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TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

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TRATAMENTO DA DORNA CLÍNICA DEPEQUENOS ANIMAIS

Denise FantoniProfessora Livre-docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo

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© 2012 Elsevier Editora Ltda.

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ISBN: 978-85-352-3783-2

CapaFolio Design

Editoração EletrônicaFutura

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Rua Sete de Setembro, nº 111 – 16º andar20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ

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NOTAO conhecimento da área de saúde está em permanente mudança. Os cuidados normais de segurança devem ser seguidos, mas, como as novas pesquisas e a experiência clínica ampliam nosso conhecimen-to, alterações no tratamento e terapia à base de fármacos podem ser necessárias ou apropriadas. Os leitores são aconselhados a checar informações mais atuais dos produtos, fornecidas pelos fabricantes de cada fármaco a ser administrado, para verificar a dose recomendada, o método e a duração da admi-nistração e as contraindicações. É responsabilidade do profissional, com base na experiência e contando com o conhecimento do paciente, determinar as dosagens e o melhor tratamento para cada um indivi-dualmente. Nem o editor nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventual dano ou perda a pessoas ou a propriedade originada por esta publicação.

O Editor

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F22t Fantoni, Denise Tabacchi, 1966-

Tratamento da dor na clínica de pequenos animais / Denise Fantoni. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2011. il.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-352-3783-2 1. Cão - Doenças - Tratamento. 2. Gato - Doenças - Tratamento. 3. Dor nos

animais. I. Título.

11-4521 CDD: 636.708960472 CDU: 636.09:616.8-009-7

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Alessandro MartinsResidência em Anestesiologia pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Doutorando pelo Programa de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Alessio ViganiPhD. Residência pela University of Florida College Veterinary Medicine, Anesthesia and Pain Management Service

André Leguthe RosaDoutor pelo Programa de Anestesiologia Experimental da Faculdade de Medicina de BotucatuMédico-veterinário anestesiologista do Provet-SP Professor Titular da Universidade Metodista de São Paulo

André Luís CorrêaMestre em Ciência Animal pelo Centro de Ciências Agropecuárias da Universidade do Estado de Santa Catarina Médico-veterinário autônomo Doutorando pelo Programa de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)

André ShihProfessor Assistente da University of Florida College Veterinary Medicine, Anesthesia and Pain Management Service Diplomado pelo American College Veterinary Anesthesiology (ACVA)

Ayne Murata HayashiMédica-veterinária. Residência em Cirurgia pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootécnica (FMVZ) da USP Especialização em Acupuntura na Faculdade de Ciências da Saúde do Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos (FACIS/IBEHE) Mestre em Clínica Cirúrgica Veterinária Doutor em Ciências pelo Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP

Carolinne Torres Silva DiasEspecialista em Acupuntura Veterinária pelo Instituto Bioethicus-Botucatu Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP

Carsten BandtProfessor Assistente da University of Florida College Veterinary Medicine, Emergency and Critical Care Service Diplomado pela American College Veterinary Emergency and Critical Care (ACVCC)

Cristina de O. Massoco Salles GomesPós-doutorado em Imunologia Veterinária pela Universidade de Cornell/NYProfessora Doutora em Imunopatologia do Departamento de Patologia da FMVZ/USP

COLABORADORES

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vi TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Daniel Matsumoto SakaiResidência em Anestesiologia pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP Residência na Cornell University, College of Veterinary Medicine

Daniella Aparecida GodoiResidência em Clínica Médica na Universidade Estadual de Londrina Mestranda pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária da USP

Denise Aya OtsukiDoutora pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP Pesquisadora Científica do Laboratório de Investigação Médica LIM08-Anestesiologia da Faculdade de Medicina da USP

Diego A. PortelaDepartment of Veterinary Clinics, University of Pisa, San Piero a Grado, Pisa – Itália

Ewaldo de Mattos Junior Mestre pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP Doutorando do Departamento de Cirurgia FMVZ/USP Professor de Anestesiologia e Farmacologia Veterinária no Centro Universitário de Maringá (CESUMAR)

Fabrício Braga Rassy Mestre em Anestesiologia Veterinária pela FMVZ/UNESP Médico-veterinário – Área Quelônios do Programa Regional de Monitoramento de Praias na Área de Abrangência da Bacia (PRMEA)

Fabrício de Oliveira FrazílioMestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Doutorando pelo Programa de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Hazem Adel AshmawiProfessor Colaborador da Disciplina de Anestesiologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USPMédico da Equipe de Controle da Dor da Divisão de Anestesia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Irimar de Paula PossoProfessor Associado da Disciplina de Anestesiologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP Professor Titular de Farmacologia e de Anestesiologia e Terapêutica da Dor da Universidade de Taubaté Supervisor da Equipe de Controle da Dor da Divisão de Anestesia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Jacob Johnson Professor Assistente da University of Auburn College of Veterinary Medicine, Anesthesia Service Diplomado pelo ACVA

Jessica Noel-MorganResidência em Cirurgia pela FMVZ/USPDoutoranda pelo Programa de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da USP

Juan Carlos Duque MorenoDoutor em Cirurgia Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP Docente de Anestesiologia Veterinária da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (UFGO)

Karina Velloso Braga Yazbek Doutora pelo Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP Certificada em Dor pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED)

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COLABORADORES vii

Larissa Borges CardozoResidência em Anestesia pela Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB) Doutoranda pelo Programa de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da USP

Lesley SmithMédico-veterinário PhD. Professor da University of Wisconsin School of Veterinary Medicine, Anesthesia and Pain Management Service Diplomado pelo ACVA

Lisa TarragonaDepartamento de Anestesiología da Facultad de Ciencias Veterinarias, Universidad de Buenos Aires, Argentina

Lourenço CotesMestre pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP

Luiz Fernando de OliveiraProfessor Titular de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Livre-docente em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB/UFRJ) Professor Titular de Farmacologia (Ap) do ICB/UFRJ

Marcelo da Silva GomesMédico-veterinário do Zoológico Municipal de São Bernardo do Campo Mestre pelo Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da FMVZ/USP Equipe ANIMALIA – Fauna Especialidades Veterinárias

Márcia Aparecida Portela KahvegianDoutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP Médica-veterinária Anestesiologista do PROVET Professora da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL)

Maria Teresa SoutoMestra pelo Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP

Natache Arouca GarofaloResidência em Anestesiologia e Mestra pelo Departamento de Cirurgia e Anestesiologia da FMVZ/UNESP Doutoranda do Programa de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da USP Professora Substituta do Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária da FMVZ/UNES

Nilson Oleskovicz Doutor em Cirurgia Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP Professor Associado de Anestesiologia Veterinária no Centro de Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado Santa Catarina, Lages/SC

Nilson Roberti BenitesProfessor Associado do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da FMVZ/USP Especialista em Homeopatia pela Associação Paulista de Homeopatia

Pablo E. OteroProfessor do Departamento de Anestesiología da Facultad de Ciencias Veterinarias da Universidad de Buenos Aires, Argentina

Patrícia Bonifácio FlôrMestra pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP Médica Anestesista do Serviço de Anestesia do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP

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viii TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Paulo CarnicelliMestre pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP

Renato Batista TamanhoMestrando em Ciência Animal pelo Centro de Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado de Santa Catarina, Lages/SC

Ricardo Miyasaka de AlmeidaDoutor em Cirurgia Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP Professor de Anestesiologia Veterinária da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UnB

Roberta C. C. FigueiredoEspecialista em Anestesiologia pelo Instituto Brasileiro da Pesquisa (IMBRAPEC) Colaboradora do Ambulatório de Dor e Cuidados Paliativos da FMVZ Mestranda pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP

Roberto Silveira FecchioMestre pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da Faculdade de FMVZ/USP Especialização em Odontologia Veterinária pela Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (ANCLIVEPA) Equipe ANIMALIA

Rodrigo MarucioResidência em Anestesiologia e Mestre pelo Departamento de Cirurgia e Anestesiologia da FMVZ/UNESP Doutorando do Programa de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da USP

Sandra MastrocinqueDoutora pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP Professora Doutora da Faculdade de Medicina Veterinária do Centro Universitário Barão de Mauá

Silvana GorniakProfessora Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de FMVZ/USP

Silvia Renata Gaido CortopassiProfessora Livre-docente do Departamento de Cirurgia da FMVZ/USP

Teresinha Luiza MartinsDoutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP Colaboradora do Ambulatório da Dor e Cuidados Paliativos da FMVZ/USP

Valéria Nobre Leal de Souza OlivaProfessora Livre-docente em Anestesiologia Veterinária da FMVZ/UNESP Especialização em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais pela Università degli Studi di Torino, Itália Certificada em Terapia Floral pelo Instituto Dr. Edward Bach de Campinas

Valéria Veras de PaulaDoutora pelo Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da Faculdade de FMVZ/USP Professora Adjunta III do Departamento de Ciências Animais da Universidade Federal Rural do Semiárido, Mossoró/RN

Viviane Higuchi ImagawaDoutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP

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A Manuela e José Otávio por todos os momentos de alegria e felicidade verdadeira.

A Eglé, Carlo e Maria Olivia por todos os ensinamentos, alegria de viver e perseverança.

DEDICATÓRIA

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Agradeço imensamente a todos os colaboradores que prontamente aceitaram esse desafio e, com seu conhecimento, sabedoria e dedicação, tornaram esse empreendimento possível. Nesse contexto, um eterno obrigado aos professores Luiz Fernando de Oliveira, Irimar de Paula Posso e Hazem Adel Ashmawi, que sempre nos apoiaram incondicionalmente desde aqueles remotos anos quando tratar a dor em animais era apenas uma ilusão.

Não poderia deixar de agradecer também a todos os meus eternos discípulos que abraça-ram um sonho e tornaram essa obra factível, e especialmente a Larissa Cardozo, Teresinha Martins, Natache Garofalo, Daniella Godoi e Márcia Kahvegian, que nessa fase de prepara-ção dos manuscritos muito nos auxiliaram.

xi

AGRADECIMENTOS

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Há muito o homem procura entender e controlar a dor. No antigo Egito e entre alguns po-vos da América Pré-Colombiana, a dor era entendida como resultado da “entrada de maus espíritos através das narinas e dos ouvidos do doente”. Foi na Grécia, com Hipócrates de Cós, que a dor passou a ser explicada em bases racionais.

Em medicina veterinária os primeiros registros do emprego rotineiro de conceitos anes-tésicos em procedimentos cirúrgicos datam de 1892.

No século XX, na década de 1930, o médico e cirurgião nascido na França, René Leriche (1879-1955), ao publicar a Cirurgia da dor, foi o primeiro a considerar a dor crônica uma doença, e não um sintoma.

O anestesiologista John J. Bonica (1917-1994), italiano nascido na Sicília e que emi-grou ainda criança para Nova York, em 1950, protagonizou a abordagem multiprofissional da dor. Dez anos mais tarde, juntamente com a enfermeira Dorothy Crowley e o neuroci-rurgião Loweel E. White Jr., fundaram, na Universidade de Washington, o primeiro Centro Multidisciplinar da Dor.

No Brasil, em Medicina Veterinária a criação da primeira clínica de dor ocorreu em 2002, na Universidade de São Paulo (USP), e foi iniciativa da autora e editora deste livro, a professora Denise Tabacchi Fantoni.

Denise Tabacchi Fantoni, que me honrou e presenteou-me com o convite para prefaciar este livro, possui 25 anos de trajetória acadêmica, a que eu tive a grande satisfação profis-sional e pessoal de acompanhar.

É mestra, doutora e livre-docente pela USP e professora associada desta modelar uni-versidade. Publicou 82 trabalhos, contribuiu com 25 capítulos em livros e, anteriormente, já editou um livro. Orientou 13 teses de mestrado e cinco de doutorado. Teve nove projetos de pesquisa apoiados pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que resultaram em contribuições importantes, reconhecidas algumas delas com premiação em congressos nacionais e internacionais. Como pesquisadora tem revelado capacidade de liderar em seus projetos o trabalho de colaboradores de diferentes áreas e profissões das ciências médicas do país e do estrangeiro, e não foi diferente neste livro.

A sequência histórica anteriormente registrada tem por objetivo levar à reflexão sobre o descompasso havido entre a medicina e a medicina veterinária no que diz respeito à apro-priação do paradigma do tratamento multidisciplinar da dor, o que reflete a preocupação com o cuidado compassivo dos pacientes. Em medicina, as medicações e técnicas para atenuar a dor vêm tendo, há mais tempo, um papel central na profissão. Em medicina veterinária, a dor pós-operatória era encarada, nas últimas décadas, como uma fatalidade aceita tacitamente tanto pelo proprietário do animal como pela equipe cirúrgica. Hoje, à luz do conhecimento disponível, em quase todos os casos a dor deve ser considerada uma complicação resultante da desinformação, omissão ou negligência da equipe cirúrgica. Para

PREFÁCIO

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xiv TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

além dos aspectos éticos envolvidos, o tratamento da dor é fundamental do ponto de vista fisiológico, sendo possível dizer que se trata de um dever do médico-veterinário aliviar o sofrimento, pela dor, de seus pacientes. Em Medicina Veterinária as dificuldades que en-volvem o diagnóstico e o tratamento das dores nos animais são maiores que na Medicina. Não raramente a comunicação com o proprietário do animal é falha. Nossos pacientes, que não verbalizam a dor, nos revelam reações comportamentais que auxiliam no reco-nhecimento precoce do fenômeno doloroso, mas que isoladamente não são suficientes ao diagnóstico. A dor é uma experiência individual e é hoje o quinto sinal vital. Em animais, o quanto desta dor se traduz em um comportamento observável depende da espécie, da raça, da idade, do sexo e do tempo de exposição ao estímulo nociceptivo. Como não temos acesso ao psiquismo dos animais, é praticamente impossível saber, objetivamente, como é a dor do nosso paciente, mas devemos envidar todos os esforços para qualificá-la e tratá-la. Neste ponto, esta obra tem um importante papel ao nos ajudar a percorrer este caminho com mais segurança e precisão.

A professora Fantoni e seus colaboradores nos mostram neste livro que, devido ao fato de estruturas anatômicas e mecanismos neurofisiológicos envolvidos na percepção da dor serem semelhantes no homem e no animal, é possível assumir que, se um estímulo é do-loroso para uma pessoa, sê-lo-á também para um animal.

Compaixão é sentir a dor do outro, e esse é um traço marcante da personalidade da pro-fessora Denise Tabacchi Fantoni que está materializado neste livro. É o fio condutor de uma vida, também como anestesiologista, que, do ponto de vista acadêmico, neste momento culmina com a feliz e necessária publicação desta obra multidisciplinar que indubitavel-mente vem preencher uma lacuna na literatura médico-veterinária em língua portuguesa.

Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk

Professor Titular de Clínica Cirúrgica Veterinária da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Membro da Academia Paranaense de Medicina Veterinária

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O livro Tratamento da Dor na Clínica de Pequenos Animais contou com a colaboração de toda a nossa equipe envolvida com o tema da dor e de diversos professores colaboradores, veterinários e médicos, e visa atender a necessidade de entendimento e tratamento da dor em pequenos animais nas suas mais variadas apresentações.

Esta obra foi desenvolvida em um formato conciso que oferece informações pertinentes de nossas experiências clínicas e dos mais relevantes estudos publicados por pesquisadores nacionais e estrangeiros, oferecendo ao leitor uma síntese da literatura atual e de pesquisas clínicas.

Para facilitar a exposição dos diferentes assuntos que abrangem o tratamento da dor, distribuímos os temas em seis partes. A primeira parte é composta por breve narração da história do tratamento da dor e os fatores éticos envolvidos. A segunda parte relaciona os aspectos básicos de fisiologia, farmacologia, nômina, classificação, conceituação e diagnós-tico das diferentes formas de apresentação da dor, conhecimentos essenciais para aqueles que almejam compreender e tratar a dor de forma adequada. Na terceira parte, todos os fármacos empregados atualmente para o tratamento da dor são apresentados, sendo suas principais características farmacológicas descritas. A quarta parte é composta por dife-rentes subespecialidades do tratamento da dor, as quais abrangem as principais situações do cotidiano da clínica de pequenos animais. A dor não deve ser tratada como entidade única e estanque; as suas diversas apresentações e manifestações merecem tratamento individualizado. Assim, nessa parte, o tratamento da dor é diferenciado de acordo com as diversas situações: trauma, ortopedia, dor oncológica, entre outras importantes circuns-tâncias. Ainda nessa parte são abordadas as formas de tratamento da dor de acordo com as diferentes espécies que permeiam as clínicas de pequenos animais, além dos cães e gatos: aves, répteis, pequenos roedores e coelhos. A quinta parte compreende os tratamentos não farmacológicos da dor: acupuntura, fisioterapia, homeopatia e florais de Bach, que são também medidas muito eficazes e atuais no combate à dor, empregadas isoladamente ou associadas às medicações convencionais. Na sexta parte apresentamos os princípios dos cuidados paliativos, pouquíssimo explorados atualmente, mas que muitas vezes são os principais elementos, aliados à terapêutica medicamentosa, para conferir bem-estar ao animal com dor. Também são apresentados os aspectos relacionados com a organização de um serviço especialmente voltado ao tratamento da dor e as perspectivas para o tratamen-to da dor em pequenos animais.

Denise Fantoni

APRESENTAÇÃO

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PARTE I Considerações Gerais, 1

1 Fatos Históricos: a Dor como o Quinto Sinal Vital, 3 Denise Fantoni

2 A Ética no Tratamento da Dor, 7 Denise Fantoni

PARTE II Conceitos Básicos no Tratamento da Dor, 9

3 Princípios Básicos de Farmacocinética e Farmacodinâmica dos Analgésicos para o Tratamento da Dor, 11 Denise Fantoni Daniella Godoi

4 Princípios Gerais do Tratamento da Dor, 29 Irimar de Paula Posso Hazem Adel Ashmawi

5 Fisiopatologia da Dor Aguda, 37 Denise Fantoni Sandra Mastrocinque

6 Fisiopatologia da Dor Crônica, 49 Luiz Fernando de Oliveira

7 Dor e Infl amação, 59 Márcia Kahvegian Cristina de O. Massoco Salles Gomes

8 Nômina e Classifi cação da Dor, 73 Márcia Kahvegian Larissa B. Cardozo

9 Avaliação da Dor, 81 Patrícia Bonifácio Flôr Teresinha Luiza Martins Karina Velloso Braga Yazbek

SUMÁRIO

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xviii TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

10 Analgesia Preemptiva, 93 Sandra Mastrocinque Fabrício de Oliveira Frazílio

PARTE III Tratamento Farmacológico da Dor, 107

11 Fármacos Analgésicos Opioides, 109 Denise Fantoni Natache Arouca Garofalo

12 Anti-infl amatórios Não Esteroidais, 127 Silvana Gorniak

13 Analgésicos Antipiréticos: Dipirona e Paracetamol, 137 Jessica Noel-Morgan Viviane Higuchi Imagawa

14 Corticoides, 151 Silvana Gorniak

15 Anestésicos Locais, 155 Silvia Renata Gaido Cortopassi Ewaldo de Mattos Junior

16 Antagonistas de Receptores N-Metil-D-Aspartato (NMDA), 171 Juan Carlos Duque Moreno

17 Fármacos de Uso Espinhal, 181 Rodrigo Marucio Lourenço Cotes

18 Antidepressivos e Anticonvulsivantes, 195 Teresinha Luiza Martins Maria Teresa Souto

19 Tranquilizantes e Miorrelaxantes no Tratamento da Dor, 203 André Leguthe Rosa Márcia Kahvegian

20 α2-agonistas no Controle da Dor, 215 Nilson Oleskovicz André Luís Corrêa

21 Bloqueios Neurolíticos, 225 Hazem Adel Ashmawi Natache Arouca Garofalo

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PARTE IV Tratamento da Dor por Especialidade, 229

22 Analgesia Transoperatória, 231 Pablo E. Otero Diego A. Portela Lisa Tarragona

23 Analgesia para Cirurgia Geral, 261 Denise Fantoni Alessandro Martins

24 Analgesia para Cirurgia Torácica, 277 Denise Aya Otsuki

25 Analgesia para Cirurgia Ortopédica, 283 Ricardo Miyasaka de Almeida Larissa B. Cardozo

26 Analgesia para Procedimentos Oftalmológicos, 293 Márcia Kahvegian

27 Analgesia para Procedimentos Cirúrgicos Bucais, 307 Teresinha Luiza Martins

28 Analgesia em Obstetrícia, 331 Nilson Oleskovicz Renato Batista Tamanho

29 Analgesia no Paciente com Trauma, 345 André Shih Carsten Bandt Jacob Johnson

30 Tratamento da Dor Crônica, 361 Roberta C. C. Figueiredo Patrícia Bonifácio Flôr

31 Tratamento da Dor Oncológica, 383 Karina Velloso Braga Yazbek Teresinha Luiza Martins

32 Protocolos de Analgesia em Cães, 397 Juan Carlos Duque Moreno Denise Fantoni

33 Protocolos de Analgesia em Gatos, 415 Nilson Oleskovicz Paulo Carnicelli

SUMÁRIO xix

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xx TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

34 Analgesia em Roedores e Lagomorfos, 431 Roberto Silveira Fecchio Marcelo da Silva Gomes

35 Controle da Dor em Répteis, 439 Fabrício Braga Rassy Natache Arouca Garofalo

36 Tratamento da Dor em Aves, 445 Valéria Veras de Paula Daniel Matsumoto Sakai

PARTE V Técnicas Não Farmacológicas para o Tratamento da Dor, 457

37 Acupuntura e Fisioterapia, 459 Ayne Murata Hayashi Carolinne Torres Silva Dias

38 Homeopatia, 473 Nilson Roberti Benites

39 Terapia Floral de Bach, 485 Valéria Nobre Leal de Souza Oliva

PARTE VI Considerações Finais, 491

40 Dor e Cuidados Paliativos em Cães e Gatos, 493 Teresinha Luiza Martins Karina Velloso Braga Yazbek Patrícia Bonifácio Flôr

41 Organização de um Serviço de Dor, 503 Teresinha Luiza Martins Patrícia Bonifácio Flôr Karina Velloso Braga Yazbek Denise Fantoni

42 Perspectivas Futuras para o Tratamento da Dor, 511 André Shih Alessio Vigani Lesley Smith

Índice, 519

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81

INTRODUÇÃO

O controle da dor deve ser baseado em avaliação cuidadosa, com elucidação das possíveis causas e dos efeitos deste sintoma na vida do paciente, investigando-se fatores compor-tamentais que possam intervir na qualidade de vida do paciente. A avaliação da dor é extremamente importante, pois sem sua medida torna-se difícil determinar o tratamento adequado ou quando deverá ser interrompido, porque a eficácia do tratamento e o seu se-guimento dependem da avaliação e da mensuração confiável da dor.6

A anamnese completa e o exame clínico são vitais, e a investigação laboratorial ou ra-diológica pode ser necessária.

A dor é uma experiência única e pessoal. Não há linguagem ou comportamento padrão que descreva a dor do paciente, variando de um animal para o outro, mesmo quando se trata da mesma espécie e da mesma enfermidade. A dor é uma sensação e, portanto, total-mente subjetiva e individual; é o doente, sem a intervenção do médico, que decide se está ou não com dor. É nesse momento que encontramos as maiores dificuldades na avaliação da dor no paciente veterinário: saber interpretar a dor experimentada por um paciente, determinar se ele possui dor e qual sua intensidade para, então, avaliar se o tratamento será efetivo ou não.

O fato de um paciente não demonstrar um comportamento relacionado com a dor não significa que ele não esteja com dor. Outros animais podem não demonstrar sinais exter-nos indicativos de dor na presença de seres humanos ou outros animais, principalmente predadores em potencial, já que este comportamento pode ser um mecanismo protetor inato para prevenir que um predador o reconheça como presa fácil. No entanto, pode-se afirmar que quanto mais domiciliado e mais próximo for o convívio do animal com seu dono, maior a probabilidade de ele demonstrar comportamentos que indiquem quadros álgicos.

A avaliação da dor na medicina veterinária fica a critério do médico veterinário que avalia a dor experimentada pelo paciente, portanto está restrita à ponderação de um ob-servador.

Com a finalidade de minimizar as diferenças entre os observadores e fazer o processo de avaliação mais criteriosa possível, foram propostas diversas escalas para o reconhecimento da dor.

9 AVALIAÇÃO DA DOR

Patrícia Bonifácio FlôrTeresinha Luiza MartinsKarina Velloso Braga Yazbek

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82 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Em uma pesquisada realizada com médicos veterinários canadenses, Dohoo e Dohoo1 descobriram que um dos principais fatores que influenciam os médicos veterinários na administração rotineira de fármacos analgésicos no pós-operatório é a percepção pelos médicos veterinários do nível de dor sentida pelos animais. Nesse estudo, foi evidenciado que, entre os veterinários entrevistados, 51,5% nunca empregaram analgésicos, realçando dessa maneira a importância do aprendizado no reconhecimento da dor.

Uma verdade permanece evidente: ignorar a dor simplesmente por haver problemas na sua mensuração condena os pacientes a um sofrimento indevido. Esforçar-se para avaliar e tratar a dor em animais é uma meta válida e louvável de profissionais veterinários.8

RECURSOS PARA A AVALIAÇÃO DA DOR

Por ser uma experiência subjetiva, a dor não pode ser objetivamente determinada por instrumentos físicos que usualmente mensuram o peso corporal, a temperatura, a altu-ra, a pressão sanguínea e o pulso, ou seja, não existe um instrumento padrão que permi-ta a um observador externo mensurar objetivamente essa experiência interna, complexa e pessoal.

Diversos métodos têm sido utilizados para mensurar a percepção/sensação de dor. Al-guns consideram a dor uma qualidade simples, única e unidimensional que varia apenas em intensidade; no entanto, outros a consideram uma experiência multidimensional com-posta também por fatores afetivos emocionais.9

Os instrumentos unidimensionais, os quais são mais bem adaptados para o uso em medicina veterinária, são designados para quantificar apenas a severidade ou a intensidade da dor e têm sido utilizados frequentemente em hospitais e/ou clínicas para se obter in-formações rápidas não invasivas e válidas sobre dor e analgesia. Os instrumentos multi-dimensionais, entretanto, são empregados para avaliar e mensurar as distintas dimensões da dor a partir de diferentes indicadores de respostas e suas interações.9

Não existe um procedimento padrão para avaliar a dor em animais ou para comparar um tipo de escala ou instrumento de mensuração com outro. A maioria das escalas de dor tem sido utilizada para avaliar a dor aguda pós-operatória em cães e gatos, e todas depen-dem do reconhecimento ou da interpretação de algum comportamento doloroso.3,8

Durante muito tempo a avaliação da dor aguda era realizada apenas fisiologicamente, como, por exemplo, frequências cardíaca e respiratória, pressão sanguínea arterial e dilatação da pupila. Atualmente sabe-se que estes parâmetros colaboram para a avaliação da dor, mas podem ser enganosos, já que não sofrem alterações específicas relacionadas com a dor.8

Entre os instrumentos disponíveis para a avaliação da dor estão as escalas de intensi-dade unidimensionais, como a Escala Numérica Verbal, a Escala de Descritores Verbais, a Escala de Faces e a Escala Visual Analógica (EVA).

A Escala Numérica Verbal consiste em o proprietário ou cuidador sugerir um número entre 0 e 10 para representar a intensidade da dor, sendo que 0 significa ausência de dor e 10, a dor mais intensa possível.

A Escala Numérica em uma série de números que variam de 0 a 10 ou de 0 a 100, com os finais representando experiência de dor extrema, usualmente denominada de “nenhu-ma dor” ou “pior dor possível”, respectivamente (Figura 9.1). Nesse caso, o proprietário escolhe um número que melhor represente a intensidade subjetiva da dor.

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AVALIAÇÃO DA DOR 83

Nas escalas de categoria verbais é usado um conjunto de descritores específicos, como: nenhuma dor, dor fraca, dor moderada e dor intensa. Usualmente o proprietário lê esse conjunto de descritores e escolhe um que melhor descreva a intensidade da dor de seu animal (Figura 9.2).

A Escala de Faces é composta por seis faces, sendo a primeira um rosto sorridente e as expressões seguintes vão se transformando até chegar ao último rosto, que é muito triste.

Em medicina, dados da literatura relatam que 2% dos pacientes fracassam ao utilizar as escalas de categoria numérica/verbal. Embora elas sejam fáceis e de rápida aplicação, existem diversos problemas metodológicos que afetam a precisão do seu emprego. Primei-ramente, os intervalos entre as palavras e os números não são similares. Por exemplo, a mudança de nenhuma dor para dor fraca pode não representar a mesma mudança na percepção de dor que uma mudança de dor fraca para dor moderada. Posteriormente, essas escalas podem não ser sensíveis a mudanças significativas na gravidade da dor devido ao pequeno número de categorias numéricas ou descritores verbais.9

Outro tipo de escala unidimensional muito frequentemente empregada para mensurar a dor é a EVA (Figura 9.3). Tipicamente esta escala consiste em uma linha de 10 cm de comprimento com os seus extremos rotulados: nenhuma dor e pior dor possível. Os pro-prietários ou cuidadores são instruídos a marcar na linha uma indicação da gravidade da dor experimentada. Os valores em milímetros ou centímetros, que podem estar indicados no verso da escala ou ser mensurados com o auxilio de uma régua, representam, portanto, a intensidade da dor percebida.9

Devido à grande facilidade de uso, tanto na medicina como na veterinária, essa escala tem ganhado grande aceitação na mensuração da dor clínica, tanto aguda quanto crônica, e há constantes evidências na literatura que corroboram sua fidedignidade e sua validade.

Em seres humanos, pelo menos um estudo demonstrou que um escore individual tem que mover no mínimo 13 mm ao longo da escala de 100 mm para que uma mudança significativa na dor seja também clinicamente significativa.8 Em veterinária essa acuidade

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10sem dor A pior dor possível

Figura 9.1 Representação da escala numérica.

1- Nenhuma dor2- Dor fraca3- Dor moderada4- Dor forte5- Dor insuportável

Figura 9.2 Representação da escala de descritores verbais.

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84 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

ainda não foi estabelecida, portanto deve-se avaliar a variação na escala juntamente com mudanças no paciente como um todo.

As escalas multidimensionais incluem indicadores fisiológicos, comportamentais, con-textuais e também autorregistros por parte do paciente.8 Na medicina veterinária existem escalas semelhantes, entretanto, devido à avaliação dos animais ser realizada por um ob-servador, seja ele médico veterinário, proprietário ou cuidador, essas escalas não conse-guem ser tão completas como na medicina e possuem algumas limitações.

Um dos questionários mais citados na literatura médica dentro dessa categoria é o Questionário de McGill, no qual é realizado um inventário dos aspectos sensoriais, afe-tivos e avaliativos, que estão refletidos na linguagem usada para descrever a experiência dolorosa.8 Esse questionário, apesar de extremamente útil na avaliação da dor, não possui adaptação ou qualquer outro semelhante na medicina veterinária, já que se trata da descri-ção da dor experimentada pelo paciente, o que não é possível realizar com animais.

Em medicina veterinária, escalas multidimensionais, em que o comportamento do pa-ciente é levado em consideração no momento da avaliação da dor experimentada pelo paciente, vêm sendo uma crescente, com o intuito de aperfeiçoar os métodos de avaliação da dor. Um exemplo dessas escalas seria a escala descritiva simples (Figura 9.4). Nela o veterinário observa o paciente e escolhe uma entre as opções.

Figura 9.4 Exemplo de escala descritiva simples. (Fonte: Adaptação de Hardie, 2002.)

Outra escala que pode ser considerada multidimensional é a Escala de Dor de Melbourne, constituída por seis categorias, sendo que cada uma contém descritores de

0 10sem dor A pior dor possível

Figura 9.3 Representação da escala visual analógica.

A) 4 = Claudicação sem carregar peso 3 = Claudicação acentuada 2 = Claudicação leve 1 = Claudicação intermitente 0 = Marcha normalB) 4 = Pior dor possível. Parece desconfortável, e a ferida não pode ser tocada. Vocaliza e rosna. 3 = Parece desconfortável, mas a ferida pode ser tocada. 2 = O animal está bem, retrai-se quando a ferida é tocada. 1 = O animal está bem, retrai-se quando a ferida é pressionada, mas não quando a área é tocada 0 = nenhuma dorC) 3 = dor grave 2 = dor moderada 1 = dor leve 0 = sem dor

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AVALIAÇÃO DA DOR 85

vários comportamentos, aos quais são atribuídos valores numéricos. O avaliador examina os descritores em cada categoria e decide se um deles se aproxima do comportamento do cão. Se for o caso, o valor para aquele descritor é somado à contagem de dor do paciente. Certos descritores são mutuamente excludentes,como, por exemplo, um cão não pode estar ao mesmo tempo em decúbito esternal em pé. Estes descritores estão agrupados com a notação “escolha apenas um”. Na categoria “estado mental” deve-se realizar um avalia-ção antes e outra depois para estimativa da presença de dor por meio do comportamento dominante do paciente, estabelecendo, assim, um valor basal. Por exemplo, avaliar o pa-ciente antes e depois do procedimento cirúrgico, sendo que a nota final nesta categoria é a diferença entre a avaliação final e a basal. A mínima contagem possível é 0 e a máxima total possível é 27 pontos.

A Escala de Dor de Melbourne (Tabela 9.1), por possuir observações comportamentais, que limitam a interpretação e a propensão dos observadores, tem sensibilidade maior que outras escalas. Porém pode não ser sensível o suficiente para detectar pequenas mudanças de comportamento, principalmente se as avaliações são realizadas periodicamente.8

A escala de avaliação numérica previamente utilizada na Universidade do Estado do Colorado, no Centro Médico Veterinário James L. Voss (Tabela 9.2), é um sistema de escore semiobjetivo constituído por múltiplas categorias com definições descritivas de comportamentos relacionados com a experiência dolorosa, categorias para as quais são atribuídas números inteiros. Esta escala induz o observador a avaliar certos aspectos que poderiam passar despercebidos, realizado, desta maneira, uma avaliação mais completa do paciente.

A Escala de Dor de Medida Composta de Glagow (Quadro 9.1) é baseada em sinais comportamentais específicos que se acredita representarem a dor no cão. Os comporta-mentos inclusos nesta escala são derivados de um questionário aplicado a vários veteriná-rios, e as palavras utilizadas para descrever o comportamento dos animais são simples e não deixam margem a duplas interpretações. Os observadores simplesmente identificam a presença ou a ausência de um comportamento, limitando-lhes a interpretação.

A dor e sua relação com a afecção ou procedimentos realizados

O Quadro 9.2 é um auxílio a mais na avaliação da dor e contribui para selecionar o proto-colo analgésico a ser empregado. Muitas afecções podem mudar de categoria conforme a extensão e o dano dos tecidos envolvidos.

As afecções e procedimentos classificados como dor leve ou moderada são processos em resolução ou procedimentos cirúrgicos pouco dolorosos que tiveram um manejo adequado; já os contidos na categoria de dor moderada são processos recentes, nos quais não existem lesões teciduais extensas ou afecções de dor leve devidas a processos inflamatórios compli-cados ou pela sua extensão.

Pacientes com afecções que envolvem maior grau de lesão tecidual geralmente experi-mentam dor de grau moderado a intenso, que em casos mais graves, com grande extensão de danos teciduais ou intenso processo inflamatório, podem ser classificados como dor intensa a excruciante.

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86 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Tabela 9.1 Escala de dor de Melbourne2

Categoria Descritor ContagemDados fisiológicosa)b)c) Escolha apenas um

d) Escolha apenas um

e)f)

Dados fisiológicos dentro da faixa de referênciaPupilas dilatadas% de aumento de FC em relação à FC pré-procedimento> 20%> 50%> 100%% de aumento de FR em relação à FR pré-procedimento> 20%> 50%> 100%Temperatura retal acima da faixa de referênciaSalivação

02

123

12312

Resposta à palpaçãoEscolha apenas um Nenhuma alteração em relação ao comportamento

pré-procedimentoEm guarda/reage* quando tocadoEm guarda/reage* antes de ser tocado

0

23

AtividadeEscolha apenas um Em repouso – Profundo

– Semiconsciente– Desperto

Alimentando-seInquieto (andando, deitando, levanto)Girando

001023

Estado mentalEscolha apenas um Submisso

Fracamente amigávelDesconfiadoAgressivo

0123

Posturaa)

b)

Guardando ou protegendo a área afetada (inclusive posição fetal)Decúbito lateralDecúbito esternalSentado ou em estação, cabeça erguidaEm estação, cabeça pendendo para baixoMóvelPostura anormal (posição de prece, dorso arqueado)

2

011212

Vocalização** Escolha apenas um Não vocaliza

Vocaliza quando tocadoVocalização intermitenteVocalização contínua

0223

*Inclui a cabeça virada em direção à área afetada ou músculos tensos e postura protetora (em guarda).**Não inclui latidos de alerta.

Fonte: Adaptação de Firth, 1999.

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AVALIAÇÃO DA DOR 87

Tabela 9.2 Escala de avaliação numérica previamente utilizada na Universidade do Estado do Colorado – Centro Médico Veterinário James L. Voss4

Observação Escore Critérios dos pacientesConforto 0

1234

Adormecido ou calmoAcordado, interessado nos arredoresAgitação leve, enfraquecido e alheio ao ambienteAgitação moderada, inquieto e incomodadoExtremamente agitado, movimentando-se violentamente

Movimentação 012

Quantidade normal de movimentaçãoMudanças frequentes de posição ou relutância em se moverMovimentando-se violentamente

Aparência 01

2

3

NormalMudanças leves: pálpebras parcialmente fechadas, orelhas

aplainadas ou erguidas anormalmenteMudanças moderadas: olhos afundados ou semicerrados,

aparência desleixadaMudanças severas: olhos empalecidos, pupilas dilatadas,

expressões faciais anormais, proteção, posição encurvada, membros em posição anormal, grunhido antes da expiração, ranger de dentes

Comportamento (não provocado)

012

3

NormalPequenas mudançasModeradamente anormal: menos móvel e menos alerta que o

normal, alheio ao ambiente, muito inquietoMarcadamente anormal: muito inquieto, vocalizando,

automutilação, grunhido, encarando o fundo da gaiolaComportamento interativo

01

2

3

NormalEsquivam-se quando a ferida cirúrgica é tocada, olha para a

feridaVocaliza quando a ferida é tocada, um pouco inquieto, relutante

em movimentar-se, mas o fará se persuadidoReação violenta a estímulos, vocalização mesmo quando a

ferida não é tocada, morde ou rosna quando alguém se aproxima, extremamente inquieto, não irá se mover quando persuadido

Vocalização 012

3

QuietoChoro, responde a voz calma e acariciamentoChoro ou gemido intermitente, não responde a voz calma e

caríciaBarulho contínuo incomum para este animal

Frequência cardíaca 0123

0%-15% acima do valor pré-cirúrgico16%-29% acima do valor pré-cirúrgico30%-45% acima do valor pré-cirúrgico> 45% acima do valor pré-cirúrgico

Frequência respiratória

0123

0%-15% acima do valor pré-cirúrgico16%-29% acima do valor pré-cirúrgico30%-45% acima do valor pré-cirúrgico> 45% acima do valor pré-cirúrgico

Fonte: Adaptada de Hellyer e Gaynor, 1998.

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88 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Quadro 9.1 Escala de Dor de Medida Composta de Glasgow5

Este questionário é composto de várias seções, cada qual com várias possibilidades de respostas. Favor marcar as respostas que você acha apropriadas ao cão que você está avaliando. Se mais de uma resposta for apropriada, assinalar então todas as que se aplicam. Aproxime-se do canil e assegure-se de que não está usando avental ou vestimenta cirúrgica, pois o cão pode associá-los a estresse e/ou dor. À medida que você se aproxima do canil, observe o comportamento e as reações do cão. De fora do canil, observe o comportamento do cão e responda às seguintes questões:

Observe a postura do cão. Ela parece•Rígida•Encurvada ou tensa•Nenhuma destas

O cão parece estar•Inquieto•Confortável

Se o cão está vocalizando, ele está•Chorando ou lamuriando•Gemendo •Gritando•Nenhuma vocalização, nenhuma das anteriores

Se o cão está prestando atenção na sua ferida•Mastigando•Lambendo, olhando, esfregando•Ignorando a ferida

Agora se aproxime da porta do canil e chame o cão pelo nome. Abra então a porta e o encoraje a vir até você. Da reação do cão em relação a você e dos comportamentos enquanto você estava o assistindo, avalie o seu caráter

O cão parece estar•Agressivo•Deprimido•Desinteressado•Nervoso, ansioso, com medo•Quieto, indiferente•Feliz, contente•Feliz, animado

Durante este procedimento, o cão pareceu estar•Rijo•Lento ou relutante em levantar ou sentar•Manco•Nenhuma destas•Avaliação não realizada

O próximo procedimento é para avaliar a resposta do cão ao toque. Se o animal possui uma ferida, aplicar gentilmente pressão sobre a ferida usando dois dedos, em uma área de aproximadamente duas polegadas ao redor dela. Se a posição da ferida é tal que seja impossível tocá-la, aplicar então pressão no ponto mais próximo. Se não há ferida, aplicar a mesma pressão no joelho e na área circundante.

Quando tocado, o cão•Chora•Esquiva-se•Morde•Rosna ou protege a ferida•Nenhuma dessas

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203

TRANQUILIZANTES

São chamados de tranquilizantes todos os fármacos que causam, além de tranquilização e sedação, acentuada depressão do sistema nervoso central (SNC), agindo na substância reticular mesencefálica, interferindo, assim, sobre o ciclo de sono e vigília do paciente1 e acalmando a agitação e a hiperatividade. Há alguns anos os tranquilizantes eram divi-didos em duas grandes categorias: maiores e menores. Os tranquilizantes ditos maiores (fenotiazínicos e butirofenonas) eram usados para tratamento sintomático dos surtos de esquizofrenia, tidos como um dos maiores distúrbios psiquiátricos. Em contrapartida, os tranquilizantes menores (benzodiazepinas) eram utilizados para o tratamento de distúr-bios psiquiátricos mais leves, como, por exemplo, insônia e ansiedade.2

Os fármacos tranquilizantes podem ser subdivididos em dois grupos: derivado das fe-notiazinas (clorpromazina, levomepromazina e acepromazina) e os derivados das butirofe-nonas (droperidol e azaperona).1

Os fármacos adjuvantes constituem um grupo importante no tratamento da dor, in-cluindo, além do uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e analgésicos opioides, os antidepressivos, anticonvulsivantes, corticosteroides, anestésicos locais e os agentes neurolépticos ou sedativos.

O controle da dor em animais tem sido um desafio dentro da anestesiologia veterinária devido à inabilidade dos pacientes em verbalizar este tipo de sensação, e os sinais manifes-tados em resposta à agressão cirúrgica ou mesmo ao trauma muitas vezes são mascarados pela administração de substâncias neurolépticas, hipnóticas ou miorrelaxantes.

Fenotiazinas

A rotina de utilização dos tranquilizantes em pequenos animais está relacionada com a classe das fenotiazinas, pois sua resposta sistêmica é vastamente relatada na literatura mundial, bem como o custo dos fármacos é acessível.1,2,3 A atividade desta classe farmaco-lógica é particularmente importante como medicação pré-anestésica e resulta em efeitos

19 TRANQUILIZANTES E MIORRELAXANTES NO TRATAMENTO DA DORAndré Leguthe RosaMárcia Kahvegian

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204 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

como tranquilização/sedação, analgesia1,3,7 e relaxamento muscular. Além disso, diminui as secreções de vias aéreas e a salivação.3

A principal atividade central dos tranquilizantes fenotiazínicos é o bloqueio dos efeitos da ação da dopamina e da serotonina,2 que são importantes neurotransmissores do SNC e que possuem atividade primariamente inibitória no cérebro, com as maiores concentra-ções nos gânglios basais e no sistema límbico. Porém, além desta ação central, as fenotiazi-nas também bloqueiam a ação periférica das catecolaminas e deprimem o sistema reticular mesencefálico.2

Acepromazina

A acepromazina é o derivado fenotiazínico mais comumente utilizado na medicação pré-anestésica em medicina veterinária como tranquilizante.1,2 Possui efeito relativamente seguro em cães e gatos, porém seus efeitos deletérios incluem bloqueio dos receptores alfa-adrenérgicos, resultando em vasodilatação periférica, hipotensão arterial e redução de hematócrito devido à marcante sequestro esplênico de hemácias.1,2,3 Além dessas ações, ainda podem ocorrer redução do limiar convulsivo, efeito antiemético, anti-histamínico e também protetor do miocárdio à ação de catecolaminas.2,3

Suas doses podem variar de acordo com a via de administração: por via oral (VO) apre-senta dose de 0,5 a 1 mg/kg para pacientes hígidos; já a via intramuscular (IM) apresenta doses entre 0,05 a 0,2 mg/kg, sendo a dosagem mais alta utilizada para felinos.1,2,3,4 A ação sistêmica da acepromazina é estabelecida ao redor de 15-20 minutos após a admi-nistração intramuscular3 e apresenta duração de ação de 4-8 horas.2,4 Porém há restrição de sua utilização em pacientes com comprometimento sistêmico, como, por exemplo, hemorragia grave, hipotensão arterial, choque de qualquer etiologia, histórico de epilepsia e cardiopatia.2,4

Fármacos adjuvantes possuem indicações médicas primárias além do tratamento da dor e podem resultar em ação hipoalgésica em alguns pacientes. As fenotiazinas podem intensificar a analgesia pela interação com receptores ou alteração dos processos de con-dução nervosa implicados nos sistemas de modulação de dor e na geração ou transmissão de sinais.

A atividade analgésica da acepromazina não é consenso geral na literatura,3 como, por exemplo, pesquisando os efeitos da acepromazina associada à morfina, relataram que não há efeito analgésico da acepromazina usada isoladamente, porém a ação mais importante foi a atividade antiémética da combinação da acepromazina 15 minutos antes da aplica-ção de morfina, que sabidamente tem potencial emético em cães.3 A acepromazina não possui efeito analgésico direto, porém potencializa a ação de outros fármacos analgésicos.2 Wegner et al.6 desenvolveram um modelo de estímulo nociceptivo térmico para cães, em que comparou, entre outros fármacos, os efeitos da acepromazina e da dexmedetomina. O resultado do estudo demonstrou que a dexmedetomidina possui capacidade estatistica-mente significativa de aumentar o tempo e a intensidade da resposta ao estímulo realiza-do. A acepromazina apresentou resultado superior à solução salina, porém sem diferença estatística, demonstrando assim que não houve efeito antinociceptivo, mas apenas efeitos de sedação, e esses efeitos sedativos dos opioides testados foram similares aos efeitos da acepromazina.6

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TRANQUILIZANTES E MIORRELAXANTES NO TRATAMENTO DA DOR 205

Tranquilli et al.5 indicam a acepromazina na dose de 0,025 a 0,05 mg/kg para cães e 0,05 a 0,2 mg/kg para gatos, para o tratamento de dor crônica leve a moderada, em associa-ção a outros fármacos adjuvantes.5 Essa associação pode ser realizada de forma satisfatória com os analgésicos opioides, dessa forma ocorrerá um marcante sinergismo por potencia-lização, aumentando o efeito analgésico final tanto da acepromazina como dos analgésicos opioides.

Levomepromazina/clorpromazina

A levomepromazina é uma fenotiazina da série mista que apresenta ação adrenolítica e an-ti-histamínica,1 e apresenta também efeito analgésico, pois foi determinada na literatura como agente com propriedades analgésicas.7 Produz hipotonia muscular com sonolência, propiciando tranquilização agradável e segura, além de possuir propriedades úteis como ansiólise e ação antiespasmódica e antiemética. Essa fenotiazina causa depressão no SNC por ação nos centros nervosos subcorticais, no tálamo, no hipotálamo e pela formação reticular. A levomepromazina inibe a transmissão sensorial pela diminuição da concentra-ção de dopamina e serotonina na região do gânglio da base, reduzindo o comportamento agressivo e promovendo relaxamento muscular ao deprimir o sistema reticular ativador no tronco cerebral.

A ação da levomepromazina elevou o limiar nociceptivo térmico e pressórico em cães que receberam 1 mg/kg IV como medicação pré-anestésica (Figuras 19.1 a 19.4), o que pode indicar ação analgésica deste fármaco em cães.8

Em pacientes humanos, um estudo recente revelou que 36% daqueles atendidos no Departamento de Enxaqueca foram medicados com esta classe farmacológica apresen-tando bons resultados terapêuticos no controle da enxaqueca. Outro estudo realizado no

Figura 19.1 Aplicação de pressoalgímetro na prega interdigital do modelo experimental. (Fonte: cortesia do Dr. Flavio Massoni.)

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206 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Figura 19.2 Aplicação de termoalgímetro na prega interdigital do modelo experimental. (Fonte: cortesia Dr. Flavio Massoni.)

Figura 19.3 Valores medianos da termoalgimetria em °C de cães (n = 100) tratados com 1 mg/kg de levo-mepromazina, 0,2 mg/kg de midazolam e 15 mg/kg de cetamina (G I), pré-tratados com butorfanol (G II) ou pela buprenorfina (G III). (Fonte: arquivo pessoal.)

Figura 19.4 Valores medianos da pressoalgimetria em kg de cães (n = 10) tratados com 1 mg/kg de levome-promazina, 0,2 mg/kg de midazolam e 15 mg/kg de cetamina (G I), pré-tratados com butorfanol (G II) ou pela buprenorfina (G III). (Fonte: arquivo pessoal.)

60

58

56

54

52

50

48M0 M1 M2 M3 M4 M5 M6 M7 M8 M9

G I G II G III

oC

Termoalgimetria

1,41,2

10,80,60,40,2

0

Kg

G I G II G III

M2 M3 M4 M5 M6 M7 M8 M9M0 M1

Momentos

Pressoalgimetria

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TRANQUILIZANTES E MIORRELAXANTES NO TRATAMENTO DA DOR 207

National Institute of Clinical Studies (Austrália) observou a atividade analgésica marcante da clorpromazina (0,1 mg/kg) quando em comparação com outros fármacos para o trata-mento de dor de cabeça em pacientes humanos.

Gonçalves et al.9 compararam, em diferentes doses, a acepromazina nas doses de 0,1; 0,05 e 0,025 mg/kg; a clorpromazina e a levomepromazina, nas doses de 1, 0,5 e 0,25 mg/kg, com relação às alterações paramétricas, e analgesia avaliada por pressoalgimetria e ter-moalgimetria e a condição bispectral em 90 cães sem raça definida. Ou autores concluíram que as fenotiazinas promoveram analgesia nos dois tipos de estímulos propostos (mecâni-co e térmico). O índice biespectral apresentou menor valor nas doses altas dos fármacos, indicando maior grau de hipnose sem depressão significativa dos parâmetros avaliados.9

A clorpromazina usada em associação a outros agentes analgésicos foi indicada como importante agente para tratamento de dor em pacientes com câncer, resultando em con-trole mais eficiente do processo álgico.

MIORRELAXANTES

Os agentes miorrelaxantes de ação central utilizados em medicina veterinária são os deri-vados benzodiazepínicos (BZD), que incluem midazolam, diazepam, zolazepam, broma-zepam, entre outros.

Os benzodiazepínicos exibem efeitos ansiolíticos, tranquilizantes, hipnóticos, miorre-laxantes e promovem amnésia e alterações psicomotoras. O diazepam e o midazolam são os dois agentes mais empregados em anestesia veterinária como medicação pré-anestésica e indução da anestesia.2 As propriedades dos BZDs podem ser mediadas pela neurotrans-missão do ácido gama-aminobutírico (GABA), possivelmente no córtex. A glicina medeia a inibição dos neurônios motores na medula; as propriedades miorrelaxantes dos BZDs podem, assim, estar relacionadas com as suas atividades glicinomiméticas. A interação dos BZDs com a glicina, que é um neurotransmissor inibitório, também pode resultar no efeito ansiolítico característico destes fármacos.

Os benzodiazepínicos são os fármacos mais empregados para sedação, ansiólise e indu-ção de amnésia. Não apresentam atividade analgésica alguma e podem, inclusive, exercer efeito antianalgésico. Podem levar ao aparecimento de depressão respiratória, obstrução de vias aéreas, hipotensão arterial e excitação paradoxal, e os seus efeitos são potencializados pelos opioides.

Em pacientes humanos, a ansiedade pré-operatória é um sintoma comum que expressa o nível de estresse experimentado pelos pacientes. Está associada a maiores níveis de dor pós-operatória, aumento da necessidade de analgésicos e prolongada hospitalização. Tam-bém pode influenciar adversamente a indução anestésica e o período de recuperação, bem como diminuir o nível de satisfação com a experiência perioperatória.

Supondo que a ansiedade prévia à cirurgia esteja associada à liberação de hormônios de estresse. Se essa tensão pré-operatória for diminuída, pode-se mudar a resposta neu-roendócrina perioperatória em resposta ao estresse. A diminuição da resposta hormonal perioperatória provavelmente diminui a resposta catabólica, e, consequentemente, os pa-cientes menos ansiosos apresentam melhor cicatrização da ferida e melhor curso clínico pós-operatório; essa resposta neuroendócrina pode ser válida tanto para pacientes huma-nos quanto veterinários.

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261

INTRODUÇÃO

A dor é uma entidade fisiológica e psicológica muito complexa, que pode ser de difícil diag-nóstico em animais domésticos, pois os pacientes são incapazes de verbalizar seu grau de desconforto ou de adequação ao tratamento.

Emprega-se, nos dias atuais, o conceito de antropomorfismo, no qual os animais são tratados sobretudo considerando-se as experiências sensitivas dos humanos. Entretanto a conscientização do tratamento da dor direcionado especificamente para a medicina veteri-nária e seus diversos segmentos se torna fundamental e necessária nos dias atuais.

AVALIAÇÃO DA DOR NO PÓS-OPERATÓRIO DE CÃES E GATOS

Não existe método objetivo eficaz para avaliar o grau de dor em cães e gatos no pós-opera-tório, sendo que seu tratamento depende quase que exclusivamente do nível de conheci-mento e atenção do médico veterinário.

Alguns sinais clínicos de fácil verificação auxiliam na detecção e quantificação da dor nesses pacientes, como vocalização, agitação, aumento da frequência cardíaca, pressão arterial e frequência respiratória. Sutis mudanças comportamentais como hiporexia, insô-nia, resistência ao manuseio e postura anormal são muito comuns nos animais com dor e podem ser mais significativos do que as alterações das funções vitais. A opinião subjetiva do observador após avaliação cuidadosa do paciente pode ser descrita utilizando-se as dife-rentes escalas de avaliação da dor propostas pela literatura, como a escala analógica visual (EAV), que consiste em escala numérica de 0 a 10, graduada horizontalmente em uma linha de 10 centímetros, com início em 0 (animal sem dor) e aumento gradual, de acordo com o nível de dor, até o valor 10 (dor insuportável). A nota é aplicada de acordo com a interpretação do avaliador. Outras escalas podem ser utilizadas, como as de Melbourne e Glascow modificada (mais detalhes no Capítulo 9). Utilizando-se a EAV e adotando-se a normatização da Organização Mundial da Saúde (OMS), pacientes com pontuação de 1 a 3 são classificados como portadores de dor leve e são tratados essencialmente com anti-inflamatório não esteroidal (AINE) associado ou não a dipirona, enquanto os pacientes com escores de 4 a 7 são considerados com dor moderada e devem ser tratados com opio-

23 ANALGESIA PARA CIRURGIA GERALDenise FantoniAlessandro Martins

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262 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

des fracos associados a AINEs. Escores mais altos são classificados como dor intensa e ne-cessitam de terapia adicional, como uso de opioides fortes associados a anti-inflamatório e outras intervenções. Na dependência do tipo de procedimento, bloqueios regionais com os anestésicos locais devem ser empregados. Na presença de componente neuropático, tranquilizantes, acompanhados ou não a antidepressivos ou anticonvulsivantes, são tam-bém associados. A dipirona pode entrar em qualquer nível de dor e tem sido utilizada com muito êxito para incrementar o grau de analgesia (Figura 23.1).

Durante o pós-operatório imediato, os pacientes devem ser monitorados pelo mesmo observador, a cada 30 minutos ou até que se estabeleça analgesia adequada. A avaliação da dor de doentes não graves internados deve ser realizada com intervalos de 6 horas, durante o período de internação, e com maior frequência em doentes graves internados na unidade de terapia intensiva (UTI).

CONSEQUÊNCIAS FISIOLÓGICAS DA DOR PÓS-OPERATÓRIA EM CÃES E GATOS

Sabe-se que animais com dor, não tratados de maneira adequada, podem apresentar di-ferentes distúrbios, como taquicardia, hipertensão arterial, hiperatividade autonômica, aumento da taxa metabólica, disfunção pulmonar, aumento da coagulação sanguínea (hipercoagulabilidade), retenção de líquidos, disfunção do sistema imunológico, retardo da função intestinal (íleo paralítico) e desenvolvimento de doenças crônicas, como dor fantasma após amputação, síndrome pós-toracotomia e outras (Tabela 23.1). Entretanto, uma das complicações mais temíveis é a evolução para dor crônica, cuja presença não está necessariamente vinculada à magnitude do procedimento cirúrgico, e sim à presença de dor pós-operatória não tratada corretamente. A dor crônica é iniciada e perpetuada pela estimulação repetitiva de nociceptores e mecanismo de sensibilização do sistema nervoso central além do período de reparação tecidual.

A obtenção de controle eficaz da dor no pós-operatório tem sido uma das principais metas de anestesistas veterinários, pois o sucesso da analgesia neste período é totalmente dependente das características dos fármacos utilizados nos períodos pré e transoperatório.

1- Dor leve: AINE, dipirona2 - Dor moderada: AINE, opioide fraco, dipirona3 - Dor intensa: AINE, opioide potente, dipirona, tratamento adjuvante

Gra

vida

de d

a do

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3

2

1

Figura 23.1 Escala de gravidade da dor.

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ANALGESIA PARA CIRURGIA GERAL 263

A intensidade da dor varia de acordo com a duração do estímulo, a área de lesão tecidual, bem como sua loacalização.1

A analgesia iniciada na medicação pré-anestésica e ou no período transoperatório é necessária para impedir que os impulsos aferentes alcancem a medula espinhal, evitando hiperexcitação neuronal, conhecida como sensibilização central, que minimiza a necessi-dade do resgate ou requerimento analgésico no pós-operatório.

O tratamento da dor no período pós-operatório consiste na utilização de três classes de fármacos: opioides, AINEs e anestésicos locais. As técnicas analgésicas podem agir em diferentes locais da via da dor, em nível periférico ou central. A combinação de fármacos de diferentes classes, que agem em diferentes locais, é denominada analgesia multimodal ou balanceada, e essa deve ser utilizada sempre que possível, pois previne e trata a sensibi-lização central responsável pelo desenvolvimento da dor crônica.2

ANALGESIA EM CIRURGIA GERAL

Pacientes submetidos à cirurgia geral podem apresentar dor pós-operatória de intensidade moderada a grave, que, se subestimada, pode resultar em retardo e complicação na recu-peração do paciente.

A analgesia desses pacientes se inicia com administração de opioides tanto na medi-cação pré-anestésica quanto no transoperatório. Deve-se ter em mente que esses agentes estão presentes em algum momento do ato anestésico em todos os procedimentos que cursem com dor moderada a grave e sua ausência estará invariavelmente relacionada com doses altas dos anestésicos gerais e importante depressão cardiovascular.

Tradicionalmente, os analgésicos opioides por via sistêmica são os fármacos mais uti-lizadas no tratamento da dor pós-operatória, mas seus efeitos adversos, como sedação, bradicardia, depressão respiratória, vômito, disquesia, disúria e íleo paralitico, entre outros (Tabela 23.2), poderiam restringir sua utilização. Entretanto este efeitos aparecem com baixa frequência e são de fácil reversão em cães e gatos. Outra opção é a utilização de opio-ides por via epidural, benéfica por permitir administração em baixas doses, minimizar os efeitos adversos e maximizar a duração da analgesia.4

Tabela 23.1 Consequências fi siológicas da presença de dor pós-operatóriaSistemas AlteraçõesCardiovascular ↑↓FC, ↑PA, ↑RVS, ↑Débito cardíacoPulmonar Hipóxia, retenção de CO2, atelectasia, dificuldade em tossir,

↓VC, ↓CRF, alteração da ventilação/perfusãoGastrointestinal Náusea, vômito, íleo paralíticoRenal Oligúria, retenção urinária

Sistema Nervoso Central Ansiedade, medo, fadiga, falta de sono

Imunológico Imunossupressão

Locomotor Dor muscular, estase venosa, tromboembolismo

FC = Frequência Cardíaca; PA = Pressão Arterial; RVS = Resistência Vascular Sistêmica; VC = Volume Corrente; CRF = Capacidade Residual Funcional.

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264 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Tabela 23.2 Efeitos adversos observados após a administração de opioides nos animaisEfeitos adversos Uso agudo Uso crônicoÊmese Comum dependendo do fármaco Tende a desaparecer com o tempoNáusea Comum Tende a desaparecer com o tempoContenção urinária Pouco frequente Pouco frequenteConstipação Comum Adequação da dieta ↓ incidênciaDepressão respiratória Dose dependente Não ocorreHipotensão Morfina/meperidina Não ocorreSialorreia Em felinos Incidência ↓ Midriase Em felinos ComumSonolência Frequente FrequenteAlteração de comportamento

Doses altas Maior tendência a indiferença

A morfina administrada pela via epidural apresenta longa duração de ação (18 a 24 ho-ras), o que é alcançado com 20% a 40% da dose utilizada em outras vias. A dose usual por essa via é 0,1 mg/kg, entretanto sua utilização deve anteceder em 60 minutos o término do procedimento cirúrgico, devido ao seu longo período de latência.4 Para aumentar o sucesso da analgesia, a morfina por via epidural pode ser associada aos opioides lipossolúveis de rápida latência, como o fentanil (2 µg/kg) e o sufentanil (1 µg/kg), para a obtenção de um efeito analgésico inicial imediato e mais intenso. O emprego da morfina por via intratecal é limitado pela dificuldade da punção. A utilização por via intratecal apresenta vantagens como menor volume de distribuição, maior biodisponibilidade espinhal e maior difusão rostral por ser uma substância hidrossolúvel.1 Pode-se substituir a morfina por metadona para utilização por via peridural, por apresentar mínimos efeitos colaterais com menor latência. O emprego de morfina na medicação pré-anestésica deve ser restringido pela alta incidência de vômito observada com esse fármaco no cão, mesmo quando de sua asso-ciação a acepromazina. Deve-se salientar que a aspiração de conteúdo gástrico é uma das principais causas de óbito e complicações da anestesia.

A infusão contínua de analgésicos por via intravenosa (IV) é bastante utilizada durante as fases pré, trans e pós-operatória de cirurgia de grande porte, pois mantém um nível plas-mático adequado, evitando efeitos colaterais indesejáveis causados por picos plasmáticos, quando se utiliza bolus. Os analgésicos mais utilizados por infusão contínua são fentanil, morfina, lidocaína, cetamina, dexmedetomidina e associações, como MLK (morfina, ceta-mina e lidocaína) e FLK (fentanil, lidocaína e cetamina) (Tabela 23.3). Essas associações po-dem ser mantidas no paciente até que o estímulo doloroso arrefeça, sendo assim utilizadas por longos períodos, desde que se tenha uma monitorização diária dos gases sanguíneos e da pressão arterial, pois seu uso prolongado pode predispor depressão respiratória e bradicardia com baixo débito e hipotensão. Esses fármacos podem apresentar efeito cumulativo, sobre-tudo após muitas horas de infusão, fato mais observado nas associações que contenham o fentanil por seu caráter lipossolúvel. Tanto o uso do FLK como do MLK proporcionam sedação considerável após certo período de infusão, o que pode ocasionar perda do apetite. Assim, em casos de uso mais prolongado, indica-se a colocação de sonda nasoesofágica ou esofágica para suplementação alimentar até a interrupção dos fármacos.5

As associações analgésicas são definidas como analgesia multimodal ou analgesia ba-lanceada2 por atuarem em vias distintas, aumentando a eficácia e reduzindo os efeitos colaterais inerentes a ela.

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ANALGESIA PARA CIRURGIA GERAL 265

Objetiva-se, com a adição de cetamina nesses protocolos, a atuação direta do fárma-co nos canais de sódio dos sistemas nervosos central e periférico e nos canais de cálcio voltagem-dependentes, relacionados com os receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), evi-tando sensibilização central, deslocamento de magnésio e neurotransmissão do glutamato (neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central [SNC]). Apesar de esses efeitos beneficiarem o potencial analgésico da cetamina, a substância não é totalmente eficaz como única fonte analgésica, devendo ser associada a outros fármacos analgésicos. Por outro lado, a lidocaína promove seu efeito analgésico por meio de bloqueio dos canais de sódio periféricos (neurônios sensitivos lesados e hígidos) e centrais (na medula espinhal e no gânglio da raiz dorsal), da ativação da resposta da via inibitória da dor pela ligação com receptor muscarínico M3 e por meio da inibição de receptores de glicina e liberação de opioides endógenos.

Tabela 23.3 Doses indicadas das associações de fentanil, lidocaína e cetamina (FLK) e de morfi na, lidocaína e cetamina (MLK)Fármacos Cetamina Lidocaína MorfinaMLK1 0,6 a 1,0 mg/kg/hora 50 a 100µg/kg/minuto 0,1 a 0,2 mg/kg/hora

Fármacos Cetamina Lidocaína FentanilFLK2 0,6 a 1,0 mg/kg/hora 30 a 100µg/kg/minuto 0,2 a 0,5µg/kg/minuto

ANALGESIA EM CELIOTOMIA

A celiotomia é um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados na prática veterinária de cães e gatos, pois vários sistemas do organismo requerem intervenções por esse acesso. A analgesia na celiotomia é um desafio para o anestesista, pois os estímulos dolorosos variam de acordo com o tipo de procedimento, localização e o tipo de manipulação empre-gada, podendo resultar em dor leve a intensa, relacionada com um processo multifatorial que inclui dor somática e visceral devida a distensão do peritônio, vasos, nervos e resposta inflamatória desencadeada.6

O tratamento da dor em pacientes submetidos a esse procedimento é diversificado, podendo-se utilizar diversas vias, formas de administração, fármacos e associações.

A administração por via epidural das associações de opioides com anestésicos locais proporciona melhora na analgesia destes pacientes, mas deve ser utilizada com cautela devido aos efeitos colaterais que podem ocorrer, como bloqueio autonômico importante e até mesmo bloqueios de inervações relacionados com a ventilação. Em doses terapêuticas com volumes totais não ultrapassando 0,36 mL/kg, o uso de anestésicos locais apresenta boa margem de segurança em cães, não se observando alterações hemodinâmicas e respi-ratórias de relevância clínica.7

A aplicação contínua por via epidural é recomendada para analgesia no pós-operatório de cirurgias abdominais extensas, sendo o sufentanil o agente mais utilizado no homem por ser uma substância altamente lipossolúvel, de absorção imediata e baixa propagação cranial. Por via epidural, o sufentanil proporciona alívio imediato da dor devido ao seu

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266 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

reduzido período de latência, mas é indicado para utilização em infusão contínua, pois apresenta curta duração. A ocorrência de depressão respiratória é considerada rara.

Outra técnica adjuvante bem difundida para aumentar a analgesia nesse tipo de pro-cedimento é a utilização de bloqueio local realizado tanto com lidocaína (2 a 9 mg/kg) isoladamente quanto com bupivacaína (2 mg/kg) ou apenas o uso isolado de ropivacaína (2 mg/kg) e/ou levobupivacaína (1 a 2 mg/kg) na área da incisão cirúrgica,8 sendo o anes-tésico depositado no subcutâneo. Essa técnica pode ser utilizada em diversos procedimen-tos além da celiotomia, proporcionando bom resultado analgésico, principalmente com a bupivacaína, que apresenta meia-vida mais longa, reduzindo o requerimento de outros analgésicos no pós-operatório imediato. A associação do bloqueio local à analgesia intrape-ritoneal realizada com bupivacaína (2 mg/kg diluídos para 0,8 mL/kg) ou ropivacaína (1,5 mg/kg) resulta em menor escore de dor no período pós-operatório quando em comparação com a técnica de anestesia local infiltrativa ou incisional isolada. A associação é indicada em cirurgias minimamente invasivas como laparoscopias para ovário-histerectomia, cis-totomias, entre outras. O sucesso da técnica de analgesia intraperitoneal é justificado pela intensa gama de receptores e condutores de dor visceral na cavidade abdominal, sendo que a ação analgésica da lidocaína realizada diretamente nestes receptores ocorre da mesma forma que a analgesia por via sistêmica.8

O fentanil transdérmico também é uma alternativa para procedimentos invasivos em laparotomias, como enterotomia, gastrectomia, esplenectomia, entre outros, podendo ser utilizado para proporcionar analgesia no pós-operatório tardio. A apresentação comercial do adesivo (Durogesc®) é disponível em 25, 50 e 75 µg. A aplicação pode ser realizada em região dorsal ou lateral do tórax, cervical dorsal ou hipogástrica do abdome. O produto alcança pico plasmático após 12 horas da aplicação.9 A absorção do adesivo é maior em animais febris e magros e menor em animais hipotérmicos e obesos, por isso deve ser uti-lizado com cautela para evitar depressão respiratória e óbito.

Outros fármacos podem ser utilizados concomitantemente ao adesivo transdérmico e para resgate analgésico, como dipirona (25 mg/kg) (três vezes ao dia [TID] em cães e uma vez ao dia [SID] em gatos), ou outros opioides e anti-inflamatórios.9

Comentários e exemplos de associações empregadas nos principais procedimentos que envolvem a celiotomia estão descritos nas Tabelas 23.4 a 23.8.

Analgesia pós-operatória em ovário-histerectomia

Entre os procedimentos de celiotomia mais comuns destaca-se a ovário-histerectomia (OH) (Tabela 23.9). A dor gerada por esse procedimento varia conforme a manipulação cirúrgica e o tamanho da lesão tecidual, podendo ser classificada como leve a moderada e sendo de origem somática e visceral. O tratamento da dor nesses animais envolve desde a utilização de AINE até opioides de grande eficácia, como a morfina. Deve-se iniciar o trata-mento com analgésicos na medicação pré-anestésica (MPA) e no período transoperatório, e utilizar AINE isoladamente no pós-operatório. Diversos estudos publicados na literatura sugerem o uso de opioides apenas na medicação pré-anestésica, sendo os AINEs adminis-trados momentos antes de o animal despertar da anestesia. Esses AINEs devem ser admi-nistrados por cerca de três a cinco dias caso o animal não apresente contraindicação ou efeito colateral oriundo do emprego desses fármacos. Uma técnica que pode ser utilizada

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ANALGESIA PARA CIRURGIA GERAL 267

Tabela 23.4 Analgesia pós-operatória para cirurgia de enterectomiaProcedimento Fármacos Doses /via/intervalos/dias ComentárioEnterectomia Morfina 0,3 a 0,5 mg/kg/IV

lento/4 em 4 horas/1o dia

Alem de promover intensa analgesia, promove a redução da motilidade intestinal no primeiro dia. Sua associação a dipirona com escopolamina (25 mg/kg/tid) incrementa a analgesia. O uso de AINES é contraditório, mas sua administração apenas no pós-imediato é aconselhável em doses baixas como: carprofeno (2,2 mg/kg) ou meloxican (0,1 mg/kg). O tramadol junto à dipirona é a melhor escolha no segundo dia ao quinto

Nalbufina 0,2 a 0,4 mg/kg/IV/6 em 6 horas 1 dia

Apresenta excelente analgesia visceral com incremento na sedação. Pode ser utilizada associada aos fármacos propostos para a morfina

Tramadol 2 a 4 mg/kg/IV/6 em 6 horas/5 dias

Apresenta efeito analgésico moderado, podendo necessitar de resgate analgésico no primeiro dia. Deve ser utilizado associado à dipirona e AINES

Tabela 23.5 Analgesia pós-operatória para cirurgia de cistotomiaProcedimento Fármacos Doses /via/intervalos/dias Comentário Cistotomia Tramadol 2 a 4 mg/kg/IV/6 em

6 horas/5 diasProporciona na maioria das vezes

analgesia suficiente para esse procedimento, sua associação com a dipirona e AINES é indicada; pode ser usado a escopolamina para proporcionar relaxamento uretral e assim um maior alivio da dor em animais com cálculo

Morfina 0,3 a 0,5 mg/kg/IV/4 em 4 horas/1o dia

É indicada apenas em pacientes com dor refratária ao uso do tramadol; seu emprego deve ser criterioso, pois pode estar associado à perda do tônus da bexiga em 3% dos pacientes

é a anestesia epidural com anestésicos locais para a realização da cirurgia, sendo o opioide empregado tanto para incrementar a analgesia transoperatória quanto a do pós-operatório imediato. Nesses casos pode-se lançar mão da morfina na dose de 0,1mg/kg ou, no caso de se suspeitar da presença de dor moderada no pós-operatório imediato, pode-se associar a morfina ao fentanil (2 µg/kg) ou sufentanil (1 µg/kg). As associações de opioides com α2-agonistas (xilazina, medetomidina e dexmedetomidina) pela via epidural,– são comuns em equinos, ruminantes e no homem. Os α2-agonistas apresentam excelente analgesia

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307

INTRODUÇÃO

Cada vez mais estudos demonstram que os animais devem ser tratados de forma adequada com relação à dor. Essa preocupação também deve acompanhar os procedimentos cirúrgi-cos bucais, pois podem causar dor leve a intensa.

O conhecimento do mecanismo da dor decorrente da doença e do tratamento cirúrgi-co é fundamental para que a dor seja prevenida e tratada adequadamente. Por exemplo, a extração de um dente com mobilidade por doença periodontal grave pode não requerer grande manipulação da gengiva e do osso alveolar e assim não ocasionar intensa dor no pós-operatório, contudo a extração de um dente que exige grande manipulação de estrutu-ras adjacentes (flap e remoção do osso alveolar) promoverá dor de intensidade elevada, exi-gindo adequada analgesia. Deve-se ter em mente que qualquer procedimento na cavidade bucal poderá ocasionar algum grau de dor, sendo menor ou maior conforme a estimulação dolorosa promovida. Extrações múltiplas, fraturas, câncer, assim como estomatite e mu-cosite podem causar dor moderada a intensa.

Sugere-se, a seguir, manejo analgésico nos períodos trans e pós-operatório para diferen-tes procedimentos cirúrgicos bucais:

a. Gengivectomia/biópsia gengival: anestésico local (AL) tópico, infiltrativo ou via blo-queio regional e analgesia sistêmica para dor leve a moderada.

b. Extração dentária com mínima elevação gengival, cálculo subgengival profundo e aplai-namento radicular e curetagem: AL infiltrativo ou via bloqueio regional e analgesia sistêmica para dor leve.

c. Extração cirúrgica com maior elevação gengival e remoção óssea: AL via bloqueio regio-nal e analgesia sistêmica para dor moderada a intensa.

d. Tratamento endodôntico: AL via bloqueio regional com AL e analgesia sistêmica para dor moderada.

e. Maxilectomia/mandibulectomia: AL via bloqueio regional e analgesia sistêmica para dor intensa.

f. Fratura óssea: AL via bloqueio regional e analgesia sistêmica para dor moderada a in-tensa, conforme o tipo de fratura.1

A avaliação, assim como a mensuração da dor, deverá ser realizada de forma sistemáti-ca por meio de escalas criadas para esse fim, como a escala numérica e a escala analógica, em todas as fases do tratamento analgésico.

27 ANALGESIA PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS BUCAIS

Teresinha Luiza Martins

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308 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Devemos, ainda, considerar a ocorrência de dor crônica decorrente da doença ou do procedimento cirúrgico (como, p. ex., neoplasias orais e mandibulectomia, respectivamen-te) causada por lesão neurogênica, e ainda, por tratamento inadequado da dor aguda.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA DOR

A dor nos procedimentos cirúrgicos bucais é decorrente do processo inflamatório e da estimulação nociceptiva periférica, sendo mais intensa nas primeiras 24-72 horas após o procedimento.2,3 É classificada como dor somática e a condução do estímulo doloroso é realizada pelas fibras A-delta e C. Para maiores detalhes sobre a fisiopatologia da dor aguda consulte o Capítulo 5.

Embora o controle adequado da dor no pós-operatório em cavidade bucal não seja difí-cil, algumas situações podem interferir no resultado satisfatório, como intensidade da dor no período pré-operatório, analgesia inadequada no período transoperatório, imprecisão na deposição e alterações teciduais que comprometam a difusão e ação dos ALs, dificuldade de administração e ocorrência de efeitos adversos quando do emprego de analgésicos por via oral (VO), além de variação individual com relação ao metabolismo dos mesmos com-prometendo a eficácia esperada.

Assim como em outros estados dolorosos, a prevenção e o tratamento da dor bucal de-verão seguir critérios para sua realização, que envolverão utilização racional dos fármacos, identificação do tipo e intensidade da dor, condição geral e sinais clínicos apresentados pelo animal.

A seguir discutiremos as classes farmacológicas utilizadas no controle da dor pós-ope-ratória em procedimentos cirúrgicos bucais baseados em informações encontradas na lite-ratura e na prática da autora. Citamos ao final da seção sugestões de doses utilizadas em cães e gatos.

Opioides

Os opioides podem ser utilizados durante todo o período perioperatório, promovendo anal-gesia e diminuindo o requerimento de anestésicos no transoperatório. Quando administra-do antes do término do procedimento cirúrgico, proporciona analgesia de melhor qualida-de quando do despertar do paciente. Agem em diferentes receptores das vias de modulação da dor, como cérebro, medula espinhal e tecidos periféricos.4

A dose do opioide poderá ser remanejada até que o efeito analgésico seja o máximo sem os efeitos adversos decorrentes do seu emprego (diarreia, vômito, disforia, sedação e constipação) (Tabela 27.1), sendo que a ação sobre o sistema gastrointestinal é mais frequente após a administração inicial no transoperatório (injetável), diminuindo após o início da administração VO. A bradicardia pode ocorrer, porém é mais comum quando da administração do opioide por via parenteral. É importante ressaltar que a ocorrência dos efeitos adversos está relacionada com a interpretação incorreta da intensidade da dor, ou seja, quando a dor é superestimada ou quando está ausente.5

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ANALGESIA PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS BUCAIS 309

Tabela 27.1 Opioides para controle da dor em procedimento cirúrgico bucal em cães e gatos5,9

Fármaco Cão GatoMorfina 0,3-0,5 mg/kg SC, IM/4-6 h

0,05-0,1 mg/kg IV/1-2 h0,2-0,5 mg/kg VO/6-8 h

0,1-0,5 mg/kg SC, IM/4-6 h0,02-0,05 mg/kg IV/1-2 h

Fentanil 3-5 µg/kg/h transdermal0,01-0,04 mg/kg SC, IM0,002-0,005 mg/kg IV2-20 µg/kg/h IV

3-5µg/kg/h transdermal0,005-0,04 mg/kg SC, IM0,002-0,005 mg/kg IV2-20 µg/kg/h IV

Codeína 1-2 mg/kg VO/ 6-8 h 0,1-1 mg/kg VO/ 8hMetadona 0,05-0,5 mg/kg SC, IM, VO/ 4-6 h 0,05-0,2 mg/kg SC, IM, VO/4-6 hBuprenorfina 0,005-0,02 SC, IV, IM/4-8 h 0,01-0,02 mg/kg sublingual a cada 6-12 h

Butorfanol 0,2-0,8 mg/kg SC, IM/2-6 h 0,5-2 mg/kg VO/6-8 h

0,1-0,4 mg/kg SC,IM/2-6 h 0,1 mg/kg IV/1–2 h0,5-2 mg/kg VO/6-8 h

h = hora; VO = via oral; SC = subcutânea; IM = intramuscular; IV = intravenoso.

A morfina é o opioide de escolha no controle da dor intensa, devendo ser utilizada toda vez que houver necessidade. Em cães e gatos a eliminação é lenta, prolongando a sua vida média, por isso o intervalo posológico poderá ser em torno de 4-6 horas. deve-se atentar para a ocorrência de vômitos, administrando com cautela a animais submetidos a proce-dimentos em que a abertura da boca esteja comprometida. Em gatos pode haver disforia e excitação, contudo a associação de outros fármacos no período pré-operatório (p. ex., fenotiazínico) poderá diminuir esses efeitos.

A utilização de fentanil por infusão contínua intravenosa (IV) no controle da dor inten-sa promove analgesia adequada com menor efeito sedativo.5 A aplicação de patch de fenta-nil 24 horas antes de procedimento cirúrgico que curse com dor intensa no pós-operatório poderá ser uma boa opção de analgesia ou de associação analgésica em casos mais graves de dor.5 A analgesia se iniciará em até 12 horas após a aplicação na pele e pode perdurar até três dias.6 De forma geral poderá diminuir a necessidade de analgesia VO no pós-ope-ratório. Também poderá ser empregado em animais de difícil manuseio ou que apresentem grande desconforto na manipulação da cabeça e boca quando medicados.

A codeína tem seu efeito analgésico pela união ao receptor opioide µ e atribuído à ativa-ção da morfina. Apresenta ação e efeitos adversos menos intensos do que a morfina, sendo empregada com efetividade no controle da dor aguda como a causada pela maxilectomia e mandibulectomia em cães3 e em dor crônica decorrente do câncer de intensidade modera-da.5 Como a via oral proporciona 60% de biodisponibilidade,6 a analgesia esperada poderá não ser obtida.

A metadona proporciona eficácia e tempo de ação semelhantes aos da morfina, mas com menor ocorrência de vômitos, além de atuar também em receptores n-metil-D-as-partato NMDA. Pode ser utilizada nas dores aguda e crônica, embora apresente baixa bio-disponibilidade VO em cães.

A buprenorfina é um agonista parcial utilizado no controle da dor leve a moderada. Em-bora o período de latência seja de 30 a 60 minutos, o de ação é de 6 a 12 horas. A vantagem do seu uso reside no fato de que apresenta total absorção pela via transmucosal. Pequenos

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volumes (0,02 mg/kg ou 0,066 mL/kg) podem ser utilizados no pós-operatório em felinos. Recente estudo na odontologia humana demonstrou que a associação de buprenorfina à bupivacaína em bloqueio regional para procedimentos cirúrgicos bucais (drenagem e re-moção de abscessos, excisão do 3o pré-molar etc.) promoveu analgesia pós-operatória por quase 30 horas em 75% dos pacientes avaliados.7

O butorfanol é um opioide agonista/antagonista com curto período de ação analgésica, podendo não ultrapassar 2 horas. Outros fármacos podem ser mais adequados e baratos para o controle da dor somática promovida pelo procedimento cirúrgico bucal,8 a não ser que a sedação seja o motivo da sua escolha.

Anti-infl amatórios não esteroidais (AINEs)

São fármacos com ação anti-inflamatória, analgésica e antipirética, sendo bastante utiliza-dos na veterinária para controle da dor leve a moderada isoladamente ou em associações (Tabela 27.2). A ação anti-inflamatória ocorre pelo bloqueio das enzimas cicloxigenases 1 e 2 (COX 1-2), responsáveis pela transformação do ácido araquidônico em substâncias que desencadeiam o processo inflamatório, como prostaglandinas, tromboxana e prostaci-clinas. Os efeitos decorrentes da inibição da COX1 podem promover distúrbios gastroin-

Tabela 27.2 AINE para controle da dor bucal em cães e gatos5,9

Fármaco Cão (mg/kg) Gato (mg/kg)Acetaminofeno

(paracetamol) 10-15 mg/kg a cada 12 h por 5 dias

VONão recomendado. Tóxico

Carprofeno 2,2 mg/kg a cada 12-24 h ou 4,4 mg/kg a cada 24 h VO

1-4 mg/kg dose única, SCNão se recomenda VO

Cetoprofeno 2 mg/kg no 1o dia e, após, 1 mg/kg a cada 24 h por 5 dias VO

2 mg/kg no 1o dia e, após, 1 mg/kg a cada 24 h por 5 dias. SC, IM, IV; ou 1 mg/kg no 1o dia e 0,05 mg/kg por até 5 dias VO

Deracoxib 3-4 mg/kg a cada 24 h por até 7 dias VO

Não recomendado

Dipirona 25 mg/kg a cada 8 h VO, SC, IM 12,5-25 mg/kg a cada 12-24 h por via SC, IM ou VO

Firocoxib 10 mg/kg a cada 24 h VO Não recomendadoFlunixin meglumina 1 mg/kg a cada 24 h até 3 dias IV,

SC, IM0,25 mg/kg a cada 24 h até 3 dias

SCMeloxicam 0,2 mg/kg no 1o dia e, após, 0,1 mg/

kg a cada 24 h VO 0,2 mg/kg no 1o dia e, após, 0,1 mg/

kg a cada 24 h ou 0,1 mg/kg no 1o dia e, após, 0,025 mg/kg a cada 24 h por até 4 dias VO

Tepoxalina 10-20 mg/kg no 1o dia e, após, 10 mg/kg a cada 24 h VO

Não recomendado

Vedaprofeno 0,5 mg/kg a cada 24 h, por até 28 dias VO

Não recomendado

VO = via oral; SC = subcutânea; IM = intramuscular; IV = intravenoso.

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ANALGESIA PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS BUCAIS 311

testinais, renais e plaquetários, devendo ser utilizados com bastante cautela em pacientes hipovolêmicos, com alteração hepática, renal e gastrointestinal, além de sangramento. Deve-se avaliar a necessidade da administração em pacientes idosos ou muito jovens nos quais a perfusão renal possa estar comprometida. A COX2 também está envolvida em algumas funções fisiológicas, sendo que a utilização de agentes que bloqueiam tanto a COX1 quanto a COX2 pode estar relacionada com maior propensão em causar os distúr-bios citados. Recentemente, fármacos que agem na inibição da lipoxigenase-5 (LOX-5), inibindo a produção de leucotrienos durante o processo inflamatório, foram liberados para utilização em cães. A tepoxalina parece ratificar a teoria de que o uso de AINE que possua ação também sobre a LOX diminui o processo inflamatório com menor efeito gastroin-testinal. Meloxicam, carprofeno (COX2 preferenciais), cetoprofeno e flunixim meglumina (agem em COX1-2) são os AINEs mais utilizados em nosso meio, podendo ser associado a outras classes de fármacos como opioides, tramadol e dipirona, melhorando a eficácia analgésica, como observado por Martins et al.3 em cães submetidos a maxilectomia e man-dibulectomia. Embora a dipirona seja classificada como um AINE, os efeitos analgésico e antipirético são mais evidentes. Demonstrou ser efetiva no controle da dor em cadelas submetidos a ovariosalpingo-histerectomia (OSH) na dose de 25 e 35mg/kg a cada 8 ho-ras e como medicação resgate na dose de 25 mg/kg em cães submetidos a maxilectomia e mandibulectomia.3

Outros fármacos analgésicos

O tramadol, classificado como analgésico opioide de ação mista por alguns autores,9,10 re-centemente está sendo denominado analgésico sem classe específica.5 Ele controlou a dor de forma eficiente no pós-operatório de maxilectomia e mandibulectomia em cães,3 extra-ção do terceiro molar no homem,10 além de ser utilizado como fármaco de segunda linha no controle da dor neuropática.11 Seu mecanismo de ação está relacionado em grande parte com as vias serotoninérgicas e noradrenérgicas envolvidas na modulação da dor, mas tam-bém possui afinidade pelos receptores µ opioides. Pode ser associado a outros fármacos, como AINE, promovendo analgesia eficiente mesmo em dor intensa em cães.3 A farma-cocinética em cães e gatos está bem descrita na literatura.9 As apresentações líquida (gotas) e em comprimidos palatáveis (veterinário) facilitam a administração.

A cetamina é um anestésico dissociativo que atua também como antagonista NMDA. Quando utilizada em pequena dose no período transoperatório, promove adequado contro-le da dor.12 mesmo após a sua descontinuação, como foi observado em cães submetidos à amputação de membro.12 Sugere-se que, antes da estimulação cirúrgica, a dose de 0,5 mg/kg seja administrada, seguida de infusão de 10 µg/kg/min (durante a estimulação cirúrgi-ca). Dose de 2 µg/kg/min (0,12 mg/kg/h) 24 h após a cirurgia poderá intensificar a analgesia nesse período. Caso seja necessário, 1 µg/kg/min poderá ser infundido por mais 24 h.5

Os corticoides podem diminuir a percepção da dor melhorando o efeito dos opioides, aumentando o apetite e o ganho de peso.

Caso haja alterações dos sistemas nervosos central (SNC) e periférico envolvidos no mecanismo da dor, a utilização de antidepressivos (p. ex., amitriptilina) e anticonvul-sivantes (p. ex., gabapentina) deverá ser considerada para o manejo adequado da dor (Tabela 27.3).

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312 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Tabela 27.3 Outros fármacos analgésicos no controle da dor em procedimento cirúrgico bucal em cães e gatos3,5,9

Fármaco Cão Gato Tramadol 2-5mg/kg a cada 6-8 h ou até 10

mg/kg/dia divididos em 2 ou 3 administrações VO

1-4 mg/kg a cada 8-24 h VO

Cetamina 0,5 mg/kg seguido de infusão de 10 µg/kg/min no transoperatório. No pós-operatório, 2 µg/kg/min

0,5 mg/kg seguido de infusão de 10 µg/kg/min no transoperatório. No pós-operatório, 2 µg/kg/min

Amitriptilina 0,5-2 mg a cada 12-24 h VO 0,5-2 mg a cada 24 h VOGabapentina 1-10 mg/kg a cada 8-24 h VO

até 50 mg/kg1-10 mg/kg a cada 8-12 h VO

até 50 mg/kgPrednisona 0,5-1 mg/kg a cada 12-24 h VO 1-2 mg/kg a cada 12-24 h VO

VO = via oral; SC = subcutânea; IM = intramuscular; IV = intravenoso.

Anestésicos locais (AL)

A utilização de AL em procedimentos cirúrgicos bucais promove a dessensibilização do nervo (n.) de forma segura e eficiente. Podem ser empregados por meio de bloqueio re-gional ou infiltrativo para a realização de extrações dentárias, tratamentos periodontais, endodônticos e ortodônticos, correção de fratura, excisão de neoplasia, mandibulectomia e maxilectomia.

O n. trigêmeo, originado do 5o par do n. craniano, divide-se em três importantes ramos: oftálmico, mandibular e maxilar, que são responsáveis pela inervação sensitiva da face. Os n. mandibular e maxilar e seus ramos podem ser dessensibilizados para procedimentos cirúrgicos bucais, pois inervam os dentes, ossos e tecidos moles da cavidade bucal (Figura 27.1 A, B, C).6,13

O n. maxilar corresponde à maior divisão do n. trigêmeo, emitindo ramos dos seguintes nervos: zigomático, que inerva a pálpebra superior e inferior; pterigopalatino, que inerva o palato mole, através do ramo do n. palatino menor, o palato duro e a gengiva do palato por meio do n. palatino maior e a mucosa ventral da cavidade nasal através do n. nasal cau-dal; e alveolar maxilar caudal, que inerva os dentes molares e o quarto pré-molar superior. Quando adentra o canal infraorbitário, passa a ser chamado de n. infraorbitário, emitindo os ramos do alveolar maxilar médio, que inervam os dentes pré-molares. Logo antes de emergir do canal infraorbitário, o n. infraorbitário emite os ramos do alveolar maxilar rostral, que inervam os dentes caninos e incisivos. Divide-se em ramos que inervam pele, mucosa nasal, lábio superior e narina quando deixa o forame infraorbitário.6,13

O n. mandibular é misto, possuindo tanto fibras motoras como sensitivas.14 Deixa a cavidade craniana através do forame oval e emite os ramos dos nervos: auriculotemporal, que inerva o canal auditivo externo e tecidos moles adjacentes; massetérico, que inerva o músculo masseter; bucal, que inerva partes moles em correspondência à região de molares e pré-molares; pterigóideo, que inerva os músculos pterigóideo lateral e medial,13 e, por fim, o alveolar inferior, que adentra o canal mandibular e inerva todos os dentes e tecidos moles da mandíbula. Ramos do n. mentoniano emergem do forame mentoniano que iner-va osso, dente e tecidos moles da região rostral da mandíbula.6,13

O emprego do AL no transoperatório diminui a concentração do anestésico para ma-nutenção do plano anestésico, minimizando efeitos adversos e abreviando o tempo de

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ANALGESIA PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS BUCAIS 313

Figura 27.1 A, Bloqueios regionais da mandíbula de cão. A = Acesso extraoral e B = Acesso intraoral do forame mandibular para bloqueio do nervo alveolar inferior. C = Acesso intraoral do forame mentoniano para bloqueio do nervo mentoniano. B, Bloqueios regionais da maxila de cão. D = Acesso intraoral do forame infraorbitário para bloqueio do nervo infraorbitário e nervo maxilar. E = Acesso intraoral à fossa pterigopalatina para bloqueio do nervo maxilar. C, Bloqueios regionais da maxila de cão. F = Acesso in-traoral do forame palatino maior para bloqueio do nervo palatino maior. G = Acesso intraoral do forame nasopalatino para bloqueio do nervo nasopalatino. (Fonte: arquivo pessoal.)

A

B

C

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314 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

recuperação pós-anestésica; diminui a sensibilização central à dor, promovendo melhor conforto do paciente no pós-operatório; reduz a necessidade de fármacos analgésicos no trans e pós-operatório imediato; gera ação sinérgica com outros fármacos intensificando suas ações; minimiza a reação inflamatória tecidual e, finalmente, reduz a hemorragia local quando associado a vasoconstritores.4,14-16

O conhecimento anatômico da região da cabeça é de grande importância para que o AL seja administrado com segurança e êxito nos locais adequados. Além disso, diferenças entre os tipos de crânio na espécie canina (braquicefálico [Boxer, Bulldog], dolicocefálico [Afganhound, Setter Irlandês], mesaticefálico [Pastor Alemão, Labrador]) podem dificultar a execução da técnica. Na espécie felina dois tipos de crânio são mais comuns: dogicoce-fálicos (Siamês) e braquicefálicos (Persa, Himalaia). A obesidade também pode dificultar a localização dos forames.15,17

A utilização de seringas do tipo carpule e agulhas gengivais (27-30 G, longa e curta) (Figura 27.2) facilitará a administração do AL, mas seringa plástica de pequeno volume

Figura 27.2 A seringa do tipo carpule oferece maior estabilidade ergonômica e facilidade de administração do AL. Existem os tipos: sem refluxo, com refluxo e com refluxo aspirativa. A seringa do tipo sem refluxo não é segura, pois não permite verificar se um vaso sanguíneo esta sendo puncionado. Antes da injeção do AL, o êmbolo de borracha do tubete deverá ser deslocado com a ajuda do pistão da carpule, pois adere ao plástico durante o armazenamento, dificultando o deslizamento do mesmo. Qualquer quantidade de bolha de gás no interior do tubete deverá ser desprezada. As seringas do tipo carpule têm capacidade para tubetes de 1,8 mL de AL. A = Agulhas gengivais; B = Seringa tipo carpule; C = Tubete de AL. (Fonte: arquivo pessoal.)

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ANALGESIA PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS BUCAIS 315

(1-3 mL) com agulha hipodérmica fina e curta (p. ex., calibre 20 a 25 G e 2,5-5 cm de com-primento) também poderá ser utilizada, levando-se sempre em consideração o formato do crânio do animal e as estruturas a serem penetradas pela agulha para realizar a deposição do AL. Os materiais a serem utilizados deverão ser estéreis e de uso único e a região deverá ser adequadamente limpa antes da punção (p. ex., solução de gluconato de clorexidina a 0,12%) para diminuir a possibilidade de contaminação durante o bloqueio. A adminis-tração lenta após cuidadosa aspiração poderá evitar a punção IV inadvertida. A destreza manual é muito importante nesse tipo de técnica anestésica, tanto para identificação do ponto da introdução da agulha como para sua fixação antes da injeção do AL.

Existem vários tipos de AL e a escolha de determinado agente deverá levar em conta tempo do procedimento cirúrgico, intensidade da dor, necessidade de homeostasia, pre-sença de contraindicação, facilidade de aquisição e familiaridade com o fármaco. O tempo de ação poderá ser maior quando associados aos vasoconstritores, sendo contraindicados a pacientes com hipertireoidismo não controlado, arritmias cardíacas e asmáticos.4 De forma geral, a anestesia infiltrativa deve ser estabelecida dentro de 2 minutos e o bloqueio regional, em 5 minutos. Caso não seja obtida a dessensibilização esperada, outras medidas deverão ser tomadas para o controle da dor no trans e pós-operatório.

O conhecimento das propriedades dos ALs é fundamental para a obtenção do sucesso do bloqueio e estão contidos no Capítulo 15, mas salientamos que em procedimentos odon-tológicos as alterações nos tecidos pulpar e periapicais diminuem o pH do tecido, levando a uma proporção muito maior (99%) de cátion quando da dissociação do anestésico, sendo que essa forma é incapaz de atravessar a bainha nervosa, inviabilizando uma anestesia com-pleta. Dessa forma, locais de punção com inflamação e/ou infecção deverão ser evitados.

O domínio da técnica anestésica e das propriedades do AL é fundamental para preve-nir complicações, contudo elas podem ocorrer no transoperatório e pós-operatório, sendo mais comuns:

• Arritmia, broncoespasmo, hipotensão.• Parada cardiorrespiratória.• Interação farmacológica (principalmente com vasoconstritor).• Parestesia secundária a trauma de nervo.• Lesão de tecidos por injeção rápida e grandes volumes.• Dessensibilização do nervo lingual (automutilação da língua).• Hematoma, hemorragia.• Infecção.

Lidocaína, bupivacaína e mepivacaína são os ALs mais utilizados em nosso meio.O volume de fármaco injetado normalmente é pequeno e não deverá ultrapassar a dose

máxima estabelecida para a espécie (Tabela 27.4). Os volumes finais de AL variam entre os autores, oscilando de 0,1-0,5 mL para a espécie felina e 0,1-1 mL para a espécie canina4 por bloqueio e, ainda, poderá ser associado AL de tempos de latência e duração diferentes em uma mesma seringa, promovendo rápido início de ação e maior período de ação.4

O volume total a ser utilizado nos bloqueios e infiltrações deverá ser cuidadosamen-te calculado no gato e no cão de pequeno porte, principalmente se vários bloqueios forem necessários para a realização do procedimento cirúrgico.

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316 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Quando o AL for injetado dentro do forame, pressão digital deverá ser feita sobre ele por 30 segundos após a retirada da agulha para evitar a sua saída. Contudo ressaltamos o perigo de trauma de nervos e de vasos sanguíneos quando da introdução da agulha no in-terior do forame, principalmente quando forem longas e de grosso calibre e, ainda, quando introduzidas em demasia no canal do forame.

A seguir comentaremos as técnicas mais empregadas nos procedimentos cirúrgicos bucais em cães e gatos.

ANESTESIA TERMINAL E POR BLOQUEIOS REGIONAL E TRONCULAR

Anestesias terminais

São anestesias infiltrativas que compreendem a dessensibilização de terminações nervosas quando o AL é depositado no tecido mole ou tecido ósseo da área a ser tratada. A escolha da técnica deverá ser baseada em vários fatores, como: sensibilidade dolorosa que permanece mesmo após o bloqueio regional; envolvimento apenas de um dente ou uma pequena área no procedimento cirúrgico e ocorrência de hemorragia e inflamação/infecção nos locais do bloqueio regional.19 As técnicas que dependem da absorção do osso para dessensibilizar um dente são mais empregadas na região da maxila, pois a densidade óssea é menor do que a da mandíbula.6 A seguir citaremos algumas das técnicas infiltrativas que poderão ser empregadas na veterinária.

Anestesia terminal infi ltrativa supraperiosteal

É a administração do AL na região de submucosa sem a penetração da agulha no periósteo, ou seja, a solução anestésica é injetada acima do periósteo. O bisel da agulha deverá estar voltado para o osso. A agulha (fina e curta) deverá ser introduzida na mucosa e em corres-pondência à região a ser dessensibilizada (sempre na região vestibular).19 Pode ser utilizada em procedimentos cirúrgicos de tecidos moles (biópsia incisional) e de dente na região de maxila, contudo a analgesia adequada está ligada à difusão do AL por meio do periósteo e estruturas ósseas adjacentes para então entrar em contato com as terminações nervosas do local.

Tabela 27.4 Dose de AL para anestesia infi ltrativa e bloqueio regional bucal em cães e gatos4,8,18

Fármaco Cão (mg/kg) Gato (mg/kg) Latência(minutos)

Duração de ação(horas)

Lidocaína Até 6 Até 3 1-2 1-2

Bupivacaína Até 2 Até 1 4-10 4-8

Mepivacaína Até 6 Até 3 1,5-4 2-4

Obs.: bupivacaína = 1,5-3 h e mepivacaína = 0,5-1 h de analgesia pulpar quando utilizadas em anestesia infiltrativa.

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ANALGESIA PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS BUCAIS 317

Anestesia terminal infi ltrativa subperiosteal

É mais empregada nos dentes superiores por conta da facilidade de difusão do AL pelo periósteo e osso esponjoso relativamente fino da maxila, pois o osso mandibular é mais compacto, dificultando a penetração da agulha na cortical.20 Uma agulha fina e curta (27 G) deverá ser introduzida junto ao osso esponjoso do dente correspondente, formando um ângulo de 60-90o em relação à sua região apical (Figura 27.3). Resistência à administração do fármaco indica que a agulha está no local correto. O volume a ser injetado pode variar de 0,3-0,5 mL para que possa atingir as fibras periapicais. O anestésico será injetado sob o periósteo promovendo dor pela sua distensão, tornando esta técnica dolorosa19 caso o animal não esteja em plano anestésico adequado.

Anestesia terminal infi ltrativa periodontal (intraligamentar)

Pode ser utilizada como complemento às técnicas de bloqueios tradicionais, ou isolada-mente, quando se pretende obter anestesia pulpar em um único dente.19 Qualquer den-te pode ser dessensibilizado por essa técnica, mas é muito eficaz nos molares inferiores quando o bloqueio regional não for suficiente. Faz-se a deposição de pequeno volume de AL (até 0,2 mL por raiz)6 entre o ligamento periodontal e o osso interseptal com o objetivo de atingir as porções apicais do dente (Figura 27.4), promovendo analgesia pulpar e de te-cidos moles adjacentes6 sem o comprometimento de outras estruturas como língua, lábio superior e inferior.18 O início da analgesia se dá em 10-15 minutos.4,6

Infi ltrativo pulpar

Consiste na deposição direta do AL na câmara pulpar19 para o controle adequado da dor (pulpite, por exemplo). Uma agulha fina e curta (25-27 G) deverá ser introduzida e firme-

Figura 27.3 Anestesia terminal infiltrativa subperiosteal em cão. A agulha foi direcionada para a região apical do 3PM superior (Fonte: arquivo pessoal).

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345

INTRODUÇÃO

O trauma é definido como a transferência de energia a um tecido produzindo lesões.1 O politrauma está presente quando o ferimento traumático afeta pelo menos duas áreas do corpo ou vários componentes de uma mesma área. Uma condição importante para a utilização do termo “politrauma” é o alto grau de risco de reações sistêmicas graves levando ao choque traumático e consequente falência de órgãos.2 Um trauma de grande porte geralmente leva a choque, hipovolemia, hipóxia tecidual, metabolismo anaeróbico e um estado hipermetabólico e catabólico. Durante a anamnese preliminar ou inicial do paciente, uma avaliação do nível da dor deve ser registrada junto aos sinais vitais, como temperatura, pulso, respiração, cor da mucosa e tempo de preenchimento capilar. Durante o exame secundário, que ocorre após a terapia inicial de reanimação ser iniciada, o nível de dor deve ser reavaliado e analgésicos administrados, conforme o caso. Analgésicos são de grande valia quando o nível de dor do paciente impede uma avaliação completa por limitar os movimentos e a manipulação.

Com o crescente número de animais de estimação na área urbana, ferimentos causados por acidentes automobilísticos, arma de fogo, queimaduras e quedas estão se tornando mais comuns. Dano tecidual por lesões traumáticas neurológicas, contusão pulmonar, destruição de tecidos moles, fraturas ósseas e lesões vasculares são frequentemente as-sociadas a uma experiência dolorosa e podem ter consequências que duram por toda a vida. Tanto na medicina quanto na veterinária há ainda um déficit na importância dada ao manejo da dor. Cerca de 75% dos doentes em uma unidade de terapia intensiva (UTI) de politraumatizados receberam analgesia inadequada e avaliaram sua intensidade de dor como moderada a grave3 e metade dos pacientes com queimaduras respondeu mal à te-rapia analgésica.4 Além disso, mesmo quando a dor é tratada na UTI, são administrados analgésicos sem uma avaliação adequada. Em um estudo, 90% dos pacientes humanos de UTI foram tratados com opioides, enquanto apenas 42% tiveram sua dor avaliada.5

Frequentemente, os analgésicos são evitados no paciente politraumatizado por haver receio de que os mesmos possam mascarar os indicadores fisiológicos de piora do pacien-te.6 Alguns médicos continuam a considerar a dor um efeito benéfico, permitindo o reco-nhecimento de complicações clínicas.6,7

29 ANALGESIA NO PACIENTE COM TRAUMA

André ShihCarsten Bandt Jacob Johnson

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346 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Uma metanálise de estudos prospectivos demonstrou a ausência de efeitos adversos associados ao tratamento precoce da dor e sugeriu que esse pode até melhorar o processo diagnóstico.8

Outra questão que gera dúvidas quanto a se realizar ou não analgesia é a possibilidade de haver efeitos adversos associados à administração do fármaco. Estes efeitos adversos, principalmente aqueles associados ao uso de opioides, são muito enfatizados na medicina veterinária.7 No que diz respeito à ventilação, a administração adequada de opioides após o trauma pode realmente melhorar, e não prejudicar. O medo de efeitos colaterais leva muitos veterinários a optar pela restrição física excessiva, em vez de analgesia/sedação. Isso, aliado ao estresse que o acompanha, pode ser associado a liberação de catecolaminas, aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, obstrução das vias aéreas superiores, aumento da liberação de citocinas inflamatórias, aumento da pressão intracraniana e da taxa de extração de oxigênio reduzida.

Outras preocupações que continuam a restringir o uso de analgésicos em pacientes com trauma incluem a economia, a incerteza da dose apropriada e a posologia, além da falta de conhecimento de métodos apropriados para avaliar a dor em animais.

FISIOPATOLOGIA DA DOR NO POLITRAUMA

Todas as mudanças fisiopatológicas em resposta ao politrauma são ampliadas em animais com dor. A dor é um componente fundamental de qualquer evento traumático e surge a partir da ativação de ambas as vias periféricas e centrais. Embora a dor seja geralmente considerada uma entidade homogênea sensorial, ela pode ser estratificada em fisiológica (nociceptiva) e patológica (inflamatória e neuropática). No paciente politraumatizado, to-dos esses tipos podem ser encontrados simultaneamente, dependendo da duração.

A nocicepção é composta por cinco etapas: a conversão de um estímulo nocivo na ativi-dade elétrica (transdução), a passagem do potencial de ação elétrico da periferia para o corno dorsal da medula espinhal (transmissão), a alteração desse potencial de ação na sinapse do corno dorsal (modulação), a transmissão da informação nociceptiva ao cérebro através da medula espinhal (projeção) e a transformação e o reconhecimento do sinal nociceptivo no cérebro (percepção). A dor nociceptiva é o resultado da ativação imediata dos nociceptores periféricos e vias neurais por estímulos nocivos que são efetivamente ou potencialmente prejudiciais para os tecidos. A dor nociceptiva inclui dor somática e visceral, dependendo do tipo de tecido dos estímulos originários.9 A dor somática está frequentemente presente no paciente que sofreu trauma ou perturbação significativa dos tecidos muculoesqueléticos. A dor nociceptiva pode ser resultado do deslocamento de um osso fraturado em estruturas de tecido mole e espasmo muscular no membro lesionado. No paciente politraumatizado, dor visceral pode ser causada por danos em órgãos viscerais e distensão das cavidades do corpo. A dor que surge a partir de tecidos viscerais é comumente difícil de diagnosticar por causa de seu início atrasado e sua má localização. Estas características são causadas por diferenças quantitativas e qualitativas entre aferentes viscerais e cutâneos10 Tem sido sugerido que o baixo número de receptores nos órgãos viscerais é responsável pela má localização da sensação e da aparente insensibilidade a estímulos. Os diferentes tipos de fibras aferentes podem explicar o retardo do início da dor visceral. Assim, imediatamente após o trauma grave, a dor somática é mais evidente, mas, com o tempo, a dor visceral é

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relacionada com estruturas superficiais, levando ao desenvolvimento de dor referida.10 A dor nociceptiva é o tipo predominante após o trauma. Quanto mais intenso o estímulo nocivo periférico, maior a frequência de potenciais de ação nos nociceptores ativados. Alta frequência resulta em liberação de neuropeptídeos, fatores neurotróficos e glutamato na medula espinhal. A ação de neuropeptídeos, juntamente a ativação do glutamato N-metil-D-aspartato (NMDA), induzem os neurônios a alterar sua função, composição química e estrutura. Esse processo é conhecido como “plasticidade dependente de atividade neural”. O resultado, conhecido como wind-up, é um aumento progressivo da produção de neurô-nios do corno dorsal e representa uma forma aguda de amplificação da dor. Até o wind-up surgir, a dor nociceptiva é fisiologicamente modulada por mecanismos inibitórios pré e pós-sinápticos mediados pela liberação de opioides endógenos, ácido gama-aminobutírico (GABA), serotonina e noradrenalina. Por esta razão, os opioides são alguns dos agentes mais eficazes para evitar o início de wind-up devido à sua ação simultânea em regiões pré e pós-sinápticas em diversas áreas do sistema nervoso. Depois de provocar o wind-up, uma cascata de mediadores causa hipersensibilização que não é bem sensível a opioides e re-quer o uso de outras classes de drogas, como antagonistas NMDA. A dor nociceptiva é um mecanismo fisiológico de defesa ao trauma tecidual. Quando ocorre lesão tecidual, como no trauma, é imperativo do organismo impedir a ocorrência de prejuízo para promover o processo de cicatrização do tecido lesado.

A dor inflamatória é causada por trauma do tecido em que se liberam mediadores infla-matórios, como prostaglandinas, bradicinina e histamina. A liberação desses mediadores tem o efeito primário de sensibilizar os nociceptores periféricos no local da lesão. Esses mediadores têm como efeito secundário causar inflamação com maior estímulo no local da lesão e na área circundante ao sítio principal. Lesões graves e extensas podem posterior-mente autoamplificar a inflamação do tecido, resultando na liberação de grandes quanti-dades de elementos químicos diversos como, mencionado anteriormente. Esta é a expres-são do processamento sensorial anormal e, geralmente, é persistente e desatrelada de um tecido de cicatrização. Hipersensibilidade a dor inflamatória ocorre devido às mudanças reversíveis na excitabilidade dos neurônios sensoriais primários e centrais e, geralmente, retorna ao normal se o processo da doença for controlado.

Condições inflamatórias persistentes são responsáveis pelo desenvolvimento da dor neuropática. Este tipo peculiar de dor também pode ocorrer em resposta a lesões peri-féricas e centrais do sistema nervoso. A dor neuropática é sempre considerada maléfica e pode surgir espontaneamente na ausência de estímulos periféricos (alodinia) ou ser uma resposta exagerada e prolongada a um estímulo nocivo (hiperalgesia). A dor neu-ropática persiste por muito tempo mesmo após o evento de início apresentar resolução, sendo uma expressão de alterações patológicas do sistema nervoso denominada plasti-cidade dependente de modificação, ao invés de uma resposta à patologia. Comumente se desenvolve algumas horas após lesão do sistema nervoso, é insuportável, recorrente e, como a dor inflamatória, pouco responsiva a opioides. A dor neuropática não é o primeiro evento no politrauma genérico, mas é uma sequela comum caso as dores no-ciceptiva e inflamatória não sejam devidamente tratadas. Exemplos de tipos de trauma que causam a dor neuropática primária incluem fratura vertebral/luxação e compressão de nervo após fratura pélvica. Lesões nervosas, como avulsão do plexo braquial, menos comumente podem causar dor neuropática, porque resultam em cessação de estímulos aferentes.

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Outros elementos importantes a se considerar no paciente traumatizado são os compo-nentes psicológicos, como estresse, medo e ansiedade que reiniciam com o aparecimento da dor. Existem hoje vários estudos em animais mostrando o papel do estresse no reforço das respostas nociceptivas.11 O estresse por si só afeta a atividade do cérebro e promove mudanças a longo prazo em diversos sistemas neurais. Uma sequela do estresse é a desre-gulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e diversos sistemas de neurotransmissores do sistema nervoso central (SNC), incluindo os opioides endógenos, sistemas serotoninérgico e noradrenérgico. A exposição ao estresse agudo com súbita ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal após um evento traumático tem sido demonstrada como influenciadora na percepção da dor de diferentes maneiras, tanto em animais como em seres humanos.11 A ansiedade e o medo também podem levar a uma resposta reduzida à administração de analgésicos. Os benzodiazepínicos produzem ansiólise, o que pode diminuir essas carac-terísticas.

A ansiedade exacerba a dor e, quando um benzodiazepínico é utilizado em associação a um opioide, sua dose requerida para promover analgesia é reduzida.

Finalmente, há alta incidência de dor no paciente crítico em decorrência dos proce-dimentos comumente realizados durante o atendimento. Pacientes humanos traumati-zados relataram o surgimento de dor excruciante devido a procedimentos comuns e que geralmente não causam dor. Mesmo pequenas ações, como mudança de decúbito, podem tornar-se extremamente dolorosas e agravar o efeito da dor sobre o estado já comprometido de um paciente, mesmo sedado ou inconsciente.

Resposta cardiovascular

As respostas cardiovasculares são vistas imediatamente após um grave insulto traumático. O padrão de resposta depende das características da injúria e pode ser diferente, por exem-plo, em um trauma penetrante hemorrágico em comparação com extenso dano tecidual secundário a uma lesão por esmagamento.12 Dependendo da gravidade da lesão vascular, o trauma penetrante, incluindo ferimentos por objetos cortantes e por arma de fogo, pode resultar em isquemia local devido a uma vasoconstrição protetora ou regional, podendo agravar a hemorragia.12 Trauma perfurante musculoesquelético e lesão por esmagamento, frequentemente causados por acidentes automobilísticos ou quedas, conduzem a redistri-buição regional do fluxo sanguíneo entre e dentro de camadas teciduais que resultam em má distribuição do fluxo sanguíneo para os tecidos, hipoperfusão tecidual e consequente prejuízo na oferta de oxigênio.11 As diferenças em graus de gravidade, lesão do tecido, hemorragia e intensidade da dor levam a grandes variações na resposta cardiovascular ao politrauma.

A lesão tecidual promove efeitos cardiovasculares significativos. A resposta cardio-vascular à lesão tecidual consiste principalmente em uma resposta pressórica. O au-mento no tônus vasoconstritor simpático leva a um aumento na resistência vascular pe-riférica e na pressão arterial média. No entanto a resposta à lesão tecidual também está associada a taquicardia, devido à supressão do barorreflexo que normalmente resulta em bradicardia. A vasoconstrição esplâncnica é um componente essencial das alterações vasculares após lesão tecidual, mobilizando o sangue das vísceras para a musculatura esquelética.12

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ANALGESIA NO PACIENTE COM TRAUMA 349

A hemorragia pode ser um evento de vida ameaçador e estudos experimentais em ani-mais mostraram que a simples perda de sangue rápida superior a 40% do volume total de sangue (perda > 5 mL/kg/min) produz queda abrupta do débito cardíaco com taquicardia sinusal severa e hipotensão arterial. Esses pacientes têm pouca ou nenhuma chance de sobrevivência e geralmente morrem em poucos minutos. A resposta às perdas sanguíneas possuem duas fases distintas. A hemorragia relativamente discreta (< 10% do volume total do sangue) resulta em uma estimulação dos barorreceptores carotídeos e aórtico. Isso provoca taquicardia e aumento da resistência vascular periférica total, com o objetivo de suportar o menor débito. Esta resposta preserva o fluxo sanguíneo para órgãos vitais criticamente dependentes do fornecimento de oxigênio.12 Quando a perda sanguínea é superior a um volume crítico (em torno de 20% do volume total de sangue), desenvolve-se hipotensão e bradicardia devido ao reflexo depressor caracterizado por estimulação vagal aumentada e diminuição do tônus vasoconstritor simpático.12 A dor influencia a resposta cardiovascular no paciente politraumatizado, independentemente da presença de lesão te-cidual ou hemorragia. Um efeito positivo da dor no paciente politraumatizado é seu efeito vasoconstritor, reduzindo a perda de sangue.

A dor aguda secundária ao trauma provoca liberação imediata de catecolaminas, o que fornece controle inicial da hemorragia por vasoconstrição periférica. No entanto vários estudos têm demonstrado que a dor pode ter efeito negativo sobre o paciente politrau-matizado. Parece que a dor provoca uma redefinição do nível mais elevado de pressão arterial média do barorreflexo, bem como a redução da sensibilidade dos barorreceptores. Esta diminuição da responsividade dos barorreceptores bloqueia a taquicardia fisiológica normal em resposta à hipotensão arterial e aumenta os riscos de choque no paciente poli-traumatizado. É claro que as respostas cardiovasculares a hemorragia e lesão tecidual são diferentes. A integração central da estimulação nociceptiva da lesão tecidual é tal que a resposta cardiovascular a uma hemorragia concorrente não se manifesta. A consequência é um grave efeito sobre a perfusão e oxigenação tecidual sistêmica.

Resposta neuroendócrina

A resposta do hospedeiro ao trauma também é influenciada por importantes alterações neuroendócrinas.13 O trauma influencia a secreção de uma série de hormônios hipofisá-rios. Em particular, inicia a liberação de corticotropina (ACTH), que aumenta a produção de hormônios adrenocorticais essenciais para o organismo suportar a situação estressante. A secreção de ACTH é dependente de uma substância neuro-humoral, o fator liberador de corticotropina (CRF), produzido pelo hipotálamo, que, por sua vez, é diretamente excitado por estímulos aferentes da área lesionada. Contusão tecidual, laceração, fraturas resultan-do em hipoperfusão local e hipóxia levam a estimulação nervosa massiva.12 A estimulação súbita dos receptores e os danos aos nervos periféricos evocam uma resposta simpática, levando a taquicardia, hipertensão arterial e aumento do fluxo sanguíneo para os mús-culos esqueléticos, também denominado “reação de defesa”.11 Esse estímulo também é responsável por mudanças súbitas de comportamento, como agressividade e medo. Hipo-volemia secundária à hemorragia provoca resposta simpática-adrenal e ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona via barorreceptores carotídeo-aórtico e barorreceptores justaglomerulares, respectivamente. Além disso, os receptores osmóticos no hipotálamo

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350 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

induzem a secreção do hormônio antidiurético (ADH) pela neuro-hipófise. Estas respostas fisiológicas à hipovolemia têm como objetivo melhorar o débito cardíaco, aumentando o volume sanguíneo e a resistência vascular sistêmica, atuando na fase de pré-carga do ciclo cardíaco. A dor faz que o hipotálamo libere diretamente quantidades elevadas de hormônio liberador de corticotrofina (CRH). O sistema nervoso periférico desempenha papel primor-dial na resposta endócrina precoce de injúrias. A dor somática e visceral causada pelo trau-ma é conduzida para a raiz espinhal dorsal por meio de fibras C e A-delta e, em seguida, é transmitida para o hipotálamo. O consequente aumento da secreção de ACTH estimula o córtex adrenal a liberar glicocorticoides (cortisol) minutos após o trauma. Além disso, foi demonstrado que, mesmo durante a anestesia, a estimulação nociceptiva cutânea leva ao aumento da secreção de muitos outros hormônios, como o hormônio luteinizante (LH), a testosterona e a prolactina.12 A razão para o aumento do nível desses hormônios após a estimulação da dor ainda é desconhecida. A resposta endócrina à dor é imediata, mas não necessariamente sustentada por esses hormônios, que respondem com aumento da secreção, sendo que o efeito pode não ser aparente por várias horas e podendo ser máximo após um a quatro dias.

EFEITOS DA DOR SOBRE O PROCESSO DE CICATRIZAÇÃO

Os processos de cicatrização de feridas envolvem interações entre uma ampla gama de mediadores solúveis e células. A dor relacionada com a desregulação da função imune e neuroendócrina foi demonstrada como crítica na cicatrização de feridas, sugerindo que a dor desempenha papel fundamental na cicatrização retardada.12 A dor e o estresse também aumentam a suscetibilidade à infecção por bactérias oportunistas durante a cicatrização de feridas cutâneas. Outros estudos experimentais esclareceram que ambas as funções, fagocítica e de morte dos polimorfonucleares (PMNs), podem ser alteradas por exposi-ção repetida ao estímulo doloroso.14 É evidente que o sistema imune está intimamente envolvido na resposta ao trauma.12 O dano tecidual induz liberação local e sistêmica de citocinas pró-inflamatórias e fosfolipídios. Leucócitos polimorfonucleares, macrófagos e células parenquimatosas estão envolvidos na resposta imune do hospedeiro à lesão. Uma esmagadora resposta pró-inflamatória leva à manifestação clínica da síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e, finalmente, à falha da defesa do hospedeiro.

Durante a fase inicial do curso pós-traumático, linfopenia tem sido observada. Esta é a primeira fase de um estado imunológico chamado síndrome da resposta anti-inflama-tória compensatória (CARS). A dor agrava essa condição mediante o aumento da secre-ção prolongada de corticosteroides. A esmagadora resposta anti-inflamatória parece ser responsável pela imunossupressão com alto risco de complicações sépticas em pacientes politraumatizados.15 O desequilíbrio entre SIRS e CARS produz uma resposta mista anta-gônica que parece ser responsável pela disfunção de órgãos e falência de múltiplos órgãos (MOF).15

A dor ativa o arco pituitária-adrenal, levando a um aumento significativo na concen-tração de glicocorticoides no sangue. Isso resulta em aumento da produção de glicose por meio da gliconeogênese, na inibição da síntese proteica, no aumento da degradação protei-ca e na mobilização de ácidos graxos livres pela lipólise.

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361

INTRODUÇÃO

Apesar dos importantes avanços obtidos na última década em relação à compreensão e ao tratamento da dor em animais, muitos pacientes ainda sofrem desnecessariamente devido ao tratamento inadequado de síndromes dolorosas agudas que culminam com a cronifi-cação do quadro, ou simplesmente pelo descaso de alguns profissionais ante patologias crônicas que causam dor.

O conceito de que animais não sentem dor atrasou muito a medicina veterinária em relação ao desenvolvimento de escalas de avaliação, protocolos e fármacos analgésicos que foram trazidos da literatura médica e adaptados aos animais, pois em arquivos veterinários informações e pesquisas relacionadas com a dor, principalmente a dor crônica, ainda são escassos.

Em 1998, o Colégio Americano dos Anestesiologistas Veterinários (ACVA) publicou sua posição em relação ao tratamento da dor em animais, determinando que a dor é uma con-dição clínica importante que prejudica a qualidade de vida, devendo obrigatoriamente ser prevenida e tratada para que o paciente mantenha suas atividades diárias normais como sono, lazer, alimentação e higiene adequadas e também interação com o proprietário.

O reconhecimento crescente das implicações da dor crônica e da necessidade de recicla-gem profissional contínua, em face das constantes evoluções da indústria farmacológica, torna cada vez mais necessária a troca de informação e experiência profissional. Mais do que nunca, devem-se rever conceitos sobre a qualidade de vida e a qualidade de morte dos pacientes que se encontram fora da possibilidade de cura.

O tratamento da dor crônica é uma tarefa difícil, pois depende da intensidade dolorosa e do quanto ela incapacita o paciente. De qualquer maneira, uma estratégia agressiva e precoce de tratamento pode reduzir a ocorrência de alterações secundárias em neuropro-cessamento, como o desenvolvimento de alodinia e hiperalgesia.1,2

Uma vez que a transmissão dolorosa de origem neuropática ou não neuropática en-volve múltiplas vias, mecanismos e neurotransmissores, é pouco provável que uma única classe de fármacos forneça analgesia adequada.2 O que se observa são respostas variáveis a diversos fármacos com mecanismos de ação diferentes, caracterizando a analgesia mul-timodal.

30 TRATAMENTO DA DOR CRÔNICA

Roberta C. C. FigueiredoPatrícia Bonifácio Flôr

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362 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

A dor crônica de origem neuropática, como a dor do membro amputado, necessita de uma abordagem multiprofissional e, mesmo associada a um tratamento farmacológi-co criterioso, frequentemente não proporciona resultados satisfatórios. A dor neuropática dificilmente é aliviada permanentemente com analgésicos opioides, mas pode responder a fármacos classificados como adjuvantes analgésicos, que são os antidepressivos tricícli-cos, os anticonvulsivantes e os antagonistas de receptores receptores n-metil-D-aspartato (NMDA).2

ESTRATÉGIAS PARA O TRATAMENTO DA DOR CRÔNICA

Ao traçar uma estratégia para tratar um paciente portador de dor crônica, algumas etapas são imprescindíveis, como:

• Avaliação da dor: o proprietário deve ser questionado sobre a dor que seu animal sofre e como sua qualidade de vida é afetada.

• Basear-se no que diz o proprietário: ele é o principal aliado do profissional, pois conhece o comportamento do seu animal e sabe quando algo está errado.

• Escolha do tratamento: deve-se eleger o protocolo conforme o estágio de dor do animal, considerando que toda dor que vai além de um grau leve deve ser tratada com mais de uma classe de analgésicos. A via oral (VO) sempre deve ser a de eleição, desde que não haja contraindicações para seu emprego.

• Cumprimento da prescrição: formular o tratamento de modo lógico e coordenado, con-siderando a disponibilidade de tempo e financeira do proprietário. A administração de analgésicos deve ser regular, e não apenas “quando necessário”.

• Avaliação e continuidade do tratamento: participar de forma ativa juntamente com o proprietário na hora de avaliar a qualidade de vida e a eficácia do tratamento que, mui-tas vezes, em pacientes portadores de doenças incuráveis, será ad eternum.

Todo tratamento contra a dor deve ser iniciado tão logo for possível e não deve recair apenas sobre a ação de fármacos. O profissional deve lançar mão de ferramentas terapêuti-cas como a cirurgia paliativa, a fisioterapia e a acupuntura, que serão relatados em outros capítulos desta mesma obra.

O principal objetivo no tratamento contra dores crônicas em geral deve ser a manu-tenção da qualidade de vida, devendo-se repensar sobre o protocolo quando necessário e utilizar o bom senso para avaliar a conveniência da continuidade do tratamento.

Além do ponto de vista ético, o tratamento da dor é fundamental, pois a dor não tratada ou indevidamente tratada causa alterações em diversos sistemas, reduzindo a qualidade de vida dos pacientes e até sua expectativa de vida.

Toda dor deve ser tratada de acordo com sua intensidade, como determinado pela Esca-la de Analgesia da Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim, considera-se no primei-ro degrau a dor leve; no segundo, a dor moderada; e no terceiro, a dor intensa, conforme ilustrado na Figura 30.1. Fármacos adjuvantes e bloqueios regionais podem e devem ser utilizados em qualquer degrau.

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TRATAMENTO DA DOR CRÔNICA 363

FÁRMACOS EMPREGADOS NO TRATAMENTO DA DOR CRÔNICA

Anti-infl amatórios não esteroidais

Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) são os fármacos mais utilizados para o con-trole da dor aguda e crônica na medicina humana e na veterinária. São úteis para o tra-tamento de uma variedade de síndromes dolorosas de diversas etiologias que ocasionam inflamação e edema. Sua eficácia analgésica manifesta-se em casos de dor leve, moderada e intensa, isoladamente ou em associação, dependendo de cada caso com comprometimento visceral, tegumentar, muscular, articular e ósseo, resultantes de afecções inflamatórias, traumáticas e câncer.

Possuem efeito teto (quando se aumenta sua dose, incrementam-se apenas os efeitos colaterais, e não a analgesia). Em seres humanos, após administração pela via oral, são en-contradas grandes concentrações desses medicamentos nos tecidos sinoviais inflamados.

O tratamento com um AINE somente deve ser considerado em animais hidratados, normotensos, cujas funções hepática e renal encontrem-se dentro dos padrões da norma-lidade, não portadores de coagulopatias, sem evidências de úlceras gástricas e intestinais e doenças cardíacas e que não estejam em terapia com anti-inflamatórios esteroidais, diu-réticos ou inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECAs), podendo tornar-se, nessas situações, nefrotóxico.

Os efeitos adversos mais comuns são êmese e diarreia,3 fato que deve ser reportado ao profissional logo no primeiro episódio, pois rapidamente pode evoluir para úlcera gas-trointestinal. Tais efeitos parecem ser mais frequentes quando se utilizam agentes que bloqueiam preferencialmente a cicloxigenase 1 (COX-1) em relação aos que atuam sobre a COX-2, como o ácido acetilsalicílico2 (AAS) e o fluinixin meglumina.3 Em relação à toxici-dade renal, não existem diferenças entre os fármacos seletivos para a COX-1 e COX-2, já que ambas as isoenzimas expressam-se no rim.2

Figura 30.1 Escala analgésica da OMS.

Dor leve

Dor moderada

Dor intensa

Se a dor persistir

Se a dor persistir

Passo 1

Passo 2

Passo 3

Não opioide± adjuvante

Opioide fraco± não opioide± adjuvante

Opioide forte± não opioide± adjuvante

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383

INTRODUÇÃO

Na grande maioria das vezes, cães e gatos com câncer, apresentam-se fora da possibilidade de cura, e com dor moderada a intensa, necessitando de analgesia contínua para mantê-los com qualidade de vida. Atualmente, um dos maiores desafios da Medicina Veterinária é o desenvolvimento de protocolos analgésicos eficazes para diminuir a realização da eutaná-sia precoce em animais fora da possibilidade de cura. A adequada avaliação e o diagnóstico precoce da dor são fundamentais para o sucesso do tratamento, e a consequente manuten-ção da qualidade de vida (Tabela 31.1).

No homem, a dor oncológica atinge 50% dos pacientes durante todo o curso da doença. Ao avaliar somente pacientes em fase avançada, a incidência de dor pode chegar aos 75%. O tratamento da dor oncológica na medicina, assim como na veterinária, ainda é conside-rado inadequado em muitos países. Um estudo realizado com 69 cães com câncer de dife-rentes origens, mostrou que 83% dos animais apresentavam dor de intensidade moderada, de acordo com a opinião do proprietário.1

O câncer pode causar dor em qualquer fase da doença, mas a frequência e a intensi-dade da dor tendem a aumentar nos estágios mais avançados.

CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO DA DOR ONCOLÓGICA

No câncer, os pacientes podem ter múltiplas causas de dor podendo ser causadas pela própria neoplasia, metástases, síndromes paraneoplásicas, tratamento cirúrgico, quimio-terápico e radioterápico, ou até mesmo por causas não relacionadas com a doença.2 O reconhecimento da causa é essencial para o adequado tratamento da dor.

A dor pode ser classificada em aguda ou crônica de acordo com a sua disposição tempo-ral; em leve, moderada e intensa de acordo com a sua intensidade; em nociceptiva, quando for resultante da ativação de nociceptores, quer por estímulo direto ou por inflamação em tecidos viscerais ou somáticos, e em neuropática quando houver alteração ou lesão do sistema nervoso central e/ou periférico, como as causadas por compressão de nervo, desa-ferentação e disfunção simpática.3

31 TRATAMENTO DA DOR ONCOLÓGICAKarina Velloso Braga YazbekTeresinha Luiza Martins

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384 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Tabela 31.1 Escala para avaliação da qualidade de vida em cães1

1. Você acha que a doença atrapalha a vida do seu animal?( ) 0. Muitíssimo ( ) 1. Muito( ) 2. Um pouco( ) 3. Não2. O seu animal continua fazendo as coisas que gosta (brincar, passear...)?( ) 0. Nunca mais fez( ) 1. Raramente( ) 2. Frequentemente( ) 3. Normalmente3. Como está o temperamento do seu animal?( ) 0. Totalmente alterado( ) 1. Alguns episódios de alteração( ) 2. Mudou um pouco( ) 3. Normal4. O seu animal manteve os hábitos de higiene (lamber-se, por exemplo)?( ) 0. Não( ) 1. Raramente( ) 2. Menos que antes( ) 3. Está normal5. Você acha que o seu animal sente dor?( ) 0. Sempre( ) 1. Frequentemente( ) 2. Raramente( ) 3. Nunca6. O seu animal tem apetite?( ) 0. Não( ) 1. Só come forçado/só o que gosta( ) 2. Pouco( ) 3. Normal

7. O seu animal se cansa facilmente?( ) 0. Sempre( ) 1. Frequentemente( ) 2. Raramente( ) 3. Está normal8. Como está o sono do seu animal?( ) 0. Muito ruim( ) 1. Ruim( ) 2. Bom( ) 3. Normal9. O seu animal tem vômitos?( ) 0. Sempre( ) 1. Frequentemente( ) 2. Raramente( ) 3. Não10. Como está o intestino do seu animal?( ) 0. Péssimo/funciona com dificuldade( ) 1. Ruim( ) 2. Quase normal( ) 3. Normal11. O seu animal é capaz de se posicionar sozinho para fazer as necessidades fisiológicas?( ) 0. Nunca mais conseguiu( ) 1. Raramente consegue( ) 2. Às vezes consegue( ) 3. Consegue normalmente12. Quanta atenção o animal está dando para a família?( ) 0. Está indiferente( ) 1. Pouca atenção( ) 2. Aumentou muito (carência)( ) 3. Não mudou/está normal

Obs.: Zero pior QV; 36 melhor QV. O animal deve ter controle dele mesmo. Reavaliar em todos os retornos.

A dor secundária ao câncer ainda pode ser classificada como somática, visceral, neu-ropática ou mista na sua origem.2 A dor mista é o tipo mais frequente, pois a neoplasia, dependendo da sua localização, pode infiltrar vários tecidos ao mesmo tempo.

Dor somática

A dor somática pode ser causada pela invasão da neoplasia nos ossos, músculos e pele.2,4 A presença da neoplasia produz e estimula a produção local de mediadores inflamatórios, causando ativação direta dos nociceptores periféricos. Esse tipo de dor é comumente asso-ciado a neoplasias e metástase óssea, fraturas patológicas, dor pós-operatória e síndromes pós-radioterapia e pós-quimioterapia. A dor somática é descrita como contínua, bem loca-

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TRATAMENTO DA DOR ONCOLÓGICA 385

lizada, e que piora ao movimento.2 Nem toda metástase óssea é dolorosa, e a magnitude da dor pode não ser proporcional a imagem radiográfica.4 Os nociceptores aferentes estão em maior número no periósteo, sendo a medula óssea e a porção cortical do osso menos sen-síveis a dor, portanto os principais mecanismos que contribuem para a dor óssea incluem a distensão do periósteo pela expansão tumoral, microfraturas locais e liberação local de substâncias algogênicas pela medula óssea. Na doença metastática a atividade osteoclás-tica é a principal responsável pela dor óssea. O tratamento de eleição para a dor óssea metastática é a radioterapia, porém os opioides, anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e bifosfonados também são frequentemente utilizados, promovendo adequada analgesia basal. A dor relacionada com o movimento é de difícil tratamento, contudo ainda é um grande desafio para a medicina.

Dor visceral

A dor visceral possui características clínicas peculiares. Alguns órgãos são menos sensíveis à dor, como o pulmão, fígado e parênquima renal, que só se tornam dolorosos quando há distensão da cápsula ou comprometimento de estruturas adjacentes. Em vísceras ocas a dor está relacionada com a torção, tração, contração, obstrução, isquemia e irritação da mucosa, sendo usualmente mal localizada e associada à náusea e vômito. Em vísceras só-lidas, a dor ocorre por estiramento, distensão da cápsula e necrose do tumor. A dor visceral pode ser tratada com opioides, AINE, fármacos adjuvantes, técnicas de bloqueio de plexos viscerais e infusão de fármacos anestésicos e analgésicos via peridural.

Dor neuropática

Lesões do sistema nervoso central ou periférico causada por infiltração tumoral, compressão direta pelo tumor, por quimioterapia e radioterapia ou lesão durante a amputação podem induzir ao aparecimento da dor neuropática, que se caracteriza por hiperatividade patológi-ca de membranas excitáveis, resultando em descargas de potenciais de ação ectópicos. As alterações periféricas incluem descargas ectópicas e espontâneas, alteração na expressão dos canais de sódio, recrutamento de nociceptores colaterais e neurônios aferentes primários, e sensibilização de nociceptores. Mecanismos centrais incluem sensibilização central, reor-ganização do corno dorsal e cortical, alterações na modulação descendente inibitória e ex-pansão do campo receptivo.5 Esse tipo de dor é descrita por humanos como em queimação, lancinante, e em formigamento, caracterizando-se pela presença de déficit sensitivo (alodi-nia e hiperalgesia), motores e autonômicos na área comprometida.6 Nos animais, pode-se considerar a lambedura excessiva, a automutilação e a presença de alodinia e hiperalgesia no local da lesão, como a manifestação clínica mais sugestiva de dor neuropática.

A eficácia dos opioides no tratamento da dor neuropática é controversa, já que existe a hipótese de que ocorra redução de receptores opioides em nível espinhal. A dor neuropática é de difícil tratamento, pouco responsiva a AINE e opioides, necessitando de outros fárma-cos como antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina) e anticonvulsivantes (car-bamazepina, gabapentina) para seu adequado controle.5,6 Os corticosteroides (prednisona) também podem ser indicados na dor neuropática causada por compressão tumoral.7

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386 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

PRINCÍPIOS BÁSICOS DO TRATAMENTO DA DOR ONCOLÓGICA

Alguns princípios básicos em relação ao tratamento da dor oncológica devem ser seguidos:

1. O uso de analgésicos deve ser iniciado assim que o diagnóstico da presença da dor for estabelecido, não esperando o animal apresentar dor intensa para a prescrição do medi-camento.

2. A administração de medicação deve ser preferencialmente pela via oral, evitando-se injeções intramusculares e subcutâneas.

3. As medicações devem ser prescritas de horário, e não se necessário, devendo-se abolir o uso “se necessário” da receita.

4. A dose deve ser calculada de maneira individual respeitando o peso do animal, sendo que frequente reavaliação da dor é fundamental para o reajuste das doses.

5. Os efeitos adversos possivelmente causados pelos fármacos devem ser tratados. 6. Deve-se respeitar a escada de analgesia da OMS (Figura 31.1).

Tratamento farmacológico

A seguir discorre-se sobre o tratamento farmacológico da dor decorrente do câncer, sendo que os fármacos e doses utilizadas para cães e gatos estão dispostos nas Tabelas 31.2 e 31.3, respectivamente, sendo sugestões terapêuticas obtidas da literatura e da experiência clínica dos autores.

Anti-infl amatórios não esteroidais (AINEs)

São os fármacos mais utilizados e indicados no tratamento da dor no câncer especialmente quando há invasão óssea.

A eficácia analgésica manifesta-se em casos de dor de baixa ou média intensidade, com comprometimento visceral, tegumentar, ósseo, muscular e articular, resultantes de

Dor intratável

Dor moderada e intensa

Dor leve a moderada

Dor leve

OMS, 1980

Terapia invasiva

Opioides potentesnão opioides adjuvantes

Opioides fracosnão opioides adjuvantes

Analgésicos não opioidesadjuvantes

Figura 31.1 Escada de analgesia da OMS.

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431

INTRODUÇÃO

Consagradamente utilizados como animais de experimentação há anos, os roedores (ratos, camundongos, chinchilas e cobaias) e lagomorfos (coelhos e lebres), tornam-se cada vez mais populares entre os animais de estimação. Consequentemente, a medicina de roedo-res e lagomorfos evolui a cada dia, por meio da padronização de novas técnicas cirúrgicas, terapêuticas clínicas e protocolos anestésicos e analgésicos. Ainda, a recente preocupação com o bem-estar animal somada a criação de comitês de éticas, exige o emprego de analge-sia nos procedimentos dolorosos realizados em animais de experimentação, contribuindo para o avanço desta especialidade.

Adicionalmente, o processo doloroso não tratado aumenta a secreção de catecolaminas, gerando estresse, com alterações neuroendócrinas e imunológicas importantes, que podem interferir na terapêutica empregada nessas espécies.1

MANEJO DA DOR

Diagnóstico da dor

A avaliação clínica geral pode permitir o diagnóstico da origem do processo doloroso, per-mitindo mensurar o fármaco, dose e duração do protocolo analgésico a ser instituído.1 Entretanto, tal diagnóstico é extremamente complexo em roedores e lagomorfos. Tal fato decorre da manifestação clínica tardia nessas espécies, mecanismo evolutivo de defesa ante a predação que são sujeitos em vida livre. Muitas vezes esses animais manifestam tal mecanismo de defesa durante avaliação clínica, dificultando o diagnóstico da dor.

Alguns sinais clínicos podem indicar a presença de dor, como anorexia, letargia, postura arqueada, piloereção, vocalização e perda de peso. Deve-se considerar os aspectos biológi-cos naturais dos roedores e lagomorfos, dentre os quais, a maioria dessas espécies possui hábitos noturnos e apresentam pouca atividade durante o dia, não caracterizando letargia. Ainda, muitas espécies de roedores possuem vocalização em frequência ultrassônica, inau-dível ao ser humano.1 O Quadro 34.1 resume as principais alterações que podem indicar a presença de dor em roedores e lagomorfos.

34 ANALGESIA EM ROEDORES E LAGOMORFOSRoberto Silveira FecchioMarcelo da Silva Gomes

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432 TRATAMENTO DA DOR NA CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

Quadro 34.1 Principais sinais clínicos indicativos de dor em roedores e lagomorfosArqueamento postural anormalRelutância em se movimentar

Movimentação lenta e dificultosaLetargia

ClaudicaçãoAumento da agressividade

Diminuição do consumo de alimento e águaBusca por esconderijos

Perda da curiosidade ambientalVocalização anormal

Piloereção

A sensibilidade dolorosa também varia entre os roedores. Fêmeas são mais sensíveis que os machos e os machos são mais responsivos aos protocolos analgésicos a base de opioides. A diferença no mecanismo de resposta dolorosa entre machos e fêmeas de ro-edores ainda não é totalmente descrito, mas acredita-se que a modulação dos receptores opioides esteja ligada a produção dos hormônios estereoidais gonadais.1

O estresse prolongado, causado por dor crônica, pode ter consequências sistêmicas como úlceras gástricas, cardiomiopatias, alteração da microbiota do trato gastrointestinal, hipotermia e isquemia renal.2

Escala de dor

Com o objetivo de criar uma escala de avaliação da dor, baseada no comportamento de roe-dores e lagomorfos, realizou-se padronização do método em animais submetidos à laparoto-mia. Nesse método, considera-se a postura e o comportamento. Locomoção excessiva pode indicar dor leve (também observada com o uso de buprenorfina), meneios e fricção das patas contra a face podem indicar dor moderada (também verificada com o uso de cetoprofeno e carprofeno); e arqueamento côncavo dorsal pode indicar dor intensa (visceral).3-5

A padronização de escalas de dor em roedores e lagomorfos ainda não é fiel ao processo doloroso e a experiência clínica é fundamental na mensuração da dor.

Duração da dor

A duração do processo doloroso está diretamente ligada à sua origem. Processos traumáti-cos, cirurgias e manipulação de vísceras podem induzir dor intensa por períodos longos em roedores e lagomorfos. Perda de peso e redução do consumo de alimento foram observados até 9 horas depois de incisões laparoscópicas de 6,0 centímetros associada à manipulação visceral por 5 minutos. Redução do consumo de alimento e água foram observados até 24 horas depois em animais submetidos a incisões laparoscópicas de 4,0 centímetros asso-ciada à manipulação visceral intensa, mesmo com o uso de buprenorfina e cetoprofeno. Alterações da frequência cardíaca foram observados em ratos submetidos à vasectomia sob anestesia inalatória com isoflurano após 48 horas do procedimento.

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ANALGESIA EM ROEDORES E LAGOMORFOS 433

Em roedores e lagomorfos, em função do ceco fermentativo altamente desenvolvido no trato gastrointestinal, manifestações de timpanismo são comuns na rotina clínica e podem gerar dor moderada por dias.

Testes especiais

Técnicas especiais de avaliação dolorosa, com avaliação da frequência cardíaca por teleme-tria e analgesiometria também são empregadas em roedores e lagomorfos.6 Tais técnicas requerem materiais e treinamento especializado, muitas vezes inviabilizando seu uso na rotina clínica.

Indicações para terapêutica analgésica

Existem muitas situações que podem exigir terapêutica analgésica em roedores e lagomor-fos. As condições mais comuns são:

Cirurgia – Qualquer intervenção cirúrgica gera dor, visceral ou somática, exigindo tera-pêutica analgésica no pré, trans ou pós-operatório. A maioria das intervenções cirúrgicas exige a manutenção do protocolo analgésico por dias após o procedimento.

Distúrbios gastrointestinais – Distúrbios gastrointestinais podem ser extremamente dolorosos em roedores e lagomorfos, em função da dilatação das estruturas por timpanis-mo, causado pelo processo fermentativo anormal. O uso de analgésicos pode estimular o apetite e a mobilidade gastrointestinal, aliviando a dilatação.

Afecções orais – Crescimento dentário excessivo e má oclusão são afecções orais ex-tremamente prevalentes em roedores e lagomorfos. A formação de pontes dentárias pode gerar lesões em língua e vestíbulo, muitas vezes associados a abscessos. Tais afecções são dolorosas e exigem analgesia.

Traumatismos – O protocolo analgésico dependerá da extensão do trauma e das estru-turas acometidas. Fraturas e luxações articulares promovem dor intensa, exigindo intensa analgesia.

Processos inflamatórios – Roedores e lagomorfos são suscetíveis a processos inflama-tórios como pododermatites, otite, artrites e queimaduras cutâneas pelo contato com a urina. Nesses casos, deve-se instituir analgesia tópica e sistêmica.

AGENTES ANALGÉSICOS

A escolha do agente analgésico e do regime adotado depende além da espécie envolvida, da natureza, duração e intensidade da dor que será experimentada.

AINEs

Tradicionalmente os AINEs são considerados analgésicos de baixa potência com indicação para situações de dor leve a moderada ou casos em que esta é decorrente, em sua maior parte,

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INTRODUÇÃO

Embora possa ser difícil interpretar a dor em aves, há evidências de que esses animais, as-sim como os répteis e anfíbios, possuem o mesmo circuito neuronal, neurotransmissores e neuroreceptores que os humanos.1,2 Portanto, o emprego de técnicas analgésicas nessas espécies deve-se a obrigações éticas e para evitar suas complicações fisiológicas provocadas pela dor. Na história da humanidade, as aves tiveram diferentes papéis. A avicultura é uma atividade antiga que visa explorar insumos obtidos de aves, principalmente ovos e carnes. As aves de rapinas são treinadas para auxiliar em caçadas, e as aves ornamentais passaram a ser itens de coleção. Atualmente, elas são consideradas por muitos animais de companhia, semelhantes a cães, gatos e cavalos. Assim, a sociedade exige cada vez mais o manuseio adequado, bem como os cuidados para se manter o bem-estar de qualquer espécie. As aves estão presentes na rotina clínica veterinária, e seus cuidados não devem ser negligenciados. Além do mais, é obrigação do médico veterinário intervir para o bem-estar animal, de acordo com o artigo 4o do Capítulo I da Resolução CFMV no 722, de 16 de agosto de 2002.

O diagnóstico e controle da dor são semelhantes aos dos cães e gatos. O protocolo de tratamento deve ser adequado de acordo com a duração, a gravidade, o tipo e a qualidade da dor. A ausência de tratamento ou a abordagem inadequada pode retardar a recuperação do animal, ter efeito negativo na homeostase e predispô-lo a doenças.3 Assim como nas demais espécies animais, os principais grupos farmacológicos na terapia analgésica são: anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), anestésicos locais e opioides.

Além da intervenção farmacológica, outras medidas devem ser consideradas no controle da dor. Uma imobilização, assim como uma bandagem adequada, acelera a recuperação e, consequentemente, interfere positivamente no tratamento analgésico. O manejo ambien-tal também é importante, pois ele diminui o estresse do animal. Outro fator importante é manter o local de recuperação seco, quente, silencioso e com fornecimento adequado de comida, água, cama e poleiros.

As pesquisas sobre limiar de dor e o efeito dos analgésicos são limitadas em aves, assim como as informações sobre farmacocinética e farmacodinâmica desses agentes nas diferen-tes espécies aviárias. Edling e Rollin citam que o controle da dor é o tópico mais alarmante com relação à manutenção da qualidade de vida das aves e demais animais. Esses mesmos

36 TRATAMENTO DA DOR EM AVESValéria Veras de PaulaDaniel Matsumoto Sakai

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autores fizeram um levantamento bibliográfico mostrando que as publicações entre 1998 e 2008 sobre analgesia em aves, que gira ao redor de 49 referências, é muito menor do que as de cães e gatos, com 412 e 215 referências, respectivamente.

Nesse contexto, este capítulo tem o objetivo de servir como um guia para o clínico veterinário no que concerne a analgesia em aves, além de estimular novas discussões e pesquisas nessa área.

AVALIAÇÃO DA DOR NAS AVES

A dor é um sinal vital, e os sinais de dor são sempre descritos por modelos comportamen-tais. As escalas de dor têm sido tópico de trabalhos desenvolvidos por vários profissionais. Esse tem sido um passo importante, pois os têm que interpretar a dor mais pelo compor-tamento do que pela comunicação verbal, não somente para avaliar o grau de dor como também a eficácia das medicações e protocolos utilizados.

Duas grandes dificuldades no tratamento analgésico das aves são identificar e quantifi-car a dor nesses animais para, então, empregar os protocolos analgésicos.2,3 As aves podem demonstrar uma resposta comportamental complexa à dor. Para muitas espécies (presas), é desvantajoso sinalizar doença para os predadores, e assim, elas optam por ocultar a pre-sença da dor.2,3 A incapacidade tanto do médico veterinário quanto do dono de reconhecer o sofrimento das aves limita o controle de dor nessas espécies.3 Contudo, se houver dano tecidual e/ou a ave apresentar mudança de postura, temperamento e comportamento, de-ve-se assumir que a ave está com dor. Dessa maneira, deve-se seguir o princípio da ana-logia, ou seja, a visão antropológica, na qual um evento que cause dor no homem causará também no animal e na mesma intensidade.

Sakai e Fantoni adaptaram a escala objetiva de Melbourne (Tabela 36.1) para duas espécies de papagaio: Amazona amazonas e Amazona aestiva (dados não publicados). Os presentes autores adaptaram a escala objetiva de Melbourne para duas espécies distintas de papagaio (Amazona amazona e Amazona aestiva). Os valores obtidos nessa escala va-riavam de acordo com respostas fisiológicas e comportamentais. Alguns parâmetros uti-lizados na escala original foram excluídos, por serem de difícil obtenção nessas espécies e por aumentarem o estresse.

Os pacientes com escore igual ou maior do que 8 devem ser considerados com dor e/ou com tratamento analgésico ineficaz, necessitando-se ajustar o manejo da dor. O emprego dessa escala pode ser considerado em outras espécies aviárias, além dos papagaios, para auxiliar no diagnóstico e na avaliação de dor. Recomenda-se, mesmo com escore baixo na escala, utilizar analgésicos em situações consideradas dolorosas ao homem, pois existe a possibilidade de a ave ocultar os sinais de dor, como já mencionado.

INDICADORES FISIOLÓGICOS DA DOR

Muitas variáveis fisiológicas, como as frequências cardíaca e respiratória, têm sido utiliza-das como indicadores de dor em populações que não conseguem se expressar verbalmente. Entretanto, vários estudos em humanos e animais já demonstraram que esses parâmetros não são eficazes como indicadores de dor. Por exemplo, em uma pesquisa com a pressão

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arterial de gatas submetidas à ovariossalpingo-histerectomia (OSH), verificou-se inicial-mente uma correlação da dor com essa variável. Contudo, em um ensaio clínico posterior, essa correlação não foi mantida. Em outro estudo, durante a retirada de penas em galinhas, a resposta da frequência cardíaca foi variável, mas a pressão arterial sempre aumentou.

Em animais, especialmente nas aves, essas variáveis podem ser afetadas por muitos fatores que influenciam o sistema nervoso autônomo: luz, som, temperatura, captura e manuseio do animal, estado de hidratação, entre outros. Portanto, eles não são considera-dos indicadores consistentes de dor.

O único indicador hormonal de estresse em aves é o glicocorticoide, corticosterona,4 pois ele aumenta significativamente em aves após uma grande quantidade de eventos estressantes. A corticosterona plasmática poderia ser utilizada como um marcador natu-

Tabela 36.1 Avaliação clínica do grau de dor do pacienteCategoria Descrição Escorea) Dados fisiológicos Variáveis dentro dos valores de referência 0Escolher apenas uma alternativa % de elevação da FR em relação ao valor

pré-operatório ou valor de referência> 20% 1> 50% 2> 100% 3Temperatura corpórea excede o valor

pré-operatório1

b) Resposta à palpação Sem alteração do comportamento 0Escolher apenas uma alternativa Reage ao ser tocada* 2

Reage antes de ser tocada* 3c) AtividadeEscolher apenas uma alternativa Dormindo, semiconsciente, acordado ou

comendo0

Irrequieta 2d) Estado MentalEscolher apenas uma alternativa Submisso 0

Andando continuamente 1Cautelosa 2Agressiva 3

PosturaProtegendo a área afetada 2Movendo-se 1Postura anormal (eriçamento de penas, por

exemplo)2

VocalizaçãoEscolher apenas uma alternativa Não vocaliza 0

Vocaliza quando tocada 2Vocalização intermitente 2Vocalização contínua 3

* Inclui virar a cabeça em direção da área afetada, tentar agredir, tentar bicar, ou adotar postura protetora. Escala de Melbourn modificada por Sakai e Fantoni (dados não publicados).

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ral para detectar o estresse causado pela dor. Entretanto, sabe-se que a própria coleta do sangue em aves também pode ser considerada um fator estressante. A corticosterona fecal pode também refletir os níveis séricos da corticosterona plasmática e é menos invasiva e estressante nas aves.2 Entretanto, Paul-Murphy et al.2 obtiveram alta variabilidade na concentração fecal de corticosterona após o tratamento analgésico em Tiribas-de-cara-suja (Pyrrhura molinae)5 e papagaios (Amazona ventralis),6 sem correlação com a eficácia do manejo da dor.

ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS

As aves podem ter a dor controlada com a utilização de anti-inflamatórios não esteroi-dais (AINEs) por inibirem a produção de prostaglandinas (mediadores da inflamação e de transmissão da dor). A administração preemptiva pode diminuir a sensibilização noci-ceptiva provocada pelo estímulo cirúrgico e reduzir a necessidade de opioides no período pós-operatório.3

A meia-vida e a biodisponibilidade dos AINEs administrados por via oral são menores em comparação aos mamíferos.3 Contudo, devido a serem ácidos fracos e terem alta afini-dade para conjugarem com proteínas, os AINEs tendem a se acumular em áreas inflama-das.3 Assim, a relação da concentração sérica com o tempo de duração de ação dos AINEs não está necessariamente correlacionada.

A utilização de AINEs pode apresentar efeitos indesejáveis nas aves. Ulceração gástrica, aumento no tempo de sangramento, regurgitação, tenesmo e nefrotoxicidade são possíveis efeitos adversos na utilização de AINEs.3,7 A utilização de cetoprofeno associado à propo-fol e à bupivacaína foi relacionada com o aumento da mortalidade e com a ocorrência de lesões renais letais.8 Portanto, deve-se ter cautela ao utilizá-los nessas espécies, principal-mente se for feita de maneira crônica.

Os principais agentes anti-inflamatórios não esteroidais utilizados nas espécies aviárias estão descritos na Tabela 36.2. É importante notar que as dosagens e frequências de apli-cação são espécie-específicos e que a extrapolação dessas interespécies deve ser utilizada com muita cautela.

ANESTÉSICOS LOCAIS E BLOQUEIOS REGIONAIS

Os anestésicos locais bloqueiam os canais de sódio, inibindo a transmissão de impulsos nociceptivos. A utilização de bloqueios regionais reduz a sensibilização central. A lido-caína deve ser diluída para utilização em pequenos pássaros (1:10, no mínimo), pois a intoxicação pode levar a convulsões e morte. Recomenda-se utilizar, no máximo, 4 mg/kg de lidocaína em aves, e a dosagem de 2,7 mg/kg de bupivacaína já produz efeitos tóxicos.9 Contudo, a adição de vasoconstritores permitiu a utilização de dosagens de até 20 mg/kg de lidocaína e 5 mg/kg de bupivacaína sem apresentação de efeitos colaterais em bloqueios de plexos braquiais.10

Os procedimentos cirúrgicos em asas são comuns na rotina clínica de animais silves-tres, para excisão de tumores, cistos ou procedimentos ortopédicos. A técnica de bloqueio do plexo braquial deve ser considerada para diminuir o requerimento do anestésico geral e

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No tratamento da dor destacam-se três modalidades não farmacológicas amplamente di-fundidas acupuntura, fisioterapia e homeopatia (Capítulo 38).

ACUPUNTURA E ANALGESIA

Introdução

A acupuntura é parte integrante da medicina tradicional chinesa (MTC) e as suas bases datam de mais de 2.500 anos. Hoje em dia faz-se pesquisa na área da MTC por todo o mundo, aliando-se os conhecimentos antigos aos mais recentes meios de pesquisa e diag-nóstico.

Em meados da década de 1980 os estudos em acupuntura voltaram-se para a analgesia e atualmente ela é considerada um meio efetivo para alcançar a analgesia sistêmica endó-gena. Foi recentemente incluída nas listas de tratamentos médicos da Organização Mun-dial da Saúde (OMS)6 e reconhecida como especialidade veterinária no Brasil.8

Ela promove efeitos fisiológicos em diversos sistemas internos e pode ser indicada no tratamento de várias doenças.8

Bases científi cas

A acupuntura é uma terapia reflexa em que o estímulo de uma região age sobre outras. Para esta finalidade, utiliza principalmente o estímulo nociceptivo, que é composto por estímu-los em receptores específicos para a dor e terminações nervosas livres de fibras aferentes. Ocorre transformação do estímulo mecânico, térmico ou químico em impulso nervoso.5

Existem três mecanismos que embasam a teoria da analgesia pela acupuntura.6 O pri-meiro relata que há a estimulação de fibras nervosas aferentes em músculos, que enviam impulsos nervosos ao trato anterolateral da medula espinhal. Na medula há um bloqueio pré-sináptico com a liberação de encefalinas e dinorfinas, que previnem o envio da men-sagem de dor ao encéfalo e consequentemente o reconhecimento cognitivo do estímulo de dor.20 O segundo mecanismo seria a estimulação de áreas encefálicas relacionadas com

37 ACUPUNTURA E FISIOTERAPIA

Ayne Murata Hayashi Carolinne Torres Silva Dias

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sinais que causam a liberação de neurotransmissores, como a norepinefrina e a serotonina na medula.20 Essas substâncias, por sua vez, também atuam impedindo que o estímulo de dor ascenda pelo trato espinotalâmico. Por último, mas não menos importante, tem-se a estimulação do complexo hipotálamo-pituitária, que leva à liberação de beta-endorfinas na corrente sanguínea.6

A eletroestimulação atua em três níveis: na medula espinhal, liberando dinorfinas para a realização de analgesia segmentar e localizada; no encéfalo, induzindo analgesia regional pelo sistema de liberação de serotonina-encefalina, e do consequente aumento do limiar de dor como um todo.7

Um trabalho demonstrou que dois dos pontos mais utilizados na analgesia em acu-puntura, o estômago e o intestino grosso, quando estimulados e após atingir a sensação de De-Qi (sensação específica relativa à inserção correta da agulha), ativam o hipotálamo e o núcleo accumbens e inibem a parte rostral do córtex cingulado anterior, amígdala e o com-plexo hipocampal. Isso nos leva a pensar que pontos de grande função analgésica ativam áreas de caminho antinociceptivo descendente e deprimem as áreas do sistema límbico que conhecidamente se relacionam com a percepção de dor.6

Mecanismos de ação da acupuntura

A ação da acupuntura começa com o ponto de acupuntura sendo uma área cutânea que apresenta baixa resistência elétrica e grandes concentrações de terminações nervosas livres.8 As agulhas de acupuntura desenvolvem um potencial elétrico na ponta (1.800 µV) capaz de provocar a despolarização da membrana da célula nervosa adjacente. Des-sa forma o estímulo da acupuntura é transmitido do acuponto para a medula espinhal através dos nervos periféricos aferentes. Os resultados da acupuntura estão relacionados com o estímulo que é feito no acuponto, ou seja, intensidade, duração e frequência do estímulo.

A eletroestimulação em alta frequência (acima de 100 Hz) aparentemente recruta mais fibras do tipo A-delta e proporciona grande, porém rápida, analgesia local. Já a estimulação em baixa frequência (entre 2 e 15 Hz) tem demonstrado grande recrutamento de fibras lentas dos tipos C e A-beta e melhor analgesia em casos de dor crônica, principalmente menos localizada e com aspectos cognitivos fortes.6 A utilização da eletroacupuntura com alternância de frequências parece ser, no entanto, o melhor meio de tratar uma dor aguda com a permanência, por períodos prolongados, dos efeitos analgésicos.

Mecanismos não relacionados com os opioides

A administração de fármacos antagonistas opioides (naloxona) após a constatação da anal-gesia pela acupuntura foi bastante utilizada na comprovação da conexão entre a analgesia por acupuntura e a liberação de opioides endógenos, pela reversão parcial ou total dessa analgesia.6 Entretanto alguns experimentos falharam em demonstrar a reversão da analge-sia por acupuntura após a administração de naloxona.

A modulação do sistema límbico-hipotalâmico,6 assim como a liberação de neurotrans-missores como a serotonina (SE) e a norepinefrina (NA), está comprovadamente relaciona-da com a analgesia por estímulo nos acupontos. A liberação de hormônios e as alterações

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nos fluxos sanguíneos regionais, periféricos ou centrais também podem ser incluídas nas mudanças orgânicas observadas.7

A acetilcolina também parece atuar na analgesia produzida pela acupuntura, pois ini-bidores desse neurotransmissor diminuem a ação analgésica produzida pela técnica, en-quanto seus precursores a potencializam.

Mecanismos relacionados com os opioides endógenos

A liberação de opioides endógenos durante a acupuntura já está muito bem descrita na literatura.

O estímulo em baixa (2-4 Hz) ou média (15-30 Hz) frequência produz analgesia rever-sível por naloxona e provavelmente está mais relacionado com a liberação de endorfinas e encefalinas.6 Como essas substâncias apresentam tendência a se acumular, observa-se uma analgesia mais duradoura. No caso da utilização de frequências acima de 100 Hz, há relatos da participação de dinorfinas no estímulo analgésico. No entanto o uso da frequên-cia densa-dispersa de 2 Hz alternada a cada 3 segundos com 100 Hz, levando à liberação de dinorfina e metaencefalina, parece ser mais efetiva que o estímulo puro de alta ou baixa frequência.

Alguns autores relacionam a eletroestimulação de alta frequência com a ativação de receptores opioides kappa (κ), assim como a eletroestimulação de baixa frequência com os receptores opioides mi (µ) e delta (δ). E a estimulação média seria capaz de estimular os três receptores, sendo esta, portanto, a melhor forma de estimulação para a manutenção de boa analgesia por um longo período.6

Instrumentação e métodos de estimulação da acupuntura

Diversas técnicas podem ser atribuídas ao tratamento de acupuntura visando ao benefício máximo do paciente. Entre elas podemos citar, além da técnica tradicional de estimulação manual das agulhas inseridas (Figura 37.1): eletroacupuntura (Figura 37.2), moxabustão, aquapuntura, hemopuntura, laserpuntura (Figura 37.3), implantes permanentes de ouro, auriculopuntura, Tui-na, entre outras.8

Antes da aplicação da acupuntura devem-se realizar exame físico e anamnese comple-tos e estabelecer um diagnóstico. O proprietário deve estar ciente e optar entre as modali-dades de tratamento cirúrgico ou medicamentoso, além da acupuntura.8

Indicações analgésicas

O tratamento da dor está diretamente associado à melhora da qualidade de vida do pa-ciente.17 A acupuntura é integrada no tratamento da dor tanto em quadros agudos como crônicos oriundos de diversas afecções e condições clínicas, principalmente em idosos.

Angeli et al.2 obtiveram 79,6% de recuperação em cães e gatos submetidos a acupuntu-ra, e a maioria das doenças estudadas tinha origem neurológica (63%) e/ou musculoesque-lética (10%), demonstrando que estas representam as principais indicações da acupuntura na rotina veterinária. As desordens neurológicas constituem o primeiro grupo de afecções diagnosticadas e tratadas por acupuntura, sendo as mais comuns a dor e a paraparesia ou

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