2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras...

16
LEITURA EM PERSPECTIVA DISCURSIVA: UMA ANÁLISE SOBRE A FUNÇÃO AUTORIA EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS NO ENSINO MÉDIO Edjane GOMES de Assis 1 Marcela VIANA de Sousa² Myllena ARAUJO do Nascimento³ Resumo: A agenda das políticas educacionais do século XXI precisa atender demandas que buscam, entre outros aspectos, implementar múltiplos saberes e novos processos de formação do indivíduo. Empreender um olhar para a leitura em seus diferentes gêneros, constitui algumas das principais preocupações do ensino de língua portuguesa, sobretudo na Educação Básica. Com base nos pressupostos da Análise de Discurso de linha francesa, na esteira de teóricos como Pêcheux (2000), Foucault (1992; 2000; 2005; 2009) e Courtine (2000), nosso trabalho traz um relato de experiência sobre uma sequência didática desenvolvida dentro de um construto de atividades realizadas no Projeto de Extensão “A leitura verbo-visual em textos midiáticos: materiais didáticos para a sala de aula” - (PROBEX/UFPB/Edital de 2017). Nosso corpus é formado por três redações produzidas por alunos do 3º Ano do Ensino Médio de uma escola pública de João Pessoa/PB. Tomando como categoria de análise a função autoria, estudada na perspectiva discursiva (AD francesa), procuramos refletir sobre os posicionamentos do sujeito aluno quando convidado a argumentar sobre a temática “Espetacularização da violência na mídia”. Para fomentar a discussão, e posteriormente produção textual, utilizamos como textos motivadores dois gêneros da 1 ¹Professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV) da Universidade Federal da Paraíba, Campus I. Possui Mestrado e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL - UFPB). Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso francesa com ênfase em textos midiáticos. Atua no grupo de pesquisa Observatório do discurso. Linha de pesquisa: Análise do discurso da mídia e suas interfaces. E-mail: [email protected] ² Graduanda do curso de Letras-Português da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I – João Pessoa/PB. Extensionista do projeto “Propostas metodológicas em periódicos online”. Atua no grupo de pesquisa Observatório do discurso. E-mail: [email protected] ³ Graduanda do curso de Letras-Português da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I – João Pessoa/PB. Extensionista do projeto A leitura verbo-visual em textos midiáticos: materiais didáticos para a sala de aula. Atua no grupo de pesquisa Observatório do discurso. E-mail: [email protected]

Transcript of 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras...

Page 1: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

LEITURA EM PERSPECTIVA DISCURSIVA: UMA ANÁLISE SOBRE A FUNÇÃO AUTORIA EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE

ALUNOS NO ENSINO MÉDIO

Edjane GOMES de Assis1

Marcela VIANA de Sousa²Myllena ARAUJO do Nascimento³

Resumo: A agenda das políticas educacionais do século XXI precisa atender demandas que buscam, entre outros aspectos, implementar múltiplos saberes e novos processos de formação do indivíduo. Empreender um olhar para a leitura em seus diferentes gêneros, constitui algumas das principais preocupações do ensino de língua portuguesa, sobretudo na Educação Básica. Com base nos pressupostos da Análise de Discurso de linha francesa, na esteira de teóricos como Pêcheux (2000), Foucault (1992; 2000; 2005; 2009) e Courtine (2000), nosso trabalho traz um relato de experiência sobre uma sequência didática desenvolvida dentro de um construto de atividades realizadas no Projeto de Extensão “A leitura verbo-visual em textos midiáticos: materiais didáticos para a sala de aula” - (PROBEX/UFPB/Edital de 2017). Nosso corpus é formado por três redações produzidas por alunos do 3º Ano do Ensino Médio de uma escola pública de João Pessoa/PB. Tomando como categoria de análise a função autoria, estudada na perspectiva discursiva (AD francesa), procuramos refletir sobre os posicionamentos do sujeito aluno quando convidado a argumentar sobre a temática “Espetacularização da violência na mídia”. Para fomentar a discussão, e posteriormente produção textual, utilizamos como textos motivadores dois gêneros da esfera jornalística (o artigo de opinião e a charge). Em uma análise preliminar, identificamos que os alunos, em sua função autor, deixam marcas de suas ideologias/verdades em seus textos, seja através das rasuras, ou da escolha dos enunciados, ou até mesmo no silenciamento (quando não utilizam todos os espaços – linhas - destinadas à produção). Defendemos, pois, que o discurso jornalístico, por lidar com o processos semiológicos verbo-visuais, além de informar os fatos, busca (in)formar o público mediante a pluralização de ideologias e valores que adquirem nuances de verdade. Deste modo, se faz necessário uma constante reflexão sobre a formação crítica do indivíduo sempre pensando no processo de democratização do conhecimento.

Palavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação.

I – Introdução

O projeto de extensão “A leitura verbo-visual em textos midiáticos: materiais

didáticos para a sala de aula”, executado ao longo do ano de 2017 na UFPB

(Universidade Federal da Paraíba) tem como um dos objetivos, contribuir para o

1 ¹Professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV) da Universidade Federal da Paraíba, Campus I. Possui Mestrado e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL - UFPB). Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso francesa com ênfase em textos midiáticos. Atua no grupo de pesquisa Observatório do discurso. Linha de pesquisa: Análise do discurso da mídia e suas interfaces. E-mail: [email protected]² Graduanda do curso de Letras-Português da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I – João Pessoa/PB. Extensionista do projeto “Propostas metodológicas em periódicos online”. Atua no grupo de pesquisa Observatório do discurso. E-mail: [email protected]³ Graduanda do curso de Letras-Português da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I – João Pessoa/PB. Extensionista do projeto A leitura verbo-visual em textos midiáticos: materiais didáticos para a sala de aula. Atua no grupo de pesquisa Observatório do discurso. E-mail: [email protected]

Page 2: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

desenvolvimento da argumentação do aluno, não somente para o ENEM, mas para o

processo de formação da cidadania, através da análise crítica dos textos verbos-visuais

midiáticos, tendo em vista a dificuldade que os alunos do Ensino Médio revelam no

momento da produção e interpretação textual. O ENEM, bem como, outras avaliações

de âmbito nacional cobram que o aluno tenha conhecimento de assuntos atuais e que

possuam relevância social. Por isso, se faz necessário discutir temas que façam parte da

realidade social do sujeito aluno. Um destes temas compreende a maneira

espetacularizada como a violência é tratada cotidianamente na mídia.

Segundo uma matéria publicada em Outubro de 2016 pela revista Exame2, entre

2011 e 2015, o Brasil teve um total de 278.839 assassinatos, superando a guerra na

Síria. Esses dados comprovam a violência generalizada no Brasil, uma realidade

histórica que já vem desde sua colonização feita pelos portugueses, até os dias atuais. E

a mídia, enquanto Quarto Poder, possui uma influência direta na opinião dos cidadãos,

abordando de forma espetacularizada e enviesada, a temática da violência, gerando

consequências drásticas na consciência e na vida da população brasileira. Mesmo com

essa consistente manipulação midiática, é dever dos educadores, como formadores de

cidadãos críticos, trabalhar os procedimentos argumentativos desses diversos

enunciados midiáticos em seus aspectos sócio-históricos-discursivos.

Sendo assim, o objetivo do nosso trabalho é relatar uma experiência vivenciada

em um dos momentos de intervenção na escola campo de atuação do projeto, em que

avaliamos três produções textuais de tipologia dissertativo-argumentativas, tendo como

tema “A espetacularização da violência na mídia”. Nosso relato de experiência está

sistematizado da seguinte forma: No primeiro momento, descrevemos nosso corpus

(redações dos alunos) que serviu de base para nosso trabalho, e no segundo momento

articulamos a análise fundamentada nos pressupostos teóricos a Análise de Discurso de

linha francesa, na esteira de teóricos como Pêcheux (2000), Foucault (1992; 2000; 2005;

2009), Courtine (2000) e Orlandi (2002). Ao longo da nossa análise abordamos alguns

aspectos que singularizam a função autoria em cada texto (redações dos alunos). Na

primeira produção textual, estudamos o silenciamento como materialidade significativa,

e na segunda, observamos o posicionamento discursivo compreendido no uso da 2 Fonte: Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/violencia-brasil-mata-mais-guerra-siria/

Page 3: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

primeira pessoa do singular, utilizado em um gênero discursivo no qual deve prevalecer

a impessoalidade; já na terceira produção, analisamos os efeitos de sentido na escolha

recorrente de algumas palavras com denotações extremamente subjetivas, possuindo

uma relação direta com o tema da redação.

2- A função autoria e a produção de sentidos

O ENEM3 (Exame Nacional de Ensino Médio) tem como finalidade avaliar as

competências que se pressupõe que foram desenvolvidas ao longo do processo de

escolaridade, dentre elas a leitura e a escrita. Estes dois pilares sustentam a formação

escolar do aluno, e, consequentemente, determinam o bom desempenho do candidato no

momento da produção textual. Um dos critérios de avaliação presentes na matriz de

correção é observar como o candidato faz uso dos mecanismos linguísticos e

extralinguísticos, assim nossa análise também observará como estas escolhas interferem

e influenciam na produção de sentidos das produções em análise.

Observemos aqui, a leitura como um processo que promove diversos efeitos de

sentidos, entretanto é necessário levar em consideração tanto o sujeito-autor, sujeito-

leitor e as condições de produção da determinada materialidade linguística. É necessário

também enxergar a leitura como um mecanismo propriamente dito de interação e que se

dá na relação entre os sujeitos. E é nessa relação, que se apresentam as rupturas

ideológicas, pois as lacunas presentes no texto não serão preenchidas, caso os sujeitos

presentes nesse processo dialógico não pertençam à mesma formação discursiva. Para

Pêcheux (2010), um discurso deve ser analisado com base em uma rede memória, ou

seja, essa rede de memórias permitirá a produção dos efeitos de sentidos, já que isso só

é possível porque esse mesmo discurso já foi produzido em outro momento da história,

o que ele denominou de interdiscurso. Isto quer dizer que o interdiscurso refere-se à

máxima de que não há discurso inédito, ele já foi dito em uma dada condição de

produção, por um sujeito atravessado pela história. Então, o enunciado ressurge

3 O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) atua em nosso país desde 1998, com o objetivo de avaliar os alunos que estão concluindo a Educação Básica. No entanto, também podem participar do concurso candidatos que já concluíram o Ensino Médio. O ENEM é utilizado como pré-requisito para os alunos concorrerem a uma bolsa no Programa Universidade para Todos o (ProUni) e também como forma de ingresso para o ensino superior por quase 500 universidades.

Page 4: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

ressignificando em outra época, produzindo um novo efeito de sentido. Já o

intradiscurso, Gregolin trata como “O nível da formulação que se refere ao que o autor

denomina “estado terminal do discurso”, onde os enunciados manifestam certa

coerência visível horizontal” (GREGOLIN, 2006, p.37). Seria, assim, a realização de

uma das possibilidades determinadas pelo interdiscurso.

Sabemos que o sujeito da Análise do Discurso não é neutro, pois, “não há

discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia” (ORLANDI, 1975 apud

PÊCHEUX, 2002, p17), assim, é impossível pensar em leitura e produção textual

“neutra”. O ENEM espera que o candidato diante da proposta de produção textual

escreva um texto dissertativo-argumentativo, que é a tipologia que permite o aluno se

impor em sua produção textual, ou seja, trazer suas “verdades” para dentro do seu texto.

Porém, é necessário e indispensável sustentá-lo por meio de argumentos convincentes.

Desta forma, podemos inferir que não existe texto “neutro” e sem traços ideológicos de

quem o escreve. No momento em que o sujeito aluno ocupa a função de autor, traz para

a materialidade do texto marcas que criam uma identidade singular para sua produção,

tal fato acontece em virtude do lugar deste sujeito/candidato no ENEM, que acaba sendo

influenciado por sua historicidade, cultura, contexto social e outros fatores.

Conforme Cavalheiro (2008) a função autor, para Foucault, nos possibilita a

distinção dos diversos “eus” que os indivíduos ocupam numa obra. Ou seja, a partir da

escrita, o sujeito externa os diversos posicionamentos discursivos presentes ao longo de

sua construção sócio-histórica-cultural. Segundo Foucault (2000, p. 42-43) “o autor é

uma produção ideológica na medida em que temos uma representação invertida de sua

função histórica real. O autor é então, a figura ideológica pela qual se afasta a

proliferação do sentido”, isto é, para o filósofo a função autor - o movimento de junção

dos discursos enquanto verdade. Portanto, podemos dizer que o autor traz para seu texto

“verdades” que são construídas com base em suas convicções ideológicas, que são

atravessadas pela história.

Já o sentido para Análise do Discurso não se apresenta de forma linear, mas se

materializa de diversas formas e direções. O sentido está até mesmo no silêncio – que

não seria um vazio, mas apenas outra forma de produzir discursos. E o que entendemos,

Page 5: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

portanto por discurso? Seria “efeito de sentidos entre locutores” (PÊCHEUX, 1975, p.

20 apud ORLANDI, 2002). Portanto, os efeitos de sentidos não se materializam de

forma estática e sim, nas relações históricas, sociais e ideológicas.

Nesta perspectiva discursiva, retomamos o pensamento de que o sujeito em sua

função autor, possui várias formas de se manifestar discursivamente, uma delas é

representada pelo silêncio, que “Não é o nada, não é o vazio sem história. É silêncio

significante” (ORLANDI, 2002, p. 23). Desta forma, o silêncio se comporta como o que

pode ou não ser dito dentro do texto - é o que a autora compreende como “silêncio

local” que é visto e analisado como aquilo que é cesurado em um determinado espaço

do dizer. O silêncio produz muitos efeitos de sentido, dentre eles, a resistência, tanto no

ato da leitura como no ato da escrita.

Assim, as produções textuais dos alunos, em sua função autoria, “é o lugar da

manifestação das relações de força e sentidos que refletem os confrontos ideológicos”

(ORLANDI, 2002, p.21), visto que refletem a constituição dos sujeitos autores, pois

demonstram, com base nas suas formações discursivas, suas “verdades” a serem

defendidas de acordo com sua historicidade.

3 – Movimentos discursivos em produções textuais no Ensino Médio

Mediante estes aspectos levantados, o projeto “A leitura verbo-visual em textos

midiáticos: materiais didáticos para a sala de aula” buscou - conforme prescrevem os

documentos oficiais e as teorias do discurso - trazer para a sala de aula temáticas

contidas nos divergentes suportes midiáticos, com o intuito de despertar discussões nas

quais os alunos analisassem, criticamente, os efeitos de sentidos presentes nos textos

midiáticos, além de percebermos as múltiplas formações discursivas presentes nos

diversos sujeitos, pois de acordo com Orlandi (2002, p. 21) “Uma mesma coisa pode ter

diferentes sentidos para os sujeitos. E é aí que se manifesta a relação contraditória da

materialidade da língua e da história”.

Uma das temáticas expostas durante nossas intervenções, no 3º ano do Ensino

Médio, em uma escola pública de João Pessoa, foi “a espetacularização da violência na

mídia”, haja vista que é imprescindível que o aluno adquira um conhecimento crítico

Page 6: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

acerca da maneira como a mídia brasileira expõe a violência. Após vários debates em

sala, os alunos foram convidados a produzirem um texto dissertativo-argumentativa

sobre o tema, tendo como textos motivadores um artigo de opinião e uma charge, além

da exigência das regras textuais-estruturais-gramaticais requeridas pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Dentre as várias produções textuais orientadas durante nossos encontros,

selecionamos três que consideramos os aspectos discursivos significantes, tendo em

conta que as mesmas apresentam aspectos interessantes da função autoria desses três

sujeitos discursivos. Na primeira redação, em que transcrevemos para uma melhor

visualização, avaliaremos o silêncio e sua significância, pois para os analistas do

discurso, conforme Orlandi (2002, p. 23), “sempre se diz a partir do silêncio”.

Figura 1: Primeira redação sobre “A espetacularização da violência da mídia”.

Fonte: Acervo do projeto (PROBEX/2017)

A figura 1 representa uma produção textual na qual o aluno escreveu menos da

metade da quantidade de linhas permitidas pelo ENEM – apenas 8 (oito) linhas. Esse

silêncio concretizado nessas linhas em branco significam muito mais do que a ausência

de palavras, pois possui significância própria. Vejamos o que diz Orlandi sobre o

silêncio:

O silêncio não é pois, em nossa perspectiva, o “tudo” da linguagem. Ele é, sim, a possibilidade para o sujeito de trabalhar sua contradição constitutiva, a que o situa na relação do “um” com o “múltiplo”, a que aceita a reduplicação e o deslocamento que nos deixam ver que todo

Desde tempos remotos, populistas dominantes espetacularizavam a tragédia humana, para tirar proveito do interesse que o macabro despertam nas pessoas. Fatos violentos, reais ou fictícios, continuam sendo explorados como meio de atrair multidões, hoje, através da mídia, de modo efusivo. Para uns, são inequívocos os efeitos nocivos da violência social, no meio de comunicação da massa, nas interações sociais, restando discutir-se, entretando, a magnitude desses efeitos. Para outros, imputar a mídia a culpa pela violência social, não tem sido é desviar o foco do problema, para encobrir as verdadeiras causas.

Page 7: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

discurso sempre remete a outro discurso que lhe dá realidade significativa. (ORLANDI, 2002, p.23)

Quando o aluno decide se manifestar através do silêncio, ele externa sua

formação discursiva, em “escrever” através do não-dito, mesmo em uma condição de

produção que exige do discente uma extensa produção textual.

O texto é uma materialidade linguística onde sua significação é dada no espaço

determinado pelos interlocutores. Portanto, de acordo com Orlandi (2002, p. 79) “(...)o

texto não se esgota em um espaço fechado, o sujeito e o sentido também são

caracterizados pela sua incompletude”. Tanto o discente responsável pela redação

acima, quanto os possíveis leitores de seu texto, são sujeitos em constante formação

sócio-histórica-discursiva, por isso a interpretação desta determinada produção textual

se dará a partir dos múltiplos sentidos incorporados nos sujeitos.

Enquanto membros de uma sociedade, vivemos em uma relação de micro-

poderes que vão desde o âmbito mais particular, até o mais distante das relações sociais.

Sabendo disso, a comunidade linguística impõe regras que moldam as nossas práticas

enquanto falantes. No tocante à produção dos discursos, vejamos o que diz Foucault:

Em toda sociedade, a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm com função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 2004, p. 8-9)

Este silenciamento configura muitos efeitos de sentido, é como uma forma de

resistência em não querer entrar na ordem, ou seja, o aluno não produz a redação, por

alguns fatores, tais como: dificuldade de argumentação, devido à falta de familiaridade

com a escrita e eventos de oralidade, ou por não gostar do tema em questão. O professor

deve estar atento a tais manifestações que surgem no evento de escrita –

produção/materialização do ideológico.

Sabemos que os exames avaliativos são mecanismos de controle da produção do

discurso, tendo em vista que os mesmos impõem regras de escrita aos alunos, e aqueles

que escrevem algo não condizente ao que determina tais exigências são punidos com

Page 8: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

notas baixas e uma possível não aprovação para adentrar ao ensino superior. Vejamos a

seguinte produção:

Figura 2. Segunda redação sobre “A espetacularização da violência da mídia”.

Fonte: Acervo do projeto (PROBEX/2017)

Ao lermos o texto do(a) aluno(a), verificamos certa impessoalidade ao longo do

texto, tanto pelo uso da terceira pessoa do singular (Ele), quanto pela escolha lexical

objetiva. No entanto, no começo da proposta de intervenção, nosso sujeito em análise,

faz uso da primeira pessoa do singular (Eu), além desse uso vir acompanhado de um

enunciado que denota uma posição bem subjetiva do locutor. (Gregolin (in

SARGENTINE e NAVARRO), 2004, p. 21) diz que o que transforma uma frase, uma

proposição, um ato de linguagem em um enunciado é a função enunciativa. Logo, o uso

do Eu e a seguinte proposição que o acompanha é muito mais que uma sequência de

classes gramaticais, significa uma memória discursiva do sujeito que o possibilitou de

se posicionar dessa maneira, mesmo em condições de produção que inibem essa

posição. Desse modo, reafirmamos a identificação deste sujeito com a temática em

questão. Ele vai se desnudando e deixando marcas de sua historicidade que é construído

socialmente, mediante discursos outros. Verifica-se uma questão de identificação e

processo de subjetivação a partir da escrita.

Na seguinte produção textual, observamos o uso de palavras, que pelo seu cunho

sentimental, manifestam a subjetividade do sujeito e o seu respectivo cunho sentimental

perante o tema “a espetacularização da violência na mídia”.

A crescente onda de violência, faz parte de nosso cotidiano, com a modernização dos meios de comunicação, as notícias se propagam de maneira instantânea (...). Noticiários esses que informam a população que na maioria das vezes estão almoçando; a morte de adolescentes e jovens vítimas de dependência de drogas, ou protagonistas de assaltos ou mortes que raramente é descoberto quem mandou e quem executou (...). Acredito que se voltasse o tempo em que a censura na tv existia, e casos de homicídios fossem tratados com mais seriedade isso diminuiria e também tem que partir da consciência de cada um (...).

Page 9: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

Figura 3: Terceira redação sobre “A espetacularização da violência da mídia”.

Fonte: Acervo do projeto (PROBEX/2017)

A escolha repetida do vocábulo “raiva” corrobora com o sentimento, ao longo de

toda a produção textual, de revolta do sujeito diante do tema. Sabe-se que a violência

afeta constantemente a população brasileira, e a maneira como a mídia expõe esse tema

enfurece muitos espectadores, no entanto o uso desse tipo de argumentação. Também

percebemos essa posição do sujeito diante da escolha de palavras como “fascista” e

“proíbam”, o que demonstra um sentimento de intolerância do locutor à mídia brasileira.

Vejamos o que diz Orlandi:

Compreender o que é efeito de sentidos é compreender que o sentido não está (alocado) em lugar nenhum mas se produz nas relações: dos sujeitos, dos sentidos, e isso só é possível, já que sujeito e sentido se constituem mutuamente, pela sua inscrição no jogo das múltiplas formações discursivas (...). (ORLANDI, 2002, p. 20)

As formações discursivas se constituem a partir da relação interdiscurso-

intradiscurso, que revela a heterogeneidade discursiva dos interlocutores. Portanto, a

escolha da palavra “raiva” é significante neste determinado contexto, pois ressalta a

posição ideológica do aluno sobre o tema. A recorrência deste enunciado não deve ser

desprezada pelo professor, pois há a reafirmação de um lugar. O caráter psicanalítico do

sujeito objetiva externalizar algo além da materialidade verbal presente, no entanto, as

condições de produção não permitem que ele se posicione conforme o desejado.

4 – Considerações Finais

O brasileiro em si é acostumado com a violência assiste programas sensacionalistas com a finalidade de se informar e acaba vendo uma ridicularização da midia como se fosse algo banal. A violência divulgada pela midia pode acarretar uma influência de raiva na população ou até que criãças sejam criados por essa midia fascista que ache que a violência é algo normal. (...) A onipresença da violência nas informações acaba estimulando a raiva nas pessoas trazendo-a cometer delitos, é necessário leis que proibam a circulação dessas noticias em horários nobres (...).

Page 10: 2017.selimel.com.br2017.selimel.com.br/wp-content/uploads/2017/11/LEIT… · Web viewPalavras chave: Discurso. Jornalismo. Educação. I – I ntrodução O projeto de extensão “A

Nossa análise procurou demonstrar a função autoria em três produções textuais,

com o tema “a espetacularização da violência na mídia” do gênero dissertativo-

argumentativo. O conceito de função autoria foi mudando ao longo dos tempos e a

subjetividade de quem escreve mostrou-se relevante às análises discursivas, pois

conseguimos perceber os efeitos de sentido presentes através de determinadas marcas

textuais.

Procuramos analisar, conforme as três redações, os traços do silenciamento

como materialidade significativa, o posicionamento discursivo no uso da primeira

pessoa do singular - utilizado em um gênero discursivo no qual deve prevalecer a

impessoalidade - além dos efeitos de sentido na escolha recorrente de algumas palavras

com denotações extremamente subjetivas, possuindo uma relação direta com o tema da

redação. Percebemos a constante relação de poder e resistência, dos três sujeitos

discursivos, diante do tema e das particularidades do gênero discursivo. Sendo assim, é

essencial que o(a) professor(a) perceba a significância desses traços discursivos, tanto

para a correção da redação, quanto para o processo de formação estudantil dos

discentes.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. 7 ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2004._________________. O que é um autor. São Paulo: Paisagens, 2000. (Trad. José A. Bragança).GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso: diálogos e duelos. 2. ed. São Carlos: Claraluz, 2006. 220p.Orlandi, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. – 5. ed. – Campinas. SP: Editora da UNICAMP, 2002. __________________ . Análise de discurso: princípios & procedimentos. 10. ed. Campinas: Pontes, 2012. 100p. PÊCHEUX, M. O papel da memória. In: ACHARD, P. et al. O papel da memória. Tradução de José Horta Nunes. 3. ed. Campinas: Pontes, 2010.SARGENTINI, Vanice; NAVARRO-BARBOSA, Pedro (orgs.). Michel Foucault e os domínios da linguagem - discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004.