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    Introduo

    Dois anos aps as mobilizaes quesacudiram o Brasil em junho de 2013,vrios so os balanos realizados no

    campo intelectual, na poltica e nasociedade brasileira. Se deixarmos delado as poucas vozes e vises mais nu-anadas, pode-se dizer, de forma mui-to geral, que duas leituras principais

    Junho de 2013 dois anos depois

    Polarizao, impactos e reconfigurao do ativismo no Brasil

    BRENOBRINGEL/ GEOFFREYPLEYERS

    Sejam de direita ou de esquerda, as mobilizaes que sacudiram o Brasil

    em 2013 e 2015 compartilham algumas formas de expresso, ao

    e organizao comuns a muitos movimentos contemporneos. Esto

    associadas a uma nova geopoltica da indignao global. O artigo

    analisa a fundo as manifestaes, deixando de lado as leituras nuanadas

    da mdia e da academia. Argumenta que as mobilizaes massivas de

    Junho de 2013 produziram umaabertura societriano Brasil. Emergiram

    novos espaos e atores que levaram a um aumento da conflitualidade no

    espao pblico e a um questionamento dos cdigos, sujeitos e aes

    tradicionais que primaram no pas durante as ltimas duas dcadas.

    As mobilizaes de massa so menos controladas por organizaes

    sociais e polticas, difundidas e reproduzidas de forma viral, sob uma

    lgica que abre um maior espao para os indivduos.

    CONJUNTURA

    Breno Bringel: professor adjunto do Instituto de Estudos Sociais e Polticos da Universidade doEstado do Rio de Janeiro (iesp-uerj). editor de Dados Revista de Cincias Sociaise coeditor (comGeoffrey Pleyers) de openMovements, um projeto de openDemocracy. Seu ltimo l ivro, editado com

    Jos Maurcio Domingues, Global Modernity and Social Contestation (Sage, Londres, 2015). E-mail:.Geoffrey Pleyers: professor da Universidade de Louvain (Blgica) e pesquisador do CollgedEtudes Mondiales de Paris. presidente do Research Committee on Social Classes and SocialMovements da Associao Internacional de Sociologia. Coordenou, com Breno Bringel, a com-pilao Les mobilisations de 2013 au Brsil (Brsil(s): Sciences Humaines et Sociales, ehess, Paris,2015). E-mail: .Palavras-chave:ativismo social, Junho de 2013, mobilizaes, poltica, Brasil.Nota dos autores:Devemos o ttulo principal do artigo a Z Szwako, cuja sugesto serviu, ademais,para a organizao de um Seminrio com ttulo homnimo em junho de 2015 no iesp-uerj(os v-

    deos do encontro esto disponveis em ). Agradecemos aos colegas participantes pelo debate e aos membros do Ncleo de Estudosde Teoria Social e Amrica Latina (netsal) e do Research Committee on Social Classes and SocialMovements da Associao Internacional de Sociologia pelo dilogo e pela construo coletiva.

    Este artigo cpia fiel do publicado na revistaNUEVASOCIEDADespecial

    em portugus, outubro de 2015, ISSN: 0251-3552, .

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    concorrem na academia, nos meiosde comunicao e entre os atores po-

    lticos e sociais. Um primeiro tipo deinterpretaes vincula as manifesta-es de junho de 2013 mais esquerda(seja a uma viso de aprofundamentodemocrtico ou a uma ruptura de ca-rcter mais radical) e as mobilizaesde rua de 2015 direita (e, consequen-temente, a uma guinada autoritria eantidemocrtica). Uma segunda viso,

    enraizada em uma gama muito diver-sa e inclusive contraposta de a(u)tores, entende que as mobilizaes dedois anos atrs, a despeito de seu ca-rcter massivo, no passaram de umepifenmeno.

    Ambas as leituras so, a nosso ver,problemticas e insucientes. No pri-meiro caso, as mobilizaes de 2013e de 2015 so tratadas como eventosdesconexos (ou, no melhor dos casos,relacionados a partir de uma lgicareativa). So reforadas as diferenas(ideolgicas, contextuais e de atores edemandas) entre as duas ondas deprotesto que no teriam nada ou mui-

    to pouco a ver entre si, a no ser algu-mas bandeiras e o fato de que a direitaestaria usando algumas prticas e in-clusive certos smbolos habitualmen-te vinculados esquerda. Nesta ti-ca, 2013 teria sido uma insurgncia deindignao contra a representao, osistema poltico e os polticos de ma-neira mais geral, enquanto 2015 teria

    um foco muito mais direto e restrito: oPartido dos Trabalhadores (pt) e o go-verno Dilma.

    Por outro lado, o segundo campo de in-terpretaes compreende que 2013 em

    si nunca teve um potencial profunda-mente transformador da sociedade e dapoltica brasileira que, de fato, teria semodicado bastante na ltima dcada

    dentro das (di)vises polticas e doshorizontes normativos, alguns diriamque para bem, e outros para mal. Con-verge com a leitura anterior o entendi-mento de Junho como uma explo-

    so, conquanto os protestos de 2013sejam vistos como mero grito e estron-do. 2015 corresponderia polarizao,acentuada pelo cenrio eleitoral de2014. Espontanesmo e fragmentaoso palavras-chave destas leituras.

    Lidas em conjunto, estas interpretaestrazem uma srie de perguntas sobre as

    relaes entre as manifestaes de 2013e os protestos de 2015: como reivindica-es com teores a priori to diferentespodem mobilizar smbolos e formasde organizao s vezes parecidas? Halguma continuidade entre as ruas de2013 e as de 2015? De que tipo? So ma-nifestaes diametralmente opostas?

    Diante destas questes, disputas e po-sies, sugerimos neste artigo duashipteses concatenadas que aprofun-dam alguns de nossos trabalhos pr-vios sobre o tema1. Em primeiro lugar,na indignao difusa das mobiliza-

    1. B. Bringel: Miopias, sentidos e tendnciasdo levante brasileiro de 2013 em Insight Inte-

    ligncia, 2013, pp. 42-51; B. Bringel e P. Pleyers:Les mobilisations de 2013 au Brsil: vers unreconguration de la contestation em Brsil(s):Sciences Humaines et Sociales N 7, 2015, pp. 7-18.

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    es de 2013 j coexistiam crticas, re-pertrios e atores esquerda e di-

    reita, sempre composturas polarizadas.Assim, a polarizao deve ser lidano como algo exclusivo de 2014 e/ou2015, mas como resultado do retornoda ao direta e do conito poltica

    nacional; logo, como parte constitutivado atual ciclo de protestos no pas ini-ciado dois anos atrs, embora possamser diferenciados como faremos mais

    adiante graus e momentos de acirra-mento da polarizao social e poltica.Em segundo lugar, no possvel en-tender os desdobramentos de junhode 2013 olhando somente para os im-pactos poltico-institucionais e polti-co-eleitorais dos protestos. Destarte, tor-na-se fundamental visualizar os efeitossociais e culturais, bem como captar

    Junho no somente como um eventodeprotesto, mas como umprocessoabertoe inacabado, que inclui uma ampla re-congurao do ativismo social.

    Argumentamos nesse texto que asmobilizaes massivas de Junho de2013 produziram uma abertura socie-

    tria no Brasil. Emergiram novos es-paos e atores que levaram a um au-mento da conitualidade no espao

    pblico e a um questionamento doscdigos, sujeitos e aes tradicionaisque primaram no pas durante as l-timas duas dcadas. Embora com vi-ses e projetos distintos (e, em geral,opostos) da sociedade brasileira, os in-

    divduos e coletividades esquerda e direita do governo mobilizados en-tre 2013 e 2015 so fruto desta mesma

    abertura sociopoltica. As formas deao e de organizao por eles adota-

    das prprias de uma transformaodas formas de ativismo e de engaja-mento militante no pas e no mundohoje favoreceram um surgimentorpido, a midiatizao e a capacidadede interpelao e expressividade, mastambm provocaram tenses e ambi-valncias em sua prpria constituioe nos resultados gerados.

    Junho de 2013 e o processo

    de abertura societria

    Participaram das mobilizaes de 2013indivduos e grupos sociais diversos ecom um amplo espectro ideolgico2.Ficou patente a indignao difusa, aambivalncia dos discursos, a hetero-

    geneidade das demandas e a ausnciade mediao de terceiros e de atorestradicionais, algo tambm notrio emvrias mobilizaes de massa contem-porneas, a exemplo da Espanha e dosEstados Unidos. A diferenciao dosritmos, composies e olhares dos pro-testos nos vrios lugares onde ocorre-ram nos leva importncia de situar

    as mobilizaes em diferentes coor-denadas espao-temporais. Embora olcus de ao das manifestaes fos-sem os territrios e espaos pblicos(atravs da ocupao macia de praase ruas) havia uma conexo prtica esimblica com outras escalas de aoe signicao, sejam elas nacionais ou

    2. Andr Singer: Brasil, junho de 2013: classese ideologias cruzadas em Novos EstudosN 97,2013, pp. 23-40.

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    globais3, marcando uma ressonnciade movimentos e de subjetividades,

    bem como dinmicas de difuso e deretroalimentao.

    Uma das caractersticas mais emble-mticas de Junho de 2013 foi sua capi-laridade em todo o territrio nacional.Contudo, as lgicas de mobilizao, acomposio social dos manifestantes ea correlao de foras variou conside-

    ravelmente dependendo das cidadesanalisadas, motivo pelo qual torna-seimportante relativizar, como bem fa-zem Francisco Mata Machado Tava-res e Joo Henrique Ribeiro Roriz4,Cristiana Losekann5e Alana Moraeset al.6, certo sudestecentrismo, deacordo com o qual interpreta-se o queocorreu no Brasil a partir dos aconteci-

    mentos de Rio de Janeiro e So Paulo.

    O momento posterior exploso deJunho de 2013 tambm foi desigual noBrasil. Em alguns lugares, como no Riode Janeiro, os protestos seguiram comalta intensidade, com uma concatena-o de mobilizaes e greves (a maior

    delas a dos professores de secundria,seguida de outras bastante simblicascomo a dos garis em fevereiro de 2014)que acabaram, na vspera da nal da

    copa do mundo, com a priso preven-tiva de 23 ativistas. Em vrias cidadesseguiram acontecendo ocupaes, mo-

    bilizaes por direitos e por causas es-peccas, novas aes de base e um

    aprofundamento do experimentalismocultural. Em determinados casos, a re-presso e a criminalizao ps-junho

    gerou desmobilizao. Tambm gera-ram-se vrias experincias mais sub-

    mersas entre indivduos, comunida-des, grupos e coletividades. Ao mesmotempo, dada a dimenso continen-tal do pas, no se pode negar que ju-nho tambm foi, em certas localida-des, mais uma representao coletiva(que, por sinal, mostrou que as coisaspodem ser mudadas com as pessoascomuns fazendo poltica) do que um

    processo contnuo de articulao e or-ganizao poltica.

    Seja como for, crucial entender Junhode 2013 como um momento de abertu-ra societria no pas. Uma vez aberto oespao de protesto pelas mobilizaesiniciais, outros atores se uniram parafazer suas prprias reivindicaes,sem necessariamente manter os la-os com as mobilizaes originais erepetir as formas, a cultura organiza-cional, as referncias ideolgicas ou osrepertrios de ao dos iniciadores es-

    3. B. Bringel: Le Brsil et la gopolitique delindignation em La Vie des Ides, 7/2013; Mar-lies Glasius e G. Pleyers: La rsonance desmouvements des places: connexions, mo-tions valeurs em Socio: Revue de Sciences So-cialesvol. 1 N 2, 2013, pp.59-80.4. R. Tavares e J. Roriz: Avant juin, les ruesde mai: tude de cas sur les manifestations enfaveur de la mobilit urbaine dans le ville deGoinia em Brsil(s): Sciences Humaines et So-ciales N 7, pp. 77-101.5. C. Losekann: Dynamiques et effects desmanifestations brsiliennes de 2013: le cas dela ville de Vitria em Brsil(s): Sciences Hu-maines et Sociales N 7, 2015, pp. 59-76.

    6. A. Moraes, Bernardo Gutirrez, HenriqueParra, Hugo Albuquerque, Jean Tible e SalvadorSchavelzon (orgs.):Junho: potncia das ruas e dasredes,Friedrich-Ebert-Stiftung, So Paulo, 2014.

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    sas mobilizaes7. Como j nos alerta-va Charles Tilly8, o uso de um mesmo

    repertrio de ao no implica que es-tejamos diante necessariamente de ummesmo movimento, mas sim de umagramtica cultural e histrica dispo-nvel e interpretada pela sociedade epelos grupos sociais. Angela Alonsoe Ann Mische9captaram com bastan-te preciso essas fontes sociais e cul-turais, bem como a ambivalncia dos

    repertrios presentes em junho dentrodo que elas deniram como repert-rios socialista (familiar na esquerda

    brasileira das ltimas dcadas), auto-nomista (am a vrios grupos liber-trios e propostas crticas do poder edo Estado) e patritico (que usa umdiscurso nacionalista e as cores verde eamarela com um signicado histrico

    e situacional bastante particular).

    Nesse momento, ao emergir um novociclo de protestos10, presenciou-se umtransbordamento societrio11, isto , ummomento em que o protesto se difun-de dos setores mobilizados para outraspartes da sociedade, transbordando os

    movimentos sociais que o iniciaram.No clmax desse processo, um amploespectro da sociedade est mobilizadoem torno de uma indignao difusa,portando diferentes perspectivas e rei-vindicaes, que coexistiram no mes-mo espao fsico e s vezes com ummesmo lema (contra a corrupo oucontra o governo), embora com cons-

    trues e horizontes muito distancia-dos e em conito. Houve uma conun-

    cia ambguamarcada por movimentos

    contraditrios de foras centrpetas (aexternalizao da indignao e a si-

    multaneidade presencial e simblicanas mesmas ruas e praas) eforas cen-trfugas(que, a despeito da copresenanos mesmos espaos, indicavam dife-rentes motivaes, formas de organi-zao e horizontes de expectativas).

    Nesta fase catrtica, que comeou emJunho de 2013 e durou alguns meses, a

    polarizao ideolgica j existia (vide,por exemplo as agresses a manifes-tantes que portavam bandeiras, cami-setas e outros smbolos da esquerda),mas estava diluda na indignao emmassa e na experimentao das ruas.

    Aps a heterogeneidade inicial, come-a em 2014 umafase de decantao, comalguns temas e reivindicaes princi-pais dos indivduos, grupos e setores

    j diferenciados no espao e alinhadosmais claramente esquerda e direi-ta, conquanto estas noes (direita e

    7. Doug McAdam:) Initiator and Spin-Off Mo-vements: Diffusion Process in Protest Cyclesem Mark Traugott (ed.): Repertoires and Cyclesof Collective Action, Duke University Press,Durham, 1995, pp. 217-240.8. C. Tilly: From Mobilisation to Revolution,McGraw-Hill,Nova Iorque, 1978.9. A. Alonso e A. Mische: June Demonstra-tions in Brazil: Repertoires of Contentionand Governments Response to Protest emFrom Contention to Social Change: Rethinking theConsequences of Social Movements and Cycles ofProtests, esaResearch Network on Social Mo-vements Conference, Universidade Complu-tense de Madri, 19-20 fevereiro 2015.10. Sidney Tarrow: Power in Movement: Social

    Movements and Contenious Politics, CambridgeUniversity Press,Cambridge, 1998.11. B. Bringel: Miopias, sentidos e tendnciasdo levante brasileiro de 2013, cit.

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    esquerda) sejam vistas, para algunsativistas e para boa parte da sociedade,

    como caducas, pouco capazes de tra-duzir e canalizar seus objetivos, expec-tativas e inquietaes. Um dos motivosprincipais disso a associao diretaentre ideologia e grupos e ideologiaspolticas especcas (sejam partidos ou

    o comunismo o socialismo ou oliberalismo). Neste momento, j noh manifestaes massivas nas ruas e

    nas praas, mas seguem ocorrendo v-rias mobilizaes mais pontuais, bemcomo uma reorganizao mais invis-vel dos indivduos, das redes e dos co-letivos. A conuncia no mesmo espa-o pblico paulatinamente deslocadaa convocatrias com objetivos e recor-tes mais denidos. Embora boa parte

    destas aes no se dirigisse ao campo

    poltico-institucional e poltico-eleito-ral, que possui lgicas e temporalida-des diferentes do campo da mobiliza-o social, o cenrio pr-eleitoral demeados de 2014 rumo contenda pre-sidencial acabou abrindo um novo mo-mento de acirramento das polarizaesqueabsorveu boa parte dos atores sociais e

    polticos ao longo de 2015.

    Para alm da poltica

    de resultados:

    a multidimensionalidade

    dos impactos das mobilizaes

    Apesar das crticas formuladas ao ptem particular e aos partidos polticos

    em geral, as eleies presidenciais de2014 mobilizaram massivamente os

    brasileiros, inclusive para defendlos,

    em alguns casos, como mal menor.A vitria apertada de Dilma gerou um

    clima de instabilidade que foi alimen-tado constantemente por setores daoposio. No calor da disputa presi-dencial, no foram poucos os analis-tas que associaram a perda de votosdo pt com as manifestaes de 2013.Embora possa haver, de fato, algumasrelaes entre protesto e voto, no sepode estabelecer ilao direta e uma

    causalidade sem maiores cuidadosanalticos. Alm disso, o maior pro-

    blema que as leituras hegemnicassobre os impactos das manifestaesde 2013 acabaram restringindo os efei-tos ao campo poltico-institucional epoltico-eleitoral. Nesta chave, muitoorientada por uma poltica de resul-tados, haveria outcomes polticos cla-

    ramente mensurveis, se olharmos,por exemplo, para como as demandasformuladas nas mobilizaes foramrecebidas (ou ignoradas) pelo sistemapoltico. Pensemos em polticas pbli-cas concretas, na insero de novaspautas nas agendas governamentais,na criao de novos espaos canais de

    mediao e/ou de participao, e naconquista real mesmo que transit-ria ou parcial de algumas das reivin-dicaes mais simblicas, tais como opreo das passagens de nibus.

    J no tocante ao cenrio eleitoral, aconturbada disputa presidencial de2014 pode ilustrar alguns elementos.

    Em primeiro lugar, torna-se impor-tante diferenciar as tentativas de apro-priao de algumas das pautas das

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    manifestaes por certos candidatos(caso de Marina da Silva e seu discur-

    so de uma nova poltica recheadade velhas prticas) e partidos pol-ticos descolados dos setores mobili-zados daqueles processos em que huma relao histrica ou alianas tti-cas e estratgicas entre grupos sociaise polticos (caso do pt como parti-do e no como governo , visto em suaheterogeneidade interna, e de outros

    menores esquerda). Em segundo lu-gar, interessante notar como o dis-curso do medo foi mobilizado elei-toralmente para opor direita versusesquerda, restringindo esta ltima,no discurso governamental, ao campogovernista, o que traz como consequ-ncia a conteno s possibilidades demudana que emergiram no pas. Fi-

    nalmente, cabe frisar as limitaes, nomdio e longo prazo, dos prprios re-sultados eleitorais para o entendimen-to das transformaes societrias quevivemos. Se, por um lado, a criao deuma fronteira rgida entre amigos/ini-migos por parte do governismo serviupara tentar frear (e s vezes deslegiti-

    mar) as foras esquerda, por outro,os desfechos eleitorais no invalidamas mobilizaes sociais e no neces-sariamente pressagiam sua perda deinuncia. Lembre-se que na Fran-a ps-Maio de 1968 as eleies na-cionais de junho deram uma amplavitria eleitoral para a direita. Ape-sar disso (curiosamente este fato

    hoje escassamente lembrado), poucospodem negar que, em um horizontetemporal ampliado, o impacto dos

    resultados destas eleies foi muito me-nor do que a do movimento de maio,

    um movimento cultural que transfor-mou a Frana12e inuenciou movimen-tos de vrias partes do mundo.

    Estas perspectivas poltico-institucio-nais e poltico-eleitorais, preponde-rantes tanto nas correntes mainstreamda cincia poltica brasileira como nocampo governista, restringem a viso

    da poltica e do poltico e ignoram ou-tro tipo de resultados, impactos e ce-nrios possveis. Argumentamos, demaneira inversa, que um olhar am-pliado e multidimensional para os im-pactos fundamental, pois nem todosos desdobramentos das mobilizaesde junho de 2013 so facilmente men-surveis. Ao menos outros dois tipos

    de impactos devem ser considerados:sociais e culturais.

    Dentre os impactos sociais, podem-se destacar dois principais: a reconf-

    gurao dos grupos sociais e a geraode novos enquadramentos sociopolticos.No primeiro caso, as mobilizaes re-centes serviram para chacoalhar as

    posies, vises e correlaes de for-as entre partidos, sindicatos, movi-mentos socais, ong e outras coletivi-dades. Embora ainda seja cedo paraarmar o alcance e o efeito disso, al-guns atores se realinharam ou ainda

    buscam faz-lo (em alguns casos, semsaber muito bem como), enquanto ou-tros tm problematizado sua prpria

    12. Luc Boltanski e Eve Chiappello: Le nouvelesprit du capitalism, Gallimard, Paris, 1999.

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    trajetria e papel, tentando se (re)si-tuar na nova conjuntura. No segundo

    caso, incluem-se novos enquadramen-tos individuais e coletivos, relaciona-dos hoje principalmente qualidadede vida nas grandes cidades brasilei-ras, ao bloqueio miditico, violncia(inclusive a estatal, que afeta de formaparticular as mulheres e os jovens ne-gros pobres que vivem nas periferiasurbanas) e ao machismo. So proces-

    sos de reelaborao da vivncia socialque produzem, paulatinamente, res-signicaes das constelaes semn-ticas da sociedade a partir de experi-ncias diversas de politizao da vidacotidiana, a maioria delas invisveis mdia e aos intelectuais de escritrio.

    No mbito cultural, observam-se ino-

    vaes nas lgica de mobilizao e nosmecanismos relacionais e interativos doativismo. Marcada pela conitualida-de, pela difuso viral, por identidadesmultirreferenciais e por uma expressi-vidade do poltico mediada pela cultu-ra, tanto militantes de primeira viagemcomo movimentos mais consolidados

    colocam em xeque a cultura poltica daapatia. Embora em alguns casos hajaum distanciamento entre uma novagerao de ativistas e a militncia maisexperimentada (o que nos obriga a re-pensar os espaos e as frmulas de di-logo geracional), em outros aparecemconuncias criativas, como o caso

    de algumas sinergias entre redes sub-

    mersas e iniciativas artstico-culturaisno engajamento poltico (algo habitualem cidades como Belo Horizonte).

    Associado aos impactos sociais e cul-turais, situa-se um impacto de carter

    mais biogrco, isto , individual.Trata-se do impacto subjetivo das mo-bilizaes na trajetria dos ativistas.Tem sido recorrente em nossas pesqui-sas escutar os entrevistados denirem

    as mobilizaes de Junho de 2013 comoum antes e um depois, uma ine-xo, um comeo ou um novo come-o. Para uma nova gerao de ativistas

    e de jovens que no necessariamente seautodenem como ativistas, Junho de

    2013 foi, no dizer de um dos prpriosentrevistados, um incndio que no seapaga com gua. Mesmo que efmeras,as experincias vividas nas mobiliza-es e em evento de protesto produzemmarcas nos participantes, reforandoa propenso a que possam se engajar

    politicamente no futuro e podendo,ademais, transformar, no mdio e lon-go prazo, suas identidades sociais eseus valores polticos.

    Movimentos sociais e movimentos

    societrios

    Entender junho de 2013 como um pro-cesso supe associar sempre os movi-mentos sociais a movimentos societriosmais abrangentes. Em outras pala-vras, analisar como as mobilizaes,os atores sociais e suas prticas seenquadram dentro de dinmicas detransformao da sociedade. Isso central no atual momento no Brasil,

    onde parece haver uma recongu-rao das formas de ativismo e dossujeitos polticos vis--vis alteraes

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    mais abrangentes de elementos estru-turais e subjetivos da sociedade como

    um todo. Nesse sentido, assim comose relacionaram as mobilizaes demassa dos anos 1970 e 1980 com ummovimento societrio de redenio

    da democracia e dos direitos, as mo-bilizaes recentes esto associadas adesenvolvimentos estruturais do pas(por exemplo, maior insero no mer-cado global e no cenrio geopoltico

    e centralidade de polticas sociais, in-cluindo a luta contra a pobreza), queforam particularmente velozes na l-tima dcada.

    Em uma sociedade to desigual comoa brasileira, estas mudanas afetaramde diferentes maneiras as classes so-ciais13, levando a frustraes que em-

    bora, em alguns casos, convergentesanaliticamente, eram, de fato, opos-tas ideologicamente. Os ricos caram

    mais ricos, uma parcela da populaosaiu da pobreza e passou a ter acesso acertos servios, espaos e direitos queantes somente eram exercidos por umaclasse mdia alta que viu seus privi-

    lgios e seu estilo de vida ameaados.As clivagens de classe, mas tambm asde raa, gnero e origem so absoluta-mente centrais neste ponto para nosquestionarmos se estas mobilizaese o ativismo emergente sero, de fato,capazes de permear o campo popular.

    Por ora, possvel identicar clara-

    mente no Brasil hoje dois polos radi-calmente antagnicos, com uma di-versidade de situaes intermedirias

    possveis. Por um lado, um campoprogressista e de radicalizao da de-

    mocracia que age orientado por valo-res como a igualdade, a justia, a plu-ralidade, a diferena e o bem viver.Por outro lado, um campo reacion-rio, marcado pelo autoritarismo, cer-tos traos fascistas e antidemocrticose pela defesa dos privilgios de classe,da propriedade privada e de uma vi-so sempre evasiva da liberdade.

    No primeiro caso, trata-se de uma ca-mada diversa de jovens, coletivida-des, plataformas e movimentos quetm militado na denncia (e na ten-tativa de eliminao) das hierarquias,da opresso e dos abusos do Estado principalmente, violncia, racismoinstitucional e criminalizao e em

    reivindicaes variadas, como a quali-dade dos servios pblicos e por umavida mais humana nas cidades. Tra-vam lutas territorializadas e/ou cultu-rais e entendem a democracia em umsentido ampliado, no como sinnimode instituies, representao ou elei-es, mas como uma criao sociopo-

    ltica e uma experincia subjetiva.

    J o segundo polo perpetua, em seusdiscursos e na prtica cotidiana, as es-truturas de dominao e as formas deopresso. Aceita a alta desigualdade

    13. Vide Marcelo Medeiros, Pedro H. Souza eFabio Avila de Castro: O topo da distribuiode renda no Brasil: primeiras estimativas com

    dados tributrios e comparao com pesqui-sas domiciliares (2006-2012) em Dados Re-vista de Cincias Sociais vol. 58 N 1, 2015, pp.7-36.

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    social existente no pas com um dis-curso da inevitabilidade e/ou da me-

    ritocracia. Prega, em alguns casos,pelo retorno de um passado melhor(a ditadura), para o qual no teme pe-dir a interveno militar. Conta, emgeral, com apoio e atua em colusocom as elites econmicas e miditi-cas. Costuma atuar nos bastidores dapoltica, embora combine agora estasestratgias com uma novidade: o re-

    curso mobilizao nas ruas e aodireta. Trata-se de um isomorfismoque apareceu nas ruas j em 2013 eseguiu durante os ltimos dois anos,gerando-se certas semelhanas entreculturas de mobilizao e formas decompromisso.

    Em meio a estes dois campos, no cen-

    tro poltico, encontra-se o governis-mo. Os limites da poltica win-win edo consenso de classes estabelecidopelo governo nos mandatos de Lula eDilma, unido ao esgotamento de suaagenda poltica desaada pelas mobi-lizaes de 2013, levou a que nos lti-mos anos o governo tenha abortado

    a agenda reformista que o aproxima-ria do primeiro campo, entrando emuma deriva cada vez mais reativa econservadora, que se aprofunda comas eleies de 2014 e os protestos dadireita (nem toda ela, vale dizer, au-toritria e reacionria) em 201514. Areduo de uma ampla e complexa re-congurao da sociedade brasileira

    a coxinhas e bolivarianos mos-tra da exasperao. Nessa congura-o, a direita enquadrada como o

    inimigo a combater mesmo que,contraditoriamente, esteja na prtica

    tambm dentro do governo e no te-nha grande fora eleitoral , forandomuitos dos atores alinhados ao cam-po progressista a defenderem, mesmoque de forma ambivalente, o governo.Aclaremos tambm que, obviamente,nem todo o ptest neste campo nemadere a esta viso de defesa frrea dagovernabilidade.

    A gama de posturas que transcendemestas posies ampla, mas a polari-zao existente na sociedade brasilei-ra hoje acaba levando a que a maioriadas interpretaes reduzam o coni-to realmente existente a estes dois l-timos campos, nublando o potencialdas vozes mais insurgentes e transfor-madoras de junho de 2013. notrioque os estudiosos dos movimentos so-ciais tenderam a deter-se muito maisnos movimentos sociais transforma-dores ou com potencial de ruptura,deixando de lado os movimentos con-servadores ou reacionrios. O atualcenrio no Brasil, e em outras partes

    do mundo, tem levado muitos pes-quisadores a pesquisar os movimen-tos de direita. Isso muito bem-vindo,pois a direita (com seus contra-movi-mentos) tampouco homognea. No

    14. interessante notar como, a despeito dapoltica de classe conciliatria travada pelosgovernos do ptdesde o primeiro mandato deLula e dos benefcios econmicos das elites

    nacionais durante a ltima dcada, a direitamais radical gerou nos ltimos anos um dis-curso contra o governo acusando-o de haverdividido o Brasil.

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    entanto, no podemos cometer o errode, tendo em vista os interesses golpis-

    tas e miditicos, nos restringirmos, deforma isolada, somente a este tipo demovimentos que no so nicos nemhegemnicos e, em ltima instncia,so parte de um confronto polticomaisamplo, inclusive sobre os rumos doprogressismo no pas.

    Reconfguraes do ativismo

    no Brasil (e no mundo): sentidos,tendncias e ambivalncias

    Sejam de direita ou de esquerda, asmobilizaes recentes no Brasil com-partilham algumas formas de expres-so, de ao e de organizao que socomuns a muitos movimentos contem-porneos. Isso quer dizer que, a despei-to das especicidades locais e nacio-nais, as mobilizaes de 2013 e de 2015no Brasil esto associadas, no espao, auma nova geopoltica da indignaoglobal15e, no tempo, a uma rupturacom ciclos polticos, sujeitos, prticase concepes prvias. Pode-se falar deuma recongurao do ativismo no

    Brasil que afeta os atores, as prticas,as formas de mediao, a expressivi-dade e suas matrizes discursivas e vi-ses de mundo.

    Em termos de atores, pode-se destacarum maior descentramento dos sujeitose das organizaes. As mobilizaes demassa passaram a ser menos controla-

    das por organizaes sociais e polticase so difundidas e reproduzidas de for-ma viral, sob uma lgica que abre um

    maior espao para indivduos16. Almdisso, os principais atores, mais es-

    truturados, que at pouco tempo deti-nham praticamente com exclusividadeo papel de formao e de socializaopoltica no Brasil (sindicatos, parti-dos e, inclusive, determinados movi-mentos sociais, principalmente o es-tudantil) esto sendo deslocados comoinstncias centrais da socializao mi-litante. Vrios fatores inuenciam nes-

    ta mudana, tais como o descrdito dospartidos tradicionais e das organiza-es hierrquicas e verticais, a dimi-nuio do trabalho de base realizado

    junto s comunidades e os territriose a rejeio delimitao organizativamuito estrita com fronteiras bem de-nidas para a entrada e a sada em umaorganizao. Nesta lgica, os processos

    de engajamento militante tendem a setransformar, com destaque para a in-sero em pequenas coletividades, re-des e grupos de anidades. A amizade,

    as emoes e as proximidades, mesmoque circunstanciais, animam os rumosa serem tomados.

    15. B. Bringel e Jose M. Domingues: Global Mo-dernity and Social Contestation, Sage, London-New Delhi, 2015; B. Bringel: Le Brsil et lagopolitique de lindignation, cit.; B. Bringele P. Pleyers: OpenMovements: Social Move-ments, Global Outlooks and Public Sociolo-gists em Open Movements, 16/3/2015, .16. Danilo Martuccelli: La socit singulariste,Armand Colin, Paris, 2010; Jose M. Domin-

    gues: Las movilizaciones de junio de 2013em OSALN 34, 2013, pp. 63-75; G. Pleyers: Alter-Globalization. Becoming Actors in the Global Age,Polity, Cambridge, 2010.

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    Neste domnio, as novas tecnologiasde informao e comunicao (no caso

    brasileiro, principalmente celular e in-ternet) assumem um papel destacadono somente por sua capacidade decontrainformao, de interao e dedifuso mais veloz e menos mediadapor terceiros, como tambm pela pos-sibilidade de aproximar a participa-o poltica vida cotidiana17. Destemodo, as novas formas de experimen-

    tar, individualmente e coletivamente,a experincia do ativismo e do com-promisso poltico formam parte deuma mudana societria e culturalmais ampla que situa os cidados co-muns no centro dos debates, das ini-ciativas e das prticas. Isso aproxima oativismo social e a cidadania ao mun-do da vida e das experincias vividas

    pelas pessoas.

    Outrossim, as mobilizaes de 2013tambm revelam a emergncia deuma nova gerao de militantes18, quenasceu e/ou cresceu em democracia, eno possuem as mesmas experincias,vises de mundoe relaes com o cam-

    po popular-democrtico dos anos 1970e 198019. Este est, a propsito, em ple-no processo de dissoluo, no somen-te pelo profundo questionamento domodelo pt-cutista20, como tambmpela sua incapacidade de articulaodas foras sociais emergentes. Nodeixa de ser curioso que aqueles ato-res (como o prprio pte outros vincu-

    lados aos novos movimentos sociaise ao novo sindicalismo emergenteno ciclo de luta das dcadas de 1970

    e 1980) que apareceram ento comonovidade no emblemtico trabalho de

    Emir Sader21

    sejam hoje vistos, pelanova gerao de ativistas, como sin-nimo do velho. Este debate exige cau-tela, j que nesta emergncia aindaparcial e inacabada de novos sujei-tos polticos no Brasil o velho no aca-

    bou de morrer e o novo no terminoude nascer. Isso signica que, mais que

    reproduzir uma viso dicotmica en-

    tre o velho e o novo, como fazemalguns sujeitos presos nas entranhasmais imediatas do embate poltico,precisamos captar as tenses, as im-

    bricaes, as ambivalncias e as pos-sveis retroalimentaes. Um exemplo:o surgimento recente de novos atores(mais descentrados), vises de mundo(menos dogmticas e mais libertrias),formas de organizao (mais udas e

    transitrias) e expressividades (maisculturalmente orientadas) no impli-ca o m das relaes de cooperao

    com o Estado e o desaparecimento da

    17. G. Pleyers: Ativismo das ruas e on line dosmovimentos ps 2011 em Lutas Sociaisvol. 17N 2, 2014, pp. 83-93.18. Rodrigo Nunes: Gerao, acontecimento,perspectiva. Pensar a mudana a partir doBrasil em Nueva Sociedad Especial em portu-

    gus, 12/2014, pp. 14-26.19. B. Bringel: O futuro anterior: continuida-des e rupturas nos movimentos estudantis doBrasil em Revista EccosN11, 2009, pp. 97-121.20. Armando Boito Jr. e Andria Galvo (eds.):Poltica e classes sociais no Brasil dos anos 2000,Alameda, So Paulo, 2012; Marco AntonioPerruso e Viviane Becker Narvaes: Les jour-nes de(puis) juin 2013 em Brsil(s): SciencesHumaines et Sociales N 7, 2015, pp. 19-38.

    21. E. Sader: Quando novos personagens entraramem cena: experincias e lutas dos trabalhadores dagrande So Paulo (1970-1980), Paz e Terra,SoPaulo, 1988.

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    sociedade civil institucionalizada. Emoutras palavras, no h no Brasil nes-

    te momento uma substituiodos su-jeitos prvios nem das matrizes s-cio-polticas e ideolgicas guiadaspelas organizaes tradicionais e peloEstado, mas sim uma coexistncia,comdiferentes possibilidades de coopera-o e de conito.

    As prticas e expressividades dos ato-

    res emergentes tambm buscam sedistanciar da forma-movimento eda forma-partido mais convencio-nal e dos repertrios de mobilizaoguiados por bandeiras e lemas previa-mente denidos que so puxados por

    carros de som e ou vozes nicas. Estaopo pelo no logoe pela ausncia delideranas formais uma caracters-

    tica comum das manifestaes brasi-leiras de 2013 com os acampamentosdo Occupy e dos indignados, bemcomo dos espaos de ao dos jovensalter-mundialistas da dcada de 2000.Embora, para alguns, isso possa serlido como um ato de intolerncia, paraa maioria dos manifestantes trata-se

    de armar sua autonomia diante dasinstncias clssicas de socializao po-ltica e de organizao dos militantes.

    Embora possa promover a criativida-de e o compromisso pessoal, a des-conana s organizaes e formas

    de ao mais estruturadas pode tor-nar-se um limite quando se trata de

    prolongar no tempo ideias e prticasinovadoras ou lev-las poltica insti-tucional e a parcelas mais amplas da

    sociedade, mesmo que desaandoa.

    Mobilizaes que no buscam formar

    movimentos ou coletividades so con-frontadas com os limites das redesde movimentos apontadas por LilianMathieu22, pois, mesmo possuindouma grande capacidade para im-pulsionar as mobilizaes, so inca-pazes de conduzi-las para alm doprotesto, j que no podem negociare alicerar acordos de sada do coni-

    to e no gozam da legitimidade quefornecem os mecanismos eleitorais ede representao.

    Outra ambivalncia tpica deste ciclode mobilizaes no Brasil a tendn-cia transversalizao das agendas edas aes. Por um lado, isso tem enri-quecido bastante os movimentos, pois

    a maioria das coletividades hoje nose restringe a defender somente suaprpria causa, dialogando e internali-zando temas (gnero, meio-ambiente,etc.) e lutas diversas (ans, mas distin-tas). H, no plano interno, uma assun-o de muitos debates e identidades,enquanto, no plano externo, geram-se demandas aglutinadoras que per-mitam a inteligibilidade de lutas dis-tintas. Por outro lado, no entanto, aagregao de vrias agendas no ne-cessariamente leva a uma retomadadas grandes agendas polticas, como areforma agrria ou a reforma urbana.

    Cabe, nalmente, frisar que as matri-

    zes discursivas do ativismo emergente,

    22. L. Mathieu:La dmocratie protestataire, Presses

    de Sciences Po, Paris, 2011, p. 40.

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    entendidas aqui no sentido dado porEder Sader dcadas atrs, tem se orien-

    tado a duas tendncias chamativas. Aprimeira delas a de um discurso daurgncia da ao que, mesmo sendocapaz de pensar o presente e mobilizarpara causas, campanhas e interven-es imediatas, no parece se projetarpara a construo de uma utopia deum futuro ideal. De todo modo, po-der-se-ia argumentar, a despeito das

    possveis contradies, que, no casodos atores emergentes, a construo deum horizonte porvir encontra-se nas pr-

    ticas e no nos discursos, materializadaem um ativismo pr-gurativo que

    busca construir o mundo que quere-mos a partir do espao que habitamos.Neste sentido, o compromisso pessoale a coerncia aparecem como elemen-

    tos-chave de uma atitude e uma per-formatividade do mundo vindouro.

    J a segunda tendncia est marcadapela nfase do que podemos denomi-nar como poltica dos eventos. Sob amarca da urgncia da ao, realizadae convocada uma innidade de atos e

    eventos que no necessariamente ge-ram acmulo social. Eis aqui um desa-o central, pois a adoo de uma lente

    analtica processual, como a aqui suge-

    rida, enfrenta-se com o movimento emmovimento, com os atos mais visveisobscurecendo aqueles mais subterr-neos e com um processo poltico trun-cado e escorregadio, onde nem sempreos eventos se concatenam claramente ecuja permanncia no tempo incerta.

    Junho mais longo e mais complexo doque prevamos em 2013.

    REVISTA BRASILEIRA

    DE CINCIASSOCIAISRBCS

    Junho de 2015 San Pablo Vol. 30 No88

    ARTIGOS: Ideias em outro lugar? Constituio liberal e codificao do direito privado na virada

    do sculo XIX pra o sculo XX no Brasil, Marcelo Neves. Violncia e poltica, Luis FelipeMiguel. Ps-estruturalismo e a crtica como repetio, Cristiano Mendes.Entre cooperao ecentralizao: federalismo e polticas sociais no Brasil ps-1988, Jos Angelo Machado ePedro Lucas de Moura Palotti. Movimentos sociais e instituies participativas: efeitos doengajamento institucional nos padres de ao coletiva,Euzeneia Carlos. O conflito social epoltico nas hidreltricas da bacia do Uruguai, Humberto Jos da Rocha e Hemerson LuizPase. Desafios ontolgicos e epistemolgicos para os mtodos mistos na cincia poltica,Glauco Peres da Silva.Diferenciao institucional e desigualdades no ensino superior, ArnaldoMontAlvo.Juventude, por cor e renda no acesso ao ensino superior: somando desvantagens,multiplicando desigualdades?, Felcia Picano.RESENHAS.

    Revista Brasileira de Cincias Sociais (RBCS) es una publicacin cuatrimestral de la AssociaoNacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais (Anpocs), Av. Prof. Luciano Gual-

    berto, 315, Cidade Universitria, CEP 05508-010, So Paulo, SP. Tel.: (11) 3091.4664. Fax:(011) 3091.5043. Correo electrnico: . Pgina web: .