oes, ate mesmo desejavel. Mas tambem significa que uma tal abordagem sacrifica certas oportunidades de liberdade em nome de ganhos pessoais incertos. Ser gentil com infratores podera trazer a tona a sociabilidade escondida em alguns deles. Mas sera urn desestimulo para muitos, que estao longe do palco criminoso, de contribuir para 0 processo perene de liberdade, que consiste na sustenta<;ao e na modelagem das institui<;oes criadas pelos homens.19

16 BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, v. I, p.631. 17 AMARAL, Claudio do Prado. Princfpios penais - Da legalidade a culpabilidade, p. 155-156. 18 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 87. 19 DARHENDORF, Ralf. A lei e a ordem, p.109.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

15

Assim, resumindo 0 pensamento de Lei eOrdem, ~~ Di.~l(L~ell~Ldeve

pr~~~.2e~~~or.Deveser utilizado como prima ratto, e nao como ulttma ratzo ila lnterven<;ao do Estado perante os cidadaos, cumprindo urn p el cu 0 eminente.mente ed~cador e re~ nao permitindo que as C9~!9~~?~~~~por ~or que sejam, deixeIIl de ~~L~p-rimidas. v-- Ob~~eirte q~ai'~iocinio, por mais que traga urn falso conforto a

sociedade, nao pode prosperar. Isso porque a propria s~c~edade nao ~ol~~aria ~

~~.Q._~~~~z.~~-!!p'-q~j!:§.OCIaIS, aos qUaI~ J~ ~st~ acostumada a praticar cotldIanamente. 0 mms Interessante desse raClOClllO :

que som~.&-~~-? rig!~~/~~.~~e~~e~~ __ ~~_~~_do ela e diri~a ~tr~nhos, melhor dizendo, S6IDente conceoemos a aphca<;an de urn DlreitOPenru M~o quando tal raciocinio nao e voltado contra nos mesmos, contra nossa familia, contra nossos amigos, enfim, Direito Penal Maximo somente para os "outros", e, se possivel, nem 0 "minimo" para nos.

Os adeptos, portanto, do movimento de Lei e Ordem, optando por urna politica de aplica<;ao maxima do Direito Penal, entende~ que Ato~oS os comport ento svi i~e en ntemente do grau de lIDpO.rt~CIa que se de a eles, merecem 0 juizo de censura a ser leva 0 a ~ltO Penal.

Na verdade, 0 numero excessivo de leis penais, que apregoama promessa de maior puni<;ao para os delinqiientes infratores, s~~ente culmina por enfraquecer 0 proprio Direito Penal, que perde seu preStlglO e valor, em razao da certeza, quase absoluta, da impunidade.

Jorge de Figueiredo Dias eManuel ;da Costa Andrade, citando H. Packer, afirrnam co~n precisao:

... ' Como refere Packer, cada hora de labor da policia, do ministerio publico, do tribunal e das autoridades penitencianas ga~ta no~ dominios marginais do direito criminal, e uma hora retirada a preven<;ao da criminalidadeseria. Inversamente, cada infrac<;ao trivial ou duvidosa eliminada da lista das infrac<;oes criminais representa a liberta<;ao de recursos essenciais para uma resposta mais eficaz as prioridades cimeiras do sistema penal.20

Luiz Luisi, com brilhantismo, nos faz lembrar que no nosso seculo tern sido· inurneras as advertencias sobre 0

esvaziamento da for<;a intimidadora da pena como conseqiiencia da cria<;ao excessiva e descriteriosa de delitos. Francesco Carnelutti fala em infla<;ao legislativa, sustentando que seus efeitossao anruogos ao da infla<;ao monetaria, pois 'desvalorizam as leis, e no concernente as leis,penais aviltam a sua eficaciapreventiva geral' .

20 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia - 0 homem delinquente e a sociedade crimin6gena, p. 411.

Em recente publica<;ao - onde 0 fen orne no da hipertrofia do Direito Penal e ampla e exaustivamente analisado -, Carlos Enrico Paliero, fala em crescimento 'patologico' da legisla<;ao penal.

Todavia 0 fenomeno do crescimento desmedido do Direito Penal tambem ocorre no mundo anglo-saxao. Herbert Packer, em urn livro intitulado The limits of criminal sanction, registra que a partir do seculo ~assado houve urn enorme alargamento das leis penais pelo fato de ter sldo entendido que a criminaliza<;ao' de toda e qualquer conduta indesejavel representaria a melhor e mais facil solu<;ao para enfrentar os problemas de uma sociedade complexa e interdependente em continua expansao. Nos Estados Unidos, Kadish em trabalho a que deu o nome de The crisis of a vercriminalization fala do emprego 'superfluo ou arbitrano' da san<;ao criminal, contendo uma massa de crimes, que em seu quantitativo superam as disposi<;oes incriminadoras previstas nos Codigos Penais. No Canada - segundo infonna Leclerq _, a comissao encarregada da refonna penal, fez, em 1974 urn levantamento dos crimes previstos na legisla<;ao canadense, tendo chegado ao nu.mero assustador de 4l.582 tipos de infra<;oes criminaiS.21

Enfim, 0 falacioso discurso do movirnento de Lei e Ordem,. que prega a m~a interven<;ao do Direito Penal, somente nos faz fugir do alvo principal, que sao, na verdade, ,as infra<;oes penais de ande otencial ofensivo, que a· em 0 ens . s imI>0rtantes e necessarios ao convivio social, pois que nos fazem perder tempo, talvez. propo~~os desvios, condutas de pouca ou nenhuma relev3ncia, servindo, tao-somente, para afirmar 0 carater simbolico de urn Direito Penal que procura ocupar 0 papel de educador da sociedade, a fim de encobrir 0 grave e desastroso defeitodo Estado, que nao consegue cumprir suas fun<;oes sociais, permitindo que, cada dia mais, ocorra urn abismo economico entre as classes sociais, aumentando, assim, 0 nivel de descontentamento e revolta na popula<;ao mais carente, agravando, conseqiientemente, 0 nu.mero de infra<;oes penais aparentes, que, a seu turno, causam desconforto a comunidade que, por sua vez, come<;<l: a damar por mais justi<;a. 0 circulo vicioso nao tern fim.

2.2.1.Direito penal do inimigo

Ain~ilia" do Direito Penal Maximo, com~ urn de seus m ros mais a /"' ssivos, po~aca;--;;cniur!ado_~t1O--Pena-l--do.Jnimigo, des nvolvido pe 0 pro or emao Giinter Jakobs, na secunda metade da ~.

21 LUISI, Luiz. Os princfpios constitucionais penais, p. 28-29.

-----._------------------DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO:

........... 'I'1'~%1"10 ..... 1'1It.1".· .... 1' .~T" no" r'IoTDUT'T'n DD'ft.l .... l' 17

Jakobs, por meio dessa denomina¢o, procura tra<;ar urna distinc;ao entre urn Direito Penal do Cidadiio e urn Direito Penal do Inimigo. 0 primeiro, em urna visao tradicional, garantista, com obselVancia de todos os principios fundamentais que the sao pertinentes; 0 segundo, intitulado Direito Penal do Inimigo, seria urn Direito Penal despreo~do com seus princip~~ep.tais, pois que nao estariamos dianteaecidadao~~ado.

o raciocmio seria 0 de v adeir estado de guerra, razao pela qual, de acordo com Jakobs, numa g'tierra, as regras do jogo evem ser diferentes. 0 Direito Penal do Inimigo, conforme salienta Jakobs, ja existe em nossas legislac;oes, gostemos ou nao disso, a exemplo do que ocorre no Brasil com a lei que dispoe sobre a utilizac;ao de meios operacionais para a prevenc;ao de ac;oes praticadas por organizac;oes criminosas (Lei nU 9.034, de 3 de maio de 1995).

Segundo 0 autor, o Direito penal conhece dois polos ou tendencias de suas regulac;oes. Por urn lado, 0 trato com 0 cidadao, em que se espera ate que este exteriorize seu fato para reagir, com 0 fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, 0 trato com 0 inimigo, que e interceptado prontamente em seu esteigio previo e que se comb ate , por sua perigosidade.22

I .

Rei pessoas, segundo Jakobs, que decidiram se afastar, de modo duradouro, do Direito, a exemplo daqueles que pertencem a organizac;oes criminosas e grupos terroristas. Para esses, "a punibilidade se adianta urn grande trecho, ate 0 ambito da preparafiio, e a pena se diri.ge a assegurar fatos [uturos, nao a sanc;ao de fatos cometidos" .23

Para Jakobs, ha pessoas que, por sua insistencia e~·delinqillr, voltani ao seu estado natural antes ~o estado de direito. Assim, segundo ele,

um·individuo que nao admite ser obrigado a entrar em urn estado de cidadania nao pode participar dos beneficios do conceito de pessoa. E e que 0 estado natural e urn estado de ausencia de norma, quer dizer, a liberdade excessiva tanto como de luta excessiva. Quem ganha a guerra determina 0 que e norma, e quem perde ha de sub meter -se a essa determinac;ao.24

o Estado, condui, "pode proceder de dois modos com os delinquentes: pode ve-los como pessoas 'que delinqiiem, pessoas que cometeram urn erro, ou individuos aos que hei de impedir mediante coac;ao que destruam 0

ordenamento juridico" .25

22 JAKOBS, GUinther; CANCIO MELIA, Manuel. Derecho penal del enemigo, p. 42. 23 JAKOBS, GUinther; CANCIO MELIA, Manuel. Derecho penal del enemigo, p. 40. 24 JAKOBS, GUinther; CANCIO MELIA, Manuel. Derecho penal del enemigo, p. 40-41. 25 JAKOBS, GUinther; CANCIO MELIA. Manuel. Derecho penal del enemigo, p. 47.

18 ABOLICIONISMO, DIREITO PENAL MfNIMO E MOVIMENTO DE LEI E ORDEM

Manuel Cancio Melia, analisando a proposta de Jakobs, esdarece:

Segundo Jakobs, 0 Direito penal do inimigo se caracteriza por tres elementos: em primeiro lugar, se constata urn amplo adiantamento da pu ·bil·d d .

ill 1 a e, quer dizer, que neste ambito, a perspectiva do ordenamento juridico-penal e prospectiva (ponto de referencia: 0

fato ~tu:O), em lugar de - como e habitual- retrospectiva (ponto de r~ferencla: 0 fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas sao d~sproporcio~adamente altas: especialmente, a antecipac;ao da barrerra de punlc;ao nao e tida em conta para reduzir em corres~ondencia a pena ameac;ada. Em terceiro lugar, determinadas garaIltlaS processuais sao relativizadas ou, inclusive, suprimidas.26

o chamado Direito Penal do Inimigo encontra-se, hoje, naquilo que se reconh~ce como a terceira velocidade do Direito Penal. De acordo com 0 que se denomma processo de expansiio do Direito Penal 27 podemos . d 1· - d' . " segum 0 as lc;oes e jesus-Marla Silva Sanchez visualizar t~ "ekl"irl"rl... t A {:

d ·{: , ,~~~, res enloques llerentes que podem ser concebidos ao Direito Penal.

A primeira velocidade seria aquela tradicional do Direito Penal qu t fim .~ 1 • li ' e em

por Ul?mo ~ ap cac;.ao de uma pena privativa de liberdade. Nessa hipotese, como esta em Jogo a hberdade do cidadao, devem ser obselVadas todas as regras garaIltistas, sejam elas penais ou processuais penais.

. . Numa s~gunda velocidade, temos 0 Direito Penal a aplicac;ito de penas nao pnva~~ d~ ~be~dade, a exemplo do que ocorre no Brasil' com os Juizados ESP~CtaIS Cnmmrus, ~uja ~alidade, de acordo com 0 art. 62 da Lei nil 9.099/95, e, prec~pu~ente, a aplicac;ao de penas que nao importem na privac;ao da liberdade do cldadao, devendo, pois, ser priorizadas as penas restritivas de direitos e a pena de multa. Nessa segunda velocidade do Direito Penal poderiam ser afastadas algumas garantias, com 0 escopo de agilizar a aplicac;ao da lei penal.

. Percebemos isso com dareza quando analisamos a mencionada Lei dos JUlZ~dos Especiais C~inais, que permite a utilizac;ao de institutos jurfdicos que nnportem n~ aplicac;ao de pena nao privativa de liberdade, sem que, para tanto, tenha haVldo a necessaria instruc;ao processual, com 0 contraditorio e a ampla def:sa, como acontece quando 0 suposto autor do fato aceita a proposta de transac;ao penal, suspensao condicional do processo, etc.

Assim, resumindo 0 raciocfnio com J esus-Maria Silva Sanchez, teriamos: uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal 'do car~~re', e,? ~ue. haV~ri~ de ser mantidos rigidamente os princfpios pohtico-c~mmrus classlcos, as regras de imputac;ao e os princfpios processums; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por

:; JAKOBS, Guinther; ?ANCIO MELIA. Manuel. Derecho penal del enemigo, p. 79-81. SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. La expansion del derecho penal, p. 159

------.-.- .. _---------_.-DlREITO PENAL DO EQUILfBRIO:

UMA VISA.O MINIMALISTA DO DlREITO PENAL 19

nao se tratar de prisao, senao de penas de privac;ao de direitos ou pecuniarias, aqueles principios e regras poderiarn experimentar uma flexibilizac;ao proporcionada a menor intensidade da sanc;ao.28

Embora ainda com certa resistencia, tem-se procurado entender 0

Direito Penal do Inimigo como uma terceira velocidade. Seria, portanto, uma velocidade hibrida, ou seja, com a finalidade de aplicar penas privativas de liberdade (primeira velocidade), com uma minimizac;ao das garantias necessarias a esse tim (segunda velocidade).

Na verdade, a primeira indagac;ao que devemos fazer e a seguinte: Quem podera ser considerado inimigo, para que vejam diminuidas ou mesmo

. idas suas arantias penais e pr~1 Em muitas passagens de sua obra, Jakobs aponta como exemplo as

atividades terroristas. Tentando adaptar esse raciocinio a realidade brasileira, podedarn ser considerados como inimigos, por exemplo, os traficantes que praticarn 0 comercio ilicito de drogas, principalmente nas grandes cidades, a exemplo do Rio de Janeiro, e que, basicarnente, cdam urn estado pararelo, com suas regras, hierarquias, etc.?

o que foi destacado pelo professor de Direito Penal da U niversidade Autonoma de Madri, Manuel Cancio Melia, como uma das propostas de Jakobs, e a d~, justamente, antecipar a puni<;ao do agente pela sua condufiio de vida, voltando-se a urn antigo conceito preconizado por Edmund Mezger, cujo passado nazista foi recentemente colocado a descoberto por Francisco Mufioz Conde, como teremos oportunidade de ,observar mais adiante, valendo-se de ~ , urn autentico e combatido dire ito penal do autor, ao inves de urn direito penal' dofato.

Dessa forma, assevera Manuel Cancio Melia, o Direito penal do inimigo juridico-positivo vulnera, assim se afirma habitualmente na discussao, em diversos pontos 0 principio do fato. Na doutrina tradicional, 0 principio do fato se entende como aquele principio genuinarnente liberal de acordo com 0 qual deve ficar excluida a responsabilidade juridico-penal por meros pensamentos, quer dizer, como rechac;o de urn Direito penal orientado com base na "atitude intema" do autor. 29

Apos a assunc;ao do poder, em 1933, pelo partido nacional-socialista, iniciou-se na Alemanha uma serie de reformas que visavam ao cumprimento daspromessas levadas a efeito nas campanhas eleitorais.

Deve-se lembrar de que, naquela oportunidade, a Alemanha ja tinha sido vencida naPrimeira Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918,

28 SILVA sANCHEZ, Jesus-Maria. La expansion del derecho penal, p. 163. 29, MELIA, Manuel Cancio; JAKOBS, Gunther. Derech6 penal del enemigo, p. 100-101.

......... __ ............. . - _.6 ______ ............... n .... n ... ' .... n nil T'RT p_ nRnRM

encontrando-se enfraquecida sob d· condic;6es que lhe foram impost lversos aspectos, principalmente pelas

as no tratado de Versalles.30 Com a assunc;ao de Hitler ao poder 0 . .

imediatamente de comer : partido naclOnal-socialista tratou , yar a reorganlZar de aco d '

escusos, 0 Estado alemao cul· d ' r 0 ~ com seus criterios , mlnan 0, em 1944 di -

nacional-socialista sobre 0 tratamento d ' co~ a e c;ao do projeto foi trazido a luz, recentemente por o~ esdtranhos a comunidade, que nos

. 1 ' melO e urn trabalho . , I ~e~quisa evado a efeito pelo professor Francisco _ Incansave de IntItulada Edmund Mezger eo Direito P 1 d S Munoz Conde, em sua obra

. ena e eu Tempo. Tal projeto, considerado como urn dos mais t ' .

Direito Penal, propunha, dentre outras . . ernveiS da historia do homosseXUais; b) a prisao por te . COisas. a) a castrac;ao dos assOciais, ou seja pessoas que ti. mpo Indeterminado dos considerados

, vessem urn comportame t ~ . exemplo dos vadios. , n 0 aflti-social, a . _ ' prostltutas, alcoolatras, praticant d infrac;oes penais, etc., sem que houvesse . .es e pequenas tivessem praticado qualquer dert.) nec~~sId~de, Inclusive, de que

I 0, C a esterihzac;ao a fun d . propagac;ao daqueles considerados associais e inuteis par~ a sOcieda~eeVltar a

Na verdade, apontava determinadas esso . . do que ocorria com os delinqiientes habi p. as como pengos.as, a exemplo especie de "tratamento" di turus, e sobre elas fazla recair urna aplicando-lhes medidas de~~ePo ~,segundo a sua estupida visao, curci-las,

mac;ao por tempo indetermin d . I . conhecidos campos de concentli _ ' a 0, mc USIve nos entendidas como incuravezs· c ilf

dao

, ,odu

, q~ando fossem reconhecidamente , on ena as a morte 0 . d

situac;6es, utilizadas como carne de canhiio '. u run a, em algumas durante a Segunda Guerra Mu dial ' ou seJa, aquelas pessoas que

. n eram colocadas no front de batalha Enfim, me_9id~s que atropelavam 0 r· ,. .. .

h~, justamentepor descOOs~~lO da digrudade da pessoa que Jal<oI>s-Pteterfa€--ni--~-~-----~~illint-o 0

. . desc ider 0 o· . e . azer com 0 seu Direito Penal do Iniroigo '"---__ Illi ______ ffilgo como urn cidadao M - C . '

que the e peculiar dissertan 0 s b ---: . unoz onde, com a lucidez , 0 re 0 prmcipio d ul bil·d

duraflte os anos 20 do secul d a c pa lade, concebido , 0 passa 0, a tim de cheg ,

perigosidade, desenvolvido na Ale anh ar a urn conceito de m a durante 0 periodo do regime

30 F ~ . Irmado ,em 28 de junho de 1919, teve as s uintes .. A. -

relnt~g~m ,a :ranoa. Eupen e Malmedy passa~ a Bel ~onsequencl~s: "As regiaes da Alsacia e Lorena se pleblsc~to,. a Dlnamarca, e a Alta Silesia, da mesma form g, a. ~c.hleswig d? Norte se integra, depois de urn reco~stltulda Pol6nia. Prussia oriental fica separada da ~'e~~lonla. Posnanla e uma parte da Prussia passam a ~s cl1a?es de Dantzig e Memel se convertem em livres (Memel ha .palo corredor polaco que da safda ao Baltico. :~~~n:o a Sociedade das Naoaes pelo espa90 de 15 anos ~6nt~~ex~la pela Utuania em 1923). 0 Sarre fica ta . m2 e perde ~.OOO.OOO de habitantes. Seu exercito fi~ red a.d a emanha v~ diminuir seu territorio em nque~ nem submannos. Nao pode manter tropas na Renania e s UZI ~ a 1 oo.oo~ homens, sem aviaoao nem

aduanelra. Deve assumir a culpa da guerra e indenizar os aliad e suprrrn.e c: servl90 militar. Perde a auto~omia ceder todas as suas coI6nias." (Revista Hist6ria y Vida, n. 436.~s Com 24 mllhoes de libras esterlinas, assim como

21

nacional-socialista, assevera que nao se p~de discutir que 0 conceito de ul abilidade, em suas linhas basicas, tenha sido uma _

c p das conquistas mais importantes da dogmatica juridico-penal alema daquela epoca. Entendido como garantia e limite frente a~ p~~er punitivo do Estado, e considerado hoje como urn dos pnnclplOS fundamentais de urn Direito Penal democratico e respeitoso com a di . dade hurnana. Mas urn sistema estritamente dualista como 0 que se~rjou n~ Repuqlica de Weimar, no qual a pena limitada por sua culpabUidade podia ser substituida ou complementada por urna medida de seguran<;a de dura<;ao indeterminada, fundamentada em urn conceito tao vago e perigoso como 0 de perigosida~e, ~~d~ ~ conceito de Direito Penal muito vinculado as teses do amlgo-lmmlgo tao

aras ao Estado nacional-socialista: urn Direito Penal com todas suas c arantias, baseado e limitado pelo principio da culpabUidade, para 0

~elinquente ocasional, integrado no sistema, ainda que alguma vez se aparte dele; e urn Direito Penal, baseado n~ perigosidad~ e sem nenhurn tipo de limita<;oes, para 0 delinqUente pengoso e especmlmente para 0

delinqUente habitual que com seu comportamento e sua fo~a de condu<;ao de vida (Lebensftih'1"ngschuld) questiona as bases do sIstema

mesmo. E continua 0 autor asseverando que esse dualismo, o~ se!a, a

culpabilidade ligada como conceito ao delinqiiente ocasional e pengosidade

vinculada ao delinqiiente habitual, . deu lugar tambem ao desenvolvimento durante 0 n,a~lOnal-socialismo de medidas praticamente voltadas ao extermlnlO dos marginais sociais (prostitutas, mendigos, vadios, ~elinqii~p.te~ habituais), aos que eufemisticamente se chamou _ estranhos a comunidade', com medidas est~rilizadoras, intema<;oes por tempo indeterminado em campos de concentra<;ao, etc. Ja enta~ se fal.ava tambem de urn 'Direito Penal para inimigos' , para 0 qual nao cabmm nem garantias, nem nenhuma outra forma de limita<;ao dos excessos

do poder estatal.31

Como se percebe sem muito esfor<;o, a semelhan<;a ~ntre 0 que pretende Jakobs, com a sua distin<;ao cidadao I inimigo, em m~lto se a~semelha ao projeto desenvolvido ~ regime nazista, capitaneado por

Hitler. ' Diz.~r que a sociedade, na qual todos nos estamo,s i~seridos, e composta

por ci4ad~()s e, por inimigos, para os quais estes UltiIDos devem receber

31- MUNOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger y el derecho penal de su tiempo, p. 64-65.

tratamento diferenciado, como se houvesse urn estado de guerr~ ~ cuja historia a humanidade quer, na verdade, esquecer.

Com 0 argumento voltado ao delinqiiente habitual, ou criminosos pertencentes as fac<;oes organizadas, como acontece com os terroristas e traficantes de drogas, taxando-os de irrecuperaveis, propondo-se, para eles, medidas de priva<;ao da liberdade por tempo indeterminado, enfim, tratar 0

ser humano como urn estranho it comunidade, e 0 maximo da insensatez a que pode chegar 0 Direito Penal.

A criminologia tenta, por meio de suas vertentes teoricas, explicar os vcirios tipos de criminalidade, conforme veremos mais adiante, buscando resolver, em sua origem, os desvios que importem na prcitica de infra<;oes penais.

o qu nao se pode e desistir do homem, sob 0 falso argumento de ser incorrigivel, de possuir defeito de carater, que 0 impede de agir conforme os demais cidadaos. Tanto 0 projeto criado durante 0 regime absurdo do nacional-socialismo, como 0 que agora se discute como uma'das frentes mais radicais do Direito Penal Maximo, ou seja, 0 Direito Penal do Inimigo, devem ser repudiados pela nossa sociedade.

Isso, para a nossa propria seguran<;a. Como ja deixamos antever acima, q~os? Alguns, com seguran<;a, podem afirmar: os traficantes de drogas, os terroristas, as organiza<;oes criminosas especializadas em seqiiestros para fins de extorsoes ... E quem mais? Quem mais pode se encaixar no perfil do inimigo? Na verdade, ~ nunca tera fim. Aquele que estiver no poder podera, amparado pelo raciocinio ~nal do Inimigo, afastar 0

seu rival politico sob 0 argumento da sua falta de patriotismo por atacar as posi<;oes govemamentais. Outros poderao concluir que tambem e inimigo 0

estuprador de sua filha. Ou seja, dificilmente se podera encontrar urn conceito de inimigo, nos moldes pretendidos por essa corrente, que tenha 0 condao de afastar completamente a qualidade de cidadao do ser humano, a fim de trata~ -10 sem que esteja protegido pelas garantias conquistadas ao longo dos anos.

Recentemente, assistimos aos episodios de tortura praticados por soldados americanos que humilhavam os presos pertencentes ao exercito iraquiano. Sera que, mesmo tendo praticado as atrocidades reveladas pelos noticicirios de jornal, aqueles presos poderiam receber 0 tratamento degradante que lhes era aplicado pelo exercito vitorioso?

E claro que, por mais que sejamos esclarecidos, por mais que nos revoltemos com as cenas veiculadas pelos meios d~ comunica<;ao, mostrando pessoas inocentes sendo mortas brutalmente pelos .membros do exercito iraquiano, at~o 0 soldado mais viI tern 0 direito de, , ver asse ados os seus direl os e garantias fundamentais.

DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO: 23 UMA VISA.O MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL

Nao podemos afastar todas as nossas conqllistas que nos foram sendo dadas em doses homeopaticas ao longo dos anos, sob 0 falso argumen~o do cidadao versus inimigo, pois que, nao sendo possivel con~~ce~ 0 dla ~e

anha quem sabe algum louco chegue ao poder e diga que zmmzgo tam~em ~m quel; que nao aceita a teo ria do Direito Penal do Inimigo, e la estarel eu :e:do preso, sem qualquer dire ito ou garantia, em troca de urn ~o v_o.

2.3. 0 DIREITO PENAL MiNIMO . . Na concep((ao que podemos chamar de "equilibrada" situa-se 0 D~relto

Penal Minimo. 0 seu discurso, mais coerente, permissa venia, com a re,:hd~de . al apregoa em sintese, ser a finalidade do Direito Penal a prote((ao tao­

:~:'e~te dos b~ns necessarios e vitais ao convivio em sociedade. Aqueles ~ens '<I que em decorrencia de sua importancia, nao poderao ser somente protegIdos f1 l} , • 'd·

'yf}J! - /pelos demais ramos do ordenamento Jun ICO. _, . ! ':J.1~\9 LF) 0 raciocinio do Direito Penal Minimo implica a ad.o((,:o de varlOS

niV'v ~ '\). ,. s que se ... Tirao de orientarao ao legislador tanto na cna((ao quanto na r.;V/C' , pnnclplO J.H "Y • r d d ~. revoga((ao dos tipos penais, devendo servir de norte, mnd~, aos ap lca ores a

I · nal a fim de que se produza uma correta interpreta((ao. elpe , . ,. d D· ·t Penal

Dentre os principios indispensaveis ao ~aclOcmlO 0 uel 0 .

Minimo, pode:mos destacar os da: a) dignl~ade ~a pe~so.a ~u~Hu~a: b

. - mm" lffi· a· c) lesividade· d) adequa((ao sOCIal; e) lnslgnlficancla, ) lnterven((ao .,' .. d d al·

t) individualiza((ao da pena; g) proporciona1idad~; h) responsabih a e pesso ,

i) limita((ao das.penas; j) culpabilidade; e k)Jegalldade. . o Direit~ Penal do Equilibrio tern como principiO central, onentador de

todos os outros que 0 informam, 0 principio da dignidade da pessoa humana. o h mem aqui deve ocupar 0 centro das aten((oes do Estado, que, para a

o t ~ d~ paz social, devera somente proibir os comportament~s manu ellf;ao . .. os bens mms intoleraveis, lesivos, socialmente . danosos, que atlnJam importantes e necessarios ao convivio em sociedade. . ..

Guillermo J. Yacobucci, dissertando sobre. 0 pri~~ip~o. da dlgnldade da pessoa humana, comprecisao, aduz que, no sentldo ongtnano, . , .

a dignidade da pessoa humana, dentro da vida, socIal e pohti':..a, reclama 0 exercicio orden ado da liberdade atraves da convoca((ao

24

·maria dos valores e fins comuns, preservando em todo momento ~~uele espa((o de 'interioridade' e realiza((ao propria que e reclamado lielasingularidade de cada h~mem, co~ ~m~. vida e urn fim po: rehliZafiiexlsteftcialmente. Asslm, da eXlstenCla me sma da pesso

.. ,: '-"~'.'. ,..,.... .,-;,.. t'" ..... : ados deveres e direitos que recebem a 'surgem- .ue ermm ..... ._ denomina((ao de "humanos', por sua quase irn:edlata Vlncula((ao com

as necessidades fundamentais para 0 desenvolvimento dos homens. Trata-se, obviamente, de direitos que nao sao criados nem construidos propriamente pelas instancias do poder politico, senao, bern antes, que devem ser reconhecidos por este como primeiro nivel de legitima<;ao na tomada de decisoes.32

De acordo com 0 principio da intervent;ao minima, cora((ao do Direito Penal Minimo, a sua prime ira missao e a de orientar 0 legislador quando da cria<;ao ou revoga<;ao dos tipos penais. Todo o· raciocinio correspondente ao principio da interven((ao minima girara em torno da prote((ao dos bens mais importantes existentes na sociedade, bern como da natureza subsidiaria do Direito Penal. 0 primeiro passo para a cria<;ao do tipo penal incriminador e, efetivamente, a valora((ao do bern. Se for concebido como bern de relevo, passaremos ao segundo raciocinio, ainda no mesmo principio, vale dizer, 0 da subsidiariedade. Embora importante 0 bern, se os outros ramos do ordenamento juridico forem fortes e capazes 0 suficiente para levar a efeito a sua prote((ao, nao havera necessidade da interven<;ao drastica do Direito Penal. Sua importancia devera tambem ser aferida para fins de revoga((ao dos tipos. Se urn bern que era importante no passado, mas, atualmente, ja nao goza desse prestigio, nao podera mais merecer a tutela do Direito Penal, servindo 0

principio da interven((ao minima de fundamento para a sua revoga<;ao. Em uma concep((ao minimalista, 0 principio da interven<;ao minima nao

e 0 unico a ser analisado para fins de cria<;ao tipica. E tao-somente 0 primeiro passo. Logo em seguida, devemos analisar se aquele bern, considerado como importante e incapaz de ser protegidlo pelos outros ramos do ordenamento juridico, e atacado por uma conduta nao tolerada socialmente. Tal raciocinio se faz mister porque, mesmo sendo 0 bern importante, se a conduta que 0

atinge for socialmente tolerada, aceita pela sociedade, nao .podera haver a criminaliza<;ao, pois, se assim 0 fizessemos, estariani.os, na verdade, convocando a sociedade a praticar infra<;oes penais, pois que ela nao deixaria de praticar os comportamentos a que estava acostumada.

Da mesma forma que a interven<;ao minima, 0 principio da adequafao social servin! de orienta((ao para 0 legislador tanto na cria<;ao quanta mi revoga<;ao dos tipos. Condutas que, no passado, eram consideradas socialmente inadequadas, se hoje ja forem aceitas pela sociedade, farao com que 0 legislador afaste a criminaliza((ao, tal comd s~ exige, atualmente, com a pratica do jogo do bicho, conduta perfeitamente assimilada pela sociedade, que, inclusive, pratica jogos semelhantes, e que nao mereceram a repressao oficial do Estado. 0 principio da adequa<;ao social devera, ainda, orientar a interpreta<;ao dos tipos penais, a fim de adapta-Ios a realidade, tal como se

32 YACOBUCCI, Guillermo J. EI sentido de los principios penales, p. 210.

DIRI!ITO PENAL DO EQUILfBRIO: ,. 25 UMA VISAO MINIMALISTA DO DIRI!ITO PI!NAL . ~

exige com relac;ao a interpretac;ao da expressao ato obsceno, constante do art. 233 do C6digo Penal. 0 que era obsceno em 1950 pode nao se-Io hoje. Enfim, e urn principio de verific3.c;ao obrigat6ria tanto pelo legislador como pelo aplicador da lei.

o principio da lesividade seria 0 terceiro passo necessario a criac;ao dos tipos penais. Por mais importante que seja 0 bern, que a conduta seja inadequada socialmente, somente podera haver a criminalizac;ao de comportamentos se a condu,ta do agente ultrapassar a sua esfera individual, atingindo bens de terceiros. Por intermedio do principio da lesividade, proibe­se a incriminac;ao de pensamentos, de modos ou formas de ser e de se (wmportar, bern como de ac;oes que nao atinjam bens de terceiros. Exemplos dessas situac;oes seriam a punic;ao pela cogitac;ao, pelo fato de alguem nao gostar de tomar banho, ou usar cabelos compridos, ser homossexual, praticar os atos de mutilac;ao pessoal, tentativas de suicidio, etc.

Ultrapassados os tres principios anteriores, agora 0 legislador estaria apto a criar a figura tipica. Uma vez escolhido 0 bern, valorado anteriormente como importante, concluido que 0 comportamento que 0 ataca e lesivo e inadequado socialmente, abre-se a possibilidade de criminalizac;ao da conduta. Uma vez criada a infrac;ao pf(nal,. ela fara parte do pequeno acervo pertencente ao Direito Penal, demonstrando-se, assim, a sua natureza fragmentaria, no sentido de que ao Direito Penal nao interessa a protec;ao de todos os bens, a proibic;ao de todos os comportamentos, mas sim daqueles de maior importancia para a sociedade. Por meio da fragmentariedade, percebe­se que 0 Direito Penal nao se ocupa com 0 todo, mas sim com a parte mais importante.

Uma vez criada a infrac;ao penal, devemos trabalhar com principios instrumentais capazes de nos conduzir a urna interpretac;ao correta e garantista. Dentre esses principios, destaca-se 0 da insignificancia. ~~ 0

discurso do Direito Penal Minimo gira em torno da protec;ao dos bens mais importantes e necessarios ao convivio em sociedade, justamente no caso concreto e que teremos que colocar em pratica esse nosso raciocinio. Seria uma tremenda incoerencia trabalharmos com 0 Direito Penal Minimo no plano abstrato, isto e, no plano da criac;ao da figura tipica e justamente no plano concreto, fun Ultimo da criac;ao da norma, deixarmos de lado 0 seu raciocinio e pennitir a aplic.ac;ao da lei penal em fatos de pequeno ou mesmo de nenhum valor.

o principio da insignificancia, cuja aplicac;ao conduz a atipicidade do fato praticado, devera Illerecer analise em sede de tipicidade conglobante, especificamente na vertente correspondente a tipicidade material, que e 0

criterio em virtude do qual 0 Direito Penal afere a importancia do bern no caso

26 . -- ". - ----. --. - ----". --. -.. ABOLICIONISMO:. DIRE ITO PENAL MfNIMO E MOVIMENTO DE LEI E ORDEM

conc~eto. Se chegarmos a conclusao, mediante a analise dos principios antenores, de que 0 patrimonio, por exemplo, e urn bern importante a ponto de ser protegido pelo Direito Penal, que a conduta que 0 ataca e lesiva e inadequada socialmente e, por essas razoes, criarmos os delitos patrimoniais, dev~m~s,. no caso concreto, nos fazer a seguinte indagac;ao: Se e certo que 0

patnmomo, abstratamente considerado, e urn bern importante a ponto de merecer a ~rotec;ao do Direito Penal, 0 bern em analise, isto e, que fora objeto da .subtrac;a~ pelo agente, goza desse status? Foi pensando nesse bern que 0

legl~l~dor cnou. a figura do delito contra 0 patrimonio? Se a resposta for posltlva, conciulremos que a conduta e tipica e passaremos a aferic;ao das outras caracteristicas da infrac;ao penal Cilicitude e culpabilidade). Se a res posta for negativa, 0 estudo da infrac;ao penal estara interrompido por ausencia de tipicidade material (inserida dentro do contexto# da tipicidade conglobante), conduzindo-nos, em Ultimo plano, a completa atipicidade do fato.

o principio da individualizat;iio da pena esta previsto ~o.inciso XLVI do art. 5

Q de nossa Carta Constitucional, que diz: A lei regulara a individualizat;iio

~a pena e adotarti, entre outras, as seguintes: a) privat;iio, ou restrit;iio da lzberdade; b) perda de bens; t) multa; d) prestat;f1o social alternativa; e) suspensiio ou interdit;iio de direitos. 0 principio da individualizac;ao da pena nos obriga a fazer 0 seguinte raciocinio: 0 Direito Penal, com 0 fun de exercer a sua protec;ao, somente escolhe os bens mais importantes e necessarios ao convivio em sociedade. Uma vez feita essa selec;ao, presume-se, portanto, que o bern seja de relevo. Contudo, todos os bens selecionados, embora relevantes, gozam da mesma importancia, ou cada urn deles possui importancia diferente dos demais? Simplificando 0 raciocinio: a vida vale tanto quanto a integridade fisica, ou aquela tern urn valor superior a esta? 0 patrimonio vale tanto quanta a honra? Enfim, como se percebe, sem muito esforc;o, cada bern escolhido pelo Direito Penal tern uma importancia distinta dos demais, decorrendo, dai, a necessidade de se individualizar a pena, que e justamente 0 criterio de que se vale 0 Direito Penal a fim de atribuir a importancia que cada bern merece.

A pena e 0 prec;o de cada infrac;ao penal, que corresponde a gravidade do fato cometido, ligada a importancia do bern. A individualizac;ao da pena pode ocorrer em tres fases distintas, a saber: cominat;iio - fase da individualizac;ao que ocorre no plano abstrato, de competencia do legislador; aplicat;iio - fase que ocorre no plano concreto, atribuida ao julgador; execut;iio - fase que ocorre durante a execuc;ao da pena.

Do principio da individualizac;ao da pena decorre outro, intimamente ligado a ele, que e 0 principio da proporcionalidade, cujas origens remontam ao periodo iluminista. Beccaria ja dizia que "para que a pena nao seja a

------------------------- 27 DIRI!ITO PI!NAL DO I!QUILfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DIRI!ITO PENAL

violencia de urn ou de muitos contra 0 cidadao particular, devera ser essencialmente publica, rapida, necessaria, a minima dentre as possiveis, nas dadas circunstancias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei" .33 A propor<;ao e uma exigencia minimalista. A pena devera ser proporcional ao mal praticado pelo agente. 0 raciocinio da proporcionalidade devera ser levado a efeito tanto no plano abstrato (na fase da comina<;ao) como no plano concreto (quando da aplica<;ao da pena pelo juiz).

A nossa Constitui<;ao Federal determina, ainda, a ado<;ao do principio da responsabilidade pessoal, tambem conhecido como principio da pessoalidade ou intranscendencia da pena, dizendo, no inciso XLV do seu art. 5ll: Nenhuma pena passard da pessoa do condenado, podendo a obrigafao de reparar 0 dana e a decretafao de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, ate 0 limite do valor do patrimonio transferido. Tivemos oportunidade de esclarecer anteriormente que, embora formalmente, como regra, a pena nao possa ultrapassar a pessoa do condenado, informalmente, contudo, chega ate as pessoas que the sao proximas, demonstrando, assim, a necessidade de sua aplica<;ao somente aos casos mais graves, realmente intoleraveis socialmente, em decorrencia do seu efeito devastador.

Tambem reside em sede constitucional 0 principio da limitafao das penas, conforrne se verifica pela leitura do inciso XLVII do art. 5ll, que diz: Nao haverd penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos term os do art. 84, XIX; b) de cardter perpetuo; c) de trabalhos forfados; d) de banimento; e) crueis. Frise-se que todas essas proibi<;5es atendem ao amplo e fluido principio da diKnidade da pessoa humana.

Com a natureza de principio intimamente ligad<:>. ao proprio agente, devera ser obrigatoriamente analisado 0 principio da culpabilidade. Em urna concep<;ao minimalista, ·torna-se impossivel a interven<;ao do Direito Penal quando a cohduta do agente nao for passivel de censura, vez que, na situa<;ao em que se encontrava, nao podia ter agido de outro modo.

Finalmente, 0 principio da legalidade, entendido como coluna de todos os outros principios, devera ser observado para fins de aferi<;ao formal e material, ou seja, devera 0 interprete nao somente avaliar a legalidade formal, mas, e principalmente, a legalidade material. Devera nao somente evidenciar se 0 procedimento legislativo de cria<;ao tipica foi devidamente observado, como tanibem pesquisar se 0 conteudo da lei penal na~ contraria os principios expressos.ou implicitos contidos em nossa Lei Maior, norteadores de todo 0

BEIQGi£6!ft;.';C3esare. Dos delitos e das penas, p. 139.

ABOLICIONISMO, DIREITO PENAL M(NIMO E MOVIMENTO DE LEI E ORDEM

Dessa forma, ao contrario dos movimentos antagonicos anteriores _ abolicionista e lei e ordem -, 0 Direito Penal Minimo se encontra numa posi<;ao equilibrada, sendo, em nossa opiniao, a unica via de acesso razoavel para que 0 Es~ad~ p~s~~_~~~~_ano, 9f~jldQ a ~ de seus cidadaos.

Nesse sentido, merecem ser transcritas as li<;5es de Paulo de Souza Queiroz:

Reduzir, pois, tanto quanto seja possf~el, 0 marco de interven<;ao do sistema penal, e uma exigencia de racionalidade. Mas e tambem [ ... J

urn imperativo de justi<;a social. Sim, porque urn Estado que se define Democratico de Direito (CF, art. Ill), que de clara, como seus fiindamentos, a 'dignidade da pessoa humana', a 'cidadania', 'os valores sociais do trabalho', e proclama, como seus objetivos fundamentais, 'constituir uma sociedade livre, justa, solidaria', que promete 'erradicar a pobreza e a marginaliza<;ao, reduzir as desigualdades sociais e regionais', 'promover 0 bern de todos, sem preconceitos de origem, ra<;a, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina<;ao' (art. 3ll), e assume, assim declaradamente, missao superior em que the agigantam as responsabilidades, nao pode, nem deve, pretender lan<;ar sobre seus jurisdicionados, prematuramente, esse sistema institucional de violencia seletiva, que e 0 sistema penal, maxime quando e esse Estado, sabidamente, por a<;ao e/ou omissao, em; grande parte co-respon6avel pelas graVlsslmas disfun<;5es sociais que sob seu cetro vicejam e pelos dramaticos contlitos que dai derivam.34

Faremos, portanto, a anaIise pormenorizada dos principios informadores do chamado Direito Penal Minimo, anteriormente mencionados, que tern por fundamento sustentar urn Direito Penal equilibrado, que melhor atenda aos interesses da sociedade~ .

34 QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caniter subsidiano do direito penal, p. 31-32.

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UMA VlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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Capitulo 3

ENFOQUES CRIMINOLOGICOS

3.1. INTRODUCAO Embora nao se possa atribuir uma defini~ao unica ao termo

criminologia, podemos defini-Ia como uma ciencia interdisciplinaria que tern como objeto 0 estudo do comportamento delitivo e a rea9do social.

Interdisciplinaria porque, embora sugestivo 0 seu titulo - criminologia -nao somente as ciencias penais se ocupam do seu estudo, sendo este, inclusive, mais aprofundado em outras areas, a exemplo da sociologia, da psicologia, da psiquiatria, da antropologia, da medicina forense, dentre outras.

No que diz respeito as ciencias penais propriamente ditas, serve a criminologia como mais urn instrumento de anilise do comportamento delitivo, das suas origens, dos, motivos pelos quais se delinqiie, quem determina 0 que se punir, quando punir, como punir, bern como se pretende, com ela, buscar solu~oes que evitem ou mesmo diminuam 0 cometimento de infra~oes penais. 0 estudo do crimin610go, na verdade, nao se limita ao comportamento delitivo em si, vis to que vai mais longe, procurando descobrir sua genese, retrocedendo, como umhistoriador do crime, em busca das suas po~siveis causas.

A pesquisa do crimin610go, esquecendo momentaneamente 0 ato cnminoso praticado, merguIha no seio da familia do delinqiiente, no seu meio social, nas oportunidades sociais que the foram concedidas, no seu carciter; enfim, mais do que saber se a conduta praticada pelo agente era tipica, ilicita ou culpavel, busca-se investigar todo 0 seu passado, que forma urn elo indissociavel com 0 seu comportamento tido como criminoso. Retrocede-se, enfim, em busca das possiveis causas do crime. Percebe-se, portanto, que 0 conceito criminol6gico de comportamento delitivo e mais amplo do que aquele adotado pelo Direito Penal.

A rea~ao social tambem e objeto de estudo do crimin6logo. Segundo Garrido, Stangeland e Redondo, "sua extensao abarca desde a mera desaprova~ao e 0 controle paterno de algumas condutas infantis ou juvenis inapropriadas (mediante pequenos castigos) ate os sistemas de justi~a penal ' estabelecidos pela sociedade para os delitos (leis penais, policia, Ministerio Publico, Tribunais, prisoes, etc)".!

1 GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Princ{pios de crimin%gia, p. 49.

D1REITO PENAL DO EQUILfBRIO: -31 UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

A reac;ao social da origem a urn controle pela propria sociedade, que pode ser entendido como formal ou informal. Tem-se como formal 0 controle que e exercido pelos meios oficiais de repressao, a exemplo da Policia, do Ministerio Publico, da Magistratura. Informal e 0 controle exercido pelo proprio meio social onde 0 agente esta inserido, a comec;ar pela sua familia, a escola, os vizinhos, os meios de comunicac;ao, etc.

o papel do criminologo, como se demonstrara, mostra-se importantis­simo, podendo-se dizer indispensavel na compreensao e na prevenc;ao da delinqiH~ncia.

3.2. PRINCIPAlS AREAS DE ESTUDO DO CRIMINOLOGO Sendo eleito como objeto da criminologia a analise do comportamento

delitivo e a reac;ao social, devera 0 criminologo delimitar 0 seu ambito de estudo, sob pena de se perder ao longo de divagac;oes extremamente abstratas que fogem a sua finalidade.

Podemos destacar como suas principais areas de estudo: a) 0 delito; b) 0 delinqiiente; c) a vitima; e d) 0 controle social.

Mesmo que tal raciocfnio nao se possa dizer absoluto, para efeitos de estudos criminologicos, considera-se delito aquele definido na lei como tal, com todos os seus ~lementos integrantes (tipicidade, ilicitude e culpabilidade).

Aqui, nao se podera desenvolver urn estudo completo e geral sobre todas as infrac;oes penais, dada a diversidade de sociedades, de Gostumes, de bens considerados como de relevo em algumas e de pouca ou nenhuma importancia em' outras. 0 que em determinada sociedade pode ser considerado infrac;ao penal, em outra, 0 comportamento pode ser licito e ate mesmo estimulado a ser praticado.

A titulo de comparac;ao, imagine-se a hipotese, no Brasil, em que a nossa lei penal pune os maus-tratos2 praticados contra animais, domesticados ou nao, comparativamente as touradas espanholas, onde 0 espetaculo, covarde para nossa cultura, e plenamente aceito e idolatrado por aquele povo. Cite-se, ainda, 0 fato de que em alguns paises da Europa 0 aborto e tolerado, ao contrcirio, tambem, do direito brasileiro, em que a lei preve somente duas hipoteses em que ele e permitido.3

Competira ao crimin610go investigar osmecanismos que fazem com que algumas atividades sejam consideradas delitos em determinada sociedade

2 .Lej.n!!. 9.q05, de 12 de fevereiro de 1998, art. 32.:."Rr:aticar ato de abuso,.maus-tratos, ferir ou mutilaranimais silvestres, domesticos ou domesticados, nativos ou ex6ticos. Pepa~. detenvao, de 3 (tres) meses a 1 (um) ano, e multa". . . 3 C6digo Penal, art. 128, incisos I e II: "Nao se pune 0 aborto praticado por medico: 1- se nao ha outro meio de salvar a vida da. !;Jestante; II :- se a gravidez resulta. de estupro e 0 aborto e precedido do consentimento da gestante ou, quandcilncapaz, de seu representantelegaJ".

32 ENFOQUES CRIMINOL6GICOS

e perfeitamente licitas em outras. A politica criminal, ou seja, a conclusao entre o embate de correntes ideologicamente diferentes, fara com que ocorra a selec;ao dos comportamentos que se quer incriminar.

Existem, como afirmam Garrido, Stangeland e Redondo,4 tres principais categorias de comportamentos delitivos, a saber: a) comportamentos penalizados e castigados em quase toda sociedade modema; b) comportamentos penalizados, mas sobre· os quais a lei se aplica com

escassa freqiiencia;

c) comportamentos em via de penalizac;ao ou despenalizac;ao. Entao, mesmo que uma das principais areas de estudo do criminologo

seja a infrac;ao penal em si, havera diferenc;a entre profissionais de paises diferentes. Contudo, isso nao impede que haja uma zona de cotlsenso, ou seja, de estudo de infrac;oes penais, na qual basicamente em todos os paises sejam reconhecidas como tal, a exemplo do delito de homicidio.

Ra comportamentos, ainda, tipificados pela lei penal, cuja aplicac;ao e pouca, ou quase nenhuma, a exemplo do que ocorria ate pouco tempo com 0 delito de adulterio, revogado pela Lei nO 11.106/05.

Outros comportamentos encontram-se naquele estagio de discussao politico-criminal, havendo correntes que almejam a sua proibic;ao por meio do Direito Penal, e outras que apregoam a desnecessidade de uma intervenc;ao tao radical por parte do Estado. Tambem existem aqueles em que as opinioes politicas tendem a descriminaliza-19s, deles afastando 0 Direito Penal, tal como ocorre com 0 usa de substancias entorpecentes, 0 aborto eugenico, etc.

o delinqiiente, certamente, e aquele que recebe as maiores atenc;oes, uma vez que, independentemente da infrac;ao penal que se queira apurar, mediante' estudos criminologicos, procura-se aferir por que 0 ordenamento juridico f91 por ele violado. Pesquisam-se a sua raiz, a genese do comportamento delitivo, os motivos que 0 levaram a comportar-se diferen~emente dos demais.

.As Escolas Classica e Positlva, cuja analise sera realizada mais adiante, tiveram 0 merito de tentar decifrar 0 enigma da delinqiiencia, lanc;ando suas luzes para a modema criminologia, surgida no inicio do seculo xx.

o estudo da vitima, vale dizer, a vitimologia, tambem interessa ao criminologo sob diversos aspectos. Podemos aferir a sua contribuic;ao para 0

delito, ou seja, se 0 seu comportamento de al~a forma estimulou a pratica da infrac;ao penal, 0 porque da sua escolha, 0 tratamento que the e deferido pelo Estado, etc .

.As leis penais modemas'·procuram, de alguma forma, voltar a sua atenc;ao para as vitimas do delito. Tome-se, por exemplo, as inspirac;oes de

4 GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Prinefpios de enminologia, p. 62.

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DlREITO PENAL DO EQUIL(BRIO: 33 UMA vlsAo MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

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politica criminal que fizeram inserir em nosso G6digo Penal 0 instituto do arrependimento posterior (art. 16), cuja finalidade, embora de natureza lubrida, e fazer com que a vitima se veja ressarcida dos prejuizos e dos danos por ela experimentados com a pratica do crime, bern como a composi<;ao dos danos trazida pela Lei nO. 9.099/95. Por outro lado, 0 comportamento da vitima pode minimizar a reprimenda a ser aplicada pelo Estado ao agente, como se verifica na redac;ao do art. 121, § 10., segunda parte, do C6digo Penal, que diz que se este Ultimo co meter 0 'cr~me sob 0 dominio de violenta emoc;ao, logo em seguida a injusta provoca9iio da vitima, a pena podera ser reduzida de urn sexto a urn terc;o.

A vitimologia, conforme preleciona Lelio Braga Calhau, nasceu do sofrimento dos judeus na Segunda Guerra Mundial, sendo reconhecido como seu sistematizador, a epoca Professor Emerito da Universidade Hebraica de Jerusalem, Benjamim Mendelsohn, que como marco historico proferiu uma famosa conferencia, Um horizonte novo na ciencia biopsicossocial: a vitimologia, na Universidade de Bucareste, em 1947.5

o controle social e exercido por meio de duas categorias, como deixamos antever. Existe urn controlelformal, realizado por profissionais ligados diretamente ao Estado, a exemplo dos policiais, promotores de justic;a, juizes, etc., e outro, de natureza informal, que e procedido por qualquer pessoa que nao tenha especificamente essa func;ao, podendo ser levado a efeito por pessoas proximas ao agente, como seus pais, vizinhos, colegas de trabalho, .professores, transeuntes, imprensa, etc.

Tambem e tarefa do crirninologo investigar como sao exercidos tais tipos de controle e a sua influencia na genese e na pratica do delito.

Podemos conc1uir com Garrido, Stangeland e Redondo que «a delinqiiencia nao tern nem explicac;ao simples nem remedios faceis, e os estudos criminologicos devem abarcar temas mais variados para descrever e entender os fenomenos delitivos".6

3.3. TEORIAS CRIMINOLOGICAS As teorias criminologicas sugiram ao longo dos anos, com a finalidade

de resolver 0 problema da c~inalidade ou, em sentido mais amplo, os desvios.

Em que pesem os esforc;os empregados, nenhuma delas conseguiu resolver de fOfIlla absQluta e completa 0" problema dos comportamentos

5 CALHAU, Lelio Braga. Vitima e direito. penal, p. 3. 6 GARRIDO, Vicente, STMlGELAND,Per; REDONDO, Santiago.Princ,pios de crimin%gia, p. 73.

34 ENFOQUES" CRIMINOLQGlCOS

[ delinqiientes e da reac;ao social. Contudo, a comec;ar pela teoria classica, passando pela de cunho positivista, ate chegar as concepc;oes mais modernas, cada uma delas teve uma importante contribuiC;ao para 0 entendimento do estudo do crime e suas conseqiiencias.

Seguindo parcialmente a estrutura proposta por Garrido, Stangeland e Redondo,7 podemos destacar, entre as inumeras teorias surgidas desde 0

seculo XVIII,8 as seguintes: a) teo ria do delito como eleic;ao; b) teoria das influencias;

c) teoria das predisposic;oes agressivas; d) teo ria da aprendizagem da delinqiiencia; e) teoria do etiquetamento (labeling approach).

3.3.1.Teoria do delito como elei~ao Seu ponto de partida e a Escola Classica, podendo-se destacar

Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Cesare Beccaria e Jeremy Bentham como alguns dos seus mais renomados autores.

As ideias postuladas pela E~cola Classica ainda podem ser consideradas como 0 fundamento dos modernos sistemas juridico-penais aplicados em to do 0 mundo. Com 0 surgimento da Escola Classica, nb seculo XVIII, e principalmente por intermedin da obra de Beccaria (1764 '- Dos Delitos e das Penas) e de Bentham (1789 - Introdu9iio aos Principios da Moral e da Legisla9iio), inumeros principios comec;aram a ganhar corpo, a exemplo dos principios da necessidade e da suficiencia da pena, proporcionalidade, utilidade, prevenc;ao geral e especial, in dubio pro reo, publicidade dos julgamentos, presunc;ao de inocencia, culpabilidade, dentre outros, sem falar, talvez, na maior conquista da historia da humanidade, que e 0 principio da

" dignidade da pessoa human a, fazendo com que a pena deixasse de seraflitiva, tendo 0 corpo do criminoso como seu objeto principal, evoluindo para a privac;ao da liberdade como pena principal.

Segundo as lic;oes de Foucault, «a prisao, pec;a essencial no conjunto das punic;oes, marca certamente urn momento importante na historia da justic;a penal: seu acesso a humanidade". 9

A Escola Classica estava fundament ada, basicamente, nos seguintes postulados: a) livre-arbitrio; b) dissuasao e c) prevenc;ao.

7 GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Princfpios de crimin%gia, p. 165. 8 Jorge de Figueiredo Dias e Manoel da Costa Andrade, prelecionarn que "0 termo criminologia foi utilizado pela prirneira vez, ha pouco rnais de urn seculo (1879), pelo antrop61ogo frances Topinard. Foi, por outro lado, em 1885 que ele apareceu como titulo duma obra cientlfica: a Crimin%gia de Garofalo" (Crimin%gia" -" 0 homem delinquente e a sociedade criminogena, p. 5) . 9 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, p. 195.

DIREITO PENAL DO EQUILiBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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Por livre-arbitrio entendia-se a capacidade qlle tinha 0 agente de decidir entre a pnitica de urn comportamento licito ou ilicito. Na precisa li«;ao de Pablos de Molina,

a determina«;ao sempre justa da lei, igual para todos e acertada, e infringida pelo delinqiiente ern uma decisao livre e soberana. Falta na Escola Cl<issica uma preocupa«;ao inequivocamente etiologica (preocupa«;ao ern indagar as 'causas' do comportamento criminoso), ja que sua premissa iusnaturalista a conduz a atrlbuir a origem do ato delitivo a uma decisao 'livre' do seu autor, incompativel corn a existencia de outros fatores ou causas que pudessem influir no seu comportarnento. lO

Moniz Sodre afirmava que, na opiniao dos crirninalistas c1assicos, 0 livre arbitrio e 0 apanagio de todos os homens psiquicarnente desenvolvidos e mental mente saos. E desde que possuem essa faculdade, esse poder de escolha entre motivos diversos e opostos, eles sao moralmente responsaveis por todos os seus atos, vis to estes serem filhos exc1usivamente dessa vontade livre e soberana 11

Entre a escollia de cometer ou nao urn delito, a pena deveria ser utilizada como fator de dissuasao nesta escollia, ou seja, na compara«;ao entre o mal da pena e 0, beneficio a ser alcan«;ado pela pratica da infra«;ao penal, aquele teria de ser urn fator desestimulante ao agente. Por meio de uma especie de balan«;a, 0 agente colocaria emseus pratos as vantagens da infra«;ao penal e asdesvantagens da pena que a ele seqa aplicada, e nessa compensa«;ao a pena deverla desestimula-Io, pois que superior as vantagens obtidas por

meio do delito. A pena, ainda segundo a Escola Classica, deveria servir a uma fun«;ao

preventiva, tanto' geral quanto especi~. Beccaria ja dizia que "0 tim da pena, pois, e apenas 0 de impedir que 0 reu cause novos danos aos seus concidadaos e demover os outros de agir desse modo" .12

Modernamente, fala-se ern teoria do delito como eZeifao racionaZ, podendo-se destacar como alguns de seus formuladores James Q. Wilson e Richard J. Herrnstein, difundida na obra intitulada Crime e Natureza Humana, bern como Donald V. Clarke e Derek B. Cornish (1985), que passaram a entender que a infra«;ao penal e fruto de uma elei«;ao racionallevada a efeito

pelo agente.

10' PABL.OS bEMOdNA,Antonio Garcia; GOMES, Luiz Flavio. Crimin%gia, p. 160. 11 SOORE, Moniz. As tres esco/as penais, p. 71. 12 BECCARIA, Cesare. Dos de/itos e das penas, p. 52.

36 -------------------------ENFOQUES CRIMINOL6GICOS

Segundo ainda Garrido, Stangeland e Redondo, "a chave explicativa da conduta delitiva reside ern que certos sujeitos possuem uma mentalidade criminal que radica ern que consideram que podem beneticiar-se de situa«;oes ilegais, ainda que assumam certo risco de serem presos" .13,

3.3.2. Teorias das influencias Todo 0 conjunto teorico abrangido pela e:xpressao teorias das injluencias

gira ern torno das teorias que real«;am a importancia dos fatores sociais na explica«;ao da delinqiiencia. Sao enfatizadas as intluencias que as intera«;oes sociais negativas ou problem<iticas exercem sobre a conduta delitiva, e a partir dai procuram desenvolver programas de integra«;ao social, corn 0 tim de evitar a criminalidade.

Para as teorias das influencias sociais, a delinqiiencia seria 0 resultado da estrutura e do funcionamento social e, especialmente, dos desequilibrios existentes entre os objetivos sociais e os meios legitimos disponiveis para a sua obten«;ao, gerando tensao entre os individuos.

Dentre as teorias das influencias, podemos destacar as seguintes: 1. teoria ecologica; 2. teorias do controle social informal; 3. teoria dos vinculOS sociais; 4. teo ria da tensao; 5. teoria das subculturas.

1. A teoria ecoZ6gica teve seu desenvolvimento por intermedio da charnada Escola de Chicago, onde, no ana de 1982, foi criado 0 Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago. Seus principais idealizadores foram Robert Park, Ernest Burguess, Clifford R. Shawe Henry MacKay.

Inicialmente, via analogia, tal como uma doen«;a, afirmavam que as pessoas eram contarninadas pelos meios sociais nos quais se encontravam inseridas. Contagiavarn-se por meio do contato com comportarnento~;

crirninosos, que passavarn a assimilar corn naturalidade. ' Mediante pesquisas de campo, seus autores confirrnararn a suspeita de

que a distribui«;ao da delinqiiencia seguia tuna serle de padroes pelos diferentes bairros da cidade, permitindo que ftZessem urn mapearnento da cidade de Chicago, ern areas concentricas, a partir da zona central, verificando-se que a taxa de crirninalidade era infinitarnente maior nas areas mais pobres.

13 GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Princ(pios de crimin%gia, p. 183.

DlREITO PENAL DO BQUILfBRIO: 37 UMA VISAO MINIMALISTA DO DIRBITO PENAL

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Em seus estudos, concluiram que a desorganizaryiio social conduzia a eda no controle social e, consequentemente, ao aumento da delinquencia e

qu unham como solw;ao ao problema da criminalidade a eliminac;ao dos prop , f '1' -bols6es de miseria, com a abertura de oportunidades de emprego, aCI ltac;a.o de aquisic;ao de moradias, escolarizac;ao, enfIm, criac;ao de urn modo malS

digno de vida. "., " Contudo, como asseveram Garrido, Stangeland e Redondo, ehmlnar as

deficiencias sanitarias ou ~ pobreza sao sem duvida objetivos saudaveis em toda sociedade, mas 0 progresso nestes campos nao vern necessariamente associado a uma diminuic;ao contingente da delinquencia", afIrmando, ainda, que, tal como aconteceu nos Estados Unidos da America, na Espanh~, no principiO dos anos 80, "a bonanza economica e social desses anos nao se traduziu em uma reduc;ao da delinquencia, senao em urn aumento desta. Portanto, as teorias que postulavam que a aplicac;ao de medidas sociais era 0

. firm d ,,14 principal remedio da delinquencia nao Vleram a ser con a as .

2. As teorias que prop6em 0 chamado controle social informal tentam explicar o comportamento delinquente de acordo com as regras sociais, sem a

intervenc;ao direta do Estado. : " Pela teoria da contenc;ao, proposta por Reckless, aduz-se que existem

controles intemos e externos que tern a possibilidade de inibir a pratica de . comportamentos delituosos, a exemplo da capacidade de se autocontrolar ~u mesmo 0 autoconceito que 0 agente faz de si proprio, bern como a reprovac;ao levada a efeito por aquelas pessoas que, frequentando 0 mesmo circulo social doagente, viessem a to mar conhecimento do delito por ele cometido.

Por outro lado, a teoria da neutralizac;ao ou da deriva, proposta por Sykes e Matza, assevera que enquanto os jovens se encontram na fase de amadurecimento, e como se fossem barcos a deriva, nao estando firmes no proposito se devem ou nao delinqUir. Pelo fato de se encontrarem a deriva, vinculam-se ou nao a delinquencia segundo contem ou nao com controles que os afastem dela.

Essa teoria cuida, ainda, das chamadas tecnicas de neutralizac;ao, por meio das quais 0 agente busca cauterizar 0 sentimento de culpa com relac;ao ao cometimento da infrac;ao penal, justificando 0 seu comportamento com

uma serie de argumentos, a saber: • desclassificac;ao da vitilna; • condenac;ao daqueles que condenam ou que fazem as leis;

• demonstrac;ao de lealdades superiores;

• negac;ao da Justic;a;

1'4 GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Princ{pios decriminologia, p. 212-213.

-------------------------ENFOQUES CRIMINOLOGICOS

I • argumento de que "todo mundo faz a mesma coisa"; • provocac;ao da vitima nos delitos sexuais etc.

3. A teo ria dos vinculos socia is, de auto ria de Hirschi, e considerada uma das mais importantes da moderna criminologia, sendo ainda uma das que mais investigac;6es tern produzido nas ultimas decadas.

Foi formulada por Travis Hirschi, em 1969, na sua obra intitulada Causas da Delinquencia luvenil, tendo como ponto central da teoria 0 fato de que a existencia de vinculos afetivos com pessoas socialmente integradas constitui 0

principal elemento impeditivo dos jovens de iniciarem a pratica de condutas criminosas.

Essa teoria parte da ideia de que 0 apego e a vinculac;ao do agente com seus pais, com seus amigos, com a escola, com os trabalhos sociais, bern como o temor a Deus impedem 0 jovem de enveredar-se pelo caminho do crime.

4. A teo ria da tensiio, de Robert Merton, imputa ao sonho americana a ilusao de que todos podem, todos tern as mesmas chances de se tornarem vencedores, provenham eles de familias ricas ou pobres. '

Na verdade, quando as pessoas se deparam com a realidade da falacia do discurso do vencedor, tern inicio a chamada tensiio. Embora 0 Estado afirme que todos tern capacidade de vencer na vida, nem todos, obviamente,' tern as mesmas chances, as mesmas oportunidades ou, mesmo, os meios necesscirios para que se transfonne em urn vencedor numa sociedade eminentemente capitalista.

Cria-se, portanto, a tensao, sendo que 0 individuo a ela pode se adaptar, assumindo quatro ~iferentes posturas: a) de conformidade (e 0 caso da maio ria dos individuos que se conforma em

nao conseguir atingir os fins de sucesso propostos); b) de inovac;ao (0 individuo aceita os fins - sucesso, status, etc -, mas nao se

conforma com os meios que the sao oferecidos e parte em busca de outros); c) ritualista (nao aceita os objetivos sociais, pois nao tern como ideal possuir

algo mais e se satisfaz em manifestar uma conduta padronizada); d) de rebeliao (nao aceita os fins e tampouco as atividades sociais convencionais,

a exemplo do comportamento assumido pelos revolucioncirios e toxicomanos).

5. A teoria das subculturas, que, na verdade, segundo" entendemos, seria melhor denominada de teo ria das contraculturas, analisa a formac;ao de grupos subculturais, que sao alheiosaospadr6esimpostos pela sociedade, bern como constestadores dos fins potela propostos.

Os grupos denominados subculturais criam para si novos fins e ideais, colidentes com aqueles determinados pela maioria da sociedade. Aqui

DIREITO PENAL DO EQUILtBRIO: 39 UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

tambem se trabalha com 0 conceito de tensao, sendo que os jovens pertencentes a grupos subculturais, a exemplo das chamadas gangs, dadas as discrepancias entre meios e fins que se dao na coletividade, especialmente entre as classes menos favorecidas, produzem estresse e incomodo social, sendo que essas situac;oes, conseqiientemente, conduzem a criminalidade.

3.3.3.As predisposi~oes agressivas No conceito das predisposic;oes agressivas encontram-se aquelas teorias

tidas como biologicas. Cesare Lombroso, professor de medicina legal da Universidade de

Turim, e considerado 0 pai da criminologia moderna. Foi 0 introdutor do positivismo, metodo cientifico utilizado nas cH~ncias naturais, a exemplo da ffsica, da botanica, da medicina ou da biologia.

Para Lombroso, a observac;ao e a medic;ao deviam constituir as estrategias habituais do conhecimento criminologico, alem da racionalidade e da especulac;ao do mundo juridico. Suas ideias deram origem a Escola Biologica da Criminologia, que tambem ficou conhecida como Escola Italiana.

Conforme salientam Newton Fernandes e Valter Fernandes, Lombroso imaginou ter encontrado, no criminoso, em sentido natural-cientifico, uma variedade especial de homo sapiens, que seria, caracterizada por sinais (stigmata) fisicos e psiquicos. Tais estigkas ffsicos do criminoso nato, segundo Lombroso, constavam de particularidades da forma da calota craniana e da face, cons\lbstanciadas na capacidade muito grande ou pequena do cranio, no maxilar inferior procidente, fai-tas sobrancelhas, molares muito salientes, orelhas grandes e defor~adas, dessimetria corporal, grande envergadura dos brac;os, maDS e pes, etc. Como estigmas ou sinais ps~quicos que caracterizariam 0 criminoso nato, Lombroso enumerava: sensibilidade dolorosa diminuida (eis por que os criminosos se tatuariam), crueldade, leviandade, aversao ao trabalho, instabilidade, vaidade, tendencia a superstic;oes,

precocidade sexual. Lombroso apregoava que 0 criminoso nato tinha urn regresso atavico, pois que muitas das caracteristicas por ele apontadas tambem eram proprias das formas primitivas dos seres humanos.15

Enrico Ferri, jurista, politico e sociologo, aderiu as teses de Lombroso e a elas agregou fatores.~)Q~iais, economicos e politicos considerados importantes na analise da delinqiiencia, apontando cinco tipos de criminosos:

15 FERNANDES; Newton; FERNANOES, Valter. Crimin%gia integrada, p. 81.

40 BNFOQU~S CRIMINOLOGICOS

r a) nato; b) louco; c) passional; d) ocasional; e) habitual.

No mesmo diapasao, Garofalo aduzia: A ideia do atavismo foi sustentada' por Lombroso, em vista da semelhanc;a entre os caracteres ffsicos e morais do delinqiiente e do selvagem, considerado como representante do homem primitivo; 0

confronto entre alguns caracteres de cranios pre-historicos e de cranios de delinqiientes e ainda 0 estudo psicologico das crianc;as, que representam estagios atrasados da evoluc;ao humarta e nas quais se encontram muitos fatos comuns aos selvagens e aos criminosos, reforc;am a opiniao do grande escritor. A verdade destas aproximac;oes e indiscutivel, independentemente da hipotese de que as produz uma regressao atavica. 16

A escola biologica, em que pesem os seus erros iniciais, contribuiu para inumeros estudos comparativos, a exemplo da heranc;a genetica, na qual os estudos dos cromossomos levaram, nas decadas de 40 e 50, do seculo passado, a descobertas de alterac;oes geneticas que, possivelmente, poderiam conduzir o individuo a criminalidade, como no casu da chamada sindrome do supermacho, na qual, em virtude das. mencionadas alterac;oes, era possivel encontrar, na cadeia genetic a do agente, a presenc;a de mais urn cromossomo Y, que conduzia a formac;ao XYY. Naquela oportunidade, tentou-se afirmar que esses individuos possufam uma tendencia a agressividade, sendo considerados como pessoas violentas. Hoje em dia, ja ficou demonstrado que essa alterac;ao em nada repercute na possibilidade de serem cometidas infrac;oes penais, podendo-se concluir, portanto, qu~ a delinqiiencia nao possui natureza hereditana.

3.3.4.0 aprendizado da delinqiiencia A pro posta basica da teoria do aprendizado da delinqiiencia consiste em

explicar 0 comportamento delitivo a partir de. uma serie de mecanismos de aprendizagem.

Tal teoria parte do pressuposto de que a delinqiiencia, como especie de comportamento humano, se aprende, da mesma forma que os demais comportamentos nao criminosos, por meio do associacionismo, cujo desenvolvimento inicial e atribuido a Aristoteles.

16 GAR6FALO, Raphaele. Crimin%gia, p. 132-133.

.. _ .... -._.--------------.- ,~

DlRBITO PBNAL DO BQUlLtBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL

41

Alem da ideia associacionista, 0 sociologo frances Gabriel Tarde formulou, em 1890, as chamadas leis da imitar;iio.

Tarde criou tres leis que fundamentam sua tese, a saber: a) as pessoas imitam as outras proporcionalmente ao grau de contato que tern

comelas; b) os inferiores imitam comumente os superiores; c) as novas modas desprezam as velhas.

Tambem merece destaq.u'e a teo ria da associar;iio diferencial criada por Edwin H. Sutherland durante os anos 20 do seculo passado, cuja proposta gira no sentido de que a delinqiiencia nao e 0 resultado da inadapta<;ao dos sujeitos de :classe baixa, senao da aprendizagem que individuos de qualquer classe e cultura realizam de condutas e valores criminais.

o principio fundamental da teoria estabelece que 0 motivo pelo qual os individuos se convertem em delinqiientes e 0 contato excessivo com defini<;oes favoniveis a delinqiiencia, superiores ao contato que tern com defini<;oes contranas a elas.

3.3.S.Teoria do etiquetamento (labeling approach) A chamada teoria do etiquetame~to, ou labeling approach, encontra

suas raizes na obra de Emile Durkhein, que Se referiu aos processos de constru<;ao da delinqiiencia e a normalidade dela.

Os principais auto res modemos da teoria do etiquetamento sao Erving Goffinan, Edwim Lemert e Howard Becker, considerados como autores da

Nova Escola de Chicago. A metodologia utilizada por esses auto res e, tal como na anterior Escola

de Chicago, a observar;iio direta e 0 trabalho de campo. Dirigem sua aten<;ao aos processos de conversao dos individuos em

desviados ou, 0 que e 0 mesmo, os processos de criar;iio dos desvios.

42

N a precisa li<;ao de Pablos de Molina, Por volta dos anos 70 ganhou grande vigor urna explica<;ao interacionista do fato delitivo que parte dos conceitos de conduta desviada e rea<;ao social. Genuinamente norte.;,americana, surge com a modesta pretensao de oferecer urna explica<;ao cientffica aos processos de - crirnin~iza<;ao, as carreiras criminais e a chamada desvia<;ao secundana, adquirindo, sem embargo, com 0 tempo, a natureza de mais urn modelo teorico' explicativo do comportamento

criminal. De acord~ com essa perspectiva . interaciomsta, . naose pode compreender 0 crime prescindindo da propria rea<;ao social, do

. --. --------------.- . -.- --. ENl'OQUES CRIMINOLOGICOS

processo de defini<;ao de certas pessoas e condutas etiquetadas como delitivas. Delito e rea<;ao social sao expressoes interdependentes, reciprocas e insepaniveis. A desvia<;ao nao e uma qualidade intrinseca da conduta, senao uma qualidade que the e atribuida por meio de complexos processos de intera<;ao social, processos estes altamente seletivos e discriminatorios.17

Hassemer e Munoz Conde, analisando a tese central da teoria do etiquetamento, prelecionam:

A criminalidade nao e uma qualidade de uma determinada conduta, senao 0 resultado de urn processo atraves do qual se atribui dita qualidade, quer dizer, de urn processo de estigmatiza<;ao. Segundo uma versao radical desta teo ria, a crim,inalidade e simplesmente uma etiqueta que se aplica pelos policiais, os promotores e os tribunais penais, quer dizer, pelas instancias formais de controle social. Outros de seus representantes, :rp.enos radicais, reconhecem ao contnirio, que os mecanismos de etiquetamento nao se encontram somente no ambito do controle social formal, senao tambem no informal, onde se dao os processos de interar;iio simb6lica nos quais ja muito cedo a familia decide quem e a ovelha negra entre os irmaos, 0 estudando dificil ou marginal. Desse modo, as pessoas assim definidas ficam estigmatizadas com 0 signo so~ial do fracasso C ••• ). Posteriormente, esta estigmatiza<;ao ou etiquetamento sera remarcado e aprofundado por outras instancias de controle social, que terminarao por fazer com que 0 estigmatizado assuma por si mesmo, como parte de sua propria historia vital, esse papel imposto e cunhado desde fora. 18

No mesmo sentido, segundo Becker, os grupos sociais criam os desvios ao fazerem as regras cuja infra<;ao constitui 0 desvio e ao aplicarem tais regras a certas pessoas em particular e qualifica-las de marginais. Os processos de desvios, assim, podem ser considerados como primarios e secundarios.

o desvio primano corresponde a primeira a<;ao delitiva de urn sujeito, que pode ter como finalidade resolver alguma necessidade, por exemplo, economica, ou produzir-se para acomodar sua conduta as expectativas de determinado grupo subcultural. 0 desvio secundano s~ ref ere a repeti<;ao dos atos delitivos, especialmente a partir da associa<;ao for<;ada do individuo com outros sujeitos delinqiientes.

o processo de etiquetamento induz que, a partir do momenta em que 0

sujeito delinqiie, a sociedade ja passa a estigmatiza-lo como delinquente.

17 PABLOS DE MOLINA, Antonio Garcia; GOMES, Luiz Flavio. Criminologia, p. 319-320. 18 HASSEMER, Winfried; MUNOZ CONDE, Francisco.lntroducci6n a la criminologfa, p. 155-156.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: 43 UMA vlsAo MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

Aquele que praticou 0 delito ja come«;a a ser recoI1hecido por ele proprio como marginal.

Uma vez adquirido 0 status de desviado ou de delinqiiente, e muito dificil modifica-Io, por duas razoes: a) pela dificuldade da comunidade aceitar novamente 0 individuo etiquetado; b) porque a experiencia de ser considerado delinqiiente, e a publicidade que

isso comporta, culminam em urn processo no qual 0 proprio sujeito se concebe como tal.

3.3.6. Bullying Ultimamente, muito se tern discutido a respeito do chamado bullying,

termo de origem inglesa originario da palavra bully, cujo significado e "valentao". 0 valentao (bully), ou grupo de valentoes, pratica 0 bullying, isto e, todos os tipos de agressoes ffsicas, morais, ou psicologicas, de maneira intencional e repetida, com a finalidade de se sobrepor a(s) vitima(s), subjugando-aCs) a intimida«;oes, agressoes, humilha«;oes.

o fenomeno nao e novo, mas tern sido estudado com mais cuidado a partir da decada de 1980, principalmente na Europa enos Estados Unidos, e ocorre, com mais freqiiencia,no ambiente escolar (escolas, cotegios, faculdades, universidades, etc.), mas tambem acontece em ambientes de trabalho ou mesrho dentro das proprias familias. Quantas vezes ja assistimos nos noticicirios: de televisao a cenas mostrando humilha«;oes de pessoas ligadas, de algoma forma, a vida militar, priilcipalmente quando participam de determinados ~ursos que, supostamente, Visam ao crescimento pro~ssional delas?

No Brasil, 0 problema e comum, nao importando a classe. s9cial dos envolvidos ou, como e mais freqiiente, se a institui«;ao de eIisino ~ de natureza publica ou privada.

o bullying e praticado de diversas, formas, que vao des de pequenas intimida«;oes, como insultos, amea«;as, trotes, humilha«;oes, falsos mmores sobre a reputa«;ao da vitima, apelidos ridicularizantes, ate a pratica de infra«;oes penais graves, a exemplo do estupro, atentado violento ao pudor, roubo, extorsoes, chegando, inclusive, em algumas situa«;oes extremas, ao homicidio.

Normalmente, nas institui«;oes de ensino, as vftimas do bullying sao pessoas excluidas ou isoladas socialmente, minorias, mais fracas fisicamente, estudiosas,ou'que, por 'alguma razao, foram "escolhidas" para serem isoladas pelo blillY.

Aquilo que, a primeira vista, parece uma simples brincadeira sem maiores conseqiiencias, pade levar a vitima ate mesmo ao cometiIilentt:> de

44 ENFOQUBS CRIMINOL6GICOS

suicidio, dada a humiiha«;ao a que e submetida. Todos nos, em menor ou maior grau, ja tivemos contato com 0 bullying.

E~bora nao seja, especificamente, uma teoria criminologica, mas, sim, urn fenomeno nefasto para a sociedade moderna, seu estudo nao deixa de ser importante para 0 crirninologo, principalmente aqueles ligados as areas da sociologia e da psicologia, que poderao contribuir, decisivamente, para 0

enfrentamento da questao, visando a redu«;ao de sua pratica a indices toleraveis.

3.4. CONCLUSAO

De tudo 0 que foi exposto, percebe-se que nenhuma dessas teorias acima ~lencadas tern 0 condao de, sozinha, resolver os~ problemas fundamentais atribuidos ao crirninologo, vale dizer, 0 estudo do comportamento delitivo e a rea«;ao social.

Na verdade, cada uma dessas teorias possui pontos positivos e negativos, prernissas corretas e equivocadas. Entretanto, cabera ao crirninologo aproveitar 0 mciximo possivel de seus ensinamentos, a fim de procurar aplica-Ias no sentido de tentar resolver urn dos maio res problemas que assolam a sociedade de hoje - 0 aurnento da criminalidade.

Cada especie de delinqiiente mere ceria, e certo, sua propria teoria crirninologica. Nao estamos nos referindo, obviamente" aquela defini«;ao proposta por Lombroso e Ferri, como vimos anteriormente, que sUbdividiam os delinqiientes em natos, loucos, ocasionais, passionais e habituais. Uma nova subdivisao dever ser proposta, a fim de analisar aqueles que integram grupos de exterminio, traficantes de drogas, contrabandistas, criminosos de colarinho branco, pequenos furtadores, estupradores, enfun, em cada uma das infra«;oes penais elencadas pela lei penal devera ser observado 0 agente que possui as caracteristicas previstas pelo tipo. .

Ao contrario do que ocorria com a Escola Ecologica, que identificava, ·em geral, urn aumento da taxa de crirninalidade quanta mais pobre fosse a zona que se observava, na modema criminalidade, a zona ~ul, isto e, a regiao nobre: ~ de algumas cidades grandes, abriga os criminosos mais perigosos. Verdadeiros genocidas, sonegam fortunas incalculaveis, matando milhares de pessoas com seus rombos nas Boisas de Valores, com suas licita~oes fraudulentas, etc.

o latrocida, nos dias de hoje, virou bod~ exPiatoiio, visto que a sua conduta e testemunhada por toda a sociedade, ao contrario dos criminosos de colarinho branco, freqiientadores assiduos das colunas sociais, que sao bajulados pela popula«;ao, que se orgulha de, ao seu lado, tirar fotos promocionais.

- .... _--------._---------DIREITO PBNAL DO BQUILtBRIO:

UMA VISAO MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL " , ~ 45

o trabalho do crimin610go e arduo, mas prc:lZeroso. ~om as ferramentas trazidas pelas teorias acima expostas, podera 0 profisslOnal ~xecutar urn

alh . te de I·nvestigarao a fim de apurar por que os ncos querem trab 0 paclen y , • •

fi da Vez mais ricos a custa da vida dos pobres; por que a malOna dos car ca d ,.. d e

pobres e miseraveis, mesmo diante de sua situa<;ao e penuna, aI~ a s conforma diante de tanta desigualdade social e nao se rebela contra 0 Sistema, praticando toda a sorte de crimes; por que pessoas .que n~scerarn e cresceram em lares abastados voltam .. se para a pratica de cnmes vlOlentos; por que os

que tern tudo se suicidam... . . . , . , . , o crimin610go, concluindo, deve ser 0 mms eclettco possivel- pSlcologo,

psiquiatra, bi610go, soci610go, jurista, etc .. Todos, os saberes devem estar reunidos em uma s6 pessoa, se e que isso seJa possivel, a fim de desvendar 0 enigmatico problema do crime, do delinquente e da vitima.

.---------------~~------. BNFOQUES CRIMINOL6GICOS

Capitulo 4

CONCEITO DE PRINCiPIOS

Segundo 0 nosso vernaculo, a palavra "principios" significa: s. m. pl. 1. Rudimentos. 2. Primeira epoca da vida. 3. Bibliogr. V. folhas preliminares. 4. Filos. Proposi<;6es diretoras de uma ciencia, as quais todo 0 desenvolvimento posterior dessa ciencia deve estar subordinado. I

Partindo da defini<;ao contida no item 4 acima, os principios sao considerados, na ciencia juridica, como as normas gerais mais abstratas, que servern de norte e de observa<;ao obrigat6ria para a cria<;ao do sistema normativo.

A palavra "principio " , no singular, nos termos ainda do dicionario apontado, indica 0 inicio, a origem, 0 come<;o, a causa primaria.

Com precisao, aduz Ruy Sa.Il\uel Espindola: Pode-se concluir que a ideia de principio ou sua conceitua<;ao, seja la qual for 0 campo do saber que se tenha em mente, designa a estrutura<;ao de urn sistema de ideias, pensamento,s au normas por uma ideia mestra, por urn pensamento-chave,por uma baliza normativa, donde todas as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.2

Nessa !Jonceitua<;ao podemos visualizar e apontar os princfpios como orientadores· de todo 0 sistema normativo, sejam eles positivados ou nao. Dissemos positivados ou nao porque os principios· podem estar previstos expressamente em textos normativos, a exemplo do que ocorre com 0 principio da legalidade, cuja previsao se encontra no textode nossa Constitui<;ao, ou outros que, embora nao positivados, sao de obediencia obrigat6ria, razao pela qual sao denominados principiosgerais do Direito.3

Merecem ser transcritas as li<;6es de Ivo Dantas qUaI)do, bus cando conceituar os principios, diz:

1 FERREIRA, Aurelio Buarque de Holanda. Novo diciontario da Ifngua portuguesa. 2 ESplNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princlpios constitucionais, p. 53. 3 Conforme esclarece Olga SAnchez Martinez, In Los principios enel derecho y la dogmatica penal, p. 46, "os principios gerais do direito permitem, sendo fiel a lei, construir valorativamente sua aplicalfao. No momenta da interpretalfao juridica as normas sao reconduzldas aos princfpios buscando sua conformidade com 0 conjunto de valores materiais reconhecidos no ordenamento juridico, seja texto conStitucional ou na regulamentalfaO concreta das distintas instituilfoes juridicas".

DIRE ITO PENAL DO EQUlLfBRIO: 47 UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Para nos, PRINCfpIOS sao categoria logica e, tanto quanto possivel, universal, muito embora nao possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a urn sistema juridico-constitucional-positivo, refletem a propria estrutura ideologica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada

sociedade.4

Ate a expressao principios gerais do Direito devera ser bern entendida. Sabemos que cada ramo do ordenamento juridico tern suas particularidades e principios que the sao proprios. 0 Direito Civil se orienta por principios que podem ou nao coincidir com aqueles com os quais 0 Direito Penal se ocupa.

Conforme preleciona Ruy Samuel Espindola, ambos, principios positivos do Direito e principios gerais do Direito, encontram-se contemplados na enuncia<;ao lingiiistica do art. 42

, da Lei de Introdu<;ao ao Codigo Civil. Os primeiros, no vocabulo 'lei', e os segundos, na locu<;ao quelhes designa 0 proprio enunciado.

5

Merece ser ressaltada a advertencia feita por Manoel Messias Peixinho,

quando diz: E problematica a defini<;ao de principios gerais de direito, se se quer alcan<;ar urn enunciado formal e incontroverso, a semelhan<;a de outros institutos juridicos. Del Vecchio entende serem os principios gerais oS,mesmos do Direito Natural. Geny, por sua vez, compreende os principios gerais do direito como os que decorrem da natureza das -coisas. Bianchi, Pacchioni e Clovis Bevilaqua consideram-nos camo os principios universais, presentes na Filosofia e na Ciencia (Pauperio, 1989, p. 309-310). .

Citando Mans Puigamau, Paulo Nader desmembra os principios gerais de direito, compreendendo como subconceitos a principialidade, a generalidade eajuridicidade. Portanto, pode-se assim definir:

a)principios: ideia de fundamento, origem, come<;o, razao,' condi<;ao

ecausa; b) gerais: a ideia de distin<;ao entre genero e a especie e a oposi<;ao entre a pluralidade e a singularidade; c) direito: carater de juridicidade, 0 que esta conforme a reta; 0 que da a cada urn 0 que the pertence (Nader, 1993, p. 110).6

E conclui a sua exposi<;ao, dizendo: E relevante observar que a dificuldade em torno de uma defini<;ao dos principios gerais de direito esta adstrita ao exame de sua propria

4 ;D~TA$,lve:,.J~ri,~~r . :R~ryf~itii{~?~~~.~ it1t~~~tCJ~?O cOf!stitucional, p. 59. 5 ESP(NDpLA, ~~",,~f:~C.9n¢e,itp,q~princfpiQ§.¢onstitucicmais, p. 60: . 6 Apud PEIXlNHO, Manoei'Messias. A i";te,preta~ao da constituiyao e os·princfpios fundamentais, p. 105.,.106.

48 -.-----------------------CONCBITO DB PRINCfplOS

natureza. Por conseguinte, pode-se delinear a discussao dentro de duas vertentes ideologicas, no ambito da Filosofia do Direito. 0 positivlsmo, com a Escola Historica, compreende os principios gerais de direito como os proprios principios do ordenamento juridico, enquanto que, para 0 jusnaturalismo, os principios gerais de direito sao de conteudo ultrapositivos, oriundos de principios imutaveis, ou seja, do Direito Natural.7

Fabio Correa Souza de Oliveira, com arglicia, observa, ainda: A par daqueles considerados v3.lidos para toda forma de conhecimento, cada ramo do saber pode instituir principios particulares. Temos os principios da Fisica, da Psicologia, da Economia, da Teologia, da Sociologia, da Qufmica, da Filosofia, do Servi<;o Social, do Direito etc. A declara<;ao dos principios nao e feita, em grande parte dos casos, num clima de pacificidade. Inumeras dificuldades e controversias existem mesmo nas Ciencias Exatas ou Biologicas. A evolu<;ao do entendimento e da tecnologia se encarrega de derrubar principios acreditados como absolutos e impereciveis. Nas Ciencias Hu~manas e Sociais, os desacordos e os antagonismos sao freqiientes. E de ampla aceita<;ao a tese de que os principios se revestem de algum carater de relatividade, inclusive os estimados como universais. As disputas nao se limitam apenas sobre quais principios sao determinados, mas ainda sobre a maneira de compreende-Ios e aplica-los.B

E nossa tarefa, portanto, analisarJa teoria dos principios sob 0 enfoque exigido pelo Direito, procurando desvendar sua aplica<;ao teo rica e pratica, razao pela qual faremos, a seguir, 0 estudo do carater normativo dos principios, bern como a necessidade de sua aplica<;ao considerando-se urn Direito Penal do Equilibrio, no qual a principiologia penal, na verdade, ocupa lugar de destaque, reinando sobre 0 ordenament~ juridico, co'm reflexos para toda a legisla<;ao penal.

4.1. 0 CARATER NORMATIVO DOS PRINCiPIOS Sejam os principios expressos ou implicitos, positivados ou nao,

entende-se, contemporaneamente, 0 seu carater normativo como normas com alto nivel de generalidade e informadoras de to'd~ '0 ordenamento juridico, com capacidade, inclusive, de verificar a validade das normas que the devem obediencia.

7 Apud PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretar;ao da constituir;ao e os princfpios fundamentais, p. 106. B OLIVEIRA, Fabio Correa Souza de. Por uma teoria dos princfpios. 0 principio constitucional da razoabilidade p.19. '

DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DlRBlTO PBNAL

c. . ~ 49

Ricardo Guastini, com preclsao, aponta seis distintas defini~oes de principios que se encontram estreitamente ligadas as disposi~oes normativas, quando assevera:

Em primeiro lugar, 0 vocabulo 'principio'[ ... ] se refere a normas (ou a disposi~oes legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de generalidade. Em segundo lugar [ ... J, os juristas usam 0 vocabulo 'principio' para referir-se a - normas, (ou a disposi~oes que exprimem normas) providas de urn alto' grau de indetermina~ao e que por isso requerem concretiza~ao por via interpretativa, sem a qual nao seriam suscetiveis de aplica~ao aos casos concretos. Em terceiro lugar [ ... J, os juristas empregam a palavra 'principio' para referir-se a normas (ou disposi~oes normativas) de carater 'programatico' . Em quarto lugar [ ... ], 0 usa que os juristas as vezes fazem do termo 'principio'e para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas) cuja posi~ao hierarquica das fontes de Direito e muito elevada. Em quinto lugar [ ... ], os juristas usam 0 vocabulo 'principio'para designar normas (ou dispos'~oes normativas) que desempenham uma fun~ao 'importante'e 'fundamental' no sistema juridico ou politico unitariamente considerado, ou num outro subsistema do sistema juridico conjunto (0 Direito Civil, 0 Direito do Trabalho, 0

Direito das Obriga~oes). ~m sexto lugar, finalmente [ ... J, os juristas se valem da expressao

. "'principio'para designar normas (ou disposi~oes que exprimem normas) dirigidas aos orgaos de aplica~ao, cuja especifica fun~ao e fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicaveis nos diversos casos.9

Ana Paula de Barcellos, a seu turo~, enumera os sete criterios mais utilizados pela doutrina para que se leve a efeito a distin~ao entre os principios e as regras, a saber:

(alO conteUdo. Os principios estao mais proxirnos da ideia de valor e de diteito. Eles formam uma exigencia da justi~a, da equidade ou da moralidade, ao pas~o que as regras tem urn conteudo diversificado e nao necessariamente moral. Ainda no que diz respeito ao conteudo, Rodolfo L. Vigo chega a identificar determinados principios, que denorniI}a de 'fortes', com os direitos humanos.

9 GUASTINI, Ricardo apud ESP(NDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princ(pios constitucionais, p. 61-62.

50 CONCBITO DB PRINC(PIOS

(b) Origem e validade. A validade dos princlplOs decorre de seu proprio conteudo, ao passo que as regras derivam de outras regras ou dos principios. Assim, e possivel identificar 0 momenta e a forma

. como deterrninada regra tornou-se norma juridica, perquiri~ao essa que sera inutil no que diz respeito aos principios.

(cl Compromisso hist6rico. Os principios sao para muitos (ainda que na~ todos), em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes, ao passo que as regras caracterizam -se de forma bastante evidente pela contingencia e relatividade de seus conteudos, dependendo do tempo e lugar.

(d) Fun9iio no ordenamento. Os principios tem uma fun~ao explicadora e justificadora em rela~ao as regras. Ao modo dos axiomas e leis cientificas, os principios sintetizam uma grande quantidade de informa~ao de urn setor ou de todo 0 ordenamento juridico, conferindo-lhe unidade e ordena~ao.

(e) Estrutura lingfUstica. Os principios sao mais abstratos que as regras, em geral nao descrevem as condi~oes necesscirias para sua aplica~ao e, por isso mesmo, aplicam-se a urn m1mero indeterminado de situa~oes. Em rela~ao a regras, diferentemente, e possivel identificar, com maior ou menor trabalho, suas hip6teses de aplica~ao.

(f) Es/or90 interpretativo exigido. Os principios exige~ uma atividade argumentativa muito mais intensa, na~ apenas para precisar seu sentido, como tambem para inferir a solu~ao que ele propoe para 0

caso, ao passo que as regras demandam apenas uma aplicabilidade, na expressaode Josef Esse, 'burocratica e tecnica' .

(g) Aplica9iio. As regras tern estrutura biunivoca, aplicando-se de acordo com 0 modelo do 'tudo ou nada', popularizado por Ronaldo Dworkin. Isto e, dado seu substrato fatico tipico, as regras so admitem duas especies de situa~ao: ou sao vcili.das e se aplicam ou nao se aplicam por inv3.1idas. Nao sao admitidas grada~oes. Como registra Robert Alexy, ao contrario das regras, os principios determinam que algo seja realizado na maior medida possivel, admitindo uma aplica~ao mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades ffsicas e juridicas existentes.10

Marcello Ciotola, apontando a polemica confusao que se faz entre norma e principio ou, ainda, entre regra e principio, preleciona, citando Robert Alexy:

10 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficaciajuridicia! dos princ(pios constitucionais, p. 47-51.

--------------._--------- 51 DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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Robert Alexy observa que, emboraa distim;ao entre regras e principios nao seja nova, imp era a respeito confusao e polemica. Alem do mais, a contraposi<;ao que freqiientemente se faz e entre norma e principio, e nao entre regra e principio. Questionando esta postura, afirma que regras e princfpios sao especies do genero norma juridica: 'Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos dicen 10 que debe ser. Ambos puden ser formulados con la ayuda de las expresiones deonticas bdsicas del mandato, la permision y la prohibicion. Los principios, al igual que las reglas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de un tipo muy diferente. La distincion entre reglas y principios es pues una distincion entre dos tipos de normas'.l1

Merece destaque, ainda, a evoluc;ao relativa as fases pelas quais passou a juridicidade dos principios. Inicialmente, os principios possuiam carater jusnaturalista, seguindo-se a ela a fase positivista, para, entao, modernamente, atribuir-se-lhes urna visao p6s-positivista.

DissertaPaulo Bonavides que, na fase jusnaturalista, os principios habitam ainda a esfera por inteiro abstrata e sua normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrasta com 0

reconhecimento de sua dimensao etico-valorativa de ideia que inspifa os postulados de justic;a. 12

Na segunda fase, considerada positivista, os principios deveriam ser extrafdos do sistema de normas posto em ~eterminado ordenamento juridico, servindo-lhe como fonte normativa subsidiaria ou, na expressao de Gordilho Cafias, citado por Paulo Bonavides, como "valvula de seguranc;a", que "garante o reinado absoluto da lei" . 13

N a' fase' p6s-positivista, as Constituic;6es, seguindo as lic;6es de Paulo Bonavides, "acentuam a hegemonia axiol6gica dos principios, convertidos em, pedestal normativo sobre 0 qual assenta todo 0 ediffcio juridico dos novos sistemas constitucionais". 14

Os principios, portanto, passam, nesta Ultima fase, a exercer a primazia sobre todo 0 ordenamento juridico, limitando, por meio dos valores por eles seleCionados, a atividade legislativa, somente permitindo, no caso especffico do Direito Penal, por exemplo, a criac;ao normativa que nao lhes seja of ens iva .

. }~1GIOTOLA,Marcelio. Prinefpios gerais de direito e prine{pios eonstitueionais - Os principios da constituiQ8.o de , p.46.

:~:~IPt.IAVIDE:S, Paulo. Curso de direito constitucionai, p. 232. BOr~V'IDE.S; Paulo. Curso de direito constitucionai, p. 234. 3(jt~AV1DES, Paulo. burso de dlteito eonstitucionai, p. 237.

CONCBITO DB PRINCfplOS

E~ decorrencia desse raciocinio, entendemos que os principios, dado 0

seu carater de norma superior as demais existentes no ordenamento juridico, servem de garantia a todos os cidadaos, em urn Estado Constitucional e Democratico de Direito, contra as tentativas do Estado em se arvorar em "senhor onipotente". Os principios sao, portanto, 0 escudo protetor de todo cidadao contra os ataques do Estado. Todas as normas lhe devem obediencia, s~b , pena ~e serem declaradas invcilidas. A titulo de exemplo, imagine-se a ~l1potese tao :rentilada nos meios de comunicac;ao de massa a respeito da Implementac;ao das penas de morte ou de carciter perpetuo para determinadas infrac;6es penais. Mesmo se nao houvesse principio especffico para 0 tema, como acontece, in casu, com 0 principio da limitac;ao das penas, previsto no art. 5~, XLVII, .da Constituic;ao, 0 principio da dignidade da pessoa humana, tam~em preVlsto em sede constitucional, seria suficiente p3.Ja impedir a modificac;ao do ordenamento juridico-penal. Se 0 legislador insistisse em desobedecer-lhe, outra altemativa nao caberia ao Poder Judiciario, encarregado do controle das leis, senao de afastar a aplicac;ao da norma contraria ao mencionado principio.

Assim, concluindo, contemporaneamente, os principios, em uma escala hierarquica, ocupam 0 lugar de maior destaque e importancia, refletindo, obrigatoriamente, sobre todo 0 ordenamento juridico.

------ .. _---------------- 53 DIRBITO PBNAL DO BQUlLfBRIO: UMA VlsAo MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL

Capitulo 5

PRINCiPIOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILiBRIO

5.1. PRINCiPIO DA DIGNIDADE DA PESSOAHUMANA Apontar a origem da dignidade da pessoa humana, como urn valor a ser

respeitadopor todos, nao e tarefa das mais faceis. No entanto, analisando a historia, podemos dizer que uma de suas raizes mais fortes encontra-se no cristianismo. A ideia, por exemplo, de igualdade e respeito entre os homens, fossem eles livres ou escravos, demonstra que 0 verdadeiro cristianismo, aquele personificado na pessoa de Jesus, pode ser urn dos alicerces desse complexo ediffcio da dignidade da pessoa humana. .

Tivemos 0 cuidado de mencionar 0 cristianismo verdadeiro pelo simples fato de que os proprios homens, ao longo dos anos, foram responsaveis pela

. sua modifica<;ao, a fim de satisfazer seus desejos egoistas e crueis, a exemplo do que ocorreu durante 0 periodo da chamada «Santa Inquisi<;ao", onde foram praticadas incontaveis atrocidades «em nome de Deus". No entanto, a base do cristianismo, voltado para a pessoa de Jesus, pode ser 0 nosso primeiro marco de estudo para 0 conceito de dignidade da pessoa humana.

Dando urn salta nos secul<?s, chegaremos ao periodo iluminista, ao seculo das luzes, onde a razao acendeu urna fogueira, colo cando luz a escuridao existente ate aquele D;lomento. Os seculos XVII e XVIII foram de fundamental importancia nao ~"omente ao efetivo reconhecimento, como para a' .consolida<;ao da dignidade da pessoa humana como urn valor a ser respeitado por todos.

No entanto, mesmo reconhecendo a sua existencia, conceituar dignidade da pessoa humana continua a ser urn enorrne desafio. Isto porque tal conceito encontra-se no rol daqueles considerados como vag os e imprecisos. E urn conceito, na verdade, que, desde a sua origem, encontra-se em urn processo continuo de constru<;ao. Nao podemos, de modo algum, edificar urn muro com a finalidade de dar contornos precisos a ele, justamente por ser urn conceito aberto.

Em rnuitas situa<;oes, somente a analise do caso concreto e que nos permitira saber se houve ou nao efetiva viola<;ao da dignidade da pessoa humana. Nao se pode desprezar, ainda, para efeitos de reconhecimento desse conceito, a diversidade historico-cultural que reina entre os povos. Assim,

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: 55 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

aquilo que numa determinada cultura pode ser concebido como uma gritante viola~ao dos direitos a dignidade do ser humano, em outra pode ser reconhecido como uma conduta honrosa. Veja-se 0 exemplo do que ocorre com 0 costume praticado em certas regioes na Africa, onde ocorre a chamada excisiio, que consiste na mutila~ao do clitoris e dos pequenos labios vaginais, ou a excisiio minima, utilizada tambem na Indonesia, onde se retira 0 capus do

clitoris. l

Temos, ainda, a possibilidade de aplica~ao de pena de morte, tal como acontece na maio ria dos estados norte-american os, reconhecida pela Suprema Corte daquele pais, que somente discute sobre os meios atraves dos quais essa pena podera ser aplicada etc. Assim, sao precisas as li~oes de Ingo Wolfgang

Sarlet quando indaga: ate que ponto a dignidade nao esta acima das especificidades culturais, que, muitas vezes, justificam atos que, para a maior parte da humanidade sao considerados atentatorios a dignidade da pessoa humana, mas que, em certos quadrantes, sao tidos por legitimos, encontrando-se profundamente enraizados na pratica social e juridica de determinadas comunidades. Em verdade, ainda que se pudesse ter o conceito de dignidade como universal, isto e, comum a todas as pessoas em todos os lugares, nao haveria como evitar uma disparidade e ate mesmo conflituosidade sempre que se tivesse de avaliar se urna deteniunada conduta e, ou nao, of ens iva a dignidade.2

Contudo, embora de dificil tradu~ao, podemos nos esfor~ar para tentar construir urn conceito de dignidade da p,essoa, entendida essa como urna qualidade que' integra a propria condi~ao humana, sendo, em muitas situa~oes, considerado, ainda, como irrenunciavel e inalienavel.

E algo in.erente ao ser humano, urn valor que nao pode ser suprimido, em virtude da sua propria natureza. Ate 0 mais viI, 0 homem mais detestavel, 0

criminoso mais frio e cruel e portador desse valor. Podemos adotar 0 conceito proposto por Ingo Wolfgang Sarlet, que procurou condensar alguns dos pensamentos mais utilizados para defini~ao do conceito de dignidade da pessoahurnana, dizendo ser:

1 Conforme adverte Celuy Roberta Hundzinski Damasio, in Luta contra a excisao, publicada na Revista EspaQo Academico Ana I, n. 03; "no leste africano (Djibuti, Etiopia, Somalia, Sudao, Egito, Quenia), a infibulaQao, tambem chamada d~ excisao faraonica, considerada a pior de todas, pois, apos a amputaQao do clitoris e dos pequenos labios,. os grandes labios sao secionados, aproximados e suturados con: ~spinhos ?e :acacia, s~ndo d,eixada uma minuscula abertura necessaria aoescoamento da urina e da menstruaQao. Esse onficlo e mantldo aberto por um filete d~ macjeira, qu~~, ern ~I, um p~lit?~efosforo. As perna!? devem fic~r, am~JTadas ~ura~te varias se~anas ate a total cibatriiaQ8o~ AsSim, a:'vulva'desaparece, sendo substitufda por uma dura Clcatnz. Por ocaslao do casamento a, mulh!:lr ~eta·~""b,e.rt;:l'p~lo: maridoou por .uma 'IT!atr;ona'(multlE~res mais 'e~perientes:designadas para isso). Mais 'tarde"quando s:te~ 0 prim,eiro filho, essa abertur~ e aumentaa~. ~I~urnas vezes, ap6s cada parto, a mulher e novamente infibulada"; . 2 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, p. 55-56.

56 . -. ------... ------.".". -.. -. PRINCfpIOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

a qualidade intrinseca e distintiva de cada ser humano que 0 faz merecedor do mesmo respeito e considera~ao por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, urn complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condi~oes existenciais mfnimas para uma vida saudavel, alem de propiciar e promover sua part~cipa~ao ativa e co-responsavel nos destinos da propria existencia e da vida em comunhao com os demais seres humanos.3

S.l.l.A concep~o normativa da dignidade da pessoa humana o reconhecimento da dignidade da pessoa como urn valqr inerente de

to do ser humano, foi urn passo importante a sua corporifica~ao normativa. Ja o prefunbulo da Declara~ao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789, dizia:

Os representantes do povo frances, reunidos em AssembIeia Nacional, tendo em vista que a ignorancia, 0 esquecimento ou 0

desprezo dos direitos do homem sao as Unicas causas dos males publicos e da corrup~ao dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienaveis e sagrados do homem, a fim de que esta declara~ao, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os ~hos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a institui~ao politica, . sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindica~oes dos cidadaos, doravante fundados em principios simples e incontestaveis, se dirijam sempre a conserva~ao da Constitui~ao e a felicidade geral.

o seculo xx, a seu tumo, principalmente apos as atrocidades cometidas pelo nazismo, presenciou 0 crescimento do principio da dignidade da pessoa humana, bern como sua formaliza~ao nos textos das constitui~oes~

principalmente as democraticas. Merecem ser registradas as considera~oes que levaram a proclama~ao da Declara~ao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, verbis:

Considerando que 0 reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da familia hurnana e de seus direitos iguais e inalienaveis e 0 fundamento da liberdade, da justi~a e da paz no mundo,

3 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fuiJdamentais, p. 60.

DIREITO PENAL DO EQUILiBRIO: 57 UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Considerando que 0 desprezo e 0 desresp_eito pelos direitos humanos resultam em atos bcirbaros que ultrajaram a consciencia da Hurnanidade e que 0 advento de urn mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de cren<;a e da liberdade de viv~rem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a malS alta

aspira<;ao do homem comurn, .. Considerando essencial que os direitos humanos seJam protegIdos pelo Estado de Direi~o, para que 0 homem nao seja ~ornpelido, como Ultimo recurso, a rebeWio contra a tirania e a opressao, Considerando essencial promover 0 desenvolvimento de rela<;6es

amistosas entre as na<;6es, Considerando que os povos das Na<;6es Unidas reafirmaram, na Carta, sua fe nos direitos hurnanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das muiheres, e que decidiram prom over 0 progresso social e melhores condi<;6es de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram. a promover, em coopera<;ao com as Na<;6es Unidas, 0 r~spelto universal aos ': direitos hurn~os e liberdades fundamentals e a observancia desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensao comurn desses dir~itos e liberdades e da mais alta irnportancia para 0 pleno cumpnmento

desse compromisso, A Assembleia Geral proclama: A presente Declar~ao Universal dos Direitos Humanos como 0 ideal comurn a ser .afugidopor todos os povos e todas as na<;6es, com 0

objetivo de que cada individuo e cada orgao da ~ociedad~, tendo sempre em mente esta Declara<;ao, se esforce, atraves do ensmo e da educa<;ao, por promover 0 respeito a esses direitos e liberdades, e: pela ado<;ao de medidas progressivas de carater nacion~ e .inte~aclO~al, por assegurar 0 seu reconhecirnento e a sua observancIa umverSalS e efetivos, tanto entre os povos dos proprios Estados-Membros, quanta . entre os povos dos territorios sob sua jurisdi<;ao.

Dessa forma, podemos afirmar que, de todos os princ!p~os fundamentais que foram sendo conquistados ao longo dos anos, sem dUVlda alguma, se destaca, entre eles, 0 principio da dignidade da pessoa h.um~~a. Trata-se,entretanto,como ja dissemos anteriormente, de urn dos pnnclpl~s mais fluidos, m.ai~·amplos, mais abertos, que podem ser trabalhados nao somente pel~Pir~!to Penal, como tambem pelos outros ramos do ordenamento jUridico.

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o principio da dignidade da pessoa humana serve como principio reitor de muitos outros, tal como ocorre com 0 principio da individualiza<;ao da pena, da responsabilidade pessoal, da culpabilidade, da proporcionalidade etc, que nele buscam seu fundamento de validade.

As Constitui<;6es modernas, a exernplo da brasileira, de 5 de outubro de 1988, adotam, expressamente, 0 principio da dignidade da pessoa humana, conforme se verifica pela leitura do art. 1 Q, verbis:

Art. 12. A Republica Federativa do Brasil, [ormada pela uniao indissoluvel dos Estados e Municipios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrdtico de Direito e tem como fundamento: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; W - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - 0 pluralismo politico.

Percebe-se, portanto, a preocupa<;ao do legislador constituinte em conceder urn status normativo ao principio da dignidade da pessoa humana, entendendo-o como urn dos fundamentos do Estado Democratlco de Direito.

Como principio constitucional, a dignidade da pessoa hurnana devera ser entendida como norma de hierarquia superior, destinada a orientar todo 0

sistema no que diz respeito a cria<;ao legislativa, bern como para aferir a validade das normas que the sao inf~riores. Assim, por exemplo, 0 legislador infraconstitucional estaria proibido de criar tipos penais incriminadores que atentassem contra a dignidade da pessoa humana, ficando proibida a comina<;ao de penas crueis, ou de natureza aflitiva, a exemplo dos a<;oites. Da mesma forma, estaria proibida a institui<;ao da tortura, como meio de·se obter a confissao de urn indiciado/acusado (por maior que fosse a gravidade, em tese, da infra<;ao penal praticada).

Assim, podemos afirmar com Lucrecio Rebollo Delgado que "temos que ter em conta que a dignidade hurnana constituiu nao somente a garantia negativa de que a pessoa nao sera objeto. de ofens¥ ou humilha<;6es, senao que entraria tambem a afirma¢o positiva de pleno desenvolvimento da personalidade de cada individuo",4 devendo ser declarada a invalidade de qualquer dispositivo legal que contrarie esse valor basico, inerente a todo ser humano.

Por outro lado, mesmo que a dignidade da pessoa human a nao tivesse sido elevada ao status de principio expresso, ninguem duvidaria da sua qualidade de principio implicito, decorrente do proprio Estado Democratico de Direito, capaz, ainda assirn, de aferir a validade das normas de myel inferior.

4 DELGADO, Lucrecio Rebollo. Derechos fuildamentales y protecion de datos, p. 18.

D1REITO PENAL DO EQUlLfBRIO: 59 UMA VI sA.o MINIMALISTA DO D1REITO PENAL

5.1.2.0 desrespeito ao principio da dignidade da pessoa humana pelo proprio Estado -

Embora 0 principio da dignidade da pessoa humana tenha sede constitucional, sendo, portanto, considerado como urn principio expresso, percebemos, em muitas situac;oes, a sua violac;ao pelo pr6prio Estado. Assim, aquele que seria 0 maior r~sponsavel pela sua observancia, acaba se transformando em seu maior infrator.

A Constituic;ao Brasileira reconhece, por exemplo, 0 dire ito a saude, educac;ao, moradia, lazer, alimentac;ao, enfim, direitos minimos, basicos e necessarios para que 0 ser humano tenha urna condic;ao de vida digna. No entanto, em maior ou menor grau, esses direitos sao negligenciado.s pelo Estado. Veja-se, por exemplo, 0 que ocorre, via de regra, com 0 sIstema penitenciario brasileiro. Individuos que. foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade sao afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como os da superlotac;ao c~c~rar~a, espancamentos, ausencia de programas de reabilitac;ao etc. A ressoclallZac;ao do egresso e urna tarefa quase que impossivel, pois que nao existem.program~s governamentais para sua reinserc;ao social, alem do fato de a socledade nao perdoar aquele que ja foi condenado por ter praticado uma infrac;ao penal.

Com os avanc;os tecnol6gicos, outro problema esta se colo cando nos dias de hoje, que atinge diretamente a nossa dignidade, vale dizer, a violafiio da nossa in tim idade. 0 Estado, como sempre, parece nao andar com a velocidade necessaria a fim de nos proteger dos ataques produzidos atraves dos novos meios tecnologicos, sendo, portanto, mais uma vez, negligente. E 0

que e pior, mwtas vezes e 0 proprio Estado quem, atraves de seus meios repressores de investigac;ao, viola 0 nosso direito a intimidade, a exemplo do que ocorre com a utilizac;ao.de escutas telefOnicas ilegais.

S.1.3.A relativiza~io do principio da dignidade da pessoa humana

Segundo posic;ao doutrinaria amplamente majoritaria, a dignidade da pessoa humana nao possui carater absoluto. Com isso, estar~lOs q~eremos afirmar que, em determinadas situac;oes, devemos, obngatonamente, trabciIhar com outros principios que servirao como ferramentas de interpretac;ao, levando-se a efeito a chamada ponderac;ao de bens ou interesses, que resultara na prevalencia de urn sobre 0 outro.

Assim, tomemoscomo exemplo 0 fato de alguem ter praticado urn delito de extorsao med,iante. seqUestro, .. qualificado pela morte da vitima. 0 sequestrador, como e d.o conhecimento de todos, tern direito a libe.rdade. No entanto, em virtude da gravidade da infrac;ao penal por ele praticada, seu

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direito a liberdade, diretamente ligado a sua dignidade, devera ceder frente ao dire ito de protec;ao dos bens juridicos pertencentes as demais pessoas, que com ele se encontram numa mesma sociedade.

Percebe-se, assim, que a dignidade, como urn valor individual de cada ser humano, devera ser avaliada e ponderada em cada caso concreto. Nao devemos nos esquecer, contudo, daquilo que se de nomina como sendo urn nucleo essencial da dignidade da pessoa hUJl?ana, que jamais podera ser abalado. Assim, uma coisa e permitir que alguem, que praticou uma infrac;ao penal de natureza grave, se veja privado da sua liberdade pelo proprio Estado, encarregado de proteger, em Ultima instancia, os bens juridicos; outra coisa e permitir que esse mesmo condenado a urna privac;ao de liberdade cumpra sua pena em local degradante de sua personalidade; que seja ~orturado por agentes do governo com a finalidade de arrancar-lhe alguma confissao; que seus parentes sejam impedidos de visitar-lhe; que nao tenha urna ocupac;ao ressocializante no carcere etc. A sua dignidade devera ser preservada, pois que ao Estado foi permitido somente privar-lhe da liberdade, ficando resguardados, entretanto, os demais direitos que dizem respeito diretamente a sua dignidade como pessoa.

A dignidade, por outro lado, podera ser ponderada contra os proprios interesses daquele que a possui, e que pensa em dela dispor em uma determinada situac;ao, podendo 0 Estado agir, ainda que coativamente, a fim de preserva-Ia, mesmo contra a vontade expressa de seu titular. Merece ser registrado 0 famoso caso decidido p~lo Conselho de Estado da Franc;a, que conduiu por correta a decisao do prefeito da comuna de Morsang-sur-Orge, que determinou a interdic;ao de urn estabelecimento comercial que promovia, contrar:iamente a dignidade da pessoa hurnana, 0 arremesso de anoes. Naquela oporttinidade, os clientes do mencionado estabelecimento podiam divertir-se arremessando, de urn lugar para outro, os anoes que ali trabalhavam. Nesse caso, foi desconsiderado 0 interesse dos proprios anoes, que recebiam para serem "arremessados".

No entanto, nao e tarefa das mais faceis se conduir quando estaremos diante de uma of ens a a dignidade da pessoa hurnana~ mesmo contra a vontad~ expressa daquele a quem se pretende defender, ou quando estaremos, em virtude dessa ponderac;ao de interesses, diant~ de urn direito legitimo da pessoa, mesmo que, segundo a opiniao de terceiros, seja ofensivo a sua dignidade.

Tomemos como exemplo 0 fato de urn casal colocar cenas de sexo explicito disponlveis em urn site da internet. Nesse caso, teriam eles direito a exposic;ao da sua imagem, praticando 0 mais intimo dos atos sexuais? E se tivessem filhos, a situac;ao se modificaria? Estariam, em ambos os casos,

D1REITO PENAL DO EQUILfBRIO: 61 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

d eu dire ito de liberdade a intimidade, ou esse direito poderia ser exercen 0 0 s .. limitado? Sao perguntas que ensejaram respostas diferentes, varIan do de acordo com a pessoa, 0 tempo, a cultura, a sociedade etc.

Dessa forma, obrigatoriamente, diante do caso concreto, temos que emitir urn juizo de valor, procurando alcan<;ar a solu<;ao q~e pare~a mais jus~a, embora ate 0 proprio conceito de justi9a seja urn concelto relatlvo, tambem

merecedor de urn out~o juizo de valor.

5.2. PRINCiPIO DA INTERVEN~AO MiNIMA De acordo com urn Estado Constitucional e Democrcitico de Direito,

sufragado pela nossa Con~titui<;ao Federal, a qual, no paragrafo unico d? seu art. IO, diz que todo poder emana do povo, que 0 exerce po: ~~lO de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Consn,tuz9ao, os principios constitucionais, expressos e implicitos servem de obstac~o ,a. ser transposto pelo legislador no momento da inova<;ao do ordenamento JundIco, mediante a cria<;ao ou a revoga<;ao dos tipos penais.

ja deixamos antever os principios que deverao merecer a aten<;ao do legislador para que seja efetivamente atendido 0 chamado Di~eito :~nal ~~ Equilibrio. Alguns deles, a exemplo do; principio da interven<;ao I~lln~a, Ja servirao de norte antes mesmo da cria<;ao tipica; outros, como 0 prmclplO da insignificancia, servirao mai~ como limitador da interpreta<;ao dos tipos

penais. . _ o importante e rnsar, nesta oportunidade, que a mova<;ao do

ordenamento juridico-penal nao deve atender a urn unico principio, mas sim ao conjunto deles. E, como principio inicial, de anal~se obrig~t~ria, temos 0

principio da interven<;ao minima, verdadeiro cora<;ao do Dueito Penal do

Equilibrio. 0

o principio da interven<;ao minima deve ser analisado sob dois enfoques

diferentes, a saber: a) ab initio, devendo ser entendido como urn principio de analise abstra:a,

que serve de orienta<;ao ao legislador quando da cria<;ao ou da revoga<;ao

das figuras tipicas; b) evide~cia a chamada natureza subsididria do Direito Penal, devendo ser

e~carado como a ultima ratio de interven<;ao do Estado. Na sua primeira vertente, para que se possa entender como 0 principio

minima servira de .orienta<;ao ao legislador, precis amos

-;i:t~}tl1r~;1~~~~ p()I!~O 0 de p~da. Na verdade, precis amos evidenciar. a sua ~' '-"01.'0"""',,,,,-,,,,-', 0 que s~. confunde com a propria finalidade do Direito p~nal.

en:fQql~~' IninilnaUsta, caracteristico do principio da interven<;ao 'r;.llrrgi:~ -- -do Direito Perial e proteger os bens mais importantes e

necessarios ao convivio em sociedade. Partindo dessa visao, somente os bens de maior relevo e que merecerao a aten<;ao do legislador penal que, a fim de protege-los, devera criar os tipos penais incriminadores, proibindo ou determinando a pratica de comportamentos, sob a amea<;a de uma san<;ao.

Dessa forma, percebe-se, com clareza, que a primeira vertente do principio da interven<;ao minima gira em torno, especificamente, da teoria do bem juridico, cuja analise sera procedida adiante.

Com sua segunda vertente, 0 principio da interven<;ao minima deixa entrever a necessidade de 0 Direito Penal ser aplicado de forma subsidiaria, tendo em vista a drasticidade de sua interven<;ao, permitindo, assim, ancorado no principio da dignidade da pessoa humana, que outros ramos do ordenamento juridico, com primazia, procurem fazer a prote<;ao dos bens juridicos, somente sendo necessaria a interferencia do Direito Penal quando esses outros ramos demonstrareni que sao ineficazes ou insuficientes a sua prote<;ao. 0 estudo da natureza subsidiaria do Direito Penal, com as importantes implica<;6es prciticas, sera levado-a efeito logo' apos 0 topico relativo a analise da teoria do bern juridico.

S.2.1.Teoria do bem juridico :como fundamento da interven~ao minima

Se, de acordo com uma concep<;ao minimalista, a finalidade do Direito Penal e proteger os bens mais importantes e necessanos' ao convivio em sociedade, a primeira pesquisa a ser feita e a de, justamente, identificar a origem da teoria, bern como conceito de bern juridico, para, em momenta posterior, analisarmos os seus criterios de sele<;a<? para fins de prote<;ao pelo Direito Penal.

Luiz Regis Prado, almejando tra<;ar uma evolu<;ao conceitual de bern jurid~co, afirma' que "a ideia de objeto juridico do delito nasce com 0

movimento da ilustra<;ao e com 0 surgimento do Direito Penal modemo". 5

Roxin, a seu turno, colo cando em duvida se a origem da teoria do bern juridico ocorreu, efetivamente, no Seculo das Luzes, aduz:

A questao de se 0 conceito de bern juridico, cuja cria<;ao se atribui a Birnbaum, tinha na epoca em que surgiu no seculo XIX urn conteudo liberal e limitador da punibilidade, e tao discutida como a conexao que freqiientemente se afirma que existe entre a teoria do bern juridico e 0 Direito Penal do iluminismo, que havia se esfor<;ado para restringir a punibilidade aos danos sociais, derivando disto, tambem, a exigencia de impunidade das meras infra<;6es contra a moral.6

5 PRADO, Luiz Regis. Bern jurfdico-pena/ e constituir;ao, p. 21. 6 ROXIN, Claus. Derecho pena/- Parte general, p. 55.

DIREITO PENAL DO EQUILtBRIO: UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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Em que pese a discussao existente, foi a partir das ideias iluministas que a teoria do bern juridico se desenvolveu e se projetou no Direito Penal. A passagem de urn Estado Absolutista para urn Estado Liberal fez com que a teo ria do bern juridico-penal ganhasse a importancia que mere cia, vis to ser uma garantia do cidadao aceitar a criac;ao de tipos penais incriminadores pelo Estado somente quando urn bern juridico estivesse sendo por ele protegido.

Isso significa que 0 tipo penal passaria a exercer uma func;ao seletiva de bens juridicos, necessarios it manutenc;ao do corpo social. Contudo, como bern alertou Luiz Regis Prado,

apesar de 0 postulado de que 0 delito lesa ou ameac;a de lesao os bens juridicos ter a concordancia quase total e pacifica dos doutrinadores, o mesmo nao se pode dizer a respeito do conceito de bern juridico, onde reina grande controversia.7

GUnther Jakobs assevera que "urn bern e urna situac;ao OU fato valorado positivamente".8 Para Bustos Ramirez e Hormazabal Malaree

os bens juridicos considerados materialmente sao relac;oes sociais concretas que surgem como sintese normativa dos processos interativos de discussao e confrontac;ao que tern lugar dentro de uma sociedade democratica. Sao dinfunicos, pois estao em permanente discussao e revisao.9

Zaffaroni" a,seu turno, assevera que bern juridico penalmente tutelado e a relac;ao de disponibilidade de urna pessoa com urn objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediantenormas que prpibem determinadas condutas que as afetam, as que se expressam com a tipificac;ao dessas condutas.10

Esperanza Vaello Esquerdo esclarece que os bens juridicos constituem valores ou interesses protegidos pelo Direito na medida em que sao pressupostos necessanos para que as pessoas desenvolvam sua vida social, podendo ser de natureza individual (vida, liberdade, horna, etc.) ou comunitana (saude publica, seguranc;a do Estado, meio ambiente, entre outroS).ll

Certo '. e. que, independentemente do conceito que se adote de bern juridico, ora enfatizando urn bern in<ij.vidualmente considerado, ora levando eJ;IlconsideraC;ao urn bern de interesse coletivo ou social, a escolha devera recalr somente sobre aqueles que gozarem da importancia exigida pelo Direito :eenal, a tim de que 0 principio da intervenc;ao minima seja atendido.

~:P~Q~J';lJiz"l~!,=igis. J:~el1J;jur(dic9~~nale constitui~o, p. 35-36. ~~~~~~~t~9ntfl~r~'~~~b;periif -'Parte general; .p. 50 .. 9 BUSTOS RAM(REZ, Juan J; HORMAZABAL MALAREE, Heman. Leciones de derecho penal, v. 1, p. 59. 1,o;,ZAFFeARONI,Eogenio Raul.' Tratadode derecho penal - P¥te geral, v. III, p. 240. 1Fh,¥~-9HI;:R,DO, ~ranza Vaello.lntroducci6n alderecho penal, p. 42.

PRINctpIOS PUNDAMBNTAIS DO DIRBITO PBNAL DO BQUlLtBRIO

o raciocinio aqui desenvolvido e de tal importancia que Ferrajoli,12 comparando os crimes com as contravenc;oes penais, advoga a tese da completa revogac;ao destas illtimas, uma vez que, de acordo com a pena corninada em abstrato, que define, na verdade, a gravidade da infrac;ao penal, se as contravenc;oes penais competem a protec;ao dos bens que nao sao tao importantes a ponto de serem protegidos pelos tipos penais que preveem os delitos, melhor seria, em atenc;ao ao principio da intervenc;ao minima, que todas fossem abolidas, sendo os bens nelas previstos protegidos por outros ramos do ordenamento juridico, vale dizer, 0 civil, 0 adrninistrativo, etc.

Tambem devera ser considerado 0 fato de que cada sociedade possui liberdade para valorar seus bens de acordo com a sua cultura, nao se podendo generaliza-Ios ou mesmo lirnita-Ios. Como veremos mais adiante, existe urna zona de consenso na qual determinados bens possuem 0 mesmo valor em qualquer sociedade. Por outro lado, tambem existem as zonas de conflito, ou seja, situac;oes que sao tratadas de uma forma por determinada sociedade, mas recebem tratamento e importancia completamente diferentes de outra. Por exemplo, a vida e urn bern sobre 0 qual existe consenso de protec;ao. Contudo, ha infrac;oes penais - que, em tese, protegem a vida - que sao previstas em determinada sociedade e nao 0 sao. em outra. Raciocine-se com 0 delito de aborto, punido pela legislac;ao brasileira, mas tolerado em outros ordenamentos.

o criterio de protec;ao dos bens mais importantes e necessarios ao convivio· em sociedade, portantO'j nao podera ser absoluto, rigido, determinado para todo e qualquer ortlenamento juridico, pois que 0 grau de importancia oscilara de cultura para cultura.

5.2.1.1. 0 criterio de sele<;ao dos bens jurfdico-penais e a cria<;ao tfpica Se alguem descumpre as regras sociais normatizadas, se desconsidera as

proibic;oes ou imposic;oes estabelecidas pelo ordenamento juridico-penal que, pelo menos em tese, foram editadas em beneficio da sociedade, a tim de preservar uma convivencia tranqilila e pacifica entre os cidadaos, a ideia de censurar 0 ato de rebeldia ao sistema logo nos vern a' mente. : .

A censura vern corporificada por meio da pena. E ela, inclusive, que ira ditar a gravidade do mal praticado. Mas como cpegar a esse quantum, como dizer, por exemplo, que aquele comportamerito 'e mais grave do que este, merecendo, pois, maior censura e, conseqUentemente, pena maior? Como mensurar a censura do Estado realizada por meio da pena, que devera, obrigatoriamente, ser proporcional ao mal praticado pelo agente?

12 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 575.

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Considerando, ainda, as fun<;oes que se atribuem a pena - reprovar e prevenir os crimes -, como apontar aquela exata, que consiga cumprir as referidas

func;oes? Tais perguntas, como se percebe, nao sao faceis de responder.

Esclarecer por que ao delito de furto simples, que tern por finalidade proteger 0

nosso patrimonio, foi cominada uma pena privativa de liberdade que varia entre urn a quatro anos e, no delito de lesao corporal, cujo escopo e a protec;ao de nossa integridade corpor-al e a saude, na sua modalidade fundamental, foi prevista, em abstrato, tambern outra pena privativa de liberdade que varia entre tres meses e urn ano, e tarefa de dificil soluc;ao.

, ~ Dutro ponto a ser debatido diz respeito, tambem, a pena a ser aplicada a cada infrac;ao penal: escolher, entre as penas previstas pela lei penal aquela que mais se adapte ao fato delituoso praticado. Desde uma pequena pena de multa, ate a privac;ao da liberdade, sem contar com a possibilidade, tambem, mesmo que excepcionalmente, da aplicac;ao da pena de morte, em caso de guerra declarada, nos termos do art. SQ, XLVII, a, da Constituic;ao Federal.

Podemos tomar como referencia de val ores superiores aqueles inseridos na Constituic;ao. Considerando uma hierarquia de bens, necessaria ao raciocinio da proporcionalidade, teriamos que, obrigatoriamente, comec;ar pelo estudo daqueles que, em decorrencia da sua importancia, ganharam f?ros constitucionais. Contudo, existem outros bens de relevo a serem protegtdos que nao possuem status constitucional. .

A tarefa de selecionar os bens parte, primeiramente, da sua valorac;ao, de acordo com uma concepc;ao minimalista, na, qual somente aqueles realmente importantes poderao merecer a protec;ao d.o Direito Penal. Embora a nossa opc;ao seja por urn Direito Penal M~o, sabemos que, nem sempre, a sociedade compartilha essa postura ideol6gica. N a verdade, e como regra, pelo menos em nosso pais, a sociedade, cans ada de presenciar atos atrozes, que lhe

. causam repugnancia, busca, cada vez mais, a tipificac;ao de comportamentos ate entao considerados indiferentes para 0 Direito Penal. Comec;a a surgir, portanto, urn terri vel processo de inflac;ao legislativa, que somente conduz ao descn!dito e a desmoralizac;ao do Direito Penal.

Mesmo sabendo que a "mola propulsora" da criac;ao dos tipos penais e a mobilizac;ao da chamada opiniao publica, a politica criminal de cada epoca e que define a selec;ao dos cOl;nportamentos que devem ser punidos, com a conseqiiente valorac;ao dos bens juridicos que devem ser penalmente tutelados.E umapolftica criminal de tensao, haja vista que movimentos ~i.3g01licos ...,.. miJ;ljInalistas e· maximalistas - se digladiam em busca da vit6ria de <sehs . ideais. Os minimalistas afirmam que a criac;ao exagerada de tipos p~ri~~ (illcriminadores) fara com que 0 Direito Penal se ocupe de. proteger

. ---------.". ---. ---- -. --. PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DlREITOPENAL DO EQUILfBRlO

bens que nao tern a importancia necessaria por ele exigida, nivelando-o aos outros ramos do ordenamento jurfdico, mesmo sendo as suas penalidades as mais estigmatizantes; ja os adeptos das teses maximalistas aduzem que a sociedade deve valer-se desse meio forte de imposic;ao de terror, que e 0

Direito Penal, a fim de ten tar evitar a pratica de comportamentos em tese a ela danosos ou perigosos, nao importando 0 status que goze 0 bern que com ele se quer proteger. Para os maximalistas, 0 Direito Penal teria urn papel educador, isto e, mediante a imposic;ao de suas graves sanc;oes, inibiria aquele que nao esta acostumado a atender as normas de convivencia social a praticar atos socialmente intoleraveis, mesmo que de pouca ou nenhuma importancia.

A selec;ao dos bens juridicos varia de sociedade para sociedade. 0 criterio de selec;:ao sera valorativo-cultural, de acordo com a necessidade de cada epoca, de cada sociedade. Existe uma zona de consenso, comum a toda e qualquer sociedade, no sentido da protec;ao de determinados bens, com a criac;ao de certas figuras tipicas, como e 0 caso do delito de h«?micidio, roubo, etc. Contudo, existem zonas de conflito, nas quais condutas que sao incriminadas ern determinada sociedade ja nao 0 sao ern outras, a exemplo do que ocorre com a punic;ao pelo aborto e pelo homossexualismo.

Conforme esclarecem Jorge de Figueiredo Dias eManuel da Costa Andrade,

Ha crimes - e nao cabera aqui enumera-Ios - que exprimem urn inequivoco consenso de toda a colectividade e que despertam nela sentimentos de coesao e solidariedade. Trata-se, alem disso, de crimes comuns a generalidade das sociedades e tendencialmente constantes ao longo da hist6ria. Nao faltam, porem,crimes 'criados' para emprestar eficacia a uma particular moralidade ou a urn determinado arquetipo de organizac;ao economica, social ou politica. Tais crimes constituem sempre, de. forma mais ou menos imediata, at1oramentos de uma determinada conflitualidade, porquanto a criminalizac;ao nesta area pressupoe 0 exercfcio do poder no interesse de uns, mas impondo-se a todos. Como facilmente se intui, e aqui que 0 problema da definic;ao do crime se converte num problema eminentemente politico.13

Na nossa opc;ao minimalista, seja partindo da busca de valores constitucionais, seja selecionando outros que nao tern sede constitucional, 0

que importa, na protec;ao e selec;:ao desses bens pelo Direito Penal, e, efetivamente, que eles possuam a importancia exigida por esse ramo do ordenamento juridico; considerado 0 maisgrave e radical de todos.

13 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia - 0 homem delinquente e a sociedade criminogena, p. 89 .

DIREITO PENAL DO EQUILiBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Luiz Flavio Gomes, dissertando sobre os ___ papeis exercidos pelo bern juridico na sele«;ao dos comportamentos que se quer proibir ou impor sob a amea«;a de uma san«;ao penal, diz:

(a) 0 primeiro e de natureza indicativa, e dizer, em decorrencia do principio da exc1usiva prote«;ao de bens juridicos, hoje se reconhece (indicativamente) que so mente os bens existenciais (individuais ou supra-individuais) mais importantes para 0 ser humano, e dizer, os que sao indispensdveis para 0 desenvolvimento da sua personalidade, merecem ser contemplados em uma norma como objeto de prote«;ao (e, por conseguinte, da of ens a) penal; (b) segundo e de carater negativo, no sentido de que estamos em condi«;oes de afirmar, com boa margem de seguran«;a, ao menos quais bens niio podem ser convertidos em objeto da tutela (e da of ens a) penal: a moral, a etica, a religiao, a ideologia, os valores culturais como tais etc. 14

Na tarefa de prote«;ao dos bens vitais enecesscirios ao convivio em sociedade, 0 legislador, encarregado da sele«;ao desses bens, deve considerar como principios norteadores da sua atividade a chamada intervem;ao minima do Direito Penal, ressaltando-se a sua natureza subsidiciria, bern como a lesividade e a inadequac;ao social do comportamento que se quer proibir ou impor sob a amea«;a de uma sanc;ao.

. Embora o:bem tenha sido politicamente considerado como relevante, se­outros ramos do ordenamento juridico puderem, com eficiencia, fazer a sua prote«;ao, nao havera necessidade da intervenc;ao radical do Direito Penal, vale dizer, se 0 dlreito administrativo, por exemplo, for capaz de inibir comportamentos que of end am bens de relevo, em virtu de do carater subsidlcirio do pireito Penal, aquele ten! preferencia na defesa do bern que se

.. quer proteger com a proibic;ao da conduta. Nao bastasse, ainda devera 0

legislador levar a efeito 0 raciocmio da lesividade do comportamento, isto e, somente podera proibir condutas que ultrapassem a pessoa do agente e que venham atingir bens pertencentes a terceiros. De acordo com esse raciocinio, nao pode haver proibi«;oes de pensamentos, de formas particulares de ser (modo de se vestir, op«;ao sexual, educa«;ao, etc.), devendo 0 Direito Penal ser tolerantecom as diferen«;as existentes entre os seres humanos. Ainda, 0

comportamento proibido devera merecer a reprovac;ao da sociedade, pois que se a condutaquese quer proibir ou impor ja se encontra assimilada pelo meio social, querer criminaliza-Ia seria, na verdade, fomentar a pratica de infra«;oes penais, poisque a_sociedade, ja acostumada com a pratica de determinado comportameIito,Iiao se deixaria influenciar pela proibi«;ao.

14 GOMES, Luiz Flavio. Norma e bem jurfdico no direito penal, p. 55.

68 PRINctpIOS FUNDAMENTAlS DO DlREITO PENAL DO EQUlLtBRIO

Enfim, ultrapassados todos OS principios informadores da criac;ao dos tipos penais, abre-se a oportunidade de 0 Direito Penal colo car 0 seu manto protetor sobre determinado bern.

Como bern ressaltou Luiz Flavio Gomes,

e pressuposto logico de todo discurso garantista supor que 0

legislador, apesar da margem de liberdade (com que conta) no exercicio da sua atribui«;ao de selecio~ar os bens jurfdicos, margem essa que deriva da sua posi«;ao constitucional e, em Ultima instancia, de sua especifica legitimidade democratica [ ... ], esta vinculado a Constitui«;ao e aos principios politico-criminais que emanam dela.15

o problema maior reside na seguinte indagac;ao: 0 que e urn bern importante, necesscirio e vital ao convivio em sociedade? Sabemos que 0

conceito de importancia e fluido, pulverizado de acordo com as op«;oes politicas adotadas em cada periodo de nossa historia, pois, conforme assevera Francisco Bueno An1s, "nenhum criterio cientifico e apto para assinalar 0 que se deve castigar, com que se deve castigar e entre quais limites temporais ha de ser determinado 0 castigo" .16 Aquilo -que era importante para 0 regime nacional-socialista de Hitler foi visto como uma atrocidade aos direitos humanos. Enfim, na sele«;ao dos bens juridicos deparamos com outro problema, vale dizer, 0 da afirma«;ao da propria importancia, que depende do periodo historico por que passa a sociedade.

o ponto de partida de nossoraciocinio pode ser dirigido a ancilise dos bens apontados em nossa ConstituiC;fo, que, pelo menos em tese, gozam de proeminencia sobre todos os demais, em vista da sua enorme importancia. Ainda na esteira de Luiz "Flavio Gomes,

nao e correto .dizer que exc1usivamente os direitos fundamentais sao os meretedores da tutela penal. Outros bens ou interesses, particulares ou ate mesmo coletivos, ainda que nao estejam contemplados no texto constitucional, podem ser objeto da protec;ao penal, sempre que sejam socialmente relevantes e compativeis com 0

quadro axiol6gico-constitucional. Essa observa«;ao merece ser analisada de forma mais aprofundada, haja

vista a existencia de teorias constitucionalistas que 3utorizam, tao-somente, a cria«;ao de tipos penais incriminadores, caso exista abrigo constitucional para o bern a ser juridicamente tutelado pelo Direito' Penal. Entendem, na verdade, a Constitui«;ao como urn limite positivo ao Direito Penal, podendo-se destacar, conforme as li«;oes de Janaina Conceic;ao Paschoal,17 duas vertentes desse

15 GOMES, Luiz Flavio. Norma e bem jurfdico no direito penal, p. 69. 16 ARUS, Francisco Bueno, La ciencia del derecho penal: un mode/o de inseguridad jurfdica, p. 130. 17 PASCHOAL, Janaina Conceioao. Constituir;iio, criminalizar;iio e direito penal mlnimo, p. 59-60.

DlREITO PENAL DO EQUlLtBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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pensamento: a) 0 Direito Penal como potencial espelho da Constituic;ao e b) 0 Direito Penal como instrumento de tutela a direitos fundamentais.

Por intermedio da primeira vertente, vale dizer, a do Direito Penal como potencial espelho da Constituic;ao, somente poderia haver a protec;ao de bens juridicos que tivessem previsao expressa na Constituic;ao. A Lei Maior seria 0

limite positivo do legislador, no sentido de somente permitir, por meio do Direito Penal, a protec;ao dos bens constitucionalmente previstos, estejam eles ligados ou nao aos drreitos ti~os como fundamentais. A segunda vertente, mais radical do que a primeira, somente permitiria a protec;ao penal de bens juridicos constitucionaImente previstos desde que fizessem parte do rol dos chamados direitos fundamentais, afastando-se a possibilidade de tutela penal sobre os demais, mesmo que se encontrassem sobre 0 abrigo constitucional.

Contudo, ja 0 dissemos, outros bens existem que podem nao ter sido co ntemplados em sede constitucional, mas que tambem gozam da importancia exigida pelo Direito Penal. A sociedade e mutante. Valores ate entao desconhecidos tornam-se fundamentais. Pode acontecer - 0 que nao e incomurn - de, em determinado momenta historico em que foi editada a Constituic;ao, nao ter havido a contemplac;ao de urn bern que, tempos depois, verificou -se ser da maior importancia.{

Conforme afirmam Paulo Cesar Busato e Sandro Montes Huapaya, [ ... ] 0 criterio de selec;ao ou hierarquizac;ao dos valores e interesses que 0 Direito Penal e chamado a pt."oteger, de lesoes ou colocac;oes em perigo, nao tern uma regra geral imutavel, e sirn depende da estrutura social determinada em urn momenta hist6rico. A decisao entre uma e outra postura nao depende das bases valorativas que 0

proprio Direito Penal elaborou. A Constituic;ao s6 constitui uma fonte de referencia, mas tampouco estabelece os limites a seletividade ou hi{!rarquizac;ao, ja que a sociedade evolui de mane ira vertiginosa. Com isso, a presenc;a de novos riscos e suas valorac;oes juridicas e apreciac;oes de indole ideo16gicas, eticas ou politicas determinam mudanc;as no campo juridico-penal que nao vao, necessariamente, decorrer de alterac;oes valorativas do campo constitucional.18

Em" algumas situac;oes, a propria Constituic;ao e que indica a incriminac;ao, de comportamentosatentatorios, por exemplo, a vida, a liperdade, a igualdade, a seguranc;a, a propriedade, conforme dispoe 0 caput qO,art.5°,bem como 0 seu inci~o XLI, quando diz que a lei punird qualquer 4~c.Tirnina¢o atentatOrkldos direitos e liberdades fundamentais, ou,

qQ.ando .. determina a incriminac;ao de comportamentos, por

j¥~:t~,~~~~r:;::c,esar; HUAPAYA, Sandro Montes. /ntrodurrao ao direto pena/- Fundamentos para um sistema :1 p.92.

PRINCfpIOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

entende-los altamente lesivos a bens juridicos de relevo, a exemplo do que ocorre com a previsao contida no inciso XLII do art. 5.0. de nossa Lei Maior, que diz que a prdtica de racismo constitui crime inaftant;dvel e imprescritivel, sujeito it pena de reclusao, nos termos da lei; no inciso XLIII, dizendo que a lei considerard crimes inaftant;dveis e insuscetiveis de grar;a ou anistia a prdtica de tortura, 0 traftco ilfcito de entorpecentes e drogas afins, 0 terrorismo e os deftnidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitd-Ios, se omitirem; e, ainda, no inciso XLIV, quando assevera que constitui crime inaftanr;avel e imprescritivel a ar;ao de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e 0 Estado democratico.

Janaina Conceic;ao Paschoal aduz:

A doutrina tern interpretado, de forma diversa, as indicac;oes de criminalizac;ao e as determinac;oes expressas de criminalizac;ao. Defende que, com relac;ao as primeiras, 0 constituinte faz urna analise da dignidade penal dos bens que reconhece como importantes para uma dada sociedade, deixando a avaliac;ao da necessidade para 0 legislador ordinario, enquanto, na segunda (determinac;ao expressa: de criminalizac;ao), 0 constituinte ja teria feito a avaliac;ao da dignidade e da necessidade da tutela, nao sobrando ao legislador qualquer liberdade :para ponderar concretamente a necessidade desse tipo de protec;ad.19

Com acerto, rebatendo 0 raciocinio tradicional, a ilustre autora assevera: Assumir que 0 constituinte ja avalia 0 merecirnento e a necessidade da tutela penal, estando, portanto, 0 ,legislador . obrigado a criminalizar, significa voltar as costas ao necessario carater material da lei e da propria Constituic;ao, impornindo ainda a desconsiderac;ao dos' principios informadores do Direito Penal Minimo, que, em Ultima instancia, pauta-se na necessidade efetiva e nao meramente formal da tutela penal.20

Em sentido contrcirio, atuando como limite negativo ao Direito Penal, em vez de apontar quais os bens merecem a tutela do Direito Penal, pode a Constituic;ao proibir a incriminac;ao de determinadas condutas. Serve, portanto, como limite ao ius puniendi do Estado. E urna barreira intransp0nlvel ao legislador, cabendo ao Poder Judiciano 0 controle de diplomas legais que of end am as proibic;oes de incriminac;ao contidas no texto de nossa norma ~damental. Pode, ainda, embora permitindo a proibic;ao de certos comportamentos, impedir a cominac;ao de penas que afetem a dignidade da

19 PASCHOAL, Janalna Concei<;:ao. Constituirrao, criminalizar;;ao e direito penal mfnimo, p. 80. 20 PASCHOAL, Janalna Conceir;;ao. Constituir;;ao, criminalizar;;ao e direito penal mfnimo, p. 84.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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pessoa humana, tal como acontece em nosso art. 5-Q., inciso XLVII, que diz que niio havera pena de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos term os do art. 84, XIX; de carater perpetuo; de trabalhos forfados; de banimento e crueis.

Conforme prelecionaAlice Bianchini, urn Estado do tipo democratico e de direito deve proteger, com exclusividade, os bens considerados essenciais a existencia do individuo em sociedade. A dificuldade encontra-se, exatamente, na identifica<;ao desta classe de bens. A determina<;ao do que seria digno de tutela penal representa urna decisao politica do Estado, que, entretanto, nao e arbitrciria, mas condicionada a sua propria estrutura. Em urn Estado social e democratico de direito, a elei<;ao dos bens juridicos havera de ser realizada levando em considera<;ao os individuos e suas necessidades no interior da sociedade em que vivem.21

Na verdade, a escolha do bem a ser protegido pelo Direito Penal e, conseqiientemente, a cria<;ao da figura tfpica, como ja deixamos antever, deverao obedecer aos principios penais fundamentais (interven<;ao minima, lesividade, adequa<;ao social, fragmentariedade, etc.), que servirao de norte ao legislador, a fim de depurar a sua escolha, nao permitindo, por exemplo, que, com a desculpa de se proteger certo bern, proiba comportamentos plenamente tolerados pela sociedade, que nao causam danos a terceiros etc.

Existe, portanto, liberdade politica na escolha dos bens que merecedio a tutela do Direit6 Penal. Contudo, talliberdade de escolha encontra-se limitada pela obrigatoria observancia dos principios penais fundamentais.

S.2.2.Da natureza subsidiaria do Direito Penal A segu,Iida vertente do principio da interven<;ao minima evidencia a

chamada"~atrueza subsidiciria do Direito Penal, fazendo com que ele seja entendido como a ultima ratio de interven<;ao do Estado.

Tal raciocinio se faz mister em visao. minimalista do Direito Penal, haja vista que se os outros ramos do ordenamento juridico demonstrarem que sao fortes 0 suficiente na prote<;ao de determinados bens, e preferivel que tal prote<;ao seja poreles levada a efeito, no lugar da drastica interven<;ao do Direito Penal, com todas as suasconseqiiendas maleficas, a exemplo do efeito estigmatizanteda pena, dos retlexos que uma condena<;ao traz sobre a familia d'o condenado, etc. .

De acordo com as precisas li<;oes de Enrique Cury U rzua, ·oprreito·Penal e secundcirio ou subsidicirio, porque a.pena somente

··:··'a~\ie··· sef·aplicida qhando 0 ataque ao bern juridico na~ ··pode

--,:, ."!. ,::-. - .. ". ',' _.',. .". ~.: :.-' ."' , .'

;~,~;~~9HINI, Alice.,Presslipostos materiais mfnimos da tutela penal, p. 41.

_._ .. _.-_ ............... -PRlNctPlOS FUNDA .... IlNTAlS DO DlRIlITO PIlNAL DO IlQUILtBRIO

sancionar-se de maneira apropriada atraves dos meios de protege-los de que dispoem os outros ramos do ordenamento juridico. A pena e, pois, urn recurso de ultima ratio. 0 mesmo se deve dizer das medidas de seguran<;a e corre<;ao. Este carater secundcirio ou subsidicirio do Direito Penal e urna conseqiiencia das tendencias politico-criminais do presente, inspiradas no principio da humanidade.22

No mesmo sentido, afirma Roxin que 0 Direito Penal e tao-somente a Ultima dentre todas as medidas protetoras que se devem considerar, quer dizer, que somente pode intervir quando falhem outros meios de solu<;ao social do problema - como a a<;ao civil[ ... J, as san<;oes nao penais, etc. - Por isso, se denomina a pena como a ultima ratio da politica social e se define sua missao como prote<;ao subsidiaria de bens juridicos.23

Paulo de Souza Queiroz, a seu turno, afirma: o Direito Penal deve ser, enfim, a extrema ratio de urna politica social orientada para a dignifica<;ao do homem. Semelhante interven<;ao ha de pressupor, assim, 0 insucesso das instancias primcirias de preven<;ao e controle social, familia, escola, trabalho etc., e de outras formas de interven<;ao juridica, civil, trabalhista, administrativa. Vale dizer: a interven<;ao penal, quer em mvellegislativo, quando da elabora<;ao das leis, quer em myel judicial, quando da sua aplica<;ao concreta, somente se justifica se e quando seja realmente imprescindivel e insubstituivel.24

Em muitas situa.<;oes 0 Direito .Administrativo demonstrara, inclusive, for<;a superior ao proprio Direito Penal, dada a sua pronta eficacia. 0 poder de policia, que e inerente ao Estado, faz com que 0 Direito Administrativo resolva situa<;oes conflituosas com muito mais rapidez do que 0 Direito Penal.

A cria<;ao da figura tfpica encontra-se limitada pelo principio da interven<;ao minima, considerado urn dos principios fundamentais do Direito Penal do Equilibrio. Por intermedio da vertente que aponta a natureza subsidiciria do Direito Penal, 0 legislador, no momenta da escolha do bern, alem de ter de aferir sua importancia, tanto em nivel individual como coletivo ou social, devera observar,. obrigatoriamente, se os outros ramos do ordenamento juridico se mostram suficientemente eficazes na prote<;ao daquele bern que, de antemao, ja fora entendjdo como importante, para, somente apos, caso essa prote<;ao seja entendida como ineficaz ou insuficiente, permitir a interven<;ao drastica do Direito Penal.

22 CURY URZOA, Enrique. Derecho pena/- Parte general, t. I, p. 54-55. 23 ROXIN, Claus. Derecho pena/- Parte general, t. I, p. 65. 24 QUEIROZ, Paulo de Souza. Fum;oes do direito penal, p. 125.

DlRlllTO PIlNAL DO IlQUlLfBRIO: ,. UMA VlSAO MlNlMALISTA DO DlRIlITO PIlNAL ,~

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V . amos a hiPo~ese da cria<;ao de tipos peI.):ais incriminadores pela Lei eJ . 'd· 0

nO. 9.605/98 que, em tese, podem ser praticados pelas pessoas Juri lcas.

d art 54 do mencionado diploma legal profbe a conduta de causar caput 0 •

1 . - de qualquer natureza em niveis tais que resultem ou possam resultar po uz~ao d . . em danos it saUde humana, ou que provoquem a mortandade ,e .anlmals ou a destruifao signijicativa da flora, punindo 0 infrator, se pessoa flslca, com uma pena de reclusao que varia entre um e quatro anos, e mult~. _ ,

A pessoa juridica que ;praticar tal infra<;ao penal, obvtamente,. nao podera ser submetida a mencionada pena de reclusao, em face da sua peculiar natureza, mas tao-somente as penas determinadas pelo art. 21 da Lei nQ. 9.605/98, vale dizer: 1- multa; II - restritiva de direitos; III - prest~ao de servi~os a comuni~e.

A primeira vista, podemos ate ceder a tenta<;ao de se levar a efelto a puni<;ao, por meio do Direito Penal, de uma pessoa jurf~~a, pe~o fato de que 0

dana ambiental por ela produzido tern repercussoes senas e lmportantes no meio ambiente, patrimonio de todos. Queremos afirmar, portanto, que 0 bern juridicamente protegido pelo art. 54, por exemplo, da referida Lei, ou ~eja: 0

meio ambiente, e de relevadaimportancia, razao pela qual 0 pr~erro ciocinio necessario a cria<;ao do tipo penal incriminador estaria preenchido. ra .

Contudo, de acordo com 0 enfo~ue minimalista, nao so ~ ~mpo~ancta do bern permite a cria<;ao da figura tipica, mas, alem de t~ afen<;ao,_mtster se faz que, ainda em urn plano abstrato, 0 legislador chegue a cor:clusao ~e que os outros ramos do ordenamento juridico, caso tentem protege-Io, SOZlnhOS, sem a interven<;ao do Direito Penal, nao terao sucesso.

Na hip6tese em estudo, ou seja, sobre a necessidade d~ chamar 0 D~~ito Penal a intervir, nos casos de crimes ambientais, a fim de ~e responsabihzar criminalmente a pessoa juridica, entendemos que 0 p~~cipio da interven<;ao minima, sob a vertente da subsidiariedade, foi brutalmente violado.

Isso porque, como ~.cedi<;o, 0 Direito Administrativo, me~~te 0 s~u poder de policia, pode proteger, com muito mais rapi~e~ e eficacla, 0 melO ambiente, sem que se fa<;a necessaria a presen<;a do Drrelto Penal. As .penas previstas pela Lei Ambiental, quase em sua totalidad,e,. podem ser. aphc.ad~s tambem pelo Direito Administrativo, via poder de policla, tanto na permtssao inicial para instala<;ao de uma empresa, quanto na fiscaliza<;ao de suas atividadesapos 0 come<;o de sua operacionaliza<;ao. . Onofre Alves Batista Junior, logo apos definir 0 poder de policia como a "atividade do Estado consistente em limitar a propriedade ou a liberdade em prol do bern comum", 25 adverte:

25 BATISTA JONIOR, Onofre Alves. 0 poder de polfcia fiscal, p. n.

Este conceito, em linha de evolu<;ao, dentro da multifacetada influencia estrange ira, caminha no sentido de se constituir num poder de criar normas juridicas ou emitir atos administrativos com a fmalidade de promover 0 bem-estar publico, buscando abranger os mais variados setores da sociedade, tais como seguran<;a, cultos, industria, comercio, costumes, moral, saude, meio ambiente, propriedade, patrimonio artistico e cultural, defesa do consumidor.26

o poder de policia, em uma das suas vertentes, pode ser entendido como especie do genero ato administrativo, sendo-the, pois, inerentes os seguintes atributos: a) presun<;ao de legitimidade; b) imperatividade; c) exigibilidade; e d) executoriedade.

Interessa-nos mais de perto a caracteristica da executo!-"iedade, que, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, ICe a qualidade pela qual 0 Poder Publico pode compelir materialmente 0 administrado, sem precisao de buscar as vias judiciais, ao cumprimento da obriga<;ao que impos e exigiu". 27

Assim, sendo bern empregado 0 poder de policia pelo Poder Executivo, por exemplo, caso ocorra um dana ao meio ambiente produzido por uma pessoa juridica, 0 recurso ao Direito Administrativo, com a imposi<;ao de multas, interdi<;ao de atividades, etc., sera infinitamente mais eficaz e celere do que a utiliza<;ao do Direito Penal para inibir esse tipo de comportamento.

Discorrendo sobre as hipoteses de cabimento da executoriedade do ato administrativo, Celso Antonio Bandeira de Mello preleciona:'

a) quando a lei preve expressamente, que e 0 caso obvio; b) quando a executoriedade e condi<;ao indispensavel a eficaz garantia do interesse publico confiado pela lei a administra<;ao; isto e, nas situa<;oes em que, se nao for utilizada, havera grave comprometimento do interesse que incumbe a administra<;ao assegurar. Isto ocorre nos casos em que a medida e urgente e nao ha via juridica de igual eficacia a disposi<;ao da administra<;ao para atingir 0 fim tutelado pelo direito, uma medida judicial. Nestes casos entende ... se que a autoriza<;ao para executoriedade esta implicita no sistema legal, pois e em decorrencia dele que a Administra<;ao deve garantir a prote<;ao ao bern juridico em risco.28

Caso 0 Direito Penal seja convocado a proteger 0 meio ambiente, como acontece no Brasil, para que possamos chegar a aplica<;ao de multas ou mesmo a interdi<;ao da atividade praticada pela pessoa juridica, precisaremos recorrer ao due process of law, com 0 necessario contraditorio, ampla defesa

26 BATISTA JONIOR, Onofre Alves. 0 poder de polfcia fiscal, p. n. 27 MELLO, Gelso Antonio Bandeira de. Gurso de direito administrativo, p. 195. 28 MELLO, Gelso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 197.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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etc., para, somente ap6s esgotadas todas as vias, chegarmos a determinac;ao de uma sanc;ao.

Com 0 Direito Administrativo, como regra, primeiro aplica-se a medida necessaria para cessar a atividade danosa (caracteristica da executoriedade do ato), depois pode ser discutida a sua legalidade por intermedio do Poder Judiciario.

Conc1uindo, a vertente correspondente a natureza subsidiaria do Direito Penal faz com que, primeiramente, sejam verificadas as demais hip6teses de intervenc;ao (administrativa, civil, etc.), para somente depois, aferida a sua insuficiencia, permitir a protec;ao dos bens juridicos por meio do Direito Penal.

5.3. PRINCIPIO DA LESIVIDADE Efetivamente, 0 seculo XVIII foi marcante para as principais

modificac;oes sofridas pelo Direito Penal. Novos princlplOs foram desenvolvidos sob 0 fundamento da dignidade da pessoa hurnana.

o preambulo da Dec1arac;ao dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789, traduz, com enfase, as novas preocupac;oes com 0 ser humano:

Os representantes do povo frances, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorancia, 0 esquecimento ou 0

desprez;o dos direitos do homem sao as unicas causas dos males publicos e da corrupc;ao dos Govemos, resolveram dec1arar solenemente os direitos naturais, inaliemiveis e sagrados do homem, a fim de que esta dec1arac;ao, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momenta comparados com a finalidade de toda a instituic;ao politica, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicac;oes dos cidadaos, doravante fundadas em principios simples e incontestaveis, se dirijam sempre a conservac;ao da Constituic;ao e a felicidade geral.

Todos n6s estudamos, estarrecidos, as terriveis hist6rias da Inquisic;ao. Pessoas eram investigadas, acusadas, condenadas e executadas simplesmente porque pensavam de forma diferente da Igreja da epoca, sendo consideradas, por exemplo, como hereges.

76

Champlin e Bentes relembram que, em 1163, no concillo de Tours, na Franc;a, 0 papa Alexandre III ordenm.l que '0 c1ero procurasse os hereges com base em inqueritos, com a ajuda de testemunhas juramentadas. Durante urn periodo de cerca decinq~enta anos' (de 1163 a 1215), houve processos inquisitoriaIS'enl.:andcpneIito. No seculo XIII, a inquisic;ao atuava em

toda a Europa, excetuando-se na Escandinavia e na Inglaterra. Diferentemente dos casos tratados nos tribunais civis, os acusados nunc a eram informados quem eram os seus acusadores. Se as of ens as fossem consideradas leves, penalidades bastante insignificantes eram baixadas, geralmente envolvendo formas de penitencia. Mas os alegados crimes, que usualmente nada mais envolviam senao diferenc;as de oplmao doutrinaria, eram pesadamente punidos, com encarceramento, banimento e ate a morte, para nao dizermos sobre indescritiveis torturas sofridas pelas vitimas. 0 mais incrivel e que, em 1253, 0 Papa Inocente IV autorizou oficialmente 0 usa de torturas, no processo dos interrogat6rios. Portanto, 0 suposto vigario ou substituto do humilde Jesus Cristo, que proibia toda sorte de violencia, tornou-se pesadaI)1ente culpado desse crime de torturar ate mesmo membros de sua propria Igreja.29

Para que se tenha ideia da gravidade do periodo que antecedeu a adoc;ao do principio da lesividade, as Ordenac;oes Filipinas, as illtimas que foram aplicadas antes da edic;ao de nosso primeiro C6digo Criminal, publicado em 1830, previam a punic;ao dos hereges, dos ap6statas, dos feiticeiros, dos que renegavam ou blasfemavam contra Deus ou contra os santos da Igreja Cat6lica, dos que benziam caes ou bichos sem a autorizac;ao das autoridades e dos que faziam vigilias em Igrejas.

o periodo iluminista veio romper com a chamada secularizayao, ou seja, hov-ve a separac;ao entre 0 direito ~ a moral. Nem tudo, a partir daquele movimento, que fosse considerado moral poderia ser considerado tambem como contrario e proibido pelo Direito. A religiao tambem foi separada. 0 Estado nao podia mais confundir direito com fe.

Ferrajoli, nesse sentido, esc1arece:

o segundo fundamento, bern mais importante no plano etico­politico, trazido pelo lluminismo penal ao requisito da materialidade da ac;ao criminal e 0 principio axiol6gico de s~parac;ao entre direlto e moral. J a se falou das teses de Hobbes, Pufendeorf, Bentham e de todo 0 pensamento laico e liberal sobre o~ limites do direito no que concerne a moral, por forc;a dos quais nem todos os pecados devem ser proibidos, ja que nao e tarefa do direito sancionar ou impor a moral. Essa tese encontra, nos principio~ de exteriorizac;ao dos atos suscetiveis de proibic;ao penal e de reserva -dos atos internos ao dominio especffico e exc1usivo da moral, seus dois corolarios mais relevantes politica e eticamente.30

29 CHAMPLIN, Russel Norman; BENTES, Joao Marques. Encic/opedia de blblia, te%gia e fi/osofia, p. 339. 30 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 385.

DlREITO PENAL DO BQUlLfoRIO: ,. UMA VISAo MINIMALISTA DO DlRBITO PENAL ' ~

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Uma das principais conquistas desse periodo foi, efetivamente, 0

principio da lesividade, tambem reconhecido como principio da ofensividade, que, segundo Nilo Batista,

transporta para 0 terre no penal a questao geral da exterioridade e alteridade (ou bilateralidade) do direito: ao contrario da moral - e sem embargo da relevancia juridica que possam ter as atitudes interiores, associadas, como motivo ou fim de agir, a urn sucesso extemo -,0 direito 'coloca face a face, pelo menos, dois sujeitos,.31

o principio da lesividade, 0 principio da intervenc;ao minima e 0

principio da adequac;ao social servirao de norte ao legislador quando da criac;ao, e da necessidade de revogac;ao da figura tipica. 0 primeiro raciocinio a set: produzido quando 0 legislador quiser criar uma figura tipica sera 0 de, efetivamente, aferir a importancia do bern juridico que ira merecer a atenc;ao do Direito Penal. Se 0 bern goza desse status, ou seja, se e importante a ponto· de merecer a protec;ao do Direito Penal, vencido 0 primeiro principio, ingressamos no segundo, de averiguac;ao obrigatoria, que e justamente 0

principio da lesividade. De acordo com 0 enfoque do principio da lesividade, podemos trabalhar

Nil B tie t 32 b' com as quatro vertentes propostas por 0 a s a, a sa er. a) proibic;ao de incriminac;6es que digam n{speito a urna atitude intema do agente; b) proibic;ao de incriminac;6es de comportamentos que nao excedam ao

ambito do proprio autor; . c) proibic;ao de incriminac;6es de simples estados ou condic;6es existenciais; d) proibi¢o de incriminac;6es de condutas desviadas que nao afetem

qualquer bern juridico. Na verdade, podemos resumir todas as vertentes anunciadas por Nilo

Batista em urn 11nico raciocinio: 0 Direito Penal so pode, de acordo com 0

principio da lesividadtt, proibir comportamentos que extrapolem 0 ambito do proprio agente, qu.e . .venham atingir bens de terceiros, atendendo-se, pois, ao brocardo nulla lex poena lis sine injuria.

Luiz Flavio Gomes, analisando 0 principio em tela, afirma: Uma vez que se concebe que a ofensividade e condic;ao necessaria, ainda que nao suficiente, da intervenc;ao penal e que 0 delito e expressao de urna infrac;ao ao Direito (lesao ou perigo concreto de lesao ao bern juridicp protegido), tern relevancia impar exigir do legislador a descrir;iio do Jato tipico como uma of ens a a um determinado e especifico bem juridico.33

31 BATISTA, Nilo. Introduc;ao cntica a.o direito penal, p~ 91. 32 BATISTA, Nilo.lntrOduc;aocnticaao·dkeito penal, p. 92-94. 33 GOMES, Luiz Flavio. Princ(pio da ofensividade no direito penal, p. 35.

78 -------------------------PRINctplOS FUNDAMENTAlS DO D1REITO PENAL DO EQUILtBRIO

Como bern ressaltado por Luiz Flavio Gomes, 0 principio da lesividade e um principio, e nao 0 principio necessario para a criac;ao dos tipos penais incriminadores. A criaC;ao dos tipos penais ficara subordinada, ainda, it constatac;ao da importancia do bern que se quer proteger (principio da intervenc;ao minima), bern como da inadequac;ao social do comportamento que se quer proibir ou impor sob a ameac;a de uma sanc;ao (principio da adequac;ao social).

Tomemos, agora, 0 lugar do legislador e, hipoteticamente, vamos dar inicio it construc;ao dos tipos pefiais. De acordo com 0 criterio de selec;ao dos bens juridicos, escolhemos a vida, a fim de que 0 Direito Penal fac;a recair sobre ela a sua protec;ao. Sera que, no caso em exame, poderia 0 legislador, a fim de proteger 0 bern vida, punir a conduta daquele que, desesperado, procura acabar com a sua propria, tentando, portanto, sem sucesso obviamente, praticar 0

suicidio? A primeira barreira imposta it criac;ao tipica ja teria sido mtrapassada, quando afirmamos que a vida era urn bern importante a ponto de merecer a protec;ao do Direito Penal. Contudo, a cria«;ao tipica estaria inviabilizada com 0

segundo raciocinio, ou seja, a segunda barreira principiologica tornou-se intransponivel, uma vez que a conduta daquele que atenta contra a propria vida nao e lesiva, pois que nao atinge bern juridico de terceiros.

E, portanto, em razao do ~ principio da lesividade, de observancia obrigatoria, que 0 Direito Penal esta impedido de proibir, por exemplo, a automutilac;ao, pois a conduta daquele que se quer mutilar nao ultrapassa a pessoa do agente e nao atinge, conseqiientemente, bens de terceiros.

Varias infra«;6es penais tern sido questionadas, negando-se, inclusive, sua validade, quando submetidas ao "teste da lesividade". Segundo Luiz Flavio Gomes,34 todos os tipos penais que preveem delitos de' perigo abstrato nao se sustentariam. No mesmo sentido, adverte Mariano Silvestroni que "os delitos de perigo abstrato nao podem ser admitidos em run direito penal baseado no principio daiesividade.

A mera presunc;ao de que certas condutas podem afetar a terceiros nao basta para legitimar a ingerencia punitiva se essa afetac;ao nao se produz realmente no caso concreto".35 Do mesmo modo, as contravenc;6es penais de vadiagem, mendidincia, embriaguez e, ainda, 0 que se tern mais discutido ultimamente, 0 crime previsto no art. 28 da Lei nQ 11.343/2006, que preve 0

consumo de drogas. o art. 28 do mencionado diploma legal esta assim redigido:

Quem adquirir, guardar, tiver em deposito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorizar;iio ou em desacordo com determinar;iio legal ou regulamentar sera submetido as seguintes penas

34 GOMES, Luiz Flavio. Princ(pio da ofensividade no direito penal, p. 13. 35 SILVESTRONI, Mariano H. Teona constitucional del delito, p. 207.

DIREITO PENAL DO EQUILtBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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Sob 0 argumento de que a conduta pratica<.ia pelo usuario de drogas nao excede 0 ambito do proprio autor, Nilo Batista assevera:

o mesmo fundamento veda a punibilidade da autolesiio, ou seja, a conduta externa que, embora vulnerando formalmente urn bern juridico, nao ultrapassa 0 ambito do proprio autor, como exemplo 0

suicidio, a automutila<;ao e 0 uso de drogas. No Brasil, C ••• ) incrimina o uso de drogas, em franca oposi<;ao ao principio da lesividade e as mais atuais recomenda<;oes politico-criminais.36

Emiliano Borja Jimenez fundamenta a nao incrimina<;ao do uso de drogas, dizendo:

o consumidor de qualquer das substancias qualificadas como drogas toxicas, estupefacientes ou psicotropicas, esta atuando uma faceta de sua liberdade com rela<;ao a disposi<;ao de sua saude de forma autonoma, ainda quando esta sofra menoscabos pelo prazer do consumo de narcoticos. Atendendo a esta perspectiva individual, a cria<;ao de batreiras punitivas por parte do Estado, que determinem uma obstaculiza<;ao a esse direito de consumo, se apresenta como uma intoleravel ingerencia que se concretizaria numa vulnera<;ao de urn dos fundamentos de natureza politica e da paz social: 0 direito ao livre desenvolvimento da personalidade, concre<;ao da dignidade humana.37

A parte geral do nosso Codigo Penal, em obediencia ao principio da lesividade, no que diz respeito a tentativa, exige 0 inicio da execu<;ao, nao sendo punidos,portanto, a simples cogi~a<;ao Ccogitationis poenam nemo patitur) e os Mos considerados como preparatorios, determinando-se no inciso II do. art. 14 0 seguinte:

Art. 14. Diz-se 0 crime: 1- [ ... J; II - [ ... J tentado, quando, iniciada a execu9iio, niio se consuma por circunstancias alheias a vontade do agente.

Se a puni<;ao pela cogita<;ao esta fora de duvida, talvez surja alguma discussao quahtoa excepcional puni<;ao pela pratica de atos preparatorios. Se nos fizessemos a seguinte pergunta: Excepcionalmente, alguem pode ser punido pela pratica de urn ato preparatorio? - com certeza, nao fosse 0

principio da lesividade, estariamos tentados a dizer que sim, justificando nossa posi<;ao, inclusive,· com a cita<;ao de alguns dispositivos penais, a exemplo do art. 288 doCodigo Penal, que preve 0 delito de forma<;ao de quadrilha ou bando.

36 BATISTA, Nilo. Introduyao crftica ao direito penal, p. 92-93, 37 JIMEzES, Emiliano Borja. Curso de polfticacriminal, p. 198.

80 PRINC{PIOS FUNDAMENTAlS DO DlREITO PENAL DO EQUlL{BRIO

Contudo, de acordo com 0 principio em estudo, nao existe exce<;ao a regra da exterioriza<;ao do comportamento como urn fundamento da lesividade, ou seja, nao se pode excepcionar a regra de que para 0 Direito Penal somente interessam os atos considerados executorios, sendo os demais completamente a ele indiferentes.

Assim, os agentes sao punidos pela forma<;ao de quadrilha ou bando nao porque praticaram atos preparatorios, mas sim porque executaram a conduta nucleo do art. 288, que preve a associa<;ao, sendo que foi exatamente isso que eles fizeram, ou seja, se associaram com 0 fim de praticar crimes.

Concluindo, 0 principio da lesividade servira de norte ao legislador, a fim de que somente aquelas condutas que extrapolem a pessoa do agente e que venham a atingir bens de relevo possam vir a ser proibidas pelo Estado por intermedio do Direito Penal. -

5.4. PRINCiPIO DA ADEQUACAO SOCIAL Tal como os principios estudados anteriormente - interven<;ao minima e

lesividade -, 0 principio da adequa<;ao social, cuja formula<;ao inicial se atribui ao professor alemao Hans Welzel, serve tanto como principio orientador do legislador quando da cria<;ao ou da revoga<;ao das figuras tipicas, bern como instrumento de interpreta<;ao dos tipos penais constantes de nosso C6digo Penal.38

De acordo com as palavras de seu criador, . j

Na fun<;ao dos tipos de apres'entar 0 'modelo' de conduta proibida se poe de manifesto que as formas de condutas selecionadas por eles tern, por uma parte, urn carater social, quer dizer, estao referidas a vida social, mas, por outra parte, sao precisamente inadequadas a uma vida social ordenada. Nos tipos se faz patente a natureza social e ao m~smo tempo historica do Direito Penal: assinalam as formas de conduta que se apartam gravemente das ordena<;oes historic as da vida social.

Isto repercute na compreensao e interpreta<;ao dos tipos, que pdt influencia da doutrina da a<;ao causal eram demasiado restritas, enquanto se via a essencia do tipo em lesoes causais dos bens juridicos.39

38 Como lembra Gonzalo D. Fernandez, in Bien jurfdico y sistema del delito, p. 169, "Welzel incorreu certamente em varia<;:oes sistematicas a respeito da coloca<;:ao da adequa<;:ao social dentro do sistema do mcito, que Ihe foram estritamente questionados. Primeiro a considerou, corretamente, no ambito da tipicidade; contudo, mais tarde Ihe concedeu natureza juridica de uma causa de justificayao de carater consuetudimjrio, ate que, por ultimo, retomou a seu pensamento originario, tratando a adequa<;:ao social de novo como uma questao de tipicidade". 39 WELZEL, Hans. Derecho penal aleman, p. 66.

DIRE ITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIRE ITO PENAL

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~ , "

Desta forma, encontra-se 0 legislador, na .gualidade de pesquisador e selecionador das condutas ofensivas aos bens juridicos mais importantes e necessarios ao convfvio em sociedade, impedido de criar tipos penais incriminadores que profbam condutas que ja estejam perfeitamente aceitas e toleradas por essa mesma sociedade, pois, caso contrario, estaria, na verdade, compelindo a populac;ao a cometer crimes, uma vez que, estando a sociedade acostumada a praticar determinados comportamentos, nao mudaria a sua normal maneira de ser pelo simples fato do surgimento de uma lei penal que nao teve a sensibilidade suflciente para discernir condutas inadequadas socialmente daquelas outras que nao sao toleradas pela sociedade. " Imagine-se, hoje, v.·g., que 0 legislador, a titulo de evitar 0 aumento do

mlmero de caso de alcoolismo, criasse urn tipo penal incriminador com a seguinte redac;ao: "Ingerir bebidas alc06licas ap6s as 22 horas em locais publicos, abertos ou expostos ao publico". A primeira vista, pareceria uma atitude louvavel do legislador, que demonstrou estar preocupado com a populac;ao. Contudo, tal criac;ao tipica se mostraria completamente inviavel, haja vista que, por mais que a sociedade compreenda os males causados pela ingestao irnoderada de bebidas alc06licas, tambem ja esta acostumada ao seu uso regular, razao pela qual tal proibic;ao somenteestimularia 0 uso clandestino, pois que a lei estaria indo de encontro aos costumes ja consolidados.

Merece destaque, ainda, 0 fato de que ao principio da adequac;ao social se atribui, tambem, uma func;ao interpretadora dos tipos penais. Os costumes, intimamente ligados ao principio em estudo, que trc:tduzem 0 comportamento da sociedade em determinada epoca, servirao de norte, tambem, para 0 exegeta quando da interpretac;ao tipica, a fun de que os modelos de conduta aparentemente proibidas ou irnpostas pela It;;i penal estejam em perfeita sintonia com 0 serttimento social.

A titulo de exemplo, utilizaremos as disposiC;oes contidas no art. 233 do C6digo Penal, que preve 0 delito de ato obsceno, dizendo: Praticar ato obsceno, em lugar publico, aberto ou exposto ao publico. Voltemos a decada de 1940, periodo em que 0 C6digo Penal entrou em vigor, requerendo urn exercici<:> de imaginac;ao. Suponhamos que seu avo tenha conhecido sua av6, numa epoca em que os namorados sequer andavam de maos dadas pela rna. Seu avo, considerado "modeminho" p~ra aqueles padroes, surpreende suaav6 com urn beijo rapido nos labios. Urn membro da policia de costumes assiste a cena, estarrecido, juntamente com as demais pessoas que se encontravam no local e, irnediatamente, ,0 prtmde em flagrante, em razao de ter cometido 0 crime de ato obsceno., -,' " . ,

82 PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

Pergunta-se: Na dec ada de 1940, beijar alguem publicamente era considerado ato obsceno? Pelo que os meios de comunicac;ao relatam, sim, razao pela qual deveria 0 seu avo (ou 0 meu) ser condenado pelo delito em questao.

Voltemos, agora, ao seculo XXI. 0 seu avo que foi preso ha sessenta anos pelo crime de ato obsceno por ter beijado publicamente a sua av6, retorna ao mesmo local onde fora preso em flagrante e, por mais uma vez, repete a cena que ~ levou a cumprir pena. Mais uma pergunta deve ser feita: Hoje, aproXlmadamente sessenta anos depois, beijar alguem publicamente se configura no delito em anaIise? A res posta s6 pode ser negativa, havendo pequena discussao, contudo, no que diz respeito ao chamado "beijo lascivo", talvez pelo fato de que sua intensidade e vigor choque as pessoas que se encontram ao redor. I

Pelo exposto, demonstramos que 0 principio da adequac;ao social servira, inicialmente, como orientac;ao para 0 legislador quando da criac;ao ou da revogac;ao de figurastipicas. Mencionamos tambem a revogac;ao em virtude do fato de que condutas que no passado eram consideradas inadequadas socialmente, se hoje ja nao mais gozarem desse status, a sua proihic;ao deve ser

. retirada de nosso ordenamento juridico-penal, a exemplo do que ocorre com a contravenc;ao penal do jogo do bicho.

Como proibir 0 jogo do hicho se 0 Estado ocupa a posic;ao de maior "banqueiro" de jogos de azar? Sera que a sociedade ja se acosrumou com esse tipo de aposta, de modo que tolera a sua pratica, mesmo tendo consciencia da sua qualidade de jogo deazar? Quantos jogos de azar existem que nao sao proibidos pelo Estado, principalmente aqueles que sao por ele mesmo fomentados, a exemplo das chamadas "raspadinhas"?

Enfim, 0 principio da adequac;ao social sera de grande valia para que nao sejam proibidas, impostas ou mesmo mantidas condutas que ja estejam perfeitamente assimiladas pela sociedade. . .

Por outro lado, percebe-se que a adoc;ao do principio da adequaC;ao social, como principio de interpretac;ao, nos conduzira ao afastamento da tipicidade do fato. Nesse sentido sao as lic;oes de Assis Toledo, quando diz:

A ac;ao socialmente adequada esta desde 0 infcio exclufda do tipo, porque se realiza dentro do ambito de normalidade social, ao passo que a aC;ao ampa,rada por uma causa de justificac;ao s6 nao e crime, apesar de socialmente inadequada, em razao de uma autorizac;ao especial para a realizac;ao da ac;ao tipica.40

40 TOLEDO, Francisco de Assis. Princ(pios basicosde direito penal, p. 131-132.

----------------------_ .. 83 DIREITO PENAL DO EQUlL(BRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Corroborando 0 raciocinio esposado acima, Juarez Cirino dos Santos esdarece:

A opinHio dominante compreende a adequa~ao social como hipotese de exdusao da tipicidade, mas existem setores que a consideram como justificante, como exculpante, ou como principio geral de interpreta~ao da lei penal. Nao ha dtivida que a adequa~ao social e urn principio geral que orienta a cria~ao e a interpreta~ao da lei penal, mas sua atribui~ao a antijuridicidade pressupoe a ultrapassada concep~ao do tipo livre-de-valor, e sua compreensao como exculpante pressupoe uma inaceitavel identifica~ao entre a adequa~ao social de determinadas a~oes e a natureza proibida do injustO.41

Mediante posi~oes anteriores, condui-se, portanto, que a ado~ao do principio da adequa~ao social faz com que 0 interprete nao consiga ultrapassar a barreira da tipicidade, a fim de verificar a ilicitude ou mesmo a culpabilidade.

Dessa forma, 0 principio da adequa~ao social, conjugado com os principios da interven~ao minima e da lesividade, abre a possibilidade ao legislador da cria~ao da figura tipica, do mesmo modo que tambein, como 0

reverso de uma mesma moeda, 0 alerta para a necessidade de revoga~ao dos tipos penais que nao mais preveem comportamentos inadequados socialmente, servindo, ainda, como importante instrumento de analise e interpreta~ao das'figuras tipicas.

5.5. PRINciPIO DA INSIGNIFICANCIA Uma vez ultrapassadas as barreiras correspondentes aos principios da

interven~ao minima, lesividade e adequa~ao social, abre-se a oportunidade ao legislador para a cria~ao dos tipos penais incriminadores. Sob 0 enfoque minimalista, em uma visaoequilibrada do Direito Penal, so mente aqueles bens m31s importantes, que sofrem os ataques mais lesivos e inadequados socialmente, e que podem merecer a aten~ao e a prote~ao do Direito Penal, pois, caso contrch-io, estariamos aceitando a tese, jadebatida em topico proprio, do Direito Penal Maximo.

A tarefa de legislar nao e facil. Identificar, com precisao, as condutas que se quer proibir ou impor, sob a amea~a de uma san~ao de natureza penal, a fim de proteger urn bern considerado de vital importancia para a manuten~ao da sociedade, requer do legislador, primeiramente, uma visao politico-criminal correta, alem de uma apurada tecnica de reda~ao legislativa.

41 SANTOS, Juarez Cirino dos. A modema teoria do fato punfvel, p. 37-38.

84 PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUlL(BRIO

Identificado 0 bern a ser protegido pelo tipo penal, nao podendo 0

legislador descer a minticias, deve 0 interprete, ao analisar a infra~ao penal criada, ajusta-Ia ao raciocinio minimalista, pugnando, pois, por urn Direito Penal do Equilibrio. Traduzindo melhor a ideia, raciocinemos com a seguinte hipotese: 0 legislador, numa analise antecedente a cria~ao tipica, chegou a condusao de que 0 patrimonio era urn bern importante a ponto de merecer a prot~~:o ~o Direito Penal, e que, quando 0 agente nao destruia 0 seu proprio patnmonlO, sua conduta era lesiva e inadequada socialmente. Pois bern, 0

raciocmio anterior comprova a ado~ao dos principios que servem de orienta~ao ao legislador na cria~ao dos delitos contra 0 patrimonio.

Contudo, uma vez criadas as figuras tipicas correspondentes aos delitos c~ntra 0 patrimonio, a pergunta a ser feita a seguir, que diz respeito dlretamente ao principio da insignificancia, e a seguinte: Embora.() patrimonio tenha sido considerado abstratamente pelo legislador como urn bern importante, a ponto de merecer a prote~ao do Direito Penal, todo e qualquer patrimonio, no caso concreto, independentemente do seu valor, goza desse status? Obviamente, a resposta, aqui, so pode ser negativa.

Se a finalidade do Direito Penal, no plano abstrato, e a prote~ao dos bens mais importantes e necessarios ao convivio em sociedade, nao podemos fazer urn raciocinio paradoxal a esse justamente quando estivermos diante da concre~ao de urn comportamento que, a primeira vista, e ofensivo a urn bern juridicamente protegido pelo tipo penal. Seria urn raciocinio absurdo conduir que no art. 155 do Codigo Penal, por exemplo, todos os patrimonios possiveis e imaginaveis estariam protegidos, v.g, e~ virtude da cria~ao do delito de furto.

Dai, portanto, a necessidade inafastavel da ado~ao do principio da insignificancia, na qualidade de principio que traduz 0 raciocmio minimalista equilibrado, visando interpret<l! ~Qrretamente os textos legais. '

5.5.1.0rigem e natureza juridiea do prineipio da insignifieaneia Em que pese haver divergencia doutrinciria quanto as origens do

principio da insignificancia, pois que Diomar Akel Filho aduz que "0 principio ja vigorava no Direito romano, onde 0 pretor nao cuidava, de modo geral, de; causas ou delitos de bagatela, consoante a maxima contida no brocardo minima non curat pretor", 42 conforme esdarece Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, "0 principio da insignificancia, ou, con;.o. pref~rem os alemaes, a 'criminalidade de bagatela' - Bagatelledelikte, surge na Europa como problema de indole geral e progressivamente crescente a partir da primeira guerra mundial. Ao terminar esta, e em maior medida ao final do segundo confronto

42 Apud Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, in Princfpio da insignificancia no direito penal, p. 37.

-----------._----------.- 85 DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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belico mundial, prod~iu-se, em virtu de de circunstancias socioeconomicas sobejamente conhecidas, urn notavel aumento de delitos de carater patrimonial e economico e, facilmente demons travel pela propria devasta«;ao sofrida pelo continente, quase todos eles marcados pela caracteristica singular de consistirem em subtra«;oes de pequena relevancia, dai a primeira nomenclatura doutrinciria de 'criminalidade de bagatela'" .43

o desenvolvimento do principio da insignificancia muito se deve ao professor alemao Claus Ro~n. Francisco de Assis Toledo, discorrendo sobre 0

tema, preleciona: Welzel considera que 0 principio da adequa«;ao social bastaria para excluir certas lesoes insignificantes. E discutivel que assim seja. Por

, ; isso, Claus Roxin- propos a introdu«;ao, no sistema penal, de outro principio geral para a determina«;ao do injusto, 0 qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpreta~ao. Trata-se do principio da insignificancia, que permite na maioria dos tipos, excluir danos de pouca importancia.44

De acordo com as li«;oes proferidas, percebe-se que 0 principio da

insignificancia: a) e entendido como urn principio auxiliar de interpreta«;ao; b) pode ser aplicado em grande parte dO$ tipos; c) tern por finalidade afastar do tipo penal os danos de pouca ou nenhuma

importancia. . Reaimente, como ja deixamos antever, 0 principio da insignificancia

serve como instrurnento de interpreta«;ao, a :fun de que 0 exegeta leve a efeito uma correta ila«;ao do tipo penal, dele retirando, de acordo com a visao minimalista, bens que, analisados no plano concreto, sao considerados de importancia inferior aquela exigida pelo tipo penal quando da sua prote«;ao

em abstrato. Contudo, embora de utiliza«;ao obrigatoria e~ muitos casos, nem todos

os tipos penais permitem 0 raciocmio da insignificancia. Assim, por exemplo, nao se discute que em sede de homicidio nao se aplica 0 principio. Por mais que, segundo a argumenta«;ao do autor do fato, a vitima nao "valesse nada", tal conclusao nao permite a aplica«;ao do principio. Em outros fatos que, aparentemente se amoldariam a lei penal, 0 principio e de aplica«;ao obrigatoria, a exemplo do que ocorre com os delitos de furto, dano, peculato, lesoes corporais, consumo de drogas etc.

Assim, interpretahdo restritivamente 0 tipo penal, 0 princlplO da insignificanciaevidencia'a sua natureza de principio que conduz a atipicidade

43 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Principio da insignificfmcia no direito penal, p. 39. 44 TOLEDO, FrancisCci~de Assis;Piincfpios.basicos dedireito penal, p. 133.

86 -., ~.;:.-,:.~;;-, ------------------. PRINC(P.lQj~:F,UINDj\MENTA.IS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

do fato. Tal situa«;ao, contudo, merece ancilise mais aprofundada, tendo como pano de fundo a nossa estrutura juridica do crime.

Em uma concep«;ao analitica tripartida, 0 crime e entendido como urna a«;ao tipica, ilicita e culpavel. 0 fato tipico, prime ira caracteristica a ser analisada na estrutura juridica do crime, e composto pelos seguintes elementos: a) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; b) resultado; c) nexo de causalidade; d) tipicidade penal.

Por tipicidade penal entende-se, modernamente, a conjuga«;ao da tipicidade formal com a tipicidade conglobante. A tipicidade chamada conglobante ou conglobada exige, para a sua configura«;ao, J que no caso concreto 0 interprete conclua pela tipicidade material, na qual sera realizada a ancilise e a aplica«;ao do principio da insignificancia, b~m como pela antinormatividade do comportamento levado a efeito pelo agente.

Zaffaroni, com 0 brilhantismo que the e peculiar, afirma: o tipo penal se compo~ do tipo legal (adequa«;ao da conduta a individualiza«;ao predominantemente descritiva feita no preceito legal, com seu aspecto objetivo e subjetivo) e do tipo conglobante (que requer a lesao ou coloca«;ao em perigo do bern jtuidico tutelado mediante a comprova«;ao da antinormatividade pela contradi«;ao da conduta com a norma, conglobada com as restantes do ordenamento que integra). Sera fun«;ao deste segundo passo da tipicidade penal operar com9 corretivo da tipicidade legal, reduzindo a verdadeira dimens~o do que a norma proibe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que soment~ sao alcan«;adas pela tipicidade legal, mas que o ordenamento normativo nao proibe, precisamente porque as ordena ou as fomenta ou nao as pode alcan«;ar, por exceder 0 poder repressivo do Estado ou por ser insignificante sua lesividade.45

Interessa-nos, nesta oportunidade, 0 estudo tao-somente da tipicidade conglobante, em sua caracteristica correspondente a tipicidade material. Por tipicidade material' deve-se entender 0 criterio por meio do qual 0 Direito Penal afere a importancia do bern no caso concreto. Na verdade, 0 estudo da teoria da tipicidade penal tern inicio com a aferi«;ao da chamada tipicidade formal ou legal. Quer isso dizer que, se 0 fato for formalmente tipico, ou seja, se houver urna adequa«;ao do comportamento praticado pelo agente ao modelo

45 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Tratado de derecho penal- Parte general, v. III, p. 236.

DlREITO PENAL DO EQUILfBRIO: 87 UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

abstrato previsto na lei penal, que e 0 nosso tipo, deve-se ingressar no estudo da caracteristica seguinte, ainda dentro da tipicidade penal.

Concluindo-se, pelo menos em tese, pela tipicidade formal do fato, 0

estudo da tipicidade conglobante funcionara, como afirmou Zaffaroni, como urn corretivo a tipicidade, ajustando-a efetivamente aos raciocfnios minimalistas, como ocorre com rela<;ao a tipicidade material.

A titulo de llustra<;ao, imagine-se a seguinte hip6tese: A entra em urn supermercado e subtrai urn chocolate no valor de R$ 1,00. Trazendo tal fato para a estrutura juridica do crime, come<;ariamos 0 seguinte raciocfnio, especificamente quanto a tipicidade penal: A conduta praticada pelo agente amolda-se ao preceito primario do art. 155 do C6digo Penal, pois que ele subtrafra, para si, coisa alheia m6vel. Contudo, considerando a visao minimalista proposta pelo principio da insignificancia, que deve ser analisado em sede de tipicidade material, 0 passo seguinte, de acordo com a analise da tipicidade conglobante, na vertente correspondente a tipicidade material, seria a aferi<;ao da importancia do bern no caso concreto.

Nossa pergunta, agora, a fim de comprovar a tipicidade material, seria a seguinte: Quando 0 legislador criou 0 delito de furto, proibindo a subtra<;ao de coisa alheia m6vel, foi pensando em qualquer tipo de patrimonio, ou so mente naquele que, no enfoque minimalista, tivesse alguma importancia para 0

Direito Penal? De acordri com urn Direito Penal do Equilibrio, a resposta a essa

indaga<;ao s6 pode ser no sentido de que. a lei nao pode se ocupar com bagatelas, mas sim com agressoes a bens de relevo. No caso em exame, 0 fato deveria ser considerado atipico, por ausencia da chamada tipicidade material.

Desta forma, por tudo.(} que ate agora foi exposto, podemos concluir que o principio da insignifidmcia possui a natureza de causa que exclui a tipicidade do fato. Entretanto, embora majoritciria tal posi<;ao, outros autores a visualizam, em sede de ilicitude, como urn principio de justifica<;ao ou, ainda, como urn principio eximente da culpabilidade.

Abel Cornejo, defen<Jendo a possibilidade de 0 princlplO da insignificancia ser entendido tambem como urna causa de justifica<;ao, afirma:

Se umfato se reveste de tal carater, nao e materialmente antijuridico, ainda que 0 seja formalmente. Existe acordo na doutrina (nao obstante a discrepancia de Jimenez de Asua) em considerar que a essencia da antijuridicidade material se poe de manifesto na lesao ou coloca<;ao em p~p.go de bens jurfdicOS.46

46 CORNEJO, Abel. Teorfa de la insignificancia,'p;65.

88 ---_ .. --_ ... _------------PRINCfpIOS FUNDAMENTAlS DO DlREITO PENAL DO EQUlLfBRIO

o raciocfnio esposado pelo professor gira em torno do fato de que a insignificancia do bern conduz ao afastamento da ilicitude por ausencia de antijuridicidade material, adotando a posl<;ao segundo a qual a antijuridicidade seria a rela¢o de contrariedade que se estabelece entre a conduta do agente e 0 ordenamento juridico, que cause lesao ou exponha a perigo de lesao urn bern juridicamente protegido. Como 0 bern nao tern a importancia exigida pelo Direito Penal, 0 fato estaria justificado pela ausencia da ilicitude material.

E continua suas li<;oes dizendo ser possivel 0 estudo do principio como eximente da pena:

Outro criterio - mais plausivel que 0 anterior - em abono da aplica<;ao do principio, por estima-Io eficaz para 0 sistema penal, ademais de erigir-se em urn limite a ingerencia do Estado e urn justificativo etico a aplica<;ao de uma pena, 0 considera uma eximente de pena, cuja aplica<;ao se atribui aos juizes que - em cada caso concreto - deverao determinar se se encontram ante uma hip6tese de insignificancia, ou se, pelo contrario, a conduta reveste de importancia suficiente para se constituir em urn ilicito penal.47

Em que pese a for<;a do raciocinio trazido a cola<;ao pelo renomado professor, nao podemos com ele concordar, pois que 0 estudo da estrutura juridica do crime nao resistiria a analise da tipicidade penal, para que, em momentos posteriores, ingressassemos no estudo das suas duas outras caracteristicas, vale dizer, a ilicitude ~·ajculpabilidade.

o criador da teoria finalista da a<;ao, Hans Welzel, analisando os elementos integrantes da estrutura juridica do crime, dizia:

A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade sao os elementos que convertem uma a<;ao em urn delito. A culpabilidade - a responsabilidade pessoal por urn fato antijurfdico - pressupoe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tern de estar concretizada em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estao relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior 'do delito pressupoe ~' anterior.48

Por intermedio das li<;oes de Welzel, podemps perceber que o·estudo da teoria do delito nao pode ser realizado por saltos, ou seja, cada uma das suas caracterfsticas serve como urna barreira a ser ultrapassada a fim de que seja possivel a analise da caracterfstica seguinte. Sendo assim, seria impossivel chegar ao estudo da antijuridicidade ou mesmo da culpabilidade, uma vez que

47 CORNEJO, Abel. Teorfa de la insignificancia, p. 70. 46 WEtzEL, Hans. Derecho penal aleman, p. 57.

DlREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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o principio da insignificancia teria 0 condao de, ab initio, eliminar a tipicidade em virtude da ausencia de tipicidade material.

o principio da insignificancia, portanto, em que pesem as posi«;oes em contnirio, permissa venia, tern por finalidade afastar a tipicidade do fato, nao permitindo que 0 interprete ingresse no estudo das caracteristicas seguintes que integram a infra«;ao penal, vale dizer, a ilicitude e a culpabilidade.

Desta forma, com base no raciocinio acima esposado, podemos afirmar a impropriedade da expressao. crime de bagatela, segundo a qual a doutrina identifica 0 principio da insignificancia. A expressao e equivocada, em virtude de nao observar a natureza juridica do principio da insignificancia. ~~clarecendo melhor 0 tema, se com 0 raciocinio da insignificancia 0

interprete chega a conclusao de que 0 fato praticado pelo agente e atipico, por ausencia de tipicidade material, como pode chamar urn fato atipico, indiferente para 0 Direito Penal, de crime de bagatela. Na verdade, se nao ha crime, nao posso identificar aquele fato como crime de bagatela, senao como umfato de bagatela, que nao merece a aten«;ao do Direito Penal.

o principio da insignificancia, portanto, servira de instrumento de utiliza«;ao obrigatoria nas maos do interprete, a fim de realizar a perfeita adapta«;ao do comportamento do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, com a sua aten«;ao voltada pai-a a importancia do bern of en dido, raciocinio que e levado a efeito considerando-se a chamada tipicidade material.

Nao se pode esquecer, ainda, que alem dessa caracteristica de ser analisado em sede de tipicidade material, existem outras posi«;oes que 0

justificam fora mesmo da teoria do delito. Conforme esclarece GOllZ.alO D. Fernandez:

muitos autores renunciam a punibilidade do fato insignific().Ii.te por puras razoes politico-criminais de merecimento da pena:· dado que, em tais casos, a. san«;ao penal violentaria a proporcionalidade ante uma afeta«;ao infima do bern juridico. Por sua vez, outras posturas doutrinais se apoiam em argumentos de indole processual, vinculados a necessidade de eliminar a sobrecarga que padece a Administra«;ao da Justi«;a e lograr, atraves disso, uma maior eficacia nos sistemas de ajuizamento.49

5.6. PRINciPIO DA INDIVIDUALIZA<;AO DA PENA Uma vez ultrapassadas as barreiras dos principios da interven«;ao

minima, da lesividade e da adequa«;ao social, conclulmos, com a seguran«;a necessciria, ser o Direito Penal fragmentcirio. Isso porque, como vimos

49 FERNANDEZ, Gonzalo D. Bien jurfdico y sistema del delito, p. 164.

90 PRINCfpIOS PUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

anteriormente, ao Direito Penal do Equilibrio nao cabe a prote«;ao de todos os bens existentes em nossa sociedade, mas tao-somente daqueles que gozem de proeminencia individual ou coletiva, vale dizer, somente aqueles mais importantes e necesscirios ao convivio em sociedade. Alem da fundamental importancia do bern, devemos tambem verificar, de acordo ainda com 0

principio da minima interven«;ao, se outros ramos do ordenamento juridico sao capazes de, por si sos, cumprir a altura essa missao protetora, sem 0 auxilio do Direito Penal.

U rna vez aferida a importancia do bern, chegando-se, ainda, a conclusao de que os demais ramos do ordenamento nao sao capazes 0 suficiente de protege-Io, podemos, neste primeiro momento, convocar 0 Direito Penal. Contudo, 0 principio da interven«;ao minima nao e 0 principio,mas sim urn principio de analise obrigatoria para a cria«;ao do tipo penal incriminador. Logo em seguida, devera 0 legislador investigar se a conduta que atinge aquele bern, ja previamente considerado importante, e lesiva, of ens iva, ou seja, se 0

comportamento extrapola a pessoa do agente, vindo a atingir bens de terceiros, conforme raciocinio exteriorizado no capitulo proprio.

Por illtimo, verifica-se se a conduta que of en de aquele bern de relevo e inadequada socialmente, pois, caso contrcirio, nao podera 0' Estado proibir comportamentos que ja estao plenamente aceitos pela sociedade, sob pena de se transformar no maior estimulador de infra«;oes penais.

Ultrapassados todos esses principios, abre-se a oportUnidade para a cria«;ao tipica. A primeira fase foi vencida. Tais principios - interven«;ao minima, lesividade e adequa«;ao social - servem de orienta«;ao ao legislador para a cria«;ao do preceito primcirio do tipo penal incriminador. Entretanto, a norma penal em sentido estrito exige, para a sua configura«;ao, a cria«;ao de urn preceito secundcirio, no qual devera ser apontada a pena cominada para 0 caso de descumprimento do preceito primario.

A Constitui«;ao Federal assevera, em seu art. 52, inciso XXXIX: Nao hd crime sem lei anterior que 0 defina, nem pena sem previa cominarao legal.

A reda«;ao existente na Lei Maior em muito se assemelha aquela contida no art. 12 do Codigo Penal, que assimdispoe: Nao hd crime sem lei anterior que o defina. Nao hd pena sem previa cominarao legal.

Percebe-se, com clareza, que a preocupa«;ao nao se limita it narra«;ao do comportamento proibido ou imposto pela lei penal, como tambem a previa determina«;ao de uma san«;ao.

Compete ao principio da individualiza«;ao da pena, como raciocinio conseqiiente it ado«;ao dosprincipios anteriormente expostos, no enfoque proposto pelo Direito Penal do Equilibrio, determinar a san«;ao correspondente a cada infra«;ao penal.

DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO: UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL

91

o principio da individualiza~ao da pena foi consignado expressamente no texto de nossa Constitui~ao Federal, conforme se veri fica no inciso XLVI do art. SQ., assim redigido:

a lei regulard a individualiza~iio da pena e adotard, entre outras, as seguintes: a) priva~iio ou restri~iio da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) presta~iio social alternativa; e) suspensiio ou interdi~iio de direitos.

o principio da individualiza~ao da pena ocorre em tres fases distintas, a saber: a) fase da comina~ao; b) fase da aplica~ao; c) fase da execu~ao.

o capitulo II, do Titulo V, do Codigo Penal cuidou, especificamente, da primeira fase da individualiza~ao, vale dizer, a fase da comina~iio das penas. Conceitualmente, a fase da individualiza~ao das penas e aquela que ocorre no plano abstrato, sendo de competencia do legislador. Dissemos que e a fase que ocorre no plano abstrato em virtude do fato de que, inicialmente, antes mesmo da cria~ao tipica, 0 legislador devera levar a efeito urn raciocinio de valora~ao dos bens, com 0 objetivo de deterrninar a importancia que cada urn merece.

E efetivamente por meio da fase da comina~ao que 0 legislador, apos a elei~ao dos bens ~ais importantes e necesscirios ao convivio em sociedade, da inicio a urn trabalho de indivi~ualiza~ao, levando a efeito urn raciocinio de compa,ra~ao, no sentido de se chegar, 0 mais proximo possivel, ao valor atribuido ao bern, pela sociedade.

A titulo de exemplo, imaginem-se as hipoteses de sele~ao dos bens vida e integridade flsica. A primeira pergunta que devemos nos fazer, a fim de perrnitir a prote~~o desses dois bens pelo Direito Penal, e se eles, efetivamente, gozam da importancia ~xigida por esse ramo do ordenamento juridico. Em seguida, a pergunta correspondente ao principio da individualiza~ao das penas seria a seguinte: A vida e a integridade fisica, embora bens de relevo, gozam da mesma importancia, ou possuem valores diferentes? Obviamente que, no caso em questao, 0 bern vida e de valor superior ao bern integridade fisica, razao pela qual nos crimes contra a vida, a pena, individualmente considerada, deve ser superior aquela destinada a prote~ao da integridade fisica pelo tipo penal incriminador.

E por meio da fase da comina~ao, portanto, que 0 legislador deterrnina a importanciade cadabem~ A pena seria, grosso modo, 0 pre~o correspondente a cada infra~ao p~fia1qu¢tem: por finalidade proteger determinados bens.

'. Sabemos quaodificil '.~ a determina~ao de urna pena cujo escopo e valorar urn bern juridico. 0 legislador deve apontar as penas minima e maxima

92 PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DlREITO PENAL DO EQUlLfBRIO

correspondentes a cada infra~ao penal, almejando, com isso, proteger 0 bern juridico previsto pelo tipo penal incrirninador. Devera, obrigatoriamente, nesse estudo comparativo, trabalhar com 0 principio da proporcionalidade, intimamente relacionado ao da individualiza~ao da pena.

Luigi Ferrajoli, com precisao, esclarece: A tarifa das penalidades e a medida do valor dos bens SOClaIS,

escreveu Rudolf Jhering, de sorte que 0 sistema de penas assinala a escala de valores historicamente determinada de uma dada sociedade, alem de seu grau de autoritarismo, tolerancia e hurnanidade. Ainda que seja impossivel medir a gravidade de urn delito singularmente considerado, e possivel, no entanto, afirmar, conforme 0 principio de proporcionalidade, que do ponto de vista interno se do is delitos sao punidos com a mesma pena, e porque 0

legislador considera-os de gravidade equivalente, enquanto se a pena prevista para urn delito e mais severa do que a prevista para 0 outro, 0

primeiro delito e considerado mais grave do que 0 segundo.50

A segunda fase da individualiza~ao corresponde a aplica~ao da pena. A aplica~ao da pena veio prevista no Capitulo III, do Titulo V, do Codigo Penal, sendo esta, agora, de competencia do julgador.

Em urn prirneiro plano, 0 legislador, mesmo com dificuldades, procura dar a importancia que cada bern merece, valendo-se do instrumento da individualiza~ao das penas relativas a cada infra~ao penal. Nurn segundo momento, uma vez praticada a infra~ao penal, 0 juiz devera individualizar, por

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mais uma vez, a pena, para fins de sua efetiva aplica~ao ao agente. Merece ser frisado que, em urn Estado Constitucional e Democratico de

Direito, quem dita a importancia do bern a ser protegido pelo Direito Penal nao e 0 juiz, mas sim 0 legislador. A lei, na verdade, e que se encarrega de dar a importancia que· cada bern merece. 0 juiz, no caso concreto, considerando a importancia do bern ja ditada anteriormente pela lei, devera, mediante urn trabalho consciente e fundamentado de individualiza~ao, encontrar a pena justa para 0 caso concreto, nao podendo, contudo, jamais fugir as orienta~5es legais a que esta submetido. i '

Luigi Ferrajoli, dissertando sobre 0 tema, afirma: Foi precisamente a polernica contra o,despotismo dos juizes, [ ... ] 0

que constituiu 0 principal motivo inspirador da batalha iluminista pela reforma penal. 'So as leis podem decretar as penas dos delltos, e esta autoridade deve residir unicamente no legislador', escreveu Beccaria. Disso segue-se que 'nenhum magistrado (que e parte da

50 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 323.

DIRE ITO PENAL DO EQUlLfBRIO: 93 UMA VISAO MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

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sociedade) pode com justi«;a infligir penas contra outro individuo da mesma sociedade' e que constitui 'offcio' dos juizes 'apenas examinar se tal homem praticou, ou nao, urna a«;ao contniria as leis estabelecidas por urn 'c6digo fum', que devem 'observar a letra'. De outro lado, no furor poU~mico contra 0 arbitrio judicial, a cultura penal iluminista cultivou urn equivoco: a ideia, ligada ao mito do juiz como 'boca da lei', da necessidade de uma absoluta predetermina«;ao legal da pena e da; supressao de qualquer discricionariedade judicial na valora«;ao da grav'idade do delito e, por conseguinte, na medida da pena correspondente.51

, Para que 0 juiz possa, com precisao, individualizar a pena do agente que p'~aticou a infra«;ao penal, devera observar 0 criterio trifasico determinado pelo caput do art. 68 do C6digo Penal, que diz:

Art. 68. A pena-base sera fixada atendendo-se ao criterio do art. 59 deste C6digo; em seguida, seriio consideradas as circunstiincias atenuantes e agravantes; por ultimo, as causas de diminuiriio e de aumento.

Inicialmente, conforme determinado pelo art. 68 do C6digo Penal, 0 juiz devera analisar, isoladamente, cada urna das chamadas circunstancias

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judiciais elencadas pelo art. 59 do mesmo diploma repressivo, a fun de que possa indicar a pena-base para 0 delito cometido pelo agente. Fica 0

magistrado, portanto, obrigado a urna analise individualizada de ~ada circunstancia judicial, devendo exteriorizar seu raciocinio com 0 escopo de evidenciar os motivos pelos quais chegou aquela quantidade, sob pena de macular 0 ato decis6rio, pois que a Constitui«;ao Federal exige, no inciso IX do art. 93, alem da publicidade dos julgamentos pelos 6rgaos do Poder Judiciario, que todas as suas decisoes sejam fundamentadas, sob pena de nulidade.

No momenta seguinte ao da fixa«;ao da pena-base, 0 julgadof .observara o rol das circunstancias atenuantes e agravantes, a procura daquela que se adapte a condi«;ao do sentenciado, podendo, inc1us~ve, se entende-la cabivel na especie, atenuar a pena em razao de circunstancia relevante, anterior ou posterior ao crime, embora nao prevista expressamente em lei, conforme permite 0 art. 66 do C6digo Penal.

Finalmente, como Ultima fase da individualiza«;ao a ser realizada pelo julgador, devera aferir a existe,ncia das minorantes ou majorantes, ou seja, as "causas de diminui«;ao ou de aurnento de pena previstas tanto na parte geral quanto na especial da l~gisla«;ao penal.

Uma vez condeq~do 0 autor da infra«;ao penal, aplicada a pena entendida como necessana e suficiente a reprova«;ao e a preven«;ao do crime,

51 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 324.

94 PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

inicia-se a Ultima fase da individualiza«;ao das penas, que ocorre durante a sua execu«;ao.

Os arts. 5.0. e 6.0. da Lei de Execu«;ao Penal determinam que os condenados seriio classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualizariio da execuriio penal, sendo que a classificariio sera /eita por Comissiio Tecnica de Classificariio, que elaborara 0 programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provis6rio.

Jose AntOnio Paganella Boschi, analisando os artigos em tela, afirma: Muito embora as eloqiientes determina«;oes legais, os condenados, contudo, nao sao c1assificados para a individualiza«;ao da execu«;ao, mas recolhidos as penitenciarias para cumprimento de penas em ambientes coletivos, sem infraestrutura condigna, sem trabalho, ficando na maioria das vezes entregues a pr6pria sorte. -A individualiza«;ao da pena na fase da execu«;ao e, no Brasil, ainda urna garantia vaga, indefinida, eterea, que permite afirmar.que a reclusao e a deten«;ao nao ressocializam, porque nao ha ressocializa«;ao sem tratamento e sem que 0 condenado esteja determinado a se ressocializar.52

Sabemos que 0 C6digo Penal determina, na parte final do seu art. 59, que as penas devem ser tao-somehte aquelas necessarias e suficientes para a reprova«;ao e a preven«;ao dos crimes. No que diz respeito as :teorias relativas que preconizam as vertentes preventivas - geral e especial ...:.., especificamente com rela«;ao a preven«;ao especial, esta se biparte em positiva e negativa.

Por preven«;ao especial positiva entende-se 0 processo de ressocializa«;ao pelo qual devera ser submetido 0 condenado, sendo a preven«;ao especial negativa 0 simples efeito de retira-lo, momentaneamente, do convivio em sociedade, a fun de que nao volte a delinqiiir (pelo menos extra muros).

Conforme afirmado acima por Paganella Boschi, embora a ressocializa«;ao, com todas as criticas que lhe sao inerentes, deva ser urn objetivo do Estado, tal fun«;ao atribuida a pena, principalmente sob seu enfoque individualizador, nao consegue ser alcan«;ada.

De nada vale a determina«;ao de c1assifica«;ao do condenado, para fins de individualiza«;ao, se, na pratica, sua pena e cumprida com outros condenados com c1assifica«;oes divers as da sua, com antecedentes e personalidades diferentes, em urn ambiente promiscuo, dessocializador, que estimula mais a corrup«;ao do carater do que 0 arrependimento necessano, que nao 0 impulsiona a modificar-se no sentido de querer reintegrar-se a sociedade, afastando-se da vida do crime.

52 BOSCHI, Jose Antonio Paganella. Das penas e seus crit€uios de aplicar;ao, p. 70.

DIREITO PENAL DO EQUILtBRIO: 95 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Contudo, embora as criticas sejam incontaveis, 0 princlplO da individualiza~ao da pena impoe a modifica~ao do sistema, a fim de que ele possa ser atendido em sua tercerra vertente, no momenta mciximo do Estado, em que faz sentir todo 0 seu poder, que e 0 da segrega~ao for~ada de seus cidadaos.

.5.7. PRINCiPIO DA PROPORCIONALIDADE A discussao a respeito da ideia de pena proporcional nao e nova. A

partir, principalmente, do seculo XVIII, com destaque tambem para a obra de Beccaria, as discussoes sobre as penas proporcionais vern sendo travadas com progressos e retrocessos.

Podemos indicar, ainda, 0 C6digo de Hamurabi como aquele que, tecnicamente, primeiro nos forneceu urna no~ao inaugural de proporcionalidade, mesmo que nao se pudesse afirmar, com certeza absoluta, que 0 "olho por olho e 0 dente por dente" cumpria rigorosamente essa fum;ao.

o certo e que penas desproporcionais nos trazem a sensa~ao de injusti~a. Desde crian~a, raciocinamos com a ideia de castigo proporcional a nossa desobediencia. A ideia de propor~ao e inata ao ser humano. Quando nossos pais exageravam na corre~ao, 0 sentimento de revolta tomava conta de nossos pensamentos. Nao era justo. Era muito pequena a desobediencia, diziamos, para que taIilanha corre~ao nos fosse aplicada.

Contudo,um dos maiores problemas que 0 Direito Penal enfrenta e, justamente, 0 de encontrar a pena proporcional, principalmente quando se tern em mira a descoberta de san~oes alternativas a pena privativa de lib erdade , pena's intermedicirias que procuram dar a resposta ao "mal" praticado pelo agente, mas com os olhos' voltados para 0 principio da dignidade da pe~soa hurnana. . .

Nao e'facil, portanto, a elabora~ao do raciocinio perfeito que tenha em conta que a severidade da pena deva ser proporcional a gravidade do delito, mesmo porque, considerando-se 0 nivel atual de infla~ao legislativa, 0 mlmero excessivo de tipos penais incriminadores toma cada vez mais dificil 0

raciocinio da proporcionalidade, uma vez que cada tipo mere cera a sua compara~ao no ordenamento juridico-penal.

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Conforme destacaram Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, ja que e impossivel demonstrar a racionalidade da pena, as agencias juridicas devem, pelo menos, demonstrar que 0 custo em direitos da suspensao do conflito mantem uma proporcionalidade minima como o grau da lesao que tenha provocado. Temos ai 0 principioda proporcionalidade minima da pena com a magnitude da lesao. Com esse principio nao se legitima a pena como retribui~ao, pois continua

PRINCCPIOS FUNDAMBNTAIS DO DIRBITO PBNAL DO BQUlLCBRIO

sendo uma interven~ao seletiva do poder que se limita a suspender 0

conflito sem resolve-Io e, por conseguinte, conserva intacta sua irracionalidade. Simplesmente se afirma que 0 Direito Penal deve escolher entre irracionalidades, deixando passar as de menor conteudo; 0 que ele nao pode e admitir que a essa natureza irracional do exercicio do poder punitivo se agregue urn dado de mcixima irracionalidade, por meio do qual sejam afetados bens juridicos de uma pessoa em despropor~ao grosseira com a lesao que ela causou.53

Podemos destacar do is momentos de aferi~ao obrigat6ria da proporcionalidade das penas. Inicialmente, 0 primeiro raciocinio seria levado a efeito considerando as penas cominadas em abstrato. Como principio implicito, podemos extrair 0 principio da proporcionalidade do principio da individualiza~ao das penas.54 Quando 0 legislador cria (') tipo penal incriminador, proibindo ou impondo determinado comportamento sob a amea~a de uma san~ao de natureza penal, esta san~ao devera ser proporcional a gravidade do mal produzido pelo agente com a pratica da infra~ao penal.

Sabemos que 0 raciocinio da proporcionalidade nao e dos mais faceis, pois que nao podemos mensurar, exatamente, quanta vale a vida, a integridade fisica, a horna, a liberdade sexual, etc. Contudo, faz-se mister que tal prote~ao ocorra mediante uma pena entendida como a mais proporcional possivel, considerando-se 0 bern atingido pelo delito.

Luigi Ferrajoli preleciona: o fato de que entre a pena e delito nao· exista nenhuma rela~ao natural nao exime a priffieiI~ de ser adequada ao segundo em alguma medida. Ao contrcirio, precisamente 0 carater convencional e legal do nexo retributivo que liga a san~ao ao ilicito penal exige que a elei~ao da qualidade e da quantidade de urna seja realizada pelo legislador e pelo juiz em rela~ao a natureza e a gravidade do outrO.55

Prima facie, devera 0 legislador ponderara importancia do bern juridico atacado pelo comportamento do agente para, em urn raciocinio seguinte, tentar encontrar ,a pena que possua efeito dissuas6rio, isto e, que seja capaz de inibir a pratica daquela conduta of ens iva. Ap6s 0 raciocinio correspondent~ 'a importancia do bern juridico-penal, que devera merecer a prote~ao por meio

53 BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, AlejaJ"!dro. Direito penal brasileiro, v. I, p.230-231. 54 No que diz respeito aos princ[pios constitucionais implicitos~ a exemplo do que ocorre com 0 principio da proporcionalidade, Olga Sanchez Martfnez, in Los principios en el derecho y la dogmatica penal, p. 84, assevera, com propriedade, que "a Constituic;ao faz algumas referencias concretas ao direito penal. Nela se encontram explicitarnente contidos princ[pios de aplicac;ao no ambito penal. Mas esses principios .expressos, cujo valor jurfdico nao parece oferecer duvidas, nao sao os unicos contemplados pela dogmatica penal. Tambem sao derivados de preceitos constitucionais princfpios implfcitos. A formulaCao desses princfpios provem de seu conteudo coerente com outras regras e princ[pios formal e expressamente vinculados a fontes". 55 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 320.

DIRBITO PBNAL DO BQUILCBRIO: ,. UMA VIsAo MINIMALISTA DO D1RBITO PBNAL ~

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de uma pena que, mesmo imperfeita, seja a ma~~ proporcional possivel, no sentido de dissuadir aqueles que pretendem violar 0 ordenamento juridico com ataques aos bens por ele protegidos, 0 legislador devera pro ceder a urn estudo comparativo entre as figuras tipicas, para que, mais uma vez, seja realizado 0 raciocinio da proporcionalidade sob urn enfoque de comparac;ao entre os diversos tipos que protegem bens juridicos diferentes.

Se 0 legislador e 0 primeiro responsavel pelo raciocinio da proporcionalidade, ·considerando-se abstratamente. a infrac;ao penal por ele criada, 0 segundo responsavel sera 0 juiz, agora quando do cometimento da infrac;ao penal prevista em algum diploma repressivo, pois que, como bern observado por Esperanza VaeUo Esquerdo, trata-se

, , de urn principio que tern urn duplo destinatano, pois vai dirigido tanto ao legislador como ao juiz. a primeiro no·sentido de exigir-lhe que, ao elaborar as leis, estabelec;a penas proporcionadas, em abstrato, a gravidade do delito, e ao segundo para que no momenta de aplica-Ias imponha sanc;oes acomodadas a concreta gravidade do delito executado, fazendo uso da margem de discricionariedade que dispoe.56

Se 0 bern juridico possui, em tese, determinado valor, e se esse valor e, por intermedin do Direito Penal, men~urado por urna sanc;ao previamente cominada na lei penal, no caso concreto, devera 0 julgador, de acordo com urn processo de individualizac;ao da pena, encontrar aquela proporcional ao mal praticado especificamente por determinada pessoa, autora do delito.

Sao, portanto, do is os momentos de aferic;ao da proporcionalidade: 0

primeiro, por meio das penas cominadas em abstrato e 0 segundo, das penas aplicadas ao caso concreto.

As penas, entretanto, de acordo com a parte final do art. 59 do Codigo Penal, devem ser aquelas necessdrias e. suficientes ·para a reprova~ao e preven¢o do crime, conforme veremos a seguir.

5.7.1.A pena necessaria Sob 0 enfoque do principio da intervenc;ao minima, tem-se entendido

que a finalidade do Direito Penal e a protec;ao dos bens mais importantes e necessarios ao convivio em sociedade. Extrai-se dai a sua natureza subsidiaria, ou seja, em decorrencia da gravidade de suas penas, 0 Direito Penal somente podera intervir quando se verificar que os outros ramos do ordenamento juridico nao sao fortes 0 suficiente na protec;ao de determinado bern. a Direito Penal deve ser encarado como ultima, e·nao como prima ratio.

56 ESQUERDO, Esperanza Vaello. Introducci6n aI derecho penal, p. 43.

98 PRINctplOS FUNDAMENTAlS DO D1REITO PENAL DO EQUILiBRIO

A drasticidade da pena nos obriga a conduir que a primazia na protec;ao dos bens deve ser concedida aos outros ramos do ordenamento juridico, a exemplo do Direito Civil, do Direito Administrativo, do Direito Tributario, etc. So mente quando se verificar a insuficiencia dessa protec;ao e que surge 0

Direito Penal, como 0 mais forte de todos os ramos do ordenamento juridico, visando dar a protec;ao que 0 bern merece, devido a sua importan.cia.

a principio da culpabilidade, mediante 0 juizo de censura que se produz no plano concreto, devera servir de norte ao julgador, para auxilia-Io a encontrar a pena que seja necessaria a prevenc;ao e a reprovac;ao do crime.

a inciso I do art. 59 diz que 0 juiz devera estabelecer as penas aplicaveis entre as cominadas, vale dizer, a privativa de liberdade, a restritiva de direito ouamulta.

As func;oes de reprovar e prevenir a pratica de futuras inffac;oes penais e que ditam a necessidade da pena.

Se, no caso concreto, 0 julgador entender que a pena privativa de liberdade nao e necessaria, em razao da culpabilidade do agente, podera, se 0

preceito secundario do tipo penal incriminador 0 permitir, ou mesmo se for possivel a substituic;ao de acordo com as regras da parte geral do Codigo Penal, determinar outra, de natureza diversa.

Independentemente da posic;ao te6rica que 0 interprete venha a assumir, 0 principio da necessidade devera, sempre, ser conjugado com as duas func;oes atribuidas a pena, mencionadas expressamehte na Ultima parte do caput do art. 59 do Codigo Penal, ou seja, as func;oes de reprovar e prevenir, que serao anaIisadas mais detidamente adiante.

a principio da necessidade da pena somente diz respeito, ainda, aos agentes tidos como imputaveis. So mente com relac;ao a eles e que as func;oes previstas na parte final do art. 59 do C6digo Penal poderao ser realizadas. Aos agentes inimputaveis nao cabe a aplicac;ao da pena, pela absoluta falta de necessidade de se reprovar e prevenir a pratica de infrac;oes penais, pois que nao sao passiveis de reprovac;ao, mas sim de ajuda. Nao sao ainda objeto de prevenc;ao, mas de tratamento, a fim de que nao venham a praticar, no futuro, outros comportamentos proibidos pela lei penal. Nao podera ser tomada por ineficaz a vertente da prevenc;ao geral, pois todos aqueles que tomaram conhecimento da pratica da ac;ao tipica e ilicita levada a efeito pelo inimputavel reconhecerao a necessidade de tratamento, que tambem corresponde a uma das formas de resposta penal, com a efetiva aplicac;ao de medida de seguranc;a, a qual, em muitos casos, toma-se ate mais radical que a propria aplicac;ao da pena.

Com relac;ao ao principio da necessidade de aplicac;ao da pena, com 0

enfoque das func;oes de reprovac;ao e prevenc;ao, vale transcrever a critica produzida por Cordoba Roda, ao dizer que,

D1RBITO PBNAL DO EQUILfBRIO: 99 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

em primeiro lugar, devemos observar que a presun«;ao conforme a qual para todo sujeito normal que comete urn fato previsto como delito, a pena resulta como necessaria devido as razoes de preven«;ao geral ou especial, expressa urn juizo que guarda uma grande discrepancia em rela«;ao ao que sucede na vida real. Recorde-se, a este respeito, que, segundo e perfeitamente sabido, a aplica«;ao da pena pode ser absolutamente desnecessaria, quando nao prejudicial pelos seus nefastos efeitos que a priva«;ao da liberdade comporta, para uma grande propor«;ao dos sujeitos 4normais'. A nao-execu«;ao da pena em tais casos nao tern, ademais, porque diminuir a pretendida eficacia de preven«;ao geral, ja que as legitimas exigencias resultantes desta podem restar satisfeitas pela condena«;ao penal do sujeito. Opor-se em tais casos a inexecu«;ao da pena, em aten«;ao ao relaxamento que isso poderia sup or, comporta, a nos so juizo, urn intoleravel tributo em favor da seguran«;a juridica. Em segundo lugar, ao que se refere aos inimputaveis, nao cremos ser correto afirmar, em termos absolutos, que para todo sujeito inimputavel seja a pena desnecessaria.57

Com esta sua Ultima afirma«;ao quer 0 autor dizer que nem sempre sera necessaria a aplica«;ao da pena, mesmo tendo 0 agente praticado, em tese, urn fato tido como cri~inoso. Segundo 0 seu raciocinio, se no caso concreto nao se conseguir identiflcar que a aplica«;ao de uma pena atingira as suas fun«;oes de preven«;ao - geral e especial-, devera 0 agente ser absolvido.

Informa, ainda, 0 autor que, inclusive, ?s adeptos da teo ria absoluta, que pregam a fun«;ao :de reprova«;ao da pena, ja se tern rendido aos argumentos da desnecessidade de aplica«;ao da pena, em razao dos conhecidos maleficios que a sua execu«;ao traduz.

Segundo, mnda, Cordoba Roda, pretender que as penas privativas de liberdade sejam cumpridas em todos os casos em que se verifique 0 cometimento de urn delito, sem admitir a possibilidade de que se prescinda da sua imposi«;ao ou se diminua sua dura«;ao em aten«;ao a sua ineficacia, quando nao a seus nefastos efeitos, sofre 0 intoleravel prejuizo da imposi«;ao de urn castigo inuti1, ou produtor, inclusive, de males irreparaveis.58

Merece destaque, por oportuno, 0 alerta de Michel Foucault quando afirmava que a prisao, 44em vez de devolver a liberdade individuos corrigidos, espalha na popula«;ao delinqilentes perigosos" .59

57 c6RDOBA RODA, Juan: CulP~bilidady pena. p: 42. 58 c6RDOBA RODA, Juan. Culpabilidad y pena, p. 54. 59 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punif, p. 221.

100 -------------------------PRINCfpIOS F~,NDAMBNTAIS DO DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO

Em nossa legisla«;ao penal, temos a hipotese do chamado perdao judicial, que, em ultima analise, corrobora a tese de que nem sempre a pena se faz necessaria, mesmo diante do fato de ter 0 agente praticado uma conduta tipica, ilicita e culpavel. A exemplo do que ocorre nas circunstancias previstas no § 5Q do art. 121 do Codigo Penal, 0 juiz podera deixar de aplicar apena se as conseqiiencias da infra«;ao atingirem 0 agente de forma tao grave que a san«;ao penal se tome desnecessdria. Como se percebe pela leitura do mencionado paragrafo, a propria lei penal fez men«;ao a 'ausencia de necessidade de aplica«;ao da pena, urna vez presentes aquelas hipoteses.

Roxin ainda exemplifica com urn caso concreto, em que membros de urn movimento pacifista, com a finalidade de protestar contra 0 rearmamento, invadiram urn terreno militar americana isolado por urn alambrado, colocaram a pastar algumas ovelhas e plantaram uma arvore. Essa a«;ao comovedora era, lamentavelmente, uma viola«;ao de domicilio punivel, e por essa viola«;ao e pelo dana ao alam,hrado os pacifistas foram punidos. Segundo Roxin, poderia ter-se excluido a responsabilidade daquele grupo, pois, mesmo sendo considerados culpaveis perante a lei penal, tambem se moViam no ambito constitucional de prote«;ao da liberdade de opiniao e reuniao, e, nao tendo ocasionado urn dana consideravel, podia -se conceder-lhes a benevolencia.6o

Talvez 0 raciocmio do afastamento completo da aplica«;ao da pena ainda seja por demais vanguardista, dai a necessidade de sua conjuga«;ao com outro principio, 0 da sUficiencia, que tera 0 condao de medi-Ia, partindo do pressuposto de ser ela necessaria, a tim de que ao agente seja aplicada pena suficiente para a reprova«;ao e preven«;§.o do crime.

Tais principios deverao ser conjugados, ainda, com 0 principio da humanidade ou da dignidade da pessoa humana, que p~eibe penas desnecessarias e contranas ao seu fim utilitario. As penas devem ser, portanto, qualitativa e quantitativamente, necessanas e suficientes a reprova«;ao e preven«;ao dos crimes.

Podemos dizer que a qualidade esta para 0 principio da necessidade, assim como a quantidade esta para 0 principio da suficiencia da pena, que ser~. analisado a seguir. '

Contudo, quando tivermos de analisar 0 principio da necessidade, no enfoque proposto pela parte final do art. 59 do Codigo Penal, nao poderemos afastar a aplica«;ao da pena, haja vista que, para tanto, 0 agente teria de ser absolvido. A finalidade da consigna«;ao do principio da necessidade, no capitulo. correspondente a aplica«;ao da pena, no qual esta inserido 0

mencionado art. 59, faz com que 0 raciocinio seja no sentido de que a pena e, efetivamente, necessaria. Entretanto, entre as penas cominadas, qual delas,

60 Apud PARMA, Carlos. Culpabilidad, p.156.

DIRBITO PBNAL DO BQUlLfBRIO: UMA V1sAo MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL

,. ;, 101

qualitativamente, se entendeni como necessaria aos fins previstos tambem por este mesmo artigo, vale dizer, 0 de reprovar e prevenir a pratica de infrac;oes penais.

Assim, concluindo, 0 principio da necessidade inserido no art. 59 do C6digo Penal nao nos permite afastar a aplicac;ao da lei penal aquele que tiver praticado uma conduta tipica, ilicita e culpavel, mas sim escolher aquela entendida como necessaria a atender aos fins determinados na lei penal. Devera 0 julgador, portanto,. mediante criterio predeterminado pela lei, escolher a modalidade de peIi:a que mais se adapte ao caso concreto, isto e, se privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Essas sao, portanto, as penas que 0 julgador tern a sua disposic;ao para atender ao principio da necessidade. Sao escolhidas, assim, em virtude de sua qualidade, pois que a quantidade sera objeto de apreciac;ao de outro principio, vale dizer, 0 da sUficiencia das penas.

5.7.2.A pena suficiente A pena, como diz 0 jargao popular, e urn mal necessario, mesmo que tal

raciocmio seja dirigido a urn numero limitado de infrac;oes penais. Contudo, para que seja tida como justa, e nao cpmo. urn ato de puro arbitrio, ou, no sentido contrario, de protecionismo, nao podera ir alem ou aquem da sua necessidade, devendo, pois, ser aquela suficiente para a reprovac;ao e a prevenc;ao do crime.

Pena suficiente e aquela que nao e excessiva. N a precisa lic;ao de Carrara, nao deve ultrapassar a proporc;ao com 0 mal do delito. Todo sofrimento irrogado ao culpado alem do principio da pena, que 0 de dar ao preceito uma sanc;ao proporcionada a sua importancia juridica, e alem da necessidade da defesa, que e a de elidir a forc;a moral objetiva do delito, e urn abuso de forc;a, e ilegitima crueldade.61

De acordo com as lic;oes do mestre italiano, 0 principio da suficiencia da pena devera estar intimamente ligado ao principio da proporcionalidade. Suficiente e a pena proporcional ao mal praticado pelo agente.

Nao podera 0 juiz, portanto, aplicar uma pena evidentemente rigorosa, se 0 caso concreto esta a exigir uma punic;ao mais branda, pois· que suficiente a reprovac;ao e prevenc;ao do crime.

Juarez Tavares assevera: Concebida como expressao de poder, a pena, contudo, deve guardar uma relac;ao proporcional com 0 dana social produzido pelo delito. Desde que inexista essa relac;ao ou se apresente ela de modo

61 CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal, v. II, p. 98.

102 PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

absolutamente inexpressiva, pode-se questionar a validade da norma que instituiu a punic;ao, em face de haver 0 legislador atuado arbitrariamente na sua confecc;ao.62

o inciso II do art. 59 do C6digo Penal deterrnina, tambem, que 0

julgador, orientado pelas func;oes da pena - reprovar e prevenir -, devera estabelecer a sua quantidade nos limites previstos, bern como 0 regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme assevera 0 inciso III do mencionado artigo.

Em reforc;o a este Ultimo raciocinio, ou seja, da suficiencia da pena para que atenda as func;oes de reprovar e prevenir 0 delito, merece ainda registro 0

fato de que 0 § 312 do art. 33 do diploma repressivo diz que a determinac;ao do regime inicial de cumprimento da pena far-se-a com observancia dos criterios previstos pelo art. 59 do C6digo Penal.

Imaginemos, por exemplo, a hipotese em que a pena privativa de liberdade tenha sido eleita como necessaria, a fim de atende~ as func;oes de reprovac;ao e prevenc;ao. Contudo, pode acontecer que 0 regime apontado objetivamente pela lei como 0 de inicio de seu cumprimento nao seja suficiente para 0 caso concreto, podendo 0 juiz, nesta hipotese, valer-se do § 312

do art. 33 do ja referido estatuto p~nal, com 0 escopo de impor regime mais rigoroso.

Suponhamos que alguem tenha sido condenado a uma: pena privativa de liberdade de oito anos de reclusao. 0 juiz, observando a culpabilidade do agente, ou seja, 0 juizo de censura que devera recair sobre 0 injusto por ele cometido, podera deixar de lado 0 regime objetivamente fixado pela lei, vale dizer, 0 regime semi-aberto, e, justificadamente, determinar 0 inicio de seu cumprimento em regime fechado, sob 0 argumento de que 0 regime legal, is to e, aquele previsto de forma objetiva pela lei penal, nao e suficiente para fins de atender as func;oes da pena, vale repetir, reprovar e prevenir.

Tambem preconizava Beccaria:

Para que a pena nao seja a violencia de urn ou de muitos contra 0

cidadao particular, devera ser essencialmente publica, rap ida, necessaria, a minima dentre as possiveis, nas dadas circunstancias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei. 63

Pena suficiente, portanto, sera aquela que, quantitativamente, melhor representar as func;oes de reprovar e prevenir os crimes, na~ podendo, outrossim, ficar alem, ou mesmo aquem, das exigencias do fato praticado pelo agente.

62 TAVARES, Juarez. Criterios de seleQiio de crimes e cominag8.o de penas. Revista Brasileira de Ciencias Criminais, p. 84. 63 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 139.

_._._---._-------------.-103 DlREITO PENAL DO EQUILfBRIO:

UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Ferrajoli, demonstrando sua preocupa~ab com a quantidade maxima de pena a ser aplicada, disserta: ...

Penso que a dura~ao maxima da pena privativa de liberdade, qualquer que seja 0 delito cometido, poderia muito bern reduzir-se, a curto prazo, a dez anos e, a medio prazo, a urn tempo ainda menor; e que urna norma constitucional deveria sancionar urn limite maximo, digamos, de dez anos. Uma redu~ao deste genero suporia urna atenua~ao nao so quantitativa, senao tambem qualitativa da pena, dado que a ideia de retornar a liberdade depois de urn breve e nao apos urn longo ou urn talvez interminavel periodo tornariasem duvida mais toleravel e menos alienante a reclusao.64

Podemos concluir esclarecendo ser a pena necessaria aquela que, qualitativamente, mais atende as fun~6es de reprovar e prevenir 0 crime, ao passo que pena suficiente estaria intimamente ligada a quantidade da san~ao aplicada ao agente que praticou a infra~ao penal.

5.8. PRINciPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL Ancorado no principio da dignidade da pessoa hurnana, 0 principio da

responsabilidade pessoal, conhecido tambem como principio da pessoalidade ou da intranscendencia da pena, determina que nenhuma pena podera ultrapassar a pessoa do condenado.

Aduz Luiz Luisi: E principio pacifico do Direito Penal das na~6es civilizadas que a pena ~ode atingir apenas 0 sentenciado. Praticam~nte em todas as nossas Constitui~6es esta disposto que nenhuma pena passara da pessoa do delinqiiente. A vigente Carta Magna con~m essa norma no inciso .XLV do art. 52.: 'Nenhuma pena pa~sara da pessoa do conde!lado [ ... J'. AQ contrario do ocorrido no direito pre-beccariano a pena nao pode se estender a pessoas estranhas ao delito, ainda que vinculadas ao condenado por la~os de parentesco ou sangue.65

A historia do Direito Penal demonstra que, em passado nao muito distante, as penas nao somente atingiam 0 autor da infra~ao p'enal, como tambem a sua familia, 0 seu cla, 0 grupo social em que estava inserido; enfim, todos eram responsabilizados pelo comportamento daquele que a havia praticado.

Exemplo classico dessa afirma~ao foi a decisao proferida contra Tiradentes, em 18/4/1792, conforme trecho extraido do acordao, verbis:

64 FERRAJOU, Luigi. Direito e razao, p. 332. 65 LUISI, Luiz. as princfpios constitucionais penais, p. 36.

104 PRINctplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILtORIO

Portanto, condemnam 0 Reu Joaquim Jose da Silva Xavier por alcunha Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com bra~o e pregao seja conduzido pelas mas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto the seja cortada a cabe~a e levada a Villa Rica aonde em 0 lugar mais publico della sera pregada, em urn poste alto ate que o tempo a consurna, e 0 seu corpo sera dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de' Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde 0 Reu teve as suas· infames praticas, e os mais nos sitios dos sitios (sic) de maiores povoa~6es ate que 0 tempo tambem os consuma; declaram 0 reu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para 0 Fisco e Camara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica sera arras ada e salgada, para que nunca mais no chao se edifique, e nao sendo propria sera avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chao se levantara urn padrao, pelo qual se conserve na memoria a infamia deste abominavel Reu.66

Conforme se percebe pela reda~ao do acordao, nao somente 0 reu Tiradentes foi declarado infame, como tambem seus filhos e netos, havendo, pois, formalmente, ultrapassado a sua pessoa, vindo a atingir a pessoa de terceiros.

Tal principio, de foro constitucional, impede, a primeira vista, que a pena seja aplicada ou curnprida por quem nao praticou a infra~ao penal.

Zaffaroni, dissertando sobre 0 pr;incipio em questao, afirma: Nunca se pode interpretar utna lei penal no sentido de que a pena transcenda a pessoa que e autora ou participe do delito. A pena e uma medida de carater estritamente pessoal, como e tambem uma ingerencia ressocializadora sobre 0 condenado.67

A nossa Lei Maior, abrigando expressamente 0 princlplO da responsabilidade pessoal, assevera no inciso XLV do seu art. 52:'

nenhuma pena passara da pessoa do condenado, podendo a obrigafiio de reparar 0 dano e a decretafiio do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas ads sucessores e contra eles executadas, ate 0 limite do valor do patrimonio transferido. :.

Em que pese a for~a da determina~ao constitucional, podemos analisar o principio sob dois enfoques diferentes. Inicialmente, sob 0 aspecto informal, o principio perde a sua natureza absoluta, pois sabemos que quando alguem e condenado, segregado temporariamente do convivio familiar, a pena estende

66 Apud Dam, Rene Ariel. Casos criminais celebres, p. 27. 67 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de derecho penal - Parte general, p. 138.

DIREITO PENAL DO EQUILtORIO: 105 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

o seu raio de a<;ao aquelas pessoas que, emborCi nao tivessem praticado 0

delito, sentem a for<;a da san<;ao penal em razao da separa<;ao daquele que, por exemplo, mantinha a subsistencia da famIlia. Nao somente 0 lado financeiro de uma segrega<;ao parcial da liberdade de alguem afeta seus familiares. Os parentes, de forma geral, mesmo sem qualquer rela<;ao de dependencia financeira com aquele que praticou a infra<;ao penal, sofrem emocionalmente com sua prisao. Seus filhos ja nao tem com quem brincar, ja nao contam com sua presen<;a na safda da ,esc9la e, 0 que e pior, passam tambem a ser estigmatizados por uma condena<;ao que nao foi a deles. Normalmente, as esposas de condenados que cumprem penas sao tratadas como prostitutas; suas maes, desprezadas pelo fato de terem gerado um "criminoso", sao ac~sadas de nao 0 terem educado. Enfim, a pena ultrapassa, em muito, a pessoa do condenado quando analisada informalmente.

o segundo enfoque do principio evidencia a sua natureza formal, ou seja, podemos nos fazer a seguinte indaga<;ao: Sob 0 aspecto formal, a pena podeni ultrapassar a pessoa do condenado?

Para que a resposta a essa indaga<;ao seja a mais precisa possivel, devemos desdobni-Ia para que a analisemos de acordo com as penas cominadas na lei penal, a saber: privativas de liberdade, restritivas de direito e multa. /

Por razoes 6bvias, quanta as penas privativas de liberdade, a resposta s6 pode ser negativa, ou seja, ninguem podera cumprir uma pena privativa de liberdade no lugar daquele que praticou a infra<;ao penal. 0 mesmo raciocinio se aplica as penas restritivas de direitos, a exce<;ao daquelas de natureza pecuniana, pois, como adverte Ferrajoli,68 0 principio perde a sua natureza absoluta quando ele esta diante de san<;oes que importem em pecunia, como e o caso da presta<;ao pecuniciria, pena restritiva de direitos prevista pelo art. 43, I, do C6digo Penal.

Criticando a ado<;ao da pena pecuniana, Luigi Ferrajoli adverte: A pena pecuniana e urna pena aberrante sob vanos pontos de vista. Sobretudo porque e uma pena· impessoal, que qualquer urn pode saldar, de forma que resulta duplamente injusta: em rela<;ao ao reu, que nao a quita e se subtrai, assim, a pena; em rela<;ao ao terceiro, parente ou amigo, que paga e fica assim submetido a uma pena por urn fato alheio.69

Nesse sentido, tambem s~o as li<;oes de Jose Antonio Paganella Boschi: A despeito do principio, e inegavel que os efeitos da condena<;ao se projetam retlexamente sobre terceiros inocentes, muitas vezes

68 FERRAJOU, Luigi. Direito e razao, p.334. 69 FERRAJOU, Luigi. Direito e razao, p. 334.

106 PRINC(PlOS FUNDAMBNTAIS DO DlRBITO PBNAL DO BQUlL(BRlO

irreversivelmente. E 0 que acontece, por exemplo, quando os pais efetuam 0 pagamento das multas impostas aos filhos [ ... ] ou entao quando a empresa - e seus s6cios - recolhem as san<;oes impostas aos seus diretores, gerentes ou administradores, por condena<;oes em crimes economicos.70

Concluindo, se observada informalmente, a pena transcende, ultrapassa a pessoa do condenado, vindo a atingir aquelas pessoas que lhe sao pr6ximas _ amigos, parentes etc. -, que sofrem moral, emocional e economicamente com a sua condena<;ao. Sob 0 aspecto formal, entendido aqui no sentido de efetivo cumprimento da pena, a regra da intranscendencia nao e absoluta, pois que, quando estivermos diante de penas pecunianas - multas ou presta<;oes pecunicirias -, nada garante que sua intli<;ao desfalque 0 patrimonio do condenado, podendo outras pessoas levar a efeito 0 pagamento. ~

5.9. PRINCiPIO DA LIMITACAO DASPENAS Ao iniciarmos a analise do principio da limita<;ao da penas, merece ser

lembrada a li<;ao de Ferrajoli que, com precisao, afirma: a hist6ria das penas e, se~ duvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a pr6pria hist6ria dos delitos: porque mais crueis e talvez mais numerosas do que as violencias produzidas pelos delitos tem sido as produzidas pelas penas e porque, enquanto 0

delito costurna ser a violencia ocasional e as vezes impulsiva e necessaria, a violencia imposta por meio da pena e sempre programada, consciente, organizada por muitos contra urn.71

1\.0 estudarmos 0 t6pico referente ao criterio de sele<;ao dos bens ju.ddico-penais e a cria<;ao tipica, dissemos que a Constitui<;ao funciona como limite negativo ou como limite positivo do Direito Penal.

Tendo em vista que 0 nosso t6pico diz respeito ao principio da limita<;ao das penas, analisaremos, neste momento, somente a vertente relativa a Constitui<;ao como limite negativo do Direito Penal. Para tanto, merece ser colacionada a li<;ao de Ianafna Concei<;ao Paschoal:

U ma das possiveis formas de relacionar 0 Direito Penal e a Constitui<;ao e tomando esta como limite negativo daquele. Importa dizer que toda criminaliza<;ao que nao desrespeite frontalmente 0

texto constitucional sera admitida, ainda que 0 valor (ou bem) tutelado nao esteja albergado na Constitui<;ao, significando que, nessa concep<;ao, nao se exige para a criminaliza<;ao que a

70 BOSCHI, Jose Antonio Paganella. Das penas e seus criterios de ap/icac;ao, p. 58. 71 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 310.

DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DlRBITO PENAL

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Constitui~ao tenha reconhecido a digniqade do bern a ser protegido pelo Direito Penal. Ou seja, para os partidarios da limita~ao negativa, 0 Estado pode tipificar condutas atentat6rias a valores que nao tenham sido reconhecidos pela Constitui~ao, desde que tal incrimina~ao nao fira os valores constitucionais. Tomando-se como base a legisla~ao nacional, tem-se que, sob essa perspectiva de limite negativo, 0 legislador ordinario nao poderia (como nao pode) criminalizar a conduta de associar-se para fins licitos, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade.72

A nossa Constitui~ao Federal funcionando, efetivamente, como limitadora negativa, com fundamento no principio da dignidade da pessoa humana, no inciso XLVII do art. SQ, diz:

Niio haverd penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de cardter perpetuo; c) de trabalhos forrados; d) de banimento; e) crueis.

Percebe-se, pela reda~ao trazida a cola~ao,que a Constitui~ao funciona nao somente como limite negativo no que diz respeito a. tipifica~ao de comportamentos, isto e, quanto a proibi~ao de condutas que sejam permitidas pela Lei Maior, c~mo tambem no que diz respeito ao preceito secundario do tipo penal incriminador, lugar destinado a comina~ao das penas.

Todas as proibi~6es para fins de comina~ao de penas giram em tomo do principio da dignidade da pessoa humana, tambem reconhecido expressamente pelo inciso III do art. 1 Q, constituindo-se um dos fundamentos da Republica Federativa do Brasil.

Conforme preconiza Nilo Batista, a pena nem 'visa a sofrer 0 condenado', como observou Fragoso, nem pode desconhecer 0 reu enquanto pessoa humana, como assinala Zaffaroni, e esse e 0 fundamento do principio da humanidade. Nao por acaso, os documentos intemacionais consideram desumanas as penas como aquela executada em Damiens. 0 principio pertence a politica criminal, porem e proclamado por varios ordenamentos juridicos ·positivos. Entre n6s, esta 0 principio da humanidade reconhecido explicitamente pela Constitui~ao, nos incisos III

72 PASCHOAl, Janafna Concei~ao. Constituir;a,o, criminalizat;ao e direito penal mlnimo, p. 55.

108 PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUlLfBRIO

r (proibi~ao de tortura e tratamento cruel ou degradante), XLVI (individualiza~ao - ou seja, 'proporcionaliza~ao' - da pena) e XLVII (proibi~ao de penas de morte, crueis ou perpetuas) do art. SQ CR. 73

Cobo del Rosal e Vives Ant6n, dissertando sobre 0 principio da humanidade das penas, esclarecem:

A qualifica~ao de uma pena como des umana ou degradante depende da execu~ao da pena e das modalidades que esta se reveste, de modo que por sua pr6pria natureza a pena 'nao ocasione sofrimentos de uma especial intensidade (penas desumanas) ou provoquem uma humilha~ao ou sensa~ao de aviltamento [ ... ].74

No mesmo sentido, aduz Ferrajoli: Acima de qualquer argumento utilitcirio, 0 valor da pessoa humana imp6e uma limita~ao fundamental em rela~ao a qualidade e a quantidade da pena. E este 0 valor sobre 0 qual se funda, irredutivelmente, 0 recha~o da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisao perpetua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. Devo acrescentar que este argumento tern urn carater politico, alem de moral: serve para fundar a legitimidade do Estado unicamente nas fun~6es de tutela da vida e os demais direitos fundamentais; de sorte que, a partir daf, um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadao nao s6 perde qualquer legitimidade, senao que contradiz sua razao de ser, colocando-se no myel dos mesmos delinqiientes.75

Portanto, entendida a norma' tonstitucional em estudo como limite negativo ao Direito Penal, bern como considerando que tal limite negativo e derivado do principio da dignidade da pessoa humana, analisaremos, rapidamente, cada uma dessas proibi~6es, em especie.

S.9.1.Da pena de morte o Proto colo a Conven~ao Americana sobre Direitos Humanos referente

a Aboli~ao da Pena de Morte, aprovado em Assun~ao, no Paraguai, em 8 d~ junho de 1990, resume, com felicidade, em seu preambulo, os motivos pelo~ quais se deve abolir, por completo, a pena de morte, considerando:

Que 0 art. 4 da Convenroo Americana sobre Direitos Humanos reconhece 0 direito a" vida e restringe a aplicariio da pena de morte;

73 BATISTA, Nilo.lntrodur;a,o crftica ao direito penal, p. 99-100. 74 COBO DEL ROSAL, Manuel; VIVES ANT6N, Tomas S. Derecho penal - Parte general, p. 100. 75 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 318.

DIREITO PENAL DO EQUlLfBRIO: UMA VlSAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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Que toda pessoa tem 0 direito inalienavel de que se respeite sua vida, niio podendo este direito ser suspenso por motivo algum; Que a tendencia dos Estados americanos e favoravel a abolir;iio da pena de morte; Que a aplicar;iio da pena de morte produz conseqilencias irreparaveis que impedem sanar 0 erro judicial e -eliminarrz qualquer possibilidade de emenda e de reabilitar;iio do processado; Que a abolir;iio da pena de morte contribui para assegurar proter;iio mais efetiva do direito a vida; Que e necessario chegar a acordo internacional que represente um desenvolvimento progressivo na Convenr;iio Americana sobre Direitos Humanos; Que Estados-partes na Convenr;iio Americana sobre Direitos Humanos expressaram seu proposito de se comprometer mediante acordo internacional a Jim de consolidar a pratica da niio aplicar;iio da pena de morte no continente americano [ ... J.

{ . De todas essas considerac;oes, merece destaque aquela que dlZ que a

pena de morte produz conseqiiencias irrepaniveis que impedem sanar 0 erro judiciario e eliminam qualquer possibilidade de emenda e de reabilitac;ao, haja vista que, nesta Ultima parte, a pena de morte, alem de contrastar com 0

principio da dignidade da pessoa humana, contraria as func;oes preventivas ~tribuidas a pena, principalmente no que diz respeito a ressocializac;ao do

. condenado. Garrido, Stangeland e Redondo colo cam a descoberto a falacia do

discurso da pena de morte, fornecendo dados importantes a esse respeito, tendo como paradigma os Estados Unidos daAmerica do Norte:

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Nos Estados Unidos, em alguns dos seus estados onde se aplica a pena de morte, se tern efetuado diversos estudos em torno da efetividade dissuas6ria desta pena. Para isso, os investigadores tern comparado estados que aplicam a pena de morte com outros que nao ja contemplam, com a finalidade de avaliar se a delinqiiencia violenta nos prime~os e menos grave que nos segundos. Outra metodologia utilizada na America do Norte tern sido comparar a taxa de assassinatos antes e depois da abolic;ao da pena de morte naqueles estados que a suprimiram. Os resultados destas investigac;oes norte-americanas nao tern confirmado a predic;ao

PRINCfpIOS PUNDAMENTAIS DO D1REITOPENAL DO EQUlLfBRIO

te6rica da dissuasao: quer exista ou nao a pena de morte, nao parece ter efeito algum sobre as taxas de homicidios.76

Nos tennos preconizados pela Constituic;ao Federal, no Brasil a pena de morte somente podera ser aplicada nos casos de guerra dec1arada, nos tennos do art. 84, XIX, sendo sua execuc;ao por fuzilamento, confonne 0 art. 56 do C6digo Penal Militar, verbis: Art. 56. A pena de morte e executada por fuziiamento.

S.9.2.Da pena de carater perpetuo A liberdade e urn direito inato ao ser humano. 0 homem nasceu para ser

livre, para ficar livre. A pena privativa de liberdade, por questoes de necessidade, por ausencia de alternativas para 0 caso concreto, limita urn direito do ser humano previsto constitucionalmente.

Se, em muitas ocasioes, a pena privativa de liberdade e urn mal necessario, ate mesmo essa necessidade deve encontrar limites. Se a pena pretende atingir seus objetivos previstos na parte final do art. 59 do C6digo Penal, ou seja, ser necessaria e suficiente para a reprovac;ao e prevenc;ao do crime, deve nao somente retribuir 0 mal praticado pelo agente que cometeu 0

delito, mas voltar-se para 0 futuro, com 0 fim de fazer com que seja novamente inserido no convivio em sociedade.

Jose Antonio Paganella Boschi, sobre 0 tema, afirma: A proibic;ao de imposic;ao de penas de carater perpetllo, ate 0 fim dos

. dias, guarda correspondencia com a ideia de que a pena, aMm da func;ao retributiva, deve ser instrumento de reconstruc;ao moral do individuo, de modo a despertar 0 desejo de reinserc;ao na sociedade livre. 77

o Estado deve procurar acenar-lhe com a esperanc;a do retorno a sua familia, aos seus arnigos, ao seu trabalho enfim, fazer com que, efetivamente, traga consigo a esperanc;a por dias melhores, fora do carcere.

Nao somente as penas de carater perpetuo sao ofensivas ao principio da dignidade da pessoa humana, como tambem aquelas de longa durac;ao. 0 art. 75 do C6digo Penal preve 0 limite de 30 anos como 0 tempo maximo para 0

efetivo cumprimento da pena, razao pela qual, quando 0 agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 anos, devem elas ser unificadas para atender a esse limite.

Ferrajoli, discorrendo sobre 0 limite maximo das penas privativas de liberdade, questiona:

76 GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Princfpios de crimin%gia, p. 194-195. n BOSCHI, Jose Antonio Paganella. Das penas e seus criterios de ap/icayao, p. 152.

D1REITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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Qual poderia ser, numa perspectiva de rrunlmizac;ao da pena, a durac;ao maxima da pena de prisao? 'Nenhuma pena privativa de liberdade', escreveu Vittorio Foa, em 1949, poucos anos depois da sua longa permanencia nas pris6es fascistas, 'deveria superar os tres ou, no maximo,os cinco anos'; e, pouco antes, na Assembleia Constituinte, Umberto Tarracini, que tambem tinha passado na prisao os vinte anos de fascismo, tinha proposto que a durac;ao da reclusao nao superasse 0 limite de quinze anos. Penso que a durac;ao maxima da pena privativa de liberdade, qualquer que seja 0 delito cometido, poderia muito bern reduzir-se, a curto prazo, a dez anos e, a medio prazo, a urn tempo ainda menor; e que uma norma constitucional deveria sancionar urn limite maximo, digamos, de dez anos. Uma reduc;ao deste genero suporia uma atenuac;ao nao s6 quantitativa, senao tambem qualitativa da pena, dado que a ideia de retornar a liberdade depois de urn breve e nao ap6s urn longo ou urn talvez interminavel periodo tornaria sem duvida mais toleravel e menos alienante a reclusao.78

Embora essa seja a tendencia daqueles que procuram observar a todo custo 0 principio da dignidade da pessoa humana, nossos legisladores, geralmente adeptos do movimento de lei e ordem, procuram trllhar caminho completamente oposto, pugnando pelo aumento do tempo mclximo permitido para 0 efetivo ctimprimento da pena, elevando-o, como querem, para 40 anos.

Caso venc;a esse raciocinio de Direito Penal Maximo, tipico do discurso simb6lico, se alguem vier a ser condenado no primeiro ano de sua maturidade penal, ou seja, aos 18anos completos, se'vier a cumprir integralmente sua pena, somente devera sair do sistema carcerario quando completar 58 anos ~e idade. Tera decorrido uma gerac;ao inteira, ate que volte, se e que iSBO e possivel, ao conVivio social.

Desta forma, nao somente as penas de carater perpetuo repugnam 0

pensamento humanitcirio, como tamberri aquelas excessivamente longas, conforme bern salientou Ferrajoli.

S.9.3.Da pen a de trabalhos for~ados Quando a Constituic;ao profbe as chamadas "penas de trabalhos

f()fc;ados", nao quer dizer, com essa expressao, que 0 preso nao esta obrigado ao trabalho. Apenas, de acordo com 0 principio da dignidade da pessoa humana, veda a cominac;ao e a aplicac;ao de penas que aviltem a pessoa do

78FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 332.

PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

condenado, como forc;a-Io a trabalhar com bolas de ferro presas aos pes, recebendo chicotadas caso nao cumpra 0 servic;o a contento, etc.

A Convenc;ao n. 29, da Organizac;ao Intemacional do Trabalho (OIT), de 28 de junho de 1930, esclarece 0 sentido da expressao trabalho for~ado, dizendo, em seu art. 2Q: .

Art. 2'1. Para fins da presente Conven~iio 0 termo 'trabalho for~ado ou obrigat6rio' designara todo 0 trabalho ou servi~o exigido a um individuo sob amear;a de qualquer castigo e para o qual 0 dito individuo niio se tenha oferecido de livre vontade.

As Regras Minimas para 0 Tratamento de Prisioneiros, adotadas pelo 1Q Congresso nas Na~oes Unidas sobre a Preven~iio do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955, nos itens 71.1 e 71.2, determinam 0 seguinte:

1. 0 trabalho na prisiio niio deve ser penoso. 2. Todos os presos condenados deveriio trabalhar, em conformidade com as suas aptidoes ftsica e mental, de acordo com a determina~iio do medico.

A Lei de Execuc;ao Penal assevera que 0 trabalho nao somente e urn direito, mas tambem urn dever do condenado, inclusive de natureza social.

Os arts. 28, caput, 39, Ve 41, II da Lei nQ 7.210/84, dizem, respectivamente:

Art. 28. 0 trabalho do condenado, como dever social e condi~iio de dignidade humana, tera finalidade educativa

}

e produtiva. Art. 39. Constituem deveres do condenado: V - execu~iio do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas. Art. 41. Constituem direitos do preso: II - atribui~ao de trabalho e sua remunerar;iio.

Mirabete, comentando sobre trabalho penitencicirio, preleciona: A concepc;ao do trabalho penitencicirio seguiu historicamente a evoluc;ao experimentada na conceituac;ao. da pena privativa d~. liberdade. Inicialmente, estava ele vinculado a ideia de vinganc;a e castigo e manteve essas caracteristicas como forma mais grave e aflitiva de cumprir a pena na prisao. Mesmo depois, encontrando-se na atividade laborativa do preso um~ fdnte de produc;ao para 0

Estado, 0 trabalho foi utilizado nesse sentido, dentro das tendencias utilitcirias dos sistemas penais e penitencicirios. Hoje, porem, estao totalmente superadas as fases em que se utilizava a pena das gales, dos trabalhos forc;ados, como 0 shot-drill (transporte de bolas de ferro, pedras e areia) , 0 tread-mill (moinho de roda) , 0 crank (voltas de

DlREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

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manivela), etc. Na moderna concepc;ao penitencitiria, 0 momento da execuc;ao da pena contem uma fuiaIidade reabilitadora ou de reinserc;ao social, assinalando-se 0 sentido pedag6gico do traballio. Entende-se hoje por traballio penitenciario a atividade dos presos e internados, no estabelecimento penal ou fora dele, com remunerac;ao eqilitativa e equiparado ao das pessoas livres no concernente a seguranc;a, higiene e direitos previdenciarios e sociaiS?9

Dessa forma, .. em que pese a evidente superioridade da Carta Constitucional sobre a Lei de Execuc;ao Penal, os artigos mencionados nao sao incompativeis entre si. 0 traballio demonstra que 0 condenado esta preocupado em ser reinserido na sociedade produtiva, devendo ser frisado, pbr oportuno, que ainda teni direito a remic;ao de sua pena, na proporc;ao de tres por urn, ou seja, tres dias de traballio para urn dia de pena remida, enquanto a sua recusa em traballiar demonstrara a sua falta de aptidao ao retorno a sociedade.

S.9.4.Da pena de banimento A pena de banimento,· quando admitida em nosso ordenamento

juridico, era uma forma simples e comoda de livrar-se daqueles que pensavam de maneira diferente, que buscavarh. discutir suas ideias, tidas como revolucionarias, como acontecia com os chamados Atos Institucionais, a ex~mplo do AI n. 13, de 6 de setembro de 1969, que estabelecia 0 banimento de brasileiro que comprovadamente se tornar inconveniente, nocivo ou perigoso it Seguranr;a Nacional.

Indo urn pouco mais ao passado, a familia imperial, logo ap6s 0 advento da Republica, em 1889, tambem foi vitima do banimento, tendo sido expulsa do territ6rio nacional.

Conforme nos esc1arece Jose Antonio Paganella Boschi, a pena de banimento foi largamente aplicada em Portugal, conhe'cida pelo nome de deportac;ao, degredo ou desterro, implicando despacho do condenado para 0 Brasil ou para as Colonias da Africa. o C6digo Criminal de 1830 dispunha sobre essa especie de pena no art. 50; no art. 51, sobre a de degredo; e, no art. 52, sobre a de desterro, tendo sido s6 a primeira reiterada pelo C6digo de 1890 (art. 46), ate ser abol~da, logo ap6s, pela Constituic;ao de 1891 (art. 72, § 20).

Essas penas tinham em comum a forc;a de produzir 0 compuls6rio afastamento do condenado do lugar onde vivia, afetando, pois, 0

79 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execucao penal, p. 87.

114 PRINCfpIOS FUNDAMBNTAIS DO DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO

dire ito de ir, vir e ficar, que tern hoje no habeas corpus (art. 5Q, inciso

LXVIII), como ac;ao constitucional de liberdade, seu mais eficaz instrumento de protec;ao.80

Com a proibic;ao do banimento, a Constituic;ao Federal preserva 0

dire ito a diferenc;a, garante a liberdade de manifestac;ao do pensamento e de critica, mantem inviolavel a liberdade de consciencia e de crenc;a, impede que alguem seja privado de seus direitos por motivo de crenc;a religiosa ou de convicc;ao filos6fica ou politica, assegura a liberdade de . expressao nas atividades intelectuais, artisticas, cientificas, de comunicac;ao enfim, resguarda, por mais uma vez, a dignidade da pes so a humana.

S.9.S.Das penas crueis A hist6ria das penas e, verdadeiramente, uma hist6ria €I.e horrores.

Parece que 0 homem sente prazer em ver 0 sofrimento de seu semelhante. Em urn passado nao muito distante, as execuc;oes eram espetaculos a .que as multidoes assistiam e deliravam com os gritos do condenado e com a habilidade do carrasco em faze-Io sofrer 0 maximo possivel.

Dissertando sobre 0 suplicio, dizia Michel Foucault:

Que e urn suplicio? Pena corporal, dolorosa,mais ou menos atroz (dizia Jaucourt); e acrescentava: 'e urn fenomeno inexplicavel a extensao da imaginac;ao dos homens para a barbarie e a crueldade'. [ ... ] . A morte-supli~io e a arte de reter a vida no sofrimento, subdividida em 'mil mortes', e obtendo, antes de cessar a existencia, the most exquisite agt;Jnies. 0 suplicio repousa' na arte quantitativa do sofrimento~ Mas nao e s6: esta produc;ao e regulada. 0 suplicio faz correlacionar 0 tipo de ferimento fisico, a qualidade, a intensidade, 0

tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, 0 myel social de suas vitimas. Ha urn c6digo juridico da dor; a pena, quando e supliciante, nao se abate sobre 0 corpo ao acaso ou em bloco; ela e calculada de acordo com regras detalliadas: numero de golpes de ac;oite, localizac;ao do ferrete em brasa, tempo de agonia na fogueira ou na roda (0 tribunal decide se e 0 caso de estrangular 0 paciente imediatamente, em vez de deixa-Io m()rrer, e ao tim de quanto tempo esse gest:o de piedade deve intervir), tipo de mutilac;ao a impor (mao decepada, labios ou lingua furados).81

80 BOSCHI, Jose Antonio Paganella. Das penas e seus criterios de aplica(;iio, p. 150. 81 FOUCAULT, Michel. Vigiarepunir, p. 31.

DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO: UMA VI sAo MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL

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Durante 0 periodo ilurninista, vozes abalizadas se levantararn contra a crueldade das penas, ecoando por todas as na«;6es civilizadas. Beccaria, corn precisao incrivel, criticando a crueldade das penas e a sua ineficacia no combate as infra«;6es penais, dizia:

Urn dos maiores freios dos delitos nao e a crueldade das penas, mas sua infalibilidade e, como conseqiiencia, a vigilancia dos magistrados e a severidade de urn juiz inexoravel que, para ser urna virtude util, deve ser acompanhada de uma legisla«;ao branda. A certeza de urn castigo, mesmo moderado, sempre causara mais intensa impressao do que 0 temor de outro mais severo, unido a esperan«;a da impunidade, pois, os males, mesmo os menores, quando certos, sempre surpreendem os espiritos humanos, enquanto a esperan«;a, dom celestial que freqiientemente tudo supre ern nos, afasta a ideia de males piores, principa1rnente quando a impunidade, outorgada muitas vezes pela avareza e pela fraqueza, fortalece-lhe a for«;a. A propria atrocidade da pena faz corn que tentemos evita-Ia corn audacia tanto maior quanta maior e 0 mal e leva a cometer mais delitos para escapar a pena de urn SO.82

Se as penas mencionadas anteriormente - morte, prisao perpetua, banimento e trabalhos for«;ados - sao ofensivas ao principio da dignidade humana, que dira urna pena cruel que traga urn sofrimento insuportavel ao condenado.

Politicos' de ocasiao, que costurnam manipular a popula«;ao corn o. discurso do Direito Penal, a todo instante apregoarn a necessidade de penas mais graves, a ~xemplo da castra«;ao para: estupradores, como se isso fosse possivel, levando ern considera«;ao a nossa Constitui«;ao Federal, que proibe, mediante urna clausula petrea, a implementa«;ao de penas crueis.

Contudo,. embora forma1rnente nao se possa cominar penas dessa natureza, informaIrnente sabemos que a pena privativa de liberdade, mesmo que prevista regularrnente tanto ern nossa Constitui«;ao como na legisla«;ao que the e inferior, ern muitas sittia«;6es, deve ser considerada como cruel, pois que os condenados, jogados ern uma cela fetida, sem luz, sem as minimas condi«;6es de higiene, sem privacidade, dorrnindo ern pe por faltar-lhes espa«;o, sao tratados como verdadeiros animais, sendo que 0 Estado, ainda assim, nutre esperan«;as na recupera«;ao deles.

Enfirn, as penas crueis, que procurarn trazer sofrimentos excessivos ao condenado, . atingem frontalmente 0 principio da dignidade da pessoa hurnana, razao pela qual nao podem ser toleradas ern nosso sistema penal.

82 BECCARIA, Cesare. Dos de/itos e das penas, p. 87.

116 PRINctplOS FUNDAMBNTAIS DO DIRBITO PBNAL DO BQUILtBRIO

5.10.PRINCiPIO DA CULPABILIDADE Antes de analisarmos especificarnente 0 principio da culpabilidade, corn

suas tres vertentes fundarnentais, e preciso esclarecer que a culpabilidade e comumente conceituada como 0 juizo de censura que recai sobre a conduta tipica e ilicita praticada pelo agente. Contudo, 0 que vern a ser esse charnado juizo de censura, que corresponde ao conceito de culpabilidade?

Podemos raciocinar corn do is enfoques <;liferentes sobre esse juizo de censura. Primeirarnente, urn enfoque de natureza interna, realizado pelo proprio agente que praticou a infra«;ao penal; segundo, sob urn enfoque externo, a ser levado a efeito pelo aplicador da lei.

Sob 0 enfoque do agente, esse juizo de censura seria aquela situa«;ao ern que 0 proprio agente teria 0 sentirnento de reprovabilidade do comportarnento por ele praticado. Podemos dizer· que 0 agente estaria acometido de urn sentirnento de culpa, de reprova«;ao interna, por ter praticado a infra«;ao penal.

Contudo, sabemos que ern muitas ocasiOes, ao inves desse sentimento de culpa, 0 agente passa a acreditar que 0 seu comportarnento criminoso e completarnente normal, sendo, inclusive, ern muitas situa«;6es, ate mesmo louvavel.

Pense-se, como exemplo, nos charnados justiceiros, ou seja, aquelas pessoas contratadas por deterrninada comunidade que, ern face da ausencia do Estado, paga-lhes para que tenharn alguma prote«;ao, evitando a pratica de crimes. Quando alguma infra«;ao penal e cometida, 0 justiceiro investiga, processa e condena 0 agente amoqe. A execu«;ao do suposto meliante e entendida corn urn sentirnento de dever cumprido. A sua consciencia nao 0

reprova por ter tirado a vida de urn semelhante, pois, na verdade, entende que a sociedade deve agradecer-lhe por ter elirninado urn sujeito que nada acrescentava, mas sirn atormentava 0 convivio social.

Tais sentimentos sao tratados pela crirninologia por meio das charnadas tecnicas de neutraliza«;ao, de auto ria de Sykes e Matza. Dissertando sobre as tecnicas de neutraliza«;ao, Garrido, Stangeland e Redondo asseverarn:

Dado que a maioria dos jovens nao recha«;a frontalmente as norma,~ sociais convencionais, quando as transgridem podem recorrer a um'a serie de mecanismos de neutra1iza«;ao ou exculpa«;ao. Todos nos utilizarnos estas estrategias para justificar nossa conduta e para permitirmos que, ern certas circunstancias, conduta e normas sigarn por carninhos diferentes.83

As tecnicas de neutra1iza«;ao mais comuns citadas pelos renomados crirninologos sao as seguintes:

83 GARRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO; Santiago. Princfpios de criminologia, p. 216.

DIRBITO PBNAL DO BQUILfBRIO: 117 UMA vIsAo MINlMALISTA DO DIRBITO PBNAL

• nega<;ao da responsabilidade; • nega<;ao do delito; • nega<;ao da vitima, ou seja, sua desqualifica<;ao; • condena<;ao daqueles que condenam a a<;ao; • apela<;ao a lealdades devidas;

defesa da necessidade da conduta;

• defesa de urn valor; • nega<;ao da justi<;a oli d,a'necessidade da lei; • argumento de que "todo mundo faz"; • argumento de que "teria direito em faze-Io".

, , A vingar 0 conceito de juizo de· censura como aquele emitido pelo proprio agente praticante do injusto, 0 Direito Penal viveria 0 ca~s, pois que, nao raras vezes, como dito acima, infra<;oes graves ficariam impunes diante dessa ausencia de censura pessoal.

Se nao ha como aferir 0 juizo de censura por meio da otica do proprio agente, ou seja, mediante seu proprio' sentimento de reprovabilidade do comportamento por ele praticado, tal censura devera ser realizada externamente por alguem que tenha a possibilidade de verificar se a conduta tipica e ilicita levada a efeito e passiv;el de censura, sendo, pois, 0 juiz 0

responsavel por essa constata<;ao. Seguindo as li<;oes de Cezar Roberto Bitencourt,

a expressao juizo de censura empregada com 0 significado de censura, ou entao juizo de culpabilidade utilizado como. sinonimo de ·culpabilidade, tern conduzido a equivocos [ ... ] E preciso destacar, com efeito, que censurdvel e a conduta do agente, e significa caracteristica negativa da ayiio do agente perante a ordem juridica. E juizo de censura - estritamente falando - e a avalia<;ao que se faz da conduta do agente, concebendo-a como censuravel ou incensuravel. Essa avalia<;ao sim - juizo de censrna - e feita pelo aplicador da lei, pelo julgador da a<;ao; por essa razao se diz que esta na cabe<;a do juiz.84

Podemos conduir, COlli Carlos Creus, que "a dimensao subjetiva do ataque antijuridico punivel(culpabilidade) tern que estar reconhecida objetivalliente (fora da interioriza<;ao do sujeito, ainda que versando sobre seu conteudo) mediante urn juizo de urn terceiro (0 juiz) " .85

Uma vez entendido 0 juizo de censura, inerente ao conceito de culpabilidade,~·lfcit() afirmar que 0 princiPio da culpabilidade exerce papel de

84 BITIENCOURT, Cezar Roberto; MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do demo, p. 304. 85 CREUS, Carlos. Esquem~rde derechopena/- Parte general, p. 102.

118 PRINC(PIOS FUNDAMENTAlS DO DlREITO PENAL DO EQUlL(BRIO

fundamental importancia em uma concep<;ao minimalista do Direito Penal. So mente os fatos censuraveis, altamente reprovclveis, e que deverao merecer a aten<;ao do Direito Penal.

o principio do nullum crimen, nulla poena sine culpa impoe seja a culpabilidade analisada mediante tres enfoques distintos e, ao mesmo tempo, interiigados, a saber: a) culpabilidade como elemento integrante do conceito analitico de crime; b} como principio medidor da aplica<;ao da pena; e c} como principio que impede a chamada responsabilidade penal objetiva (sem culpa ou pelo resultado).

No que diz respeito a prime ira vertente do principio, vale dizer, a culpabilidade analisada como elemento indispensavel ao reconhecimento da infra<;ao penal, Roxin, acertadamente, afirma:

o injusto penal, quer dizer, uma conduta tipica e antijtiridica, naG e em si punivel. A qualifica<;ao como injusto expressa tao-somente que o fato realizado pelo autor e desaprovado pelo direito, mas nao 0

autoriza a conduir que aquele deva responder pessoalmente por isso, pois que esta questao deve ser decidida em urn terceiro nivel de valora<;ao: 0 da culpabilidade.86

Tambem nesse sentido conduia Mezger, dizendo: Delito e a a<;ao tipicamente antijuridica e culpavel. As caracteristicas 'a<;ao', 'antijuridicidade' e 'culpabilidade' se concebem aqui, antes de tudo, como determinadas situa~oes de fato sobre as quais recai 0 juizo do juiz e que, portanto, constituem pressupostos indispensaveis de dito juizo para a imposi<;ao da pena.87

Uma vez adotada a concep<;ao tripartida do conceito analitico de crime, somente conduimos pela existencia de uma infra<;ao penal quando estiverem presentes suas tres caracteristicas ou elementos indispensaveis, vale dizer, a tipicidade, a ilicituc.l~ e a culpabilidade. Cada uma dessas caracteristicas devera ser analisada nessa ordem, de modo que cada urna delas seja considerada como elemento necessario, logico e antecedente ao estudo do elemento seguinte. Quando 0 interprete esgotar 0 estudo dessas tres caracteristicas, conseqiientemente, tera tambem conduido pela existencia de uma infra<;ao penal.

Encontrando-se 0 juiz diante de urn caso concreto, uma vez aferida a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade do agente, e conduindo pela existencia da infra<;ao penal, devera dar inicio ao proximo passo. A condusao pela pratica da infra~ao penal 0 levara a condenaro agente; em seguida, dara inicio ao procedimento de aplica<;ao da pena.

86 ROXIN, ARTZ i TIEDMANN. Introducci6n al derecho penal y al derecho penal procesa/, p. 38. 87 MEZGER, Edmundo. Tratado de derecho penal, t. I, p. 163-164.

DlREITO PENAL DO EQUlL(BRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

119

Aqui, por mais uma vez, devera 0 julgador considerar a culpabilidade do agente. No primeiro momento, ou seja, quando concluiu pela existencia da infra«;ao penal, a culpabilidade foi avaliada em urn plano abstrato, se e que podemos assim nos referir, com a unica finalidade de se poder concluir se 0

injusto penal praticado era passivel de censura, permitindo a constata«;ao da existencia de uma infra«;ao penal.

Maurach e Zipf afirmam, com precisao: Em sua ~anifesta«;ao de justi«;a material, 0 principio do Estado de direito exige uma adequada rela«;ao entre delito e pena. Com a pena se reprova 0 autor por uma transgressao ao direito; isso pressupoe a reprovabilidade, quer dizer, culpabilidade. Uma pena sem culpabilidade seria assim 'uma represruia incompativel com 0 Estado de direito para urn fato pelo qual 0 autor nao tern porque responder.88

Agora, uma vez constatada a infra«;ao penal, ja estando 0 agente condenado pelo delito por ele selecionado e praticado, devera 0 juiz, por mais urna vez, fazer valer 0 seu juizo de censura. Nesse momento, isto e, quando da aplica«;ao da pena, o Estado podera valorar 0 grau de reprovabilidade do comportamento criminoso, tendo como "termometro" a culpabilidade do agente.

Se, naquele primeiro momento, afirmamos que a culpabilidade estava sendo analisada em urn plano abstrato, neste segundo momento, quando da aplica«;ao da pena, e que poderemos, realmente, valorar 0 juizo de reprova«;ao, mediante a pena aplicada aquele que cometeu a infra«;ao penal.

Neste segundo momento, 0 juizo de .culpabilidade sera utilizado como medidor da aplica«;ao da pena. As condu~as mais reprovaveis merecerao a aplica«;ao de uma penalidade maior; as menos censuraveis, a seu turno, receberao pena menor.

Francesco Palazzo, analisando 0 principio da culpabilidade como limitador da pena, adverte:

Acolher 0 principio da culpabilidade exclusivamente como limite da pena e proprio de urn sistema no qual a san«;ao encontra sua justifica«;ao na finalidade de preven«;ao do crime, respondendo a culpabilidade a exigencia de evitat que 0 Estado, na persecu«;ao da finalidade preventiva, abuse do seu poder punitivo, chegando, ate, a 'ferir' 0 respeito ao qual nao se poe nenhuma exigencia de irrogar a pena.89

o proprio Codigo Penal, em seu art. 59, determina que 0 juiz, ao fixar a pena-base, leve em considera«;ao, como urna das circunstancias judiciais, a culpabilidade do agente:

88 MAURACH, Reinhart; ZIPF, Heinz.Derechopenal- Parte general, v. I, p. 155. 89 PALAZZO, Francesco. Valores constitucionais e direito penaf, p. 53.

120 ----_ ... -----------------PRINCfpIOS FUNDAMENTAlS DO DlRElTO PENAL DO EQUILfBRIO

Art. 59. 0 JUlZ, atendendo it culpabilidade, aos antecedentes, it conduta social, it personalidade do agente, aos motivos, as circunstancias e consequencias do crime, bem como ao comportamento da vltima, estabelecera, conforme seja necessario e suficiente para a reprovafiio e prevem;iio do crime.

Nesse sentido, aduz Juan Cordoba Roda: Uma segunda exigencia que se deriva do principio da culpabilidade e a correspondencia ao criterio regulador da pena, conforme 0 juizo de que a pena nao deve ultrapassar 0 marco fixado pela culpabilidade da respectiva conduta.90

A Ultima das tres vertentes correspondentes ao principio da culpabilidade impede 0 reconhecimento da chamada responsabilidade penal sem culpa, tambem conhecida como responsabilidade objetiva ou responsabilidade pelo resultado.

Urn Direito Penal moderno, de cunho eminentemente subjetivista, nao pode aceitar que a responsabilidade penal por determinado fato seja imputada a alguem que nao atuou com .dolo ou culpa. A simples produ«;ao de urn resultado nao tern a for«;a de fazer com que 0 agente responda por ele.

Na esteira de Zaffaroni e Pierangeli, todo Direito Penal primitivo caracteriza-se por responsabilizar fundamentalmente em· razao da produ«;ao de urn resultado e raramente por dar importanfia ao aspecto subjetivo da conduta. A imputa«;ao da produ«;ao de urn resultado, fundada na causa«;ao dele, e 0 que se chama responsabilidade objetiva. A 'responsabilidade objetiva'e a forma de violar 0 principio de que nao ha delito sem culpa, isto e, diz respeitoa urna terceira forma de tipicidade, que se configuraria com a proibi«;ao de urna conduta pela mera causa«;ao de urn resultado, sem exigir-se que esta causa«;ao tenhaocorrido dolosa ou culposamente.91

Como bern observado por Paulo Cesar Busato e Sandro Mont~s Huapaya,

[ ... ] por culpabilidade se pode entender a fixa«;ao da necessaria comprova«;ao da presen«;a de dolo· Ott culpa para a admissao da responsabilidade penal, em oposi«;a~ a' responsabilidade objetiva. Tradicionalmente a doutrina identificou este Ultimo sentido como principio da culpabilidade. Trata-se, com efeito, do estabelecimento de urna garantia contra os excessos da responsabilidade objetiva,

90 C6RDOBA RODA, Juan. Culpabifidad y pena, p. 20. 91 ZAFFARONI, EugeniO Raul; PIERANGEU, Jose Henrique. Manual de direito penal brasifeiro, p. 523-524.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA vlsAo MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

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mas tambem uma exigencia que se sOl!la a rela-rao de causalidade para reconhecer a possibilidade de impor pena. Mas, na medida em que 0 dolo e a culpa formam parte dos elementos subjetivos do tipo (tipicidade subjetiva), este conceito de culpabilidade so ficou como principio.92

Concluindo, 0 principio do nullum crimen, nulla poena sine culpa exige que a culpabilidade, no sentido de juizo de censurabilidade, seja entendida como elemento integFante ~ in~spensavel do conceito analftico do crime, que seja aferida no momenta da aplica-rao da pena, na qualidade de principio que tera por missao concretizar tal juizo de censura mediante a aplica-rao da pena mais adequada ao conde~ado, bern como na qualidade de principio que nao tolera a imputa-rao de fatos que nao possam ser atribufdos ao agente a titulo de dolo ou culpa.

5.11.PRINCiPIO DA LEGALIDADE Numa amilise comparativa, podemos afirmar, apos os estudos dos

principios citados anteriormente, que 0 principio da legalidade ocupa lugar de destaque em uma concep-rao minimalista, voltada para urn Direito Penal do Equilibrio, encontrando abrigo expres~o em nosso ordenamento juridico, tanto em nossa Constitui-rao Federal - 'art. 52, XXXIX (niio ha crime sem lei anterior que 0 defina, nem pena sem previa cominaryiio legal) - quanta em nosso Codigo Penal-- art. 12 (Niio ha crime sem lei anterior que 0 defina. Niio ha pena sem previa cominaryiio legal).

Jimenez de Asua resume, com maestria, 0 principio da legalidade, dizendo: "Todos tern 0 direito de fazer aquilo que nao prejudica a outro e ninguem estara obrigado a fazer 0 que nao estiver legalmente ordenado, nem impedido de executar 0 que a lei nao proibe". 93

Muitos autores apontam a origem do principio da legalidade a chamada Magna Carta Inglesa, cuja edi-rao veio a lume em 1215, ao tempo do rei Joao Sem Terra, sendo que 0 seu art. 39 possufa a seguinte reda-rao:

Nenhum homem livre sera detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de maneira alguma; e, niio poderemos, nem faremos por a miio sobre ele, a niio ser em virtude de um juizo legal de seus pares e segundo as leis do Pais.

92 BUSATO, Paulo Cesar; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdw;i1o ao direito penal - Fundamentos para um sistema penal democratico, p. 171. 93 JIMENEZ DE ASUA,Luiz, Princfpios de derecho penal - La ley e el delito, p. 96.

122 PRINctpIOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

Cobo del Rosal e Vives Anton, discordando desse posicionamento, prelecionam:

As origens do principio da legalidade remontam, segundo alguns, a Magna Carta, mas seria enganoso situar nesse texto sua primeira formula-rao. E isso, nem tanto pelas raz6es deduzidas da natureza feudal do dito documento, senao porque, historicamente, 0 principio da legalidade, tal e como e entendido no Direito Penal continental, nao deriva dele. Na Magna Carta pode encontrar-se a origem da chamada rule of law propria do Direito anglo-saxao que, se tern certo paralelo com 0 principio da legalidade, nao deixa de apresentar importantes tra-ros diferenciais. Com efeito, enquanto 0 principio da legalidade traduz 0 predominio da Lei sobre os juizes, a rule of law representa, fundamentalmente, uma garantia jurisdicional. Dita peculiaridade deriva das caracterfsticas do desenvolvimento historico do Direito anglo-saxao (perpetuadas no sistema norte­americano), no qual a 'lei da terra', fundada no Oireito natural e aplicada pelos juizesordinarios, chega a estar acima do Direito estatutario, criado pelo Parlamento. Po de, pois, afirmar-se que 0

principio da legalidade ~e uma cria-rao do pensanlento iluminista, cujas primeiras manifesta-r6es positivas aparecem ulteriormente, com a Revolu-rao Francesa.94

Incontestavel a conquista obtida por meio da exigencia da legalidade. Contudo, hoje em dia, nao se sustenta urn conceito de legalidade de cunho meramente formal, sendo necessario, outrossim, investigar a respeito de sua compatibilidade material com 0 texto que the e superior, vale dizer, a Constitui-rao. Nao basta que 0 legislador ordinaria tenha tornado as cautelas necessarias no sentido de observat·o procedimento legislativo correto, a fim de permitir a vigencia do diploma legal por ele editado. Devera, outrossim, verificar se 0 conteudo, a materia objeto da legisla-rao penal, nao contradiz os principios expressos ou implicitos constantes de nossa Lei Maior.

Ferrajoli, com autoridade, afirma: No Estado de direito 0 principio da sujei-rao nao so formal como tambem material da lei (ordinaria) a lei (constitucional) possui urn valor teo rico geral, do qual resulta a diferente estrutura logica das implica-r6es mediante as quais formulamos 0 principio de mera e 0

de estrita legalidade. Esta sujei-rao substcmcial concretiza-se nas diferentes tecnicas garantistas por meio das quais 0 legislador e os demais poderes publicos sao colocados a serVi-ro, por meio de

94 COBO DEL ROSAL, Manuel; VIVES ANT6N, Tomas S. Derecho penal- parte general, p.68-69.

DIREITO PENAL DO EQUILtBRIO: 123 UMA VI SAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

proibic;oes ou obrigac;oes impostas sob pena de invalidade, da tutela ou satisfac;ao dos diferentes direitos da pessoa.95

Conforme esclarece Nilo Batista, a formula latina do principio da legalidade

foi cunhada e introduzida na linguagem juridica pelo professor alemao Paulo Joao Anselmo Feuerbach (1775-1833), especialmente em seu Tratado, que veio a lume em 1801. Ao contnirio do que se difunde freqiientemente, das obras de Feuerbach nao consta a formula ampla nullum crimen nulla poena sine lege; nelas se encontra, sim, uma articulac;ao das formulas nulla poena sine lege, nullum crimen sine poena legali e nulla poena (legalis) sine crimine.96

De acordo com a concepc;ao material do principio da legalidade, preconizada por Ferrajoli e chancelada por Nilo Batista, 0 nullum crimen nulla poena sine lege devera observar quatro vertentes que the sao inerentes, a saber: a) nullum crimen nulla poena sine lege praevia; b) nullum crimen nulla poena sine lege scripta; c) nullum crimen nulla poena sine lege stricta; d) nullum crimen nulla poena sine lege certa.

Dada a importancia do tema, cada uma dessas vertentes merecera analise em topicos distintos, conforme a ordem acima proposta. Antes, contudo, merece, ser"realizada, ainda, a distinc;ao levada a efeito por alguns autores entre 0 Principio da legalidade e 0 principio da reserva legal. Para alguns, a exemplo de Flavio Augusto Monteiro de Barros, 0 principio adotado pelo Direito Penal foi 0 da reserva legal, e nao 0 da legalidade. Isso porque, segundo explica <> renomado autor,

ambos sao' principios de indole constitucional. Distinguem-se, porem, .nitidamente. No principio da legalidade, a expressao "lei' e tomada em sentido amplo, abr~gendo todas as especies normativas do art. 59 da CF Oeis ordinarias, leis complementares, leis delegadas, medidas provisorias, decretos legislativos e resoluc;oes). Esse principio e consagrado no art. 52, II, da Magna Carta: "ninguem sera obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senao em virtude de lei~"

Ja 0 principio da reserva legal emana de clausula constitucional especificando que determinada materia depende de lei. Aqui a expressao 'lei' e tomada em sentido estrito, abrangendo apenas a lei ordiliciria e a lei complementar.97

95 FERRAJOU, Luigi. Direito e razao, p. 307. 96 BATISTA, Nilo./ntroduc;8.o critica ao direito penal, p. 66. 97 BARROS, Flavio Augusto Monteiro de. Direito pena/- Parte geral, p. 46. "

124 PRINC(PIOS FUNDAMBNTAIS DO DlRBITO PBNAL DO BQUlL(BRIO

Permissa venia, nao entendemos necessario diferenciar legalidade de reserva legal. Isso porque, para que 0 ordenamento juridico-penal seja inovado, independentemente da escolha nominal que se de ao principio, e preciso que 0 legislador observe 0 unico procedimento legislativ~ apto para tanto. Para que a ordem normativa seja modificada, sera preciso, em urn Estado Constitucional e Democratico de Direito, que ambas as Casas do Congresso se manifestem (Camara dos Deputados e SenadoFederal), sendo que, ainda, 0 projeto devera ser submetido ao sistema de freios e contrapesos exercido pelo Poder Executivo por meio do veto ou da sua sanc;ao.

Dessa forma, os unicos diplomas legislativos que atendem a essas exigencias sao, efetivamente, a lei ordinaria e a lei complementar, sendo que os demais fogem a esse procedimento. Assim, entendendo-se por lei tao-somente a lei ordinaria, utilizada como regra, e a lei complementar, daremos inicio ao estudo das quatro vertentes preconizadas pelo brocardo nullum crimen nulla poena sine lege.

S.ll.l.Nullum crimen nulla poena sine lege praevia Uma das primeiras conquistas referentes ao principio da legalidade e a

de, justamente, proibir" a chamada lex post factum. Ninguem pode ser surpreendido pelo Direito Penal sendo punido pela pratica de urn comportamento que, ao tempo da ac;ao ou da omissao, era penalmente indiferente. A propria Constituic;ao Federal, impedindo a retroatividade de lei que, de alguma forma, prejudique 0 agente, determina, em seu art. 52, inciso .

}

XL: A lei penal nao retroagira, salvo para beneficiar 0 reu. A lei penal deve ser previa, isto e, anterior ao fato cometido pelo agente.

Mas 0 que significa essa anterioridade? Para respondermos a essa indagac;ao, devemos formular outra, a saber: A lei penal podera ter aplicac;ao a partir da sua publicac;ao ou da sua vigencia? A resposta correta a essa indagac;ao e: Depende. Depende, na verdade, de que a lei penal venha prejudicar ou beneficiar 0 agente.

Quando a lei penal, de alguma forma, prejudica 0 agente (criando nov:<?s tipos penais incriminadores, aumentando prazos' prescricionais, arrolando novas circunstancias agravantes etc), seu termo inicial absoluto e a vigencia, pois e justamente essa a ilac;ao que se deve extrair do nullum crimen nulla poena sine lege praevia.

Contudo, nem sempre a lei penal prejudica. Pode, e e muito comum que isso aconte((a, de alguma Jorma beneficiar 0 agente (diminuindo penas, criando novas circunstancias" atenuantes, diminuindo prazosprescricionais, condicionando a ac;ao penal a representac;ao do of en dido, etc). Nessa hipotese,

DlRBITO PBNAL DO BQUIL(BRIO: UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL "

125

ou seja, de cria<;ao normativa benefica (novatio legis in mellius) , a partir de quando a lei penal podeni ter aplica<;ao? ..

Aqui, formaram-se duas correntes. A primeira delas, levando em considera<;ao as disposi<;6es contidas no art. 2Q e seu panigrafo unico, do C6digo Penal, afirma que, por quest6es de economia, a lei penal devera ser aplicada a partir da sua s6 publica<;ao.

Isso porque, justificando, 0 mencionado art. 2Q e 0 seu paragrafo unico, determinam:

Art. 21'-. 'Ninguem pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execu9iio e os efeitos penais da senten9a condenat6ria. Paragrafo unico. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer 0 agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por senten9a condenat6ria transitada em julgado.

Como Se verifica pela reda<;ao acima, determina a lei penal que, se a lei posterior vier a abolir a infra<;ao penal ou, de alguma outra forma, favorecer 0

agente, devera ter aplica<;ao mesmo ap6s 0 transito em julgado da senten<;a ( ,

penal condenat6ria. Se e assim, ou seja, se a lei penal benefica devera, em qualquer hip6tese, retroagir, por que razao seria preciso aplicar a lei anterior, correspondente a lei do fato, sendo que, pouco tempo depois 0 trabalho seria revisto em vittude da existencia da novatio legis in mellius? Desta forma, para que nao seja desperdi<;ado tempo, aplicando um~ lei que pouco tempo depois ja estaria revogada e substituida por outra que, de alguma forma, melhora a situa<;ao do agente, deve-se deixar de lado a pr.iineira, a fim de ser aplicada a segunda, mesmo ainda estando no periodo de vacatio legis.

Ap6s a puJ>lica<;ao, existe expectativa de vigencia da novatio legis, razao pela qual podera ser aplicada, se benefica, a partir da sua publicac;ao.

A segunda corrente afirma, por questao de seguran9a juridica, que a lei penal, mesmo beneficiando, somente podera ser aplicada ap6s a sua entrada em vigor. Sustentando essa posi<;ao, trazem em refor<;o 0 fatidico C6digo Penal de 1969, criado pelo Decreto-Lei nQ l.004, de 21 de outubro de 1969, que permaneceu por urn periodo aproximado de nove anos em vacatio legis, sendo revogado pela Lei nQ 6.578, de ,11 de outubro de 1978, antes mesmo de entrar em vigor.

Fosse 0 mencionado C6digo Penal de 1969 aplicado ainda durante. 0

periodo de vacatio legis, 0 queaconteceria naquelas hip6teses, por exempl(), em que 0 novel diploma repressivo houvesse abolido infrac;6es . penais anteriormenteexistentes no C6digo Penal de 1940, que ainda se encontrava

126 PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUlLtBRIO

em vigor? Uma vez declarada a extinc;ao da punibilidade, por intermedin da abolitio criminis, nao mais poderia 0 Estado rever aquela situac;ao a fim de determinar 0 prosseguimento do feito, tendo em vista 0 impedimento da chamada revisao pro societate.

Concluindo, a lex praevia pode ser entendida em duas situac;6es distintas: prejudicando ou beneficiando 0 agente. Se prejudicar, 0 termo inicial de aplicac;ao sera, sempre, 0 da data da sua vigencia; se beneficiar, podemos trabalhar com duas correntes doutrinarias - a primeira entendendo pela sua aplicac;ao, por criterios de economia, a partir da sua publica9iio, e a segunda, sob 0 argumento da seguran9a, ap6s a sua entrada em vigor.

S.11.2.Nullum crimen nulla poena sine lege scripta Em virtude dessa vertente do brocardo do nullum crim~n nulla poena

sine lege, verifica-se que 0 principio da legalidade prome a criac;ao de tipos penais incriminadores por meio dos costumes.

Conforme assevera Nito Batista, "s6 a lei escrita, is to ~, promulgada de acordo com as previs6es constitucionais, pode criar crimes e penas: nao 0

costume" .98

Contudo, nao podemos confundir criac;ao tipica por intermedin dos costumes, com a sua utilizac;ao como ferramenta de interpretac;ao dos tipos penais. Na verdade, sem 0 conhecimento dos costumes seria:impossivel a real compreensao de muitas infrac;6es penais. A titulo de. exemplo, raciocinemos com a norma prevista no § 1 Q do art. 155 do C6digo Penal, que diz 0 seguinte: A pena aumenta-se de urn ter90, se 0 crime e praticado durante 0 repouso noturno.

Sem 0 efetivo conhecimento dos costumes, seria de total inaplicabilidade 0 paragrafo em exame. Isso porque, para que possa ser efetivamente aplicada a causa especial de aumento de pena relativa ao delito de furto, faz-se mister, primeiramente, inte.rpretar a expressao repouso, indispensavel a majorante.

Merece destaque a lic;ao de Hungria, quando, dissertando sobre os costumes, com a precisao que the era peculiar, afirmava:

Tanto quanto a analogia, 0 costume nao e fonte geradora do dire ito repressivo. Nao pode suprir, ab-rogar ou retificar a lei penal. Cumpre, porem, distinguir entre costume contra, extra ou ultra legem e costume integrativo, subsidiario ou elucidativo da norma penal (costume intra legem). Nesse Ultimo caso, 0 costume intervem ex vi legis, sem afetar, portanto, 0 dogma de que a Unica fonte do Direito Penal e a lei. Assim, por exemplo, ao incriminar 0 'ultraje publico ao

98 BATISTA, Nilo. Introdw;ao critica ao direito penal, p. 70.

DIREITO PENAL DO EQUlLfBRIO: 127 UMA VI sAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

pudor', a lei penal se reporta a urn costume social, isto e, a moralidade coletiva em torno dos fatos da vida sexual,- ficando subordinada, para o seu entendimento e aplica«;ao, a variabilidade, no tempo e no espa«;o, desse costume. Nao ha caso algum em que 0 costume contra ou extra legem possa ter 0 efeito, ja nao dizemos de criar crimes ou penas, mas de expungir a criminalidade legal de urn fato.99

Da mesma forma que nao se atribui poder criador normativo aos costumes, tambem deve ser a ele negado 0 efeito ab-rogante, ou seja, a possibilidade de os costumes revogarem a lei penal em vigor. Nesse sentido, afirmava Bobbio que "nos ordenamentos em que 0 costume e inferior a Lei, nao vale 0 costume ab-rogativo; a Lei nao pode ser revogada por urn costume contrario" . 100

Concluindo, 0 principio do nullum crimen nulla poena sine lege scripta proibe a cria«;ao tipica por meio dos costumes, sendo que 0 reverso dessa mesma moeda impede, tambem pelo mesmo argumento consuetudinario, a revoga«;ao dos tipos penais existentes.

5.11.3.Nullum crimen nulla poena sine lege stricta o principio da legalidade, em sua vertente do nullum crimen nulla

poena sine legestricta, tambem proibe a ado«;ao da chamada analogia in malam partern, po~s, caso contrario, de nada valeria a existencia de uma lei anterior ao fato se 0 interprete pudesse estende-Ia a urn numero de casos nao preyistos expressamente pelo tipo penal.

Contudo, a questao deve ser melhor ,analisada. Na verdade, embora t~nhamos a convtc«;ao absoluta da proibi«;a~ da analogia in rnalam partem, seria de todo descartado 0 usa da analogia em Direito Penal?

Aresposta, aqui, merece ser observada sob dois enfoques distintos. 0 primeiro, ja aponiado anteriormente, diz respeito a analogia in malam partem; o segmido, sob a 6tica da analogia in bonarn partem.

Inicialmente, 0 que podemos entender por analogia? Quando sera possivel 0 seu recurso? A analogia e considerada uma forma de interpreta«;ao e <;le.auto-integra«;ao da lei (no nosso caso, a penal), por intermedio da qual se Qu~camanter o. equilibrio do ordenamento juridico,uma vez que tern por finalidade preservar 0 principio da isonomia, segundo 0 qual os fatos similares d.evem receber 0 mesmo tratamento. Dessa forma, somente sera possivel ~()git~ de . analogia quando 0 interprete concluir pela lacuna legal, que cqnqpziraa() seu preenchimento por meio desse recurso.

• .,.. .... ""'."". Comentarios ao c6digo penal, v. I, t. I, p. 94-95. Teoria do ordenamento jurfdico, p.94.

_ .......•............... -PRINCfpIOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILf-BRIO

Bobbio conceituava a analogia como "0 procedimento pelo qual se atribui a urn caso nao-regulamentado a mesma disciplina que a urn caso regulamentado semelhante". 101

E prosseguia no seu raciocinio, afirmando: Para fazer a atribui«;ao ao caso nao-regulamentado das mesmas consequencias juridicas atribuidas ao caso regulamentado semelhante, e preciso que entre os do is casos exista nao uma semelhan«;a qualquer, mas uma sernelhanra relevante; e preciso ascender dos dois casos uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razao suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuidas aquelas e nao outras conseqiiencias.102

A primeira hip6tese, a da analogia in malam partem, encontra-se completamente proibida em materia penal, sendo licito fazer~ou deixar de fazer aquilo que nao estiver expressamente proibido ou imposto pelo tipo penal, nao podendo 0 agente, inclusive, ser prejudicado com a aplica«;ao de agravantes ou causas de aumento de pena que nao abriguem, exatamente, a sua situa«;ao ou 0 fato por ele cometido.

Podemos trabalhar, a titulo de exemplo dessa afirma«;ao, com a causa especial de aumento de pena prevista no § 1 Q do art. 155 do C6digo Penal, que diz: A pena aurnenta-se de urn terro se 0 crime e praticado durante 0 repouso noturno.

Ao estudarmos a vertente do principio da legalidade que proibe a cria«;ao legal por meio dos costumes,! dissemos que, embora verdadeira essa afirmavao, os costumes teriam grande utilidade na interpreta«;ao dos tipos penais. No exemplo fornecido, somente poderemosaplicar a causa especial de aumento de pena se conhecermos 0 significado da palavra "repouso". So mente os costumes de deterlninado lugar nosdirao se, naquele momento, existe repouso. Ha lugar em que nao existe repouso, a exemplo de hospitais

. que funcionam, ininterruptamente, com 0 mesmo movimento, vinte e quatro horas por dia. Em outros, 0 repouso tern inicio logo ao anoitecer, a exemplo do que ocorre com aqueles vilarejos distantes, sem luz, sem asfalto, onde a comunidade, na sua maioria, trabalha na zona rural f despertando muito cedo, ainda durante a madrugada, para trabalhar no campo.

Suponha-se que 0 agente conhe«;a 0 fato de que a vitima seja um vigilante notumo, sendo 0 seu horario de traba1ho das Z2 horas ·as 6 horas da manha. Seu hormo de sono, portanto, e trocado, pois dorme durante 0 dia para poder trabalhar a noite .. Se o·agente ingressar na residencia da vitima por volta das 12 horas, hormo de pica do seu sono, e de la subtrair um aparelho de

101 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurfdico, p. 151. 102 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamentojurfdico, p. 153.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

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DVD~ apena para 0 delito de furto por ele cometido devera ser especialmente agravada em razao do fato de. te-Io praticado durante 0 repouso noturno? A resposta s6 pode ser negativa, uma vez que, embora aquele fosse 0 horario de repouso da vitima, nao era 0 periodo da noite, exigido pela lei. Se 0 interprete viesse a tambem entender pelo repouso noturno aquela hora, pelo fato de ser 0

horano de repouso da vitima, estaria se valendo, contrariamente aquilo que determina 0 principio da legalidade, da analogia in malam partem.

Ferrajoli relembra que" ainda no seculo passado, nos paises que adotavam um regime totalitcil'io, 0 emprego da analogia in malam partem era comurn:

Na Alemanha n<l:Zista uma lei de 28 de junho de 1935 substituiu 0

velho art. 212 do C6digo Penal de 1871, que enunciava 0 principio de legalidade penal, pela seguinte norma: 'sera punido quem pratique urn fato que a lei declare punivel ou que seja merecedor de puni<;ao, segundo 0 conceito fundamental de uma lei penal e segundo 0 sao sentimento do povo. Se, opondo-se ao fato, nao houver qualquer lei penal de imediata aplicabUidade, 0 fato punir-se-a sobre a base daquela lei cujo conceito fundamental melhor se ajuste a ele.103

Em materia penal admite-se, contudo, 0 recurso a chamada analogia in bonam part em, desde que 0 exegeta ¢hegtie a conclusao de que nao foi inten<;ao da lei deixar de lado determinada hip6tese, ,sendo 0 caso, portanto, de lacuna.

Merece, neste ponto, ser levada a efeito a distin<;ao entre lacuna voluntana e lacuna involuntana. Para tanto, trazemos a cola<;ao as precisas li<;oes de Antonio Jose Fabricio Leiria, quando faz seus esclarecimentos, inicialmente, sobre as lacunas voluntanas, dizendo que essas lacunas

estao representadas pela. inexistencia de uma vontade no contetido da norma juridica. Com efeito, po<:l~ra 0 legislador entender que, frente a uma realidade social vivenciada, um determinado fato, pela sua escassa relevancia juridica, nao se apresente suficientemente maduro e com relevante carga axiol6gica para ser normado. Deste modo, ainda que previsto pelo legislador, este 0 deixa fora da lei. Pode-se mesmo dizer que, em tais casos, ha um querer negativo, pois a lacuna propositada da lei nao escapa a previsao do legislador. Ela insere-se no contetido da norma como vontade negativa desta. Como se constata, a lacuna' voluntana escapa da previsao da lei, mas se insere no seu contetido, sob forma negativa de vontade da norma

:g, '," 'jurfdica.

~h'.~r~~;;~;;;:~LUi9i. Direito e raziio, p; 309.

_______ w ________________ _

PRINCfplOS FUNDAMBNTAIS DO DlRBITO PBNAL DO BQUlLfBRIO

Aqui 0 legislador preve a hip6tese nao contemplada pela norma, mas, propositadamente, deixa fora de seu ambito de incidencia, por motivo de ordem juridica, politica, economica, social, religiosa ou outros. Diante da realidade de um problema de lacunas da lei, 0 juiz desenvolve um trabalho que ultrapassa a simples interpreta<;ao, visto que vai envolver com problemas de integra<;ao do direito.104

E prossegue com suas li<;oes, elucidando 0 conceito de lacunas involuntarias:

Configura-se a chamada lacuna involuntaria, quando 0 fato, posto que revestido de todos os caracteres necessarios para ser regulado, situa-se fora do campo da incidencia da lei, por nao haver sido previsto pelo legislador. Nesta hip6tese, inexiste valora<;ao juridica, e o espa<;o vazio escapa a vontade da norma, por falta de previsao do legislador. E 0 inverso do que se verifica nas lacunas voluntarias. Comparada a ordem juridica com uma atmosfera que circunda e envolve a vida social, consoante nos fala Ferrara, poderemos dizer que as lacunas da lei se apresentam como vdcuos dessa mesma atmosfera. Sao vazios do ordenamento juridico. 105

Dessa forma, em materia lpenal, permite-se 0 recurso a analogia in bonam partem, desde que 0 exegeta chegue a conclusao de que 0 fato se amolda ao conceito de lacuna involuntaria, pois, caso contrano, esse recurso estara tambem proibido, mesmo que considerado benefico ao agente.

Imagine-se a hip6tese contida no inciso II do art. 128 do C6digo Penal, que diz:

Art. 128. Niio se pune 0 aborto praticado por medico: 1-[ ... ];

II - se a gravidez resulta de estupro e 0 aborto· e precedido de consentimen'tp da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

No inciso II do mencionado art. 128, a lei penal fez previsao expressa do aborto etico ou sentimental, entendendo que pelo fato de ter a gestante sido violentada sexualmente, surgindo dai uma gravidez indesejada, permitir-se-ia a sua interrup<;ao. Devemos frisar que 0 C6digo Penal aponta,tao-somente, para 0 fato de ter a gravidez resultado de estupro. E na hip6tese de a gestante ter sido vitima de urn atentado violento ao pudor, nao tendo ocorrido, portanto, a penetra<;ao caracteristica do delito de estupro, seria possivel tambem a realiza<;ao do aborto sentimental? A resposta deve ser afirmativa, pois estaremos' diante do caso de lacuna involuntaria, permissiva da analogia

104 LEIRIA, Antonio Jose Fabrfcio. Teoria e aplica~iio da lei penal, p. 68-69. 105 LEIRIA, Antonio Jose Fabrfcio. Teoria e aplica~iio da lei penal, p. 69.

DIRBITO PBNAL DO BQUlLfBRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DlRBITO PBNAL

131

in bonam partem. Caso contnirio, a violencia se~al deixaria de ser 0 motivo principal que daria margem ao aborto, passando a figurar em pnmeiro plano a existencia ou nao de penetrac;ao, 0 que seria de todo absurdo!

Contudo, podemos visualizar hipotese impeditiva do recurso it analogia in bonam partem no caso do chamado perdao judicial. 0 inciso IX do art. 107

do Codigo Penal diz textualmente: Art. 107. Extingue-se a punibilidade: IX - pelo perdao judicial, nos casos previstos em lei.

Quer isso significar que, primeiramente, quem define as hipoteses de possibilidade de aplicac;ao de perdao judicial nao e 0 juiz, mas sim a lei. E a lei que teni a incumbencia de apontar todas as infrac;oes penais nas quais sera possivel 0 raciocinio, no caso concreto, da aplicac;ao do perdao judicial.

Portanto, nao podera 0 julgador, em casos parecidos com aqueles previstos pela lei penal como de possivel aplicac;ao do perdao judicial, valer-se do recurso da analogia in bonam partem, pois que estaremos diante de lacunas voluntcirias que impedem 0 raciocinio analogico.

S.11.4.Nullum crimen nulla poena sine lege certa Nao basta que a lei penal esteja em vigor anteriormente it pratica do

fato pelo agente para que possa ser efetivaIilente aplicada. Todos devem, ainda, ter a possibilidade de compreender exatamente 0 conteudo da proibic;ao para que possam comportar-se de acordo com a norma. Portanto, para que nao seja of ens iva ao principio da legalidade, a lei penal deve ser certa, clara, pre~isa, a mai~ simples possivel, permitindo a sua mais precisa e exata compreensao.

Em 1764, Becc~i~ ja: dizia a respeito da obscuridade das leis: Se a interpretac;ao das leis e urn mal, claro que a obscuridade, que a interpretac;ao necessariamente acarreta, e tambem um mal, e este mal sera grandissimo se as leis forem escritasem lingua estranha ao povo, que 0 ponha da dependencia de uns poucos, sem que possa julgar por si mesmo qual seria 0 exito de sua liberdade, ou de seus membros,' em lingua que transformasse urn livro, solene e publico, em outro como que privado e de casa.106

,

Manuel' Cavaleiro de Ferreira, discorrendo sobre a necessidade da certeza da lei, aduz:

A norma legal incriminadora tern de ser certa, isto e, tern de detemllnar com' suficiente precisao 0 facto criminoso. A ac'c;ao ou o:niissio 'em'que 0 facto consiste nao pade Ser werido da lei; tern de

;~i}"'~:'1Os'BECCARIA, Cesare. Dos defitos e daspen~s, p. 35. ·Y··',·-- .

PRINCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO

ser definido pela lei. Nao e norma incriminadora constitucionalmente vcilida aquela cujo teor se apaga numa clausula geral que remeta 0 seu preenchimento para 0 arbitrio do julgador. A lei penal incerta e por si inconstitucional, isto e, 0 principio impoe-se ao legislador como ao juiz, que a nao deve aplicar. 107

Por intermedio da vertente do nullum crimen nulla poena sine lege certa extrai-se a conclusao de que a lei penal dever ser taxativa. A propria Constituic;ao Federal, ao abrigar expressamente 0 principio da legalidade em seu art. SQ, XXXIX, 0 traduziu dizendo que nao hd crime sem lei anterior que 0

defina, ou seja, a definic;ao da infrac;ao penal e urn dado indispensavel, pertencente ao conceito de legalidade.

Claudio do Prado Amaral, dissertando sobre os fundamentos da taxatividade da lei penal, afirma:

Exige-se que a lei penal seja certa, isto e, que os tipos penais sejam elaborados legislativamente de forma clara e determinada, a fun de que as condutas incriminadas sejam passiveis de identificac;ao, sem que se precise recorrer a extremados exercicios de interpretac;ao ou integrac;ao da norma. Quer-se a clareza denotativa dos tipos penais, 0

que torna a norma legal prontamente inteligivel a seus destinatcirios em termos cognitivos: todos os cidadaos. Se a norma penal incriminadora tern como um de seus objetivos intimidar para a nao­realizac;ao da conduta proibida, e preciso que seja clara a todos, a fim de que saibam e conhe~am .sem quaisquer duvidas 0 conteudo da norma legal. 'J.

o fundamento do principio da taxatividade assenta-se em dupla base, pois: a) a norma penal incriminadora contem uma ordem de abstenc;ao de conduta ou de realizac;ao de conduta; logo, 0

destinatcirio da norma penal precisa compreender exatamente seu conteudo, para poder acatar a ordem; sob esse angulo, 0 principio da taxatividade encontra razao de ser na propria exigencia de observancia da norma penal; b) sob outro fundamento, 0 principio da taxatividade encontra-se na func;ao intimidadora da norma penal'; assim, para que a intimidac;ao ocorra, e preciso que seu conteudo seja claro e preciso, a fim de que todps possam atende-Io - sem compreensao da norma, nao havera intimidac;ao.108

E muito comum, nos paises que adotam regime totalitcirio, seja de esquerda ou de direita, que 0 ditador se valha do escudo do Direito Penal a fun de dar aparencia de legalidade aos seus atos arbitrcirios e, na verdade, ilegais.

107 FERREIRA, Manuel Cavaleiro de. Ur;oes de direito penal- Parte geral, p. 55. 108 AMARAL, Claudio do Prado. Princfpios penais - Da legalidade it culpabilidade, p. 115-116.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

., " 133

A vertente do ~ullum crimen nulla poena sine lege certa nos obriga a raciocinar com a diferenc;a existente entre a legaIidade formhl e a legalidade material. Pode 0 projeto de lei ter obedecido a todos os procedimentos previstos na Constituic;ao: iniciativa, discussao, votac;ao, sanc;ao/veto, promulgac;ao, publicac;ao e vigencia. Para sua aprovac;ao, obteve 0 quorum de votac;ao necessario. Enfim, todo 0 formalismo foi cumprido. Contudo, a norma penal sera tida por invalida se sua materia nao coadunar com 0 texto de nossa Lei Maior, com os principiqs e~ressos e implicitos nela contidos, destacando­se, dentre eles, 0 principio da legalidade.

A criac;ao dos tipos penais dirigidos a todos n6s deve ser a mais precis a possivel, afastando-se to~a incerteza e duvida quanta a sua interpretac;ao. Tipos penais que contem os chamados conceitos vagos ou imprecisos of end em 0 ditame da legalidade material, somente servindo de justificativa para abusos, arbitrariedades dos detentores do poder.

o exemplo do C6digo Penal alemao, citado por Ferrajoli, a epoca do periodo nazista demonstra claramente 0 perigo de uma norma criada com esse estilo vago, amplo, incerto, inseguro.

Leia-se novamente 0 artigo da Lei de 28 de junho de 1935 que substituiu o art. 2.0. do C6digo Penal Alemao de 1871, que dizia:

Sera punido queJri -pratique um Jato que a lei declare punivel ou que seja merecedor de punir;ao, segundo 0

conceito fundamental de uma lei penal e segundo 0 sao sentimento do povo. Se, opondo-se ao Jato, nao houver qualquer lei penal de imediata aplicabilidade, 0 Jato punir-se-d sobre a base daquela lei cujo' conceito fundamental melhor se ajuste a ele. .

o que significava 0 sao sentimento do povo alemao? ObViamente que seria merecedor de pena to do aquel~ que praticasse qualquer comportamento que, embora nao proibido pela lei penal, incomodasse 0 ditador, como aconteceu com 0 povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando aproximadamente 6 millloes de vidas foram eliminadas.

Entendemos ainda que a utilizac;ao exagerada de elementos normativos no -tipopode conduzir tambem a afetac;ao do principio da legalidade, na vertente da lege certa. Sendo os elementos normativos aqueles que, para sua compreensao exigem do interprete a emissao de urn juizo de valor, sabemos que ,essa valorac;ao e pessoaJ., podendo, em muitas situac;oes, conduzir a injustic;as .gritarttes. Urn mesmo fato, valorado diferentemente por dois julgadores,'pode conduzir a conclusoes diferentes.

Rene :Ariel Dotti, construindo uma visao critic a a respeito da utilizac;ao

PRlNCfplOS FUNDAMENTAlS DO DIRE ITO PENAL DO EQUlLfBRIO

Os elementos normativos se classificam em juridicos e culturais. Elementos normativos juridicos sao os que trazem conceitos pr6prios do Direito (,coisa alheia', 'documento', 'duplicata', 'cheque', warrant, 'funcionario publico', 'esbulho possess6rio', etc). Elementos normativos culturais sao os que envolvem conceitos pr6prios de outras disciplinas do conhecimento, cientificas, artisticas, literarias ou tecnicas. Sao mwtiplos os exemplos dessa categoria: 'ato obsceno', 'pudor', 'mulher honesta', 'ato libidinoso', 'arte', 'culto religioso', 'esterilizac;ao cirurgica', 'fauna silvestre', etc. Ha uma preocupac;ao muito viva entre os estudiosos com 0 grande aumento do numero de elementos normativos, principalmente na legislac;ao especial, gravemente comprometida pela inflac;ao. Assim como ocorre com os chamados tipos penais abertos podem se abrir grandes margens de inseguranc;a em func;ao de uma interpretac;ao que comprometa 0 principio da taxatividade da l~i penal. Mas e impossivel suprimi-Ios do ordenamento positivo uma vez que os tipos legais de ilicitude refletem a natureza e 0 valor da realidade humana e da circunstancia que a envolve.109

Concluindo, 0 principio da 1egalidade, analisado sob 0 enfoque da lex certa, proibe que a lei penal sirva de instrumento para abusos, procurando afastar as possiveis redac;oes imprecisas que trariam a populac;~o 0 sentimento de completa inseguranc;a, vez que jamais teria a certeza de que suas ac;ot:s estariam ou nao abrangidas por determinado tipo penal, merecendo ser ressalvado, ainda, 0 fato de que os chamados elementos normativos do tipo somente devem ser utilizados nos casos em que nao haja outra alternativa, haja vista que, por requererem urn juizo de valorac;ao por parte do interprete, a duplicidade de interpretac;oes sobre 0 mesmo fato tambem fomentaria a sensac;ao de instabilidade do direito.

109 DOTII, Rene Ariel. Curso de direito penal, p. 313.

DIREITO PENAL DO EQUlLtBRIO: 135 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Capitulo 6

A SELETIVIDADE DO DIREITO PENAL

A seletividade do Direito Penal pode s~r verificada mediante do is momentos distintos, denominados criminalizaryao primaria e criminalizar;ao secunddria.

Por intermedio do processo de criminaliza~ao primana, 0 Estado seleciona determinados comportamentos existentes em nosso meio social, em tese ofensivos a bens juridicos, proibindo-os ou impondo-os sob ~ amea~a de uma san~ao de natureza penal, mediante uma lei por ele fonnalmente editada.

Uma vez em vigor a lei penal, quando descumprida, surge a possibilidade de se levar a efeito a chamada criminaliza~ao secundaria, oportunidade na qual 0 Estado fara valer 0 seu jus puniendi, investigando, processando e, por fim, condenando ao cumprimento de uma pena 0

transgressor da lei penal editada anterionnente ao comporiamento delitivo. o processo de sele~ao surge desde 0 instante em que a lei penal e

editada. Valores de determinados grupos sociais, tidos como dominantes, prevalecem em detrimento da classe dominada. Em seguida, ja quando vigente a lei penal, surge novo processo de sele~ao. Quem devera ser punido? A resposta a essa indaga~ao deveria ser; simples, ou seja, todos aqueles que descumprirem a lei penal, afrontando a autoridade do Estado/Adrninistra~ao. Contudo, sabemos que isso. nao acontece. 0 Direito Penal tern cheiro, cor, ra~a, classe social; enfim, ha urn grupo de escolhidos, sobre os quais havera a manifesta~ao da for~a do Estado. .

Nilo Batis~a, Zaffaroni, Alagia e Slokar, com a precisao que lhes e pectiliar, aduzem:

A inevitavel seletividade operacional da criminaliza~ao secundana e sua preferente orienta~ao burocratica (sobre pessoas sem poder e por: ' fatos grosseiros e ate insignificantes) provQcam uma distribui~ao seletiva em fonna de epidemia, que atinge apenas aqueles que tern baixas defesas perante 0 poder punitivo, aqueles que se tomam mais vulnerdveis Ii criminalizar;ao secunddria ponlue: a) suas caracteristicas pessoais se enquadram nos estereotipos criminais; b) sua educa~ao so lhes permite realizar a~oes ilicitas toscas e, por conseguinte, de facil detec~ao e c) porque a etiquetagem. suscita a assun~ao. do . papel correspondente ao estereotipo, com 0 qual seu comportamento acaba correspondendo ao mesmo (a profecia que se auto-realiza). Em suma,

DlREITO PENAL DO EQUILfBRIO: 137 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

~ , "

as agencias acabam selecionando aqueles que circulam pelos espafYos publicos com 0 figurino social dos delinqiientes, prestando-se a criJninalizafYao - mediante suas obras toscas - como seu inesgotavel

combustivel. l

Foucault, apontando a seletividade do Direito Penal, ou seja, 0 fato de que esse ramo do ordenamento juridico escolhe, efetivamente, sobre quem devera recair a sua forfYa, quem devera ser contido a fim de que seja mantida a chamada "paz social"-, adll2;:

,;

seria hipocrisia ou mgenuidade acreditar que a lei e feita para todo mundo em nome de todo mundo; que e mais prudente reconhecer que ela e feita para alguns e se aplica a outros; que em principio ela obriga a todos os cidadaos, mas se dirige principalmente as classes

. mais numerosas e menos esclarecidas; que, ao contrcirio do que acontece com as leis polfticas ou civis, sua aplicafYao nao se refere a todos da mesma forma, que nos tribunais nao e a sociedade inteira que julga urn de seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem sanciona outra fadada a desordem.2

Leonardo Sica tambem adverte e esclarece: A seletividade e uma marca historica e indissociavel do sistema penal. 0 ius puniendi, longe dJ sua conformafYao contratual, tern sido exercido em funfYao dos interesses de grupos dominantes ou de Estado (se e que ambos estao distantes). Dados do Conselho Nacional de Politica Criminal e Penitenciciria apontam que: 2/3 da populafYao carcerciria sao negros e mulatos; 76% sao analfabetos ou semi-alfabetizados; 95% sao absolutamente pobres; 98% nao tern condifY5es de contratar urn advogado e 72% dos processos criminais sao por roubo e furto.3

Maria Lucia Karan, de forma clara, direta e objetiva, afirma, C9!ll seguranfYa: o sistema penal nao se destina a punir todas as pessoas que cometem crimes. Nao passando a imposifYao da pena de pura manifestafYao de poder, destinada a manter e reproduzir os valores e interesses dominantes em urna dada sociedade, e encontrando esta reafYao punitiva seu suporte e sua forfYa ideologica na necessidade do desejo de criafYao de bodes expiatorios, nao seria funcional faze-Ia recair sobre todos .os responsaveis por condutas criminalizadas, sendo, ao contrcirio, imperativa a individualizafYao de apenas alguns

~i£A.Tt~hk'Nild;iAR=ARoNl, 'Eugenio RaOI;ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penBi brasifeiro, v. I, .:< ~. -.-". . ~ ".

"'.rlgy\.II-\lJ'LhMichel, Vigiarepunir, p. 229. ;,;"~~'SfO~'lec)hardo'~ "'oin;ftCi pfiriaiCie fiinefgenciaeiiJiemativas a prisao, p. 51.

A SBLBTlVIDADB DO DIRBITO PBNAL

deles, para que, exemplarmente identificados como criminosos, emprestem sua imagem a personalizafYao da figura do mau, do inimigo, do perigoso, possibilitando a simultanea e conveniente ocultafYao dos perigos e dos males que sustentam a estrutura de dominafYao e poder.4

Somente por hipotese, suponhamos que 0 Estado, deixando de lado a seletividade, isto e, em vez de escolher quem e 0 que punir, passasse, a partir de agora, a punir todos os fatos incriminados pela lei penal, bern como todas as pessoas que os cometeram. Seria possivel tal escolha politica? Teria 0 Estado, inclusive, condifY5es de levar a efeito tal OPfYao? Haveria, no sistema penitencicirio, vagas suficientes para prender todas as pessoas que tivessem cometido qualquer uma das infrafY5es pertais integrantes de nosso Direito Penal objetivo? Qu, 0 que e pior, sera que algum dos encarregados de aplicar a lei penal estaria livre para poder levar a efeito 0 julgamento ou, mesmo, de processar a execufYao da pena?

Na verdade, todos somos criminosos, mesmo que em ~aior ou menor grau. Quem nunca praticou urn crime contra a honra do seu semelhante, nao comprou urn produto de algum camelo, de origem duvidosa, Q,ao perturbou 0

sossego alheiro; enfim, todos nos, mesmo sem essa nOfYao, praticamos crimes quase que diariamente. Se fOssemos levar a ferro e fogo a aplicafYao de todos os tipos penais, nao haveria ninguem disponivel para apurar 0 fato criminoso, tampouco julgar 0 autor do delito, pois todos estariamos presns.

o Estado ainda nao acordou para 0 fato de que ao Direito Penal somente deve importar as condutas que ataquem os bens mais importantes e necesscirios ao convivio em sociedade. Enquanto 0 Direito Penal for maximo, enquanto houver a chamada inflafYao legislativa, 0 Direito Penal continuara a ser seletivo e cruel, escolhendo, efetivamente, quem devera ser punido, escolha esta que, com certeza, recaira sobre a c~ada mais pobre, abandonada e vulneravel da sociedade. .

Faz-se mister ressaltar, por oportuno, que a seletividade nao somente ocorre quando da criafYao e da aplicafYao da figura tipica criminosa. Essa escolha, infelizmente, tambem recai no momenta da execufYao da decisao condenatoria do Estado, haja vista que, efetivamente, nem todos os condenados cumprem suas penas.

Em urn passado nao muito distante, a cruel seletividade do Direito Penal ocorria quando havia em nosso ordenamento juridico a possibilidade de conversao da multa em pena privativa de liberdade, anteriormentea modificafYao do art. 51 de nosso diploma repressivo.

4 KARAN, Maria Lucia. Utopia transforrnadora e abolil;ao do sistema penal. Conversat;:oes abolicionistas - Uma crltica do sistema penal e da sociedade punitiva, p. 72-73.

DlRBITO PBNAL DO BQUlLfBRIO: 139 UMA VlsAo MINIMALISTA DO DIRBITO PBNAL

Quando alguem de classe baixa era condenado a pagar uma pena pecunhma, como, geralmente, nao tinha condi~oes de faze-Io logo apos 0

decurso do prazo legal destinado ao recolhimento da pena de multa, era determinada a sua conversao, com a conseqiiente expedi~ao do mandado de prisao.

Naquela oportunidade, os abusos cometidos pela Justi~a (leia-se Ministerio Publico e Magistratura) eram gritantes. A Lei de Execu~ao Penal previa urn procedimento proprio para a cobran~a da pena de multa, por intermedio dos seus arts. 164 a 170. Era urn procedimento demorado, uma vez que, apos 0 transito em julgado da senten~a penal condenatoria, 0 escrivao deveria extrair uma certidao, a ser entregue ao Ministerio Publico, que lhe servia como titulo executive judicial. Com fundamento nessa certidao, 0

Ministerio Publico devia propor uma a~ao de execu~ao, nos moldes da lei processual civil, com obediencia a todo 0 seu procedimento - cita~ao,

nomea~ao de bens a penhora, embargos, etc. Se, ao final, 0 condenado fosse considerado insolvente, 0 feito era suspenso, sem que houvesse conversao da pena de multa em priva~ao da liberdade; caso contrario, se fosse considerado solvente, a pena era convertida considerando 0 nt1mero de dias-multa.

Como implicava "muito trabalho" a determina~ao legal, apenas com a certidao nos autos de que 0 condenado nao havia recolhido 0 pagamento correspondente a pena de multa, 0 juiz, apos ouvido 0 Ministerio Publico, que pugnava sempre pela sua conversao, efetivamente levava a efeito a requerida conversao e determinava a expedi~ao do necessario mandado de prisao.

Ora, qual era 0 cidadao de classe m~dia, ou media alta, que deixava de pagar a multa,' permitindo a sua conversao em pena privativa de liberdade? Como se percebe, mais uma vez, somente 0 pobre era preso, pois. que, realmente, na~ tinha condi~oes para quitar 0 seu debito pecuniario com 0

Estado,' .sendo que este Ultimo nao se importava, conforme impunha a lei anterior, com 0 fato de ser insolvente.

A modifica~ao do art. 51 do Codigo Penal, ocorrida por intermedio da Lei nQ 9.268, de 1 Q de abril de 1996, veio a born tempo, evitando que, pelo menos no que diz respeito a pena de multa, a seletividade do Direito Penal volte abrilhar, pois que agora nao mais e permitida a sua conversao em pena privativa de liberdade.

Concluindo, 0 Direito Penal e seletivo no momenta em que escolhe os comportamentos que deverao ser proibidos ou· imposto's (criminaliza~ao primaria), quem deve responder pelas a~oe~ criminosas praticadas .(~r,iInhla¥za~ao ~ecundaria) e, ainda, quem devera cumprir a pena aplicada ,:pelo' Estado, razao pela qual devemos reduzir ao maximo 0 numero de .#iift~~oes-penaisiafimdetorna-Io 0 mais justo possivel.

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A SELETIVIDADE DO DlItEITO PENAL

Capitulo 7

IMPLEMENTA<;:Ao DAS FINALIDADES SOCIAlS DO ESTADO COMO FATOR

INIBIDOR DA pRATICA DE INFRA<;:OES PENAIS

Apos tudo 0 que foi dito linhas atras, podemos concluir que a transforma~ao do Estado Social em Estado Penal foi a mola propulsora do processo de intl.a~ao legislativa que nos aflige atualmente. 0 Bireito Penal simbolico se transformou na ferramenta preferida dos nossos governantes, sendo utilizado com a finalidade de dar uma satisfa~ao a sociedade, em virtude do aumento da criminalidade.

Eric Hobsbawm, com argticia, salientou: Todo observador realista e a maioria dos governos sabiam que nao se diminuia nem mesmo se controlava 0 crime executando-se os criminosos ou pela dissuasao de longas senten~as penais, mas todo politico conheda a forc;:a enorme e emocionalmente carregada, racional ou nao, daexigencia em massa dos cidadaos comuns para que se punisseo anti-social. l •

FormaImente, vivemos uma d~thocracia social, na qual a nossa Carta Maior, conhecida como "a Constitui~ao Cidada", preconiza serem direitos sociais a educa~ao, a saude, 0 trabalho, a moradia, 0 lazer, a seguranc;:a, a previdencia social, a protec;:ao a matemidade e a infancia, a assistencia aos desamparados, conforme severifica pela leitura de seu art. 6Q, constante do Capitulo II, correspondente aos Direitos So~iais, do Titulo II, que cuida dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Contudo, como bern observado por Dulce Chaves Pandolfi, no Brasil, passados quase 15 anos do fim da ditadura militar, muitas sao as dificuldades p~lfa a consolida~ao de uma sociedade democratica. Se ne.> campo politico os avan~os foram grandes, em outras areas as mudan~as foram bern menos significativas. 0 novo regime nao conseguiu reverter a acentUada desigualdade economic a e 0 fenomeno da exclusao. social expandiu-se por todo 0 pais. A despeito da implanta~ao de urn. Estado de direito, os direitos humanos ainda sao violados e as politicas publicas voltadas para 0

1 HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos, p. 335.

-----------------------.- 141 DIREITO PENAL DO EQUIL(BRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO D1REITO PENAL

controle social permanecem precar~as. Se, formalmente, pela Constituic;ao de 1988, a cidadania esta assegurada a todos os brasileiros, na pratica, ela so funciona para alguns. Sem duvida, existe aqui urn deficit de cidadania, isto e, urna situac;ao de desequihbrio entre os princfpios de justic;a e solidariedade.2

Uma familia na qual seu mantenedor nao tern emprego, nao possui casa propria ou, mesmo, urn enderec;o fum, em que seus membros, quando adoecem, sao abandonados a propria, sorte pelo Estado, os filhos nao podem ser educados em escolas dignas, as crianc;as' sao desamparadas, usadas como ferramentas no offcio da mendicancia; enfim, enquanto houver tantas desigualdades sociais, a tendencia sera 0 crescimento da criminalidade aparente, ou seja, aquela ~riminalidade de que cuidam os noticianos, a criminalidade violenta, urbana, que faz com que seja derramado sangue quando das suas ac;oes.

Otavio Cruz Neto, Marcelo Rasga Moreira e Luiz Fernando Mazzei Sucena, em aprofundado estudo sobre a juventude e 0 trillco de drogas na cidade do Rio de Janeiro, evidenciaram, acertadamente:

Vivemos nurna sociedade permeada por contradic;oes socioeconomico-politicas que delineiam, no limiar do marco historico­temporal deste inicio de seculo, urn movimento cntico e tenso, de grave potencializac;ao de conflitos. Entre atonitos e preocupados, deparamo­nos com urn mundo globalizado e hegemonico, capaz de desenvolver processos socializadores distintos e determinados, que propiciam, ao mesmo tempo, a satisfac;ao de alguns com seu avanc;o tecnologico e sedutores bens de mercado e a frustrac;ao de muitos, excluidos ate mesmo do acesso a seus direitos vitais. Imersas nesse cenario, perfilam-se situac;oes complexas e inconclusas que se contrapoem as iniciativas conciliatorias e despertam problemas de. diffcil resoluc;ao, dos quais se podem destacar, dentre outros, a valorizac;ao dos anseios do m~rcado em detrimento de demandas da sociedade civil; 0 crescimento desmesurado da especulac;ao financeira, gerando brutal diminuic;ao da atividade produtiva e a elevac;ao do desemprego; a convivencia proxima e diaria, no ambito de urna sociedade de consurno, entre a pobreza e a opulencia; a impotencia das campanhas pela paz ante 0 gigantismo de urna industria belica que municia a violencia criminal, alem da reduzida credibilidade de partidos e instancias politicas junto a populac;ao, sobretudo entre os mais jovens.3

Existem, portanto, infrac;oes penais que sao cometidas por pessoas que p,~rt~nceIIl as clru;ses sociais mais baixas. Normalmente, infrac;oes patrimoniais

2;PANDOLFI; Dulce Chaves. Cidadania, justir;a e viof€mcia - Percep9ao dos direitos e participa9ao social, p. 45. 3'~9fQ, otavio Cruz; MOREIRA, Marcelo Rasga; SUCENA, Luiz Fernando Mazzei. Nem sofdados nem inocentes, p~ 23-24.

IMPLEMENTA!;AO DAS FINALIDADES SOCIAlS DO ESTADO COMO FATOR INIBIDOR DA PRATICA DE INFRA!;OES PENAIS

ou que of end em a integridade fisica, a saude ou a vida das pessoas. Os crimes contra os costumes, a exemplo do estupro e do atentado violento ao pudor, tambem sao comuns, sem falar no uso e no trafico de drogas.

A outra criminalidade, tida como oculta, infinitamente pior do que a aparente, nao diz respeito a ausencia do Estado Social: a criminalidade organizada, cujos mentores intelectuais fazem parte das camadas sociais mais elevadas, que ocupam os noticiarios dos jornais na qualidade de membros respeitaveis e admirados da nossa sociedade, que por urn erro de caIculo, vez por outra, caem as suas mascaras em publico, e todos tomam conhecimento do seu verdadeiro (mau) carater.

Existe uma diferenc;a gritante entre a criminalidade aparente, praticada pelas camadas sociais mais baixas, e aquela outra, oculta, cometida pelos intocaveis das camadas superiores. A primeira, como regra, somente existe em razao da impotencia do Estado erri gerir a coisa publica. A incapacidade do Estado de fazer diminuir 0 abismo economico existente entre as classes sociais permite 0 surgimento de urn espirito de revolta que, com sua propria forc;a, tenta, a todo custo, diminuir as desigualdades. 0 problema desse tipo de criminalidade e de natureza eminentemente social, ao contrano da outra, pior, cuja raiz se encontra na indole, no quater daquele que comete a:infrac;ao penal.

Ivan Luiz da Silva, em minucioso estudo sobre 0 crime organizado, declarou:

Para compreendermos melhor 0 fenomeno social da, criminalidade, e necessario que fac;amos urna analise da estrutura social, na qual estamos inseridos, e das inter-relac;oes entre sellS participantes; so assim, portanto, poderemos compreender em que estagio social nos encontramos e como essa realidade interfere na criminalidade e vice-versa.4

Comparativamente, urn homicfdio praticado por alguem que se encontra desempregado, transformado em urn indigente, que somente e encontrado embriagado, nurna escala valorativa, significa muito menos do que urn delito de corrupc;ao praticado por urn funciomirio publico, que ocupa 0

cargo de presidente de urna comissao de licitac;ao destinada a aquisic;ao de remedios para a distribuic;ao em farmacias populares. 0 comportamento do funcionano corrupto, geraImente intocavel, e infinitamente superior em termos de gravidade ao do homicida, visto que aquele pode ser comparado a urn genocida, pois que, com 0 seu prejuizo ao ermo, causa a morte de milhares, e nao de uma so pessoa.

Mas como a corrupc;ao nao sangra, a· sociedade tolera mais 0 corrupto do que 0 homicida. 0 corpo da vitima, ensangiientada, caida ao chao, choca muito mais do que cifras colocadas em urn pedac;o de papel, que apontam 0

quanto 0 Estado foi lesado.

4 SILVA, Ivan Luiz da. Grime organizado - Aspectos jurrdicos e criminol6gicos. p. 31.

DlREITO PENAL DO EQUlLfBRIO: 143 UMA VlSAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

· A hora e de mudanc;a. Garrido, Stangeland e Redondo, fazendo uma projec;ao no sentido de estudar a delinqiH~ncia e a sociedade do seculo XXI,

professam: . . o incremento da delinqiiencia e somente urn slntoma a malS das deficiencias na organiza~ao da sociedade hum ana. 0 crescimento economico e os sucessos tecnicos nao tern eliminado a delinqiiencia, senao que a tern fomentado. Uma sociedade dominada pelo egofsmo desenfreado, pela luta para triunfar, ainda que para isso tenha que pisar nos demais, tern muita delinqiiencia. 0 egoismo e agressividade dominantes nesta sociedade toma a forma de corrup~ao, delitos contra 0 meio ambiente, mas tambem delitos contra qualquer vizinho: roubos, furtos, lesoes, agressoes sexuais. [ ... ] . Como podemos conseguir 0 cumprimento basico das normas de convivencia, sem cair em urn sistema opressivo e policial? Nossa visao para 0 seculo que vern c urn modelo ecologico, com urn crescimento sustentavel, baseado no equfubrio entre os seres humanos e os recursos naturais existentes, e tambcm urn equilibrio cfvico. entre grupos sociais. Do mesmo modo se devera buscar urn equilibrio na politica criminal, a liberdade individual e os interesses da comunidade. Equilibrar estes extremos e urna questao politica, e 0

papel dos criminologos nao e def~nder suas convic~oes ideologicas pessoais, senao aportar informa~ao confiavel sobre as diversas estrategias de controle.5

Concluindo, entendemos ser possfvel reduzir, e nao eliminar, a criminalidade tida como aparente a partir do momento em que 0 Estado assumir a sua fun~ao so~ial, diminuindo 0 abismo economico existente entre as classes sociais. No que diz respeito a criminali~ade nao aparente, praticada, como regra, pelas c.amadas sociais mais altas, a questao em jogo e de carater moral, nao tendo o Estado condi~oes para impor tais atributos as pessoas que nao pensam no seu proximo, nao se preocupam com as cenas veiculadas pelos meios de .~omunica~ao de massa, que anunciam crian~as morrendo de fome, idosos padecendo em filas de hospitais em busca. de atendimento; enfirn, cidadaos destituidosde dignidade porque 0 Estado retirouaquilo que lhes restava ...

o estabelecimento do Estado Social e 0 necessario processo de "diminui~ao das tigurastipicas, nos termos propostos pelo Direito Penal do Equilibrio, farao' com que diminuam os indices 'da criminalidade violenta, ap~eritei:beIIi; como ,permitirao ao Estado ocupar-se daquela consideradaa

;·:-jiiij~iie~astade todas, quase sempre oculta, mas organizada.

iicyt'~::~RRIDO, Vicente; STANGELAND, Per; REDONDO, Santiago. Princfpios de criminologia, p. 887/888.

IMPLBMBNTA«;:Ao DASFINALIDADES SOCIAlS DO ESTADO COMO FATOR INIBIOOK DA PRATICA DE INFRA«;:OES PBNAIS

Capitulo 8

A IDEIA DA RESSOCIALIZAt;AO

Muito se tern discutido ultimamente a respeito das fun~oes que devem ser atribufdas as penas. 0 nos so Codigo Penal, por intermedio de seu art. 59, diz que as penas devem ser necessarias e suficientes a reprovat;iio e a prevenriio do crime. Assim, de acordo com a nossa legisla~ao penal, entendemos que a pena deve reprovar 0 mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bern como prevenir futuras infra~oes penais.

De acordo com as li~oes de Ferrajoli, sao teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como urn fim em si propria, ou seja, como 'castigo', 'rea~ao',

'repara~ao' ou, ainda, 'retribui~ao' do crime, justificada por seu intrfnseco valor axiologico, vale dizer, nao urn meio, e tampouco urn custo, mas, sim, urn dever ser metajurfdico que possui em si seu proprio fundamento. Sao, ao contrano, 'relativas' todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto urn meio para a realiza~ao do tim utilitario da preven~ao de futuros delitos. l

As teorias absolutas, com os. o1b.os voltados para 0 passado, ou seja, simples mente para a infra~ao penal praticada pelo agente, advogam a tese da retribui~ao, sendo que as teorias relativas, com os olhos voltados. para 0 futuro, buscando evitar que outras infra~oes penais sejam cometida~, apregoam a preven~ao.

Na reprova~ao, conforme preconiza a teoria absoluta, reside 0 carater retributivo da pen~. Nesse sentido e a li~ao de Roxin:

A teoria da retribui~ao nao encontra 0 sentido da pena na perspectiva de algum tim socialmente util, senao em que mediante a imposi~ao de urn mal merecidamente se retribui, equilibra e espia :a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria 'absoluta' porque para ela 0 tim da pena e independente, 'desvinculado' de seu efeito social. A concep~ao da pena como retribui~ao compensatoria realmente ja e conhecida des de a antiguidade e permanece viva na consciencia dos profanos com uma certa. naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupoe que se

1 FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 204.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: 145 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

~

"' corresponda em sua dura«;ao e intensidade com a gravidade do delito, que 0 compense.2

A sociedade em geral se satisfaz e, na verdade, busca tao-somente fazer com que a pena tenha essa finalidade, pois que tende a fazer com ela uma especie de "pagamento" ou compensa«;ao ao condenado que praticou a infra«;ao penal, desde que, obviamente, a pena seja privativa de liberdade. Se ao condenado for aplicada uma pena restritiva de direitos ou mesmo a de multa, a sensa«;ao, para a sociedade, e de impunidade, pois que 0 homem, infelizmente, ainda se regozij'a com 0 sofrimento causado pelo aprisionamento do infrator.

A razao da ado«;ao <:Ie uma tese minimalista, equilibrada, do Direito Pe'nal, deixaria de lado todas as hip6teses de encarceramento que nao fossem extremamente necesscirias para a manuten«;ao da sociedade.

Sarrule, com precisao, criticando 0 pensamento retribucionista atribuido a pena, aduz:

o fim da pena nao e atormentar 0 reu para anular 0 mal que 0 delito implica, porque na realidade nao 0 anula, senao que gera uma nova espiral de violencia que nao pode, por suas caracteristicas, retornar as coisas ao estado anterior. A vingan«;a implica urna paixao,:eas leis, para salvar a racionalidade do direito, devem ser isentas de paixoes.3

Como se pode perceber, os olhares dos adeptos da teoria absoluta, que pregam a retribui«;ao do mal cometido pelo agente, ao praticar a infra«;ao penal, com 0 mal correspondente a pena, sao dirigidos ao passado, ao passo que os seguidores da teo ria relativa tern 0 seu foco voltado para 0 futuro, vale dizer, com a preven«;ao de novas infra«;oes penais, sendo esta Ultima, por isso, considerada como urna teoria utilitarista, que discorre a respeito da utilidade da aplica«;ao da pena.

A teoria relativa, portanto, sob 0 enfoque utilitarista, fundamenta-se no criterio da preven«;ao, que se biparte em: a) preven«;ao geral- negativa e positiva; b) preven«;ao especial- negativa e positiva.

A preven«;ao geral pode ser analisada sob dois enfoques. Por meio da preven«;ao geral negativa, conhecida tambem por prevem;ao por intimidafao, a pena aplicada ao autor da infr~«;ao penal tende a retletir com a sociedade, fazendo com que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados a condena«;ao de urn de seus" pares, retlitam antes de praticar qualquer infra«;ao penal.

2 ROXIN, Claus. Oerecho pena/- Parte general, t. I, p. 81-82. 3 SARRULE, Oscar Emmo. Las crisis de legitimidad del sistema jurfdico penal (abolicionismo ° justificaci6n), p. 32.

146 A IDEIA DA RESSOCIALlZAc;:Ao

Segundo Hassemer, com a preven«;ao por intimida«;ao, existe a esperan«;a de que os concidadaos com inclina«;oes para a pnitica de crimes possam ser persuadidos, atraves da resposta sancionat6ria a viola«;ao do Direito alheio, previamente anunciada, a comportarem-se em conformidade com 0 Direito; esperan«;a, enfim., de que 0 Direito Penal ofere«;a sua contribui«;ao para 0 aprimoramento da sociedade.4

Por meio dessa vertente da preven«;ao geral, tida como negativa, a sociedade e advertida a respeito do Direito Penal tanto mediante amea«;a da pena, em abstrato, contida na lei, como tambem na oportunidade em que essa mesma lei e aplicada, gerando a condena«;ao de urn de seus pares. Nesta Ultima hip6tese, 0 agente, na verdade, serve de exemplo5 aos demais, fazendo com que a sua condena«;ao retlita em seu meio social, levando a compreensao de todos aqueles que 0 cercam, ou que, pelo menos, tiveram conhecimento da sua condena«;ao, as conseqiiencias pela pnitica de determinada infra«;ao penal. .

Nesse sentido, prelecionam Paulo Cesar Busato e Sandro Montes Huapaya:

[ ••. J a intimida«;ao ou coa«;ao psicol6gica (efeito dissuas6rio) pretende atuar em do is momentos: em uma primeira etapa, antes da comissao do delito, com a 'comina«;ao penal' dirigida a gerieralidade das pessoas, provocando uma sensa«;ao de desagrado' e impedindo a comissao do delito; e, em urn segundo momento, posterior ao fato delitivo, mediante a 'execu«;ao exemplarizada da pena'e sua intluencia psicol6gica em outros, ja que do contrcirio se esvaziaria a amea«;a inicial.6

Segundo Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, a 16gica da dissuasao intimidat6ria propoe a clara u~iza«;ao de tima pessoa comorecurso ou instrumento empregado pelo Estado para seus pr6prios fins: a pessoa humana desaparece, reduzida a urn meio a servi«;o dos fins estatais.7

Paulo de Souza Queiroz, dissertando sobre a segunda vertente da preven«;ao geral, considerada como positiva, afirma:

4 HASSEMER, Winfried. Tres temas de direito penal, p. 34. 5 Merece registro a posiQao de Ferrajoli, quando assevera que "mais do que qualquer outra doutrina utilitarista, esta ideia da funQao exemplar da execuQao da pena da margem, com efeito, a objeQao kantiana segundo a qual nenhuma pessoa pode ser utilizada como meio para fins a ela estranhos, ainda que sociais e elogiaveis" (Oireito e razao, p. 223). 6 BUSATO, Paulo Cesar; HUAPAYA, Sandra Montes./ntrodugao ao direto pena/- Fundamentos para urn sistema penal democratico, p. 216-217. 7 BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Oireito penal brasileiro, v.I, p.120.

DlREITO PENAL DO EQUILfBRIO: 147 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Para os defensores da prevem;iio integradora ou positiva, a pena presta-se nao a preven'Yao negativa de-delitos, demovendo aqueles que ja tenham incorrido na pratica de delito; seu prop6sito vai alem disso: infundir, na consciencia geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo, em Ultima analise, a integra«;ao social.8

Por outro lado, com enfoque distinto do anterior, ou seja, 0 da preven«;ao geral, existe a finalidade preventiva especial da pena, que pode tambem ser concebida em seus do is sentidos: positiva e negativa. Por intermedio da preven«;ao especial negativa, busca-se levar a efeito a neutraliza«;ao daquele que praticou a infra«;ao penal, neutraliza'Yao que ocorre com a sua segrega'Yao no carcere, retirando 0 agente momentaneamente do convivio social, impedindo-o de praticar novas infra«;oes penais, pelo menos na sociedade da qual foi retirado. A neutraliza«;ao do agente, como se percebe, somente ocorre quando a ele for aplicada pena privativa de liberdade.

De acordo com 0 raciocmio da preven«;ao especial positiva, segundo Roxin, "a missao da. pena consiste unicamente em fazer com que 0 autor desista de cometer futuros delitos". 9

No esc6lio de Cezar Roberto Bitencourt, "a preven«;ao especial nao buscaa intimida«;ao do grupo social nem a retribui«;ao do fato praticado, visando apenas aquele individuo que ja delinqiiiu para fazer com que nao volte a transgredir as .,.<irmas juridico-penais" .10

o art. 1 Q da Lei de Execu«;ao Penal afirma 0 carater ressocializador da pena dizendo que "a execu«;ao penal tern por objetivo efetivar as disposi«;oes de senten«;a ou decisao criminal e proporctonar condifoes para a harmonica integrafiio social do condenado e do internado". .

Para que a pena possa realizar as suas fun«;oes;' Foucault preconiza a ado«;aode sete principios fundamentais: 1. Principio da corre«;ao (a deten'Yao penal deve ter por fun«;ao essencial a

transforma«;ao do comportamento do individuo). 2. Principio da classifica'Yao (os detentos devem ser isolados ou, pelo menos,

repartidos de acordo com a gravidade penal de seu ato, mas principalmente segundo sua idade, suas disposi'Y0es, as tecnicas de corre«;ao que se pretende utilizar nas fases de sua transforma«;ao).

3. Principio da modula'Yao das penas (as penas, cujo desenrolar deve poder ser modificado segundo a individualidade dos detentos, os resultados ()btidos, os progressos ou as recafdas).

-8-'9~~II:~6z;' Paulo d~ S~uza Funqoes do direito penal, p. 40. ~,·~g),d,l).i/elaus. Derechopenal.,.. Parte general, t. I, p. 85. l°:'siTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal - Parte geral, p. 81.

A IDI1IA DA RESSOCIALlZA<;Ao

4. Principio do trabalho como obriga«;ao e como direito (0 trabalho deve ser urna das pe«;as essenciais da transforma«;ao e da socializa«;ao progressiva dos detentos).

5. Principio da educa«;ao penitenciaria (a educa«;ao do detento e, por parte do Poder Publico, ao mesmo tempo uma precau«;ao indispensavel no interesse da sociedade e uma obriga«;ao para com 0 detento).

6. Principio do controle tecnico da deten«;ao (0 regime de prisao deve ser, pelo menos em parte, controlado e assumido por pessoal especializado que possua as capacidades morais e tecnicas de zelar pela boa forma«;ao dos individuos) .

7. Principio das institui«;oes anexas (0 encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistencia ate a readapta«;ao definitiva do antigo detento). 11

A esses principios eu ousaria acrescentar ainda mais urn que, com certeza, a meu ver, e 0 mais importante de todos, qual seja: 0 principio da cristandade. Devera 0 condenado, pelo menos, ter 0 dire ito de conhecer a Palavra de Deus. Tal conhecimento 0 levara a se adaptar, com mais facilidade, as regras do carcere, tornando-o apto a curnprir as determina«;oes que lhe forem impostas.

Aqueles que militam perante a Justi«;a Criminal podem testemunhar a diferen«;a entre urn preso convertido, ou seja, que teve urn encontro verdadeiro com Jesus, e aquele que nao tomou essa decisao de vida.

Raramente os presos convertidos causam algum problema durante a . I.

execu'Yao de sua pena. Nao se rebelam, atendem a todas as autoridades, otimizam seu tempo com trab alho , lazer e, principalmente, com 0

conhecimento diario das Sagradas Escrituras. Portanto, em razao da reda«;ao contida no caput do art. 59 do C6digo

Penal, podemos concluir pela ado«;ao, em nossa lei penal, de urna teo ria mista ou unificadora da pena.

Santiago Mir Puig aduz que a luta entre as teorias acima mencionadas, que teve lugar na Alemanha, em principios do seculo XX, acabou tomand9, uma dire«;ao ecietica, iniciada por Merkel. Tal como' a posi'Yao assurnida por nossa legisla«;ao penal, Santiago Mir Puig entende que "a retribui«;ao, a preven«;ao geral e a especial sao distintos aspecto~ de urn fenomeno complexo dapena".12

11 FOUCAULT, Michel. Vigiarepunir, p. 224-225. 12 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal- Parte general, p. 56.

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: UMA VI sAo MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

.. . ~ 149

8.1. A RESSOCIALIZACAO SOB 0 ENFOQUE DO DIREITO PENAL DO EQUILIBRIO ---

Parece-nos que a sociedade nao concorda, pelo menos a primeira vista, com a ressocializac;ao do condenado. 0 estigma da condenac;ao, carregado pelo egresso, 0 impede de retornar ao normal convivio em sociedade.

Nao faz muito tempo, os meios de comunicac;ao informaram que uma mulher, condenada p_elo homicidio de uma atriz da Rede Globo, havia se matriculado em uma Faculdape de Direito no Estado do Rio de Janeiro. Para nossa surpresa, os alunos, que com ela estudariam, abandonaram a sala,; de aula, sob 0 argumento de que nao seriam colegas de uma "h.,oQliqirla". Ora, se-r~ que aquela condenada, ao-fazer a prova de vestibular, matilculap.do-se numa Faculdade de Direito, queria buscar a sua tao almejada ressocializac;ao, depois de ja ter cUn:'-prido 0 tempo de condenac;ao que the fora imposto pelo Estado?

Nao somente esse caso demonstra que a sociedade nao esta preparada para receber 0 egresso. Quando surgem os movimentos de reinserc;ao social, quando algumas pessoas se mobilizam no sentido de conseguir emprego para os egressos, a sociedade trabalhadora se rebela, sob 0 seguinte argumento: "Se 'n6s', que nunca fomos condenados por praticar qualquer infrac;ao penal, sofremos com 0 desemprego, por que jv-~tarnente aquele que descumpriu as regras sociais de maior gravidade devera inerecer atenc;ao especial? Sob esse enfoque, e 0 argumento, seria melhor praticar infrac;ao penal, pois que ao termino da pena ja terfamos lugar certo para trabalhar!"

E as discussoes nao param por al. Como 0 Estado quer levar a efeito 0 programa de ressocializac;ao do condenado se nao cumpre as func;oes sociais que the sao atribuidas pela Constituic;ao Federal? De que adianta ensinar urn offcio ao condenado durante 0 cumprimento de sua pena se, ao ser colocado em liberdade, nao conseguira emprego e, 0 que e pior, muitas vezes voltara ao mesmo ambiente que the propiciou 0 ingresso na "vida .do crime"? b Estado nao educa, nao fornece habitac;ao para a populac;ao carente e miseravel, nao se preocupa com a satide de sua populac;ao; enfim, e negligente em todos os aspectos fundamentais para que se preserve a dignidade da pessoa humana.

A ideia minimalista aliviaria 0 problema da ressocializac;ao. Sabemos que quanta maior 0 mlmero de condenac;oes que conduzam ao efetivo cumprimento da pena de privac;ao de liberdade, maiores serao os problemas posteriores.

RaUl Cervini preleciona: A prisao, como sanc;ao penal de imposic;ao generalizada nao e uma instituic;ao antiga e que as razoes hist6ricas para manter uma pessoa reclusa foram, a principio, 0 desejo de que mediante a privac;ao da liberdade retribuisse a sociedade 0 mal causado por sua conduta

A IDEIA DA RESSOCIALIZAI;AO

inadequada; mais tarde, obriga-Ia a frear seus impulsos anti-sociais e mais recentemente 0 prop6sito te6rico de reabilita-Ia. Atualmente, nenhum especialista entende que as instituic;oes de cust6dia estejam desenvolvendo as atividades de reabilitac;ao e correc;ao que a sociedade lhes atribui. 0 fenomeno da prisonizac;ao ou aculturac;ao do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerario que condiciona futurascarreiras criminais (fenomeno de contagio), os efeitos da estigmatizac;ao, a transferencia da pena e outras caracteristicas pr6prias de toda instituic;ao total inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz e as pr6prias cifras de reincidencia sao por si s6 eloquentes. Ademais, a carencia de meios, instalac;oes e pessoal capacitado agravam esse terri vel panorama. 13

Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar apontam, ainda: Os riscos de homicidio e· suicidio em prisoes sao mais de dez vezes superiores aos da vida em liberdade, em meio a urna violenta realidade de motins, abusos sexuais, corrujJc;ao, car~ncias medicas, alimentares e higienicas, alem de contaminac;oes devido a infecc;oes, algumas mortais, em quase 80% dos presos provi~6rios. Assim, a prisonizac;ao e feita para alem da sentenc;a, na forma de pena corporal e eventualmente de morte, 0 que leva ao paradoxo da impossibilidade estrutural da teo ria. Quando uma instituic;ao nao cumpre sua func;ao, por regra nao deve ser empregada. Na realidade paradoxal do continente latino-americano, as penas nao deveriam ser impostas se se mantivesse, coerentemente, a tese preventista especial positiva. A circunstancia de que sequer seja mencionada tal possibilidade prova que prevenc;ao especial nao passa de urn elemento do discursO.14

Merece destaque a lic;ao de Gevan de Carvalho Almeida, quando afirma: Ingressando na prisao, 0 condenado se 'socializa', isto e, aprende a viver em uma nova sociedade que tern leis pr6prias, classes, e uma rfgida hierarquia que ele se ve na contingencia de respeitar ate por uma questao de sobrevivencia. E 0 chamado fenomeno da 'prisonizac;ao', que atinge inclusive os funcionarios do sistema penitenciario que convivem com os presos. Aos poucos, sem que percebam, vao adquirindo sua linguagem, 0 jargao pr6prio dos presidiarios, que finda sendo usado ate pelos medicos, assistentes sociais, psic610gos e outros profissionais.15

13 CERVINI, Raul. Os processos de descriminalizar;ao, p. 46. 14 BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, v. I, p.126. 15 ALMEIDA, Gevan de Carvalho. 0 crime nosso de cada dia, p. 110.

DIREITO PENAL DO EQUIL(BRIO: UMA VISAO MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

151

Se nao b.astasse, quando se discute a respeit~_da fum;ao ressocializadora da pena, alem das criticas anteriores, que, na verdade, apontam para dire«;ao completamente oposta quando 0 preso e obrigado a conviver no ambiente depressivo, humilhante e degradante do carcere, urn dos maio res desafios consiste, justamente, em definir 0 que se quer dizer com ressocializaryao.

Winfried Hassemer, professor da Universidade de Frankfurt, argiUu: a que realmente se quer atingir com 0 fim apontado: uma vida

, . exterior conforme ao Direito, ou so conforme 0 Direito Penal (?), uma 'conversao' tambem interna, uma 'cura', urn consentimento (?) com as normas sociais/juridicas/penais (?) de nossa sociedade? A resposta ainda esta pendente. Sem uma determina«;ao clara e vinculante, nenhum programa de recupera«;ao, a rigor, se justifica. 16

Ferrajoli ainda complementa, dizendo: Na medida em que seja realizavel, a finalidade da corre«;ao coativa da pessoa coristitui, portanto, uma finalidade moralmente inaceitavel como justifica«;ao externa da pena, alem de violar 0 primeiro direito de todo e qualquer homem, que e a liberdade de ser ele proprio e de permanecer como e.17

Na verdade, nao se pode generalizar 0 termo ressocializaryao, razao pela qual 0 processo de individualiza«;ao da pena existe. Aquele condenado que nunca aprendeu urn offcio extemamente, enquanto gozava de sua liberdade, talvez desperte interesse em aprende-Io no sistema penitencicirio. Se nao tinha instru«;ao basica, nao sabia ler ou escrever, ou mesmo se: tendo algum conhecimento, isso era insuficiente para colpca-Io no mercado de trabalho, talvez 0 sistema possa ajuda-Io de alguma forma.

Contudo, ha outros presos com nivel superior, forma«;ao academic a, intelectual e profi~sional invejaveis. a que fazer com eles? Ensinar-lhes 0 offcio da marcenaria? au, quem sabe, a informatica? E claro que se tentarmos for«;ar­lhes esse tipo de trabalho manual estariamos incorrendo em situa«;ao ridicula.

Cada preso tern sua particularidade, sua individualidade, nao podendo ser confundido com os demais. Para alguns, a ressocializa«;ao, entendida no sentido de educa~ao e habilita«;ao para a pratica de urn offcio, seria urn passo irilportante visando ao futuro egresso. A sua especializa«;ao em determinada area de trabalho faria com que sua mao-de-obra se tomasse competitiva, mesmo sendo vista com reservas, considerando que ele traz consigo as marcas do carcere, ou seja, 0 efeito estigmatizante que dificilmente sera esquecido, ate que efetivamente demonstre 0 seu valor .

• , ~ f , ......... : _: " .. .-

.1fl. HASSEMER, Winfried. Tres temas de direito penal, p. 39. 17 . FERRAJOLl, Luigi. Direito e razao, p. 220.

AlOgiA DA RBSSOCIALlZA<;AO

Por outro lado, 0 que fazer com aqueles condenados altamente "sociaveis" que praticaram infra«;oes penais que envolviam urna capacidade de inteligencia elevada? Para esses, a pena nao alcan«;aria 0 seu efeito ressocializador, pois, na verdade, foram eles retirados do seio da sociedade para a qual estavam plenamente habilitados. Para esse tipo de condenado, a pena nao alcan«;aria esse efeito ressocializador, mas tao-somente aquele de natureza segregadora.

Enfim, os problemas parecem insoluveis. Contudo, podem ser minimizados, evitando-se condena«;oes desnecessarias, por fatos de somenos importancia, que tern 0 condao de tao-somente aumentar as anglistias sociais.

Concordamos com Cezar Roberto Bitencourt quando professa: o conceito de ressocializa«;ao deve ser submetido necessariamente a novos debates e a novas defini«;oes. E preciso reconhecei que a pena privativa de liberdade e urn instrumento, talvez dos mais graves, com que conta 0 Estado para preservar a vida social de urn gropo determinado. Este tipo de pena, contudo, nao resolveu 0 problema da ressocializa«;ao do delinqiiente: a prisao nao ressocializa. As tentativas para eliminar as penas privativas de liberdade continuam. A pretendida ressocializa«;ao deve sofrer profunda revisao.18

Por isso, outra alternativa nao nos resta a nao ser a ado«;ao de urn Direito Penal do Equilibrio, fazendo com que seja diminuido 0 numero de condena«;oes, cujos reflexos, conseqiientemente, tambem diminuirao apos 0

efetivo curnprimento da pena.

18 BITENCOURT, Cezar Roberto. Fa/encia da pena de prisao, p. 132.

D1RBITO PBNAL DO BQUILfBRIO: 153 UMA V1SAO MINIMALISTA DO D1RBITO PBNAL

··Capitulo 9

CONCLUSAO

Por tudo 0 que foi exposto, percebe-se que os discursos extremados, vale dizer, 0 do abolicionismo penal, que busca a elimina«;ao completa do Direito Penal, bern como 0 movimento de lei e ordem, que prega a aplica«;ao de urn Direito Penal Mcixi.mo, pattern de pressupostos equivocados e completamente antagonicos entre si.

Os abolicionistas, com fundamento no principio da dignidaqe da pessoa humana, acreditam firmemente na ideia do completo afastamento do Direito Penal, uma vez que entendem, mediante imimeros argumentos - crueldade, seletividade, cifra negra, etc. -, que os outros ramos do ordenamento juridico, a exemplo do civil, do administrativo, do tributario, conseguem, perfeitamente, resolver todos os nossos contlitos interindividuais, sem a necessidade da interven«;ao drastic~ do Direito Penal, juntamente com todo 0

sistema que the e inerente. Os adeptos do Direito Penal Mcixi.mo equivocam-se, tambem, em razao

de falsidade dos seus discursos, uma vez que, apontando coIl}o: sua finalidade a prote«;5.o de qualquer bern juridico, tenha ou nao valor relevante, utilizam a ferramenta do Direito Penal com 0 fim de ocupar 0 papel de educadores, bus cando resolver todos os problemas sociais, por menores que sejam, com 0

terror da pena, fazendo com que 0 Direito Penal seja reconhecidamente simb6lico.

A transforma«;ao do Estado Social em urn Estado Penal deu origem ao discurso equivocado do Direito Penal Maximo.

Entretanto, ocupando uma posi«;ao intermediaria, encontra-se 0 Direito Penal do Equilibrio, que procura resolver os contlitos sociais com seriedade, buscando somente proteger os bens mais importantes e necessanos ao convivio em sociedade. Preserva, portanto, 0 principio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma vez que somente intervem no dire ito de liberdade de seus cidadaos nos casos estritamente necessarios, pois que sem essa interven«;ao ocorreria 0 caos social.

Para tanto, para se reconhecer 0 Direito Penal do Equilibrio, seus principios fundamentais devem ser obedecidos tanto no momenta da cria«;ao da lei quanto no da sua efetiva aplica«;ao. Alguns principios de observancia obrigat6ria, a exemplo da interven«;ao minima, lesividade e adequa«;ao social, individualiza«;ao da pena, proporcionalidade, deverao merecer a aten«;ao do

DIREITO PENAL DO EQUlLfBRIO: 155 UMA VIsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

legislador no momenta da criac;ao da figura tipica. Outros, como os principios da insignifidincia e da culpabilidade, terao sua aplicavao dirigida mais ao caso concreto trazido ao crivo do Poder Judiciario.

No enfoque minimalista, a chamada principiologia do Direito Penal exerce papel fundamental, sendo basicamente todos os principios origimirios daquele principio maior, que e 0 da dignidade da pessoa humana, fruto de conquista do Seculo das Luzes .

.' Einbora 0 Direito Penal do Equilibrio seja, segundo entendemos, a melhor e mais razoavel posivao a ser assumida em um Estado Democratico de Direito, sabemos tambem que a utilizavao do Direito Penal nao devera ser realizada em substituivao ao Estado Social. Mesmo sob um enfoque minimalista, 0 Direito Penal nao pode ter a pretensao de tentar resolver todos os problemas, ate os mais graves, que atligem a sociedade.

Tambem e verdade que, mesmo 0 Estado se esforvando ao maximo para cumprir suas funvoes sociais, ainda assim teriamos 0 cometimento de infravoes penais, pois que, se voltarmos a hist6ria da humanidade, ap6s 0

pecado original, a primeira infrac;ao penal de natureza grave cometida nao tinha qualquer ligavao com necessidades basicas do cidadao.

Quando Cairn matou Abel, 0 homicidio foi praticado por pura inveja, egoismo; enfim, sentimentos que dizem respeito ao ser humano, tenha ele ou nao condivoes so~iais dignas.

A finalidade, portanto, de um Direito Penal do Equilibrio e evitar a aplicavao desnecessaria e cruel do mais forte de todos os ramos do ordenamento juridico, com todas as suas seqiielas, que por todos sao conhecidas, a exemplo da estigmatizavao do egresso, das dificuldades de sua reinservao ao convivio em sociedade, da sua marginalizavao, pois que a pri~ao, ao inves de ressocializar, corrompe 0 condenado.

Assim, a· ideia de discorrer sobre tema tao empolgante teve por finalidade fazer com que as autoridades despertem para a realidade do Direito Penal, mostrando ser ele, efetivamente, seletivD, pois que recai tao-somente sobre a parcela mais excluida da sociedade, com raras excevoes que existem somente para justificar a regra.

Uma tomada de posivao equilibrada fara com que sejam abolidas todas as contravenvoes, que, por definivao, tocam a protevao de bens nao tao importantes quanta aqueles protegidos pelos delitosl crimes. Nao somente as contravenvoes penais, mas todas as infravoes penais que nao atenderem aos principios fundamentais do Direito Penal do Equilibrio devem ser eliminadas, p¥~,;quesepos~achegar a pureza do sistema, a fim de que a Justic;a, aqui ~~:mpi-e~itdicta no sehtido amplo, com todas as suas implicavoes, possa

-;;:;::'-:; .

CONCLUSJl.o

realmente se comprometer com aquilo que seja importante para a sociedade, deixando de lado tudo que nao goze do status exigido pelo Direito Penal.

Nossos legisladores sao verdadeiros colecionadores de tipos penais. Nos termos de um processo nefasto de inflac;ao legislativa, a cada dia novas infravoes penais sao criadas, proibindo ou impondo novos comportamentos sob a ameac;a de sanc;ao penal. Contudo, embora a toda hora venham a luz novas infrac;oes penais, aquelas antigas, que nao retratam mais a realidade da sociedade, cuja existencia tambem nao mais se "justifica, ainda permCJlecem no cataIogo repressivo, estando a postos toda vez que alguem, por infelicidade, recordar-se da sua existencia para, numa situac;ao ou outra, valer-se da ameava da pena com 0 fim de justificar atos de arbitrariedade.

Ja vivemos suficientemente 0 problema da inflavao legislativa. A hora e de mudanc;a, de coragem para a adoc;ao de um sistema diferente, garantista, que procure preocupar-se com 0 principio da dignidade da pessoa human a, que consiga enxergar em outros ramos do ordenamento juridico forc;a suficiente para a resoluvao dos conflitos sociais de somenos importancia.

Concluindo, ja e hora - na verdade, ja passou da hora - de ser adotado urn Direito Penal do Equilibrio, por meio do qual 0 Estado perdera seus poderes de coerc;ao em beneficio do direito de liberdade de seus cidadaos.

DlREITO PENAL DO EQUILtBRIO: UMA VISJl.O MINIMALISTA DO DlREITO PENAL

157

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--------------_.-._---_.- 163 DlREITO PENAL DO EQUILtBRIO: UMA VlsAo MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

INDICE REMISSIVO

A Aboli'tao da pena de morte 110 Abolicionismo 5, 8, 11 Abolicionismo penal 155 Abolitio criminis 127 Aborto 32,131 Aborto etico ou sentimental 131 Aborto eugenico 33 Aborto praticado por medico 32 Adulterio 33 Agravantes 129 Analogia 127-129 Analogia in bonam partem 128, l30-132 Analogia in malam partem 128-130 Antijuridicidade 89 Antijuridicidade material 89 Antinormatividade 87 Antropologia 31 Aplica'tao da pena 28 Arrependimento posterior 34 Associacionismo 41 Atavism041 Atentado violento ao pudor 131,143 Atipicidade 26, 27, 86 Ato administrativo 75 Ato obsceno 26, 82, 83 Atos preparat6rios 80

B Banimento 7, 28,72,108,114,115 Beijo lascivo 83 Bern juridico 64 Bullying 44

C Campos de concentra'tao 21, 22 Causa de justifica'tao 83, 88 Causa de justifica'tao de carater consuetudincirio 81 Causa especial de aumento de pena 127, 129 Causas da delinqiiencia juvenil39

Causas de aumento de pena 129 Cifra negra 8, 9, 15, 155 Circunstancias atenuantes e agravantes 94 Circunstancias judiciais 94, 120 Classifica'tao do condenado 95 Clausula petrea 116 . C6digo penal militar III Cogita'tao 80 Comina'tao 27, 28, 92,108 Comissao tecnica de classifica'tao 95 Comportamento delitivo 31-33, 45 Composi'tao dos danos 34 Comunica'tao de massa 1 Conceito analitico de crime 119 Conselho nacional de politica criminal e penitenciciria 138 Contraven<;oes penais 3, 65, 79, 156 Controle social 34 Controle social formal 43 Controle social informal 38 Conven'tao americana sobre direitos

; humanos 109, 110 Costume 127 Costume ab-rogativo 128 Costume contra, extra ou ultra legem 127 Costume integrativo, subsidicirio ou elucidativo da norma penal (costume intra legem) 127 Costumes 82, 127-129 Cria'tao dos tipos penais 69, 79, 134 Crime de bagatela 90 Crime organizeido 143 Crimes ambientais 74 Crimes contra a vida 92 Crimes contra os costumes 143 Crimes de colarinho branco 8 Crimes hediondos 71 Criminalidade de bagatela 86 Criminalideide nao aparente 144 Criminalidade organizada 2, 143 Criminalidade violenta 142, 144 Criminaliza'tao 25, 26

DlRBITO PBNAL DO BQUILIBRIO:

,. , ~ 165

UMA VlsAo MINIMALISTA DO DlRBITO PBNAL

Criminalizacrao primaria 137, 140 Criminalizacraosecundaria137,140 Criminologia 23,31-33,40, 117 Criminoso nato 40 Cristianismo 55 Criterio trifasico 94 Culpabilidade 22, 32, 35, 84, 89, 90, 103,

117-122

D Declaracrao dos direitos do homem e do cidadao 57, 76 D~cretos legislativos 124 Defiacrao legislativa 3 Degredo 114 Delinqiiente habitual 22, 23 Delinqiiente ocasional22 Delitos de bagatela 85 Delitos de perigo abstrato 79 Deportacrao 114 Desterro 114 Desvio primario 43 Desvio secundario 43 Devido processo legal 7 Dignidade da pessoa hwnana 55-57, 59, 76 Direito Constitucional5 Direito Natural 48, 49, 123 Direito Penal do autor 20 Direito Penal do cidadao 18 Direito Penal do Equilibrio 1-5,24,49,62, 73,85,88,91,122,144,153,155-157 Direito Penal do fato 20 Direito Penal do ilwninismo 63 Direito Penal do inimigo 17-21, 23, 24 Direito Penal maximo 1, 2, 12, 15-17, 23, 84,112,155 Direito Penalminimo 1,2,5,11,24-26,29, 66 Direito Penal objetivo 4 Direito Penal positivo 4 Direito Penal simb6lico 12, 141 Direitos do preso 113 Direitos e garan:tias fundamentais 141 Direitos e g(lI"antia~ iridi~4~<;tis 2 Direitos fundame~tais 2;3, 69, 70, 109 Direitos hwnanos 2, 50, 58, 69, 141

Direitos naturais 76 Direitos sodais 141 Dos delitos e das penas 1

E Elementos normativos culturais 135 Elementos normativos do tipo 135 Elementos normativos juridicos 135 Embriaguez 79 Erro judiciario 110 Escola biol6gica 41 Escola Bio16gica da Criminologia 40 Escola Classica 35, 36 Escola de Chicago 37, 42 Escola Ecol6gica 45 Escola Italiana 40 Escutas telefOnicas 60 Estado democnitico de direito 59,156 Estado natural 18 Estado pararelo 20 Estado penal 6, 13 pstado social 6, 13 'Estupro 131, 143 Excisao56 Excisao minima 56 Execucrao da pena 27 Executoriedade 75, 76

F

Fascismo 112 Fato de bagatela 90 Filosofia do direito 49 Formacrao de quadrilha ou bando 80, 81 Funcroes da pena 103 Fundamentos da Republica 108

G Grupos terroristas 18 Guerra declarada 7

H Habeas corpus 115

Ilicitude 32, 84, 88- 90, 119 Individualizacrao da execu<;ao penal 95

fNDICE REMISSIVO

Individualizacrao da pena 27 Individualizacrao das penas 92, 93 Infibulacrao 56 Inflacrao legislativa 1, 16,66, 139, 141, 157 Inquisicrao 76 interpretacrao dos tipos penais 25, 62, 81, 127,129 Intranscendencia da pena 28 Ius puniendi 9, 29, 71, 138

J Jogo do bicho 25, 83 Juizados especiais criminais 19 Juizo de censura 10, 16, 99, 103, 117, 118, 120,122 Juizo de culpabilidade 118, 120 Juizo de valor 62 Jus puniendi 137 Jusnaturalismo 49

L Lacuna involuntaria 130, 131 Lacuna voluntaria 130 Legalidade formal 28, 134 Legalidade material 28, 134 Lei ambiental 74 Lei complementar 125 Lei de execucrao penal 95, 113, 114, 140, 148 Lei de introducrao ao c6digo civil 48 Lei dos juizados especiais criminais 19 Lei ordinaria 125 Leis complementares 124 Leis da imitacrao 42 Leis delegadas 124 Leis ordinarias 124 Limite negativo ao Direito Penal 71 Limite negativo do Direito Penal 107 Limite positivo ao Direito Penal 69 Limite positivo do Direito Penal 107 Uvre-arbitrio 35, 36

M Magna Carta Inglesa 122 Majorantes 94, 127

Medicina forense 31 Medicina legal 40 Medida de segurancra 22, 99 Medidas provis6rias 124 Mendicancia 79 Minorantes 94 Morte-suplicio 115 Movimento abolicionista 7,8,11 Movimento de lei e ordem 5, 12, 14-17, 112,155

N Nacroes unidas 58 N eocriminalizacrao 1 Neopenalizacrao 1 Nexo de causalidade 87 Norma penal em sentido estrito 91 Novatio legis in mellius 126

o Objeto juridico do delito63 Organizacrao intemacional do trabalho 113 Organizacroes criminosas 18

P Pena de carater perpetuo III Pena de morte 2,7,11,56,66,72, 109-111 -Pena de trabalhos forcrados 112 Pena necessaria 104 Pena privativa de liberdade 19 Pena suficiente 102-104 Pena-base 94, 120 Penas crueis 7,115,116 Penas pecuniarias 107 Penas privativas de liberdade 106 Penas restritivas de direitos 19, 106 Penassubstitutivas15 Perdao judicial 101, 132 Perdimento de bens 6 Perigosidade 21, 22 Periodo iluminista 55, 116 Pluralismo politico 59 Poder de policia 73, 74, 75 Politic a criminal 33

DIREITO PENAL DO EQUILfBRIO: 167 UMA VI SAO MINIMALISTA DO DIREITO PENAL

Pondera~ao de bens ou interesses 60 Positivismo 40, 49 Preceito primcirio 88, 91 Preceito secundcirio 91, 99, 108 Predisposi~oes agressivas 40 Presta~ao pecunhiria 106 Presun~ao de inocencia 35 Presun~ao de legitimidade 75 Preven~ao especial 12, 95,146,148,151 Preven~ao especial negativa 95, 148 Preven~ao especial positiva 148 Preven~ao geral12, 99, 146-148 Preven~ao geral negativa 146 Preven~ao integradora ou positiva 148 Preven~ao por intimida~ao 146,147 Principio da adequa~ao social 25, 78, 79, 81,82,83,84,86 Principio da classifica~ao 148 Principio da corre~ao 148 Principio da culpabilidade 21, 22, 28, 99, 117, 118, 120, 121 Principio da dignidade da pessoa humana 7,8,21,24,28,35,53,55,57-59,60,63,96, 104,108-112,116,155,157 Principio da educa~ao penitenciciria 149 Principio da humanidade 73, 101, 108, 109 Principio da individualiza~ao da pena 27, 59, 90-92, 96 Principio da insignifidlncia 4, 26, 62, 84-88,90 Principio dainterven~ao minima 11, 25, 62-65,72-74,78-79,91,98 Principio da isonomia 128 Principio da legalidade 28, 47, 122-125, 128-130,132-135 Principio da lesividade 26, 76-81 Principio dalimita~ao das penas 28, 53, 107 Principio da modula~ao das penas 148 Principio da necessidade 101, 102 Principio da necessidade da pena 99 Principio da ofensividade 78 Ptincfpioda~essoalip,aqe 28

tPriIlcfpiodapessoalid'ade ou <ia "mftanscendencia da pena i04"

Principio qa proporcionalidade 27,93,96, 97,102 Principio da reserva legal 124 Principio da responsabilidade pessoal 28, 104,105 Principio da suficiencia da pena 101,102 Principio da sujei~ao 123 Principio da taxatividade 133, 135 Principio das institui~oes anexas 149 Principio de justifica~ao 88 Principio do controle tcknico da deten~ao 149 Principio do trabalho 149 Principio expresso 60 Principio implicito 59 Principiologia do Direito Penal 156 Principios 47,48,50-53 Principios constitucionais implicitos 97 Principios gerais do direito 47, 48 Principios positivos do direito 48 Prisao perpetua 2,109 Processo de expansao do Direito Penal 19 Processos de cria~ao dos desvios 42 Psicologia 31 Psiquiatria 31

R Racismo 71 Rea~ao social 31, 32, 35,42,45 . Regime inicial de cumprime~.tP da pena privativa de liberdade 103 .

" Regressao atavic a 41 Regresso atavico 40 Rei Joao Sem Terra 122 Remi~ao 114 Repouso noturno 127, 129, 130 Resolu~oes 124 Responsabilidade pelo resultado 121 Responsabilidade penal objetiva 119 Responsabilidade penal sem culpa 121 Ressocializa~ao 4, 95 Ressocializa~ao do condenado 150 Ressocializa~ao do egresso 60 Revisao pro societate 127 Revoga~ao dos tipos penais 25, 62, 84 Revolu~ao frances a 123

. --. -----... -. ----.. -.. --. fNDlCE REMISSIVO

S Seculariza~ao 77 Seculo das luzes 55, 63,156 Seletividade do Direito Penal 137 -139 Simbolismo do Direito Penal 14 Sfndrome do supermacho 41 Sistema carcercirio 4 Sistema de freios e contrapesos 125 Sistema penitencicirio brasileiro 60 Sociologia 31 Suicidio 79 Suplicio 115 Suspensao condicional do processo 19

T Tecnicas de neutraliza~ao 38, 117 Tentativa de suicidio 9 Teoria classica 35 Teoria da aprendizagem da delinqiiencia 35 Teoria da associa~ao diferencial42 Teoria da conten~ao 38 Teoria da retribui~ao 145 Teoria da tensao 37, 39 Teoria das contraculturas 39 Teoria das influencias 35 Teoria das predisposi~oes agressivas 35 Teoria das subculturas 37,39 Teoria do aprendizado'da delinqiiencia 41 Teoria do bern juridico 63, 64 Teoria do delito 89, 90 Teoria do delito como elei~ao 35 Teoria do delito como elei~ao racional36 Teoria do etiquetamento 43 Teoria do etiquetamento (labeling approach) 35,42 Teoria dos principios 49 Teoria dos vinculos sociais 37,39 Teoria ecologica 37 Teoria finalista da a~ao 89 Teoria garantista 2

Teoria mista ou unificadora da pena 149 Teoria utilitarista 146 Teorias absolutas 145 Teorias criminologicas 34 Teorias das influencias 37 Teorias do controle social informal 37 Teorias relativas 145 Terceira velocidade do Direito Penal 19 Terrorismo 71 Terroristas 20 Tipicidade 32, 81, 83,84,88-90, 119 Tipicidade conglobante 26,27,88 Tipicidade formal 87 Tipicidade material 26, 27,87,88,90 Tipicidade penal 87 , 88 Tipo conglobante 87 Tipos penais abertos 135 Tipos penais incriminadores 3, 12 Tiradentes 104,105 Titulo executivo judicial 140 Tolerancia zero 13, 14 Tortura 23, 59, 71 Trabalho for~ado 113 Trabalho penitencicirio 113, 114 Trabalhos for~ados 7, 28,72 Trmco ilicito de entorpecentes 71 ;Transa~ao penal 19 Transito em julgado 126 Tratado de Versalles 21 Tratados e conven~oes intemacionais 2, 4

U so de drogas 80

Vacatio legis 12p Vadiagem 79

u

v

Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa 59 Vitimologia 33, 34

DlREITO PENAL DO EQUlLfBRIO: 169 UMA VlsAo MINIMALISTA DO D1REITO PENAL