2014 - Parecer Jurídico ABNT - NBR 16280.pdf

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  • ABNT NBR 16280, de 2014 PARECER

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    Consulta-me a ABD Associao Brasileira dos Designers de Interiores acerca da NBR 16280, de 2014, recentemente publicada guisa de normatizar a gesto de reformas em edificaes em todas as suas fases, em especial quanto aos seus efeitos relativamente ao exerccio profissional do(a)s Designers de Interiores.

    Parecer Inicialmente, cabe esclarecer que a ABNT (Associao Brasileira de Normas Tcnicas) uma associao privada, sem fins lucrativos, reconhecido como sendo de utilidade pblica 1, cuja misso, segundo

    consta da sua home page, Prover a sociedade brasileira de conhecimento

    sistematizado, por meio de documentos normativos, que

    permita a produo, a comercializao e uso de bens e

    servios de forma competitiva e sustentvel nos mercados

    interno e externo, contribuindo para o desenvolvimento

    cientfico e tecnolgico, proteo do meio ambiente e

    defesa do consumidor.

    Fundada em 1940, a ABNT vem, desde ento, sendo o bero da normalizao no Brasil. As duas primeiras das normas aprovadas pela ABNT foram a NB-1, referente a Clculo e Execuo de Obras de Concreto, e a MB-1, relativa ao Cimento Portland Determinao da Resistncia Compresso, que, na prtica, j vinham sendo considerados pelos engenheiros desde os anos 30. Os Estatutos da ABNT 2, bom que se diga, possibilidade a associao sem maiores exigncias e as pessoas associadas, jurdicas ou fsicas, tm acesso ao debate das normas e at mesmo ao sistema de elaborao e votao das normas tcnicas (art. 4, alnea G). A ABNT integra o Sistema Nacional de Metrologia, encabeado pelo CONMETRO e seus Comits Tcnicos, assim como pelo INMETRO. ~Fazem parte, ainda, os Organismos de Certificao Acreditados

    1 Lei Federal 4150, de 1962

    2 http://www.abnt.org.br/IMAGENS/Estatuto.pdf

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    (Sistemas da Qualidade, Sistemas de Gesto Ambiental, Produtos e Pessoal), Organismos de Inspeo Acreditados, Organismos de

    Treinamento Acreditados, Organismo Provedor de Ensaio de Proficincia Credenciado, Laboratrios Acreditados Calibraes e Ensaios RBC/RBLE, Institutos Estaduais de Pesos e Medidas e as Redes Metrolgicas Estaduais. Mas, em princpio, de ser reiterado que a ABNT uma entidade privada. No desenvolvimento da sociedade brasileira, a ABNT mostrou-se muito importante na definio de normas tcnicas nos mais variados setores. Alis, por fora do inciso VIII do art. 39 do Cdigo de Defesa do Consumidor, as normas da ABNT passaram a ter uma importncia ainda maior, in verbis:

    Art. 39. vedado ao fornecedor de produtos ou servios,

    dentre outras prticas abusivas:

    ...

    VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou

    servio em desacordo com as normas expedidas pelos rgos

    oficiais competentes ou, se normas especficas no

    existirem, pela Associao Brasileira de Normas Tcnicas ou

    outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de

    Metrologia, Normalizao e Qualidade Industrial (Conmetro);

    Como raro os rgos oficiais competentes (CONMETRO / INMETRO) expedirem normas tcnicas, apesar de isto ser o correto, o CDC inovou ao obrigar os fornecedores, tanto de produtos quanto de servios, a observarem as normas da ABNT, sob pena de ser caracterizada como pratica abusiva do fornecedor contra o consumidor a disponibilidade no

    mercado do produto ou servio desconforme.: O art. 5 da Constituio Federal, que estabelece os direitos fundamentais de todos os brasileiros (o que inclui fornecedores e consumidores), estabelece que

    II. ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

    coisa seno em virtude de lei;

    Em inequvoco reforo ao princpio da estrita legalidade, o Constituinte, no Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, estabeleceu:

    Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias

    da promulgao da Constituio, sujeito este prazo a

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    prorrogao por lei, todos os dispositivos legais que

    atribuam ou deleguem a rgo do Poder Executivo competncia

    assinalada pela Constituio ao Congresso Nacional,

    especialmente no que tange a:

    I. ao normativa;

    evidente que o CDC lei posterior Constituio Federal e por isso mesmo h de ser questionado se o seu inciso VIII do art. 39 no estaria afrontando o princpio da estrita legalidade, em especial conta do status deste princpio. Entendo que LEI (stricto sensu) cabe estabelecer os tipos, ainda que abertos.

    Um exemplo claro disto encontrado na Lei Federal 9605, de 1998. Veja-se o art. 70:

    Considera-se infrao administrativa ambiental toda ao ou

    omisso que viole as regras jurdicas de uso, gozo,

    promoo, proteo e recuperao do meio ambiente.

    O ideal seria a LEI definindo o tipo fechado tal como consta do Cdigo Penal. Veja-se o seu art. 121:

    Matar algum. que, neste caso, o dispositivo legal especifica, com clareza, a infrao. A sua leitura deixa claro que o sujeito ativo deve ser um ser humano e que o sujeito passivo (vtima), alm de ser humano, deve estar vivo no momento do homicdio. Da se dizer, por exemplo, ser crime impossvel matar um cadver. O tipo aberto permite interpretaes e, por isso, normalmente, deve ser interpretado luz de um ato regulamentar (Decreto, por exemplo), que no lei mas tem autorizao constitucional para exercer este atributo. O fato que a ABNT, sendo uma entidade privada, no tem competncia

    para legislar, nem no sentido estrito (LEI), nem no sentido mais amplo, o da simples norma regulamentar. Qual a natureza jurdica, portanto, de uma norma editada pela ABNT?

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    Segundo o engenheiro Eugenio Guilherme Tolstoy De Simone, diretor tcnico da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), as normas editadas pela ABNT seriam de observncia obrigatria, pois isso se encaixa no ordenamento jurdico brasileiro. Com a devida vnia, discordo, dada a clareza do inciso II do art. 5 da Carta Magna. E de se dizer que o princpio da legalidade, por ser direito fundamental, no comporta interpretaes amplas. Ainda que se argumente com o art. 39, inciso VIII, do CDC, no h como se afastar o princpio da estrita legalidade. Admitir-se o contrrio exigiria concluir-se que a inrcia do Estado em normatizar possibilita o desrespeito a um princpio constitucional com status de direito fundamental. Desta forma, entendo que as normas tcnicas aprovadas pela ABNT no tm, de per si, fora de obrigar as pessoas, quaisquer que sejam. No caso em pauta, parece-me que a prpria ABNT busco estabelecer um sistema modelo de gerenciamento de reformas de edificaes, tal como j existia quanto a manutenes (NBR 5674, de 2012). Nada mais do que isso. Teoricamente, os Municpios, que tm o dever geral de polcia nas obras de construo civil, at podem incorporar tais NBRs no seu corpo legislativo, como anexos, por exemplo, aos seus Cdigos de Obras. Mas, afora isso, elas servem apenas e to somente como um parmetro tcnico. Por isso mesmo no h quem fiscalize o cumprimento e no h previso de pena pelo descumprimento. Vale lembrar, a este passo, o princpio de que o princpio da estrita legalidade tanto se impe na fixao do tipo quanto na definio da pena a que o descumpridor do tipo infracional est sujeito. A leitura da NBR em pauta deixa claro que em nenhum momento ela considera infrao a sua inobservncia e nem prev pena. E nem poderia ser diferente, vez que, sendo uma entidade privada, ela s pode obrigar aos seus prprios membros.

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    A NBR, na verdade, um mero dicionrio e roteiro de aes que, em tese, tornariam mais seguras as obras de reforma em edificaes. Contudo, se o objetivo garantir segurana nas reformas em edificaes, parece-me ser elementar que a premissa tcnica a observncia do projeto estrutural, principalmente dos clculos que o instruem. O objetivo do projeto estrutural permitir que a estrutura atenda sua funo primria sem entrar em colapso e sem deformar ou vibrar excessivamente. Dentro destes limites, os quais so precisamente definidos pelas normas tcnicas, o engenheiro estrutural almeja o melhor uso dos materiais disponveis e o menor custo possvel de construo e manuteno da estrutura. Neste projeto, cuida-se dos elementos estruturais (barra, veia de transmisso e viga, combinados entre si), cargas e esforos, dimensionando-os e detalhando-os. Sem este documento original, todo o sistema proposto pela ABNT fica prejudicado na sua essncia, pois as tais empresas especializadas no tero em mos a base para o seu trabalho. A realidade brasileira indica que, variando de Municpio a Municpio, a grande maioria das edificaes no tm o projeto estrutural depositado na Administrao Municipal e nem mesmo no prprio gestor da edificao. E nem se pense em buscar junto construtoras e incorporadoras: ou elas no existem mais ou os arquivos so totalmente desarrumados. Isto no uma regra absoluta, pois h excees. Mas, lamentavelmente, um quadro sombrio que se v por a. Algumas Administraes Municipais, atentas a este drama, incentivaram a regularizao documental das edificaes e este pode vir a ser um bom caminho. Alm disso, ainda h a questo da qualidade dos projetos estruturais, dos parmetros ali considerados. E, depois, ainda h que se considerar a qualidade dos materiais usados nas construes.

    Ou seja, a NBR 16280, de 2014, s faz sentido numa realidade em que os projetos estruturais originais esto disponveis para consulta, estes tenham

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    sido elaborados com qualidade e exista um registro confivel dos materiais usados, em especial nos elementos estruturais. Ocorre que isto se mostra surreal em demasia ante a realidade brasileira.

    Pelo exposto, sou da opinio de que a NBR 16280, de 2014,

    no tem fora para gerar obrigaes a quem quer que seja.

    Vitria (ES), 27 de maro de 2014.

    Jonatan Schmidt ADVOGADO OAB/ES 330-B