2015 sem XV - Um ano sem futebol profissional em Jaú

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Livro entregue como trabalho de conclusão do curso de jornalismo na Unesp de Bauru

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UM ANO SEM FUTEBOL PROFISSIONAL EM JAU

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Copyright © by Deivide Martins Sartori

Preparação de textoDeivide Martins Sartori

RevisãoDeivide Martins SartoriJosé Carlos Marques

OrientaçãoJosé Carlos Marques

Produção editorialAndré Luiz Lopes Rodrigues

Projeto Gráfico, Diagramação, Arte e CapaAndré Luiz Lopes Rodrigues

Crédito das FotosPágina 34 – Arquivo pessoal Tiago PaviniPágina 48 – Leandro CarvalhoPágina 94 – Reprodução/ojauense.com.br Página 98/99 – Reprodução/debatebolajau.blogspot.com.brPágina 112 – Reprodução/globoesporte.comTodas as demais fotos, incluindo a de capa – Bruna Romero.

Sartori, Deivide Martins;

2015 sem XV: um ano sem futebol profissional em Jaú/Deivide Martins Sartori. Bauru, 2015. 130 p.

Trabalho de Conclusão de Curso, Modalidade de ProdutoUniversidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2015.

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Dedico este livro a todos os amantes do futebol e, em especial,

aos apaixonados pelo Esporte Clube XV de Novembro de Jaú.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, à minha mãe e à minha irmã – Antonio, Maria e Patricia, respectivamente – por todo amor e carinho;

A todos os entrevistados – Célio, Geleia, Hamilton, Ítalo, Ricardo, Tiago e Vanthier – pela enorme gentileza com que me atenderam e por aceitarem fazer parte deste trabalho;

Ao meu orientador, professor Zeca Marques, por todos os conselhos e por me apontar a direção quando o caminho tornava-se tortuoso;

Aos amigos e amigas Carol, Larissa, Leandro e Renan pelas pontuais e tão importantes contribuições;

Para a mais que amiga Ana Luiza por todo o apoio e por sempre ter as palavras certas para os meus momentos mais incertos;

Para o mais que amigo Cesar por ser tão louco por futebol e pelo XV quanto eu;

À amiga Bruna pela companhia durante o trabalho de campo e pelas belas fotografias;

Ao amigo André Luiz por dar vida ao projeto com as atividades de arte e diagramação;

Para a colega Patrícia, do Arquivo Histórico do Jornal Comércio do Jahu, pela atenciosa colaboração durante a fase de pesquisa;

Para o colega Angelo, da Escolinha de Futebol do XV de Jaú, pela gentil ajuda durante a fase de apuração;

A todos do Garra Futebol pela amizade de sempre;

E à Universidade Estadual Paulista (UNESP) e toda sua equipe pela minha formação acadêmica e pessoal.

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SUMÁRIO

ApresentaçãoCapítulo 1 – O preparador sem luvasCapítulo 2 – O assessor que veste a camisaCapítulo 3 – O jornal sem notíciasCapítulo 4 – Triste alegriaCapítulo 5 – Happy hour, sim. Happy year, nãoCapítulo 6 – O poder sem poderCapítulo 7 – O torcedor de lutoRetratos da ausênciaConsiderações fi nais

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho não era para ter existido. Para explicar como cheguei até aqui, voltarei um pouco no tempo. Mais precisamente para meados de 2014, quando ideias de temas para o trabalho de conclusão de curso começavam a pipocar na minha cabeça. Entre tantos assuntos pensados e descartados, havia sobrado um: o XV de Jaú. Em acordo com o meu orientador, professor Zeca Marques, decidi que faria uma grande reportagem sobre a campanha do clube jauense na quarta divisão do Campeonato Paulista de 2015. No papel, a intenção era acompanhar todos os jogos do XV para mostrar quais eram as dificuldades em participar da última divisão do futebol profissional do Estado.

No entanto, conforme 2014 aproximava-se do fim, aumentavam as incertezas acerca do futuro do XV de Jaú. Sem uma parceria forte e com muitas dívidas, o clube poderia ficar fora das competições profissionais da Federação Paulista de Futebol. A última ausência havia sido no longínquo ano de 1974. Mesmo achando que seria difícil, eu (ao deixar meu lado torcedor falar mais alto) resolvi apostar que o clube encontraria a solução: montaria um elenco, colocaria o time em campo e, consequentemente, salvaria meu tema de TCC.

Aposta errada. Em 03 de fevereiro de 2015, a direção anuncia oficialmente a licença da disputa da quarta divisão paulista. Ao saber da notícia, começo a pensar em novas ideias, além de resgatar as anteriormente descartadas. Alguma delas deveria servir para que rendesse um bom trabalho de conclusão de curso. Na reunião seguinte com o professor Zeca, ele me propõe: “E que tal abordar a não participação do XV em 2015?”. Taí. Finalmente, tinha encontrado o tema desta grande reportagem publicada em forma de livro.

A princípio a ideia pareceu ser mais simples de ser executada em comparação à proposta inicial. Ao pensar na logística, não precisaria me deslocar para as cidades onde o XV jogaria. Com o clube sem atividades, poderia fazer grande parte do trabalho de apuração em Jaú, a depender da escolha dos personagens. Se logisticamente a tarefa estava facilitada, conceitualmente existiam definições a serem feitas: do que exatamente vou falar? Com o clube parado, como produzir conteúdo para a reportagem? Quem devo entrevistar? Em suma, como fazer a ausência do XV estar presente no trabalho?

O que você, leitor ou leitora, lerá nas páginas a seguir é o fruto da minha

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tentativa de atender a todas essas inquietações. Na reportagem “2015 sem XV: um ano sem futebol profissional em Jaú”, busco recontar a história da não participação quinzeana na perspectiva de personagens com inegáveis vínculos com o clube – ou pela paixão que demonstram ou pelas funções que exercem.

Para isso, entrevistei sete pessoas de variados setores da sociedade jauense: um preparador de goleiros e também ex-atleta; um colaborador do clube; um repórter de jornal impresso; um radialista; um comerciante; um secretário municipal e também ex-patrocinador; e um torcedor. Cada capítulo é dedicado a um desses personagens, que contam suas opiniões sobre o afastamento do clube, suas reações ao saberem da notícia e como a ausência do XV alterou suas rotinas. Além disso, são relatadas diversas memórias que servem tanto para evidenciar a forte relação dos personagens com o XV de Jaú quanto para justificar a escolha desses indivíduos.

A reportagem também buscou compreender os impactos que a ausência do XV em 2015 provocou na cidade de Jaú. Nessa perspectiva, foi observado como ocorreu a aproximação ou o afastamento dos personagens em relação ao XV. O cotidiano do clube, as implicações da decisão tomada e breves reflexões sobre o futuro também são abordados.

Por fim, vale lembrar que o 2015 sem XV similarmente é o 2015 sem União São João de Araras, sem Taquaritinga, sem Pirassununguense, e a lista só aumenta. Assim como Jaú, outras cidades do interior passam pela mesma situação: não terão seus times em campo em 2015. Assusta a velocidade com que a exceção (que seria o fato de um clube não ter condições de disputar uma quarta divisão paulista) tem virado regra. Nesse triste contexto, refletir e buscar saídas são ações urgentes. O futebol do interior não pode e não merece morrer.

Boa leitura!

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CAPÍTULO 01

O preparador

sem luvas

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O PREPARADOR SEM LUVAS

Começo por onde a ausência se faz presente. Ao visitar as dependências do Zezinho Magalhães, estádio do Esporte Clube XV de Novembro de Jaú, é possível observar que ali falta alguma coisa.

Falta um toldo sobre um dos bancos de reserva, localizado próximo à lateral do campo. Chuva e vento fizeram desabar a proteção e o que restou foi somente a estrutura metálica deteriorada. Falta pintura no desgastado placar de madeira. A tinta descasca justamente no pedaço em que está gravado o nome do time local: XV de Jaú. Falta limpeza em alguns setores da arquibancada. Em determinados pontos, tufos consideráveis de mato se acumulam. É esse o retrato que visualizo na casa do Galo da Comarca1 numa terça-feira, de sol entre nuvens, do mês de maio de 2015.

Um ano atrás, no mesmo período, jogadores estavam em treinamento no gramado. A comissão técnica estava reunida pra discutir a escalação da equipe. O alojamento e a cozinha estavam em utilização. Os vestiários não estavam escuros e trancados com cadeado nos portões de acesso. Repórteres estavam à beira do gramado em busca de informações. Um ano atrás, o XV estava em atividade na quarta divisão do Campeonato Paulista. No 2015 sem XV, tudo está diferente. Ou quase tudo.

A grama do campo, por exemplo, não está alta como seria de se esperar. Está bem aparada. O futebol é perfeitamente praticável nessas condições. De repente, uma surpresa: um funcionário do clube aparece com uma lata de tinta branca e um rolo de pintura e começa a retocar as marcas das linhas de fundo.

- Oi, tudo bom!? Qual é o nome do senhor?- Ernesto.- ‘Seu’ Ernesto, o senhor que cuida do gramado?- Sim, a cada 15 dias eu faço o corte. Mas como ‘tamo’ numa época sem

chuva, a grama nem cresce muito, então dá pra deixar um tempo a mais sem cortar...

- Ah, ‘tá’ bem cuidada sim. E a pintura das linhas? É sempre o senhor que faz também?

¹O apelido foi criado em 1931 durante reunião dos representantes dos clubes que participariam de um campeonato organizado pela Associação Paulista de Esportes Atléticos. O representante do XV, Manoel do Porto, não aceitou o regulamento. Isso provocou a revolta de Antônio Galizia, delegado do Bocaina F.C., que disse: “O XV quer ser o galo. Precisamos quebrar-lhe a crista”. Em resposta, Manoel do Porto declarou: “Então, o senhor quer dizer que o XV quer ser o Galo da Comarca?”. A partir disso surgiu o cognome do XV de Jaú.

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- É. Hoje eu ‘tô’ dando essa retocada por causa do jogo da escolinha no fim de semana.

Sim, ainda há uma chance de ver futebol por ali, mesmo com o Galo afastado das atividades profissionais. Poucos minutos depois da conversa com o senhor Ernesto, saio do campo principal, atravesso um portão interno e vou para o espaço ao lado, onde ficam as instalações do centro de treinamento do clube. Vários garotos começam a chegar para as atividades daquele dia na escolinha de base. E é lá que eu encontro o primeiro personagem deste livro: Ítalo.

***

“Vai, seis vezes de cada lado, foi... Muito alta, Mateus. Chega mais próximo dele e não precisa jogar forte, vai, foi... Lucas, você está caindo antes da bola, espera ela quicar... Não, parou...”. Ítalo interrompe mais uma vez o treino e vai corrigir os movimentos ainda descoordenados de dois garotos aspirantes a goleiro. O movimento, em dupla, exige que um deles arremesse a bola no gramado para que o outro ajoelhado e a menos de dois metros de distância a segure tombando o corpo para um dos lados de forma a completar a defesa. A simplicidade da ação é inversamente proporcional à sincronia dos meninos. E é isso que o professor Ítalo tenta reverter ao pegar a bola das mãos de Mateus e mostrar como ele deve arremessar, ao mesmo tempo em que orienta como deve ser a queda de Lucas no gramado.

Ítalo Baraldi Neto, 36 anos, é um dos três professores da escolinha de base que funciona no centro de treinamento do estádio Zezinho Magalhães. Apesar de estar instalada nas dependências do clube, a escolinha na qual ele trabalha não é propriamente do XV de Jaú. Trata-se de uma parceria entre um empresário e o clube. Pelo acordo, o empresário é responsável pelos custos com funcionários, material esportivo, manutenção dos espaços utilizados, além das demais despesas originárias da escolinha. Em contrapartida, o XV recebe mensalmente uma franquia pela terceirização, de forma a garantir uma renda fixa no já muito enxuto caixa de 2015.

No total, são 180 alunos matriculados e divididos em turmas conforme a idade, sendo que para fazer parte da escolinha a mensalidade cobrada é de cinquenta reais. Ítalo é o responsável pela preparação específica de goleiros em doze meninos com idade entre 7 e 17 anos. Na mente dos garotos há um sonho em comum: tornar-se goleiro profissional. O sonho dos alunos também foi o do professor. E ele até chegou a concretizá-lo, mas faltou pouco para que ficasse completo.

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Aqui é trabalho, meu filho: Ítalo treina os goleiros da escolinha

terceirizada que funciona no Centro de Treinamentos do XV.

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Aos 14 anos, Ítalo ingressou na categoria infantil do XV de Jaú. Dali em diante, ele passaria por todas as categorias de base do clube. Infanto-juvenil, juvenil e júnior até se profissionalizar em 1999, aos 20 anos. Como profissional, o que parecia ser a realização do sonho acabou virando frustração: “Por três anos eu sempre estive no elenco principal, mas nunca cheguei a jogar”, lamenta. Nos meses próximos ao início dos campeonatos, os técnicos sempre buscavam trazer jogadores mais experientes para defender a meta quinzeana e ele, um jovem à época, acabava sem a tão aguardada oportunidade.

Como não dizer que o futebol imita a vida? A situação de Ítalo, cheio de vontade e recém-profissionalizado, era semelhante à situação de qualquer formando que busca a inserção no mercado de trabalho. Procura uma chance. Exigem experiência. Como, no entanto, adquirir experiência se nenhuma chance é oferecida? Há quem diga que a tal oportunidade pode demorar, mas sempre surge pra quem demonstra competência. Eis que em 2001, Ítalo recebe uma proposta de transferência para o América de São José do Rio Preto. Poderia ser a ocasião favorável para ele iniciar a carreira profissional. Poderia. Ítalo tinha contrato até dezembro daquele ano com o XV, que para liberá-lo exigia um valor na negociação que o clube interessado não tinha condições de pagar. Ítalo cumpriu seu contrato e ao final de 2001, desanimado, encerrou sua carreira como goleiro.

Até pela própria experiência, Ítalo tem cautela quando conversa sobre o futuro dos garotos. Alguns pais de alunos da escolinha o procuram e, muito enfáticos, sentenciam que os filhos serão goleiros. Em resposta, o professor procura descontruir a certeza inabalável dos pais. “O processo precisa ser natural para ver se a criança realmente quer aquilo. Um garoto de sete anos pode querer ser goleiro hoje e daqui a dois, três anos se desinteressar e buscar outra coisa”, explica.

E para que o processo se desenvolva de forma natural, o professor procura amenizar o nervosismo dos comandados, principalmente nos momentos de maior tensão para eles: os jogos. Mensalmente as equipes da escolinha disputam amistosos contra adversários de outras cidades. Nessas partidas, geralmente disputadas no campo principal do estádio do XV, as famílias comparecem para acompanhar o desempenho dos garotos e incentivá-los. O incentivo mais próximo ao ouvido dos jovens goleiros, no entanto, vem de Ítalo, estrategicamente posicionado atrás da meta defendida pelos alunos. Palmas, orientações e elogios para as boas defesas e saídas do gol. E para as falhas? “Não falo sobre elas nos jogos para não deixá-los mais nervosos ainda. Deixo para comentar nos treinos”, enfatiza.

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CAPÍTULO 01

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E foi assim que começou um dos treinos que pude acompanhar. Com aspecto calmo, o preparador entra no campo reduzido (do tamanho de uma quadra de futsal) de treinamento carregando as bolas a serem utilizadas. Atrás dele, sete garotos o acompanhavam, naquele dia. Antes das atividades terem efetivamente início, Ítalo reúne os alunos em círculo para uma conversa sobre as falhas nos jogos. O tom é de seriedade. “Wiliam, e aquela saída de bola no escanteio?”, questiona. Com a cabeça baixa, o garoto responde: “Sai atrasado, professor”. “E como era pra você ter saído?”. “Antecipando o atacante”. O papo segue. Cada garoto é questionado sobre alguma situação observada nas partidas. Os posicionamentos, as reposições de bola, os movimentos de defesa, todos os detalhes inerentes à posição são discutidos.

Depois da conversa, do aquecimento e do alongamento, começam as atividades específicas. Numa delas, os meninos, um de cada vez em fila indiana, precisam segurar (ou o famoso “encaixar”, no jargão dos goleiros) uma bola rasteira chutada pelo preparador. O ritmo é intenso, mas isso não impede que Ítalo paralise a atividade para correções. Já com a bola encaixada no gramado, um dos alunos recebe a orientação que serve também aos demais: “Pedro, encosta a barriga no ‘chão’, bola na altura do peito, curva a coluna, flexiona a perna pro alto, isso, agora sim, vai, foi...”. Nenhum detalhe passa despercebido ao olhar atento do professor.

Ítalo comenta que gosta do trabalho com as crianças. “Com os garotos, eu posso implantar a metodologia de treinos e fazer com que eles se desenvolvam desde cedo com os fundamentos corretos para a posição. Diferentemente dos profissionais, que muitas vezes chegam com alguns vícios a serem corrigidos”, compara. Para ele, observar a evolução dos alunos em dois ou três meses de trabalho é gratificante.

Logicamente, Ítalo também desenvolveu o olhar apurado para reconhecer quando um garoto se destaca. “Nos treinos é possível ver quando um menino tem dom e potencial para algo a mais”, afirma. Um desses meninos, que no passado só tinha o potencial, hoje já demonstra ter alcançado o “algo a mais” e, vez por outra, garante vitórias para o Corinthians.

O ano era 2003 e Ítalo havia retornado para o XV de Jaú. Dessa vez, no entanto, atuava como preparador de goleiros do time profissional. Num clube de recreação e esportes da cidade, um adolescente de 14 anos de idade se destacava nos campeonatos internos de futebol. Como não era sócio desse clube, Ítalo foi convidado para assistir às partidas do garoto. Gostou tanto do que viu, que fez a proposta para que o menino passasse a treinar nas categorias de base do XV. Com a proposta aceita, o Galo da Comarca conheceria em pouco

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tempo seu futuro goleiro: Walter.“Nesse primeiro ano na base, Walter apresentou uma evolução muito

grande”, comenta Ítalo. No ano seguinte, o time principal do XV estava em preparação para a disputa do campeonato paulista da terceira divisão. Em conversa com o técnico (Wladimir Pereira, à época), Ítalo solicitou que Walter, então com 15 anos, fosse integrado ao elenco profissional como o quinto goleiro. Na prática, Walter não chegou a participar de jogos oficiais e nem de treinos coletivos naquele período. Apenas fazia parte, juntamente com os outros goleiros do plantel, dos treinamentos específicos comandados pelo preparador. Além de evoluir tecnicamente, Ítalo esperava que o pupilo pudesse aproveitar a oportunidade de estar envolvido com o grupo de jogadores para ganhar experiência.

Alguns fatos no segundo semestre de 2004, provocam uma reviravolta nas vidas de Ítalo e Walter. O primeiro aceita uma proposta de trabalho financeiramente irrecusável e deixa o XV. O segundo estreia profissionalmente com a camisa do Galo, na Copa Paulista daquele ano. “Embora a gente soubesse das qualidades dele, foi uma surpresa muito grande olhar a escalação do primeiro jogo do campeonato e ver o nome do Walter como titular do XV aos 16 anos”, relata Ítalo. A partir disso, Walter voou para agarrar as oportunidades e alcançar o desejo de todo garoto.

Em 2005, Walter retorna ao time sub-20 e auxilia o XV na conquista de um título inédito na história do clube. Com vitórias sobre Corinthians, na semifinal, e Santos, na final, o Galo torna-se campeão do Campeonato Paulista Sub-20. Festa na Vila Belmiro, local do jogo decisivo. Após passagens por times do Estado do Paraná e do Rio Grande do Sul, Walter retorna ao XV em 2012 e, apesar das boas atuações, não consegue evitar o trágico rebaixamento do clube para a quarta divisão do futebol estadual. Como se não bastasse o sofrimento, ao final do mesmo ano o torcedor quinzeano vê o rival Noroeste ser campeão da Copa Paulista. Detalhe: com Walter no gol. Em 2013, o goleiro jauense faz bela participação na primeira divisão do Campeonato Paulista pela União Barbarense. As boas defesas despertam o interesse do Corinthians, para onde se transfere tornando-se o reserva imediato do titular Cássio.

Mesmo tendo alcançado o sucesso por estar em um dos times grandes da capital, Walter não esquece as raízes jauenses e os ensinamentos daquele que foi praticamente seu tutor no início de carreira. Com satisfação, Ítalo lembra que não perdeu o contato com o ex-aluno: “Sempre que vem pra Jaú, ele passa na minha casa pra conversar ou me presentear com alguma camisa. Esse reconhecimento de um trabalho feito lá atrás é gratificante pra mim”. Ítalo só

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não pôde estar por perto no período da profissionalização de Walter. Não havia, aliás, possibilidade de estar perto. No segundo semestre de 2004, Ítalo estava bem longe de Jaú...

***

Depois de ter encerrado precocemente a carreira de jogador no final de 2001, Ítalo conversou com os pais e, decepcionado, decidiu que não queria mais trabalhar com futebol. Entrou na faculdade de educação física em 2002, aos 23 anos, com o pensamento de respirar novos ares. Só não imaginava que o cheiro exalado pelos novos ares fosse tão parecido com aquele já impregnado em seu olfato desde os 14 anos. Isso porque no mesmo ano o então treinador do XV de Jaú, Leandro Campos, o convida para ser o auxiliar do preparador de goleiros, João Luís. Por se tratar de um preparador que havia sido seu técnico no passado, Ítalo aceita de imediato a proposta, também com o intuito de se desenvolver nessa área. Semanas depois, João Luís vai para o Mogi Mirim e Ítalo assume o cargo de preparador de goleiros de todas as categorias do Galo, incluindo a profissional. Na função, fica até maio de 2004, quando recebe outro convite. Dessa vez, para trabalhar no Japão. Definitivamente, novos ares.

A proposta surgiu de um amigo, Adauto, que já trabalhava no Japão. Adauto estava de saída da equipe universitária de Shizugaku2 e sondou Ítalo para saber se havia o interesse do amigo em assumir a função de treinador de goleiros que ficaria vaga. Como a proposta era financeiramente muito boa, Ítalo aceitou o desafio. Coincidência ou não, ele estava indo trabalhar num time universitário reconhecido por revelar diversos jogadores para os clubes da elite profissional do Japão. Uma dessas revelações foi Kazu3, ídolo de japoneses e jauenses. “O XV era bastante conhecido e respeitado lá por causa dessa passagem do Kazu no clube”, comenta o preparador.

Nos dois primeiros anos de trabalho por lá, Ítalo teve a companhia de um ex-jogador quinzeano. Níveo, meio-campista do XV na década de 1980, era o técnico do time japonês e auxiliou o treinador de goleiros no relacionamento com os atletas do elenco, principalmente no que diz respeito ao idioma local. “A língua é muito difícil. Procurava aprender com os goleiros observando eles

²Shizugaku é o nome da equipe de futebol do complexo universitário Shizuoka Gakuen School, localizado na cidade de Shizuoka, Japão.³Kazuyoshi Miura, o Kazu, nasceu em Shizuoka (japão), em 26 de fevereiro de 1967. Teve passagem marcante no XV de Jaú entre 1987 e 1988. No Brasil, defendeu também Santos, Coritiba e CRB-AL. O atacante jogou por diversos clubes do Japão e é considerado um dos ícones do futebol no país.

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conversarem. Hoje não falo fluentemente, mas consigo tranquilamente conversar com um japonês”, comenta Ítalo.

A jornada do preparador de goleiros em terras nipônicas duraria mais três anos. Nesse período final, era o único brasileiro em sua equipe. O sentimento de solidão só não foi maior devido à chegada da mulher Tabata. Os dois passaram a viver juntos no Japão e, no último ano por lá, a família ficou maior com o nascimento da filha Beatriz. Ítalo avalia a experiência na equipe japonesa como sensacional devido à estrutura e às condições de trabalho oferecidas. Inclusive por ter o salário pago em dia, prática nem sempre cumprida na realidade do futebol brasileiro. “Até hoje minha mulher tem vontade de voltar pra lá. Recebi nos últimos anos propostas para o retorno, mas financeiramente já não eram tão vantajosas”, finaliza Ítalo.

***

De volta ao Brasil, novamente o XV entra no caminho profissional de Ítalo. Em 2009, ele assume mais uma vez o posto de treinador de goleiros do clube. No ano seguinte, continua com a tarefa. Com o clube tendo pouco dinheiro em caixa, esse é um período em que a limitação dos times montados só permite ao Galo figurar em posições intermediárias da tabela da terceira divisão paulista. Em 2011, Ítalo assume como o auxiliar técnico do treinador Doriva Bueno. No cargo tem como uma de suas funções observar jogadores, não somente goleiros, para a montagem do elenco. No campeonato, o time vai bem e avança para a fase decisiva. No duelo contra adversários mais fortes, no entanto, o XV sucumbe. O degrau para a segundona estava alto demais para as possibilidades do Galo à época. Cair, porém, para o degrau de baixo ninguém imaginava...

Em 2012, ano da desastrosa campanha de rebaixamento para a quarta divisão do campeonato paulista, Ítalo não fez parte da comissão técnica do XV. Ele estava com a atenção voltada para as aulas numa escolinha de goleiros instalada num clube da cidade. A parceria da prefeitura com a ONG ligada ao clube permitiu a participação sem nenhum custo de 35 garotos nas aulas.

No ano seguinte o XV disputaria pela primeira vez a quarta divisão. A situação era tão triste quanto nova. O que o time jauense poderia esperar da disputa na divisão mais inferior do futebol profissional paulista? Praticamente ninguém tinha a resposta. “Pra mim foi temeroso. Nunca tinha passado por isso (disputar a quarta divisão). Mas pelas pessoas contratadas, eu resolvi voltar e apostar naquilo que estava sendo implantado no clube”, comenta Ítalo. Ele estava de volta ao Galo. Com nova diretoria e mais uma vez comandado pelo

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técnico Doriva Bueno, o XV tinha como missão voltar para a terceira divisão.“A gente não tinha ideia do que era aquele campeonato. Nós fomos

jogar o primeiro jogo em Américo Brasiliense, que era um campo desse tamanho (faz sinal com as mãos para metaforicamente mostrar o quanto o estádio era pequeno)... Nós perdemos o jogo4 e eu pensei: ‘Meu Deus do céu... Isso aqui é um amador que nós vamos ter que jogar e tirar o XV daqui’”, relembra Ítalo. Para ele, aquele foi um dos anos mais difíceis entre todos em que trabalhou no XV de Jaú. “Nós montamos um time modesto, mas que ‘vestia a camisa do XV’. As pessoas podiam dizer ‘o time é muito ruim’, mas as condições financeiras possibilitavam que se fizesse aquele tipo de contratação”, fala o preparador, em defesa ao trabalho realizado.

4Américo 1 x 0 XV de Jaú. Jogo de estreia do XV de Jaú na quarta divisão do Campeonato Paulista de 2013. Local: Estádio Municipal Joaquim Justo, em Américo Brasiliense-SP. Data: 28 de abril de 2013.

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Fome de bola: garotos de 7 a 17 anos de idade participam dos

treinos do preparador de goleiros.

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Após a derrota inicial, o clube jauense se recuperou na competição. Com a campanha de quatro vitórias, três empates e três derrotas na primeira fase, o time garantiu uma suada terceira posição no grupo com seis equipes. Foi o suficiente para avançar. A invencibilidade conquistada com duas vitórias e quatro empates na segunda fase fez com que a torcida passasse a acreditar no time. Apesar das evidentes limitações do elenco, o XV já estava na terceira das cinco fases no total. Numa competição de baixo nível técnico, sonhar com o acesso era possível.

Mas se dentro de campo a situação estava boa, fora dele não havia como dizer o mesmo. Os salários estavam atrasados. “Imagina o cara que é casado, tem a família pra sustentar e só tem o futebol como opção. Chega o dia de receber e não tem o dinheiro. Isso é doloroso. E ter que conviver com isso é complicado”, comenta Ítalo.

Na terceira fase, o grupo do XV continha Matonense, Inter de Bebedouro e Diadema. Apenas dois passariam. Enquanto o time de Matão liderou com folga e garantiu sua vaga por antecipação, o time da região metropolitana foi o saco de pancadas. Restava uma vaga para XV ou Inter. Na penúltima rodada, o Galo recebe a forte Matonense precisando de uma vitória simples para avançar. Talvez o termo “vitória simples” precise ser repensado em certas ocasiões. Levando em consideração o que funcionários e atletas do XV enfrentavam nos bastidores com a falta de pagamento, nada que fosse conquistado seria de maneira simples. Muito pelo contrário.

Casa cheia como há muito tempo não se via no estádio Zezinho Magalhães. A expectativa da torcida de poder ficar mais perto do acesso foi frustrada com o gol da Matonense. O XV até tentou a reação posterior, mas era visível a superioridade do time de Matão. Com todo o contexto de dificuldades financeiras, Ítalo, do banco de reservas, não se sentia em condições de exigir mais empenho dos jogadores. “Estávamos jogando contra um time que oferecia mil reais de ‘bicho’ para os jogadores. A gente não tinha ‘bicho’. E mesmo assim o ‘cara’ estava lá correndo e se dedicando. Vou cobrar mais o que do ‘cara’? É difícil!”, explica.

Derrotado em casa, o XV precisava de um empate no último jogo. O adversário era a Inter, concorrente direta, em Bebedouro. O time local vinha de vitória contra o Diadema e só passaria de fase se derrotasse a equipe de Jaú. Ítalo ainda recorda os detalhes daquela partida. “O XV arrebentou com o jogo no primeiro tempo, mas o gol não saiu. No intervalo, os próprios jogadores se cobravam para que o gol fosse marcado... só faltava o gol”. Pra infelicidade quinzeana, mais uma vez prevaleceu o velho jargão “quem não faz, toma”. 2 a

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O PREPARADOR SEM LUVAS

0. XV eliminado. “Juro por Deus, saí chorando daquele jogo. O futebol castiga. Fiquei triste pelo trabalho que foi feito até ali, mas aconteceu... tinha que ser”, suspira resignado.

Ítalo continuou seu trabalho como preparador de goleiros nas categorias de base do XV até dezembro de 2014, quando ao final da gestão da última diretoria encerrou seu vínculo profissional com o clube. O fim do vínculo, no entanto, não distanciou o profissional do clube. Além das aulas toda quinta e sábado na escolinha terceirizada, outro motivo faz com que o ex-goleiro compareça ao estádio com frequência. Motivo nada agradável, por sinal. O XV ainda tem pendências financeiras com Ítalo, fruto do trabalho realizado e não pago, durante a difícil campanha de 2013.

O preparador comenta que em 2014, já chateado com a situação, chegou a pedir para que a diretoria da época quitasse pelo menos a quantia devida ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) como uma forma de esquecer a dívida. Nem isso foi feito. Em relação à diretoria atual, a queixa é sobre a falta de satisfação: “Gostaria que eles me chamassem e reconhecessem o que tenho a receber, mas até agora nada”. Nesse impasse, muitos amigos aconselham o preparador a entrar na Justiça contra o XV para cobrar o valor. Em resposta, Ítalo demonstra a importância do laço que estabeleceu com o clube: “Não quero ter que chegar a esse ponto até pela história que eu tenho dentro do clube. Não quero entrar na Justiça pra não manchar essa história”, afirma.

Quando ouvi essa resposta, durante a entrevista realizada na casa do ex-goleiro, em Jaú, não tive mais dúvida. Estava de frente a um jauense apaixonado pelo XV. Paixão que passou do pai, Vanderlei Ítalo Baraldi, para o filho e que aumentou devido à proximidade de sua casa ao estádio Zezinho Magalhães. “Por morar perto, meu pai quase sempre me levava aos jogos. Além disso, podia observar a movimentação dos torcedores indo ao campo”, lembra. A casa de Ítalo localiza-se numa das principais vias de acesso ao estádio.

Ítalo soube da notícia do afastamento do Galo, quando estava no clube para tentar resolver as pendências financeiras. Sua reação foi de surpresa e choque com a decisão. “A gente sempre espera que isso aconteça com outros times, não com o XV”, afirma. Em relação à decisão, o ex-goleiro acha válido o afastamento desde que sirva para que o clube volte mais forte num futuro próximo. No entanto, ele apresenta preocupação pelo fato de não ter visto qualquer projeto.

Em 2015, Ítalo faz parte do grupo de vários profissionais do futebol que poderiam estar empregados no XV em busca do acesso para a divisão superior. Com a decisão tomada, no entanto, não há outra coisa a fazer que não seja

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Dívida: “Não quero entrar na Justiça pra não manchar essa história que tenho no clube”,

comenta Ítalo sobre as “luvas” não pagas pelo XV.

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lamentar os domingos sem os jogos e sem poder exercer a profissão. Resta a ele o trabalho na escolinha que na prática, com os amistosos realizados, representa uma das poucas maneiras de se ver a bola rolar no estádio do XV. Outra maneira é ir assistir a algum jogo do campeonato de futebol amador da cidade, já que o campo também é sede para algumas dessas partidas, geralmente disputadas nos finais de semana.

Para Ítalo, ficar afastado das competições oficiais pode ser uma ameaça para a “imagem” que o XV de Jaú simbolicamente representa para a cidade e para os torcedores. Baseado em sua experiência no comando de escolinhas, ele explica: “Se alguém montar, por exemplo, outra escolinha na cidade, ninguém irá nela. A maioria dos pais ainda vai procurar pela escolinha do XV, pelo nome e pela tradição do clube em revelar jogadores. Acredito que os pais pensam dessa forma. Acho que o afastamento poderia afetar isso, mas vejo que não afetou... ainda... De certa forma, é essa ‘imagem’ que faz o XV sobreviver”.

Em 2015, o preparador de goleiros recebeu diversas propostas de trabalho. Sertãozinho, São Carlos e Vocem de Assis foram algumas das equipes que procuraram por Ítalo. Como os convites não eram financeiramente atraentes, ele resolveu ficar com a família, em Jaú, onde concilia as atividades no clube jauense com outro emprego, em empresa de acessórios para calçados. “O futebol está em segundo plano pra mim. Só saio dessa situação por uma proposta muito boa”, completa. Aproveito para perguntar se ele aceitaria trabalhar novamente no XV, caso o clube voltasse à ativa em 2016. A resposta: “Não teria problema nenhum”.

No caso de Ítalo, 2015 significa seu afastamento do futebol profissional do XV. No caso do próximo personagem, 2015 representa uma aproximação ao clube. Apesar de passar a maior parte do tempo afastado de Jaú...

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O PREPARADOR SEM LUVAS

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CAPÍTULO 02

O assessor

que veste

a camisa

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CAPÍTULO 02

O ASSESSOR QUE VESTE A CAMISA

Na visita feita ao estádio em maio (relatada no início do capítulo anterior), movimentação só era notada nos campos de treino nos quais os garotos da escolinha se exercitavam. Três meses

atrás, contudo, a movimentação ocorria nos bastidores do estádio. Presidentes, diretores e conselheiros buscavam uma solução (leia-se parceria ou investidor) para evitar a licença do clube. Mas não houve solução. No dia 05 de fevereiro de 2015, uma coletiva de imprensa é convocada com o objetivo de apresentar as explicações para a decisão de não participar da quarta divisão.

Há muito tempo não se via o Jauzão com tantos jornalistas como se viu naquele dia. Repórteres de rádios locais, de jornais impressos, de emissoras de TV regionais, fotógrafos, cinegrafistas, etc. Todos presentes para entender os motivos da ausência do XV. No pronunciamento do presidente do clube, Laercio Carneiro, as razões: dívidas e falta de parceiras concretas. Cada uma das propostas que chegaram até o conhecimento da direção foi apresentada na coletiva e todas classificadas como inviáveis por não proporem garantias ao clube. “Foi com a faca no peito que nós tivemos que tomar a decisão de deixar o XV de fora do campeonato”, declarou o presidente.

Mais adiante, o vice-presidente e ex-jogador, Toninho Paraná, toma a palavra e afirma: “O glamour de se manter uma equipe boa em campo disputando a competição custaria 120 mil reais mensais. O XV não tem essa estrutura”. Em contrapartida, os clubes que disputam a quarta divisão recebem da Federação Paulista uma verba de participação de apenas 15 mil reais para todo o campeonato. Mesmo com a decisão de interromper as atividades profissionais, estima-se que o custo de manutenção do clube (água, energia, telefone e despesas gerais) gire em torno de 6 mil reais por mês.

Um dos responsáveis por reunir tantos jornalistas naquela coletiva foi o assessor de imprensa do clube. Assessor que ainda era estudante de jornalismo e sentia profundamente a tristeza de ver o XV se afastar das atividades profissionais, uma vez que ele nunca se afastou da torcida pelo time.

***

Cuiabá, 23 de junho de 2014. O clima era de festa! Não era para menos. No Estádio Mané Garrincha,

em Brasília, a Seleção Brasileira havia acabado de golear Camarões por quatro tentos a um. Com a vitória, garantia o primeiro lugar do grupo A e a passagem

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para as oitavas-de-final da Copa do Mundo realizada em solo nacional. A comemoração Brasil afora, logicamente, se estendia à capital mato-grossense, onde se realizava uma fan fest. Organizadas pela FIFA nas cidades-sede de jogos da Copa, essas festas contavam com a exibição de partidas em telões e shows ao vivo de forma a promover a confraternização entre torcedores brasileiros e estrangeiros, unidos na celebração do mês mágico para o mundo do futebol.

Em meio à multidão na fan fest, circulava um solitário jauense. Como manda o figurino nessas ocasiões, o verde e o amarelo faziam parte de suas vestimentas. Na cabeça, uma bandana com a imagem da bandeira brasileira. No corpo, a camisa do XV de Jaú. Com ingressos para assistir aos quatro jogos da Copa programados para a Arena Pantanal, Tiago Pátaro Pavini, o jauense em questão, acompanhava de perto toda a movimentação que a competição gerava em Cuiabá. As pessoas, as culturas, as torcidas, as canções, tudo era alvo de sua atenção. E de sua surpresa...

“KAZU, KAZU, QUINZE DE JAÚ”. Foi assim, aos gritos (em caixa-alta) que um torcedor japonês se aproximou de Tiago ao perceber que ele vestia a camisa do time no qual Kazu, o ídolo do futebol japonês, se destacou. Não era preciso saber falar o idioma do novo amigo. A linguagem universal do futebol já era suficiente para que ambos entendessem que um registro fotográfico daquele momento era necessário. A foto é tirada. Nela, Tiago e seu novo amigo, um japonês com diversos adereços nas cores nipônicas e o rosto ainda estupefato com o que havia acabado de encontrar no Brasil.

E não parou por aí. No dia seguinte, a Arena Pantanal receberia o seu último jogo como sede da Copa do Mundo de 2014. A classificada Colômbia duelaria contra o desesperado Japão, que necessitava da vitória para não ser eliminado. Antes do jogo, nos arredores do estádio, lá estava Tiago novamente com sua camisa quinzeana e uma “bandeira” (bem, como eu posso dizer...) peculiar: “Eu ia pra Cuiabá assistir aos jogos e não tinha uma bandeira do XV. Procurei com alguns amigos e ninguém tinha, e também não encontrava nenhum lugar que vendesse. Aí eu fiz de cartolina mesmo, passei uma fita adesiva na cartolina, pintei com guache e assim... não ficou uma coisa muito bonita né (risos). Em todos os jogos eu esticava a cartolina com o emblema do XV pra ver se aparecia na TV. Infelizmente não apareceu”, lamenta.

Identificado com a camisa e a band..., ou melhor, cartolina do XV, Tiago só conseguiu entrar na arena depois de uma longa sessão de fotos, com japoneses majoritariamente. Nas poses, alguns torcedores se viravam para exibir nas costas as inscrições 11 e Kazu, gravadas nas camisas que, por coincidência, vestiam para aquele jogo. “Um pessoal parava e ficava olhando e filmando

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Ligação Jaú-Japão: Tiago e os amigos

japoneses em Cuiabá.

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como se fosse uma coisa estranha o ‘Kazu, XV de Jaú’, então isso foi uma coisa bem legal que mostra o tamanho do XV. A lembrança e a consideração que eles têm (pelo clube jauense) é algo muito grande”, relembra Tiago. Ao fim do jogo, tristeza para os japoneses: derrota por 4 a 1 e eliminação da Copa.

***O hábito de se vestir com camisas do XV de Jaú é uma característica

que não pode deixar de ser citada em qualquer descrição que se faça de Tiago, 23 anos. Estudante no curso noturno de jornalismo da Unesp de Bauru, ele frequentemente comparece às aulas com uma de suas camisas relacionadas ao Galo da Comarca. Quando não veste a verde e amarela do time jauense, é muito provável que esteja com alguma alvinegra do Corinthians, seu “outro time”. Antes de questioná-lo sobre os dois clube, ele se antecipa com a resposta: “Sou primeiro quinzeano e depois corintiano”. Ainda sobre isso, Tiago explica que a proximidade é um fator importante nessa equação de torcedor: “com o XV sempre vou ao estádio, conheço os torcedores, até jogadores e pessoal do clube. Por não estar tão próximo, não vivencio o Corinthians da mesma forma”, complementa.

Bordado no peito: vestir as camisas com o escudo do Galo já é uma marca de Tiago.

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Ir à faculdade carregando o escudo do XV no peito virou uma marca do jauense. Marca que motiva brincadeiras e provocações, uma vez que estudar em Bauru significa estudar na “casa” do adversário e maior rival Noroeste. “Na minha classe tem alguns ‘coitados’ que torcem pelo Noroeste e sempre acontece essa brincadeira sadia de um provocar o outro ao ir com a camiseta”, comenta Tiago. Além das aulas, o estudante frequenta um projeto de extensão na Rádio Unesp FM, que funciona dentro do câmpus da universidade. No projeto, Tiago participa da produção do programa Observatório do Esporte. Nas gravações semanais, mais brincadeiras: “Você não tem outra camisa, Tiago? Só tem essa? Faz cinco dias que você está com ela, está até fedendo”, brincam os professores do programa.

Aficionado por futebol, o estudante desenvolve no projeto da rádio seu apreço pela área do jornalismo esportivo, um dos fortes motivos que o levaram a escolher pelo curso. Se no programa radiofônico universitário Tiago segue a linha editorial do projeto, que compreende a abertura de espaço para o debate sobre todas as modalidades esportivas, na internet, por sua vez, ele criou um blog para abordar seu tema preferido: o XV de Jaú. Na web desde abril de 2014, às vésperas da estreia quinzeana no campeonato paulista da quarta divisão daquele ano, o Setor do Galo1 surgiu com a proposta de suprir a falta de notícias do clube. “Os veículos de comunicação da cidade, em geral, não davam muita informação sobre o XV. Além disso, o clube não tinha um site oficial pra divulgar o que acontecia, então a gente pensou: ‘Poxa, o pessoal está querendo saber sobre o XV e não tem por onde se informar’”, explica.

Com a ajuda do amigo Murilo Surian, Tiago publicava no blog textos, fotos e vídeos com a cobertura dos jogos do clube em Jaú. Nas partidas fora, a produção de conteúdo ocorria de forma reduzida. Para as informações do cotidiano de treinos e dos bastidores da equipe, a dupla procurava ouvir as duas principais rádios da cidade (Jauense e Piratininga) para obter informações. “O rádio tem isso né... muitas vezes o que se fala num determinado momento se perde muito fácil. Ao escrever na internet, a notícia fica registrada e é possível divulgá-la pra mais pessoas”, compara o estudante.

Terminado o campeonato de 2014, a inatividade do futebol profissional do Galo fez com que a dupla passasse a resgatar fatos históricos do clube, como as campanhas vitoriosas de acesso e os jogos marcantes. Ademais, ao final daquele ano, a cobertura das eleições do clube movimentou o blog.

As atualizações do período tiveram entrevistas com ambos os presidentes: o que deixava (Ivo da Silva Ferraz) e o que assumia (Laercio Pereira Carneiro) o XV.

1Endereço do blog: https://setordogalo.wordpress.com/ (Último acesso em: 10/09/2015)

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Com a saída do amigo Murilo, a partir de 2015, Tiago passou a comandar sozinho o blog. As postagens do período passavam a refletir o momento de tensão e dúvida acerca da participação ou não do XV nas competições de 2015. Nessa época, no entanto, Tiago já se sentia mais próximo das informações do clube...

***

Era um sábado. Tiago se preparava para ir jogar futebol com colegas quando recebe uma ligação de Ari Campanhã, presidente do Conselho Deliberativo do XV de Jaú. Na conversa, o dirigente explica que a nova diretoria começaria um trabalho de reformulação do XV e uma das ações seria retomar o departamento de assessoria de comunicação, inativo há mais de dois anos. Tiago foi convidado para comandar o departamento. “Foi uma honra enorme pra mim. Eu gosto do clube e iria poder ajudá-lo. Aceitei na hora”, comenta o estudante. Num ano de poucas oportunidades para quem trabalhava com futebol em Jaú, Tiago teve sua chance, mesmo afastado da cidade.

Pelas palavras da nova diretoria, Tiago era o novo “colaborador de imprensa” do XV de Jaú. O termo colaborador remete ao fato de que todo o trabalho desempenhado por ele não é remunerado. Situação idêntica ocorre com os diretores responsáveis pelas áreas de patrimônio, finanças, social, jurídico, entre outras. Todos assumiram as funções por colaboração ao clube. Apesar disso, o estudante vê de forma positiva a oportunidade: “É legal que está me dando uma visibilidade bem grande trabalhar na assessoria do XV. Já tive contato com o pessoal da Band, Globo Esporte, Jovem Pan, ESPN, então até pra profissão de jornalismo vai se criando um leque de contatos muito grande”.

Com a incerteza sobre os rumos do Galo da Comarca para 2015, Tiago passa a exercer as funções em janeiro e em uma das primeiras atividades no cargo assume o papel de “cobrador”. Explico melhor. O primeiro comunicado que o estudante divulga à imprensa trazia o pedido da diretoria para que os associados do XV quitassem os débitos relativos às anuidades. Os valores serviriam para a manutenção das despesas do clube. Em números, o XV contava com 258 sócios e até a data do comunicado apenas 24 deles haviam pagado a anuidade, cujo valor é de R$ 150,00. Em 2014, foram 94 inadimplentes, sendo que algumas pendências já duravam cinco anos.

Se o primeiro comunicado não mostrava um cenário animador, o segundo veio por um fim a qualquer esperança de se ver o XV em campo em 2015. Um dia antes da reunião do Conselho Técnico da quarta divisão do Campeonato Paulista, ocasião em que os clubes deveriam ter uma posição definida, a

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diretoria do XV, enfim, encerrava as especulações. Tiago foi o encarregado de escrever o comunicado que nem ele e nem qualquer torcedor quinzeano gostariam de ouvir: o XV estava fora da quarta divisão paulista de 2015. Segue abaixo, na íntegra, o conteúdo da nota divulgada, em 03 de fevereiro, nos canais de comunicação do clube:

“XV de Jaú não disputará a 4ª divisão paulista de 2015A diretoria do Esporte Clube XV de Novembro de Jaú se reuniu na tarde

desta terça-feira (03) e decidiu por não participar do campeonato paulista da segunda divisão (popularmente conhecida como 4ª divisão paulista). Os motivos são financeiros e pendências de documentação junto à federação paulista. No momento, o clube está suspenso da federação paulista pelo não pagamento de uma dívida e por não apresentar o balanço financeiro de 2013.

Segundo o presidente Laércio Carneiro, “as propostas de parcerias que surgiram não apresentaram sustentação e segurança para finalizarmos contrato”.

A diretoria se empenhará ao máximo nesse ano de 2015 para organizar o clube, visando à disputa do campeonato de 2016. Conforme já informado pela diretoria, um auditor foi contratado para dar assessoria ao clube.

Mesmo sem participar do campeonato, o XV de Jaú não ficará parado. A escolinha de futebol voltará no dia 24 de fevereiro, bem como terá início a formação de uma categoria de base para futuras disputas de campeonatos, visando uma base competitiva para o elenco de 2016.

É importante ressaltar que o XV de Jaú pediu licença de disputar o campeonato, e não licença da federação paulista, segundo a diretoria do clube. Laércio disse que “foi uma decisão difícil, complicada, porém muito bem pensada e estudada, para não aumentarmos as dívidas”.

Mesmo com a decisão, Laércio e dois vice-presidentes (Rodrigo Luiz Paulino e Antonio Clarete Pinto) comparecerão na federação paulista amanhã (quarta-feira).

Uma coletiva de imprensa com a presença do presidente do XV de Jaú acontecerá nesta quinta-feira (5), na sala de imprensa do Estádio Zezinho Magalhães, às 18:30 horas. Pedimos para que os veículos jornalísticos compareçam com antecedência, às 18 horas, se possível.

Tiago Pavini - Assessor de imprensa - XV de Jaú”

Estava confirmado: 2015 sem XV. Ser um dos primeiros jauenses a saber da decisão oficial da diretoria e ter a incumbência de redigir a nota foi para Tiago

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uma situação difícil. “Eu sempre tinha a esperança de que o XV ainda fosse jogar, mas assim que fui informado sobre a decisão de não disputar... foi difícil, até porque acompanhava o time por mais de dez anos, ia a todos os jogos em casa então é uma coisa que sentiria falta, é uma parte de você que se vai... Foi complicado escrever a nota porque é... (busca o adjetivo)... emocionante escrever que o XV não vai disputar o campeonato”, afirma.

Apesar do sentimento de tristeza, o assessor concordou com a decisão da diretoria. Para ele, era o momento de parar e “colocar a casa no lugar”. A razão como colaborador falou mais alto que a paixão como torcedor: “O XV tentou de tudo pra disputar o campeonato, mas teria que ser uma participação viável que não fosse comprometer ainda mais o clube. Vieram parcerias, mas não deram certo. E não adiantaria entrar pra jogar e passar vergonha2 como foi no ano passado”.

Tiago soube da notícia do afastamento quando estava em Bauru, de onde ele executa a maior parte das atividades de assessoria do clube. Com a ausência do XV, a presença de Tiago em Jaú não se faz tão necessária assim. Ele afirma que até gostaria de estar mais presente, apesar de não haver a obrigação da vivência do dia-a-dia nessa situação. Sem jogos, jogadores, técnicos, e toda movimentação de outros anos, as novidades sobre o clube em 2015 são esporádicas e o fato de estar em outra cidade não afeta o trabalho como assessor.

Nesse caso específico da nota da não participação, a diretoria o informou da decisão por telefone. No contato, ele anotou os pontos que deveriam ser citados e redigiu de Bauru o comunicado. Durante o processo, Tiago envia por e-mail a primeira versão do texto para os diretores do XV. Com o aval deles, a divulgação dos comunicados é feita, também via correio eletrônico, para todos os meios de comunicação com que o assessor mantém contato. Com o passar do tempo, o processo foi encurtado e o presidente e demais dirigentes nem se preocupam mais em checar as notas com antecedência. Tiago ganhou a confiança da direção para falar em nome do clube.

Sem muitas novidades no trabalho de assessoria, Tiago engajou-se em outra tarefa para resgatar a comunicação quinzeana com torcedores e imprensa. “Tenho dedicado bastante tempo na produção de conteúdo para o novo site do XV. É um trabalho que começou do zero, pois todo o material da página antiga foi perdido”. Alguns frutos do trabalho do assessor estão no ar, ainda sob testes,

²Em 2014, o XV de Jaú foi eliminado na primeira fase do Campeonato Paulista da quarta divisão. Em dez jogos realizados foram sete derrotas, um empate e apenas duas vitórias.

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desde julho na internet. O Galo da Comarca, enfim, voltou a ter um site oficial. E que nenhuma confusão volte a acontecer...

***

- Oi, Tiago. Tudo bem?- Tudo bem.- Aqui é do globoesporte.com. Você é o assessor do XV, né?- Sim, sou.- Eu gostaria de saber o que vocês têm a dizer sobre a invasão do Estado

Islâmico3 no site do XV.“Essa cara ‘tá tirando uma comigo’... isso só pode ser trote”, pensa Tiago.- Como assim?, pergunta desconfiado.- Então, você viu o site do XV?, insiste o repórter.- Mas o XV não tem site oficial...A página não-oficial do XV de Jaú talvez nunca tenha recebido tantos

acessos como naquele dia tamanha foi a repercussão. Ao acessar, a “invasão” podia ser lida e ouvida. “Hacked by Islamic State (ISIS). We are Everywhere”4, eram as palavras. “Soon, Soon”, do grupo Healing The Believers’ Chests Nasheed, era a música tocada ao fundo.

Não. Realmente não era um trote. Bem como não era o site oficial do XV o alvo da “invasão”. A página atacada havia sido criada em 2006 por torcedores do XV, no entanto estava há um longo período desatualizada, justamente em razão do momento de inatividade vivido pelo clube. Segundo explicou posteriormente o desenvolvedor, o site usava códigos abertos que, pela falta de atualização, ficaram vulneráveis à inclusão de mensagens externas.

Ao compreender a situação, Tiago retornou ao diálogo com o repórter e explicou o caso. Tarde demais. No perfil do Globo Esporte no Twitter a notícia já havia sido publicada. Com a velocidade de propagação da internet, em pouco tempo, vários portais passaram a noticiar a “invasão”. ESPN, Yahoo, Futebol Interior e a lista continuava. Como consequência, o telefone celular de Tiago tocava a todo instante: “Acho que expliquei essa história de que não era o site oficial mais de dez vezes naquele dia”, relembra o estudante.

Em meio ao transtorno causado, o assessor ligou para o presidente do

³Grupo extremista islâmico que proclamou um califado em uma região que compreende partes da Síria e do Iraque. O grupo ficou conhecido mundialmente pela violência de seus ataques.4Tradução: Hackeado pelo Estado Islâmico (ISIS - sigla para Estado Islâmico do Iraque e Síria). Nós estamos em todos os lugares.

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XV, que, em reunião no clube, também não sabia do caso. Após a conversa, os dirigentes resolveram se posicionar por meio de nota da assessoria de imprensa:

“Gostaríamos de informar que o site oficial do Esporte Clube XV de Novembro de Jaú NÃO FOI INVADIDO pelo Estado Islâmico, como está sendo veiculado na internet. O site oficial do XV de Jaú é: www.xvdejau.com.br, e ainda não está no ar. Inclusive, o seu lançamento será novidade para os próximos dias com conteúdo exclusivo. Novamente, o endereço oficial é www.xvdejau.com.br.

O site www.ecxvdejau.com.br, o qual sofreu a SUPOSTA invasão, não tem ligação com o clube. Inclusive, desconhecemos o responsável pelo site.

O Estado Islâmico pode até estar em todos os lugares, como estava escrito no suposto ataque, mas não está no site oficial do XV de Jaú. Isso nós garantimos.”

Naquele dia, mesmo ausente dos campos, o XV gerou notícia. Não que tenha provocado comemorações pela cidade, mas fato é que depois de muito tempo o Galo voltava pra parte de cima da classificação. Pena que a

Que fase: invasão do site do XV pelo “Estado Islâmico” repercutiu na

internet.

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classificação não era a de nenhum campeonato, e sim aquela dos assuntos mais comentados no Twitter.

***

Em pouco tempo como assessor de imprensa, Tiago ganhou a confiança dos dirigentes, os quais lhe atribuíram outra função: contribuir com a área de marketing do XV. Nas primeiras ações nessa área, o clube fez parcerias com duas agências de propaganda e publicidade da cidade de Jaú. As empresas ficaram responsáveis pela exploração da marca XV de Jaú por meio do lançamento de uma variedade de produtos oficiais, realização de eventos e implantação de uma loja virtual no site do clube. Como não poderia deixar de ser, o objetivo das ações foi o de resgatar o combalido orgulho do jauense pelo Galo da Comarca bem como o de angariar recursos financeiros para (quem sabe) possibilitar o retorno às atividades em 2016.

Com o slogan “Você ama o XV, só tinha se esquecido disso”, algumas ações previstas já estavam em prática antes do fechamento da edição deste livro. As empresas do marketing do clube comercializavam em seus estabelecimentos produtos como: moletons, escudos decorativos de madeira, chaveiros, adesivos, canetas e canecas. O produto mais procurado, no entanto, era a camisa em réplica às usadas na década de 1970. Ao preço de R$ 129,90, o manto verde e amarelo teve boa recepção entre os consumidores, sendo procurada não só por jauenses. Além disso, com o intuito de fazer com que o Estádio Zezinho Magalhães voltasse a fazer parte da vida das pessoas da cidade, o marketing previa a realização de eventos sociais diversos como, por exemplo, o show da cantora Claudia Leitte, programado para outubro de 2015, e, para comemorar o aniversário do clube, uma corrida de rua (percurso de 6 km) intitulada “Galo Run”, com a largada e a chegada no Jauzão.

Diferentemente do slogan criado, Tiago é daqueles que nunca se esqueceu do amor pelo XV. A camisa recém-lançada já faz parte da coleção que mantém e só aumenta. O que diminui é o espaço no guarda-roupa, tanto pelas peças compradas como também pelas peças doadas por amigos. O estudante considera que sua coleção ainda é pequena, mas a ideia é expandi-la: “Eu vou comprando e juntando tudo que é coisa do XV e a ideia é ter bastante item sim, pra deixar de recordação e ir passando pros meus futuros filhos, netos...”.

Nessa fala, Tiago deixa explícito que a pretensão é continuar a tradição familiar. Foi com o pai, Antonio Carlos, e com o falecido avô, Adelelmo, ambos quinzeanos fanáticos, que ele passou a frequentar ainda criança o Jauzão.

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Das idas frequentes ao estádio para acompanhar o time, a paixão e o hábito surgiram. A paixão permanece, já o hábito se perdeu neste 2015 sem XV. “Já faltei de aula pra ver o XV. Toda quarta e domingo eu estava lá no campo, então desse hábito eu sinto falta”, afirma.

Acordar cedo no domingo, tomar café da manha, vestir a camisa do XV, ir ao estádio levando o radinho para não perder nenhum detalhe do jogo, bem como as almofadas para a proteção contra o cimento quente da arquibancada. Procurar os espaços protegidos pelas sombras das árvores (o sol das dez da manhã castiga no Jauzão) e vibrar com o Galo. Mais que um hábito, esse era o ritual de Tiago e seu pai. “Jogando bem ou mal, eu queria estar no estádio vendo o XV. Eu prefiro ver um jogo ruim do XV a assistir um Barcelona e Real pela TV. E mesmo que tenha o Corinthians, mesmo que tenha a Seleção Brasileira, os domingos estão diferentes... o XV está acima de tudo”.

A fala de Tiago com a qual termino este texto também foi a fala que encerrou a entrevista que realizei com ele. Não era preciso ouvir mais nada. Tinha a certeza de ter conversado com mais um personagem que sofria sem o XV em campo, embora o escudo não saísse do peito...

Como de costume, Tiago vestia uma camisa do XV.

***

Num ano parado e sem atividades, a função de Tiago como assessor envolve conquistar espaço nos veículos de comunicação com assuntos nem sempre ligados ao futebol. Em suma, a missão é não deixar o XV se afastar dos noticiários e dos torcedores. Mas como será que os veículos de comunicação da cidade têm lidado com o afastamento do Galo?

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CAPÍTULO 03

O jornal

sem noticias

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CAPÍTULO 03

O JORNAL SEM NOTÍCIAS

“Se o XV estivesse em atividade, eu estaria cobrindo treinos, fazendo entrevistas com jogadores e treinadores, como sempre fiz, acompanhando a preparação para os jogos... Mas,

neste ano, o clube não produz algo novo, então você vai tirar matéria de onde? A gente não vai inventar matéria com especulações sensacionalistas porque não faz parte de nossa linha editorial... O que temos noticiado são as informações que chegam do marketing pela assessoria de imprensa, como a venda de produtos e camisas. Pra isso, sempre fazemos um texto-legenda no jornal, mas precisa ser algo novo”.

A extensa fala acima é de Ricardo Recchia, editor de esportes do Jornal Comércio do Jahu. Apenas pelas colocações do jornalista, já é possível imaginar que o XV esteve presente em poucas pautas do jornal em 2015. Mais do que imaginar, é possível constatar: em observação às capas da publicação no período de 1º de janeiro de 2015 a 30 de junho de 2015, o XV de Jaú é mencionado em 14 ocasiões em títulos de página inicial. Dessas 14 menções, 11 delas ocorrem apenas entre janeiro e fevereiro, momento no qual o clube convivia com as incertezas acerca da participação na quarta divisão do Campeonato Paulista. “É um número insignificante. Talvez em 30 dias de um ano em que o XV estivesse em atividade essa quantidade de menções já seria alcançada”, analisa Ricardo. Com razão. Somente em abril de 2014, mês que marcou o início da disputa da quarta divisão daquele ano, a mesma quantidade de menções (14) foi verificada nas capas do diário.

Notícias sobre treinos, preparação para os jogos, mudanças no time, substituição de treinadores, resultados de partidas, entre tantos outros temas relacionados ao XV chegaram a receber destaques de capa nas edições de 2014. Já em 2015, as poucas manchetes realçavam a apreensão e a dúvida sobre a participação na quarta divisão: “Segundona: indefinição no XV” (16 de janeiro); “XV faz reunião de trabalho” (21 de janeiro); “XV mantém suspense” (27 de janeiro). Após fevereiro, o XV afastou-se tanto dos campos quanto das edições do Comércio.

***

Era uma sexta-feira, 31 de julho de 1908. Pesadas e rudimentares prensas davam forma à primeira edição do jornal Comércio do Jahu. Em meio às disputas políticas do Jahu (com h) do início do século passado, um grupo influente da

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cidade incentivou os irmãos Álvaro Floret e Gumercindo Floret, que haviam sido gráficos na cidade paulista de São Carlos, a darem vida ao projeto desse novo periódico jauense. Novo sim, porém não único. Em 54 anos de existência à época, a cidade havia assistido ao surgimento e desaparecimento de diversos jornais. Confrontar o Correio do Jahu, publicação ligada a lideranças políticas opostas, foi a motivação para a criação do Comércio.

Passados 107 anos, Jaú (agora sem o h e com acento agudo no u) continuou a assistir ao nascimento e ao término de tantos outros jornais. O Comércio, no entanto, sobrevive. Falar sobre imprensa escrita em Jaú é falar, em grande parte, sobre o Comércio do Jahu. Tamanha longevidade o coloca entre os 27 diários em circulação no Brasil há mais de cem anos. Por acompanhar quase dois terços da história jauense, é inegável o papel desempenhado pelo jornal no registro do passado e presente da cidade e dos símbolos que a representam. Entre eles, o XV de Jaú.

Mais “velho” do que o XV, o Comércio viu o nascimento do clube em 15 de novembro de 1924, data da fundação. Seja nas fases boas, seja nas fases ruins, o XV sempre frequentou as páginas do jornal. Vitórias brilhantes e derrotas catastróficas viraram manchetes principais e estamparam por diversas vezes a capa do Comércio em diferentes épocas. Em 2015, contudo, a licença do clube provocou uma lacuna nas páginas de esportes do periódico.

No intuito de entender o impacto que a ausência do Galo da Comarca provocou no jornal, realizei uma entrevista com Ricardo. Para que eu possa apresentá-lo melhor a você, caro(a) leitor(a), colocarei o assunto XV a escanteio por alguns parágrafos.

Natural de Barra Bonita, cidade vizinha a Jaú, Ricardo Fernando Recchia, 38 anos, é jornalista formado pela USC (Universidade do Sagrado Coração) em Bauru. Estar em contato com jornais fez parte de seu cotidiano muito antes da faculdade. No primeiro emprego, aos 13 anos de idade, ele foi entregador de jornais. Do Jornal da Barra, mais especificamente. Aos 14, passou a office-boy no já extinto jornal Folha Regional, também da mesma cidade. Digitar as matérias de esportes e auxiliar na diagramação artesanal em paste-up eram suas atividades. Ainda adolescente, Ricardo vivenciava parte das rotinas que estariam presentes em sua atuação profissional na fase adulta.

Como estudante de jornalismo, Ricardo trabalhou no jornal Expresso Tietê, de Barra Bonita. Recém-formado, recebeu em 2007 o convite para um período de testes no Comércio do Jahu. Aprovado, começou como repórter local e logo passou a produzir reportagens para as várias editorias do periódico - Local, Região, Variedades e Esportes são as principais. Durante a Copa de 2010, Ricardo

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tornou-se auxiliar na edição dos esportes. Auxiliar que se efetivou como o editor do conteúdo esportivo do jornal após o fim da competição na África do Sul.

Ser o editor de esportes, entretanto, não o exime da tarefa de escrever matérias para a própria editoria. Como o jornal conta com uma equipe enxuta de repórteres (cerca de dez), Ricardo cuida praticamente sozinho do conteúdo esportivo diário. Em geral, duas páginas formam a editoria de esportes do Comércio - impresso no formato standard.

Uma das páginas é dedicada ao conteúdo nacional recebido de agências de notícias, sendo predominantes as informações dos quatro grandes times do futebol paulista (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo), além da cobertura de grandes eventos como Olimpíadas e Copa América de Futebol, por exemplo. Por ter que acompanhar e posteriormente noticiar os jogos dos campeonatos estaduais e nacionais, Ricardo é quase sempre o último a deixar a redação. Sua rotina de trabalho começa quatro ou cinco horas da tarde e segue, geralmente, até 11 horas da noite. Em razão da rodada, as noites de quarta-feira são mais

Na redação: desde 2010, Ricardo é o editor de esportes do jornal

Comércio do Jahu.

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longas. “Espero as agências mandarem os textos com os resumos das partidas para editá-los. Além disso, preciso pensar nas fotos, legendas, manchetes, etc. Nessa situação é normal ir embora do trabalho perto das duas da madrugada”, comenta Ricardo.

A outra página da editoria reserva espaço para o esporte regional. Segundo Ricardo, nas reuniões de pauta sempre se reforça o propósito de que o Comércio deve trabalhar com temas locais. “Mas isso resvala num problema: o esporte local precisa ser valorizado. Nossa linha editorial é divulgar, promover e incentivar os clubes e esportistas locais, mas o que ocorre em Jaú é que não temos equipes em ligas ou em primeira divisão estadual de qualquer esporte”, reflete. Para Ricardo, essa carência prejudica o trabalho em sua editoria. “É diferente de Bauru, por exemplo. Embora a disputa do NBB (Novo Basquete Brasil) esteja encerrada, a reformulação do time bauruense de basquete gera notícias para o JC (Jornal da Cidade - de Bauru)”, acrescenta o jornalista.

Dentro desse contexto, Ricardo ressalta a importância do Galo da Comarca: “Nosso material de esportes em Jaú é muito escasso e com o XV fora fica mais escasso ainda”. Pois é, não são somente os torcedores que sentem a falta do clube. No início do ano, quando a falta de alternativas dava fortes indícios de que o Galo não participaria da quarta divisão, Ricardo relata que estava preocupado: “Eu dizia para os meus colegas de redação: ‘eu vou sofrer’. Como editor de esportes eu preciso do XV, minha editoria precisa do material do XV”. Em reuniões daquele período, ele expõe que foi acordado que a cobertura do jornal continuaria com os desdobramentos e consequências do afastamento. Tal cobertura, no entanto, não produziu conteúdo suficiente para suprir o vazio que o clube provocou nas páginas do Comércio.

Para driblar a lacuna verde e amarela e não deixar a página do esporte regional em branco, uma das saídas encontradas pelo Comércio (e pelo Ricardo) foi abrir espaço para matérias sobre diferentes modalidades praticadas na cidade. Substituição de temas: sai o futebol do XV e entram reportagens especiais sobre corridas de rua, paintball e hockey. Você deve estar se perguntando: hockey? Em Jaú? Com aquele goleiro todo paramentado? Sim. Quando soube que havia um grupo dessa modalidade em Potunduva, distrito de Jaú, Ricardo também se fez as mesmas indagações. Ele comenta que muitas dessas matérias surgem a partir de pesquisas em redes sociais ou chegam por contatos, via e-mail, efetuados pelos próprios esportistas em busca da visibilidade que o Comércio do Jahu pode proporcionar.

Ricardo considera que a ausência do XV em 2015 contribuiu para essa pluralidade na editoria de esportes, mas acrescenta outro fator não relacionado

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Substituição: afastamento do XV contribuiu para diversificar

as pautas na editoria de esportes do jornal.

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ao clube: “O jornal precisa acompanhar as novidades e é uma necessidade oferecer ao leitor algo novo, de impacto e inusitado”. Para ele, o espaço para as demais modalidades também é consequência da maturidade que alcançou no trabalho nos esportes. “Não dá mais pra fechar os olhos para essa diversidade”, completa.

Para que essa maturidade fosse adquirida, o editor passou por diversas situações em que leitores esportistas (ou esportistas leitores) o cobravam pela atenção demasiada que o jornal propiciava ao futebol quinzeano. “O XV faz um treinamento e vocês fazem disso matéria principal, com foto e destaque na capa. Um atleta de outro esporte conquista um troféu e vocês fazem uma notinha”, reclamavam as pessoas não ligadas ao futebol. Diversas vezes, Ricardo teve que responder a “cutucões” (como ele classifica) semelhantes a esse. Para rebater esses questionamentos, ele cita a influência que o fator da relevância exerce no trabalho de edição jornalística. “Uma marca se sobrepõe a outra, e o XV é a marca mais famosa de Jaú. Quando você vai a qualquer lugar do Brasil e fala que é de Jaú, irão lhe perguntar sobre o XV... É a relevância. Não dá pra ignorar isso”, explica.

Apesar do impacto que o afastamento do XV provocou no conteúdo da editoria de esportes locais, Ricardo acredita que a ausência do clube não teve o poder de influenciar em outros aspectos relacionados à empresa jornalística como tiragem de exemplares do Comércio, tamanho da equipe de reportagem ou perda de anunciantes e leitores, por exemplo.

Se no presente a marca XV de Jaú anda enfraquecida, nas épocas gloriosas o Comércio precisava se desdobrar para registrar a importância do clube. O jornalista lembra que nos anos em que o time participava da primeira divisão paulista era comum a direção do diário enviar repórteres para realizar a cobertura in loco de jogos do Galo em São Paulo. “Para um jornal do interior isso é muito complicado devido aos custos, logística, etc. Além disso, o jornal dava manchetes (principais de capa) sobre essas partidas, o que é muito difícil hoje. Isso mostra que o Comércio sempre respeitou o XV”, resgata Ricardo. Nos últimos três anos, o XV continuou a recebeu destaque na primeira página. Infelizmente, as notícias eram ruins. Muito ruins...

***

A primeira aparição do XV no jornal Comércio do Jahu em 2015 ocupou um espaço tão pequeno quanto eram as chances do clube encontrar uma saída para sua crise. Na seção intitulada Arquibancada, Ricardo redige notas sobre

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os bastidores do esporte regional e nacional. Em 06 de janeiro, uma das notas trazia as seguintes informações:

“Emperrou - Proposta de cogestão do XV de Jaú com grupo de investidores de Guarulhos provavelmente não terá sucesso. Pessoas ligadas ao Galo da Comarca que negociavam com os empresários da cidade da região metropolitana de São Paulo alegam que desistiram da parceria por causa da falta de transparência e de garantias da outra parte”.

Dez dias depois, chamada na capa e uma página inteira da editoria de esportes reproduziam a entrevista realizada com Laercio Carneiro, presidente do clube. Com o título “Laercio não confirma XV na Segundona1”, a matéria apresentava a versão do dirigente para os rumores que circulavam na cidade acerca do futuro do Galo da Comarca. Oficialmente, ele dizia que a diretoria buscava parceiros e que era muito cedo para afirmar se o XV disputaria o campeonato estadual. Em paralelo, Laercio também relatava sobre a saúde financeira à época: “Tem pessoas que estão doando dinheiro para nos ajudar a pagar algumas contas. (...) Os doadores são nossos amigos. (...) É como se fosse um empréstimo, para garantir um pouco do salário de quem trabalha no clube. Temos cinco funcionários trabalhando”. Para quem lia a entrevista ficava a pergunta: se o clube não tem recursos nem para pagar os poucos funcionários, como conseguiria se sustentar no campeonato? Isso sem contar as dívidas do passado...

Ainda em janeiro, no dia 22, o Comércio noticia reunião entre a direção e o conselho deliberativo do XV realizada para apresentar o momento financeiro do clube. Notícias boas? Longe disso: “XV de Jaú tem R$ 4,6 milhões acumulados em dívidas”. Segundo a reportagem, do montante, mais de R$ 1,1 milhão correspondem a débitos adquiridos nos últimos anos, quando já em péssimas condições o clube insistiu em participar dos campeonatos estaduais. De “mixarias” a fortunas, as dívidas são de todas as espécies: folha de pagamento, processos cíveis e trabalhistas (somam mais de R$ 2 milhões, a maior parte da dívida), INSS, FGTS, contas de água, energia e telefone, multas na Federação, empréstimos, rescisões, taxas municipais... Ufa! Haja credores. Pobre XV.

Não era preciso ter bola de cristal para descobrir o destino quinzeano. Sem parcerias concretas, afundado em dívidas, sem dinheiro e esquecido pela Federação (cenário comum a tantos – ou quase todos? – clubes dos interior), a decisão de disputar ou não a quarta divisão precisava ser tomada. E foi...

¹A Federação Paulista de Futebol (FPF) considera que a Primeira Divisão estadual compreende as séries A-1, A-2 e A-3, sendo que a divisão inferior é chamada de Segunda Divisão. Na prática, no entanto, trata-se da quarta e última categoria do futebol profissional do Estado de São Paulo.

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“Sem dinheiro, XV não disputa o Paulista”. Com essa manchete de capa, o Comércio de Jahu destacou, em 04 de fevereiro, a triste notícia para os quinzeanos. “Não foi uma surpresa, mas foi algo impactante. Naquele dia, eu escrevi a manchete. Para resumir e dar destaque à informação, decidimos pela tarja verde posicionada no alto da página”, recorda Ricardo. Como de costume, o editor de esportes do jornal participou da formulação da capa. Na ocasião não havia material fotográfico sobre a reunião que definiu a situação do clube. Por isso, o jornalista explica que preferiu não colocar imagens em companhia à manchete. “Até poderíamos colocar uma imagem do Jauzão vazio, mas não faz parte da nossa linha editorial usar fotos meramente ilustrativas na capa”, acrescenta o editor.

Na última vez em que o XV havia sido manchete principal do jornal, a razão também foi bem triste para o torcedor quinzeno. No dia 08 de abril de 2012, um domingo de Páscoa, o jogo da última rodada da fase inicial da

Decisão: o “2015 sem XV” na primeira página

do Comércio do Jahu.

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Série A-3 marcava para as 10 horas da manhã, no Estádio Zezinho Magalhães, o confronto entre XV de Jaú e Taboão da Serra. Em jogo estava a permanência do time jauense na terceira divisão. Na 18ª posição, o Galo precisava derrotar o lanterna e já rebaixado Taboão, além de torcer para que dois times entre Independente de Limeira, Internacional de Bebedouro, Taubaté e Flamengo de Guarulhos não vencessem seus jogos.

Com a rodada em andamento, a improvável combinação de resultados dos oponentes deixava de ser um sonho para ser real. Bastava a vitória quinzeana. Vitória que começou a ser construída no primeiro tempo, gol do meia-atacante Nathan, e foi ampliada pelo lateral-esquerdo Igor no início da segunda etapa. Logo em seguida, Éderson descontou para o time adversário: 2 a 1, aos 15 minutos. Aos 26, expulsão no XV. O jogo que parecia controlado começava a ficar perigoso. Ainda assim, o Galo estava na frente, num jogo em casa e contra um time rebaixado e sem pretensões. Mas (parafraseando o famoso ditado aplicado ao time da estrela solitária) “há coisas que só acontecem com o XV de Jaú”...

“Gol nos acréscimos rebaixa o XV”. Essa era a manchete principal do Comércio do Jahu na segunda-feira, dia 09. Ricardo trabalhava pelo jornal e lembra que aquele foi o jogo do XV mais marcante que acompanhou profissionalmente: “O time poderia se safar, mas tomou o gol no final, aos 47 minutos”. Naquele ano, as notícias de esporte do Comércio eram publicadas separadamente em um suplemento. A prática ocorria somente nas segundas-feiras, geralmente o dia da semana em que o fluxo de informações aumenta na editoria esportiva. Para o jornalista, a capa e a matéria impressas no suplemento pós-rebaixamento são as mais emblemáticas que ele produziu na cobertura do XV. Na capa do caderno, a foto do técnico quinzeano inconsolável após o empate e o título “E agora, José?”, em referência ao presidente do Galo à época, conhecido como José Construtor. “Até hoje guardo o impresso desse suplemento. Isso vai ficar para o resto da vida”, revela.

***

Entre os entrevistados para este livro, Ricardo é o único que não se declarou um apaixonado pelo Galo da Comarca. “Eu estaria mentindo se falasse que sou um torcedor do XV, mas aprendi a gostar do clube em razão da convivência diária com o pessoal de Jaú, pelas entrevistas com os torcedores, por estar sempre conversando com o Célio do bar... Mas sentimentalmente minha relação é com os times locais de Barra Bonita, como o Botafogo (time

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Em destaque: capa do Comércio no dia seguinte ao

rebaixamento do Galo, em 2012, para a quarta divisão paulista.

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amador) que acompanhei muito quando era garoto”, revela o jornalista. Logicamente, quando idealizei o livro não era minha intenção entrevistar

apenas torcedores quinzeanos fervorosos. No caso da escolha de Ricardo como uma das fontes, eu pouco sabia sobre ele. Antes do contato inicial, confesso que até me surpreendi quando me contaram que ele mora em Barra Bonita e viaja todos os dias para Jaú. Assim que entrei na sala de estar da casa do jornalista, no entanto, passei a conhecê-lo melhor. Sem precisar perguntar, era óbvio que estava na casa de um corintiano. Os mosqueteiros decorativos próximos à televisão denunciavam.

Como torcedor do Corinthians, Ricardo relembra um jogo memorável do time alvinegro justamente contra o XV de Jaú, no estádio Zezinho Magalhães. A partida válida pelo Campeonato Paulista de 1996, último ano em que o time jauense disputou a primeira divisão, terminou com a vitória de virada do time da capital por 2 a 1. Edmundo e Marcelinho Carioca (de falta, nos acréscimos) marcaram os gols corintianos. “Fui de carro pra Jaú com dois amigos aqui de Barra Bonita e ficamos no meio da torcida Gaviões da Fiel. Com a torcida do XV também presente, o estádio estava abarrotado e me lembro do clima legal que se se formou”, conta o jornalista.

Ao recordar esse confronto, um misto de saudosismo e melancolia faz Ricardo interromper momentaneamente a fala para inserir uma dúvida entre parênteses: “Não sei se teremos novamente um time grande jogando em Jaú”. Pois é. Por mais que mudássemos de assunto, nossa conversa sempre resvalava na ausência do XV. No fim da entrevista - combinada para durar cerca de uma hora e que, por larga margem de erro, havia extrapolado o tempo inicialmente previsto - o jornalista fez uma reflexão interessante: “Quem sabe na história do XV existam as respostas para aquilo que o clube quer ser no futuro. Há cerca de 50 anos, o time também ficou afastado. Será que acessando o acervo do jornal e analisando esse período não encontraremos respostas?”.

Para situar você, leitor ou leitora, no período mencionado pelo jornalista, farei uma breve retrospectiva: com um time modesto formado em sua maioria por atletas jauenses de equipes amadoras, o XV terminou em penúltimo lugar a disputa do campeonato de acesso (antiga segunda divisão) de 1967. Com o clube atolado em dívidas e ameaçado de ter o estádio Arthur Simões2 penhorado, a

²O antigo estádio do XV passou a sediar jogos do clube a partir 1925 (na era amadora). Em 1946, recebe o nome de Arthur Simões em homenagem póstuma a um gestor financeiro do clube. Reformado em 1948, foi palco das partidas da era profissional do XV até 1967. A demolição do estádio ocorreu em 1969.

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diretoria pediu à Federação Paulista a licença do XV nas atividades profissionais a partir de 1968. Pedido feito a contragosto de parte considerável dos torcedores quinzeanos.

Os sete anos subsequentes serviram para que o clube resolvesse suas pendências financeiras. A demolição do antigo estádio para a construção de um loteamento na área rendeu fundos que ajudaram o XV a quitar débitos e comprar um novo terreno para erguer sua nova casa: o estádio Zezinho Magalhães, inaugurado em 1973. Dois anos depois, o XV estava de volta às competições oficiais.

De certo modo, a reflexão de Ricardo me despertou uma curiosidade que há tempos já rondava meus pensamentos: O que o jornal Comércio publicou sobre o pedido de licença do clube em 1968? Para buscar a resposta, fiz uma visita à Fundação Educacional Dr. Raul Bauab, faculdade particular de Jaú, que preserva o acervo histórico do Comércio do Jahu. Na pesquisa, encontro as páginas (amareladas pelo tempo) da edição de 02 de fevereiro de 1968. Nela, a coluna “Tiro de Canto”, dedicada ao esporte local, tem como destaque do dia o texto intitulado “O XV bate em retirada...”. Reproduzo abaixo o trecho que mais me chamou a atenção:

“Não é admissível que uma cidade como Jahu, com quase 50 mil habitantes, não tenha forças para manter seu quadro representativo na divisão principal; não tenha forças para conseguir um quadro social no mínimo de 5.000 sócios; não tenha forças para ter uma séde própria para recreação dos seus associados – É doloroso dizer que, por falta de um apoio total, por falta de um quadro associativo, por falta de um campo compatível com nosso progresso e com o nome altaneiro com que Jahu se projeta no conceito de S. Paulo, tenha o velho ESPORTE CLUBE XV DE NOVEMBRO, por forças dessas circunstancias, obrigado a licenciar-se da Federação Paulista, para dispensa-lo das suas atividades do esporte de Jahu, de São Paulo e do Brasil” (sic).

No fragmento, as críticas do jornal às más gestões e à falta de apoio da cidade ao XV projetam algumas questões para o presente. Daquele cenário de 1968, o que mudou? E o que permaneceu? A cidade, certamente, cresceu. Jaú tem mais de 140 mil habitantes3. Mas o que mais me fez pensar foi a citada falta de apoio. Na mesma proporção de sócios por habitantes aplicada pelo Comércio, questiono: o XV teria forças nos dias atuais para conseguir um quadro social de 14 mil sócios? A média de público de menos de mil torcedores nos jogos em

³Conforme estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2015 a população de Jaú era de 143.283 habitantes.

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casa no último campeonato aponta para o não como resposta. Faltaria então apoio do jauense ao XV? Não sei se as histórias deste livro serão capazes de responder essa indagação tão ampla. Estudos posteriores com essa questão-problema como norte poderão refletir mais sobre isso.

Na ausência do clube em 2015, Ricardo lança mais dúvidas para o futuro: “O XV sobrevive até seu centenário (em 2024)? Com que força o XV volta, se é que volta, em 2016? Psicologicamente, como será esse baque do afastamento do XV para o jauense? Se o clube voltar, qual será o tamanho do público no primeiro jogo no Jauzão?”. São muitas perguntas...

E agora, XV?E agora, quinzeanos?

***

Mais uma: Se o XV está afastado tanto dos campos quanto das notícias de jornal, como andaria a relação (de aproximação ou afastamento) com as emissoras de rádio?

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CAPÍTULO 04

Triste alegria

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CAPÍTULO 04

TRISTE ALEGRIA

É um pacato domingo do mês de agosto de 2015. Pontualmente às dez horas da manhã sintonizo a Rádio Jauense1, a mais antiga emissora da cidade, à espera do apito inicial. Não há apito inicial. Muito

menos juiz, bola ou jogo. Não há XV. Mas no rádio não pode haver silêncio. E não há. Suas ondas propagam uma antiga balada romântica cantada na língua inglesa. Por ironia, a letra contém o seguinte trecho: “And now this is all I’ve got / My sorrow, sorrow / Sorrow cause you went away” (Na tradução: “E agora isso é tudo que eu tenho / Minha tristeza, tristeza / Tristeza porque você foi embora”).

Embora fosse extremamente pertinente para a situação de afastamento do clube, a canção não era uma referência ao XV de Jaú. Na verdade, ela fazia parte do Programa do Beto Martins, atração que em 2015 tem ocupado o silêncio deixado pela falta de transmissões de partidas do Galo. Com mais de duas horas de duração, o programa é composto por informações de utilidade pública, músicas e interação com os ouvintes.

Se houve um veículo de comunicação que sempre esteve próximo ao XV, esse veículo foi o rádio. Lá se vão décadas de companhia. Onde o XV jogava, as equipes locais de rádio estavam. Diferentemente dos jornais impressos, que em jogos fora de Jaú dificilmente enviavam repórteres, a cobertura radiofônica sempre foi in loco, o que exigia o deslocamento de no mínimo três profissionais: um narrador, um comentarista e um repórter. Eram eles os porta-vozes da alegria, da tristeza e, sobretudo, da emoção.

Para quem imagina que a decisão da diretoria deixou a todos os jauenses tristes, uma surpresa: um desses porta-vozes jauenses reagiu com alegria ao saber do pedido de licença do clube. “Pra quem gosta e acompanha o XV, foi aquilo que a gente queria e esperava”, declara Vanthier Mantovanelli, comentarista esportivo da Rádio Jauense. E detalhe: acompanhar o XV faz parte do ofício de Vanthier há 64 anos.

***

A relação do radialista com o XV, porém, começou bem antes do trabalho

1Fundada em 1934, a Rádio Jauense está consolidada como uma das principais emissoras AM de Jaú. Com programação das 04 às 23 horas, suas ondas chegam a cerca de 30 municípios num raio de 80 km de Jaú. Além disso, o site da emissora oferece transmissão via internet como opção para as demais localidades. O falecido narrador Fiori Gigliotti foi um dos que passaram pelo microfone da Jauense.

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TRISTE ALEGRIA

na rádio. Filho de um diretor da época amadora do Galo, o garoto Vanthier conviveu com diversos jogadores do período devido ao cargo que o pai Sebastião ocupava no clube: tesoureiro. “O jogador precisava, naquela época, de cinco mil réis... Um dinheiro que dava pra ir ao cinema, comer um lanche,... E era um ‘tal’ de baterem na porta da minha casa que não acabava mais (risos). Desde essa época do amadorismo eu vivi o XV”, conta. Devido ao trabalho que o pai exercia na chefia de estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, muitas vezes era o menino Vanthier que repassava a quantia desejada pelos atletas. Da relação com o plantel da equipe e da ida frequente aos treinos, surgiu a paixão pelo clube.

Tempos mais tardes, Vanthier aos 17 anos já demonstrava gosto pelo rádio e pela área esportiva, uma boa voz, além de estar com frequência nas dependências da Rádio Jauense. A pessoa certa no lugar certo. A convite de seu tio (e então locutor) Alides Fabris, Vanthier passa a participar do programa Esporte em Marcha. Criada em 1945, a atração apresenta notícias e debates sobre o mundo esportivo e segue no ar, sendo o programa mais antigo da emissora.

Em mais de seis décadas no microfone da Jauense, Vanthier fez de tudo um pouco. De criação de programas e locuções comerciais à narração de comícios políticos e enterros. “Houve um tempo em que comícios davam um faturamento muito grande para as rádios porque eram pagos... E até enterro eu cheguei a transmitir. O enterro do Zezinho Magalhães2”, conta. Mas foi em razão do esporte que ele entrou para a emissora. O ano em que Vanthier começou a trabalhar na Jauense era extremamente especial para o XV de Jaú: 1951, ano do título da segunda divisão e do primeiro acesso do Galo. Com poucos meses no ofício, o jovem radialista completaria a equipe montada pela emissora para transmitir os jogos do XV de Jaú na elite do futebol paulista.

Nas transmissões Vanthier passou por todas as funções. Começou brevemente nos comentários, foi repórter de campo em situações esporádicas e assumiu o microfone da narração por quase 30 anos. Aconselhado pelo tio Alides, ele retornou aos comentários na década de 1980. E foi na atuação como comentarista ainda no começo da carreira que Vanthier presenciou a partida

2José Magalhães de Almeida Prado, o Zezinho Magalhães, foi presidente do XV de Jaú e é considerado um dos prefeitos mais populares da história jauense. Faleceu em 21 de março de 1969. A grande comoção na cidade fez com que uma multidão acompanhasse o velório e o enterro de Zezinho em Jaú. Entre os presentes estava o então governador do Estado, Abreu Sodré.

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que considera a mais marcante do XV de Jaú...Em sua temporada de estreia na primeira divisão do futebol paulista,

em 1952, o XV enfrentava enormes dificuldades para conseguir bons resultados. Nas sete partidas iniciais, o time havia conquistado apenas uma vitória e perdido seis vezes, sendo que três dessas derrotas foram para: Corinthians (por 6 a 0), Palmeiras (por 5 a 1) e Santos (por 3 a 0). O caçula verde-amarelo era o saco de pancadas entre os grandes e na oitava rodada da fase inicial duelaria contra o São Paulo no estádio do Pacaembu, na capital paulista. O desempenho até ali não levava a crer que o time de Jaú pudesse voltar pra casa livre de uma nova derrota. Não ser goleado já seria uma vitória naquela conjuntura. Mesmo com a péssima campanha quinzeana, a equipe da Rádio Jauense compareceu ao jogo marcado para o período noturno. Como ainda não existiam

CAPÍTULO 04

Contando nos dedos: Vanthier trabalha como radialista há

mais de 60 anos.

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as cabines individuais para cada uma das rádios presentes, os integrantes das emissoras dividiam bancadas, nas quais apoiavam os aparelhos e microfones e realizavam a transmissão. Tal situação fez com que a equipe da Jauense (Vanthier e o locutor Ediê Romero) sentasse ao lado do narrador Pedro Luiz e do comentarista Mário Moraes, grandes expoentes do rádio da capital paulista e então integrantes da Rádio Panamericana – que tempos depois viria a se tornar a Rádio Jovem Pan.

Acerte o seu aí que eu arredondo o meu aqui. Antes que a partida tivesse início, Vanthier ficou a observar com um tom de admiração o entrosamento da dupla da capital. Depois de tanto anos, as palavras iniciais ditas naquele dia pelos colegas de profissão posicionados ao lado não saem da memória do radialista jauense:

- E agora os comentários de Mário Moraes, o maior comentarista do rádio brasileiro – anunciava Pedro Luiz.

- Pedro e amigos do esporte, boa noite. Estamos aqui para um treino do São Paulo Futebol Clube contra o XV de Novembro de Jaú, que é cognominado e denominado de Galo da Comarca, mas pra mim não passa de um galinho. Então, não vamos gastar o tempo com palavras à toa. Lá embaixo os repórteres trabalham...

Após a provocação, Vanthier é chamado para fazer suas considerações iniciais para os ouvintes da Jauense:

- Boa noite, meu amigo do esporte. O XV vem aqui ao Pacaembu sabendo que a responsabilidade é toda do São Paulo. O tricolor tem na próxima rodada o clássico contra o Palmeiras, e a imprensa paulista considera a partida de hoje como um treino frente ao galinho de Jaú. Mas o XV vem pra honrar a camisa e promete endurecer o jogo.

Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha, abrem-se as cortinas e começa o espetáculo. O primeiro tempo de partida era equilibrado. Enquanto o São Paulo do técnico Vicente Feola (que levaria a Seleção Brasileira ao título da Copa do Mundo em 1958) buscava o gol, o XV levava perigo em contra-ataques. Aos 41 minutos do primeiro tempo, Guerra, jogador do quinteto ofensivo do time jauense, tirava o oxo do placar. 1 a 0. Era a zebra disfarçada de galo. No começo da segunda etapa, o XV voltava ao ataque e olha lá, olha lá, olha lá no placar: Mandante 0 x 2 Visitante. Tento marcado pelo ponta-esquerda Duvilio, aos 8 minutos. Já era um sonho, mas cabia mais. Iiiiiiiiiii quiiiiiiiii goooooool, quando eram jogados redondos 18 minutos, Silas é o nome da fera. (E sobe a vinheta) QUINZE: três. (Sobe vinheta) SÃO PAULO: zero. No toque da bola, no tic-tac do tempo, você fica sabendo o tempo e o placar do jogo: 23 minutos da etapa final;

TRISTE ALEGRIA

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XV, três... Não... Espera... Guerra, ele de novo, animal, animal. Goleada quinzeana fora de casa. O jogo encaminhava-se para o seu crepúsculo e Vanthier notava uma ausência na bancada da Rádio Panamericana. Mário Moraes já havia desistido de comentar o jogo e, com a cara fechada, havia mudado de assento. Provavelmente estava a pensar: “O que é que eu vou dizer lá em casa?”. Apita o juiz. Fim de jogo. 08 de outubro de 1952, São Paulo 0 x 4 XV de Jaú, no estádio do Pacaembu. O dia em que o galinho cantou de galo.

Apesar da goleada em 1952, o São Paulo foi entre os grandes paulistas o que mais dificultou a vida quinzeana nos anos seguintes. Até 1959, foram mais 13 jogos entre os dois clubes, sendo que o time da capital levou a melhor em esmagadoras 12 oportunidades. A outra partida terminou em empate. O XV só voltaria a comemorar vitória contra o tricolor em 1979. Mesmo quando os jogos da década de 1950 ocorriam no antigo estádio Arthur Simões, o alçapão jauense, o São Paulo demonstrava força no terreiro do Galo: seis triunfos em seis visitas.

Já os outros grandes não tinham a mesma sorte: “Contra o Corinthians e o Palmeiras o XV jogava aqui de igual pra igual. E contra o Santos, com Pelé e tudo, a mesma coisa. No Arthur Simões a performance do XV era muito boa”, relembra Vanthier. Como radialista, ele teve o privilégio de acompanhar aquela que foi uma das melhores fases da história do XV de Jaú. Para desfrutar aquele privilégio havia, contudo, pouco conforto à época. Na velha casa do Galo, por exemplo, arquibancadas de madeira serviam para acomodar torcida e imprensa. E se em Jaú o problema era o incômodo com os assentos, nas transmissões em outras cidades havia sempre uma complicação a mais...

A começar pelo tamanho e pelo peso do aparelho que precisava ser transportado para que a transmissão fosse possível, eram cerca de 20 quilos a mais na bagagem. Mas esse talvez fosse o mais leve dos empecilhos. Num tempo em que os serviços de comunicação eram bem mais arcaicos, as emissoras de rádio necessitavam solicitar com antecedência para a companhia responsável pelos serviços de telefonia uma linha telefônica para a transmissão das partidas. Ao chegar ao estádio, geralmente duas horas antes da bola rolar, Vanthier conta que a primeira ação era procurar pela linha pedida: “A gente subia os degraus até alcançar a parede do fundo da arquibancada, que era o lugar mais alto e onde a linha costumava ser deixada. Então, eu chegava e via aquele monte de fios pendurados. Aí procurava... procurava... até encontrar o fio com um papel em que estava escrito ‘Rádio Jauense’”, recorda. Sem o conforto das cabines, as transmissões usualmente eram realizadas dos degraus da arquibancada. E não era raro ter a torcida do time adversário ao lado nesses

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TRISTE ALEGRIA

casos. O que por consequência fazia a voz da narração não sair tão potente num eventual gol do XV.

Apesar dos vários contratempos relatados anteriormente, a principal preocupação de Vanthier nas transmissões daquele período era saber se todo o esforço teria sido feito em vão ou não. Como apenas uma linha telefônica era solicitada, a equipe da Rádio Jauense fazia a narração completa dos jogos sem ter retorno, uma vez que a linha era usada somente para transmitir. Devido a isso, era comum por algum problema técnico a ligação cair e o torcedor em Jaú ficar com seu aparelho de rádio mudo. Antes do início da jornada esportiva, Vanthier sempre conversava com Garcia, funcionário da rádio, que ficava em Jaú para prestar o suporte técnico.

- E aí, Garcia? ‘Tá’ tudo certo? - Tudo sim, Vanthier.- O som está chegando? O volume ‘tá’ bom?’- Aqui está bom.- Então, seja o que Deus quiser. Vou contar até cinco e já entro. Um, dois,

três, quatro, cinco... Muito boa tarde, meus amigos do esporte passamos a falar diretamente de Bragança Paulista, onde o XV enfrentará o Bragantino...

“Daí, eu ia até acabar o jogo sem saber (destaca pausadamente) se ‘eu estava chegando em Jaú' ou não. Voo às escuras”, enfatiza o radialista. Nessas condições, Vanthier só descobria o resultado da transmissão no dia seguinte, quando chegava (efetivamente) a Jaú. “No retorno, quando eu olhava pra porta da rádio, o Garcia sempre estava lá me esperando. Chegava e perguntava: ‘Garcia, e aí, como é que foi?’. E ele respondia: ‘Não foi’... Barbaridade”, relata.

Vários jogos do XV fora de casa foram ‘perdidos’ dessa maneira. Anos depois, encontraram a solução. Em vez de solicitar uma única linha, era feito o pedido por duas linhas telefônicas, sendo que uma delas serviria como retorno. Com isso, Vanthier e equipe passaram a ter a noção exata sobre a chegada do som (e principalmente da emoção das partidas) no destino desejado: o ouvido dos quinzeanos.

***

Aos 80 anos de idade, Vanthier segue firme como o comentarista de futebol da Rádio Jauense. Sem o XV em campo, a atividade profissional do radialista diminuiu em 2015. Para quem gosta das opiniões dele, a única opção é esperar pelo programa Esporte em Marcha – Segunda Edição (a atração criada pelo tio Alides) que vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 18 às 19 horas. O

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Sem muitas palavras: sem o XV em campo, atividade profissional de Vanthier

diminuiu em 2015.

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CAPÍTULO 04

curioso é que Vanthier participa ao vivo do programa sem precisar sair de casa. Em um quartinho de fundo, adaptado como um estúdio improvisado, ele tem um aparelho para transmissão conectado à emissora. “Fico aqui assistindo ao Rei do Gado (novela exibida no período da tarde pela Rede Globo) e quando são cinco e quarenta vou pro quartinho. Faço isso na ‘chavinha’: ‘tuc’ (faz sinal com os dedos para indicar como liga o aparelho)... e dou alguns toques no microfone pra eles (a equipe no estúdio da emissora) saberem que eu já estou pronto... Ligo o rádio como retorno e faço tranquilo”, explica.

“Jaú. Dezoito horas. Olá, gente, boa noite. Estamos chegando aqui na Jauense, a voz mais forte da região, com o Esporte em Marcha em sua segunda edição”, anuncia Bibi Costa, o locutor que apresenta o programa. Logo em seguida, são destacados os assuntos que serão debatidos na atração, sempre com o futebol em evidência. Mais especificamente, com os quatro grandes em evidência. Numa rotina, sobem as vinhetas que anunciam o clube para em seguida Bibi completar com o destaque diário: “Corinthians (vinheta): Tite tem desfaques para o jogo de domingo. Santos (vinheta): Peixe recebe proposta por promessa da Vila...”. E assim segue. Tão comum em outros anos, a vinheta do XV tem ficado na maioria das vezes calada.

Após alguns anúncios publicitários, chega a vez da entrada de Vanthier. “Aí vem ele, o melhor comentarista do Brasil. (Sobe a vinheta com o nome cantado) Vaaanthier Man-to-va-neee-lli. Alô, Capitão, boa noite”, apresenta, pomposamente, Bibi Costa. No programa, Vanthier é chamado de Capitão, apelido que ganhou por ser o mais experiente da equipe de esportes da emissora. “Bibi, boa noite. Meu amigo do esporte, boa noite”, sempre com essas palavras, Vanthier começa sua participação. Seus comentários são sobre fatos do futebol, que não necessariamente foram destacados na abertura do programa, e podem durar de três a dez minutos, conforme o tema selecionado. A memória e a lucidez das falas de Capitão impressionam. Após essas considerações, Bibi e Vanthier interagem no debate sobre as “manchetes” da atração e nos palpites para os jogos das rodadas dos principais campeonatos em disputa. Aproximadamente às 18h30, a dupla encerra a participação e abre espaço para as notícias do esporte amador sob o comando de outro locutor.

Foi no Esporte em Marcha, em meados de janeiro, que Vanthier explanou sua opinião sobre o que a diretoria do XV deveria fazer na temporada de 2015: “Se tiverem cabeça, se tiverem juízo: licença. Peçam licença para que o clube não dispute este ano a fim de acertar a sua ‘vida’ interna”, era esse o recado. A proposta de Capitão tinha consonância com a opinião de uma parcela de quinzeanos que analisavam o futuro do clube com base nas finanças.

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“Disputar sem ter um recurso financeiro, algo que garanta pelo menos a folha de pagamento de jogadores, comissão técnica e funcionários do clube é, no mínimo, arriscado. Não vale a pena”, ressaltava Capitão. Em acordo com essa linha de pensamento, a direção do Galo tomou a decisão que Vanthier desejava.

A alegria provocada pela decisão, relatada no início deste capítulo, não significa que o radialista não sinta a falta do XV em 2015. Ele conta que às quartas e aos domingos, sempre quando se prepara para assistir aos jogos da televisão (por razão do ofício), passa sempre por sua cabeça a lembrança de que poderia estar em outra cidade acompanhando o clube jauense. E pode ser o jogo que for, acrescenta, até do Palmeiras. Sim, Vanthier é palmeirense e nunca escondeu isso nos programas de rádio. Até reconhece que o time alviverde é o que mais recebe “pauladas” em seus comentários em comparação aos demais clubes. Mas então qual é a diferença entre torcer pelo verde e branco e torcer pelo verde e amarelo? “Nos jogos do XV eu sofro. Nos do Palmeiras, não”, diferencia. Além do Galo em campo, Capitão também sente falta do contato com os amigos e companheiros de trabalho de outras cidades. “A vantagem de trabalhar com o futebol é a possibilidade de se fazer amizades. Mas com o XV ausente vou encontrar esses meus amigos onde?”, lamenta.

Assim como foi notado na editoria de esportes do jornal Comércio do Jahu, o afastamento do XV do noticiário radiofônico igualmente pode ser percebido. No caso da Rádio Jauense, as informações sobre o clube eram praticamente diárias em anos anteriores. A formação do elenco, os treinamentos, a montagem do time, as partidas, as entrevistas com jogadores, técnicos e diretores, a repercussão com a torcida, etc. Toda essa vasta cobertura ocorria, na maioria das vezes, com repórteres em participações ao vivo, diretamente do Jauzão, no principal programa esportivo da emissora – o Esporte em Marcha, tanto na primeira (às 11 horas da manhã) quanto na segunda edição.

Em 2015, a ausência do XV é notada logo na escalada inicial. Após as vinhetas dos times grandes e seus respectivos destaques, é raro ouvir a chamada para alguma informação do Galo da Comarca. Quando ocorre, em geral, se deve às notas da assessoria de imprensa do clube ou a informações de bastidores. Nem sempre, porém, as notícias divulgadas são confirmadas pela diretoria. Num episódio de agosto de 2015, propagou-se no rádio a informação, sem muitos detalhes, de que o clube teria firmado uma parceria. Prontamente, a diretoria do XV respondeu por meio de nota em que declarava ser inverídica a informação. Na réplica, os integrantes da equipe esportiva da Jauense ratificaram que a direção teria aceitado a proposta feita por uma empresa. “O acordo nos deu uma tranquilidade tremenda, mas a alegria virá com o pronunciamento oficial

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da diretoria”, afirmou Vanthier no programa. Até o fechamento da edição desta reportagem, não houve confirmação oficial de parceria por parte do clube.

Especulações à parte, o fato é que com a falta de notícias do Galo, aumentou-se o tempo destinado para o debate sobre os clubes da capital paulista nos programas esportivos da Jauense. “Pra não ficar esquecido, eu costumo nas minhas participações cobrar: ‘Bibi, e o XV?’”, relata. Segundo ele, a cobrança serve para que a diretoria saiba que as pessoas estão de olho no trabalho de recuperação do clube.

Além do conteúdo do programa, a ausência do XV também trouxe impactos para as finanças da emissora. Não em grande escala, no entanto. De acordo com Vanthier, as receitas de publicidade oriundas das duas edições do Esporte em Marcha são suficientes para cobrir os custos de produção e manter a equipe. Na edição do final da tarde, por exemplo, o intervalo entre os blocos do esporte profissional e amador contém quase 20 vinte anunciantes. Em razão disso, o desfalque das cotas publicitárias que seriam atraídas com as transmissões, caso o time jauense estivesse em atividade, não chega a comprometer. “A rádio deixou de ter uma receita um pouco maior. Seria um lucro

Homenagem sem h: mesmo que o nome esteja gravado

erroneamente, placa no portão de entrada para a imprensa no

Jauzão faz saudação a Vanthier.

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extra”, complementa o radialista.Ao fim da entrevista, pergunto a Vanthier se ele acompanhará

profissionalmente o XV em caso de retorno do clube aos campeonatos em 2016. “Se eu estiver vivo... Né, Cida? O que você acha? (pergunta para a esposa, que havia acabado de entrar na sala)”. “Se Deus quiser (risos)”, responde Cida. “(Risos)... Se Deus quiser”, confirma Capitão.

É o que o ouvinte quinzeano tanto espera: que as cortinas não se fechem e que o espetáculo nunca termine.

***

Se às dez da manhã o rádio não “toca” mais o que o torcedor do XV gostaria de ouvir, então não existem motivos para acordar cedo no domingo. Por anos, o rádio aproximou quinzeanos na torcida pelo clube em um local bem conhecido de Jaú. 2015, porém...

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Happy hour, sim.

Happy year, nAo.

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CAPÍTULO 05

HAPPY HOUR, SIM. HAPPY YEAR, NÃO.

Nos arredores do estádio Zezinho Magalhães assim como em outros locais da cidade de Jaú, vários estabelecimentos comerciais tomam de empréstimo as palavras XV ou Galo. Postos

de combustíveis, bares, entre outros pontos comerciais optaram por de alguma maneira associar seus nomes ao clube, seja para indicar a proximidade do estabelecimento ao campo ou seja apenas para prestar uma homenagem ao time. Com a crise que afeta o clube e culminou no pedido de licença em 2015, nenhum desses estabelecimentos entrou igualmente em crise. Muito menos mudou de nome para desfazer a associação com o time que, pelo menos nos últimos anos, ficou longe de ser um símbolo de sucesso.

Um ponto comercial, não muito distante da casa quinzeana, entretanto sentiu as consequências da ausência do Galo em campo. O Célio’s Sport Bar, reconhecido reduto da torcida verde-amarela, não tem mais em 2015 o mesmo movimento que tinha em outras épocas. Sem o XV, o que agita o bar e ainda o faz encher é a reunião de torcedores dos grandes clubes paulistas para assistir pela televisão aos confrontos das equipes pelas competições nacionais e continentais.

- Quando o Galo joga?- Domingo!- Vai ter caravana?- Opa!!- Que horas o ônibus sai?- Sete e meia da manhã.O diálogo acima, tão comum no bar em anos anteriores às vésperas

de jogos importantes do Galo, foi substituído pelo silêncio. Onde havia corre-corre devido à organização para a saída dos ônibus das caravanas, há somente calçadas vazias e ruas pacatas. O XV se afastou dos campos assim como os torcedores quinzeanos se afastaram do bar. A cerveja continua gelada, mas só ela não garante a alegria.

***

Era uma decisão. O time da casa era amplamente favorito. Precisava apenas do empate contra o adversário de azul. A euforia era enorme. A torcida verde e amarela lotava o estádio. O placar apontava 1 a 1 na metade do segundo tempo. Quando então acontece a tragédia: a equipe visitante marca o segundo

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HAPPY HOUR, SIM. HAPPY YEAR, NÃO.

gol. Silêncio. Fim de partida.O enredo do primeiro parágrafo tem muita relação com os acontecimentos

do fatídico dia 16 de julho de 1950, data do Maracanazo, nome atribuído pela imprensa uruguaia à fantástica e improvável vitória da Celeste Olímpica sobre a Seleção Brasileira em pleno estádio do Maracanã na final da Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil.

Qualquer semelhança é mera coincidência.O enredo do primeiro parágrafo tem muita relação com os acontecimentos

do fatídico dia 19 de junho de 2005, data do “Maracanazo Jauense”.Sim, caro(a) leitor(a), Jaú também presenciou uma desgraça futebolística

similar àquela ocorrida no Rio de Janeiro há mais de 60 anos. Evidentemente, as proporções da consequência de cada uma das duas derrotas são diferentes. Em 1950, o Brasil perdeu em casa a oportunidade de faturar o até então inédito título de campeão mundial de futebol. Já o XV de Jaú, em 2005, deixou escapar o acesso para a modesta série A-2 do Campeonato Paulista. No entanto, a dor sentida pelos torcedores presentes nos dois jogos provavelmente foi a mesma. A tristeza igualmente atingiu quem não estava nas arquibancadas. Ou quem estava e precisou sair...

Entre os 13.024 pagantes, segundo a Federação Paulista1, no Jauzão naquela ensolarada manhã de domingo estava José Cesar Cardoso, o Célio (achou estranho o fato de o Cesar ser chamado de Célio? Calma, posteriormente explico o motivo). Dono do Célio’s Sport Bar, a segunda casa dos quinzeanos, o comerciante estava no clima de euforia que tomava conta da cidade. Tanto que deixou a família cuidar do trabalho no estabelecimento para poder ir ao estádio. A empolgação com a possibilidade do acesso falava mais alto: “Não havia como perder. O XV tinha feito três jogos contra o Rio Claro naquele campeonato e havia vencido os três2”, relembra.

A inabalável certeza da torcida verde e amarela foi desafiada aos 33 minutos do primeiro tempo de partida, quando Luciano Gigante (não se engane com o apelido. O camisa 11 do ataque rio-clarense tem 1,60 m de atura... com a chuteira. Sem ela, a estatura cai para 1,59 m) abriu o placar para os visitantes com um chute rasteiro de fora da área. A vitória simples garantia o acesso ao Galo azul de Rio Claro. Ao Galo da Comarca restava buscar o empate, que veio

1Extraoficialmente, especula-se que aproximadamente 20 mil torcedores compareceram ao estádio Zezinho Magalhães para assistir ao jogo entre XV de Jaú e Rio Claro, em 2005.2Rio Claro 1 x 3 XV de Jaú. Data: 05/02/2005. Jogo válido pela 1ª fase; XV de Jaú 4 x 3 Rio Claro. Data: 06/04/2005. Jogo válido pela 1ª fase;Rio Claro 0 x 1 XV de Jaú. Data: 15/05/2005. Jogo válido pela 2ª fase.

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somente aos 27 minutos da segunda etapa. Em jogada individual, o lateral-esquerdo Dudu invade a grande área pela esquerda, dribla o marcador e chuta cruzado. GOOOOOL!!! EXPLOSÃO NO JAUZÃO. Fogos, buzinas, bandeiras agitadas, exaltação, “GAAAALOOOO, GAAAALOOOO”. A confiança nos onze em campo estava resgatada. Tamanha confiança fez com que Célio fosse embora do estádio mais cedo. Não porque ele não gostaria de estar presente na festa. Muito pelo contrário. Na verdade, ele daria a festa. “Faltando 20 minutos pra acabar, voltei ao bar pra preparar os últimos detalhes da comemoração que iria acontecer. Seria uma festa de fechar o quarteirão e eu estava separando os brindes pra serem sorteados aos torcedores”, recorda.

Como o bar do Célio fica a sete quadras de distância do estádio, cerca de dez minutos foram gastos para o retorno. Na chegada ao estabelecimento, os aparelhos de TV sintonizados na Rede Vida de Televisão, que transmitia o jogo em Jaú, exibiam a expulsão do camisa 16 do Rio Claro, Jonas. O entusiasmo aumentava. Depois de oito anos consecutivos na terceira divisão, apenas dez

CAPÍTULO 05

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Paixão verde e amarela: apesar de ser natural de Santa

Catarina, Célio se tornou um apaixonado pelo XV de Jaú.

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minutos separavam o XV da subida para a Segundona. Aos 42 minutos, chance clara para o XV. O atacante Viola recebe livre na intermediária, avança sem marcação, finta o goleiro e, desequilibrado, finaliza para fora. A lamentação pela oportunidade desperdiçada foi abafada pela festa cada vez maior na arquibancada conforme a partida se aproximava do fim. Mas no fim...

Aos 47 minutos do segundo tempo, Luciano Gigante (ele novamente) recebe a bola na grande área. Num drible curto e veloz de corpo se livra da marcação do zagueiro verde-amarelo. Era ele, a bola, o goleiro e a meta. No ínfimo instante antes da batida, gritos agudos da torcida quinzeana passam a compor a paisagem sonora. Pareciam prever o destino da jogada: o chute de pé direito, o gol... O silêncio entre os torcedores do XV contrasta com a alegria dos jogadores de azul em campo e dos mais de 400 rio-clarenses espremidos num canto da arquibancada e enlouquecidos com o que presenciavam. Fim de jogo e fim de festa no Bar do Célio. Festa que nem chegou a começar de fato.

Ao assistir pela televisão ao gol que decretava o acesso do Rio Claro para a série A-2, Célio conta que chorou: “Não teve jeito, foi muita tristeza. Não dá pra explicar o sentimento, a dor... E a tarde inteira, as pessoas que voltavam do campo passavam pelo bar e choravam, deitavam no chão,... Aquele dia foi difícil”. O comerciante classifica aquela derrota do XV entre as três principais decepções que teve com o futebol, ao lado da Tragédia do Sarriá (como ficou conhecida a desclassificação da Seleção Brasileira de futebol para a Itália, do carrasco Paolo Rossi, na Copa do Mundo de 1982) e da eliminação do Santos na semifinal do Campeonato Paulista de 2001 com o gol do meia Ricardinho para o Corinthians nos último lance da partida. “Das três, a do XV foi a maior decepção”, ressalta.

Para Célio, a derrota de 2005 provocou fortes consequências na confiança da torcida em relação ao clube. ”O pessoal da cidade desanimou e deixou de acreditar. Foi duro para o torcedor aceitar o que aconteceu. Aquelas crianças que foram naquele jogo ficaram... assim... (pensa no adjetivo) traumatizadas. Em 2006, ano em que o XV subiu3, 80% dos torcedores não voltaram ao estádio”, afirma. Além disso, ele acredita que se o clube tivesse conquistado o acesso naquela época, tudo que se fizesse daria certo. “A cidade inteira tinha abraçado o time. Foram 20 mil pessoas no estádio numa terceira divisão. Se o XV sobe naquele ano, a gente estaria na primeira até hoje. E não sairia mais”, justifica.

3Um ano após a tragédia contra o Rio Claro, o XV de Jaú conquistou o acesso para a série A-2 do Campeonato Paulista. Por coincidência, a conquista veio com vitória fora de casa, por 2 a 0, num duelo direto contra a Ferroviária, que contou com o amplo apoio da torcida no estádio da Fonte Luminosa em Araraquara.

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***Nascido em 1959 na cidade de Laguna-SC, em região às margens do Rio

Tubarão, Célio era para ser chamado José Célio Cardoso, nome escolhido pela avó. Quando o pai o levou para registrá-lo, no entanto, é provável que o escrivão não tenha ouvido corretamente o nome do meio e na certidão gravou: José Cesar Cardoso. “Naquele tempo, se guardava a certidão de nascimento com o umbigo da criança em cima do guarda-roupa e ficava. Quando fui para o quarto ano escolar, passei a estudar em outro povoado em que se exigia o documento para a matrícula. Na chamada do primeiro dia de aula, a professora não me chamou e eu fui falar com ela. Falei que me chamava José Célio Cardoso e ela disse que na lista havia somente José Cesar Cardoso”. De volta pra casa, Célio consulta a certidão e só então se dá conta que seu nome do meio era Cesar.

A partir da explicação da confusão no nome surge outra pergunta: como um catarinense foi adotar o XV de Jaú como uma de suas paixões no futebol? Célio explica que na adolescência passou a fazer parte de um time varzeano da cidade litorânea de Laguna, o Madre Futebol Clube. Para a escolha das cores do uniforme da equipe, a diretoria consultou a revista Placar, que publicava fotos com as vestimentas de times do Brasil inteiro, e a tradicional camisa verde com golas amarelas à época usada pelo Galo da Comarca foi a preferida. Enquanto o Madre F.C. adotava as cores do XV, Célio começava a criar seu laço com o clube jauense.

A paixão, entretanto, estava apenas no começo. Em 1976, Célio mudou-se para a cidade de São Paulo. Na capital, ele teve a oportunidade de ficar um pouco mais próximo de seu, até então, único time de coração: o Santos Futebol Clube, que costumava mandar várias partidas no Pacaembu. Chance também de rever as cores de seu time de várzea, quando compareceu ao jogo entre Juventus e XV de Jaú, na Rua Javari. Em junho de 1981, a convite da cunhada, que era casada com um jauense, Célio visitou Jaú pela primeira vez e na ocasião assistiu ao empate entre XV e Santos por 1 a 1, pela primeira divisão do Campeonato Paulista, no estádio Zezinho Magalhães. “Naquela época, tinha a história de que quem tomava a água do Cano Torto4 voltava pra cá (Jaú). E eu tomei... (risos)”. E voltou pra ficar. No ano seguinte, o comerciante mudou-se definitivamente para Jaú.

4Cano Torto é o nome dado a um bebedouro construído em 1936 com o intuito de canalizar a água de uma antiga mina na região central de Jaú. Formado por uma cuia de cerca de 2,5 metros de diâmetro e uma parede vertical com um cano torto (daí o nome), criou-se o ditado de que “quem vem a Jaú e bebe a água do Cano Torto certamente retorna à cidade”. Tornou-se assim um ponto turístico jauense.

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Foi na cidade do interior paulista que o Peixe começou a perder espaço para o Galo no coração de Célio. Quando pergunto como é torcer pelos dois clubes, Célio responde: “Eu sou apaixonado pelo Santos, mas ele é de fora. O XV não. O XV é nosso, da cidade e a gente vive o dia a dia do clube. Se os dois voltarem a jogar, eu vou torcer pelo XV”. Depois de mais de 30 anos na cidade, o comerciante já se considera um jauense e inclusive foi homenageado em 2007 pela Câmara de Vereadores do município com o título de cidadão jauense.

Desde que chegou à cidade, Célio sempre trabalhou em bares ou lanchonetes conduzidos por ele próprio, como o Bar e Café do Célio e o Célio Lanchonete - ambos ficavam localizados no centro de Jaú. Mas apenas em 1993, quando abriu o bar atual (Célio’s Sport Bar), a relação com o XV de Jaú começou a se fortalecer. A proximidade do estádio, a assiduidade de antigos presidentes e diretores do clube e a decoração do estabelecimento foram alguns dos fatores que levaram o espaço a se constituir como a segunda casa do torcedor do Galo.

Quem passa pela esquina da Rua Quintino Bocaiúva com a Rua Prudente de Moraes, na Vila Nova, logo encontra a localização do bar, tanto pela calçada pintada nas cores verde e amarela quanto pelo galo desenhado na fachada. No interior do estabelecimento as paredes são forradas por pôsteres, quadros,

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Segunda casa: Célio fez de seu bar em Jaú um

reduto dos quinzeanos.

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camisas autografadas, notícias de jornal e demais enfeites relacionados ao XV, mas também aos quatro grandes clubes do futebol paulista, com preferência pelo Santos, obviamente. Por transmitir os jogos exclusivos dos canais por assinatura, o local é um ponto de encontro para as torcidas que têm à disposição seis televisores ligados simultaneamente nas partidas importantes da rodada e posicionados estrategicamente em pontos elevados e de boa visibilidade.

Em especial nos jogos do XV, Célio tinha o costume de incrementar a decoração da fachada: “A cada ano, amigos me ajudavam e eu mandava fazer bandeiras e faixas grandes nas cores do XV. Quando o time jogava, eu acordava cedo, pegava a escada pra pendurar a bandeira lá no alto, sobre os toldos, e de noite retirava. Até hoje tenho dor nas costas por causa disso... Foi uma época que eu estava ‘doente’ pelo time”. Tal hábito ajudou para que mais torcedores passassem a frequentar o bar, de modo a transformá-lo em um estádio em dia de jogo do Galo, com todos uniformizados e na torcida pelo clube seja pelo rádio ou seja pela televisão.

O Bar do Célio e as torcidas organizadas do XV de Jaú, aliás, sempre mantiveram uma relação de proximidade. Literalmente. Tanto a Galomania como posteriormente a Galunáticos chegaram a ocupar um salão anexo ao estabelecimento. Célio cedia o espaço para que os membros das torcidas se reunissem e guardassem seus pertences como faixas, bandeiras, batuques, etc. Como sede para as organizadas, o espaço tornou-se ponto de encontro para a saída das caravanas para os jogos do Galo fora de Jaú. “Eu ajudava na organização das caravanas e, seguramente, foram mais de cem que saíram daqui”, afirma o comerciante, que pelos afazeres no bar dificilmente viajava com os torcedores.

Com o passar dos anos e o paulatino reconhecimento do estabelecimento como um reduto quinzeano, Célio passou a colocar em prática outras ações para, nas palavras dele, “ajudar o XV”. Uma delas foi a venda antecipada de ingressos para os jogos. “Isso começou com o Neu (Irineu Stripari, ex-presidente do clube), que frequentava o bar e trazia as entradas para serem vendidas. Depois houve um tempo em que eu patrocinava a confecção de ingressos para vender aqui. Daí, virou hábito e isso eu fazia de coração sem exigir nada do clube”, conta. O comerciante vendia, em média, 400 entradas de forma antecipada. “Em apenas uma partida da campanha de 2005, cheguei a comercializar 1.600 ingressos. Mas na quarta divisão a média diminuía para aproximadamente 200 ingressos”, relata.

A partir dos anos 2000, com o ponto comercial já consolidado na cidade, o bar passou a receber visitas não só de torcedores e dirigentes como também

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de jogadores do clube. Ralf, Walter (ambos Corinthians) e Auro (São Paulo) são alguns nomes mais recentes citados por Célio. “Eu dava Guaraná 15 quase todo dia pra esses caras”, recorda. “Então quando os jogadores passavam por aqui era só guaraná?”, pergunto em tom de brincadeira. “Só guaraná... No último ano, até vinham alguns jogadores que gostavam de uma cerveja e tal... (risos), mas não na véspera do jogo”, revela. Receber os jogadores e ter a torcida tão próxima nunca desencadeou qualquer tipo de confusão dentro do local, mesmo nas fases ruins do clube. “O jogador que frequentava tinha o direito dele de tomar um guaraná ou uma cerveja. Ele não vinha aqui para exercer a profissão. E isso eu sempre falava aos torcedores, que sempre souberam diferenciar”, destaca o comerciante.

Ser um ponto de referência futebolístico na cidade também propiciou ao bar o privilégio de ser o local escolhido para a realização de uma reportagem do extinto programa Loucos por Futebol, da ESPN, em visita do apresentador Marcelo Duarte, no ano de 2003. Em outra oportunidade, já em 2014, o jornalista Ricardo Recchia, do jornal Comércio do Jahu, idealizou em parceria com Célio o 1º Encontro de Torcedores do XV de Jaú – evento em comemoração aos 90 anos do clube.

***

Reconhecidamente apaixonado pelo XV de Jaú, Célio chegou a ser conselheiro titular do clube entre 2009 e 2012. Ao relembrar o período, ele diz sentir orgulho do fato e de ter faltado em apenas uma reunião, mas lamenta a ausência de voz ativa no conselho. “Foi uma experiência boa, mas participei numa fase em que era até difícil completar o quadro de conselheiros. E pela condição financeira da época, quem colocava o dinheiro no clube era o presidente, então não só eu, mas o conselho ficava sem voz ativa e sem ter o que impor ou questionar”, comenta. Ao fim do mandato, ele preferiu não continuar em razão da rotina no bar.

Mesmo fora da política do clube, Célio continuou sendo um formador de opinião em relação aos destinos do XV de Jaú. Nos últimos anos, foi diversas vezes entrevistado por veículos de comunicação locais, praticamente na condição de porta-voz de uma parcela significativa de torcedores que pensam como ele. Em relação à decisão de não participar da quarta divisão paulista em 2015, Célio discorda da maneira como o XV foi, segundo ele, “tirado de campo”. “Não tenho nada contra a diretoria e estou torcendo pra que dê certo a ideia deles, mas a forma como foi tomada a decisão foi restrita, silenciosa,...

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Não houve uma movimentação, um consenso na cidade... Deveria ser de outra maneira, buscando ouvir todos os lados... Não poderia tirar o time de campo assim”, contesta.

O comerciante concorda que seria árdua a tarefa de sustentar o clube em atividade, haja vista o histórico recente de crise financeira. Em contrapartida, por temer que o clube possa cair em esquecimento, ele acredita na tese de que com o time em campo seria mais fácil fazer algum tipo de campanha: “Por exemplo, se você pensa em vender uma camisa, irão perguntar: ‘O time ‘tá’ disputando?’. Então, com o clube fechado, fica mais difícil arrecadar... ”. Num tom mais otimista, Célio invoca os deuses do futebol: “E se déssemos a sorte do time encaixar e conseguir o acesso? Futebol depende de sorte e de momento”.

Célio fala que já esperava pela decisão da licença, mas não acreditava que ela seria oficializada. Ou melhor, não queria acreditar. Quando soube da definição, ele estava no bar e reagiu com tristeza. “A notícia circulou por vários canais de esporte, no dia seguinte, e o que se via era: ‘o XV fechou’. Isso dói (abaixa a cabeça e esboça chorar)”, lamenta.

Com o XV fora do futebol profissional, a rotina do bar sofreu alterações. Os domingos, principalmente, não apresentam a característica movimentação de clientes (quinzeanos) dos anos anteriores. “O movimento diminuiu, sim. O pessoal ia ao jogo e, quando voltava, ficava por aqui. Por causa das caravanas nos domingos de manhã, já tive que abrir o bar às seis horas, mas hoje, sem as viagens, começo a trabalhar às dez”, explica. Pela experiência no ramo comercial, Célio comenta que para a economia da cidade o XV também faz certa falta: “O futebol movimenta vários setores. Se o XV estivesse na primeira divisão, movimentaria hotéis, restaurantes, gráficas, tudo... E mesmo na quarta divisão, o ‘pessoal’ fazia tabelas, camisetas, as empresas de ônibus fretavam, no mínimo, dois ou três veículos por domingo,... Então (o XV) fez falta pra ‘alguma coisa’... Até pra venda de rojões, mas eu pelo menos economizei no rojão, ‘né’ (risos)... Pensando por esse lado, diminuí as despesas”, explica.

Por falar em despesas, Célio revelou durante a entrevista um inusitado gasto efetuado por ele em 2014. Ao final da última participação do clube na quarta divisão, o comerciante soube, por meio de contatos com a diretoria anterior, que cerca de 50 camisas oficiais do XV de Jaú confeccionadas para a venda aos torcedores estavam ‘encalhadas’. Bem, se você leu a história de Célio até aqui, provavelmente deve suspeitar da decisão que ele tomou. Não!? Pois bem, ele comprou os uniformes do clube.

Com isso, além de segunda casa dos torcedores quinzeanos, o Célio’s Sport Bar passava a ser uma loja extraoficial do Galo da Comarca. Da quantidade

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inicial, restaram apenas três camisas. Célio conta que, em 2015, um carioca em visita a Jaú o procurou ao tomar conhecimento de que no bar poderia encontrar o uniforme do time jauense que tanto procurava. Cada revenda concluída faz retornar aos poucos o investimento inicial. “O clube não ‘tá’ em campeonato nenhum, ‘tá’ afastado, não se sabe quando volta e ainda tem gente procurando por camisa do XV”, se surpreende Célio. Por ter a residência a menos de uma quadra de distância do bar, também é comum as pessoas baterem palmas na cada dele em horários inoportunos à procura de produtos e raridades do XV de Jaú. “Até estrangeiros já apareceram na minha casa pra comprar camisas”, completa.

Confesso que faço parte do grupo de pessoas que já bateu palmas em frente à casa do Célio. Entretanto, não estava em busca de produtos do XV bem como o horário estava longe de ser inapropriado. Na verdade, combinamos a entrevista para um dia da semana, perto das nove horas da manhã, e quando cheguei ao bar, as portas de ferro ainda estavam todas abaixadas. Por isso, precisei ir chamá-lo. Com a aparência de sono, ele me atende e me convida para ir até o estabelecimento. Ao chegar lá, optamos por conversar no salão que era utilizado como sede das torcidas organizadas. É nesse local que praticamente

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Pano de fundo: Célio e a faixa que possivelmente

iria para a gaveta

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tudo remete ao XV. A começar por uma enorme faixa que toma o espaço de duas paredes e vai do teto ao chão. Nela, o escudo de um lado, o desenho do mascote de outro e no meio a inscrição: “XV DE JAÚ – ORGULHO DA CIDADE” (em referência ao início da letra do hino quinzeano). Pra onde quer que eu olhasse, o verde e o amarelo tingiam minhas retinas. A única possibilidade disso não acontecer seria visualizar a parede repleta de esquadrões antigos do Galo enquadrados a partir de fotos em preto e branco.

Ao final da entrevista, Célio afirma que pensava em ainda no mesmo dia desmontar as coisas expostas no espaço e guardar todas as faixas e bandeiras. Na tentativa de justificar a decisão, ele emocionado diz: “Toda vez que entro aqui,... (balança a cabeça)”. Faltaram palavras para Célio completar a fala. Mas, ele não precisava se explicar. A frase incompleta é um reflexo da ausência do XV em 2015.

***

Ao descer as ruas do Bar do Célio, em poucos minutos, é possível chegar ao prédio da prefeitura do município de Jaú. Historicamente, o XV de Jaú esteve por muito tempo próximo a figuras políticas importantes da cidade. E em 2015? O poder público se aproximou ou se afastou do clube?

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O poder

sem poder

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“A UDN vivia um bom momento no âmbito local. Suas lideranças estavam unidas e o partido estava conseguindo se desvencilhar da pecha de elite graças ao esforço de Zezinho

Magalhães. Ele próprio dizia que a UDN precisava descer as escadarias do Jahu Clube para se juntar ao povo. Primeiro ele faz isto por meio do XV de Jaú. Nunca antes um líder político se aproximara tanto do povo como Zezinho o fez à frente do clube".

Retirado do livro “Dos Farrapos à Urna Eletrônica – Tramas e Alianças na Política Jauense”, o parágrafo inicial deste capítulo relata um dos episódios da extensa relação de proximidade que envolve o Galo da Comarca e importantes figuras políticas do município de Jaú.

Zezinho Magalhães talvez seja o personagem mais emblemático dessa relação. Ao assumir a presidência do XV em 19 de fevereiro de 1951, adotou medidas para que o Galo pudesse voar mais alto tais como contratar um novo técnico para a equipe e investir em jogadores com passagens pelos clubes da capital. Com os jauenses mais envolvidos com as disputas, o Galo chega em 17 de fevereiro de 1952 ao jogo decisivo que definiria o inédito acesso do clube à primeira divisão. Contra o Jabaquara em Campinas, cidade escolhida para sediar a partida de desempate1, os torcedores de Jaú lotaram o estádio Moisés Lucarelli, sendo que a maioria fizera uma longa viagem de trem para estar ali. O resultado recompensou o esforço: XV, um; Jabaquara, zero. XV na elite.

Ao festejar a conquista, grande parte dos jauenses elege Zezinho como o "Marechal da Vitória". A projeção que ele obtém na cidade a partir do XV, no entanto, não para por aí. Para participar da principal divisão do futebol do Estado, o clube deveria atender à Federação Paulista, que exigia uma reforma de ampliação no estádio Arthur Simões. Em 15 dias, as arquibancadas deveriam estar aptas para acomodar 12 mil pessoas. Zezinho consegue a adesão de vários jauenses para trabalhar nas obras. Com uma grande mobilização, a determinação da Federação é cumprida. A popularidade crescente do "Marechal da Vitória" fez com que posteriormente ele fosse eleito ao cargo de prefeito do município.

1XV de Jaú, vencedor da Segunda Divisão em 1951, e Jabaquara, último colocado da Primeira, duelavam em busca do direito de estar no torneio de 1952 entre os grandes paulistas. No primeiro jogo, em Jaú, o Galo goleou o adversário por 5 a 0. Em Santos, o Jabaquara derrotou o time jauense por 2 a 0. Com uma vitória para cada lado, houve a necessidade de um terceiro encontro - dessa vez em campo neutro.

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Desde o ingresso do XV no profissionalismo em 1948, é comum observar que a relação com o clube pode reverter em "bônus eleitoral" tanto para os políticos já estabelecidos no cenário municipal quanto para os dirigentes esportivos que desejam entrar para a política da cidade. Maior será o "bônus" quanto melhor for o trabalho em prol do clube. E o mais importante: quanto mais visíveis forem os resultados desse trabalho. Foi assim com Zezinho, quando contribuiu para que o Galo chegasse à elite.

Num 2015 tão distante dos tempos gloriosos de que forma é possível enxergar essa relação entre clube e política? Houve aproximação entre XV e poder público no intuito de evitar a licença das atividades? Para buscar respostas, entrevistei o jauense Hamilton Chaves, 51 anos, autor do livro citado no primeiro parágrafo deste capítulo e secretário de esportes de Jaú no período em que o XV tomou a decisão de não participar do campeonato da quarta divisão.

***

Nenhuma agremiação esportiva em Jaú conseguiu o destaque e a repercussão que o XV teve no passado. Hamilton concorda com a sentença e isso fica evidente quando revela a ideia de criar no museu municipal da cidade uma ala dedicada aos esportes: "Logicamente, o esporte que mais vai se destacar é o futebol com o XV", afirma. Hamilton é secretário de Cultura e Turismo de Jaú. A pasta de Esportes era a terceira componente da Secretaria até o final de junho de 2015, quando foi desmembrada e passou a ser comandada por outra pessoa.

No comando do Esporte, Hamilton conviveu proximamente com o dilema da diretoria quinzeana. Em 2014, chegou até a ser convidado para fazer parte da direção do clube, mas recusou o convite. "Eu disse não porque, como secretário, acho que não convinha. E mesmo como cidadão eu não tenho vontade de estar na diretoria e nem no conselho. Prefiro estar junto de outras formas", explica. Apesar do distanciamento inicial, Hamilton indicou um membro da Secretaria, Rodrigo Paulino, para compor uma das vice-presidências do XV. A partir disso, o fluxo de informações do clube passou a chegar com mais frequência na pasta de Esportes.

Antes disso, no entanto, o secretário já mantinha conversas com conselheiros do clube devido ao processo de tombamento do estádio Zezinho Magalhães, analisado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Arquitetônico e Cultural (Conppac), vinculado à Secretaria de Cultura. O projeto tramita em fase final. "Estamos pesquisando a história e até onde o (Vilanova)

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Artigas2 teve participação... Mas só o valor histórico do que se passou naquele local já dá o direito do tombamento no nosso entendimento", analisa.

Não faltavam elos entre o poder público municipal e o clube. Na condição de secretário de Esportes, contudo, Hamilton enxergava poucas possibilidades de cooperar com o clube em 2015. "A questão dos ônibus, por exemplo. Cada viagem eu preciso justificar. E se eu colocasse ‘para transportar atletas do XV

2João Batista Vilanova Artigas foi um renomado arquiteto brasileiro. Sua obra está vinculada ao movimento arquitetônico conhecido como Escola Paulista (ou Escola Brutalista de São Paulo). Entre suas obras estão o estádio do Morumbi, em São Paulo, e a Estação Rodoviária de Jaú.

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O secretário: Hamilton é responsável pela Secretaria de Cultura e Turismo de Jaú. Até junho de 2015, a pasta

de Esportes também estava sob sua responsabilidade.

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de Jaú’, traria problemas. Então, eu tinha poucas condições de ajudar pela Secretaria. Mas sabia que existiam conversas com o prefeito", relata.

O secretário conta que nas conversas foram discutidas maneiras de ajudar o clube. Alguns impedimentos legais, no entanto, travaram o avanço das ideias. "É muito difícil o poder público ajudar porque é um clube particular. Existem formas, dá pra tentar de alguma forma ajudar, mas o Rafael (Agostini, prefeito de Jaú) não quer nada que represente um risco de tomar uma ação... E ele está certo. Até agora não tomou nenhuma ação porque está tendo esse cuidado rigoroso de não fazer um convênio, por exemplo, e depois o Tribunal rejeitar. Da mesma forma, disponibilizar funcionários do poder público para limpar um clube particular. Outros clubes poderiam requisitar isso. Então é ilegal né... Em muitas cidades a gente sabe que as prefeituras ajudam bastante, mas correm o risco de tomar uma ação de improbidade administrativa”, comenta.

Embora aos olhos jurídicos o XV seja visto como um clube particular, Hamilton aponta para a perspectiva da história política jauense que ele tão bem conhece: "Naquela época ‘boa’ em que tudo podia... do Zezinho (Magalhães), do Waldemar (Bauab, ex-presidente quinzeano e ex-prefeito de Jaú), o poder público se misturava um pouco com o XV porque no fundo era o time da cidade. É privado no papel... E uma coisa pública basicamente. Mas institucionalmente não se vê assim. E o Tribunal de Contas não quer saber... Se você ajudou um clube de futebol é ‘pau’ mesmo", considera.

Sem saídas jurídicas, o poder público não teve o poder de ajudar o Galo. Mesmo já sabendo antecipadamente da decisão, Hamilton recorda que foi triste receber a notícia definitiva sobre o pedido de licença do clube. Para ele, a diretoria fez a opção correta tendo em vista a falta de planejamento e o consequente aumento das dívidas nos últimos anos. "Apesar de muita gente querer ver o time em campo era muito difícil levantar o dinheiro necessário para a disputa”, completa.

Com as receitas curtas, diversas vezes dirigentes empregaram recursos particulares para a manutenção do clube em temporadas passadas. Em 2015, entretanto, não houve quem tentasse se arriscar financeiramente. Como pesquisador da política da cidade, ele lembra os casos de personagens que investiam recursos próprios no clube. Zezinho, novamente, é o mais representativo. Em "Dos Farrapos à Urna Eletrônica", Hamilton escreve a seguinte passagem no capítulo no qual conta sobre o falecimento do ex-presidente quinzeano em março de 1969: "O "Marechal da Vitória" morria sem ver a inauguração do novo campo do XV de Jaú. Só veria a terraplanagem, etapa que ele inclusive assumira e que após a sua morte sua família seria cobrada

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pelas promissórias que assinara. Se no passado Zezinho havia levado o "Galo" à Primeira Divisão às custas de bens pessoais, como a fazenda de Londrina, o novo estádio lhe arrancaria o último bem imóvel: o apartamento em Santos".

Ainda que a paixão e as loucuras de Zezinho sejam as mais simbólicas, Hamilton considera que a relação entre XV e política se manteve nas últimas décadas independentemente da divisão do futebol estadual na qual o clube jogava. O pesquisador cita, por exemplo, a eleição de 2008 para prefeito em que o candidato Osvaldo Franceschi Junior vence tendo como vice João Brandão, à época diretor do clube jauense na terceira divisão: "João Brandão era muito querido pela torcida do XV e foi um fator determinante na eleição do Osvaldo, que venceu com cerca de 280 votos de vantagem". Para Hamilton, o XV serve como um trampolim político para quem souber usar, mas acredita que essa não é a intenção final de todos que passam pelo clube: "As pessoas da diretoria atual não creio que estejam visando isso... não têm esse perfil", observa.

Como o XV dá voto, não é raro o discurso de campanha de candidatos a vereador e a prefeito englobar as promessas de ajuda ao clube. Devido às barreiras das leis, é raro ver as promessas cumpridas. "Todo mundo quer ajudar o XV, não creio que seja só discurso. Mas na hora que chegam lá, percebem o quanto é difícil juridicamente ajudar. Comentava-se a ideia de cobrar um real nas contas de água e direcionar essa arrecadação ao XV, mas isso pode por lei? Então, precisa ser uma ajuda muito bem construída”, opina Hamilton.

O secretário acredita que o XV afastado das atividades não provoca um impacto capaz de interferir na dinâmica da economia jauense. Ao justificar, ele indica as cidades do porte de Jaú que nunca tiveram clubes de futebol relevantes. "Botucatu não tem tradição nenhuma no futebol e está indo (economicamente) até melhor que Jaú... Seria legal (ter o XV em campo)? Seria. Mas não é fundamental pra cidade. Sendo mais racional, o importante pra cidade é trazer universidades, ter grandes empresas, ter investimentos na área cultural, educacional... Aí você vai ter uma cidade de primeiro mundo. Ter um time não é fundamental, mas é um vazio que fica. Aquele estádio ‘domingão’ sem ninguém...”, avalia.

Hamilton pondera que a paralisação do clube se assemelha à situação de uma empresa que tenha deixado de funcionar. "O XV poderia gerar empregos, uma oportunidade de futuro para algumas famílias. Basta ver os jogadores que foram revelados pra grandes times, ganharam dinheiro fora e investiram o capital em Jaú, Wilson Mano é um exemplo. Sem contar aquela molecada que, de alguma forma, não foi para as drogas, foi para o futebol e conseguiu jogar em outros lugares". A diferença que o secretário aponta é que a “empresa

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XV de Jaú” não vende um produto físico, mas sim um espetáculo. A estrutura desse espetáculo, no entanto, é muito difícil de ser bancada pelos clubes pequenos. Bilheterias baixas, verbas irrelevantes oriundas da Federação, falta de patrocínios...

E por falar em patrocínios...

***

Além de secretário municipal de Cultura e Turismo, Hamilton Chaves também é empresário e diretor dos Refrigerantes 15 cuja marca foi criada em outubro de 1924. Dono de uma fábrica jauense de gasosas (como eram chamados os refrigerantes à época), o fundador Luiz Spirandelli nomeou a empresa em provável alusão à Proclamação da República em 1889. Porém, Hamilton não descarta uma hipótese alternativa: “Dizem que o Luiz foi um dos que ajudaram a fundar o XV (um mês depois, em novembro de 1924). Então não sei se tem a ver", comenta.

Em 1941, um imigrante italiano chamado Ângelo Zugliani, com larga experiência na produção de vinhos e fundador de uma cervejaria na cidade vizinha de Mineiros do Tietê, muda-se para Jaú e junto com a esposa adquire da família Spirandelli a fábrica de gasosas. Sob o comando da família Zugliani, a empresa aprimora os sabores das bebidas e mantém os produtos no mercado até 1982, quando encerra as atividades. Após quase 10 anos entre estudos e trabalhos fora do Brasil, Hamilton retorna para Jaú em 1991. Pela amizade de seu pai com a família Zugliani, surge a ideia de reativar em sociedade a empresa Refrigerantes 15. Dois anos depois a fábrica é reinaugurada e a marca volta à mesa dos jauenses.

Apesar de carregarem o mesmo nome (um em algarismos romanos e outro em algarismos indo-arábicos), o clube de futebol e a empresa de bebidas mantiveram poucas relações em suas longevas histórias. Por um lado, alguém poderá dizer que refrigerantes engordam e não combinam com a imagem de atividades esportivas profissionais. Por outro, cabe a lembrança histórica de que as bebidas gaseificadas com sabor quando foram desenvolvidas chegaram a ser vendidas em farmácias como remédios com a finalidade de revigorar e rejuvenescer, além de conter propriedades antiácidas no auxílio à digestão. E foi no intuito de revigorar a saúde financeira do Galo da Comarca que em 2009 a logomarca do Guaraná 15, o produto mais tradicional da empresa, estamparia a camisa do clube. “O presidente (do XV) nos procurou e fomos conversando sobre essa possibilidade. Na época, a gente acreditou que era a hora dos Refrigerantes

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15 estarem na camisa do time do XV... Foi legal associar uma marca antiga da cidade com o time antigo da cidade já que nunca havia existido essa relação", explica Hamilton.

As cifras do patrocínio giravam em torno de cinco mil reais mensais e eram pagas durante os doze meses, inclusive naqueles em que o clube estava sem atividades devido à eliminação precoce nos campeonatos que disputava. Além do valor em dinheiro, a empresa ajudava de outras maneiras como na reforma da sala de imprensa e dos camarotes do estádio Zezinho Magalhães e na montagem de um site do XV. "Até adaptações exigidas pelo Corpo de Bombeiros tiveram as obras finalizadas com a ajuda de pedreiros cedidos pela nossa empresa. Mergulhamos de cabeça, acreditando que o clube iria para a Série A-2 e chegaria na A-1", comenta o empresário.

O Guaraná 15, a Cola 15 e a Soda 15 foram as marcas que ocuparam nos anos de 2009, 2010 e 2011, respectivamente, o lugar de destaque destinado ao principal patrocinador nas camisas oficiais de jogos e treinos do XV. No início de 2012, o contrato de patrocínio não foi renovado. Depois de três anos, os Refrigerantes 15 ficaram sem "gás" para continuar com o investimento no clube, uma vez que os valores repassados começavam a pesar no orçamento da empresa. Além do fator financeiro, Hamilton aponta outros motivos para a não renovação: “A gente entrou acreditando no trabalho do Zé Construtor (presidente no triênio), até pela amizade que tínhamos com ele, e acreditando

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Patrocínio: em 2010, a logomarca do refrigerante Cola 15

estampou as camisas do Galo.

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que ia se formar uma base de jogadores jovens nesse período, mas não se formou. Como investidor, a gente gostaria de ver ‘brotar os moleques’ e ver que aquilo que investimos ajudou a fazer surgir uma base para o time. Então, depois de três anos e nada de base, achamos que era a hora de sair... E também não havia mais o efeito da novidade (em relação à associação inédita da marca com o clube)”, acrescenta.

Embora o time não tenha conseguido ir muito longe nas campanhas entre 2009 e 2011, Hamilton analisa que a parceria levou muita gente (principalmente de fora de Jaú) a conhecer e a experimentar os produtos estampados nas camisas. "É difícil mensurar o que realmente retorna pelo patrocínio. A 15 Cola realmente teve uma visibilidade maior e hoje só fica atrás do Guaraná 15 em vendas. O patrocínio ajudou a consolidar a Cola como o segundo produto da empresa”, expõe. Em números, os refrigerantes da marca estão estabelecidos regionalmente, sendo que chegam a aproximadamente 2.500 pontos de venda espalhados em mais de 20 cidades num raio de até 50 km de Jaú.

Além da visibilidade para os refrigerantes, a parceria com o clube também representou uma experiência interessante para a empresa por proporcionar conhecimentos no desempenho de atividades na área do marketing esportivo. A partir da bagagem adquirida no XV, outros patrocínios tanto de eventos esportivos diversos quanto de atletas de modalidades individuais foram posteriormente idealizados. Um exemplo é o patrocínio do lutador jauense de

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MMA (Artes Marciais Mistas), Bruno Capelozza, por meio da exposição da marca de uma bebida energética produzida pela fábrica dos Refrigerantes 15.

Na imprensa e entre os habitantes do interior paulista é corriqueiro o discurso que atribui parte da responsabilidade pela crise dos clubes interioranos à falta de apoio de empresários locais. Sobre isso, Hamilton apresenta seu ponto de vista empresarial para o caso particular de Jaú e do XV. "Jaú não tem empresas muito fortes. O forte é a indústria de calçados3, mas é difícil ela colocar uma marca de calçado na camisa do time porque o público do futebol não é o público do calçado feminino. Então, começa o problema aí... É o marketing dela? Teria que ser uma empresa que tenha produtos pro consumidor. Um alimento que seja vendido no supermercado, por exemplo, é mais fácil porque tem um apelo maior e o futebol movimenta bastante gente. Se o XV estiver indo bem, seja na divisão que for, de três a cinco mil pessoas estarão no campo e ainda há os jogos na região toda. Então, existe um retorno de imagem, mas tem muita empresa que não acredita nisso. Algumas empresas que têm condições não investem no esporte, não investem na cultura e não investem em nada. Muitas delas teriam condições de fazer mais pela cidade e acabam não fazendo", critica o empresário.

Em 2015, a única ligação entre XV de Jaú e Refrigerantes 15 está exposta num dos muros que cercam o estádio Zezinho Magalhães. Na parede, a pintura desbotada pelo tempo exibe uma antiga propaganda da bebida Soda 15 Limonada ao lado do emblema do XV. Apesar do reboco deteriorado no rodapé, ainda é possível ler: "Nós apoiamos e incentivamos o nosso XV de Jaú". Não há pagamento por essa propaganda. E como o clube não dispõe de verbas para reformular a fachada dos muros, a pintura permanece como uma lembrança da antiga parceria. Hamilton diz que a empresa não oferece qualquer ajuda de custo neste ano devido à paralisação de atividades no clube. Todavia, não descarta auxiliar no futuro: "se o XV vier com um projeto concreto e interessante, talvez a gente (Refrigerantes 15) volte a investir no clube. Existem empresas com muito mais condições, mas às vezes se a gente não entra, ninguém entra... Se formos analisar só os números, talvez nem devêssemos (investir), mas no fim a gente acaba misturando o coração com os números", afirma.

Misturar o coração com os números. Mesclar a emoção com a razão. De fato, os últimos patrocinadores do Galo tinham como representantes pessoas que demonstravam uma paixão pelo clube. No caso de Hamilton, a relação com o XV pode não chegar a ser de paixão, mas ainda assim fez parte de sua vida...

3A cidade de Jaú é considerada a Capital Nacional do Calçado Feminino.

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O garoto Hamilton sempre gostou de esportes. Na infância e adolescência praticou xadrez e judô, mas o futebol era o seu esporte preferido. Comenta que fatalmente teria sido um jogador. “Gostava muito de jogar. Onde tinha um ‘buraco’ eu jogava”, recorda. No entanto, no início da adolescência ele foi diagnosticado com hepatite. Foram longos seis meses de tratamento da doença. E justamente nesse período de repouso a relação com o time se intensificou: “Eu já tinha o hábito de acompanhar o XV pelas rádios AM e em 1976, por ficar de cama devido à hepatite, eu ficava muito tempo ouvindo rádio. Foi o ano em que o XV subiu e eu ficava louco acompanhando...". A loucura chegou ao ponto de insistir para que o pai o levasse ao estádio. "Enchi tanto meu pai que ele me levou pra assistir ao jogo entre XV e Francana. Lembro até hoje, o XV venceu por 5 a 2 e eu fiquei quietinho atrás do gol porque ainda precisava ficar em repouso”, relembra.

Tempos depois, já recuperado da doença, Hamilton voltou gradualmente à prática do futebol. Jogou por clubes amadores do município e chegou às escolinhas de base do Galo. Em 1977, ano em que o XV estava de volta à elite do futebol do Estado, o ainda garoto Hamilton tinha o privilégio de acompanhar de

O PODER SEM PODER

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Sem demão: muros ao redor do Jauzão ainda exibem as propagandas

de antigos patrocinadores.

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perto os treinos da equipe principal. E foi justamente no mesmo ano que uma partida do Galo em Jaú ficaria marcada na memória do secretário.

A tabela do Campeonato Paulista de 1977 marcava para o dia 05 de junho daquele ano no estádio Zezinho Magalhães, em Jaú, o confronto entre XV de Jaú e Corinthians. O Galo, em má fase, já havia sido derrotado no Pacaembu três semanas antes pelo time alvinegro por 4 a 0. A equipe de Parque São Jorge almejava ampliar a série de quatro triunfos consecutivos no paulista para seguir firme na competição e encerrar o incômodo tabu de 23 anos sem título. A fé de que 1977 seria enfim um ano de erguer troféu empolgava a fanática torcida corintiana. Tanto que no sábado, véspera da partida em Jaú, uma multidão alvinegra já circulava e fazia arruaça pela cidade. Muitas são as histórias curiosas contadas sobre esse final de semana em que os corintianos invadiram Jaú. No sábado, a quantidade de torcedores do time da capital era tão grande que não houve outra opção para eles a não ser dormir pelas ruas da cidade. No domingo, uma tradicional missa realizada em igreja da região central do município recebeu inúmeros corintianos empunhando suas bandeiras. Esse era o pano de fundo do jogo que seria transmitido em rede aberta de televisão e cujo resultado faria parte da loteria esportiva daquele final de semana.

Como era de se esperar, momentos antes do apito inicial, o Jauzão estava tomado por quinzeanos e corintianos. Como a divisão das torcidas não estava bem definida no espaço das arquibancadas, qualquer faísca poderia fazer aquele barril de pólvora explodir. E a primeira faísca foi lançada logo aos 9 minutos do primeiro tempo quando Luiz Poiani num chute sem muita força de fora da área abriu o marcador em favor do XV. Mas foi aos 16 minutos da segunda etapa que o incendiário Poiani colocou fogo de vez no jogo e, principalmente, na arquibancada. O segundo gol quinzeano desencadeou uma briga entre os torcedores. "A Torcida Jovem do XV de Jaú encarou a torcida corintiana. Foi pau pra todo lado, o pessoal acendia o rojão e mandava (em direção à torcida adversária)... Depois do segundo gol o clima já estava ‘quente’. A torcida do Corinthians estava arrebentando o alambrado e a tropa de choque de Bauru foi chamada. Eu que era novo resolvi ir embora”, rememora Hamilton.

Ao deixar o estádio, ele não viu o terceiro e último tento do XV convertido aos 29 minutos por Ademir Mello, que completou jogada individual iniciada por Luiz Poiani. Nos vídeos existentes na internet sobre essa partida, é possível notar que na jogada do terceiro gol, muitos policiais ocupavam a pista lateral ao campo. De frente para a torcida, tentavam evitar mais confusões. No entanto, o esquema policial não foi muito eficiente visto que várias invasões de campo por corintianos indignados com o placar foram registradas. Numa delas, uma

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mulher sofreu um carrinho por trás de um policial que a perseguia enquanto ela tentava atravessar o gramado. Quatro meses depois os corintianos puderam comemorar o fim do jejum de títulos com a conquista do Paulista. Já para os quinzeanos ficou o sabor de ter batido os campeões de 1977 naquele inesquecível domingo de junho. "Até arrepia lembrar o que foi aquele jogo", finaliza Hamilton.

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Curiosamente, um dos membros da Torcida Jovem do XV de Jaú (grupo que sempre acompanhava as partidas do clube no final da década de 1970) era o jauense Mário Gobbi. Muitos anos mais tarde, Gobbi viria a ser presidente do Corinthians na conquista do Campeonato Mundial de Clubes de 2012. Há muitos anos a Torcida Jovem não existe mais. Isso não significa, entretanto, que o Galo tenha ficado todo esse tempo sem apoio na arquibancada e nos jogos fora de Jaú. O time nunca ficou sem torcida. Mas 2015 não tem sido um ano fácil pra quem tem a sina de torcer pelo XV...

O PODER SEM PODER

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O torcedor

de luto

CAPÍTULO 07

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CAPÍTULO 07

O TORCEDOR DE LUTO

Onde estão os torcedores do XV? Um estrangeiro ao chegar a Jaú em 2015 terá poucos indícios de que existe na cidade um clube de futebol que, apesar de estar parado, é (ou foi?) adorado pelos

habitantes. Ao andar pelas antigas ruas do centro jauense é pouco provável que ele encontre alguém vestido com o uniforme da equipe. Com sorte, poderá esbarrar com o Ítalo (o preparador de goleiros do primeiro capítulo) voltando do trabalho na escolinha do clube com alguma de suas camisas remanescentes da comissão técnica de anos anteriores. Com muita sorte, verá o Tiago (o assessor de imprensa do segundo capítulo), com um de seus inseparáveis mantos em verde e amarelo, andando por Jaú em dias de folga da faculdade. Ou talvez, poderá se deparar com o Célio do bar (o comerciante do quinto capítulo) e seu uniforme de trabalho alusivo ao do XV. E é só. E é pouco.

Se esse estrangeiro chegasse a Jaú no ano de 1977, sua impressão com certeza seria outra. Ele veria uma população entusiasmada com o acesso de sua equipe à primeira divisão paulista. Veria o estádio cheio nos jogos em casa contra Palmeiras e Corinthians. Mais de 24 mil pessoas em cada uma daquelas partidas (até hoje são os maiores registros de público em partidas no Zezinho Magalhães). Veria o verde-amarelo exibido com orgulho nas ruas. Veria festas de fechar quarteirões (pois é, nem todas foram frustradas). Mas, não é preciso ser tão saudoso. Bastaria uma visita desse estrangeiro a Jaú em um domingo de 2014 para poder notar que algum motivo fazia uma parte dos jauenses acordar cedo, vestir a camisa do Galo e ir em direção ao estádio. O XV era o motivo.

Talvez seja isso. Sem time, sem jogos, o estádio do XV perdeu em 2015 a sua função de ser um ponto de encontro para pessoas que, embora desconhecidas entre si, compartilham a mesma paixão, a mesma fé. Um estádio sem jogo é uma igreja sem missa. Nos domingos de manhã de 2015, os fiéis quinzeanos não se reúnem mais no Jauzão para exercitar durante 90 minutos a fé no gol e na vitória do time. Talvez eles fiquem em casa a dormir. Ou a ver TV. Ou eventualmente realizem algum passeio sem, no entanto, vestir a camisa verde-amarela. Não sei dizer exatamente o que eles fazem. O certo é que o verdadeiro torcedor do XV não se encontra tão facilmente nesses tempos difíceis. Mas, com sorte, consegui encontrar e entrevistar um deles. E incluir neste capítulo final.

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No início do trabalho de elaboração deste livro, uma das tarefas

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primordiais que eu teria pela frente seria a escolha dos personagens. Na minha mente havia a seguinte premissa um tanto quanto óbvia: mais ricas ficariam as histórias aqui relatadas quanto mais fortes fossem as relações dos escolhidos com o XV de Jaú. Na maioria dos casos, a decisão não foi difícil. A importância dos entrevistados e o grande laço que os unia ao clube, de certo modo, estavam acima da subjetividade da minha escolha. Quando tive, no entanto, que optar por um personagem para representar a torcida quinzeana, hesitei. Quem seria esse torcedor?

Em conversas com amigos e até com os primeiros entrevistados, eles me diziam: “Você conhece o Geleia?”, “Já falou com o Geleia?”. Não, nem conhecia e muito menos havia falado com ele, mas resolvi anotar os contatos telefônicos que me ofereciam. Na primeira tentativa de ligação, escuto do outro lado da linha: “Este número de telefone não existe”. Ué, algo estava errado. Recorro então ao Facebook e nele encontro um Geleia que não era o Geleia. Por coincidência, a pessoa encontrada tinha o mesmo apelido do personagem pelo qual eu procurava. E só. Nenhuma relação com o XV. Descubro, enfim, o nome e sobrenome do Geleia. Volto ao Facebook e na ferramenta de busca por pessoas na rede social digito “Wagner Vieira”. Pronto! Achei...

Não restavam dúvidas. Havia encontrado um torcedor quinzeano. Bastava olhar a foto do perfil na rede social. Ou melhor, foto não, mas sim uma imagem do escudo do XV de Jaú. Ao invés das tradicionais cores verde e amarela, contudo, a imagem exibia um emblema pintado de preto. Geleia está de luto pelo XV.

Entrevista marcada. Chego pontualmente às seis horas da tarde na casa de Geleia – é assim que vou tratá-lo, pois é assim que pediu para ser chamado. Ele ainda não havia chegado. Ligo para o entrevistado (a essa altura já tinha o número correto do celular) pra saber o que aconteceu. Ele estava perto dali, descendo do ônibus que o trazia de volta do trabalho em fábrica de calçados localizada do outro “lado” da cidade. Geleia é calçadista desde os 14 anos de idade. E quinzeano muito antes disso.

“Segundo minha mãe conta, quando eu ainda era recém-nascido, meu pai me levou pra ver o XV no estádio. Minha mãe ficou maluca né... ‘Onde já se viu levar um bebê de colo?’... Acho que daí em diante eu nunca mais deixei de assistir ao XV”, resgata Geleia. Assim como a paixão pelo clube, o apelido também o acompanha há muito tempo. Na infância, ele era fã do desenho animado “Os caça-fantasmas” que continha um personagem conhecido como Geleia. Os colegas fizeram a associação e o apelido “pegou”.

“E a imagem de perfil no Facebook?”, pergunto ao entrevistado. “Aquilo

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CAPÍTULO 07

representa que o XV, por enquanto, está morto”, reponde prontamente Geleia. O torcedor conta que alterou a imagem no dia em que soube do comunicado oficial do clube sobre a licença do Campeonato Paulista da quarta divisão. A notícia chegou até Geleia através de um telefonema: “Aí, ‘galinha’, não vai disputar o campeonato esse ano, hein”. Ligação encerrada. O irônico aviso era dado por José Roberto Pavanello, presidente da torcida organizada Sangue Rubro do Noroeste de Bauru. A relação com o “colega” do time rival é antiga devido ao fato de Geleia também fazer parte de uma torcida organizada: a Galunáticos.

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Fundada em março de 2004, a Torcida Organizada Galunáticos surgiu com o propósito de reunir torcedores que frequentemente se encontravam nos jogos do XV fora de Jaú. “Eu acompanhava o XV fora e acabava conhecendo

Saudade: “o coração fica até meio apertado”, confessa Geleia ao visitar

o estádio em 2015.

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vários torcedores jauenses que também viajavam pra ver o time, mas cada um viajava com seu carro. Daí nasceu a ideia: ‘Vamos reunir essa galera pra formar uma torcida’”, relembra Geleia, que é um dos fundadores e por muito tempo exerceu as funções superiores nos quadros da torcida. Com ajuda de um radialista da cidade, um ônibus foi alugado e Jaboticabal foi o primeiro destino do grupo. Primeiro de muitos.

Taubaté, Penápolis, Mogi Mirim, Bebedouro, Votuporanga,... Cada cidade um adversário. Cada jogo uma lembrança. Cada viagem uma história. Ouvir Geleia recordar as memórias das caravanas para os jogos é compreender a falta que o XV faz para torcedores como ele. Torcedores que acompanhavam o clube em todos os jogos, sem se importar com a distância da cidade, com o horário da partida, com o dia da semana, com a posição do Galo na tabela, enfim. A paixão era o combustível e eles iam. Simplesmente, iam...

Iam sem saber ao certo como chegar... O jogo seria transmitido pela Rede Vida de Televisão e o XV estava garantido na próxima fase da terceira divisão paulista de 2005. Apenas meros detalhes para Geleia e outros quinzenos. Em um único carro, eles decidiram ir prestigiar o Galo em Votuporanga, a cerca de 290 km de Jaú. Havia outro detalhe: ao sair de Jaú, eles se deram conta de que não sabiam chegar até a cidade da região noroeste do Estado de São Paulo. “Eu lembrei que uma vez fui pra Mirassol e falei: ‘eu acho que no caminho vi uma placa indicando para Votuporanga. Vamos arriscar?’”. Arriscaram e chegaram.

Iam e pressionavam o time adversário e o juiz... Em partida disputada em Bebedouro, contra a Internacional, Geleia relembra uma entrada violenta cometida pelo volante adversário sobre um jogador do XV. Punido apenas com o cartão amarelo pela falta, o jogador do time local passou a ser ‘perseguido’ pela torcida quinzeana: “Estávamos em maior número no estádio, e toda vez que o volante ‘deles’ dominava a bola a gente gritava: ‘É ESSE, É ESSE’, para alguém do XV que estivesse mais perto do lance revidar a falta”. Ao perceber a situação e com receio de que algo pior acontecesse, o juiz esperou a próxima infração do atleta do time de Bebedouro para expulsá-lo de campo.

Iam e pressionavam o próprio XV... Após a derrota por 3 a 1 para a Penapolense, fora de casa, em jogo válido pelo Campeonato Paulista da terceira divisão de 2009, Geleia, inconformado com a atuação do camisa 10 quinzeano, vai até a porta do vestiário esperar por Wilson Mano, então técnico do Galo da Comarca. “Nesse dia fui o responsável pelo tumulto. Tive uma discussão forte com o Wilson Mano para que ele tirasse o meio-campista do time porque eu não estava mais aguentando ver aquele cara como titular”. O bate-boca inicialmente entre os dois virou uma confusão maior com a chegada de outros torcedores.

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CAPÍTULO 07

Felizmente, não houve qualquer tipo de agressão. Nas rodadas seguintes, o técnico fez alterações na equipe, mas o problema não era apenas o meio-campista. O time era fraco.

Iam em grande número... Pela fórmula maluca do Campeonato Paulista da Série A-2 de 1995, o primeiro colocado no término do segundo turno (foram três turnos no total) teria o direito de participar da fase final da Série A-1 do mesmo ano. Na briga por esse acesso imediato estavam XV de Jaú e Mogi Mirim. Na partida decisiva entre as duas equipes, o Mogi levava vantagem por jogar em casa e por necessitar apenas do empate. Mas isso não esfriou o ânimo dos jauenses. Geleia considera essa uma das caravanas mais marcantes das quais participou. “Foram 15 ou 16 ônibus que saíram de Jaú, apesar disso muita gente teve que ir em pé no corredor... Parávamos em cidades no meio do caminho e encontrávamos bandeiras do XV... Aquilo foi uma coisa de louco”, relembra com saudade.

Ou iam em pouco número... A 16ª rodada do paulista da Série A-3 de 2012 programava para dia 25 de março, um domingo, às 10 horas da manhã, o confronto entre o Burro da Central1 e o Galo da Comarca, em Taubaté, cidade a aproximadamente 430 km de distância de Jaú. Em nove pessoas (Geleia, logicamente, estava incluído nesse grupo), os Galunáticos planejavam assistir ao jogo. “A princípio, o grupo era menor e iríamos de carro, mas como mais gente se interessou em viajar, recebi uma ligação do Pedro (integrante da Galunáticos), na véspera, dizendo: ‘o Pinguim (integrante da Galunáticos) acabou de comprar uma perua. O que você acha de irmos com ela?’”, narra Geleia. Para responder, ele pensou nos prós (“mais torcedores poderiam ir e a viagem ficaria mais econômica”) e no contra (“o único problema seria o barulho por causa do motor da perua”). Colocou na balança e tirou a réplica: “Por mim, beleza”. Estava combinado.

Já no fim do sábado, Iara, a esposa de Geleia, o leva de carro para o ponto de encontro de onde o grupo sairia. Ao chegarem, ela avista uma perua Kombi azul, ano 1966, com um aspecto não muito confiável. Espantada, Iara indaga o marido: “É com aquela perua que vocês vão?”. Sem querer acreditar no que via e na tentativa de transmitir tranquilidade à esposa, ele responde imediatamente: “Não, né!”. Pouco tempo depois, os dois, ainda no carro à espera que alguma perua mais nova (ano 2009 ou 2010) aparecesse, observam a chegada dos primeiros torcedores, que já começavam a guardar as bandeiras e

1Burro da Central é o apelido do Esporte Clube Taubaté.

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demais materiais da Galunáticos no veículo azul. Geleia vira para Iara e refaz a resposta inicial: “É!”.

Às 23 horas e 57 minutos do sábado, os Galunáticos davam início à jornada com a Juditi (o apelido da Kombi). Ciente de que a chegada em Taubaté não era uma certeza devido às enormes dúvidas que a perua suscitava, Geleia conta que na saída de Jaú o grupo parou em um posto de combustível para abastecer o veículo. “E aí? Vamos precisar de muito pra encher o tanque?”, perguntou. “Não sei. O ponteiro indicador está quebrado”, respondeu o motorista. A partir dali começaria uma epopeia – como Geleia classifica a viagem. Diante do marcador que não marcava a quantidade de gasolina, a solução encontrada foi abastecer o máximo possível a cada parada na estrada. Mas esse não era o único problema. No caminho, eles perceberam que a Juditi apresentava um vazamento de óleo. Com isso, o número de paradas aumentou consideravelmente. E em cada posto, além do abastecimento de gasolina também era necessário fazer a reposição do óleo que se perdia pela pista. Segundo as contas dos torcedores, 40 litros de óleo para motor foram consumidos no trajeto de ida e volta. Em Caçapava, cidade do Vale do Paraíba, a Juditi sucumbiu. Pifou de vez.

Parecia ser o fim da saga. Mas não era. Faltavam cerca de duas horas para o início do jogo e chegar ao estádio em Taubaté ainda era o objetivo da torcida. Em Caçapava, Geleia encontra para a perua os serviços de um mecânico, que aconselha: “Taubaté fica a 25 km daqui. Se vocês forem de táxi, chegam lá rapidinho”. Dito e feito. Dois táxis levam os torcedores jauenses para o destino final: Estádio Joaquim de Moraes Filho, local da partida. A recompensa para isso tudo? Bem, não houve recompensa. Naquele dia o Taubaté derrotou por 1 a 0 o XV, que ficaria em situação complicada na tabela ao final da rodada. E para piorar havia o retorno. De carona até Caçapava, os torcedores reencontram a Juditi e se assustam com o preço de R$ 600,00 que o mecânico cobraria pelo conserto do veículo. Solicitar um guincho ficaria ainda mais caro. “Demos um jeito pra fazer a Kombi pegar e voltamos usando a mesma tática da ida... Cheguei em casa no domingo perto da meia-noite”, recorda Geleia. Se a intenção inicial era economizar viajando com a Juditi, com o dinheiro gasto ao final da epopeia “daria pra ter ido de avião”, completa o torcedor.

***

A rotina de viajar para todos os cantos do interior e capital paulista, evidentemente, se modificou em 2015 para Geleia. A ausência do futebol profissional do XV faz com que o torcedor fique mais presente em sua casa.

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CAPÍTULO 07

Epopeia com a Juditi: chegar a Taubaté nunca foi tão difícil.

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“Cara, eu não faço nada no domingo de manhã, não vou pra lugar nenhum no domingo de tarde, fico na minha casa assistindo corrida, que é o único esporte que eu ainda consigo ver...”, declara. O torcedor comenta que neste ano se desligou do futebol. “Quando chega o horário do futebol na televisão, eu coloco na Eliana (no SBT). Esses dias eu até assisti ao Gugu (na Record) pra ‘fugir’ do jogo que passava na Globo”, confessa. Geleia não torce por nenhum outro time. É quinzeano e só. “Nem pela Seleção Brasileira?”, pergunto. “Minha seleção é o XV!”, define.

Se o cotidiano de Geleia foi transformado, o mesmo vale para o cotidiano da torcida Galunáticos, da qual ele se afastou nos últimos anos. “Ainda mantenho contato frequente e tenho ótimo relacionamento com todos. Apenas me afastei da direção para dar espaço para os mais novos”, explica Geleia. Os novos membros da direção da organizada até continuam com as reuniões periódicas. Mas sem jogos do XV para acompanhar e sem viagens a planejar, o papo se volta para o time de futsal formado e mantido pela torcida.

Com cerca de 70 membros registrados, a Galunáticos não é a primeira nem a única torcida organizada do XV de Jaú. Outras duas de maior relevância também demonstravam apoio ao clube nos jogos: a Galomania e a Galoucura. A primeira, criada em 1982, teve destaque na década de 1990 (antes do surgimento da Galunáticos). Todavia, devido ao desânimo e a decepção com ex-diretores do clube, o presidente da Galomania, Adilson de Oliveira, encerrou as atividades da organizada em 2009 de maneira radical: em frente ao Jauzão, ele pôs fogo em todo o material da torcida, como bandeiras, camisas, etc. “Sou da filosofia cigana. Tudo tem de acabar em fogo”, justificou posteriormente, ao desmentir que aquilo seria a expressão de um sentimento de raiva. A Torcida Uniformizada Força Jovem Galoucura, por sua vez, voltou nos últimos anos a ocupar seu lugar no estádio Zezinho Magalhães. Composta em sua maioria por jovens, a torcida não marcava presença, contudo, em todos os jogos do Galo.

Enquanto conviveram pelos estádios do interior afora, a relação entre as torcidas do XV não foi harmoniosa em todos os momentos. Num jogo em Barretos, em 2004, a Galomania teve sua faixa capturada pela torcida barretense. Numa tentativa de ajudar, componentes da Galunáticos conseguiram recuperar a faixa. “Quando fomos devolver, eles (Galomania) não gostaram de nossa atitude e começamos a discutir”, recorda Geleia. Depois de um tempo, uma reunião entre as duas organizadas encerrou o clima de indisposição existente.

Apesar das eventuais desavenças, é comum haver no universo das torcidas as parcerias entre organizadas de clubes adversários. Manchazul do Marília, Esquadrão Alvinegro do XV de Piracicaba e Sangue Azul do Rio Claro são

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alguns exemplos de torcidas coligadas a Galunáticos. “Quando vamos pra essas cidades somos bem recebidos pelos torcedores. Não há nenhuma possibilidade de discussão ou briga”, declara Geleia. Diferentemente ocorre quando a visita é em São Carlos, Ribeirão Preto ou Bauru. “Em São Carlos já tivemos o vidro do nosso ônibus quebrado por pedras atiradas pela torcida de lá. E em Ribeirão é a velha rivalidade com o Comercial”, explica.

A inimizade que a torcida alvinegra de Ribeirão Preto nutre em relação aos jauenses vem desde o Campeonato Paulista de 1986. Na última rodada da competição, bastava um empate contra o, já sem pretensões, América de São José do Rio Preto para o XV de Jaú se safar da degola e rebaixar o Comercial para a segunda divisão. Após terminar sem gols (e sem emoções), a partida passou a ser chamada de “o jogo da marmelada” pelos revoltados comercialinos. Em razão disso, visitar o estádio Doutor Francisco de Palma Travassos, casa do Comercial em Ribeirão Preto, significa aos quinzeanos ouvir muitos xingamentos. “Eles têm uma bronca com a gente que você não faz ideia”, confirma Geleia.

Retorno: o amistoso da escolinha do XV é um dos

poucos motivos para estar na arquibancada em 2015.

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CAPÍTULO 07

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Em Bauru não é diferente. A rivalidade XV de Jaú e Noroeste é antiga e ampliada pela proximidade das cidades – Jaú e Bauru distam entre si aproximadamente 50 km. “Com o time do outro lado da ponte é complicado. E até é perigoso ocorrerem brigas nos encontros", afirma Geleia. Na entrevista, o torcedor quinzeano não citou o nome Noroeste em nenhuma vez. Para ele o rival é o “time do outro lado da ponte” (em referência à construção sobre o Rio Tietê no caminho entre as duas cidades). Pessoalmente, o jauense conta que sua relação com os integrantes da torcida bauruense é amistosa. Nada a mais do que isso. Isso não impede, entretanto, a provocação em determinadas situações. “Já cheguei a ir para Marília pra assistir a um jogo do MAC contra o time do outro lado da ponte. Pela amizade com a torcida, eu e três colegas de Jaú ficamos no meio da Manchazul. A gente estava com camisa e bandeira do XV. Quando saía gol do Marília, a gente começava a provocar a torcida deles (Noroeste) mostrando o nosso escudo. Eles tomaram 3 a 0. Esse dia foi legal”, conta Geleia. Vale lembrar que Marília e Noroeste também alimentam uma história de rivalidade.

Caso o XV estivesse na disputa da quarta divisão paulista de 2015, é muito provável que a tabela da competição programaria o derby regional, uma vez que o Noroeste participa do campeonato. Rebaixados em 2014, os alvirrubros enfrentaram dificuldades financeiras para a montagem do elenco deste ano e a participação chegou a ficar ameaçada. A solução foi uma parceria com a Ferroviária (clube recém-promovido para a Série A-1 do Paulista). Pelo acordo, o clube bauruense recebeu 14 jogadores, um preparador de goleiros e um treinador da base do clube de Araraquara.

A resolução encontrada pelo rival serve como um motivo a mais para Geleia criticar a atual diretoria quinzeana. Quando pergunto como ele avalia o trabalho da direção, a resposta é ríspida: “Não existe trabalho nenhum nessa diretoria. Eu não sei por que eles assumiram o XV. Eles entraram pra fechar... A situação que o clube ‘tava’ todo mundo sabia... Situação que sempre esteve, não é de hoje, desde 2000... Então eles assumiram pra fechar. A decisão foi muito precipitada”. Para ele, a solução seria aceitar uma parceria aos moldes do acordo entre Noroeste e Ferroviária.

Na entrevista, o torcedor revela que no futuro tem a intenção de participar da política do clube. Sempre no plural, ele declara: “Nós vamos. Não tenha dúvida. E não vai demorar muito, não”. O nós, obviamente, faz referência à torcida. “Sozinho não se chega a lugar nenhum ali (clube). É necessário ter um grupo”, justifica. Geleia conta que o grupo já existe. São cerca de 30 torcedores que, de alguma forma, prestam ajudas pontuais ao clube. Numa delas, em 2013,

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Superstição: Geleia tem um lugar marcado

para acompanhar os jogos do XV no Jauzão.

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o dinheiro arrecadado a partir de uma rifa contribuiu com os custos de viagens para que o time júnior do Galo pudesse cumprir a campanha no Campeonato Paulista sub-20 organizado pela Federação.

Segundo relato do torcedor, até da intermediação na contratação de reforços a torcida já participou no passado. Num jogo em Jaboticabal, em 2004, o meio-campista Shizo do time da casa teve uma atuação destacada contra o XV e despertou o interesse da torcida jauense, que no ano seguinte solicitou à diretoria a contratação do jogador. Com a indicação aprovada, os próprios torcedores trataram de entrar em contato com o atleta. “Ligamos em Monte Azul Paulista, onde ele jogou no segundo semestre de 2004. Aí nos deram o número do telefone da casa do Shizo, em São Vicente. Como ele estava parado, demos início à negociação por telefone e ele aceitou vir pro XV. Por fim, informamos à diretoria que fechou o contrato”, conta o torcedor. Conforme Geleia, o acordo foi selado num encontro de diretores com o atleta em São Paulo e o contrato assinado em cima do capô de um carro.

***

Organizada ou não, uniformizada ou não, a torcida jauense colocou por várias vezes o nome do XV de Jaú na lista dos clubes do interior paulista que mais levam público ao estádio. Não é o mesmo público do passado, obviamente. Acompanhar as divisões inferiores do futebol do Estado não é algo muito atraente em meio às outras opções de lazer disponíveis. Ainda assim, é algo significativo notar a média de público do Jauzão na comparação com outras torcidas, clubes e cidades. Mesmo, por exemplo, com a péssima campanha do Galo na quarta divisão de 2014, a média de 359 pagantes por jogo em Jaú colocou o clube na 11ª posição do ranking de público ao final da primeira fase do campeonato, que contou com 39 participantes. Em campo, o time foi apenas o 33º colocado na classificação geral.

Na última vez em que o XV de Jaú esteve em atuação, Geleia estava presente na arquibancada. Ele foi uma das 91 pessoas que testemunharam a derrota em casa do time jauense por 3 a 0 para o Clube Atlético Taquaritinga no dia 08 de junho de 2014 pela última rodada da primeira fase da quarta divisão. Daquele dia em diante, nunca mais ocupou seu lugar tradicional, no primeiro degrau da arquibancada central e encostado na barra de proteção a poucos metros do alambrado. Era dali que ele costumava comandar os gritos de incentivo da Galunáticos, posicionada nos degraus acima.

Ao final da entrevista na casa de Geleia, o convido para irmos ao estádio

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CAPÍTULO 07

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do XV num sábado de manhã. A intenção era fazer fotos dele para compor as páginas deste capítulo. Convite aceito de imediato. No dia e horário combinados, ao passar pela entrada o vejo à distância, solitário, no seu lugar de sempre. “Quando entrei bateu a saudade, vieram lembranças e a vontade de ver o time jogar... O coração fica até meio apertado”, confessa o torcedor. Pois é, realmente foi uma boa escolha reservar o capítulo do torcedor para o Geleia.

Talvez ainda demore um tempo para o coração de Geleia “desapertar”. Não há garantias de que o Galo da Comarca volte a cantar forte pelos campos do interior paulista em 2016. Fica assim a saudade. Nele e em todos os demais quinzeanos. Saudade: a melancólica lembrança de algo ou alguém distante, ausente (sim) ou extinto (não, quinze mil vezes não)...

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O TORCEDOR DE LUTO

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas informações coletadas e pelas entrevistas realizadas durante a jornada deste trabalho, a impressão que fica é a de que a ausência do XV de Jaú em 2015 não chegou a provocar impactos que possam ser observados de forma evidente na dinâmica da economia da cidade. Rádios e jornais adaptaram seus conteúdos esportivos, mas continuaram em atividade; os setores de comércio e serviços com atividades ligadas ao clube não sofreram grandes abalos financeiros; e o município como um todo seguiu sua rotina. Talvez a analogia sugerida pelo secretário de Cultura e Turismo, Hamilton Chaves (um dos entrevistados), se aplique melhor na atual conjuntura: "O XV é uma empresa que deixou de funcionar". Por essa perspectiva, ao pedir licença, o clube deixou de gerar alguns empregos para atletas e funcionários e de movimentar, ainda que de forma reduzida devido à má fase das últimas temporadas, determinados setores da economia.

A comparação do secretário só não é perfeita por um motivo: dificilmente uma empresa teria torcedores e pessoas apaixonadas para acompanhá-la. Os clubes de futebol têm. E foram nesses indivíduos que o impacto da ausência do Galo da Comarca esteve presente. Os sete entrevistados foram unânimes em apontar que, de alguma maneira, o XV faz falta. E por essa linha de pensamento, o clube fora do campeonato trouxe sim consequências. Não as econômicas ou materiais, mas sim as simbólicas e sentimentais. Há torcedores sem um ritual; há veículos de imprensa sem assunto; há um estádio sem jogos; há um bar sem uma rotina verde-amarela; há uma cidade sem o seu principal representante no esporte profissional; há domingos e quartas vazias. Tudo isso é, enfim, reflexo de um 2015 sem XV.

Apesar de não ter conseguido realizar uma pesquisa mais ampla, acredito que os personagens selecionados representaram de forma satisfatória os chamados grupos sociais em que estão incluídos. Sobre a aproximação ou o afastamento deles em relação ao Galo em 2015, creio que a resposta não esteja fixa em uma das extremidades. É evidente que a ausência da rotina do clube os distanciou fisicamente do XV. Mas em lembranças e memórias, a aproximação com o time jauense permanece na forma de saudade.

Com este trabalho, minha intenção nunca foi averiguar detalhadamente as razões que levaram o XV de Jaú a ter que pedir licença da disputa da quarta divisão. Por esse motivo, não entrevistei os atuais e anteriores integrantes da direção do clube. Quis evitar, dessa forma, uma troca de acusações entre administrações que nada acrescentaria na elucidação de certas questões. Além disso, não é difícil confirmar as hipóteses que levaram a direção a ter que

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tomar a decisão pelo afastamento do XV. Dívidas antigas, falta de parcerias e a grana curta repassada pela Federação Paulista são fatores mais que óbvios para compreender que nessas condições as receitas seriam muito inferiores às despesas para a manutenção de uma equipe em atividade.

Se esses fatores já são conhecidos, acredito que o trabalho possa ter apresentado um elemento a mais. É notório perceber que o envolvimento da torcida quinzeana e do cidadão jauense com o clube não é mais o mesmo de tempos atrás. É possível imaginar que se houvesse o apoio dos torcedores, de alguma forma, a situação poderia ter sido revertida e o XV poderia ter montado um elenco de jogadores para colocar em campo. Mas não houve um envolvimento significativo da cidade, principalmente no início de 2015, para que o afastamento não acontecesse. Sinceramente, não saberia indicar precisamente quais são as circunstâncias que fazem com que as pessoas mostrem indiferença em relação ao clube de futebol da cidade, ainda mais sendo um clube tão tradicional como o XV é. Esta reportagem não tem a pretensão de apontar respostas conclusivas para essa dúvida. Mas vale sugerir algumas hipóteses que poderão ser respondidas por trabalhos futuros que tenham essa dúvida como foco central.

A hipótese mais lógica, a meu ver, indica que o afastamento dos torcedores e dos simpatizantes possa ter relação com a reduzida atração que a disputa de uma quarta divisão do Campeonato Paulista desperta. Obviamente, para quem já viu o Galo encarar os grandes times, ter que acompanhar um jogo de quarta divisão é algo, no mínimo, diferente. Só mesmo muita paixão pode explicar a presença de torcedores nos estádios para assistir aos jogos de baixa qualidade técnica de um campeonato pouco rentável. E aqui entra a enorme parcela de culpa da Federação Paulista, que relega diversos clubes do interior ao ostracismo e não apresenta soluções para salvar seus afiliados do abismo em que estão metidos. Tal inoperância dos dirigentes da Federação só aumenta a lista de vítimas. Basta mencionar que, nos últimos 12 anos, 57 clubes se licenciaram ou se tornaram extintos no futebol paulista.

E aqui vem outra hipótese. Para disputar um campeonato tão deficitário como é a quarta divisão, torna-se racional a decisão de pedir licença e "colocar a casa em ordem”. Dessa forma, foi comum notar que torcedores e simpatizantes do XV apoiaram conscientemente a decisão tomada pela diretoria de encerrar as atividades de modo temporário para encontrar uma solução para a saúde financeira do XV. Há quem se lembre do período entre 1968 e 1974, em que o Galo também ficou de fora dos campeonatos profissionais, e do forte retorno nos anos posteriores. Existe a esperança de que isso se repita e de que o afastamento possa unir novamente a cidade em prol do clube.

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Como disse acima, são muitos os clubes que têm pedido licença das competições oficiais. 2015 está sem o XV, assim como está sem o União São João de Araras, sem o Clube Atlético Taquaritinga, e sem tantos outros. Seria muita ambição minha achar que esta reportagem condiz com a realidade de outros clubes e outras cidades. Cada time possui sua história e cada região possui sua particularidade em relação ao futebol profissional. Apesar disso, ficaria feliz se este trabalho pudesse despertar o interesse de mais pessoas do interior paulista dispostas a discutir, problematizar e refletir acerca da preocupante situação da nossa tão rica cultura futebolística interiorana.

Finalmente, cabe lembrar que este trabalho foi finalizado antes que o ano do título de capa deste livro chegasse ao fim. Digito estas linhas nos primeiros dias de setembro de 2015. No momento em que você, leitor ou leitora, estiver lendo estas considerações, muito provavelmente saberá melhor do que eu o futuro do XV de Jaú. Termino o trabalho sem ter a certeza se o Galo da Comarca conseguirá voltar às competições oficiais nos próximos anos. Em nota divulgada no dia 26 de agosto, a assessoria de imprensa do clube comunicou: "A diretoria do Esporte Clube XV de Novembro de Jaú se reuniu com um empresário para discutir uma possível parceria, visando à retomada das atividades futebolísticas do XV de Jaú para 2016. O contato ainda está em seu estágio inicial. (...). A pedido do empresário, que solicitou não ter o seu nome revelado no momento para não dificultar as negociações, foi feito um contrato de sigilo e confidencialidade. Sendo assim, a condução das negociações será confidencial em um primeiro momento. (...). Contamos com a compreensão de todos, e estamos esperançosos quanto ao futuro do nosso XV!". Como quinzeano também espero que o clube encontre uma saída.

E que seja um 2016 com XV!

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