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2016 © by Dorcídio Ponciano

Direitos em Língua Portuguesa reservados ao autor pela Editora Veloso em 2016

Ilustração da capa © 2016 by Igor Cesar S. de Castro

Design original de capa © 2016 by Igor Cesar S. de Castro

Projeto gráfico de Eliosmar Veloso

Revisão de Iomar Morais

FICHA CATALOGRÁFICA

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta

publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da

Lei n° 9.610/98.

IMPRESSO NO BRASL

PONCIANO, Dorcídio – Crônicas e contos

universitários – 1 ed. – Gurupi: Editora Veloso, 2016 –

(Antologia de crônicas e contos dos tempos de faculdade)

1. Crônicas brasileiras – Antologia – Literatura juvenil

2. Contos brasileiros – Antologia – Literatura juvenil

Literatura Tocantinense.

I. Título

CDD – B869.3

000 CONdor

83062016

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PRINTED IN BRAZIL

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É inegável que os anos na faculdade sejam

inesquecíveis, pois propiciam momentos extremos ao acadêmico que vão desde discussões a simples ações cotidianas do interesse de todos.

Pensando nisso, Dorcídio Ponciano reuniu em forma de coletânea, seus melhores contos e

crônicas elaborados no período em que cursava a faculdade de Letras, na época, FAFICH – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, hoje

UNIRG.

Por essa razão, parece existir uma boa

justificativa para apresentar, na obra, um aspecto peculiar às experiências do autor, uma vez que, o cotidiano acadêmico é enfatizado na maioria dos

textos, de forma direta, sem distorção ou invenção, remetendo nossas lembranças às vivências acadêmicas, mesmo porque cada escritor é único

em seu ato de relatar o que sente diante dos acontecimentos, sejam eles corriqueiros ou não.

A simplicidade com que o autor escreve, merece destaque especial, como neste trecho: “...eis que surge na esquina um sujeito esdrúxulo montado em um cavalo. Um cavalo? Que coisa, hein!? O

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melhor de tudo se resumia na criatividade do rapaz. Acreditem... O cara era diferente! Original! Estava montado em um cavalo-de-pau!”

A linguagem é outro ponto a ser destacado, é acessível, tipicamente a exigida pelos gêneros aqui trabalhados. De maneira bem espontânea e

informal, ele dialoga com o leitor. A estratégia funciona bem, pois facilita a leitura, deixando-a

interessante e prazerosa.

Parece-me que alguns episódios cotidianos – aqui mencionados – vão de encontro ao que

esperamos dos gêneros apresentados na obra e, apesar de oriundos de uma época específica: os

quatro anos de universidade, este livro não só é destinado ao público juvenil, como também aos leitores que talvez ainda se lembrem da faculdade

como sendo um local da construção do conhecimento e das amizades que duram para a vida toda.

Enfim, é uma obra que trará para o leitor muitas lembranças dos tempos de universidade,

dos amigos, das situações, das dificuldades e das vitórias. Portanto entre nessa viagem e deleite-se com cada cena aqui descrita.

Adriana Rabelo

Escritora e Poetisa

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Certa vez me perguntaram o que mais me marcou na faculdade, demorei um tempo para

responder; passou, pois, um filme. São tantos os momentos que não podem ser apagados de nossa

memória pelo simples fato de serem inesquecíveis, de terem nos marcado positivamente, porque as amizades construídas naquele tempo duram para

sempre.

O que dizer do professor doutor Plínio Sabino Seles? Profissional de atitudes inspiradoras (pelo

menos para mim e um tantão de gente por aí) Ahh!!! Quantas vezes o observei falando. Seu dom em

retórica, sua oratória me fascinava. O texto do macaco, como assim denominei, ditado por ele na primeira aula sobre pontuação, continua guardado

em minha mente: “Vejam só o que eu encontrei: um macaco...”

Outro, não menos importante, é Fabiano Donato, com seu carisma e meiguice, dotado de um conhecimento monstruoso, “um poço de sabedoria”,

eu diria, cativava a todos com sua didática e

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principalmente sua humanidade exacerbada: entendia mais que qualquer um as dificuldades, as qualidades e capacidades de seus alunos.

E não me refiro somente aos professores ou aos colegas de sala. Há ainda as amizades construídas nos corredores, nos outros pavilhões,

na biblioteca, no ponto de ônibus, no intervalo, no barzinho à frente da faculdade, nos eventos, nas

festas, enfim, em vários lugares e ocasiões.

Eu deveria escrever uma crônica com este título: YELLOW BALL (Doutor Adriano que o diga).

Grande homem! Nos conhecemos por intermédio do Pr. Newton Lopes (outro grande amigo). As piadas

no intervalo, ao lado de sua sala renderiam muitas histórias hoje. Recentemente o encontrei e, como não poderia ser diferente, relembramos, com certa

nostalgia, aquele tempo de hilariantes conceitos acerca de tudo e de todos.

Não é que eu seja chato em relembrar esse tempo, mas penso que essa é a graça da vida: termos

histórias pra contar

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Vivico ............................................................................................. 14

O trote ............................................... Erro! Indicador não definido.

Cavalo de pau ............................................................................ 20

Dia de encontro ........................................................................ 24

O mercadinho da Alameda Madrid e o jogo do

Brasil ............................................................................................. 27

A formatura ................................................................................ 30

Zero a zero ................................................................................... 33

Visita indesejada ...................................................................... 36

Água Benta ................................................................................. 39

A primeira trombeta ............................................................... 41

A fuga do ladrão de sonhos ................................................ 45

Medo ............................................................................................... 50

Um conto só para Fábio ....................................................... 56

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vivico

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Eu não poderia começar esta crônica falando de outra coisa senão um assunto muito marcante para mim, especialmente porque a minha história

como acadêmico começa a partir desse episódio.

Eis a frase da discórdia:

“Vende-se cartões telefônicos com Vivico (vivico).”

“Uma frase é ambígua quando tem mais de um significado...”, era o que minha irmã e os outros

diziam quando nos encontramos à frente da faculdade, após a prova do vestibular de 1999.

Questões com conteúdo ambíguo eram muito

comuns nos vestibulares da Unirg (FAFICH). E como não poderia ser diferente, no vestibular de 1999, uma das ambiguidades era “Vende-se cartões telefônicos com Vivico.” Confesso que eu não tinha a menor ideia do que seria ambiguidade, de como

tirar o duplo sentido de uma sentença ou o que era esse tal de Vivico (com V maiúsculo ou v

minúsculo? – nem me lembro como era escrito).

Depois de alguns meses pude finalmente compreender o que era a tal ambiguidade, quando

comprei o livro Curso básico de redação, de Moreno e Coimbra Guedes, a fim de auxiliar-me nas aulas

de leitura e produção da saudosa professora Sandra Borges, a quem devo muito, por ter-me feito perceber como é o tratamento dado às produções

no ensino superior.

A verdade é que o tal do Vivico serviu de incentivo mesmo, de força, de superação para mim.

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Os outros postulantes a acadêmicos de minha cidade, fizeram piadas com a situação. Todos estavam certos (era o que diziam), eles

perceberam e reescreveram a frase, tirando a ambiguidade, perceberam que vivico, na verdade era uma caixinha que guardava os cartões

telefônicos, mas eu não! Eu estava convicto de que Vivico era um cara –isso é muito divertido –, um

cara que vendia os cartões telefônicos.

Um mês depois, saiu o resultado. Alguém ouviu meu nome no rádio e contou para um primo

meu, que contou para a minha irmã, que contou para mim (isso não tem nada a ver com a quadrilha

de Drummond). A alegria foi tremenda e não poderia ser diferente.

E quanto ao (V)vivico? O fato de ele ser um

cara ou uma caixinha não me interessava mais. Eu, porém, procurei todos os que riram de mim e falei:

– Acho que o vivico me ajudou!

Eles, no entanto, não tiveram a mesma sorte. Fui o único a passar no vestibular daquele ano,

independentemente de ter acertado ou não a questão.

Poderia até perder os amigos, mas a piada

sobre o vivico, jamais. Assim o fiz. E, sinceramente, eu não faço a menor ideia do que seja um vivico!

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De súbito, a porta da minha sala se abriu. Era o grupo de veteranos da faculdade que iria avisar sobre o trote que estavam organizando.

Tremi todo. “Meu Deus! Como vou reagir a isso?” - Eu me perguntava. Já ouvi tanto sobre trotes violentos, daqueles em que os pobres calouros são

obrigados a ingerir bebidas alcóolicas, fumar, dançar, raspar a cabeça, passar tinta no corpo,

correr só de cueca, pular em piscinas – e eu nem sei nadar –, além de serem torturados exaustivamente. Por isso, hesitei em ir para a

faculdade na primeira semana de aula. Todavia, parece que eles adivinharam.Não nos procuraram

nos primeiros dias de aula, para nos surpreender depois.

Um rapaz do curso de Pedagogia e outros

tantos de Direito chegaram nos amedrontando. A mulherada da minha turma achou o máximo e olha que elas eram muitas ali; 37 no total.

– O nosso trote acontecerá na sexta-feira, mas antes precisamos de uma mecha do cabelo de

cada um de vocês, como compromisso de que não deixarão de vir no dia combinado. – Um dos rapazes disse isso e eu fiquei aliviado por um lado e

muito preocupado por outro.

– Ninguém trisca em meu cabelo! – Eu gritei e

levantei da carteira.

– Segura esse cara, segura esse cara! – Alguém gritou e correu para a porta.

– Se alguém tentar cortar meu cabelo vai se arrepender! – Eu disse.

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Tive que me manter firme e corajoso na frente de todos, mas o que eles não sabiam é que eu estava com medo, muito medo.

O rapaz que liderava o grupo de veteranos veio em minha direção dizendo:

– Rapaz, deixe de idiotice. Se nós quisermos,

você sai daqui careca!

Nessa hora eu tremi na base, mas ninguém

podia perceber. Continuei firme e em pé, próximo à porta. Estava preparado para chutar, dar pontapés, socos, tudo que fosse preciso. As meninas me

olharam estarrecidas. Eu não podia fraquejar, pensava.

Depois de recolher as mechas de quase todas as garotas da sala, um dos veteranos voltou a me ameaçar:

– E aí? Posso cortar? – com a minha recusa, ele disse: “Galera, vamos segurá-lo! ”

Só me restou uma saída: correr. No descuido

de quem guardava a porta, abri-a e saí em disparada. Todos ficaram rindo. Pude ouvi-los de

longe. Pelo menos meu cabelo continuou intacto e, para evitar maiores problemas, não fui à faculdade na sexta.

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Cavalo de pau

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Já se passava das dez e quarenta da manhã de uma segunda-feira de um verão escaldante no Tocantins. Eu estava sentado rente à parede, perto

de uma das portas. Como era de costume, muitos acadêmicos ficavam no barzinho da esquina, bem próximo à entrada principal do campus I da

Faculdade Unirg, esperando as conduções que os levariam de volta às suas cidades.

Por incrível que possa parecer, nessa hora não havia mais ninguém ali além de dona Maria, a proprietária do barzinho, com o queixo encostado à

mão direita, apoiando o cotovelo junto ao balcão e com os dedos da outra mão executando um

estranho e repetitivo batido: “POM POM POM”. Ela parecia tirar algumas sonecas. E de fato tirava.

“Será que meu relógio está certo?” “Seu

Antônio não poderia ter saído e me deixado?”Continuei a me questionar. Quase não havia movimento nos arredores da faculdade.

Estranhei. Levantei-me e me dirigi até a porta do barzinho. “A senhora sabe me dizer se a Kombi do

Cariri passou?”. As minhas palavras assustaram a “tia Maria”, como era chamada carinhosamente por todos. Com um pu-lo despertou. Segurei-me para

não rir... “Não, não, não!!!”. Dito isso, ela se virou e pôs-se a lavar o rosto na pia ao lado. Voltei para o

mesmo lugar onde estava sentado há tempos. Agora, tia Maria me fazia companhia. Eu já estava muito preocupado. Afinal, ninguém saía da

faculdade.

De repente, eis que surge na esquina um sujeito esdrúxulo montado em um cavalo. Um

cavalo? Que coisa, hein!? O melhor de tudo se resumia na criatividade do rapaz. Acreditem... O

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cara era diferente! Original! Estava montado em um cavalo-de-pau!”. Tia Maria ficou pasma, hesitou em dar uma gargalhada. Apenas olhou para mim

durante alguns segundos, porém parecia saber o que se passava em minha cabeça. Ficamos em sintonia. Não aguentamos e começamos a rir. “Que

hilário”, dizia ela.

“Cavaloooo!!! Cavalooo!!!” O camarada repetia

isso até sumir na outra esquina. O que há de errado com isso? Alguns podem se perguntar. Outros vão achar que estou sendo radical ao

descrever essa situação, na qual um sujeito passa montado em um cavalo na frente de um barzinho.

Não... Não estou enganado, tampouco sendo radical. Eu sei o que vi. E era muito estranho. O rapaz, na faixa de uns vinte e poucos anos estava

montado em um cavalo de pau. Isso mesmo, em um cavalo de pau. Era difícil não rir. Sem contar que estava vestido a caráter. E a bota com espora e

tudo mais. Simplesmente fantástica sua aparência. Perguntei-me: “Como ele aguenta esse calor?”

Usava uma camisa xadrez de mangas compridas e um cinto com uma fivela grande arredondada.

A criatividade do sujeito não se resumia

apenas a isto, sua sela e arreio foram feitos a partir de espumas de colchão enroladas na madeira,

prendendo-as com borracha. Arranjou uma cabeça de cavalo, daquelas de plástico. Até cabresto tinha. Parecia não se importar muito com o que as

pessoas iam dizer.

Não sei se era motivo para admiração ou estarrecimento. A verdade é que achei o máximo a

criatividade do sujeito. Tia Maria, por sua vez, dizia achar um absurdo aquilo. Não demorou muito e os

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outros acadêmicos começaram a chegar. A nossa Kombi também. Contei o que havia presenciado e todos se divertiram. Fizeram até piadinhas.

Os próximos dias foram marcados por uma tremenda expectativa. Passei a ficar sentado no mesmo lugar, na vã esperança de poder ver se

repetir aquela cena cômica. Meus amigos queriam vê-lo também. Inúteis tentativas. O errante

cavaleiro, montado em seu alazão de pau, não quis mais aparecer.

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Dia de encontro

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Desço do ônibus, saio em disparada. As barras de minha calça estão molhadas, pois o dia está chuvoso. De repente percebo que não vale a

pena correr. “Só vou chegar um pouquinho atrasado!”, penso. “Mas por que não chegar atrasado?”, indago-me. O que pode me impedir de

chegar atrasado? Insisto em me questionar. Vejo as pessoas, todas estão atrasadas. As crianças estão

atrasadas. Os pais estão atrasados. As mães estão atrasadas. Os operários estão atrasados. O bêbado também está atrasado. Enfim, estamos todos

atrasados.

Viro a esquina e passo em frente a um

açougue: “Ahhh.... O cão não está atrasado!”, concluo. Ele chega todos os dias no mesmo horário e fica assistindo ao trabalho do açougueiro; o pobre

animal parece ter um único objetivo na vida – não fala –, é verdade, mas às vezes late, pretendendo ganhar um ‘pedacinho de carne’ ou quem sabe um

‘ossinho’. O cão é fiel, é pontual e se contenta com essa situação. Não tem responsabilidades e ainda

assim consegue ser pontual... Eu não! Aliás, quase ninguém é. As pessoas geralmente se desligam do mundo, têm uma enorme dificuldade em cumprir

horários, de chegada, de saída.

Chego ao CEM. Estou parado em frente ao

portão do colégio Estadual de Gurupi. Olho para baixo e vejo que meus sapatos estão encharcados. Sorrio. Dirijo-me à soleira e lá permaneço por

alguns minutos na intenção de poder me secar. Enfim resolvo entrar. As pessoas estão andando por todos os lados, tumultuando os corredores de todos

os pavilhões da escola. Atrasei-me em mais de meia hora. Mas, vejam só que coincidência: todos estão

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atrasados; e eu preocupado em me atrasar. As pessoas estão conversando e andando para lá e para cá. Elas procuram as suas salas. Eu também

procuro a minha. Não falo com ninguém, apenas procuro. Paro. Olho e vejo meu nome na parede, ao lado da porta. Entro e encontro algumas pessoas

conversando. Não é nada interessante, pelo menos para mim. ‘O marido da amiga de uma mulher

gorda de cabelos grisalhos foi embora’, ela não sabe por que, mas está muito preocupada. Está abatida. ‘O cão de uma mulher feia e rica fugiu de casa.’ Não

há nada de interessante em ouvir essas histórias... no entanto, acabo prestando atenção!

Vinte e cinco minutos depois, a tutora aparece dando um bom dia a todos que mais parecia um boa tarde. Olho para ela e concluo:

definitivamente, eu não estava atrasado coisíssima nenhuma. Ela sim, estava. Todavia, o horário de minha chegada não poderia ser aquele. O dela

também não! O de ninguém... Paro de pensar nessas coisas e presto atenção no que aquela

magistra tem a apresentar a todos os que se encontram em uma sala apertada de um colégio de ensino secundário. É o início do encontro.

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O mercadinho da Alameda Madrid e o jogo do Brasil

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Atravesso a avenida a passos largos. Apresso-me mais ainda ao ouvir xingamentos e lamentações. Chego ao meu destino quase

correndo.

– De quanto está o jogo, senhor? – pergunto.

– Brasil tá perdendo! – O dono do mercadinho

na esquina da Alameda Madrid responde com uma certa incredulidade.

– Sabia que essa seleçãozinha não conseguiria ganhar jogo nenhum nessa Copa! – Concluo.

– Calma, rapaz. Tem todo o segundo tempo! – um homem diz.

– Ahhh, tá no intervalo, é?

– Claro!

– Ah não! Dá tempo virar (disse isso só para

me enganar). A Turquia não é isso tudo! – mas tinha um atacante que era o bicho, um tal de

Hakan Sukur. Não foi ele quem marcou nesse dia, porém jogava muito.

Aproveitei que o jogo estava no intervalo e,

com meu pessimismo em alta (eu não via qualidade alguma naquele time), aproveitei para apelidar

quase todos os jogadores da seleção canarinho.

Scolari, o comandante do escrete, foi carinhosamente chamado de RUINLIPÃO. Marcos

virou RUINCOS.

Cafu era RUINFU.

Rivaldo, RUINVALDO.

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Ronaldinho Gaúcho era RUINALDINHO GAÚCHO.

Ronaldo fenômeno ganhou o apelido mais

bonitinho de todos, RUINALDO. E Luizão, que cavou o pênalti para o gol da virada, eu chamei de RUINZÃO.

Havia ainda os jogadores RUINÍLSON, RUINQUE Júnior, RUINIOR e RUIMBERTO Carlos.

Os presentes naquele humilde, mas requintado entreposto, se divertiram à beça ouvindo os apelidos. Pouco mais de dez pessoas,

entre as quais, meninos, acadêmicos e clientes, que se amontoaram entre as prateleiras para assistirem

a estreia da seleção verde e amarela e, como não poderia ser diferente, sofreram muito.

Quando saiu o gol da virada, ninguém queria

saber se o Brasil havia jogado bem ou não. Todos começaram a gritar (inclusive eu), outros se abraçavam.

Depois disso, encontrei em um jornal uma tabelinha que mostrava o Brasil campeão em 2002.

Passei a acreditar.

O título veio de forma emocionante, não porque eu comecei a confiar naquele plantel (a tal

família Scolari), mas pelo futebol solidário praticado por eles.

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A formatura

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O ano era 2004, o salão de eventos do Nova Fronteira Country Club, em Gurupi estava repleto de familiares, autoridades e amigos dos

acadêmicos, desde os mais humildes aos mais influentes da cidade. E lá estava eu pronto para ser fotografado. Parecia um sonho, enfim chegara o dia

tão esperado por todos da minha família.

No momento em que fiz pose, percebi um

silêncio terrível, como o de um cemitério à meia-noite. Até bem pouco tempo atrás as buzinas, cornetas e os gritos ensurdecedores davam o tom

da melodia no lugar. Era possível ouvi-los a quilômetros dali. Agora o silêncio impera. Cheguei a

pensar que eu seria fotografado. Durante dez a quinze segundos acreditei nisso.

Parei e olhei para os lados, não via ninguém

de minha família. De imediato, veio um aperto, uma angústia em pensar: minha mãe sonhou tanto com esse dia. Onde ela está? Me perguntei procurando-a

em meio à multidão. Justamente ela que levantava todos os dias às cinco da manhã para preparar

aquele delicioso café da manhã, só para não ver seu filho viajar vinte e poucos quilômetros até a faculdade com fome. Justamente ela que nunca

mediu forças para me apoiar durante todos esses anos de luta. Não demorou para cair a ficha, ela

não estava. Ela não estava porque eu não tinha condições sequer de comprar uma beca decente, sapatos novos, pagar as fotos...

Ela não estava presente, mas sabia que em pensamento aplaudia cada movimento, cada passo dado naquela passarela, porque é para isso que as

mães servem (dentre uma imensidão de outras

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coisas que minha Maria faz), para nos incentivar e para nos levantar quando estamos caídos.

Repentinamente, ouvi gritos tímidos, porém

não havia buzinas, tampouco cornetas! Talvez por pena ou simplesmente reconhecimento de minha gana, minha vontade de colar grau. Esbocei um

sorrisinho amarelo. Sabia que aquilo era só para alegrar, não deu certo, pois pouco tempo depois eu

já estava com a cara fechada, posto a refletir novamente.

Durante as mais de duas horas em que fiquei

sentado a ouvir todas as pessoas que tinham que falar, o juramento da turma e outros protocolos, eu

parecia estar anestesiado. Nada ali para mim tinha graça. Eu me sentia um ninguém, um cara sozinho no mundo, sem quem me aplaudisse, buzinasse ou

gritasse meu nome.

Uma amiga veio até mim e disse: “Relaxa, a sua situação não é diferente da minha, não tem

nenhum parente meu aqui!”.

Não me serviu de consolo, mas àquele

contratempo, já me bastava.

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Zero a zero

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Rebuscando a consciência, veio a minha mente uma partida de basquete realizada no ginazinho de esportes de Cariri do Tocantins, pouco

tempo depois de sua inauguração, na década de 1990.

Há partidas memoráveis, isso independe da

modalidade esportiva, como por exemplo, a seleção de vôlei quando nos encheu de orgulho ao faturar a

tão sonhada medalha olímpica contra a Rússia, em 1992. Aquele time ficou conhecido como ‘a geração de ouro’. Um pouco antes, nos Jogos Pan-

americanos de Indianápolis, em 1986, também tivemos uma vitória épica, só que no basquete. Os

americanos se curvaram ao talento de uma seleção até então desconhecida. Na ocasião, vencemos os donos da casa, o chamado ‘Dream Team’, pelo

placar de 120 x 115, depois de estarmos perdendo por 18 pontos de diferença no terceiro quarto da

partida. Foi uma virada histórica.

São vários os momentos de glórias relacionados ao esporte.Todavia, não se pode dizer

o mesmo a respeito do que aconteceu em Cariri, em meados dos anos 90. É algo muito engraçado. E não poderia ser diferente, pois os desportistas da

cidade organizaram uma partida de basquete no ginásio, chamaram seus amigos, compraram uma

bola e foram se divertir.

Seria o início de uma prática que poderia vir a se tornar frequente no município. Poderia! Mas

não foi, porque... Acreditem, ninguém conseguia fazer um ponto sequer. Alguns culparam as

marcações da quadra, a altura da tabela e até o tamanho do garrafão.

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Em determinado momento, quiseram abaixar a cesta...

A verdade é que ninguém marcou ponto. Não

havia tática, muito menos jogadores técnicos. Onde a bola estava, tinha oito, nove jogadores...

Depois de dez minutos, resolveram encerrar o

jogo com o placar zerado. Quem esteve presente naquele dia, disse que nunca tinha visto tamanhos

maus-tratos à bola.

Os caras judiaram da bola.

Alguns duvidam dizendo que é conversa fiada, papo pra boi dormir, outros riem à beça. O certo é que a partida aconteceu mesmo e que ficou

na história de Cariri como o jogo de basquete que terminou em zero a zero.

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Visita indesejada

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Passava das 23 horas de uma quarta-feira de outubro. Ouvi o barulho de uma moto parando em frente a minha casa. Em seguida, os cães

começaram a ladrar. Não saí. Os cachorros insistiam em latir, agora mais agressivos. “O que de estranho estaria acontecendo lá fora?” Foi o que

pensei. A curiosidade me castigava, não sabia se saía ou não. Depois de certo tempo, resolvi

levantar-me do sofá onde estava deitado assistindo ao jogo do Palmeiras. Meu Deus! Mais uma derrota, o que meus alunos vão falar? Entre uma reflexão e

outra acerca da partida, minha atenção se voltou para o lado de fora de minha casa. Uma voz

familiar chamava a minha atenção. Desliguei a luz e abri a janela vagarosamente, tentando reconhecer quem era o bestial a me perturbar. A pessoa estava

tão extasiada, mas tão extasiada que não se preocuparia, caso a minha mãe ou meus irmãos acordassem; simplesmente começou a gritar meu

nome:

– Dorcídio! Dorcídio!

“O que foi, desgraça?” – Pensei em responder dessa maneira, mas não o fiz e sabe que me arrependo disso!

Era meu primo tirando onda com a minha cara. Vê se pode? Àquela hora vir em minha

residência encher o saco!

– Vai cair! Vai cair! Vai cair! – Ele dizia.

A minha vontade de sair e dizer alguns

impropérios foi tão grande, porém tive que me conter e fingir que estava dormindo. Vocês acham

mesmo que eu iria sair? Não tive coragem... A situação em que meu time se encontrava me

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impossibilitava de sair e dizer qualquer coisa ao meu primo, mesmo porque ele era chato pra caramba.

Depois de algum tempo, ele liga sua moto biz e sai. Eu resolvi abrir a porta e sair um pouco.

Sentei no banco de madeira posto à frente de minha casa, debaixo de uma árvore, à beira da rua.

“Cara, como você é chato, hein?!” Repeti esta frase umas três vezes até ouvir o Galvão Bueno gritar goooooolllll do Palmeiras. Voltei correndo para ver o

replay. De fato, meu time havia marcado, mas a fase era tão ruim, mas tão ruim... Péssima, eu

diria, que de nada adiantou, pois já estava perdendo de 3 para o Goiás.

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Água Benta

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Confesso que eu nunca entendi direito o porquê de algumas pessoas colocarem copo com água ao lado do rádio ou da tevê quando alguém

está rezando em um programa religioso.

Cresci vendo a minha mãe fazer isso. “Irmãos, coloquem um copo com água ao lado de

seu rádio, que eu vou benzê-la, depois vocês podem usá-la para diversos fins”. Quantas vezes o

missionário Davi Miranda pedia isso? Inúmeras. E o pior é que essa água era usada com muita frequência. E acho: funcionava mesmo. Alguém

pode dizer:

– Cada um tem sua fé, cronista!

E a isso eu responderei: “Tens razão!”

Quando eu tinha dez anos, acometeu-me durante uma semana uma forte enxaqueca,

daquelas de derrubar qualquer brutamonte. Minha mãe, mulher de fé incontestável, untou um pano com a tal água benta, e durante dois dias colocou

sobre a minha testa. Não sei se foi resultado de sua fé, ou se de fato a água era milagrosa. O certo é que

resolveu mesmo. A dor se foi para sempre.

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A primeira trombeta

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Era noite de sexta-feira, a igrejinha no fim da rua da pequena cidade de São João Batista, dessa vez não estava lotada, como era de costume. O

obreiro Malaquias, encarregado de conduzir o culto, porque o pastor precisara se ausentar por ter ido visitar os parentes de sua esposa em São Paulo

desde a quarta-feira, estava de pé à frente dos pouco mais de quinze fiéis que deixaram suas

obrigações em casa para aprender mais sobre a palavra da Bíblia Sagrada. Ele era muito querido, alguns diziam que o rapaz tinha um dom especial.

O templo sagrado, simples como toda igreja de uma cidade pacata, ficava localizado na parte

mais elevada da rua Calypso, exatamente no número 87. Fora construída ali para ser avistada de qualquer lugar de São João Batista.

Uma forte chuva de granizo com violentas rajadas de ventos perdurou por horas durante a

tarde, destelhando casas e armazéns e, devido aos fortes relâmpagos, houve queda de energia em alguns pontos da cidade; os postes da rua estavam

com as luzes todas apagadas.

– Irmãos, Deus quer colocar um ponto final em seu sofrimento. “O reino do mundo passou a ser

de nosso Senhor e de Seu Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos”. Os améns e os aleluias

perdurariam até o fim da pregação.

De repente, ouve-se um barulho estranho e assustador lá fora.

– O que é isso, meus irmãos? – Malaquias tenta continuar pregando e pela segunda vez o

mesmo barulho, em uma propagação maior: “DRUUUMMM”. E se repete por mais vezes, agora

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com espaço de apenas dois segundos: “DRUUUMMM, DRUUUUM, DRUUUMMMM...”.

Eles correm em direção à porta. Malaquias é

o primeiro a olhar para cima. Ruth agarra-se ao braço do rapaz pregador e, parecendo recusar-se a ver os sinais no céu, resiste ao máximo, todavia

acaba observando o clarão, seguido daquele barulho.

– São as trombetas do apocalipse. – Diz um mendigo que estava encostado na parede da igreja, como sempre tentando ganhar algumas moedas.

Malaquias, no entanto, ignora as palavras do homem pobre e diz:

– Meu Deus!!! O que é isso?

A preocupação assola o ambiente e seis pessoas correm para suas casas, dentre elas uma

criança e um velho de cabelos grisalhos. Os que ficam continuam olhando para o céu. Então surge um relâmpago em meio à claridade e um forte

trovão cessa todo e qualquer sinal visual ou auditivo. “O raio caiu no fim da rua.” – Aponta para

lá uma senhora gorda, de cabelos enrolados.

– Sim, eu vi! Vou até lá. – Afirma Malaquias.

Ninguém quis acompanhá-lo, exceto Rute; a

moça receosa vence seu medo e acompanha o aspirante a pastor. Não há mais ninguém ali além

dos dois. Seguem adiante, pela rua escura. Malaquias usa a lanterna de seu celular para clarear seu caminho e, ao se aproximarem do ponto

exato onde caiu o raio notam que algo se move lentamente para o matagal. Rute tenta voltar, mas é impedida por seu amigo.

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– O que é isso, Malaquias? Devemos voltar!

– Não, Rute. Precisamos descobrir o que é isso. E se for uma pessoa atingida pelo raio?

Devemos ajudá-la, não?

– Mas... E se for um animal ou... ou... ou...

O contato dos dois jovens com o que se movia

no capim não é nada agradável, é assustador. Malaquias mira a lanterna na cara da coisa, como

ele mesmo denominou na hora em que a viu totalmente. Saem correndo de volta para a igreja, Rute é puxada pelo outro.

– Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus! – Malaquias gritava.

– Ele tem asas! Ele tem asas! – Rute repetia. – É um anjo caído. – ela afirmou.

Era este o início das tormentas e o

armagedom estava próximo.

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A fuga do ladrão de sonhos

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Após correr sobre telhados e saltar um último muro, Martin Rupert se depara com uma jovem senhora sentada em um banco de ferro com

desenhos de folhas e flores em sua estrutura, a mesa com outros três bancos à frente da garota tinha o mesmo acabamento; do lado esquerdo, um

belo jardim. Tentou passar apressadamente e fora surpreendido:

“Você veio mesmo! Estava lhe esperando.”

O rapaz não entendeu muito bem do que se tratava, apenas parou e pôs-se a observá-la.

“Pra que a pressa? Aonde vai? Sente-se!”

“Não... Não posso!!!”

“Como não? Meu marido viajou, foi para o Rio a trabalho, só voltará no fim do mês.”

“Eu-eu-eu...” “Shhhh. Não fale nada!” A

jovem senhora se aproxima e coloca seu dedo indicador sobre a boca de Martin, interrompendo sua fala.

A mulher era Crislaine, a filha de um tio avô do jovem, que há tempos não falava com Rupert.

Ele, no entanto, continuava a não entender nada a respeito desta situação. E não fazia a mínima ideia de quem realmente era a moça a sua frente.

“Não se lembra??? Você me ligou de madrugada e disse que viria e traria algo muito

valioso e me pediu para guardá-lo...”

“Moça, sinceramente eu não faço ideia do que esteja acontecendo! Só cheguei aqui por acaso....

Devo ir agora. Tem gente muito perigosa me perseguindo!”

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“Você está brincando com minha cara, é?” Crislaine dá-lhe uns safanões. Você me liga altas horas, atrapalha meu sono e agora vem com esta

conversa de que não sabe de nada! Ahh, francamente.” Ela se vira, sacode os ombros e diz: “Vá... Vá embora de uma vez por todas!”

Martin Rupert sai com passos curtos. De repente para, olha para trás e volta, dá um abraço

na prima, cochicha em seu ouvido e entrega-lhe algo enrolado em um pano cor de creme. Volta-se para a saída.

– O que foi que você aprontou, Martin? Com uma voz tranquila, a mulher o questiona. Ele, no

entanto, permanece calado.

“O que foi que você fez? O que foi que você fez, Martin?”

À medida que ia se distanciando, o volume da voz de Crislaine se elevava gradativamente, até chegar em um ponto que só se podia ouvir gritos

bem distantes, entretanto aquela pergunta não saía da cabeça de Rupert.

Mais uma vez pulou o muro, andou sobre telhados e pularia vários outros até sentir que estaria livre de qualquer ameaça.

O quarteirão à sua frente, do outro lado da rua Clementina Nogueira, possui sobrados e

algumas casas têm muros altíssimos; uns com cercas elétricas, diferentemente dos outros que tivera que pular há algum tempo. Não poderia

arriscar sua sorte, muito menos seguir rua acima. Tudo bem que sua blusa é daquelas de gorro com dois bolsos muito fundos, Rupert até poderia

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disfarçar e tentar encontrar abrigo, mas esta é uma ideia que não passa por sua cabeça.

Diante da situação, achou mais prudente

averiguar se havia algum portão aberto, para um caso de emergência. Andou de um lado para o outro da rua e, já quase na esquina, notou que havia

uma residência simples, cuja entrada se dividia entre um portão vazado e um muro com grades

com ferros pontiagudos, capazes de machucar qualquer pessoa que tentasse pulá-lo. Do lado, havia uma árvore robusta que serviu para escondê-

lo durante algum tempo.

Martim ouve vozes vindo do outro lado da

rua, não tão distante, parecia ser de pessoas agitadas, a procura de alguém. E de fato era. Por sorte, o portão se abriu e uma senhora

aparentando ter uma idade avançada sai andando tão devagar, que mais parecia uma tartaruga. O rapaz, mas que depressa, aproveitando o descuido

da idosa, adentrou e deu de cara com um imenso corredor estreito. Que outra escolha ele teria?

Correu sem saber o que encontraria.

Estranhamente chegou do outro lado do quarteirão. O portão seguinte, o último que teria de

atravessar, era guardado por dois homens estranhos, dois negros mal-encarados portadores

de armas de alto calibre. Só que, o mais estranho de tudo, é que eles pareciam saber exatamente de todo o acontecido e, com as mãos, faziam gestos

para que Rupert os seguisse.

O rapaz, entretanto, parou e ficou a observá-los, recuou bruscamente. Teria que voltar pelo

mesmo caminho, caso desistisse de ir ao encontro dos desconhecidos. Rupert, Rupert, sabemos bem

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do que você é capaz! Não pense que estará seguro ficando aí! Venha logo, rapaz!!! Ele não poderia ou não queria se mover para frente, era um misto de

pavor e hesitação.

– Eiiiiiii!!!! Vocês não são quem dizem ser!

“Como???” O mais forte dos dois, após

questioná-lo, mira sua arma em Martim. Seria impossível se mover sem ser alvejado.

Rupert abaixa a cabeça. “Posso sair daqui, posso sair daqui...” Antes que pudesse repetir a frase pela terceira vez, fechou os olhos e pode ouvir

um único disparo, em seguida sentiu uma picada no braço, semelhante a uma ferroada de abelha.

Era tarde. Fora atingido. Encontra-se caído. As vozes que agora ouve são diferentes daquelas dos dois homens estranhos. É de uma mulher. Que voz

doce... Parece de um anjo. É o seu pensamento.

– Acorde, acorde, Rupert!!!

Ao acordar, ultima que aquilo era real demais

para ser só um sonho: havia um pacote embrulhado ao seu lado, a mulher com voz de

veludo era Crislaine, sua roupa estava manchada e de seu braço escorria um líquido escarlate.

Acabara de descobrir que tinha o dom de

roubar coisas em sonhos e trazê-las para a realidade e o passo seguinte seria aprender a lidar

com as consequências de seus atos.

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Medo

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– Poxa vida!!! Que droga!!! Quem será que desligou o disjuntor do padrão de energia? A indignação de Tito Gonçalves se tornou

imensamente irritante, pois teria de se enrolar a uma toalha e ir lá fora dar um jeito de religar a energia.

Inicialmente pensou se tratar de um apagão geral. Minutos mais tarde se lembrou que poderia

não ser uma queda de rede, pois há dias isso vinha acontecendo, por vezes uns garotos mexiam no padrão e saíam correndo, após desligarem a chave

que ficava junto ao muro, no canto, não tão alto.

Depois de esperar encostado à parede de

cerâmica de seu banheiro, junto ao box, mesmo porque não havia a menor possibilidade de deixar aquela água gelada cair sobre seu corpo, resolveu ir

lá fora.

Entre uma batida e outra contra os móveis, conseguiu sair da suíte e pegou seu celular que

estava recarregando antes do apagão. Para a tristeza deste pobre ser viril, o carregamento não

passava de quinze por cento e, se ele usasse a lanterna, descarregaria numa velocidade absurda. Pôs-se a ligar e desligar a tela e, assim caminhou

até a porta da sala.

Tito nem se preocupou em se vestir, afinal de

contas, já era tarde da noite e, a essa hora, nenhuma alma penada passaria pela rua. Abriu a porta, colocou a cabeça para fora e o pé esquerdo,

olhou para os lados e, antes mesmo de dar a outra passada, viu um homem forte e alto, sem camisa, de bermuda e descalço, próximo a parede, perto de

uma caixa grande, aquelas de geladeira, que ficava na varanda. Pelo ângulo parecia estar procurando

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algo. O rapaz, dono da casa, ficou imóvel e com seu corpo gélido. Por alguns instantes hesitou e pensou recuar, porém não o fez. Deveria ter recuado.

“Ei... Ei... Ei” Pensou que era um dos vários bebuns que, zumbificados passam a noite

perambulando pela cidade, a fim de encontrarem algo para levarem para o cafofo onde se refugiam. “Você não pode mexer aí, moço! ” Tito insistia.

Ao perceber que o estranho sequer se movia, parecendo não dar a mínima a tudo que o outro

dizia, encheu o peito, encorajou-se e deu outras passadas, agora na direção do homem estático rente à parede. Mesmo que ele se movesse,

dificilmente Tito conseguiria identificá-lo, pois a sombra do telhado da varando cobria o rosto e boa

parte do busto, a outra parte ficava no claro e, com isso, se identificava perfeitamente os traços daquele homem, bem como a cor de sua pele e suas

vestimentas.

Dois ou três passos adiante e Tito Gonçalves já estava ao lado do estranho.

“Eu disse que você não pode mexer em nada aí! Vá embora ou eu terei que dar um jeito em você!

” Ao proferir essas palavras, passou uma mão no cabo de uma vassoura encostada e levou a outra no ombro de seu desafeto. “Meu Deus!!! Meu Deus!!! O

que é isso?”

Tito Gonçalves soltou o cabo da vassoura e correu para dentro da casa. Rapidamente fechou a

porta e sentou-se no chão apavorado com o que acabara de ver. O homem rente à parede lá fora

possuía a mesma aparência do dono da casa, o cabelo curto, a barba baixa, o mesmo sorriso, era

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como se ele estivesse se vendo no espelho. Era algo assustador. Como isso seria possível? Pensou.

Levantou-se e foi até a cozinha, desviando

dos móveis, procurou, procurou e não encontrou velas, apenas um isqueiro velho que só faiscava. Teria de se virar e dar um jeito de ir lá fora. A carga

de seu celular diminuíra para nove por cento e demoraria ainda muito tempo até amanhecer.

Ouviu um barulho, parecia sussurros no escuro, virou-se rapidamente, ligando a lanterna de seu celular. A claridade serviu para lhe mostrar que não

havia ninguém ali além dele e de seu medo.

“Terei de vasculhar a casa toda, preciso ter

certeza de que aquele homem estranho não esteja aqui”. Pensou nisso o tempo todo, no qual ficou a revistar todos os cantos da casa. Quando finalizou

toda a investigação se deu conta de que só restavam quatro por cento da recarga da bateria. Desligou rapidamente a lanterna. Era tarde, em

alguns minutos seu celular desligaria.

Lembrou-se que havia um facão velho na

despensa, saiu faiscando-o até encontra-lo. Pegou-o e voltou para a sala, sentou-se no sofá e começou a suar gelado.

De repente um grito estranho vindo da rua se aproximava de sua casa. Eram tantos pensamentos

malignos perturbando-o que jamais conseguiria pregar os olhos. Não sabia o que poderia lhe acontecer.

Sem soltar seu facão, resolveu levantar e ir até a janela no quarto ao lado. Numa sutileza sem igual, abriu-a e começou a observar a rua. O grito

seguinte fez com que Tito levasse o maior susto de

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sua vida, pois, seja lá quem quer que tenha dado aquele berro, o fez bem do lado da janela. Ele saiu em disparada, topando nos móveis, nem se

preocupou em fechar a janela.

De volta à sala, com seu facão na mão direita e seu celular na mão esquerda, agora com apenas

um por cento de sua carga, ficou mais tenso ainda. A vibração seguida de um toque sinistro fez com

que Tito açoitasse seu telefone ao chão; alguém estava lhe chamando no privado, poderia ser um de seus irmãos, sua mulher, enfim, qualquer pessoa

poderia estar ligando para ele. Mas não foi isso que passou por sua cabeça, não queria atender.

Insistentemente alguém continuava ligando. Pensou, pensou e resolveu atender, não daria tempo de dizer quase nada, porque o ícone medidor

de carga da bateria já estava piscando.

Ao atender, ouviu um chiado prolongado até a bateria se esgotar definitivamente. Tito, nessa

hora, caiu chorando compulsivamente. “Nãooooooo!!! Quem está fazendo isso comigo?”

Passado algum tempo, ainda enrolado na toalha, Tito Gonçalves deita-se no sofá, coloca o facão ao seu lado e tira uns cochilos.

Ele é acordado por um tic-tac, tic-tac do relógio de parede que fica no quarto; é bom que se

diga que esse barulho nunca havia o incomodado antes, mas agora parecia ser diferente. Passou a mão no chão procurando o facão e não o encontrou,

tentou se virar e não conseguia, sentiu uma leve pontada em seu ventre, como se alguém tivesse enfiado uma agulha bem fina em sua carne. Voltou

a procurar sua arma e só encontrou o isqueiro e, ao faiscá-lo viu aquele mesmo homem de antes, mais

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uma vez virado, agora com o facão e o relógio de parede na mão. Tito continuou acendendo o isqueiro e não conseguia mover seu corpo. O

estranho virou-se e veio na direção do rapaz imóvel e disse: “Hora de partirmos!”

Agora, tremendo mais que o normal, Tito

deixou o isqueiro cair sobre sua barriga, a pressa em encontrá-lo revelou algo muito mais assustador

ao pobre homem moribundo: seu ventre havia sido perfurado e sangrava muito. Tito Gonçalves parecia estar anestesiado, pois não conseguia se mover e,

em uma de suas últimas tentativas em clarear o ambiente pode perceber os reais motivos.

“Ahhhhh!!! Ahhhh! Ahhhh!!!” Seus gritos acordariam toda a vizinhança se não fosse tarde demais para isso.

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Um conto só para Fábio

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FÁBIO FERNANDES FONTOURA FAGUNDES foi famigerado façanheiro. Foi ferreiro: fabricou facas, foices, facões, freses, formões.

Fábio foi feirante: fedegoso, feijão, fumo fizeram féria fortalecer.

Foi fiscal, fogueteiro, fanático, festeiro,

fuzileiro, folieiro, fingido, forasteiro, falso...

Fábio Fernandes fez fortuna.

Formou filhos: Fabiana, fisioterapeuta; Florentino, fez Filosofia, ficava frequentemente filosofando, faccionando fabulosa fé. Fadigou

filosofias francesas; Francisco fez Física; Flávia faltou finalizar faculdade, fazia festim.

Fábio Fernandes fronteou frustrações, furtos, fustigações, fingimentos, fraquezas...

Fábio ficou famoso fazendo fanfarras (foi

fanfarrão). Furtou fusca, furgão, fez furdúncios.

Fábio foi flagrado falsificando formulários.

Fecharam Fábio.

Fábio ficou furioso.

Fábio fugiu formidavelmente.

Ficara fraco fisicamente.

Fevereiro: fizeram funeral: Fábio Fernandes Fontoura Fagundes faleceu. Ficaram filhos,

fanatismos, fortuna, fama, fotos, festas, fanfarras, fuxicos, falsidades, fantasias e UM CONTO SÓ

PARA FÁBIO...

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