2012 - Amaral
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Centro Universitrio do Distrito Federal UDF Coordenao do Curso de Direito
Maria Amlia do Amaral
A REINSERO SOCIAL DO APENADO: NECESSIDADE DE POLTICAS PBLICAS EFETIVAS
Braslia 2012
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Maria Amlia do Amaral
A REINSERO SOCIAL DO APENADO: NECESSIDADE DE POLTICAS PBLICAS EFETIVAS
Trabalho de concluso de curso apresentado Coordenao de Direito do Centro Universitrio do Distrito Federal - UDF, como requisito parcial para obteno do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Alberto Gomes Santana Carneiro.
Braslia 2012
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Reproduo parcial permitida desde que citada a fonte.
Amaral, Maria Amelia do.
A Reinsero Social do Apenado: Necessidade de Polticas Pblicas
Efetivas / Maria Amelia do Amaral. Braslia, 2012. 142 f.
Trabalho de concluso de curso apresentado Coordenao de Direito do Centro Universitrio do Distrito Federal - UDF, como requisito parcial para obteno do grau de bacharel em Direito. Orientador: Alberto Gomes Santana Carneiro.
1. Direitos Fundamentais. 2. Sistema penitencirio 3. Polticas
pblicas. 4. Reinsero social. I. Ttulo
CDU 343.848
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Maria Amlia do Amaral
A REINSERO SOCIAL DO APENADO: NECESSIDADE DE POLTICAS PBLICAS EFETIVAS
Trabalho de concluso de curso apresentado Coordenao de Direito do Centro Universitrio do Distrito Federal - UDF, como requisito parcial para obteno do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Alberto Gomes Santana Carneiro.
Braslia, 26 de maio de 2012.
Banca Examinadora
_________________________________________ Prof. Alberto Gomes Santana Carneiro
Presidente Professor Mestre Centro Universitrio do Distrito Federal - UDF
__________________________________________ Prof. Vincius Fialho Reis
Examinador Professor Mestre Centro Universitrio do Distrito Federal - UDF
___________________________________________ Prof. Hildebrando SantanaI Gomes Carneiro
Examinador Professor Doutor Centro Universitrio do Distrito Federal - UDF
Nota: 10 (dez)
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Dedico este trabalho
A Deus, meu Criador e Pai, que me inspirou e conduziu para a realizao deste estudo;
Ao meu Senhor Jesus, razo e fora da minha vida;
Aos meus pais, que me ensinaram o amor ao prximo, mandamento supremo que sempre norteou os meus passos;
As minhas amadas filhas e aos meus netos, onde encontro fora e alegria para viver.
A minha querida famlia, pela torcida,
E a todos que sempre depositaram sua confiana em mim.
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AGRADECIMENTOS
A elaborao dessa monografia no representa apenas a concluso de um Curso de Direito, mas, principalmente, a realizao de um sonho.
Por esse motivo, agradeo a Deus que me permitiu concretizar esse projeto, com fora e sade.
Agradeo tambm a minhas filhas, que sempre me apoiaram e suportaram as horas de ausncia, e a meus netos, cuja pureza e alegria me incentivaram nos momentos de cansao.
Agradeo, ainda, aos que contriburam para a elaborao desse trabalho, em particular aos servidores da Vara de Execues Penais e Medidas Alternativas VEPEMA, que me apoiaram em todas as fases do estudo de campo.
Por fim agradeo, com profundo sentimento de gratido, ao Professor Alberto Carneiro, meu Orientador, que com humanidade e nobreza de carter, direcionou-me com maestria.
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Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros;
Assim como eu vos amei, que tambm vs vos ameis uns aos outros.
Nisto, pois, conhecero todos que sois meus discpulos, se tiverdes amor uns aos outros.
Joo 13:34-35
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RESUMO
O presente trabalho procura analisar o tratamento assistencial penitencirio
dispensado ao preso e ao egresso, e sua coerncia com os princpios de dignidade
humana e o exerccio dos direitos fundamentais preconizados pela Constituio
Federal de 1988. O estudo deveu-se patente situao de crise em que se encontra
o sistema penitencirio brasileiro, sobretudo no Distrito Federal, no tocante
ressocializao do apenado e sua reinsero vida livre. Nesse sentido, foi
realizada pesquisa de campo na Vara de Execuo Penal e Medidas Alternativas
VEPEMA, Braslia, bem como pesquisa bibliogrfica, apontando a urgente
necessidade de polticas pblicas efetivas, a fim de viabilizar o exerccio dos direitos
sociais consubstanciados pelo texto constitucional, por parte do apenado e do
egresso, de modo a permitir-lhe uma vida mais digna e humanizada.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Sistema Penitencirio. Polticas Pblicas.
Reinsero Social.
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ABSTRACT
This paper analyzes the treatment meted out to the prison healthcare arrested and
egress, and their consistency with the principles of human dignity and the exercise of
fundamental rights envisaged by the Constitution of 1988. The study was due to the
patent situation of crisis that is the Brazilian penitentiary system, especially in the
Federal District, regarding the rehabilitation and reintegration of the convict to free
life. Accordingly, we performed field research in the Court of Criminal Enforcement
and Alternative Measures - VEPEMA, Brasilia, as well as literature, pointing out the
urgent need for effective public policies in order to facilitate the exercise of social
rights embodied by the Constitution, for part of the convict and egress, to allow him a
more dignified and humane.
Keywords: Fundamental Rights. Prison System. Public Policies. Social Reintegration.
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SUMRIO
1 INTRODUO ....................................................................................................... 12
2 HISTRICO GERAL DOS SISTEMAS PENITENCIRIOS................................... 14
2.1 OS SISTEMAS PENITENCIRIOS ..................................................................... 14
2.2 EVOLUO DOS SISTEMAS PENITENCIRIOS ............................................. 16
2.2.1 O Sistema Pensilvnico (Ou Filadlfico) ...................................................... 20
2.2.2 O Sistema Auburniano ................................................................................... 22
2.2.3 O Sistema Progressivo .................................................................................. 25
2.2.4 O Sistema Progressivo Irlands ................................................................... 27
2.2.5 O Sistema de Montesinos .............................................................................. 29
2.3 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO .............................................................. 31
3 A REINSERO SOCIAL DO EGRESSO: FALNCIA DO SISTEMA
PENITENCIRIO ...................................................................................................... 35
3.1 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A FALNCIA NA PROPOSTA DE
REINSERO SOCIAL DO APENADO .................................................................... 35
3.2 SOCIALIZAO E RESSOCIALIZAO ............................................................ 38
3.3 A DESSOCIALIZAO ....................................................................................... 40
3.4 A PRISIONALIZAO COMO CONSEQUNCIA DA DESSOCIALIZAAO ...... 44
3.5 A ESTIGMATIZAO: RESULTADO CONCRETO DA FALNCIA DA
RESSOCIALIZAO PELO SISTEMA PRISIONAL ................................................. 45
4 A CONSTITUIO FEDERAL E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................... 49
4.1 OS DIREITOS HUMANOS E O PRESO ............................................................. 49
4.1.1 O Direito Dignidade Humana ..................................................................... 54
4.1.2 Cidadania: Um Direito de Todos ................................................................... 59
4.2 OS DIREITOS SOCIAIS E O PRESO ................................................................. 64
4.2.1 O Direito Educao ..................................................................................... 66
4.2.2 O Direito Ao Trabalho .................................................................................... 69
5 A ADMINISTRAO PBLICA COMO AGENTE RESSOCIALIZADOR:
ESPERANA DE UM TRATAMENTO MAIS JUSTO .............................................. 72
5.1 ARCABOUO JURIDICO-INSTITUCIONAL DE APOIO RESSOCIALIZAO
DO EGRESSO .......................................................................................................... 72
5.2 A NECESSIDADE DE POLTICAS PBLICAS EFETIVAS ................................. 77
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5.3 A REALIDADE NUMRICA REVELANDO FATOS ............................................. 84
5.4 RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO E SUGESTES PERTINENTES .. 90
6 CONCLUSO ........................................................................................................ 98
REFERNCIAS ....................................................................................................... 101
APNDICE A - PESQUISA DE CAMPO ................................................................ 104
ANEXOS...................................................................................................................125
ANEXO A FORMULRIOS CATEGORIA E INDICADORES PREENCHIDOS .... 126
ANEXO B ESCOLAS PENITENCIRIAS NO BRASIL ......................................... 129
ANEXO C RELATRIO DE INSPEO DO CNPCP ........................................ 131
ANEXO D CONVNIOS/CONTRATOS DE REPASSE ................................... 13534
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1 INTRODUO
Este trabalho monogrfico tem como objetivo evidenciar o tratamento
penal dispensado aos apenados, na forma de assistncia material, jurdica,
educacional e profissional, que se revelam incipientes em relao aos princpios de
dignidade humana e ao exerccio dos direitos fundamentais preconizados pela
Constituio Federal de 1988 e pelos dispositivos infraconstitucionais.
Com efeito, o sistema prisional, no decorrer das dcadas, adquiriu
contornos espantosos, de modo a se tornar motivo de preocupao para as
autoridades e para a opinio pblica. As constantes rebelies, que retratam a
problemtica realidade das experincias vividas pelos detentos, tm levado a
sociedade a refletir, de maneira mais amadurecida, a respeito dos reflexos desse
quadro em seu cotidiano.
O crescimento descontrolado e persistente da populao carcerria, no
obstante os esforos do Governo na gerao de mais estabelecimentos
penitencirios, um elemento revelador de que apenas a abertura de novas vagas
no se trata da melhor estratgia para solucionar a questo.
As estatsticas revelam que a maior parte da populao carcerria se
compe de reincidentes, seja pela falta de oportunidades encontradas na vida
extramuros, seja pela precariedade dos mtodos de ressocializao desenvolvidos
pela poltica carcerria.
A importncia do presente trabalho est em demonstrar, por meio de
pesquisa de campo realizada no Distrito Federal, a necessidade de polticas pblicas
efetivas, sobretudo nesta Unidade Federativa, no sentido de reinserir socialmente o
apenado proveniente do sistema prisional.
Para isso, o trabalho, em seu desenvolvimento, foi subdividido em quatro
captulos. No primeiro (seo 2 do Sumrio), discorre-se sobre o histrico geral dos
sistemas penitencirios, apresentando-se as principais atuaes realizadas, no
decorrer dos sculos, no sentido de viabilizar a reinsero do apenado vida livre
por meio, especialmente, do trabalho.
No segundo (seo 3 do Sumrio) abordada a questo da
ressocializao do apenado, conceito este que se ampliou no tempo, devido ao
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entendimento de que no apenas o trabalho seria responsvel pela reinsero do
condenado, mas que tal processo envolve outros fatores que precisam ser melhor
trabalhados, vez que no possvel ressocializar algum que sequer foi socializado.
Acresa-se o fato de que no crcere, isolado da sociedade para a qual
retornar, o detento no restabelece o processo de socializao, mas, ao contrrio,
desenvolve um comportamento inverso, face s peculiaridades inerentes ao sistema
prisional.
No terceiro (seo 4 do Sumrio) so analisados os direitos fundamentais
de liberdade e sociais elencados pela Constituio Federal de 1988, fundados no
princpio da dignidade humana e na faculdade do pleno exerccio da cidadania, cujo
respeito e concretizao so determinantes para a orientao de polticas pblicas
efetivas para a reinsero do apenado.
No quarto captulo (seo 5 do Sumrio) so apresentados os dispositivos
infraconstitucionais que objetivam garantir ao detento e ao egresso prisional sua
harmnica integrao ao mundo social, bem como as iniciativas do Estado no
sentido de promover esse retorno, por meio de polticas pblicas. Tambm so
expostos os resultados encontrados na pesquisa de campo realizada na VEPEMA,
em Braslia, em consonncia com a realidade estatstica revelada pelo Sistema
Integrado de Informaes Penitencirias INFOPEN.
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2 HISTRICO GERAL DOS SISTEMAS PENITENCIRIOS
2.1 OS SISTEMAS PENITENCIRIOS
No auge da era da ciberntica, do avano tecnolgico vertiginoso, as
descobertas cientficas se atropelam, pela rapidez com que acontecem: na rea da
sade, da eletrnica, da beleza, da economia, da medicina. Entretanto, outros
segmentos da vida humana estacionaram ou pouco avanaram no sentido de um
salto maior, mais arrojado, libertador. A vida humana nem sempre valorizada, de
modo a guardar coerncia com o que j foi alcanado, como almejaria uma
sociedade com tantas conquistas.
preciso voltar os olhos para o que revela a Criminologia e a Poltica
Carcerria para compreender que existe um vcuo entre a vida social e o mundo
criminal. do conhecimento de todos o manifesto ambiente para o crescimento da
violncia e do abuso aos direitos humanos que o sistema prisional apresenta. Como
tambm a forma com que o sistema carcerrio opera, em meio a problemas
estruturais patentes: superpopulao devido ao crescimento significativo das taxas
de aprisionamento, terrveis condies de deteno, que violam as normas
internacionais de direitos humanos e administrao precria, em funo da frgil
capacidade do Estado nessa rea, entre outros.
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notrio que um ambiente que funciona como aperfeioador do crime e
falha em proporcionar aos ofensores trabalho, educao, tratamento para o vcio em
drogas e apoio famlia, serve para aumentar e no para diminuir a probabilidade
de reincidncia no crime.
O desejo, entretanto, de possibilitar ao indivduo que comete um delito
uma boa readaptao ao meio social , historicamente, um dos maiores desafios
encontrados pelos governantes. Nesse sentido, h pelo menos 150 anos existem
sete mximas universais da boa condio penitenciria, segundo Michel Foucault
(1999, p. 237)1:
1 - A deteno penal deve ter por funo essencial a transformao do comportamento do indivduo; 2 - Os detentos devem ser isolados ou pelo menos repartidos de acordo com a gravidade penal de seu ato, mas principalmente segundo sua idade, suas disposies, as tcnicas de correo que se pretende utilizar com eles, as fases de sua transformao; 3 - As penas, cujo desenrolar deve poder ser modificado segundo a individualidade dos detentos, os resultados obtidos, os progressos ou as recadas; 4 - O trabalho deve ser uma das peas essenciais da transformao e da socializao progressiva dos detentos; 5 - A educao do detento , por parte do poder pblico, ao mesmo tempo uma precauo indispensvel no interesse da sociedade e uma obrigao para com o detento; 6 - O regime da priso deve ser, pelo menos em parte, controlado e assumido por um pessoal especializado que possua as capacidades morais e tcnicas de zelar pela boa formao dos indivduos
;
7 - O encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistncia at a readaptao definitiva do antigo detento.
H um sculo e meio atrs j existia a concepo de que o
encarceramento deveria aspirar transformao do indivduo a partir da educao e
do trabalho, buscando readapt-lo para o futuro regresso sociedade extramuros.
A histria da priso, contudo, no registra a sua progressiva evoluo,
mas a sua permanente reforma. Nos tempos atuais, a priso compreendida como
um mal necessrio e, como afirma Michel Foucault (1999, p. 157), a pena privativa
de liberdade a detestvel soluo de que no se pode abrir mo.
Permanece, pois, a convico de que o encarceramento uma injustia
flagrante, no apenas porque, como instrumento de controle social, revelou ser
1 Michel Foucault estabelece respectivamente os sete princpios da boa condio penitenciria
como sendo: princpio da correo, princpio da classificao, princpio da modulao das penas, princpio do trabalho como obrigao e direito, princpio da educao penitenciria, princpio do controle tcnico da deteno, e, princpio das instituies anexas.
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insuficiente e falvel, mas tambm por nele no se incluir os chamados agentes no
convencionais, ou seja, os criminosos de colarinho branco, conforme assevera
Alessandro Baratta (2002, p. 105), cujo prestgio social lhes confere tratamento
diferenciado, de natureza jurdico- formal (competncia de comisses especiais,
para certas infraes, escasso efeito estigmatizante das sanes aplicadas), como
de natureza socio-econmica (a possibilidade de recorrer a advogados de renomado
prestgio, ou de exercer presses sobre os denunciantes, entre outras).
2.2 EVOLUO DOS SISTEMAS PENITENCIRIOS
Dialogando com Cesar Barros Leal (2001, p. 33) tem-se conhecimento
que, na Roma Antiga, a priso era apenas um meio empregado para reter o
acusado, enquanto ele aguardava o julgamento ou a execuo, no constituindo
pois, um espao reservado ao cumprimento da pena.
Na Grcia, era costume encarcerar os devedores at que saldassem suas
dvidas, de modo a impedir-lhes a fuga. Se utilizavam crateras abandonadas, onde
os presos suportavam os maiores tormentos. Quando em forma de edificaes,
reduziam-se a lugares inspitos e pestilentos, de onde os presos no tinham
condies de se evadir (SARAIVA, Enciclopdia, 1977, p. 28).
As prises laicas da Idade Mdia, verdadeiros calabouos subterrneos,
construdos nas fortalezas, nos castelos, nos palcios e outros edifcios, mantinham
os presos no mais completo abandono, sem que houvesse por eles a menor
piedade. Famosos tambm na Idade Mdia e Moderna, a clebre Torre de Londres
e o Castelo de Spielberg, na ustria, os aposentos do Palcio Ducal, de Veneza, e
os subterrneos de Santo ngelo. Tambm merecem citao os tenebrosos nichos
de Monza, onde o condenado no podia colocar-se de p (SARAIVA, Enciclopdia,
1977, p. 29).
No sculo XVI, comearam a aparecer na Europa prises leigas,
destinadas a recolher mendigos, prostitutas, vagabundos e jovens delinqentes,
provenientes de uma srie de problemas na agricultura e de uma acentuada crise na
vida feudal. Tais prises tinham por fim segreg-los por um determinado tempo,
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durante o qual era intentada sua emenda, a partir de uma disciplina exageradamente
rgida.
Com esse mesmo propsito reformador, surgiram tambm no final desse
sculo, em Amsterdam, prises que se tornaram famosas, como a de Rasphuis,
para homens, onde davam nfase ao castigo corporal, ao ensino religioso e ao
trabalho contnuo; outros pases europeus, nelas inspiradas, fundaram
estabelecimentos semelhantes. (LEAL, 2001, p. 34)
No sculo XVII, algumas prises na Europa se humanizaram, tendo por
finalidade a recuperao do criminoso e o trabalho. Para os de melhor ndole
criaram-se as Casas de Trabalho: Londres, 1550, Nuremberg, 1588, Berna, 1615,
Viena, 1670, Florena, 1677 (SARAIVA, Enciclopdia, 1977, p. 30).
A construo de reformatrios, pela Igreja Catlica (Roma, Papa
Clemente XI e Clemente XII), foi considerada a primeira iniciativa com o objetivo de
correo e reforma moral do condenado, tanto na edificao apropriada como no
tratamento dos reclusos (SARAIVA, Enciclopdia, 1977, p. 28)
Porm, o modelo de onde se inspiraram os sistemas penitencirios atuais
consistiu no que outrora foi utilizado pelos mosteiros da Idade Mdia, adaptado e
incorporado sociedade moderna.
Em sculos passados, havia entre os cristos aqueles que, desejando
santificar-se, se retiravam espontaneamente do convvio social, recolhendo-se em
algum lugar sossegado, sem maior conforto, para fazer penitncia2. Esta consistia
em voltar-se sobre si mesmo, com esprito de compuno, para, reconhecendo os
prprios pecados, os prprios defeitos e arrependendo-se deles, dispor-se a no
tornar a pecar e corrigir os erros. Para isso, o penitente rezava, meditava e praticava
atos de mortificao e sacrifcios atos penitenciais.
Tais lugares eram especialmente destinados a esse fim. Entretanto,
existiam outros lugares, aos quais eram compulsoriamente recolhidos os cristos
condenados pela justia eclesistica, para ali cumprirem a penitncia que lhes fora
imposta, tendo como obrigao rezar, meditar, praticar atos penitenciais. O local era
um claustro, no qual o penitente ficava isolado e sozinho, separado do mundo
2 Precisamente do vocbulo penitncia, de estreita vinculao com o direito cannico, surgiram as
palavras penitencirio e penitenciria: os conceitos teolgicos-morais predominantes at o sculo XVIII, consideravam que o crime era um pecado contra as leis humanas e divinas.
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externo, por barras de ferro. Entre as regras de purificao encontravam-se a
fustigao corporal, a escurido e o jejum. (SARAIVA, Enciclopdia, 1977, p. 28)
Esse retiro tinha dois objetivos: seria uma forma de reparao ao dano
que praticou e o faria pensar e visualizar seu erro para que no tornasse a comet-
lo, e tambm era visto como uma reparao sociedade em si, uma vez que ao
estar afastado, ainda que por curto perodo, os demais indivduos estariam
protegidos do infrator e este estaria sofrendo uma pena pela conduta que praticara.
Tal ideia inspirou a construo da primeira priso destinada ao recolhimento de
criminosos, a House of Correction, construda em Londres entre 1550 e 1552,
difundindo-se pela Europa de modo marcante no sculo XVIII (BITENCOURT, 2004,
p. 39).
Atente-se para o fato de que ainda no podia se falar em sistema
penitencirio, algo que comeou a tomar forma nos Estados Unidos e na Europa a
partir da contribuio de um grupo de estudiosos, entre os quais se destacou John
Howard (LEAL, 2001, passim).
Devido sua desagradvel experincia de encarceramento no Castelo de
Brest e depois na priso de Morlaix, quando retornava de misso em Lisboa, em
1755, John Howard, xerife do condado de Belfast, impressionado com as
deficincias apresentadas pelas prises inglesas da poca, pregou e tomou iniciativa
de reformas nos estabelecimentos prisionais. (LEAL, 2001, passim)
Pelo interesse e dedicao com que se entregou pelo tema das prises
percorreu toda a Europa investigando e analisando os diferentes sistemas
penitencirios - Howard foi, at involuntariamente, o iniciador de uma corrente
preocupada com a reforma carcerria. Com profundo sentido humanitrio, nunca
aceitou as condies deplorveis em que se encontravam as prises inglesas, que
possuam funo meramente punitiva e terrorfica, servindo poca, somente como
instrumento de intimidao e controle poltico.
Sua profunda religiosidade levou-o a considerar a religio como o meio
mais adequado para instruir e moralizar. Props o isolamento dos delinquentes, com
a funo de favorecer a reflexo e o arrependimento, ideia essa que ganhou mxima
expresso no famoso sistema celular. Sugeriu o isolamento noturno e insistiu na
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necessidade de que as mulheres ficassem separadas dos homens, assim como os
criminosos jovens dos delinquentes velhos.
Props ainda a nomeao de pessoal carcerrio com elevado sentido
humanitrio e a convenincia da fiscalizao da vida carcerria por magistrados, que
se revezariam. Nisso estabeleceu as linhas fundamentais da figura do juiz de
execuo da pena. Compreendia a importncia do controle jurisdicional sobre os
poderes outorgados aos carcereiros, de forma a evitar abusos e prticas desumanas
no meio carcerrio (LEAL, 2001, passim).
Logrou xito no Parlamento Ingls, ao defender a votao de lei pela qual
ficaria a cargo do Estado o pagamento aos guardas e foi pioneiro ao defender a tese
de reforma do ru durante a execuo da pena.
Sua influncia em relao s reformas legislativas no foi muito
significante, no diminuindo contudo o valor de suas idias: evidenciou apenas as
tremendas dificuldades existentes para que um sistema penitencirio cumpra seus
requisitos mnimos. Sua obra, contudo, marca o incio da luta interminvel para
alcanar a humanizao das prises e a reforma do delinquente.
Suas ideias tambm foram bastante difundidas por Benjamin Franklin,
especialmente no que se refere ao isolamento do preso, uma das caractersticas
fundamentais do sistema celular pensilvnico ou filadlfico. Este foi o primeiro
sistema penitencirio, entre os trs que surgiram nos Estados Unidos, a partir do
sculo XVIII, sobre cujas bases filosficas se apoiam os sistemas penitencirios da
atualidade (LEAL, 2001, passim).
A obra de John Howard foi continuada com brilho por Jeremias Bentham,
filsofo e criminalista ingls que idealizou um modelo de priso celular, o pantico3,
um estabelecimento circular de onde, a partir de uma torre, uma s pessoa podia
exercer controle total dos presos, vigiando-os no interior de seus aposentos. O
pantico, segundo expe Foucault (1999, p. 109), foi idealizado a partir das medidas
de profilaxia adotadas nas cidades onde se declarava a peste no sculo XVII. Alm
do desenho arquitetnico, caracterizava-se por um regime que primava pela
separao, higiene e alimentao adequadas, alm da aplicao excepcional de
3 (pan=tudo, ptico=ver)
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castigos disciplinares. Este modelo arquitetnico foi adotado para a construo de
manicmios, hospitais, internatos, alm de prises (LEAL, 2001, pag. 35).
Apesar de o regime de confinamento solitrio ter sido amplamente
discutido por diversos tericos, ele foi primeiramente institudo nos Estados Unidos
ao final do sculo XVIII. Baseados neste modelo, porm diferentes em pontos
fundamentais, surgiram dois outros complexos semelhantes, o Sistema Pensilvnico
ou Filadlfico e o Sistema de Auburn, como veremos a seguir.
2.2.1 O Sistema Pensilvnico (Ou Filadlfico)
Pretendendo atenuar a dureza penal inglesa, Guilherme Penn, criador da
Colnia da Pensilvnia (1681), submeteu Assembleia Colonial da Pensilvnia a
chama Grande Lei a qual, limitava a pena de morte ao crime de homicdio e
substitua as penas corporais e mutilantes por penas privativas de liberdade e
trabalhos forados. Sua inovao durou pouco, contudo serviu de estmulo para o
surgimento de associaes destinadas a suavizar a condio dos presos e reformar
as prises. Por influncia dessas associaes, em 1786 foi modificado o Cdigo
Penal ingls: os trabalhos forados foram abolidos, a pena de morte passou a ser
aplicada em pouqussimos casos e generalizou-se a pena privativa de liberdade,
com a esperana de conseguir a recuperao dos condenados (BITENCOURT,
2004, passim).
A primeira priso norte americana foi construda em 1776, a Walnut Street
Jail. No jardim da priso (preventiva) foi levantado um edifcio celular, com o fim de
aplicar o solitary confinement aos condenados: isolamento em uma cela (da o nome
priso celular), orao e abstinncia total de bebidas alcolicas.
Segundo nos diz Cesar Barros Leal (2001, p. 35), consistia num regime
de isolamento, em cela individual, nua, de tamanho reduzido, nos trs turnos, sem
atividades laborais, sem visitas (exceto do capelo, do diretor ou de membros de
entidade que assistia os presos), em que era perseguido o arrependimento atravs
da leitura da Bblia, como nos penitencirios da Igreja. O regime, que alguns
denominaram como morte em vida foi adotado em outras prises nos Estados
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Unidos, especialmente na Europa, onde foi acolhido em pases como a Inglaterra,
Frana, Blgica, Sucia e Holanda, tendo subsistido at princpios deste sculo.
No foi aplicado contudo, o sistema celular completo, sendo o isolamento
em celas individuais imposto somente aos mais perigosos; os outros foram mantidos
em celas comuns, a quem era permitido trabalhar conjuntamente durante o dia.
A experincia iniciada em Walnut Street, onde comearam a brotar as
caractersticas do regime celular, sofreu grandes estragos e tornou-se um grande
fracasso; o regime disciplinar perdeu-se totalmente e a priso converteu-se em um
lugar onde imperava a desordem, transformando-se em uma verdadeira escola do
crime. A causa fundamental foi o crescimento extraordinrio da populao penal que
se encontrava recolhida na priso.
A partir de presses da sociedade da Filadlfia, foram construdas duas
novas prises, nas quais os presos eram encarcerados separadamente: a
Penitenciria Ocidental, em Pittsburgh (1818) e a Penitenciria Oriental (concluda
em 1829)4
Na priso ocidental (Western), foi utilizado o regime de isolamento
absoluto, onde no era permitido qualquer trabalho nas celas. Em 1829, ao ser
concluda a priso oriental (Estern), concluram ser impraticvel o regime do
isolamento sem trabalho, decidindo-se aliviar o regime atravs da permisso de
algum trabalho.
O sistema pensilvnico fundamentava-se no isolamento celular, na
obrigao estrita do silncio, na meditao, na orao. Esse sistema reduzia
especialmente gastos com vigilncia, como impedia, pela segregao individual, a
introduo de organizao do tipo industrial nas prises.
Hans Von Henting apud Cesar Bitencourt (2004, p. 65), fez um
comentrio ao descrever a visita que Charles Dickens fez Estern Penitenciary,
observando cela por cela e, aterrorizado com o silncio deprimente reinante:
Pem no preso uma carapua escura quando ingressa na priso. Desse modo, levam-no sua cela, de onde no sair mais at que se extinga a pena. Jamais ouve falar da mulher ou dos filhos, do lar ou dos amigos, da vida ou da morte que esto alm do seu caminho. Alm do vigilante no v nenhum rosto humano, nem ouve nenhuma outra voz. Est enterrado em
4 BITENCOURT, Cesar Roberto, op. cit., passim.
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vida, e s com o transcurso lento dos anos poder voltar novamente luz. As nicas coisas vivas ao seu redor so um estado angustiante, torturante e um imenso desespero (HENTING apud BITENCOURT, 2004, p. 65).
Dickens considerou que o isolamento total ocasionava grave prejuzo, se
convertendo na pior tortura, com efeitos mais dolorosos que os que o castigo fsico
podia produzir, e os seus danos, embora no evidentes, eram mais devastadores
que os produzidos no corpo do condenado.
Enrico Ferri apud Cesar Bitencourt (2004, p. 65), afirmando que o sistema
celular era uma das aberraes do sculo XIX, considerou-o desumano, estpido e
inutilmente dispendioso:
A priso celular desumana porque elimina ou atrofia o instinto social, j fortemente atrofiado nos criminosos e porque torna evidente entre os presos a loucura ou a extenuao. A Psiquiatria tem notado igualmente, uma forma especial de alienao que chama loucura penitenciria. O sistema celular no pode servir reparao dos condenados corrigveis precisamente porque debilita, em vez de fortalecer o sentido moral e social do condenado. Por ltimo, muito caro para ser mantido (FERRI apud BITENCOURT, 2004, p. 65).
O sistema pensilvnico (ou filadlfico) em suas idias fundamentais,
encontrava-se vinculado s experincias promovidas na Europa a partir do sculo
XVI e seguiu as linhas fundamentais que os estabelecimentos ingleses adotaram.
Tambm valeu-se de parte das idias de Howard e Bentham, assim como dos
conceitos religiosos do direito cannico. Foi duramente criticado pela severidade
imposta pelo isolamento, a qual impossibilitava a readaptao social do condenado,
em face de seu completo alijamento.
As condies rigorosssimas em que viviam, porm, conquanto
assegurassem um ambiente de ordem e disciplina, isento quase inteiramente de
fugas, e evitassem o contgio moral, a contaminao perversiva, por outro lado,
levavam ao sofrimento extremo, afetando a sade fsica e psquica dos presos e de
modo algum os preparava para o retorno sociedade livre (LEAL, 2001, p. 35). Essa
foi uma das razes que levaram ao surgimento do sistema auburniano, o qual
recebeu esse nome em virtude de ter sido a penitenciria construda na cidade de
Auburn, na cidade de Nova Iorque, no ano de 1818 (MIRABETE, 2003, p.249).
2.2.2 O Sistema Auburniano
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23
O sistema solitrio, que com o passar do tempo tornou-se mais ameno,
serviu de base para um novo sistema, cujas principais caractersticas eram o
isolamento celular, mantido no turno da noite, e a vida em comum durante o dia,
com observncia de absoluto silncio (silent system), regra essa cujo rigor era tal
que o seu descumprimento era punido com castigos corporais imediatos (LEAL,
2001, p. 36).
Esse sistema, conhecido como auburniano, porque se aplicou pela
primeira vez na penitenciria de Auburn, no Estado de Nova York, em 1816, dividia
os prisioneiros em 3 categorias: a primeira, composta pelos delinqentes
persistentes mais velhos, aos quais estava destinado o isolamento contnuo; a
segunda, em que se situavam os menos incorrigveis, a quem era permitido
trabalhar e permanecer nas celas de isolamento trs dias na semana e por fim, a
terceira categoria, que era composta por aqueles que ofereciam maiores esperanas
de serem corrigidos. A estes era imposto apenas o isolamento noturno, sendo-lhes
possvel trabalhar durante o dia, ficando no isolamento apenas um dia na semana
(BITENCOURT, 2004, p. 70).
Por se constituir de celas pequenas e escuras, onde no era possvel
trabalhar nelas, o confinamento solitrio causou a morte de 80 prisioneiros, e o
enlouquecimento de outros, o que causou o abandono do sistema e a permisso do
trabalho em comum dos reclusos, sob absoluto silncio e confinamento solitrio
durante a noite.
Von Henting apud Cesar Bitencourt (2004, p. 71) considerou, entretanto,
que o surgimento do sistema auburniano no se deveu a um sentimento humanitrio
ou de solidariedade humana, mas a fatores como os resultados desastrosos
advindos do sistema celular (mortes e loucura dos prisioneiros) e aos objetivos de
carter econmico, uma vez que as prises onde o isolamento ocorria at por trs
dias e os apenados trabalhavam em oficinas eram mais fceis de administrar e mais
baratas. O trabalho organizado e supervisionado permitia a obteno de benefcios
econmicos.
Por outro lado, a importante mudana ocorrida no incio do sculo XIX,
experimentada pela Amrica do Norte, quando a importao de escravos se
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24
restringia devido nova legislao e os ndices de natalidade e de imigrao no
atendiam demanda de trabalho, acompanhada do considervel aumento do nvel
de salrios, revelou-se como a causa maior, de acordo com Bitencourt (2004, p. 72),
da introduo do trabalho produtivo nas prises, ou seja, a motivao
predominantemente econmica da implantao do novo sistema.
Assim, uma das bases onde se apoiava o sistema auburniano, era o
trabalho, este realizado sob uma sujeio hierrquica cujo objetivo era, alm de
ensinar ao detento a obedecer regras, propiciar-lhe a vivncia em sociedade.
O sistema auburniano considerou o trabalho como um agente de
transformao, de reforma, idia essa que possui fortes defensores nos tempos
atuais. O ensino de um ofcio, o desenvolvimento de uma atividade laboral dentro da
priso, constitua-se em um meio de tratamento, cujo resultado poderia redundar na
reabilitao do delinquente.
Alm do trabalho, o sistema tambm impunha rgidas normas
disciplinares, e o poder de castigar era discricionrio, cruel e excessivo, sem
qualquer controle institucional. O castigo de chicotes ento utilizado visava a
recuperao do delinquente, como instrumento pedaggico e eficaz, uma vez que
no era considerado prejudicial sade, como ocorria com o isolamento. Por outro
lado, no interferia na integridade fsica do detento, e desse modo, no destrua sua
capacidade para o trabalho.
Algumas prises misturaram o rigor disciplinar e o ensino religioso, para
obter a recuperao do delinqente. Na priso de Sing Sing os detentos eram incen
tivados a decorarem grande quantidade de versculos bblicos, memorizao essa
que atingia o nmero de milhares de versos e dezenas de livros, contidos na Bblia.
O sistema auburniano imps-se nos Estados Unidos, mais que na Europa
esta inclinou-se pelo regime celular, como instrumento de intimidao e diminuio
da delinqncia e devido sua desnecessidade de mo-de-obra, a exemplo dos
EUA. Para este, o silent system era economicamente mais vantajoso que o celular,
porque permitia alojar maior nmero de pessoas na priso, diminuindo os custos de
construo, assim como possibilitava o desenvolvimento econmico, atravs da
utilizao eficiente e produtiva do trabalho prisional.
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25
Contudo, seu propsito veio por terra, em funo da presso das
associaes sindicais, que se opuseram atividade laboral na priso: estas
representavam menores custos e podiam significar competio com o trabalho livre.
Na priso de Sing Sing surgiram os conflitos mais graves entre sindicatos e
autoridades penitencirias. Conforme Vans Henting, em sua obra La Pena
(BITENCOURT, 2004, p. 74), alm dos argumentos de carter econmico, os
operrios entendiam que, se ensinassem um ofcio ou tcnicas aos presos, estes
poderiam ser incorporados s fbricas, fato esse que viria a desvalorizar aquele
ofcio perante os demais trabalhadores. Tais sentimentos expressam os
preconceitos j existentes poca e que se mantm vivos at os dias atuais,
designando o estigma carcerrio.
Os trabalhadores posicionaram-se contrrios ao trabalho carcerrio,
apoiados pela comunidade, que, atravs de um abaixo-assinado contendo 200.000
assinaturas, manifestaram-se no sentido de suprimi-lo, sob o pretexto que cidados
decentes no queriam trabalhar com ex-condenados. Assim, o egosmo
desenfreado, longe de pensar no bem comum, colocou os fins superiores do Estado
em segundo plano, nas palavras de Henting apud Bitencourt (2004, p. 75)
Esse sistema misto representou um inegvel avano em relao ao
modelo filadlfico, uma vez que atenuou a clausura e excluiu a contaminao moral,
atravs da disciplina severa e do sistema de absoluto silncio. Ambos os sistemas
tinham idias que evidenciavam a finalidade ressocializadora do detento, fosse
atravs do isolamento, do ensino de princpios cristos, de dedicao ao trabalho,
do ensino de um ofcio, ou pela imposio de castigos fsicos corporais. O sistema
auburniano, afastadas sua rigorosa disciplina e sua regra de silncio, constituiu-se
em uma das bases do sistema progressivo, aplicado em muitos pases.
2.2.3 O Sistema Progressivo
A ideia de um sistema penitencirio progressivo surgiu no final do sculo
XIX, no entanto, sua utilizao generalizou-se atravs da Europa s aps a I Guerra
Mundial. A adoo do regime progressivo coincidiu com a idia da consolidao da
pena privativa de liberdade como instituto penal (em substituio pena de
deportao e a de trabalhos forados) e o progressivo abandono da pena de morte.
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26
No decurso do sculo XIX, a pena de priso coexistiu com a deportao
s colnias e os trabalhos forados, modalidades punitivas que foram gradualmente
abandonadas, medida que se instalava a conscincia de que a execuo da pena
de priso fosse concebida como um tratamento que buscasse preparar o indivduo,
gradativamente, para a liberdade.
O cerne desse regime consistia em dividir em perodos o tempo de
condenao do recluso, e, de acordo com sua boa conduta e aproveitamento do
tratamento reformador, os privilgios que este poderia desfrutar iam-se ampliando.
Assim, antes do trmino da condenao, estava aberta ao detento a possibilidade de
sua reincorporao sociedade.
Tinha, pois, dois objetivos: constituir um estmulo boa conduta, de um
lado e de outro, conquistando a adeso do recluso, conseguir paulatinamente sua
reforma moral e a preparao para a vida em sociedade. Significou um avano
considervel, devido ao interesse que demonstrou pela vontade do recluso, alm de
diminuir o excesso de rigor dado pena privativa de liberdade.
Dentre esses sistemas, cabe mencionar a obra desenvolvida, no ano de
1840, na Ilha Norfolk, na Austrlia, pelo Capito Alexander Maconochie, cuja
inovao modificou a filosofia penitenciria. Nesse perodo, a Inglaterra enviava para
essa ilha os criminosos mais perversos, ou seja, aqueles que mesmo cumprindo
pena nas colnias australianas, voltavam a delinquir. Maconochie alterou
profundamente a vida desses reclusos, que viviam em condies desumanas, ao
adotar a substituio da severidade pela benignidade e os castigos pelos prmios.
Esse sistema consistia em medir a durao da pena por uma soma de
trabalho e de boa conduta imposta ao condenado. A referida soma era constituda
por certo nmero de marcas ou vales, os quais deveriam corresponder quantidade
necessria sua liberao, proporcional gravidade do delito. Diariamente, de
acordo com a quantidade de trabalho produzido, uma ou vrias marcas (ou vales)
lhes eram creditados, j deduzidos os valores correspondentes alimentao ou
outros. Caso apresentasse m conduta, era-lhe imposta uma multa.
O que remanescesse desse sistema de dbitos e crditos
corresponderia a pena a ser cumprida. Desse modo, Maconochie colocou nas mos
do condenado a sua prpria sorte, dando-lhe uma espcie de salrio, na forma de
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conta-corrente, deixando recair sobre ele a responsabilidade de sua manuteno e
despertando-lhe hbitos que, depois de livre, dificultariam a reincidncia
(BITENCOURT, 2004, passim).
O tempo de cumprimento da pena era dividido em trs fases: da prova, do
trabalho em comum e do livramento condicional. A primeira tinha a finalidade de
conduzir o apenado a refletir sobre seu delito. Este ficava em isolamento celular
diurno e noturno, no estilo pensilvnico, e podia ser submetido a trabalho duro e
obrigatrio, com regime de alimentao escassa. Na segunda fase, o apenado era
recolhido a um estabelecimento para submeter-se ao regime de trabalho em comum,
com a regra do silncio absoluto durante o dia e o isolamento noturno, nos moldes
do sistema auburniano.
Essa etapa era dividida em quatro subfases, as quais o recluso ia
galgando atravs do nmero de marcas que obtivesse e da conduta que
apresentasse. Ao final da ltima subfase, era introduzido no ltimo perodo, o do
livramento condicional. Este tinha o carter de prmio (recebia o ticket of leave), e o
condenado obtinha liberdade limitada, com restries s quais deveria obedecer.
Passado esse perodo, sem que nada determinasse sua revogao, obtinha sua
liberdade definitiva (LEAL, 2001, p. 37).
O sistema do Capito Maconochie teve grande sucesso, pois produziu na
populao carcerria o hbito do trabalho e favoreceu a emenda, extinguindo todo
tipo de motins e fatos sangrentos. Seu trabalho foi adaptado na Irlanda, entre 1854 e
1864, por Walter Crofton, que manteve as marcas e o aperfeioou, incluindo entre a
segunda e a terceira fases uma intermediria, na qual o recluso era transferido para
prises agrcolas, semiabertas, com regime mais brando e de trabalho no campo,
sem uniforme e podendo dialogar.
2.2.4 O Sistema Progressivo Irlands
Os sistemas progressivos, diferentemente dos sistemas pensilvnico e
auburniano, procuravam atender ao desejo inerente de liberdade dos reclusos,
incentivando-os a concorrerem a ela. Seu ponto principal estava na diminuio da
intensidade da pena, ante conduta e o bom comportamento do detento.
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28
Entretanto, embora bem elaborado merecia ser aperfeioado, no sentido
de capacitar o indivduo a viver em liberdade.
Nesse sentido, Walter Crofton, diretor das prises na Irlanda, fez a
introduo do sistema progressivo, promovendo modificaes que lhe conferiram o
status de criador do sistema progressivo irlands. Na realidade, foi um aperfeioador
do sistema ingls de Maconochie, introduzido na Austrlia, depois na Inglaterra.
Conforme mencionado anteriormente, e buscando preparar o recluso em
seu retorno liberdade, Crofton inseriu um perodo intermedirio entre as prises e
a liberdade condicional, este considerado como uma prova de aptido do apenado
para a vida em liberdade. Visava pois, possibilitar o contato com o mundo externo e
facilitar a reincorporao definitiva.
As fases pois seriam quatro: a de recluso celular diurna e noturna era
feita nos mesmos moldes do sistema ingls, com alimentao reduzida e cumprida
em prises locais; a segunda fase, composta do trabalho diurno, em comum com
outros apenados, com absoluto silncio.
Nesta fase tambm obtinham marcas e passavam por outras subfases,
as quais implicavam concesses e restries de acordo com o nmero de marcas
atingidas, como por exemplo, qualidade do trabalho, tipo de alimentao, nmero de
visitas, quantidade de cartas, condies da cama, etc. Esse modelo foi criticado, por
estimular a hipocrisia do apenado, interessado em acumular pontos para desfrutar
de maiores vantagens materiais (BITENCOURT, 2004, passim)
O perodo intermedirio, acrescentado por Crofton, ocorria entre a priso
comum e a liberdade condicional. Nessa fase, o recluso permanecia em prises
especiais, nas quais podia trabalhar ao ar livre, no exterior do estabelecimento, em
trabalhos agrcolas.
Neste lugar, a disciplina era mais suave, e se parecia mais com um asilo
de beneficncia do que com uma priso, pois no possua ferrolhos, nem muros. Os
apenados viviam como trabalhadores livres, em barracas desmontveis, dedicando-
se ao cultivo ou indstria, possuindo inmeras vantagens como no usar uniforme,
no receber castigo corporal, dispor de parte da remunerao, escolher o tipo de
trabalho que queria executar e se comunicar com a populao livre (BITENCOURT,
2004, p. 86).
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No perodo de livramento condicional, ltima das quatro fases, o apenado
recebia uma liberdade com restries e, com o cumprimento das condies obtinha,
finalmente sua liberdade plena.
O sistema irlands foi adotado em inmeros pases, devido aos
aperfeioamentos introduzidos por Walter Crofton e foi recepcionado pelo Cdigo
Penal Brasileiro de 1940, com alteraes e sem o uso de vales. Converteu-se, hoje,
em um sistema de individualizao cientfica, voltado para o tratamento do detento,
conservando, entretanto, muitas das caractersticas anteriores, segundo Bitencourt.
Apesar do grande xito e da boa repercusso que o sistema irlands alcanou, sua
efetividade tem sido questionada e sofreu modificaes substanciais, em pases
como Alemanha, Sucia e Dinamarca (LEAL, 2001, p 37).
2.2.5 O Sistema de Montesinos
O Coronel Manuel Montesinos e Molina, nascido na Espanha em 1792,
semelhana de John Howard, conheceu as limitaes da vida prisional, j que,
durante a guerra de independncia (1809) foi submetido a severo encarceramento
em Toulon, na Frana, por trs anos.
Nomeado posteriormente Governador do Presdio de Valncia, Espanha,
tornou-se um precursor do tratamento humanitrio dos reclusos; seu xito como
diretor do presdio de Valncia foi constatado pela diminuio do nmero de
reincidncias, as quais, ao assumir a direo atingiam o patamar de 35%, e, devido
aos seus dotes de liderana e fora de vontade, chegaram a quase desaparecer,
caindo para 1%.
Seu mtodo imps uma prtica penitenciria que inclua um respeito pela
pessoa do preso, de modo a que no lhe fossem aplicadas medidas ou tratamentos
que fizessem recair infmia ou desonra sobre aquele, no tendo nenhuma das
sanes a eles aplicadas carter infamante, como era frequente nas prises da
poca.
Sua obra caracterizou-se pela disciplina que impunha, no pela dureza do
castigo, mas pelo exerccio de sua autoridade moral. A obra prtica de Montesinos
tem como aspectos interessantes, entre outros, a importncia que deu s relaes
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com os reclusos, baseadas em confiana e estmulo e em uma construo de
autoconscincia nestes. Possua a firme crena na reforma moral do detento, a qual
no se traduzia em mera ingenuidade, pois encontrou o equilbrio entre o exerccio
da autoridade e a atitude pedaggica, de modo a reorientar o recluso. Montesinos
tinha a firme convico de que a funo do presdio era devolver sociedade
homens honrados e cidados trabalhadores, modificao essa que no se fundava
unicamente no sofrimento e na mortificao do delinqente.
Conforme Cezar Roberto, em suas reflexes Montesinos dizia que:
Convenceram-me enfim de que o mais ineficaz de todos os recursos em um estabelecimento penal, e o mais pernicioso tambm e mais funesto a seus progressos de moralidade, so os castigos corporais extremos. Esta mxima deve ser constante e de aplicao geral nestas casas, qual seja a de no envilecer mais aos que degradados por seus vcios vm a elas (...), porque os maus tratamentos irritam mais que corrigem e afogam os ltimos alentos de moralizao (MONTESINOS apud BITENCOURT, 2004, p. 90).
Desse modo, no presdio de Valncia, a disciplina era severa, porm
humana. Tal regra, contudo, no predominou no sculo XX, visto que na Inglaterra a
pena corporal foi abolida somente em 1948, continuando a ser aplicada at 1962,
somente em casos de motins, incitao a estes ou grave violncia contra oficial da
priso.
As idias de Montesinos continuam atuais, visto que o princpio de
legalidade deve reger o poder disciplinar prisional, onde a correo de faltas no
pode ficar ao absoluto arbtrio dos dirigentes, sem regras que determinem de algum
modo sua conduta. Da mesma forma que a pena privativa de liberdade, o castigo
corporal continua a ser uma necessidade, devendo, entretanto, respeitar o princpio
da legalidade e da dignidade humanas.
Outra concepo de Montesinos, que se mantm slida at os dias atuais
a de que o trabalho o melhor instrumento para se alcanar o propsito
reabilitador da pena. Em suas reflexes, insistia nas virtudes reabilitadoras do
trabalho e seus conceitos sobre sua funo teraputica foram to avanados que se
implantaram em muitos pases anos mais tarde.
Entendia que o trabalho prisional deveria ser remunerado, para despertar
o interesse do recluso por atividades produtivas; porm no ignorou o princpio de
que o trabalho devia servir como meio de ensinamento e benefcio moral do
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31
apenado, muito mais que o lucro ou forma de especulao que pudesse objetivar.
(BITENCOURT, 2004, passim).
No entanto, o regime laboral originou, por parte dos arteses e
fabricantes, queixas e reclamaes, em razo da competio que ocasionavam,
uma vez que os produtos elaborados no presdio eram de melhor qualidade.
Por outro lado no estavam sujeitos onerosa carga de impostos, razo
por que o governo atendeu aos clamores da indstria livre: alguns arrendatrios
diminuram a entrega de matria prima, provocando a queda de qualidade dos
artefatos, e seu conseqente descrdito. Essa diminuio na eficcia da produo
deu incio a uma srie de contrariedades, culminando no pedido de demisso por
parte de Montesinos, em 1854 (BITENCOURT, 2004, p. 92).
O instituto da liberdade condicional, frequentemente atribuda a
Montesinos a sua criao (obra essa que no se pode afirmar ser apenas dele, mas
resultado do pensamento de vrios tericos, visto que em muitos presdios
aplicavam-se medidas que convergiam para o referido instituto), foi, no presdio de
Valncia, introduzido por meio da reduo de uma tera parte na durao da
condenao, como forma de recompensa pela boa conduta do recluso, diminuio
que recebeu respaldo legal, na poca, atravs do art. 303 da Ordenao-Geral dos
Presdios do Reino, de 1834.
A obra de Montesinos foi extremamente importante, no obstante
realizaes anteriores tenham existido e atuado como preparaes prvias. Os
aspectos fundamentais de seu trabalho possui plena vigncia e marcou o incio de
uma importante viso penitenciria. O significativo progresso que Montesinos
conseguiu atravs do regime laboral possui reflexos na realidade de diversos
sistemas penitencirios, nos dias de hoje, revelia das enormes deficincias que
enfrentam.
2.3 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Desde seus primrdios, o encarceramento penal objetivava, ao mesmo
tempo, a privao da liberdade e a transformao do indivduo. Segundo Foucault
(1999, p.93), em volta da instituio carcerria permeiam, ao longo de quatro
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32
sculos, a questo jurdica do direito de punir e todos os seus problemas e
complexidades. Ao longo da histria dos sistemas penitencirios, verificamos
inmeros movimentos de reforma, que geraram projetos e mudanas no tratamento
dos detentos.
No mundo e no Brasil o desafio de devolver aos condenados hbitos
sociais, gerou ao longos dos anos interminveis debates sobre os meios de tornar
eficaz o sistema prisional. No Brasil, o Cdigo Criminal de 1830 regularizou as penas
de trabalho e priso simples. A partir do Cdigo Penal de 1890 foi abolida a pena de
morte e criado o regime penitencirio com a finalidade de ressocializar e reeducar o
preso, estabelecendo novas modalidades de priso e limitando as penas restritivas
de liberdade individual a, no mximo, trinta anos (PORTO, 2007, p. 14).
A primeira priso brasileira foi inaugurada em 1850 e denominada de
Casa de Correio da Corte, conhecida, nos dias de hoje como complexo Frei
Caneca, no Rio de Janeiro. Espelhando-se no modelo auburbiano, a tcnica punitiva
aplicada nesta casa de correo consistia na reabilitao dos presos por meio do
trabalho obrigatrio nas oficinas durante o dia e o isolamento celular noturno.
O trabalho era considerado no como punio ao criminoso, mas
indispensvel sua transformao, e utilizado de forma a extrair dos corpos dos
condenados o mximo de tempo e suas foras, obrigando-os a cultivar bons hbitos.
Contudo, no gozava de remunerao. Tambm foi adotado o isolamento noturno,
sob a regra do absoluto silncio, nos moldes do modelo penitencirio monstico,
adotado na Europa.
O isolamento visava propiciar aos detentos ambiente favorvel reflexo,
de forma a desvincul-los do pensamento criminoso, na forma como preceitua
Foucault (1999, p. 75), a solido a condio primeira da submisso total.
Em So Paulo, no ano de 1784, mesmo antes da regulamentao da
pena de priso, as pessoas eram encarceradas e mantidas em um grande casaro,
onde funcionava tambm a Cmara Municipal. Na parte inferior existiam as salas
destinadas ao aprisionamento, para onde eram levados os indivduos que cometiam
infraes, inclusive escravos, para aguardar as penas de aoite, multa ou o degredo.
O primeiro estabelecimento prisional paulista, denominado Casa de
Correio, comeou a funcionar em 1852, transformada hoje no Quartel Tobias
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33
Aguiar, da Polcia Militar. Obedecendo aos critrios de individualizao, os
condenados eram divididos em trs alas, sendo uma delas destinada a presos
polticos.
Face ao crescente nmero de detentos, em 1904 surge a idia de
construo da Penitenciria do Estado de So Paulo, inaugurada em 1920,
destinada a abrigar os 1.200 presos confinados naquele perodo. Foi considerada
modelar no Brasil, porque dispunha de oficinas de trabalho, enfermaria e celas
individuais.
Na dcada de 50, visando atender a individualizao judiciria da pena,
foram criados no Brasil os Institutos Penais Agrcolas. Em So Paulo, o primeiro
deles foi construdo em Bauru e posteriormente seguido pelos de So Jos do Rio
Preto e Itapetininga. Neste modelo, os detentos trabalhavam no campo durante o dia
e eram recolhidos em celas coletivas no perodo noturno.
Entretanto tal modelo foi objeto de polmica e indignao por parte da
sociedade, em face de os detentos trabalharem ao ar livre, no obstante na Europa
esse sistema progressivo ter sido aplicado com sucesso desde 1850, pelo Capito
Maconochie, e aperfeioado posteriormente por Walter Crofton, criador do sistema
progressivo irlands.
Conforme Porto (2007, p. 18), a partir da dcada de 60 o Brasil passa a
ter uma arquitetura prisional prpria: os projetos at ento copiados dos modelos
europeus e americanos foram adaptados realidade nacional. O primeiro desses
projetos foi denominado Espinha de Peixe, idealizado de forma a existir um espao
central para a circulao, e, agregados a este, mdulos separados entre si. Tal
modelo no se mostrou adequado, uma vez que permitia que os motins nascidos em
uma ala se comunicassem s demais.
Condenado esse modelo, o mesmo evolui retirando a Administrao de
dentro da unidade prisional, preservando-a das rebelies, de forma que a
Administrao ocupasse edificao isolada.
No caminhar da evoluo prisional brasileira, foi tentada tambm a
construo de estabelecimentos, seguindo o chamado Estilo Pavilhonar, em que
os pavilhes eram isolados uns dos outros, de modo a no permitir que motins e
rebelies se alastrassem. Possuam a vantagem de isolar ncleos de revoltosos,
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34
mas detinham a desvantagem de dificultar o acesso, a manuteno e a segurana
dos pavilhes (PORTO, 2007, passim).
Visando uniformizao dos projetos arquitetnicos, em 2005 o Conselho
Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria editou uma resoluo5 firmando
diretrizes para a construo de unidades prisionais no Brasil, cujas recomendaes
tm sido acatadas pelos Estados na construo de estabelecimentos prisionais.
Relativamente capacidade de presos por estabelecimento prisional, o
Brasil adotou a poltica mundial de limitar ao menor nmero possvel, a reunio de
condenados em um mesmo estabelecimento.
O nmero inicial idealizado pelo Ministrio da Justia, em relao aos
presdios de segurana mdia, sugerido para ter capacidade mnima de 300
detentos e mxima de 800, encontra-se inteiramente defasado, provocando a
superpopulao carcerria mais grave e crnico problema que aflige o sistema
prisional brasileiro, e originrio de suas inmeras deficincias.
5 Resoluo n 3, de 22/09/2005
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35
3 A REINSERO SOCIAL DO EGRESSO: FALNCIA DO SISTEMA PENITENCIRIO
A histria registra a constante reforma pela qual passaram os crceres e
as iniciativas adotadas por homens, no sentido de reabilitar o detento prisional. As
prises, para as quais foram utilizadas at mesmo crateras, evoluram em sua forma,
transformando-se em Casas de Trabalho e chegando aos sistemas penitencirios de
hoje.
Nesse caminhar, os castigos corporais foram abandonados, a pena de
morte passou a ser aplicada em pouqussimos casos e o isolamento completo foi
abolido, uma vez que impossibilitava a readaptao social do condenado, em face
de seu alijamento.
O ensino de um ofcio e o trabalho foram vistos como agentes de
transformao, de reforma, alm de sua funo teraputica. O instituto da liberdade
condicional por sua vez, visava possibilitar ao detento contato com o mundo externo
e facilitar a sua reincorporao definitiva.
Todas essas ideias evidenciavam a finalidade ressocializadora das
prises. Entretanto, o crescimento da populao prisional, por motivos sociais e
econmicos, revelou-se como um obstculo, entre outros, na execuo desse
propsito. No apenas no mundo, mas particularmente no Brasil, esse fator tornou-
se um limitador do processo de reabilitao do detento, como veremos a seguir.
3.1 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A FALNCIA NA PROPOSTA DE REINSERO SOCIAL DO APENADO
A superlotao dos presdios brasileiros encontra-se no mago da
problemtica nacional do sistemas penitencirios, conforme demonstram dados
fornecidos pelo Departamento Penitencirio Nacional6, em estatsticas realizadas
anualmente. A situao dos sistemas penitencirios desesperadora, em razo da
superlotao dos estabelecimentos prisionais e da alegada escassez de recursos
financeiros para a construo de novas penitencirias, como para reaparelhar os
presdios existentes.
6 Disponvel em: www.gov.br/depen
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36
Entre os problemas ocasionados pela superpopulao encontram-se as
situaes de tenso que elevam a violncia entre os presos, ocasionando
incidentes de rebelies, motins e greves de fome, os quais expem sociedade o
estado catico do sistema prisional.
Estes acontecimentos so os que trazem maior impacto sociedade a
respeito das condies desumanas do crcere; entretanto, a realidade carcerria
padece de uma quantidade desoladora de deficincias, que contribuem no sentido
de impossibilitar o alcance dos objetivos de reeducao e reinsero do egresso na
sociedade.
Quando a priso se converteu na principal soluo penolgica, a partir do
sculo XIX, persistia a crena de que esta poderia ser um meio adequado para
conseguir a reforma do detento. Durante anos predominou a convico de que a
priso poderia ser um meio confivel para realizar todas as finalidades da pena, e
que, dentro de certas condies, poderia reintroduzir o delinqente na sociedade, de
maneira satisfatria.
Esse pensamento alterou-se com o tempo, e atualmente predomina uma
certa atitude pessimista, a tal ponto que, afirmam os estudiosos, o sistema prisional
est em crise. Essa crise atinge tambm, e no poderia deixar de ser, o objetivo
ressocializador buscado pela pena privativa de liberdade, uma vez que, grande parte
das crticas e questionamentos referem-se impossibilidade de que efeitos positivos
possam ser auferidos pelos reclusos, a partir da experincia prisional.
(BITENCOURT, 2004, p. 154)
Os fundamentos onde se apiam os argumentos da ineficcia da pena
privativa de liberdade podem, segundo Bitencourt, ser resumidos em duas
premissas: a primeira considera que o ambiente prisional traduz-se como um
ambiente artificial, antinatural, onde se torna quase impossvel transformar em
social, de forma simplista, aos que chamamos de anti-sociais, especialmente em
face de sua dissociao da comunidade livre, e sua conseqente associao com
outros anti-sociais (BITENCOURT, 2004, p. 163). Conforme bem se pronuncia
Augusto Thompson,
Parece, pois, que treinar homens para a vida livre, submetendo-os a condies de cativeiro, afigura-se to absurdo como algum se preparar para uma corrida, ficando na cama por semanas; h fortes indcios de que a
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adaptao priso implica desadaptao vida livre.(THOMPSON, 1980, p. 13)
A segunda premissa diz respeito s condies materiais e humanas
existentes nos sistemas penitencirios, as quais tornam inalcanvel o objetivo de
reintegrao do indivduo ao meio social. Ressalte-se que tais deficincias no se
limitam a alguns pases apenas: a literatura relata com frequncia a crueldade e
desumanizao existente no ambiente carcerrio, tanto em pases de terceiro
mundo como em naes desenvolvidas.
De modo geral, existem caractersticas semelhantes em todos eles: maus
tratos verbais, fsicos (castigos, crueldades), superpopulao carcerria (que leva
falta de privacidade, a abusos sexuais), falta de higiene, explorao do trabalho do
preso ou completo cio, deficincia nos servios mdicos e no atendimento
psiquitrico, alimentao deficiente, consumo elevado de drogas, muitas vezes
incentivado por agentes penitencirios corruptos, homossexualismo, ambiente
propcio violncia, onde prevalece a lei do mais forte (BITENCOURT, 2004, p.169).
Cada uma das premissas comentadas faz parte da literatura
criminolgica, que as aborda amplamente. A Exposio de Motivos da Nova Parte
Geral do Cdigo Penal Brasileiro tambm traz a baila estas questes preocupantes:
26. Uma poltica criminal orientada no sentido de proteger a sociedade ter de restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ao crimingena cada vez maior do crcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanes outras para delinqentes sem periculosidade ou crimes menos graves. No se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal bsica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de priso se encontra no mago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute a sua limitao aos casos de reconhecida necessidade. 27. As crticas que em todos os pases se tem feito pena privativa da liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importncia social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a inutilidade dos mtodos at agora empregados no tratamento de delinqentes habituais e multirreincidentes, os elevados custos da construo e manuteno dos estabelecimentos penais, as consequncias malficas para os infratores primrios, ocasionais ou responsveis por delitos de pequena significao, sujeitos, na intimidade do crcere, a sevcias, corrupo e perda paulatina da aptido para o trabalho. 28. Esse questionamento da privao da liberdade tem levado penalistas de numerosos pases e a prpria Organizao das Naes Unidas a uma procura mundial de solues alternativas para os infratores que no ponham em risco a paz e a segurana da sociedade.
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Por outro lado, a Exposio de Motivos da Lei 7.210/84 registra ser do
conhecimento de todos que
100. ...grande parte da populao carcerria est confinada em cadeias pblicas, presdios, casas de deteno e estabelecimentos anlogos, onde prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou nenhuma nocividade, e pacientes de imposio penal prvia (presos provisrios ou aguardando julgamento), para quem um mito, no caso, a presuno de inocncia. Nestes ambientes de estufa, a ociosidade a regra; a intimidade, inevitvel e profunda.
Embora sendo objeto de constante preocupao por parte da sociedade
civil e jurdica, o sistema prisional brasileiro, que adotou o sistema progressivo
irlands, em sua metodologia, encontra-se em patente situao de falncia. A
finalidade da ressocializao deturpou-se no tempo, transformando o sistema
prisional em um retiro forado dos elementos criminosos, de modo a oferecer
sociedade a proteo que ela deseja (BITENCOURT, 2004, p. 172).
necessrio compreender que o processo da ressocializao no chega
a se cumprir, primeiramente porque impossvel cogitar-se ressocializar quem
sequer foi antes socializado. Acresce-se a esse fato o processo de dessocializao
pelo qual passa o apenado, ao adentrar no estabelecimento prisional, o qual produz
um efeito diametralmente oposto ao que pretende alcanar o objetivo
ressocializador.
Nesse contexto, se para a Psicologia Social a socializao um processo
pelo qual um indivduo aprende a adaptar-se ao grupo, pela aquisio de
comportamento aprovado por este, processo essencialmente aprendido a partir do
grupo em que se encontra, nos sistemas prisionais esse fenmeno mais se
aproxima da dessocializao, conforme exposto a seguir.
3.2 SOCIALIZAO E RESSOCIALIZAO
O processo conhecido como socializao pode ser definido como a
introduo do indivduo no mundo objetivo de uma sociedade e ocorre a partir do
momento em que o mesmo passa por um processo de interiorizao, que constitui a
base da compreenso de seus semelhantes, no qual os acontecimentos objetivos
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so interpretados como dotados de sentido. Segundo alguns autores, embora o
termo seja utilizado em relao a crianas, o processo genrico e, portanto,
aplicvel tambm a adultos: uma pessoa pode ser apresentada a grupos novos e
adquirir seus valores com qualquer idade (Dicionrio de Cincias Sociais, p. 1138)
Para o socilogo H. M. Johnson apud Jason Albergaria (1988, p. 119), a
socializao vai da infncia at a idade adulta e ocorre em quatro estgios. Nos dois
primeiros a famlia o principal agente socializante e ocorre at o terceiro ano de
vida. O terceiro estgio inicia-se a partir do quarto ano e vai at o dcimo segundo,
sendo o meio escolar o principal agente socializante. O ltimo estgio comea com a
puberdade. Nesse perodo o jovem deseja a emancipao do controle dos pais, e
prossegue a socializao com a aquisio da conscincia moral e a internalizao
de normas para a regulao pessoal do comportamento. A meta adulta ser
alcanada quando o indivduo possuir condies de manter-se independente dos
pais e constituir a prpria famlia. Nesse perodo o agente socializante o meio
profissional.
A socializao, pois, tem como finalidade inserir o indivduo numa
sociedade, atravs da interiorizao de normas, valores, atitudes e papis. Significa
aprendizagem ou educao, no sentido mais lato da palavra, aprendizagem essa
que comea na primeira infncia e termina com a morte da pessoa. medida que a
socializao acontece, se processam a dominao de certos impulsos indesejveis
e uma srie de ajustamentos a determinados padres culturais.
Com relao ressocializao, importante registrar que tal conceito
integrante do discurso jurdico. Erving Goffmann define ressocializao como um
processo mais drstico de derrubada e reconstruo de papis individuais. um
processo que requer grande controle sobre seus sujeitos, ocorrendo com freqncia
em sistemas rigidamente controlados, como prises e hospitais (Dicionrio de
Sociologia, 1997, p. 198).
A doutrinao forada de prisioneiros polticos, ou a desprogramao de
ex-conversos a cultos religiosos, como tambm a tentativa de reabilitar indivduos
que organizaram parte de suas vidas em torno do crime ou de extenso abuso de
drogas e lcool, so exemplos de ressocializao (Dicionrio de Sociologia, 1997, p.
199).
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A ressocializao, pois, designa o processo pelo qual o ser humano, ao
ser submetido, torna-se apto a viver novamente em sociedade, mediante a
assimilao de valores comuns ao grupo que pretende reingressar. Esse processo,
contudo, no se concretiza dentro do ambiente carcerrio, uma vez que um
fenmeno inverso passa a ocorrer, a partir do seu ingresso na comunidade
carcerria.
3.3 A DESSOCIALIZAO
Ao chegar ao estabelecimento prisional, o condenado inicia um processo
de despersonificao, que ir afetar significativamente o conceito que possui de si
mesmo. Tal fenmeno um dos aspectos que despertam srias dvidas a respeito
da potencialidade da priso como instituio ressocializadora, especialmente pelo
fato de esta ser classificada como uma das espcies de instituio total, construda
com a finalidade de proteger a comunidade contra aqueles que se constituem em
perigo para ela, e no apresenta uma finalidade de bem-estar para os internos
(GOFFMAN, 2008, p 11)
Erving Goffman (2008, p.11) descreve uma instituio total como um local
de residncia e trabalho onde um grande nmero de indivduos com situao
semelhante, separados da sociedade mais ampla por considervel perodo de
tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. As prises servem
como exemplo claro disso.
O indivduo chega ao estabelecimento com uma concepo de si mesmo
que em breve tempo ser alterada. A partir do momento em que se inicia o processo
de ingresso, inicia-se uma srie de rebaixamentos, degradaes, humilhaes e
profanaes do eu. Este, embora no intencionalmente, ser sistematicamente
mortificado, como descrito a seguir.
Geralmente, o processo de insero leva a um processo de perda, a qual
se inicia com os procedimentos de admisso: tirar fotografia, pesar, tirar impresses
digitais, atribuir nmeros, procurar e enumerar bens pessoais para que sejam
guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, receber instrues
quanto s regras, dirigir-se a um local designado (GOFFMAN, 2008, p. 19)
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Tais procedimentos poderiam ser denominados de programao, pois
ao ser enquadrado, o novo participante admite ser conformado e codificado como
um objeto inserido na mquina administrativa do estabelecimento. Pode, inclusive,
no ser mais chamado pelo nome, recebendo um codinome, e essa pode ser
tambm uma significativa mutilao do eu.
O processo de admisso, pois, pode ser caracterizado como uma
despedida e um comeo, e o ponto mdio do processo pode ser marcado pela
nudez, esta caracterizada tanto pela nudez fsica como pela retirada de seus bens
individuais.
Os bens individuais de uma pessoa tm uma relao muito grande com o
eu. A pessoa geralmente espera ter certo controle da maneira de apresentar-se
diante dos outros. Para isso precisa de roupas, pentes, cosmticos, toalha, sabo,
aparelho de barba, enfim, um estojo de identidade. Tudo isso pode ser tirado dele
ou a ele negado, o que tambm provoca um efeito de desfigurao pessoal. Na
admisso, pois, a perda de equipamento de identidade pode impedir que o indivduo
apresente aos outros sua imagem usual de si mesmo (GRAZIANO SOBRINHO,
2007, p. 50).
Outro aspecto a se observar o padro de deferncia obrigatria nas
instituies totais: a necessidade de apresentar atos verbais de deferncia
(senhor), o constrangimento de pedir, importunar, ou humildemente solicitar coisas
pequenas, como fogo para cigarro, um copo dgua ou permisso para usar o
telefone. (GOFFMAN, 2008, p. 30) 7
Os aspectos sociolgicos das instituies totais tambm no foram
esquecidos por Erving Goffman. Uma disposio bsica da sociedade moderna
que o indivduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com
diferentes pessoas, sob diferentes autoridades e sem necessariamente um plano
especial. O aspecto central das instituies totais pode ser descrito com a ruptura
7 Existe, a par disso, uma outra forma de mortificao: a exposio contaminadora. No mundo
externo, o indivduo pode manter objetos pessoais, seu corpo, suas aes e seus pensamentos fora de contato com coisas estranhas ou contaminadoras. No entanto, nas instituies totais esses territrios do eu so violados e esse espao invadido. Alimentos sujos, locais em desordem, privada sem assento, toalhas e instalaes sujas para o banho: esse o cenrio cotidiano em que, na maioria das vezes, estar inserido.
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das barreiras que normalmente separam esses trs aspectos da vida (GOFFMAN,
2008, p. 17).8
Existe, ainda, uma diferena bsica entre o grupo controlado e a equipe
de superviso: estes ltimos mantm contato com o mundo externo, ou seja, sua
integrao no interrompida. Cada grupamento tende a perceber o outro atravs
de vises, na maior parte das vezes, limitadas e hostis: a equipe dirigente v o grupo
controlado como amargos, reservados e no merecedores de confiana; por outro
lado, o grupo dirigente visto como arbitrrios, mesquinhos ou condescendentes.
Os controlados tendem a se sentir inferiores, fracos, censurveis e culpados,
enquanto os dirigentes superiores e corretos (GOFFMAN, 2008, p 35) .
O trabalho desenvolvido tambm apresenta sensveis diferenas. Em
condies normais da vida em sociedade, quando o trabalhador recebe o
pagamento pelo seu trabalho, pode gast-lo em casa ou em local de diverses: isto
um problema pessoal do trabalhador e ainda que, numa instituio total, o preso
receba qualquer incentivo pelo trabalho prestado, esse no ter a significao
estrutural que tem no mundo externo (GOFFMAN, 2008, p 39)
Ocorre, por outro lado, outro tipo de incompatibilidade em outro elemento
decisivo de nossa sociedade: a vida familiar e social. A vida familiar s vezes
contrastada com a vida solitria, mas, na realidade, um contraste mais acentuado
ocorre com a vida em grupo, pois embora aqueles que comem, dormem e trabalham
com um grupo de companheiros, ironicamente no conseguem manter uma
convivncia domstica significativa ou satisfatria (GRAZIANO SOBRINHO, 2007, p.
48).
Conforme Thompson, o cidado na vida civil, membro de uma famlia,
de um grupo de trabalho, de uma vizinhana, de uma comunidade que apresenta
grande variao de interesses e idades; a maioria dos adultos tem relaes scio-
sexuais de um padro permanente, contnuo, e usualmente heterossexuais, em
contraste com as relaes prisionais, que so temporrias (durao diferente das
sentenas), obrigatrias (pois desenvolvem-se numa mesma cela ou bloco de celas, 8 Em uma instituio total, todos os aspectos da vida so realizados no mesmo local e sob uma
nica autoridade. Cada fase da atividade diria do participante da instituio realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Todas as atividades dirias so rigorosamente estabelecidas em horrios e toda a sequncia de atividades imposta de cima, por um sistema de regras formais e por um grupo de funcionrios.
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ou ptio), com variaes estreitas de idade e relaes scio sexuais de natureza
homossexual (THOMPSON, 1980, p. 13).
Todo esse processo pelo qual passa o interno de uma instituio total
aplica-se ao sistema prisional. Este, como as demais instituies totais, mantm viva
a diferenciao entre o mundo institucional e o mundo externo, alimentando
constante tenso nos internos, como mecanismo de controle que . Uma das
barreiras que a instituio total impe, inicialmente, so as visitas vindas de fora e as
sadas do estabelecimento, o que assegura uma ruptura inicial profunda com os
papis anteriores e uma avaliao da perda do papel (GRAZIANO SOBRINHO,
2007, p. 49). Consoante o exposto e de acordo com as palavras de Thompson:
Ao se comparar com as pessoas do mundo livre, assalta ao preso a dramtica sensao de haver atingido o mais baixo ponto possvel de degradao, identificando-se como algo que no merece mais que indiferena, descaso e desprezo (THOMPSON, 1980, p. 63)
Desse modo, a primeira observao que se pode extrair que o sistema
prisional no se trata de uma miniatura do sistema livre, mas um sistema peculiar,
onde o indivduo confinado no se restringir a esperar o esgotamento da pena, de
modo a iniciar o processo de ressocializao. Ao contrrio, se engajar ao sistema
social da penitenciria, uma vez que se no o fizer, sentir-se- rejeitado duas vezes
(THOMPSON, 1980, p. 64)
Ao fazer da penitenciria a sua casa, e nela concentrando sua ateno,
esquecendo o que acontece no mundo livre, o recluso reduz as presses e as dores
que decorrem da permanente comparao entre seu estado atual e o da sociedade
livre e a concepo que tem de si mesmo obter grande melhoria.
Ao se engajar na cultura carcerria, o recluso submetido a uma nova
aprendizagem ou assimilao, semelhante ao processo de socializao descrito
anteriormente. Conhecido como prisionalizao, tal processo age como um
poderoso estmulo para que o recluso rejeite, de forma definitiva, as normas
admitidas pela sociedade exterior e sempre produzir graves dificuldades aos
esforos que so feitos em favor de um tratamento ressocializador, conforme Cezar
Bitencourt (2004, p. 187).
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3.4 A PRISIONALIZAO COMO CONSEQUNCIA DA DESSOCIALIZAAO
A prisionalizao ou aculturao, conforme Goffman, um processo
comum a todas as instituies fechadas, onde o recluso se adapta s formas de
vida, usos e costumes impostos pelos internos do estabelecimento penitencirios,
por no possuir outra alternativa. Essa aprendizagem mais ou menos rpida,
dependendo do tempo que estar sujeito priso: o recluso adota uma nova
linguagem, nova forma de vestir, desenvolve novos hbitos no comer, aceita o papel
de lder nos grupos de internos, faz novos amigos (2008, p. 36).
Conforme Cezar Bitencourt (2004, p. 78) os efeitos da prisionalizao
atinge todos os indivduos reclusos, em maior ou menor grau. O primeiro estgio
acontece ao ingressar no estabelecimento prisional, quando perde seu status,
transformando-se em um ser annimo, subordinado a um grupo (conforme referido
anteriormente, na descrio da despersonalizao nas instituies totais).
Augusto Thompson (1980, p. 24) acrescenta que ao ocorrer essa
assimilao lenta, gradual, mais ou menos inconsciente - o indivduo adquire
traos da cultura social em que foi inserido, a ponto de se tornar parte dela. Aprende
novos comportamentos como jogar ou aperfeioar-se no jogo, usar apelidos para
designar os companheiros, acostumar-se a comer rapidamente e a obter alimentos
atravs de truques usados pelos demais, adquirir comportamento sexual anormal,
desconfiar de todos, olhar com rancor os guardas e os demais companheiros, adotar
um linguajar local e peculiar, etc.. Por outro lado, ainda experimenta outros
sentimentos como a aceitao de um papel inferior e o desejo de arranjar uma
ocupao, para seu tempo ocioso.
Apesar de existir alguma incerteza quanto aos efeitos da prisionalizao,
inquestionvel ser um fator que produz graves dificuldades aos esforos feitos no
sentido de uma reconduo socializadora. O processo de assimilao (ou de
socializao) vivido pelo recluso faz com que este aprofunde sua identificao com
os valores criminais, cujos reflexos negativos ressocializao dificilmente ser
possvel evitar.
Tambm no resta esclarecida a estreita relao entre a prisionalizao e
a conduta do interno ao ser posto em liberdade (reincidncia). O que se pode inferir,
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contudo, que aps esse vestir e despojar-se social vivenciado pelo detento, o
retorno liberdade um grande desafio a ser enfrentado: para muitos ser uma fase
de readaptao, onde h a possibilidade de retornar ao convvio familiar, quando os
vnculos no foram perdidos.
Algumas consideraes so trazidas por Erving Goffman quanto ao
retorno do detento sociedade mais ampla, livre, fora do muros da priso. No
momento de seu retorno, embora o indivduo saiba o exato dia de sua libertao e
mais, tenha planos para sua sada, frequentemente sente-se angustiado quando tal
momento se aproxima. Tal angstia revela-se pela preocupao em conseguir
superar suas prprias limitaes. Conforme palavras do autor:
Muito frequentemente, a entrada significa, para o novato, que passou para o que poderia ser denominado um status proativo: no apenas sua posio social intramuros radicalmente diversa do que era fora, mas, como chega a compreender se e quando sai, sua posio social no mundo externo nunca mais ser igual que era (...) quando o status proativo desfavorvel, podemos empregar o termo estigma, e esperar que o ex-internado faa um esforo para esconder seu passado e tente disfarar-se (GOFFMAN, 2008, p.45)
Alm disso, Goffman acrescenta outros problemas: o primeiro o fato de
que o indivduo no se sente disposto a assumir as responsabilidades que deixou de
ter quando entrou no sistema penitencirio, e isso se deve perda ou
impossibilidade de adquirir os hbitos exigidos na sociedade civil livre. O segundo
refere-se ao estigma, porque o baixo status proativo adquirido tende a se
manifestar incmodo na sada, fazendo-se mais presente no momento de conseguir
um emprego, ou mesmo num local para viver (2008, p.69).
3.5 A ESTIGMATIZAO: RESULTADO CONCRETO DA FALNCIA DA RESSOCIALIZAO PELO SISTEMA PRISIONAL
Os estigmas criados no indivduo, principalmente pela ao da priso,
marcam-no de forma constante e grave. O estigma, termo de origem grega, referia-
se a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de
extraordinrio ou mal sobre o status moral de quem os apresentava. Eram feitos
com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, um
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criminoso ou um traidor, uma pessoa marcada, ritualmente poluda, que devia ser
evitada, especialmente em lugares pblicos (GOFFMANN, 1963, p 11).
Atualmente o termo usado de maneira um tanto semelhante ao sentido
original, contudo mais aplicado prpria desgraa do que sua evidncia
corporal. visto no apenas como desgraa, mas igualmente como um defeito, uma
fraqueza, uma desvantagem. Assim, um indivduo deixa de ser encarado como
criatura comum e total, e passa a ser reduzida a uma pessoa estragada e diminuda:
uma verdadeira discrepncia entre a identidade social virtual e a ide