211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

239
1 Maria Sylvia Porto Alegre ARTE E OFÍCIO DE ARTESÃO HISTÓRIA E TRAJETÓRIAS DE UM MEIO DE SOBREVIVÊNCIA Tese de doutoramento apresenta- da à Faculdade de Filosofia, Le- tras e Ciências Humanas da Uni- versidade de São Paulo, Área de Antropologia. Orientadora: Profª Dra. Eunice Ri- beiro Durham. São Paulo, maio de 1988

Transcript of 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

Page 1: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

1

Maria Sylvia Porto Alegre

ARTE E OFÍCIO DE ARTESÃO

HISTÓRIA E TRAJETÓRIAS DE UM MEIO DE SOBREVIVÊNCIA

Tese de doutoramento apresenta-

da à Faculdade de Filosofia, Le-

tras e Ciências Humanas da Uni-

versidade de São Paulo, Área de

Antropologia.

Orientadora: Profª Dra. Eunice Ri-

beiro Durham.

São Paulo, maio de 1988

Page 2: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

2

SUMÁRIO

Introdução 3

I - Ofícios Artesanais na vida colonial 11

II - Pecuária e algodão: dois pólos geradores de núcleos artesanais 81

no Ceará Colonial

III - O declínio da escravidão e o "trabalhador nacional" no Nordeste 115

IV - Trabalho artesanal no Ceará do Século XIX

V - Considerações finais: o artesão diante da industrialização

V- Bibliografia

Page 3: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

3

INTRODUÇÃO

Page 4: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

4

O trabalhador nas outrora denominadas "artes e ofícios" é ainda

pouco conhecido no Brasil, tanto do ponto de vista de suas origens como no que

diz respeito à sua condição atual. Entretanto, o trabalho produzido artesanalmente

e o contingente de artesãos existentes, tem tido um papel bem mais significativo,

ao longo do processo histórico, do que se costuma supor.

O próprio Estado vem constatando, há algumas décadas, a impor-

tância do artesanato como meio de sobrevivência de amplas camadas da classe

trabalhadora, especialmente no Nordeste. Em 1975 o Ministério do Trabalho criou

um Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato, com propostas de in-

centivo que viam nele "uma atividade espontânea, desenvolvida no meio rural e

bastante explorada. Dá enorme margem de lucro para os que vendem o produto

fora da área rural, deixando àqueles que o produzem tão somente a satisfação da

criatividade". Tem havido, também, uma crescente atenção em torno do produto

artesanal, da "arte e artesanato popular", como se costuma dizer, por parte dos

interessados na "cultura popular" e suas manifestações, e por setores de mercado

envolvidos de diferentes maneiras com uma "indústria do turismo" em expansão,

que promove o consumo de objetos artesanais, principalmente aqueles que guar-

dam características marcadamente regionais.

Ao acompanhar a trajetória social do artesão é possível verificar que

a produção artesanal que sobreviveu aos avanços do capitalismo industrial não é

uma atividade marginal, isolada, que por motivos circunstanciais ainda persiste em

alguns pontos do país, em geral nas regiões mais pobres. Pelo contrário, suas

vinculações com a sociedade mais ampla são antigas e profundas, mergulham no

passado colonial e acompanham as mudanças sociais, mesmo quando se concen-

tram em núcleos aparentemente isolados, geograficamente distantes dos centros

dinâmicos e hegemônicos.

Page 5: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

5

O pressuposto que orienta este estudo é o de que não se podem dis-

cutir questões do tipo "como e porque" o artesanato se mantém, declina ou se ex-

pande sem antes empreender a tarefa de reconstruir mais de perto sua origem e

evolução, ainda pouco conhecidas.

Como é sabido, o artesanato no Brasil distanciou-se, de muitas ma-

neiras, do modelo clássico europeu, marcada que foi, em sua origem, pelo traba-

lho escravo e pelo peso das interdições da dominação colonial, mas, por outro

lado, há uma série de pontos de confluência com essa via clássica, decorrentes do

próprio passado colonial, que transplantou para o Brasil as instituições jurídicas,

as técnicas e a organização social do trabalho que lhe serviram de base.

A reconstrução da história dos grupos marginalizados e secundários

é sempre difícil. No caso do artesão, as dificuldades são ainda maiores, pelas

condições específicas de realização do trabalho: os laços de dependência e com-

plementaridade entre os pequenos artífices e os setores dominantes eram camu-

flados, complexos na sua identificação, a produção articulava-se de forma difusa e

fragmentada à economia de mercado, realizando-se através da combinação de

formas variadas de trabalho doméstico, familiar e oficinal, largo emprego de mão-

de-obra feminina e infantil, valendo-se de tecnologias rudimentares, da transmis-

são prática da aprendizagem, que se reproduz de geração a geração através de

longos processos que a memória social tende a esquecer e cujos registros, quan-

do existem, vão se perdendo.

O artesanato ocupou sempre os espaços periféricos e intersticiais da

vida social, caracterizando-se por uma produção e comercialização dispersa e

atomizada, baixa produtividade, insuficiência de recursos financeiros e ausência

de "racionalidade", do ponto de vista da orientação geral do sistema dominante.

No Ceará, onde foi realizada a maior parte deste estudo, é um meio

de sobrevivência antigo e bastante diferenciado. Reproduz-se ainda hoje, de for-

ma continuamente recriada e adaptada, de maneira um pouco semelhante ao que

ocorre com a agricultura de subsistência, com a qual possui vínculos também an-

tigos e profundos. Mesmo quando se insere na vida urbana, o artesão, muitas ve-

Page 6: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

6

zes um migrante, conserva práticas e representações próprias do mundo rural.

Seus referenciais de vida e trabalho se reportam a uma ordem social cuja base

está na estrutura rural sertaneja e suas relações de trabalho e poder. Assim, é

através da compreensão do processo histórico das relações sociais no campo que

melhor se pode situar o artesanato cearense, e não da perspectiva da economia

urbana.

A origem das "artes e ofícios" na cidade é fundamental para a re-

construção do trabalho artesanal em outra áreas, como Salvador, por exemplo, ou

o Rio de Janeiro, centros urbanos onde essas atividades se expandiram e flores-

ceram no Brasil-colônia.

Os dois primeiros capítulos tratam do artesão colonial. A maior parte

da documentação foi consultada em Lisboa, no Arquivo Histórico Ultramarino, Ar-

quivo Nacional da Torre do Tombo e Biblioteca Nacional, entre 1983 e 1984, onde

permaneci como pesquisadora visitante. O primeiro capítulo mostra que os ofícios

artesanais, embora não sendo um setor essencial, se expandiram e se diversifica-

ram, sobretudo no século XVIII, como parte do crescimento das cidades e das

próprias necessidades do Estado no empreendimento de construção do aparato

material administrativo e defensivo.

A Igreja teve papel importante, no ensino em suas oficinas e controle

da mão-de-obra artesanal, corresponsável que foi pela organização das corpora-

ções de ofício e confrarias que regulavam o trabalho em moldes semelhantes às

suas congêneres em Portugal.

O sistema corporativo privilegiou o trabalho dos mestres brancos,

criando restrições a índios, mulatos e negros aos quais estavam destinados os

"ofícios vis", formando-se uma pequena oligarquia mesteiral de certo status nas

principais cidades e vilas. Entretanto, numerosos ofícios eram livres e mesmo os

que não o eram conseguiam escapar ao controle das regulamentações, o que ofe-

receu possibilidades não só de sobrevivência, mas de ascensão social para os

homens pobres livres que conseguiam obter uma especialização profissional.

Page 7: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

7

A presença da escravidão no artesanato é difícil de ser avaliada.

Apesar do aviltamento que representou nas relações de trabalho de uma categoria

cuja característica fundamental é o trabalho independente, por conta própria, é

preciso reconhecer que inúmeros ofícios só se expandiram porque lançaram mão

tanto do escravo negro como do trabalho compulsório indígena, uma vez que a

degradação do trabalho manual não atraia trabalhadores brancos em número sufi-

ciente para atender à demanda. Por outro lado, o domínio de uma "arte" facilitou a

compra da liberdade a uma parcela da população escravizada e constituiu um dos

raros meios de vida dos ex-escravos.

O segundo capítulo analisa o complexo algodoeiro- pecuário nordes-

tino e procura verificar a expansão artesanal possível nesse meio. Embora a in-

dústria rural doméstica estivesse voltada inicialmente para a produção de valores

de uso e tivesse um caráter complementar à agricultura, a autonomia e a propala-

da autarquização das fazendas deve ser relativizada. É difícil avaliar o grau de

mercantilização do setor, porém sabe-se que havia, com frequência, uma escas-

sez de gêneros e necessidades de abastecimento externo.

As trocas entre litoral e interior eram grandes e se faziam nos nume-

rosos mercados e feiras locais, por onde passavam não só o gado e o algodão,

como manufaturados importados e artigos produzidos localmente. No final do pe-

ríodo colonial, o artesanato no campo, assim como a agricultura de alimentos, ha-

via facilitado no Ceará o desenvolvimento da agricultura comercial, pela reprodu-

ção da força de trabalho a baixo custo. Possibilitara, também, a formação de uma

mão-de-obra especializada, na sua maioria treinada pelos jesuítas em suas aldei-

as e oficinas, nos colégios e fazendas.

Antes de abordar a expansão do trabalho artesanal no Ceará no sé-

culo XIX, era importante situá-lo dentro do processo histórico global das relações

de trabalho. O terceiro capítulo aborda esse tema, centrando a questão na passa-

gem do trabalho escravo para o trabalho livre, entre 1830 e 1900. O interesse em

investigar a posição do chamado "trabalhador nacional" no Nordeste resultou de

discussões mantidas no curso de pós-graduação de Lúcio Kowarick, em 1981. A

Page 8: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

8

partir daí, da tentativa de conhecer os meios de sobrevivência do homem pobre

livre, é que se configurou para mim a necessidade de retroceder na periodização

da pesquisa, até chegar às origens coloniais da herança artesanal.

Finalmente, no quarto capítulo, vê-se como a diversificação e a "des-

coberta" do artesanato no Ceará acompanha as alternativas de manutenção do

nível de emprego da "população vegetativa", a crescente camada livre nacional

que, no último quartel do século passado havia formado um "excedente populaci-

onal" forçado a migrar em busca de trabalho em áreas mais dinâmicas do país. O

Estado procura controlar essa mão-de-obra, como sempre havia feito; a violência

das relações sociais é grande e a submissão não se dá de forma passiva.

O artesanato continua e se expandir como parte da estrutura agrária

e dela dependente, de forma dispersa e atomizada, em pequenas unidades ofici-

nais e domésticas. Expandem-se os antigos ramos derivados do couro e do algo-

dão, desenvolvem-se outros como a cerâmica, a metalurgia, a madeira. Os catá-

logos das exposições industriais que divulgam a produção a nível nacional louvam

a qualidade e criatividade da pequena indústria no Ceará, que vai dos objetos de

uso diário aos artigos de luxo e até ao supérfluo.

Surgem as primeiras fábricas de tecidos em 1880, mas o panorama

geral de pobreza e insuficiência das condições estruturais impõe os limites à acu-

mulação do setor e à sua transformação em direção à indústria fabril. Não há

qualquer modificação significativa nas técnicas utilizadas, que continuam rudimen-

tares e pouco mecanizadas; os grandes capitais locais continuam a ser reinvesti-

dos na agricultura e no comércio, não se interessando pela indústria. Chega-se ao

final do período com a constatação, dos próprios contemporâneos, que a pequena

indústria artesanal, tão importante no emprego da força de trabalho, não era, infe-

lizmente, reconhecida como de "interesse geral".

A diferenciação entre artesãos independentes, os chamados "artis-

tas", e a nova camada de operários fabris é confusa e difícil, refletindo um momen-

to de transição em que a categoria aparece de forma híbrida, até mesmo nas pri-

meiras estatísticas que dão conta da sua posição no conjunto das ocupações no

Page 9: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

9

Brasil. Nas considerações finais procura-se introduzir, ou, dizendo melhor, sugerir

a discussão da temática do artesão diante da industrialização, o que deixa inúme-

ras questões em aberto e a certeza de que há ainda muito a ser desvendado a

respeito do tema.

Ao encerrar esta Introdução devo admitir que no decorrer do trabalho

me senti, inúmeras vezes, como que impregnada pelo objeto de estudo. O fazer

diário, paciente e lento da pesquisa exigiu momentos de esforço individual e solitá-

rio que se alternavam com outros, em que a cooperação dos companheiros e o

ensinamento dos mestres se tornavam indispensáveis. Nessa convergência pude

perceber a importância dos longos anos de aprendizado, iniciado no curso de Ci-

ências Sociais da Universidade de São Paulo, onde me formei, ainda nos tempos

da antiga Rua Maria Antônia. Ali adquiri os fundamentos da formação teórica e

metodológica que me tem servido de orientação até hoje, e é aos meus professo-

res de então que quero registrar meu primeiro agradecimento.

Ao voltar à USP, para o curso de pós-graduação, a experiência pro-

fissional somara-se à formação acadêmica e só me senti confiante em abordar o

tema escolhido em face da convivência que tive, por mais de dez anos, com artis-

tas e artesãos do Ceará, e o progressivo conhecimento que fui adquirindo sobre a

sociedade nordestina, desde que me vinculei como professora à Universidade Fe-

deral do Ceará, em 1976. Os princípios analíticos que norteiam a interpretação

representam, para mim, o conjunto de elementos que se fundiram ao longo desse

processo, ainda em continuidade.

Quero expressar o principal agradecimento à minha orientadora, Eu-

nice Ribeiro Durham, pela confiança que depositou em meu trabalho e pela argú-

cia da análise penetrante e exigente com que sempre me estimulou. Sou grata ao

estímulo inicial de Célia Galvão Quirino e José Francisco Quirino, que leram a

primeira versão do projeto e me incentivaram a prosseguir. Ao Departamento de

História da Universidade de Barcelona, ao qual estive vinculada como pesquisado-

ra visitante em 1983-1984 e onde descortinei novos horizontes na elaboração dos

dois primeiros capítulos.

Page 10: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

10

Igual contribuição me foi dada pelo estágio nos arquivos portugue-

ses, onde, além da consulta exaustiva de vasta documentação, aprendi a relativi-

zar meus conhecimentos sobre a empresa colonial, a partir de historiadores portu-

gueses, principalmente Oliveira Marques, que me fez ver a dimensão tomada pelo

Brasil ao se tornar, no século XVIII, a "essência do próprio Portugal". Agradeço

aos funcionários do Arquivo Histórico Ultramarino, da Biblioteca Nacional e do Ar-

quivo Nacional da Torre do Tombo, de Lisboa, pela solicitude com que me recebe-

ram, bem como a todos os que me atenderam nas bibliotecas brasileiras, especi-

almente aos funcionários da Biblioteca do Estado do Ceará, onde realizei a se-

gunda parte da pesquisa.

Na etapa final do trabalho, foi extremamente valiosa a oportunidade

que tive de discutir resultados parciais e alguns capítulos no grupo de trabalho de

"Sociologia da Cultura" da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em

Ciências Sociais - ANPOCS, e no Centro de Estudos Rurais e Urbanos - CERU,

da USP.

Foi igualmente valiosa para a reflexão e redação final da tese, a pes-

quisa que realizei em 1986 para a FUNARTE, sobre arte popular e artesanato no

Ceará hoje, na medida em que serviu de contraponto entre o passado e o presen-

te da condição do artesão.

Devo muito ao apoio recebido da família e dos amigos, em todos os

momentos, assim como aos muitos companheiros e colegas com que sempre tive

o conforto de contar. A Irlys Alencar Firmo Barreira, ouvinte sempre atenta, com-

panheira generosa e solidária desse percurso acidentado, mas de saldo positivo.

A Rosemary Conti Furtado, pela ajuda nos momentos difíceis. A Maria Helena

Rossetti, pelo apoio indispensável que me deu. A Leonidas Adolpho Costa Souza,

pelos conselhos, sabedoria e energia que me tem transmitido. A Ismael de Andra-

de Pordeus Júnior, mais do que amigo e colega, um irmão de todas as horas,

principal cúmplice da fase final dessa travessia.

Quero dirigir um agradecimento coletivo aos bolsistas e estudantes

que, em diferentes momentos, me auxiliaram na coleta e organização dos dados

Page 11: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

11

e, ainda, a Carlos Marcos Augusto que me ajudou na produção final do relatório e

a Josely Pinto de Almeida pela paciência na datilografia dos originais.

Page 12: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

12

CAPÍTULO I

OFÍCIOS ARTESANAIS NA VIDA COLONIAL

Page 13: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

13

Até meados do século XIX, a palavra arte expressava o conjunto de

regras e métodos observados na execução de uma obra. Na sociedade medieval

portuguesa, incluíam-se nela tanto as "artes liberais", isto é, o conjunto do saber

literário da Idade Média, como as "artes mecânicas". Sua evolução está associada

a termos como fábrica, indústria, máquina, operário, técnica; definia-se o artífice

como aquele que "exercita alguma arte ou ofício mecânico" e o artista como o in-

divíduo "destro em alguma arte". No uso corrente, artista era sinônimo de artífice.

(1)

A palavra indústria tem evolução semelhante. Seu sentido antigo ex-

pressava trabalho, atividade, habilidade. No século XVIII equivale a termos como

arte, manufatura, fábrica e é só a partir do século XIX que passa a designar pre-

dominantemente indústria fabril. (2)

Em fins do século XIX o termo artífice havia caído em desuso, substi-

tuído ora pelo termo operário ora por artista, conforme se tratasse de um trabalha-

dor na indústria fabril ou nas artes e ofícios manuais. Entretanto, era cada vez

mais generalizado o uso da palavra artista no seu sentido contemporâneo de "cul-

tivador de belas-artes". Com efeito, Frei Domingos Vieira, no Tesouro da Língua

Portuguesa de 1871, discute a evolução do termo para concluir:

"Artista - no sentido moderno, o que cultiva uma arte liberal, e

assim só compete este nome ao escultor, pintor, arquiteto,

músico, ator, poeta, ou mesmo ao que tem o sentimento do

belo". (3)

As modificações no conteúdo semântico exprimem, com muita pro-

priedade, as grandes transformações por que passaram as artes e as indústrias

Page 14: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

14

no mundo moderno e contemporâneo. Na antiga sociedade medieval europeia, os

indivíduos que nelas trabalhavam faziam parte da mesma categoria social, imer-

sos na organização coletiva das corporações de ofício e relativamente autônomos

enquanto autores e criadores.

As conhecidas transformações sociais de desenvolvimento do capita-

lismo trouxeram em seu bojo a formação de duas novas categorias, opostas e mu-

tuamente excludentes: a arte burguesa e o trabalho operário. O processo de divi-

são social do trabalho, a especialização do trabalhador em tarefas parcelarias, a

ascensão social do artista criador, livre da tutela da Igreja e do Estado, a formação

do mercado de trabalho, a separação e sobreposição do trabalho intelectual sobre

o trabalho manual, foram os fatores fundamentais constitutivos da oposição da

esfera da arte à esfera do trabalho produtivo.

Na produção artesanal, pelo contrário, o processo de trabalho se ca-

racterizava pela integração entre as duas esferas, não havendo uma imposição do

saber sobre o fazer, mas uma fusão entre elaboração intelectual e perícia técnica,

entre "engenho e arte", arte e trabalho.

As "artes e ofícios" encontraram seu pleno florescimento na era do

capitalismo mercantil, período de riqueza e fervilhamento do artesanato, com a

intensa vida comercial e industrial das cidades europeias, Florença, Milão, Vene-

za, Amsterdam, Londres, Paris, Sevilha, Barcelona, Lisboa.

Na América colonial, o peso das interdições, dos monopólios metro-

politanos, do recrutamento da mão-de-obra compulsória, da dominação sobre as

sociedades indígenas, tinha necessariamente que conduzir essas atividades por

caminhos diferentes. Portugal e Brasil, de um lado e do outro do Atlântico, partici-

param da expansão e declínio das artes e ofícios pré-industriais, entre os séculos

XVI e XVIII, com as peculiaridades e especificidades impostas pelas relações en-

tre metrópole e colônia.

A historiografia brasileira tende a analisar antes os fatores de entrave

do que os de expansão artesanal e industrial, no período da colonização portu-

guesa. São poucos os estudos sobre aspectos concretos, tais como as modalida-

Page 15: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

15

des e ramos de produção, sua estrutura interna, as relações de trabalho, o recru-

tamento e aprendizado da mão-de-obra, técnicas e processos empregados, a fa-

bricação do produto, sua circulação e consumo. Aspectos importantes para um

conhecimento mais preciso de uma atividade que, se não era estimulada, tam-

pouco deixou de fazer parte do projeto de implantação e desenvolvimento do do-

mínio português sobre as novas terras.

Quanto ao artesão colonial, há uma forte tendência ao obscureci-

mento dessa categoria, com base na premissa de que o trabalho escravo desvir-

tuou o trabalho artesanal naquilo que mais o caracterizava, ou seja, o fato de ser

exercido por mestres e oficiais livres e autônomos, proprietários da matéria-prima

e dos instrumentos de trabalho. Assim, não se tem um estudo de conjunto sobre a

organização dos ofícios no Brasil, sua estrutura jurídica e administrativa, o funcio-

namento das corporações, o controle da prática artesanal, os artesãos que esca-

pavam a esse controle, o artesão na cidade e no campo, sua posição, status, seu

lugar, enfim, na sociedade.

No Brasil colonial, essencialmente agrário e rural, onde as cidades

eram, sobretudo, entrepostos comerciais e centros de administração e controle

político metropolitano, não se pode negar que o trabalho artesanal tenha tido es-

cassa importância, do ponto de vista da orientação geral do sistema. Os efeitos

negativos da política mercantilista portuguesa sobre as atividades artesanais, ma-

nufatureiras e industriais fizeram com que elas se desenvolvessem apesar de e

quase à revelia do governo português. Seu peso foi insignificante, se julgado em

termos do valor monetário ou quantidades produzidas, em uma relação colônia-

metrópole que se assentava na exportação de produtos primários, no monopólio e

na importação de manufaturas.

Entretanto, acreditamos ser possível demonstrar que o trabalho arte-

sanal no Brasil teve uma presença bem maior do que a que lhe tem sido atribuída,

atingindo, para os padrões da época, um grau elevado de diferenciação e comple-

xidade. Isso ocorreu, sobretudo, no século XVIII, quando o crescimento demográ-

fico e a expansão da vida urbana deram impulso não só às artes, aos ofícios ma-

Page 16: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

16

nuais e mecânicos e às manufaturas, como também ao pequeno comércio e aos

serviços, destinados ao mercado interno, ocupando espaços deixados vagos pelo

setor mercantil exportador e compondo um espectro profissional bem mais amplo

e diversificado do que sugerem as abordagens que, partindo do sistema colonial

como um todo, chegam à conclusão de que fora do setor dominante da agricultu-

ra e do comércio para o mercado externo, a vida produtiva da colônia se limitava a

atividades vegetativas e de subsistência.

Tais espaços consistiam, basicamente, na produção de bens, artigos

e serviços para consumo local e regional, um mercado ainda embrionário, formado

por diferentes camadas sociais, cujas necessidades não podiam ser totalmente

preenchidas, quer com a importação de manufaturados, quer com a produção do-

méstica para autoconsumo.

Crescimento demográfico e expansão das atividades artesanais.

Um estudo de conjunto sobre o trabalho artesanal no Brasil colonial

se vê limitado por uma série de lacunas, a começar pelas dificuldades de reconsti-

tuição das características demográficas da população, seu tamanho, dispersão

territorial, distribuição etária e sexual, composição étnica, ocupação e empregos,

que são elementos básicos para situar a questão do trabalho e, dentro dela, o se-

tor artesanal.

Pode-se, entretanto, constatar que as dificuldades iniciais de povoa-

mento começaram a ser superadas a partir do século XVII. A população do país,

que se situava, em 1576, entre 57.000 e 100.000 habitantes, por volta de 1600

havia subido para cerca de 200.000, (4) registrando-se um processo crescente de

atração da população de Portugal em direção ao Brasil. Para evitar a saída exces-

siva, o governo português dá início a medidas restritivas à emigração já em 1670,

pois as perspectivas de enriquecimento com as descobertas de ouro passaram a

atrair milhares de pessoas, sobretudo da Madeira, dos Açores e do norte de Por-

Page 17: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

17

tugal, provocando, segundo Charles Boxer, a primeira grande corrida do ouro da

idade moderna. (5)

A partir de 1720 a colônia já se consolidara como centro econômico

do império português, com implicações sociais e políticas de tal ordem, diz o histo-

riador Oliveira Marques, que se poderia considerar o Brasil como "essência do

próprio Portugal". O autor estima que nas duas primeiras décadas do século XVIII,

cerca de cinco a seis mil pessoas haviam saído de Portugal para tentar sorte e

fortuna no Brasil. Essa evasão era tão elevada para o pequeno país que resultou

na proibição da emigração de toda pessoa "que não fosse provida em governo ou

ofício da justiça ou fazenda, e devidamente munida de passaporte". (7)

O crescimento demográfico se mantém elevado para os padrões da

época até fins do século XVIII, contribuindo para isso a entrada de portugueses e

outros imigrantes europeus, o aumento do tráfico de escravos africanos, a incorpo-

ração dos índios e o próprio crescimento vegetativo da população.

As primeiras estatísticas gerais datam de 1775, quando o governo da

metrópole introduz medidas para obter informações mais seguras, que permitis-

sem não só conhecer, mas controlar essa crescente população. A importância

desses levantamentos pode ser avaliada pelo comentário do governador da Bahia

em minucioso mapa estatístico enviado ao Ministro da Marinha, em Lisboa, o qual

"dá muitas luzes a quem governa":

"... é de suma utilidade para se conseguir a felicidade da

tranquilidade pública... tanto mais se faria preciso em as po-

pulações maiores das cidades, e muito mais necessário, co-

mo indispensável nas Cortes, no Juízo da Intendência da Po-

lícia, porque pelo meio dele se vem no pronto conhecimento

dos indivíduos, das suas ocupações, modos de vida, empre-

gos, dos seus estabelecimentos, das idades, dos vadios, va-

gabundos, e ociosos". (8)

Page 18: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

18

Nessa época a população total do país se situava entre 1.500.000 e

1.900.000 habitantes, espalhados por quinze capitanias. A mais povoada era Mi-

nas Gerais, vindo em seguida Bahia, Pernambuco, Rio de janeiro e, mais abaixo,

São Paulo.

População do Brasil, por capitanias, 1772-1782.

Capitania Total Por cento

Rio Negro 10.386 0.6

Pará 55.315 3.5

Maranhão 47.410 3.0

Piauí 26.410 1.7

Pernambuco 239.713 15.4

Paraíba 52.468 3.4

Rio Grande do Norte 23.812 1.5

Ceará 61.408 3.9

Bahia 288.848 18.5

Rio de Janeiro 215.678 13.8

Santa Catarina 10.000 0.6

Rio Grande de S.

Pedro

20.309 1.3

São Paulo 116.975 7.5

Minas Gerais 319.769 20.5

Goiás 55.514 3.5

Mato Grosso 20.966 1.3

Total 1.564.981 100

Fonte: Alden, Dauril. Population of Brazil in the

Late Eighteenth Century: A Preliminary Study.

Page 19: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

19

Hispanic American Historical Review. V. XLIII,

1963, P. 191.

Por volta de 1820, a população brasileira, que era aproximadamente

4.000.000 habitantes, já havia suplantado a de Portugal, que tinha 3.100.000 habi-

tantes. (9)

Um dos aspectos mais característicos do século XVIII no Brasil foi o

incremento do que se poderia chamar um segundo circuito econômico, fora dos

quadros predominantes da agricultura de "plantation" do litoral e do binômio "se-

nhores e escravos", que dominava as relações de trabalho. Esse circuito desen-

volve-se ligado à interiorização da colonização e ao mercado interno, através da

pecuária extensiva, do fornecimento de gêneros alimentícios e de bens de consu-

mo para o setor dominante.

A multiplicação dos núcleos urbanos e o fortalecimento dos merca-

dos locais e regionais favoreceram o artesanato e o pequeno comércio, tanto nos

grandes centros como Salvador, Recife e Rio de janeiro, como nas inúmeras vilas,

aldeias e povoados por onde transitavam os gêneros de troca entre o litoral e o

interior. Isso ocorreu notadamente nas áreas da mineração, onde a rápida expan-

são provocou a escassez dos gêneros e a alta dos preços, gerando grandes lu-

cros no comércio de mantimentos e mercadorias de importação e de produção

interna, conforme nos dá conta Antonil:

"... mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, ou-

tras em mandar catar nos ribeiros do ouro; e outras em ne-

gociar, vendendo, e comprando o que se ha mister não só

para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar...

logo se fizeram estalagens e logo começaram os mercadores

a mandar às minas o melhor que chega nos navios do reino,

e de outras partes, assim de mantimentos, como de regalo, e

de pomposo para se vestirem, além de mil bugiarias de

França, que lá também foram dar. E a este respeito, de todas

Page 20: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

20

as partes do Brasil se começou a enviar o que dá a terra,

com lucro não somente grande mas excessivo. E não haven-

do nas minas outra moeda mais que ouro em pó; o menos

que se podia, e dava para qualquer coisa, eram oitavas. Da-

qui se seguiu mandarem-se às Minas Gerais as boiadas do

Paranaguá, e as do Rio das Velhas, as boiadas dos campos

da Bahia, e tudo o mais que os moradores imaginavam pode-

ria apetecer-se, de qualquer gênero de coisas naturais, e in-

dustriais, adventícias, e próprias". (10)

As condições pareciam, assim, estimulantes ao florescimento das

oficinas artesanais e da pequena produção doméstica, na medida em que a pros-

peridade do setor exportador abria para o setor de subsistência a possibilidade de

uma mercantilização que transcendia o consumo local, favorecendo a circulação

interna de mercadorias, notadamente na produção têxtil de panos de algodão. (11)

O aprendizado de um ofício, o domínio de uma arte manual ou me-

cânica, a utilização de técnicas trazidas pelos colonos e adaptadas às condições

locais, mescladas às práticas artesanais indígenas e de origem africana, passa-

ram a ocupar um contingente não desprezível de trabalhadores, como se pode

depreender de alguns mapas estatísticos que serão examinados adiante. Não

porque esses ofícios tivessem sido favorecidos por qualquer incentivo da política

metropolitana, mas simplesmente porque constituíam, além da agricultura e do

pequeno comércio, um dos raros meios de sobrevivência de uma população que,

de outra forma, tendia a engrossar a fileira dos ociosos que tanto preocupavam os

governantes, na ameaça que representavam para a "tranquilidade pública".

O trabalho artesanal doméstico e as pequenas oficinas, assim como

o comércio ambulante das ruas, feiras e estradas são citados de passagem pelos

primeiros historiadores que descrevem as condições de vida dos bairros pobres da

cidade, da periferia e das zonas rurais. (12) Eram atividades de escassa importân-

cia econômica, que não atraiam os setores dominantes, ocupados com o empre-

endimento agroexportador, mas sim as camadas mais pobres da população - ho-

Page 21: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

21

mens livres e forros, brancos, mulatos, negros e índios, marginalizados da estrutu-

ra produtiva dominante, além de escravos de aluguel ou trabalhando para seus

senhores.

A mencionada atração de imigrantes portugueses e, em menor grau,

de outras partes da Europa, no século XVIII, trouxe uma mudança qualitativa na

composição da população branca da colônia que também viria a influenciar a ex-

pansão das artes e ofícios. Joel Serrão faz uma distinção entre o "colonizador" dos

dois primeiros séculos, que deixava o país por iniciativa do Estado ou integrado a

uma empresa ou Companhia e esse novo tipo de imigrante, que se dirigia espon-

taneamente e apesar das restrições e proibições, para tentar a sorte e buscar ri-

queza no novo mundo. (13) Entre eles vinham inúmeros artífices, além de comer-

ciantes e agricultores, que acabavam por se integrar com seus ofícios à vida pro-

dutiva, já que a ilusão do ouro nem sempre se concretizava para os que não dis-

punham de grandes capitais.

A esses contingentes somavam-se os escravos artesãos, também

notados com frequência pelos viajantes e cronistas e cuja presença nas oficinas

representou uma diferença fundamental nas relações de trabalho no artesanato

colonial, em comparação com a forma clássica segundo a qual esse setor se

constituiu, ou seja, a partir do trabalhador livre e proprietário dos instrumentos de

produção. A serviço do dono ou trabalhador de aluguel, o escravo que dominava

um ofício especializado encontrava aí possibilidades de comprar sua liberdade ou,

pelo menos, fugir ao jugo mais pesado do trabalho na agricultura e nas minas.

As oscilações do setor exportador e suas frequentes crises e instabi-

lidade também tiveram efeitos sobre a expansão das atividades artesanais, na

medida em que provocavam movimentos de migração interna, seja de uma região

para outra, seja da costa para o interior, seja nas frentes móveis da fronteira terri-

torial. É o caso, por exemplo, do desenvolvimento dos núcleos de tecelagem de

algodão no interior de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Bahia, gerados pelos

mineiros da primeira metade do século XVIII e do crescimento das manufaturas de

Page 22: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

22

couro e algodão no sertão nordestino, nos períodos em que a produção açucareira

entrava em crise na zona da Mata.

A queda das exportações e o empobrecimento dos grandes proprie-

tários, segundo Celso Furtado, tendiam a favorecer o crescimento do setor artesa-

nal interno devido à diminuição da capacidade de importação. (14)

A política monopolista portuguesa não ficou indiferente a um possível

desenvolvimento industrial na colônia. A partir do governo do Marquês de Pombal,

o esforço industrial do próprio Portugal, também ele um país agrário, atuou no

sentido de frear o processo manufatureiro no Brasil para não prejudicar a exporta-

ção de produtos do Reino. A preocupação se justificava, uma vez que, em fins do

século XVIII, nove décimos das exportações portuguesas tinham por destino o

Brasil. (15)

A manifestação mais evidente dessa política é o conhecido Alvará de

1785, que proibia todas as fábricas, manufaturadas e teares de tecido, exceto a

fabricação de panos de algodão destinados ao enfardamento e empacotamento

de mercadorias. Fernando Novais chama atenção para o escasso desenvolvimen-

to que tinham, na realidade, as manufaturas proibidas: sedas, veludos, cetins, ta-

fetás, fustões, linhos, uma vez que as tendências estruturais da colônia não favo-

reciam o surgimento de fábricas que pudessem competir com os têxteis importa-

dos.

O que, sim, havia em muitas capitanias eram manufaturas de fazen-

das grossas, permitidas e toleradas pelo próprio Alvará. As condições locais pode-

riam até ter estimulado essa produção de tecidos grosseiros, acrescenta Novais,

na medida em que, como já foi observado, a prosperidade do setor exportador

abria para o setor de subsistência a possibilidade de uma produção que transcen-

dia o consumo local, favorecendo a circulação interna de mercadorias. (16)

O arrazoado que serve de base às medidas proibitivas do Alvará de

1785 deixa patente também, a preocupação do governo português com o desvio

de mão-de-obra da agricultura e da mineração para as fábricas e manufaturas e o

prejuízo que isso poderia representar para seus interesses:

Page 23: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

23

"... é evidente que quanto mais multiplicar o número de fabri-

cantes, mais diminuirão o dos cultivadores, e menos braços

haverá que se possam empregar no desenvolvimento e rom-

pimento de uma grande parte daqueles extensos domínios,

que ainda se acha inculta e desconhecida. nem as sesmari-

as, que formam outra considerável parte dos mesmos domí-

nios poderão prosperar, nem florescer por falta do benefício

da cultura, não obstante ser esta a essencialíssima condição

que foram dadas aos proprietários delas. E até nas mesmas

terras minerais ficará cessado de todo, como já tem conside-

ravelmente diminuído a extração do ouro e diamantes, tudo

procedido da falta de braços que devendo empregar-se nes-

tes úteis e vantajosos trabalhos, ao contrário, os deixam, e

abandonam, ocupando-se em outros totalmente diferentes,

como são os das referidas fábricas e manufaturas. E consis-

tindo a verdadeira e sólida riqueza nos frutos e produção da

terra as quais somente se conseguem por meio de colonos e

cultivadores, e não de artistas e fabricantes ...". (17)

De fato, apesar da expansão demográfica, havia ainda no Brasil, no

final do período colonial "uma grande e conhecida falta de população", como reco-

nhecia o Alvará. Era, pois, inteiramente coerente que o Estado português procu-

rasse concentrar a mão-de-obra nos setores que lhe eram essenciais. Isso signifi-

ca dizer que as possibilidades de expansão do artesanato e da indústria estavam

intrinsecamente relacionadas com a questão do trabalho e encontravam nela um

de seus principais limites.

Tipos de produção artesanal.

A economia colonial permite distinguir três formas básicas de organi-

zação do trabalho industrial no Brasil: a utilização de uma mão-de-obra especiali-

zada, em número reduzido, nas indústrias extrativas e manufatureiras de base

Page 24: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

24

escravista, que necessitavam de técnicos nas diferentes etapas de fabricação ou

processamento dos produtos; a pequena produção artesanal doméstica e familiar

no campo, complementar à agricultura e à criação de gado e de caráter sazonal; e

os agrupamentos de artífices propriamente ditos, dedicados às artes e ofícios, li-

vres ou organizados, nas vilas e cidades.

A indústria extrativa e manufatureira, disseminada pela costa e pelo

interior, estava na dependência direta das fontes de matéria-prima e do tipo de

exploração econômica predominante em cada região. Incluía, basicamente, os

seguintes setores produtivos:

- fabricação de açúcar.

- curtição de couros e peles, fabricação de solas e produção de char-

que.

- mineração de ouro e lapidação de diamantes e pedras preciosas.

- preparação de tabaco em fumos de rolo.

- extração de tinturas e corantes da madeira.

- extração de sal.

- extração de azeite de baleia.

- fabricação de anil.

- fabricação de ferro.

A produção industrial colonial no Brasil pode ser comparada, em ter-

mos da exploração do trabalho, ao que ocorria nas minas de prata, cobre e mer-

cúrio e nas obrajes da América espanhola, onde a mão-de-obra compulsória tra-

balhava nas manufaturas de lã, algodão, linho e seda. (18) É preciso lembrar que

essas formas de produção industrial se formaram em um período de grandes

transformações, a nível internacional, na esfera da divisão social do trabalho e da

Page 25: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

25

organização produtiva, sob cujas determinações se constituiu a moderna indústria

fabril.

As análises sobre a formação do capitalismo, entre os séculos XVI e

XVIII, acentuam as mudanças na base técnica e material como elemento decisivo

para o predomínio do capital industrial sobre os processos de trabalho. Assim é

que Marx aponta o fato de que as atividades subsidiárias, como a fiação e a tece-

lagem no campo, são as primeiras a serem submetidas à manufatura, por implica-

rem em um tipo de trabalho que requer menor habilidade e treinamento, ao passo

que é necessário um alto grau de progresso técnico para orientar os ofícios urba-

nos em direção à indústria fabril. (19)

Na Idade Média, quando a maioria da população vivia no campo, a

pequena indústria e as artesanias locais, voltadas para a produção de valores de

uso, proviam os mercados locais dos artigos necessários à vida cotidiana. O sur-

gimento de novas formas de organização do processo manufatureiro e o aumento

da demanda de produtos pelo mercado externo alteraram a estrutura da indústria

rural, subordinando-a as determinações do capital comercial. (20)

A notável expansão do comércio externo de manufaturas têxteis se

dá, sobretudo, na Inglaterra. "Provavelmente, nenhum país dependia tanto da ex-

portação de têxteis durante os séculos quinze, dezesseis e dezessete como a In-

glaterra... A principal função do comércio externo inglês era vender tecidos ingle-

ses e exportar lã inglesa". (21)

As transformações do setor agrário europeu deram origem ao que

tem sido denominado recentemente de protoindustrialização, para diferencia-la do

artesanato tradicional da economia camponesa. (22) A protoindústria estabeleceu

amplas redes de conexão dos trabalhadores rurais europeus, em diferentes está-

gios de produção, com os mercados regionais e internacionais e sua diferença da

pequena indústria rural envolvia os seguintes aspectos: aparecimento de uma

produção destinada ao mercado extra regional e extra nacional e não mais ao

mercado local; participação crescente da população rural nessa produção para o

mercado, geralmente sazonal, que supunha recursos suplementares para a sub-

Page 26: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

26

sistência e pagamento dos trabalhadores; operações finais e especializadas da

produção feitas na cidade; predomínio do capital variável, salários principalmente,

sobre o capital fixo; inter-relação entre protoindustrialização e desenvolvimento da

agricultura mecanizada.

Tentando operar com esse conceito em nível da estrutura colonial,

seria possível situar a exploração extrativa e manufatureira no Brasil como uma

protoindústria no sentido de que seu caráter era essencialmente rural e disperso,

havia a intermediação do capital mercantil, uso extensivo da mão-de-obra e desti-

nação da produção ao mercado exportador, com produção em larga escala.

Essa produção diferia bastante do segundo tipo mencionado, ou se-

ja, a pequena produção artesanal no campo, que se realizava como atividade

complementar à agricultura açucareira, à plantação de algodão e à criação de ga-

do.

A indústria doméstica que se desenvolveu nas zonas rurais brasilei-

ras incluía, por exemplo, os pequenos engenhos de rapadura, mel e aguardente, a

fabricação da farinha de mandioca, olarias de telhas, tijolos e louça utilitária, a ces-

taria, a fabricação de objetos de madeira (bancos, mesas, cadeiras, etc.), de metal

(facas, instrumentos de trabalho e utensílios), de couro (calçados, vestimentas,

móveis) a produção de sabão, velas cordas, a fabricação de redes de dormir, a

fiação e tecelagem de panos de algodão, enfim a produção de uma variedade de

artigos necessários à manutenção interna dos engenhos e fazendas e à reprodu-

ção da força de trabalho, tanto escrava como livre.

A venda do excedente produzido era feita nos mercados e feiras lo-

cais, da mesma forma que a de gêneros alimentícios. Dado o caráter local dessa

produção, sua heterogeneidade, e o fato de que se trata de um tema muito pouco

estudado até o momento, a indústria rural só pode ser avaliada, por hora, através

da análise de casos específicos, o que será feito, no capítulo seguinte, em relação

aos núcleos artesanais gerados no interior da estrutura algodoeiro-pecuária do

Ceará. Somente o acúmulo de estudos de caso dessa natureza para as diversas

Page 27: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

27

regiões do país, permitirá a obtenção de uma visão de conjunto sobre o real de-

senvolvimento da pequena produção artesanal rural no Brasil colônia.

Quanto ao terceiro tipo, isto é, a categoria dos artífices dedicados às

artes e ofícios urbanos, trata-se da forma mais desenvolvida de trabalho artesanal

na colônia. O artesanato urbano aparece de maneira mais diversificada nos gran-

des centros litorâneos como Salvador, Recife, Olinda e Rio de Janeiro e nas cida-

des mineiras de Vila Rica, Mariana, Sabará e São João d'El Rei, sobretudo no sé-

culo XVIII.

Alguns dos ofícios estavam organizados dentro do sistema das cor-

porações, trazidas pela administração portuguesa e por ela controlada. Obedeci-

am a uma hierarquia profissional vertical e horizontal que, em parte, representava

uma transposição da instituição jurídica corporativa e, em parte, reproduzia em

seu interior as barreiras de classe e de cor da sociedade colonizada.

Historicamente, a organização corporativa do artesanato urbano sur-

giu nas vilas medievais europeias do século XI. A repartição dos grupos profissio-

nais em corporações de ofício consuma-se em meados do século XII em países

como a França e a Inglaterra e na região de Flandres. (23) Do ponto de vista da

organização interna, as oficinas tinham um caráter doméstico, onde produção,

comercialização e reprodução da força de trabalho se davam em um mesmo es-

paço, misto de oficina, loja e lar. Por possuírem esse caráter de indústria familiar,

produzindo e vendendo diretamente para os mercados locais, os ofícios urbanos,

diz Braudel, "podem escapar às normas do mercado", resistir às inovações do ca-

pitalismo industrial e sobreviver até fins do século XIX e primeiras décadas do sé-

culo XX. (24)

Nem todos os ofícios eram controlados pelas agremiações. Muitos se

desenvolviam livremente, de forma independente. No Brasil, inúmeros ramos fugi-

ram totalmente à organização corporativa, especialmente aqueles desenvolvidos

pelos índios e pelos negros.

Nas ruas de Salvador, "negros de ganho" misturavam-se a trabalha-

dores livres, tecendo chapéus de palha, fazendo cestos, gaiolas de passarinho,

Page 28: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

28

colares e pulseiras de contas, reunidos nos "cantos" de rua, onde aguardavam

clientela. (25) No Recife, no Bairro de Santo Antônio e da Boa Vista, habitados

"por muitos brasileiros brancos natos e mulatos e negros livres..." Tollenare viu em

cada casa almofadas de fazer renda e as mulheres ocupadas nessa indústria. (26)

Ainda em Salvador, no bairro de Rio Vermelho, o viajante se surpreende com a

importância de certos ofícios livres:

"... E há um estabelecimento de pesca que ocupa 200 negros

em uma cordoaria que só fabrica redes e cordas necessárias

à pesca: daí se pode julgar a sua importância... Quem acredi-

tará que há 100% a ganhar só em levar louça de barro da

Bahia para o Rio de Janeiro?". (27)

Os ofícios urbanos.

Uma das principais fontes de informações sobre a organização das

profissões no Brasil se encontra nos Catálogos da Província do Brasil e da Provín-

cia do Maranhão e Grão-Pará, de 1549 a 1769 (28), dos jesuítas. As profissões

foram ordenadas pelo Pe. Serafim Leite nos seguintes agrupamentos:

a) artes e ofícios de construção

(1) arquitetos e mestres de obra; (2) pedreiros, canteiros e marmorei-

ros; (3) carpinteiros, entalhadores, embutidores, marceneiros, tornei-

ros, tanoeiros e serradores; (4) construtores navais; (5) ferreiros, ser-

ralheiros e fundidores; (6) oleiros.

b) belas artes

Page 29: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

29

(7) escultores e estatuários; (8) pintores e douradores; (9) cantores,

músicos, regentes de coro; (10) oleiros, barristas e ceramistas.

c) manufaturas

(11) alfaiates e bordadores; (12) sapateiros, artífices de sola e curti-

dores de pelo; (13) tecelões.

d) ofícios de administração

14) administradores de engenho, fazendas, pastores, agricultores e

procuradores; (15) salinas; (16) pescarias.

e) ofícios de saúde

(17) enfermeiros e cirurgiões; (18) boticários e farmacêuticos.

f) outros ofícios

(19) mestres de meninos e diretores de congregações marianas;

(20) bibliotecários, encadernadores, tipógrafos e impressores; (21) pi-

lotos; (22) barbeiros e cabeleireiros; (23) ofícios domésticos; (24) ofí-

cios singulares.

Não há fontes catalogadas nos arquivos coloniais, quer no Brasil,

quer em Portugal, que permitam um inventário direto dos ofícios urbanos. Seria

preciso pesquisar, para cada capitania, as informações dispersas nos documen-

tos administrativos, como decretos, leis, alvarás e provisões que regulamentavam

as profissões, e que podiam variar de uma capitania para outra. As atas das câ-

maras municipais são as principais fontes locais, pois cabia às câmaras conceder

licenças para o exercício da profissão, estabelecer controles e recolher os impos-

tos e taxações. Outras fontes são os Regimentos e Compromissos das confrarias

que congregavam os artífices, os arquivos paroquiais e das ordens religiosas, par-

ticularmente os dos jesuítas, alguns mapas estatísticos contendo arrolamentos

das profissões dos moradores e os relatos de viajantes e cronistas.

Page 30: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

30

Os arquivos da Companhia de Jesus são particularmente relevantes

porque os jesuítas foram os responsáveis pelo ensino das artes e ofícios à mão-

de-obra que trabalhava nas oficinas da Companhia, sob a direção de mestres e

oficiais, religiosos e leigos, recrutados na Europa.

De acordo com os Catálogos, havia os chamados "ofícios mecâni-

cos", dos quais faziam parte os pedreiros, carpinteiros, marceneiros, torneiros,

serradores, construtores navais, ferreiros, oleiros, ceramistas, alfaiates, sapatei-

ros, tecelões, tipógrafos, impressores, entre outros. Em outra categoria estavam

as "profissões liberais", arquitetos, entalhadores, escultores e pintores. Os "libe-

rais" estavam isentos das obrigações legais estabelecidas pelas corporações (daí

a origem do termo "liberal"), mas trabalhavam em estreita colaboração com os

mecânicos, ou mesmo exerciam simultaneamente uma profissão "liberal" como a

escultura e o entalhe e outra "mecânica" como a carpintaria e a marcenaria, por

exemplo.

As atas das câmaras municipais podem complementar o inventário

dos ofícios existentes. As da cidade de Salvador, por exemplo, registram uma sé-

rie de ofícios não mencionados nos catálogos jesuítas, como os de cerieiro, latoei-

ro, caldeireiro, ourives, armeiro, polieiro, anzoleiro e padeiro. (29) Em algumas

cidades, pequenos comerciantes, marchantes de carne e vendeiros de porta tam-

bém estavam incluídos entre os mecânicos, assim como os serviços domésticos,

os barbeiros e cabeleireiros, o que dá margem a uma série de dificuldades na de-

limitação da categoria artesanal propriamente dita.

De uma cidade para outra a distribuição ocupacional podia variar

bastante, conforme o tipo de produção dominante na região. Em São Paulo, a te-

celagem foi o principal ofício dos séculos XVI e XVII, entrando em declínio com a

crescente importação de tecidos estrangeiros no século XVIII. (30) O número de

ferreiros, serralheiros e fundidores em Vila Rica era enorme, enquanto em Salva-

dor esses ofícios eram quase inexistentes. Nas inúmeras vilas que floresceram

com a mineração, Mariana, Sabará, São João d'El Rei, a utilização de instrumen-

Page 31: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

31

tos e máquinas relativamente complexas pode ter sido um fator de contribuição

para o desenvolvimento dos ofícios. (31)

Certamente, a existência de matérias-primas era de fundamental im-

portância nesse contexto, como se observa na evolução do mobiliário baiano, per-

nambucano e do barroco mineiro, beneficiados pela abundância de madeiras no-

bres, (32) e na "civilização do couro" das vilas sertanejas da pecuária extensiva,

de que fala Capistrano de Abreu. (33)

Como já foi mencionado, os mercados ampliaram-se no século XVIII,

houve grande expansão demográfica e a multiplicação das vilas e cidades. A Ba-

hia, zona de urbanização mais antiga e ampla, contava com o maior número de

vilas do país. Por volta de 1730, o Brasil tinha apenas 67 núcleos urbanos na ca-

tegoria de vila, 30 dos quais localizados na Bahia. (34) Salvador pode, sem dúvi-

da, ser considerado o maior centro de artes e ofícios do período colonial, pelo me-

nos até a transferência da sede do poder político-administrativo para o Rio de Ja-

neiro em 1763, e é lá que vamos encontrar um certo florescimento e prosperidade

da camada de artífices urbanos.

As artes e ofícios prosperaram também segundo o grau de iniciativa

de dois agentes: o Estado e a Igreja, o governo português e a Companhia de Je-

sus. Ambos trabalharam em estreita colaboração, nos séculos XVI e XVII, no re-

crutamento e formação da mão-de-obra especializada, necessária para a constru-

ção, preservação e defesa do patrimônio material, trazendo mestres europeus,

quando preciso, religiosos e leigos, para ensinar, dirigir e controlar a mão-de-obra

local, recrutada entre a população negra e índia.

Alguns ofícios da construção civil, como os de pedreiro, carpinteiro,

marceneiro, telheiro, expandiram-se em estreita relação com a criação dos centros

de administração ao longo da costa. A folha de pagamento das pessoas que vie-

ram com Tomé de Sousa, na fundação da cidade da Bahia, em 1549, incluía 70

artífices, (além de funcionários civis e militares, homens de armas, padres, senho-

res de engenho, marinheiros e trabalhadores). A maioria dos artesãos vinha para

trabalhar na construção dos edifícios públicos, casa de audiência, câmara e ca-

Page 32: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

32

deia, erigir muros e fortificações, pontes, aquedutos, estradas e construir embar-

cações.

Artífices vindos na fundação da cidade da Bahia, 1549.

Pedreiro 20

Carpinteiros da Ribeira 9

Calafate 6

Serrador 6

Telheiro 6

Carpinteiro 5

Carvoeiro 4

Cavouqueiro 3

Fabricante de cal 2

Ferreiro 2

Serralheiro 2

Carapina 1

Caldeireiro 1

Tanoeiro 1

Ferrador 1

Taipeiro 1

Total 70

Fonte: Relação das pessoas que vieram na funda-

ção da cidade da Bahia... A.N.T.T., Manuscritos do

Brasil, Avulsos, 3.

Em todo o Brasil, o desenvolvimento das cidades exigiu a presença

de um contingente treinado de artífices na construção de obras públicas. Durante

a ocupação holandesa Recife registrou uma expansão do mesmo tipo de ofícios,

tendo o governo de Nassau estimulado a formação de mão-de-obra local para

servir nos estaleiros e ferrarias. Favoreceu a construção de olarias, uma vez que a

demanda era tão grande que, inicialmente, os tijolos tinham que ser trazidos no

Page 33: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

33

lastro dos navios que vinham da Holanda. (35) O número de pedreiros, carpintei-

ros e serralheiros em Pernambuco era insuficiente ainda no século XVIII. Em

1729, por exemplo, o governador da capitania pedia ao rei de Portugal que envi-

asse oficiais para atender às necessidades de reparo das fortificações e para a

construção de obras particulares. (36) No Rio de Janeiro, a demanda maior se

verificou com a transferência da sede do vice-reinado, em 1763, e depois com a

vinda da corte portuguesa, em 1808.

A população quase triplicara entre fins do século XVIII e 1821, pas-

sando de 40.000 para 110.000 habitantes. O movimento de exportação de ouro

pelo porto do Rio de Janeiro já havia provocado um grande aumento das funções

urbanas e da densidade populacional da cidade. O crescimento material se acele-

rou com as mudanças na ordem político-administrativa, de tal sorte que, por volta

da Independência, a nova capital havia tomado a dianteira a Salvador.

As artes e ofícios não se expandem apenas nos grandes centros do

litoral. No século XVIII eles se multiplicam também em Vila Rica e nas inúmeras

vilas que floresceram com a mineração - Mariana, Sabará, São João d'El Rei, on-

de se edifica o maior patrimônio artístico e arquitetônico setecentista no Brasil,

com a construção das inúmeras obras civis e religiosas do barroco mineiro. No

setor da construção, as relações de arremetação de obras do Arquivo Colonial de

Ouro Preto registra um grande número de carpinteiros e pedreiros trabalhando na

edificação de prédios, pontes, calçadas, chafarizes, etc. além de ofícios correlatos,

como oleiros, telheiros, latoeiros e caldeireiros. (37) A formação de mestres e ofi-

ciais chegou a ultrapassar o espaço das oficinas e da aprendizagem prática, para

alcançar o nível do ensino teórico, ministrado nas Aulas de arquitetura e desenho.

(38)

Quanto à atuação da Igreja, os jesuítas tiveram grande ascendência

sobre a coroa portuguesa, até sua expulsão do Reino e seus domínios pelo Mar-

quês de Pombal. Monopolizando o ensino do Colégio Real das Artes e dos cha-

mados "estudos menores" em Portugal desde o século XVI, (39) a Companhia de

Jesus estabeleceu verdadeiros territórios livres e intocáveis na colônia. Foram os

Page 34: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

34

principais beneficiários do controle da mão-de-obra indígena que administravam

nos aldeamentos espalhados por todo o país e exerceram a tutela do trabalho ar-

tesanal, através da organização das confrarias e da criação de oficinas de trabalho

nos Colégios, Igrejas, fazendas e hospitais da própria Companhia. (40)

As oficinas de trabalho não se limitavam apenas ao suprimento da

Companhia, mas também a aumentar suas rendas. No Colégio de São Paulo, em

1736, o maior rendimento provinha das três oficinas, de fundição, ferraria e farmá-

cia. Nas duas primeiras fabricavam-se caldeiras de cobre, estanho e latão, utensí-

lios, arados, grades e fornos. (41) O raio de alcance do trabalho organizado pelos

jesuítas era bem mais extenso do que o do próprio governo, pois além de colé-

gios, residências, fazendas e engenhos, contavam com os aldeamentos já menci-

onados, numerosíssimos em todo o território, do Amazonas ao Rio da Prata, da

costa Atlântica ao Mato Grosso.

De acordo com os Catálogos do Brasil vieram 648 oficiais, padres,

portugueses e de outras partes da Europa, para trabalhar na Companhia, sendo

210 artífices especializados.

Padres Jesuítas nas Artes e Ofícios Coloniais, 1549-1760.

Categorias Número de padres

Artes e ofícios de construção

- arquiteto, mestres de obra 21

- pedreiro, canteiro, marmoreiro 16

- carpinteiro, entalhadores, embutidor,

marceneiro, tanoeiro, torneiro,

serrador.

59

- construtor naval. 5

- ferreiro, serralheiro, fundidor. 3

Page 35: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

35

Belas Artes

- escultor, estatuário. 11

- pintor e dourador. 25

- cantor, músico, regente de coro. 12

- oleiro, barrista, ceramista. 9

Manufaturas

- alfaiate, bordador. 27

- sapateiro, curtidor de pele. 20

Ofícios de administração

- administrador de engenho e fazenda,

pastor, agricultor, procurador.

120

- salineiro. 6

- pescarias 7

Ofícios da saúde

- enfermeiro, cirurgião. 109

- boticário, farmacêutico. 45

Outros ofícios

- mestre de meninos, diretor de con-

gregação mariana.

29

- bibliotecário, encadernador, tipógrafo,

impressor.

9

- piloto. 11

- barbeiro, cabeleireiro. 5

- ofícios domésticos: despenseiro, co-

zinheiro, porteiro, roupeiro, sacristão,

soto-ministro.

84

Page 36: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

36

- artes e ofícios singulares: recoveiro,

calígrafo, mestre de aritmética, geó-

grafo, ourives de prata, químico, fa-

bricante de cal, cereeiro e escultor,

diretor do relógio, fabricante de pa-

pel.

15

Total 648

Fonte: Leite, Serafim. Artes e ofícios dos Jesuítas no Brasil,

1549-1760. Lisboa, Livros de Portugal, 1950.

Setores importantes de atuação da Companhia foram as oficinas de

marcenaria e carpintaria, metalurgia, couro, cerâmica e tecelagem. Marceneiros e

carpinteiros trabalhavam ao lado de escultores e entalhadores, pois além das fron-

teiras tênues que separavam os "liberais" dos "mecânicos", a pobreza do meio, a

escassez de recursos e de mão-de-obra obrigava todos a subsistirem e trabalha-

rem em conjunto. Era grande o número de ferrarias, onde se fabricava principal-

mente instrumentos de trabalho de alta demanda, como machados, foices, enxa-

das, facas, anzóis, pregos, ferramentas, chaves, etc.

Os padres tinham seus próprios curtumes, fabricando solas, arreios,

selas e outros apetrechos de montaria, além de cadeiras e móveis de couro.

Construíram também olarias para a fabricação de tijolos, telhas, ladrilhos, louça

utilitária e peças de cerâmica religiosa e decorativa. Além da fiação e tecelagem

de panos de algodão que empregavam grande número de tecelões, havia nume-

rosos alfaiates, bordadores e costureiras trabalhando para a Companhia que, com

semelhante estrutura, era capaz de garantir um funcionamento quase que total-

mente autárquico de seu patrimônio. (42)

Além de padres e irmãos leigos, um número elevado de mestres in-

dependentes atuou a serviço dos jesuítas, notadamente na execução de obras

religiosas - altares, retábulos, imagens sacras, talhas, crucifixos, portais e facha-

das, móveis, oratórios. Apesar das inúmeras influências (italiana, espanhola, fran-

Page 37: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

37

cesa) a arte da madeira veio para o Brasil através de Portugal e quase sempre da

Igreja, vindo a se criar aqui escolas regionais características, como é o caso do

mobiliário baiano e pernambucano dos séculos XVI e XVII e do barroco mineiro do

século XVIII. (43) Com o desenvolvimento das oficinas que trabalhavam com ma-

deira, chegou-se a estabelecer uma serra hidráulica no Colégio da Bahia, para

abastecer o colégio e obter rendimentos em dinheiro, através da serraria e corte

de madeira para terceiros.

A Companhia possuía também um estaleiro em Salvador, dirigido por

cinco irmãos construtores navais, (três portugueses, um francês e um italiano) e

onde trabalhavam um grande número de carpinteiros da ribeira.

Arquitetos, mestres de obra, escultores, pintores, douradores, mar-

ceneiros e carpinteiros, tanto de origem portuguesa como nascidos no país, es-

tenderam sua atuação para além do âmbito das artes luso-brasileiras. Na região

do Rio da Prata, sobretudo em Buenos Aires e Montevidéu, muitos artistas e arte-

sãos do Brasil e de Portugal trabalharam em obras de arquitetura, escultura, ouri-

vesaria, marcenaria e carpintaria. Sua presença, segundo um estudioso argentino,

"foi tão importante que modificou a fisionomia de nossas artes, criando uma escola

regional na qual os elementos espanhóis e lusitanos se fundiram em harmônica

conjunção, até lograr características próprias, modestas, mas originais, dentro do

vasto panorama da arte hispano-americana dos séculos XVII e XVIII". (44)

Outros elementos para uma tipologia dos ofícios urbanos podem ser

encontrados nos Censos do século XVIII, que oferecem uma ideia, ainda que in-

completa, da demografia profissional da época, da diversidade de ocupações, da

relação entre profissão e cor, renda, status social, divisão sexual e composição

familiar.

Page 38: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

38

O censo da Freguesia de São Pedro da Cidade da Bahia.

O mapa dos moradores da Freguesia de São Pedro, de Salvador, re-

alizado em 1775, (45) embora se refira apenas a uma paróquia da cidade e não

tenha, portanto, validade estatística que permita considerá-lo representativo de

toda salvador, é bastante interessante pela riqueza de detalhes que apresenta.

O mapa indica um total de 24.201 habitantes para a cidade de Sal-

vador, e de 2.689 habitantes para a freguesia de São Pedro, sendo 1.626 homens

livres e 1.063 escravos. A população livre compreendia os pais de família, suas

mulheres e filhos. O mapa discrimina as ocupações apenas dos indivíduos livres,

chefes de família e alguns agregados, no total, 604 moradores, e não arrola as

ocupações dos escravos.

Como o levantamento desses dados tinha por principal objetivo o

controle policial dos desocupados, conforme já foi comentado, explica-se que o

mapa tivesse a preocupação de arrolar apenas o trabalho dos homens livres, dei-

xando de lado o trabalho escravo. O organizador do mapa deixa claro, na introdu-

ção, que interessava a identificação dos ociosos, sua vigilância e coerção:

"dos vadios, vagabundos e ociosos, de todos aqueles que

não perturbam por ocupados, e entretidos o sossego público,

e daqueles outros, que são capazes e que estão dispostos

para o perturbar, os que sendo dignos de coerção pelo me-

nos enquanto ela não chega, devem ser vigiados, e tidos por

suspeitosos para tudo quanto ha mão, e prejudicial à tranqui-

lidade dos bons por onde costuma entrar a prevaricação, e o

péssimo exemplo".

Os moradores distribuíam-se por 83 profissões. Agregando-se os

dados por tipo de profissão, verifica-se que o grupo mais numeroso era o das ati-

vidades manuais e mecânicas, vindo a seguir os proprietários, os militares, as pro-

fissões liberais, os comerciantes e os funcionários da administração pública. Havia

ainda um número destacado de "ganhadeiras", mulheres pretas, livres, exercendo

Page 39: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

39

atividades semelhantes a dos "negros de ganho" escravos, ou seja, o comércio

ambulante e pequenos serviços diários, além de pescadores, marinheiros e outros

trabalhadores, como criados, jardineiros e empregados no serviço doméstico.

Distribuição profissional dos homens livres de São

Pedro da Bahia.

Categorias Moradores

Profissões manuais e me-

cânicas

261

Proprietários 51

Profissões comerciais 44

Profissões liberais 48

Administração pública 42

Militares 71

Ganhadeiras 31

Pescadores e marinheiros 27

Outros 29

Total 604

Apesar de se tratar de uma única freguesia, pode-se inferir que a vi-

da profissional em Salvador era bastante diversificada, rica em atividades de todo

tipo, sendo a predominância do setor artesanal um indício dessa vitalidade.

As profissões manuais e mecânicas distribuíam-se em 17 ofícios: 18

alfaiates, 1 anzoleiro, 4 calafates, 15 carpinteiros, 1 cerieiro, 144 costureiras, 7

entalhadores, 1 ferrador, 1 imaginário, 1 lapidário, 1 latoeiro, 2 marceneiros, 4 pa-

deiros, 12 pedreiros, 7 pintores, 9 rendeiras e 33 sapateiros. As profissões liberais

incluíam as de bacharel, boticário, capelão, cirurgião, clérigo, cônego, desembar-

gador, médico, meirinho, mestre-escola, músico, organista e presidente do coro.

As comerciais, as de caixeiro, mercador, negociante, traficante de escravos, ven-

dedor e vendeiro. As da administração pública, as de aferidor, agente de Relação,

Page 40: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

40

chanceler, coadjutor, cobrador, dizimeiro, escrevente, escrivão, feitor do contrato,

guarda da alfândega, intendente do ouro, oficiais da inspeção e da intendência,

porteiro da Câmara, procurador e requerente. As militares, os postos de alferes,

artilheiro, cabo, capitão, coronel, major, sargento, soldado, tambor e tenente.

O arrolamento das ocupações dos homens livres foi feito segundo a

cor dos indivíduos (brancos, pardos, pretos e cabras) e a posição de chefe de fa-

mília ou agregado. O mapa discrimina, ainda, o número de escravos em cada do-

micílio, o que serve de indicador da classe social, se considerarmos que a renda e

o status eram mantidos, em grande parte, em termos do número de escravos pos-

suídos.

Os indivíduos de maiores posses, donos de dez ou mais escravos,

eram comerciantes, altos funcionários civis e militares, alguns proprietários, alguns

liberais (um cirurgião e um músico), um cônego. Dois artífices, um carpinteiro e um

cerieiro (fabricante de cera, velas e archotes), estavam dentro desse grupo, que

representava 3% dos fogos da freguesia. Todos eram brancos, com exceção de

três, pardos, entre os quais se destacava a parda Maria Nunes. Essa mulher, viú-

va e chefe de família, era padeira, mãe de quatro filhos e proprietária de 24 escra-

vos, que com seu ofício rompia a barreira da cor e do sexo, incluindo-se no grupo

de maior fortuna de S. Pedro da Bahia.

Os que possuíam entre um e nove escravos representavam cerca de

30% dos fogos. Estrato de menor fortuna, mas ainda assim de boa posição social,

a maioria também era constituída de brancos. O leque de profissões é mais amplo

nesse grupo, incluindo comerciantes, proprietários, membros da administração

pública, militares, religiosos, médicos, bem como os ofícios de pedreiro, carpintei-

ro, entalhador, costureira, rendeira, calafate, pintor, alfaiate, sapateiro, ferrador e

selador. O número de pardos e pretos era relativamente alto, a maioria dedicada

às artes e ofícios (pintor, carpinteiro, alfaiate, costureira, calafate, sapateiro, padei-

ro) além de um mestre escola, um capitão, um proprietário, um vaqueiro e um cor-

tador de carne. Inesperado nesse grupo é o grande número de "ganhadeiras" pre-

Page 41: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

41

tas, donas de vários escravos, como Quitéria Nogueira, de 50 anos, solteira, mãe

de cinco filhos e proprietária de seis escravos.

Quanto ao estrato mais pobre, não possuidor de escravos, embora a

maioria ainda fosse constituída de brancos era numeroso o contingente de negros

e, em menor grau, de pardos.

A barreira da cor estava presente em algumas profissões de maneira

bastante nítida. O pequeno comércio, por exemplo, era exercido sobretudo por

brancos, negociantes, vendeiros, caixeiros, escreventes. O mesmo sucedia com

as profissões liberais - bacharéis, clérigos, mestre escolas, músicos, pilotos. Os

militares - tenentes, sargentos, soldados, cabos, capitães também eram brancos

em sua maioria, embora houvesse muitos cabos e soldados negros, esses últimos

do batalhão Henrique Dias. Outras profissões eram marcadamente exercidas por

pardos e negros, especialmente mulheres livres empregadas no serviço doméstico

- engomadeiras, cozinheiras, lavadeiras e doceiras, além das numerosas "ganha-

deiras" mais pobres, do comércio ambulante. Quanto a estas últimas, é importante

destacar que se tratava de ocupações reservada exclusivamente às mulheres ne-

gras, não aparecendo nenhuma parda ou branca nas estatísticas.

Um dado importante sobre a mão-de-obra livre feminina, branca e

pobre, é a presença das costureiras, que constituíam a categoria mais numerosa

no rol das profissões artesanais. Diante da rigidez da divisão sexual do trabalho,

ser costureira era uma das poucas alternativas de sobrevivência para o grande

número de mulheres obrigadas a ganhar a vida - solteiras, viúvas ou mesmo ca-

sadas cujos maridos estavam ausentes, e que apareciam no Mapa como "chefes

de família" ou agregadas. É significativo a esse respeito o fato de haver mais mu-

lheres brancas na categoria de "pobres", isto é, sem ocupação, do que pardas ou

negras.

A condição da mão-de-obra feminina na Bahia em fins do século

XVIII parece coincidir em vários aspectos com aquela encontrada por Odila Silva

Dias em São Paulo no século XIX, (46) especialmente no que se refere à luta pela

Page 42: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

42

sobrevivência das mulheres sós, sem escravos, de renda mais baixa, que viviam

de atividades do artesanato caseiro, muitas delas tecelãs e costureiras.

A se julgar pelo censo de S. Pedro, as atividades artesanais repre-

sentavam uma das poucas possibilidades de trabalho para ex-escravos e mestiços

livres. Tomando-se apenas o segmento das artes e ofícios e analisando-o inter-

namente verifica-se que, apesar da predominância de brancos, era grande a pre-

sença de pardos e negros artesãos. No ofício de alfaiate, por exemplo, o número

de pardos e negros era superior ao de brancos. Carpinteiros, pedreiros, pintores e

sapateiros não brancos também eram numerosos. O ofício de padeiro era exerci-

do apenas por pardos e negros. Em contrapartida, nos ofícios que requeriam mai-

or especialização, como o de cerieiro, entalhador, lapidário e marceneiro, era difícil

o acesso dos negros e predominavam os artesãos brancos.

Artes e ofícios dos homens livres em São Pedro da Bahia, segundo a cor.

Brancos Pardos Pretos Cabras Indeterm. Total

Alfaiate 3 8 7 18

Anzoleiro 1 1

Calafate 2 2 4

Carpintei-

ro

9 4 2 15

Cerieiro 1 1

Costureira 92 33 12 1 6 144

Entalhador 5 2 7

Ferrador 1 1

Imaginário 1 1

Lapidário 1 1

Latoeiro 1 1

Marcenei-

ro

1 1 2

Padeiro 2 2 4

Page 43: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

43

Pedreiro 5 1 6 12

Pintor 3 4 7

Rendeira 6 3 9

Sapateiro 16 5 9 1 2 33

Total 147 62 42 2 8 261

Quanto à posse de escravos, verifica-se que cerca de 70% dos artífi-

ces não possuía nenhum escravo. Entre os que possuíam escravos e que perten-

ciam, portanto, a estratos sociais mais altos, estavam os calafates, os carpinteiros,

os entalhadores e os pintores, ou seja, as profissões consideradas mais "nobres".

A maior parte dos artífices eram chefes de família. Apenas um pequeno número

vivia agregado a outro domicílio, sobretudo alfaiates e sapateiros mais pobres.

Novamente chama atenção a posição do numeroso grupo das costu-

reiras. Uma grande parte dessas mulheres, chefes de família, possuía escravos e,

curiosamente, mesmo entre as que moravam como agregadas em domicílios que

não eram seus, existiam aquelas que tinham seus próprios escravos. Vê-se, por-

tanto, que a profissão perpassava todas as camadas sociais, embora fosse uma

ocupação frequente de mulheres pobres.

Artes e ofícios de chefes de família e agregados, em São Pedro

da Bahia, segundo a posse de escravos.

Chefe de Família Agregado

com es-

cravo

sem es-

cravo

com es-

cravo

sem es-

cravo

Alfaiate 2 11 5

Anzoleiro 1

Calafate 4

Page 44: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

44

Carpinteiro 9 4 1 1

Cerieiro 1

Costureira 25 55 5 59

Entalhador 4 3

Ferrador 1

Imaginário 1

Lapidário 1

Latoeiro 1

Marceneiro 1 1

Padeiro 2 2

Pedreiro 4 7 1

Pintor 4 2 1

Rendeira 6 3

Sapateiro 5 18 10

Total 62 113 6 80

O Censo de São Pedro da Bahia de 1775, apesar de suas limitações,

é uma fonte importante para a rediscussão de algumas questões, na medida em

que mostra a diversificação profissional dos homens livres e as diferenças sociais

dentro do estrato artesanal, sugerindo, portanto, a existência de um quadro de

relações de trabalho bem mais complexo do que tem sido suposto.

Em particular, sugere que é preciso reexaminar a questão de que o

trabalho escravo teria desvirtuado e corrompido irremediavelmente as relações de

trabalho no artesanato, na medida em que essa atividade deveria ser caracteriza-

da pelo livre exercício da profissão, por parte de artesãos independentes e pro-

prietários dos meios da produção.

Uma vez que a presença de escravos representou um fator funda-

mental de diferenciação no artesanato colonial, torna-se necessário verificar mais

de perto como se deu sua inserção, sem o que não se pode tentar obter um qua-

dro representativo das artes e ofícios urbanos em sua formação.

Page 45: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

45

As relações de trabalho e a presença de escravos e homens li-

vres nas artes e ofícios urbanos.

O artesão urbano, tal como aparece caracterizado no sistema euro-

peu medieval e pré-industrial é, antes de mais nada, um trabalhador livre. Os mes-

tres constituem a camada dominante, da qual dependem aprendizes e jornaleiros,

as duas categorias subordinadas. São os donos da oficina, proprietários da maté-

ria-prima e dos instrumentos de trabalho. O produto fabricado lhes pertence, assim

como o lucro obtido. Os aprendizes, dois ou três por oficina, iniciam-se no ofício

sob orientação do mestre, uma vez que ninguém pode exercer a profissão sem

estar habilitado. Os jornaleiros, também em número limitado, são assalariados

com diferentes níveis de habilitação, desde o simples auxiliar de tarefas braçais

até o oficial que passou por toda a aprendizagem, mas não alcançou ainda o es-

tágio de mestre. O capital de um mestre artesão, típico "empresário independente"

como o qualifica Henri Pirenne (47), não inclui mais que a casa ou oficina e as fer-

ramentas necessárias à sua profissão. A venda é limitada ao mercado local e suas

exigências de demanda. A disciplina no trabalho é rígida - repetir uma tarefa da

mesma maneira, sem inovações, serve ao propósito de assegurar a qualidade do

produto fabricado, proteger o consumidor e, sobretudo, dar segurança ao próprio

produtor, garantindo a igualdade de todos mediante a estrita subordinação de ca-

da um aos regulamentos profissionais (48).

Procurar demonstrar a inviabilidade da reprodução de um modelo de

tal rigidez no sistema colonial brasileiro de base escravista é, a nosso ver, desne-

cessário. Evidentemente, as condições específicas das relações de trabalho es-

cravo e livre interferiram na produção artesanal, configurando sua evolução de

forma diversa do processo clássico europeu.

O emprego de escravos nas oficinas artesanais nada tinha, em si, de

excepcional. Na Idade Média eles foram usados, não só nos ofícios como no tra-

balho doméstico, registrando-se inclusive a prática do aluguel de escravos arte-

Page 46: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

46

sãos nas cidades do mediterrâneo. Em Gênova, Sicília e Nápoles os escravos

ainda eram encontrados nas oficinas nos séculos XIV e XV. Em Barcelona e em

Lisboa era limitado por lei o número de escravos que cada mestre podia ter e cer-

tos ofícios eram proibidos aos negros. (49)

Entretanto, no Brasil, a venda e aluguel do escravo artesão tornou-se

rapidamente atividade rendosa, largamente praticada. O artesão independente,

vindo do Reino para tentar a sorte na colônia, transformou-se com frequência no

artesão dono de escravos. Um mestre marceneiro, pedreiro, carpinteiro ou ferreiro,

como os viu Tollenare em Olinda e Recife, que ao invés de assalariar operários

livres comprava negros para instruí-los em um ofício. Muitos desses escravos, ao

comprar sua alforria à custa do ofício exercido, passavam por sua vez a adquirir

novos escravos para substituí-los na oficina.

Vê-se, assim, que a prática de utilizar escravos extrapola o nível das

relações internas de trabalho na oficina, para inserir-se no movimento geral do

sistema, onde a circulação da mercadoria-escravo-especializado era fonte gerado-

ra de bons lucros. Vê-se, mais, que a escravidão não constituiu, necessariamente,

um impedimento à expansão das atividades manufatureiras. Pelo contrário, ela foi,

em muitos casos, a única forma de viabilizá-la, dada a extrema escassez de mão-

de-obra livre especializada.

O artesanato e as manufaturas coloniais lançaram mão não só da

escravidão negra, mas de outra forma de trabalho compulsório que nada tinha em

comum com o trabalho dos artesãos europeus - a mão-de-obra indígena.

Os índios foram empregados, sob formas incompletas de escravidão,

tanto pelos colonos, como pelo Estado e pela Igreja, sobretudo os jesuítas. A res-

peito do trabalho dos índios deve-se mencionar que o controle da mão-de-obra

indígena foi objeto de complicado jogo de interesses entre a Igreja e o Estado e

fonte permanente de litígios e conflitos entre estes e os colonos brancos. As for-

mas de trabalho livre e compulsório e sua regulamentação, fortemente influencia-

da pelas doutrinas dos teólogos contrários a escravidão dos índios, demonstram a

Page 47: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

47

ação da Igreja, até meados do século XVIII, na estrutura institucional (Leis, Bulas

e Tratados) (50).

Os jesuítas foram os principais beneficiários dessa legislação, exer-

cendo o governo temporal dos índios do Brasil nos aldeamentos sob "administra-

ção" da Companhia de Jesus. A população indígena era administrada de forma

análoga ao sistema de encomienda da colonização espanhola, ficando sob a tute-

la dos padres, a quem deviam tributar com trabalho a proteção recebida. (51) A

ruptura dessa condição vai se dar com a expulsão da Companhia em 1759, logo

após a extinção da escravidão dos índios em todas as suas formas, por lei de

1758, quando então a população indígena é colocada na mesma situação do res-

tante da população pobre e destituída.

Não se pode afirmar, entretanto, que as artes e ofícios urbanos te-

nham estado totalmente submetidos à sociedade escravista dominante, nem que a

presença do escravo e do índio nas oficinas tenha significado um total aviltamento

das relações de trabalho.

Em primeiro lugar, é preciso descartar a visão simplificadora que ge-

neraliza o argumento da "indignidade do trabalho manual em uma sociedade de

escravos". O que sim existiu, foi uma hierarquia bastante definida dentro dos di-

versos ofícios.

A condição social do artífice não era homogênea, antes pelo contrá-

rio, havia uma pluralidade de vínculos e uma inserção vertical no trabalho. Fatores

relacionados, sem dúvida, com a condição de escravo ou homem livre, mas não

exclusivamente com ela. O próprio contexto histórico de evolução dos ofícios em

Portugal influenciou as diferenças de posição do artífice na colônia.

Alguns ofícios eram considerados "mais dignos", próprios dos bran-

cos, se situavam próximos às profissões liberais. Caso dos pedreiros e mestres de

obra, cujas funções se confundiam com as dos engenheiros e arquitetos. Outros,

"menos dignos", estavam cercados de desprestígio social, eram relegados aos

escravos e aos homens mais pobres. Caso dos tecelões e dos ferreiros, ofícios

desprezados na própria sociedade medieval portuguesa.

Page 48: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

48

Vários ofícios que desfrutavam de consideração e prestígio eram

terminantemente proibidos de serem exercidos por não brancos. Na ourivesaria,

por exemplo, os negros, mulatos e índios, mesmo forros, só eram admitidos nas

oficinas para tanger os foles das forjas e martelar o ouro e a prata, sendo legal-

mente proibidos de aprender o ofício, especialmente na execução dos objetos de

culto religioso. (52) Também os marceneiros, torneiros e carpinteiros brancos, que

ocupavam o topo da hierarquia artesanal, tentavam levantar barreiras legais para

impedir o acesso à profissão por parte de negros e mulatos escravos.

Para garantir seus privilégios, os mestres admitiam, no máximo, a

presença de mulatos forros como aprendizes, conforme o Regimento dos Pedrei-

ros e Carpinteiros de Salvador da Bandeira de São José, de 1780, que condenava

em oito mil réis de multa:

"qualquer mestre que tomar aprendiz que seja negro; nem

ainda mulato cativo; pois só ensinará brancos, ou mulatos

forros". (53)

A defesa dos privilégios dos mestres brancos, garantida juridicamen-

te pelas corporações, esbarrava, na prática, nas dificuldades de controle e vigilân-

cia e na pressão exercida pelos não brancos em certos ofícios. Negros, índios e

mestiços, fossem escravos ou livres, que lutavam por espaços dentro da rígida

sociedade escravocrata, aproveitavam-se das brechas disponíveis para tentar as-

cender socialmente. O caso dos ourives é particularmente ilustrativo nesse senti-

do, porque grande parte das proibições visava impedir o desvio do ouro e da prata

largamente praticado. É o que se depreende das queixas contra mulatos e pretos

de Olinda e Recife, encaminhados à metrópole em 1732:

"Do excessivo número de oficiais ourives que há na cidade

de Olinda, neste Recife e mais lugares da Capitania, sendo

os mais deles mulatos e negros contra uma Lei Extravagante

de Vossa Majestade e o que pior é ainda sendo escravos:

resultam gravíssimos danos à República, a saber, aparecem

Page 49: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

49

moedas de prata de uma e duas patacas falsas, cuja falsida-

de se reconhece somente com o reparo e observação de que

são fundidas em forma de ourives distinguindo-as das verda-

deiras com não serem tão lisas, e assim passam muitas de

que algumas me tem vindo à mão... Acontecem grandes fur-

tos de ouro e prata e se não podem descobrir as peças ainda

que se manifestem os ladrões; porque há semelhantes ouri-

ves que sendo os mesmos que furtam, ou seus sócios e to-

dos da mesma qualidade, dão nova forma a coisas furtadas e

desse modo se extinguem os sinais pelos quais seriam co-

nhecidas de sue donos. Aos quais danos públicos é justo que

V. Majestade faça atenção, aos danos e ao remédio conve-

niente de se taxar nas Câmaras o número destes ofícios

permitindo-os somente às pessoas que as Câmaras julgarem

idôneas de cabedal e sangue, com proibição aos mulatos e

negros ainda que sejam forros, como se pratica em toda a

bem governada República. V. Majestade procure do remédio

que for mais conveniente ao seu real serviço.". (54)

Assim, a instabilidade das instituições recém implantadas , as dificul-

dades de controle jurídico-administrativo, a escassez de mão-de-obra e a própria

desorganização social, decorrentes dos períodos de crise ou expansão da econo-

mia, favoreceram a mobilidade e a ascensão nos núcleos urbanos, não só da ca-

mada de artífices como de pequenos comerciantes e prestadores de serviços,

abrindo oportunidades para setores das camadas mais pobres de homens livres

que possuíam alguma especialização profissional e dando ao escravo de aluguel a

possibilidade de comprar sua emancipação. (55)

No topo da hierarquia artesanal estava uma camada pequeno bur-

guesa formada por mestres e oficiais proprietários de oficinas. A maior parte era

branca, de origem europeia, muitos vinculados às ordens religiosas e ao Estado.

Constituíam mão-de-obra rara e disputada que fazia parte daquela "terceira condi-

Page 50: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

50

ção de gente", a que se referiu o cronista Ambrósio Fernandes Brandão no início

do século XVII. "Brandonio" estabelece cinco categorias: marítimos, mercadores,

oficiais mecânicos, vaqueiros e os da lavoura e assim se refere aos mecânicos:

"a terceira condição de gente são oficiais mecânicos de que

há muitos no Brasil de todas as artes, os quais procuram

exercitar, fazendo seu proveito nelas, sem se lembrarem por

nenhum modo do bem comum". (56)

A crítica de Brandonio se reporta ao código de ética corporativa que

orientava a prática dos ofícios na Europa pré-industrial, sugerindo que os valores

dos artesãos na colônia, seu individualismo e a perspectiva de "proveito" próprio

estavam realmente bem distanciados daqueles prescritos pelos grêmios e confra-

rias, em torno do "bem comum" da corporação.

Nos centros urbanos da costa os interesses dessa pequena elite

mesteiral aproximavam-na dos setores mercantis e exportadores. Gonçalves de

Melo, analisando o episódio da Guerra dos Mascates, que resultou na vitória dos

grandes comerciantes de Recife contra os produtores de açúcar de Olinda, desta-

ca a aliança entre comerciantes e artesãos na defesa de interesses comuns e

opostos aos do setor agrário. O autor julga, inclusive, que a "existência de uma

pequena burguesia e de uma classe mesteiral com consciência dos seus interes-

ses" teve papel importante nos conflitos sociais do final do século XVIII e início do

século XIX em Pernambuco, que culminaram no movimento republicano de 1817.

(57)

Nos escalões intermediários estavam os oficiais mecânicos de dife-

rentes origens sociais, homens livres e forros, brancos, negros, mestiços e índios,

todo um contingente que engrossava uma camada de setores embrionários da

população urbana. Emília Viotti da Costa analisa o Censo Vila Rica, de 1804, para

mostrar como, apesar do caráter limitado dos núcleos urbanos coloniais e do es-

casso desenvolvimento do artesanato e do pequeno comércio interno, essas ativi-

dades constituíram veículos de ascensão social, especialmente para mulatos li-

vres ou libertos. De um total de 8.180 habitantes, sendo 6.087 livres e 2.893 es-

Page 51: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

51

cravos, um grande número de mestiços destacam-se nos ofícios, como alfaiates,

sapateiros, latoeiros, carpinteiros, seleiros, pedreiros, marceneiros, escultores,

padeiros e outros mais. (58)

Finalmente, na base da camada artesanal, estavam os escravos.

Nenhum dos numerosos estudos sobre a escravidão brasileira fornece mais do

que indícios sobre o escravo artesão. Katia Mattoso chama atenção para o fato de

que a qualificação profissional era um dos elementos básicos na formação do pre-

ço do escravo, o qual era determinado por fatores mercantis, atuantes do lado da

oferta e do lado da demanda, tais como a distância entre portos de embarque e

chegada, a concorrência do mercado, as perdas decorrentes da viagem, a conjun-

tura econômica, a especulação, etc. e por fatores "intrínsecos", ou seja, idade,

sexo, condições de saúde e habilitação profissional do escravo. (59)

O aluguel de um escravo não qualificado, no Rio de Janeiro, segundo

Eschwege, era de 300 réis diários, enquanto aos aprendizes de qualquer ofício se

pagava 600 réis e aos mestres 900 a 1.200 réis ou mais. (60) Em Recife, os "ne-

gros de ganho", como eram chamados os escravos de aluguel, eram largamente

empregados nas oficinas, no porto e nos serviços domésticos. Tollenare encontrou

entre eles hábeis artífices, que uma vez instruídos em um ofício proporcionavam

aos seus donos excelente fonte de renda. Chegavam a produzir, por ano, cerca de

40% do custo da compra, de tal sorte que a posse de vinte escravos garantia "uma

vida muito à vontade" ao proprietário. (61) Na Bahia, a idade do escravo contava

pouco na formação de seu preço, sendo mais importantes as condições físicas e a

habilitação profissional. Katia Mattoso, pesquisando os inventários de heranças

entre 1805 e 1811, verificou que os preços mais altos eram atribuídos aos escra-

vos de boa saúde, capazes, dos ofícios de alfaiate, pedreiro, tanoeiro, serralheiro,

padeiro, carpinteiro e caldeireiro, entre os homens. Entre as mulheres, os de preço

mais alto eram as costureiras, rendeiras, bordadeiras, passadeiras e doceiras. (62)

A mesma autora chama atenção para um aspecto importante da

condição do escravo artesão, que diz respeito às relações com o senhor. Em

comparação com a rígida condição de exploração do escravo nos engenhos, fa-

Page 52: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

52

zendas e minas, o escravo artesão na cidade era, com frequência, mais indepen-

dente.

Com efeito, o senhor que alugava um artesão era forçado a lhe dar

maior autonomia, deixá-lo circular pelas ruas em busca de trabalho, muitas vezes

morar em outro domicílio, longe da casa do dono, que se limitava a receber sema-

nalmente a parcela do ganho ajustada. Ao sair das vistas do senhor esse escravo

estabelecia uma série de novos vínculos, reunia-se e trabalhava com companhei-

ros de ofícios de origens diversas, homens livres, mestres e oficiais da mesma

arte, aprendizes e obreiros, ex-escravos que haviam conseguido comprar a liber-

dade trabalhando como artesãos. Além do convívio interno de trabalho na oficina,

havia a reunião nos "cantos de rua", nas praças e mercados onde se aguardava a

clientela.

Entretanto, mesmo sendo provável que o meio mais flexível da cida-

de tenha atenuado, ou pelo menos matizado, a exploração da mão-de-obra escra-

va, as barreiras impostas pela camada branca dominante do artesanato não foram

superadas sem grande resistência. Dentro de cada grupo profissional, a cor e a

origem social definiam limites e privilégios que não eram facilmente rompidos. Ao

escravo cabia substituir o trabalhador braçal assalariado, obreiros e jornaleiros

encarregados das tarefas auxiliares que formavam a base de muitos ofícios, ofe-

recendo as vantagens do controle completo da mão-de-obra que a escravidão

proporcionava.

Se na Europa pré-capitalista os mestres e oficiais se atinham à cha-

mada "honra mesteiral", para manter a massa de artesãos em posição subalterna,

no Brasil escravocrata, era suficiente manter os "ofícios dignos" como privilégio do

homem branco. As provas de limpeza de sangue, as proibições impostas a ne-

gros, mulatos e índios nos ofícios de maior prestígio, o preconceito em relação aos

"ofícios vis", não visavam outra coisa que estigmatizar, não o trabalho artesanal

em si, mas o que era exercido por não brancos, dificultar a ascensão na escala

social, manter submissa essa massa trabalhadora, procurar impedi-la de ultrapas-

sar os estreitos limites dentro dos quais podia mover-se.

Page 53: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

53

Ao lado dos ofícios artesanais, o pequeno comércio ambulante tam-

bém se mostrava rentável para o escravo deliberado a comprar a alforria. Por isso,

havia certa mobilidade, que permitia a passagem dessa mão-de-obra por várias

atividades - artesanato, comércio, serviços domésticos, aumentando as possibili-

dades da alforria. (63)

Assim, os limites impostos eram contestados pelas próprias contradi-

ções e tensões geradas nessas relações, em que conviviam duas concepções de

trabalho tão distintas como a escravidão e a organização mesteiral, dentro de uma

mesma oficina. O escravo treinado por um mestre artesão podia gerar bons lucros,

é verdade, mas também iniciava nesse processo a conquista de sua própria

emancipação, condição primeira para penetrar no mundo do artesão branco e com

ele competir.

Contudo, o estigma do trabalho escravo marcou a evolução das artes

e ofícios, da mesma forma que marcou todas as atividades produtivas. Mesmo

sendo mais fluidas, menos dicotomizadas do que no campo, as relações de traba-

lho na cidade não deixaram de ser profundamente afetadas pela base escravista

de produção da sociedade colonial, e o artesanato não fugiu à regra, embora de

forma matizada e com suas especificidades.

O sistema corporativo e a corporação de ofício como instituição.

Se há poucas fontes de dados acerca da prática artesanal, que pos-

sam melhor esclarecer o universo das relações de trabalho, existe, contudo, uma

fonte em nível da ordem institucional que regulamentava essas relações - o siste-

ma corporativo - que pode jogar um pouco mais de luz sobre as questões até ago-

ra abordadas.

As corporações de ofício fizeram parte das instituições medievais eu-

ropeias, sobretudo na Itália, França, Inglaterra, Alemanha, Países Baixos e, um

Page 54: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

54

pouco tardiamente, na Espanha e Portugal. Originaram-se da livre associação dos

trabalhadores urbanos em confrarias, organizações de base religiosa, nas quais

se reuniam os artífices e alguns tipos de comerciantes, desde fins do século XI

(64). Seu desenvolvimento varia, naturalmente, de acordo com as características

que assumiram em cada país, mas, de uma forma geral, as corporações se ex-

pandiram do século XII ao XV por toda a Europa, acompanhando o ritmo de cres-

cimento urbano e tendendo para uma progressiva diversificação e especialização.

(65) Apoiavam-se nos princípios do protecionismo e do exclusivismo, na defesa de

privilégios e da estabilidade de preços e, onde adquiriram maior força, conferiam

prestígio social e poder político aos seus membros.

A partir dos descobrimentos marítimos e do crescimento das cidades

voltadas para o comércio atlântico e mediterrâneo, as corporações se expandem

também na Península Ibérica. Na Espanha, houve grande desenvolvimento gre-

mial no período de formação do Império, com a transformação das antigas confra-

rias em corporações profissionais (66). Em Portugal, as confrarias haviam estado

na base das corporações desde o século XIII, datando de 1489 o primeiro regi-

mento de ofícios mecânicos conhecidos. A organização corporativa fica totalmente

definida em sua estrutura jurídica no século XVI, com a reforma dos regimentos de

ofício, efetuada pela Câmara de Lisboa em 1572. (67)

Em nenhuma parte, porém, as corporações (guilds inglesas, corps

francesas, zünfte alemãs, arti italianas, gremios espanhóis) conseguiram impor-se

totalmente e sem resistências e restrições. Em algumas cidades elas controlavam

os ofícios, em outras estes eram "livres". No interior de uma mesma cidade, como

Paris e Londres, alguns podiam estar sob controle e outros livres. (68)

No século XVII a política mercantilista do Estado interfere nas corpo-

rações, dando-lhes maior poder e uma estrutura oligárquica e monopolista. Os

membros dos corps na França passam a usufruir de uma posição fixa na socieda-

de estamental, o que funciona como elemento de estabilidade e segurança social.

Mas, embora as corporações se fortaleçam do ponto de vista jurídico e legal, sob

a proteção dos Estados centralizadores, a organização corporativa vai perdendo

Page 55: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

55

progressivamente seu antigo poder à medida que se organizam e ganham força

as novas relações de trabalho surgidas com o capitalismo industrial.

Estava colocada em cheque a própria validade e significado de sua

existência, avessa a inovações, defensora de mercados protecionistas e exclusi-

vistas, em descompasso com a formação do mercado capitalista de trabalho e as

doutrinas da livre competição e do laissez-faire. Coletivista e impositora de privi-

légios estamentais, a instituição corporativa era inteiramente incompatível com o

individualismo burguês.

Na Inglaterra, o corporativismo entra em decadência no século XVII.

De um lado, inicia-se a subordinação dos produtores autônomos da cidade à bur-

guesia mercantil e o fortalecimento da camada de comerciantes-fabricantes, que

passa a dominar as corporações e dividi-las internamente. De outro, cresce o se-

tor manufatureiro têxtil no campo, colocando também o artesão rural na órbita do

capital comercial, com o sistema de trabalho a domicílio (verlags-system na Ale-

manha, putting-out-system na Inglaterra). A partir daí, como afirma Dobb, "a sub-

missão do ofício ao elemento comercial foi total". (69)

A ruptura a nível estrutural ocorreu sobretudo naquilo que Marx cha-

mou de "subordinação ao consumo pressuposto", que caracterizava a produção

artesanal pré-capitalista, (70) isto é, a subordinação da oferta à procura, através

do trabalho por encomenda. Ou seja, embora o artesanato urbano estivesse ba-

seado na criação de valores de troca, o objetivo principal da produção não era a

mercadoria como tal, o enriquecimento, mas a subsistência do homem enquanto

artesão, um mestre independente, produtor autônomo, cuja produção estava su-

bordinada ao consumo pressuposto pela demanda. Ao romper-se esse sistema,

as corporações entram em decadência. Sua extinção formal é produto das refor-

mas liberais.

Na França são extintas por lei em 1791, como parte da supressão

dos privilégios e da liberdade de comércio e indústria. Na Espanha são extintas

em 1836 logo após sua extinção em Portugal, em 1834, como parte da reforma

liberal.

Page 56: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

56

As corporações de ofício no Brasil.

As corporações de ofício foram transplantadas para o Brasil como

parte da reprodução das estruturas metropolitanas da colônia, especialmente ao

nível das instituições jurídicas e administrativas.

Os poucos autores que abordam esse assunto chamam atenção pa-

ra o fracasso de tal tentativa, em uma estrutura social baseada na exploração do

trabalho escravo, sem condições de absorver uma organização fundamentada na

associação de trabalhadores livres entre si, em defesa de seus interesses. Assim,

as corporações de ofício teriam assumido no Brasil um caráter meramente formal,

de legislação não cumprida, "abastardando-se", no dizer de Sérgio Buarque de

Holanda, e dissolvendo-se, sob a perspectiva da ideologia servil que envilecia o

trabalho manual, como também afirma Gorender. (71)

Aliás, o desprestígio do trabalho manual era também uma herança

do colonizador, uma vez que as atividades industriais em Portugal nunca se com-

pararam ao exercício do comércio, sendo marcadas por uma profunda aversão

das camadas senhoriais ao trabalho manual e mecânico. A oposição entre as

chamadas "artes liberais" e as "artes servis", a primeira do cidadão livre e a se-

gunda de escravos, herança da cultura romana, prolonga-se em Portugal, na divi-

são entre "profissões liberais" e "profissões mecânicas". (72)

Na sociedade portuguesa do Antigo Regime distinguiam-se três ca-

tegorias, ou estados, o primeiro formado pelo clero, o segundo pela nobreza e o

terceiro incluindo quatro grupos: os agricultores; os mercadores e negociantes; os

mesteirais, oficiais mecânicos e industriais; e os que serviam a terceiros, na agri-

cultura, comércio, indústria e serviços domésticos. Dentro do "terceiro estado",

havia uma distinção entre os chamados "homens bons", cidadãos integrados en-

tre os "honrados" do lugar, ou pelo menos fazendo parte da "gente limpa", e aque-

les que não viviam "limpamente", ou seja, "a gente de ofícios mecânicos e vis".

(73)

Page 57: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

57

É preciso acrescentar, contudo, que o desprestígio do trabalho ma-

nual passou a ocorrer em quase todos os países da Europa, a partir do século

XVII. Na Inglaterra do Iluminismo os termos "mechanick" e mechanical" conotavam

algo "mal, baixo, digno de piedade", inferiores às chamadas "ciências liberais".

(74) Na Espanha essas ocupações eram vistas como forma de desonra social,

incompatíveis com o exercício de cargos públicos e com a nobreza, situação que

persistiu, inclusive por lei, até fins do século XVIII. (75)

Em Portugal, só os mesteres, isto é, os grupos de artífices organiza-

dos por ofícios, distinguiam-se dos demais trabalhadores manuais e mecânicos,

na medida em que eram reconhecidos como cidadãos com direitos políticos, que

podiam participar, através de representantes, nas decisões das câmaras munici-

pais e da vida pública local.

A representação dos mesteres na vida política teve sua expressão

máxima na Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa, onde se reuniam vinte e quatro

procuradores, dois de cada mester, que atuavam como delegados do povo nas

deliberações da Câmara. (76) A Casa dos Vinte e Quatro foi a única instituição

representativa do voto popular em Lisboa, desfrutando de prestígio político e soci-

al durante todo o século XVII, veio posteriormente a perder parte do poder, à me-

dida que os mestres de ofício foram substituídos por "patrões" dentro das oficinas,

em geral comerciantes desligados do trabalho artesanal que atuavam apenas em

defesa dos seus interesses. (77)

A vida corporativa foi, apesar das limitações, uma das únicas vias

possíveis de participação das camadas populares urbanas em Portugal, até a ex-

tinção da Casa dos Vinte e Quatro, dos ofícios e bandeiras, dos cargos de procu-

rador e juiz do povo e demais aparatos jurídicos, com a reforma liberal de 1834.

Essa estrutura foi transplantada para o Brasil, dentro da organização

do poder municipalista. É por isso que, onde quer que tenha havido uma câmara

municipal, encontram-se notícias sobre os ofícios. Competia às câmaras estabele-

cer o preço dos gêneros de consumo e dos produtos fabricados, fixar salários e o

jornal dos trabalhadores, fiscalizar o abastecimento, controlar pesos e medidas e,

Page 58: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

58

sobretudo, recolher impostos. Essas atribuições foram estabelecidas pelas Orde-

nações Manuelinas de 1503, depois pelas Ordenações Afonsinas de 1603 e po-

dem ser encontradas no Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares

destes Reinos. (78)

A regulamentação do trabalho e fixação dos salários já se encontra

sob controle do Estado desde a construção da cidade da Bahia, em 1549. Desta

data até aproximadamente 1640, pode-se identificar uma primeira fase, de forma-

ção dos ofícios, que crescem em estreita relação com a criação dos centros urba-

nos de administração, ao longo da costa. A única exceção parece ter sido a dos

ofícios quinhentistas em São Paulo, mais no interior do território, cujas atas da

câmara são as mais antigas de que se tem notícia. (79)

Nessa fase de implantação dos ofícios, são fundadas as primeiras

confrarias de ofícios mecânicos, por iniciativa dos jesuítas. Em 1614 surge a Ir-

mandade da Paz de Pernambuco, com 100 confrades, em 1615 e da Bahia com

80 confrades e a do Rio de Janeiro, as quais englobavam todos os ofícios locais,

"para a cultura e a piedade dos trabalhadores ". (80) Serafim Leite chama atenção

para o luxo ostentado pelas confrarias nos cortejos religiosos. As procissões para

receber a imagem de Santo Antônio que chegou a Pernambuco em 1611, eram

abertas pelos soldados, seguidos pelos oficiais mecânicos, "com as suas bandei-

ras e as mais confrarias de Pernambuco, com vestes também de seda e os seus

diversos distintivos, e com as suas 18 cruzes de prata e oiro". (81)

A organização dos ofícios em associações profissionais acompanhou

o crescimento urbano, atingindo gradativamente um controle mais eficaz sobre

determinadas categorias, enquanto outras permaneciam "livres", isto é, não sub-

metidas às normas corporativas, as quais eram exercidas através dos ofícios, das

bandeiras, das confrarias e das irmandades.

A palavra ofício designava as profissões mecânicas ou manuais e al-

gumas atividades do pequeno comércio e da prestação de serviços. A expressão

ofícios mecânicos generaliza-se com a reforma dos Regimentos em Portugal, em

fins do século XVI e com a organização política e econômica profissional e sua

Page 59: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

59

representação nos órgãos de Estado. O termo mester designava, na denominação

quinhentista, o procurador da Casa dos Vinte e Quatro nas câmaras municipais.

(82) A corporação como grupo profissional reconhecido e regulado juridicamente,

era chamada simplesmente ofício, ou ofício dos ofícios, quando se tratava de uma

corporação formada por várias profissões autônomas.

Assim, na cidade do Salvador, havia o ofício dos carpinteiros, que ti-

nha como anexos, ou agregados, os marceneiros e entalhadores; o ofício dos sa-

pateiros, com os anexos curtidores e serradores; o dos alfaiates, anexos os palmi-

lhadores e botoeiros; o de pedreiro e seus anexos, canteiros e alvineiros; o dos

ferreiros e serralheiros, anexos os barbeiros, espadeiros, corrieiros, latoeiros, ar-

meiros e caldeireiros; o dos ourives do ouro e da prata; o dos vendeiros de porta;

o dos marchantes; o dos padeiros e confeiteiros; o dos tanoeiros e seus anexos,

sergueiros e cerieiros. (83)

Os ofícios registrados na Câmara formavam uma bandeira quando

tinham por insígnia o estandarte de uma confraria ou irmandade, com o qual ti-

nham obrigação de apresentar-se nas solenidades e procissões reais. Em Portu-

gal, as confrarias e irmandades eram organizações distintas das bandeiras, com

atribuições de caráter religioso e assistencial, mas não político, nem administrati-

vo, como essas últimas. É só no século XVIII que se estabelece a prática generali-

zada de designar a bandeira pelo nome do santo padroeiro, a fim de submeter os

ofícios a um controle maior do Estado. (84) Essa prática estendeu-se à colônia,

onde era mais acentuado o caráter simultaneamente civil e religioso dos "ofícios

embandeirados".

Não está bem claro o caráter assumido pelas irmandades, entidades

muito ativas na vida colonial. Ao que tudo indica, havia barreiras de classe e de

cor entre elas. Em Pernambuco, nos primeiros tempos da colonização, a confraria

do Rosário dos Pretos ordenava perto de 1.000 seguidores nas procissões, afora

os que ficavam nas fazendas. A Irmandade da Paz congregava os artífices e co-

merciantes, enquanto a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição congregava

os senhores de engenho. Na Bahia e no Rio de Janeiro observavam-se as mes-

Page 60: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

60

mas divisões, sendo que as irmandades baianas chegaram a desmembrar-se ain-

da mais, como a de Guadalupe, somente de "moços pardos". (85) As confrarias

unicamente de pretos são das mais antigas, havendo registros que datam de

1552, anteriores às dos artífices portanto.

As irmandades ou confrarias de oficiais mecânicos no Brasil tinham

uma função semelhante a das bandeiras, as primeiras regendo-se por um Com-

promisso e as últimas por um Regimento. No Rio de Janeiro, por exemplo, os ofí-

cios embandeirados de carpinteiros e marceneiros formavam a Irmandade do Pa-

triarca São José. (86) No Recife, a Irmandade e Confraria de São José incluía os

ofícios de carpinteiro, pedreiro, marceneiro e tanoeiro. (87)

A nomenclatura se confunde muitas vezes, indício da fluidez e frou-

xidão das instituições impostas, o que pode ser avaliado pelo extenso título do

regimento de 1780 dos pedreiros e carpinteiros de Salvador: Compromisso e Re-

gimento Econômico dos Officios de Carpinteiro e de Pedreiro e dos mas agrega-

dos a Bandeira do Glorioso S. José e sua Confraria erecta na See Cathedral da

Cidade da Bahia dedicado ao mesmo Glorioso Santo e feito na dita Cidade no An-

no de 1780.

Organização interna e controle da prática dos ofícios.

As disposições específicas de cada profissão encontram-se nos re-

gimentos e compromissos dos ofícios e confrarias e nas posturas das câmaras

municipais.

A hierarquia profissional era um dos pilares do sistema corporativo.

As relações de trabalho dentro da oficina estavam ordenadas de acordo com a

capacitação profissional, hierarquizadas em categorias que pressupunham um

longo período de aprendizagem até que fosse reconhecido o domínio completo da

profissão, com o artífice elevado à condição de mestre, posição mais alta a que

podia aspirar.

Page 61: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

61

Começando como aprendiz, o artífice devia trabalhar alguns anos até

poder ascender à categoria de oficial, com permissão de exercer o ofício. Nesse

ponto da carreira estava apto a submeter-se a um exame de qualificação e, uma

vez aprovado, passava à categoria de oficial examinado. Somente então se sub-

metia à realização da obra de maestria, para obter o título de mestre. Na prática,

oficiais examinados e mestres eram categorias equivalentes, que davam direito a

abrir uma tenda, ou loja.

A carta de examinação era o instrumento básico para o exercício da

profissão. Muitos estavam dispensados desse exame, por fazerem parte dos "ofí-

cios livres" ou das "profissões liberais", como pintores, escultores e entalhadores.

O exame dos oficiais era feito pelo juiz do ofício e um escrivão, cabendo à câmara

municipal conceder a licença para exercer o ofício, através da confirmação formal

da carta de examinação. Oficiais e mestres de fora, de outras partes da colônia ou

estrangeiros, deviam apresentar suas cartas à câmara pedindo licença para traba-

lhar e, caso não tivessem a carta, deviam pedir uma licença provisória, apresen-

tando fiador.

Somente os mestres e oficiais examinados podiam abrir estabeleci-

mento próprio, as tendas, misto de loja e oficina, que representava a unidade arte-

sanal típica. O trabalho na tenda devia ser feito com porta aberta para a rua, sen-

do proibido o trabalho fechado em casa.

Os donos, patrões ou mestres de tenda podiam ter aprendizes e con-

tratar jornaleiros ou obreiros, trabalhadores pagos com um soldo ou jornal. Os sa-

lários eram regulamentados para obreiros e aprendizes, também sendo regula-

mentado o lucro de mestres e oficiais.

A prática dos ofícios era controlada através dos regimentos, com-

promissos e posturas das câmaras municipais, que também regulavam a profissão

quanto às condições de trabalho, o exercício da ocupação e o estabelecimento de

taxas, multas e sanções.

Quanto às condições de trabalho, a legislação determinava a compe-

tência dos mestres, oficiais, aprendizes, jornaleiros e obreiros, estipulava os privi-

Page 62: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

62

légios e restrições de cada ramo, regulamentava o acesso à maestria, a aprendi-

zagem, as cartas de examinação e as licenças de trabalho. Determinava ainda

como devia se dar a administração do ofício, a eleição de juízes e escrivães e fi-

xava os salários.

O exercício da profissão era controlado quanto à qualidade e tipo de

matéria-prima empregada, normas técnicas, competência de cada ofício, preço do

produto, modelos e peças utilizados e funcionamento das tendas. A fiscalização

visava especialmente evitar a concorrência, proteger o consumidor e impedir as

fraudes. Para isso eram estabelecidas as arruações, que obrigavam os profissio-

nais de um mesmo ofício a se concentrarem em determinadas ruas, encontradas

em quase todas as cidades: Beco da Ferraria, Ladeira dos Caldeireiros, Rua dos

Ourives, Baixa dos Sapateiros, Travessa dos Marchantes, Rua dos Mercadores,

dos Latoeiros, etc., etc. A arrecadação de impostos era feita através dos vinteins e

dos quintos, cabendo ainda às câmaras estabelecer taxas, multas e sanções aos

transgressores.

Nem todos os ofícios, como foi visto, eram controlados. Certas cate-

gorias trabalhavam livremente, enquanto não se organizasse uma corporação com

força suficiente para impor controles e garantir privilégios, ou enquanto a adminis-

tração municipal não estivesse equipada para fazer vigorar a legislação. Nas prin-

cipais cidades o controle tentou se impor logo no primeiro século da colonização.

Em Salvador, por exemplo, já em 1581 a câmara elegia o primeiro mestre para

fazer parte da mesa, escolhido pelos oficiais mecânicos com a função de elaborar

os regimentos dos ofícios, fixar preços e salários e controlar a qualidade do traba-

lho. (88)

Nas vilas os ofícios permaneceram livres por mais tempo. Em Minas

Gerais, por exemplo, o controle só vai ser efetivado no início do século XVIII,

quando a maioria dos povoados são transformados em vilas, com o objetivo ex-

presso de controlar a economia e, sobretudo, os impostos sobre o ouro. Com a

expansão da vida urbana e das atividades artesanais, as câmaras passam a exigir

cartas de exame aos pedreiros, carpinteiros, ferreiros, sapateiros e alfaiates, mas

Page 63: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

63

a falta de artesãos experimentados era tão grande que as licenças eram concedi-

das de forma provisória, com fiador, e renováveis a cada seis meses, até que o

requerente pudesse ser considerado habilitado. Em Vila-Rica a contribuição dos

quintos dos ofícios cresce consideravelmente, assim como o arrematamento de

obras, licenças e provisões para a construção de edifícios, chafarizes, pontes, cal-

çadas, casas de câmara e cadeira. Criam-se novos cargos de juiz de ofício para

ourives, carapinas e oleiros e legisla-se até acerca dos estandartes das corpora-

ções, obrigando-se os oficiais a guardá-los na câmara e desfilar com eles nas pro-

cissões, o que gera uma série de conflitos entre representantes da câmara e artífi-

ces. (89)

Durante o século XVIII houve um fortalecimento das corporações em

Portugal, cujos efeitos atingiram também a instituição no Brasil. Erigidos pelo Es-

tado e por eles revogáveis, as corporações estavam vinculadas à estrutura esta-

mental de poder que passa, nesse período, por um processo centralizador. O Es-

tado mercantilista, tal como já havia ocorrido na França e estava ocorrendo tam-

bém na Espanha, mostrava-se interessado em usar a estrutura corporativa como

elemento de estabilidade social e controle do trabalho, transformando-as em ins-

trumento de sua política econômica. (90)

O fortalecimento das corporações do ângulo político-legal, através de

legislação protecionista, inicia-se com Colbert, na França, em meados do século

XVII, encontrando imediata repercussão na Espanha borbonica, inclusive com o

estabelecimento de manufaturas reais. Em Portugal, os grêmios são reforçados

com a reforma dos Regimentos, em 1771, que torna mais rígida a hierarquia dos

ofícios. A Reforma atende aos interesses dos mestres passando as corporações a

representar, sobretudo, o "grêmio dos patrões" e não mais o conjunto dos oficiais.

Intensifica-se a luta entre mestres e oficiais e cresce a tendência à especialização

dentro de cada ofício, ao mesmo tempo em que se agudizam os conflitos entre

categorias profissionais. (91)

Page 64: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

64

Simultaneamente, a Coroa vinha procurando centralizar seu poder na

colônia, em substituição à organização mais descentralizada, apoiada no poder

municipalista local e disperso, que predominou no século XVII.

Nos ofícios isso se reflete no maior controle do governo central sobre

as atividades das câmaras, através da figura do juiz de ofício. Cada ofício era diri-

gido por dois juízes que acompanhados por um escrivão encarregavam-se de fa-

zer cumprir a legislação, tornando mais difícil o livre exercício da profissão. O car-

go de juiz de ofício era antigo mas a legislação vinha até então sendo facilmente

burlada, muitas vezes com a conivência ou cumplicidade dos próprios juízes. Em

Vila Rica, por exemplo, eles frequentemente deixavam passar pelos exames obras

de má qualidade, facilitando o livre exercício da profissão, pois "por amizade dei-

xam trabalhar os ditos examinados", que faziam obras imperfeitas, "em prejuízo

dos donos". (92)

A transposição das leis da metrópole para a colônia originava, por

vezes, confusões e conflitos, como o litígio havido entre marceneiros e entalhado-

res no Rio de Janeiro. Os entalhadores, pintores e escultores eram considerados

"liberais" e, portanto, estavam isentos da obrigação de apresentar licenças para

trabalhar, o mesmo não ocorrendo com os marceneiros, sujeitos aos regimentos

corporativos. Entretanto, segundo velhas práticas observadas em Lisboa, Porto,

Braga e outras cidades portuguesas, era comum o exercício cumulativo dos dois

ofícios, o que a legislação procurava impedir.

No Rio de Janeiro, a Irmandade de São José pretendia impedir que

os entalhadores fizessem obras de marcenaria, originando-se uma demanda con-

tra o entalhador Francisco Félix da Cruz, "por funcionar com loja aberta de marce-

neiro, com quatro aprendizes, sendo seu ofício o de entalhador e por não haver

sido examinado nem licenciado devidamente pela Municipalidade". (93) Pelos de-

poimentos das testemunhas arroladas, infere-se que marceneiros, carpinteiros e

entalhadores exerciam suas profissões, muito requisitadas no Rio de Janeiro, se-

gundo aquelas velhas práticas, sem tomar conhecimento das disposições legais

da Irmandade, que agia por influência direta de sua congênere portuguesa.

Page 65: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

65

As relações entre as irmandades nos dois países eram bastante for-

tes em alguns casos, como no ramo da construção naval, criada com estímulo do

Estado. O estaleiro da Bahia foi fundado com a vinda de Tomé de Sousa, no sécu-

lo XVI. Os estaleiros empregavam carpinteiros da ribeira, calafates, caldeireiros,

corrieiros, ferreiros, serralheiros, coronheiros e espingardeiros contratados em

Portugal e no Brasil, que se reuniam na Irmandade de São Roque. Gozavam de

privilégios como a isenção do pagamento de impostos, licença para andarem ar-

mados, indultos e isenção do serviço obrigatório de vigilância policial, a que esta-

vam submetidos os ofícios mecânicos. A Irmandade atendia aos artífices "mesmo

quando trabalhavam nos estaleiros no Brasil" e prestava socorro aos "irmãos", os

quais tinham por hábito arrecadar esmolas entre os que trabalhavam no estaleiro

baiano "para socorrer irmãos pobres da metrópole". (94)

Em Salvador, os ofícios mecânicos formavam um setor bastante or-

ganizado, chegando a ter participação na vida pública da cidade por algum tempo.

Os mestres de Salvador se organizaram politicamente na segunda metade do sé-

culo XVII, quando ocorreu um fortalecimento temporário das câmaras municipais,

de forma semelhante à Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa. Conseguiram obter

representação na Câmara, com a criação do cargo de juiz do povo, que atuava

como um procurador dos direitos dos mestres. Estes estavam representados atra-

vés de doze categorias profissionais, os mesteres, que elegiam anualmente 24

representantes, sendo dois de cada mester.

Sua participação nas decisões da Câmara começa em 1642, embora

com restrições, pois não tinham os mesmos direitos e atribuições dos vereadores,

os quais só podiam ser eleitos entre os "homens bons". A experiência teve vida

efêmera e foi marcada por conflitos e antagonismos. Os incidentes tiveram início

logo no ano seguinte, com a atuação do juiz do povo Cristovão de Sá, que levan-

tou a opinião pública contra o aumento do sal, gênero de primeira necessidade e

chegaram ao auge em 1711, com uma reação popular contra o governo, liderada

pelos juízes do povo, a tentativa de anulação de posturas e suspensão da execu-

ção de ordens régias. Os levantes prosseguiram, agitando Salvador contra medi-

das do governo, como a imposição do imposto da dízima na alfândega. A reação

Page 66: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

66

popular culminou com a ordem régia de enviar tropas ao Rio de Janeiro, por oca-

sião da invasão dos franceses. Houve um levantamento da população contra a

ordem, lideradas pelos juízes do povo e o incidente resultou na decisão de extin-

ção do cargo, a pedido da própria câmara. (95)

As intenções de autonomia e poder da camada artesanal mais prós-

pera são definitivamente contrariadas com a política centralizadora do governo

português, sobretudo na segunda metade do século XVIII, quando os artífices

passam a ser controlados de forma crescente pelo Estado, sofrendo o pesado

ônus das corporações, a elas resistindo e procurando escapar.

Crescimento dos ofícios.

Apesar do controle corporativo, a pequena indústria oficinal e domés-

tica não deixa de crescer, atendendo à expansão e à demanda do mercado. Nas

primeiras décadas do século XIX, conforme constatam Spix e Martius, elas só não

crescem mais por falta de artesãos especializados, apesar da concorrência dos

produtos importados, a preços mais baixos que os nacionais:

"Nem o estado do comércio nem o sistema de impostos em-

baraçam as indústrias do Brasil. Isto é, embora grande quan-

tidade de mercadorias e produtos de arte sejam aqui impor-

tados, artigos que poderiam ser produzidos no país, até aqui

mais não tem sido por falta de artistas e operários do que pe-

la pressão do mercado, que se dá o encarecimento dos pro-

dutos artísticos nacionais". (96)

Chama atenção dos autores a presença dos escravos e a "aptidão",

dos mulatos nas artes mecânicas, já salientado por outros viajantes, além do fato

Page 67: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

67

de que os pretos livres não encontravam na cidade as mesmas oportunidades que

no interior:

"Entre os naturais são os mulatos que manifestam maior ca-

pacidade e diligencia para as artes mecânicas; até se nota

entre eles extraordinário talento para a pintura. Os pretos li-

vres, de que existem grande número na cidade, não se mos-

tram aqui tão aproveitáveis e vantajosos para a sociedade

burguesa como no interior, onde eles se tornam não raro ati-

vos e abastados cultivadores. Por outro lado, os operários

trabalham com os seus próprios escravos pretos, que sob a

severa disciplina dos seus senhores aprendem, além da ha-

bilidade e aptidão nas artes, também a virtude civil da or-

dem". (97)

A fiscalização do Estado parecia-lhes deficiente, em comparação

com o que se dava na Europa, o número de ofícios "livres" era muito grande e os

preços dos produtos muito altos, mas a principal diferença estava, sem dúvida, no

uso do trabalho escravo:

"a fiscalização do Estado ainda não se estende com o mes-

mo rigor sobre o total das indústrias como na Europa. Muitas

profissões são exercidas livremente sem atestado de corpo-

ração, por quem quer que tenha para isso disposição; não

obstante, são muito altos os preços dos produtos artísticos. A

liberdade que tem o dono de escravos de utilizar-se deles pa-

ra qualquer ofício como lhe apraz, muito difere da coação

das associações europeias". (98)

As diferenças não impediam, contudo, uma efervescência, inespera-

da para quem chegava de fora, em certos setores. Falando sobre a arte do ouro

no Rio de Janeiro, Spix e Martius se surpreendem:

Page 68: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

68

"o europeu recém-chegado fica admirado com o sem número

de artífices em ouro e em prata e de joalheiros que aqui, co-

mo os outros operários, moram todos na rua, fazendo lem-

bras as magníficas ruas do Ouro e da Prata de Lisboa. O tra-

balho desses operários é na verdade inferior ao europeu, po-

rém, não deixa de ser de bom gosto e tem durabilidade". (98)

A transposição da sede da coroa portuguesa para o Rio de Janeiro

em 1808 vai estimular o crescimento material da cidade e algumas iniciativas favo-

ráveis ao desenvolvimento das artes e ofícios com a vinda da missão artística

francesa, em 1816 e a predisposição de se criar uma Escola Real de Ciências,

Artes e Ofícios. Dizia o decreto real de 1816 que uma escola desse tipo devia ser

instalada por fazer-se necessário:

"aos habitantes o estudo das Belas Artes com aplicação e re-

ferência aos ofícios mecânicos, cuja prática, perfeição e utili-

dade dependem dos conhecimentos teóricos daquelas artes

e difusivas luzes das ciências naturais, físicas e exatas" (99).

Crescimento e controle, estímulo e retração marcavam, enfim, a or-

ganização e a prática dos ofícios no final do período colonial. Porém, às vésperas

da Independência política, a sociedade vinha passando por uma série de modifi-

cações que iriam se refletir nos setores artesanais, assim como nos demais seg-

mentos profissionais e nos diferentes grupos sociais.

O fim do sistema corporativo, momento de ruptura.

O quadro geral em que se expandia o artesanato na colônia sofreu

uma série de modificações nas duas primeiras décadas do século XIX.

No início do governo de D. João VI no Brasil o fomento ao comércio

internacional, agora liberado dos monopólios, fez-se seguir de medidas no campo

Page 69: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

69

industrial, tornando livre também o estabelecimento de manufaturas em todo o

país, por alvará de 1º de abril de 1808, que revogava qualquer proibição e ordena-

ra que:

"... daqui em diante, seja lícito a qualquer dos meus vassalos,

qualquer que seja o país em que habitem, estabelecer todo o

gênero de manufaturas, sem excetuar alguma, fazendo os

seus trabalhos em pequeno ou em grande, como entender

em que mais lhes convém...". (100)

Entretanto, a supressão do peso das interdições sobre as manufatu-

ras teve pouco efeito positivo sobre seu desenvolvimento interno em decorrência

dos tratados de 1810 e 1823 com a Inglaterra, que favoreceram a entrada em lar-

ga escala das manufaturas inglesas. A importação a preços mais baixos que os

locais desorganizou a frágil estrutura de base oficinal e doméstica, prejudicando

grande parte dos ofícios, incapazes de enfrentar a concorrências de produtos es-

trangeiros e sofrendo, ainda, o controle do Estado sobre as profissões.

A consciência liberal nos primórdios do Império, diz Emília Viotti da

Costa, trazia consigo reivindicações que ganhavam força, à medida que o desen-

volvimento do país, de um lado, e as transformações do capitalismo industrial, de

outro, tornavam cada vez mais indesejáveis os privilégios impostos pelo sistema

colonial:

"nos movimentos revolucionários desta primeira fase, as as-

pirações das elites rurais confundem-se com as de outros

grupos sociais: os escravos que almejam a emancipação; a

população livre e miserável que vive nos núcleos urbanos

dedicando-se ao artesanato e que ambiciona o livre acesso

sem qualquer forma de discriminação a todas as profissões;

a abolição dos privilégios que a riqueza instituiu na socieda-

de e a situação colonial referendou". (101)

Page 70: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

70

O fim dos privilégios corporativos se dá, finalmente com a extinção

formal das corporações pela Constituição de 1824. A partir daí os ofícios deixam

de estar submetidos ao controle do Estado e passam a se vincular diretamente à

estrutura de mercado, da mesma forma que as demais atividades produtivas.

Esse momento de ruptura, entretanto, longe de constituir um avanço,

serviu mais para demonstrar a pouca adequação dos ideais liberais em uma soci-

edade de base escravista de produção e subordinada aos interesses do comércio

internacional, assegurados pelos tratados de comércio. De certa forma, o fim do

sistema corporativo chegou mesmo a representar uma perda para o artesão inde-

pendente urbano, uma queda na escala do status social.

Por volta de 1830 havia-se encerrado o ciclo de fugaz prestígio dos

mestres e suas oficinas, aquela pequena oligarquia mesteiral que se beneficiaria

no regime de monopólios. Em contrapartida, os artesãos que nas cidades e vilas

faziam parte da pequena burguesia e das camadas populares urbanas estavam, a

partir daí, enfrentando com desvantagem a concorrência dos grupos estrangeiros

beneficiados pelos tratados de comércio.

No final da década de 1820, os liberais mais radicais combatiam vio-

lentamente a política econômica do governo através da imprensa:

"... o jornal Nova Luz Brasileira consubstanciaria nas suas

aspirações a visão de artesãos, comerciantes, farmacêuticos,

soldados, ourives, representantes da pequena burguesia e

das camadas populares urbanas, indignadas com o crescen-

te monopólio do comércio pelos ingleses, hostis aos tratados

de comércio que haviam beneficiado os comerciantes e in-

dustriais estrangeiros, em detrimento do artesanato e do pe-

queno comércio nacionais, chegando até a sugerir a sua

anulação numa linguagem violentamente nacionalista". (102)

A maioria dos artífices, no decorrer do século XIX, iria se aproximar

cada vez mais da proletarização da força de trabalho, engrossando a camada de

Page 71: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

71

homens livres que lutava de diversas formas pela sobrevivência, naqueles interstí-

cios da vida produtiva que não despertavam o interesse dos setores exportadores

e importadores dominantes.

Assim é que Spix e Martius constatam que "a importação de produ-

tos naturais e fabricados, da Europa para o Rio de Janeiro, consiste em tudo de

que o homem precisa" (103), de quinquilharias a vidros da Boêmia, de finas mus-

selinas a tinta da China, mas, ao mesmo tempo, que o Rio era escala-depósito

dos numerosos portos da costa brasileira, da Bahia a Montevidéu e, entre os inú-

meros produtos primários de consumo interno, passavam também louças de bar-

ro, solas, tinas e pipas de madeira e "uma colossal quantidade de pano de algo-

dão muito grosseiro, que aqui se emprega para a roupa dos escravos e da gente

pobre da roça nas províncias do sul". (104)

A pequena produção artesanal e manufatureira no campo, no final da

década de 1820, havia se mercantilizado e aumentado consideravelmente sua

presença, não só no Rio de Janeiro, principal entreposto comercial, mas em todo o

país. Sua origem e expansão, ainda pouco conhecidas, variaram bastante de uma

região para outra, o que torna necessário o estudo de casos específicos, antes

que se possa tentar qualquer generalização sobre esse setor, para o conjunto do

país, no período colonial.

No Nordeste, a expansão de uma indústria rural doméstica, de cará-

ter familiar e complementar à agricultura, esteve vinculada a dois complexos

econômicos distintos - a dos engenhos de açúcar da zona da Mata e o complexo

algodoeiro-pecuário das áreas sertanejas. É este segundo caso que será analisa-

do a seguir, através do estudo da pecuária e do algodão no Ceará colonial, como

dois polos geradores de núcleos artesanais.

Page 72: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

72

Notas.

(1) Serrão, Joel. Dicionário de História de Portugal. v. I, Porto, Iniciativas

Editoriais, 1971, p. 210-212, 216.

(2) Braudel, Fernand. Civilization Matérielle, Economie et Capitalisme,

XVe. - XVIIIe. Siècle. Tome 2, paris, Armand Colin, 1979.

(3) Serrão, Joel. Op. cit., p. 216.

(4) Idem, ibidem, v. II, p. 4.

(5) Boxer, Charles Ralph. Four Centuries of Portuguese Expansion

1414-1825. p. 71-93.

(6) Marques, A.H. Oliveira. História de Portugal. Lisboa, Palas, 1972, v.

II, p. 377.

(7) Lei de 20 de março de 1720. Arquivo Nacional da Torre do Tombo

(ANTT), Lisboa, Livro 8 de Leis, fl. 26.

(8) Mapa Exatíssimo de todos os moradores da freguesia de São Pedro

da cidade da Bahia, em 18 de janeiro de 1775, publicado por Costa, P. Avelino

de Jesus. "População da Cidade da Bahia em 1775", V Colóquio Internacional

de Estudos Luso-Brasileiros, Coimbra, 1964.

(9) O relatório do Conselheiro Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira, de

1819, estima a população brasileira em 4.396.123 habitantes, cf. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. v. XXIX, no. 1, 1866. Sobre a demo-

grafia em Portugal. ver Marques, A.H. Oliveira. Op. cit.

(10) Antonil, André João. Cultura e Opulência do Brasil, por suas dro-

gas e minas. Lisboa, Oficina Real Deslanderina, 1711, p. 156.

(11) Sobre a produção e circulação interna de panos de algodão ver

Novais, Fernando A.. Portugal e o Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial,

1777-1808. São Paulo, Hucitec, 1979, p. 268-285.

Page 73: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

73

(12) As primeiras referências, principalmente sobre a tecelagem de al-

godão, são dadas no século XV por Gandavo, Gabriel Soares de Souza e Je-

an de Lery e no início do século XVII, por Ambrósio Fernandes Brandão. So-

bre o século XVIII, além de Antonil, há algumas indicações gerais nas obras

de Aires de Casal e Luís dos Santos Vilhena e nas descrições dos viajantes

do início do século XIX, como Henry Koster, Tollenare e Spix e Martius.

(13) Serrão, Joel. Op. cit., v. II, p. 20.

(14) Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro,

Fundo de Cultura, 1964, p. 61-63.

(15) Azevedo, José Lúcio. Épocas do Portugal Econômico. 4ª ed., Li-

vraria Clássica Editora, 1978, p.441. Ver também Macedo, Jorge Borges de. A

Situação Econômica no Tempo de Pombal. 2ª ed., Lisboa, Moraes, 1982.

(16) Novais, Fernando. Op. cit., p. 268-285.

(17) Alvará de 5 de janeiro de 1785, Coleção Pombalina, doc. 643 fls.

117-118, Biblioteca Nacional de Lisboa.

(18) Braudel, Fernand. Op. cit., p. 259-263. Tomando por base o mode-

lo criado por Hubert Bourgin, Braudel distingue, entre os séculos XVI e XVIII,

quatro categorias industriais: (1) as "oficinas familiares" dispostas em "nebulo-

sas" e constituídas por um mestre, dois ou três "compagnons" e alguns

aprendizes, que podiam ser todos membros de uma só família. Essas oficinas

formavam unidades unicelulares, onde as tarefas eram indiferenciadas e con-

tínuas, às vezes sem divisão do trabalho, como por exemplo as oficinas de cu-

telaria, ferraria e serralheria das vilas; (2) as "manufaturas disseminadas",

mas ligadas entre si, como as fábricas de tecido do século XVIII, as metalúrgi-

cas localizadas em espaço não muito grandes, cujo coordenador intermediário

ou mestre de obras era um comerciante empresário, que adiantava a matéria-

prima, conduzia-a da fiação à tecelagem, à tintura e ao acabamento, regulava

os salários e apropriava-se do excedente gerado no comércio local ou exter-

no; (3) as "fábricas aglomeradas", como as cervejarias, curtumes, vidrarias e

têxteis, onde diversas operações achavam-se reunidas em um só local. Cons-

Page 74: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

74

tituídas no século XVI como manufaturas reais ou privadas, multiplicaram-se

em toda a Europa no século XVIII. Caracterizavam-se pela concentração da

mão-de-obra em edificações relativamente grandes, que permitiam o controle

do trabalho, a divisão de tarefas, maior produtividade e melhoria da qualidade

do produto; (4) as "fábricas equipadas com máquinas", como os estaleiros na-

vais e a fabricação de armas, movidas à força hidráulica. Para Braudel, os

obrajes estavam incluídos na última categoria.

(19) Marx, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 2ª ed., Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1977.

(20) Dobb, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar,

1971. Cipolla, Carlo M. The Fontana Economic History of Europe. London,

Fontana Books, 1971.

(21)Glamann, Kristof. "European Trade, 1500-1700". In Cipolla, Carlo

M. Op. cit., v. 2, Section 6, p. 78.

(22) São os seguintes os autores que discutem o conceito de proto-

industrialização: Mendels, Franklin D. "Proto-industrialization - The First Phase

of Industrialization Process", Journal of Economic History, v. XXXII, March

1972, no. 1, p. 241-261. Medick, Hans. "The Proto-Industrial Family Economy:

The Structural Function of Household and Family during the transition from

Peasant Society to Industrial Capitalism", Social History, 3, October 1976, p.

291-315. Deyon, Pierre e Mendels, Franklin. "La Proto-Industrialization:

Théorie et Réalité". Section A2, VIII Congrés International d'Histoire

Economique, Budapest, 1982. Aracil, Rafael e Bonafé, Marius Garcia, "La Pro-

to-Industrialization - Un Nou Concept en la História Economica". L'Avenc, no.

32, Revista d'Historia, nov. 1980, Barcelona. Vries, Jan de, La Economia de

Europa en un periodo de crisis, 2ª ed., Madrid, Catedra, 1982.

(23) Sobre a evolução da camada artesanal nas cidades medievais ver

Bourgin, Hubert. L'Industrie et Le Marché, Paris, 1924. Pirenne, Henri. História

Economica y Social de la Edad Media. Madrid, Fondo de Cultura Economica,

15ª ed., 1978.

Page 75: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

75

(24) Braudel, Fernand. Op. cit., p. 261.

(25) Mattoso, Kátia de Queirós. Ser Escravo no Brasil. São Paulo, Bra-

siliense, 1982, p. 142.

(26) Tollenare, I.F. Notas Dominicais - 1817. Coleção Pernambucana,

v. XVI, Recife, Secretaria de Educação, 1978, p. 22-23.

(27) Idem, ibidem, p. 237.

(28) Leite, Serafim. Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil, 1549-1760.

Lisboa, Livros de Portugal, 1950.

(29) Flexor, Maria Helena. Ofícios Mecânicos na Cidade de Salvador.

Prefeitura Municipal de Salvador, 1974.

(30) Holanda, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. Liv. José Olym-

pio Editora, Rio de Janeiro, 1957, p. 267.

(31) Vasconcelos, Salomão. "Ofícios mecânicos em Vila Rica durante o

século XVIII". Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

no. 4, 1940, p. 332.

(32) Costa, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro.

Revista do I.P.H.A.N., v. 3, Rio de Janeiro, 1939.

(33) Abreu, Capistrano de. Capítulos de História Colonial e Caminhos

Antigos e o Povoamento do Brasil. 5ª ed., Brasília, Ed. Universidade de Brasí-

lia, 1963, p. 147.

(34) Franco, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento da Civilização

Material no Brasil. 2ª ed., Conselho Federal de Cultura, 1971, p. 98-9.

(35) Mello, José Antônio Gonçalves de. Tempo dos Flamengos. 2ª ed.,

Recife, Cia. Editora de Pernambuco, 1979. p. 79.

(36) Carta de 30 de junho de 1729, do governador de Pernambuco Du-

arte Sodré Pereira ao rei de Portugal, Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas de

Pernambuco.

Page 76: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

76

(37) Vasconcelos, Sérgio de. Vila Rica. São Paulo, Perspectiva, 1977,

p. 92-101.

(38) Vasconcelos, Salomão. Op. cit.

(39) Por "estudos menores" entende-se o conjunto de disciplinas ensi-

nadas nos colégios que visavam preparar para os estudos universitários. In

Dicionário da História de Portugal. Op. cit., v. II, p. 131-133.

(40) Além do livro de Serafim Leite sobre Artes e Ofícios dos Jesuítas

no Brasil, Op. cit., ver do mesmo autor, Leite, Serafim. História da Companhia

de Jesus. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945. Hoornaert, Eduardo. For-

mação do Catolicismo Brasileiro, 1550-1800. Petrópolis, Vozes, 1974.

(41) Leite, Serafim. Op. cit., p. 49.

(42) Leite, Serafim. Op. cit., p. 69-73.

(43) Costa, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro.

Op. cit., p. 135-139.

(44) Buschiazzo, Mário J.. "Artistas y Artesanos Portugueses en el Vir-

reinato del Rio de La Planta". III Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros. Uni-

versidade de Buenos Aires. Sem data.

(45) Mapa Exatíssimo de todos os moradores da freguesia de São Pe-

dro da cidade da Bahia... Op. cit.

(46) Dias, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo

no século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1984.

(47) Pirenne, Henri. Op. cit., p. 136.

(48) Idem, ibidem. p. 135-137.

(49) Heers, P.. Escravos e Domésticos na Idade Média no mundo medi-

terrâneo. São Paulo, DIFEL, 1983, p. 126-129.

(50) As leis sobre a liberdade dos índios e os casos em que se podia ou

não torná-los cativos surgem logo no século XVI, quando é promulgada a lei

Page 77: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

77

de 20 de março de 1570 acerca dos casos passíveis de escravização, como

as guerras justas, respostas a ataques e canibalismo. Segue-se uma suces-

são de leis - em 1587, 1595, 1605, 1611, 1647, 1655, 1680, 1755, até a lei de

8 de maio de 1758 que extingue a escravidão indígena em todas as suas for-

mas. Ver Figueiredo, José Anastácio. Sinopsis cronológica de subsídios para

a história da legislação portuguesa. Lisboa, 1790, v. II, p. 152. ANTT.

(51) O código de trabalho do indígena americano foi objeto de extensa

legislação da colonização espanhola, que se ocupou do assunto mais que a

portuguesa, sobretudo no México. Ver a esse respeito: Canalda Palau, Guil-

lermo. España y Mejico. El derecho laboral en "Nueva España". Siglos XVI y

XVII. Madrid, Ed. del Movimiento, 1968. Zavala, Silvio y Castelo, Maria. Fuen-

tes para la Historia del Trabajo en Nueva España. México, Fondo de Cultura

Econômica, 1939-1945. Rumeu de Armas, Antônio. Codigo del Trabajo del In-

digena Americano. Madrid, Ed. Cultura Hispânica, 1953. Viñas y Mel, Carme-

lo. El Estatuto del Obrero Indigena en la Colonización Española. Madrid,

Compañia Ibero-americana de Publicaciones, 1929. Fernandez de Velasco,

Manuel. "El Trabajo en la Nueva España, Perspectivas Sociales y Economi-

cas". Reunión Hispano Mexicana de Historia. Santa Maria de la Rábida, Hu-

elva, 1980. Popescu, Oreste. El sistema economico en las misiones jesuíticas.

Un vasto experimento de desarrollo indoamericano. 2ª ed., Barcelona, Ariel,

1967. Morner, Magnus. Actividades Políticas y Economicas de los jesuítas en

el Rio de la Plata. La Era de los Habsburgos. Buenos Aires, Paidós, 1968. Pe-

rez Martin, Antonio. "Nuevo Mundo (America y Filipinas)". In Legislación y Ju-

risprudencia en la España del Antiguo Régimen. 1494-1810.

(52) A regulamentação dos ofícios data do século XVI e acha-se no

Regimento de 1572 dos Oficiais Mecânicos de Lisboa, válido para todo o Rei-

no. Ver Langhans, Franz-Paul. As Corporações dos Ofícios Mecânicos. Sub-

sídios para a sua História. Imprensa Nacional de Lisboa, 1943. O alvará sobre

os ourives data de 20 de outubro de 1621 e está transcrito na página 363.

Ainda sobre a ourivesaria, vel Valladares, José G.. As Artes Plásticas no Bra-

Page 78: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

78

sil - Ourivesaria. Rio de Janeiro, Edições de Ouro, 1970 e Alves Marieta. Mes-

tres Ourives de Ouro e Prata. Bahia, Imprensa Oficial, 1962.

(53) Documento no. 1283 do Arquivo Histórico Ultramarino, reproduzido

in FLEXOR, Maria Helena, Op. cit., p. 75-882.

(54) Documento de 25 de abril de 1732. Arquivo Histórico Ultramarino,

Caixa de Pernambuco.

(55) Sobre a mobilidade social nos centros urbanos, ver Costa, Emília

Viotti. "Urbanização no Brasil no século XIX" in Da Monarquia à República,

Momentos Decisivos. 2. ed., São Paulo, Ciências Humanas, 1979, p. 179-208.

(56) Brandão, Ambrósio Fernandes, Diálogo das Grandezas do Brasil,

1618. São Paulo, Melhoramentos, 1977. p. 33.

(57) Melo, José Antônio Gonçalves de. "Pernambuco", in Serrão, Joel,

Op. cit., v. III, p. 364-365.

(58) Costa, Emília Viotti, Op. cit., p. 189-190.

(59) Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser Escravo no Brasil, São Paulo,

Brasiliense, 1981, p. 77-88. Ver também Gorender, Jacob. Op. cit., p. 192-

194.

(60) in Gorender, Jacob. Op. cit., p. 453.

(61) Tollenare, F. Op. cit., p. 111-112.

(62) Mattoso, Kátia. Op. cit., p. 110-111.

(63) Idem, ibidem, p. 106.

(64) Pirenne, Henry, Op. cit., cap. VI; Le Goff, Jacques, La Ciudad co-

mo agente de civilización, in Cipolla, Carlo M. História Economica de Europa,

La Edad Media. Ariel, Barcelona, 1979, p. 78-114.

(65) Mauro, Frédéric e Wolff, Philippe. La Epoca del Artesanado. in His-

toria General del Trabajo, editada por Louis Henry Parias, Libro IV, 1960;

Braudel, Fernand. Op. cit., T. 2.

Page 79: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

79

(66) Vives, J. Vicens. Historia de España y America. v. II, Ed. Vicens-

Vives, Barcelona, 1961. Ribalta, Pedro Molas. Los Gremios Barceloneses del

Siglo XVIII. Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahorro, 1969.

(67) Langhans, Franz-Paul. As Corporações dos Ofícios Mecânicos,

Subsídios para a sua História. Imprensa Nacional de Lisboa, 1943; Marques,

A.H. de Oliveira. A Sociedade Medieval Portuguesa, Liv. Sá da Costa Ed., 2ª

ed., 1971.

(68) Braudel, Fernand. Op. cit., p. 273-276.

(69) Dobb, Maurice. Op. cit.

(70) Marx, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 2ª ed., Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1977, p.110.

(71) Holanda, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 9ª ed., Rio de Janeiro,

José Olympio, 1976. p. 25-28. Gorender, Jacob. Op. cit., p. 452-455.

(72) Saraiva, Antônio José. "Artes Liberais". In Serrão, Joel. Op. cit., v.

I, p. 211.

(73) Godinho, Vitorino Magalhães. A Estrutura da Antiga Sociedade

Portuguesa. Lisboa, Arcadia, 1971, p. 84.

(74) Bridenbaugh, Carl. The Colonial Craftsman. New York University

Press, 1950, p. 155.

(75) Regla, Juan. "La Epoca del Artesanato en España". In Historia Ge-

neral del Trabajo. Livro IV, Barcelona, Grijalbo, 1965, p. 437-454.

(76) Langhans, Franz Paul de Almeida. A Casa dos Viente e Quatro de

Lisboa. Lisboa, Imprensa Nacional, 1948.

(77) Caetano, Marcelo. "A Antiga Organização dos Mesteres na Cidade

de Lisboa", prefácio à obra de Langhans, Franz paul. As Corporações de Ofí-

cios Mecânicos. op. cit., v. I, p. XI-LXXV.

(78) Edição facsimilada, reimpressa pela Fundação da Casa de Bra-

gança, Lisboa, 1955.

Page 80: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

80

(79) Calmon, Pedro. História do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio,

1959, v. I, cap. XIX.

(80) Leite, Serafim. Op. cit., p. 28.

(81) Idem, ibidem.

(82)Langhans, Franz-Paul. Op. cit., p. X-XXIV.

(83) Flexor, Maria Helena. Op. cit., p. 15.

(84) Caetano, Marcelo. Op. cit., p. L-LI.

(85) Leite, Serafim. Op. cit., p. 30-31.

(86) Noronha, Santos. "Um litígio entre marceneiros e entalhadores no

Rio de Janeiro". Revista do I.P.H.A.N., no. 6, Rio de Janeiro, Ministério de

Educação e Cultura, 1942.

(87) Compromisso de Irmandade e Confraria do Patriarca São José dos

Ofícios de carpinteiro, pedreiro, marceneiro e tanoeiro, ereta na Igreja de Nos-

sa Senhora do Paraiso de Recife. 1800, Arquivo Histórico Ultramarino, Caixa

de Pernambuco.

(88) Flexor, Maria Helena. Op. cit., p. 9.

(89) Vasconcelos, Salomão. Op. cit., p. 330-360.

(90) Caetano, Marcelo. Op. cit. Saint-León, Martin. Histoire des corpora-

tions de métiers. 4ª ed., Paris, 1941. Ribalta, Pedro Molas. Los Gremios Bar-

celoneses del Siglo XVIII. Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahor-

ro, 1969.

(91) Caetano, Marcelo. Op. cit., p. XXVI-XXXI. Sobre a indústria e o ar-

tesanato em Portugal no século XVIII consultar: Serrão, Joel e Martins, Gabri-

ela. Da Indústria Portuguesa, do Antigo Regime ao Capitalismo. Lisboa, Hori-

zonte Universitário, 1978. Azevedo, José Lúcio de. Épocas de Portugal Eco-

nômico, Esboços de História. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 4ª ed., 1978.

(92) Vasconcelos, Salomão. Op. cit., p. 330-360.

Page 81: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

81

(93) Santos, Noronha. Op. cit., p. 301-317.

(94) Lapa, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira das Índias.

São Paulo, Nacional, 1968. p. 99-134.

(95) Flexor, Maria Helena. Op. cit., p. 11-12, p. 60.

(96) Spix, J.B. e Martius, C.F.P.. Viagem pelo Brasil. Primeiro Volume,

Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1938, p. 123.

(97) Idem, ibidem.

(98) Ibidem, p. 124.

(99) Barata, Mário. "As Artes Plásticas de 1808 a 1889". In História Ge-

ral de Civilização Brasileira. O Brasil Monárquico, T. II, v. 3, São Paulo, DIFEL,

1969, p. 414. Ver também Franco, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento

de Civilização Material no Brasil. Op. cit.. A Escola de Belas Artes foi criada fi-

nalmente em 1826. Sobre a história das artes plásticas no Brasil no período

da monarquia ver Durand, José Carlos Garcia. Arte, Privilégio e Distinção. Te-

se de doutoramento, F.F.L.C.H., Universidade de São Paulo, datilo, 1985.

(100) Extrato das Leis, Avisos, Provisões, Assentos e Editais publicados nas

cortes de Lisboa e Rio de Janeiro desde a época de partida de El Rei Nosso Se-

nhor para o Brasil em 1807 até julho de 1816, Arquivo Nacional da Torre do Tom-

bo, Lisboa. Ver também Marques, A.H. Oliveira. .Op. cit., v. II, p. 410-411.

(101) Costa, Emília Viotti. "A Consciência Liberal nos Primórdios do Império".

In Da Monarquia à República Momentos Decisivos. São Paulo, Ciências Huma-

nas, 1979, p. 112.

(102) Idem, ibidem, p. 122.

(103) Spix e Martius. Op. cit., p. 115.

(104) Idem, ibidem, p. 118.

Page 82: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

82

CAPÍTULO II

PECUÁRIA E ALGODÃO:

DOIS PÓLOS GERADORES DE NÚCLEOS ARTESANAIS NO CEARÁ

COLONIAL.

Page 83: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

83

O Ceará foi colonizado a partir de duas rotas distintas - uma pela

costa litorânea, saindo da Pernambuco, em direção ao Maranhão e Pará, outra

pelo interior, vinda da Bahia e Pernambuco, compreendendo a região que vai do

médio São Francisco até o rio Parnaíba, nos limites do Piauí e do Maranhão.

Expansão da pecuária.

A colonização se inicia apenas no século XVII. A estreita faixa de lito-

ral, de ocupação intermitente, servia à extração de madeira, âmbar, algodão nati-

vo, pimenta e animais. Os colonos pouco se interessavam pelas terras da região,

de solo arenoso, pouca água e sem matas para o fornecimento de lenha, ou seja,

inviável para o empreendimento açucareiro. Economicamente destituída de inte-

resse para a metrópole e politicamente isolada, (1) a capitania permanece quase

despovoada até meados do século XVII, quando tem início a ocupação pela pecu-

ária.

Foi o processo de separação entre a produção de cana de açúcar e a

criação de gado que deu impulso à ocupação produtiva das terras do interior nor-

destino. A conhecida divisão entre as duas atividades, em áreas distintas, levou os

produtores da Bahia e Pernambuco a obterem extensas sesmarias para o estabe-

lecimento de currais fora dos domínios da lavoura, forçando, também, a interiori-

zação por parte dos que não possuíam capital suficiente para a montagem de en-

genhos. Os criadores de gado foram gradativamente empurrados da costa, das

terras mais férteis e dos portos de embarque do açúcar para Portugal, passando a

ocupar as terras do sertão. (2)

Page 84: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

84

Relegada a uma posição secundária, a pecuária encontrou condi-

ções de se expandir nas terras impróprias ao cultivo de cana, na medida em que

atendia aos mercados internos, como supridora de carne, animais de transporte e

tração e fornecedora de couros e peles. A organização dos currais dependia de

pouca mão-de-obra e pequenos investimentos de capital. As boiadas podiam ser

transportadas para os locais de comercialização, superando as distâncias, inexis-

tência de estradas e meios de transporte, que dificultavam o cultivo da cana de

açúcar no interior, mesmo quando o solo era apropriado.

Esses fatores, aliados à grande disponibilidade de terras, à pressão

populacional e ao sistema de "quartiação", (3) que abria possibilidades de acumu-

lação aos vaqueiros contratados para administrar as fazendas, explicam a rápida

multiplicação dos currais no Ceará, na segunda metade do século XVII. (4)

Nas primeiras décadas do século XVIII a pecuária já ocupava exten-

sas faixas de terra, tendo como eixo central a bacia do rio Jaguaribe, no sentido

norte-sul, e expandindo-se pelos sertões do Quixeramobim, vale do Cariri, região

sul de Fortaleza, chegando ao extremo norte, pelos rios Acaraú e Coreaú e ao

oeste, nos sertões do Crateús. (5)

Os primeiros sesmeiros acumularam extensas propriedades e con-

centraram a posse da terra, com a prática de obterem várias "datas" simultanea-

mente. Muitos, no Ceará, conseguiram dez ou mais concessões de sesmarias,

com que o governo português decidiu estabelecer certos limites, diminuindo pro-

gressivamente o tamanho das "datas", em fins do século XVII. (6)

A historiografia sobre a pecuária nordestina considera que, apesar da

baixa produtividade e pequena monetarização, as condições de organização do

trabalho facilitaram a expansão da economia, o crescimento vegetativo da popula-

ção e dos rebanhos. (7) As fazendas requeriam pouca mão-de-obra, podendo ser

administradas por escravos ou agregados contratados, mesmo na ausência do

proprietário. Pequenos lotes de terra inaproveitada eram arrendados a posseiros,

que trabalhavam em regime familiar ou com pequeno número de agregados, en-

carregados todos de tarefas semelhantes: campear, ferrar e amansar o gado e

Page 85: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

85

tanger as boiadas para os pontos de venda. A alimentação necessária à reprodu-

ção da força de trabalho era assegurada pela carne, o leite e por alguma agricultu-

ra de subsistência, a cargo de posseiros e rendeiros, onde o solo permitisse.

Estudos recentes procuram demonstrar que a organização da mão-

de-obra nas fazendas de gado teria tido o mesmo caráter escravista das demais

atividades produtivas. (80) contrariando teses mais antigas, de que o criatório era

incompatível com a escravidão, devido à dispersão geográfica e absenteísmo dos

proprietários.

É inegável, porém, a crescente presença de homens livres, brancos,

mulatos, mestiços, índios e pretos forros, entre os vaqueiros e auxiliares nos cur-

rais, mesmo que as fazendas contassem com plantéis de escravos. O autor do

Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí, (10) na segunda metade do

século XVIII, revela a atração exercida pela pecuária sobre a população pobre e

livre:

"Em cada fazenda destas, não se ocupam mais de dez ou

doze escravos, e na falta deles os mulatos, mestiços e pretos

forros, raça de que abundam os sertões da Bahia, Pernam-

buco e Siará, principalmente pelas vizinhanças do rio S.

Francisco.

Esta gente perversa, ociosa e inútil pela aversão que tem ao

trabalho da agricultura, é muito diferente empregada nas di-

tas fazendas de gados. Tem a este exercício uma tal inclina-

ção, que procura com empenhos ser nele ocupada, consti-

tuindo toda a sua maior felicidade em merecer algum dia o

nome de vaqueiro. Vaqueiro, criador, ou homem de fazenda,

são títulos honoríficos entre eles, e sinônimos, com que se

distinguem aqueles a cujo cargo está a administração e eco-

nomia das fazendas".

Page 86: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

86

A perspectiva de alguma acumulação, pela partilha do gado criado

pelo vaqueiro, era o fator que realmente atraia o homem livre e o prendia à fazen-

da, como reconhece o autor logo a seguir:

"O uso inalterável nos sertões de fazer o vaqueiro sua quarta

parte dos gados que cria, sem poder entrar nessa partilha

antes de cinco anos, não só faz que os ditos vaqueiros se in-

teressem como senhores, no bom trato das fazendas; mas

faz também que com os gados que lucram, passem a esta-

belecer novas fazendas..."

O que parece mais relevante nessa questão não é o peso relativo do

segmento escravo e livre mas o fato de que, na pecuária, a escravidão não repre-

sentou obstáculo à inserção do homem livre. Os limites eram impostos, muito

mais, pela pequena absorção de mão-de-obra nas fazendas. Estas, ao mesmo

tempo em que atraiam a população livre, forçavam-na à ociosidade ou então à

busca de atividades de subsistência que tornassem possível, de uma forma ou de

outra, a sobrevivência, afora a criação de gado.

A indústria da charqueada, iniciada por volta de 1720, abre um novo

período na atividade criatória. Pela sua importância para a economia do Ceará, a

comercialização da carne salgada em substituição ao gado vivo chega a ser con-

siderado um ciclo próprio, o chamado "ciclo das oficinas". (11) As charqueadas se

expandem da foz do rio Jaguaribe para o leste, em direção ao Rio Grande do Nor-

te e, no sentido inverso, rumo ao Piauí, graças à abundância de salinas naturais.

Introduzem uma importante modificação na atividade produtiva, que resulta na

separação espacial e na divisão do trabalho entre fazendas de criação, oficinas de

salga e pontos de comercialização. (12)

A transformação em vila de vários povoados originados pela expan-

são da pecuária - Icó (1738), Aracati (1748), Sobral (1773), Quixeramobim (1789),

é um indicativo do interesse que o governo metropolitano passa a ter pela capita-

nia. Através da administração sediada nas vilas, o Estado podia exercer maior

controle sobre a mão-de-obra dispersa e levar os "vadios" à produção, bem como

Page 87: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

87

viabilizar a captação de recursos, coletando impostos, controlando a atividade

produtiva e o comércio. (13)

A vila do Aracati, na foz do rio Jaguaribe, assume a função de princi-

pal núcleo urbano a partir de 1750, por onde se faziam exportações para os portos

de Recife, Salvador e Rio de Janeiro. As boiadas transitavam pela bacia do Jagua-

ribe, subindo e descendo o rio e a vila era o principal entreposto comercial, distri-

buindo para o sertão as mercadorias importadas. (14) As vilas sertanejas, por sua

vez, atuavam como pontos de recebimento do gado e comercialização dos artigos

manufaturados, ferramentas e utensílios importados, distribuindo-os às fazendas e

povoados mais distantes.

Há alguns núcleos urbanos do século XVIII que não são diretamente

decorrentes da expansão pecuária: Aquiraz, primeira sede do governo (1700), For-

taleza (1726), base de ocupação do litoral e os antigos aldeamentos indígenas,

transformados em vila depois da expulsão dos jesuítas: Messejana (1759), Cau-

caia (1766), Parangaba (1759), Viçosa (1759) e Baturité (1764). Mesmo essas

vilas, contudo, subsistiam da produção e comercialização do gado. Para se ter

uma ideia, os bens confiscados aos jesuítas, em 1759, consistiam, unicamente,

em rebanhos de gado vacum, cavalar e caprino. (15)

As funções comerciais urbanas também começam a se desenvolver,

na segunda metade do século XVIII. Nas vilas e povoados do sertão predomina-

vam os pequenos comerciantes, marchantes, taverneiros, caixeiros, mercadores a

retalho e mascates ambulantes, com um reduzido número de grandes negocian-

tes. A economia dependente do mercado interno era forçada a estabelecer rela-

ções comerciais tanto com os grandes centros do litoral como com as fazendas e

sítios mais distantes. Segundo Furtado, (16) a comercialização, na pecuária, atuou

como fator de redução do isolamento entre regiões, pois através dela se articula-

vam as zonas açucareiras e mineiras com o extremo norte e sul da colônia.

Na verdade, a relação de dependência entre as capitanias do litoral e

do interior tendia a beneficiar as primeiras, que centralizavam a maior parte da

captação do excedente, como bem observou o autor do Roteiro do Maranhão, em

Page 88: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

88

suas conclusões sobre o florescimento do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco,

onde estabelece os seguintes princípios:

"1º Que as povoações do interior do país sendo dependentes

das capitanias da marinha, e tendo com elas comunicação,

concorrem para o aumento tanto intensivo como extensivo da

povoação, cultura e comércio das capitanias da marinha.

2º Que sem esta comunicação as capitanias da marinha não

excederiam na povoação, cultura e comércio a certos limites;

e dentro dos mesmos limites não seriam também povoadas."

(17)

O comércio do sertão teve importância fundamental no crescimento

das vilas do litoral, também a nível interno da capitania. Aracati, em 1787, contava

com setenta lojas de mercadorias, para uma população de apenas 2.000 habitan-

tes (18) e em Fortaleza, no final do século, a maioria dos comerciantes era ataca-

distas, vendedores para o sertão de gêneros vindos de Pernambuco. (19)

A maior parte da comercialização do gado era feita com Pernambuco

e sua área de influência, razão pela qual Furtado considera a pecuária uma "pro-

jeção da economia açucareira". É a existência desse segundo setor, incluindo a

agricultura de alimentos como a mandioca, milho e feijão, que teria permitido a

extrema especialização da monocultura açucareira, nos períodos de maior de-

manda do produto pelos mercados europeus. Furtado levanta a hipótese de que,

nesses períodos, a economia de subsistência se monetarizava, o que também é

sustentado por Fernando Novais, ao considerar que a mobilização dos fatores de

produção na atividade açucareira exportadora abria aos setores de subsistência a

possibilidade de se desenvolverem autonomamente. (20)

Essa análise, embora correta, é incompleta, a nosso ver, para dar

conta do desenvolvimento da região pecuária, pois deixa de considerar as liga-

ções diretas da economia do sertão com o setor exportador externo, através da

produção de couros e peles.

Page 89: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

89

No século XVIII o couro adquire papel importante na economia, ocu-

pando o terceiro lugar no valor estimado das exportações, no período colonial co-

mo um todo. (21) Seu aproveitamento industrial consistia na preparação de couro

bruto do gado, os chamados "couros em cabelo", couros curtidos em atanados e

em meios de sola.

O estudo da atuação da Companhia de Comércio de Pernambuco e

Paraíba (22), que controlou o monopólio no nordeste, de 1759 a 1777, demonstra

que o couro ocupou o segundo lugar nas exportações da região, tendo se benefi-

ciado das mesmas facilidades de transporte e isenções de direitos alfandegários

que eram dadas à cana de açúcar. Para os produtores, espalhados por uma área

rural extensa, fluida e desarticulada, onde o nível de produtividade era muito baixo

e o capital escasso, essa comercialização trouxe poucas possibilidades de acumu-

lação.

Segundo Ribeiro Júnior, o produto era enviado por conta e risco do

fabricante, o direito de fabricação era concedido a poucos produtores, os preços

eram mantidos nos limites mínimos e o controle de peso e qualidade era dos mais

rigorosos. Os comerciantes que faziam a ligação entre os criadores e os centros

de beneficiamento também pouco ganharam. Apenas a Companhia apropriou-se

dos recursos gerados pela exportação do couro. (23)

A participação do Ceará nesse setor é difícil de ser avaliada, pois

dada a condição de capitania subalterna, o comércio externo era feito através do

porto de Recife. A intermediação de Pernambuco na captação de excedente cons-

tituía um fator adicional, a limitar a expansão produtiva. (24) Além disso, grande

parte do comércio era feito por contrabando, prática que beneficiava os chamados

"portos livres", isto é, sem controle direto do monopólio, o que dificulta ainda mais

o conhecimento da importância das exportações de couro para a economia cea-

rense, apesar das referências ao porto do Aracati, no estudo de Ribeiro Júnior.

Page 90: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

90

Diversificação agrária: o algodão.

A partir de 1780, um novo produto entra no circuito exportador: o al-

godão.

O algodão nativo, cultivado pelos índios desde o período pré-colonial,

fazia parte da economia de subsistência em todo o país, tornando-se matéria-

prima indispensável na fabricação doméstica de tecidos para a escravaria e a po-

pulação pobre livre e para o enfardamento de mercadorias exportadas. No século

XVI, cronistas como Gandavo, Gabriel Soares de Souza e Jean de Léry (25) se

referem à plantação, fiação e tecelagem do algodão em várias capitanias. No iní-

cio do século XVII, no Ceará e Maranhão, o algodão era um dos principais produ-

tos de troca, no escambo que os franceses estabeleceram com as populações

indígenas, antes que os portugueses ocupassem definitivamente o território. (26)

A comercialização do excedente no mercado interno também é regis-

trada desde o século XVI. Fios e rolos de pano de algodão serviram inclusive co-

mo moeda, no Maranhão, Piauí e Ceará, constando dos relatórios dos governado-

res sugestões para o estímulo à fabricação de tecidos, dos quais se poderia tirar

"não só utilidade para aumento das ditas capitanias, como também rendimento

para a fazenda real". (27)

A prática de usar novelos de fio de algodão, os nimbós, como moe-

da, era comum entre os índios do Ceará. A Companhia de Comércio de Pernam-

buco proibiu a circulação dos nimbós, ao que não se conformaram os índios. Em

1808 os Tremembés da serra de Ibiapaba chegaram a apelar ao governo da capi-

tania, pedindo permissão para tornar a usá-los. (28)

O cultivo em larga escala se dá com a entrada do produto no merca-

do externo, a partir da demanda provocada pelo desenvolvimento da indústria têx-

til inglesa. Stanley Stein situa entre 1780 e 1820 o período mais importante de for-

Page 91: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

91

necimento do Brasil à Inglaterra, sendo depois suplantado pelo algodão dos Esta-

dos Unidos, Egito e Índia. (29)

O ingresso do algodão no mercado exportador resultou em mudan-

ças na estrutura produtiva do Ceará, que apenas se esboçam na passagem do

século XVIII para o XIX. A adequação ao clima e ao solo, a estrutura pouco com-

plexa e o ciclo vegetativo curto do cultivo facilitaram a multiplicação das planta-

ções, atraindo tanto os grandes produtores, como os médios e pequenos. Ao con-

trário das fazendas de gado, concentradas em grandes latifúndios, o algodão per-

mitiu também a expansão da pequena produção, associada à plantação de ali-

mentos. (30)

A agricultura comercial veio acelerar o processo de formação de uma

reserva de trabalho livre. Inicialmente, as plantações parecem ter seguido o mode-

lo dos engenhos de cana de açúcar, com grande concentração de escravos. Tol-

lenare encontra no Ceará algumas plantações com mais de 300 escravos. (31)

Entretanto, o ciclo vegetativo curto do algodão tornava desvantajoso o emprego do

escravo, ocioso grande parte do tempo e a colheita exigia vigilância redobrada,

para evitar o contrabando nos algodoais, prática comum entre os escravos, que

usavam ardis e subterfúgios de vários tipos para burlar a vigilância dos produtores.

(32)

A disponibilidade de mão-de-obra livre, não absorvida pela pecuária,

e a facilidade da colheita, onde se podiam empregar mulheres e crianças, contri-

buíram para alterar as relações de produção e reduzir o plantel escravo. Foi a

agricultura comercial, ao que tudo indica, que acelerou a prática dos contratos de

parceria e arrendamento, através de formas variadas de trabalho familiar e indivi-

dual.

Arruda Câmara, um dos primeiros grandes proprietários e estudioso

da cultura dos algodoeiros registra os efeitos da nova atividade:

"Nos anos de 1777 até 1781 animaram-se os povos de uma

nova força, então é que se viram os interiores dos sertões

mais habitados e cultivados... pois o grande lucro promete,

Page 92: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

92

impele a todos ao trabalho, tirando-os da ociosidade, dá valor

às terras que dantes o não tinham, com sumo proveito do

proprietário..." (33)

Verifica-se aí a introdução da cobrança da renda da terra, definidora

das relações de parceria. Koster, também grande proprietário de terras em Jagua-

ribe, algumas décadas mais tarde, assalariava indígenas e facilitava o estabeleci-

mento de moradores em suas terras, com a condição de trabalharem dois ou três

dias por semana. (34)

A absorção da mão-de-obra livre foi facilitada pelo cultivo conjugado

de alimentos, no interior da própria unidade produtiva, garantindo, assim, a repro-

dução da força de trabalho. Em 1802, o algodão e a mandioca eram apontados

como os principais gêneros agrícolas do Ceará, servindo a farinha não apenas à

subsistência, mas também à comercialização dentro da capitania:

"os gêneros mais cultivados no Ceará são os algodões e a

farinha de pau. Estes e a criação dos gados, é que fazem os

objetos de comercio e riqueza dela; e pelo que respeita ao

segundo, como dele se alimentam quotidianamente os po-

vos, fazem avultadas lavouras, exportam o que lhes sobeja

assim para os outros lugares do interior da mesma capitania

onde o solo não é muito próprio para a cultura deste gênero

mas só para as pastagens dos gados". (35)

À agricultura de subsistência somava-se a produção de rapadura e

mel dos pequenos engenhos de cana e o fornecimento de carne e leite que havi-

am assegurado, até então, o crescimento vegetativo da população.

É importante observar que algodão e pecuária não eram atividades

excludentes. Antes, pelo contrário, acomodaram-se uma à outra para formar as

bases de um complexo socioeconômico que iria se consolidar no decorrer do sé-

culo XIX. Ocupação da maior parte das terras produtivas pelos grandes proprietá-

rios, formação de uma reserva de força de trabalho, cobrança da renda da terra,

Page 93: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

93

vinculação dos pequenos produtores ao latifúndio, formas variadas de trabalho

individual e familiar, parceria, arrendamento, agricultura de subsistência: eis aí as

bases do complexo algodoeiro-pecuário em formação.

O aumento da densidade populacional faz-se notar nos primeiros re-

censeamentos, entre 1775 e 1808:

População do Ceará - 1775-1808

Vilas e Povoados* 1775 1808

Fortaleza 3.132 9.624

Aquiraz 3.642 9.527

Aracati 6.889 5.333

Russas 10.787

Icó 6.028 17.698

Crato 7.128 11.735

Quixeramobim 2.460 6.515

Tauá 4.548 7.560

Ipu 3.442 7.623

Parangaba 6.070 1.415

Messejana 1.538 1.570

Caucaia 1.388 767

Baturité 2.745

Viçosa 4.900 12.104

Montemor-o-Velho 264 311

Sobral 7.721 14.629

Granja 2.344 4.924

Ibiapina 4.170

Almofala 1.011

Totais 61.474 125.878

1775 - Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas de

Pernambuco, 30 de setembro de 1777.

Page 94: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

94

1808 - Barba Alardo de Menezes, Memória sobre a

Capitania do Ceará, 1814.

(*) - Denominação atual.

Com a entrada do algodão no circuito exportador, algumas vilas co-

mo Icó, Sobral e Crato tiveram sua função mercantil estimulada (36). A grande

beneficiária da diversificação econômica viria a ser, porém, a vila de Fortaleza,

que se tornaria o principal porto exportador de algodão, embora ainda prevaleces-

se, por mais algumas décadas, a hegemonia do Aracati nas funções urbanas. (37)

Entre 1800 e 1820 o algodão se consolida como principal produto da

economia cearense. As quantidades exportadas aumentam de 768 arrobas, em

1803, para 11.892 arrobas em 1807. A cotação do produto sobe, ao mesmo tem-

po, no mercado internacional, de 5.120 réis a arroba, em 1803, para 7.680 réis,

em 1807. Com isso, o aumento do valor das exportações passa de 3.934,72 réis

em 1803 para 91.330,56 réis em 1807. (38)

As balanças de comércio com Portugal, após 1808, deixam de refletir

o real movimento exportador, em virtude das ligações diretas que se estabelecem

com a Inglaterra e outros países. Ainda assim, os dados de exportação do Ceará

para Portugal, entre 1815 e 1822, são suficientes para mostrar que o algodão ha-

via se tornado o sustentáculo econômico da capitania.

Exportação dos principais produtos do Ceará - 1815-1822 (em mil réis)

Produtos

Exportados

1815 1816 1817 1818 1819 1820 1821 1822

Algodão 61.560 60.992 92.491 175.524 211.685 148.437 127.377 87.680

Couros 4.513 8.881 14.250 25.172 2.178 11.072 28.744 30.027

Açúcar - - - 2.110 - - - 1.485

Arroz - 532 - 1.890 660 209 - -

Madeiras 110 542 - 459 - - - -

Page 95: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

95

Vários

gêneros

2.987

1.704

1.815

5.649

9.218

3.785

5.659

3.476

M. de Lourdes R. de Aguiar Ribeiro, As Relações Comerciais entre Portugal e

Brasil segundo as "Balanças de Comércio", 1801-1821, Lisboa, 1972.

O valor da arroba no mercado externo continua a subir, até alcançar

a cotação máxima de 9.150 réis, em 1818. Após essa data começam a cair os

preços, que atingem apenas 5.000 réis a arroba em 1822, indício do fim desse

primeiro período de relativa prosperidade. As quantidades exportadas, entretanto,

continuam altas, mostrando que o esforço produtivo se mantinha, apesar da queda

de preços.

Exportação de algodão do Ceará - 1815-1822

Ano Arrobas Valor anual

da arroba

1815 8.208 7.500

1816 7.624 8.000

1817 12.846 7.200

1818 19.183 9.150

1819 25.443 8.320

1820 21.829 6.800

1821 21.229 6.000

1822 17.536 5.000

M. de Lourdes Aguiar Ribeiro, As Relações

Comerciais entre Portugal e Brasil segundo

as "Balanças de Comércio", p. 105-107.

Nas duas primeiras décadas do século XIX, formas incipientes de au-

tonomia do Ceará, dentro da região, começam a surgir. A diversificação e expan-

são econômica coincidem com mudanças na ordem política, definidoras de novas

Page 96: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

96

relações de dominação. O desligamento do Ceará da capitania de Pernambuco,

em 1799, e o fim do monopólio português sobre o comércio externo, colocam o

Ceará na órbita direta do domínio mercantil inglês, que se impõe pelo tratado co-

mercial de 1814, segundo o qual a Inglaterra pagava somente 15% de direitos al-

fandegários nos portos brasileiros.

A separação político-administrativa de Pernambuco, embora comece

a tornar mais visíveis os conflitos de interesse dentro da região, não elimina a de-

pendência da economia algodoeiro-pecuária em relação ao setor açucareiro.

Grande parte das exportações continua a ser feitas através do Porto de Recife,

não só de produtos do Ceará, como do Rio Grande do Norte e da Paraíba. De

1801 a 1822, por exemplo, Pernambuco é o porto que manda para Portugal as

maiores quantidades de algodão, apesar de ser o Maranhão o maior produtor. (39)

As relações de dependência, tanto a nível regional como externo,

são agravadas pelas condições internas da capitania. O fraco desenvolvimento

das forças produtivas, a dificuldade das condições de vida, a luta pela sobrevivên-

cia nas terras áridas, a destruição dos rebanhos e a migração das populações em

decorrência das secas, impressionam os viajantes estrangeiros que visitam o Cea-

rá nas primeiras décadas do século XIX. Koster e Tollenare chamam atenção para

as más condições dos portos, a precariedade dos meios de comunicação e trans-

porte, o efeito destruidor das crises climáticas, o quadro geral de pobreza, enfim,

quando comparado a Pernambuco, Maranhão e Bahia. (40)

De colonização tardia e interesse secundário para a metrópole, a

economia da pecuária e do algodão no fim do período colonial se mantém na po-

sição de coadjuvante do sistema, limitada na sua capacidade de acumulação e

voltada, em grande parte, para a própria subsistência.

A produção artesanal possível.

Page 97: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

97

A historiografia costuma enfatizar a importância da grande proprie-

dade rural na colônia, bem como seu caráter autárquico, garantidor de uma relati-

va autonomia. Fora dos grandes centros urbanos, teria se desenvolvido no interior

das fazendas uma indústria doméstica que, somada à produção de alimentos, ca-

racterizava a "plantation" escravista como um misto de economia mercantil e natu-

ral. (41) Essa produção de alimentos e manufaturas caseiras era, portanto, não

somente uma alternativa, mas uma necessidade estrutural ou, pelo menos, uma

"possibilidade estrutural" (42)

A política do "pacto colonial" garantia, por outro lado, o suprimento

de manufaturados europeus não produzidos internamente. De fato, no período da

ocupação holandesa em Pernambuco, por exemplo, "muitos senhores davam-se

ao luxo de se alumiarem com boas velas holandesas de cera. De se vestirem com

os melhores tecidos flamengos, com os mais ricos panos de linho, de enfeitar

chapéus com as mais bonitas plumas". (43)

As importações se intensificaram na segunda metade do século

XVIII, com a atuação das companhias de comércio. O mercado nordestino absor-

veu grande quantidade de manufaturados europeus através da Companhia de

Comércio de Pernambuco e da Paraíba. A relação pesquisada por Ribeiro Júnior é

extensa: "compreendia alimentos e bebidas (azeite, aguardente, uvas e farinhas) e

produtos têxteis (tecidos de seda e algodão dos mais diferentes tipos), produtos

metalúrgicos (desde abotoaduras até panelas, barris e ferramentas), além de di-

versos outros gêneros como papel, vidro e produtos químicos". (44)

Como medida destinada a desenvolver a indústria de manufaturas

em Portugal, há um considerável aumento na exportação de tecidos de algodão

para o Brasil. No início do século XIX, o reino enviava em quantidades, baetilhas,

chitas, cassas, cobertas, cangas, fustão, musselinas, riscados e ainda meias, len-

ços, saias, etc. (45)

Para a maioria dos autores, a indústria rural doméstica teria perma-

necido ao nível da produção de valores de uso, para atender à estrutura interna

das fazendas, não fazendo parte, com raras exceções, da troca de mercadorias.

Page 98: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

98

Sérgio Buarque de Holanda julga, inclusive, que a indústria caseira teria entravado

o comércio e prejudicado a organização dos próprios ofícios artesanais, embora

fosse capaz de garantir relativa independência aos proprietários. (46)

De fato, nas fazendas da região algodoeiro-pecuária desenvolveu-se

uma indústria caseira destinada a atender, a princípio, as necessidades do grupo

familiar, de forma semelhante à agricultura de subsistência. Utilizando processos e

equipamentos rudimentares, essa indústria rural doméstica vai se expandir incor-

porada à estrutura de propriedade da terra, com uma função complementar à

produção agrária, à qual estava intimamente vinculada.

Numa tentativa de ordenação, é possível distinguir três setores da

indústria rural doméstica nessa fase. O primeiro incluía equipamentos básicos co-

mo os engenhos de rapadura e mel, as casas de farinha, os curtumes e as olarias,

que formavam a infraestrutura da vida material no interior do Ceará. O segundo é

constituído pela fabricação de artigos e objetos de consumo diário, como louças,

velas, sabão, chapéus, esteiras, calçados, ferraria, mobiliário, utensílios domésti-

cos que se desenvolve em torno de fontes de matéria-prima como as "minas" de

barro, as matas de carnaúba e de madeiras de vários tipos, couros e peles de ve-

ado e da "criação miúda", cascos de tartaruga, etc. Finalmente, num terceiro gru-

po, estão a fiação e tecelagem de panos de algodão, as rendas, bordados e labi-

rintos.

No que diz respeito à organização produtiva, o primeiro setor é o que

se achava mais intimamente vinculado à produção agrária, tanto em termos da

divisão do trabalho quanto dos processos e técnicas empregadas.

As "engenhocas" de rapadura concentravam-se, sobretudo, no vale

do Cariri, onde as terras férteis e a abundância de água permitiram a expansão da

cana de açúcar, mas Paulet encontrou, também, 28 pequenos engenhos em Aqui-

raz e 88 nas serras de Meruoca e Uruburetama. Tratava-se de engenhos bastante

rudimentares, de uso dos agricultores livres:

Page 99: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

99

"... é necessário advertir que tais fábricas nada são, algumas

nem um escravo tem, um taxo, dois tambores ao tempo, ou

debaixo de uma palhoça é todo o trem". (47)

As casas de farinha, tão essenciais à sobrevivência quanto os enge-

nhos de rapadura, eram também equipamentos bastante simples. A fabricação da

farinha de mandioca, alimento básico da população, constava de cinco operações:

raspar, ralar, espremer, peneirar e cozer. Os equipamentos se resumiam a uma

roda de ralar, movida por duas pessoas ou, no caso das mais pesadas, tocadas à

água ou por cavalos e bois, uma prensa de espremer a mandioca ralada, peneiras

chamadas urupembas e o forno de cozer a massa peneirada.

As farinhadas eram feitas em mutirão, muitas vezes de noite, sendo

a tarefa de peneirar quase sempre delegada às crianças. Além da farinha, tirava-

se o polvilho, a tapioca e a carimã. Tapioca é o polvilho cozido, da qual se fazem

os beijus, que são comidos puros ou misturados ao leite. Carimã é a massa da

mandioca puba, isto é, macerada após alguns dias de molho na água, da qual se

fazem várias qualidades de bolos. (48)

Quanto aos curtumes, também muito rudimentares, embora desti-

nassem boa parte de sua atividade à produção de couros e solas de gado vacum

para venda, também curtiam couros miúdos de bezerros e cabras para consumo

interno das fazendas. A importância do couro, como matéria-prima básica da regi-

ão é comparável ao algodão. Ainda no final do século XVIII, quando a produção

algodoeira já havia alcançado grande expansão, o couro era utilizado em enfar-

damentos e como vestimenta, levando um administrador português a observar que

"algumas qualidades de couros miúdos tem no mesmo sertão aqueles usos que os

panos em outras partes". (49)

A arte do couro servia à fabricação de mobiliário, cordoaria, armaze-

namento de líquidos e comestíveis e uma série de outros usos, que Capistrano de

Abreu descreve, ao se referir à "época do couro". (50) Das mais importantes era o

ramo da alfaiataria para a vestimenta dos vaqueiros e da selaria e arreios de mon-

tarias e animais de tração.

Page 100: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

100

Em relação ao segundo setor, a fabricação também assumia um ca-

ráter doméstico e familiar, na qual os produtores alternavam a atividade artesanal

com a agricultura, não se tendo notícia, nesse período, de uma separação entre

as duas atividades. Entretanto, as manufaturas caseiras implicavam no domínio de

técnicas e no uso de equipamentos que demandavam aprendizagem e especiali-

zação em certos ofícios, como é o caso da cerâmica, dos trançados, da arte do

couro, da carpintaria e da metalurgia.

É possível identificar um pequeno número de mestres e oficiais es-

pecializados, no Ceará colonial, mas não se pode assegurar que fossem indepen-

dentes nem que vivessem do trabalho exclusivo de suas oficinas. O mais provável

é que complementassem seu ofício com a atividade agrícola, a nível individual ou

familiar, em virtude da pequenez e estreiteza da vida urbana. Há algumas refe-

rências aos mestres de ofício nos registros das câmaras das vilas, onde, aliás, se

reclama muito a sua falta e necessidade, na criação do incipiente aparato urbano.

Grande parte dos ofícios foi introduzida pelos jesuítas, em suas al-

deias. Em Baturité, por exemplo, havia, em 1788, 20 oficiais, em uma população

de 1.177 índios e 22 brancos, sendo 11 artesãos brancos e pardos e nove índios,

dos ofícios de carpinteiro, ferreiro, sapateiro, pedreiro e ourives. (51) Nas oficinas

da Companhia seu principal trabalho consistia em tomar conta das forjas e serrari-

as onde eram fabricados anzóis, facas, machados, foices, enxadas e outros uten-

sílios. Artífices brancos também existiam, em pequeno número, em Fortaleza e

Aracati. A aplicação da legislação corporativa é tentada no século XVIII, como

forma de atrair mão-de-obra branca especializada para as vilas. Tentativas sem

muito êxito, pelo que se pode depreender do reduzido número de oficiais licencia-

dos em Fortaleza. Em 1800, a vila contava apenas com cinco carapinas e um al-

faiate brancos. (52)

Destaca-se, nessa pequena produção rural, a arte da palha de car-

naúba, de origem indígena. Os índios paiacus, do litoral leste, onde são abundan-

tes as matas de carnaubais, parecem ter sido os que mais desenvolveram as ces-

tarias e os trançados, em Aquiraz e no Aracati. Barba Alardo considerava-os os

Page 101: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

101

mais industriosos, pelas excelentes esteiras que faziam (53). A extração da cera

de carnaúba é citada pela primeira vez em 1783, pelo capitão-mor Azevedo de

Montauri, que remete a Lisboa produtos da indústria cearense (54). Poucos anos

depois o botanico Arruda Câmara descreve o uso da cera e sua forma de extra-

ção, ainda não conhecida em Lisboa, bem como o emprego da palha para fazer

chapéus e esteiras, tingidas de diversas cores. (55)

Por fim há que considerar as manufaturas de algodão que, por suas

características, representam uma categoria à parte no contexto da indústria rural.

A indústria têxtil incluía a fiação do algodão, a tecelagem de panos e redes e a

confecção de rendas, labirintos e bordados e expandiu-se empregando a mão-de-

obra indígena feminina, sob controle e treinamento dos jesuítas.

Valendo-se de práticas antigas dos índios no cultivo e fiação do al-

godão e tecelagem de redes de dormir, que já serviam ao escambo com os fran-

ceses antes mesmo da colonização portuguesa da costa cearense, (56) os jesuí-

tas organizaram o trabalho têxtil e a confecção de rendas e bordados nos aldea-

mentos, como forma eficaz de "redução" dos índios e uso da mão-de-obra.

A jurisdição no governo das aldeias, regulada pela "visita" de Antônio

Vieira, entre 1658 e 1661, tem um item especial sobre os tecelões, revelador de

sua importância para o sucesso dos propósitos das missões:

"Tecelões. Como sua Majestade foi servido, em carta sua,

conceder que haja tecelões nas Aldeias, podem já os Padres

Missionários consecutivamente mandar fiar também algumas

índias ad proprios usus, sem estrondo ou causa, que lhes fa-

ça opressão, principalmente as mulheres pertencentes aos

25 casais, que Sua Majestade concede, e também algumas

outras, sendo necessário, para os ornatos das igrejas, ou

também para cobrir a desnudez das que novamente se des-

cem dos sertões, e podem os missionários exortar a todos os

índios, particularmente aos novamente descidos dos sertões,

a que fiem, e façam para si, e ganhem por todas as vias, o

Page 102: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

102

pano necessário para se cobrirem decentemente, e enquanto

for possível se evite o intolerável abuso e miséria de irem

mulheres à igreja totalmente despidas". (57)

Além dos usos conhecidos dos panos para os índios se "cobrirem

decentemente", aparece nesse documento, o uso "para os ornatos das igrejas",

dos labirintos e rendas, tão conhecidos no artesanato cearense, cuja introdução

costuma ser atribuída às mulheres brancas de origem portuguesa. Na verdade, as

técnicas das rendeiras foram ensinadas primeiramente às índias, nos aldeamen-

tos, para que fizessem as toalhas e outros ornamentos dos altares.

Fiar, tecer e coser era o aprendizado das meninas nas oficinas das

aldeias e nas fazendas de gado da Companhia, enquanto aos rapazes se ensina-

va a ler, escrever e dominar algum ofício. Na coleção iconográfica do Arquivo His-

tórico Ultramarino de Lisboa encontram-se amostras de rendas de bilro, labirintos

simples e de ponto cheio, recolhidos em 1760 nas aldeias do Ceará, por ocasião

do confisco dos bens dos jesuítas. (58). Por essa época havia, nas sete aldeias

confiscadas, Viçosa, Messejana, Caucaia, Baturité, Parangaba, Estremoz e Arez,

(59) 621 rapazes na escola, 40 rapazes aprendendo vários ofícios e 302 moças

aprendendo a fiar, tecer e coser, em uma população de 10.588 índios.

A tecelagem de panos e redes formava o setor mais importante do

trabalho artesanal indígena. Mão-de-obra compulsória da Companhia, o trabalho

das índias, controlado através das missões, foi objeto de conflito permanente com

os moradores, colonos e administradores locais. Os litígios refletem-se na legisla-

ção do reino, que procura reforçar o poder da Igreja. Várias ordens régias proíbem

que a população branca retire índias das aldeias, sob pretexto de fiar algodão.

Uma ordem de 1683 dirige-se especialmente aos soldados:

"... quando eles quiserem algodão fiado para suas redes o

entreguem aos missionários que lhes mandarão fiar e que as

índias, salvo caso de exceção, só possam ser contratadas

para amas de leite". (60)

Page 103: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

103

As manufaturas de algodão difundem-se rapidamente por toda a ca-

pitania e de tal forma que, no final do século XVIII, já se perdera o registro de sua

origem nas aldeias. Na Relação de Montaury são incluídas amostras de renda de

linha de algodão e bordados, "tudo feito por pessoa curiosa e sem princípios de

arte", cujo principal mérito está em ser feito por "natural engenho" das mulheres do

sertão:

"o dito bordado que é feito em cambraia e a renda que orla o

mesmo bordado tem por merecimento o ser feito por umas

mulheres velhas desta mesma terra, e da qual nunca saíram,

e vivem no mais interior sertão desta capitania em que nas-

ceram, que só por natural engenho, sem outro qualquer prin-

cípio de instrução ou arte trabalham dessa forma com a curi-

osidade de que assinalada a ramagem, ou configuração do

bordado designado por anil, que serve para o configurar em

lugar de lápis, desfiam os fios da cambraia, tirando uns que

lhe servem para fazer o assento, ou ponto do bordado da

forma que se vê; e os outros os torcem e ficam parecendo

ponto de Merlin".

É difícil avaliar até que ponto a indústria rural doméstica, destinada à

subsistência do grupo familiar e a suprir as necessidades da vida quotidiana, colo-

cava no mercado o excedente de sua produção. A comercialização pode ter sido

maior do que se supõe, a julgar pelas descrições dos mercados e feiras locais e

pelas condições de vida nas fazendas.

Em primeiro lugar, a autonomia das fazendas de gado deve ser rela-

tivizada, pois em certas zonas do sertão a aridez do solo tornava impraticável até

mesmo a plantação de alimentos, forçando os moradores a se abasteceram nas

feiras dos povoados.

Os cronistas e administradores surpreendem-se com a escassez dos

gêneros e a necessidade do abastecimento externo. Em algumas partes da capi-

tania, queixa-se Paulet, "... grande parte do tempo consome-se em jornadas por

Page 104: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

104

estradas de vilas aonde é necessário levar absolutamente tudo o que não é carne

de vaca e farinha...". (61) Em Icó, por exemplo, a farinha e a rapadura vinham do

Crato (62) e em sua feira, das mais movimentadas, vendiam-se melões, melanci-

as, abóboras, limas e laranjas trazidas de longe, porque os arredores secos nada

produziam.

Louças, velas, panos e redes, sabão, cestos de palha de carnaúba,

baús de madeira, peças de casco de tartaruga, calçados eram vendidos, supõe-se

que pelos próprios produtores diretos, nas vilas e povoados, além da produção de

farinha, rapadura, mel, da aguardente, da carne seca e do sal. A praça do merca-

do de Aracati era assim descrita ao tempo de Paulet:

"este edifício tinha em seu interior um largo patio, que era

circundado de 30 a 40 compartimentos, onde se vendia fru-

tas, verduras, louças e outros muitos objetos que aí se procu-

ram e duas bancas no centro para a venda do peixe". (63)

Apesar das longas distâncias, do isolamento das fazendas e da inci-

piência da vida produtiva, as próprias condições do povoamento pelo criatório ex-

tensivo, transumância do gado e seu transporte para venda no litoral, haviam cria-

do caminhos e trilhas de circulação de mercadorias de todo o tipo pelo interior.

O movimento comercial de Aracati, por exemplo, consistia, em gran-

de parte, na troca de mercadorias produzidas localmente e distribuídas entre pra-

ças distantes:

"... grande parte desses carregamentos era destinada ao Icó,

São Bernardo e outros lugares do centro, donde vinha igual-

mente algodão, couro, sola, a cera de carnaúba e outros ar-

tefatos dessa planta, como chapéus, esteiras, palhas, etc."

(64)

Em que condições se dava a produção do excedente é outra questão

sobre a qual não há evidências suficientes para uma análise. Furtado levanta cer-

Page 105: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

105

tas hipóteses para a região da monocultura açucareira, que podem servir de ponto

de partida para uma reflexão e futuras investigações sobre o tema e que dizem

respeito à compressão na capacidade para importar. Segundo o autor, a economia

açucareira, nos períodos de crise, sofria redução na renda monetária, sendo for-

çada a abastecer-se localmente, substituindo artigos importados por outros, de

fabricação local. Esse mecanismo teria dado lugar a uma maior divisão do traba-

lho no interior das fazendas e à expansão de formas rudimentares de artesanato,

com a utilização do couro como principal matéria-prima. (65)

Tomando como correta essa análise e levando em conta o fato de

que a capacidade para importar, na região algodoeiro-pecuária, era bem menor do

que na açucareira, é de se supor que as manufaturas fabricadas localmente en-

contraram aí maiores condições de expansão. A fragilidade da economia e a baixa

renda monetária impunham os limites do consumo de bens importados.

No interior das fazendas e nos aglomerados urbanos do sertão os

modos de vida eram mais simples, não havendo registro de diferenças sociais na

vida quotidiana equivalente às dos sobrados e mocambos dos grandes centros

litorâneos, nem as enormes distâncias entre casa grande e senzala dos engenhos

de cana. Assim, é de se supor que não só a comunidade de produtores diretos

consumia as manufaturas caseiras mas também as camadas mais abastadas da

população.

As descrições do botânico Gardner podem dar uma ideia de precari-

edade da vida quotidiana no sertão, nas primeiras décadas do século XIX, apesar

de terem sido escritas um pouco mais tarde, na década de 1830.

Grande parte da viagem foi feita por caminhos sem nenhuma mora-

dia, onde o único abrigo eram as copas das grandes árvores. Viagem difícil, cheia

de percalços, frequentemente interrompida pelas chuvas que duravam dias ou

pelo sol abrasador, que impedia o trajeto durante grande parte do dia. A dormida,

havendo sorte, era feita nos alpendres das casas fora das vilas, onde os viajantes

armavam suas redes, com permissão do proprietário. Alimentando-se de charque,

Page 106: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

106

farinha e rapadura, o naturalista inglês se sente aliviado ao chegar ao vale do Ca-

riri, onde encontra nas feiras frutas frescas.

Na vila do Crato, onde permanece por quase cinco meses, a gente

influente do lugar o recebe em suas casas, as senhoras dos comerciantes senta-

das em esteiras ou redes. A descrição dessa recepção é bem ilustrativa das con-

dições de vida do sertão cearense nessa época:

"Impossível descrever o deleite que senti ao entrar nesse dis-

trito, comparativamente rico e risonho, depois de marchar

mais de trezentas milhas através de uma região que naquela

estação era pouco melhor que um deserto.

A tarde era das mais belas que me lembra ter visto, com o

sol a sumir-se em grande esplendor por trás da Serra de Ara-

ripe, longa cadeia de montanhas a cerca de uma légua para

o oeste da vila; e o frescor da região parece tirar aos seus

raios o ardor que pouco antes do poente é tão opressivo ao

viajante nas terras baixas.

A beleza da noite, a doçura revigorante da atmosfera, a ri-

queza da paisagem, tão diferente de quanto, havia pouco,

houvera visto, tudo tendia a gerar uma exultação do espírito,

que só experimenta o amante da natureza, e que em vão eu

desejava fosse duradoura, porque me sentia não só em har-

monia comigo mesmo, mas "em paz com tudo em torno".

Já escurecera quando entrei na vila, mas logo encontrei a

casa de um respeitável comerciante, o senhor Francisco Dias

de Azede e Melo, a quem levava cartas de apresentação. Fui

introduzido na sala de visitas, onde me encontrei no meio de

uma dúzia de senhoras, todas sentadas sobre esteiras no

soalho, e entre elas a dona da casa que, como de costume,

me encheu de perguntas a respeito de mim mesmo e da mi-

Page 107: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

107

nha pátria. Notei que as visitantes tinham vindo dar-lhe os

pêsames pela perda do sogro que falecera na véspera.

Embora nas casas mais respeitáveis do sertão, como lhe

chamam o interior do país, se vejam cadeiras na sala de visi-

tas, raramente são usadas, porque as mulheres preferem a

rede, da qual só se arredam à hora das refeições. Na rede,

como na esteira, sentam-se com as pernas cruzadas por bai-

xo e aí passam o dia fumando, comendo doces e bebendo

água fria. Suspende-se a rede à altura de um pé e meio do

solo, servindo assim de sofá, por vezes mais de uma pessoa

se vê sentada na mesma rede. À noite preferem-na comu-

mente como leito, por ser muito mais fresca, como pode

atestar quem, como eu, por mais de três anos raramente

dormiu em outra cama.

Fazem-se geralmente de uma espécie de algodão encorpa-

do, tecido pelos próprios habitantes e são brancos, ou branco

e azul, sendo esta última cor obtida de uma espécie de ani-

leira muito abundante nas vizinhanças. São sempre mais lar-

gas do que compridas, podendo assim a gente deitar-se ne-

las transversalmente e, portanto, mais horizontalmente do

que se fossem estreitas. Tem ainda a vantagem de não pre-

cisar de outras roupas de cama, além de um cobertor fino no

tempo fresco ou um lençol no calor". (66)

Quanto à importância da indústria rural no conjunto da vida produtiva,

o aspecto mais importante, nesse sentido, foi o fato de que esse artesanato colo-

nial, assim como a agricultura de subsistência, teve papel fundamental no desen-

volvimento da agricultura comercial, na medida em que tornava possível a repro-

dução da força de trabalho a baixo custo, pois a população livre, pobre e destituí-

da, via-se obrigada a procurar formas complementares com que atender à sobre-

vivência, encontrando no artesanato uma dessas possibilidades.

Page 108: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

108

As manufaturas caseiras possibilitaram, também, a criação de uma

mão-de-obra especializada nas áreas rurais. A pecuária e o algodão serviram, as-

sim, de polos geradores de núcleos artesanais que iriam se expandir no decorrer

do século XIX, utilizando processos, técnicas e uma divisão social do trabalho que

tinham sua base nessa herança colonial.

A produção artesanal no Ceará, sua expansão, modificação e limites

devem ser analisados, portanto, a partir do conjunto das relações sociais no cam-

po, onde surgiram e se desenvolveram, de forma complementar à produção agrá-

ria e à pecuária. Mesmo posteriormente, quando cresceram os núcleos urbanos,

as artes e ofícios mantiveram a vinculação com a estrutura rural, na medida em

que prosperaram sobretudo nas vilas e cidades sertanejas, guardando uma pro-

funda relação com os modos de vida rural, expandindo-se com os mesmos canais

de comercialização da agricultura de alimentos, mantendo uma sazonalidade na

produção, um uso de matérias-primas e uma divisão social do trabalho que de-

pendia diretamente das condições e da estrutura produtiva no campo, vinculação

essa que pode ser percebida até o final do século XIX.

Notas.

(1) O Ceará fez parte do Estado do Maranhão e Grão-Pará de 1621 a 1656,

passando depois à jurisdição de Pernambuco, como capitania subalterna, até

1799.

(2) Os principais estudos sobre a pecuária nordestina encontram-se em Abreu,

Capistrano de. Capítulos de História Colonial & Caminhos Antigos e o Povoamen-

to do Brasil. 5ª ed., Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1963. Simonsen Rober-

to. História Econômica do Brasil. 7ª ed., São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1977.

Prado Júnior, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1956 e

Page 109: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

109

Formação do Brasil Contemporâneo. 3ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1948. Furta-

do, Celso. Formação Econômica do Brasil. 6ª ed., Rio de Janeiro, Fundo de Cultu-

ra, 1964 e Manoel Correa de Andrade. A Terra e o Homem do Nordeste. 3ª ed.,

São Paulo, Brasiliense, 1973.

(3) Pagamento anual ao vaqueiro em forma de um quarto da produção,

ou seja, de cada quatro bezerros nascidos um pertencia ao vaqueiro.

(4) Girão, Raimundo (org.). Sesmarias Cearenses - distribuição geográ-

fica. Fortaleza, Departamento de Imprensa Oficial, 1971.

(5) Girão, Raimundo. História Econômica do Ceará. Fortaleza, Instituto

do Ceará, 1947, p. 83-86.

(6) Girão, Raimundo. Sesmarias Cearenses. op. cit., p. 2.

(7) Furtado, Celso. Op. cit. p. 57-61; Andrade, Manuel Correia. Op. cit.

cap. V; Prado Júnior, Caio. História Econômica do Brasil. op. cit.

(8) Gorender, Jacob. O Escravismo Colonial. op. cit., cap. XX. Mott, Luiz

R.B. Estrutura demográfica das fazendas de gado do Piauí colonial: Um caso

de povoamento rural centrífugo. Revista Civilização e Cultura, v. 30, nº 10, ou-

tubro, São Paulo, 1978, p. 1196-1210.

(9) Studart, Guilherme. Datas e Fatos para a História do Ceará. Fortale-

za, V.I. p. 239-240. Araripe, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará,

desde os tempos primitivos até 1850. 2ª ed., Fortaleza, Minerva, 1958. Cap. V.

(10) Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. v. LXII, 1897. p. 88-89.

(11) Girão, Raimundo. História Econômica do Ceará. op. cit. cap. V.

(12) Lemenhe, Maria Auxiliadora. Expansão e Hegemonia Urbana: O

caso de Fortaleza. dissertação de mestrado em Sociologia, Fortaleza, Univer-

sidade Federal do Ceará, 1983, mimeo, p. 24; Girão, Valdelice C. As Oficinas

ou Charqueadas no Ceará. dissertação de mestrado, Universidade Federal de

Pernambuco, 1982.

Page 110: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

110

(13) Lemenhe, M. Auxiliadora. Op. cit., p. 25-32.

(14) Girão, Raimundo. Op. cit., cap. V; Abreu, Capistrano de, Op. cit., p.

144-151.

(15) Mapa geral do que produziram as sete vilas e lugares que adminis-

travam os jesuítas. documento de 14 de janeiro de 1761. Coleção Iconográfi-

ca, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. Sobre a criação das vilas no Ceará

ver: Alencar, Álvaro de. Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Esta-

do do Ceará. Fortaleza, Ateliers Louis, 1903.

(16) Furtado, Celso. Op. cit., p. 90.

(17) Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí. op. cit., p.

114.

(18) Relatório do Ouvidor Geral da Comarca do Ceará in Lima, Abelar-

do Costa. Terra Aracatiense. Fortaleza, Ramos e Pouchain, 1941, p. 64.

(19) Lista do homens brancos que habitam dentro desta vila da Fortale-

za do Ceará. Arquivo Histórico Ultramarino, Caixa 10 do Ceará.

(20) Furtado, Celso. Op. cit. Novais, Fernando A. Portugal e Brasil na

Crise do Antigo Sistema Colonial, 1777-1808, op. cit., p. 96.

(21) Simonsen, Roberto. Op. cit., p. 381.

(22) Ribeiro Júnior, José. Colonização e Monopólio no Nordeste Brasi-

leiro. São Paulo, Hucitec, 1976.

(23) Idem, ibidem. p. 145-149.

(24) Lemenhe, Op. cit., p. 39. No final do século XVIII e primeiras déca-

das do século XIX a pecuária passou por um período de crise, que afetou

principalmente a indústria da charqueada. A concorrência da carne do Rio

Grande do Sul e grandes secas que destruíram os rebanhos foram responsá-

veis por essa crise. A supressão do monopólio do sal, e, 1801, estimulou a in-

dústria do couro e da carne do sul do país, que passou a atrair a maior parte

Page 111: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

111

do mercado comprador. Ver: Ellis, Myriam. O Monopólio do Sal no Estado do

Brasil, 1631-1801, p. 183.

(25) Gandavo, que escreveu em 1570, informa que além do açúcar, o

algodão e o pau Brasil são os "gêneros de que enriquecem os moradores" de

Pernambuco e que na Bahia "os moradores se lançam mais ao algodão que

às canas dassucres porque se dá melhor na terra". Gandavo, Pero de Maga-

lhães. Tratado da Terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz. Rio

de Janeiro, Anuário do Brasil, 1924. Jean de Léry esteve no Brasil em 1557 e

observou que o arbusto do algodão crescia em muitos lugares, cultivado pelos

índios que fiavam e teciam redes. Léry, Jean de. Viagem à Terra do Brasil.

São Paulo, Martins, 1951.Ver ainda Souza, Gabriel Soares de. Tratado Des-

critivo do Brasil, 1587. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1938. No início do

século XVII, Ambrósio Fernandes Brandão chega a considerar que os algo-

dões "já foram tidos em maior reputação, e deram mais proveito aos que nele

tratavam do que de presente dão". Brandão, Ambrósio Fernandes. Diálogo

das Grandezas do Brasil, 1618. São Paulo, Melhoramentos, 1977.

(26) Figueira, Luiz. Relação do Maranhão, 1608. Revista do Ceará.

Tomo XVII, Fortaleza, Tip. Studart, 1903, p. 98.

(27) Lima, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do

Brasil. Cia. Editora Naciuonal, 1970, p. 48-49.

(28) Menezes, Luiz Barba Alardo de. Memória sobre a Capitania do

Ceará, 1814. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. v. XXXIV,

1871, p. 271.

(29) Stein, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil,

1850-1950. Rio de Janeiro, Campus, 1979, p. 57.

(30) Andrade, Manoel Correa. Op. cit., 101, 150.

(31) Tollenare, I.F. de. Notas Dominicais, 1817. Op. cit., p. 88.

(32) Câmara, Manuel Arruda. Memória sobre a cultura dos algodoeiros.

Lisboa, Oficina da Casa Literária do Arco do Cego, p. 58-62.

Page 112: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

112

(33) Idem, ibidem, p. 78.

(34) Koster, Henry. Travels in Brazil, 1816. Revista da Academia Cea-

rense. v. XII, cap. 7.

(35) Ofício do governador Bernardo de Vasconcelos para Lisboa, 31 de

março de 1802, Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas do Ceará.

(36) Além da Memória do governador Barba Alardo, uma descrição das

vilas do Ceará no início do século XIX pode ser encontrada na Descrição Ge-

ográfica Abreviada da Capitania do Ceará, atribuída a Antônio José da Silva

Paulet, em 1816, publicada pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro. v. LX, 1897, p. 75-101. Ver ainda Casal, Aires de. Corografia Brasí-

lica, 1817. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945, p. 219-236.

(37) Lemenhe, M. Auxiliadora. Op. cit., cap. 3.

(38) Ribeiro, Maria de Lourdes Roque de Aguiar. As Relações Comer-

ciais entre Portugal e Brasil segundo as "Balanças de Comércio", 1811-1821.

Lisboa, Imprensa de Coimbra, 1972, p. 104-106.

(39) Idem, ibidem, p. 107.

(40) Tollenare, I.F.. Op. cit., p. 119-121. Koster, Henry, Op. cit., cap. 7.

(41) Os "clássicos" sobre a questão da indústria na colônia são: Sérgio

Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, especialmente o cap. II, "Trabalho e

Aventura", 9ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1976, p. 12-40 e Caio Prado

Júnior em Formação do Brasil Contemporâneo, op. cit., "Artes e Indústrias", p.

218-225. Fernando Novais e Jacob Gorender, mais recentemente, analisam

as atividades manufatureiras, encontrando-se em Gorender, Op. cit., p. 242-

257 uma síntese das características da economia natural na plantagem es-

cravista, que incluía indústrias caseiras como a produção de tecidos, peças de

carpintaria, mobília, calçados, edificações, etc.

(42) Gorender, Jacob. Op. cit., p. 242-257.

Page 113: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

113

(43) Mello, José Antônio Gonsalves. Tempos dos Flamengos. 2ª ed.,

Recife, Ed. de Pernambuco, 1979, p. 158-159.

(44) Ribeiro Júnior. Op. cit., p. 160-164.

(45) Ribeiro, M. de Lourdes. Op. cit., p. 114.

(46) Holanda, Sérgio Buarque. Op. cit., p. 27.

(47) Paulet, Antônio da Silva. Op. cit., p. 85.

(48) Barros, José Villela. Memória ou exposição do método de plantar e

colher no Brasil a mandioca, e fabricar a sua farinha. Lisboa, Memórias Eco-

nômicas da Academia Real de Ciências, T. VII, 1789, p. 52-72.

(49) Documento de 17 de novembro de 1794, Arquivo Histórico Ultra-

marino, Caixas do Ceará.

(50) Abreu, Capistrano. Op. cit., p. 147.

(51) Mapa do Casaes, Pessoas Livres e Oficiais de vários ofícios da Vi-

la de Montemor-o-Novo, 1788. Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas do Cea-

rá.

(52) Lista dos homens brancos que habitam dentro desta vila de Forta-

leza do Ceará, 1800. Arquivo Histórico Ultramarino, Caixas do Ceará.

(53) Menezes, Luiz Barba Alardo. op. cit., p. 264.

(54) Relação de João Batista de Azevedo Montaury a Martinho de Mello

e Castro de caixas com produção da capitania, 25 de outubro de 1784. Arqui-

vo Histórico Ultramarino, Caixas do Ceará.

(55) Girão, Raimundo. História Econômica do Ceará. op. cit. p. 373-

374. Ver também Dennis, Johnson. A Carnaubeira e seu Papel como Planta

Econômica. Universidade da Califórnia, ed. Banco do Nordeste do Brasil, For-

taleza, 1972.

(56) Diz o autor da Relação do Maranhão de 1608: "O sertão é muito

grande e tem infinidade de gentio... (as amazonas) são guerreiras e caçado-

Page 114: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

114

ras e engenhosas de mãos para fazerem redes muito lavradas e também seus

arcos são todos pintados...", Figueira, Luiz, op. cit., p. 98.

(57) Leite, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, v. II, op.

cit., p. 111.

(58) Mapa geral do que produziram as sete vilas e lugares..., 14 de ja-

neiro de 1761. Coleção Iconográfica, Arquivo Histórico Ultramarino.

(59) As vilas de Estremoz e Arez pertenciam ao Rio Grande do Norte e

não ao Ceará.

(60) Studart, Guilherme. Datas e Fatos para a História do Ceará, op.

cit., v. I documento de 24 de abril de 1683.

(61) Paulet, Antônio da Silva. Op. cit., p. 100.

(62) Casal, Aires. Op. cit., p. 239.

(63) Carreira, Liberato de Castro. Retificação à Descrição da Capitania

do Ceará por A.J. da Silva Paulet. Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, v. LX, 1897, p. 115.

(64) Idem, ibidem, p. 117.

Page 115: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

115

CAPÍTULO III

O DECLÍNIO DA ESCRAVIDÃO E

O "TRABALHADOR NACIONAL" NO NORDESTE

Page 116: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

116

A compreensão das relações sociais do trabalho às quais estiveram

integrados os artesãos, ao longo do tempo, é um dos aspectos centrais para o

conhecimento dessa categoria no processo histórico.

No decorrer do século XIX, a questão do trabalho esteve fundamen-

tada no processo de transição da escravidão para o trabalho livre, processo que

se iniciou por volta de 1830, com as proibições ao tráfico de africanos, culminou

com a abolição e manteve efeitos residuais até, aproximadamente, 1920.

A incorporação do homem livre à estrutura produtiva, nesse período,

assumiu configurações diferentes nas diversas regiões do país, muito embora, na

globalidade das relações sociais, o modelo de base escravista, em seus funda-

mentos, fosse um só.

A questão do trabalho livre após 1850 esteve centrada no complexo

cafeeiro, que constituía o setor hegemônico da economia e comandava as deter-

minações básicas do processo, com o regime de colonato, a imigração estrangeira

para o campo subsidiada pelo Estado, a emergência do trabalho assalariada ur-

bano, o surgimento da organização sindical e dos movimentos políticos da classe

operária.

Em São Paulo, onde se dá o processo decisivo de constituição de re-

lações capitalistas de produção, o assim chamado "trabalhador nacional" perma-

nece como reserva de força de trabalho e a transição se dá através da incorpora-

ção em massa de imigrantes europeus, em substituição ao escravo.

No Nordeste, pelo contrário, a mudança nas relações de produção se

faz quase que exclusivamente através do trabalhador nacional que já no início

desse período começa a substitui a mão-de-obra escrava, sobretudo naqueles

setores mais pobres e menos dinâmicos da sociedade, registrando-se um declínio

precoce da escravidão, que tem início por volta de 1830.

Page 117: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

117

Declínio da escravidão e crescimento da população livre.

Em fins do século XVIII, os escravos constituíam cerca da metade da

população da colônia e representavam, enquanto força de trabalho, quase toda a

vida produtiva do país. Três quartos do século depois, às vésperas da Abolição,

sua proporção havia caído para apenas 15,21 por cento. A população livre havia

tido um forte crescimento e sua inserção no sistema produtivo tornou-se uma das

questões mais polêmicas do período final da escravidão.

Constitui uma das mais notáveis contradições da história do trabalho

no Brasil o fato de que se tenha instalado uma forte crise de mão-de-obra, em de-

corrência da escassez do braço escravo, justamente nesse período de grande

crescimento da população livre, em sua maioria pobre e destituída.

De fato, houve uma grita constante dos grandes proprietários e seus

representantes no poder, em todas as províncias, em torno da chamada "fome de

braços". A alegada falta de homens para o trabalho, que se intensificou a partir de

1850, foi um argumento permanente do debate abolicionista e imigrantista. A ela

se atribuíam as crises econômicas, o encarecimento dos gêneros alimentícios, a

escassez da produção, a falta de alimentos nas cidades, as dificuldades da agri-

cultura de exportação.

Evidentemente, o fim do tráfico de escravos afetou a produção e a

unanimidade das classes produtoras em torno da escassez de mão-de-obra tinha

sua razão de ser. Entretanto, é preciso compreender melhor em que se constituiu,

exatamente, a "fome de braços" nos diferentes setores produtivos, para poder si-

tuar de forma mais global as questões específicas que dizem respeito às relações

de trabalho.

O declínio do número de escravos em relação ao conjunto da popu-

lação pode ser percebido a partir de 1830. No Nordeste, esse declínio se intensifi-

Page 118: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

118

ca na década de 1850, com a suspensão definitiva do tráfico da África e a gradual

transferência de cativos para as províncias do leste e do sul.

Isso apesar do fato de que houve um grande aumento no volume do

tráfico na primeira metade do século XIX, mesmo com a intensa pressão do go-

verno inglês em sentido contrário. Para se ter uma ideia dessa entrada, basta citar

o fato de que, do total de escravos vindos da África, que é estimado em torno de

3.600.000 para todo o período da escravidão, o número dos que chegaram entre

1800 e 1850 é de 1.350.000 a 1.600.000. (1) Algumas estimativas acham possível

a entrada de um número maior de africanos, em torno de 5.000.000 para todo o

período (2) e calcula-se que cerca de 1.200.000 tenham desembarcado entre

1810 e 1860. (3)

Ocorre que a taxa de crescimento da população livre, na segunda

metade do século, foi muito superior à da população escravizada. Se a taxa de

reprodução natural dos escravos tivesse se mantido dentro de valores médios,

deveria haver cerca de três milhões de escravos por ocasião do primeiro Censo

Oficial, realizado em 1872, quando na realidade o Censo registra apenas

1.510.806 escravos.

Certamente, as duras condições do cativeiro foram responsáveis pe-

los índices tão elevados de mortalidades e pela baixa taxa de natalidade, além do

fato de que o desinteresse dos proprietários pela sobrevivência e reprodução de

seus plantéis devia-se à opção de substitui-lo através da importação contínua, aí

residindo as razões da luta contra a supressão do tráfico da África. (4)

Alguns dados sobre a correlação entre escravos e homens livres no

conjunto da população, entre 1798 e 1876, demonstram o acentuado declínio da

força de trabalho escravizada.

População livre e escrava no Brasil - 1798-1876 (5)

Ano Livres Escravos Total % Escravos

1798 1.666.000 1.582.000 3.248.000 48,70

1817/18 1.887.900 1.930.000 3.817.900 50,55

Page 119: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

119

1850 5.520.000 2.500.000 8.020.000 31,17

1876 8.419.672 1.510.806 9.930.478 15,21

Enquanto que até o final do período colonial os escravos representa-

vam aproximadamente metade da população, após 1830, com o encarecimento do

preço e as crescentes barreiras ao tráfico, a população livre começa a suplantar a

escrava. Uma memória estatística de 1823 (6) chega a estimar para um total de

3.960.866 habitantes, 2.813.351 livres e 1.147.515 escravos, ou seja, uma taxa de

apenas 28,97 por cento da população escravizada, (cifra que parece demasiado

reduzida, quando comparada à de 1850). Após 1850, o declínio é drástico. Já em

1864, de acordo com Perdigão Malheiros, a proporção de escravos havia caído

para 16,73 por cento (7) e em 1876 para 15,21 por cento.

Apesar das restrições que devem ser feitas às estatísticas do tempo

do Império, nota-se que o número de escravos permaneceu relativamente cons-

tante durante a maior parte do século XIX, ao passo que houve um crescimento

demográfico acentuado da população livre para as condições da época. Em 1876,

o número de homens livres é mais do que cinco vezes superior a 1798. No último

quartel do século, após a abolição da escravidão, a expansão demográfica conti-

nua acentuada: o censo de 1900 indica um total de 16.626.991 habitantes (8) e

que representa um aumento de 67 por cento em relação ao censo de 1872.

Contudo, o crescimento da população livre e o declínio de escravos

não se deu de forma homogênea em todo o país. Examinando-se as diversas pro-

víncias isoladamente, verificam-se diferenças importantes, tanto no que diz respei-

to ao aumento da população como à correlação entre escravos e homens livres.

Comparando-se os anos de 1823 e 1876, Minas Gerais, São Pau-

lo/Paraná e Santa Catarina registram as taxas mais altas de crescimento demo-

gráfico na região leste e sul. No Nordeste, a população cresceu sobretudo no Cea-

rá, Rio Grande do Norte e Paraíba, apresentando o Ceará a taxa mais elevada de

crescimento do país. Por outro lado, Pernambuco e Sergipe registram as taxas

mais baixas de crescimento da população, inferiores às da própria Amazônia. (9)

Page 120: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

120

Total da População por Província - 1823-1876.

Província 1823 1876 Taxa de

crescimento

Amazonas 32.000 57.610 80,03

Pará 96.000 275.237 186,70

Maranhão 164.836 359.040 117.80

Piauí 90.000 202.222 124.80

Ceará 200.000 721.686 260,84

Rio G. do Norte 71.053 233.979 229,30

Paraíba 122.407 376.226 207,35

Pernambuco 480.000 841.539 75,32

Alagoas 130.000 348.000 167,70

Sergipe 120.000 176.243 46,86

Bahia 671.922 1.379.616 105,32

Minas Gerais 640.000 2.039.735 218,70

Espírito Santo 120.000 82.137 -31,55

Mun. Neutro 100.000 274.972 174,97

Rio de Janeiro 351.648 782.724 122,58

São Paulo

Paraná

280.000 837.354

126.722

244,31

Santa Catarina 50.000 159.802 219,60

Rio G. do Sul 150.000 434.813 189,87

Goiás 61.000 160.395 162,94

Mato Grosso 30.000 60.417 101,40

Total 3.960.866 9.930.478 150,71

Fontes: 1823 - Araripe, Tristão de Alencar, Memória Estatística

do Império do Brasil, Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, v. LVIII, 1895, pp. 91-99. 1876 - Diretoria Geral de Es-

tatística, Relatório e Trabalhos Estatísticos de 1876.

Page 121: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

121

Quanto à correlação escravos-homens livres, as estimativas de 1823

são muito inconsistentes para permitirem comparação com 1876. Tomando-se

apenas os dados de 1876, verifica-se que no período final da escravidão as pro-

víncias cafeeiras - Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, utili-

zavam o trabalho escravo em proporção maior do que as chamadas províncias do

Norte. O Rio de Janeiro concentrava a maior proporção de escravos em relação a

de homens livres do país - 37,38% da população escravizada. As menores taxas

de escravos estavam nas zonas da pecuária e do algodão nordestinas - Ceará,

Rio Grande do Norte e Paraíba.

Também a proporção de escravos em relação aos livres era pequena

na região açucareira de Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia, se comparada à

zona cafeeira. A província do Ceará que, como se viu no quadro anterior, apresen-

tara o maior crescimento demográfico do período era, por outro lado, a que tinha a

segunda menor taxa de escravos do país, apenas 4,42 por cento, vindo logo após

o Amazonas, onde os escravos eram praticamente inexistentes. Vale dizer que, no

Ceará, a expansão demográfica devia-se exclusivamente ao aumento da popula-

ção livre.

População Livre e Escrava por Província - 1876

Província Livres Escravos Total % Es-

cravos

Amazonas 56.631 979 57.610 1,69

Pará 247.779 27.458 257.237 9,97

Maranhão 284.101 74.939 359.040 20,87

Piauí 178.427 23.795 202.222 11,76

Ceará 689.773 31.913 721.686 4,42

Rio Gde.Norte 220.959 13.020 233.979 5,56

Paraíba 354.700 21.526 376.226 5,72

Pernambuco 752.511 89.028 841.539 10,57

Alagoas 321.268 35.741 348.009 10,27

Page 122: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

122

Sergipe 153.620 22.623 176.243 12,83

Bahia 1.211.792 167.824 1.379.616 12,16

Minas Gerais 1.669.276 370.459 2.039.735 18,16

Espírito Santo 59.478 22.659 82.137 27,58

Mun. Neutro 226.033 48.939 274.972 17,79

R.de Janeiro 490.087 292.637 782.724 37,38

São Paulo 680.742 156.612 837.354 18,70

Paraná 116.162 10.560 126.722 8,33

S. Catarina 144.818 14.984 159.802 9,37

Rio Gde Sul 367.022 67.791 434.813 15,59

Goiás 149.743 10.652 160.395 6,64

Mato Grosso 53.750 7.667 60.417 12,69

Total 8.419.672 1.510.806 9.930.478 15,21

Fonte: Diretoria Geral de Estatística, Relatório e Trabalhos Estatís-

ticos de 1876, Rio de Janeiro, Tip. Hipólito José Pinto, 1877.

"Fome de Braços", questão nacional.

Em 1860, o estatístico Sebastião Ferreira Soares elabora sua Notas

Estatísticas sobre a Produção Agrícola e Carestia dos Gêneros Alimentícios no

Império do Brasil, (10) destinadas a colocar por terra a ideia de que a agricultura

entrara em crise devido ao fim do tráfico de escravos:

"Tenho convicção de que muitos indivíduos reformarão suas

opiniões sobre o estado da produção agrícola do país, quan-

do esclarecidos pela verdade dos fatos que passam desa-

percebidos; e neste pressuposto vou escrever algumas con-

siderações, nas quais pretendo demonstrar até à evidencia

que a produção agrícola do país não está decadente, e an-

Page 123: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

123

tes, pelo contrario, marcha nas vias do progresso, mesmo

depois da cessação do trafico dos Africanos; bem como de-

monstrarei que a carestia dos gêneros alimentícios não pro-

cede da falta de braços que se possam empregar na lavoura,

e tão somente de causas que, sendo removidas, podem tra-

zer a abundancia e barateza dos gêneros necessários à ali-

mentação dos nossos conterrâneos." (11)

O autor demonstra, através dos mapas do comércio de importação e

exportação do Tesouro Nacional, que as quantidades exportadas dos oito princi-

pais produtos agrícolas - café, açúcar, algodão, fumo, borracha, erva mate, aguar-

dente e cacau - aumentaram continuamente entre 1839-1844 e 1852-1857, para

concluir:

"porquanto é evidente que a exportação não teria aumentado

se não houvesse maior produção; e conseguintemente tendo

aumentado a produção, segue-se que não existe até ao pre-

sente falta de braços no país para se ocuparem da agricultu-

ra, como se tem querido incutir no espírito público, com o fim

de fazer persuadir aos incautos que a cessação do tráfico

dos Africanos foi um mal para o país". (12)

Ferreira Soares via com clareza que a razão fundamental da crise de

abastecimento, da qual todos se queixavam, estava no fato de que a produção

concentrava-se cada vez mais nos gêneros de exportação, negligenciando a cultu-

ra de alimentos: arroz, farinha de mandioca, feijão e milho. A falta de gêneros ali-

mentícios repercutia na população das cidades negativamente, facilitando a pro-

paganda anti-abolicionista e fazendo crer que o declínio da escravidão, que na

realidade afetava os interesses da grande lavoura, era prejudicial à nação como

um todo.

Aliás, o problema da falta de alimentos era um dos mais antigos na

vida do país. Durante a ocupação holandesa de Pernambuco, por exemplo, o go-

Page 124: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

124

verno de Nassau incompatibilizou-se seriamente com os produtores de cana de

açúcar, por querer obrigá-los a plantar mandioca, para enfrentar a fome que gras-

sava nas vilas e cidades. (13)

A análise de Ferreira Soares e de outros contemporâneos vem cor-

roborar, e não é preciso repisar argumentos, o conhecido fato de que o mercado

interno, as atividades "marginais" de subsistência e, consequentemente, os ho-

mens que a elas de dedicavam, continuavam fora da orientação geral do sistema

agroexportador, mesmo com as mudanças políticas decorrentes do fim da domi-

nação colonial.

Porém, se a produção continuava a crescer na agricultura de expor-

tação e se as queixas de escassez de mão-de-obra partiam exatamente desses

setores, em que consistia, realmente, a questão da "fome de braços"? A pergunta

é importante de ser respondida porque a partir de 1850, a falta de mão-de-obra

aparece como uma reclamação constante dos grandes proprietários, de norte a

sul do país, servindo para fundamentar tanto os argumentos dos anti-

abolicionistas, como as reivindicações dos que viam na imigração a única solução

para os seus males.

A falta de trabalhadores livres nacionais para substituir os escravos e

a sua alegada ociosidade e incapacidade para o trabalho, era argumento mais

contundente no discurso das camadas dominantes, que exigiam a intervenção do

governo imperial no sentido de encaminhar uma política do trabalho que solucio-

nasse a crise instalada.

Havia um consenso por parte dos representantes da grande lavoura

quanto à escassez de mão-de-obra mas isso não significa dizer que a crise do

trabalho escravo estivesse afetando todos os setores da agricultura comercial da

mesma maneira. Explicitando melhor, ao se comparar os três principais ramos

produtivos - café, açúcar e algodão, vê-se que a falta de escravos devia-se a cau-

sas não apenas diferentes mas diametralmente opostas. Na realidade, enquanto

no polo cafeeiro a escassez devia-se a uma demanda crescente de força de traba-

lho, decorrente da expansão da economia, nos dois outros setores ocorria o inver-

Page 125: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

125

so - uma diminuição do plantel de escravos, em decorrência da crise interna da

economia e da transferência dos escravos para o sul.

A partir da década de 1830, como se sabe, o café começa a afirmar-

se como principal produto de exportação e a comandar, por volta de 1850, as de-

terminações básicas do processo de transformação das relações de trabalho, com

o regime de colonato, a imigração estrangeira, a emergência do trabalho assalari-

ado, da classe operária urbana e, na passagem do século XIX para o atual, o sur-

gimento de movimentos sindicais e políticos da classe trabalhadora. (14)

Alguns dados sobre o comércio de exportação ilustram a rapidez

com que o café tomou o centro da economia brasileira, já na primeira metade do

século passado:

Quantidades, Valor e Preço Médio da Exportação de Açú-

car, Algodão e Café - 1801-1857. (15)

Açúcar Quantidade

arrobas

Valor

réis

Preço

médio

1801 2.907.130 6.109.729 2.350

1820 1.414.689 2.552.066 2.050

1839-44 5.603.929 10.313.480 1.842

1852-57 7.765.534 20.099.740 2.588

Algodão Quantidade

arrobas

Valor

réis

Preço

médio

1801 438.000 3.448.397 5.540

1820 231.000 1.450.753 5,800

1839-44 705.768 3.646.040 5.162

1852-57 958.182 5.518.850 5.760

Page 126: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

126

Café Quantidade

arrobas

Valor

réis

Preço

médio

1801 28.832 118.213 4.100

1820 71.855 425.168 5.500

1839-44 5.693.037 18.371.43

0

3.227

1852-57 9.997.868 43.990.62

0

4.400

Fontes: 1801-1820 - Ribeiro, Maria de Lourdes, As Relações

Comerciais entre Portugal e Brasil segundo as Balanças de

Comércio, p. 60-64, 87-88. 1839-1857 - Soares, Sebastião

Ferreira, op. cit. p. 20, 38, 52.

O café expande-se rapidamente no Rio de Janeiro, na região do Vale

do Paraíba, Minas Gerais e São Paulo. A produção paulista, que até o início da

década de 1870 representava apenas 16% da produção nacional, desloca-se em

direção às terras férteis do chamado "Oeste Novo" e passa a liderar o mercado

exportador. Em 1885 São Paulo já produzia 40% do total, atingindo de 1911 a

1920, 70% e 75% da produção brasileira (16) e foi principalmente no oeste paulis-

ta que o processo de acumulação efetuou a passagem do trabalho escravo para

relações capitalistas de produção, valendo-se sobretudo da imigração de traba-

lhadores livres europeus. (17)

Na segunda metade do século XIX, a economia de exportação passa

a depender quase que exclusivamente do café, como se vê no quadro a seguir.

Page 127: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

127

Participação percentual do café, açúcar e algodão nas

Exportações - 1851-1900

Período Café Açúcar Algodão

1851-1860 48,8 21,2 6,2

1861-1870 45,5 12,3 18,3

1871-1880 56,6 11,8 9,5

1881-1890 61,5 9,9 4,2

1891-1900 64,5 6,0 2,7

Fonte: Singer, Paul, O Brasil no Contexto do Capitalismo

Internacional, p. 335.

Enquanto o polo cafeeiro se expande nessa direção, a economia

açucareira do Nordeste prossegue em sua lenta marcha descendente, sofrendo os

efeitos das baixas cotações de preço no mercado internacional, da forte concor-

rência de Cuba, e da introdução do açúcar de beterraba no mercado europeu. A

produção açucareira experimenta uma recuperação satisfatória na década de

1880, com a expansão das vendas externas, o crescimento do mercado nacional,

a modernização tecnológica e a fundação das usinas. É quando se dá a incorpo-

ração de novas terras à lavoura de cana no leste e sul do país, perdendo o Nor-

deste a dominação do mercado. (18)

É preciso observar, porém, que as crises na exportação não implica-

vam em diminuição das quantidades produzidas. Pelo contrário, o esforço produti-

vo foi redobrado no decorrer de todo o século XIX, para tentar manter o nível dos

valores de exportação, continuamente rebaixados pela queda dos preços. (19)

Quanto ao algodão, tratava-se de uma produção instável, que oscilou

entre longos períodos de abastecimento para o mercado interno e a economia de

subsistência, e intervalos de ingresso na economia de exportação, decorrentes da

escassez do produto nos mercados europeus. Nas décadas de 1860 e 1870, com

a demanda do mercado manufatureiro inglês, o algodão passou a se constituir no

setor mais dinâmico da economia nordestina. (20) Assim como com o açúcar, as

Page 128: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

128

oscilações do preço do produto no mercado externo tendiam a provocar um au-

mento das quantidades produzidas, ou seja, de trabalho investido, para compen-

sar as quedas nos valores exportados. No caso do algodão havia ainda a peculia-

ridade de que o cultivo não era exclusivo dos grandes proprietários, havendo uma

multiplicidade de médios e pequenos produtores, pulverizados pelo interior do ter-

ritório.

A diminuição do plantel escravo nos engenhos de cana da Zona da

Mata vinha ocorrendo desde 1830, quando a queda dos preços e o encarecimento

do escravo começaram a tornar pouco remunerativa a produção. Na cultura do

algodão, o emprego de escravos era pouco vantajoso, principalmente devido ao

ciclo vegetativo curto, que implicava em longos períodos de ociosidade forçada da

mão-de-obra. (21)

No sertão nordestino, como foi visto no capítulo anterior para o caso

do Ceará, grande parte do cultivo de algodão desenvolveu-se através da pequena

produção, associada à plantação de gêneros alimentícios, dentro de um complexo

vinculado à pecuária extensiva e às relações latifúndio-minifúndio. A própria estru-

tura interna do sistema favoreceu a absorção precoce do trabalho livre e o rápido

declínio da escravidão.

Com a proibição do tráfico africano, as regiões cafeeiras voltaram-se

para o Nordeste, dando início ao tráfico interprovincial. A mão-de-obra escrava

começa a afluir do Norte para o Sul tão cedo que, em 1854, surge no Parlamento

um projeto lei proibindo a venda de escravos entre as províncias. A lei não foi

aprovada mas se instituíram taxas locais sobre a saída de escravos, visando frear

a corrente migratória. (22) Estima-se que, entre 1850 e 1888, as províncias cafeei-

ras absorveram cerca de 300.000 escravos através do tráfico interprovincial. (23)

É possível concluir, portanto, que houve um sentido inverso na ques-

tão da "fome de braços" quando comparadas as duas regiões. No polo cafeeiro,

onde havia uma demanda de força de trabalho decorrente da expansão da eco-

nomia, a distribuição dos fatores de produção segundo a forma escravista, ao con-

Page 129: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

129

tinuar mantendo sua eficácia, tornava indesejável, pelo menos até certo momento,

a questão da abolição, já que não esta não criava obstáculos à acumulação.

Somente no fim do regime servil é que São Paulo aderiu à campanha

abolicionista, quando o problema da mão-de-obra se resolveu favoravelmente pa-

ra os cafeicultores do "Oeste Novo", através da imigração estrangeira, subsidiada

pelo Estado. Nos outros dois setores, ao contrário, houve uma liberação precoce

da mão-de-obra escrava, uma desagregação do sistema, daí resultando a carên-

cia de braços, liberação essa decorrente da instabilidade da agricultura nordestina

e do fator de atração que representava o polo cafeeiro.

De fato, o plantel de escravos cresceu no Rio de Janeiro e em São

Paulo, no decorrer do século, de forma consistente:

População escrava em São Paulo e Rio

de Janeiro - 1819-1888 (24)

Período São Paulo Rio de Ja-

neiro*

1819 77.667 146.060

1823 - 150.549

1836 78.955 -

1854 117.731 -

1876 156.612 341.576

1887 107.329 169.909

(*) Inclui a província e a cidade do Rio de Janeiro.

Page 130: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

130

População escrava no Nordeste - 1819-1888 (25)

Perío-

do

Piauí Ceará R.G.

Norte

Paraí-

ba

Per-

namb.

Alago-

as

Sergi-

pe

Bahia

1819 12.405 55.439 9.109 16.723 97.633 69.004 26.213 147.263

1823 10.000 20.000 14.376 20.000 150.000 40.000 32.000 237.458

1876 23.795 31.913 13.020 21.526 89.028 35.741 22.623 167.824

1887 8.970 108 3.167 9.448 41.122 15.269 16.875 76.838

Porém, se a "fome de braços" era uma questão nacional com diferen-

tes significados, em um ponto coincidiam os interesses dos queixosos. Para além

das diversidades regionais é possível identificar um fator de interesse comum aos

grandes produtores de Norte a Sul, que consistia no desejo de garantir a continui-

dade de certas vantagens da escravidão, ou seja, uma oferta de trabalho abun-

dante e, se possível, barata e estável. A eles se aliavam os interesses dos grupos

no poder, uma vez que o próprio Estado dependia da agricultura comercial para

sua manutenção, pois 75 por cento da receita do governo, no final do Império,

provinha do movimento do comércio exterior. (26)

Assim, pode-se indagar até que ponto a "fome de braços", transfor-

mada em problema da nação, não teria sido, sobretudo, uma conveniente estraté-

gia das camadas dominantes para garantir a continuidade do modelo colonial de

trabalho, agora com nova roupagem.

No grande embate político que então se travou, saíram vitoriosos os

fazendeiros de café, que conseguiram a "socialização do custo" da introdução ma-

ciça de colonos estrangeiros, através da imigração subsidiada pelo Estado. Como

afirma José de Souza Martins: "Somente com a intervenção do Estado foi possível

quebrar o circuito do trabalho cativo, procedendo-se a uma socialização dos cus-

tos de formação da força de trabalho e criando-se as condições para que se insti-

tuísse o trabalho livre e o mercado de trabalho". (27)

Page 131: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

131

Paula Beiguelman demonstra, também, como os fazendeiros de café

se desinteressaram pela introdução de imigrantes até a década de 1860, porque a

responsabilidade pelo pagamento da passagem recaia sobre eles próprios e sobre

os colonos. Era mais compensador continuar a ater-se ao braço do escravo, ape-

sar do grande investimento inicial. (28) Boris Fausto, retomando a questão, obser-

va que a imigração subsidiada permitiu aos fazendeiros adequar a oferta de traba-

lho aos seus interesses. Baseando-se na análise de Michael Hall, Fausto conclui

que "ao longo de todo o período em que a imigração estrangeira para as fazendas

foi a fonte essencial de mão-de-obra não ocorreu "falta de braços", mas, com fre-

quência, uma grande e calculada oferta de trabalho", cujo objetivo central era de-

primir os salários rurais. (29)

Avançando a análise para o setor urbano, Wilson Cano demonstra

como essa política beneficiou a nascente indústria paulista, permitindo-lhe operar

com uma oferta abundante de mão-de-obra, a taxas de salário mais baixas que as

de outras regiões. (30)

Quais as perspectivas para os grandes proprietários do Nordeste,

nesse momento? Incapazes de atrair o imigrante estrangeiro e sofrendo a drena-

gem contínua de mão-de-obra escrava, não lhes restava outra alternativa senão

recorrer ao trabalhador livre nacional, sob pena de diminuir a produção ou até

mesmo deixar de produzir. Roberto Avé-Lallemant, por exemplo, encontrou a pro-

dução açucareira de Sergipe em completa decadência em 1859, devido à diminui-

ção do número de escravos.

O abolicionista Tavares Bastos, ao defender a abolição gradual por

província, em 1865, argumentava que o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,

Alagoas e em certas áreas de Pernambuco o número de escravos era reduzido e

a agricultura já era praticada quase que exclusivamente por homens livres (31).

Segundo Manoel Correa de Andrade, o trabalho livre, na segunda metade do sé-

culo XIX, era de uso generalizado, tanto em Pernambuco, como no Rio Grande do

Norte, na Paraíba e em Alagoas. (32)

Page 132: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

132

No Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, além disso, os poucos es-

cravos existentes concentravam-se nos serviços domésticos, eram artigo de luxo,

enquanto em certas áreas açucareiras e nas províncias cafeeiras eles trabalha-

vam sobretudo na agricultura, como se pode ver no quadro a seguir.

Ocupações dos escravos por província - 1872

Província Trabalhado-

res agríco-

las

Criados e

jornaleiros

Outros Total

Nordeste

Piauí 6.264 6.631 10.900 23.793

Ceará 7.375 11.363 13.175 31.913

Rio Gde Norte 2.353 3.057 7.610 13.020

Paraíba 9.125 5.982 6.419 21.526

Pernambuco 38.714 20.480 29.834 89.028

Alagoas 11.628 13.462 10.651 35.741

Sergipe 11.907 3.291 7.425 22.623

Bahia 82.954 33.073 51.797 167.824

Leste

Minas Gerais 278.767 30.989 60.703 370.459

Espírito Santo 12.917 3.493 6.249 22.659

R. de Janeiro 141.575 52.806 98.256 292.637

Mun. Neutro 5.695 28.815 14.429 48.939

São Paulo 88.620 29.889 38.103 156.612

Fonte: Conrad, Robert. Os últimos anos da Escravatura no Brasil. p. 361.

Os próprios governos provinciais nordestinos, apesar de solicitarem

continuamente ao governo central a introdução de colonos estrangeiros, reconhe-

ciam a importância crescente do trabalhador nacional na região.

Page 133: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

133

Quase todos os relatórios de presidentes da província do Ceará, en-

tre 1847 e 1888, apontam a adoção do trabalho livre como forma de estimular a

produção. Em 1864, o presidente Lafaiete Rodrigues Pereira reconhece: "a agri-

cultura no Ceará é quase exclusivamente praticada por braços livres". (33) Os re-

latórios registram também a impossibilidade de conter a evasão crescente de es-

cravos em direção ao sul, "que não foi ainda neutralizada, apesar da elevação da

imposição na saída dos mesmos", segundo afirma o relatório de 1856. (34)

Em Pernambuco os documentos oficiais oferecem as mesmas evi-

dências. O relatório do presidente da província, em 1866, considera que o trabalho

livre "é muito mais produtivo que o escravo" e o de 1876 conclui que os proprietá-

rios não se interessavam sequer pela mão-de-obra estrangeira, devido à abun-

dância de trabalhadores livres nacionais: "a massa de trabalhadores livres nacio-

nais que perambulavam pela província e a quem os proprietários tinham quantos

quisessem e por diminuto preço". (35)

Resta saber o que fazia e de que vivia essa população "perambulan-

te", "repartida pelos diversos misteres da vida", como dizia um desses relatórios

provinciais. Como estava se dando a incorporação desses homens ao mundo do

trabalho e da produção e a que se refere, em última análise, o termo "trabalho li-

vre", nesse contexto.

Instabilidade da existência e degradação do trabalho.

Caio Prado Júnior usa o termo "população vegetativa" para designar

os que viviam à margem da economia mercantil de base escravista, fundada no

binômio "senhor-escravo". (36) Ao mesmo tempo em que o sistema agro-

exportador deixara sem função a maior parte dos homens pobres livres, a escravi-

dão marcara-os ideologicamente com o estigma do trabalho servil, diante do qual

a condição de liberdade só era compatível com a condição de proprietário. Para os

que não podiam sê-lo, submeter-se significava igualar-se ao escravo. Trabalhar a

Page 134: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

134

serviço de outro era aviltar-se, em uma "relação de sujeição" incompatível com a

condição de homem livre.

Um dos aspectos mais marcantes da vida desses homens era a ins-

tabilidade das condições de existência. As oscilações da economia de exportação,

somadas a uma política de ocupação e posse do solo excludente e concentradora

de terras, resultaram em constante desenraizamento e mobilidade da população.

O nomadismo e a não fixação ao solo se apresentavam, frequentemente, como

único recurso disponível para enfrentar as condições de vida adversas e a violên-

cia das relações sociais. Por volta de 1820, Saint Hilaire presenciava a expulsão

de posseiros das terras cultivadas.

"os pobres que não podem ter títulos se estabelecem nos ter-

renos que sabem não terem dono. Plantam, constroem pe-

quenas casas, criam galinhas, e quando menos esperam,

aparece-lhes um homem rico, com o título que recebeu na

véspera, expulsa-os e aproveita o fruto do seu trabalho". (37)

O problema da terra se agravou com a suspensão das concessões

de sesmarias em 1822. Nos trinta anos seguintes, anos de intensa expansão po-

pulacional, a ocupação de terras devolutas se intensificou, coincidindo com a au-

sência de legislação e controle. A Lei de Terras de 1850, ao impedir o livre acesso

à terra, transformando-a em mercadoria sujeita a compra e venda, tinha por objeti-

vo principal forçar os colonos estrangeiros a trabalharem nas grandes fazendas,

(38) mas intensificou, ao mesmo tempo, o processo de concentração fundiária.

O quadro fundiário no Nordeste, por essa época, era constituído, em

síntese por: (a) grandes latifúndios, alguns de propriedade de sesmeiros legítimos,

outros ilegítimos; (b) áreas ocupadas por posseiros sem legitimidade e (c) faixas

de terras devolutas ainda não ocupadas que, a partir daí, deveriam ser compradas

pelos interessados. (39)

O processo de expulsão de posseiros e rendeiros aumentou a partir

de 1850. Um relatório do presidente da província de Pernambuco, de 1871, chega

Page 135: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

135

a sugerir uma "lei previdente que regulasse as relações entre proprietários de terra

e rendeiros". (40) A imprensa pernambucana também denunciava:

"como é que se exige que esses infelizes (os agregados,

gente pobre, foreiros) plantem se eles não tem certeza de co-

lha? Que incentivo existe que os induza a beneficiar um ter-

reno, do qual podem ser despojados de um instante para ou-

tro? Nas terras dos grandes proprietários, eles não gozam de

direito algum político, porque não tem opinião livre: para eles

o grande proprietário é a polícia, os tribunais, a administra-

ção, numa palavra, tudo...". (41)

A sujeição dos homens pobres livres ao poder e arbítrio dos grandes

proprietários somavam-se à dominação pelo Estado, prisões, recrutamento força-

do para obras públicas, serviço da Guarda Nacional, novas ou antigas "formas de

utilidade" que já haviam feito parte da exploração colonial dos desclassificados,

(42) construção de presídios e prédios da administração, trabalho forçado em la-

vouras, formação de milícias e guardas privadas.

Os que conseguiam vincular-se ao processo produtivo, disputando

pequenas faixas de terra, as de pior qualidade, constituíam uma economia mini-

fundiária, de baixa rentabilidade, insuficiência de recursos financeiros, de caráter

quase vegetativo. No sertão dedicavam-se às chamadas "culturas de pobre" - mi-

lho, feijão, mandioca e à criação "miúda", pelas quais os grandes proprietários não

se interessavam. Esse descaso é motivo de queixa do presidente da província do

Ceará, em 1847, preocupado com os destinos da agricultura:

"a agricultura, esse manancial do qual tudo poderíamos es-

perar, não tem sido encarada como a primeira e talvez a úni-

ca fonte donde há de manar a nossa prosperidade; ela bem

se pode dizer é quase exercida somente pela classe pobre

que não tem a força necessária para levá-la ao ponto conve-

niente aos interesses da província" (43).

Page 136: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

136

A pequena produção caracterizava um crescente setor de subsistên-

cia, voltado para o consumo local, onde as feiras apareciam como principal com-

ponente mercantil. Exercida em sua maioria por ocupantes sem legitimidade sobre

a terra, ela podia ser interrompida a qualquer momento pela expulsão, indo os

agricultores engrossar a camada de arrendatários, meeiros, agregados e morado-

res das grandes propriedades, em substituição ao escravo. Os que não se subme-

tiam às condições de trabalho impostas partiam em busca de alternativa em outras

terras, talvez ainda desocupadas, outras fazendas em regiões mais prósperas. A

migração surgia, então, como esperança e alternativa derradeira.

Assim, a crise do trabalho escravo trazia à tona uma das principais

fragilidades do trabalho livre, herdada da exploração colonial - a instabilidade da

mão-de-obra. O trabalhador não possuía nenhuma garantia de fixação ao solo que

cultivava, vivendo em permanente insegurança.

O nomadismo, o desenraizamento, a mobilidade e a consequente

desorganização do trabalho agravavam-se nas áreas semiáridas sujeitas a secas

e inundações periódicas. O século XIX registrou dez das chamadas "secas gran-

des": em 1804, 1809-10, 1816-17, 1824-25, 1827, 1830, 1844-45, 1877-79, 1888-

89 e 1900. (44)

As repercussões se fizeram sentir ao longo das gerações, como ob-

serva Djacir Menezes:

"as consequências econômicas do nomadismo sertanejo re-

fletem-se na instabilidade da vida social, no fluxo e refluxo da

fortuna particular, que emigra de senhor para senhor, sem

nunca permitir a garantia de um desenvolvimento econômico,

ocasionando ainda a ausência de tradições familiares, con-

fundindo-se, nos grandes dias de miséria, a aristocracia rural,

representada por seus descendentes, com a plebe de des-

cendentes africanos e camponeses que sempre viveram

agregados aos proprietários". (45)

Page 137: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

137

A instabilidade das condições de existência teve influência decisiva

na composição social do sertão. No período colonial, as fazendas de gado perten-

ciam, em grande parte, a proprietários absenteístas e muitas não possuíam se-

quer domicílio com estrutura familiar, sendo conduzidas por vaqueiros, escravos e

agregados. (46) As formas de dominação e poder apresentavam-se mais fluidas e

camufladas do que na rígida hierarquização da plantação açucareira da zona da

Mata.

Dentro de condições de trabalho e existência instáveis e desequili-

bradas para todos, a diferenciação social entre homens livres se revestiu de for-

mas complexas de dominação ideológica, a expropriação e exploração do traba-

lhador pelo dono da terra ficando mascaradas sob uma rede de relações de paren-

tesco e clientelismo, que impregnaram e atravessaram todo o tecido social e cujos

resíduos permanecem ainda hoje.

O estigma da escravidão aviltou as relações de trabalho para o ho-

mem pobre sem terra, agregado que dividia com o escravo as tarefas no interior

das fazendas. A relação de sujeição, imposta pela condição de "morador", homem

que vive em terra alheia sob a tutela do proprietário e a ele vinculado por um sis-

tema recíproco de prestação de serviços, colocava-se como um dos principais en-

traves a uma concepção mais digna do trabalho. A ideologia do clientelismo, apoi-

ada basicamente na "capacidade de fazer favores", que envolveu aspectos

econômicos, políticos e de parentesco, cuja expressão mais acabada viria a ser o

"coronelismo" da Primeira República (47), tinha seus fundamentos assentados na

estrutura das relações de trabalho e da propriedade da terra, que se consolidaram

na segunda metade do século XIX.

A concepção de liberdade associada a de propriedade, somada a

uma concepção degradante do trabalho, como sequelas da escravidão, compõem

o marco ideológico por onde se garantia a subordinação da "população vegetati-

va", do "trabalhador nacional", homens livres destituídos, previamente expropria-

dos pela "herança colonial".

Page 138: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

138

A questão da degradação do trabalho envolve um aspecto particu-

larmente importante, que justificava e legitimava a dominação, e que diz respeito à

ideologia da vadiagem. Laura de Mello e Souza, ao estudar os "desclassificados

do ouro" do século XVIII, toca em um ponto crucial que é a construção de uma

visão de mundo que justificasse o escravismo, à qual a imagem de indolência,

inércia e inaptidão do homem pobre livre para o trabalho se adequava com inteira

conveniência. O estigma da ociosidade era extremamente útil, na medida em que

a desqualificação desses homens, sua condição miserável e a proliferação dos

vadios tornava possível seu emprego como mão-de-obra como parte da própria

exploração colonial, ao mesmo tempo em que justificava moralmente a escravi-

dão.

Essa condição se prolonga enquanto persiste a escravidão. No sécu-

lo XIX, a ociosidade e a vadiagem, tanto nas cidades como no campo, chamavam

a atenção dos viajantes estrangeiros que percorreram o país. Tollenare, nas pri-

meiras décadas do século, deplorava "o espetáculo da indolência" nos bairros ha-

bitados por brancos, mulatos e negros livres do Recife. (49) Daniel Kidder, em

meados do século, denunciou o estado de degradação dos nativos que habitavam

o Ceará. Outrora organizados e chegando mesmo a contratar turmas para o traba-

lho agrícola dos colonos, essa população ficara "sem utilidade alguma, nem para

si próprios nem para outrem". Constatou ainda que, sendo relativamente raros

nessa província os escravos, o cativeiro era considerado pelo povo verdadeira

calamidade. (50)

Quanto mais forte a ordem escravocrata, maior a degradação do

homem livre. Nas fazendas de café do "Oeste novo" paulista, argumenta exausti-

vamente Kowarick, o homem livre e liberto quase não passava pela "escola do

trabalho", sendo visto pelos senhores como corja inútil, que preferia o ócio, o vício,

o crime, ao trabalho disciplinado nas fazendas. (51) A depreciação do trabalhador

nacional, que servira para justificar a escravidão, servia ali também como argu-

mento para a entrada abundante de imigrantes, durante e após a extinção do re-

gime servil. (52)

Page 139: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

139

A questão ideológica do trabalho envolve ainda um elemento signifi-

cativo de aviltamento, que diz respeito à oposição entre o mundo dos brancos, dos

negros e das demais etnias indígenas. As teorias da inferioridade racial, ampla-

mente difundidas e defendidas pelos primeiros "explicadores" do caráter nacional,

Oliveira Vianna principalmente, tinham raízes profundas na existência degradada

e miserável dessa massa resultante da mestiçagem que formava o povo brasileiro,

não importa fosse ela de origem escrava, livre ou liberta.

Algumas das diferenças étnicas e culturais foram percebidas por al-

guns dos primeiros observadores do século XIX, como Tollenare, por exemplo,

que discutia o fato de que aquilo que se classificava como preguiça e apatia podia

ser interpretado de outra perspectiva, como uma "moderação dos desejos".

Sebastião Ferreira Soares lutou, precocemente, para mostrar as di-

ferenças da origem indígena de grande parte da população livre, tentando argu-

mentar com a "limitação de desejos e aspirações" de sua cultura, como havia feito

Tollenare. Chegou a advogar leis especiais, "que soubessem respeitar nos cabo-

clos a sua qualidade de homem" e considerava a visão do europeu, imbuído de

outros valores, preconceituosa e mal informada, pois "pintam o caráter dos aborí-

genes brasileiros como homens nimiamente indolentes e inativos" quando, na ver-

dade, "esse homem tem desejos muito limitados". Soares atribui a "falta de ambi-

ção" à herança indígena e à ausência de uma ideologia engendrada pelo capita-

lismo: "não tratam de acumular riquezas como o homem social civilizado, porque,

como este, não tem as necessidades criadas pela moderna sociedade". (53)

Convém lembrar a respeito desses antagonismos, a enorme resis-

tência dos povos indígenas e africanos em se submeterem ao mundo dos bran-

cos, que acompanha todo o processo histórico das relações de trabalho no Brasil,

as lutas sociais, rebeliões, conflitos, fugas, ataques de índios e negros, ao longo

do tempo, a demonstrar que a dominação se deu sempre de forma violenta e dolo-

rosa.

Para concluir, é preciso que se diga que, apesar das condições ad-

versas, alguns segmentos da população destituída encontraram, ainda na vigência

Page 140: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

140

da escravidão, possibilidades variadas de romperem as condições de uma exis-

tência sem perspectivas e tentarem ascender socialmente. Essas possibilidades,

no período colonial, já foram vistas nos capítulos anteriores, no que diz respeito à

vantagens de uma especialização profissional, principalmente para as camadas

pertencentes às artes e ofícios urbanos.

A incorporação do trabalhador nacional após 1850.

Em meados do século XIX e mais precisamente nas décadas de

1860 e 1870, alguns segmentos da população rural também encontraram vias de

mobilidade social. É o caso dos chamados "brancos do algodão", plantadores

mestiços, mulatos e pretos forros, sem recursos, que fizeram fortuna súbita com

as elevações do preço e demanda do produto no mercado internacional.

É também o caso do vaqueiro, figura simbólica, por excelência, dos mitos heroicos

do sertão.

Tollenare também se impressionava vivamente com os passadores

de gado que atravessavam o sertão para vender as boiadas nas feiras paraibanas

e pernambucanas do litoral, em intenso movimento comercial por zonas de trânsi-

to perigoso. Curiosamente, é ao mesmo caráter indígena, geralmente visto de

forma negativa, que Tollenare atribui o porte e a altivez do vaqueiro, embora reco-

nhecendo que o gênero de trabalho envolvido exigia "um vigor e uma coragem

que só o interesse pode manter" (54). Evidentemente, a oportunidade de enrique-

cimento e de ascensão social que garantia esse "interesse", estava ausente para

a grande maioria dos destituídos, cujo horizonte de vida se mostrava sempre mi-

serável, quer trabalhasse quer não.

Já no final do século XIX, é também através da figura do vaqueiro

que as condições de existência dos demais homens livres podem ser expostas

mais cruamente e percebidas em toda a sua extensão, na descrição de um estu-

dioso cearense:

Page 141: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

141

"Ao sertanejo pobre abrem-se duas carreiras: ou é vaqueiro

de um fazendeiro qualquer ou agregado, isto é, morador nas

terras do fazendeiro, trabalhando como jornaleiro seu, po-

dendo ser expulso da noite para o dia. Sendo agregado ou

morador arrastará vida miserável, sem casa, sem terra, sem

gado, plantando em terra alheia, sempre dependente. Ao va-

queiro abre-se outra perspectiva. Guardará a fazenda, tirará

sortes, poderá fazer um dia sua independência. Além disso,

vestirá roupa de couro, correrá nas vaquejadas fazendo pro-

ezas, terá nome como pegador de gado ou como capador de

animais, ou ainda como curador de feridas e bicheiras" (55).

O trabalho livre assume formas diferenciadas no Nordeste, no mo-

mento em que a crise da escravidão tira das sombras essas camadas de "peso

inútil e sem função" de que fala Caio Prado Júnior.

A predominância de escravos no Nordeste, após 1850, se mantém

apenas no sul de Pernambuco e Recôncavo baiano, onde se localizavam os en-

genhos mais ricos. Ao norte de Recife, Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba, a

antiga prática de contratar índios, caboclos, mulatos e negros libertos, que já era

assinalada ao tempo de Koster, (56) se intensificou com a venda de cativos para o

sul.

Entretanto, se a maioria dos grandes proprietários não possuía capi-

tais suficientes para reter os escravos, sendo obrigados a vendê-los, menos ainda

se dispunha a contratar trabalhadores livres por salários atraentes. As atitudes de

parte desses proprietários podem ser avaliadas pela leitura de uma petição de la-

vradores de Sergipe, de 1877 ao governo central. Com os cativos destinados ob-

viamente a uma rápida extinção, os requerentes manifestavam sua oposição a

escravatura e pediam estímulos para atrair os homens livres dispostos a trabalhar

por salários ou sob contrato, como, por exemplo, a isenção do serviço militar:

"concessões particulares liberalizadas poderiam ser

oferecidas para atrair trabalhadores, incluindo a con-

Page 142: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

142

cessão de alojamentos confortáveis, um cultivo maior

de cereais e outras safras alimentícias e o estabeleci-

mento de aulas noturnas, onde os trabalhadores agríco-

las pudessem aprender a ler e a escrever". (57)

O atraso das forças produtivas dificilmente possibilitaria o desenvol-

vimento do trabalho assalariado. O quadro nordestino se caracterizava pela defici-

ência dos circuitos econômicos internos, base material precária, falta de moderni-

zação tecnológica, insuficiência de ferrovias e portos para um rápido escoamento

de mercadorias, debilidade do sistema financeiro, ausência de um mercado con-

sumidor local suficientemente monetarizado, uma série de fatores, enfim, que de-

vem ser levados em consideração no estudo das formas assumidas pelo trabalho

nesse momento de transição.

Assim, passaram os proprietários a atrair o trabalhador livre, facili-

tando o estabelecimento da crescente população pobre, sem terra, nas áreas me-

nos férteis dos latifúndios, como arrendatários, parceiros ou moradores. O paga-

mento da renda da terra era feito, em geral, anualmente, em espécie no tempo da

colheita, ou semanalmente, em trabalho, pelo sistema do "cambão", pelo qual o

morador obrigava-se a trabalhar três dias gratuitamente para o patrão. Vem daí a

expressão "morador de condição". Uma das formas mais comuns de impedir a

mobilidade do trabalhador era retê-lo por dívidas, através do fornecimento de mer-

cadorias pelo barracão ou armazém, a preços extorsivos. O trabalhador só podia

deixar a fazenda uma vez saldados os débitos.

Na área açucareira crescia o número de lavradores que apenas cul-

tivavam a cana, moendo-a no engenho do proprietário e dividindo com ele a pro-

dução (58). A Lei de Terras de 1850, que visava dificultar o acesso à terra para o

imigrante europeu, havia decidido em grande parte, o destino do trabalhador naci-

onal, expulsando posseiros e aumentando o potencial de reserva de força de tra-

balho. Mesmo quando o posseiro conseguia manter o direito à terra, precisava

pedir proteção para obter o registro de seus títulos. Com isso fortaleciam-se os

vínculos de subordinação e a clientela a serviço dos proprietários.

Page 143: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

143

Ao se falar em "trabalho livre" no Nordeste do século XIX não se está

falando, portanto, no sentido de trabalho "liberado" para o capital, ou seja, despo-

jado das condições objetivas de sua efetivação, "dos meios e do material do traba-

lho" no sentido clássico empregado por Marx. (59) O termo se refere apenas ao

estatuto jurídico de liberdade formal do indivíduo em contraposição à condição do

escravo. Na verdade, o que estava ocorrendo era a cristalização de relações de

produção baseadas na subordinação do trabalhador rural ao grande proprietário,

através do predomínio das "relações de parceria" que, de forma continuamente

recriada, ainda perduram em várias áreas nordestinas.

O complexo algodoeiro-pecuário é talvez o setor onde melhor se po-

de perceber a forma tortuosa e complicada de expansão do trabalho livre no Nor-

deste, pelo fato de ter sido marcado por fluxos e refluxos, oscilando entre peque-

nos intervalos de produção para o mercado externo, gerando uma ilusão de rique-

za e crescimento, e longos períodos de sobrevivência, buscando o mercado inter-

no e mantendo-se através da produção de subsistência. Os grandes proprietários

se interessavam apenas subsidiariamente em plantar algodão, mantendo-se basi-

camente pecuaristas.

A criação de gado era a atividade que definia o latifúndio, enquanto

o algodão permanecia, em grande medida, como atividade dos pequenos produto-

res estabelecidos em minifúndios e mantendo estreitos vínculos de dependência

com o grande proprietário. Stanley Stein atribui, inclusive, às técnicas rudimenta-

res do pequeno produtor a capacidade de rápida difusão do algodão durante a

época de escassez mundial na década de 1860. Era um produto encarado com

menosprezo pelo fazendeiro, que consideravam má inversão empregar escravos

nas plantações. "O lavrador prefere pagar aos assalariados 1$280 diários a em-

pregar na roça seus poucos escravos". (60)

O assalariamento de que fala o historiador cearense Rodolfo Theófhi-

lo era temporário e, frequentemente, o pagamento em dinheiro era complementa-

do em espécie. Geralmente era calculado por diária ou jornal, sendo muito nume-

Page 144: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

144

rosos os "jornaleiros" no trabalho agrícola, como se pode verificar pelo Censo de

1872.

O assalariamento temporário era comum nos algodoais. Conjugava-

se uma gama variada de relações com o patrão e de cooperação vicinal e divisão

de trabalho familiar, que alternava ao complementava o cultivo do algodão com o

de alimentos, o trabalho para o dono da terra com o trabalho para a subsistência

da família. A descrição de Manoel Correa de Andrade sobre o calendário agrícola

sertanejo dá uma ideia da complexidade dessas relações:

"nos anos regulares, costumavam os sertanejos, reunidos em

mutirão, "brocar" os seus roçados em outubro, fazendo a

queima em fins de dezembro, a fim de que em janeiro fos-

sem construídas as cercas. Com a chegada do "inverno" -

período chuvoso - o chefe de família, ajudado pela mulher e

pelos filhos, fazia a semeadura. Esta era iniciada pelo feijão

"ligeiro", pelo milho de "sete semanas", o jerimum e a melan-

cia. A mandioca, o algodão, o milho e o feijão eram semea-

dos depois. Entre o primeiro e o segundo plantios, a família

mantinha o roçado limpo, enquanto o chefe trabalhava assa-

lariado nas grandes e médias propriedades. O salário era uti-

lizado na aquisição da farinha que constituía com a caça do

preá, sobretudo, o alimento cotidiano. Até agosto eram colhi-

dos e consumidos o milho, o feijão, o jerimum e a melancia.

Em setembro começavam a desfazer a mandioca, a realizar

a "farinhada", trabalho em que contavam com a ajuda de pa-

rentes e amigos, sendo a farinha guardada em sacos sobre

jiraus existentes nas pequenas casas de taipa. Esta coope-

ração da farinhada é comumente chamada de "ajutório". A

farinha devia ser consumida com parcimônia, pois dela de-

pendia o sustento da família até abril, quando o roçado co-

meçava a dar o jerimum, a melancia e as primeiras vagens

Page 145: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

145

de feijão. A colheita e venda do algodão permitia ao pobre

trabalhador a aquisição de roupas e outros utensílios para a

família". (61)

O assalariamento puro parece ter ocorrido somente no período do

surto algodoeiro de 1860-1870, quando a demanda da mão-de-obra nos algodoais

tornou difícil até a manutenção da força pública no Ceará, pois os trabalhos agrí-

colas dificultavam as reuniões para instrução da tropa. Os altos salários atraiam

não só homens, como mulheres e crianças, provocando a crise de abastecimento

e o abandono das culturas alimentares. Os salários alcançaram o pico de 1.250

réis diários, quando a média girava em torno de 400 a 500 réis.

"Os homens descuidavam-se da mandioca e dos legumes,

as próprias mulheres abandonavam os teares pelo plantio do

precioso arbusto; era uma febre que a todos alucinava, a fe-

bre da ambição". (62)

Quanto ao assalariamento dos engenhos de cana, tratava-se de um

processo ligado às transformações do sistema tradicional dos "bangues", primeiro

com a introdução dos "engenhos centrais" e, em seguida, das usinas, com o que,

no último quartel do século XIX, dá-se o fim da hegemonia da antiga classe agrí-

cola e o surgimento da nova camada de usineiros, ligados ao capital industrial e

financeiro de origem urbana. (63)

A maior parte dos trabalhadores mantinha-se em níveis baixíssimos

de remuneração. Ao longo de meio século, os salários oscilaram entre um mínimo

de 400 a 600 réis diários e um máximo de 1.200 a 1.400 réis para cultivadores e

operários. Em 1898, os salários de Pernambuco, comparados aos do Rio de Ja-

neiro, relativos a 12 horas de trabalho nos canaviais, sem refeição, eram bem infe-

riores.

Page 146: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

146

Salários nos Canaviais do Rio de Janeiro

e Pernambuco, 1898

1898 Rio de Ja-

neiro (réis)

Pernambuco

(réis)

Operários 2.500 a

3.000

1.200 a

1.400

Cultivadores 2.000 a

2.500

1.100 a

1.300

Mulheres e

crianças

1.500 a

2.000

800 a 1.000

Mecânicos 6.000 a

8.000

4.000 a

5.000

Chefes de

cultura

5.000 a

6.000

2.000 a

3.000

Contrames-

tres

6.000 a

8.000

4.000 a

6.000

Fonte: Perruci, G., A República das Usinas,

Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 223.

No último quartel do século XIX, havia se criado um excedente popu-

lacional que, sem encontrar maneiras suficientes de se incorporar à vida produtiva

formava uma reserva de mão-de-obra considerável. É nesse momento que au-

mentam as migrações internas na região e para fora dela e o desenraizamento da

população se acentua.

Parte do contingente liberado dos bangues começa a se dirigir para o

Recife, dando impulso ao nascente parque industrial têxtil, com os surgimentos

das fábricas. A corrente migratória aumenta em decorrência da desorganização

da economia açucareira com a introdução das usinas, além do próprio processo

Page 147: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

147

de atração exercido pela cidade, como nova alternativa de trabalho para o traba-

lhador rural (64). As taxas mais altas de imigrantes saem, contudo, do sertão as-

solado pelas secas, em direção à Amazônia e ao trabalho nos seringais.

O excedente populacional e a migração em massa.

A maior saída de contingentes populacionais, no período entre 1872

e 1920, se deu no Estado do Ceará, sobretudo até 1890. Simultaneamente, os

Estados do Sul, como São Paulo e Rio de Janeiro, registraram um saldo migracio-

nal positivo, que se prolonga e se intensifica nos anos até 1920.

Migração interna líquida de brasileiros natos. 1872-1920.

Estado 1872/90 1890/1900 1900/1920

Amazonas 37.467 55.939 18.110

Pará 56.468 53.385 93.382

Ceará -198.219 83.098 -76.170

Pernambuco -104.306 -1.967 71.935

Paraíba -79.304 -31.490 43.293

Guanabara 57.469 85.547 55.322

São Paulo 45.847 70.292 19.933

Fonte: Villela, A.V. e Suzigan, W., Política do Governo e

Crescimento da Economia Brasileira, 1889-1945, Rio de

Janeiro, IPEA/INPES, 1973, p. 282.

Costuma-se atribuir ao fenômeno da seca a responsabilidade pela

migração desses grandes contingentes de mão-de-obra nordestina. Sem negar a

importância das alterações climáticas em uma economia marcada por baixos ní-

Page 148: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

148

veis de tecnologia e produtividade, é preciso dizer, porém, que a seca é um fator

conjuntural que mais dificulta do que esclarece o entendimento da formação de

um "excedente populacional" ao qual não restava outra solução senão emigrar

(65).

Uma pesquisa sobre a história da agricultura no Ceará entre 1850 e

1930 observa que "durante os oitenta anos focalizados, a seca foi a justificativa

ideal que as classes dominantes utilizaram para desculpar a estagnação do Cea-

rá. No discurso oficial ela surge como a causa do atraso da lavoura, da penúria da

população, da emigração. A solução indicada pelas classes dominantes resumia-

se à construções de açudes e estradas". (66)

Tomando o caso do Ceará como referência, o que se verifica é que a

seca atuou mais como fator desorganizador de uma estrutura econômica já abala-

da pela sua própria fragilidade interna carente de qualquer estímulo por parte da

política econômica do governo, inteiramente voltada para os setores hegemônicos

do sistema (café e açúcar). Comparando-se os períodos favoráveis ao comércio

externo, aos desfavoráveis, entre 1862 e 1895, verifica-se que apenas o quinquê-

nio 1867-1871 registra uma grande produção de algodão a preços compensado-

res:

Produção de algodão no Ceará, 1862-1895.

Quinquênio Quilos Valor Oficial

1862-1866 5.549.915 6.841:446$025

1867-1871 28.883.116 22.610:999$420

1880-1886 22.352.077 9.592:781$620

1891-1895 12.810.032 6.386:939$210

Fonte: Guabiraba, Célia, História da Agricultura no

Ceará, 1850-1930. Fortaleza, 1978, p. 49-55.

A queda dos preços, no início da década de 1870, e a tentativa dos

produtores de evitar os prejuízos mantendo as quantidades produzidas, provoca-

Page 149: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

149

ram uma crise de superprodução e a quebra da maior parte dos produtores. Fran-

cisco Sá Júnior chama atenção para o fato de que, no Nordeste, a queda dos pre-

ços no mercado externo não costuma ser acompanhada por uma reação corres-

pondente do lado das quantidades físicas exportadas, e que essas quantidades

prosseguem crescendo como se ignorassem o que passa com seus preços. (67)

Não se dando a substituição de parte das culturas de exportação pe-

las de consumo interno, dentro de uma ação orientada pelo lucro, a queda dos

preços acaba por implicar na liberação da mão-de-obra empregada. Essa força de

trabalho liberada vai constituir um "excedente populacional" que emigra para as

cidades e outras zonas rurais, em busca de trabalho, ou procura sobreviver por

meio de atividades de subsistência.

As grandes secas de 1877-79 e 1888-89 representaram fatores ace-

leradores da crise, acarretando o êxodo não só do trabalhador mas de grande par-

te dos proprietários rurais, em direção ao Amazonas e Pará. Tratava-se, por tanto,

de uma evasão não só de mão-de-obra mas também de capitais, com o que se

reforçava o circuito de expulsão pelo empobrecimento geral da economia.

Um dos maiores desequilíbrios causados pela expulsão de exceden-

te populacional era a queda da produção de alimentos, quase toda de responsabi-

lidade do pequeno produtor. A necessidade de importar alimentos drenava as divi-

sas do Estado, desequilibrando o balanço de pagamentos e prejudicando grande-

mente o comércio local, agravando ainda mais as condições de crise.

A política do governo desempenhou, por outro lado, importante papel

nessa questão, pela ausência de qualquer incentivo ou proteção à produção algo-

doeira, nesse momento, tomava impulso a produção industrial têxtil. A ação go-

vernamental em relação à seca, por outro lado, tanto a nível do poder central co-

mo estadual, atuou no sentido de reforçar a migração. Na seca de 1877, iniciava-

se a emigração oficializada para o Amazonas e Pará com passagens pagas aos

retirantes e diárias pela demora que tivessem no caminho. Entre 1872 e 1890 saí-

ram mais de 350.000 pessoas maiores de dez anos, cabendo ao Ceará a maior

taxa de migração. (68) A migração era indiretamente forçada pela recusa do go-

Page 150: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

150

verno local em enviar recursos para atender às populações do interior, forçando-

as a procurarem o litoral e as capitais, criando desse modo grandes aglomerações

necessitadas de socorros, maltratada pela falta de alimentos e epidemias resultan-

tes das más condições sanitárias.

Esse processo de expulsão cessa no momento em que o Estado in-

tervém a nível do processo produtivo, dando condições de trabalho à massa desti-

tuída e inclusive há uma volta do migrante ao local de origem. Foi o que ocorreu

no período de 1920-1940 com os incentivos dados pelo governo federal à produ-

ção algodoeira. Nessas duas décadas o Ceará se transformou no maior produtor

brasileiro de algodão, e principal produtor de milho do Nordeste, plantado como

cultura associada ao algodão, registrando uma taxa líquida positiva de migração

de 98.386 indivíduos.

Começa a se intensificar, também, o uso da seca para fins eleitorais

e de manipulação do trabalhador, que foi uma constante na história do Ceará. Já

na seca de 1824-1825, quando a província se achava envolvida no movimento da

Confederação do Equador, a seca serviu de instrumento para a acomodação do

conflito político: "As autoridades públicas não se sensibilizaram com o drama das

populações famintas, das propriedades arruinadas e saqueadas e das vítimas da

peste. Sua preocupação consistia em aquietar, com mão de ferro, a Província"

(69).

A partir daí a seca passa a ser usada como instrumento de carreação

de recursos públicos e fator de barganha e corrupção, utilizado para submeter as

oposições locais e orientar a ação conjunta das elites parlamentares, afetando

todo o sistema político e aumentando a dependência do Nordeste ao governo fe-

deral.

Acirravam-se, assim, as contradições entre uma economia já há mui-

to tempo em crise, incapaz de absorver a reserva de força de trabalho existente, e

os interesses das oligarquias, cujas bases de poder se alicerçava no domínio fun-

diário e exploração das camadas pobres e destituídas.

Page 151: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

151

Apesar da resistência dos grandes proprietários e dos grupos políti-

cos, aos homens livres do Nordeste não restava melhor alternativa, no momento

em que finda a escravidão, que a de migrar em busca de trabalho e, quem sabe, a

esperança de uma vida menos dura e mais digna em outras partes do país.

Notas.

(1) Sobre o tráfico na primeira metade do século XIX ver: Curtin, Philip D..

The Atlantic Slave trade: A Census, Madison, Wis., 1969. Conrad, Robert Edgar.

Tumbeiros, O Tráfico de Escravos para o Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1985.

(2) Conrad, R.E., op. cit., p. 43.

(3) Conrad, P.D., op. cit., pp. 216, 234.

(4) Sobre as condições de vida dos escravos consultar: Gorender, Ja-

cob. O Escravismo Colonial, São Paulo, Ática, 1978. Costa, Emília Viotti. Da

Monarquia à República, Momentos Decisivos, São Paulo, Ciências Humanas,

1979. Mattoso, Katia M. de Queiroz. Ser Escravo no Brasil, São Paulo, Brasili-

ense, 1981. Conrad, R. E.. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, 2ª ed.

Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.

(5) Os índices de 1798 e 1817/18 foram extraídos de Malheiro, Agosti-

nho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil, Rio de Janeiro, Tip. Nacional,

1877. 2ª ed., São Paulo, 1944, vol. II, p. 197-198. Para o ano de 1850, as es-

timativas são do Senador Batista de Oliveira, cf. Gorender, J., op. cit., p. 319.

As cifras de 1876, as mais exatas, são dadas pela Diretoria Geral de Estatísti-

ca, Relatório e Trabalhos Estatísticos de 1876, Rio de Janeiro, Tip. Hipólito Jo-

sé Pinto, 1877.

Page 152: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

152

(6) Araripe, Tristão de Alencar. Memória Estatística do Império do Brasil,

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. LVIII, 1895, p. 91-99.

(7) Malheiro, Perdigão. op. cit., p. 197-198. O autor estima um total de

8.530.000 homens livres em uma população de 10.245.000 habitantes.

(8) Diretoria Geral de Estatística. Relatório Apresentado ao Ministério da

Indústria, Viação e Obras Públicas, Rio de Janeiro, Tip. de Estatística, 1908.

(9) Na memória de 1823, os dados sobre o Espírito Santo parecem es-

tar sobre-estimados, razão pela qual a província apresenta uma taxa negativa

de crescimento, entre 1823-1871.

(10) Soares, Sebastião Ferreira. Notas Estatísticas sobre a Produção

Agrícola e Carestia dos Gêneros Alimentícios no Império do Brasil - 1860, Rio

de Janeiro, Ipea/Inpes, 1977.

(11) Id. ibid., p. 14-15.

(12) Id. ibid., p. 121.

(13)Mello, José Antônio Gonsalves de. Tempos dos Flamengos, 2ª ed.,

Recife, Companhia Editora de Pernambuco, 1979, p. 150.

(14) Dentre os inúmeros estudos sobre o trabalho na região cafeeira,

destacam-se, para os propósitos deste capítulo, os de: Kowarick, Lúcio. Tra-

balho e Vadiagem. A origem do trabalho livre no Brasil. São Paulo, Brasilien-

se, 1987. Cano, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Rio

de Janeiro, Difel, 1977. Mello, João Manoel Cardoso de. O Capitalismo Tardio,

São Paulo, Brasiliense, 1982. Martins, José de Souza. O Cativeiro da Terra,

São Paulo, Ciências Humanas, 1979. Beiguelman, Paula. A Formação do Po-

vo no Complexo Cafeeiro, São Paulo, Pioneira, 1968. Fausto, Boris. Trabalho

Urbano e Conflito Social, 1890-1920, Rio de Janeiro, Difel, 1977.

(15) Ribeiro, Maria de Lourdes Roque de Aguiar. As Relações Comer-

ciais entre Portugal e Brasil segundo as Balanças de Comércio - 1801-1821,

Lisboa, Imprensa de Coimbra, 1972, p. 60-64, 84-88, 104-107. Soares, Sebas-

Page 153: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

153

tião Ferreira. op. cit., p. 20, 38, 52. Os dados de 1820 não incluem as exporta-

ções diretas para outros portos europeus, apenas as dirigidas para Portugal.

(16) Cano, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo,

Rio de Janeiro, Difel, 1977, p. 17-31.

(17) Id. ibid., p. 42-50. Mello. João Manuel Cardoso de. O Capitalismo

Tardio, São Paulo, Brasiliense, 1982.

(18) Gnaccarini, José C.. A Economia do Açúcar, Processo de Trabalho

e Processo de Acumulação, in Fausto, Boris (dir.) História Geral da Civilização

Brasileira, Tomo III, vol. 1, São Paulo, Difel, 1977, p. 329.

(19) Soares, Sebastião Ferreira. Op. cit., p. 38-45. Gnaccarini. op. cit.

(20) Singer, Paul. O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional, in

Fausto, Boris. História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III, vol. 1, São

Paulo, Difel, 1977, p. 358-360. Stein, Stanley J.. Origens e Evolução da Indús-

tria Têxtill no Brasil - 1850-1950, Ed. Campus Ltda., Rio de Janeiro, 1979, p.

57.

(21) A cultura algodoeira no Maranhão foi uma exceção a essa tendên-

cia, pois esteve integrada ao sistema de "plantation" escravista até o final do

regime servil, cf. Ribeiro, Talila Ayoub Jorge. A Desagregação do sistema es-

cravista no Maranhão, 1850-1888, Dissertação de Mestrado em História, Uni-

versidade Federal de Pernambuco, Recife, 1983 (mimeografado).

(22) Conrad, Robert Edgar. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil,

p. 83-87.

(23) Gorender, Jacob. Op. cit., p. 525.

(24) Silva, Joaquim Noberto de Souza. Investigações sobre os Recen-

seamentos da População Geral do Império, Rio de Janeiro, 1870, p. 152. Ara-

ripe, Tristão de Alencar. Memória Estatística do Império no Brasil, op. cit., p.

91-99. Diretoria Geral de Estatística. Relatório e Trabalhos Estatísticos de

1876. Conrad, Robert Edgar. Op. cit., p. 346.

Page 154: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

154

(25) Silva, J.N.. op. cit., Araripe, T.A.. Relatório de 1876, op. cit., Con-

rad, R.E., op. cit.

(26) Villela, Anníbal Villanova e Suzigan, Wilson. Política de Governo e

Crescimento da Economia Brasileira, Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1973, p. 29-

30.

(27) Martins, José de Souza. O Cativeiro da Terra, São Paulo, Ciências

Humanas, 1979, p. 66.

(28) Beiguelman, Paula. A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro,

São Paulo, Pioneira, 1968, p. 86.

(29) Fausto, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social, 1890-1920, Rio

de Janeiro, Difel, 1977, p. 24.

(30) Cano, Wilson. op. cit., 227-232.

(31) Bastos, Tavares. A Província, São Paulo, Ed. Nacional/Brasília,

Coleção Brasiliana, vol. 105, 1975, p. 183.

(32) Andrade, Manoel Correia de. A Terra e o Homem do Nordeste,

São Paulo, 3ª ed., Brasiliense, p. 106-108.

(33) Relatório do Presidente Lafaiete Rodrigues Pereira à Assembleia

Legislativa Provincial, 1º de outubro de 1864, p. 47.

(34) Relatório do Vice-Presidente Herculano Antônio Pereira da Cunha,

à Assembléia Legislativa Provincial do Ceará, 1856, p. 28.

(35) Santos, Ana Maria Barros dos. Introdução ao Estudo da Escravi-

dão em Pernambuco e sua Transição para o Trabalho Livre, dissertação de

mestrado em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, junho de

1978 (mimeografado), p. 121.

(36) Prado Júnior, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo, op. cit., p.

280.

(37) Saint-Hilaire, Auguste de, cf. Porto, Costa. Estudo sobre o Sistema

Sesmarial, Recife, Imprensa Universitária, p. 176.

Page 155: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

155

(38) Costa, Emília Viotti da. "Política de Terras no Brasil e nos Estados

Unidos", in Da Monarquia à República, Momentos Decisivos, op. cit., p. 127-

147.

(39) Porto, Costa. op. cit., p. 177.

(40) Santos, Ana Maria. op. cit., p. 112.

(41) Conforme Freire, Gilberto. Nordeste, Rio de Janeiro, 1937, p. 248-

249.

(42) Ver Souza, Laura de Mello. Desclassificados do Ouro, A Pobreza

Mineira no Século XVIII, Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 71-90. Essas "formas

de utilidade" citadas pela autora não foram exclusivas de Minas Gerais, tam-

bém ocorreram em todo o Nordeste.

(43) Relatório de Inácio Correa de Vasconcelos, na abertura da As-

sembléia Legislativa do Ceará, 1º de julho de 1847.

(44) Girão, Raimundo. Pequena História do Ceará, 13ª ed., Fortaleza,

Imprensa Universitária, 1971, p.291.

(45) Menezes, Djacir. O Outro Nordeste, Rio de Janeiro, José Olympio

Ed., 1937, p. 174.

(46) Mott, Luiz Roberto de Barros. op. cit., p. 1205-6.

(47) Queiroz, Maria Isaura Pereira de. "O Coronelismo numa Interpreta-

ção Sociológica", in História Geral da Civilização Brasileira, O Brasil Republi-

cano, Tomo III, vol. 1, São Paulo, Difel, p. 155-190. Leal, Vitor Nunes. Corone-

lismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro, Forense, 1948.

(48) Souza, Laura de Mello. Op. cit., p. 71-90.

(49) Tollenare, I.F.. Notas Dominicais, Coleção Pernambucana, vol.

XVI, Recife, Sec. de Educação e Cultura, 1978, p. 22.

(50) Kidder, Daniel P.. Reminiscências de Viagem e Permanência no

Brasil, Províncias do Norte, vol. 2, São Paulo, Martins/EDUSP, 1972, p. 141.

Page 156: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

156

(51) Kowarick, Lucio. Op. cit., cap. 3, p. 65.

(52) Idem, ibidem, p. 112. Nas regiões cafeeiras, diz o autor "quem não

era forçado a trabalhar o fazia quando estritamente necessário", citando o

testemunho de Saint-Hilaire, em sua passagem por São Paulo: "Quando um

artesão ganhava algumas patacas (330 réis) ele descansava até que eles se

acabassem. Eles mal possuíam ferramentas necessárias ao seu trabalho e

quase nunca dispunham de material. Assim era necessário fornecer couro ao

sapateiro, pano ao alfaiate, a madeira ao marceneiro... Se alguém precisava

encomendar alguma coisa a um artesão, tinha que fazê-lo com grande anteci-

pação. Suponhamos, por exemplo, que se tratasse de um trabalho de marce-

naria. Antes de tudo era necessário recorrer aos amigos para se conseguir, na

mata, a madeira para a obra. Em seguida, era preciso ir centenas de vezes à

casa do marceneiro, pressionando-o e ameaçando-o. E no final, muitas vezes

não se conseguia nada", p. 67.

(53) Soares, Sebastião Ferreira. Op. cit., p. 80-81.

(54) Tollenare, I.F.. Op. cit., p. 111-123.

(55) Barroso, Gustavo. Terra do Sol, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Benja-

mim de Aguillar, 1913, p. 187-188.

(56) Koster, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil, São Paulo, Cia. Ed.

Nacional, 1942.

(57) Conrad, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, op. cit.,

p. 153.

(58) Andrade, Manoel Correa. A Terra e o Homem do Nordeste, op. cit.

(59) Marx, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas, Rio de Janei-

ro, Paz e Terra, 1977, p. 65.

(60) Theóphilo, Rodolfo. História da Seca no Ceará, 1877-1880, Forta-

leza, Tip. do Liberador, p. 22-23.

(61) Andrade, Manoel Correa. Op. cit., p. 194-5.

Page 157: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

157

(62) Theóphilo, Rodolfo. Op. cit., p. 22.

(63) Sobre as transformações na agroindústria açucareira ver: Andrade,

Manoel Correa. Op. cit., p. 98-9 e 109-114; Carone, Edgar. A República Velha,

Instituições e Classes Sociais, Rio de Janeiro, Difel, 1978, p. 52-61; Eisen-

berg, Peter. Modernização sem Mudança. Gnaccarini, José César. Op. cit.,

Perruci, Gadiel. A República das Usinas: Um Estudo da História Social e Eco-

nômica do Nordeste, 1889-1930, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, cap. I e II.

Oliveira, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião, Rio de Janeiro, Paz e Ter-

ra, 1977, cap. III. Sigaud, Lígia. Os Clandestinos e os Direitos, São Paulo, Du-

as Cidades, 1979.

(64) Lopes, José Sérgio Leite et al. Mudança Social no Nordeste. Estu-

do sobre trabalhadores urbanos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. Lima, Ja-

cob Carlos. "Indústria e Trabalho no Nordeste: 1889-1930". In Autores Vários.

Relações de Trabalho e Relações de Poder. Mudança e Permanências. Forta-

leza, Universidade Federal do Ceará, 1986, p. 121-133.

(65) Utilizamos o conceito de "excedente populacional" conforme em-

pregado por Francisco de Oliveira: Quando a reprodução da população sofre

um incremento e o bloqueio à terra é rígido e dificilmente transponível, "a força

de trabalho assim incrementada não encontra condições de ser "consumida",

ao mesmo tempo em que a fertilidade da população continua a ser reforçada

pela produção doméstica de valores de uso; o trânsito para formas artesanais

desses valores de uso, que ingressariam na esfera do capital mercantil, é bar-

rado pela competição dos produtos industrializados. O "excedente populacio-

nal" que se forma é drenado para fora de suas regiões de produção e alimen-

tará o exército industrial de reserva migratório em todas as direções: campo-

campo, campo-cidade, com algumas escalas itinerantes tipoi cidade-campo e

campo-cidade". Oliveira, Francisco, "A produção dos Homens: notas sobre a

reprodução da população sob o capital" in A Economia da Dependência Im-

perfeita, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1980, p. 157-8.

Page 158: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

158

(66) Guabiraba, Célia. História da Agricultura no Ceará, 1850-1930,

Fortaleza, mimeografado, 1978, p. IV.

(67) Sá Júnior, Francisco. O desenvolvimento da agricultura nordestina

e a função das atividades de subsistência, Seleções CEBRAP 1, Brasiliense,

1975, p. 89.

(68) Villela e Suzigan. Op. cit., p. 278-9.

(69) Paiva, M. Arrais Pinto. A Elite Política do Ceará Provincial, Rio de

Janeiro, Tempo Brasileiro, 1979, p. 42-43.

Page 159: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

159

CAPÍTULO IV

TRABALHO ARTESANAL NO CEARÁ NO SÉCULO XIX

Page 160: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

160

Ocupar a força de trabalho para estimular a produção.

Na etapa de constituição do Estado nacional as lutas políticas toma o

centro do cenário. As chamadas "províncias do Norte" são agitadas pelo movimen-

to republicano em 1817 e pela Confederação do Equador em 1824. O Ceará foi

tão dilacerado por revoltas e lutas armadas, comenta um estudioso das guerras de

família no sertão, "que um ambiente de inquietação se tornou lugar comum". (1)

Crime e justiça ocupam o primeiro plano do discurso dos primeiros governantes do

Império, principalmente o de José Martiniano de Alencar, que decide implantar um

aparato mais eficiente de segurança pública e administração judiciária na provín-

cia, em meados da década de 1830.

Alencar governou o Ceará de 1834 a 1837 e estava basicamente

preocupado em melhorar a situação econômica da província. Tinha ideias claras a

respeito das medidas necessárias para isso: força policial, melhor divisão judiciá-

ria, arrecadação eficaz de impostos, impulso à agricultura e às obras públicas, ins-

trução e religião. O Padre Alencar desejava "plantar a moral, adoçar os costumes,

e mesmo incutir nos ânimos dos povos um amor verdadeiro às nossas instituições

públicas" e estava convencido de que as causas do atraso da agricultura e do co-

mércio deviam-se à "indisposição" da população pobre e livre em trabalhar para os

grandes agricultores:

"Demais, vós conheceis bem o país, e sabeis que nestes

dois objetos tudo está no berço, sendo forçoso reconhecer

como causa primordial do abatimento do primeiro, e por con-

seguinte do segundo, que dele depende, a indisposição que

se observa em nossa população para de empregar na lavou-

Page 161: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

161

ra, e a nenhuma indústria com que a ela se aplica nesse

mesmo pouco que faz". (2)

Em uma população estimada em 200 mil habitantes, da qual apenas

a oitava parte era escrava, a solução encontrada por Alencar para que a mão-de-

obra livre se submetesse às condições aviltantes do trabalho na grande lavoura

era o recrutamento compulsório. Propõe a criação de uma Companhia de Traba-

lhadores em todos os municípios:

"... nas quais sejam alistados todos os indivíduos, que não

tenham a renda que os constitua guardas nacionais, a fim de

serem assalariados pelos agricultores pelo preço que for cor-

rente no país, suprindo-se deste modo a falta de braços para

a lavoura".(3)

Solicita a criação de Companhias semelhantes para dar impulso às

obras públicas, onde os indivíduos:

"... sejam efetivamente pagos, vestidos e aquartelados à cus-

ta da fazenda pública, e entregues à disposição do governo.

Essa Companhia deve em tudo assimilar-se à uma compa-

nhia de guarda policial, e só a diferença deve ser que esta te-

rá em seu quartel, em vez de armas - foices, machados e

enxadas, e todos os instrumentos de laboragem".

Não há registros de que as Companhias requisitadas por Alencar à

Assembleia Legislativa tenham sido formadas, mas o recrutamento forçado de

trabalhadores para a construção de obras públicas, recurso comum no Brasil colo-

nial, continuou a ser praticado amplamente pelo estado durante o século XIX, e o

Ceará não fugiu à regra.

Como os trabalhadores do campo não estavam treinados para isso e

havia poucos artesão habilitados, cabia ao governo tomar certas medidas. Assim,

Alencar mande engajar na Europa seis oficiais, sendo dois pedreiros, dois carpi-

Page 162: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

162

nas e dois ferreiros para a abertura de estradas, reconhecendo "a falta extrema

que temos de oficiais obreiros para qualquer obra que se queira empreender" (4).

Pede também a contratação de 50 trabalhadores especializados franceses, de

Saint Cloud, sobretudo ferreiros, pedreiros e carpinas, para serem empregados

nas obras públicas (5).

Alencar tenta inclusive trazer imigrantes estrangeiros para trabalhar

na agricultura, empenhando-se no engajamento de 120 colonos da Ilha da Madei-

ra e dos Açores, chegados em 1837, que vinham para trabalhar "não como escra-

vos, sim como homens livres". Pode parecer estranho que uma província pobre

como o Ceará, afastada dos centros econômicos e políticos da nação tome tal ini-

ciativa em data tão prematura. Ocorre que, tendo sido deputado e senador na cor-

te durante a regência, Alencar estava em perfeita sintonia com o governo imperial

e bem informado sobre as primeiras medidas quanto ao emprego de "gente bran-

ca e industriosa tanto nas artes como na agricultura" e que datavam já de 1824

(6).

Os investimentos em infraestrutura, construções de pontes, melhoria

dos portos e abertura de estradas permitiram que, no final da década de 1830, se

tivessem criado condições para um melhor escoamento da produção. A província

estava dividida, por essa época, em seis comarcas: Fortaleza, Sobral, Aracati, Icó,

Crato e Campo Maior. (7) Sobral, Aracati e Icó eram os núcleos urbanos de maior

expansão, sendo elevadas à categoria de cidade em 1841-42, afora a capital, cuja

passagem de vila a cidade se dera em 1823.

O crescimento, entretanto, ainda era muito limitado, como constata

Ferdinand Denis, ao percorrer o Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte no início da

década de 1840. A falta de meios de transporte e boas estradas continuava a ser

um dos principais entraves à comunicação e ao comércio. A dispersão das fazen-

das e as grandes distâncias dos centros de distribuição só permitia que o viajante

percorresse o interior em caravanas, sendo indispensável a presença de um guia

conhecedor das fontes de água e poços, para enfrentar a aridez do clima.

Page 163: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

163

Denis deixou um testemunho importante sobre a vida e o trabalho no

Ceará de meados do século passado. O que mais o surpreende é a figura do ser-

tanejo, ao qual estavam confiados os rebanhos de gado:

"da cabeça aos pés, sem excetuar nenhuma parte do corpo,

o sertanejo é revestido de uma verdadeira armadura de cou-

ro, de cor amarelada; ou, melhor dizendo, o barrete, arre-

dondado, sua veste curta, suas perneiras são de couro de

veado, preparado de modo que a dureza não exclua inteira-

mente a flexibilidade, principalmente nas articulações. Os

sertanejos andam comumente armados de uma faca de cabo

vermelho, de uma espécie de sabre, cuja lâmina mais que

medíocre parece-se com os nossos sabres de infantaria.

Com muita destreza fazem uso de uma lança por meio da

qual eles perseguem o gado e o obrigam a voltar ao curral;

são quase tão hábeis como os gaúchos ou peões em atirar o

laço; ignoram, porém, o uso das bolas". (8)

Estabelecendo comparações entre esse sertanejo e o gaúcho, o au-

tor conclui que as condições de vida na pecuária nordestina eram melhores do

que no sul do Brasil e nos pampas da Argentina:

"O sertanejo do Brasil tem um pouco mais de indústria que o

gaúcho dos pampas, e leva uma vida um pouco menos dura.

A sua cabana é pequena, é verdade, mas é construída de

terra e coberta de telhas; e, se este luxo lhe parece muito

grande, folhas de palmeira lhe fazem um teto excelente. Em

vez de ossadas de boi e de cavalo, de que consta quase to-

da a mobília da choupana de um peão de Buenos Aires, o

sertanejo imitou os índios no uso da rede; algumas vezes há

uma mesa na sua cabana. Este luxo, porém é com frequên-

cia desprezado. O costume é assentar-se no chão para to-

mar o repasto. O vasilhame é tão simples como os móveis,

Page 164: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

164

mas oferece mais recursos que o do peão. Consiste em pra-

tos de faiança inglesa, em cabaças que se procuram facil-

mente no campo e em tigelas de barro, que os índios da cos-

ta oriental fabricam com uma arte requintada. A alimentação

do sertanejo é infinitamente mais variada que a do peão. A

carne faz a base principal de seus repastos, é verdade, e ele

come três vezes por dia, mas ajunta-lhe farinha de mandioca,

arroz, feijões e, às vezes, milho. Os sertanejos fazem queijo

e algumas vezes manteiga. Serve-se comumente leite coa-

lhado junto com a carne assada". (9)

A importância da carnaúba na economia da região também chama a

atenção de Denis, que a descreve como "árvore da vida", uma dessas árvores às

quais "a existência de uma aldeia inteira pode prender-se".

Destaca seu emprego na construção, o uso da palha em esteiras,

chapéus e cestos, a extração da cera, a fabricação de velas e o uso, que então se

difundia, de bengalas adornadas. "A carnaúba alimenta o luxo das bengalas, pro-

curadas no comércio, por causa do seu brilho admirável e dos salpicos belamente

dispostos que apresentam".

Com relação ao trabalho, alguns comentários sobre os índios, a

quem chama de "índios operários" confirmam não só sua ampla utilização como

mão-de-obra como o fato de que estavam quase todos subjugados, não havendo

qualquer menção à vida tribal.

"como seus irmãos, os caboclos da costa oriental, estes po-

bres índios baixam a cabeça, porque não têm já o poder de

resistir". (10)

Há indícios, também, de que a prática de escravização indígena con-

tinuava ativa no Ceará. O regime civil dos diretórios, que havia substituído o sis-

tema de aldeamentos jesuíticos, fora extinto em 1824. A partir daí, as terras dos

índios, doadas pelo Estado, sofriam contínuas invasões de posseiros, forçando os

Page 165: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

165

índios a fugir ou se submeter. A situação se tornou mais grave após a Lei de Ter-

ras de 1850, quando as terras dos índios de Viçosa, Maranguape, Aratanha e Ba-

turité passaram a pertencer ao Estado, como terras devolutas. (11)

O desenraizamento provocado pelas secas periódicas acelerava o

processo. Thomas Ewbank, outro viajante estrangeiro que escreveu sobre o Brasil

na década de 1840, relata conversa mantida com um deputado do Ceará no Rio

de Janeiro, acerca do efeito calamitoso da grande seca de 1845. Entre as notícias

de fome, morte, fugas para a costa em busca de socorros, perda de todo o gado e

das plantações, descritos pelos jornais, Ewbank informa sobre a venda de meni-

nos índios pelos próprios pais:

"os índios, e até mães índias, traziam os filhos pequenos pa-

ra vendê-los à Marinha, em troca de comida. Antigamente

era difícil conseguir um menino índio por menos de setenta

mil réis, porém agora seus pais, nada tendo para comer, nem

para si nem para os filhos, ofereciam-nos abertamente por

dez mil-réis...

Quase tanto quanto os negros, os índios se apresentam para

ser escravizados, e são comprados e vendidos como aque-

les. No Rio, grande número de aborígenes transformou-se

em mercadoria...". (12)

O tráfico interprovincial, que começava a se intensificar nesse perío-

do, pode ter incluído, no caso do Ceará, a venda não apenas de escravos negros

para o sul mas também de índios. Pelo menos é o que leva a supor os comentá-

rios de Ewbank, sendo importante notar que se tratava inclusive de escravização

voluntária por parte daqueles que se viam em condições de desespero pela so-

brevivência.

As modificações nas relações de trabalho, com a extinção do tráfico

de africanos e a crescente evasão dos escravos do norte para o sul, tornam as

menções ao trabalho livre uma constante nas falas dos presidentes da província

Page 166: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

166

na década de 1850. A população havia aumentado de 223.554 habitantes em

1835 para 350.000 em 1850, crescimento que se deu de forma dispersa no campo

e descentralizada. Para se ter uma ideia da incipiência da vida urbana, a popula-

ção livre de Fortaleza, capital da província, era de apenas 8.896 habitantes, em

1848, contendo o distrito 11.437 e o termo 40.675 habitantes. (13)

O emprego de escravos negros guardava certa importância nas fa-

zendas de gado dos grandes proprietários, mas ainda assim sua presença era

pequena, se comparada às grandes concentrações dos engenhos de cana e das

fazendas de café. O maior dono de escravos do sertão dos Inhamuns, por exem-

plo, deixou ao morrer, em 1843, 263 escravos, distribuídos por várias proprieda-

des. Esses escravos participavam de todos os tipos de atividade, estando incluí-

dos no inventário alfaiates, costureiras, ferradores, pedreiros, carpinteiros, selei-

ros, correios e vaqueiros. (14)

Em uma província pobre e destituída de capitais, o governo tratava

de estimular a produção através do único meio que se mostrava viável - a ocupa-

ção da crescente reserva de trabalho livre. Em todo tipo de atividade e como fosse

possível, não só na agricultura, mas também na indústria.

O relatório do presidente da província de 1854 manifesta esperanças

de melhores dias:

"... com o desenvolvimento da indústria, que vai nascendo, a

qual empregando braços ora ociosos, criando interesses,

apresentando comodidades, chama a atividade individual pa-

ra exercícios úteis e trabalhos produtivos". (15)

O mesmo relatório refere-se à necessidade de uma reforma no ensi-

no e na instrução pública secundária, considerando-os deficientes "pela omissão

de disciplinas de uso prático, que habilitem para a vida industrial".

Os progressos da pequena indústria fabril são mencionados no rela-

tório de 1859, onde se destaca a fabricação de calçados e chapéus de palha no

Aracati, velas de carnaúba e vinho de caju, queijos, rapé e olarias. (16)

Page 167: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

167

É possível que o novo interesse dos governantes pela indústria esti-

vesse relacionado com as medidas protecionistas inauguradas com a Tarifa Alves

Branco de 1844, embora as primeiras fábricas no Ceará só viessem a ser implan-

tadas a partir de 1880. Segundo Paula Beiguelman, o fim do livre cambio aduanei-

ro e a elevação das tarifas de importação tinham como principal objetivo fornecer

ao tesouro nacional recursos para manter o nível de emprego no país. A indústria

nacional poderia representar uma alternativa para manter ocupada a força de tra-

balho livre (17).

A tarifa Alves Branco enfrentou forte oposição dos liberais, defenso-

res do livre cambio e dos interesses da grande lavoura, que se sentia prejudicada

pelas taxas elevadas sobre matérias-primas, ferramentas, máquinas agrícolas e

gêneros alimentícios importados. Mas não escapava a uma parcela da classe do-

minante a conveniência de aumentar os impostos sobre certos manufaturados es-

trangeiros como tecidos de algodão, calçados e louças. Não tanto porque os de-

fensores do protecionismo acreditassem em rápidas transformações industriais no

país, observa Nícia Vilela Luz, mas porque percebiam a ameaça que uma popula-

ção desocupada representava para a ordem vigente. (18)

De fato, entre 1840 e 1860 a política econômica do país voltou-se pa-

ra dentro, estimulando as atividades urbanas, através de emissões inflacionárias e

do protecionismo industrial. (19) Em 1846 são criados privilégios para a instalação

de fábricas de algodão, que ficam isentas por dez anos dos direitos de entrada

sobre máquinas e em 1847 é aprovada a isenção de direitos de importação sobre

matérias-primas para utilização nas fábricas nacionais. (20) Como resultado, as

províncias criaram taxas particulares na entrada e saída de produtos nacionais,

para proteger a indústria fabril local e evitar a concorrência de produtos similares

de outras províncias. (21)

O primeiro surto de industrialização ocorreu na Bahia. Em 1834 co-

meçou a funcionar em salvador a fábrica "Santo Antônio do Queimado" e, no ano

seguinte, a "Nossa Senhora da Conceição", para fabricação de tecidos grosseiros

de algodão, de uso da população pobre e dos escravos, enfardamentos de produ-

Page 168: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

168

tos de exportação, cobertores e velas de pano dos barcos de pesca (22). Em 1844

surge a primeira grande fábrica, a "Todos os Santos", em Valença, com capitais

baianos e norte-americanos, movida a força hidráulica. Tinha 2.000 fusos e 50

teares e empregava entre 100 e 200 operários, "nacionais livres de um e outro

sexo", funcionando com elevado grau de autarquização. Possuía uma fundição de

ferro e bronze para reparo das peças, moradia e escola para os operários e forne-

cia alimentação, além de instalar uma capela, dar atendimento médico e dentário

e se ocupar do lazer dos operários. (23)

Em 1866, cinco das nove fábricas existentes no Brasil estavam loca-

lizadas na Bahia. Segundo Stanley Stein, a Bahia dispunha de capital, matéria-

prima, fontes hidráulicas de energia, sistema portuário que facilitava o transporte,

população escrava e trabalhadores livres em proporção suficiente para produzir e

consumir tecidos grossos. (24)

A maioria desses fatores estava ausente da economia cearense, ex-

ceto no que diz respeito à existência de matéria-prima e à oferta de mão-de-obra.

Desde a administração de Alencar o governo vinha fazendo tentativas de mecani-

zar a agricultura e introduzir máquinas de descaroçar algodão que melhorassem a

qualidade e o rendimento do produto. As empresas de beneficiamento e prensa-

gem, posteriormente centralizadas nas chamadas usinas centrais de prensamen-

to, grandes firmas exportadoras, nacionais e estrangeiras, passaram a ser sedia-

das no Ceará somente a partir de 1850 e seriam elas as primeiras a concentrar

grandes capitais e investir no setor fabril.

No momento em que o debate nacional entre livre-cambistas e prote-

cionistas se tornava mais aceso, com a nomeação de uma comissão encarregada

de rever a tarifa Alves Branco, em 1853, que atividades industriais existiam no

Ceará? Essa pergunta entre outras, devia estar na cabeça dos governantes, pois

em 1855 o Presidente da província encomenda a contratação do Senador Thomas

Pompeu de Souza Brasil para fazer um ensaio estatístico da vida produtiva.

Page 169: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

169

A indústria artesanal doméstica, 1845-1890.

O Ensaio Estatístico da Província do Ceará (23) calcula a produção

média anual, para os anos de 1845 a 1860, dos diferentes gêneros, considerando

as tabelas de exportação dos portos de Fortaleza, Aracati, Granja e Acaraú e o

consumo interno da província.

Em termos de valor total da produção, a agricultura ocupava o pri-

meiro lugar, a indústria fabril o segundo, a pecuária o terceiro e a indústria extrati-

va o quarto.

Valor da produção do Ceará, 1845-1860 (termo médio

anual em mil réis)

Exportação Consumo In-

terno

Total

Agricultura 2.528.400 3.833.600 6.362.000

Pecuária 1.144.000 2.200.000 3.344.000

Indústria fa-

bril

905.750 2.865.000 3.770.750

Indústria ex-

trativa

588.945

1.313.800

1.902.745

Total 5.167.095 10.212.400 15.379.495

Fonte: Brasil, Thomaz Pompeu de Souza, Ensaio Estatístico

da Província do Ceará, V. II, Fortaleza, 1864, p. 351, 376, 394.

A indústria fabril consistia quase toda de manufaturados de algodão

ou produtos derivados da pecuária. A maior parte era consumida internamente,

com exceção de produção de solas e couros curtidos exportados para fora do país

e para Pernambuco e Maranhão.

A fabricação de calçados era, individualmente, o setor mais importan-

te, como se vê no quadro a seguir, seguido pela fabricação de solas. Roupas fei-

Page 170: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

170

tas, bordados e crivos ocupavam o terceiro lugar no valor da produção, destacan-

do-se ainda a fabricação de redes de dormir, tecidos de algodão, obras de palha,

sabão e queijos.

Vê-se, portanto, que a indústria artesanal e doméstica gerada no in-

terior da estrutura algodoeira e pecuária, destinada a suprir o mercado interno,

havia alcançado, em meados do século passado, um lugar significativo na econo-

mia do Ceará.

Alguns artigos como couros miúdos, velas, parte da produção de cal-

çados, redes de dormir, roupas feitas, rendas e labirintos saiam também para ou-

tras províncias e, eventualmente, para fora do país. Outros como queijos, sabão,

objetos de palha e tecidos de algodão eram consumidos quase que inteiramente

na província.

É interessante observar também a variedade de produção de uma

série de "outros objetos", que incluía o setor tipicamente oficinal das obras de

marcenaria, carapina, calafate, ferreiro, ourives, latoeiro, lampista e pedreiro; di-

versas obras de couro para o serviço do campo; flores de pena, de pano, de cera,

de massa, obras de oleiro e outros artefatos.

Page 171: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

171

Valor da Produção da Indústria Fabril, 1845-1860 (termos

médios anuais em mil réis)

Exportação Consumo

interno

Total

Couros salgados 386.250 386.250

Solas 285.000 360.000 645.000

Couros miúdos 65.000 150.000 215.000

Queijos 20.000 180.000 200.000

Carne charque 20.000 20.000

Sabão 4.000 46.000 50.000

Velas carnaúba

Calçados 37.500 750.000 787.500

Chapéus seda 5.000 5.000

Obras de palha 4.000 60.000 64.000

Tecidos algodão 4.000 64.000 68.000

Redes de dormir 20.000 100.000 120.000

Roupas, borda-

dos e crivos

60.000

350.000

410.000

Outros objetos 800.000 800.000

Total 905.750 2.865.000 3.770.750

Fonte: Ensaio..., V. II, p. 396-408.

O Ensaio do Senador Pompeu fornece também estimativas sobre a

população e a mão-de-obra empregada nas diversas atividades produtivas. A po-

pulação da província era calculada em 1860 em 503.759 habitantes (p. 299) com

a seguinte distribuição por sexo e condição:

Page 172: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

172

Livres Escravos Total

Homens 231.708 18.434 250.142

Mulheres 236.610 17.007 253.617

Total 468.318 35.441 503.759

A população economicamente ativa, incluindo "industriais de toda a

espécie contando todos os indivíduos das famílias" (p. 412) concentrava-se sobre-

tudo na pecuária e na agricultura.

Livres Escravos Total

agricultura 100.000 10.000 110.000

pecuária 200.000 2.000 202.000

ind. fabril 50.000 5.000 55.000

ind. extrativa 20.000 20.000

Total 370.000 17.000 387.000

Em relação à indústria fabril, do total de 50.000 trabalhadores livres,

40.000 eram mulheres, o que confirma as tendências apontadas para o período

colonial, sobre o predomínio da mão-de-obra feminina nas manufaturas de algo-

dão. Esse predomínio é ainda mais significativo quando se considera que a maior

parte das mulheres trabalhava exclusivamente no setor artesanal, enquanto o ho-

mem dividia o trabalho artesanal com a criação de gado ou alternava-o com a

agricultura.

"as obras de tecidos, costuras e labirintos são quase que ex-

clusivamente das mulheres; e estas então não se distraem

para outras. As demais obras, como sola, queijo, velas, etc.

são feitas por indivíduos que não se ocupam somente des-

sas indústrias". (p. 411)

Page 173: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

173

Ou seja, o trabalho das costureiras, tecedeiras, fiandeiras, etc., a jul-

gar pelas indicações de Pompeu, já havia alcançado a fase de separação entre

artesanato e agricultura, embora essas manufaturas mantivessem ainda o caráter

de indústria doméstica, com o uso de teares de madeira, rocas e fusos e apenas a

presença de uma ou outra máquina de costura.

No caso do trabalho masculino, apenas os ofícios tradicionais espe-

cializados continuavam mantendo-se como profissões autônomas, separadas da

agricultura. Era o caso de sapateiros, alfaiates, ferreiros, carpinteiros, marcenei-

ros, pedreiros, oleiros, etc., com suas oficinas nas vilas e cidades. Algumas maio-

res eram denominadas "fábricas", coma as duas fábricas de sabão e uma "fábrica

de curtume" francês do Aracati onde "ocupam-se os indivíduos exclusivamente

desses misteres".

Embora a pequena produção artesanal tenha tido uma expansão

descentralizada e dispersa pelo interior da província, há um crescimento também

do setor oficinal urbano, que pode ser percebido pelos dados referentes ao co-

mércio da cidade de Fortaleza.

Em 1860 havia em Fortaleza sete casas exportadoras: uma inglesa,

uma francesa, uma alemã, uma suíça, duas portuguesas e uma brasileira. O co-

mércio era feito diretamente com as praças estrangeiras ou indiretamente, por ca-

botagem, com as praças de Pernambuco e Maranhão, através dos portos de For-

taleza, Aracati, Acaraú e Granja. (p. 414)

Entre os estabelecimentos "comerciais" estavam incluídas quatro fá-

bricas, duas brasileiras e duas estrangeiras, sendo uma de sabão, uma de selas,

uma de charutos e uma de chapéus e setenta e seis oficinas, sendo setenta brasi-

leiras e seis estrangeiras, de alfaiate, sapateiro, ourives e funileiro.

Page 174: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

174

Estabelecimentos comerciais de Fortaleza, 1860

Brasileiros Estrangeiros Total

Escritórios de co-

mércio

5

7

12

Lojas de fazenda 38 15 53

Tabernas 49 24 73

Quitandas 87 6 93

Boticas 3 1 4

Armazéns 4 12 16

Fábricas de sabão,

selas. charutos, cha-

péus

2

2

4

Açougues 9 6 15

Oficinas de alfaiate,

sapateiro, ourives,

funileiro

70

6

76

Casas de roupas e

calçados feitos

6

5

11

Total 273 84 357

A inclusão das fábricas e oficinas artesanais entre os estabelecimen-

tos "comerciais" indica que a produção e a comercialização ainda achavam-se in-

terligadas, de forma semelhante a dos ofícios artesanais na vida colonial, e reali-

zavam-se no mesmo espaço físico, misto de oficina e loja, através dos produtores

diretos, os comerciantes-artesãos.

Entretanto, dada a grande dispersão de pequenos estabelecimentos

pelo interior da província e o caráter doméstico da produção, é possível supor que,

por essa época, já se havia formado também um grupo social de pequenos co-

merciantes, intermediários entre os artesãos do campo e os mercados urbanos.

Page 175: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

175

A comercialização do excedente artesanal por uma camada de pe-

quenos comerciante não eliminava, contudo, o caráter de subsistência dessa pro-

dução, que continuava a fazer parte das atividades complementares à agricultura

e à criação de gado, como forma de sobrevivência da população pobre e destituí-

da. Pelo contrário, conjugavam-se as duas alternativas - produção para autocon-

sumo e venda do excedente, de forma semelhante ao que ocorria com a cultura

de gêneros alimentícios, razão pela qual se poderia considerar essa produção

como um artesanato de subsistência.

A venda costumava ser feita diretamente nas feiras e mercados lo-

cais, pelo próprio produtor ou pelo pequeno comerciante, sendo também comum o

trabalho por encomenda do consumidor ou do comerciante, que venderia posteri-

ormente o produto. A rede ampliada de produto ores e comerciantes "profissio-

nais" ou "ocasionais" permitia a alternância do artesanato com a agricultura e com

o pequeno comércio das tabernas, quitandas, boticas e armazéns, muitas vezes

de propriedade de artesão mais prósperos.

É importante frisar, portanto, que o trabalho artesanal se expandiu no

Ceará como parte da estrutura agrária e dela dependente e é dentro dessa estru-

tura que se pode compreender seu significado e a posição do artesão no conjunto

das relações sociais de trabalho no Ceará do século XIX.

Até 1860, não há registro de modificações na base técnica da produ-

ção, nem na divisão social do trabalho, ou seja, o setor continuava a manter carac-

terísticas nitidamente pré-industriais, herdades do século XVIII:

"a pequena indústria fabril da província é quase toda manual,

apenas auxiliada por algum instrumento muito comum e

grosseiro. Os tecidos grosseiros e redes de dormir fazem-se

movidos a braços de tecedeiras. As obras de agulha e labi-

rintos são todas à mão. Apenas nesta capital foi introduzida

uma ou outra máquina de costura". (p. 410)

Page 176: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

176

A estreiteza dos mercados e a importação de manufaturados estran-

geiros, que concorriam diretamente com os produtos nacionais, eram fatores de

peso a impor os limites da expansão e transformação da pequena produção arte-

sanal.

Apesar das tarifas protecionistas, entre 1845 e 1862 as importações

de manufaturados haviam tido um aumento notável. (p. 460-1)

Importação estrangeira e nacional, 1845-1862 (termo médio em mil réis)

Quinquê-

nios

Direta Es-

trangeira

Indireta

Estrangei-

ra

Nacional Total

1845-49 149.449 161.462 153.578 464.489

1850-54 521.525 313.730 91.570 926.825

1855-59 962.804 524.083 92.535 1.579.422

1860-62 952.763 661.877 110.702 1.725.342

Além das importações da Grã-Bretanha, havia um comércio razoável

com os Estados Unidos, França, Portugal e Itália. A maior parte das importações

consistia de tecidos e outras manufaturas de algodão mas entravam também

grandes quantidades de farinha de trigo e derivados, obras de ouro, prata e pe-

dras preciosas, louças e vidros, manteiga, papel, tecidos de lã, linho e seda, per-

fumaria, ferragens, calçados, armas, bacalhau, azeite, vinhos e drogas medicinais.

Ao todo, as tabelas de importação relacionavam 104 itens diferentes de mercado-

ria estrangeira.

Quanto às trocas com outras províncias, o comércio era feito sobre-

tudo com Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro e incluía produtos da indústria na-

cional como charutos, fumo em rolo, maquinaria, obras de ouro, rapé, sabão e li-

vros, em uma relação de 82 artigos diversos.

Page 177: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

177

Durante todo o período a balança comercial é desfavorável, o valor

das importações superando o das exportações. No biênio 1860-1862, entretanto,

essa tendência começa a inverter-se e pela primeira vez há um predomínio no

valor das exportações ( p. 460 e 485).

Valor das importações e exportações,

1845-62 (termo médio em mil réis)

Quinquênio Import. Export.

1845-1849 464.489 172.078

1850-1854 926.825 521.084

1855-1859 1.579.422 1.236.755

1860-1862 1.725.342 1.936.579

A melhoria das finanças devia-se ao início de novo surto algodoeiro

para exportação, em decorrência da retração temporária de fornecimento norte-

americano aos mercados europeus. O aumento das exportações de algodão, na

década de 1860, viria trazer algumas mudanças na economia do Estado, com o

fortalecimento da camada de comerciantes urbanos. Do ponto de vista da indústria

essas mudanças só seriam perceptíveis, entretanto, a partir da década de 1880,

quando se instalam as primeiras fábricas.

No final da década de 1850 o que se registrava ainda era um quadro

crônico de dificuldades e o mesmo corolário de causas se repetia nos relatórios

presidenciais (26):

"a falta de braços cada vez mais crescente... a falta de um

sistema regular e bem pensado de legislação e instituições

de crédito rural, de boas estradas, de bons portos... de uma

educação profissional agrícola... da introdução de maquinis-

mos e processos aperfeiçoados de lavoura... e por cima dis-

Page 178: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

178

so as secas que de anos a anos as tem vindo quase aniqui-

lar...".

Os avanços da agricultura comercial começavam a se fazer sentir

através de seus efeitos negativos sobre a oferta de alimentos e de mão-de-obra,

de forma semelhante ao que ocorria em outras partes do país, provocando quei-

xas sobre a carestia dos gêneros e a falta de braços, por parte dos governantes:

"... a repressão efetiva do tráfico de escravos, sem uma

substituição imediata de trabalhadores livres, que supram a

falta dos serviços daqueles, o desenvolvimento desproporci-

onal das lavouras dos gêneros de exportação, trazendo co-

mo consequência o esmorecimento dos mais e principalmen-

te das pequenas plantações dos grãos e cereais, tudo isso e

outras razões... tem feito com que a produção dos gêneros

de primeira necessidade não corresponda ao seu consumo,

sempre crescente, e determinando essa alta excessiva dos

seus preços".

O artesanato era meio de sobrevivência, disperso, e atomizado em

pequenas unidades oficinais e domésticas nas cidades, vilas e áreas rurais, en-

frentando a concorrência de produtos importados, sem que houvesse surgido uma

camada mais próspera capaz de processar a acumulação, investindo na indústria

fabril ou concentrando a pequena produção doméstica.

Juvenal Galeno, folclorista e poeta nativista, publica em 1864 um li-

vro em que aborda de forma nostálgica e utópica um passado perdido de fartura e

trabalho, descrevendo tipos populares como o pequeno lavrador, o pescador, o

vaqueiro e o artesão, a quem homenageia em versos, na figura do sapateiro. (27)

O poema merece ser transcrito por ser bastante sugestivo dos efeitos sobre o pe-

queno artesão, da entrada em massa de manufaturas europeias.

Page 179: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

179

O Sapateiro

Enquanto puxo estas linhas

Dois cabos na sola-e-vira,

Vou cantar umas cantigas,

Que a minha vida me inspira.

Ai, vida, vida tirana

Sem lé, nem cré,

Que a sorte prende à miséria,

Como prende este sapato

O tira-pé.

Houve um tempo de ventura

Na vida do sapateiro...

Então era patriota

O cidadão brasileiro

Era farta então a vida,

Sem lé, nem cré,

Que a sorte prende à miséria

Como prende este sapato

O tira-pé

Rendia muito este ofício,

As obras davam dinheiro

A forma não descansava,

E a sovela no bezerro.

Era farta então a vida

.................................

Todos calçavam somente

Sapatos feitos na terra...

Ai, tempo de f'licidade,

Ninguém nos fazia guerra.

Page 180: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

180

..................................

E eu trabalhava contente,

Finas palmilhas lambendo,

Gaspeando a obra fina,

Batendo a sola, batendo.

..................................

Mas, hoje... dentro da tenda

É raro ver-se um freguês

Pois o pé dos brasileiros

É monopólio francês!

Ai vida, vida tirana,

................................

Hoje é moda dos patrícios

Calçar a obra estrangeira,

Deixando a nossa à parede,

Deixando a nossa à poeira!

..........................................

Só nos procura o matuto,

O pobretão, o soldado;

Quem pode mais ocupar-se

Fazendo o fino calçado?

....................................

Se o rico por um capricho

Uns chinelos encomenda,

Quase por nada os entrego

Se os quero fora da tenda'

..........................................

Como pois o sapateiro

Chegará a perfeição,

Page 181: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

181

Se apenas vende na tenda

O que é - carregação?!

....................................

Acorda, patriotismo

Desta nação brasileira...

Calça os sapatos da terra,

Despreza a obra estrangeira!

Acorda... melhora a vida.

........................................

Galeno foi influenciado a escrever sobre temas populares por Gon-

çalves Dias, que esteve no Ceará em 1859 com a Comissão Científica de Explo-

ração. A passagem dessa Comissão pelo Ceará traz alguns subsídios adicionais

para o panorama das artes e ofícios em meados do século passado, com docu-

mentos sobre o trabalho e a vida cotidiana.

A descoberta da diversidade e da criatividade.

A Comissão, composta de engenheiros, naturalistas e médicos foi

formada em 1856, por iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, para

explorar o interior de algumas províncias e colher material para os museus nacio-

nais e provinciais em formação (28). Faziam parte da equipe nomeada pelo go-

verno imperial, Francisco Freire Alemão (Botânica), Manoel Ferreira Lagos (Zoo-

logia), Guilherme Schuch Capanema (Geologia), Giacomo Raja Gabaglia (Astro-

nomia) e Antônio Gonçalves Dias (Etnografia).

No momento em que a estabilidade do Império tendia a se afirmar, o

episódio de envio ao Ceará de uma Comissão fazia parte do desejo de afirmação

do governo central, "muito reveladora do estado de espírito nacionalista que, nes-

Page 182: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

182

sa época de viajantes estrangeiros, levava a querer descobrir o Brasil por conta

própria" (29).

A escolha do Ceará como primeira província a ser visitada tinha tam-

bém outros objetivos, não confessados: a esperança de encontrar jazidas de ouro

e metais preciosos e supostas riquezas minerais que, dizia-se, existiam nas serras

da Ibiapaba e do Araripe. "Ministros e cientistas sonhavam como bandeirantes, do

mesmo modo que os estudiosos locais e o povo, que vivia sonhando com eldora-

dos", diz Renato Braga, que historiou a visita da comissão. (30)

A comissão percorreu o Ceará de 1859 a 1861. Parte da documenta-

ção recolhida se extraviou no fim da viagem, mas ficaram alguns resultados impor-

tantes, estudos sobre a seca, as moléstias endêmicas, a flora cearense.

A contribuição mais significativa foi dada por Freire Alemão (31) em

estudos de botânica. Em seus manuscritos há relatos valiosos sobre a vida cotidi-

ana e a cultura material da região, como as descrições sobre o vestuário da "gente

acaboclada" que compunha a maior parte da população do Ceará:

"Os homens andam sempre com a camisa solta por cima das

calças ou ceroulas, e sem jaqueta, ou colete, temos tido al-

guns criados que lhes custa largar esse costume. As mulhe-

res vestem saias, e com vestidos deixam cair o corpo, e os

atam pela cintura. As camisas são mais ou menos rendadas,

e quase sempre têm lenço ao pescoço. Quando se vestem

trazem por cima da cabeça o lençol, que é uma toalha com

babados ou rendas nos três lados, isto na cidade e aqui. Nas

igrejas e nas procissões vão todas assim - o que é curioso; e

tem um ar de asseio, que agrada, que é muito próprio para o

país. É notável que as pretas não usam tanto dos lençóis".

(32)

Da mesma forma que os viajantes estrangeiros que o precederam,

Alemão demora-se em considerações sobre a rede de dormir, elemento funda-

Page 183: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

183

mental na vida do sertão. Ressalta a praticidade, o conforto, a limpeza e a beleza

das redes que são dadas aos hóspedes nas casas mais ricas, descreve os arma-

dores de ferro onde são penduradas, os punhos ou cordas por onde são presas à

parede ou teto dos quartos, salas e corredores, as varandas, rendas ou babados

que pendem dos lados.

"Pelo interior se acha por toda a parte, na sala de visitas, e

até nos corredores, ferros de pendurar redes, que chamam

armadores. Em uma sala ou alcova quadrada, com 4 arma-

dores se suspendem 5 redes. Na rede se dorme, se lê, se

conversa, etc. Em algumas casas há um leito, ou cama de

parada, para um hóspede. Porém de ordinário é esse um

traste escusado, e não existe. Nas redes há grande luxo de

crivos, de rendas, de bordados brancos ou de cores. Com a

rede, um lençol, ou colchão, está a cama feita, usam também

de umas pequenas almofadinhas, muito historiadas, mas eu

nunca me ajeitei com elas, e as dispenso bem. Não se deita

na rede a fio comprido, mas diagonalmente (e mesmo atra-

vessado) e é assim que ela oferece melhor cômodo, ficando

o corpo direito e não curvo, e por isso são as redes mui lar-

gas. Hoje já me acho habituado com elas e tem uma grande

vantagem para o país, e é que balançando, refresca e não se

sente calor. E enfim livra das pulgas. Outra vantagem é que

dispensa alcovas; qualquer sala, mesmo a de jantar, se

transforma em quarto de dormir, que toma de manhã seu uso

ordinário. Nas casas pobres dispensa também cadeiras e so-

fás". (33)

Não deixa de ser significativa a impressão colhida pelo botânico de

que a indústria nacional era mais desenvolvida no Ceará do que no Rio de Janeiro

(onde morava Alemão), impressionando-o muito o trabalho feminino das rendas e

tecelagem e certos ofícios como a marcenaria e a arte do couro.

Page 184: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

184

"... o certo é que há grande diferença entre estes e os nos-

sos matutos. Tanto mulheres (e estas mais) como homens

são capazes de grande desenvolvimento industrial. Com efei-

to há aqui muito mais indústria nacional do que no Rio de Ja-

neiro. Faz-se muito bom queijo, e abundante. Vi obras de chi-

fre, imitando a tartaruga (de Aracati). No sertão curte-se mui-

to bem; e fazem roupas de coiro curtido. Faz-se velas de

carnaúba. As mulheres tem muitas indústrias, fazem filós e

outras obras mui delicadas de pano, de polvilho (goma), etc.

Tecem panos grosseiros. Tecem redes admiravelmente, bor-

dam-nas de branco e de cores. Fazem muita renda, em al-

mofadas de colo, que são uns travesseiros grossos e curtos,

às vezes cheios de palha. Fazem crivos que chamam labirin-

tos, perfeitamente executados e custosos. Fazem obras de

goma de polvilho mui delicadas, etc. Há aqui oficiais de car-

pinteiro (que chamam carapinas) que trabalham muito bem, e

admirei-me de os ver trabalhar com excelente e moderna fer-

ramenta. Não trabalham mal de sapateiros, e exportam obra

feita". (34)

Por sua vez, Manoel Ferreira Lagos complementou estudos de zoo-

logia com uma coleta de produtos naturais e da indústria cearense. Essa coleção

deu lugar à primeira exposição de produtos industriais realizada no Brasil, no Mu-

seu Nacional do Rio de Janeiro, em 1861.

A Exposição do Ceará foi preliminar, por sua vez, à primeira Exposi-

ção Nacional da Indústria, realizada no mesmo ano. A notícia da abertura da ex-

posição do Ceará, dada pelo Diário do Rio de Janeiro advertia: "não imagine nin-

guém que vai ser uma ostentosa coleção de objetos de toda a espécie". Comenta

a dificuldade de obtenção de muitos objetos, pela vergonha dos habitantes em

vender ou fabricar iguais. Muitos se negavam a vender o que produziam "para não

Page 185: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

185

serem envergonhados na comparação aqui na Corte e realmente era preciso uma

verdadeira catequese para vencer escrúpulos tão absurdos". (35)

A notícia ressalta o mérito da iniciativa "que é provar a existência dos

principais elementos para a criação de indústrias", para concluir:

"a indústria e a ciência não tem oposição nem governismos;

aquela localiza-se as vezes segundo as condições de sua

existência, esta porém nem mesmo têm pátria, é cosmopoli-

ta! A divisa de ambas é progresso e desenvolvimento. To-

mem bem nota disso".

A exposição incluía uma variedade de objetos de uso diário da popu-

lação, desde mesas de costura de madeira até cachimbos de barro, estribos, es-

pingardas de ferro, peias e chocalhos de latão, facas, cordas, rédeas e selas, po-

tes de barro, cestos e chapéus de palha, redes de dormir, garrafas de aguardente,

vinho de cajú, queijos variados. Produtos que ainda hoje continuam a ser produzi-

dos artesanalmente no Ceará.

A qualidade de acabamento e a criatividade de certos artigos surpre-

ende o observador da Corte, que não esperava que nos Inhamuns, alto sertão

quase isolado, se fabricasse uma coleção de copos, tigelas, xícaras e pires, pra-

tos, cuias, colheres, conchas, bules, açucareiros, com tanta habilidade - "trabalhos

dignos de figurar ao lado dos da Floresta Negra ou de Nurenberg", cachimbos de

barro preto, cujos ornatos "fazem lembrar a arte indostânica, facas "que recordam

a média idade", espingardas que "revelam habilidade e espírito inventivo".

Ao lado de peças de uso diário figuravam artigos de luxo, como as

obras de labirinto do Aracati, de "lavor delicado e gosto puro na escolha dos orna-

tos", que adornavam peças de linho e seda importadas. Os contrastes, o inespe-

rado dos trabalhos expostos, chegam a provocar a reprovação do comentarista:

"ao contemplá-los, não podemos sustar uma expressão de

tristeza. Vemos ali a concentração de uma notável porção de

atividade e inteligência, gastas em artigos de luxo, em uma

Page 186: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

186

produção secundária, quando o lenço, a camisa, a fronha,

etc. que eles têm de adornar vêm da Europa! Por que não

empregamos toda essa soma de habilidade para fabricar es-

ses mesmos objetos que mais tarde poderão ser enfeitados".

O refinamento aparece também nas rendas de bilro, trabalhadas com

grande variedade de pontos (sergido, susto, paleitão, seda) - "algumas tão bem

acabadas, tão delicadas que rivalizam com os produtos de Flandres (Bruxelas,

Malines, Chantilly)" e em obras que parecem tão refinadas quanto supérfluas, co-

mo flores de adorno, coleções de animais e figurinos feitos com as mais variadas

matérias-primas:

"trabalhos belíssimos de pano, de escamas, de palha, de ca-

vacos das madeiras, e sobretudo algumas admiráveis não só

pela execução como pela perfeita imitação dos modelos da

natureza, e estas são feitas de polvilho!"

Foot Hardman, em estudo recente sobre a entrada do Brasil no cir-

cuito das exposições industriais, comenta que tal iniciativa "não era em absoluto

algo esotérico, mas se inscrevia plenamente na ótica da moderna exhibitio bur-

guesa"(36). A Exposição do Ceará inaugurara, a nível nacional e provincial, as

exposições que, por sua vez, eram preparatórias para as universais, apenas uma

década depois da Primeira Exposição Internacional de Londres, de 1851.

As exposições industriais: "vulgarização da riqueza do país".

O Ceará participou de cinco das seis exposições nacionais realiza-

das no Império: a de 1861 (preparatória à de Londres, 1862), a de 1866 (prepara-

tória à de Paris, 1867) a de 1873 (preparatória à de Viena, 1873) a de 1875 (pre-

paratória à de Philadelphia, 1876) a de 1889 (preparatória à de Paris, 1889). Além

Page 187: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

187

disso participou da exposição do Porto em 1865 e, já na República, da de Chica-

go, em 1893.

No Brasil, as exposições eram organizadas sob patrocínio do Gover-

no e serviam para acirrar o debate entre protecionistas e livre-cambistas quanto à

política do Estado em relação à indústria. Os discursos oficiais, usavam-se para

reforçar a ideologia do progresso e da modernidade, viam nelas a entrada no

compasso dos povos civilizados, da ética burguesa de valorização do trabalho e

da mercadoria. (37)

Tavares Bastos, o mais veemente opositor do protecionismo, inicia

seus ataques logo após a Exposição Nacional de 1861, argumentando que as

poucas oficinas fundadas não se sustentavam sem auxílio governamental ou lote-

rias e que a exposição demonstrava isso pela sua pobreza e atraso. Além disso,

acrescentava, a tarifa de 1844, cujo fim era desviar os capitais da agricultura para

as fábricas e enfraquecer a concorrência de produtos estrangeiros, não havia im-

pedido que as exportações aumentassem em mais do dobro.

Inspirado nas doutrinas econômicas liberais, argumentava:

"um povo só é manufatureiro quando tem grande densidade

de população, quando possui abundantes meios de transpor-

te, quando pode aplicar a lei da divisão do trabalho à agricul-

tura, destacando-a o mais possível dos processos manufatu-

reiros: assim a Inglaterra, verdadeira oficina do mundo....

A proteção não passa de um tormento inútil aonde não exis-

tem condições próprias para florescer a indústria protegida; e

quando mesmo existam, é melhor confiar da liberdade e da

concorrência o encargo que se atira sobre a lei... Paga o po-

vo um imposto vexatório para sustentar-se por alguns anos

mais este ou aquele fabricante, de cujo infortúnio não tem

certamente culpa!". (38)

Page 188: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

188

Do ponto de vista dos interesses de uma província pobre de capitais

e posição inteiramente secundária na economia nacional, como o Ceará, as expo-

sições pareciam oferecer benefícios que não escapavam aos governantes locais.

O representante da província na Exposição Nacional de 1866 observa em seu re-

latório:

"É, pois, forçoso reconhecer que os principais fins das expo-

sições - a vulgarização da riqueza do país, como meio de pa-

tentear todas as fontes de produção exploradas e por explo-

rar, o aperfeiçoamento das indústrias pela competência dos

produtores, pelas censuras e corretivos esclarecidos, pelo

estímulo dos prêmios e recompensas; o desenvolvimento do

comércio, que naturalmente resulta da inspeção atenta de

todos os produtos e reconhecimento de sua utilidade; esses

valiosos benefícios a Comissão não se pode dispensar de

haver plenamente alcançado". (39)

O relatório era claro quanto aos problemas da província: agricultura

rudimentar, subordinação da lavoura ao comércio, falta de capitais e ausência de

instituições bancárias (o que obrigava os produtores a recorrerem a empréstimos

dos comerciantes, pagando altas taxas de juros), oferta limitada de mão-de-obra

na agricultura, falta de vias de comunicação, baixa mecanização.

A indústria fabril não poderia se desenvolver para além dessas limi-

tadas condições estruturais:

"não é preciso dizer que estas indústrias estão em grande

atraso. Quando a agricultura ainda carece de arte, de braços,

de capital, não podem as fábricas e manufaturas estar adian-

tadas, pois dependem dos progressos daquela e reclamam

superiores habilitações artísticas, capitais mais avultados e

custosas máquinas. Contudo foram exibidos alguns produtos

que me parecem dignos de atenção". (40)

Page 189: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

189

O exame dos catálogos e relatórios das exposições do Ceará revela

que, entre 1860 e 1890, em termos de tecnologia e divisão do trabalho e produção

industrial pouco se alterou. O que parece mais significativo é a diversidade e vari-

edade dos artigos expostos. A Exposição de 1866, por exemplo, constava de 438

produtos e a de 1893 de 342, incluindo tanto produtos naturais como manufatura-

dos. Contudo, apesar da diversificação, a produção continuava a manter seu cará-

ter artesanal, como observa o catálogo para a Exposição de Chicago, de 1893

(41):

"a pequena indústria não é limitada, está mais adiantada do

que parece; infelizmente, são ainda muito rudimentares os

instrumentos empregados".

O Presidente da comissão organizadora dessa exposição, Isaias Bo-

ris, próspero negociante francês estabelecido em Fortaleza, defende o desenvol-

vimento da pequena indústria, em contraposição à grande indústria, especialmen-

te na fabricação de tecidos, redes e outros ramos têxteis:

"Estas e outras pequenas indústrias mereciam ser encoraja-

das neste país, mais que a grande indústria que até hoje tem

causado mais dificuldade que proveito.

... hábeis como são os cearenses para a pequena indústria,

nos parece que esta será de muito futuro, e mais segurança".

(42)

Mais futuro e segurança no sentido de que os interesses da pequena

indústria não eram vistos como contrapostos aos dos grandes produtores agríco-

las e dos setores comerciais ligado a à lavoura:

"a agricultura é de interesse geral e vital do país, dela tudo

depende; pode-se dizer que a vida e o futuro do país depen-

dem dela. Tirar capitais da agricultura que tanto necessita,

para empregar na indústria fabril, que só poderá sustentar-se

Page 190: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

190

a mercê da depreciação do câmbio e do país deve ser levado

a conta de muitos erros graves, que retardam a grandeza do

país". (43)

Boris termina por centrar a questão no emprego da força de trabalho

livre e é este o fulcro de toda a argumentação em defesa da pequena indústria:

"o ensemble dos objetos mandados pelo Ceará à Exposição

preparatória do Rio de Janeiro, se não demonstra um gosto

apurado, um finit artístico; demonstra que as cearenses e os

cearenses são muito mais acostumados ao trabalho, do que

a generalidade dos brasileiros, e tem a pretensão de marchar

neste particular na vanguarda, do mesmo modo porque fo-

ram os primeiros em outros terrenos, especialmente na abo-

lição dos escravos do Brasil, começando por libertarem os

seus a 25 de março de 1884, acontecimento que foi uma

epopeia das mais heroicas e imortalizou os libertadores che-

fiados por João Cordeiro". (44)

Os relatórios das exposições permitem acompanhar melhor o debate

sobre o emprego da força de trabalho. O discurso em relação ao trabalho, no final

do século, havia mudado consideravelmente. Das queixas sobre a "falta de bra-

ços" que cercavam as tentativas fracassadas de introdução da colonização es-

trangeira, passara-se ao reconhecimento de que havia, na realidade, uma grande

população livre não absorvida nas atividades produtivas.

A grande migração de trabalhadores cearenses para o Amazonas e

Pará, para trabalhar em condições sub-humanas na exploração da borracha, havia

colocado com crueza a verdade dos fatos até então negados, de que o "trabalha-

dor livre nacional", força de trabalho abundante e barata, formava no Nordeste um

excedente populacional marginalizado e ignorado pela política de trabalho do Es-

tado.

Page 191: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

191

As grandes secas do último quartel do século XIX tiveram efeitos tão

devastadores devido ao aumento dessa "população de risco", como a chama An-

thony Hall (45), pois durante a seca a agricultura de subsistência falia, anulando a

única fonte alimentar do trabalhador. A seca de 1877 a 1879, combinada com a

queda dos preços do algodão, mostrou pela primeira vez, de forma trágica, a vul-

nerabilidade da massa rural. (46)

A desorganização da vida social, o desenraizamento e o êxodo da

população atingiram proporções inéditas. A cidade de fortaleza, que tinha 40.000

habitantes em 1877, chega a 160.000 em 1879 (47), a fome, a doença, epidemias

como a cólera e a varíola, o aumento da criminalidade e da violência sendo res-

ponsáveis por índices altíssimos de mortalidade.

Passada a seca, a sobrevivência do trabalhador sem terra volta a or-

ganizar-se em torno da agricultura de subsistência, complementada da pequena

produção artesanal. Os baixos salários e a imposição de relações de parceria na

agricultura comercial fazem com que grande parte da população do campo conti-

nue a emigrar, preferindo arriscar a sorte em outras regiões, na esperança de en-

contrar melhores condições de vida e trabalho.

A contradição resultante consiste no fato de que ao lado de um ex-

cedente populacional que aumenta a cada ano as ondas migratórias, a grande

lavoura local, nos períodos de normalização da produção, ressente-se de escas-

sez de mão-de-obra.

A Notícia sobre o Ceará que acompanha o catálogo da Exposição de

Chicago, escrita por Pompeu Filho (48) explicita claramente essa realidade:

"com a rapidez com que a população se desdobra e com a

inconstância das estações que contrariam os mais fundados

cálculos e esforços do agricultor, houve sempre abundância

de braços e falta de aplicação aturada para todos eles. Daí a

emigração para o Amazonas e Pará, cujo excesso, já agora

que as chuvas voltaram a beneficiar as terras ricas e produti-

vas do Ceará, vai causando pequeno transtorno à lavoura.

Page 192: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

192

Permanecendo as mesmas causas que determinam o acrés-

cimo da população, entre as quais sobressai a regularidade

da temperatura e secura atmosférica, haverá sempre exces-

so de braços que fatalmente procurarão aplicação nas pe-

quenas indústrias locais ou terão de emigrar por trabalho. Em

todo o caso a média do jornal operário será inferior a da mai-

oria dos estados brasileiros".

Ao contrário de Boris, Pompeu defendia a implantação da grande in-

dústria, achando que havia condições para isso em função da grande reserva de

força de trabalho e abundância de matéria-prima:

"com a abundância de braços, salários baixos, matéria-prima

a mão-de-obra, clima benéfico, a grande indústria há de ne-

cessariamente se implantar no Ceará com a certeza de bom

êxito". (49)

Em resumo, apesar das controvérsias, da defesa de um progresso e

de uma modernidade apenas ilusórias, dos ataques cerrados da oposição, as ex-

posições provinciais e nacionais tiveram pelo menos o mérito de fornecer uma

amostra da produção de mercadorias no Brasil imperial e de manter vivo o debate

em torno dos caminhos a seguir na economia nacional. Hardman observa, com

inteira justeza, que elas serviram também para mostrar que a presença das manu-

faturas era bem maior e diversificada na segunda metade do século XIX do que os

estudos sobre o processo de industrialização brasileira fazem supor. (50)

Oficinas e fábricas.

Como já foi observado, a maior parte da indústria fabril cearense, no

século XIX, tinha caráter artesanal e doméstico ligado a estrutura rural. Entretanto,

Page 193: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

193

os ofícios urbanos também se expandem, com o crescimento das cidades e da

população, entre 1860 e 1890.

Na década de 1860, Fortaleza, através da Câmara Municipal, inicia a

regulamentação das artes e ofícios. O código de posturas impõe medidas para

controlar as condições de salubridade e limpeza pública, como por exemplo o uso

de ingredientes que exalem vapores que corrompam a atmosfera, nos fornos de

cozer ou torrar tabacos, nas fábricas de aguardente, de sabão e de azeite. Tam-

bém os ferreiros, caldeireiros, fundidores e latoeiros são obrigados a dar saída ao

fumo das forjas por canos e observar uma série de restrições. (51)

Em 1873, quando sai publicado o primeiro Almanaque Administrativo,

Mercantil e Industrial da Província do Ceará, havia 99 oficinas na cidade e em

1899, 122 (52), assim distribuídas:

Oficinas de Fortaleza 1873-1899

1873 1899

tipógrafos 30 9

pedreiros 23 12

ourives 7 16

sapateiros 7 11

alfaiates 5 13

marceneiros/

carpinteiros

5 12

encaderna-

dores

2 8

funileiros 2 6

ferreiros - 4

relojeiros 3 3

tanoeiros 4 2

pintores - 5

fundidores 2 2

Page 194: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

194

impressores 3 -

fotógrafos 2 2

desenhistas - 3

tintureiros - 3

bauleiros - 2

imaginários/

entalhadores

2 1

colchoeiros - 2

seleiros - 2

calceteiros 1 1

latoeiros 1 -

marmoristas - 2

torneiros - 1

Havia ainda algumas pequenas fábricas de fogos artificiais (4), cerve-

ja e vinho de caju , tijolos e telhas, sabão (2), massas alimentícias, gêlo, destila-

ção, óleos de mamona e caroço de algodão, cigarros (8), chapéus de sol (5) e cal-

çados.

Uma ideia desse tipo de estabelecimento pode ser dada pela descri-

ção da fábrica de tijolos e telhas, de propriedade do capitão João de Araújo Costa

Mendes, em 1873:

"... além de tijolos e telhas fabricam em rodas todos os obje-

tos de uso doméstico, para jardins, irrigação, etc. O trabalho

das olarias é executado por máquinas do sistema Clayton e

alguns produtos são feitos a mão. Pessoal empregado - 32

pessoas livres, nacionais e estrangeiras e 6 escravos". (53)

As primeiras fábricas de tecido surgem apenas a partir da década de

1880, após meio século de esforços para sua implantação.

Page 195: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

195

A primeira tentativa de instalação de fábricas de fiação e tecelagem

data de 1829, quando o presidente da província solicita ao governo imperial a cri-

ação de uma ou mais fábricas, pedido recusado sob a alegação de que iria desviar

capitais e braços da agricultura (54).

A partir de 1849, as administrações provinciais aconselham a particu-

lares a fundação de fábricas que aproveitassem o algodão da província e as tenta-

tivas se intensificam. O governo concede privilégio a Paulino Franklin do Amaral e

João Reydner para fundarem uma fábrica em 1872 e contrata com João Cordeiro

e João da Rocha Moreira o estabelecimento de duas fábricas, em 1879. Entretan-

to, nenhum desses contratantes consegue levar a efeito o estabelecimento das

fábricas. Somente em 1882 é fundada a primeira fábrica, "Pompeu & Irmãos", pos-

teriormente denominada Fábrica Progresso, de propriedade dos irmãos Thomaz e

Antônio Pompeu de Souza Brasil. (55)

Até o final do século foram instaladas mais cinco fábricas, sendo três

em Fortaleza, uma em Aracati e uma em Sobral. (56)

Estabelecimentos Industriais no Ceará, 1880-1900

Data

de

funda-

ção

(a)

Local

(a)

Capital

inicial

(a)

Nº de

operá-

rios (a)

Teares

(b)

Produção anual

em metros

(b)

-Fábrica Progresso

1882

Fortaleza

180.000$000

215

128

1.900.000

-Fábrica Ceará

Industrial

1894

Fortaleza

400.000$000

140

70

800.000

-Cia. Fáb.Tecidos

União Comercial

1891

Fortaleza

600.000$000

Page 196: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

196

-Cia. Fabril Cea-

rense de Meias

1891

Fortaleza

100.000$000

-Fábrica Santa

Thereza

1893

Aracati

100.000$000

110

50

Fábrica Sobral 1895 Sobral 450.000$000 199 122 960.000

(a) Aragão, Elizabeth Fiuza. A trajetória da indústria têxtil no Ceará, 1880-1950, p.

37. b) Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Ceará de

1899.

A indústria têxtil havia sido estimulada em todo o país, na década de

1860, devido a dois fatores: a abundância de matéria-prima, em decorrência da

expansão do cultivo de algodão para o mercado externo, com preços de venda em

alta; e a proteção indireta à indústria nacional durante a Guerra do Paraguai em

virtude da elevação dos direitos alfandegários e da inflação provocada pelo au-

mento das emissões.

Finda a guerra, voltou-se à isenção dos direitos sobre gêneros ali-

mentícios e manufaturados, por pressão dos produtores de café, mas na década

de 1870 o governo volta a dar um incentivo moderado a indústria, aumentando um

pouco as taxas sobre produtos estrangeiros similares aos nacionais, com a Tarifa

Rio Branco de 1874. (57)

No Ceará os primeiros investimentos no setor têxtil resultaram da

atração do capital comercial que até então estava sendo reinvestido na atividade

agrícola ou comercial. O setor mercantil urbano concentrava capitais nas casas

exportadoras, empresas de comércio e beneficiamento de algodão. As usinas de

beneficiamento representam a primeira forma de atividade fabril, através da atua-

ção das empresas Boris Frères, Gradvhol & Fils, Salgado, Filho e Cia. A Usina

Costa Lima & Irmão, no Aracati participa da fundação da fábrica Santa Thereza.

Grande parte dos primeiros fabricantes de tecidos era de comercian-

tes exportadores de algodão. Três dessas fábricas existem ainda hoje em mãos

Page 197: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

197

dos mesmos grupos fundadores: a "Fábrica Progresso" fundada por Pompeu e

Irmãos em Fortaleza, a "Santa Thereza" da família Leite Barbosa, em Aracati e a

"Fábrica Sobral" fundada por Ernesto, Saboya & Cia., em Sobral. (58)

Não houve qualquer ajuda concreta do governo provincial, que se li-

mitava a recomendar o desenvolvimento da indústria têxtil. As possibilidades de

crédito também eram muito limitadas. A inexistência de estabelecimentos bancá-

rios e as altas taxas de juros cobrados pelos empréstimos dos comerciantes de

algodão somente tornou viável a criação de algumas fábricas pela reunião de

grande número de sócios com pequeno capital, em sociedades anônimas. É o ca-

so da "União Comercial" e da "Fabril Cearense", a primeira com 16 sócios e a se-

gunda com 23 e da "Santa Thereza", inicialmente chamada "Aracatiense", com

122 sócios fundadores. (59)

Uma particularidade das primeiras fábricas cearenses é que, além da

fabricação de tecidos, grande parte da produção consistia na tecelagem de redes,

o que significa que o pessoal empregado era bem maior do que o número de ope-

rários das fábricas, devido ao trabalho de acabamento a domicílio. Em 1899, por

exemplo, a fábrica de Pompeu e Cia, além do pessoal interno de 230 operários,

dava trabalho externo a 180 mulheres, produzindo de 25 a 30 redes por dia. A

"União e Trabalho" manufaturava 10.400 redes anualmente, no valor oficial de

166.400$000. Além do trabalho de tinturaria, urdimento e tecelagem, feito no inte-

rior da fábrica, empregava cerca de 200 mulheres e 30 crianças a domicílio, no

trabalho de empunhamento, varandas e demais acabamentos. (60)

A atitude do governo central, de não intervenção direta na economia,

acaba por não satisfazer nem à lavoura nem à indústria. As campanhas dos libe-

rais contra a proteção à indústria só iriam deixar de surtir efeito no início da déca-

da de 1890, quando a política do encilhamento finalmente propiciou a expansão

do setor têxtil e desencadeou campanhas em favor da contribuição do Estado para

o desenvolvimento industrial. (61)

Medidas adotadas no início da República foram a expansão do crédi-

to à agricultura, a criação de bancos de emissão e a arrecadação em ouro dos

Page 198: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

198

direitos aduaneiros. A rápida desvalorização da taxa cambial e a legislação tarifá-

ria protecionista propiciaram aos fabricantes de tecidos condições de mercado

para seus produtos e facilidades de compra de maquinário no exterior. (62)

A Notícia destinada a exposição de Chicago, de 1893, faz um resu-

mo do valor da produção do Ceará da seguinte ordem, em mil réis:

Indústria agrícola e extrativa 17.200$000

Indústria fabril 7.620$000

Criação de gado 4.600$000

A produção fabril achava-se distribuída pelos seguintes ramos (63):

couros salgados e solas 550$000

courinhos 950 $000

queijos 1.100$000

carne seca 300$000

sabão 150$000

calçados 900$000

cerâmica 600$000

metalurgia 300$000

marcenaria 100$000

Page 199: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

199

cigarros e charutos 300$000

óleos vegetais 50$000

gelo e gasosas 30$000

refinação 50$000

alcool 30$000

vinho de caju 300$000

rendas, bordados e costuras 560$000

tecidos de algodão 1.000$000

Total 7.620$000

Como se vê, havia uma continuidade de expansão nos mesmos ra-

mos originados da pecuária e da cultura algodoeira coloniais: calçados, couros

curtidos, queijos, tecidos, rendas e bordados, agora acrescidos de novos ramos:

cerâmica, metalurgia, cigarros e bebidas.

Resta verificar como estava se dando a incorporação do artesão a

esse processo produtivo, ao longo do século XIX.

Artesãos e operários.

Stanley Stein observa que durante meio século (1840-1890) o recru-

tamento e treinamento da força de trabalho na indústria teve como matriz uma so-

ciedade escravagista, onde "os proprietários das fábricas tratavam os seus operá-

rios diaristas da mesma forma que os fazendeiros de café ou os senhores de en-

genho tratavam os seus escravos ou os poucos trabalhadores livres que recebiam

pagamento por dia de trabalho". (64) Dentro dessa primeira camada operária, a

maior parte da mão-de-obra nacional era recrutada nos orfanatos, juizados de

Page 200: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

200

menores, casas de caridade e entre desempregados das cidades. (65) O restante

da reserva de força de trabalho incluía alguns escravos e os contingentes forneci-

dos pela imigração de estrangeiros, na região leste e sul do país.

Como já foi visto, o Ceará dispunha de um número reduzido de es-

cravos. A colonização estrangeira esteve também praticamente ausente na forma-

ção da classe trabalhadora. Em que pese o discurso insistente dos presidentes da

província reclamando a vinda de colonos, sua entrada foi muito reduzida. Os maio-

res ingressos se deram em 1870, com a vinda de 387 colonos do Porto e da Ilha

de São Miguel. (66) Não havendo escravos nem imigrantes na reserva de traba-

lho, os primeiros proletários do Ceará eram, portanto, na sua quase totalidade,

provenientes das camadas da população livre urbana e rural, os chamados "traba-

lhadores nacionais".

O Estado tenta colocar em prática uma série de medidas visando o

controle dessa mão-de-obra, através de uma legislação que se intensifica após

1850.

Os desocupados, aqueles que não sabendo nenhum ofício se trans-

formam em vadios são o principal alvo da ação do poder público. Em 1854, a câ-

mara do município de Telha determina:

"o indivíduo que andar devagando pelas ruas sem que apre-

sente meio lícito pela qual adquira subsistência, será obriga-

do a assinar termo em que se lhe imponha o dever de apren-

der qualquer ofício ou procurar modo decente de vida, e não

o cumprindo será preso por oito dias, e na reincidência em

dezesseis".

E mais:

"pais que pelo mal entendido amor conservarem em suas

companhias filhos a quem não possam sustentar e educar,

serão obrigados a entregá-los a mestres de ofícios, para que

Page 201: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

201

com termo passado se obriguem em tempo tratado apresen-

tá-los oficiais". (67)

A antiga ideia de criar Companhias de Trabalhadores volta à baila

em 1858, desta vez regulamentada em decreto que prevê o recrutamento para o

trabalho na agricultura e obras públicas:

"os mesmos trabalhadores só poderão, em regra, ser empre-

gados em serviço dentro do seu município, ou nos limitrofes,

salvo se voluntariamente se prestarem ou engajarem para

trabalhos em qualquer outros; ou se o presidente da provín-

cia, por motivos de manifesta utilidade pública, e para dar

impulso a alguma obra importante, assim o determinar". (68)

Não é demais lembrar que o recurso ao trabalho compulsório tinha

antecedentes de grande eficácia no Ceará, desde a experiência dos jesuítas nos

aldeamentos indígenas, que por muito tempo forneceram aos colonos a mão-de-

obra que necessitavam para a fiação e tecelagem e para as oficinas mecânicas e

manuais.

As companhias imaginadas pelo Presidente Alencar na década de

1830 e novamente tentadas na década de 1850, não por acaso, mantinham para-

lelo com o recrutamento militar. Na década de 1860, as frentes de trabalhadores e

os destacamentos para a Guerra do Paraguai eram literalmente caçados entre a

pobreza, no campo como na cidade, fazendo com que o temor da escravização se

alastrasse entre a população e forçasse sua interiorização pelas serras, em busca

de esconderijo.

Entretanto, a submissão não se dava de forma passiva. A violência

das ralações sociais em todo o Nordeste recrudesceu com o fim do tráfico de es-

cravos e as mudanças irreversíveis nas relações de trabalho. Basta lembrar, como

indícios dessa violência ainda pouco estudada pela historiografia, (69) os movi-

mentos armados que tiveram lugar em Pernambuco, Alagoas e Paraíba, logo após

a Revolução Praieira de 1848, contra a determinação imperial de realizar o Censo

Page 202: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

202

Geral da população e o Registro Civil dos Nascimentos, pelo temor da população

de que essas medidas fossem formas disfarçadas de escravização.

"... espalhara-se a notícia de que os decretos 797 e 798 visa-

vam a 'escravizar a todos os recém-nascidos e aqueles bati-

zados com as formalidades prescritas por aquela lei' que fa-

zia parte de um plano geral para reduzir 'à escravidão as

pessoas livres' e, para enfim 'reduzir à escravidão a gente de

cor". (70)

O momento era propício para que os grandes proprietários, que se

queixavam da "preguiça" e "resistência ao trabalho" por parte dos trabalhadores

livres, diz Hamilton Monteiro, tentassem obter maiores cotas de trabalho dos mo-

radores e "leis repressoras da vadiagem, que forçassem os homens ao trabalho".

O vínculo entre recrutamento militar e trabalho compulsório não era

destituído de fundamento e por aí se explica a desconfiança e oposição a qualquer

lei de recrutamento militar, como a de 1874, que espalhou entre a população a

preocupação de que tornaria todo cidadão escravo, pois se aplicava sobretudo

aos indivíduos de 'baixa condição", "moradores" e "proletários". (71)

Os abusos do recrutamento constante e arbitrário entre os homens

válidos das famílias de agricultores era fonte contínua de conflitos. No Ceará ocor-

reram distúrbios provocados pela lei de alistamento de 1874 em Acarape, Limoei-

ro, Quixadá, Boa Viagem, Baturité e Saboeiro. Como em outras províncias, essa

lei provocou a reação preponderante das mulheres, que pela primeira vez atuam

coletivamente em uma rebelião, temendo perder seus maridos e filhos, e atacam

as juntas paroquiais, instaladas nas igrejas locais.

"Instaladas as juntas e tendo-se iniciado os trabalhos, grupos

de mulheres, em sua maioria, invadem as igrejas, rasgam os

editais e exemplares da lei, destroem móveis e utensílios e

partem ameaçando voltar a qualquer momento". (72)

Page 203: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

203

O protesto das mulheres certamente refletia também a longa experi-

ência acumulada de exploração do trabalho. Orfanatos, casas de caridade, juiza-

dos de menores abrigavam grande número de moças e meninas sem família, de

onde saíram as primeiras operárias.

As casas de caridade aparecem no Ceará por iniciativa do padre Jo-

sé Antônio Maria Ibiapina. A primeira de que se tem notícia é a Casa de Caridade

de Santa Ana, fundada em 1863, "um vasto e elegante edifício de boa e sólida

construção, levantado em 72 dias". (73) O Padre Ibiapina atua mais intensamente

na região do Cariri, fundando casas de caridade em Missão Velha (1865), Barba-

lha e Milagres (1869) (74). Em todas elas, as oficinas mecânicas são parte impor-

tante do projeto assistencial de Ibiapina e constituem-se possivelmente na única

instituição de treinamento e formação de mão-de-obra especializada no Ceará no

século XIX. A descrição da casa de caridade de Missão Velha dá uma ideia desse

tipo de estabelecimento:

"compõe-se (o estabelecimento) de 2 salões no lado da fren-

te, uma pequena capela e um pateo ajardinado, uma ordem

de salas onde funcionam diversas oficinas, ligando-se as 2

partes do edifício por uma ordem de cubículos, de um lado e

de outro por um muro com cacimba e banheiro no centro. O

edifício é térreo tendo um sótão, que abrange todo o lado da

frente, e no qual existem diversos dormitórios". (75)

A ideia da criação de um liceu de artes e ofícios não chega a se con-

cretizar, apesar das recomendações insistentes dos relatórios presidenciais nesse

sentido. Tais recomendações tornam-se mais frequentes após a fundação do Li-

ceu de Arte e Ofícios do Rio de Janeiro (1856) e de São Paulo (1873) onde a mai-

or parte dos alunos era composta de "artistas", em sua maioria já integrados ao

mercado de trabalho. (76)

Além das casas de caridade, as colônias orfanológicas também for-

neceram, em várias partes do país, parte dos primeiros contingentes operários. No

Ceará houve a experiência da "Colônia Cristina", bastante controvertida. Criada

Page 204: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

204

em 1877, empregava trabalhadores sobretudo no corte de lenha para consumo da

via Férrea de Baturité, Os órfãos eram iniciados no aprendizado de ofícios, princi-

palmente de ferreiro, carpinteiro, sapateiro e alfaiate, além dos que se ocupavam

da lavoura. Acusada de estar sendo utilizada a serviço de interesses particulares,

surge a idéia de transformá-la em colônia correcional para vadios e mendigos, até

que uma lei de 1896 lhe dá novo destino - o cultivo de fumo para fabricação de

cigarros, charutos e rapé, que não chegou a se concretizar. (77)

Quanto à diferenciação entre o segmento de artesãos e o de operá-

rios fabris na composição da classe trabalhadora na indústria, como observa Foot

e Leonardi, fica difícil caracterizá-la, pelo fato de que os dados estatísticos ao citar

os "estabelecimentos industriais" tanto incluem as grandes fábricas, como a pe-

quena indústria e as oficinas. (78)

O primeiro Censo oficial de 1872 agrupa essa categoria sob a deno-

minação de "profissões manuais e mecânicas", enquanto o Censo de 1900 as de-

nomina "artes e ofícios", sem estabelecer diferenças entre artesãos independentes

(os chamados "artistas") e operários fabris.

No Ceará, essa categoria totalizava, em 1872, 63.257 indivíduos e

em 1900, 74.997 indivíduos, que representavam aproximadamente 15% da popu-

lação ativa da província. (79)

No Censo de 1872 discrimina as profissões manuais e mecânicas, o

que não é feito em 1900, e por ela se pode ter uma idéia da distribuição de arte-

sãos e operários entre as diversas profissões, no último quartel do século passa-

do, embora sem precisar, como foi dito, quem era artesão e quem era operário.

Profissões Manuais ou Mecânicas no Ceará - 1872

costureiras 38.379

canteiros, calafa-

tes, mineiros e

cavoqueiros

193

Page 205: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

205

em metais 1.139

em madeiras 1.872

em tecidos 18.135

de edificações 639

em couros e peles 717

em tinturaria 26

de vestuário 1.235

de chapéus 59

de calçados 1.133

Total 63.257

Fonte: Diretoria Geral de Estatística, Rio

de Janeiro, 1876.

Vale destacar que a profissão de costureira, uma das mais antigas,

que garantia a sobrevivência das mulheres que tinham que ganhar o seu sustento

desde os tempos coloniais, como se viu no primeiro capítulo, continuava a manter

o primeiro lugar das profissões artesanais. O grande número de trabalhadores no

setor de tecidos que, como também já foi bastante frisado, era constituído predo-

minantemente por mulheres, mostra o papel significativo do trabalho feminino no

setor industrial do Ceará, fator, aliás, que perdura ainda hoje.

Os dados estatísticos mostram, porém, que cerca de 40% da popula-

ção ativa estava ocupada na agricultura e 27% nos serviços domésticos, ou seja,

o lugar do trabalho artesanal e fabril era bastante secundário no conjunto da vida

produtiva. além disso, o número de indivíduos sem profissão era muito grande -

representava cerca de 40% de toda a população da província.

Na passagem do século XIX para o século XX, em que a maior parte

da população brasileira ainda estava concentrada nas atividades agrícolas, o es-

tudo do trabalho artesanal no Ceará coloca uma questão mais global, que consiste

em verificar como se situa o artesão no conjunto da vida produtiva, no momento

em que se intensificam as desigualdades regionais, com a nascente concentração

Page 206: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

206

industrial no centro-sul e a crescente evasão de mão-de-obra nordestina em dire-

ção a esse novo polo urbano-industrial.

É o que se procura analisar a seguir, a título de considerações finais.

Notas.

(1) Chandler, Billy Jaynes. Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns: a his-

tória de uma família e uma comunidade no Nordeste do Brasil. Fortaleza/Rio

de Janeiro, Edições UFC/Civilização Brasileira, 1980.

(2) Nogueira, Paulino. Presidentes do Ceará Durante a Monarquia. 3º

volume, Fortaleza, Instituto do Ceará, 1889, p. 107.

(3) idem, ibidem, p. 110.

(4) ibidem, p. 113.

(5) Nogueira, Paulino. Op. cit., p. 126-135. Segundo Raimundo Girão

chegaram 16 obreiros apenas, sendo 4 pedreiros, 3 carpinteiros, 1 ferreiro, 1

arquiteto, 1 serralheiro, 2 marceneiros, 2 cavoqueiros e 2 cantareiros. Girão,

Raimundo. Pequena História do Ceará. 3ª ed., Fortaleza, Imprensa Universitá-

ria, 1971, p. 182-3.

(6) Nos termos da portaria imperial de 31 de março de 1824, quando fo-

ram definidos os privilégios em favor das primeiras famílias alemãs estabeleci-

das em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Cf. Nascimento, F.S. "Síntese His-

tórica da Escravidão Negra no Ceará". Revista Aspectos. Fortaleza, Secretaria

de Cultura e Desporto, 1984, p. 21.

(7) Studart, Guilherme. Datas e Fatos para a História do Ceará. Op. cit.,

v. II, p. 76-78.

Page 207: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

207

(8) Denis, Ferdinand. Brasil, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, São Paulo, Ed.

da Universidade de São Paulo, 1980, p. 288.

(9) idem, ibidem.

(10) ibidem, p. 292.

(11) Araripe, Tristão de Alencar. História da Província do Ceará. Op.

cit., p. 63-66.

(12) Ewbanck, Thomas. A Vida no Brasil ou Diário de uma Visita ao Pa-

ís do Cacau e das Palmeiras. 2º volume, Rio de Janeiro, Conquista, 1973, p.

316-17.

(13) Araripe, Tristão de Alencar. Op. cit., p. 70-72.

(14) Chandler, Billy Jaynes. Op. cit., p. 181-82.

(15) Relatório do Presidente Vicente Pires da Motta na Abertura da

Sessão da Assembléia Legislativa Provincial em 1854, DHBEC, p. 2.

(16) Relatório do Presidente João Silveira de Souza à Assembleia Le-

gislativa Provincial em 1859, DHBEC, p. 29.

(17) Beiguelman, Paula. Formação Política do Brasil. São Paulo, Pio-

neira, 1967, p. 100.

(18) Luz, Nícia Villela. A Luta Pela Industrialização no Brasil. São Pau-

lo, 1960, p. 28.

(19) Beiguelman, Paula. Op. cit., p. 103.

(20) Deveza, Guilherme. Política Tributária no Período Imperial. In: His-

tória Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, volume 4, São Paulo, Difel, 1971,

p. 71.

(21) Bastos, Tavares. Cartas do Solitário. São Paulo, Cia. Ed. Nacional,

p. 367.

(22) Oliveira, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença. Um surto

de industrialização na Bahia do século XIX. Salvador, Centro de Estudos Bai-

Page 208: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

208

anos, 1985, p. 35-6. Ver também Pinho, Wanderley. A Bahia - 1808-1856. In:

História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, volume 2, São Paulo, Difel,

1967 e Stein, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil -

1850/1950. Op. cit., cap. 2.

(23) Oliveira, Waldir Freitas. Op. cit., p. 37-51.

(24) Stein, Stanley. Op. cit., p. 35-36.

(25) Brasil, Thomaz Pompeu de Sousa. Ensaio Estatístico da Província

do Ceará. Fortaleza, Tip. B. de Matos, 1864.

(26) Relatório do Presidente João Silveira de Sousa de 1859. Op. cit.,

p. 26.

(27) Galeno, Juvenal. Lendas e Canções Populares. Fortaleza, Impren-

sa Universitária, 1965, p. 265-68.

(28) Braga, Renato. História da Comissão Científica de Exploração.

Fortaleza, Imprensa Universitária, 1962. Ver também Alves, Joaquim. História

das Sêcas - Séculos XVII a XIX. Fortaleza, Instituto do Ceará, 1953, cap. III.

(29) Meyer, Marlyse. "Um Eterno Retorno: As Descobertas do Brasil".

Cadernos CERU, nº 13, 2ª série, 1980, p. 26.

(30) Braga, Renato. Op. cit., p. 36-8.

(31) Anais da Biblioteca Nacional. Os Manuscritos do Botânico Freire

Alemão. Catálogo e Transcrição. Volume 81, Rio de Janeiro, 1961.

(32) idem, ibidem, p. 211.

(33) ibidem, p. 218.

(34) ibidem, p. 211-12.

(35) Diário do Rio, 1861. Transcrito in Braga, Renato, Op. cit., p. 115-

129.

(36) Hardman, Francisco Foot. "Brasil na Era do Espetáculo: figuras de

fábrica nos sertões". In Autores Vários. Relações de Trabalho & Relações de

Page 209: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

209

Poder. Mudanças e Permanências. Fortaleza, Mestrado em Sociologia e Nú-

cleo de Estudos e Pesquisas Sociais da Universidade Federal do Ceará,

1986, p. 12.

(37) idem, ibidem, p. 12-15.

(38) Bastos, Tavares. Op. cit., p. 364-65.

(39) Barros, José Júlio de Albuquerque. Relatório e Catálogo da Expo-

sição Agrícola e Industrial do Ceará em 1866. Rio de Janeiro, Tip. Perseve-

rança, 1867, p. 9.

(40) idem, ibidem, p. 33.

(41) Exposição de Chicago, 1892-1893. Catálogo dos Produtos do Cea-

rá remetidos à Exposição Preparatória do Rio de Janeiro. Fortaleza, Tip. Eco-

nômica, 1893.

(42) idem, ibidem, p.

(43) idem, ibidem, p.

(44) idem, ibidem, p.

(45) Hall, Anthony L. Drought and Irrigation in North-East Brazil. Lon-

dres, Cambridge University Press, 1978.

(46) idem, ibidem, p. 4.

(47) Theóphilo, Rodolpho. História da Seca no Ceará - 1877-1880. 2ª

ed., Rio de Janeiro, Imp. Inglesa, 1922, p. 417.

(48) Brasil Filho, Thomaz Pompeu de Sousa. Rápida Notícia sobre o

Ceará destinada à Exposição de Chicago. Fortaleza, Tip. Econômica, 1893, p.

162.

(49) idem, ibidem, p. 169.

(50) Hardman, Francisco Foot. Op. cit., p. 20.

Page 210: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

210

(51) Campos, Eduardo. Procedimentos de Legislação Provincial do

Ecúmeno Rural e Urbano do Ceará. Fortaleza, Secretaria de Cultura e Des-

portos, 1981, p. 44.

(52) Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do

Ceará para o ano de 1873. Fortaleza, Ed. João Batista Pereira, 1873, p. 442-

51. Almanaque Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do

Estado do Ceará. Fortaleza, Tip. Universal, 1899.

(53) Almanaque de 1873, op. cit., p. 449.

(54) Lemenhe, M. Auxiliadora. Op. cit., p. 72-3.

(55) Pompeu Filho. Op. cit., p. 166. Sobre a indústria têxtil no Ceará ver

Aragão, Elizabeth Fiúza. A Trajetória da Indústria Têxtil no Ceará: O Setor de

Fiação e Tecelagem, 1880-1950. Fortaleza, Núcleo de Documentação Cultural

da Universidade Federal do Ceará, 1986.

(56) Aragão, Elizabeth Fiúza. Op. cit., p. 28-38.

(57) Luz, Nícia Villela. Op. cit., p. 41-50.

(58) Aragão, Elizabeth Fiúza. Op. cit., p. 41-50.

(59) idem, ibidem, p.

(60) Almanaque de 1899, op. cit.

(61) Stein, Stanley. Op. cit., cap. 7.

(62) Villela, Annibal Villanova e Suzigan, Wilson. Política do Governo e

Crescimento da Economia Brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro, IPEA/INPES,

1973, p. 31-39.

(63) Pompeu Filho. Op. cit., p. 169.

(64) Stein, Stanley. Op. cit.

(65) idem, ibidem, p. 66.

(66) Studart, Guilherme. Op. cit., p. 205-07.

(67) Campos, Eduardo. Op. cit., p. 58-9.

Page 211: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

211

(68) idem, ibidem, p. 57.

(69) Ver a esse respeito Monteiro, Hamilton de Mattos. Nordeste Insur-

gente, 1850-1890. São Paulo, Brasiliense, 1981.

(70) idem, ibidem, p. 37.

(71) ibidem, p. 51.

(72) ibidem, p. 75.

(73) Studart, Guilherme. Op. cit., p. 174.

(74) idem, ibidem, p. 199-200.

(75) ibidem, p. 184.

(76) Sobre as Academias e Liceus no ensino das artes e ofícios no Im-

pério ver Durand, José Carlos Garcia. Arte, Privilégio e Distinção. Tese de

doutoramento, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Univer-

sidade de São Paulo, datilo., 1985.

(77) Campos, Eduardo. Op. cit., p. 138-143.

(78) Foot, Francisco e Leonardi, Victor. História da Indústria e do Traba-

lho no Brasil. São Paulo, Global, 1982, cap. 6.

(79) Os dados foram extraídos das seguintes fontes: Diretoria Geral de

Estatística. Relatório e Trabalhos Estatísticos de 1876. Rio de Janeiro, Tip.

Hipólito José Pinto, 1877. Diretoria Geral de Estatística. Relatório apresentado

ao Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Rio de Janeiro, Tip. de Es-

tatística,1908.

Page 212: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

212

CAPÍTULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O ARTESÃO DIANTE DA INDUSTRIALIZAÇÃO

Page 213: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

213

Viu-se, pela análise dos capítulos anteriores, que a tentativa de com-

preensão de uma categoria - o artesão - tornou necessário um esforço de reconsti-

tuição histórica através de um longo período de tempo. Isso porque sua origem

remonta ao passado colonial, complexa herança das artes e ofícios medievais por-

tugueses, mesclada à diversidade dos que se desenvolveram localmente, incorpo-

rando a cultura material indígena e de origem africana.

A produção industrial, sem nunca ter sido um setor essencial e ape-

sar de combatidas pelas camadas agro-exportadoras, que não desejavam o des-

vio de mão-de-obra e capitais para outras atividades que não a agricultura e o co-

mércio a ela relacionado, teve, entretanto, uma expansão bem mais ampla, diver-

sificada e complexa do que se costuma supor.

O primeiro grande impulso se dá no século XVIII, quando a expansão

das artes e ofícios manuais e mecânicos acompanha o crescimento das cidades e

da população, a oferta de matérias-primas e a formação de um mercado de troca

interno à colônia. Os ofícios urbanos tornam-se um dos raros meios de sobrevi-

vência para a população pobre livre e ex-escravos, e representa uma possibilidade

de ascensão social para os que conseguiam adquirir uma especialização profissi-

onal, chegando a se constituir uma camada pequeno burguesa de certo status nas

principais cidades e vidas coloniais.

As transformações sociais das primeiras décadas do século XIX tra-

zem consigo o início da proletarização do artífice e uma queda na escala social

para o mestre artesão independente, com a entrada em massa de manufaturados

europeus a preços baixos e o fim dos privilégios do sistema corporativo, que re-

presentam um momento de ruptura para a categoria.

Page 214: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

214

Foi visto também que, se a reconstituição do artesanato urbano é ta-

refa difícil, mais ainda é tentar acompanhar sua trajetória no campo, uma vez que

as diferenciações foram muitas, em função das condições específicas de cada

região. Optando pelo estudo da região algodoeira-pecuária do sertão nordestino,

acompanhou-se a evolução das artes e ofícios no Ceará, onde ainda hoje a pro-

dução artesanal é atividade que ocupa grande parte da classe trabalhadora.

Assim, foi assinalado que o complexo formado pela criação de gado

e plantação de algodão se constituiu em polo gerador de núcleos artesanais no

Ceará colonial, que se expandem e diversificam no decorrer do século XIX, como

meio de sobrevivência de uma crescente camada de homens livres. O trabalho

artesanal, conjugado à pequena produção de alimentos, garantia a reprodução da

força de trabalho a baixo custo, permitindo a expansão da agricultura comercial,

através de uma gama variada de formas de trabalho familiar e individual.

A incorporação do chamado "trabalhador nacional" no Nordeste, que

se deu de forma precoce em comparação com outras regiões, inicia-se em 1830 e

é marcada pela violência e aviltamento das relações de trabalho, degradadas pelo

estigma da ideologia escravista. A concentração crescente da propriedade fundiá-

ria, a pobreza geral do meio, as crises da agricultura comercial, as condições ad-

versas do clima, marcado por secas periódicas, imprimiram permanente instabili-

dade e desenraizamento à população destituída.

No final do século a existência de um "excedente populacional" faz

com que a perspectiva de sair para outras regiões em busca de trabalho se apre-

sente, cada vez mais, como último recurso e esperança, resultando no processo

de migração em massa.

Entre 1830 a 1900, o trabalho artesanal no Ceará se expandiu sobre-

tudo nos setores onde já havia alcançado alguma diversificação no século XVIII -

calçados de couro, tecidos, redes, rendas e bordados de algodão, agora acresci-

dos de ramos como a cerâmica, a madeira e a metalurgia. Mantinha-se, funda-

mentalmente, como atividade vinculada à estrutura agrária e dela dependente,

descentralizada, dispersa e atomizada pelos pequenos núcleos urbanos, bairros

Page 215: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

215

rurais e interior das fazendas. Comercializava-se o excedente produzido, nas inú-

meras feiras e mercados locais e na venda ambulante que percorria as estradas

de passagem do gado e algodão, entre o litoral e o interior.

Na segunda metade do século XIX, dá-se uma "descoberta" da vari-

edade, qualidade e criatividade do artesanato cearense, que ia da fabricação de

objetos de uso diário a artigos de luxo e mesmo supérfluos. As exposições indus-

triais, veiculando a produção a nível provincial e nacional, atuam no sentido de

mostrar o panorama das manufaturas no Brasil e acirrar o debate entre livre-

cambistas e protecionistas, em torno da política industrial.

Os artesãos escapam aos ataques dos grandes produtores e comer-

ciantes, empenhados em combater a grande indústria, acusada de desviar capitais

e mão-de-obra da agricultura. A pequena indústria no Ceará, pelo contrário, é re-

conhecida pela sua importância em manter o nível de emprego, ao lado da agricul-

tura de subsistência, atenuando o êxodo crescente de trabalhadores.

Do ponto de vista da base técnica e material, dos processos de fabri-

cação e da divisão social do trabalho, houve poucas transformações no artesanato

cearense, no período estudado. A herança de trabalho reproduzia-se secularmen-

te, de geração à geração, pela transmissão familiar e oficinal do aprendizado,

mantendo a divisão sexual da especialização nos diferentes ramos e ocupando,

predominantemente, a mão-de-obra feminina. O surgimento das primeiras fábri-

cas, na década de 1880, pouco alterou esse panorama.

As dificuldades de diferenciação entre artesãos e operários, na pas-

sagem do século XIX para o século XX, refletem-se na forma confusa com que as

profissões são agrupadas nos primeiros censos estatísticos nacionais. O Recen-

seamento de 1872 distingue duas categorias: "manufatureiros e fabricantes" e

"profissões manuais ou mecânicas". O Recenseamento de 1900 divide-as em "in-

dústria manufatureira" e "artes e ofícios", sem discriminação por setor de produ-

ção.

A partir de 1920, sintomaticamente, as "artes e ofícios" desaparecem

dos Censos, dando lugar ao tipo de classificação que, com algumas modificações,

Page 216: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

216

perdura até hoje, distinguindo quatro setores básicos: agricultura, indústria, co-

mércio e serviços, ficando os artesãos submergidos no interior da camada indus-

trial, sem distinção do setor operário.

Os primeiros censos oferecem informações valiosas sobre a posição

da categoria "artes e ofícios" no conjunto das ocupações, no momento em que

começa a se expandir a indústria fabril. Entre 1872 e 1900, quando a maior parte

da população estava ocupada no trabalho agrícola e, em segundo lugar no serviço

doméstico, as artes e ofícios aparecem em terceiro lugar no rol das profissões,

representando um pouco mais de dez por cento da população ativa.

Brasil - Distribuição ocupacional, 1872-1900

Profissões 1872 1900

Trabalhadores agrícolas 3.253.246 5.054.907

Indústria manufatureira 19.343 195.599

Profissões manuais ou me-

cânicas/ artes e ofícios

749.218

963.969

Profissões liberais 73.100 87.406

Profissões comerciais 102.343 322.857

Serviço doméstico 1.056.021 2.358.759

Outras profissões 502.801 352.776

Sem profissão 4.174.406 7.290.718

Total 9.930.478 16.626.991

Fontes: Diretoria Geral de Estatística, Relatório e Trabalhos Es-

tatísticos de 1876, Rio de Janeiro, Tip. Hipólito José Pinto,

1877. Diretoria Geral de Estatística, Relatório apresentado ao

Ministro da Indústria Viação e obras Públicas, Rio de Janeiro,

Tip. de Estatística, 1908.

Note-se que a indústria manufatureira, apesar de ser ainda muito re-

duzida teve um índice de crescimento maior do que as artes e ofícios no período.

Page 217: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

217

Chama atenção, também, no quadro anterior, o elevado número dos sem profis-

são no país, que representam cerca de 40 por cento do total da população.

Examinando-se mais de perto os dois setores industriais, verifica-se

que a indústria manufatureira, em 1872, ocupava um número maior de homens,

enquanto que em 1900 passara a ocupar uma proporção majoritária de mulheres.

Já nas artes e ofícios, a divisão sexual do trabalho seguiu um padrão diverso. Em

1872 havia maioria absoluta de mulheres, enquanto que em 1900, embora a mão-

de-obra feminina fosse predominante, havia crescido bastante o número de ho-

mens empregados no setor.

Trabalhadores na Indústria Manufatureira, Artes e ofícios 1872-1900

1872 1900

Total Homens Mulhe-

res

Total Homens Mulhe-

res

Indústria Ma-

nufatureira

19.343

14.473

4.870

195.599

17.932

177.667

Artes e ofí-

cios

749.219 134.123 615.096 963.969 363.196 600.772

Em relação à população ocupada por região, a maior parte dos que

trabalhavam na indústria manufatureira estava localizada no Nordeste e, em se-

guida, no Leste. (A comparação por região para o ano de 1900 fica prejudicada

pela ausência da cidade do Rio de Janeiro, cujos resultados foram anulados). Em

relação às artes e ofícios pode-se dizer que as duas regiões apresentavam uma

absorção equivalente de trabalhadores.

Page 218: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

218

População ocupada na Indústria Manufatureira, Artes e Ofícios - 1872-1900

Região Ind. Manufatureira Artes e Ofícios População Total

1872 1900 1872 1900 1872 1900

Norte 3.854 8.727 58.246 79.228 410.202 741.948

Nordeste 10.079 112.669 303.475 469.899 2.480.861 3.514.234

Leste* 3.911 48.932 318.189 325.526 2.269.429 3.919.093

Sul 1.102 3.747 44.155 66.107 460.030 955.101

Centro-

Oeste

397

21.524

25.153

23.209

135.540

205.897

Total 19.343 195.599 749.218 963.969 9.930.478 16.626.991

(*) O Censo de 1900 não inclui a cidade do Rio de Janeiro, cujos resultados foram

anulados.

Dentro da região Nordeste, há diferenças interessantes entre 1872 e

1900. Em 1872, a Bahia ocupava a maior parte da mão-de-obra na indústria ma-

nufatureira, mas em 1900 o Ceará dá um salto, alcançando o primeiro lugar em

termos de nível de emprego no setor. O crescimento em Pernambuco havia sido

surpreendentemente pequeno nesse período, aparecendo em terceiro lugar o rio

Grande do Norte. Em relação às artes e ofícios, novamente se destaca sua pre-

sença na Bahia, reflexo, possivelmente, da grande expansão do artesanato urba-

no nessa cidade nos tempos coloniais. O mesmo se pode dizer do Ceará, em re-

lação à herança artesanal no campo. Novamente a participação de Pernambuco,

por ser pequena, em termos proporcionais à população da província, chama a

atenção do observador sobre os possíveis motivos da limitada expansão artesanal

e manufatureira na zona da monocultura açucareira.

Page 219: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

219

População ocupada na Indústria Manufatureira, Artes e Ofícios,1872-1900

Nordeste Ind. Manufatureira Artes e Ofícios População Total

1872 1900 1872 1900 1872 1900

Piauí 108 9.226 24.589 33.655 202.222 334.328

Ceará 597 38.143 63.257 74.997 721.686 849.127

R. Gde.Norte 271 11.715 15.769 15.933 233.979 274.317

Paraíba 118 4.452 26.029 14.463 376.226 490.784

Pernambuco 1.375 4.848 32.025 52.128 841.539 1.178.150

Alagoas 477 4.080 19.769 36.732 348.009 649.273

Sergipe 309 3.900 12.656 34.796 176.243 356.264

Bahia 6.824 36.305 109.381 207.195 1.379.616 2.177.956

Total 10.079 112.669 303.475 469.899 4.279.520 6.250.199

No Leste, para efeitos comparativos, Minas Gerais apresentava o ín-

dice mais alto de emprego nos dois setores. São Paulo aparece em segundo lu-

gar, registrando um crescimento significativo entre 1872 e 1900, seguido do Rio de

Janeiro.

Leste Ind. Manufatureira Artes e Ofícios População Total

1872 1900 1872 1900 1872 1900

Minas Gerais 754 42.065 198.808 192.584 2.039.735 3.594.471

Espírito Santo 78 313 9.166 3.216 82.137 209.783

Guanabara 822 - 29.683 - 274.972 -

Rio de Janeiro 679 1.659 24.121 32.650 782.724 926.035

São Paulo 1.578 4.895 56.411 97.076 837.354 2.282.279

Total 3.911 48.932 318.189 325.526 4.016.922 7.012.568

Page 220: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

220

O setor artesanal e manufatureiro não é demais frisar, tinha, pois,

um papel significativo em termos de manutenção do nível de emprego no final do

século passado, em quase todas as partes do país.

O que se pode concluir deste estudo é que as condições de sua evo-

lução particular no caso do complexo algodoeiro-pecuário não representam um

caso isolado, uma exceção, embora o Ceará se destacasse no setor, quando

comparado a outras províncias, dentro e fora da região. Pelos dados acima apre-

sentados, vê-se que havia um contingente razoável de trabalhadores na indústria,

espalhados por todo o país, nos mais variados setores, às vésperas do processo

de concentração da indústria fabril em São Paulo, onde iria se formar o principal

parque industrial do país.

Para ilustrar o argumento acima, veja-se a distribuição das profissões

manuais e mecânicas por província, em 1872.

Page 221: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

221

Profissões Manuais e Mecânicas por Província - 1872

Província Costu-

reiras

Cantei-

ros e

Calce-

teiros

Metais Madeira Tecidos Edifica-

ções

Cou-

ros/

Peles

Tin-

tu-

raria

Vestuá-

rio

Chapéus Calça-

dos

Total

Amazonas 4.064 52 202 306 1 140 - - 155 1 145 5.066

Pará 8.572 389 942 2.493 369 1.342 134 52 999 120 735 16.147

Maranhão 23.843 134 1.637 3.292 2.195 1.925 235 7 1.924 95 1.746 37.033

Piauí 18.003 - 454 665 4.110 332 128 - 245 2 650 24.589

Ceará 38.379 193 1.139 1.872 18.135 369 717 26 1.235 59 1.133 63.257

Rio Gde.Norte 9.966 - 391 846 2.939 609 115 - 289 2 612 15.769

Paraíba 18.528 42 295 703 5.040 394 183 21 336 36 451 26.029

Pernambuco 20.627 111 1.380 2.218 2.100 1.958 540 66 1.204 204 1.617 32.025

Alagoas 12.653 35 920 1.814 840 953 287 16 989 115 1.147 19.769

Sergipe 7.765 13 529 1.072 1.645 298 134 5 623 21 551 12.656

Bahia 76.651 1.135 4.555 6.925 6.471 5.297 361 48 3.476 224 4.238 109.381

Espírito Santo 6.426 6 250 707 1.224 220 41 - 192 1 99 9.166

Rio de Janeiro 11.592 928 2.987 5.920 14 2.738 479 8 2.519 498 2.000 24.121

Guanabara 21.536 219 239 819 376 185 5 8 317 44 373 29.683

São Paulo 29.082 600 3.197 5.581 10.256 2.366 1.256 202 1.659 386 1.826 56.411

Page 222: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

222

Paraná 2.083 - 247 548 - 286 55 - 156 2 315 3.647

Santa Catarina 5.238 115 351 1.017 1.306 379 167 63 213 21 283 9.153

Rio Gde do Sul 27.587 124 309 929 933 238 347 6 381 29 472 31.355

Minas Gerais 124.633 187 121 786 70.904 231 81 1 838 5 1.021 198.808

Goiás 8.934 107 593 799 9.829 459 325 23 463 65 547 22.144

Mato Grosso 1.830 - 123 361 183 243 27 - 122 - 120 3.009

Total 477.947 4.390 20.861 39.673 138.870 20.962 5.617 552 18.335 1.930 20.081 749.218

Page 223: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

223

Deixando de lado o numerosíssimo grupo das costureiras, que cer-

tamente está a merecer um estudo específico na história do trabalho feminino, o

quadro anterior traz indicações interessantes sobre a diversidade do artesanato e

das manufaturas nas diferentes províncias. Algumas apresentavam produção bas-

tante diversificada, como São Paulo, Bahia, Maranhão e cidade da Guanabara. A

arte da madeira era particularmente desenvolvida nessas províncias, assim como

no Pará e Pernambuco. Outras concentravam quase toda a produção na manufa-

tura de tecidos, caso sobretudo de Minas Gerais, onde os demais ramos eram

quase inexistentes, de Goiás, da Paraíba. A metalurgia era um setor expressivo

em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, assim como a construção civil, que tam-

bém empregava mão-de-obra acima da média no Maranhão e Pernambuco, em

edificações.

Que conclusões se pode tirar da posição da camada artesanal diante

do processo de industrialização? Evidentemente, para responder a essa questão

seria necessário estender a pesquisa para o período que se inicia em 1920 e

acompanhá-la até nossos dias, pois as artes e ofícios continuam a ser atividade

dinâmica em numerosas partes do país. As décadas seguintes representaram,

sem dúvida, um novo momento de ruptura no processo histórico das relações de

trabalho no Brasil.

Nesse processo, o artesão submergiu em obscurecimento ainda

maior, diante da ideologia da modernização, do desejo de superação do "atraso"

por parte das teorias desenvolvimentistas e industrializantes. Mas não desapare-

ceu, não deixou de existir, principalmente ali onde as condições estruturais conti-

nuavam as mesmas, ou quase as mesmas, e onde a sobrevivência do trabalhador

continuou a depender desses meios precários de sobrevivência, que conseguem

garantir sua subsistência, na luta de cada dia.

Sem dúvida, há ainda muito a ser investigado e desvendado, acerca

dos meios de vida de amplas camadas da população brasileira, no passado como

no presente, no campo e na cidade, no Norte e no Sul, nas "artes", nos "ofícios",

assim como nas demais esferas da produção cotidiana da classe trabalhadora.

Page 224: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

224

Abreviaturas

AHU - Arquivo Histórico Ultramarino.

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa.

BNRJ - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

DHBEC- Documentos Históricos da Biblioteca do Estado do Ceará.

Page 225: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

225

BIBLIOGRAFIA

Page 226: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

226

Fontes primárias, manuscritas e impressas.

Almanaque Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Esta-

do do Ceará. Fortaleza, Tip. Universal, 1899. DHBEC.

Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Ce-

ará para o ano de 1873. Fortaleza, Ed. João Batista Pereira, 1873. DHBEC.

Anais da Biblioteca Nacional. Os Manuscritos do Botânico Freire

Alemão. Catálogo e Transcrição. Volume 81. BNRJ.

Caixas e Maços do Ceará. AHU.

Caixas e Maços de Pernambuco. AHU.

Coleção Pombalina. BNL.

Compromisso de Irmandade e Confraria do Patriarca São José dos

Ofícios. 1800. AHU. Caixa de Pernambuco.

Exposição de Chicago, 1892-1893. Catálogo dos Produtos do Ceará

Remetidos à Exposição Preparatória do Rio de Janeiro. Fortaleza, Tip.

Econômica, 1893. DHBEC.

Extrato das Leis, Avisos, Provisões, Assentos e Editais Publicados

nas Cortes de Lisboa e Rio de Janeiro, 1807 a 1818. ANTT.

Livros de Leis. ANTT.

Lista dos Homens Brancos que habitam dentro desta vila da Fortale-

za do Ceará, 1800. AHU, Caixa 10 do Ceará.

Mapa dos Casaes, Pessoas Livres e Oficiais de vários ofícios da Vila

de Montemor-o-Novo, 1788, AHU, Caixas do Ceará.

Mapa Exatíssimo de todos os moradores da freguezia de São Pedro

da Cidade da Bahia, 1775. Publicado in Costa, Avelino de Jesus. "Popula-

ção da Cidade da Bahia em 1775". V Colóquio Internacional de Estudos

Luso-Brasileiros. Coimbra, 1964.

Mapa Geral do que produziam as sete vilas e lugares que adminis-

travam os jesuítas - 1761. Coleção Iconográfica, AHU.

Page 227: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

227

Ofício do Governador Bernardo de Vasconcelos para Lisboa, 1802,

AHU, Caixas do Ceará.

Relatório do Ouvidor Geral da Comarca do Ceará. In Lima, Abelardo

Costa. Terra Aracatiense. Fortaleza, Ramos e Pouchain, 1941.

Relação de João Batista de Azevedo Montaury a Martinho de Mello e

Castro de Caixas com Produção da Capitania, 1784. AHU, Caixas do Cea-

rá.

Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí. Revista do

Instituto Histórico e geográfico Brasileiro, V. LXII, 1897.

Relatórios de Presidentes da Província do Ceará de 1854, 1856,

1859, 1864. DHBEC.

Relatório e Catálogo da Exposição Agrícola e Industrial do Ceará em

1866. Rio de Janeiro, Tip. Perseverança, 1867. DHBEC.

Relatório e Trabalhos Estatísticos de 1876. Diretoria Geral de Esta-

tística. BNRJ.

Relatório apresentado ao Ministro de Viação e Obras Públicas em

1908. Diretoria Geral de Estatística. BNRJ.

Bibliografia geral.

ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial e Caminhos

Antigos e o Povoamento do Brasil. 5ª ed., Brasília, Ed. Universidade de

Brasília, 1963.

ALENCAR, Álvaro de. Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo

do Estado do Ceará. Fortaleza, Ateliers Louis, 1903.

ALVES, Joaquim. História das Sêcas - Séculos XVII a XIX. Fortaleza,

Instituto do Ceará, 1953.

ANDRADE, Manoel Correia de. A Terra e o Homem do Nordeste. 3ª

ed., São Paulo, Brasiliense, 1973.

ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil, por sua Dro-

gas e Minas. Lisboa, Oficina Real Deslanderina, 1711.

Page 228: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

228

ARACIL, Rafael e BONAFÉ, Marins Garcia. La Proto-industrialization

- Un Nou Concepte en la Historia Economica. in L'Avenc, nº32, Revista

d'Historia, Barcelona, nov. 1980.

ARAGÃO, Elizabeth Fiúza. A Trajetória da Indústria Têxtil no Ceará:

o Setor de Fiação e Tecelagem, 1880-1960. Fortaleza, NUDOC-UFC, 1986.

ARARIPE, Tristão de Alencar. História de Província do Ceará, desde

os Tempos Primitivos até 1850. 2ª ed., Fortaleza, Minerva, 1958.

________. Memória Estatística do Império do Brasil. in Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. LVIII, 1985.

AZEVEDO, José Lúcio. Épocas do Portugal Econômico. 4ª ed., Li-

vraria Clássica Editora, 1978.

BARATA, Mário. As Artes Plásticas de 1808 a 1889. In História Geral

da Civilização Brasileira, O Brasil Monárquico, T. II, vol. 3, São Paulo, DI-

FEL, 1969.

BARROS, José Júlio de Albuquerque. Relatório e Catálogo da Expo-

sição Agrícola e Industrial do Ceará em 1866. Rio de Janeiro, Tip. Perseve-

rança, 1867.

BARROS, José Villela. Memória ou Exposição do Método de Plantar

e Colher no Brasil a Mandioca, e Fabricar a sua Farinha. In Memória Eco-

nômica da Academia Real de Ciências, T. VII, Lisboa, 1789.

BARROSO, Gustavo. Terra do Sol. 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Ben-

jamim de Aguillar, 1913.

BASTOS, Tavares. A Província. In Coleção Brasileira, vol. 105, São

Paulo, Ed. Nacional, Brasília, 1975.

_______. Cartas do Solitário. São Paulo, Cia. Editora Nacional,

BEIGUELMAN, Paula. Formação Política do Brasil. São Paulo, Pio-

neira, 1967.

BOURGIN, Hubert. L'Industrie et Le Marché. Paris, 1924.

BRAGA, Renato. História da Comissão Científica de Exploração.

Fortaleza, Imprensa Universitária, 1962.

Page 229: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

229

BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogo das Grandezas do Brasil,

1618. São Paulo, Melhoramentos, 1977.

BRASIL, Thomaz Pompeu de Souza. Ensaio Estatístico da Província

do Ceará. Fortaleza, Tip. B. de Matos, 1864.

BRASIL FILHO, Thomaz Pompeu de Souza. Rápida Notícia sobre o

Ceará destinada à Exposição de Chicago. Fortaleza, Tip. Econômica, 1893.

BRAUDEL, Fernand. Civilization Matérielle, Economie et Capitalis-

me, XV-XVIII Siécle. Tome 2, Paris, Armand Colin, 1979.

BRIDENBAUGH, Carl. The Colonial Craftsman. New York, University

Press, 1950.

BUSCHIAZZO, Mário J. Artistas y Artesanos Portugueses en el Vir-

reinato del Rio de La Plata. In III Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros,

Universidade de Buenos Aires, sem data.

CAETANO, Marcelo. A Antiga Organização dos Mestres na Cidade

de Lisboa. Prefácio à obra de Langhans, Franz Paul. As Corporações de

Ofícios Mecânicos, Imprensa Nacional de Lisboa, 1943.

CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol. I, Rio de Janeiro, José

Olympio, 1959.

CÂMARA, Manuel Arruda. Memória sobre a Cultura dos Algodoeiros.

Lisboa, Oficina da Casa Literária do Arco do Cego, 1799.

CAMPOS, Eduardo. Procedimentos de Legislação Provincial do

Ecúmeno Rural e Urbano do Ceará. Fortaleza, Secretaria de Cultura e

Desportos, 1981.

CANALDA PALAU, Guillermo. España y Mejico. El Derecho Laboral

en "Nueva España". Siglos XVI y XVII. Madrid, Ed. d e 1 Movimiento, 1968.

CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo.

Rio de Janeiro, Difel, 1977.

CARONE, Edgar. A República Velha, Instituições e Classes Sociais.

Rio de Janeiro, Difel, 1978.

Page 230: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

230

CARREIRA, Liberato de Castro. Retificação à Descrição da Capita-

nia do Ceará por A.J. da Silva Paulet. In Revista do Instituto Histórico e Ge-

ográfico Brasileiro, vol. LX, 1897.

CASAL, Aires de. Corografia Brasílica, 1817. Rio de Janeiro, Impren-

sa Nacional, 1945.

CHANDLER, Billy Joynes. Os Feitosas e o Sertão dos Inhamuns: a

história de uma família e uma comunidade no Nordeste do Brasil. Fortale-

za/Rio de Janeiro, Edições UFC/Civilização Brasileira, 1980.

CIPOLLA, Carlo M. The Fontana Economic History of Europe. Lon-

don, Fontana Books, 1971.

CONRAD, Robert Edgar. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil.

2ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.

_______. Tumbeiros, o Tráfico de Escravos para o Brasil. São Paulo,

Brasiliense, 1985.

COSTA, Lúcio. Notas sobre a Evolução do Mobiliário Luso-Brasileiro.

In Revista do IPHAN, vol. 3, Rio de Janeiro, 1939.

COSTA, Emília Viotti. A Consciência Liberal nos Primórdios do Impé-

rio. In Da Monarquia à República, Momentos Decisivos, São Paulo, Ciên-

cias Humanas, 1979.

______. Urbanização no Brasil no Século XIX. In Da Monarquia à

República, Momentos Decisivos, São Paulo, Ciências Humanas, 1979.

CURTIN, Philip D. The Atlantic Slave Trade: A Census. Madison,

Wis., 1969.

DENIS, Ferdinand. Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itataia, São Paulo, Ed.

da Universidade de São Paulo, 1980.

DENNIS, Johnson. A Carnaubeira e seu Papel como planta Econô-

mica. Fortaleza, Universidade da Califórnia, ed. Banco do Nordeste do Bra-

sil, 1972.

DEVEZA, Guilherme. Política Tributária no Período Imperial. In Histó-

ria Geral da Civilização Brasileira, T. II, vol. 4, São Paulo, Difel, 1971.

Page 231: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

231

DEYON, Pierre e MENDELS, Franklin. La proto-Industrialization:

Théorie et Réalité. Section A2, VIII Congrés International d'Histoire Econo-

mique, Budapest, 1982.

DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo

no Século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1984.

DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro, Zahar,

1971.

DURAND, José Carlos Garcia. Arte, Privilégio e Distinção. Tese de

Doutorado, I.I.L.C.U., Universidade de São Paulo (datilog.), 1985.

EISENBERG, Peter. Modernização sem Mudança.

EWBANCK, Thomas. A Vida no Brasil ou Diário de uma Visita ao Pa-

ís do Cacau e das Palmeiras. vol. 2, Rio de Janeiro, Conquista, 1973.

FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social, 1890-1920. Rio

de Janeiro, Difel, 1977.

FERNANDEZ DE VELASCO, Manuel. El Trabajo en la Nueva Espa-

ña, Perspectivas Sociales y Economicas. In Reunión Hispano Mexicana de

História, Santa Maria de la Rábida, Nuelva, 1980.

FIGUEIRA, Luiz. Relação do Maranhão, 1608. In Revista do Ceará,

T. XVII, Fortaleza, Tip. Studart, 1903.

FIGUEIREDO, José Anastácio. Sinopses Cronológica de Subsídios

para a História da Legislação Portuguesa. Vol. II, Lisboa, 1790.

FLEXOR, Maria Helena. Ofícios Mecânicos na Cidade de Salvador.

Prefeitura Municipal de Salvador, 1974.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento da Civilização

Material no Brasil. 2ª ed., Conselho Federal de Cultura, 1971.

FREIRE, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro, 1937.

FOOT, Francisco e LEONARDI, Victor. História da Indústria e do

Trabalho no Brasil. São Paulo, Global, 1982.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro,

Fundo de Cultura, 1964.

Page 232: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

232

GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra no Brasil e Histó-

ria da Província de Santa Cruz. Rio de Janeiro, Anuário do Brasil, 1924.

GARDNER, George. Viagem ao Interior do Brasil. São Paulo,

EDUSP, 1975.

GIRÃO, Valdelice C. As Oficinas ou Charqueadas no Ceará. Disser-

tação de mestrado, Universidade Federal de Pernambuco.

GIRÃO, Raimundo. História Econômica do Ceará. Fortaleza, Instituto

do Ceará, 1947.

______. (org.) Sesmarias Cearenses - distribuição geográfica. Forta-

leza, Departamento de Imprensa Oficial, 1971.

______. Pequena História do Ceará. 3ª edição, Fortaleza, Imprensa

Universitaria, 1971a.

GLAMAJNN, Kristof. European Trade, 1500-1700. In CIPOLLA, Carlo

M.. Op. cit., vol. 2, 1971.

GNACCARINI, José C. A Economia do Açúcar. Processo de Traba-

lho e Processo de Acumulação. In FAUSTO, Boris (dir.), História Geral da

Civilização Brasileira, T. III, vol. 1, São Paulo, Difel, 1977.

GODINHO, Vitorino Magalhães. A Estrutura da Antiga Sociedade

Portuguesa. Lisboa, Ancadia, 1971.

GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo, Ática, 1978.

GUABIRABA, Célia. História da Agricultura no Ceará, 1850-1930.

Fortaleza, (mimeo.), 1978.

HALL, Anthony D.. Drought and Irrigation in North-East Brazil. Lon-

dres, Carbridge University Press, 1978.

HARDMAN, Francisco Foot. Brasil na Era do Espetáculo: figuras de

fábrica nos sertões. In Relações de Trabalho e Relações de Poder. Mudan-

ças e Permanências, Fortaleza, Mestrado em Sociologia e Núcleo de Estu-

dos e Pesquisas Sociais da Universidade Federal do Ceará, 1986.

HEERS, P. Escravos e Domésticos na Idade Média no Mundo do

Mediterrâneo. São Paulo, Difel, 1983.

Page 233: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

233

HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. Rio de Janeiro,

José Olympio Editora, 1957.

________. Raízes do Brasil. 9ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio

Editora, 1976.

HOORNAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro, 1550-

1800. Petrópolis, Vozes, 1974.

KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagem e Permanência no

Brasil, Províncias do Norte. Vol. 2, São Paulo, Martins/EDUSP, 1972.

KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. São Paulo, Cia. Ed.

Nacional, 1942.

LAGHANS, Franz Paul. As Corporações dos Ofícios Mecânicos.

Subsídios para a sua História. Imprensa Nacional de Lisboa, 1943.

________. A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa. Lisboa, Imprensa

Nacional, 1948.

LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira das Índias. São

Paulo, Nacional, 1968.

LE GOFF, Jacques. La Ciudad como Agente de Civilización. In CI-

POLLA, Carlo M., História Econômica da Europa, La Edad Media, Barcelo-

na, Ariel, 1979.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus. Rio de Janeiro,

Imprensa Nacional, 1945.

_____. Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil, 1549-1760. Lisboa, Li-

vros de Portugal, 1950.

LEMENHE, Maria Auxiliadora. Expansão e Hegemonia Urbana: o

Caso de Fortaleza. Dissertação de mestrado em Sociologia, Universidade

Federal do Ceará, Fortaleza, (mimeo.), 1983.

LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil, 1587. São Paulo, Cia. Edi-

tora Nacional, 1938.

LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do

Brasil. Cia. Editora Nacional, 1970.

Page 234: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

234

LUZ, Nícia Villela. A Luta pela Industrialização no Brasil. São Paulo,

1960.

MACEDO, Jorge Borges de. A Situação Econômica no Tempo de

Pombal. 2ª ed., Lisboa, Moraes, 1982.

MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil.

Rio de Janeiro, Tip. Nacional, 1866, 2ª ed., vol. 2, São Paulo, 1944.

MARQUES, A.H. Oliveira. A Sociedade Medieval Portuguesa. 2ª ed.,

Livr. Sá da Costa, 1971.

_______. História de Portugal. Vol. II, Lisboa, Palas, 1972.

MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. São Paulo, Ciên-

cias Humanas, 1979.

MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. 2ª ed., Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1977.

_____. El Capital. Fondo de Cultura Econômica, 1946.

MATTOSO, Kátia de Queiróz. Ser Escravo no Brasil. São Paulo,

Brasiliense, 1982.

MAURO, Frédéric e WOLFF, Philippe. La Epoca del Artesanado. In

Historia General del Trabajo, Libro IV, Louis Henry Parias, 1960.

MEDICK, Hans. The Proto-Industrial Family Economy: The Structural

Function of House hold and Family during the transition from Peasant Soci-

ety to Industrial Capitalism. In Social History 3, october 1976.

MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio. São Paulo,

Brasiliense, 1982.

MELLO, José Antônio Gonçalves de. Pernambuco. In SERRÃO, Jo-

el. Dicionário de História de Portugal, vol. I, Ponto, Iniciativas Editoriais,

1971.

______. Tempo dos Flamengos. 2ª ed., Recife, Cia. Editora de Per-

nambuco, 1979.

Page 235: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

235

MENDELS, Franklin D. Proto-Industrialization - The First Phase of

Industrialization Process. In Journal of Economic History, vol. XXXII, nº 1,

march 1972.

MENEZES, Luís Borba Alardo de. Memória sobre a Capitania do

Ceará, 1814. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol.

XXXIV, 1871.

MENEZES, Djacir. O Outro Nordeste. Rio de Janeiro, José Olympio

Editora,

1937.

MEYER, Marlyse. Um Eterno Retorno: As Descobertas do Brasil. In

Cadernos CERU, nº 13, 2ª série, 1980.

MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Nordeste Insurgente, 1850-1890.

São Paulo, Brasiliense, 1981.

MORNER, Magnus. Actividades Políticas y Econômicas de los Jesuí-

tas en el Rio de la Plata. La era de los Habsburgos. Buenos Aires, 1968.

MOTT, Luiz R.B. Estrutura demográfica das fazendas de gado do Pi-

auí colonial: Um caso de povoamento rural centrífugo. In Revista Civiliza-

ção e Cultura, São Paulo, 1978.

NASCIMENTO, F.S. Síntese Histórica da Escravidão Negra no Cea-

rá. In Revista Aspectos, Fortaleza, Secretaria de Cultura e Desportos, 1984.

NOGUEIRA, Paulino. Presidentes do Ceará Durante a Monarquia.

Vol. 3º, Fortaleza, Instituto do Ceará, 1889.

NORONHA, Santos. Um Litígio entre Marceneiros e Entalhadores no

Rio de Janeiro. In Revista do I.P.H.A.N., nº 6, Rio de Janeiro, Ministério da

Educação e Cultura, 1942.

NOVAIS, Fernando A. Portugal e o Brasil na Crise do Antigo Sistema

Colonial, 1777-1808. São Paulo, Hucitec, 1979.

OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião. Rio de Janeiro,

Paz e Terra, 1977.

Page 236: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

236

________. A Economia da Dependência Imperfeita. 3ª ed., Rio de

Janeiro, 1980.

OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença. Um surto

de industrialização na Bahia do século XIX. Salvador, Centro de Estudos

Baianos, 1985.

PAIVA, M. Arair Pinto. A Elite Política do Ceará Provincial. Rio de

Janeiro, Tempo Brasileiro, 1979.

PAULET, Antônio José da Silva. Descrição Geográfica Abreviada da

Capitania do Ceará. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

vol. LX, 1897.

PEREZ MARTIN, Antônio. Nuevo Mundo (America y Filipinas), in Le-

gislación y Jurisprudencia en la España del antigo Régimen, 1494-1810.

PERRUCI, Gadiel. A República das Usinas: Um Estudo da História

Social e Econômica do Nordeste, 1889-1930. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

1978.

PINHO, Wanderley. A Bahia: 1808-1856. In História Geral da Civili-

zação Brasileira. Tomo II, vol. 2, São Paulo, Difel, 1967.

PINTO, Virgílio Noya. Balanço das Transformações Econômicas do

Século XIX. In MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva, 12ª

ed., São Paulo, Difel, 1981.

PIRENNE, Henri. História Economica y Social de la Edad Média.

Madrid, Fondo de Cultura Econômica, 1978.

POPESCU, Treste. El Sistema Economico en las Misiones Jesuiti-

cas. Un Vasto Experimiento de desarrollo indoamericano, 2ª ed., Barcelona,

Ariel, 1967.

PORTO, Costa. Estudo sobre o Sistema Sesmarial. Recife, Imprensa

Universitária.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 3ª ed.,

São Paulo, Brasiliense, 1948.

Page 237: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

237

_______. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense,

1956.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Coronelismo numa Interpreta-

ção Sociológica. In História Geral da Civilização Brasileira, O Brasil Repu-

blicano, Tomo III, vol. 1, São Paulo, Difel.

REGLA, Juan. La Epoca del Artesanado en España. In História Ge-

neral del Trabajo, Livro IV, Barcelona, Grifalbo, 1965.

RIBALTA, Pedro Molas. Los Gremios Barceloneses del Siglo XVIII.

Madrid, Confederación Española de Cajas de Ahorro, 1969.

RIBEIRO JÚNIOR, José. Colonização e Monopólio no Nordeste Bra-

sileiro. São Paulo, Hucitec, 1976.

RIBEIRO, Maria de Lourdes Roque Aguiar. As Relações Comerciais

entre Portugal e Brasil segundo as "Balanças de Comércio", 1811-1821.

Lisboa, Imprensa de Coimbra, 1972.

RIBEIRO, Talila Ayoub Jorge. A Desagregação do Sistema Escravis-

ta no Maranhão, 1850-1888. Dissertação de mestrado em História, Univer-

sidade de Pernambuco (mimeo), Recife, 1983.

RUMEU DE ARMAS, Antonio. Codigo del Trabajo del Indigena Ame-

ricano. Madrid, Ed. Cultura Hispânica, 1953.

SÁ JÚNIOR, Francisco. O Desenvolvimento da Agricultura Nordesti-

na e a Função das Atividades de Subsistência. In Seleção CEBRAP I,

Brasiliense, 1975.

SAINT-LEÓN, Martin. Histoire des Corporation de Métiers. 4ª ed.,

Paris, 1944.

SANTOS, Ana Maria Barros dos. Introdução ao Estudo da Escravi-

dão em Pernambuco e sua Transição para o Trabalho Livre. Dissertação de

mestrado em História, Universidade Federal de Pernambuco, (mimeo), Re-

cife, 1978.

SARAIVA, Antônio José. Artes Liberais. In SERRÃO, Joel. Dicionário

de História de Portugal, vol. I, Iniciativas Editoriais, Porto, 1971.

Page 238: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

238

SERRÃO, Joel. Dicionáro de História de Portugal. vol. I, Porto, Inicia-

tivas Editoriais, 1971.

SERRÃO, Joel e MARTINS, Gabrilea. Da Indústria Portuguesa, do

Antigo Regime ao Capitalismo. Horizonte Universitário, 1978.

SIGAUD, Lígia. Os Clandestinos e os Direitos. São Paulo, Duas Ci-

dades, 1979.

SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil. 7ª ed., São Pau-

lo, Cia. Editora Nacional, 1977.

SINGER, Paul. O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional. In

FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III, vol. 1,

São Paulo, Difel, 1977.

SOARES, Sebastião Ferreira. Notas Estatísticas sobre a Produção

Agrícola e Carestia dos Gêneros Alimentícios no Império do Brasil - 1860.

Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1977.

SOUZA, Laura de Mello. Desclassificados do Ouro, a Pobreza Minei-

ra no Século XVIII. Rio de Janeiro, Graal, 1982.

SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil, 1587. São

Paulo, Cia. Editora Nacional, 1938.

SPIX, J.B. e MARTIUS, C.F.P.. Viagem pelo Brasil. Vol. 1º, Rio de

Janeiro, Imprensa Nacional, 1938.

STEIN, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil,

1850-1950. Rio de Janeiro, Campus, 1979.

STUDART, Guilherme. Datas e Fatos para a História do Ceará. For-

taleza, Tipografia Studart, 1896.

THÉOPHILO, Rodolpho. História da Seca no Ceará: 1877-1880. 2ª

ed., Rio de Janeiro, Imp. Inglesa, 1922.

TOLLENARE, I.F. Notas Dominicais, 1817. Vol. XVI, Coleção Per-

nambucana, Secretaria de Educação e Cultura, 1978.

VALLADARES, José G. As Artes Plásticas no Brasil, Ourivesaria. Rio

de Janeiro, Edições de Ouro, 1970.

Page 239: 211892380 arte-e-oficio-de-artesao-historia-e-trajetorias-de-um-meio-de-subsistencia

239

VASCONCELOS, Salomão. Ofícios Mecânicos em Vila Rica durante

o século XVIII. In Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Na-

cional, nº 4, 1940.

VASCONCELOS, Sérgio de. Vila Rica. São Paulo, Perspectiva,

1977.

VILLELA, Annnibal Villanova e SUZIGAN, Wilson. Política do Gover-

no e Crescimento da Economia Brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro,

IPEA/INPES, 1973.

VIÑAS Y MEL, Carmelo. El Estatuto del Obrero Indigena en la Colo-

nización Española. Madrid, Compañia Ibero-americana de Publicacion,

1929.

VIVES, J. Vicens. Historia de España y America. Vol. II, Barcelona,

Ed. Vicens-Vives, 1961.

VRIES, Jan de. La Economia de Europa en un Periodo de Crisis. 2ª

ed., Madrid, Catedra, 1982.

ZAVALA, Sílvio y CASTELO, Maria. Fuentes para la Historia del

Trabajo en Nueva España. México, Fondo de Cultura Economica,