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A historiografia das idéias pedagógicas destaca Denis Diderot (1713-1784) como um defensor do ensino científico, em oposição ao literário, como a base da educação. No Plano de uma universidade, proposto por Diderot a Catarina da Rússia, o conhecimento matemático tem uma posição privilegiada. Neste artigo, discutimos algumas idéias do enciclopedista sobre a educação matemática e procuramos colocar em evidência a ligação entre essas idéias e o pensamento político do autor. DIDEROT; MATEMÁTICA; EDUCAÇÃO MATEMÁTICA; HISTÓRIA DAS IDÉIAS PEDAGÓGICAS; INSTRUÇÃO PÚBLICA. The historiography of pedagogical ideas presents Denis Diderot (1713-1784) as a thinker who struggles for scientific education, in opposition to literary education, as the basis of public instruction. In the Plan of an University, written by Diderot in an answer to the empress Catherine of Russia, mathematical knowledge plays a very important role. In this article, we discuss some of Diderot’s ideas about mathematical education and try to emphasize the connections between those ideas and the author’s political thinking. DIDEROT; MATHEMATICS; MATHEMATICAL EDUCATION; HISTORY OF PEDAGOGICAL IDEAS; PUBLIC INSTRUCTION. Diderot e o sentido político da educação matemática Maria Laura Magalhães Gomes * * Doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2000).

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  • A historiografia das idias pedaggicas destaca Denis Diderot (1713-1784) como umdefensor do ensino cientfico, em oposio ao literrio, como a base da educao. NoPlano de uma universidade, proposto por Diderot a Catarina da Rssia, o conhecimentomatemtico tem uma posio privilegiada. Neste artigo, discutimos algumas idias doenciclopedista sobre a educao matemtica e procuramos colocar em evidncia a ligaoentre essas idias e o pensamento poltico do autor.DIDEROT; MATEMTICA; EDUCAO MATEMTICA; HISTRIA DAS IDIASPEDAGGICAS; INSTRUO PBLICA.

    The historiography of pedagogical ideas presents Denis Diderot (1713-1784) as a thinkerwho struggles for scientific education, in opposition to literary education, as the basis ofpublic instruction. In the Plan of an University, written by Diderot in an answer to theempress Catherine of Russia, mathematical knowledge plays a very important role. In thisarticle, we discuss some of Diderots ideas about mathematical education and try toemphasize the connections between those ideas and the authors political thinking.DIDEROT; MATHEMATICS; MATHEMATICAL EDUCATION; HISTORY OFPEDAGOGICAL IDEAS; PUBLIC INSTRUCTION.

    Diderot e o sentido poltico daeducao matemtica

    Maria Laura Magalhes Gomes*

    * Doutora em educao pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (2000).

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    Introduo

    As referncias a Denis Diderot (1713-1784) em alguns textos quefocalizam a histria da educao enfatizam especialmente sua defesa dainstruo pblica organizada e dirigida pelo Estado independentementeda Igreja, fundamentada no predomnio do ensino cientfico sobre oensino literrio. Diderot v na educao um fator primordial para a vidaindividual e social e afirma que a instruo deve dar oportunidades atodos de acordo com seus mritos e capacidades. Contudo, emborasublinhe a importncia da educao, Diderot procura tambm relativizaruma possvel confiana ilimitada em seu papel, considerando que nelainfluem de maneira decisiva as faculdades e disposies naturais de cadaindivduo (Abbagnano & Visalberghi, 1995; Boto, 1996; Luzuriaga,1990; Snyders, 1977). Autores como Manacorda (1997) e Snyders (1977)acentuam, alm desses aspectos, o reconhecimento do valor das artesmecnicas por parte do principal editor da Enciclopdia, destacandoseu esforo pela compreenso das relaes entre cultura e trabalho ou,num vocabulrio mais afeito ao Sculo das Luzes, entre a geometria dasacademias e a das oficinas.

    Em 1775, Diderot enviou imperatriz Catarina II a encomenda feitapor ela de um projeto de instruo pblica para a Rssia, o Plano deuma universidade (ou de uma educao pblica em todas as cincias);nesse escrito, o filsofo expe suas idias a respeito da escola a quedeveriam ter acesso, aps alguma instruo primria1, todos os filhos deuma nao. Ao apresentar sua proposta para o primeiro curso de estudosda Faculdade das Artes2, Diderot dispe na primeira classe preceden-do os estudos relativos s demais cincias, s lnguas, literatura,

    1 Nas palavras de Diderot: Suponho que aquele que se apresenta porta de umauniversidade saiba ler, escrever e ortografar corretamente sua lngua; suponho queele sabe dispor os caracteres da aritmtica; o que ele deve ter aprendido ou na casade seus pais ou nas escolas primrias (Diderot, 2000, p. 284).

    2 Diderot, embora condene radicalmente o modelo da Sorbonne, organiza a univer-sidade de acordo com a estrutura francesa: todos os estudantes freqentariam pri-meiramente a Faculdade das Artes, em trs cursos de estudos que durariam de setea oito anos. Os que terminassem tais cursos entrariam em seguida em uma das trsfaculdades superiores medicina, direito ou teologia.

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    metafsica, religio e histria a aritmtica, a lgebra, o clculo deprobabilidades e a geometria, escrevendo:

    Eu comeo o ensino pela aritmtica, pela lgebra e pela geometria, porqueem todas as condies da vida, desde a mais elevada at a ltima das artesmecnicas, tem-se necessidade desses conhecimentos. Tudo se conta, tudose mede. O exerccio de nossa razo se reduz freqentemente a uma regra detrs. No h objetos mais gerais do que o nmero e o espao [Diderot, 1875,t. III, p. 452].

    Nessa passagem podemos constatar o lugar privilegiado da educa-o matemtica na proposta diderotiana; essa posio nos remete tanto busca da compreenso das relaes entre a pedagogia de Diderot e amatemtica quanto pesquisa das ligaes do editor da Enciclopdiacom a matemtica.

    A historiografia da matemtica faz poucas menes a Diderot e emgeral tende a considerar que o enciclopedista no contribuiu significati-vamente na produo do conhecimento matemtico. Entretanto, Diderotno desconhecia totalmente o campo, e a prioridade que concede aostemas matemticos em sua proposta curricular de estudos para todos osfilhos de uma nao no acidental, pois seus escritos em diferentesfases da vida atestam sua reflexo constante sobre questes epistemol-gicas prprias da matemtica, bem como sobre questes ligadas meto-dologia, psicologia e, sobretudo, s finalidades e aos valores da edu-cao matemtica3. Neste artigo vamos analisar, em alguns escritos deDiderot, aspectos que nos parecem fundamentais compreenso de seupensamento no que concerne educao matemtica. Quero evidenciar,especialmente, a integrao desse pensamento filosofia poltica deDiderot. Comeo pelo exame da localizao e da caracterizao da ma-temtica na rvore dos conhecimentos da Enciclopdia.

    3 Venturi (1988), alm de destacar, como outros estudiosos de Diderot, o fato de tero filsofo, em sua juventude, se sustentado dando aulas particulares de matemti-ca, escreve que talvez tenha sido esse conhecimento aquilo que de mais profundo eduradouro lhe deixou a passagem pela escola. Venturi enfatiza o interesse de Diderotpela matemtica durante toda a sua vida.

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    A localizao e o estatuto da Matemtica naEnciclopdia

    O exame da Explicao detalhada do sistema de conhecimentos hu-manos (Diderot & DAlembert, 1989) que originalmente completavao Prospecto da Enciclopdia mostra a localizao da matemtica nadiviso geral dos conhecimentos humanos proposta pelos dois editores,seguindo a diviso do Chanceler Francis Bacon (1561-1627): ela com-parece no ramo da filosofia, que associado faculdade da razo4. Esseramo, considerado por Diderot e DAlembert o mais extenso e impor-tante de seu sistema5, bem como o mais diferenciado em relao rvo-re dos conhecimentos de Bacon, divide-se, por sua vez, em Cincia deDeus, Cincia do Homem e Cincia da Natureza6, e essa ltima subdivi-so composta pela matemtica e pela fsica7. Torna-se importante cha-mar a ateno para a classificao da matemtica como Cincia daNatureza, tendo em vista que ao introduzir o ramo da filosofia ou cin-cia, os editores afirmam que o homem aprendeu a histria da naturezamediante o uso de seus sentidos exteriores, enquanto o conhecimentode Deus foi alcanado pela reflexo sobre a Histria Natural e sobre aHistria Sagrada e o do homem pela conscincia ou sentido interior(Diderot & DAlembert, 1989, p. 117). Eis o que diz a Explicao sobrea Cincia da Natureza:

    Alcanamos atravs dos sentidos o conhecimento dos indivduos reais: Sol,Lua Srio etc., Astros; Ar, Fogo, Terra, gua etc., Elementos; Chuvas, Ne-ves, Granizos, Troves etc., Meteoros; e assim para o resto da Histria Natu-

    4 Na proposta de Diderot e DAlembert, a diviso das cincias origina-se nas trsfaculdades principais do entendimento a memria, a razo e a imaginao dasquais surgem, respectivamente, a histria, a filosofia e a poesia.

    5 Darnton (1996) afirma que a filosofia no era um ramo, mas o tronco principal darvore da Enciclopdia.

    6 Segundo Darnton (1996), os editores da Enciclopdia submetem a religio filo-sofia, e elevam a Cincia da Natureza, excluindo de sua obra aquilo que no pudes-se alcanar a razo atravs dos sentidos.

    7 Para Diderot e DAlembert, a fsica constituda pela zoologia, com seus vriosramos; pela astronomia fsica e pela astrologia; pela meteorologia; pela cosmologia;pela botnica; pela mineralogia e pela qumica (Diderot & DAlembert, 1989).

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    ral. Tomamos, ao mesmo tempo, conhecimento dos abstratos: cor, som, sa-bor, odor, densidade, rarefao, calor, frio, moleza, dureza, fluidez, solidez,rigidez, elasticidade, peso, leveza etc.; figura, distncia, movimento, repou-so, durao, extenso, quantidade, impenetrabilidade [idem, p. 119].

    Na disposio da matemtica no subramo da filosofia chamado Cin-cia da Natureza, podemos observar a influncia da doutrina de JohnLocke (1632-1704): a fonte e a matria do conhecimento so a sensao(a percepo dos sentidos) e a reflexo (a percepo de ns mesmos).Como Cincia da Natureza, a matemtica considerada como um co-nhecimento produzido pelo homem por sua reflexo a partir da experin-cia sensvel, e seu objeto um dos abstratos, a quantidade, que umapropriedade mais geral dos corpos, e que todas as outras supem. Asnoes de quantidade e de grandeza se confundem: Chama-se quanti-dade ou grandeza tudo o que pode ser aumentado ou diminudo8 (idem,ibidem).

    Trs diferentes modos de se considerar a quantidade produzem trstipos de matemtica: a matemtica pura, que advm de se considerar aquantidade sozinha ou independentemente dos indivduos reais e abs-tratos dos quais nos vem seu conhecimento, ou seja, trata da quantidadeabstrata; a matemtica mista considera a quantidade nesses indivduosreais ou abstratos; a fsica matemtica analisa a quantidade em seus efei-tos a partir de causas reais ou supostas. Enquanto os dois primeiros ti-pos so subdivididos e detalhados no texto da Explicao, o terceiro

    8 Tambm em outro contexto, o do manual inacabado que iniciou para o ensino damatemtica (Primeiras noes sobre as matemticas para uso das crianas, ouPrimeiro livro clssico do primeiro curso de estudos) visando o Plano de uma uni-versidade, Diderot define as matemticas como todas as cincias cujo objeto aquantidade ou a grandeza, e acrescenta: Por essas palavras quantidade ou gran-deza entende-se tudo aquilo que se pode conceber como composto de partes, tudoo que , por conseguinte, suscetvel de aumento ou de diminuio (Diderot, 1975,p. 366). Schubring (2000) comenta que as definies de grandeza e quantidadena Enciclopdia mostram grande aproximao, e que mesmo hoje em dia no sedistinguem claramente os dois termos. Esse autor refere-se ainda crtica deDAlembert definio de grandeza como tudo aquilo que suscetvel de aumentoou diminuio: DAlembert considera que a luz, que pode ser diminuda ou aumen-tada, seria impropriamente considerada uma grandeza de acordo com essa definio.

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    no subdividido ou pormenorizado, seja nesse texto, seja no Sistemafigurado dos conhecimentos humanos (idem). Analisando o detalhamentoque apresentado para a matemtica pura e a matemtica mista na Ex-plicao, constatamos que essa ltima inclui algumas cincias que hojesituaramos no campo da fsica, como a mecnica, a astronomia, a tica,a acstica, ou ainda em outros campos, como a geografia, a perspectiva,a navegao, a arquitetura naval e a arte de conjecturar (a probabilidadeou anlise dos acasos). A matemtica pura, que lida com a quantidadeabstrata, compreende os tpicos que nos so mais familiares quandotemos como referncia os contedos da matemtica escolar. Com exce-o do clculo das probabilidades, esto nessa subdiviso da matemti-ca os itens enumerados para a educao matemtica que Diderot propea Catarina II os temas integrantes da primeira classe da Faculdade dasArtes, a ser cursada por todos.

    Na Explicao detalhada do sistema de conhecimentos humanos,ao deter-nos na apresentao da matemtica pura, constatamos mais duasdivises quanto natureza da quantidade abstrata focalizada: a aritmtica,cujo objeto a quantidade abstrata enumervel, e a geometria, que tempor objeto a quantidade abstrata extensa. A primeira tem mais subdivi-ses: aritmtica numrica ou por algarismos, e lgebra ou aritmticauniversal por letras. A lgebra, que ainda pode ser separada em lgebraelementar e lgebra infinitesimal, de acordo com a natureza das quanti-dades s quais aplicada,no outra coisa seno o clculo das grande-zas em geral, e cujas operaes no so propriamente seno operaesaritmticas indicadas de uma forma abreviada: pois, para falar com exa-tido, somente h clculo de nmeros (idem, p. 119).

    Quanto geometria, o texto da Explicao esclarece que seu objetoprimitivo so as propriedades do crculo e da linha reta (geometria ele-mentar) ou ainda de qualquer tipo de curva (geometria transcendente).

    O clculo das probabilidades, muito valorizado na primeira classedo Primeiro Curso de Estudos do Plano de uma universidade, apre-sentado brevemente na Explicao como a cincia da matemtica mistana qual a quantidade considerada na possibilidade dos acontecimentos.

    Na Observao sobre a diviso das cincias do Chanceler Bacon(Diderot & DAlembert, 1989), Diderot pe em destaque que a Enciclo-

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    pdia adota a diviso baconiana das matemticas em puras e mistas. Defato, em sua obra Progresso do conhecimento, ao discutir as matemti-cas, Bacon as divide em puras e mistas, numa concepo muito seme-lhante do texto da Explicao:

    As matemticas so puras ou mistas. s matemticas puras pertencem aque-las cincias que lidam com a quantidade determinada, apenas separadas dequaisquer axiomas da filosofia natural, e elas so duas a geometria e aaritmtica uma aborda a quantidade contnua e a outra a quantidade dividi-da9. A matemtica mista tem como tema alguns axiomas ou partes da filoso-fia natural, e considera a quantidade determinada, j que as auxilia e a elas serefere. Pois muitas partes da natureza no podem ser concebidas com sufi-ciente argcia, demonstradas com suficiente clareza, ou adaptadas ao usocom suficiente habilidade sem a ajuda e a interveno das matemticas: sodesse tipo a perspectiva, a msica, a astronomia, a cosmografia, a arquitetu-ra, a engenharia e diversas outras [Bacon, 1952, p. 46].

    A leitura da Explicao detalhada do sistema de conhecimentoshumanos nos mostra, portanto, que para Diderot o objeto da matemtica a quantidade, um abstrato que os sentidos exteriores percebem; a partirdessa percepo, o entendimento produz o conhecimento pela reflexo.A reflexo operada pelo entendimento, no entanto, no desinteressada;de fato, no Plano de uma universidade, que funda a seleo dos contedosa serem ensinados em sua utilidade, Diderot cita a matemtica comouma cincia nascida da necessidade ou da carncia, assim como a fsica,a medicina e o direito. O estatuto do conhecimento matemtico , ento,o de um saber construdo pelo homem em decorrncia de necessidadesde sua vida social.

    Todavia, se na Explicao, texto integrante da Enciclopdia, a ma-temtica uma das duas divises da Cincia da Natureza, em outrosescritos Diderot faz fortes restries fidelidade do reflexo que o conhe-

    9 Para maior clareza, cito parte do texto de Bacon no original: ... and these are two,geometry and arithmetic; the one handling quantity continued, and the otherdissevered.

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    cimento matemtico oferece quanto a essa mesma natureza. esse otema que focalizaremos a seguir.

    A matemtica insuficiente na interpretao da realidade fsica: or-dem natural versus ordem intelectual.

    A condenao da abstrao do conhecimento matemtico por Diderotpode ser ilustrada pela seguinte passagem, na qual o filsofo critica demodo particular a apresentao consagrada por Euclides:

    No existe na natureza nem superfcie sem profundidade, nem linha semlargura, nem ponto sem dimenso, nem qualquer corpo que tenha essa regu-laridade hipottica do gemetra. Desde que a questo que se lhe prope ofaa sair do rigor de suas suposies, desde que ele seja forado a fazer en-trar na soluo de um problema a avaliao de algumas causas ou qualidadesfsicas, ele no sabe mais o que faz; um homem que coloca seus sonhos emequaes, e que chega a resultados que a experincia quase nunca deixa dedestruir [Diderot, 1875, t. XVI, pp. 475-476].

    O exame dessa posio de Diderot remete-nos a Aristteles (1952),em sua distino entre fsica e matemtica: os corpos fsicos possuemsuperfcies e linhas que, no existindo separadas de sua encarnaomaterial, so focalizadas pelo matemtico no como limites desses cor-pos, mas de um modo isolado, mediante a eliminao de todas as suasqualidades sensveis e o estudo exclusivo dos aspectos da quantidade eda continuidade. Essa atitude faz com que Aristteles recuse explica-es dos fenmenos naturais com base matemtica e considere que aaritmtica e a geometria no tratam das realidades (Guthrie, 1993).

    sobretudo na obra Da interpretao da natureza, publicada pelaprimeira vez em 1753, portanto aps o lanamento dos primeiros textosda Enciclopdia (ocorrido em 1750-1751), que Diderot expressa seuponto de vista quanto insuficincia da geometria10 no que se refere aomundo fsico:

    10 importante assinalar que no sculo XVIII as palavras geometria e gemetraso muito freqentemente usadas, em sentido amplo, para designar, respectiva-mente, o conhecimento matemtico em geral e o matemtico.

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    a regio das matemticas um mundo intelectual no qual aquilo que se tomapor verdades rigorosas perde totalmente essa vantagem quando se o trans-porta para o nosso terreno. Concluiu-se da que cabia filosofia experimen-tal retificar os clculos da geometria, e essa conseqncia foi reconhecida atmesmo pelos gemetras. Mas para que corrigir o clculo geomtrico pelaexperincia? No mais fcil ater-se ao resultado dela? Donde se v que asmatemticas, sobretudo as transcendentes, no conduzem a nada de precisosem a experincia; que uma espcie de metafsica geral na qual os corposso despojados de suas qualidades individuais; que restaria fazer, pelo me-nos, uma grande obra que poderia se chamar a Aplicao da experincia geometria ou Tratado da aberrao das medidas [Diderot, 1875, t. II, p. 10,grifo meu].

    O contraste entre a matemtica e a natureza, de acordo com Diderot, posto em relevo por Schmitt (1997) ao citar uma passagem do Dilogoentre DAlembert e Diderot na qual o ltimo afirma que h um fim paraa possibilidade de diviso da matria na natureza, ainda que no existatermo para essa divisibilidade no entendimento. Assim, o matemticotrabalha sobre uma quantidade contnua, sobre um espao divisvel ato infinito, enquanto o mundo nos oferece uma quantidade descontnua,um espao que justamente no divisvel at o infinito, uma extensoque no tem nada da homogeneidade, da imutabilidade daquela dogemetra (Schmitt, 1997, p. 155).

    Na leitura de Crocker (1974), em Da interpretao da natureza, oataque de Diderot ao enfoque da matemtica devido ausncia de umarelao entre ela e a realidade fsica reflete sua concepo desse conhe-cimento como representante de uma ordem intelectual, auto-contida,peculiar mente humana (Crocker, 1974, p. 14). Essa ordem se ope ordem da natureza, que s pode ser apreendida a partir da evidnciaexperimental. Para Diderot, acrescenta Crocker, a falta de correspon-dncia entre a ordem da natureza e a da matemtica no se encontraapenas no aspecto convencional e circular da prova matemtica, mastambm no carter imutvel e esttico das verdades que ela desenvolve.

    Essa posio parece atestada pela identificao, por parte do filso-fo, da matemtica com um jogo e do gnio matemtico com o esprito

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    do jogo, e por essa razo que ele chega at mesmo a considerar comoesgotada a cincia matemtica11.

    Ainda segundo Crocker, a matemtica, na viso diderotiana, umaordem criada pelas necessidades e pelo modo de operao do intelecto(Crocker, 1974, p. 14). Retomaremos mais adiante o tema da ordem emDiderot para interpretar a preferncia do enciclopedista pela colocaoda matemtica em primeiro plano na organizao dos estudos que propea Catarina da Rssia.

    O posicionamento de Diderot quanto insuficincia da matemticana interpretao da realidade fsica, entretanto, j havia se manifestadoantes da publicao dos primeiros textos da Enciclopdia, na Carta so-bre os cegos, em 1749. Considerando a abstrao como a separao, pelopensamento, das qualidades sensveis dos corpos, Diderot refere-se ocorrncia, nas questes fsico-matemticas, de enganos provenientes daexcessiva simplificao dos objetos.

    A Carta sobre os cegos apontada por muitos autores como ummarco na evoluo do pensamento diderotiano como nota Romano(1996a), ela sinaliza uma aventura do esprito na qual dissolve-se a

    11 Projetando no passado o seu conhecimento sobre a matemtica desenvolvida atmeados do sculo XX, Mayer (1959, p.101) v essa considerao diderotiana arespeito do esgotamento das possibilidades de novos conhecimentos matemticoscomo um erro evidente do enciclopedista. Para esse estudioso de Diderot, a ex-plicao para tal ponto de vista estaria na falta de intimidade do filsofo com asrenovaes introduzidas na matemtica a partir dos trabalhos de Newton e Leibnizno campo do clculo diferencial e integral. Todavia, parece-nos necessrio dizer,em contraposio a Jean Mayer, que no sculo XVIII, at mesmo quem estivessefamiliarizado com os desenvolvimentos do clculo diferencial e integral poderiadefender a afirmao sobre o esgotamento da matemtica. Na verdade, somente nosculo seguinte surgiram, por exemplo, os trabalhos concernentes s geometriasno-euclidianas e lgebra que desmentiram essa afirmao. Como assinalaGrabiner (1974), as preocupaes quanto aos diferentes aspectos da matemticamudam com o tempo, e uma mudana fundamental marca a transio entre ossculos XVIII e XIX.Jean Mayer, entretanto, levanta dois outros argumentos para explicar a atitude deDiderot: o primeiro o de que o ataque do enciclopedista s cincias racionaisdecorreria de seu entusiasmo pelas cincias experimentais; o segundo o da possi-bilidade de existncia de um sentimento de frustrao de Diderot em relao a umacincia na qual no era um profissional como seu amigo DAlembert.

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    metafsica e abre-se a via para o mundo fsico e humano. Chama-nos aateno a passagem a seguir, em que Diderot rejeita a doutrina filosfi-ca pitagrica, no s por seu distanciamento do mundo fsico, mas porsua inacessibilidade capacidade humana:

    H uma espcie de abstrao da qual muito poucos homens so capazes, poisela parece reservada s inteligncias puras; aquela pela qual tudo se reduzi-ria a unidades numricas. preciso convir que os resultados dessa geometriaseriam bem exatos, e suas frmulas bem gerais, porque no h objetos, sejana natureza, seja no possvel, que essas unidades simples no possam re-presentar pontos, linhas, superfcies, slidos, pensamentos, idias, sensa-es, e... se, por acaso esse fosse o fundamento da doutrina de Pitgoras,poder-se-ia dizer dele que fracassou em seu projeto, j que essa maneira defilosofar est demasiado acima de ns, e demasiado prxima da do Ser su-premo que, segundo a expresso engenhosa de um gemetra ingls12, geome-triza perpetuamente no universo.A unidade pura e simples um smbolo demasiado vago e demasiado geralpara ns. Nossos sentidos nos conduzem a signos mais anlogos ao alcancede nosso esprito e conformao de nossos rgos [Diderot, 1951, p. 855,grifo meu].

    Na passagem anterior, podemos observar que Diderot se afasta daconcepo de Locke em relao apreenso humana da unidade num-rica, uma vez que para o ingls

    Entre todas as idias que temos, como no h nenhuma outra sugerida aoesprito de mais maneiras, no existe nenhuma mais simples que a de unida-de ou um nela, no h sombra de variedade ou composio: todo objeto emrelao ao qual empregamos os sentidos, toda idia em nosso entendimento,todo pensamento de nossas mentes traz consigo essa idia. E, portanto, amais ntima aos nossos pensamentos, bem como, por seu acordo a todas asoutras coisas, a idia mais universal que temos [Locke, 1952, p. 165].

    12 Guinsburg (Diderot, 2000) anota que Diderot refere-se a Joseph Rason, um disc-pulo de Newton.

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    Nas palavras finais da Carta sobre os cegos, Diderot reala a incer-teza de qualquer conhecimento, questionando at mesmo as verdadesgeomtricas:

    Interrogai matemticos de boa f, e eles vos confessaro que suas proposi-es so todas idnticas e que tantos volumes sobre o crculo, por exemplo,se reduzem a nos repetir de cem mil maneiras diferentes que uma figura naqual todas as linhas traadas do centro circunferncia so iguais [Diderot,1951, pp. 890-891].

    Schmitt (1997) qualifica de fundamental essa ltima passagem daCarta, analisando com profundidade a posio de Diderot, o qual cha-ma a ateno para o carter da demonstrao de uma proposio mate-mtica ela consiste essencialmente em fazer ver que a proposio tautolgica a proposies j admitidas. Para Diderot, portanto, a certezada matemtica reside no raciocnio que emprega, e no em suas idias.No h, contudo, identificao entre o pensamento do enciclopedista eas concepes cartesianas quanto clareza da matemtica estar fundadano inatismo das idias que a ela se referem na mente humana. Como jfoi dito, Diderot considera que o conhecimento matemtico resulta, emsua base, da experincia dos sentidos.

    interessante registrar a retomada da idia relativa matemticacomo arte de estabelecer identidades no Plano de uma universidade,pois nesse contexto, em vez de sublinhar um aspecto desfavorvel,Diderot parece estar mais preocupado em salientar as vantagens, porsua simplicidade, do conhecimento matemtico na formao dos jovensquando diz que

    sobretudo nas matemticas que todas as verdades so idnticas; toda a cin-cia do clculo no seno a repetio deste axioma um e um so dois e todaa geometria no mais do que a repetio deste o todo maior que sua parte[Diderot, 1875, t. III, p. 454].

    Mayer (1959) adverte-nos no sentido de no acentuar demasiada-mente as falas diderotianas a respeito do convencionalismo da matem-

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    tica e da limitao de suas aplicaes13. Isso porque o mesmo Diderotquem critica os seus prprios excessos quando os percebe na afirmaode Helvtius (1715-1771) de que todos aceitam a verdade das demons-traes geomtricas por serem indiferentes verdade ou falsidade des-sas demonstraes. De fato, na Refutao de Helvtius14, o principaleditor da Enciclopdia enumera muitos profissionais cujo trabalho sefundamenta na geometria o arquiteto, o pintor, o desenhista de pers-pectiva, o encarregado de finanas, o engenheiro, o mecnico, o cons-trutor de navios, o ptico, o agrimensor, o gegrafo, o astrnomo paraargumentar contra o engano de Helvtius.

    Tambm no verbete Arte da Enciclopdia, a despeito de sublinhar aindispensabilidade dos conhecimentos fsicos aos artesos e afirmar queaquele que s tem a geometria intelectual, ordinariamente um homembastante inbil, Diderot diz que um artista que tem apenas a geometriaexperimental um obreiro muito limitado (Diderot, 1989, p. 154).

    Em Diderot convivem, assim, duas tendncias opostas: a crtica aoconhecimento matemtico por seu distanciamento em relao ao mun-do fsico e por seu trao caracterstico de repetidor de identidades, e oreconhecimento simultneo do valor desse conhecimento. Mesmo vistacomo esfera intelectual ou espcie de metafsica que afasta o homem danatureza, a matemtica tem um posto de enorme relevncia na propostapedaggica do enciclopedista. Como veremos, para Diderot a matemtica um conhecimento fundamental na educao requerida pelo contextodo sculo XVIII; seus resultados tm imenso valor prtico; seu mtodo

    13 Rashed (1974) chama a ateno para diferenas entre os enciclopedistas quanto srelaes entre as proposies matemticas e as proposies empricas, atribuindo aBuffon (1707-1788) e a Diderot a nfase no aspecto convencionalista da matem-tica (nessa viso a certeza no est necessariamente ligada ao uso da demonstraomatemtica). Em contraposio, Rashed assinala que DAlembert (1717-1783) eCondorcet (1743-1794) compartilham de outra concepo a de que um conheci-mento verdadeiro somente quando se conforma ao raciocnio matemtico e sesubmete ao controle do instrumento do gemetra.

    14 Esse trabalho de Diderot, composto em 1773-1774, teve seu texto completamentepublicado somente em 1875 (Dictionnaire des auteurs de tous les temps et de tousles pays, vol. II, pp. 14-15, 1989).

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    e sua linguagem tornam-na particularmente apropriada a formar o ho-mem necessrio sociedade de seu tempo. Assim, sobretudo no inte-rior da reflexo poltica de Diderot que seu projeto pedaggico insere,de maneira indispensvel, a educao matemtica. Para compreenderessa insero, vamos nos dedicar em primeiro lugar, nesta ordem, aoenfoque da posio da educao matemtica na proposta curricular e aoexame das potencialidades dos contedos matemticos que Diderot nosoferece. A partir dessa anlise, procuraremos situar suas concepesquanto educao matemtica sob a perspectiva de seu pensamentopoltico.

    A posio da educao matemtica na organizaodos estudos proposta por Diderot

    Eu me ergo contra uma ordem de ensino consagrada pelo usode todos os sculos e de todas as naes; e espero que me seja

    permitido ser um pouco menos superficial a respeito deste assuntoDIDEROT, 2000, p. 310

    A epgrafe anterior, transcrita do Plano de uma universidade, inte-gra a introduo das consideraes de Diderot sobre a oitava classe Ogrego e o latim. A eloqncia e a poesia ou o estudo das belas letras do primeiro curso de estudos da Faculdade das Artes no Plano de umauniversidade. Observemos que o autor faz a sobressair um trao bsicode sua proposta pedaggica, sua oposio a uma ordem de ensino con-sagrada por todos os tempos e lugares; essa ordem confere, na formaodos jovens, a maior prioridade aos estudos literrios e, de modo particu-larmente notvel, ao estudo do grego e do latim.

    Se, como vimos, na Explicao detalhada do sistema de conheci-mentos humanos publicada quando do lanamento da Enciclopdia, amatemtica tem uma posio privilegiada uma das duas divises daCincia da Natureza, ramificao destacada do tronco mais prestigiadoda rvore dos conhecimentos de Diderot e DAlembert , essa posioimportante mantida na formulao da proposta diderotiana de educa-

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    o pblica para Catarina da Rssia, como salientei na introduo destetexto. A ordem dos estudos no Plano de uma universidade, afirma seuautor, tem como diretriz caminhar da coisa fcil para a coisa difcil, irdesde o primeiro passo at o ltimo, do que mais til para o que menos; do que necessrio a todos ao que apenas para alguns (idem,p. 276). Como nem todos seguiro at o fim a avenida dos estudos, e onmero de estudantes diminuir medida que nela avanarem, a pri-meira lio deve ser aquela que convm a todos, independentemente desua condio social. At o final dos estudos, os conhecimentos devemser ordenados em ordem decrescente de sua utilidade. Vejamos mais deperto como, segundo esse princpio, Diderot estabelece sua seqnciade abordagem dos contedos.

    Conforme j foi dito, a matemtica constitui a primeira classe doprimeiro curso de estudos da Faculdade das Artes. A segunda classecompe-se de conhecimentos da fsica (mecnica e hidrulica); a tercei-ra classe aborda a geografia e a astronomia; a quarta classe refere-se histria natural e fsica experimental; a quinta classe envolve a qumi-ca e a anatomia. As trs classes restantes do primeiro curso focalizam,nesta ordem, a lgica, a crtica e os princpios gerais de todas as lnguas;a lngua russa e a eslavnica; o grego, o latim, a eloqncia e a poesia.Paralelamente15 ao primeiro curso, Diderot prope trs outros, com me-nos classes, nos quais se encontram conhecimentos diversos: metafsica,moral, religio, histria, geografia, economia, perspectiva, desenho,msica, dana, esportes.

    Tendo em vista a pedra angular do edifcio que projeta para a instru-o pblica o princpio de utilidade clara a posio de Diderot: os

    15 O Plano prev que o segundo, o terceiro e o quarto cursos sero seguidos durante omesmo tempo de durao do primeiro (Diderot, 2000). Explica Dolle (1973): to-dos os alunos passariam pelas classes desses trs ltimos cursos enquanto freqen-tassem o primeiro. O primeiro curso constitui o ensino de base, e completadopelo segundo, que deve ser seguido por todos os alunos at sua sada da Faculdadedas Artes.Alm disso, Diderot enfatiza que a importncia do segundo curso reside na forma-o religiosa, cvica e moral dos estudantes. O texto do Plano deixa claro que asclasses do primeiro curso teriam lugar pela manh, e as do segundo tarde.

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    conhecimentos cientficos, presentes nas cinco primeiras classes do pri-meiro curso, so mais teis do que os conhecimentos literrios, que for-mam as trs ltimas. importante assinalar que, assim como toma deemprstimo a Bacon a diviso dos conhecimentos humanos, o enciclope-dista adota a proposta baconiana de inverso da hierarquia tradicionaldos saberes (Luzuriaga, 1990; Oliveira, 2000).

    Alm do princpio de utilidade, a ordenao dos estudos no Planoobedece ligao entre as cincias16: assim, a mecnica e a hidrulicavm aps a aritmtica, a lgebra e a geometria; os contedos da terceiraclasse so puramente geomtricos e podem ser acompanhados por-que os alunos aprenderam tudo o que se faz necessrio para se aplicara eles (Diderot, 2000, p. 298); a fsica experimental est na quarta clas-se porque no h mecnica sem geometria; no h fsica experimentalsem alguma tintura de mecnica (idem, p. 300).

    A posio dos contedos matemticos no conjunto dos temas cien-tficos significa, luz do princpio de utilidade que norteia a disposiodos estudos no Plano, que a aritmtica, a lgebra, a geometria e o clcu-lo das probabilidades so os conhecimentos mais teis, aqueles que de-vem ser aprendidos por todos. Interpretemos a utilidade da matemticacomo a sua dimenso prtico/instrumental, isto , aquela que se referetanto ao servio que o conhecimento matemtico presta vida social es diversas ocupaes ou profisses quanto ao fato de esse conhecimen-to possibilitar o acesso a outras cincias. Acreditamos que essencialuma reflexo mais profunda acerca do peso que essa utilidade tem naprioridade que Diderot defende para a educao matemtica.

    primeira vista, parece que esse aspecto prtico/instrumental temcompleta preponderncia sobre o potencial formativo dos conhecimen-tos matemticos na proposta diderotiana. Diderot se afastaria, ento, doPlato da Repblica, o qual v na potencialidade formadora da matem-tica o maior valor da educao matemtica (Jaeger, 1979; Manacorda,1997; Marrou, 1966; Miguel, 1995). Contudo, ainda que Diderot de

    16 oportuno lembrar que a palavra enciclopdia significa encadeamento das cin-cias. Etimologicamente, ela composta de (em), (crculo) e (cincia) (Diderot & DAlembert, 1989, p. 139).

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    fato acentue o valor prtico/instrumental da matemtica por sua presen-a nas artes mecnicas que tanto enaltece na Enciclopdia e pela neces-sidade desse conhecimento para a fundamentao das outras cincias,na leitura mais detida de seus escritos constatamos tambm a presenainequvoca de outro tipo de viso aquela que pe em destaque aspotencialidades formadoras do saber matemtico. Vamos examinar asmanifestaes desses dois aspectos no trabalho do filsofo.

    As potencialidades dos conhecimentos matemticosna educao: o prtico/instrumental e o formativono interior de um projeto poltico

    A importncia da matemtica como ferramenta para as cincias e astcnicas ressaltada, como dissemos anteriormente, no verbete Arte daEnciclopdia e na Refutao de Helvtius. No Plano de uma universi-dade, o texto referente primeira classe de estudos inicia-se pela colo-cao, por seu autor, da necessidade dos conhecimentos da aritmtica,da lgebra e da geometria em todas as condies da vida, da mais eleva-da at a ltima das artes mecnicas, pelo fato de tudo se contar, tudo semedir. Mais adiante, no mesmo texto, Diderot faz questo de acrescen-tar aritmtica, lgebra e geometria, a cincia das combinaes, ouo clculo elementar de probabilidades.

    O conhecimento da aritmtica, de todas as cincias, a mais til e amais fcil (Diderot, 2000, p. 285), junto com a alfabetizao, neces-srio a todos: do primeiro-ministro ao ltimo campons, bom quecada um saiba ler, escrever e contar (Diderot apud Dolle, 1973, p. 20).Romano (2001) comenta que Diderot coloca o clculo aritmtico comoalgo que contribui para a afirmao da cidadania, uma vez que as clas-ses mais desfavorecidas, dominando-o, no se deixaro enganar pelospoderosos. Diderot chama a ateno para o fato de que os conhecimentosda matemtica so freqentemente solicitados na vida social: as crianas,desde que nasceram at entrarem na escola, no cessaram de somar, desubtrair, de medir (Diderot, 1875, t. III, p. 453, grifo meu) porque vi-vem num mundo que demanda constantemente essas aes.

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    Quanto lgebra, embora no seja explcito, quer sobre seu usoprtico, quer sobre suas vantagens no sentido formativo, o autor do Pla-no, a partir da concepo desse saber como aritmtica generalizada, in-siste sobre o fato de ser ela um conhecimento acessvel:

    A lgebra, cujo nome no assusta mais, no seno uma aritmtica maisgeral que a dos nmeros, to clara quanto ela e mais fcil; so somente asmesmas operaes, porm mais simples [idem, ibidem].

    Em relao geometria, j mencionamos a referncia de Diderot presena da medida nas prticas quotidianas da infncia. No texto in-completo que deixou para a instruo das crianas em matemtica, aodestacar a etimologia do termo geometria duas palavras gregas quesignificam medida da terra (Diderot, 1975, p. 369), nosso autor chamaa ateno mais uma vez para a origem prtica dessa cincia:

    , com efeito, bastante natural pensar que o primeiro uso que os homens delafizeram logo que se encontraram reunidos em sociedade, tenha sido medirseus campos e verificar a sua extenso [idem, ibidem].

    Porm, Diderot esclarece que, ainda que tenha sido esse o objetivodas primeiras operaes geomtricas, o uso dessa cincia se tornou muitomais universal a ela concerne tudo o que extenso, ou ainda, ela serefere s grandezas cujas partes so contnuas, isto , unidas e ligadasentre si17. Mais adiante veremos que, mais do que a nfase sobre o usoprtico da geometria nas medies, o papel formativo do conhecimen-to geomtrico na educao moral e intelectual do homem necessrio auma sociedade em transformao que ter grande parte da ateno doenciclopedista.

    A parte relativa ao clculo das probabilidades no Plano de umauniversidade pe em relevo utilidades prticas menos imediatas damatemtica do que as invocadas em favor da aritmtica e da geometria:

    17 Um todo composto por partes separadas umas das outras , por sua vez, uma quan-tidade que se exprime por nmeros, e objeto da aritmtica (Diderot, 1975).

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    Eu acrescentei aritmtica, lgebra e geometria a cincia das combina-es ou o clculo das probabilidades, porque tudo se combina e porque, foradas matemticas, o resto no seno probabilidade; porque essa parte doensino de um uso imenso nos negcios da vida; porque ela envolve ascoisas mais graves e as mais frvolas; porque ela se estende s nossas ambi-es, aos nossos projetos de fortuna e glria, e aos nossos divertimentos...[Diderot, 1875, t. III, p. 456].

    O texto prossegue com a enumerao das aplicaes da cincia dasprobabilidades s matrias de legislao, aos seguros, s loterias, maio-ria dos objetos de finanas e comrcio. As noes do clculo das proba-bilidades so, ento, introduzidas no currculo de Diderot da escola paratodos, em grande parte, porque podem ser usadas em muitas situaesprticas da vida.

    Ressaltemos ainda, nestes comentrios sobre o papel prtico/instru-mental da matemtica nas concepes diderotianas, a indicao da essen-cialidade da apropriao de seus contedos para o acesso s outrascincias teis, como a mecnica, a hidrulica e a fsica experimental. Ofilsofo chama a ateno, no caso dessa ltima, situada na quarta classe,para a necessidade dos conhecimentos das duas primeiras: sem eles, osalunos vero os fenmenos, mas ignoraro sua razo (Diderot, 2000,p. 300).

    Como se pode perceber, os usos prticos e instrumentais da mate-mtica so amplamente enfatizados por Diderot. A recomendao doestudo da matemtica como prioritrio reflete sua concepo bsica deque a educao deve ser utilitria: ela deve responder s necessidadesda sociedade, e isso significa, em grande parte, que deve servir comopreparao vida profissional (Dolle, 1973).

    Ao configurar o primeiro curso da Faculdade das Artes com a inver-so na prioridade usual dos estudos desse nvel de ensino na Frana,Diderot combate abertamente a educao de seu pas, que privilegia ogrego e o latim, a retrica, a lgica e a metafsica. Contra o latim e ogrego, idiomas mortos, inteis a quase todos, contra a retrica, que ensinaa arte de falar antes da arte de pensar, e a do bem dizer antes que a deter idias (Diderot, 2000, p. 271); contra uma abordagem da lgica que

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    enche a cabea de sutilezas e inutilidades, Diderot investe com as armasda matemtica e das cincias. Em contraposio a um sistema de ensinoque rejeita as cincias da natureza como inteis ou prejudiciais para aformao de bons cristos, prope essas mesmas cincias porque levaem conta sobretudo as necessidades e as condies bsicas ao bomfuncionamento da sociedade. Diderot explcito: as lnguas antigas,especialmente, so teis somente aos poetas, aos oradores, aos erudi-tos e s outras classes de literatos de profisso, isto , aos estados dasociedade menos necessrios (idem, p. 313, grifo meu). Uma naotambm tem necessidade de homens de letras, porm esses, que devemser em nmero pequeno, devero sua existncia mais ao talento naturaldo que instruo: mister haver oradores, poetas, filsofos, grandesartistas, mas filhos do gnio, bem mais do que do ensino, seu nmerodeve e no pode deixar de ser muito pequeno (idem, p. 310).

    O filsofo chama a ateno para um outro aspecto os estudosliterrios pouco contribuem para a educao moral: As belas-letras nofazem os bons costumes; so apenas o seu verniz (idem, ibidem).

    Da educao centrada no conhecimento do grego e do latim resul-tam padres e mestres da retrica muito perigosos para que se multi-plique sua espcie (Diderot, 2000, p. 282). Essas idias integram o queDurkheim (1969) e outros autores identificam como a pedagogia realis-ta, na qual as coisas prevalecem sobre as palavras18.

    A formao de cidados teis envolve o domnio de contedosaplicveis s diferentes situaes da vida, como os da matemtica, quedevem ser ensinados a todos na instruo pblica. A prioridade da educa-o matemtica quando se considera sua dimenso prtico/instrumentaljustifica-se, ento, no projeto diderotiano de bom funcionamento da so-ciedade. Todavia, seria uma viso incompleta desse projeto, particular-mente no que diz respeito educao matemtica, a que se restringisseao utilitarismo do conhecimento matemtico, ainda que esse seja umaspecto evidente e muito explcito no Plano de uma universidade. A

    18 Billy (1948, p. 370) cita a seguinte passagem de Diderot numa carta a Catarina II:Em geral, no estabelecimento das escolas tem-se dado importncia e espao de-masiados ao estudo das palavras; preciso substitu-lo pelo estudo das coisas.

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    abertura do texto das Primeiras noes sobre as matemticas para usodas crianas mostra a importncia formativa que Diderot atribui a esseconhecimento:

    Estamos em um sculo no qual seria suprfluo estender-se sobre a utilidade dasmatemticas: ningum ignora de que auxlio elas so nas artes, e a vantagemainda mais inestimvel que elas tm de formar o esprito acostumando-o araciocinar de forma correta, porque nelas no se caminha jamais seno deconseqncia em conseqncia [Diderot, 1975, p. 365, grifo meu].

    Mais adiante, no mesmo trabalho, ao expor sua idia geral dasmatemticas, Diderot escreve:

    As matemticas se estendem sobre quase todos os conhecimentos humanos:elas servem para distinguir o falso do verdadeiro, para convencer o espritode verdades j conhecidas, para descobrir novas e para levar com inteiracerteza a perfeio a todas as cincias que o homem pode adquirir apenas porsua razo [idem, p. 367].

    A potencialidade formativa da matemtica especialmente eviden-ciada naquilo que se refere geometria, que qualificada por Diderotcomo a mais simples das lgicas no Plano de uma universidade.

    Nesse texto, a parte reservada lgica situada, lembremos, nasexta classe do primeiro curso de estudos da Faculdade das Artes prin-cipia pela afirmao da relevncia dessa

    arte de pensar corretamente, ou de fazer um uso legtimo dos sentidos e darazo; de certificar-se da verdade dos conhecimentos recebidos; de bem con-duzir o esprito na busca da verdade; e de desemaranhar os erros da ignorn-cia, e os sofismas do interesse e das paixes, arte sem a qual todos osconhecimentos so talvez mais prejudiciais do que teis ao homem que poreles se torna ridculo, tolo e malvado [Diderot, 2000, p. 304].

    Para o filsofo, esse um ensino to importante que por ele quecumpriria comear, desde que sua abstrao fosse acessvel s crianas.No entanto, alocando-o na sexta classe, aps as classes de matemtica e

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    cincias, acredita que ao atingi-la os alunos j tero sido preparados porum exerccio suficiente de sua razo. A matemtica particularmenteadequada a modelar o esprito na direo do saber, do bem e da verdadepor sua simplicidade, e essa idia assim exposta na parte do Plano quefocaliza a primeira classe de estudos:

    No se pode comear cedo demais a retificar o esprito do homem, mobiliando-o com modelos de raciocnios da primeira evidncia e da verdade mais rigo-rosa. a esses modelos que a criana comparar em seguida todos aqueles quelhe proporcionarem e cuja fora ou fraqueza ter de apreciar, em qualquermatria que seja. sobretudo nas matemticas que todas as verdades so idnticas; toda a cin-cia do clculo no seno a repetio deste axioma um e um so dois etoda a geometria no mais do que a repetio deste o todo maior que suaparte.A geometria a melhor e a mais simples de todas as lgicas, a mais prpriaa dar inflexibilidade ao juzo e razo [Diderot, 1875, t. III, p. 454, grifo meu].

    Mais: o ensino da geometria recomendado especificamente nocombate ignorncia e superstio, e se o mtodo geomtrico nodeve ser aplicado a tudo, no deve jamais ser perdido de vista, pois abssola de um bom esprito, o freio da imaginao (idem, p. 454). SeDiderot distingue os objetos da geometria, representantes, na interpre-tao de Crocker (1974), de uma ordem intelectual, dos da vida (ordemnatural), no deixa de ver o estudo dos primeiros como propedutica doentendimento, j que o raciocnio usado na geometria um modelo paraa argumentao em qualquer campo:

    Nada do que obscuro pode satisfazer uma cabea geomtrica. A desordemdas idias lhe desapraz e a inconseqncia a fere. Se com freqncia se cen-surou o gemetra por ter o esprito equivocado, que, por estar todo entre-gue ao seu estudo, as coisas da vida lhe so desconhecidas.Todos os raciocnios do gemetra findam por estas palavras: o que era pre-ciso demonstrar (cqd). Todos os raciocnios que se fazem, seja ao discorrer,seja ao escrever, deveriam terminar pela mesma frmula [Diderot, 2000,pp. 293-294, grifo meu].

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    Encontra-se aqui, na preferncia pela matemtica e, em particular,pela geometria, em que pese a sua considerao s vezes desfavorvel espcie de metafsica, repetio de verdades idnticas por Diderot,uma manifestao do paradoxo referido por Romano (2002): emborano exista ordem no universo, de acordo com o enciclopedista somosdirigidos pelo desejo da ordenao legal, da regularidade, do sentido.

    Em relao ao potencial formativo da geometria, esse paradoxo com-parece ainda com outra roupagem em mais uma passagem diderotiana:vimos que as verdades geomtricas so questionveis na epistemologiado enciclopedista, no trecho final da Carta sobre os cegos transcritoanteriormente. Entretanto, o conhecimento da geometria possibilita aquem o detm maior competncia para avaliar o que lhe dizem seusprprios sentidos: segundo uma das passagens finais da Carta, uma pes-soa instruda em geometria que enxergasse desde o nascimento e nopossusse o sentido do tato, se passasse a t-lo, saberia discernir umcubo de uma esfera, mesmo com os olhos vendados. Porm, caso igno-rasse a geometria, essa pessoa teria a mesma dificuldade que um cegode nascena a quem tivesse sido restituda a viso se lhe fosse propostoo mesmo problema. Eis as palavras de Diderot:

    evidente que a geometria, caso nela fosse instrudo, lhe forneceria um meioinfalvel de assegurar-se se os testemunhos de seus dois sentidos so ou nocontraditrios. Ele no teria seno que tomar o cubo ou a esfera entre suasmos, demonstrar a algum qualquer uma de suas propriedades, e pronunciar,se o compreendessem, que v-se cubo aquilo que ele sente cubo, e que con-seqentemente cubo aquilo que ele segura. Quanto quele que ignorasseessa cincia, penso que no lhe seria mais fcil discernir, pelo toque, o cuboda esfera que ao cego do senhor Molineux19 distingui-los pela vista [Diderot,1951, p. 890].

    19 O fsico irlands William Molineux (1656-1698) props o problema aqui referido,que o centro da Carta sobre os cegos: um cego de nascena que tivesse aprendidoa identificar pelo tato um cubo e uma esfera construdos com o mesmo materialconseguiria, passando a enxergar, reconhec-los se no pudesse toc-los?

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    O comentrio de Venturi (1988) a respeito dessa passagem nos pa-rece iluminar mais um pouco o pensamento diderotiano acerca da mate-mtica e, em especial, da posio de destaque que ela ocupa na organi-zao dos estudos proposta pelo filsofo. De fato, ao chamar a atenopara a afirmao de Diderot de que o cego gemetra certamente seriacapaz de distinguir o cubo da esfera, o comentador italiano salienta averdadeira funo do saber matemtico tornar inteligvel a nossasensao, ou ainda, atuar como um instrumento de conhecimento danatureza (Venturi, 1988, p. 238).

    oportuno assinalar que Mayer (1959) considera que a matemti-ca, que Diderot cultivou durante dez anos desde o trmino de seus estu-dos na universidade, teve um papel importante na constituio de seurigor cientfico.

    A qualificao da matemtica e especialmente da geometria comoum conhecimento cuja contribuio fundamental na construo dopensamento correto nos remete s idias platnicas. interessantecomparar as colocaes de Diderot com a seguinte fala de Scrates aGlauco no livro VII da Repblica:

    Portanto, meu nobre amigo, [a geometria] conduzir a alma em direo verdade e dispor a mente do filsofo para que ele eleve seu olhar para o altoem vez de dirigi-lo para as coisas inferiores, que agora contemplamos semdever faz-lo [Plato, 1969, p. 786].

    Ao considerar a matemtica particularmente adequada preparaodo esprito, Diderot se aproxima, pois, de Plato, mesmo no comparti-lhando de sua concepo quanto a esse saber (nem da que se refere necessidade de elevar o olhar para o alto) para Plato, como bemconhecido, o conhecimento matemtico reside no interior da cons-cincia e no no campo do que perceptvel pelos sentidos. A valoriza-o da matemtica como propedutica para a verdadeira cincia nosparece, dessa maneira, um exemplo daquilo que Romano (2000) deno-mina platonismo invertido do enciclopedista.

    Um balano das aproximaes e desvios de Diderot em relao aPlato no que concerne educao matemtica nos mostra, portanto,

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    que o enciclopedista se afasta do pensamento platnico quanto s con-cepes sobre a localizao e os modos de acesso do indivduo ao co-nhecimento matemtico, e se aproxima do filsofo grego ao concederimportncia primordial potencialidade formativa da matemtica. Adiferena essencial nesse aspecto est em que Plato, contrrio democracia, prope a educao matemtica como base para a aristocra-cia que deve governar a plis (Miguel, 1995), enquanto Diderot, favor-vel democracia, deseja que essa educao matemtica seja propriedadedo povo, o verdadeiro soberano.

    importante ainda indicar uma outra conexo: trata-se do questio-namento por Diderot (como por Plato) a respeito dos equvocos dalinguagem verbal e da retrica. Romano (1996a) chama a ateno paraas relaes acentuadas entre linguagem e matemtica em Diderot paracombater as ambigidades e enganos da fala e da escrita comuns, a cin-cia matemtica til e serve como parmetro:

    Se nossos dicionrios fossem bem feitos, ou o que d no mesmo, se as pa-lavras usuais fossem to bem definidas quanto as palavras ngulos equadrados, restariam poucos erros e disputas entre os homens. a esseponto de perfeio que todo trabalho sobre a lngua deve tender [Diderot,1875, t. III, p. 455].

    Outros trabalhos diderotianos pem em destaque a preciso da lin-guagem geomtrica. Na Refutao de Helvtius, ao referir-se s dificul-dades de comunicao das sensaes entre as pessoas devido a seucarter subjetivo, Diderot coloca entre as poucas coisas comunicveistodas as cincias matemticas. Na Carta sobre os surdos e mudos,escreve que impossvel traduzir um poeta para outra lngua e que mais comum entender bem um gemetra do que um poeta. Nesse mes-mo texto, ao apresentar sua idia da decomposio de um homem emuma sociedade formada por seus cinco sentidos, Diderot diz que todosesses sentidos poderiam entender-se maravilhosamente somente em ge-

    20 Embora veja nessa passagem que at a linguagem geomtrica no escapa da des-confiana de Diderot, Romano (1996a) afirma ser possvel acreditar que o filsofo,

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    ometria20.Romano (2001) comenta que as preocupaes com a linguagem

    verbal so um trao caracterstico dos pensadores democrticos dosculo XVIII, e especialmente de Diderot todos eles afirmavam quepara instaurar a democracia, seria preciso a mudana na lngua do po-vo pois este,acostumado distoro das leis e dos vocbulos, reali-zada pelos tiranos, acostumara-se a ouvir uma coisa e entender outra(Romano, 2001, pp. 424-425). Eis mais uma relao a ser enfatizada orelevo que a matemtica adquire na proposta pedaggica de Diderotdevido s vantagens da linguagem dessa cincia est ligado ao pensa-mento poltico do enciclopedista.

    Contudo, se a geometria , entre os contedos propostos por elepara o Primeiro Curso de Estudos da Faculdade das Artes, aquele que mais mencionado quanto ao papel formativo, Schmitt (1997) nos cha-ma a ateno para uma passagem em que Diderot tece um vnculo entreum outro estudo o das probabilidades e a educao moral. Agora, oganho est em uma maior aproximao com os negcios da vida:

    Com o instinto da preciso sente-se, nos prprios casos de probabilidade, osdesvios maiores ou menores em relao linha do verdadeiro: apreciam-seas incertezas, calculam-se as chances, faz-se a prpria parte e a da sorte; e nesse sentido que as matemticas se tornam uma cincia usual, uma regra devida, uma balana universal, e que Euclides21, que me ensina a comparar asvantagens e desvantagens de uma ao, ainda um mestre de moral [Diderotapud Schmitt, 1997, p. 160].

    devido ao seu entusiasmo pelas cincias, confia mais (ou desconfia menos) nessamesma linguagem.

    21 Eric-Emmanuel Schmitt indica que essa passagem pertence a uma carta dirigidapor Diderot condessa de Forbach em maro de 1772 (Schmitt, 1997, p. 315).Nesse trecho, ao qual no tivemos acesso direto, uma aparente contradio se ma-nifesta caso tomemos literalmente a figura de Euclides como o educador moral aque Diderot se refere, uma vez que a obra do grego no contempla as probabilida-des. No entanto, parece-nos que Diderot, ao nomear Euclides como seu mestre demoral, identifica-o com o conhecimento matemtico, em particular com o conheci-mento referente s probabilidades esse ltimo, sem dvida, ensina a comparar asvantagens e desvantagens de uma ao.

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    O comentrio de Schmitt lana luzes sobre a simpatia diderotianapelo clculo das probabilidades esse autor cita um trecho escrito peloprprio filsofo em uma apresentao crtica de um trabalho deDAlembert sobre o assunto. Nesse trecho, Diderot acentua o estatutoambguo das probabilidades, escrevendo que elas podem ser considera-das como uma cincia abstrata ou como uma cincia fsico-matemtica.Nessa segunda alternativa, as probabilidades aproximam matemtica erealidade fsica e social, e parece-nos que a se pode explicar o valor queDiderot confere a seu conhecimento, associado incerteza e conjectura.

    Consideramos, anteriormente, o papel da potencialidade prtico/ins-trumental da matemtica em relao ao preparo requerido pelas ocupaese profisses necessrias ao bom funcionamento da sociedade no pensa-mento de Diderot. Procuramos tambm, em vrias de suas passagens,evidenciar a valorizao que ele confere ao papel formativo da matem-tica, papel esse que passa despercebido em trabalhos mais gerais relativos histria das idias pedaggicas (Cambi, 1999; Luzuriaga, 1990; Mana-corda, 1997), os quais sublinham especialmente o utilitarismo do princi-pal editor da Enciclopdia. Esse papel formativo, posto em destaqueprincipalmente no Plano de uma universidade, tambm deve ser ligado aoprojeto de reforma poltica e moral da sociedade que Diderot prope.

    Composto em 1775, o Plano pertence a um perodo da vida deDiderot no qual se acentua, de acordo com vrios autores (Crocker, 1974;Dolle, 1973; Stenger, 1994), o desejo ordenador do filsofo na esferapoltica. Mais radicalmente no incio dos anos 70 do sculo XVIII, osescritos de Diderot enfatizam a desordem da bela mquina que [oslegisladores] eles chamaram sociedade (Diderot apud Crocker, 1974,p. 126), arquitetada exatamente para criar a ordem. Concebendo comosoluo para essa desordem um governo regido por um cdigo de leiselaboradas pelos representantes (fonte do poder poltico) do povo (baseda soberania da nao), Diderot pensa na educao pblica como ummeio imprescindvel para preparar cidados capazes de exercer suasresponsabilidades nessa sociedade. Dolle (1973) afirma que a educao, para Diderot, a essncia da organizao poltica.

    Por essa perspectiva, somente habilitar ao exerccio de uma profis-so insuficiente, ou seja, a ordem social depende tambm de o povo

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    ter assegurada, na instruo de responsabilidade do Estado, a oportuni-dade de desenvolver a capacidade de pensar corretamente, rigorosamente,eticamente, e saber eleger representantes competentes para elaborar ereformar, sempre que necessrio, o cdigo de leis da nao. Nesse con-texto que Diderot escolhe as cincias e a matemtica como o alicercedos estudos. Particularmente a ordem intelectual representada pela ma-temtica considerada por ele como uma contribuio indispensvel,mesmo padecendo das caractersticas de abstrao, alheamento da rea-lidade fsica e certeza puramente formal que lhes aponta.

    Assim, pode-se interpretar tanto o papel instrumental quanto o papelformativo da matemtica, reconhecidos por Diderot, como constituintesessenciais a seu projeto pedaggico, e responsveis pela prioridade queele lhes concede. Mostra Dolle (1973) que esse projeto , no todo, conso-nante com a filosofia poltica do principal editor da Enciclopdia. Nestaseo, ao focalizar o estatuto privilegiado da educao matemtica nomesmo projeto, procurei argumentar no sentido de que esse privilgiotambm est em harmonia com o pensamento poltico de Diderot.

    Algumas consideraes gerais sobre a propostadiderotiana para a educao matemtica

    Neste artigo, expus e comentei idias relacionadas educao ma-temtica em diversos trabalhos de Diderot. Particularmente, procureiinserir essas idias no contexto de seu projeto poltico de reforma deuma sociedade em desordem. Na proposta pedaggica do filsofo daEnciclopdia, no se pode perder de vista a proximidade entre os sabe-res primordialmente os cientficos e tcnicos e os ideais democrti-cos: no existe verdadeira democracia sem povo instrudo (Romano,1996). Ao mesmo tempo, uma nao no progride em nenhum sentidose o Estado no proporcionar essa instruo a todas as classes sociais.Chamando a ateno para a desigualdade entre as capacidades naturaisdos indivduos, Diderot claro: para funcionar bem, a sociedade preci-sa do trabalho da maior parte dos cidados (que constituem o pblico-alvo de seu projeto pedaggico), os quais precisam dominar conheci-

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    mentos teis como a matemtica. Mas uma nao no pode se dar aoluxo de perder as potencialidades dos mais capazes da a exigncia deque as portas da escola se abram indistintamente a todos os filhos dessanao. essencial a seguinte passagem, freqentemente citada do Pla-no de uma universidade, na qual o autor explica essa concepo:

    Eu digo indistintamente, porque seria to cruel quanto absurdo condenar ignorncia as condies subalternas da sociedade. Em todas, h conheci-mentos dos quais a gente no poderia se privar sem conseqncias. O nme-ro de choupanas e de outros edifcios particulares estando para o dos palciosna relao de dez mil para um, h dez mil para apostar contra um que o gnio,os talentos e a virtude sairo antes de uma choupana do que de um palcio[Diderot, 2000, p. 267].

    Como vimos, a insero privilegiada do conhecimento matemticona escala dos saberes se d de forma associada a duas diretrizes princi-pais o princpio de utilidade e o princpio de ligao entre as cincias.A matemtica, sendo necessria a todas as cincias e fundamentando asartes mecnicas que satisfazem necessidades humanas de tipos varia-dos, um saber cujo domnio imprescindvel vida social e profissio-nal no Sculo das Luzes. , pois, um conhecimento essencial no contextoda Europa, e particularmente da Frana desse perodo, no qual o quadrosocial e poltico encontra-se defasado dos progressos econmicos, cien-tficos e tcnicos. No possvel deixar de notar a conscincia de Diderotem relao s demandas que comeam a se constituir em decorrncia dainfluncia dos desenvolvimentos da cincia e da tcnica sobre os meiosde produo.

    Por outro lado, Diderot, como foi sublinhado, v mais vantagens nomtodo de raciocnio da matemtica do que em suas idias, j que ami-de a ela se refere como uma espcie de arte da repetio de proposiesidnticas, e mesmo como a um tecido de verdades internas (citado porSchmitt, 1997, p. 152). precisamente esse mtodo, ao qual ele relacio-na explicitamente a perfeio do conhecimento matemtico em seu es-boo de livro didtico de geometria, que desempenha um papel funda-mental na formao do pensamento. Ao concluir este artigo, importante

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    ressaltar mais uma vez esse aspecto ligado educao matemtica den-tro da obra poltica de Diderot.

    Certamente podem-se levantar questionamentos quanto forma queele prope para essa educao no Plano, levando em conta, como ob-serva Dolle (1973), que, figurando na primeira classe do primeiro cursode estudos, os conhecimentos matemticos, mesmo com a vantagem deter garantida sua abordagem na instruo dos que no pudessem prosse-guir nos estudos, seriam focalizados exclusivamente nesse nvel, nosendo retomados depois para aprofundamento. Dolle levanta tambmdvidas quanto possibilidade de um aprendizado efetivo da matemti-ca em to pouco tempo uma classe de estudos a menos que Diderottivesse pensado, para a aplicao de seu plano, somente em um progra-ma reduzido.

    Todavia, no se pode negar a ousadia de Diderot em relao ao quese fazia na educao da poca e mesmo ao que se propunha ento comoreforma, como ressalta tambm Dolle. A proposta diderotiana de fixaras cincias em lugar das letras, e especialmente em lugar das lnguasantigas, como base da instruo, se apia no s no to enfatizado prin-cpio de utilidade, mas tambm, em grande parte, em uma argumenta-o sobre a capacidade dos jovens para assimilar os conhecimentoscientficos e, particularmente, a matemtica. Dolle assinala o que dife-rencia Diderot de outros proponentes de mudanas na educao de seutempo da seguinte maneira:

    Diderot nega no somente a prtica tradicional dos Colgios e Faculdadesdas Artes, mas tambm os planos de seus contemporneos. No somentesubverte a ordem habitual colocando as lnguas antigas no fim do ciclo dosestudos, mas instaura o plano de uma educao pblica em todas as cin-cias. H, portanto, nele, qualquer coisa de mais radicalmente inovador, e atmesmo revolucionrio, que em seus predecessores, que so, quando muito,reformistas [Dolle, 1973, p. 161].

    Focalizando a matemtica nesse contexto, pode-se terminar reite-rando que para o grande vulgarizador das cincias que foi o enciclopedis-ta, esse conhecimento, embora no possa ser criado por todos, o mais

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    fcil, o mais til e o necessrio a um maior nmero de pessoas. Vistacomo um saber produzido a partir da experincia sensvel, constitui-sede idias que suprem carncias sociais e cujo domnio importante naformao do esprito do homem. certo que seu valor para a educaoreside, em primeiro plano, nas aplicaes prticas e no mundo material;contudo, repito ainda: Diderot considera sempre sua contribuio parao desenvolvimento do pensamento como uma justificativa relevante parapropor o seu ensino aos cidados de uma sociedade livre na qual asluzes so um direito de todos.

    Passados mais de 250 anos desde a publicao dos primeiros vo-lumes da Enciclopdia, esses ideais ainda no se encontram realizadosno Brasil. oportuno lembrar que os Parmetros Curriculares Nacio-nais Ensino Mdio (Brasil, 2000) apresentam como ponto bsico deseu discurso a necessidade de desenvolver o saber matemtico, cient-fico e tecnolgico como condio de cidadania e no como prerrogativade especialistas, ressaltando a importncia da matemtica para as cin-cias e as tecnologias do mundo contemporneo.

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