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Afeganistão

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    JANUS 2013

    Com a aproximao de 2014 e a anunciada retirada das foras internacionais do territrio afego, a ateno dos analistas tem-se centrado na construo de cenrios sobre o futuro do pas aps aquela data. e as opinies dividem-se. duas teses confrontam-se e debatem argumentos.de um lado, temos os optimistas que consideram ser possvel s foras de segurana afegs mili-tares e polcias garantirem a sobrevivncia do actual regime e resistirem s investidas da subver-so. do outro, deparamo-nos com os pessimistas que anunciam o seu fim aps a sada das foras internacionais. Na realidade, no se trata exactamente de uma sada, porque permanecero foras no terreno, mas com efectivos e misses diferentes das ac-tuais. a futura fora da NaTo ter atribuda uma misso de assistncia e treino das Foras afegs, mas sem efectuar misses de combate. exclui-se a autodefesa. No entanto, registe-se que as foras armadas americanas continuaro no terreno com um contingente aprecivel.entre os pessimistas podemos encontrar diferen-tes nveis de pessimismo. Um relatrio recente do International Crisis Group afirma que o afeganis-to se encontra muito longe de reunir condies para assumir a responsabilidade da sua segurana quando as foras americanas e da NaTo se reti-rarem em 2014, mas no prognostica cenrios. mas outros, como Gilles dorronsoro, o reputado especialista em assuntos do afeganisto, referiu num relatrio da Carnegie Foundation, vo mais longe e pressagiam o regresso dos talibs ao po-der caso o governo pr-ocidental em Cabul seja incapaz de lhes resistir econmica e militarmen-te. Segundo ele, isso poder levar ainda alguns anos e ser precedido por uma guerra civil. por outras palavras, um dej vu.

    Uma esgrima de argumentos

    os defensores da tese optimista apresentam trs argumentos principais a seu favor: os talibs no tm sido capazes de pr em causa a transio, a qual tem decorrido nos moldes previstos, o que representa um sucesso. argumentam ainda que a esmagadora maioria dos incidentes tm lugar apenas numa reduzida poro do territrio, onde predominam os pasthuns, o grupo tnico em que assenta o poder dos Talibs. Segundo, a consi-dervel melhoria da capacidade operacional das foras de segurana afegs verificada nos ltimos trs anos so uma garantia da sustentabilidade do regime. estava previsto que os efectivos che-gassem aos 352.000 no final de 2012. a capaci-dade para conduzir operaes ofensivas duplicou no ltimo ano. participam em cerca de 90% das operaes levadas a cabo e lideram prximo de metade.

    Salientam enfim os defensores da tese optimista, o apoio e sustentao que a comunidade interna-cional vai continuar a prestar ao regime. existe um compromisso internacional com a recons-truo do pas: os eUa assinaram recentemen-te um acordo de parceria de longo prazo com o Governo afego onde so definidos os termos da cooperao entre ambos; a NaTo reiterou em Chicago o compromisso de continuar a apoiar o Governo afego; e, em Julho de 2012, em T-quio, os doadores internacionais compromete-ram-se em ajudar o pas com cerca 16 mil milhes de dlares at 2015.

    por seu lado, os pessimistas contra-argumentam afirmando que a reduzida conflitualidade verifi-cada nalgumas regies do pas no significa ne-cessariamente que a situao esteja pacificada ou sob controlo. em muitos casos, isso expli-cado pela existncia de acordos tcitos de no agresso entre as foras afegs e os insurrectos. argumentam ainda que o aumento dos efectivos das foras de segurana no um indicador de qualidade nem de eficcia. as baixas nas foras armadas e polcias afegs causadas pelos talibs so tremendamente superiores s verificadas nas tropas da coligao. os progressos registados nas foras de segurana so insuficientes para a dimenso dos desafios com que vo ter de se defrontar. os pessimistas questionam ainda a im-portncia do apoio internacional. Quanto tempo vai durar e que impacto vai produzir?

    Sobre os efeitos da ajuda externa

    a ajuda que o pas ir beneficiar assumir um pa-pel crucial na estabilidade do regime. Najibullah caiu em 1992, cerca de trs anos aps a sada das foras soviticas, mas s aps ter cessado a ajuda econmica, financeira e militar sovitica; o que se veio a revelar determinante na derrocada do regime, apesar das vitrias obtidas pelo exrcito afego, j aps a retirada das foras soviticas. o anncio de Boris Yeltsin, em Setembro de 1991, que iria deixar de apoiar logisticamente o regime, colocou um ponto final no assunto.

    Com esta deciso, a viabilidade do Governo de Najibullah ficou profundamente abalada. o regime em nome do qual tantas vidas foram sacrificadas era agora abandonado sua sorte. No seguimento dessa dramtica mudana de po-ltica, Yeltsin convidou Burhanuddin rabbani, na altura chefe de um dos grupos de mujahideen e mais tarde presidente do pas, a deslocar-se a moscovo em Novembro de 1991. Numa declarao aps o encontro, Boris pankin, o ento ministro sovitico dos Negcios estran-geiros, confirmou a necessidade de uma com-pleta transferncia de poder para um governo islmico provisrio. Tal mudana de poltica produziu danos irreversveis no moral das foras de Najibullah, levando muitos dos seus coman-dantes militares e aliados polticos a mudar de campo e a juntarem-se aos mujahideen. o exr-cito de Najibullah no chegou a ser derrotado. dissolveu-se, pura e simplemente.1 Tratou-se de uma das grandes ironias da histria.os subscritores da tese pessimista so tentados a comparar a retirada sovitica com a das for-as da iSaF, prognosticando aos detentores do actual Governo instalado em Cabul um futuro semelhante ao de Najibullah. os defensores da tese optimista contra-argumentam afirmando que existe hoje um factor novo que faz toda a diferena. Najibullah estava isolado internacio-nalmente. Ningum o apoiava. a situao actual diametralmente oposta. existe um compromis-so sustentvel e de longo prazo da comunidade internacional para com o pas, o qual permite es-tabelecer uma relao de confiana e de lealdade com e entre os actores locais.

    Its the Hurtling Stalemate, Stupid!

    Um exerccio prospectivo ter necessariamente que incluir uma anlise da evoluo da correla-o de foras entre os diversos interlocutores. So escassos os casos em que uma contra-subver-so tenha sido ganha no campo das armas. a dois anos de se completar o processo de transio, os actores internacionais comportam-se como se a contenda esteja ganha e essa vitria seja um dado adquirido. assim se compreende que os esforos de reconciliao nacional passem por integrar os insurrectos no main stream poltico vigente e nas actuais instituies. a acontecer, a consumar-se, tal significaria que os insurrectos tinham claudicado.os esforos de reconciliao em curso rejeitam liminarmente qualquer discusso sobre o quadro constitucional vigente ou sobre mecanismos de partilha de poder. Contudo, ningum ganhou ainda a guerra. Nenhum dos contendores pre-valeceu poltica ou militarmente sobre o outro. ao cabo de mais de uma dcada de confrontao,

    1.15 Conjuntura internacional

    Afeganisto 2014: e depois do adeus dasForas Internacionais? Carlos Branco

    [Aps] mais de uma dcada de confrontao, com os insurrectos a evidenciarem uma resilincia notvel e longe de sossobrarem, faz sentido pensar em cenrios de compromisso e, sobretudo, nos termos desse compromisso.

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    com os insurrectos a evidenciarem uma resilin-cia notvel e longe de sossobrarem, faz sentido pensar em cenrios de compromisso e, sobretu-do, nos termos desse compromisso. Tanto Najibullah como Karzai perceberam esta dimenso nevrlgica da questo. Nos anos que precederam a retirada sovitica, Najibullah pro-moveu um ambicioso processo de reconciliao com seus opositores. para alm de rever a Cons-tituio, substituindo o contedo marxista pelo islmico, Najibullah props modalidades de par-tilha de poder. as suas propostas no surtiram efeito porque foram boicotadas por vrios acto-res regionais e internacionais. os rebeldes deixa-ram de ter incentivos para negociar porque per-ceberam que podiam atingir os seus objectivos sem a necessidade de fazerem cedncias. a falta de interesse da oposio, do paquisto e dos es-tados Unidos nas suas propostas reconciliatrias era motivada pela convico de que Najibullah iria sossobrar aps a retirada dos contigentes soviticos.2

    as razes que levaram Karzai a empenhar-se numa soluo negociada so muito semelhantes s de Najibullah: um conflito prolongado, um ini-migo resiliente e a retirada anunciada dos seus patrocinadores. mas, uma vez mais, semelhana do que aconteceu no passado, os insurrectos de hoje deixaram de ter incentivos para negociar uma soluo poltica quando a administrao americana anunciou em 2009 que iria desin-vestir na campanha militar, em 2014. percebem que podem obter o que pretendem sem terem de negociar. medida que nos aproximamos de 2014 e as hipteses de uma soluo poltica para o conflito se vo reduzindo, as posies dos sec-tores mais radicais os que privilegiam a soluo militar vo prevalecendo sobre as dos sectores mais moderados. mais de uma dcada de conflito sem resultados decisivos no campo militar parece no ter sido suficiente para alterar o predomnio da lgica da soma nula. do ponto de vista da resoluo de Conflitos a situao manifestamente invul-gar. Uma das tarefas mais difceis para os agen-tes empenhados na resoluo de um conflito a de identificar, no decurso de um confronto, o momento em que aumenta significativamente a probabilidade de uma soluo negociada ter sucesso.os hurting stalemates (impasses dolorosos) so, por definio, um dos momentos em que a situao se encontra madura para negociar e/ou mediar.3 Consequentemente, o passo lgico a seguir constatao de um hurting stalemate a negociao ou a mediao. ora, no isso que verificamos no afeganisto. luz do hurting stalemate em que as partes se encontram actu-almente no se vislumbra a possibilidade de se evoluir para um processo negocial.o hurting stalemate para realmente o ser tem, antes de mais, de ser percebido como tal pelas partes. No parece ser o caso em apreo. Tal como as foras da iSaF, tambm as foras soviti-cas que podiam ter permanecido no afeganis-to por muitos mais anos no foram derrotadas

    no campo de batalha. Contrariamente ao que passou a ser uma ideia muito em voga, as foras soviticas no debandaram. retiraram ordeira-mente de acordo com um plano previamente estabelecido, como ir acontecer com as foras internacionais actualmente no terreno. S que o anncio da retirada em 2009 ajudou a confun-dir hurting stalemate com uma vitria que no se verificou at aos dias de hoje. No s no se aceitou a situao de hurting stalemate como se criou a percepo de que seria possvel alterar significativamente a actual correlao de foras e, assim, transformar uma lgica de soma negati-va hurting stalemate em soma nula.

    O que ir prevalecer?

    a concretizao da tese optimista, ou seja, a ma-nuteno do actual regime, est fortemente con-dicionada consistncia do apoio internacional ao Governo afego. uma condio essencial do sucesso, como se pode verificar pelo que sucedeu a Najibullah em 1992, quando os soviticos o deixaram de apoiar. No curto prazo, dois factores jogam um papel determinante. primeiro, o modo como decorrerem as eleies no dia 5 de abril de 2014. eleies marcadas pela fraude e pela cor-rupo provocaro uma profunda instabilidade poltica e proporcionaro uma boa desculpa para os doadores retardarem ou mesmo cancelaram as suas contribuies. Segundo, o impacto que a retirada das foras internacionais produzir na economia local, j que 60% do piB se encontram de uma ou de outra forma estreitamente relacio-nados com a presena das foras internacionais.No mdio e longo prazo, a ausncia de um pac-

    to poltico poder ter consequncias profunda-mente nefastas, por duas razes fundamentais. em primeiro lugar, porque prevalecer a tenta-o de se obter uma soluo militar para o con-flito, faltando saber at que ponto as foras de segurana afegs sero capazes de se manterem coesas e de se afirmarem no campo de batalha de uma foram autnoma, resistindo, por exemplo, s divises tnicas do pas. em segundo lugar, porque mesmo sendo capazes de se manterem coesas, a ausncia de progresso na frente militar pode levar fadiga dos doadores. a no se concretizarem as duas premissas apon-tadas continuao de apoio internacional con-sistente e sustentado e negociao de um acordo poltico que salvaguarde, em simultneo, a rotura dos insurrectos com a internacional islmica a tese pessimista afigura-se como a mais veros-mil, com a possibilidade de se repetirem aconte-cimentos passados, como seja o regresso dos tali-bs ao poder, no seguimento de uma guerra-civil violenta acompanhada de um tremendo banho de sangue. n

    Notas

    1 Najibullah, heela Afghan Attempts at Peace and Recon-ciliation1986 and 2010: A Comparison. Edited by Supriya Roychoudhury, Delhi Policy Group, 2011.

    2 a Constituio foi revista na loya jirga de 1990 de modo a dar-lhe uma identidade islmica.

    3 O impasse doloroso refere-se ao ponto em que as partes en-volvidas num conflito reconhecem que a continuao da con-frontao lhes trar mais prejuzos que benefcios. uma vez que todas as partes concordem que chegaram a este estdio estaro, muito provavelmente, mais dispostas a negociar, uma vez que a continuao da confrontao no lhes ser benfica.

    Foras de Comando na regio e plantao de pio. Fonte: Fora Internacional de Assistncia para Segurana,2009 e UNODC.

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    Mais de 20.000

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