21.11 - Laura de Mello e Souza_ as Teorias
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8/3/2019 21.11 - Laura de Mello e Souza_ as Teorias
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5Seria exaustivo arrolar as autores que, nos dois ultimos
seculos, de uma forma ou de outra se engastaram nessas ten-
dencias. Por outro lado, qualquer classifica9ao e , nao raro,
arbitniria e seinpre simplificadora, perdendo-se a riqueza e
complexidade de certas interpreta96es. Mas classificar e per-dmivel quando 0 objetivo e didatico.As teorias
A bruxaria e concreta
A grande sintese romantica da bruxaria foi feita por Mi-
chelet, em 1862. Entretanto, cabe inserir 0 grande historia-
dor frances na linhagem dos que, antes dele, acreditaram narealidade dos fatos magicos e da sociedade das bruxas: a his-
toriografia alema, introdutora, no seculo XIX, da tese da bru-
xaria como revivescencia paga.
Ha nuan9as dentro dessa perspectiva. Em 1828, Ernst
Jarcke via a bruxaria como religiao natural comum aos ger-
manicos pagaos dos tempos antigos. Franz Joseph Mone
(1839) introduziu varia9ao ao tema: afirmava que a bruxaria
era culto derivado de' cultos anteriores ao Cristianismo, mas
nao via sua origem na religiao germanica e, sim, em praticasubterranea e esoterica exercida pelos estratos mais baixos da
popula9ao, nos quais, por caminhos varios, teria penctrado
o clilto a Hecate e a Dioniso.
Norman Cohn faz urn apanhado geral desse momenta
da historiografia sobre bruxas:
Para os demon610gos dos seculos XVI e XVII, as cau-
sas da bruxaria se deviam it a9ao do Diabo sobre a Terra;
auxiliavam-no discipulos humanos, e juntos visavam atingir
o plano divino de organiza9ao do Universo. Esses asseclas
demoniacos eram os bruxos, aficcionados de urn culto secre-
to, 0 sabbat. Os demonios, os bruxos e suas pniticas consti-
tuiam uma Contra-Igreja, que devia ser destruida para a
maior gl6ria de Deus.No seculo XVIII, com 0 surgimento do racionalismo,
essa explica9ao deixou de Ser unanimemente aceita, e a bru-
xaria passou a ser identificada, com freqiiencia, it supersti-
9ao e it ignorancia. Mas nao desapareceram de todo os que
acreditavam em bruxas e no seu potencial virulento.
Ceticismo e credulidade encontram-se na raiz de dois en-
foques possiveis quanta it abordagem do fenomeno da bru-
xaria, ambos surgidos no seculo XIX: 0 romantico e 0
racionalista. 0florescimento da antropologia e 0 contata com
as pniticas magicas de povos ditos primitivos permitiram, em
rtossos dias, que urn terceiro enfoque, 0antropol6gico, se so-masse aos dois anteriores.
Nenhuma dessas teorias e convincente (...) nem Jarcke nem
Mone tem condigoes de demonstrar que 0 culto a08 deus.s
antigos - germanicos ou gregos - tenha sldo realmente pra
ticado por grupos clandestinos e organizados na Idade Media.Tambem nao conseguem explicar por que razAo esses grupos,
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ap6s terem passado despercebidos durante quase urn rnilenio,
lograram despertar a atengao nos seculos X V , X V I , X V l I l .
.liarcke e Mone eram cat6licos fervorosos, tendo atuado jun-
. 'to aos j01:naisda cpoca como p-orta-vozes de setores da Igre- ja. Suas tcorias se inserem 'num contexto de violentahostilidade it Revolu
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cic/opediaBritiinica, reeditado sucessivas vezes ate 1966. Num
perfodo de quase quarenta anos, muitos estudiosos apresen-
taram interpretac;oes an;ilogas it sua, aproximando-se algu-
mas vezes daque1as que a influenciaram: a de Michelet, ados
historiadores alemaes do fim do seculo XIX, a de Frazer.
Rouve interpretac;oes fanaticamente catolicas, como a de
Montague Summers, Hist6ria da bruxaria e da demonologia
(1926), adepto da ideia das sociedades secretas, da realidade
do sabbat e inimigo ferrenho do Diabo, que, como os demo-
nologos, acreditava atuante entre os homens. Rouve as as-
sentadas em erudic;ao solida e em cuidadosa pesquisa
folclorica, resgatando crenc;aspopulares europeias para rei-
terar a ideia do culto da fertilidade, como a de Arno Rune-
berg, Bruxaria, demonios e magia dafertilidade (1947). Rouve
ainda as interpretac;oes que se voltaram contra Murray, mas
continuaram polemizando com ela: foi 0caso de A raziorfor
a goat, de Rose, que rechac;aa ideia dos cultos de fertilidade,
mas insiste na existencia da seita das bruxas, ressaltando-Ihe
o aspecto sexualizado e entendendo-a como experi(~nciaexta-
tica tributaria da religiao dionisiaca da Grecia Antiga.
Dois trabalhos mais recentes revigoraram aspectos das
teses de Frazer, Murray e Michelet, modernizando-as: Bru-
xaria na Idade Media, de Jeffrey Russell (1972) e I Benan-
danti, de Carlo Guinzburg (1966). Neste, 0 historiador
italiano revela a sobrevivencia de fertilidade apos mil anos
de Cristianismo oficial. Com base em documentos da Inqui-
sic;aodo Friuli, no norte da Italia, num periodo entre 1575
e 1650, Guinzburg recria a historia de homens e mulheres que
tinham nascido envolvidos pela membrana amniotica,
traziam-na suspensa ao pescoc;o como amuleto e, por oca-
siao das mudanc;as de estac;ao, imaginavam sair noite aden-
tro para combater os bruxos que lhes desejavam destruir as
colheitas. Essas pessoas se autodenominavam benandanti, e
acreditavam que a abundancia das colheitas dependia dessas
batalhas rituais. Apos longos perfodos de interrogatorio, a
Inquisic;ao conseguiu convence-los de que eram bruxos e que
freqiientavam sabbats. Naochegaram a ser condenados, pois
na Italia de 1650 ja nao se condenavam bruxos. Guinzburg
procurou incluir os benandanti do Friuli num conjunto fol-
clorico mais abrangente, aproximando esses ritos dos comba-
tes simbolicos entre inverno e verao,inverno e primavera. Seu
trabalho abriu caminho para uma serle de investigac;oesque
destacaram a persistencia de ritos, crenc;ase condutas religio-
sas herdadas do paganismo e preservadas na vida cotidiana.
Bruxaria na Idade Media, de Russell, apoia-se bastante
na investigac;ao de Guinzburg, mas filia-se sobretudo a Mi-
che1et. Muito bem fundamentado, procura demonstrar que
a bruxaria constituia uma religiao anticrista organizada em
seita e originada a partir de uma heresia. A repressao, sobre-
tudo inquisitorial, teria sido a grande responsavel pela expan-sac da bruxaria. A hostilidade violenta da sociedade crista
possibilitou, assim, que ritos de fertilidade dotados de forte
conotac;ao erotica acabassem se metamorfoseando no temi-
vel sabbat.
Mais recentemente, Pierre Chaunu e Emmanuel Le Roy
Ladurie ensaiaram adesoes urn tanto timidas it tese romanti-
ca da crenc;anas bruxas. Em artigo denominado "Acerca do
fim dos bruxos no seculo XVII", em que polemiza com Ro-
bert Mandrou, Chaunu ve 0surto demonologico que se in-
tensificou nos fins do seculo XVI como traduc;ao deresistencias camponesas acirradas ante 0 esforc;o missiona-
rio de cristianizac;ao do meio rural: "Quando a Igreja se tor-
na desastradamente missionaria nas franjas que tradicio-
nalmente the opoem resistencia, ela obriga a opt;6es vergo-
nhosas. A magia se torna bruxaria, os animistas tradicionais
optam por Sata, contra Deus" 2 Em Camponesesdo Lan-
guedoc, Ladurle retoma a velha ideia romantica de que
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abruxaria integrava a revolta camponesa; mas avanl;a urn
pouco nesse sentido, definindo tal pnitica como forma de eva-
sac da realidade assentada na inversao dos valores da cama-
da dominante. Recentemente, ele se aproximou do enfoque
antropol6gico, como se vera adiante.
imediatamente se tornaria chissico: Magistrados ejeiticeiros
na Franfa do seculo XVII (1968).0 autor se preocupa basi-
camente com a questao da crise, da ruptura verificada no se,
culo XVII no tocante a rela((ao entre a bruxaria e 0universo
mental dos franceses. Antes dessa epoca, a bruxaria tinha tra-90Sbasicamente rurais e populares, sendo perseguida com sa-
nha e sem tregua pelos magistrados das provincias. A partir
do seculo XVII tornou-se urbana e eHtista, passando a pro-
vocar duvidas e indecisoes na magistratura, sobretudo na Cor-
te de Paris. No meio rural, 0pacta demoniaco era pe9a basica
para configurar crimes de bruxaria. Ja nos casos escandalo-
sos do seculo XVII nao havia pacto, mas possessao, e sur-
giam elementos novos: a rivalidade entre as ordcns religiosas
- dos exorcistas, dos confessores -, a clausura em que vi-
viam as freiras, a presen9a de medicos chamados a opinarsabre as possessoes. Estas se multiplicaram como se houves-
se contagio entre as conventos, 0que poderia fazer supor uma
intensifica9ao do satanismo. Entretanto, Mandrou mostra
justamente 0 contnirio: os casos escandalosos marcaram a
crise do satanismo, preconizando 0grande recuo de Sata: "es-
tes processos rumorosos provocaram a tomada de conscien-
cia decisiva, a do meio judiciario mais esc1arecido,informadoc audacioso,,3.
Tomando contato com outros membros da intelligent-
zia francesa -- sobretudo humanistas e homens de ciencia -,os magistrados passaram a enxergar a bruxaria com novas
olhos. Foi nessa epoca que se constituiu urn universo regido
pela Razao, em que a "onipresen9a sobrenatural" (de Deus
ou do Diabo) nos acontecimentos foi substituida pela busca
de uma explica9iio mais racional. 0estabelecimento de nova
jurisprudencia para as crimes de feiti9aria integrou, assim,
o Iento esfor90 do seculo XVII "para ultrapassar a obstacu-
A bruxaria e uma construc;ao mental
Murray, Chaunu, Ladurie e os demais autores acima exa-
minados acreditam na existencia concreta de pniticas que, par
motivos diversos, foram atraves dos tempos identificadas abruxaria. A posi9iio dos racionalistas e diametralmente opos-
ta. Apresentando varia90es, ela se baseia na ideia de que a
bruxaria foi uma elabora9iio mental - abstrata, portanto -dissolvida pdo racionalismo de fins do seculo XVII e do se-
culo XVIII.
Essa analise racionalista se firmou tambem na Alema-
nha do seculo passado. Considerava a bruxaria como Husiio
ou mito comum a epocas barbaras. A vanguarda da civiliza-
9iioocidental cultuava entao a ideia de progresso, venda ne-
Ie 0coveiro das persegui90es a bruxas. Em 1843, Wilhelm
Soldan propunha uma interpreta9iio do fenomeno sob enfo-
que puramente intelectual; olhando para as epocas anterio-
res, considerava-as uma sucessiio de supersti90es submersaspela evolu9iio constante do progresso. Nos diversos paises eu-
ropeus, multiplicaram-se trabalhos que giravam em torno des-
sa tese, e seria enfadonho enumera-los.
Cabe porcm citar os adeptos mais recentes dessa tenden-
cia de inspira9iio positivista. No final da decada de 60, Ro-
bert Mandrou publicou urn estudo sobre a bruxaria que
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10 metafisico a constitui
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indistin
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e os sortilegios eram parte constitutiva. Conclui que as ten-
soes internas da aldeia eram mais relevantes nesse assunto do
que as pressoes externas de juizes e demon610gos. 0seculo .
XVI Ingles conhecia entao a passagem da comunidade estru-
turada e soiidaria para 0 individualismo oriundo do capita-
lismo agnirio. A bruxaria achav.a-se associada as
transforma
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que tern de mais acentuadamente antropol6gico e desbas-
tando-Ihe os tra