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  1537 Entre a Exposição e a I nvisibilidade: Uma leitura da crítica sobre vida e obra de Patrícia Galvão Virgínia Celeste Carvalho da Silva *  Emylayny Sarayna dos Santos Freire Filho **  RESUMO  Ao ler sobre Pagu   escritora e jornalista   uma questão ronda-nos: quem foi esta mulher que, ao primeiro contato, parece tanto se destacar das outras mulheres de seu tempo? Ao menos é esse o ethos discursivo que a crítica sobre sua vida e obra nos traz. Logo analisaremos, neste artigo, alguns textos que nos contam a vida literária e política de Patrícia Rehder Galvão, ou, como é conhecida, Pagu. Ainda persiste uma certa obscuridade sobre sua obra literária e jornalística, sendo quase sempre a sensualidade e ousadia  de Pagu como temas basilares de boa parte de sua fortuna crítica. A luta de Pagu contra o falso moralismo de sua época é sim indiscutível, e seu posicionamento enquanto feminista e revolucionária, bem conhecidos. Objetivamos, contudo, mostrar que há tanto uma superexposição de alguns pontos de sua personalidade, quanto uma invisibilidade de sua obra, pois: 1) a mesma fortuna crítica que a clama como à frente do seu tempo está imersa em valores que muito mais ferem do que respeitam os ideais pelos quais a “musa modernista” lutava; 2) como compêndios de sobre a Literatura Brasileira negam espaço à discussão da obra de Pagu, que esteve engajada no Modernismo Brasileiro enquanto escritora, jornalista, teatróloga, desenhista e poeta. Concluímos nosso trabalho buscando restaurar a figura de Pagu como símbolo histórico e literário, no intuito de construir uma leitura feminista de sua obra, demonstrando como ela participou da vida literária brasileira. Palavras-chave : Literatura. Ethos Discursivo. Pagu. Invisibilidade. Epistemologia Feminista. *  Mestra em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco  UFPE. **  Graduada em Letras pela Faculdade de Formação de Professores da Mata Sul   FAMASUL 

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Uma leitura crítica sobre a vida e a obra de Pagu.

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    Entre a Exposio e a Invisibilidade:

    Uma leitura da crtica sobre vida e obra de Patrcia Galvo

    Virgnia Celeste Carvalho da Silva* Emylayny Sarayna dos Santos Freire Filho**

    RESUMO

    Ao ler sobre Pagu escritora e jornalista uma questo ronda-nos: quem foi esta mulher que, ao primeiro contato, parece tanto se destacar das outras mulheres de seu tempo? Ao menos esse o ethos discursivo que a crtica sobre sua vida e obra nos traz. Logo analisaremos, neste artigo, alguns textos que nos contam a vida literria e poltica de Patrcia Rehder Galvo, ou, como conhecida, Pagu. Ainda persiste uma certa obscuridade sobre sua obra literria e jornalstica, sendo quase sempre a sensualidade e ousadia de Pagu como temas basilares de boa parte de sua fortuna crtica. A luta de Pagu contra o falso moralismo de sua poca sim indiscutvel, e seu posicionamento enquanto feminista e revolucionria, bem conhecidos. Objetivamos, contudo, mostrar que h tanto uma superexposio de alguns pontos de sua personalidade, quanto uma invisibilidade de sua obra, pois: 1) a mesma fortuna crtica que a clama como frente do seu tempo est imersa em valores que muito mais ferem do que respeitam os ideais pelos quais a musa modernista lutava; 2) como compndios de sobre a Literatura Brasileira negam espao discusso da obra de Pagu, que esteve engajada no Modernismo Brasileiro enquanto escritora, jornalista, teatrloga, desenhista e poeta. Conclumos nosso trabalho buscando restaurar a figura de Pagu como smbolo histrico e literrio, no intuito de construir uma leitura feminista de sua obra, demonstrando como ela participou da vida literria brasileira.

    Palavras-chave: Literatura. Ethos Discursivo. Pagu. Invisibilidade. Epistemologia

    Feminista.

    * Mestra em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE.

    ** Graduada em Letras pela Faculdade de Formao de Professores da Mata Sul FAMASUL

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    INTRODUO

    Quando citamos Patrcia Galvo principalmente quando se est frente de

    uma turma inicial de literatura no Curso de Letras temos noo do quanto sua

    obra ainda menosprezada, pois nos deparamos com expresses de

    desconhecimento; algum da sala ainda pode cantarolar a msica de Rita Lee sem

    fazer ideia a quem o ttulo da cano faz jus.

    Por outro lado, quando pedimos uma pesquisa sobre a escritora, o que

    recebemos so informaes tanto superficiais quanto preconceituosas que rodam

    seu nome. Notamos que escasso material, no apenas sobre seu poder literrio,

    mas tambm como seu ideal e sua fora enquanto mulher intelectual; essas

    questes ora so sufocadas ora minimizadas pela teoria literria convencional. Esta

    parece descartar a mulher que se mostrou forte nas esferas poltica e literria, e

    mais ainda: a percebe sem tentar compreender o cenrio cultural e intelectual

    feminino e feminista da poca.

    Ao lermos a fortuna crtica da Pagu, apelido conferido pelo poeta Raul Bopp,

    notamos um direcionamento em expor sua vida pessoal: a menina levada,

    adolescente que aborta, a mulher de relaes sexuais prematuras, de casos

    extraconjugais. essa biografia, concedem o adjetivo turbulenta ou vanguardista;

    e foi por meio desta, no pelos ideais polticos e literrios, que Pagu se tornou

    conhecida e marcante na sociedade. Enquanto isso, seu livro mais conhecido

    Parque Industrial no citado no rol de livros modernistas nos compndios de

    literatura brasileira.

    E quando que pensamos numa relao Pagu e as mulheres a ela

    contemporneas, essa crtica ainda mais cruel: ela passa do movimento de

    exposio e invisibilidade para o de exaltao e segregao, corroborando com uma

    Histria ideologicamente comprometida com ideais patriarcais de isolar mulheres. Se

    pensarmos no imaginrio sobre a mulher dos anos de 1920, certamente nos vir

    aquela imagem de normalistas, cujos primeiros direitos estavam lhes sendo

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    concedidos por homens. Ento nos aparece Pagu que, com sua rebeldia, dizem,

    se colocou a frente de seu tempo. Imagem esta que, no mesmo instante que a

    torna um cone, apaga da Histria tantos passos dados por mulheres literatas e que

    lutavam por direitos polticos.

    Tendo isso em mente, queremos discutir como os rumores sobre a vida de

    Pagu tomaram maiores propores e seus feitos como escritora, jornalista e

    intelectual foram deixados de lado, justamente pelo vis discursivo marcadamente

    machista que a crtica literria se constri. Dessa forma, julgamos que seu

    comportamento e atitudes que ultrapassava os limites sociais estabelecidos

    mulher de seu tempo, garantiu uma certa invisibilidade s suas obras no mesmo

    momento que lhe presenteou com o ttulo de musa do Modernismo.

    Faremos, ento, uma anlise nem de sua vida literria nem de seu prprio

    texto o que certamente ser feito em artigos futuros mas como se d a existncia

    dessa mulher o que denominaremos no artigo por Ethos atravs de textos que

    compem sua fortuna crtica, cujos temas limitam-se a imagem de uma moa

    polmica, rebelde e anarquista. Esquecendo-se de uma Pagu que encarou uma

    jornada de intensas lutas e enfrentamentos, que tiveram grande positividade na

    continuidade do avano da figura feminina na literatura.

    1 De onde observamos

    Este artigo nasceu como uma crtica. Durante a pesquisa e a orientao da

    monografia de fim de curso A crnica Literria brasileira no espao feminista do

    sculo XX: Uma anlise histrica e ideolgica, cujo problema era analisar textos de

    autoria feminina, outras problemticas se fizeram presentes, tanto no que diz

    respeito a escassez de material para pesquisa, quanto o silncio sobre autoras nos

    grandes compndios da Literatura Brasileira e, por fim, e ponto no qual nos

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    deteremos nesse artigo, a crtica feita a autoras sob um ponto de vista conservador

    e machista.

    Especificamente, se entendemos que a teoria do conhecimento a parte da

    filosofia que estuda as relaes entre sujeito e objeto no ato de conhecer

    (CALVELLI; LOPES, p. 347), fica visvel o quanto necessria uma reviso no

    apenas no cnone literrio movimento muito aclamado e sim j feito por muitas

    estudiosas mas da prpria lgica que sistematiza o valor literrio. Este est

    respaldado em um conservadorismo de formas e temas, fazendo com que mulheres

    sejam colocadas em espaos sociais que o feminismo combate: a mulher que no

    protagonista e produtora de sentidos; personagem, criao.

    Infelizmente a mulher, muitas vezes, ainda tratada como uma anomalia na

    Histria da Literatura. Uma enxerida ou um mito. Isso revela que h uma tendncia a

    pensar a mulher de forma predeterminada; um padro biolgico que caiba nos

    enquadramentos sociais:

    em se considerando os estudos da mulher, esta no deveria ser pensada como uma essncia biolgica pr-determinada, anterior Histria, mas como uma identidade construda social e culturalmente no jogo das relaes sociais e sexuais, pelas prticas disciplinadoras e pelos discursos/saberes instituintes. (RAGO, 1998, p. 29)

    Para sair desse lugar discursivo, precisamos de uma teoria que, alm de

    debruar-se sobre o feminino e o feminismo, busque uma construo epistemolgica

    feminista. O que, certamente, j acontece nas cincias humanas:

    A teoria feminista aponta tambm para a estreita relao existente entre cincia e poder e ainda para o fato de as mulheres no terem sido mencionadas em grande parte da histria do conhecimento. Segundo Elizabeth Grosz (2006, p.206): A amnsia, o esquecimento das contribuies das mulheres na produo do conhecimento, estratgia e serve para assegurar as bases patriarcais do conhecimento. (CALVELLI; LOPES, 352)

    E essa amnsia, mais estritamente, a amnsia entre histrias de escritoras

    que to cruel para a mulher: d-nos a impresso de descontinuidade; de que nada

    fora feito anteriormente; que a escritora que est frente de sua poca um local

    impossvel e solitrio. sob esse ponto de vista que vamos analisar alguns espaos

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    discursivos aos quais a escritora Pagu foi relegada: um ethos que no coaduna com

    uma postura feminista de anlise.

    2 Da Exposio: A Ousada Pagu

    Uma vida rodeada de polmicas, lutas e exposies, isso o que nos conta

    algumas biografias desta, sem dvida, grande mulher, que fez histria em seu

    tempo. Patrcia Rehder Galvo, ou apenas Pagu como a trataremos adiante, teve

    sua imagem construda no iderio de mulher que se desprende de suas

    contemporneas pelo seu forte engajamento na poltica, suas ideais que poderamos

    chamar feministas mas que a crtica no toma por esse nome e pela prpria

    imagem de seu corpo sua maquiagem e seu penteado.

    Temos que salientar aqui que esta ordem engajamento na poltica, ideias

    feministas e imagem nossa, afinal as primeiras e recorrentes caractersticas

    reafirmadas sobre Pagu dizem respeito sua suposta diferena com as mulheres de

    seu tempo, afinal

    Patrcia Galvo, desde cedo, foi uma moa diferente. Contam que a normalista era muito extravagante. De acordo com Oliveira Ribeiro Netto, ela andava sempre muito maquiada, com uma maquiagem amarelo-escura, meio cor de queijo palmira, pintava os lbios de quase roxo, tinha um cabelo comprido, assim pelos ombros, andava sempre com ele desgrenhado e com grandes argolas nas orelhas. (NEVES, 2005, p. 42)

    notvel como as palavras Normalista e extravagante foram colocadas na

    frase como antnimas e essa leitura ratificada pela descrio que Oliveira Ribeiro

    Netto, crtico literrio e poeta, lhe confere, evidenciando como exceo, quando, na

    verdade, Pagu desfilava nas ruas o que havia consumido no prprio movimento

    antropofgico do Modernismo a moda chanel dos anos 20. Recorrer sempre a

    viso de homens de sua poca haver sempre de mitific-la sem lhe dar, no entanto,

    o seu devido lugar na cena literria e poltica.

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    Infelizmente esse problema no de hoje. Pagu, sua poca, fora vista como

    uma mulher de sexualidade exacerbada, politicamente desvairada e de obra literria

    incompleta e medocre. Foi em 1982, finalmente, que os holofotes voltavam-se a

    essa mulher de uma maneira mais integral, com a publicao de Pagu: Vida e Obra,

    de Augusto de Campos. Segundo o autor, em entrevista ao Estado, na data do

    relanamento de sua obra:

    At que surgisse o meu livro, ningum sabia nada sobre Pagu. Era a caricatura de uma mulher espalhafatosa e sedutora, que havia acabado com o casamento de Oswald com Tarsila, ou de uma comunista doidivanas, presa na poca do Getlio por suas estripulias polticas. O livro mudou tudo. (CAMPOS apud ESTADO, 2014)

    Esse livro tem o mrito sim de retirar a biografia de Pagu das sombras e de

    dar-lhe um engajamento no apenas meramente ilustrativo do Movimento

    Modernista, entretanto ainda demarca uma certa filiao de Pagu a homens. Como

    resume, seu autor, na mesma entrevista ao Estado:

    realmente espantosa a lucidez com que Patrcia Galvo analisa os

    anseios de mudana da sociedade e da cultura modernas ao longo de sua

    vida madura. Mas ela deve muito a Oswald de Andrade e revoluo

    literria de 1922, qual estreou, aos 18 anos, na Revista de Antropofagia,

    em sua fase mais radical, em 1939. (CAMPOS apud ESTADO, 2014)

    Em outra entrevista, agora ao Jornal O Globo, Augusto de Campos como a

    percepo crtica sobre vida e obra de Pagu sempre tende a distanci-la de outras

    mulheres. No apenas das donas de casa, das esposas, das normalistas, mas

    tambm das artistas de sua poca:

    Na histria do Modernismo foi certamente precedida por Anita Malfatti e por Tarsila, de quem era discpula. Era muito mais nova do que elas tinha 18 anos quando estreou na Revista da Antropofagia, em sua fase mais radical a segunda dentio, em 1929. Mas nem Anita nem Tarsila eram escritoras, nenhuma assumiu at o fim ideias to radicais e renovadoras, nenhuma correu os riscos e sofreu o que sofreu por elas, nenhuma defendeu com tanto ardor a arte de vanguarda, nenhuma se pode comparar, em termos de atuao tica e esttica, com ela. De um modo ou de outro, todas acabaram cedendo, menos ela. (CAMPOS apud O GLOBO, 2014)

    Pagu foi ganhando, ento, uma dimenso mtica; colocada em um patamar

    distante de suas contemporneas. Esse papel de herona, em detrimento da

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    protagonista, j havia sido mostrado por Helosa Pontes (2006) ao resenhar tanto a

    parte que cabe a Pagu no livro Geraldo Ferraz e Patrcia Galvo: A experincia do

    suplemento literrio do Dirio de S. Paulo, nos anos 40 quanto o livro Paixo Pagu:

    a autobiografia precoce de Patrcia Galvo:

    Em virtude da fama crescente era previsvel que uma parte da histria e da personalidade que lhe conferiu tnus se perdesse para dar lugar a enredos edulcorantes, afeitos, enquanto forma narrativa, s construes mticas que teimam em proliferar nos tempos modernos. Da menina levada mulher liberada foi um passo. Dado menos por ela, na condio de protagonista, e mais pelos intrpretes que a tomaram como herona das suas histrias. (PONTES, 2006, p. 433)

    Fica claro o quanto Pagu, que por seus atos tentava ter autonomia e

    liberdade, tornava-se refm de uma crtica que encaixota mulheres como

    personagens e nunca produtoras de sentido. O que a autora no comenta que

    dentro de uma perspectiva histrica, de uma continuidade na participao de

    mulheres na vida literria, o problema ainda se torna mais grave, pois enjaula Pagu

    como exemplo nico e que no deve ser seguido.

    Mas nenhuma dessas nuances h de aparecer tanto e intrigar tanto seus

    crticos quanto sua sexualidade. Esta parece ser o primeiro tpico em abordagens

    sobre Pagu e sua intimidade visivelmente usada como motivo de mitificao:

    A um s tempo acima e abaixo da experincia ertica, o amor no se

    realizou como experincia corporal plena com o primeiro namorado, de

    quem engravidou e abortou aos 14 anos. Tampouco com Oswald de

    Andrade, por quem nutria sentimentos contraditrios de admirao, repulsa

    e atrao. (PONTES, 2006, p. 434).

    Pagu aclamada por destacar-se no Modernismo quando a figura feminina

    da mulher branca e de famlia passava por um estreito reconhecimento de sua

    identidade. Ela estreou suas atividades artstica e literrias, ainda muito jovem,

    tendo o auxlio de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, sendo eles os principais

    mediadores de sua entrada no meio literrio. Ao falar sobre esse relacionamento

    artstico, h uma necessidade sempre de assinalar o romance entre Oswald e Pagu,

    e boatos sobre a infidelidade de ambos.

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    Sobre o relacionamento com Oswald e demais Modernistas, o que no falam

    como a imagem de Pagu no se desvencilha desses nomes. E no uma questo

    aqui como existe entre escritores: a noo de que traos estticos ou ideais poticos

    os renem, no. O que se mostra uma Pagu bibel, que perfazia o esperado; que

    era a imagem do que estes homens desejavam. sempre uma relao de

    apadrinhamento, de acolhida e no uma comunho:

    Para eles ah, sim! , ela se prestava admiravelmente ao papel de cone dos novos padres de beleza chocante do modernismo. Era jovem, bonita, inteligente; seus desenhos e poemas, inquietantes. A ousadia da normalista cheia de talento e atrevimento ajustou-se de forma irretocvel ao esprito irreverente dos modernistas. Assim, Pagu, como ficou conhecida, transformou-se em musa antropofgica [grifo da autora]. (FREIRE, 2008, p.

    46).

    Ao menos a crtica literria que expe Pagu comprometia-se no apenas com

    sua legitimidade, mas tambm com ideias polticas, principalmente no que diz

    respeito ao espao social mulher. O que ela no faz criar uma ponte entre Pagu e

    outras mulheres, tanto escritoras quanto polticas em seu sentido mais amplo

    que vieram antes dela; isto sempre faz parecer que mulheres no conseguem

    influenciar umas s outras e atenua o poder de conquistas obtidas.

    Ainda vlido ressaltar que Patrcia apontada como uma das primeiras

    mulheres brasileiras a serem presas por motivos polticos no Sculo XX

    (SCHUMAHER; VITAL, 2000, p.464). Engajada na poltica, Pagu teve mais de 20

    prises, e esteve frente de vrios protestos em defesa de seus ideais. Mulher que

    reprovava a imoralidade e descriminao da burguesia de sua poca, obteve grande

    exposio desses aspectos de sua personalidade, no entanto como isso se tornou

    literatura foi ou negligenciado ou observado em um ponto de vista ainda patriarcal.

    3 Da Invisibilidade: Vida Literria

    Diferentemente de sua vida pessoal, quanto sua visibilidade em esferas

    literrias, Patrcia Galvo tem sido alvo da invisibilidade e do pouco prestgio. Pagu,

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    assim como as demais mulheres escritoras de seu tempo e antes dele, tambm

    colheu os frutos da negao dos valores intelectuais e dos preconceitos. O espao

    literrio construdo pela crtica tradicional apenas acolheu, por muito tempo, o olhar

    masculino sobre o mundo, assim, mantendo uma leitura feminina e feminista fora

    de questo. No poderamos deixar de salientar os avanos nos ltimos anos dentro

    dos estudos de gnero, entretanto o que impede da autora aqui citada de ter mais

    espao?

    Em sua entrevista ao Estado, Augusto de Campos tenta responder essa

    pergunta:

    Ser mulher era, sem dvida, um fator negativo para uma escritora na poca de Pagu. [...] No caso de Patrcia, houve como circunstncia agravante a sua vida tumultuada pelos muitos anos de priso e pelo inevitvel reflexo que isso teve em sua vida, e a consequente disperso de seus escritos. Mas houve e ainda h, tambm, muita resistncia dos meios acadmicos para aceitar a sua produo no-ortodoxa e, principalmente, as suas posies em defesa da vanguarda artstica, sempre vista como desconfiana, e sempre acolhida com dcadas de atraso, como ocorreu com Oswald, Sousndrade e a poesia concreta. (CAMPOS apud ESTADO, 2014)

    No que no compartilhemos dos pontos apresentados, s achamos que eles

    devem ser analisados de um outro ponto de vista: 1) se era um fator negativo ser

    mulher, como Pagu se inseriu nessa jornada de mulheres que buscavam este ttulo

    de escritora? 2) alm do fato de ser mulher, havia o fato de ser comunista e ter

    sofrido perseguio poltica, ento, onde a histria de Pagu se encontra com outras

    mulheres que vieram antes dela, na luta pelo voto e outros direitos polticos?

    Inclusive trazendo o tema para arte, como Josephina Alvares de Azevedo o fez, ao

    encenar uma pea com esta temtica; 3) se Oswald sofreu, em seu tempo, uma

    certa desconfiana, mesmo assim ele apontado nos compndios de literatura; o

    que est distante de Pagu, que se aproxima muito mais de Gilka Machado, neste

    aspecto, que chocou a comunidade ao lanar um livro de poemas erticos em 1918.

    No um problema apenas de aceitao do que no ortodoxo, como deve

    acontecer a escritores homens. um problema da lgica viciadamente machista em

    ilhar mulheres: as tornam cones, o que ocasiona na quebra de um continuum

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    discursivo. Isso acarreta numa imagem ahistrica da mulher em questo: sempre a

    frente, nunca com as suas companheiras.

    Embora tenha inaugurado um gnero na fico brasileira o romance

    panfletrio com a publicao de Parque Industrial (1932), no encontramos Pagu

    citada em livros como Formao da literatura brasileira, de Antonio Candido.

    Perguntamo-nos o que lhe falta para tanto, j que o romance entra numa linhagem

    que tpica da literatura brasileira chamado romance social e traz aspectos da

    antropofagia to aclamada por modernistas, o que poderia lhe conferir o ttulo como

    obra que fechou esse momento literrio. Em pesquisas para encontrar tal resposta,

    deparamo-nos com um testemunho peculiar do crtico marxista:

    Certa vez fui jantar na casa de Lasar Segall, eu era muito tmido, e quando cheguei e vi o pessoal na mesa e ouvi a voz de Mrio de Andrade, fiquei parado no saguo. E quem estava sentado ali na entrada, em um banco, era Pagu e Geraldo Ferraz. E estavam assim se namorando, falando coisas baixinho um para outro, ela passava a mo nele, ele passava a mo nela, pareciam um casal de meninos de dezesseis anos. Achei to bonito aquilo, mas no tive coragem de entrar no jantar, eu era muito tmido. (CANDIDO, apud NEVES, 2005, p. 50)

    Se h o silncio sobre a obra, h, em tom de fofoca, corroborando com a

    acusao que Augusto de Campos (ESTADO, 2014) faz sobre Pagu no ser

    reconhecida porque as

    universidades paulistas, sob a influncia de Antonio Candido e seu patrono Mrio de Andrade, a ignoraram, certamente porque Pagu, crtica implacvel do conservadorismo, em uma memorvel comunicao ao Congresso de Poesia de 1948, em So Paulo, com Oswald ainda vivo, repudiou a gerao de 45 e acusou Mrio de Andrade de traio causa modernista, devido ao seu demissionrio Elegia de Abril, texto de abertura da revista Clima (1941), de Candido e dos que Oswald chamava de chato-boys, funcionrios tristes da sociologia.

    Em nossa concepo vai alm: a mulher no est inserida ainda no sistema

    literrio. No estamos falando da inexistncia de escritoras no rol da crtica literria;

    falamos sobre um percurso discursivo que interligue estas produes femininas e

    que as tirem desses espaos de cone ou de silncio, pois ambos so cruis para

    uma histria comprometida com o espao feminino.

    Pagu tratou de assuntos que muitas vezes feriam a viso moral do tempo; do

    que era esperado a uma jovem de sua classe, sua raa fizesse. Pagu participava

  • 1547

    ativamente do grupo dos Antropfagos e da poltica nas dcadas de 1930 e 1940,

    sem ter merecido figurar nos livros de Histria e Literatura que narram a Era Vargas

    e o Movimento Modernista Brasileiro., afirma Lcia Helena Joviano, em seu artigo

    Pagu: autoria e interdio no contexto da episteme moderna. O que nos mostra e

    fundamenta a viso de que, apesar da ativa atividade que Pagu desenvolveu dentro

    da histria poltica e literria do nosso pas, a sua invisibilidade diretamente ligada

    ao mesmo discurso que a expe: um movimento de mitificao e excluso.

    Mesmo que possamos destacar como o primeiro romance proletrio

    brasileiro, Parque Industrial e mesmo ele tendo provocado intensas polmicas por

    suas crticas a sociedade paulista [...] Pagu denunciou as condies

    socioeconmicas em que viviam os proletrios e desmitificou a figura feminina pala

    alm do espao domstico (CAMPOS apud SCHUMAHER; VITAL, 2000, p.464) fica

    a sugesto de que esses temas so menores, ante o cnone literrio.

    Consideraes Finais

    Quando olhamos a biografia de Pagu sob uma tica da episteme feminista,

    deparamo-nos com uma mulher, cujo o Ethos se construa sobre o conceito de

    liberdade e da transgresso de espaos, no apenas do feminino, mas tambm da

    classe burguesa. Quando nos deparamos com a tradutora, jornalista, escritora,

    poltica, vemos uma mulher inquieta e, acima de tudo, intelectual que pensava o seu

    tempo e agia conforme suas crenas. No era apenas uma questo de palavras, era

    de viver o que se acreditava, como quando deixou sua vida burguesa para trabalhar

    como uma mulher do povo.

    Contudo, seus feitos e reconhecimento intelectual estiveram cada vez mais

    fora do sistema literrio do Brasil, pois no encontramos palavras sobre Pagu dentro

    dos compndios de literatura, como uma mulher que participou ativamente da escola

    Modernista. Por outro lado, encontramos biografias e artigos acadmicos que

  • 1548

    exaltam de sobremaneira aspectos ntimos de sua vida, como a sexualidade e os

    escndalos amorosos. Mesmo quando encontramos artigos que falem sobre o

    romance Parque Industrial, vemos que esto centrados na crtica convencional, que

    no percebe uma continuidade de produo entre escritoras.

    Entendemos que esse processo de mitificao, que a separa de outras

    mulheres, to pernicioso histria feminista quanto o silncio, pois, silencia outras

    mulheres que vieram antes de Pagu. Silenciando tambm a viso de mulheres sobre

    o mundo e sua produo literria.

    Essa a realidade daquela que passou sua vida dedicando-se s Letras e

    artes. Falar de Pagu pouco mais que desvendar uma trajetria, e sim descobrir

    uma grandiosa histria de luta, conquista e principalmente de sonhos. Que temos,

    por obrigao ideolgica, no deixar ser apagada.

    REFERNCIAS

    BRASIL, U. Pioneira pesquisa sobre Pagu ganha nova edio. Cultura Literatura,

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