20140321 geopolítica da energia

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A Nova Geopolítica da Energia 1 Gilberto M Jannuzzi 2 Geopolítica da Energia é um tema importante nas negociações internacionais, e bastante centrado nas discussões e estratégias de comércio, acesso, domínio e controle de recursos naturais como petróleo e gás natural principalmente. No entanto, a geopolítica da energia começa a adquirir novas dimensões onde eficiência energética, o maior domínio de tecnologias das energias renováveis e as políticas de criação de novos mercados para as mesmas. Penso que essa tendência se acentuará no futuro. Vou esclarecer essa visão seguir. Nos últimos quarenta anos três componentes passaram a desempenhar maior relevância no desenvolvimento do setor energético. São eles: o progresso tecnológico possibilitando a conversão cada vez mais eficiente de fontes primárias renováveis em combustíveis e eletricidade; importantes mudanças nas políticas de energia considerando impactos sócio-ambientais e mudanças climáticas globais; e finalmente o conceito de segurança energética privilegiando 1 Apresentado no painel temático “A Nova Geopolítica da Energia”, durante evento Diálogos sobre Política Externa, promovido pelo MRE, Palácio do Itamaraty 21/03/2014 2 Professor Titular em Sistemas Energéticos, Universidade de Campinas UNICAMP. Email: [email protected]

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A Nova Geopolítica da Energia1

Gilberto M Jannuzzi2

Geopolítica da Energia é um tema importante nas negociações internacionais, e

bastante centrado nas discussões e estratégias de comércio, acesso, domínio e

controle de recursos naturais como petróleo e gás natural principalmente. No

entanto, a geopolítica da energia começa a adquirir novas dimensões onde eficiência

energética, o maior domínio de tecnologias das energias renováveis e as políticas de

criação de novos mercados para as mesmas. Penso que essa tendência se acentuará

no futuro. Vou esclarecer essa visão seguir.

Nos últimos quarenta anos três componentes passaram a desempenhar maior

relevância no desenvolvimento do setor energético. São eles: o progresso

tecnológico possibilitando a conversão cada vez mais eficiente de fontes primárias

renováveis em combustíveis e eletricidade; importantes mudanças nas políticas de

energia considerando impactos sócio-ambientais e mudanças climáticas globais; e

finalmente o conceito de segurança energética privilegiando alternativas locais de

produção de energia. Esses fatores possibilitaram o avanço de alternativas

tecnológicas e instrumentos de políticas públicas que se integram paulatinamente

aos sistemas convencionais de geração, distribuição e usos de energia baseados

largamente em combustíveis fósseis. Esses fatos são fundamentais, ao meu ver, para

explicar porque já começa a fazer pouco sentido falar-se em geopolítica da energia

baseada em recursos naturais exclusivamente.

Como sabemos, uma das importantes características do sistema energético atual e

que nasceu juntamente com a chamada revolução industrial do século 18 foi a

importância dos combustíveis fósseis na matriz energética dos países que iniciaram

1 Apresentado no painel temático “A Nova Geopolítica da Energia”, durante evento Diálogos sobre Política Externa, promovido pelo MRE, Palácio do Itamaraty 21/03/20142 Professor Titular em Sistemas Energéticos, Universidade de Campinas UNICAMP. Email: [email protected]

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esse processo de desenvolvimento econômico. Inicialmente o carvão e depois,

especialmente após a segunda guerra mundial, o petróleo foram combustíveis

importantes para geração de calor e eletricidade, situação que ainda prevalece em

mundial, por sinal.

A economia baseada nos recursos naturais de carvão e petróleo possibilitaram a

formação de grandes empresas e bloco políticos que se organizaram para manter

políticas de preços e regulação do mercado internacional. Outra característica

importante é que essa indústria se organizou através de grandes unidades

centralizadas seja de produção de derivados de petróleo e petroquímicos como de

eletricidade. Mesmo no caso da hidroeletricidade países com esses recursos

naturais embarcaram em grandes projetos de usinas. Esse modelo se beneficiava de

economias de escala e de necessidades de grandes montantes de investimentos para

viabilizar os empreendimentos e as tecnologias de energia envolvidas, em particular

a geração de eletricidade.

A instabilidade de preços internacionais e vulnerabilidade de acesso a reservas

conhecidas de petróleo e gás natural fez com que o conceito de segurança energética

incorporasse o desenvolvimento de alternativas locais e mesmo o esforço de

prospecção de combustíveis fósseis dentro de fronteiras nacionais e o

desenvolvimento de novas tecnologias de extração. Esse esforço desconcentrou em

certa medida a localização geográfica das reservas de petróleo e gás conhecidas até

então. Foi o que aconteceu com novas descobertas de petróleo e gás natural em

países como o Brasil, Colômbia, Leste da África, e agora a utilização em escala

comercial de gás de xisto nos Estados Unidos e Canadá. Esse fato fez com que se

diluísse a concentração regional de reservas de combustíveis fósseis e relativizasse

o poder entre países tradicionalmente produtores e os grandes consumidores.

Paralelamente a esses fatos, tem ocorrido um extraordinário avanço nas tecnologias

baseadas em fontes renováveis, como energia eólica e solar aliadas a políticas

públicas que buscam fomentar uma economia de baixo carbono. Essas tecnologias

estão conseguindo se tornar cada vez mais competitivas, além de se alinharem a

políticas de clima e desenvolvimento sustentável.

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A relação de importância que se confere às regiões que concentram as importantes

fontes fósseis deverá ceder lugar aos países que terão expertise tanto na produção

de tecnologias renováveis e descentralizadas de energia. O conhecimento de como

desenvolver seus mercados de energia, integrar e operar essas tecnologias com as

redes de distribuição existentes com segurança e confiabilidade serão elementos de

uma nova indústria de serviços de energia.

O avanço das tecnologias de comunicação e informação possibilitam que edifícios

super-eficientes e mesmo pequenos consumidores comecem não somente a

produzir sua própria energia como também vender seu excedente para a rede.

Maior eficiência energética possibilitará ainda maiores quantidades de energia a

serem ofertadas para a rede compartilhada com outros consumidores. É uma nova

realidade que se desenha onde a escala das tecnologias e investimentos unitários é

menor, a descentralização da geração é maior e mais próxima aos centros de

consumo. No entanto, esses avanços requerem maior integração, armazenamento de

energia e coordenação entre muitos agentes, além disso , e como consequência

surgem novos modelos de negócios que necessitam de novas regras e nova

regulamentação.

Disponibilidade de recursos naturais é ainda relevante, no entanto as novas

oportunidades para o desenvolvimento do setor energético incluem a necessidade

de uma população melhor informada e instruída, novos instrumentos de mercado e

regulatórios, novos padrões técnicos, sistemas de controle e armazenamento de

energia.

A valorização da expertise e domínio tecnológico como elementos-chave de

geopolítica da energia, não é novidade, é verdade. O caso da energia nuclear é um

exemplo notável. Só que essa é ainda um tipo de tecnologia de natureza centralizada

que necessita de concentração de recursos, alto grau de especialização, recursos

financeiros, complexo industrial associado e está baseado em sistemas de grande

porte. O grupo de tecnologias que estamos nos referindo são de uma natureza

radicalmente diferente. Elas permitem também que pequenos usuários sejam

capazes de gerar sua própria energia a partir de fontes primárias que se encontram

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distribuídas na natureza, portanto de maneira mais descentralizada, como é o caso

da energia solar, energia eólica, da própria biomassa. Hoje em dia já não é crucial a

escala de produção para que um quilovate gerado por um gerador eólico ser

competitivo. Foi necessário sim que a tecnologia se desenvolvesse melhorando sua

eficiência e reduzisse seus custos unitários sendo apoiada por políticas públicas e

subsídios em países que enxergaram oportunidades de inovação e novo tipo de

desenvolvimento industrial. Esse esforço teve como consequência a possiblidade

que empreendedores de menor porte pudesse participar como produtores de

eletricidade e competissem no mercado juntamente com a indústria tradicional de

eletricidade.

Sistemas fotovoltaicos, por exemplo, aliado a políticas de incentivo possibilitaram

que os sistemas instalados em residências na Alemanha pudesse gerar, juntamente

com sistemas eólicos, o equivalente a 25% da eletricidade consumida naquele país

em 2013 e representassem um desafio aos grandes conglomerados do setor daquele

país como a E.On e KfW. O desenvolvimento da indústria de fontes renováveis

possibilitou o desenvolvimento de uma grande quantidade de empregos em

empresas de base tecnológica de pequeno e médio portes, o que não foi o caso das

de geração de eletricidade convencional baseada em combustíveis fosseis e mesmo

energia nuclear.

A capacidade de integrar grandes montantes de energia renovável de maneira

segura e confiável no sistema energético existente de certo modo liberta países da

dependência de fornecimento de energia fóssil importada e muda o conceito de

geopolítica conforme estabelecido no início. Embora diferentes regiões ainda

tenham diferentes potenciais de energia renovável (solar, eólica, etc), o que se vê é

que o desenvolvimento tecnológico pode viabilizar sua utilização em praticamente

todos locais.

Em resumo, penso que passaremos a valorizar no conceito de geopolítica de energia

a relação entre países e regiões que terão sucesso em : 1) desenvolver a infra-

estrutura de redes capazes de integrar e operar diversas fontes com alta

participação de renováveis; 2) desenvolver o pro-sumidor (o consumidor capaz de

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produzir parte de sua energia; e 3) ter instituições e marcos regulatórios capazes de

desenvolver novos mercados e novos negócios de energia.