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    TEIXEIRAANSIO

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    Alceu Amoroso Lima |Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho

    Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro

    Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

    Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim

    Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

    Alfred Binet | Andrs BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

    Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin FreinetDomingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim

    Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

    Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

    Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

    Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

    Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco

    Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

    Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

    Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,

    Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero

    Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,

    Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

    Secretaria executiva Ana Elizabete Negreiros Barroso

    Conceio Silva

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    Clarice Nunes

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)

    Nunes, Clarice.Ansio Teixeira / Clarice Nunes. Recife:

    Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.152 p.: il. (Coleo Educadores)Inclui bibliografia.

    ISBN 978-85-7019-531-91. Teixeira, Ansio, 1900-1971. 2. Educao Brasil Histria. I. Ttulo.

    CDU 37(81)

    ISBN 978-85-7019-531-9 2010 Coleo Educadores

    MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a

    contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no

    formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as

    da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao

    no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO

    a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regioou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.

    Editora Massangana Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

    www.fundaj.gov.br

    Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha

    Coordenao editorialSelma Corra

    Assessoria editorial Antonio Laurentino

    Patrcia LimaReviso

    Sygma ComunicaoIlustraes

    Miguel Falco

    Foi feito depsito legalImpresso no Brasil

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    SUMRIO

    Apresentao, por Fernando Haddad, 7

    Ensaio, por Clarice Nunes, 11A trajetria de Ansio Teixeira, 11

    Qual o nosso propsito na vida?, 12Quais so os limites da ao partidria

    no campo da educao?, 20Qual o preo a pagar pela

    afirmao da democracia como valor?, 27

    A compreenso da sociedade e da educao brasileirasna obra de Ansio Teixeira, 35

    As bases tericas do pensamento de Ansio Teixeira, 36A obra de Ansio Teixeira como provocao, 54

    Desertos, 61

    Textos selecionados, 67

    Mestres de amanh, 67Cincia e arte de educar, 81

    A educao que nos convm, 99

    Cronologia, 121

    Bibliografia, 125

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    O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educa-

    dores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colo-car disposio dos professores e dirigentes da educao de todo

    o pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram

    alguns dos principais expoentes da histria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentos

    nessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao

    objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da

    prtica pedaggica em nosso pas.Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao insti-

    tuiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unesco

    que, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimento

    histrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avano

    da educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau of

    Education(IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos mai-ores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.

    Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo

    Freire e de diversas universidades, em condies de cumprir os

    objetivos previstos pelo projeto.

    APRESENTAO

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    Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favo-

    rece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, comotambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a pr-

    tica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transio

    para cenrios mais promissores. importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coinci-

    de com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao e

    sugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de espe-

    ranas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas quese operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulga-

    o doManifesto dos pioneirosem 1932, a fundao, em 1934, da Uni-versidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em

    1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tobem sintetizados por Fernando de Azevedo noManifesto dos pioneiros.

    Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e do

    Estado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passa-

    do, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-

    bilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas edu-

    cacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprova-o, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no

    comeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas easpiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetiza-

    das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido por

    Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

    * A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste

    volume.

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    Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio daeducao brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-

    festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, do

    Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanis-

    mo de estado para a implementao do Plano Nacional da Edu-cao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educa-

    cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no ser

    demais afirmar que o grande argumento doManifesto de 1932, cujareedio consta da presente Coleo, juntamente com oManifesto

    de 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos pro-blemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao da

    educao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideiase de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer da

    educao uma prioridade de estado.

    Fernando HaddadMinistro de Estado da Educao

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    ANSIO TEIXEIRA(1900 - 1971)

    Clarice Nunes

    A trajetria de Ansio Teixeira1

    Sabem-se os nascimentos quando j foram sofridos. Assim que

    nasce, o sujeito empreende uma viagem rumo ao desconhecido, j

    que no sabe ainda quem , mas vai descobri-lo nas suas respostas sprovocaes da prpria existncia. No nascemos educadores.

    Tornamo-nos educadores num processo laboriosamente construdo,lapidado no dilogo com diversos educadores que transitam dentro

    de ns. Saber qual o nosso propsito na vida no tarefa fcil. Elevai se delineando em nossa infncia, adolescncia e juventude. Ao

    tomar uma deciso a respeito de um propsito, optamos por reali-zar esforos que vamos levar a termo no futuro. Toda deciso fruto das escolhas que fazemos dentro do enfrentamento de situa-

    es que vivemos e que so afetadas pela nossa origem social e pelasinfluncias do grupo familiar, da escola e dos amigos.

    Cada um responde pergunta formulada de uma maneira pr-

    pria, fruto de um campo de possibilidades em que interagimos comoutros mergulhados em circunstncias que fornecem os limites com

    os quais e contra os quais lutamos para implementar nossos projetos.

    1 Creio que encontrei um caminho frutfero para escrever sobre a trajetria de Ansio Teixeira

    por ocasio da conferncia de abertura da 23 Reunio Anual da Anped, em Caxambu,quando elaborei uma narrativa a partir dos momentos de ruptura que identifiquei na sua vida.

    Retomo-os neste texto com pequenos acrscimos e algumas ligeiras modificaes.

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    Qual o nosso propsito na vida?

    Qual seria o propsito da vida de Ansio Teixeira? Nasceu o

    educador no fim do sculo XIX, no ano de 1900, em Caetit,

    pequena cidade do interior baiano, a 800 quilmetros de Salva-dor, no casaro assobradado da Praa de SantAna, na antiga

    Rua do Hospcio, defronte porta da igreja. Lembro-me aindada emoo que senti quando pela primeira vez adentrei pelas

    portas abertas do edifcio restaurado e percorri suas salas, che-

    gando at o quarto do casal, diante do bercinho que o acolheuem seus primeiros dias de vida.

    Pela sua origem social, radicada nas famlias Spnola e Teixeira,proprietrias de terra e com prestgio poltico consolidado e pela

    educao inaciana recebida nos colgios que frequentou, Ansio ti-nha diante de si um quadro de alternativas plausveis sua dispo-

    sio: o sacerdcio; a magistratura; o exerccio liberal da advocacia,

    Medicina (encaminhamento paterno) ou Engenharia (encaminhamen-to do seu irmo Nelson); o exerccio do jornalismo e das letras; a

    conduo dos negcios e interesses familiares ou a carreira de pol-tico profissional. Tratava-se de um amplo repertrio se comparado

    ao de outras crianas de origem social diferente, mas ao mesmotempo um repertrio limitado pelas circunstncias histricas.

    Aps seus estudos primrios realizados com Dona Maria

    Teodolina das Neves Lobo e Priscila Spnola, sua tia, Ansio Teixeiraingressou, em 1911, no Colgio So Luiz Gonzaga, ginsio de pre-

    paratrios organizado pelos padres jesutas, e j se destacava pelavivacidade de esprito e rigor nos estudos. A nasceu sua admirao

    pela Companhia de Jesus que cresceu quando, em 1914, transferiu-

    se para o Colgio Antonio Vieira, em Salvador, iniciativa de jesutaseuropeus que vieram do colgio lisboeta de Campolide, no mo-

    mento em que Portugal se tornava uma Repblica. Nesse colgio,Ansio teve contato com muitos docentes de valor que combina-

    vam a vocao sacerdotal com a vocao acadmica, sendo pesqui-

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    sadores em seus campos de conhecimento e autores de artigos emrevistas internacionais. No corpo docente do colgio destacavam-se

    o padre Meyer, suo de nascimento e dedicado qumica, antigoprofessor da Universidade de Beirute; padre Zimmermann, alemo,

    matemtico; padre Camillo Torrend, naturalista francs e especialis-

    ta em protozorios; padre Dignam, irlands, que ensinava vocabul-rio e gramtica da lngua inglesa; padre Antonio Ferreira, paulista e

    orador sacro muito estimado em Salvador e padre Luiz Gonzaga

    Cabral, considerado o maior pregador da Pennsula Ibrica, descen-dente de famlia de aristocratas da cidade do Porto, provincial dos

    jesutas em Campolide e confessor do rei portugus.O humanismo cristo dos colgios jesutas possibilitou-lhe o

    domnio da escrita, mediante um trabalho constante com os tex-tos, o treinamento caligrfico, diferentes tipos de leitura, a realiza-

    o de operaes mentais analticas e sintticas. Abriu seu pensa-mento para o campo filosfico e estimulou o contato com os

    livros numa relao ntima que o acompanhou a vida toda. No

    gabinete de fsica, no laboratrio de Qumica e no museu de hist-ria natural, Ansio pde ingressar no campo cientfico e num modo

    de pensar que embora subordinado f era novo nos colgios dapoca. Foi ainda nesse ambiente que ele se reconheceu, como di-

    zia, um animal religioso.

    Aprendeu tambm certo modo de vestir-se, alimentar-se, via-jar, preferir, organizar, suportar privaes e adversidades, superar

    obstculos. Construiu um estilo de andar, de expresso do rosto, ocostume da concentrao, do recolhimento interior, a regularidade

    na hora das refeies, do sono, do despertar e outros tantos detalhes

    que mostravam como a formao jesutica numa instituio na qualesteve internado teve um forte efeito sobre seu comportamento.

    Estudar em colgios jesutas implicou para ele a interiorizao denormas e valores morais, o reconhecimento de que seus dons espe-

    cficos (a inteligncia, o desejo, a imaginao e a memria) precisavam

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    ser orientados no sentido de impregnar seus atos com uma tessituraconsciente, racional e espiritual. Essa formao forneceu-lhe um modusvivendi. Dentro desse universo, Ansio fez escolhas no campo das leitu-ras (Santo Igncio, padre Antonio Vieira, So Toms de Aquino etc.),das amizades (padre Cabral, Herbert Fortes, Guilherme Joaquim Fa-ria Ges etc.). Declarava-se admirador da monarquia e filiado tradi-o da restaurao catlica. Era algum que havia interiorizado uma

    viso hierarquizada dos homens e considerava a famlia a instituio

    modelar da sociedade. Defendia uma concepo elitista e seletiva deensino. Militante do movimento catlico, o educador esteve, durantesua juventude, ideologicamente prximo de Jackson de Figueiredo,

    Alceu Amoroso Lima e Plnio Salgado.Para ele, o catolicismo parecia uma verdade to completa e

    to grandiosa que se disporia a dedicar sua vida por inteiro paradefend-la. Aguardava a manifestao da vontade divina e o con-sentimento dos pais para ingressar no noviciado.

    Dos 19 aos 22 anos, Ansio oscilou entre seguir a vida religiosaou a vida secular. Aguardava o consentimento dos pais para reali-zar o que percebia como sua vocao sacerdotal, mas a graa no

    veio. O pai de Ansio via nele um magistrado nato, seu sucessornatural, futuro patriarca familiar. Padre Cabral via nele uma voca-o para o sacerdcio e, pelos seus talentos, algum destinado aocupar postos importantes na hierarquia eclesistica. Espremidoentre as aspiraes da autoridade paterna e as da autoridade reli-giosa acabou retardando seu ingresso ao sacerdcio e abdicandoda carreira de poltico profissional.

    Formou-se, assim, advogado a contragosto, mais por impo-

    sio da vontade dos pais. De fato, se padre Cabral pretendia queAnsio fizesse os votos religiosos e ingressasse para a Companhiade Jesus, seus pais procuravam demov-lo dessa ideia e, por inicia-tiva do pai, Ansio foi para o Rio de Janeiro realizar os estudosjurdicos. Pressionado pelos pais e pelo padre Cabral, Ansio se

    debatia entre seguir ou no uma carreira religiosa.

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    Disputado entre dois universos aparentemente opostos, mas queconvergiam em termos de prestgio poltico e social, foi aos poucos

    decidindo-se pela vida secular. Para essa deciso contribuiu a viagemque realizou Europa por volta de 1925, na companhia de dom

    Augusto lvaro da Silva, arcebispo primaz da Bahia e reformista

    catlico. Seu dirio de viagem cala-se completamente sobre mo-mentos significativos do itinerrio religioso previsto para o catlico

    renovado que pretendia ser; nele no encontramos nenhuma palavra

    sobre as bnos que recebera do papa Pio XI, sobre os colgios econventos nos quais esteve hospedado. Encontramos, porm, um

    Ansio j convencido de que sua compreenso metafsica da vidaestava diluda; um Ansio deslumbrado com as noites parisienses e

    as lindas mulheres espanholas. O Ansio que voltou da Europa estavamais longe da Companhia de Jesus do que quando sara do Brasil. E

    questionando-se: por que no servir a Deus no mundo?Criado num ambiente de discusso poltica permanente, ele

    conhecia de perto o jogo de interesses e os problemas que ocor-

    riam nas hostes partidrias da velha Bahia. Seu pai, DeoclecianoPires Teixeira, era um tpico coronel do Nordeste e exercia um

    poder palaciano, conchavista, mais brando no seu exerccio doque o de outros coronis. A herana que gostaria de legar a seus

    filhos era o poder poltico que significava segurana, tranquilidade,

    fortuna, considerao social. Na disputa poltica pelo governobaiano nas eleies de 1924, seabristas e calmonistas se engal-

    finharam e os segundos levaram a melhor2.

    2 Os seabristas eram seguidores de Jos Joaquim Seabra, h vrios anos lder dosituacionismo e, na dcada de 1920, candidato a vice-presidente na chapa Reao

    Republicana encabeada por Nilo Peanha. Com a vitria de Arthur Bernardes para a

    Presidncia em 1924, a direo do governo da Bahia ganha um novo rumo. Mesmo antes

    de ser indicado para concorrer a governador, Francisco Ges Calmon passou a aglutinar

    todos os descontentamentos seabristas e a inspirar um calmonismo que aprofundou a

    diviso dos partidos locais at 1930. O curioso que, tentando aplacar os nimos, o

    prprio Seabra que indica Calmon para a conquista do governo, mas ao ver como sua

    candidatura crescia reti rou-lhe o apoio. Cf. Cid Teixeira. As oligarquias na poltica baiana.

    In: Wilson Lins et al. Coronis e Oligarquias. Salvador: UFBA/Ianam, 1988.

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    Quando Francisco Ges Calmon foi eleito sem antes ter exercidoqualquer cargo poltico, embora mantivesse relaes com figuras de

    projeo de todos os grupos polticos locais, este preferiu, em vez dedelegar a Ansio uma promotoria em Caetit, como solicitara

    Deocleciano, oferecer-lhe o cargo de Inspetor Geral do Ensino. Ca-

    beria a ele, portanto, dirigir a instruo pblica da cidade de Salvador.Essa indicao foi recebida de muitas formas: os Teixeira viam-

    se recompensados pelo apoio dado candidatura de Calmon; os

    padres jesutas viam nessa indicao um sinal de Deus, j que An-sio poderia ser um instrumento no sentido de ampliar a influncia

    da Igreja dentro da estrutura estatal; o prprio Ansio ficou sur-preso, pois no se sentia preparado para atuar numa rea que des-

    conhecia, mas viu nessa oportunidade uma possibilidade de servira Deus no mundo. Iniciou uma srie de conversas pedaggicas

    com Antonio Carneiro Leo, na ocasio, diretor da Instruo P-blica do Distrito Federal, com Afrnio Peixoto, que tambm j

    havia exercido esse cargo. Nessa mesma poca, leuMtodos ameri-

    canos de educao do belga Omer Buyse, que muito o influenciou.Ao assumir o posto que lhe destinou Calmon, Ansio levava sua

    familiaridade com a poltica sertaneja; seu sentimento de catlicofervoroso e congregado mariano; sua organizao de pensamento e

    trabalho aprendida nos colgios jesutas e seus conhecimentos jurdi-

    cos. Lutavam dentro dele duas artes de governar: a de Incio e a deseu prprio pai. Por fora do cargo assumido, entrou, pela primeira

    vez, em contato com uma literatura pedaggica e um sistema pbli-co de educao que no conhecia. Em oposio cultura, organi-

    zao, competncia docente dos colgios nos quais estudara, de-

    parou-se na capital do seu estado natal com a pobreza de recur-sos materiais e humanos. Observou tambm a disperso e a desar-

    ticulao dos servios educativos, o despreparo do professor, aimoralidade, a corrupo e a acomodao dos poderes pblicos,

    alimentando a ineficincia da mquina estatal.

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    As poucas escolas em funcionamento estavam concentradas emSalvador, localizadas em antigas residncias, muitas em runas. Era

    generalizado o costume de o professor custear, com seus prpriosrecursos, o aluguel da sala ou do prdio em que instalava as cadei-

    ras. O governo no oferecia mobilirio escolar, nem o professor a

    adquiria. Cabia ao aluno fornecer cadeiras e mesas improvisadascom barricas, caixotes, pequenos bancos de tbua, tripeas estreitas

    e mal equilibradas, cadeiras encouradas ou tecidas a junco. Ansio

    chegou a presenciar que era comum os estudantes escreverem nocho, estirados de bruos sobre papis de jornal ou, ento, fazerem

    seus exerccios de joelhos, ao redor de bancos ou volta das cadeiras.Faltava material didtico, particularmente livros. Excepcional-

    mente, era possvel encontrar ainda, no serto baiano, oAlmanaquedo bom homem Ricardo, de Benjamin Franklin, que, traduzido para o

    portugus, serviu como manual de leitura da escola primria nointerior do pas desde a segunda metade do sculo XIX e instruiu

    baianos ilustres como Afrnio Peixoto. Este se comoveu ao en-

    contrar um exemplar numa exposio retrospectiva de livros in-fantis da Biblioteca Pblica de Nova York, em 19333.

    A fiscalizao do ensino no existia, os professores eramdespreparados e a habitual distribuio poltico-eleitoral dos redu-

    zidos cargos oferecidos por indicao, prtica existente em seu

    prprio grupo familiar, pressionado pelos compromissos polti-cos assumidos na campanha sucessria e cobrado com insistncia.

    Apesar de a primeira Constituio Estadual Baiana, datada de2/7/1891, estabelecer no artigo 148, do captulo I, no ttulo X, a

    gratuidade e a universalidade do ensino primrio.

    De fato, o servio escolar estava reduzido na Bahia alfabeti-zao rudimentar e subveno a escolas particulares feita pelas

    prefeituras municipais. Uma das maiores dificuldades do Inspetor

    3 Francisco Venncio Filho. Contribuio norte-americana educao no Brasil. Revista

    Brasileira de Estudos Pedaggicos. Rio de Janeiro, 9 (25): 229-65, 1946, p. 254.

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    Geral de Ensino, assim, seria romper com a tradio de valorizaodo ensino particular pelos deputados e senadores estaduais baianoscomo resposta s deficincias do ensino primrio pblico. Acres-cente-se que, na plataforma eleitoral de Calmon, explcita na Mensa-gem de 1925, ele se propunha apenas a aperfeioar o aparelho exis-tente, argumentando que a Bahia, ao contrrio de So Paulo, notinha urgncia de alfabetizao em massa j que ali a industrializaoapenas engatinhava. Sua pretenso era apenas criar algumas poucas

    escolas para alguns e no para todos. Ansio comeou a se mover nointerior da mquina estatal com essa expectativa, inspirado pela con-cepo intelectualista e seletiva que aprendera com os jesutas e porcerto iluminismo pedaggico que herdara do pai. No senado baiano,Deocleciano Teixeira havia defendido os gastos pblicos com edu-cao e havia criado uma escola normal em Caetit que, anos maistarde, fechada pela oposio, acabou servindo como sede do Co-lgio So Luiz Gonzaga onde Ansio estudou.

    Ao mesmo tempo em que nosso educador se deparava comessa situao, decidira realizar duas viagens pedaggicas aos EstadosUnidos (Nunes, 2007 b). Graas a essas circunstncias, travou conta-to com uma literatura pedaggica e um sistema pblico de educa-o que no conhecia. A primeira viagem Amrica durou setemeses e foi realizada em 1927. Nela Ansio Teixeira iniciou-se nopensamento de John Dewey (1859-1952), travou relaes de amiza-de com Monteiro Lobato (1882-1948), na ocasio, adido comercialem Nova York, realizou excurses pedaggicas e ainda preparou oterreno para uma visita mais prolongada quele pas em meados de1928 e 1929, quando teve oportunidade de estudar.

    No retorno de sua primeira viagem Amrica, em novembrode 1927, a bordo do Alcntara, Ansio escreveu ao pai sobre arenovao do seu gosto pelos assuntos educacionais. Afirmavasua convico de no mais se afastar desse rumo, a despeito dasoscilaes polticas e da imprensa que no lhe poupava crticas.

    Reconhecia seu carter idealista e a paixo necessria para a tarefa

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    educativa4. Essa deciso surgia como construo lentamente ela-borada desde o momento em que fora convidado a exercer o

    cargo de Inspetor Geral do Ensino em Salvador.A passagem de Ansio pelo Teachers College da Universidade

    de Colmbia, no final da dcada de 1920, foi vivida com uma

    intensa carga afetiva, uma experincia de converso pelo avesso.Numa dimenso laica, Ansio reviveu situaes que conhecera no

    mundo dos colgios jesutas, o que o empurrou a reinterpretar a

    realidade e produziu aos seus olhos e aos olhos dos outros umaruptura biogrfica que acentua o antes e o depois da estadia nos

    Estados Unidos. Adotou John Dewey como sua plataforma delanamento para o mundo, como viga mestra para compreender

    o que se passava na sociedade norte-americana. Escolhera um cr-tico contundente dos impasses da democracia dessa sociedade,

    um colaborador direto de instituies instaladas no meio da po-pulao pobre e imigrante com objetivos filantrpicos e educativos,

    um pensador que denunciava, nos Estados Unidos, que a ameaa

    da democracia no estava fora do pas, mas dentro dele: nas atitu-des pessoais e nas instituies.

    Escolher Dewey, de quem seria o primeiro tradutor no Brasil,era optar por uma alternativa que substituiu os velhos valores ins-

    pirados na religio catlica e abraados com sofreguido. Era apos-

    tar na possibilidade de integrar o que, nele, estava cindido: o corpoe a mente, o sentimento e o pensamento, o sagrado e o secular.

    Era abrir seu corao para o pensamento cientfico, apostando nacrena de que o enraizamento e as direes da mudana social a

    favor da democracia estavam apoiadas na infncia. O pragmatismo

    deweyano forneceu-lhe um guia terico que combateu a improvi-sao e o autodidatismo, permitiu-lhe operacionalizar uma polti-

    ca e criar a pesquisa educacional no pas.

    4 Ansio Teixeira. Carta de Ansio Teixeira a Deocleciano Pires Teixeira (18/11/1927); Arquivo

    Ansio Teixeira, Srie Correspondncia, Ata 22.03.06, documento n. 20, CPDOC/FGV.

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    As marcas dessa ruptura se evidenciaram nos deslocamentosque operaram em sua vida e em novas ideias que horrorizaram al-

    guns dos seus amigos mais ntimos, que passaram a v-lo como umbaiano americanizado. Mas essa imagem no era s de seus amigos

    baianos. Alguns rapazes de So Paulo, que viriam a ser seus colabo-

    radores na dcada de 1930, no Distrito Federal, tambm constru-ram dele essa imagem que reconheceriam, um pouco envergonha-

    dos, ser equivocada. Ao visitar a Universidade de Colmbia, em

    1935, Loureno Filho refazia a imagem do amigo e dizia, em carta:verifico que (em aspectos sociais e de pensamento) voc menos

    americano do que eu prprio supunha5. Do sacerdcio, pelo qualem boa parte da sua juventude se viu predestinado, Ansio Teixeira

    fez a travessia do seu primeiro deserto: o deserto da f.

    Quais so os limites da ao partidria no campo da educao?

    Eis Ansio Teixeira em sua mesa de trabalho, que tambmuma mesa de existncia a servio da educao. Redige o programa

    do Partido Autonomista do Distrito Federal. Estamos no ms defevereiro de 1935. Na introduo desse programa aponta a neces-

    sidade do Estado assumir o papel regulador da distribuio debens, denuncia o fracasso da frmula personalista das organiza-

    es partidrias nacionais. Apresenta o prefeito Pedro Ernesto

    como liderana confirmada pelo voto popular, pela primeira vezna histria da cidade, destacando o sentido radical da sua obra

    pblica, obra que ajudou a construir.Dispara crticas: s organizaes polticas liberais, que no per-

    cebiam a necessidade de homogeneidade e coeso; aos extremis-

    tas de esquerda e aos extremistas de direita que, no seio de suasorganizaes, tornavam-se pequenos sacerdotes ativos e operantes

    5 Loureno Filho. Carta a Ansio Teixeira (30/01/1935). In: Loureno Filho. Correspondn-

    cia (25) entre AT e Loureno Filho. Arquivo Ansio Teixeira, Srie Correspondnc ia, AT e

    29.11.01, documento n. 15, CPDOC/FGV.

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    das ideias e das solues do seu partido, todas essas atitudes con-trrias formao de uma mentalidade aberta.

    Prope um partido para o qual a primeira necessidade a difu-so da cultura e do esclarecimento pblico dos problemas brasilei-

    ros e de suas possveis solues. Todo esse esforo acompanhado

    de rigorosa liberdade de palavra e de imprensa. O partido revolucio-nrio, como ele o chamava, mas que tambm foi denominado de

    Partido Autonomista do Distrito Federal, no precisaria de censura

    ou segredo. As ideias deveriam triunfar pelo seu mrito. O que estepartido procuraria garantir era um padro mnimo de educao e

    de informao, a defesa e manuteno da sade e os direitos sociaiselementares da honra, como o da subsistncia, trabalho e conforto

    relativo6. Esta proposta partidria tinha um alvo preciso: o expurgode antigas lideranas polticas que cercavam o prefeito e foram no

    s desprestigiadas, mas em decorrncia prejudicadas na sua pre-tenso de empreguismo e favorecimento de eleitores ou possveis

    eleitores. O programa do Partido Autonomista foi assumido inte-

    gralmente por Pedro Ernesto no seu discurso de posse como pri-meiro prefeito eleito do Distrito Federal.

    Por que Ansio teria escrito um programa partidrio? Paradefender uma obra arduamente construda e que criava, na cidade

    do Rio de Janeiro, um sistema de ensino municipal que ia da escola

    primria universidade. Esta obra corria srios riscos numa con-juntura na qual o pensamento autoritrio crescia dentro do Estado

    e na prpria sociedade, onde as posies polticas se radicalizavam,onde se gestava, como o ovo da serpente, a ditadura varguista.

    Paschoal Lemme no compreendia a indiferena de Ansio quando

    o alertou sobre a convenincia de no opor qualquer obstculo aopleno cumprimento do dispositivo constitucional, elaborado por

    Francisco Campos, que garantia a presena do ensino religioso nas

    6 Ansio Teixeira. Manuscrito de um programa de partido poltico. Arquivo Ansio Teixeira,

    Srie Produo Intelectual, AT [Teixeira, A.] pi37/46.00.00, CPDOC/FGV.

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    escolas pblicas. Chegou a comentar que Ansio no parecia sepreocupar com a formidvel onda que ia se agigantando contra

    ele, movida pelas incompreenses, ignorncia e m-f, a qual rotu-lava sua obra de anrquica, dissolvente de costumes e desagregadora

    da sociedade (Lemme, 1998, pp. 143-147).

    Essa obra anrquica, como taxavam os opositores de An-sio Teixeira, contou com uma equipe que reuniu grande nmero

    de colaboradores dos mais distintos matizes ideolgicos: catli-

    cos, liberais, comunistas, pensadores de direita e de esquerda. Comofoi possvel reunir pessoas to diferentes numa obra comum? S

    podemos compreender essa possibilidade se visualizarmos o Es-tado sinalizando seu desejo de introduzir o Brasil na modernidade.

    As portas se abriram. Urgia entrar e tentar. A habilidade coorde-nadora de Ansio lidou com a tenso entre inflexes que, de um

    lado, empurravam as realizaes da sua gesto para uma aberturareal das chances educativas e, de outro, para a formulao de pes-

    quisas e instrumentos que partiam de uma concepo autoritria

    das classes populares.A escola primria, a escola tcnica secundria e o ensino de adultos

    se expandiram e melhoraram sua qualidade. A escola tcnica foi uminteressante pomo de discrdia, pois no apenas reuniu, pela pri-

    meira vez no pas, num curso secundrio, da cultura geral aos cursos

    tcnicos profissionais, antes existentes apenas ao nvel primrio, mastambm valorizou seus diplomas, alm de introduzir a participao

    dos estudantes, organizados em conselhos, na gesto escolar. As bi-bliotecas, sobretudo a biblioteca infantil, grande novidade capitane-

    ada por Ceclia Meireles, e as bibliotecas de classe dinamizaram a

    pedagogia. A rdio educativa colocou o governo municipal falandodiretamente aos coraes e mentes das famlias cariocas. O profes-

    sor primrio foi prestigiado e, pela primeira vez no pas, sua forma-o ocorreu em nvel superior na ento recm-criada Universidade

    do Distrito Federal. A educao foi instituda como rea de investi-

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    gao acadmica. Ao mesmo tempo, porm, sob sua gesto, pro-duziam-se pesquisas no Instituto de Pesquisas Educacionais, como

    as de Arthur Ramos, que defendiam o controle brando das crianas,ou ainda, aplicavam-se, nas escolas primrias, apesar das suas

    discordncias, os testes classificatrios de alunos.

    Ansio Teixeira participou da mentalidade de sua poca e aca-bou endossando o papel disciplinador da escola sobre a cidade.

    Lidou com a heterogeneidade das classes populares e de suas crian-

    as dentro delas, mas no o fez, como alguns de seus colaborado-res, de forma a identific-la como carncia de atributos intrnsecos

    do sujeito pobre. Ele deslocou a carncia do indivduo para a omis-so dos governos na direo da reconstruo das condies sociais

    e escolares. No considerou as classes populares urbanas como obs-tculos sociais e polticos e por esse motivo defendeu a educao

    como instrumento de superao de uma carncia que no do indi-vduo, mas da cultura erudita que lhe faz falta. Pde perceber que a

    desigualdade entre as pessoas no estava dada. Era feita.

    A obra comum da equipe de Ansio no impediu as divergnci-as e as crticas aos seus colaboradores e at mesmo aos amigos mais

    queridos. Crticas que despontam pelas margens ou, como ele pre-feria dizer, em pontos menos exatos. Ao comentar, no comeo da

    dcada de 1930, o bem-sucedido livro de Loureno Filho, Introduo

    ao estudo da Escola Nova, Ansio apontou com elegncia sua visorgida da tcnica pelo esvaziamento de aspectos substantivos do

    pensamento filosfico7. Ao considerar a avaliao da aprendizagemcomo uma atitude inerente a qualquer iniciativa escolar, ele abriu

    espao para recolocar a avaliao como prtica suscetvel de crtica

    no seu processo mediante seus resultados, relativizando o valor dos

    7 Ansio Teixeira. Comentrios sobre a Introduo ao estudo da Escola Nova . Arquivo

    Ansio Teixeira, Srie Produo Intelectual, AT [Teixeira, A] pi 18/22.00.00/2, CPDOC/

    FGV. Parecer crtico: Introduo ao estudo da Escola Nova . Arquivo Loureno Filho, Srie

    Produo Intelectual, LF/S. Ass. pi 30/32.00.00, CPDOC/FGV.

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    testes to defendidos por Loureno Filho e Isaas Alves. J na dca-da de 1940, ao comentar a obra Sociologia educacional, de Fernando de

    Azevedo, afirmou numa belssima carta que a educao sobretu-do um sentido. Perguntava-se: e este sentido arbitrrio ou im-

    posto pelas instituies (...)?. E respondeu: Creio que em edu-

    cao sempre haver mais necessidade de filosofia do que de cincia(...) a educao sobretudo, uma arte que progride como progride

    a msica (Vidal, 2000, p. 43).

    Ansio nunca abandonou a concepo da educao como umaprtica atravessada pela cincia e, ao mesmo tempo, pela arte.

    pela filosofia e pela arte que relativiza o peso da cincia na educa-o. pelo seu amor a ambas que, mesmo tendo escrito um pro-

    grama partidrio no momento em que sua obra estava ameaada,se afasta dos partidos. Ele recusava a noo de ordem, lealdade,

    hierarquia e o desprezo pela discusso terica, comuns nas hostespartidrias de ento. Esses aspectos criavam, em Ansio, uma anti-

    patia por qualquer filiao, mas no impediram que ele convidasse

    homens de partido, comunistas como Lenidas Rezende e EdgardoCastro Rebelo, para ingressarem nos quadros da Universidade do

    Distrito Federal. Essa atitude no era isolada, pois ele se aproxima-va de artistas e escritores que defendiam explicitamente sua indepen-

    dncia de criao e a usavam para justificar sua no-adeso a parti-

    dos polticos de qualquer espcie. Essa no-adeso convivia comuma simpatia militante por algumas ideias comunistas, da qual par-

    tilhavam Carlos Drummond de Andrade e Paschoal Lemme(Andrade, 1983, p. 9). Bem mais tarde, Jorge Amado, eleito depu-

    tado pelo Partido Comunista Brasileiro, por So Paulo, em 1945,

    dedicaria a Ansio Teixeira, a quem considerava o amigo das crianas,seu famoso livro Capites da areia.

    medida que, em meados dos anos de 1930, a modernizaoautoritria se firmou, Ansio Teixeira catalizou a perseguio de ca-

    tlicos e pensadores autoritrios. Sua gesto foi avaliada como uma

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    estratgia de oposio dentro da estratgia oficial e, como tal, foicombatida e interrompida. Os catlicos invadiram a prefeitura e

    controlaram os servios educativos. Venceu o projeto repartido deeducao:para o povo, uma educao destinada ao trabalho e para as elites,

    uma educao para usufruir e exercer a cultura. Ansio opusera ao nacional

    o democrtico, entendido menos como conjunto de mecanismosde participao dos indivduos na sociedade poltica e mais como

    mecanismos de democratizao da sociedade civil (Warde, 1984,

    pp. 105-139). A reforma por ele conduzida empurrou a escola parafora de si mesma, ampliando sua rea de influncia na cidade. Atra-

    vessou o espelho da cultura europeia e norte-americana, articulandoo saber popular ao acadmico. Retirou o problema da educao da

    tutela da Igreja e do governo federal. Todos esses aspectos marcamo carter polmico da sua gesto, graas sucesso de conflitos que

    se criaram em vrios nveis: no nvel governamental, no nvel ideol-gico e no interior das prprias escolas.

    A opresso poltica calou a voz de Ansio, de seus colaborado-

    res, de seus admiradores. Como afirma Renato Janine Ribeiro, noposfcio do livro de Carlo Ginzburg, O queijo e os vermes, nem toda

    confisso uma vitria da tortura; porque s vezes a pior tortura ter a voz silenciada (1987, p. 241). A memria da formidvel obra

    pblica que ele e sua equipe de trabalho empreenderam foi apagada.

    Escrevendo a Ansio, em meados da dcada de 1940, MonteiroLobato rememora:

    Lembro-me quando te vi no Rio de Janeiro, (perseguido) pela pol-cia, escondido pelos amigos como um grande criminoso e naquelaocasio tambm chorei. To whom the bells toll?Todos estvamos im-

    plicitamente perseguidos, foragidos, escondidos com voc (...) Dezanos passou voc caminhando como minhoca por baixo da terraescondido da Reao Triunfante, mas caminhando sem o saber(Vianna & Fraiz, 1986, p. 101).

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    Na mesma mesa em que Ansio escreveu o Programa do PartidoAutonomista do Distrito Federal, Francisco Campos escreveu a Consti-

    tuio do Estado Novo. O volume e o teor das cartas recebidas porFelinto Muller, em meados de 1930, vidas pelo combate e repres-so ao comunismo, revelam que Ansio tinha razo quando escreviaa Hermes Lima mostrando a importncia da formao da opiniopblica no combate aos dogmas, medos, preconceitos, fanatismos(Nunes, 2000, p. 511). Tornara-se um trabalhador gasto e desmora-

    lizado pelo fascismo brasileiro. Acusado de tapeador pblico porEverardo Backeuser; denunciado nos subterrneos do Servio Se-creto da Polcia varguista, ao lado de estupradores, estelionatrios emandantes de homicdio. Viria a revanche? Mais tradues aconte-ceram. A famlia aumentou com os novos filhos que chegaram.Mineirou mangans no Amap e vendeu carros em Salvador. Os

    tocos da sua obra, como profetizara Lobato, ficaram enterradospara brotar de novo. Em meados da dcada de 1940 finalmente erareconhecido pela Unesco, que o convidava para sua insero na en-tidade como conselheiro do Ensino Superior.

    Sua dura experincia nos anos da ditadura varguista no seria anica. De onde vinha a fora para enfrentar a hostilidade contra a

    realizao da educao popular e realizar o sonho de um pas ci-dado, humano e solidrio? De todo o perodo de realizaes dadcada de 1930 e posterior silncio a que foi submetido, Ansiocarregou uma convico: a de que as questes sociais eram mani-festaes da cultura e de que era preciso combater os problemas

    que a industrializao trazia. Afirmou:

    [...] com a industrializao desapareceu a integrao entre o homem e

    seu trabalho, que dividido e superdividido passou a ser esforo cole-tivo e impessoal. Depois, com o desenvolvimento do saber, tam-bm este passou a ser especializado e no oferecer seno algo muitoreduzido de saber realmente comum. Com isso desfez-se a integraoentre o homem e o saber. Com a democracia, por fim, entendidacomo processo de maior participao de cada indivduo nos bens davida, esses bens passaram a ser concebidos como bens materiais,

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    nicos que eram possveis ao acesso de cada indivduo. E a democra-cia fez-se uma democracia de consumo, o homem se sentindo tantomais importante quanto mais pudesse consumir8.

    Para ele, a civilizao da abundncia estava exagerando a impor-tncia dos bens de consumo e no era neles que residia a felicidade

    humana. Essa to acalentada felicidade s se concretizaria com aintegrao do homem ao trabalho e cultura. Caberia ao Estado ser

    o principal promotor da escolarizao e difusor da cultura junto s

    classes populares. Ao lado dessa convico, carregou tambm a in-cmoda questo que o acompanhou desde a juventude e que, j na

    maturidade, vislumbrava no seu ponto mais agudo: Qual a magni-tude da pobreza brasileira? Aprendera, na primeira metade da sua

    vida, que a pobreza no s a destituio de bens materiais, mastambm a represso do acesso s vantagens sociais. No s fome.

    tambm segregao, degradao, subservincia, aceitao de um

    Estado avassalador e prepotente. A pobreza brasileira era tambm,e no mesmo grau de importncia da pobreza material, a pobreza

    poltica. Seu contrrio emergia no horizonte dos direitos humanos

    civis: a cidadania organizada. Foi para defend-la que Ansio Teixeiraatravessou seu segundo deserto: o da solido.

    Qual o preo a pagar pela afirmao da democracia como valor?

    No dia 9 de abril de 1964, o reitor da Universidade de Braslia(UnB), Ansio Teixeira, o vice-reitor Almir de Castro, os profes-

    sores e os funcionrios foram surpreendidos por uma operaoinslita: tropas do Exrcito e da Polcia Militar de Minas Gerais

    tomaram de assalto o campus. Era a primeira de outras duas inva-

    ses que ocorreriam em 1965 e 1968. Os policiais procuraramarmas. Inspecionaram minuciosamente a reitoria, a biblioteca, to-

    dos os escritrios em todos os setores. Prenderam professores e

    8 Ansio Teixeira. Esboo de um trabalho distinguindo a funo dos polticos e pensadoresde um lado e a dos tcnicos de outro, dentro da atividade educacional nacional. Arquivo

    Ansio Teixeira, Srie Produo Intelectual, AT [Teixeira, A.] pi 00.00.00/17, CPDOC/FGV.

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    estudantes. Ansio Teixeira foi demitido de seu posto, ao lado detodo o Conselho Diretor da Fundao da Universidade (Salmeron,

    1999). A autonomia universitria foi violentamente agredida. Essaagresso disparou uma campanha de difamao do trabalho at

    ento desenvolvido com dificuldades, mas com muita dedicao

    e esperana, trabalho espezinhado por setores da imprensa que sealiaram ao regime militar sob os rtulos da irresponsabilidade, da

    indisciplina, da subverso, do atentado doutrina da segurana

    nacional. Mais uma vez o Estado desqualificava a obra para que asociedade lhe retirasse o apoio e, no enfraquecimento, a represso

    pudesse agir para aniquilar. De novo as lgrimas de Alcides daRocha Miranda que, lembrando a UDF, chorava a UnB. De novo

    a perseguio, a priso de intelectuais.Ansio ofereceu todo apoio logstico ao anteprojeto da UnB,

    sob as bnos de Juscelino Kubitschek e de Clvis Salgado, nomomento em que tambm organizava o Plano Educacional de

    Braslia. Discutiu a proposta de Darcy Ribeiro. Polemizaram sobre

    sua organizao. Ansio defendendo a tese de que a UnB deveriaser estruturada para operar apenas como centro de ps-gradua-

    o, destinado a preparar o magistrio superior do pas, e Darcycontra-argumentando que, ao lado da ps-graduao, os cursos

    de graduao seriam indispensveis (Ribeiro, 1978, p. 14). O pro-

    cesso de discusso da universidade passou, em 1960, pelo frumda SBPC, especialmente instalado para discuti-la. Quando a uni-

    versidade foi finalmente criada, j no governo de Joo Goulart,Ansio no aceitou o cargo de reitor que lhe fora oferecido. Assu-

    miu a vice-reitoria da instituio para prestigiar Darcy Ribeiro.

    Socorreu vrias vezes a Universidade em seus momentos iniciais,atravs da transferncia de verbas do Instituto Nacional de Es-

    tudos Pedaggicos, que hoje leva seu nome, do qual era diretordesde meados da dcada de 1950, para a Fundao Universidade

    de Braslia (Ribeiro, 1978, p. 33).

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    Ansio fez do Inep uma instncia de conduo da poltica edu-cacional dentro do Ministrio da Educao e Cultura. Pela destinao

    de verbas e pela criao de uma infraestrutura para a pesquisa sociale educacional no pas, colocou, lado a lado, cientistas e educadores

    em projetos comuns atravs do Centro Brasileiro de Pesquisas Edu-

    cacionais e dos Centros Regionais, que funcionaram em So Paulo,Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Atravs de conv-

    nios do Inep com as secretarias estaduais, o MEC se propunha a

    equipar escolas que ampliassem a escolaridade primria para seisanos, a construir centros de aperfeioamento docente. Essas medi-

    das canalizavam verbas pblicas para instituies pblicas, alm dedefender o controle da formao do professor primrio pelo po-

    der pblico, atravs do exame de estado. Essas decises foram into-lerveis para as instituies confessionais catlicas e os deputados

    interessados no fornecimento de verba do Inep para a construode escolas rurais transformadas em moeda de troca eleitoral.

    Toda a grande polmica provocada pelo livro Educao no

    privilgio no ano de 1957 da qual a publicao do Memorial dosbispos gachos, solicitando a exonerao de Ansio Teixeira do

    Inep uma consequncia, dentre outras colocou em xeque umavocao pblica num pas de ferozes interesses privatistas. Mais

    uma vez Ansio catalisava a ira dos catlicos que fizeram da Revista

    Vozessua trincheira de luta (Nunes, 1994). Mas, ao polemizar con-tra a Igreja, Ansio acionava, atravs dos seus pronunciamentos, a

    opinio pblica, os rgos do legislativo, do executivo, a prpriauniversidade e setores combativos da intelectualidade, colocando

    em foco a necessidade da expanso e da qualidade de uma for-

    mao pblica comum de todos os brasileiros. A luta agora sefazia no sentido de se contrapor aos interesses privatistas sobre a

    educao na Lei de Diretrizes e Bases.A capacidade de suportar a avalanche de crticas que recebeu,

    tanto na dcada de 1930 quanto na dcada de 1950, e que impres-

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    sionava seus colaboradores diretos, era resultado visvel da peda-gogia da Companhia de Jesus. A arte de governo da Companhia

    talhou, nele, a indiferena inaciana, uma formidvel resistncia psi-colgica construda no embate dos exerccios espirituais, quando a

    alma atravessa suas noites escuras, e constri uma profunda ade-

    so aos valores sagrados. Mesmo assim era penoso atravessar maisessa prova da vida. A educao foi para ele um valor sagrado. A

    indiferena inaciana, extremamente ativa e vigorosa nele, foi colo-

    cada a servio da causa pblica qual se dedicou e que o levouno s a enfrentar lutas duras, mas tambm incluiu uma das mais

    belas realizaes da educao popular no pas, j no final da dca-da de 1940: a conhecida escola-parque que, ao lado das classes

    comuns de ensino, no bairro operrio da Liberdade, em Salvador,constituiu uma experincia pioneira no pas e internacionalmente

    reconhecida de educao integral. De novo, uma escola feliz, quereunia s classes comuns de ensino as prticas de trabalho, artes,

    recreao, socializao e extenso cultural.

    Nos anos de 1960, no entanto, sua trajetria foi novamente co-locada prova. A ditadura militar constrangeu a Universidade de

    Braslia e quebrou, como dizia Darcy Ribeiro, uma das coisas maisimportantes que Ansio fizera no pas: o centro brasileiro e os cen-

    tros regionais de pesquisa. De novo se frustrava a tentativa de tornar

    a educao uma rea de investigao acadmica. O Inep foidesativado como agncia de produo da pesquisa educacional, tor-

    nando-se, primeiramente, um rgo burocrtico e depois uma agnciafinanciadora de estudos e pesquisas na rea. A revista Educao e Cin-

    cias Sociaisfoi suspensa e a Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, aps

    um breve perodo de expectativa voltou a circular trimestralmente,ainda que aos trancos e barrancos. Os acervos documentais e bibli-

    ogrficos, laboriosamente organizados pelo Centro Brasileiro dePesquisas Educacionais, e mesmo com o zelo de funcionrios dedi-

    cados, acabaram sendo desmembrados e parcialmente dilapidados.

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    Banido, suspeito, excludo. Respondeu violncia com seu tra-balho, o trabalho possvel, como professor visitante em universi-

    dades estrangeiras, tradutor, conferencista, membro do ConselhoFederal de Educao, idealizador do Instituto de Estudos Avana-

    dos em Educao (Iesae) no Rio de Janeiro e no qual tive a honra

    de realizar o meu Mestrado em Educao. Numa carta que AnsioTeixeira escreve a Monteiro Lobato, em janeiro de 1947, afirma:

    [...] Os sonhos no se realizam sem que primeiro se armem os

    andaimes. E uma construo em andaimes pede imaginao e amorpara ser compreendida (Vianna & Fraiz, 1986, p. 104). Uma es-

    cola pblica com um Ensino Bsico de qualidade para todos, ondea pesquisa assumida como componente do ensino, e em que os

    espaos e os tempos da educao sejam significativos para cadasujeito dentro dela. Uma escola bonita, moderna, integral em que

    o trabalho pedaggico apaixona e compromete professores e alu-nos. Uma escola que construa um solidrio destino humano, hist-

    rico e social foi o grande sonho de Ansio Teixeira, para o qual

    procurou construir os andaimes.A violncia barrou suas iniciativas, mas no venceu sua impla-

    cvel denncia de que a privao da educao torna impossvel ata simples sobrevivncia. Ansio estava convencido de que sem a

    qualidade cognoscitiva e psicossocial das experincias de conheci-

    mento no existem vivncias da esperana. E a escola, tal como elee seus colaboradores pensaram, e concretizaram, pretendia insti-

    tuir-se como organizadora da esperana em vidas humanas con-cretas. Mas a organizao da esperana assusta, porque desestabiliza

    privilgios. Porque exige, sobretudo, a pacincia dos recomeos.

    O tema da democracia no mbito da escola e fora dela, emtoda a produo de Ansio Teixeira, foi decisivo e se imps sobre

    outros temas. Ganhou na sua obra, mas principalmente com suavida, uma entonao prpria, distinta mesmo de outros intelectu-

    ais que colaboraram com seus projetos ou se opuseram a eles. Do

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    ngulo da educao popular, as construes escolares que edificou,tanto no Rio de Janeiro, quanto em Salvador, foram palco de uma

    expanso regulada tanto das atividades dos estudantes, quanto dasua comunicao interativa. Os espaos de aprendizagem na escola

    se ampliaram e diversificaram. Mas, e os alunos? Como percebiam

    essas novidades?As escolas criadas por Ansio e a gerao de educadores qual

    pertenceu, tanto na dcada de 1930, quanto nas dcadas de 1950 e

    1960, no foram vistas pelos alunos que as frequentaram como lo-cais de confinamento. Pelo contrrio, constituram a possibilidade

    de reapropriao de espaos de sociabilidade crescentemente sone-gados s classes trabalhadoras pelas reformas urbanas que lhes em-

    purravam para a periferia da cidade. Para muitos desses alunos, es-sas escolas foram a nica abertura para uma vida melhor. Num belo

    depoimento registrado em Sous-venir de classe (Memrias do curso de pol-tica de formao de professores), uma ex-aluna discorre sobre a importn-

    cia que o projeto de Ansio e seus companheiros de gerao tiveram

    na sua vida de adolescente, na dcada de 1960. Diz ela:Se para o pas a fbrica era a base do avano, se dela vinha o sustento dafamlia, na hora do jantar e da fiscalizao de cadernos e boletins afbrica era o drago devorador de criancinhas que trocassem os livrospela brincadeira, pelos namoricos ou festas. E fbrica significava levan-tar ainda noite, embrulhar em jornal a marmita que passara a noiteaberta para no azedar, coar o caf, colocar na garrafa de guaran comrolha de cortia, enfiar-se numa pesada e puda roupa de frio, pendu-rar-se tiritando num trem e depois num nibus, ficar oito horas de pna frente de uma mquina, suportar o (chefe), ganhar pouco, no terferiados nem frias, trabalhar 35 anos e morrer. Com sorte, casar como colega do lado. Ou, a sorte grande, com o padeiro e ir para o tanque,cinco filhos, fogo e vassoura. Slvio Santos na TV, macarronada nodomingo. E morrer. Sempre morrer. Talvez por isso meus poemas deadolescente falem tanto em morte. Progresso ou morte. Era esse olema l em casa. Uma casa de operrios procurando dar o salto que opas = nao prometia. E todos ns acreditamos nisso. Sinceramente.Dedicadamente, cada minuto da vida daquelas dcadas. Podia-se no

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    ter carne ou leite, mas tinha livro e tinha que ler, nem que fosse comvela. Tnhamos que nos apropriar desse capital-saber que nos daria opassaporte para o progresso (Lagoa, 1995, p. 4).

    Ainda narrando suas lembranas, escritas em meados da dcadade 1990, ela acrescenta:

    [...] a fbrica ficou l atrs, mas o que ela representou na minha vidaest sempre presente. Descobertas, aumentando meu respeito pelaEscola Nova, sobretudo por Ansio Teixeira e pelos professores quese dispuseram a educar para o Brasil grande. Sem ele, sem eles, semos que depois, em So Paulo (e, acrescento eu, tambm no Rio deJaneiro, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Salvador,Fortaleza, Natal e tantas outras cidades brasileiras), deram seguimen-to ao projeto, mesmo que tenham cometido muitos erros, eu certa-mente no estaria aqui. E um sentimento de ter feito parte de algogrande, de um projeto de pas, de um sonho. E no apenas algumque se esforou para fugir da fbrica. E entendi (continua ela), por-que [...] no me convencia com o discurso crtico da esquerda contraa escola pblica daquela poca. A crtica estava torta. A escola pblicaentortou depois (Idem, pp. 18-19).

    A trajetria de Ansio Teixeira em defesa da universidade p-

    blica e de instituies pblicas de pesquisa ou de financiamento aela, como a Campanha de Aperfeioamento do Pessoal do En-sino Superior (Capes), que sob sua conduo se transformou em

    rgo dinmico para a formao de quadros de nvel superior

    para a sociedade brasileira, tem implcito um pressuposto: o deque no h pas capaz de sobrevivncia digna sem instituies, sobre-

    tudo universidades, capazes de produzir conhecimentos e proporsolues prprias s questes que o afligem. Mas o que gostaria de

    enfatizar, na sua defesa do ensino e da pesquisa, e que geralmente

    no tem merecido suficiente destaque, a liberdade de criao. Graasa uma interlocuo ativa dentro do pensamento social brasileiro,

    com os nomes mais destacados da intelectualidade, Ansio colo-cou a educao em sintonia com os avanos das demais cincias

    humanas e sociais. Colocou-a tambm em permanente dilogocom a arte, concebida no sentido antropolgico, como defendia

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    Mrio de Andrade e no no sentido monumental que lhe conferiu,por exemplo, Villa-Lobos. Em Salvador, no final da dcada de

    1940, elaborou o Projeto Educao pela Arte e fez construir, soba liderana de Alcides da Rocha Miranda, um Centro Educativo

    de Arte Teatral, destinado dana e msica (Salmeron, 1999, p.

    45). No Rio de Janeiro manteve constante interlocuo comAugusto Rodrigues e seus companheiros da famosa Escolinha de

    Arte do Brasil, que constitua, como afirmou em meados de 1970,

    uma das poucas e importantes inovaes pedaggicas do pas(Costa, 1994, p. 3).

    Com uma vida inteira dedicada educao, Ansio provocaem ns a indagao de como possvel persistir em meio a tantos

    obstculos? O homem que foi encontrado sem vida no poo doelevador de um dos edifcios da praia do Flamengo, no incio da

    dcada de 1970, ofereceu s novas geraes sua defesa apaixona-da da educao. Tratava-se de uma defesa iluminada pela imagina-

    o pedaggica e polida, como argumentava Florestan Fernandes

    (1992), pela filosofia da educao e por uma compreenso agudada histria da nossa sociedade. Deixava uma obra que no foi

    revolucionria, como ensinou Antonio Candido (1980), mas ex-presso de um pensamento radical, que operou um significativo

    deslocamento na direo da solidariedade e da justia social. Na

    ltima fase da sua vida, Ansio no era mais rvore, como preten-dia, quando escreveu a Monteiro Lobato falando da secura feliz

    de apenas existir, sem mais nada desejar (Vianna & Fraiz, 1986, p.87). Tornara-se rizoma, escapando de todos os rtulos que tenta-

    ram, em vo, captur-lo: escolanovista, tecnicista, americanista, li-

    beral, conservador, pioneiro, visionrio, romntico, iluminista, co-munista, reacionrio. Finalmente, atravessou seu ltimo deserto.

    Mergulhou no Mistrio!

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    A compreenso da sociedade e da educao brasileiras

    na obra de Ansio Teixeira

    Ansio Teixeira forjou sua compreenso da sociedade e daeducao brasileiras por um mltiplo movimento que o colocou

    no s em contato com a cultura erudita e, em decorrncia, emconvvio com alguns dos maiores intelectuais brasileiros, mas tam-

    bm com a gesto pblica de ensino. Foram pelo menos 40 anos

    de vida pblica. possvel afirmar que a vida pblica foi o meio

    que encontrou para servir ao seu pas e sua gente. Sua maiormotivao era realizar uma grande obra de educao popular. Comeste objetivo estudou, escreveu, viajou com o intuito de conhecer

    outras experincias pedaggicas, debateu incansavelmente no Con-

    gresso e em associaes diversas suas propostas de uma educaopara todos os brasileiros.

    No se tratava apenas de ensinar a ler e escrever, como pre-tendiam vrias campanhas de alfabetizao no pas fadadas ao fra-

    casso por sucessivas dcadas. Entendia ele que era urgente prepa-rar toda a populao para formas de trabalho em que o uso das

    artes escolares fosse indispensvel, bem como para uma forma de

    governo que exigisse participao consciente, senso crtico, apti-do para julgar e escolher. Denunciou implacavelmente a seletividade

    da nossa escola para o benefcio de alguns privilegiados em detri-mento de uma massa de deseducados que apenas sobrevivia sem

    usufruir dos bens sociais destinados a poucos.

    Ao participar do programa de televiso Falando francamente, con-duzido por Arnaldo Nogueira, apresentador e tambm vereador

    pela UDN, em 1958, Ansio Teixeira afirmou que o combate que se

    agigantava contra ele nesse perodo nada tinha a ver com sua pessoa:suas posies diante de certos problemas sociais que eram comba-tidas. Na ocasio j era diretor do Instituto de Estudos Pedaggicos

    e empenhava-se na dinamizao do Centro Brasileiro de Pesquisas

    Educacionais e dos centros regionais. Comentou:

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    Infelizmente, entre ns, a escola que se faz do povo no tem o mesmoprestgio que a escola seletiva de classe mdia e da superior. A crise daescola primria brasileira concretiza, a meu ver, todo o problema edu-cacional brasileiro. a transio entre a educao de poucos e a educaode muitos e para muitos.9

    Essa defesa de uma escola primria para todos no era umanovidade na sua vida de homem pblico. Como j citado, foi for-

    jada sobretudo por ocasio da sua primeira experincia na gesto

    do ensino pblico em Salvador, quando teve oportunidade de entrarem contato com o pensamento de John Dewey, ao permanecer dez

    meses no Teachers College, em Nova York, entre meados de 1928e 1929. Dewey ofereceu a Ansio uma resposta programtica para

    questes educacionais com as quais estava lidando10.

    As bases tericas do pensamento de Ansio Teixeira

    Suas bases tericas de pensamento foram construdas em con-tato com o pensamento de John Dewey, sobretudo sua concepo

    de democracia e mudana social. Dewey, ao lado de Charles S. Peirce

    (1839-1914) e William James (1842-1910), construiu uma viso demundo que ficou conhecida como pragmatismo. Esses intelectuais

    trabalhavam em reas de estudo prximas, mas distintas. Coube aDewey, George Herbert Mead (1836-1931) e seus colaboradores

    criar uma teoria da educao baseada na experincia.A concepo deweyana de democracia e mudana social est

    centrada na criana. Sua perspectiva a de que o enraizamento e as

    direes que essa mudana assume esto postos na infncia. Da a

    9 Participao de Ansio Teixeira no programa Falando francamente. Arquivo Ansio Teixeira,Srie Produo Intelectual, AT pi 58.05.29/2, CPDOC/FGV.10 Em minha leitura, alm do motivo citado, outros dois levaram Ansio a Dewey no fim da

    dcada de 1920: a necessidade psicolgica de conciliar contradies e conflitos da sua

    experincia de vida, construindo um novo significado existencial e a necessidadeepistemolgica de elaborar uma sntese que lhe proporcionasse uma nova viso de

    mundo. Cf. Nunes, 2000: pp. 564-565.

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    importncia da funo social da educao e de seu carter demo-crtico, entendido como o processo pelo qual os indivduos de-

    senvolvem um interesse pessoal nas relaes pessoais, na sua di-reo e na formao de hbitos que permitam mudanas sem

    criar desordens (Mills, 1966).

    No livro Democracy and Education(1916), lanado no Brasil em1936 com prefcio de Ansio Teixeira, Dewey apresenta sua con-

    cepo de democracia e os meios de realiz-la (Dewey, 1959). Aps

    examinar as filosofias tpicas da histria da educao (platnica,racionalista e idealista), mostra seu reducionismo do ponto de vista

    dos objetivos educacionais por exclurem o desenvolvimento natu-ral da criana e a eficincia da sociedade e da cultura sobre esse

    desenvolvimento. com essa referncia que ele trabalha a correla-o entre interesse e disciplina, experincia e pensamento, pensamento

    e educao, e chega ao cerne do trabalho escolar examinando pro-blemas metodolgicos, curriculares, epistemolgicos e morais.

    Na apresentao da obra, Ansio chama a ateno para o car-

    ter conciliatrio e sinttico do pensamento deweyano: nem res-taurao do passado nem imposio de um futuro ainda inexistente

    mas, diramos ns, ao prudente, que no bruta (e, portanto,cega e ininteligente), nem repetio (e, portanto, preguia). uma

    ao, como afirma, que revigora o que o passado tem de til e

    operante e readapta o que houve de novo e eficaz.Notamos nesse livro que a concepo de democracia e de edu-

    cao para a democracia parte de um aspecto central da obradeweyana: a anlise de como se pensa. A nfase na particularidade

    emprica do pensamento relacionada com os conceitos e a situa-

    o problemtica, bem como de ao. Ambos tm a funo delocalizar o pensamento na prtica e delimit-lo no domnio do ho-

    mem na natureza. Essa postura eleva o comportamento humano,como salienta Mills, a um status de uma respeitabilidade filosfica

    jamais alcanado dentro do pragmatismo e pelos seguintes motivos:

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    Dewey inclui o epistemolgico e o mental no pensamento e apre-senta a ao num contexto tico. Desse ponto de vista, afasta-se de

    outros pragmatistas como Peirce, cuja compreenso de ao, em-bora ligada mentalidade, restrita s atividades de laboratrio e de

    James, que generaliza sua noo em determinada direo moral.

    As fontes do modelo deweyano de comportamento e ao soduas: uma psicologia do comportamento orientada biologicamente

    e certos procedimentos da cincia fsica e experimental. Pela primei-

    ra vez ele naturaliza a mente e delineia o pensamento como fun-o biolgica, capaz de adaptar o homem ao meio. Adaptar no

    conformar. Lembremo-nos da plasticidade dos instintos (e, porextenso do organismo) na sua concepo. Ao assumir a hiptese

    darwinista e aplic-la ao social, Dewey comete o equvoco de esta-belecer uma continuidade entre o nvel biolgico e lgico. Provoca

    tambm uma abertura na concepo de ajustamento que a formali-za e, ao mesmo tempo, a indefine, por diluir a perspectiva da frag-

    mentao e do poder das divises sociais. Essa diluio contribui

    no s para localizar na inteligncia a resoluo dos problemas hu-manos, mas tambm para defender a educao no sentido de di-

    fundi-la, alm de uma poltica reformista das situaes (Mills, 1966).Da cincia fsica e experimental, ele retira o paradigma da inves-

    tigao. Coloca a autoridade intelectual no experimento e faz uma

    generalizao do inqurito cientfico dos laboratrios para o inqu-rito social, atribuindo-lhe usos polticos ao combinar mtodo cient-

    fico e valores morais. Para Mills, Dewey utiliza de uma maneiraambivalente a concepo de carter social da cincia. social no

    sentido de inqurito coordenado, de pblica quanto aos seus mto-

    dos e resultados, e tambm social no sentido de bem-estar. Essasconcepes distintas so borradas em contextos decisivos e a cincia

    (tecnologia) aparece como reao ao individualismo egosta epecunirio. Essa significao religiosa-social da cincia teve, no en-

    tanto, uma razo histrica: at a Primeira Guerra Mundial, seu pres-

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    tgio era grande em diferentes nveis de pblico e praticamente to-dos obtinham algum retorno com seu avano e crescimento, inde-

    pendente do carter diferenciado desse retorno. A guerra vai abalaresse sucesso. Poderia essa distribuio diferencial ser contra os inte-

    resses sociais? O mtodo cientfico falhara? (Mills, 1966).

    A polmica em torno do papel da cincia s ganhar contornomais definido nas obras escritas por Dewey no final da dcada de

    1930. O importante a ressaltar que ele levou aos educadores a

    mensagem de que a teoria social um guia metodolgico de inves-tigao e planejamento. O sentido poltico dessa prtica a concep-

    o de mltiplos e simultneos movimentos de reforma. Esse pro-blema primariamente intelectual. Diante de estruturas e situaes

    especficas de interao, o que se exige so inquritos especficos quepermitam direcionar e compactar a fora da importncia de ganhar

    certa compreenso dos problemas como eles aparecem e de enfatizara comunicao dos resultados obtidos pela pesquisa, o que funciona

    como formao de opinio pblica e refora a ligao entre demo-

    cracia e pensamento racional. Na raiz da concepo de teoria socialest tambm ancorado o desejo de salvar e construir a individua-

    lidade. Nesse sentido, como uma linha transversal, a concepo po-ltica do liberalismo de Dewey cruza com a reflexo psicolgica,

    base de todos os individualismos do laissez-faire(Mills, 1966).

    Dentro dessa ampla perspectiva que Dewey apresenta, emDemocracy and Education, os aspectos vocacionais. Para ele, vocao

    significa atividade contnua que produz servio para o outro eempenha as aptides pessoais em benefcio da obteno de certos

    resultados. Se ele critica a oposio, na educao, ao reconheci-

    mento dos aspectos vocacionais da vida, que acompanhariam aconservao dos ideais aristocrticos, insurge-se tambm contra a

    preparao profissional rigidamente adaptada ao regime industrialexistente. Esta adaptao daria s massas uma limitada e prtica

    educao tcnica para profisses especializadas, exercidas sob a

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    direo de terceiros. Essa concepo de educao vocacional sig-nificaria a perpetuao da antiga diviso social, com seu respectivo

    dualismo intelectual e moral. Ela tambm no se justificaria, inclu-sive, pela dependncia cada vez maior das cincias no trabalho

    industrial e pelo modo como Dewey as concebe, isto , o estudo

    das cincias teria um papel fundamental no desenvolvimento docarter e do esprito. Ela deveria, em sua concepo, dar aos que

    dispem de menos oportunidades econmicas o desejo e as con-

    dies para participar da direo social e a aptido de se tornaremsenhores do seu destino na indstria (Dewey, 1959).

    Encontrou em Dewey a resoluo na defesa de um sistemapblico de educao que permitisse a todos usufrurem dos benef-

    cios da igualdade no aparelhamento para futuras carreiras. Essa pro-posta o afasta da perspectiva estreita tanto da educao confessional

    quanto de certas seitas escolanovistas. Afasta-o tambm, e muito,daquela imagem cristalizada com que certos comentaristas de es-

    querda o apresentaram: a de idealizador de uma escola vocacional

    para a classe trabalhadora, entendida como preparao profissionaldirecionada para os interesses da indstria11.

    No final da dcada de 1920, Ansio iniciou a divulgao dasobras de Dewey no Brasil, tarefa na qual persiste at a dcada de

    1950. Uma das primeiras publicaes de Dewey no nosso pas

    data de 1930. Reunia dois ensaios sob o ttulo Vida e educao: umsobre a teoria da educao sob a perspectiva da reconstruo da

    experincia, e outro sobre o programa escolar e trabalhava as no-es de interesse e esforo, ambos antecedidos por uma apresen-

    tao de Ansio que, poca, era professor de Filosofia da Educa-

    o na Escola Normal de Salvador. Esta obra foi publicada nacoletnea Biblioteca da Educao, editada pela Companhia Melhora-

    mentos de So Paulo desde 1927, sob a direo de Loureno

    11 Ver, por exemplo, Madan Sarup. Marxismo e educao (abordagem fenomenolgica e

    marxista da educao). Rio de Janeiro: Zahar, 1980, pp. 138-140 e 149-64.

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    Filho. Democracia e Educao s seria divulgado aps o pedido dedemisso de Ansio da sua gesto pblica no Distrito Federal. Nesses

    dois trabalhos traduzidos para os educadores brasileiros j estopresentes as concepes bsicas que nortearam seu programa de

    ao para a escola brasileira na dcada de 1930.

    O pensamento de Dewey forneceu uma chave de leitura dasociedade e da educao para Ansio Teixeira. Essa chave est an-

    corada na categoria de reconstruo. Esta categoria permitiu que

    o educador baiano elaborasse sua sntese e ingressasse no mbitode uma crtica filosfica moderna.

    Reconstruction in Philosophy (1920) s foi traduzida no Brasil nadcada de 1950, por Eugenio Marcondes Rocha e Jacob Thealdi,

    sob a superviso e correo de Ansio. Esse livro foi asperamentecriticado pelos contemporneos de Dewey, de um lado, pela atitude

    considerada amarga com relao aos sistemas do passado e, de outrolado, pelo exagero romntico com que valorizava a filosofia12.

    Em contraposio s crticas, os argumentos de Dewey sinali-

    zavam a necessidade de uma reviso crtica do passado, uma vezque seus sistemas refletiam uma viso pr-cientfica do mundo

    natural, pr-tecnolgica da situao da indstria e pr-democrticada situao poltica. Sua proposta era a de reconstruir a teoria do

    conhecimento com o propsito de verificar onde e como falha-

    vam, em relao s condies modernas de vida, os sistemas filo-sficos do passado.

    Sua hiptese era a de que as desordens e os transtornos queoriginaram a crise em todos os setores da sociedade se deviam

    adoo, no trato de todos os problemas da vida, de processos,

    instrumentos, materiais e interesses engendrados pelos pesquisado-res em seus laboratrios especializados. O abalo teria atingido todas

    as instituies criadas antes do advento da cincia, incluindo as pr-

    12 Consultamos a traduo de Reconstruction in Philosophy. Arquivo Ansio Teixeira, Srie

    Produo Intelectual, AT Dewey, J. pi 00.00.00, 172 fls + 181 fls anexas, CPDOC/FGV.

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    ticas religiosas. Para ele, o conflito anterior no acabou na vitria ouderrota total dos contendores, mas num acordo recproco pelo qualforam delimitadas reas de operao e jurisdio. As antigas insti-tuies teriam ficado com a supremacia das questes morais e sociais,cabendo s cincias a interferncia no domnio prtico da vida. Noentanto, esse acordo ruiu, pois as cincias, ao intervirem nesse dom-nio, passaram tambm a intervir, indevidamente, nas reas que, peloacordo anterior, no lhes estariam afetas, o que gerou insegurana,

    incertezas, angstias e conflitos. Em outras palavras, as sociedadestentaram obter vantagens prticas da aplicao cientfica, ao mesmotempo em que queriam manter intacta a autoridade dos velhospostulados relativos moral. Se, no princpio, houve uma trguainquietadora, o acmulo das consequncias advindas com a utilizaoda cincia passou a disputar o campo dos valores. Dessa disputa sur-giu a secularizao.

    Com base nessa hiptese, Dewey esboou a proposta de re-construir a filosofia para que esta repensasse a cincia, uma vez queseu desenvolvimento no estava ainda amadurecido e no haviamainda sido investigadas as condies institucionais nas quais ele pe-netrava. Essa tarefa de reconstruo da filosofia, que ele empreen-deu no livro citado exigiu-lhe esforos contnuos no sentido dereconstruir a prpria atividade do pensamento, de suas bases l-gicas, de reconstruir as concepes morais e religiosas, de recons-truir a concepo de cultura, de educao e democracia.

    A categoria de reconstruo, no pensamento deweyano, cons-tituiu para Ansio um tour de force. Por meio dela, a filosofia erainterpretada como um esforo contnuo de reconciliao e rea-

    justamento entre a tradio e o conhecimento cientfico, entre asbases culturais do passado e o presente que flua numa grandevertigem. Ou seja, Dewey permitiu a Ansio reintegrar o velho eo novo por meio de uma crtica capaz de distinguir, selecionar,pr em relevo elementos fundamentais do momento histrico

    vivido. Atravs de Dewey, Ansio pode abandonar a escolstica e

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    abraar perspectivas que o ajudassem a interpretar, valorizar eorientar a prpria vida.

    Dewey mostrava-lhe que o moderno carecia de forma. Eraembrionrio. Ainda no existia. Seria o produto de uma decidida epaciente atividade conjunta de homens e mulheres de boa vontade,provindos de todas as profisses e dedicados a essa tarefa por umtempo indefinidamente longo. Essa tarefa exigiria uma erudio ca-paz de abrigar o conhecimento no s de uma histria da cultura,

    mas tambm da cincia moderna. Ansio acompanhou seu trabalhode pesquisa dos valores novos dos movimentos cientficos,tecnolgicos e polticos do passado imediato e do presente. Mergu-lhou na reinterpretao deweyana da histria da filosofia baseada naperspectiva de que ela no havia se desenvolvido de modo imparci-al, nem livre de preconceitos; de que, ao exaltar as caractersticas dopensamento rigoroso e das demonstraes rgidas, afastou muitosindivduos e atraiu outros que a ela se dedicaram, transformando-anuma arma de luta de ideias entre grupos; de que havia ganho ocarter de ubiquidade, presente em todos os cantos da vida social,reclamando o estabelecimento de um completo sistema lgico.

    Alm da denncia deweyana de uma tradio filosfica autori-tria, fascinava Ansio a recuperao do sentido humano que ganha-

    va a histria da filosofia. Esse sentido se desdobrava na compreen-so de que o papel de qualquer filosofia futura seria no s clarear asideias dos indivduos quanto aos embates morais e sociais de seusprprios dias, mas tambm de ajud-los a tomar posio dentrodesses conflitos de modo a respeitar as aspiraes humanas.

    O que definia o problema especfico da reconstruo filosfica

    deweyana era o fato de que a cincia desenvolvida no havia trazidoalvio situao humana. Esse alvio s viria se, ao lado da amplia-o do poder de manipular a natureza, o indivduo ampliasse seupoder para estabelecer novos ideais e fins e agisse de modo siste-mtico para realiz-los. Nessa ao, no poderia deixar de lado os

    meios. Se trocasse os fins pelos meios, estaria incidindo no materia-

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    lismo moral. Se enfatizasse os primeiros e esquecesse os segundos,estaria caindo no sentimentalismo.

    Para Dewey as mudanas sociais seriam o nico meio de for-jar novas personalidades. Por esse motivo para ele era importante

    analisar as instituies luz dos seus efeitos educativos e no sepa-

    rar a poltica da moral. Por trs dessa postura existe a seguintequesto: Que efeito certas disposies sociais, polticas ou econ-

    micas teriam sobre o carter?

    Ao considerar o papel do Estado luz dessa preocupao,Dewey criticou o dogma da soberania do Estado nacional. Ao

    mesmo tempo em que o Estado se fortalecia, afirmava ele, multipli-cavam-se as associaes, como os partidos polticos, as sociedades

    comerciais, as organizaes cientficas e artsticas, os sindicatos, asigrejas, as escolas e os clubes. Esses agrupamentos seriam, na sua

    perspectiva, verdadeiras unidades sociais, ocupando o lugar que, nasteorias tradicionais, era dado ao indivduo isolado ou suprema e

    simples organizao poltica. O novo papel do Estado seria o de

    coordenar esse pluralismo. Denunciava a crescente oposio entre areivindicao pela soberania do Estado territorial nacional e o cres-

    cimento dos interesses internacionais. O internacionalismo j era,quando escreveu Reconstruction in Philosophy, em sua viso, uma fora.

    O senso moderno de humanidade e democracia que Dewey

    defende nessa obra coloca-se contra o assistencialismo e a atribui-o de uma finalidade que se esgota na organizao. A organiza-

    o seria um meio para promover a associao. Ainda, a soluodemocrtica no se restringiria democracia poltica, mas abran-

    geria a democratizao da cultura, o que abre espao para a poe-

    sia, a arte e a religio. Na utopia deweyana, quando a filosofiacooperasse com o curso dos acontecimentos e tornasse claro e

    coerente o significado dos pormenores dirios, seria necessriointerpenetrar a cincia e a emoo, a prtica e a imaginao. Na

    promoo dessa articulao, assim como na revelao dos signifi-

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    cados do cotidiano, estavam postos o problema e a tarefa da filo-sofia em dias de transio.

    A transio de um mundo pr-cientfico, pr-tecnolgico e pr-democrtico para um mundo cientfico, industrial e democrtico

    colocava problemas relativos alienao do sujeito dos quais Dewey

    tinha aguda conscincia. Ele reagia filosoficamente ao isolamento e fragmentao crescente da vida social, segundo Mills (1966), pro-

    pondo a reinstaurao de um tipo de sociabilidade perdida nas pe-

    quenas vilas americanas rurais que conhecera em sua adolescncia.Nesse sentido, embora falasse muito do futuro, a continuidade im-

    plcita na ideia de reconstruo poderia ter o sentido, assim o dedu-zo, de adaptar os ideais de uma comunidade existente num passado

    distante s condies do presente que vivia no comeo do sculoXX. Pode ser considerada uma espcie de fuga para o passado, mas

    que no se identificava automaticamente defesa de um ruralismoretrgrado, como apontou Maria Alice Rezende de Carvalho (s/d)

    ao analisar as respostas dos intelectuais europeus mediante o temor

    ocasionado pela instabilidade de um mundo ameaado pelo avanoda urbanizao e da industrializao. Numa mediao liberal, Dewey

    procurou conciliar o valor convencional da democracia que existiria(pelo menos hipoteticamente) nas pequenas e homogneas comuni-

    dades rurais americanas e o generalizado desejo de maior liberdade

    expressa no pensamento moderno.Se Dewey voltava-se para o passado, Ansio voltava-se para o

    futuro em busca de uma democracia at ento inexistente na soci-edade brasileira. Esse movimento que se projeta em sentidos con-

    trrios tem seu ponto de interseco na conciliao entre o antigo

    e o novo, representada pela categoria de reconstruo, entendidajustamente como reviso da experincia anterior em qualquer campo

    (seja ele filosfico, religioso, poltico, pedaggico), colocada a ser-vio de novos ideais. Esse foco cognoscitivo tambm afetivo.

    Seu grau de abrangncia permite no s uma reordenao da bio-

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    grafia, mas tambm a redefinio da histria das instituies deque o sujeito participa projetando, nelas, outros significados.

    A relao entre a vivncia singular de Ansio e a interpretaopedaggica deweyana pode ser defletida pela maneira como ele,

    nos manuscritos escritos entre 1924 e 1936, apresenta a criana.

    Num dos textos comenta a experincia infantil da seguinte forma:

    Se nos limitarmos a observar o que a criana faz no momento e pelomomento no chegaremos a perceber o sentido da sua atividade. [...]

    No ver a promessa contida em sentimentos e fatos que, tomadosem si mesmos, so repulsivos e estreis, leva s extremas deprecia-es; como enxergar nas mais formosas e encantadoras manifesta-es infantis qualquer coisa que no sejam simples indcios e sinaisde um processo de desenvolvimento, conduz aos embevecimentos,to perigosos quanto os rigores de julgamento, porque uns e outrosimportam em tomar por completo e total, o que simplesmentetransicional e passageiro, [...] Para corrigir tais erros precisamos dealguma coisa que nos habilite a interpretar e avaliar os elementos dossucessos e quedas da criana [...] luz do amplo processo de cresci-mento, de que fazem parte.13

    No cerne da experincia da criana, Ansio deixa implcito opapel do educador e sua responsabilidade diante de um movi-mento eivado de continuidades e descontinuidades. At que ponto

    Ansio fora constrangido pelos embevecimentos? At que pon-to vivera sua experincia com relao aos programas escolares

    sob a perspectiva da compresso externa? No pretendo simples-

    mente colar a experincia infantil de Ansio interpretao da ex-perincia infantil que Dewey prope, mas apenas sugerir a possi-

    bilidade de que qualquer sntese, mesmo a nossa, passa no spelas exigncias que um texto objetivamente impe, mas tambm

    pelas inflexes ditadas por necessidades psicolgicas e por objeti-vos eleitos. Acreditava que reconhecer as possibilidades inscritas na

    infncia exige a reviso da ao do educador, no sentido d