2015jun07 - Mp Pode Investigar

8
 1 MP PODE INVESTIGAR, MAS DELEGADO PRESIDE INQUÉRITO E COMANDA PERSECUÇÃO 7 de junho de 2015, 10h37 Por Thiago Hauptmann Borelli Thomaz  A decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a possibilidade de o Ministério Público promover investigação de natureza penal não excluiu a investigação criminal pelo Delegado de Polícia, nem retirou deste a presidência do inquérito policial, instrumento de persecução criminal voltado à apuração de fato aparentemente criminoso, tendente à identificação do seu autor e da respectiva materialidade. As atribuições do Ministério Público e do Delegado de Polícia possuem fundamento constitucional e legal, bem como as suas inter-relações no âmbito das investigações criminais. No que concerne à atuação do Ministério Público em relação a tais investigações, há a seguinte disposição constitucional:  “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:  (...) VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.”  A Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, também faz referência aos seus poderes na investigação criminal:  “Art. 3 8. S ão funções institucionais do Ministério Público Federal as previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, incumbindo- lhe, especialmente: (...) II - requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas.”  Tal previsão também está contida na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93)[1] e encontra simetria em legislação estadual que estabelece a lei orgânica do  parquet  em âmbito estadual.

description

MP

Transcript of 2015jun07 - Mp Pode Investigar

  • 1

    MP PODE INVESTIGAR, MAS DELEGADO PRESIDE INQURITO

    E COMANDA PERSECUO

    7 de junho de 2015, 10h37

    Por Thiago Hauptmann Borelli Thomaz

    A deciso do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a

    possibilidade de o Ministrio Pblico promover investigao de

    natureza penal no excluiu a investigao criminal pelo Delegado de

    Polcia, nem retirou deste a presidncia do inqurito policial,

    instrumento de persecuo criminal voltado apurao de fato

    aparentemente criminoso, tendente identificao do seu autor e da

    respectiva materialidade.

    As atribuies do Ministrio Pblico e do Delegado de Polcia possuem

    fundamento constitucional e legal, bem como as suas inter-relaes

    no mbito das investigaes criminais.

    No que concerne atuao do Ministrio Pblico em relao a tais

    investigaes, h a seguinte disposio constitucional:

    Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico:

    (...)

    VIII - requisitar diligncias investigatrias e a instaurao de

    inqurito policial, indicados os fundamentos jurdicos de suas

    manifestaes processuais.

    A Lei Complementar n 75/93, que dispe sobre a organizao, as

    atribuies e o estatuto do Ministrio Pblico da Unio, tambm faz

    referncia aos seus poderes na investigao criminal:

    Art. 38. So funes institucionais do Ministrio Pblico Federal

    as previstas nos Captulos I, II, III e IV do Ttulo I, incumbindo-

    lhe, especialmente:

    (...)

    II - requisitar diligncias investigatrias e instaurao de

    inqurito policial, podendo acompanh-los e apresentar provas.

    Tal previso tambm est contida na Lei Orgnica Nacional do

    Ministrio Pblico (Lei n 8.625/93)[1] e encontra simetria em

    legislao estadual que estabelece a lei orgnica do parquet em

    mbito estadual.

  • 2

    Tambm h disposies constitucionais e legais que regem a atuao

    do Delegado de Polcia no seu mister de apurar infraes

    penais. Nesse sentido, o art. 144 da Constituio Federal dispe:

    Art. 144. A segurana pblica, dever do Estado, direito e

    responsabilidade de todos, exercida para a preservao da

    ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio,

    atravs dos seguintes rgos:

    (...)

    1 A polcia federal, instituda por lei como rgo permanente,

    organizado e mantido pela Unio e estruturado em carreira,

    destina-se a:

    I - apurar infraes penais contra a ordem poltica e social ou

    em detrimento de bens, servios e interesses da Unio ou de

    suas entidades autrquicas e empresas pblicas, assim como

    outras infraes cuja prtica tenha repercusso interestadual ou

    internacional e exija represso uniforme, segundo se dispuser

    em lei;

    (...)

    IV - exercer, com exclusividade, as funes de polcia judiciria

    da Unio

    (...)

    4 s polcias civis, dirigidas por delegados de polcia de

    carreira, incumbem, ressalvada a competncia da Unio, as

    funes de polcia judiciria e a apurao de infraes penais,

    exceto as militares.

    Quanto legislao infraconstitucional, o art. 4 do Cdigo de

    Processo Penal expresso ao dispor que a polcia judiciria ser

    exercida pelas autoridades policiais no territrio de suas respectivas

    circunscries e ter por fim a apurao das infraes penais e de sua

    autoria.

    A Lei n 12.830/2013 (Lei da Investigao Criminal conduzida pelo

    Delegado de Polcia) inovou acerca da conduo do inqurito policial,

    conferindo ao Delegado de Polcia, na qualidade de autoridade

    policial, autonomia ampla para a conduo da investigao criminal,

    nos seguintes termos:

    Art. 2 As funes de polcia judiciria e a apurao de

    infraes penais exercidas pelo delegado de polcia so de

    natureza jurdica, essenciais e exclusivas de Estado.

  • 3

    1 Ao delegado de polcia, na qualidade de autoridade policial,

    cabe a conduo da investigao criminal por meio de inqurito

    policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como

    objetivo a apurao das circunstncias, da materialidade e da

    autoria das infraes penais.

    Cabe ressaltar que a autonomia investigatria do Delegado de Polcia,

    que dispe de ampla discricionariedade para a produo de provas

    em sede pr-processual, evidenciada pelo art. 2, 6, da mesma

    lei acima apontada, uma vez que ela atribuiu quele a exclusividade

    para o indiciamento, conforme abaixo transcrito:

    Art. 2. As funes de polcia judiciria e a apurao de

    infraes penais exercidas pelo delegado de polcia so de

    natureza jurdica, essenciais e exclusivas de Estado.

    (...)

    6 O indiciamento, privativo do delegado de polcia, dar-se-

    por ato fundamentado, mediante anlise tcnico-jurdica do fato,

    que dever indicar a autoria, materialidade e suas

    circunstncias.

    A anlise da materialidade e indcios de autoria privativa do

    Delegado de Polcia, podendo somente ele, ao final das investigaes,

    apontar quem foram os autores da infrao penal, sendo pressuposto

    lgico desse poder a exclusividade, autonomia e discricionariedade,

    no mbito do inqurito policial, a produo de provas e a adoo das

    teses que julgar mais adequadas para o esclarecimento dos fatos.

    A investigao criminal desenvolvida no inqurito policial

    A exclusividade da presidncia do inqurito policial pelo Delegado de

    Polcia, reconhecida pela jurisprudncia dos Tribunais Superiores e

    fortalecida na Lei n 12.830/2013, apresenta reflexos materiais tanto

    na esfera interna da investigao criminal, quanto no mbito externo,

    limitando a interferncia de entes estranhos Policia Judiciria no

    que diz respeito maneira de conduzir o inqurito policial pelo

    Delegado de Polcia.

    O poder do Delegado de Polcia conduzir com exclusividade,

    autonomia e discricionariedade o inqurito policial impede que outros

    rgos ou entes se manifestem na fase pr-processual de modo a se

  • 4

    imiscuir no juzo de oportunidade e convenincia da autoridade

    policial em sua funo constitucional de investigao.

    A deciso a respeito das medidas a serem empreendidas durante a

    investigao criminal realizada no bojo do inqurito policial compete

    ao Delegado de Polcia, incumbido da presidncia da apurao

    delitiva. Ao Ministrio Pblico competir a funo fiscalizatria sobre a

    investigao criminal, exercendo o controle de constitucionalidade e

    de legalidade dos atos e das decises da autoridade policial em todo

    o curso da fase inquisitorial.

    No entanto, a funo fiscalizatria do Ministrio Pblico sobre a

    atividade do Delegado de Polcia deve ter carter vinculado, no

    podendo invadir ou interferir na discricionariedade conferida a este e

    inerente ao seu poder-dever de investigar.

    No curso do inqurito policial o delegado quem possui

    discricionariedade para adotar as tcnicas de investigao adequadas

    apurao do fato criminoso em toda a sua extenso, bem como

    para aplicar as teses jurdicas necessrias para que a investigao

    seja realizada com obedincia s disposies inerentes ao Estado

    Democrtico de Direito e dignidade da pessoa humana.

    Mesmo tendo o Pretrio Excelso reconhecido a legitimidade de o

    Ministrio Pblico realizar investigao de natureza criminal,

    conforme decidido no Recurso Extraordinrio 593727, o ministro

    Celso de Melo, em seu voto, ressaltou que a presidncia do inqurito

    policial continua exclusiva do Delegado de Polcia, conforme trechos

    abaixo colacionados:

    Ningum questiona a assero, por indisputvel, de que o

    exerccio das funes inerentes polcia judiciria

    compete, ordinariamente, Polcia Civil e Polcia Federal (CF,

    art. 144, 1, IV, e 4), com exceo das atividades

    concernentes apurao de delitos militares, consoante

    prescreve o prprio texto da Constituio da Repblica (CF, art.

    144, 4, in fine).

    Isso significa, portanto, que os inquritos policiais nos quais se

    consubstanciam,instrumentalmente, as investigaes penais

    promovidas pela Polcia Judiciria sero dirigidos e

    presididos por autoridade policial competente, e por esta

  • 5

    apenas (CPP, art. 4, caput, na redao dada pela Lei n

    9.043/95).

    Sob tal aspecto, inexistem quaisquer disceptaes a propsito da

    atribuio funcional,constitucionalmente outorgada Polcia

    Judiciria, de presidir ao inqurito policial, de promover a apurao

    do evento delituoso e de proceder identificao do respectivo

    autor, como resulta claro do prprio magistrio da doutrina,cujas

    lies enfatizam tal como assinala JULIO FABBRINI MIRABETE

    (Cdigo de Processo Penal Interpretado, p. 86, item n. 4.3, 7 ed.,

    2000, Atlas) que a atribuio para presidir o inqurito policial

    deferida, agora em termos constitucionais, aos delegados de polcia

    de carreira, de acordo com as normas de organizao policial dos

    Estados. certo, no entanto, que, no obstante a presidncia do

    inqurito policial incumba autoridade policial (e no ao Ministrio

    Pblico), nada impede que o rgo da acusao penal possa

    solicitar, Polcia Judiciria, novos esclarecimentos, novos

    depoimentos ou novas diligncias, sem prejuzo de poder

    acompanhar, ele prprio, os atos de investigao realizados pelos

    organismos policiais. (destaques no original)

    Durante o transcorrer do inqurito policial, entre a sua instaurao e

    a elaborao do relatrio final, haver essa dualidade de funes

    entre Ministrio Pblico e Polcia Judiciria. Enquanto esta

    desempenha sua funo investigatria, dirigida pelo delegado, aquele

    atua como fiscalizador das atividades investigativas.

    Assim, na presidncia da investigao criminal, o delegado tem o

    poder-dever de requisitar, independentemente de manifestao

    ministerial, percia, informaes, documentos e dados que interessem

    apurao dos fatos, conforme prescreve o artigo 2, 2, da Lei n

    12.830/13.

    A capacidade postulatria do Delegado de Polcia

    Conforme acima delineado, quando, no bojo do inqurito policial,

    houver necessidade da vinda de elementos de prova, o delegado tem

    o poder-dever de requisit-los diretamente queles que detm a

    informao, os dados etc.

  • 6

    Diz-se poder-dever uma vez que, diante de fato aparentemente

    criminoso, o delegado no apenas poder, como dever, instaurar

    inqurito policial a fim de apur-lo e, assim, apontar quem foi o seu

    autor, qual foi o bem jurdico afetado, o meio utilizado para a prtica

    da infrao penal etc. Para tanto, a fim de colher elementos de prova,

    para efetivamente investigar, o delegado tambm no apenas pode,

    como deve, empreender as medidas necessrias e cabveis para que

    tais objetivos sejam alcanados.

    Nas hipteses em que a aquisio de elementos de prova possa

    afetar direitos e garantias constitucionalmente protegidos e que

    necessitam, para a sua obteno, de autorizao expressa do Poder

    Judicirio, ser necessria a postulao das medidas cabveis

    autoridade judiciria competente para o deferimento e determinao

    do quanto postulado.

    Deste modo, em havendo a necessidade da vinda de informaes e

    dados resguardados pelo sigilo constitucional, ou que se revistam de

    outra proteo constitucional que possa vir a ser relativizada para fins

    de instruo da investigao criminal, a autoridade policial dever

    apresentar o caso ao Poder Judicirio e solicitar a adoo das

    medidas necessrias para que isso possa instru-la.

    Essa solicitao do delegado, realizada no bojo do inqurito policial

    ou para fins de instruo criminal, em nosso ordenamento jurdico

    denominada de representao.

    Para a efetividade da investigao, o poder postulatrio do delegado

    poder decorrer do exerccio da representao, meio disponvel para

    instrumentalizar e facilitar a busca da verdade material, bem como

    para que seja possvel a adoo de medidas tendentes a restringir

    direitos e garantias individuais, como a liberdade (no caso de priso)

    ou o patrimnio (no caso de sequestro de bens), ou de alguma

    medida jurdica que possa vir a atingir direitos da personalidade do

    investigado.

    Em caso de representao do delegado, o Ministrio Pblico, parte em

    futura e eventual ao penal, dever ser ouvido como custos legis e

    verificar a constitucionalidade ou legalidade desse ato. Sendo assim,

    o parquet no poder se arvorar da atribuio jurisdicional e atrair

    para si a funo decisria do quanto representado.

  • 7

    Ao MP compete postular em juzo, seja nas aes cveis, seja nas

    criminais, uma vez que poder atuar como custos legis ou como parte

    propriamente dita. Tais funes lhe foram outorgadas pela

    Constituio Federal e por vasta legislao infraconstitucional, como,

    por exemplo, os Cdigos de Processo Penal e Civil, e a Lei da Ao

    Civil Pblica (Lei n 7.347/85).

    No entanto, pelo arcabouo normativo nacional, o delegado est

    impedido de, por exemplo, ajuizar ao penal, ou atuar no juzo cvel

    (art. 129, I, 131 a 134, todos da CF, e arts. 36 a 40 e 81 do CPC, por

    exemplo). No entanto, ele, na qualidade de responsvel pela

    investigao criminal, mormente a desenvolvida em inqurito policial,

    estar legitimado a postular, por meio da representao, pela

    decretao de medidas cautelares (cf. art. 282, 2, do CPP), pela

    priso preventiva (cf. art.311 do CPP), pela priso temporria (cf. art.

    2 da Lei n 7.960/89), pela interceptao de comunicaes

    telefnicas (cf. art. 3, I, da lei n 9.296/96), dentre outras.

    Sendo assim, a representao caracteriza-se como um meio de

    provocao do Juiz, tirando-o da sua inrcia e obrigando-o a se

    manifestar sobre alguma questo sujeita reserva de jurisdio.

    Desse modo, levando-se em considerao que o Poder Judicirio no

    pode agir de ofcio, a representao serve de instrumento

    preservao do prprio sistema acusatrio. Trata-se, portanto, de um

    ato jurdico-administrativo de atribuio exclusiva do Delegado de

    Polcia e que pode ser traduzido como verdadeira capacidade

    postulatria imprpria. (...) Frente ao exposto, parece-nos impossvel

    negar que a Autoridade Policial disponha de uma capacidade

    postulatria, que nada mais do que a capacidade tcnico-formal de

    provocar o Juiz. A diferena reside apenas no fato de que tal

    capacidade se restringe ao exerccio das funes pertinentes s

    atividades de polcia judiciria.[2]

    O Delegado de Polcia poder postular ao juzo para a obteno dos

    elementos de prova que necessitam de expressa autorizao judicial

    para serem obtidos com a finalidade de instruir investigao criminal

    formalmente em curso, no possuindo capacidade postulatria

    semelhante a que possuem os membros do Ministrio Pblico, da

    Advocacia Geral da Unio, da Defensoria Pblica ou os advogados em

    geral, uma vez que esta ampla em relao quela.

  • 8

    [1] O art. 26, inciso IV, da Lei n 8.625/93, assim prescreve:

    Art. 26. No exerccio de suas funes, o Ministrio Pblico

    poder: (...) IV - requisitar diligncias investigatrias e a instaurao

    de inqurito policial e de inqurito policial militar, observado o

    disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituio Federal, podendo

    acompanh-los.

    [2] Francisco Sannini Neto in http://jus.com.br/artigos/33925/qual-

    a-natureza-juridica-da-representacao-do-delegado-de-

    policia#ixzz3abDbHwPX