2015jul05 - Pec Da Maioridade Penal é Constitucional

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1 POR QUE A APROVAÇÃO DA PEC DA MAIORIDADE PENAL É CONSTITUCIONAL 5 de julho de 2015, 11h34 Por Carlos Bastide Horbach O acessório segue o principal. Essa máxima, construída no regime jurídico dos bens, é um dos ensinamentos mais elementares do curso de direito, dele tendo conhecimento o mais neófito dos acadêmicos. Assim, seria digno do Conselheiro Acácio a personagem de Eça de Queiroz célebre por repetir platitudes e frases feitas iniciar com tal afirmação o exame da recente e polêmica aprovação pela Câmara dos Deputados, em primeiro turno, da Proposta de Emenda à Constituição 171, de 1993, que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal em alguns crimes. Entretanto, ante as discussões que se têm verificado desde o dia 1 o de julho passado, a frase que abre esta análise, antes de ser acaciana, é didática. A mencionada proposta de emenda à Constituição foi apresentada em 18 de agosto de 1993, pelo então deputado federal Benedito Domingos (PP-DF). Depois de uma longa tramitação, na qual várias outras propostas de emenda lhe foram apensadas e em cujo curso foram apresentadas emendas, a PEC 171 teve juízo de admissibilidade favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara em março de 2015, ensejando a formação da comissão especial de que trata o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD). Nessa comissão especial, os parlamentares membros decidiram adotar um substitutivo, que foi encaminhado para votação no Plenário da casa. Não atingindo o substitutivo em questão os 308 votos necessários para aprovação no dia 30 de junho, prosseguiu a Câmara na votação da proposição, aprovando no dia seguinte a Emenda Aglutinativa n. 16, com 323 votos favoráveis. Desde então, os opositores da proposta de emenda sob enfoque cujo mérito, registre-se, não é objeto deste estudo têm afirmado a inconstitucionalidade da aprovação da Emenda Aglutinativa 16, especificamente por violação ao disposto no parágrafo 5 o do artigo 60 da Constituição Federal, segundo o qual “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Para os críticos, como mencionado numa rede social, a redução da maioridade penal teria sido aprovada inconstitucionalissimamente, permitindo o excepcional uso da mais longa palavra da língua portuguesa.

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    POR QUE A APROVAO DA PEC DA MAIORIDADE PENAL

    CONSTITUCIONAL

    5 de julho de 2015, 11h34

    Por Carlos Bastide Horbach

    O acessrio segue o principal. Essa mxima, construda no regime jurdico dos bens, um dos ensinamentos mais elementares do curso

    de direito, dele tendo conhecimento o mais nefito dos acadmicos.

    Assim, seria digno do Conselheiro Accio a personagem de Ea de Queiroz clebre por repetir platitudes e frases feitas iniciar com tal

    afirmao o exame da recente e polmica aprovao pela Cmara dos Deputados, em primeiro turno, da Proposta de Emenda Constituio

    171, de 1993, que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal em alguns crimes. Entretanto, ante as discusses que se tm verificado

    desde o dia 1o de julho passado, a frase que abre esta anlise, antes

    de ser acaciana, didtica.

    A mencionada proposta de emenda Constituio foi apresentada em 18 de agosto de 1993, pelo ento deputado federal Benedito

    Domingos (PP-DF). Depois de uma longa tramitao, na qual vrias outras propostas de emenda lhe foram apensadas e em cujo curso

    foram apresentadas emendas, a PEC 171 teve juzo de admissibilidade favorvel da Comisso de Constituio, Justia e

    Cidadania da Cmara em maro de 2015, ensejando a formao da comisso especial de que trata o Regimento Interno da Cmara dos

    Deputados (RICD). Nessa comisso especial, os parlamentares

    membros decidiram adotar um substitutivo, que foi encaminhado para votao no Plenrio da casa. No atingindo o substitutivo em

    questo os 308 votos necessrios para aprovao no dia 30 de junho, prosseguiu a Cmara na votao da proposio, aprovando no dia

    seguinte a Emenda Aglutinativa n. 16, com 323 votos favorveis.

    Desde ento, os opositores da proposta de emenda sob enfoque cujo mrito, registre-se, no objeto deste estudo tm afirmado a

    inconstitucionalidade da aprovao da Emenda Aglutinativa 16, especificamente por violao ao disposto no pargrafo 5o do artigo 60

    da Constituio Federal, segundo o qual a matria constante de

    proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada no pode ser objeto de nova proposta na mesma sesso legislativa. Para os

    crticos, como mencionado numa rede social, a reduo da maioridade penal teria sido aprovada inconstitucionalissimamente,

    permitindo o excepcional uso da mais longa palavra da lngua portuguesa.

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    Entretanto, por mais que a boutade seja boa, inconstitucionalidade

    no h. A simples leitura do texto constitucional, contrastado com a tramitao da proposio, permite concluir que no houve rejeio da

    proposta de emenda constituio, mas sim de um substitutivo a ela

    apresentado, o que no definitivamente uma sutileza regimental.

    Um substitutivo uma proposta acessria, no caso aprovada numa

    comisso composta por um nmero reduzido de parlamentares; proposta acessria essa que se agregou proposio principal,

    subscrita por 177 deputados federais, seis a mais do mnimo constitucionalmente exigido. O substitutivo, portanto, no a

    proposta, assim como tambm as emendas no se confundem com a proposio original.

    Ambos, emendas e substitutivos, so acessrios, cujo destino no pode definir a sorte do principal, invertendo a lgica sintetizada na

    frase que abre este artigo. E exatamente essa lgica invertida ou subvertida que informa as declaraes que denunciam a

    inconstitucionalidade da aprovao, em primeiro turno, da PEC 171.

    Essa confuso somente pode decorrer de um desconhecimento das

    normas e conceitos que regem o processo legislativo ou de uma deliberada vontade de confundir as coisas, para imputar vcio formal

    a uma proposta de cujo mrito se discorda.

    A primeira hiptese, certamente, a acertada, tendo em vista as peculiaridades do funcionamento do Congresso Nacional, que no

    raro so ignoradas inclusive por estudiosos do direito constitucional.

    Consciente de que a Seo VIII do Ttulo IV da Constituio Federal,

    intitulado exatamente Do Processo Legislativo, pouco esclarece sobre a real e concreta tramitao das proposies legislativas, o

    constitucionalista deve buscar conhecer a dinmica que exsurge do regimento interno das casas legislativas.

    As normas regimentais e, mais importante, a interpretao que delas

    fazem os parlamentos constituem parte viva da constituio material brasileira e transformam em algo concreto as poucas normas que a

    constituio formal dedicou produo do direito no Brasil.

    De fato, o simples exame dos 11 artigos contidos na seo Do

    Processo Legislativo ou do nico dispositivo dedicado s emendas constitucionais ao insuficiente para compreender, em sua real

    extenso, o modo como funciona o parlamento na elaborao das normas; insuficincia essa que exige do estudioso atento o

    conhecimento dos regimentos, das diferentes questes de ordem em matria regimental solucionadas pela Presidncia da casa e das

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    tantas prticas parlamentares que permeiam, de modo

    completamente legtimo, essa seara do direito constitucional.

    nesse contexto, de reconhecimento das limitaes das normas

    constitucionais em matria de processo legislativo e da importncia do direito parlamentar, que deve ser interpretado o pargrafo 5o do

    artigo 60 da Constituio Federal.

    Segundo o pargrafo 4o do artigo 118 do RICD, emenda substitutiva a apresentada como sucednea a parte de outra proposio,

    denominando-se substitutivo quando a alterar, substancial ou

    formalmente, em seu conjunto. Ou seja, o substitutivo uma emenda global e, sendo emenda, uma iniciativa acessria ou

    secundria, nas palavras de Manoel Gonalves Ferreira Filho.[1]

    Essa natureza acessria do substitutivo fica ainda mais evidenciada no captulo do regimento interno relativo ao processamento das

    votaes na Cmara dos Deputados. O inciso V do artigo 191 do RICD expressamente determina que na hiptese de rejeio do

    substitutivo, ou na votao de projeto sem substitutivo, a proposio inicial ser votada por ltimo, depois das emendas que lhe tenham

    sido apresentadas.

    Ou seja, aplicando-se o regimento ao caso da PEC 171, de 1993, a

    rejeio do substitutivo da comisso especial fez com que a proposio inicial e principal tivesse de ser votada, devendo-se

    observar ainda a precedncia na apreciao das emendas apresentadas.

    Havendo vrias emendas PEC 171, era possvel a formalizao de uma emenda aglutinativa, ou seja, aquela que rene textos de

    diferentes emendas previamente apresentadas, tal como conceitua o artigo 118, pargrafo 3o, do RICD: emenda aglutinativa a que

    resulta da fuso de outras emendas, ou destas com o texto, por transao tendente aproximao dos respectivos objetos. As

    emendas aglutinativas, de acordo com o artigo 122 do RICD, podem ser apresentadas em Plenrio, quando da votao da proposio,

    exatamente por que sua razo de ser a racionalizao do processo legislativo, simplificando a deliberao com a reunio, num nico

    texto, de vrias propostas.

    Com base nesses dispositivos regimentais, cuja aplicao prtica

    reiterada e cotidiana na Cmara dos Deputados, foi apresentada a mencionada Emenda Aglutinativa n. 16, de autoria dos Deputados

    Rogrio Rosso (PSDDF) e Andr Moura (PSCSE), que, submetida votao e aprovada, prejudicou as demais emendas e o prprio texto

    original da proposio.

    http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_edn1
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    Nesse quadro, evidente que no se teve violao ao pargrafo 5o do

    artigo 60 da Constituio Federal, j que somente possvel considerar rejeitada a matria de uma proposta de emenda

    Constituio quando a proposio original e principal rejeitada.

    No caso da PEC 171, o que se deu foi a rejeio de uma emenda

    substitutiva seguida da aprovao de uma emenda aglutinativa. A rejeio da primeira proposio acessria no poderia gerar a

    automtica rejeio do texto principal, enquanto que a aprovao da emenda aglutinativa importou, como no poderia deixar de ser, no

    seu prejuzo.

    A interpretao do pargrafo 5o do artigo 60 da Constituio Federal

    luz do Regimento Interno da Cmara dos Deputados deixa clara a regularidade da aprovao, em primeiro turno, da reduo da

    maioridade penal para os crime mencionados na Emenda Aglutinativa n. 16.

    Os mais cticos argumentaro, porm, que no se deve interpretar a

    Constituio com lastro em normas que lhe so inferiores, mas sim o contrrio. O Regimento no deveria esclarecer a Constituio, mas

    esta deveria rechaar uma norma parlamentar que lhe seja

    incompatvel. Essa , alis, a premissa que enseja o conhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, das questes de processo legislativo,

    afastando a argumentao de que se trata de matria interna corporis.[2]

    Ocorre, todavia, que o texto constitucional nesse particular, como

    antes destacado, bastante lacnico, deixando amplo espao para a interpretao daqueles a quem as normas de processo legislativo so

    diretamente dirigidas, os parlamentares. E dessa interpretao legtima e autorizada dos destinatrios primeiros de tais normas

    que nascem os regimentos internos, as solues s diversas questes

    de ordem em matria regimental e os vrios costumes constitucionais sobre funcionamento parlamentar, que podem ser secundum

    constitutionem ou mesmo praeter constitutionem.[3]

    E, como ensina Carlos Maximiliano, a prtica constitucional longa e uniformemente aceita pelo Legislativo (...) tem mais valor para o

    intrprete do que as especulaes engenhosas dos espritos concentrados. So estes, quase sempre, amantes das teorias e ideias

    gerais, no habituados a encontrar dificuldades e resolv-las a cada passo, na vida real, como sucede aos homens de Estado, coagidos

    continuamente a adaptar a letra da lei aos fatos inevitveis.[4]

    Essa orientao, alis, parece ter inspirado a apreciao, pelo

    Supremo Tribunal Federal, do Mandado de Segurana n. 22.503, em que se discutia a regularidade de votao de proposta de emenda

    http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_edn2http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_edn3http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_edn4
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    Constituio em circunstncias idnticas da PEC 171, exatamente

    diante do artigo 60, pargrafo 5o, do texto constitucional federal.[5] Nesse julgado, para interpretar o dispositivo constitucional, vrios

    Ministros fizeram uso do Regimento Interno da Cmara dos

    Deputados.

    Na tramitao da reforma previdenciria que seria cristalizada na Emenda Constitucional n. 2098, a Cmara dos Deputados rejeitou o

    substitutivo apresentado pelo Deputado Euler Ribeiro ao texto original da proposta de emenda. Em seguida, passou o Plenrio apreciao

    de uma emenda aglutinativa, que foi aprovada, ensejando a impetrao por parte de uma srie de parlamentares do PT, do PCdoB

    e do PDT, alguns exercendo ainda hoje mandato na Cmara dos Deputados.

    O Relator, Ministro Marco Aurlio, inicialmente deferiu a medida cautelar pleiteada pelos impetrantes, suspendendo a tramitao da

    proposio at o julgamento final do mandado de segurana. Na anlise de mrito, baseando-se entre outros fundamentos em

    parecer do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, subscrito pela hoje Ministra Crmen Lcia, o Ministro Marco Aurlio

    compreendeu violado, no caso, o disposto no pargrafo 5o do artigo 60 da Constituio Federal[6], registrando que se olvidara o carter

    rgido da nossa Constituio, sob sutil jogo de nomenclaturas: utilizando-se a espcie emenda aglutinativa, chegou-se, conforme

    est reconhecido nas prprias informaes, reapreciao da matria

    que havia sido rejeitada.

    Abriu divergncia, denegando a segurana e portanto considerando regular o proceder da Cmara dos Deputados , o Ministro Maurcio

    Corra, no que foi seguido pelos Ministros Francisco Rezek, Ilmar Galvo, Carlos Velloso, Celso de Mello, Octavio Gallotti, Sydney

    Sanches, Nri da Silveira, Moreira Alves e Seplveda Pertence, ento na presidncia do STF.

    O voto condutor do acrdo, de lavra do Ministro Maurcio Corra, direto e objetivo, afirmando que tendo a Cmara dos Deputados,

    apenas rejeitado o substitutivo e no o projeto (...), no se cuida de aplicar a norma do artigo 60, pargrafo 5o, da Constituio Federal.

    Por isso mesmo, afastada a rejeio do substitutivo, nada impede que se prossiga na votao do projeto originrio. O que no pode ser

    votado na mesma sesso legislativa a emenda rejeitada ou havida por prejudicada e no, repito, o substitutivo que uma subespcie do

    projeto originariamente proposto.

    O voto do Ministro Celso de Mello deixa claro que a rejeio do

    substitutivo no afeta a anlise da proposio original, uma vez que o destino das proposies acessrias no repercute sobre a

    http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_edn5http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_edn6
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    situao jurdica da principal (destaque original). E segue a

    manifestao do hoje decano do STF:

    Na realidade, e como o substitutivo Euler Ribeiro no foi

    aprovado, mas rejeitado, essa situao, alm de no caracterizar hiptese de prejudicialidade em relao emenda aglutinativa,

    tornou-se necessariamente aplicvel ao procedimento parlamentar a norma inscrita no artigo 191, V, in fine, do Regimento Interno da

    Cmara dos Deputados, que determina, em tal ocorrendo, que a proposio inicial seja votada por ltimo, depois das emendas que

    lhe tenham sido apresentadas

    Nesse contexto, a emenda aglutinativa caracterizou-se como simples

    manifestao incidental de vontade parlamentar, desprovida de autonomia jurdica, posto que essencialmente dependente, para

    subsistir, da existncia atual de uma proposio principal (...) a que visa modificar ou substituir.

    Isso significa, portanto, que a emenda aglutinativa nada mais do

    que a expresso instrumental de mera proposio acessria, irredutvel, em consequncia, noo mesma de proposta de

    emenda Constituio.

    A apresentao de emenda aglutinativa, desse modo, no importou

    em oferecimento de nova proposta de emenda constitucional na mesma sesso legislativa, pelo simples fato de essa emenda

    aglutinativa no se identificar, pelas razes j expostas, com uma nova proposta de emenda constitucional (destaques originais).

    E, por fim, o voto do Ministro Seplveda Pertence sublinha que a semelhana entre o texto rejeitado do substitutivo e o da emenda

    aglutinativa em nada caracterizava violao do texto constitucional, em construo tpica dos homens de Estado a que se referia Carlos

    Maximiliano:

    Nem razovel, com todas as vnias embora feito com muita habilidade e inteligncia pelo patrono dos impetrantes no memorial,

    espiolhar coincidncias de contedo entre o substitutivo rejeitado, seja com a proposta original, seja com a emenda aglutinativa. A

    admisso dessa linha de raciocnio, a pretexto de dar aplicao ao

    artigo 60, pargrafo 5o, da Constituio, levaria total inviabilidade do processo legislativo, sempre que se tratasse de proposies

    complexas. Basta pensar na elaborao de um Cdigo: bvio que sempre haveria, no substitutivo acaso preferencialmente rejeitado,

    numerosas coincidncias com o projeto inicial.

    manifesto que no com esse sentido que se pode, num mesmo processo legislativo, a respeito de uma nica proposta de emenda

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    constitucional, aplicar-se o questionado artigo 60, pargrafo 5o. O

    processo legislativo um mecanismo, em suas diversas fases, em seus diversos incidentes, um esforo de alcanar a maioria

    necessria, mediante transaes e acomodaes recprocas entre

    correntes parlamentares, nas quais, muitas vezes, alteraes pontuais, em alguns dispositivos, mudam politicamente o destino de

    uma proposta complexa.

    A evoluo mesmo desta polmica iniciativa de reforma da Previdncia Social est a evidenciar como h certos pontos sensveis

    que, quando se somam, tendem rejeio do todo. Basta, porm, que se substituam dois ou trs desses pontos de discrdia para que

    se recomponha a perspectiva de uma maioria. Isso do jogo parlamentar, do jogo democrtico. Lei, na democracia, sempre lei

    possvel, mediante as transaes recprocas que viabilizam a

    formao da maioria exigida (destaques originais).

    Em suma, a prtica parlamentar cristalizada no Regimento Interno da Cmara, o decidido pelo Supremo Tribunal Federal no MS 22.503 e a

    prpria lgica do processo legislativo indicam indubitavelmente a constitucionalidade dos procedimentos de aprovao, em primeiro

    turno, da PEC 171, de 1993; no constituindo a ao dos parlamentares manobra de qualquer espcie, mas sim a aplicao de

    um reiterado procedimento de votao, respaldado pela mais alta corte jurisdicional do pas.

    verdade que a nova composio do STF pode alterar a compreenso expressa no precedente antes citado[7], especialmente

    diante de tema sensvel como a reduo da maioridade penal. Mas, nesse caso, o casusmo no ser da Cmara dos Deputados e negar-

    se- a natureza das coisas, fazendo com que o principal siga o acessrio.

    [1] Manoel Gonalves Ferreira Filho. Do processo legislativo, 6a ed., So Paulo: Saraiva, 2007, p. 209.

    [2] As questes meramente regimentais se resolvem no mbito do

    prprio Parlamento, cabendo ao Poder Judicirio apreciar as matrias

    de processo legislativo que decorram diretamente da Constituio. Nesse sentido, entre outros precedentes, o MS 24.356, Rel. Min.

    Carlos Velloso, DJ de 12.09.2003; e o MS 22.183, Rel. Min. Marco Aurlio, DJ de 12.12.97, assim ementados,

    respectivamente:

    http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_edn7http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_ednref1http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_ednref2
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    CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANA. ATOS DO PODER

    LEGISLATIVO: CONTROLE JUDICIAL. ATO INTERNA CORPORIS: MATRIA REGIMENTAL

    I. - Se a controvrsia puramente regimental, resultante de interpretao de normas regimentais, trata-se de ato interna

    corporis, imune ao controle judicial, mesmo porque no h alegao de ofensa a direito subjetivo.

    II. - Mandado de Segurana no conhecido.

    MANDADO DE SEGURANA IMPETRADO CONTA ATO DO PRESIDENTE DA CMARA DOS DEPUTADOS, QUE INDEFERIU, PARA

    FINS DE REGISTRO, CANDIDATURA AO CARGO DE 3 SECRETRIO DA MESA, ALEGAO DE VIOLAO DO ARTIGO 8 DO REGIMENTO

    DA CMARA E DO 1 DO ARTIGO 58 DA CONSTITUIO. 1. Ato do Presidente da Cmara que, tendo em vista a impossibilidade, pelo

    critrio proporcional, defere, para fins de registro, a candidatura para o cargo de Presidente e indefere para o de membro titular da Mesa.

    2. Mandado de Segurana impetrado para o fim de anular a eleio da Mesa da Cmara e validar o registro da candidatura ao cargo de

    3 Secretrio. 3. Deciso fundada, exclusivamente, em norma

    regimental referente composio da Mesa e indicao de candidaturas para seus cargos (artigo 8). 3.1 O fundamento

    regimental, por ser matria interna corporis, s pode encontrar soluo no mbito do Poder Legislativo, no ficando sujeito

    apreciao do Poder Judicirio. 3.2 Inexistncia de fundamento constitucional (artigo58, 1), caso em que a questo poderia ser

    submetida ao Judicirio. 4. Mandado de segurana no conhecido, por maioria de sete votos contra quatro. Cassao da liminar

    concedida.

    [3] Fala-se de costume interpretativo, ou secundum constitutionem,

    quando h no texto constitucional qualquer ambiguidade que o costume venha a esclarecer. Em princpio, a interpretao costumeira

    no contradiz a norma escrita; apenas a desenvolve. Por outro lado, diz-se que o costume supletivo ou praeter constitutionem se a

    constituio omissa em algum ponto e o costume surge para complet-la. Essa circunstncia ocorre quase sempre quando a

    constituio do tipo resumida (cf. Carolina Cardoso Guimares Lisboa. Normas constitucionais no escritas. Costumes e convenes

    da constituio. So Paulo: Almedina, 2014, p. 133-134.

    [4] Carlos Maximiliano. Hermenutica e aplicao do direito. 8a ed.,

    Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965, p. 325.

    [5] MS 22.503, Rel. p. acrdo Min. Maurcio Corra, DJ de 06.06.97.

    http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_ednref3http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_ednref4http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_ednref5
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    [6] Tal como tem sustentado na imprensa em relao PEC 171, cf.:

    http://www.conjur.com.br/2015-jul-02/ministro-stf-presidente-oab-criticam-reducao-maioridade

    [7] Ainda que esse precedente tenha sido recentemente citado pela Ministra Rosa Weber ao indeferir a medida cautelar no MS 33.630,

    por meio do qual se impugnou a aprovao de emenda substitutiva na proposta de emenda Constituio sobre o financiamento de

    campanhas por pessoas jurdicas, aps a rejeio de um substitutivo. Registrou a Relatora que ao invs de contradizer a orientao

    adotada pelo precedente MS n 22.503/DF, o magistrio doutrinrio citado refora aquela perspectiva ao explicitar dois alcances diversos

    para o artigo 60, 5, da Constituio Federal, a partir das condicionantes fticas de cada caso concreto. De um lado, o

    precedente desta Suprema Corte descortina o trmite de um nico

    processo legislativo em suas fases, como ocorre no presente mandado de segurana. De outro, a doutrina compara dois processos

    autnomos de Emenda Constituio, o primeiro terminado definitivamente e o segundo a ser iniciado, na mesma sesso

    legislativa. So hipteses distintas, a diferen-las a existncia ou no de soluo de continuidade no processo legislativo, e que podem

    levar a resultados variveis quando confrontadas com o texto constitucional. Entendo, portanto, haver mbitos especficos de

    aplicao do dispositivo constitucional versado, em face das circunstncias de cada caso. A adoo de uma soluo nica,

    considerada em termos abstratos, poderia levar ao engessamento da atividade parlamentar, ausente fundada razo nas circunstncias

    fticas apresentadas.

    Carlos Bastide Horbach advogado em Braslia, professor doutor de

    Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP e professor do programa de mestrado e doutorado em Direito do UniCEUB.

    Revista Consultor Jurdico, 5 de julho de 2015, 11h34

    http://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_ednref6http://www.conjur.com.br/2015-jul-02/ministro-stf-presidente-oab-criticam-reducao-maioridadehttp://www.conjur.com.br/2015-jul-02/ministro-stf-presidente-oab-criticam-reducao-maioridadehttp://www.conjur.com.br/2015-jul-05/provacao-pec-maioridade-penal-constitucional?imprimir=1#_ednref7