213563868 Argumentar e Facil

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Transcript of 213563868 Argumentar e Facil

ndiceDados biogrficos Introduo TEXTO EXPOSITIVO

-Definio / Caracterizao -Exemplos de Textos Expositivos -Comentrio TEXTO ARGUMENTATIVO

-Definio/Caracterizao A argumentao antigamente-Um pouco de histria -Elementos da Retrica Clssica -Exemplos de Textos Argumentativos

-de carcter dialgico - comentrio -de carcter apelativo comentrio-de carcter expositivo -comentrio

A argumentao nos nossos dias -A tcnica argumentativa -Articuladores do discursoComo construir um texto argumentativo Padre Antnio Vieira

-Breve sinopse biogrfica

a) -Oratria

b) -Sermo da Sexagsima-o modelo -diviso em partes

-mtodo-atributos do orador

-estrutura ideal de um sermo -estilo

c) Sermo de Santo Antnio aos Peixes

-estrutura -breve sntese -anlise de um excerto

TEXTO EXPOSITIVO-ARGUMENTATIVO -Definio / Caracterizao -Exemplos de Textos Expositivos -Argumentativos a) -textos publicitrios

b) -outros textos

-Etapas para a elaborao de um texto Expositivo -Argumentativo -Resoluo de testes de exame nacionalBibliografia

Dados biogrficos sobre a autora Cidlia Fernandes

Professora de Nomeao Definitiva do 8 Grupo A, na Escola Secundria de Penafiel, onde lecciona a disciplina de Portugus a alunos do Ensino Secundrio e a alunos do Ensino Recorrente Nocturno. licenciada em Lnguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Alemes, pela Faculdade de Letras do Porto. Lecciona ainda no Colgio de S. Gonalo, Amarante, as disciplinas de Portugus e de Alemo. Publicou, em co-autoria, vrios manuais escolares para o Ensino Geral Recorrente e para o Ensino Secundrio, pela Didctica Editora, e o livro Resumir Fcil, da Pltano Editora.Tem publicados alguns trabalhos de poesia, em colectneas de poesia, e ainda autora de livros infantis: Contar; Ouvir; Sonhar, da Editorial Paulinas (2001), e Nove Contos de Natal (2003), da Campo das Letras.

IntroduoA produo de qualquer texto escrito sempre o resultado de um conjunto de operaes baseadas em tcnicas e processos especficos, mas que exigem obviamente trabalho e esforo.Como diz Maria Teresa Serafini, in Como se Faz um Trabalho Escolar, "Cada texto nasce com esforo e por sucessivas aproximaes; escrever um ofcio, um trabalho como outros que requer muita tcnica e muito esforo."Assim sendo, produzir um texto nunca dever ser considerado fruto de uma inspirao momentnea ou apangio de alguns iluminados; desde que se conheam algumas regras e as etapas para a sua elaborao, qualquer um poder ser autor de um texto bem sucedido.Trs tipos de texto sero matria deste trabalho: o expositivo, o argumentativo e o expositivo -argumentativo.Falar de um texto expositivo implica falar de um texto informativo, denotativo ou objectivo que pretende, acima de tudo, elucidar atravs de uma exposio sobre um acontecimento qualquer.Falar de texto argumentativo e de texto expositivo -argumentativo torna-se menos linear, visto que a barreira que os separa pouco ntida, pois, apesar das diferenas, apresentam algumas caractersticas comuns.Assim, enquanto o objectivo do texto argumentativo fundamentalmente impor um juzo ou defender uma tese, com vista alterao de comportamentos ou atitudes, atravs de argumentos e provas que convenam o destinatrio e o persuadam a adoptar essa mesma tese, o texto expositivo -argumentativo parte de um tema e desenvolve-o, recorrendo a conhecimentos adquiridos e reflecte sobre ele, podendo o autor apresentar tambm o seu ponto de vista. No entanto, tanto um como o outro recorrem s mesmas tcnicas discursivas, como acontece com a exemplificao e com os conectores de discurso, e utilizam a mesma disposio estrutural (introduo, desenvolvimento e concluso).O texto expositivo -argumentativo um texto hbrido, pois resulta da ligao entre o texto expositivo e o texto argumentativo.Ao longo deste trabalho, vrios textos exemplificativos sero apresentados e analisados, para provar que afinal a tcnica da argumentao continua viva nos nossos dias, apesar da sua j longa histria.

Texto Expositivo

"Em literatura, exposio a forma do discurso que explica, define e interpreta. Abarca todo o gnero de composies, orais ou escritas, que no tenha como principal finalidade descrever um objecto (descrio), contar uma histria (narrao) ou defender uma posio (argumentao). O termo exposio aplica-se tambm primeira parte dum enredo, na qual se d a informao de fundo ou de base.

(...)

A matria dos artigos de revista, dos artigos de fundo e dos ensaios , geralmente, quase toda ela expositiva; as peas de teatro, os romances, os contos e uma boa parte da poesia incluem tambm alguma exposio, embora nos gneros referidos sejam outros os elementos dominantes do discurso."

Shaw, Harry, Dicionrio de Termos Literrios,

Lisboa, Dom Quixote, 1978, p. 197

O texto expositivo, ou expositivo -informativo, tem por objectivo apresentar ou expor determinadas informaes ou problemas, explicar assuntos ou factos, de uma forma o mais inteligvel possvel, no sentido de ser entendido pelo seu destinatrio (ouvinte ou leitor). Este tipo de texto caracteriza-se por um razovel grau de objectividade, por apresentar linguagem cuidada, coerncia textual, com estruturas sintcticas e lexicais correctas e adequadas, clareza, simplicidade e rigor. Recorre ainda ao uso de estruturas impessoais e de nominalizaes e s modalidades de possibilidade, certeza ou probabilidade, em vez de juzos de valor ou sentimentos de apreciao.

A estrutura tpica de qualquer texto que pretende transmitir informaes de uma forma clara e objectiva; assim, pode encontrar-se nele:

.A apresentao do tema, na qual se faz normalmente uma referncia ao percurso do texto, aos seus objectivos e inteno do autor.

.Desenvolvimento do tema, ao longo do qual se procura explicar, demonstrar e estabelecer uma ligao lgica entre os dados enunciados na apresentao.

.Concluso (podendo esta existir ou no), em que se faz uma sntese do exposto, focando os assuntos mais importantes.

Nota: Ser pertinente referir ainda o Texto Explicativo, devido utilizao frequente no ensino e em todas as disciplinas. Este serve para explicar ou fazer compreender uma coisa, desenvolvendo-a pormenorizadamente.Segundo Marie-Jeanne Borel, explicar designa "uma relao de comunicao entre dois agentes, relativamente a um objecto: o locutor A faz compreender ao seu interlocutor B o que um certo objecto, explicando-o, analisando-o diante dele ou explicitando elementos ou aspectos desse mesmo objecto. Este modo de falar didctico e o procedimento em jogo, uma explicao". (Citao in Curso de Redaco, o texto 1/, J. Esteves Rei, Porto Editora).

Exemplificao:

Texto IA Revoluo de Abril de 1974 e as transformaes polticas e sociais que se lhe seguiram mudaram radicalmente a sociedade portuguesa e tambm a situao das mulheres. Logo em 1974, novas carreiras lhe so abertas: a magistratura, a diplomacia e todos os cargos da carreira administrativa local.

A Constituio da Repblica Portuguesa de 1976 consagra a igualdade para as mulheres em todas as esferas da vida social na famlia, no trabalho, na educao, na vida pblica -e consagra tambm a maternidade como valor social eminente. Novas leis decorrem destes princpios. (...)

O avano legislativo permitiu, alis, a Portugal ser um dos primeiros pases a ratificar, sem reservas, em 1980, a Conveno das Naes Unidas para a Eliminao de Todas as Formas de Descriminao contra as Mulheres, instrumento legal bsico e global para todos os programas e polticas relativos igualdade de oportunidades para as mulheres.

Nem sempre, porm, a situao legal corresponde situao de facto. Talvez que as mudanas legais rpidas e globais tenham criado uma particular situao de desajustamento entre o ideal e o real. Se quisssemos resumir a situao actual das mulheres portuguesas, poderamos caracteriz-Ia pelos conceitos de ambiguidade e at de contradio.

Maioritrias no sistema formal de ensino, incluindo o nvel universitrio, as mulheres portuguesas esto, porm, muito longe de uma representao justa e equitativa ao nvel dos postos de deciso, seja ela poltica, econmica, sindical ou outra. Presentes no mercado de trabalho em taxa que das mais altas da Europa, continuam maioritariamente nos postos menos qualificados e mais mal remunerados, sendo a sua remunerao mdia de cerca de 78% da remunerao mdia masculina. So, por outro lado, em muitas situaes, directa ou indirectamente discriminadas, nomeadamente por motivo do exerccio da funo social da maternidade.

Objecto de um conjunto de leis igualitrias e progressistas, so-Ihes as mesmas ainda em parte desconhecidas ou pouco familiares. Sujeito privilegiado de conceitos proclamados de dignidade, de justia social e de democracia, a mulher ainda objecto de opresso, de trfico e de violncia, que as leis no permitem, mas os costumes consagram.

Maria Regina A. Tavares da Silva, "Histria no Feminino: os movimentos feministas em Portugal", in Joo Medina (org.), Histria de Portugal

Dos tempos pr-histricos aos nossos dias, Amadora,

Clube Internacional do Livro, 1995.

(Prova Escrita de Portugus B / 2003, 1.a fase, 2.a chamada)

Texto IISe escritor existe, na histria da literatura portuguesa, cuja biografia literria breve e de certo modo apagada, esse escritor sem dvida Cesrio Verde. (...) Essa impresso de apagamento torna-se mais insistente em contraste com a notoriedade que o poeta atingiu depois de morrer, em funo do relevante papel que se lhe reconhece na evoluo da poesia portuguesa da segunda metade do sculo XIX. (...)

Ignorado ou incompreendido pelo meio literrio portugus -note-se que o Parnaso Portugus Moderno (1877), de Tefilo Braga, no o inclui nem se lhe refere -, Cesrio consagra-se vida comercial e agrcola, que cada vez mais o absorve. O que no o impede, no entanto, de prosseguir a sua criao potica, sob o signo de um certo cepticismo, confessado em cartas a vrios amigos (Macedo Papana, Silva Pinto, etc.), e tambm de uma espcie de tdio existencial, acentuado quando se agrava a tuberculose de que por fim morreria, em 19 de Julho de 1886.

O relativo isolamento em que decorre a breve vida literria de Cesrio Verde pode explicar-se de vrias formas, a comear pelo que de inovador existia na sua poesia, antecipando-se, nos anos 70, aos movimentos poticos que o fim-de-sculo consagraria.

Por outro lado, Cesrio no se articula directamente com aquele que foi, no seu tempo, o grupo dominante de intelectuais e escritores: a chamada Gerao de 70, de que Cesrio se separava antes de tudo por um pequeno desfasamento etrio (contava apenas 16 anos quando tiveram lugar as Conferncias do Casino). A isto vem juntar-se a sua cada vez mais intensa actividade comercial, aliada falta de uma formao universitria que lhe facultasse o acesso aos crculos intelectuais dominantes no seu tempo. (...)

O reconhecimento pstumo da importncia de Cesrio Verde na literatura portuguesa do sculo XIX deve muito ao empenhamento de Silva Pinto: tendo publicado em 1887 o volume a que deu o ttulo O Livro de Cesrio Verde, Silva Pinto legou posteridade uma obra potica ordenada (certamente de acordo com o seu critrio pessoal) em duas seces -"Crise romanesca" e Naturais" e com variantes em relao ao primeiro aparecimento na imprensa; a esses textos vieram juntar-se, em edio de Joel Serro, outros poemas dispersos, entretanto recolhidos.

Carlos Reis, "Cesrio Verde: Realismo e Criao Potica",

Histria da Literatura Portuguesa, vol. 5, Lisboa, Ed. Alfa, 2001.

(Prova escrita de Portugus A / 2002, 1.a fase, 1.a chamada)

Nota: Os excertos podem no apresentar concluso.ComentrioSo dois textos que pretendem informar o leitor de uma forma objectiva e clara sobre assuntos da actualidade e de interesse geral.

O primeiro comea por referir as mudanas que a Revoluo de Abril de 1974 operou na Sociedade Portuguesa, consagrando a Constituio Portuguesa a igualdade para as mulheres em todas as esferas sociais (Introduo). No entanto, ao longo do texto constata-se que na prtica isso no se verifica, visto que as mesmas continuam a ser vtimas de discriminao directa ou indirecta, de opresso, do trfico e da violncia (Desenvolvimento).

O segundo considera que Cesrio Verde foi uma das figuras mais apagadas da Literatura Portuguesa enquanto viveu, tendo a sua notoriedade crescido apenas depois de morrer (Introduo). O meio literrio ignorou-o no s pelo isolamento a que se votou, provocado pela sua actividade comercial, mas tambm pelo facto de a sua poesia constituir uma inovao (Desenvolvimento). O reconhecimento pstumo da sua obra potica deve-se ao seu amigo Silva Pinto, que publicou os seus poemas em O Livro de Cesrio Verde, em 1887 (Concluso).

Texto Argumentativo

Definio / Caracterizao

Argumentao

"O termo insinua, pela sua frmula radical, a ideia de ataque ou opugnao racional. Neste sentido, constituindo a argumentao um dos processos essenciais da lgica clssica, elucidativa a seguinte interpretao, de estilo caracteristicamente tomista: "argumentum dicitur quod arguit mentem ad assentiendum alicui": chama-se argumento o que argui -aguilhoa, espicaa ou urge, poderia traduzir-se -a mente para assentir..., De Verit., 14,2, ob. 14.

1) Formal ou virtualmente a A. reporta-se a um mtodo de demonstrao da verdade, exprimindo uma "posio" ou "oposio" lgica. Cabe, por isso, demonstrao um lugar de relevo na metodologia lgico - dialctica, seja em ordem fundamentao de uma "tese" preestabelecida como objecto de assero ou defesa, seja em referncia formal a uma "questo", em torno qual se "disputa" ou "debate", para investigao da "resposta" (.. .)."

Logos, Enciclopdia Luso-Brasileira de Filosofia, I vol., Lisboa/So Paulo,

Editorial Verbo,1989.A argumentao antigamente

Um pouco de histria

A palavra Retrica tem hoje um sentido pejorativo, no entanto, no se pode excluir a sua importncia para o conhecimento geral contemporneo.

A Retrica nasceu na Grcia, foi estimada pelos romanos e espalhou-se depois por toda a Europa; manteve-se no Renascimento e ainda hoje uma disciplina que se ocupa da eficcia e do poder da comunicao oral ou escrita, no sentido de desenvolver a qualidade literria de um texto.

A Retrica , pois, uma arte, cujo objectivo fundamental expor as regras para bem dizer ou falar eloquentemente, ditando normas que capacitem o homem a falar em pblico e a levar os outros persuaso. Para tal, procura criar artifcios poticos ou literrios, atravs da utilizao de determinadas palavras, que apelam por exemplo sensibilidade e escolha do seu lugar na frase; desta forma, d alma a todos os discursos com o objectivo de persuadir ou convencer.

Na Antiga Grcia, os sofistas preocupavam-se em vencer as discusses, atravs da argumentao; para isso consideravam a Retrica objecto do seu ensino, visto que ela representava a arte de bem falar e de discursar; preocupavam-se com a correco dos seus discursos e com o objectivo de dominao poltica e social. Atribui-se a Zeno de Eleia a inveno da arte de discutir, denominada Dialctica (arte do dilogo e da discusso); partindo de premissas admitidas pelo adversrio, desenvolvia-se um raciocnio com o objectivo de o demolir.

Mas Scrates acusou os Sofistas de "tornar grandes as coisas pequenas e pequenas as grandes"(*1) e de criarem uma dialctica negativa; por isso, procura a verdade atravs do raciocnio indutivo e refutando as opinies do adversrio. Alm disso, ao estimular no adversrio o interesse pelo conhecimento, criou a maiutica, a arte dialgica da pesquisa em comum, do dilogo com os outros ou consigo prprio. Como: Nicola Abbagnano diz, "Scrates declara-se estril de sabedoria. Aceita como verdadeira a censura que muitos lhe fazem de saber interrogar os outros, mas de nada saber ele prprio. Esta arte maiutica no na realidade seno a arte da pesquisa em " comum."(*2).

Tambm Plato atacou os sofistas e os mestres da Retrica, acusando-os de no ensinarem a verdade aos seus auditores, limitando-se a elogi-los.

Durante toda a antiguidade greco-latina, os retricos e os filsofos rivalizaram pelo direito de formar a juventude; os filsofos procuravam incutir-lhe o gosto pelo saber e pela busca da verdade, os retricos preferiam ensinar as tcnicas que permitissem influenciar o homem pela palavra.Por sua vez, Aristteles, na sua Retrica, introduziu o conceito da importncia da personalidade do orador para a persuaso do auditrio, que se deve servir do raciocnio dialctico e da demonstrao como base da argumentao.

Na Pennsula Ibrica, a tradio retrica refere o nome da Sneca (sc. I d. C.), que, influenciado por Ccero, adquiriu grande fama como defensor da arte retrica, e do Bispo de Sevilha, que iria orientar os estudos retricos das escolas medievais.

Na Idade Mdia, em Portugal, a Retrica preponderante nas escolas, onde se torna um complemento da Gramtica e til no s queles que pretendem formar o estilo, mas tambm aos oradores que usavam a palavra para divulgar a f.

No Renascimento, os humanistas inspiram-se nos textos clssicos (Homero, Demstenes, Virglio e Ccero) e isso vai contribuir para o incremento da Retrica. Ensina-se na escola a arte de bem falar, a arte de formar estilo, de o melhorar e de o aperfeioar. No entanto, a pouco e pouco e ao longo destes sculos, vai perdendo o seu carcter pragmtico e preocupa-se mais com a elaborao de discursos belos. Da mesma forma, a nvel de estrutura interna, "desaparecem primeiro a pronuntiatio e a memria, depois a inventio e finalmente a dispositio; por outras palavras, a retrica encontra-se reduzida e/ocutio ou arte do estilo."(*3) Os gneros deliberativo e judicial deixam tambm de ser objecto do seu interesse.(*4)No sc. XVII, a Companhia de Jesus e os Jesutas ministram o ensino e, da mesma forma, o ensino da Retrica, que passa a estar subordinado s intenes da Igreja. S no sculo seguinte renasce, particularmente graas ao empenho de Lus Antnio Verney, com a publicao de O Verdadeiro Mtodo de Estudar, em 1746, e de Ribeiro Sanches, que defende o estudo da Retrica no ensino pr-universitrio, melhorando assim a qualidade da criao literria. Tambm a oratria de Padre Antnio Vieira, no sc. XVII, merece particular destaque e para uma abordagem da sua obra reserva-se o captulo seguinte.

Com o advento do Romantismo, no sc. XIX, particularmente devido concepo da poesia como actividade irracional e individual de um gnio que no contemplava qualquer regra, "guerra retrica, paz gramtica", assiste-se a um verdadeiro antiretoricismo, acabando mesmo um decreto de 1868 por abolir a cadeira de Retrica, que no voltaria aos programas do liceu.

Retrica desapareceu ento do ensino como disciplina obrigatria e a anlise do discurso passou a pertencer Estilstica, que estuda a arte de escrever bem, o estilo e as suas figuras, muitas vezes retiradas das obras clssicas.

O sc. XX continua a conceber a Retrica ligada tradio da antiguidade e do Renascimento e a actual retrica ensina o que a antiga retrica ensinava para o desenvolvimento de uma argumentao eficaz.

*1 - Schaw, Harry, Dicionrio de Termos Literrios, traduzido do ingls e adaptado por Cardigos dos Santos, Lisboa, Publicaes D. Quixote, 1978.

*2 - Abbagnano, Nicola, Histria da Filosofia, Vol. I, 2 edio, Lisboa, Editorial Presena, 1976.

*3 - Ducrot, Oswald e Todorov, Tzvetan, Dicionrio das Cincias da Linguagem, 4 edio, Mafra, Publicaes

D. Quixote, 1977.

*4 - Estes conceitos sero desenvolvidos seguidamente.

Elementos da Retrica clssica

Segundo Heinrich Lausberg, "as formas lingusticas e retricas so apenas formas que so carregadas, por intermdio da inteno (voluntas) actual do sujeito falante, com contedos que exercem efeito, na mesma altura, sobre o ouvinte, sendo eles os nicos que interessam a quem fala e a quem ouve."(*1)Para que esse efeito se realize, deve, ainda segundo o mesmo autor, o ouvinte encontrar-se numa situao comum do sujeito falante, assim como dominar as mesmas formas lingusticas. Por outro lado, o ouvinte no necessita de dominar as formas retricas empregadas pelo sujeito falante; este deve apenas, atravs de vrias tcnicas (por exemplo, a anfora insistente e a interrogao retrica), despertar a sensibilidade do ouvinte e o seu interesse, surpreendendo-o ao mesmo tempo.

Em suma, o autor, alm de referir a validade dos trs elementos -o sujeito falante, o ouvinte e o discurso -presentes em qualquer acto comunicativo, aborda as tcnicas mais comuns de argumentao.

Qualquer defensor da arte retrica deveria ter em conta estes elementos; e foi precisamente o que o nosso orador Padre Antnio Vieira fez, para difundir a sua oratria. Alm deste conhecimento, outros contriburam grandemente para que a sua arte pudesse ser considerada como maior, no s no tempo em que viveu, mas ainda nos nossos tempos. Desta forma, Padre Antnio Vieira dominava completamente os artifcios retricos, facto que lhe foi valioso para a difuso dos seus ideais, atravs dos sermes. Se no vejamos:

A retrica concebia os discursos em gneros. Assim, havia o judicial, cuja funo era a de acusao e de defesa, o deliberativo, cujo objectivo era aconselhar ou desaconselhar, e o epidctico ou demonstrativo, com a funo de louvar ou de censurar. Este ltimo pretendia alterar uma situao, louvando ou censurando, revelando tambm o gnero educativo. deste fundamentalmente que Padre Antnio Viera se serve na sua obra, especificamente no Sermo de Santo Antnio aos Peixes.

Por outro lado, no captulo da elaborao da matria, a retrica distingue, e ainda segundo Heinrich Lausberg, cinco fases para a elaborao do discurso:

#a inventio (inveno), graas qual se procuram argumentos j armazenados no subconsciente do orador ou pensamentos que se possam adequar ao assunto a desenvolver.

#a dispositio (disposio), que organiza e distribui as ideias e os argumentos. Nela, podemos encontrar:

-a parte inicial, o exrdio, que deve ser breve e atrair a ateno;

-a parte central, que contempla a propositio ou proposio, a narratio ou narrao e a argumenta tio ou argumentao, que pretende apresentar provas atravs das quais se pode persuadir ou convencer algum; quando o adversrio est presente e impugna a argumentao, h refutao;

-a parte final, a peroratio ou perorao, que a concluso.

Enquanto a funo do exrdio fundamentalmente apelar por uma boa aceitao do destinatrio, a propositio ou proposio tem a funo didctica de comunicar, isto , dar a conhecer um facto atravs de um conjunto de provas e da argumentao. Esta pode ser objectiva quando pretende convencer intelectualmente (docere -ensinar ou dar a conhecer) e afectiva quando tem por fim agradar (delectare) ou provocar uma aco (movere).

#a elocutio (elocuo), que procura encontrar a forma mais eficaz para construir e/ou redigir o discurso, atravs da seleco de palavras, frases e recursos expressivos.

#a memoria (memria), que o conjunto de mtodos e tcnicas que permitem ao orador memorizar.

#a pronunciatio (pronunciao), que a arte de pronunciar o discurso: dico, expressividade, colocao de voz, etc.

Como iremos ver, ao longo deste trabalho de anlise, Padre Antnio Vieira serviu-se destes conhecimentos de retrica e aplicou-os sua oratria.

Atente-se particularmente na fase a dispositio, que vai servir-lhe de base para organizar os seus sermes.

*1 - Lausberg, Heinrich, Elementos da Retrica Literria, 3." edio, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 1967.

Exemplos de Textos ArgumentativosI. De carcter dialgico

Texto IAps estas palavras de Scrates, Cebes tomou a palavra:

-Na generalidade, Scrates, a tua argumentao pareceu-me boa; mas pelo que toca alma, julgo que os teus pontos de vista esto longe de suscitar a adeso das pessoas. -Quem nos garante, de facto, que, ao separar-se do corpo, a alma subsiste algures, e no fica destruda e aniquilada no mesmo dia em que o homem morre? Quem sabe se, logo que dele se liberta e sai, no se desvanece como sopro ou fumo, evolando-se para no mais deixar rasto da existncia? Claro que, a verificar-se a hiptese de ela subsistir algures, concentrada em si mesma e liberta desses males que mesmo h pouco enumeravas, ento sim, haveria fortes e boas I razes para esperar que o que dizes, Scrates, fosse verdade! Porm, a est uma coisa que requer talvez no pequeno esforo: persuadir e provar, nada mais nada menos, que a alma existe para alm da morte e mantm, de alguma forma, o uso das suas faculdades e entendimento.

-Dizes bem, Cebes -concordou Scrates. -Que vamos fazer ento? Queres que discorramos sobre este assunto e vejamos as possibilidades que h de assim ser ou no?

-Por minha par1e -replicou -, teria interesse em saber qual a tua opinio neste ponto.

-E desta vez, pelo menos -comentou Scrates -, creio que nenhum dos que agora me escutam, fosse mesmo um poeta cmico, iria dizer que sou um fala-barato e que me ocupo de assuntos que no me dizem respeito! Se esto de acordo, passemos discusso.

Fixemo-nos, pois, neste ponto: as almas dos que morreram vo ou no vo para Hades? Segundo uma velha doutrina, que j aqui lembrmos, ali que vo ter as almas que daqui par1em, e aqui regressam de novo, renascendo dos mor1os. Ora se isto assim , se efectivamente os vivos renascem dos mor1os, que pensar seno que as almas ali se encontravam? Pois, a no ser assim, jamais haveria, creio, a possibilidade de renascerem. Se conseguirmos, pois, tornar evidente que os seres vivos provm dos mor1os e de nenhuma outra coisa, isso bastar para comprovar a verdade destas afirmaes. Caso contrrio, teremos de recorrer a outro tipo de argumentao.

-Indubitavelmnte -corroborou Cebes.

-Ora bem -prosseguiu -, se queres ir mais facilmente ao fundo do problema, no o encares apenas em funo da espcie humana, mas tambm do conjunto dos animais e plantas, de tudo aquilo que, enfim, est sujeito gerao. E tendo em conta a totalidade dos seres, vejamos se segundo este princpio que toda a gerao se processa, se dos contrrios e apenas destes que nascem os contrrios, sempre que uma relao deste tipo se verifica: por exemplo, no Belo, ao contrrio do feio; no Justo, ao contrrio do injusto; e assim em mil outros casos. Analisemos, pois, este ponto: se tudo o que existe em relao de oposio se origina necessariamente a par1ir do seu contrrio e apenas dele. Concretizando: quando um dado objecto se torna maior, no ser forosamente a par1ir de um anterior estado de pequenez que depois passa a maior?

-Sim.

-Admitamos que se torna menor: no ser ainda a par1ir de um anterior estado de grandeza que se torna menor?

-Exacto -respondeu.

-E no tambm do mais for1e que se origina o mais fraco, tal como o mais rpido, do mais lento?

-Decerto.Plato, Fdon, 2 ed. 1988, Introduo e verso do grego e notas de

...Maria Teresa Schiappa de Azecedo, Coimbra, Edies Minerva, 1988ComentrioTema: O tema deste texto a imortalidade da alma ou a continuidade da alma atravs do ciclo da vida. Carcter dialgico

O texto organiza-se em forma de dilogo, neste caso entre Scrates e Cebes.

Mtodo de inquirio:

Atravs da interrogao, Scrates pretendia despertar o gosto pela sabedoria e pelo conhecimento, questionando o interlocutor sistematicamente. Se, por um lado, coloca nele a deciso de continuar ou no com a discusso, incentiva-o a aceitar ou a refutar as teses apresentadas ou os pontos de vista defendidos. evidente que este mtodo bilateral. Assim, tambm o interlocutor deve, como acontece neste texto, proceder interpelao.

Este mtodo origina uma espcie de fio condutor do discurso ou da discusso, tpico em qualquer comunicao oral, apelando, ao mesmo tempo, para a ateno do interlocutor.

Exemplos:

"... que vamos fazer ento? Queres que discorramos ...ser ou no?"

" Se esto de acordo, passemos discusso."

Estratgias argumentativas:

.A exemplificao recorrente e serve para reforar a tese defendida.

Exemplos:

"Segundo um velha doutrina, que j aqui lembramos ..."

.tom irnico e de humor;

.trato amvel com os interlocutores.

Texto IIScrates -Se a minha alma fosse de ouro, Ccicles, duvidas de que eu ficaria feliz por encontrar uma dessas pedras que servem para provar o ouro? Uma pedra to perfeita quanto possvel com a qual eu tocasse a minha alma de maneira que, se ela estivesse de acordo comigo na constatao de que a minha alma tinha sido bem tratada, eu ficasse certo do seu bom estado sem necessidades de outra verificao?

Ccicles -Aonde queres chegar, Scrates?

Scrates -Vou-te dizer: na realidade, julgo ter feito na tua pessoa essa preciosa descoberta.

Clicles -Como?

Scrates -Tenho a certeza de que aquilo em que concordares comigo sobre as opinies da minha alma, por esse mesmo facto ser verdadeiro. Penso, com efeito, que para verificar correctamente se uma alma vive bem ou mal preciso ter trs qualidades e que tu possuis as trs: o saber, a benevolncia e a franqueza. Encontro muitas vezes pessoas que no so capazes de fazer comigo essa verificao, por no serem sbias como tu s; outras so sbias, mas no me querem dizer a verdade porque no se interessam por mim como tu.

Quanto a estes dois estrangeiros, Grgias e Plo, so ambos sbios e meus amigos, mas uma infeliz timidez impede-os de falar comigo francamente.

Mas mais evidente: essa timidez chega ao ponto de os fazer contradizerem-se por vergonha, diante de um numeroso auditrio e isto acerca dos mais graves assuntos.

Tu, pelo contrrio, tens todas estas qualidades que os outros no tm: s muito instrudo, como pode testemunhar uma quantidade enorme de Atenienses, e tens amizade por mim. Que prova tenho eu disso? Ei-la. Sei, Clicles, que vs fostes quatro companheiros a estudar juntos a filosofia, tu, Tisandro de Afidna, ndron, filho de Andrtion, e Nausicides de Colarges; um dia, ouvi-os discutir at que ponto convinha levar este estudo. A opinio que prevaleceu entre vs, sei-o, foi a de que no era preciso aprofund-lo demasiado e aconselhastes-vos uns aos outros a tomar cuidado em, por vosso lado, no vos deixardes estragar pelo excesso dessa cincia. por isso que, quando te oio dar-me os mesmos conselhos que aos teus mais caros companheiros, no tenho necessidade de outra prova para estar seguro da tua verdadeira amizade. Quanto tua franqueza e falta de timidez, tu proclama-Ia em voz alta e o teu discurso precedente no te desmentiu.

Aqui temos, pois, uma questo resolvida: sempre que estivermos de acordo num ponto, esse ponto ser considerado como suficientemente provado de parte a parte, sem que haja utilidade em examin-lo de novo. No podias, com efeito, concordar comigo nem por falta de conhecimento, nem por excesso de timidez, nem ao faz-lo poderias querer enganar-me, porque tu s meu amigo como afirmaste. O nosso acordo, por consequncia, provar realmente que teremos atingido a verdade.

Plato, Grgias, Texto integral 12 ano, 4.a edio, Lisboa,

Lisboa Editora, 1999.

.

Comentrio

A mesma anlise se poderia aplicar a este texto.

Tema / assunto

Scrates elogia Clicles, utilizando o seguinte argumento: so necessrias trs qualidades para se ver se uma alma vive bem ou mal: o saber, a benevolncia e a franqueza. Clicles possui essas qualidades, ao contrrio de Grgias e de Plo, aos quais, apesar de amigos e sbios, falta a franqueza.

O texto estrutura-se em forma de dilogo, mantendo-se o mtodo de inquirio. A exemplificao tambm utilizada como estratgia para reforar os argumentos.

II. De carcter apelativo

Acusado de corromper a juventude e de no acreditar nos deuses da cidade, Scrates levado a tribunal, onde pronuncia a seguinte defesa:

Primeira parte

O acusado defende-se

I. No sei, Atenienses, que impresso vos causaram os meus acusadores. Pela minha parte, ao ouvi-los, estive quase a esquecer-me de quem sou, a tal ponto eles foram persuasivos. E, no entanto, se assim me posso exprimir, no disseram uma s palavra verdadeira. Mas, entre as muitas mentiras que proferiram, uma me deixou verdadeiramente espantado: foi quando disseram que deveis ter cuidado em no vos deixardes iludir pela minha hbil eloquncia. O facto de no se envergonharem de ser imediatamente desmentidos por mim, quando eu mostrar que no tenho o mnimo jeito para falar, pareceu-me neles o cmulo de imprudncia, a menos que eles chamem eloquente quele que diz a verdade. Se este o sentido em que falam, posso admitir que sou um orador, mas no sua maneira.

Portanto, repito, eles no disseram quase nada ou nada de verdadeiro. De mim ireis ouvir toda a verdade. Mas por Zeus, Atenienses, no sero os meus discursos, como os deles, engalanados de verbos e nomes elegantemente associados; ouvir-me-eis falar naturalmente, com as primeiras palavras que me ocorrerem. Certo, como estou, de que o que vou dizer justo, nenhum de vs pode esperar mais nada de mim. No seria, efectivamente, bem, juzes, que eu me apresentasse nesta idade junto de vs a modelar frases como um rapaz. Mas uma coisa vos peo, Atenienses, e insisto neste ponto: se me ouvirdes defender-me com as mesmas palavras que costumo usar, quer na praa pblica, junto aos balces dos mercadores, onde muitos de vs me tendes escutado, quer noutros lugares, no vos admireis nem protesteis por causa disto. que a minha situao a seguinte: pela primeira vez, depois de setenta anos de idade, compareo perante um tribunal. Encontro-me, por isso, estranho de todo ao gnero de linguagem aqui empregado. Ora assim como, se eu fosse realmente um estranho em Atenas, me desculpareis por certo que falasse com o sotaque e o dialecto da minha naturalidade, tambm me parece justo pedir-vos que me deixeis usar a minha maneira normal de falar, seja ela pior ou melhor. E que considereis apenas com ateno se o que digo justo ou no. Este , na realidade, o dever dum juiz, enquanto o de um orador dizer a verdade.

II. Em primeiro lugar, Atenienses, devo responder s primeiras acusaes falsas de que fui objecto e aos primeiros acusadores, depois s acusaes e acusadores mais recentes. Efectivamente, muitos tm sido aqueles que de longa data me acusam junto de vs, sem nada dizer de verdadeiro. A estes temo eu mais que a nito e aos que o rodeiam, embora os ltimos sejam tambm de temer. Mas aqueles so mais terrveis, Atenienses, porque tomaram muitos de vs sua conta desde crianas, persuadindo-vos, com falsas acusaes, de que havia um certo Scrates, um homem sbio, que se ocupava dos fenmenos celestes, investigava o que se passava debaixo da terra e era capaz de fazer prevalecer sobre as boas as causas ms. Ao espalhar esta fama, Atenienses, estes tornaram-se os meus piores acusadores, porque aqueles que os ouvem convencem-se que os homens que se entregam a estas investigaes no crem nos deuses. Depois, estes acusadores so em grande nmero, dedicam-se a esta tarefa h muito tempo e, alm disso, dirigiram-se a vs naquela idade em que reis mais crdulos, na infncia e, em alguns casos, na adolescncia, acusando ainda por cima um ausente, que no tinha ningum a defend-lo. E o mais absurdo de tudo isto que no possvel conhecer os seus nomes, para os citar, com excepo talvez de um certo comedigrafo. Pois aqueles que, por inveja e servindo-se de calnia, vos persuadiram, bem como aqueles que, uma vez persuadidos, se encarregaram de persuadir outros, so os adversrios mais difceis. No h, efectivamente, possibilidade de fazer comparecer aqui nem de refutar qualquer deles, pelo que me vejo forado a defender-me, lutando por assim dizer contra sombras e discutindo argumentos, sem ter ningum que me responda. Considerai, pois, que, como acabo de dizer, so de duas espcies os meus acusadores: uns so os autores desta recente acusao, os outros, de quem tenho estado a falar, acusam-me h muito tempo. Deveis compreender que tenho de me defender em primeiro lugar destes ltimos. que foram estes os primeiros que vs ouvistes acusar-me e muito mais do que os outros, que vieram depois.

Posto isto, tenho de iniciar a minha defesa, Atenienses, e de tentar, em pouco tempo, arrancar do vosso esprito a calnia que nele se instalou h muito tempo. Gostaria de o conseguir, se isso fosse de algum modo um bem para vs e para mim, gostaria de ver bem sucedida a minha defesa, mas sei que isto no fcil e tenho perfeita conscincia da situao. Que o resultado seja, porm, aquele que agradar divindade! Pela minha parte cumpre-me obedecer lei e realizar a minha defesa. (...)

Plato, utifron, Apologia de Scrates, Crton, Biblioteca Bsica Verbo,

64, Prefcio, traduo e notas do Professor M. Oliveira Pulqurio,

Lisboa, Editorial Verbo, 1972.

Comentrio

Tema:

Primeira parte da defesa de Scrates, depois de ter sido acusado de corromper a juventude.

Argumentao:

Partindo da acusao dos seus inimigos (contra-argumentao), que considerou bastante persuasiva, apresenta os seguintes argumentos:

1 pargrafo -Acusa os seus inimigos de mentirosos, visto que o acusaram de enganar as pessoas com a sua hbil eloquncia, embora Scrates considere que ele s diz a verdade e isso no ser eloquente.

2 pargrafo -o tribunal ir ouvir toda a verdade. Mas os seus discursos sero naturais, espontneos e verdadeiros.

3 pargrafo -Apresenta o plano de defesa. Assim, ir responder, em primeiro lugar, aos acusadores mais antigos, depois aos mais recentes. Visto que nem uns nem outros esto presentes para poder confrontar-se com eles e defender-se pessoalmente, v-se obrigado a faz-lo, servindo-se de argumentos para os quais no ter opositores. Essa tarefa ser muito mais difcil.

4 pargrafo -Conclui a introduo da sua defesa, dizendo que a tarefa no ser fcil, dadas as circunstncias. No entanto, gostaria de ver a sua defesa bem sucedida.

Estratgias argumentativas:

As interrogaes, que eram utilizados noutros textos para manter o fio condutor do discurso, so aqui substitudas por conectores de discurso (sublinhados no texto os mais evidentes).

Tambm os vocativos (em itlico no texto) contribuem para chamar a ateno do ouvinte ou do leitor, com vista a apelar para o seu sentido de justia.

III. De carcter expositivo

A boa violncia e a m violncia

As tribos ditas primitivas, afectadas pelo desejo mimtico (desejar o que o outro tambm deseja por imitao do seu desejo) viviam situaes de inveja, rivalidade e dio que eram contidas por poderosos interditos ou proibies que se julgavam de origem sagrada ou transcendente, impostos pelos deuses ou heris ante- passados. Mas estas tenes acumuladas e esta agressividade contida precisavam de uma vlvula de escape, pois, caso contrrio, a violncia de todos contra todos poderia estalar e, assim, ficaria ameaada a sobrevivncia da comunidade. Ento, de tempos a tempos e sempre que sentiam a ameaa do descalabro da violncia m e terrvel, praticavam o sacrifcio de uma ou vrias vtimas. Escolhia-se uma vtima que fosse exterior, prxima e diferente da comunidade e que no pudesse ser vingada a fim de estancar o jogo das rivalidades violentas. Todas as tenses acumuladas, devido aos mais variados motivos, desde frustraes a desastres naturais, e toda a agressividade contida devido aos interditos, tm agora um objecto de descarga, um verdadeiro bode expiatrio. Vo lanar-se todos contra um, contra a vtima acusada de todos os males que ameaam a tribo. Ela culpada de tudo: da doena, da peste, da seca e da morte. ela que provoca, com o seu mau olhado, os desacatos entre pessoas e famlias, a fome e o sofrimento. Por isso, todos a acusam e a insultam at ao seu sacrifcio pelas mos purificadas e protegidas dos sacerdotes.

O sacrifcio da vtima visto como um acto puro e santo, legtimo e legal, porque, sendo ela demonaca, ela tem que morrer. Portanto, a violncia exercida sobre ela sentida como" boa", pois a comunidade sente que, ao desembaraar-se da vtima, se desfaz da causa de todos os seus males. E isto Ihes parece ser confirmado pela calma que regressa comunidade logo que a vtima acaba de ser sacrificada. Por esta razo, o seu sacrifcio motivo de consolo e contentamento. Na verdade todos acreditam nesta dupla iluso: 1.- que a vtima a causa de todos os males; 2.- que o regresso calma, ao consolo e ao contentamento se devem sua morte pelo sacrifcio. Este desempenhava, assim, uma funo purificadora, catrtica, da comunidade.

Mas no se pense que ns somos diferentes. Tambm distinguimos a "boa" da "m" violncia! Lembro-me que, na altura da chamada Guerra do Golfo, muita gente manifestava um grande alvio, consolo e contentamento custa das vtimas do Iraque. Na verdade, tinha-se desencadeado no Ocidente um processo muito semelhante ao que antecede o sacrifcio: acusou-se o Iraque e Saddam Hussein dos piores crimes e males e todas as nossas tenses acumuladas, todas as nossas frustraes arranjaram facilmente um objecto de descarga, um verdadeiro bode expiatrio. Facilmente nos deixmos convencer que a violncia exercida sobre as nossas vtimas era "boa, legtima e legal", ao contrrio da violncia entre os membros da nossa comunidade ou a violncia das vtimas, porque essa era m!

Segundo Ren Girard, isto no passa de uma grande iluso, de mconnaissance, que resulta no s da nossa incapacidade de nos pormos na perspectiva das vtimas, pois os assassinos nunca querem reconhecer que as vtimas morrem por causa deles, convencem-se e pretendem convencer os outros que elas morrem por "sua" prpria causa. Segundo ainda o mesmo autor, esta iluso foi desmascarada e desmontada, pela primeira vez na histria da humanidade, por Jesus, que, assumindo o papel de vtima e de bode expiatrio das acusaes que sobre Ele foram lanadas, nos revelou, atravs das testemunhas, a perspectiva do sacrifcio, mas agora vista do lado da vtima: a crucificao de Jesus tambm m violncia, assim como toda a violncia exercida contra as vtimas! No h, portanto, "boa", "justa" e "legtima" violncia. No h diferena entre a "boa" e a m violncia. Toda a violncia violenta, portanto, m: faz sofrer as vtimas que a suportam!

Esta revelao foi feita h cerca de dois mil anos, mas, apesar de tantos seguidores declarados, ainda no produziu o efeito desejado, talvez porque nos convencemos de que a converso seria aceitar uma doutrina em vez de mudar de atitude e de comportamento. E, enquanto no o fizermos, seremos to ou mais primitivos que os primeiros, porque estes contentavam-se apenas com uma vtima de vez em quando, por ocasio dos ritos; mas ns exigimos cada vez mais e sempre mais vtimas: so os milhares e milhes de africanos "que morrem por sua prpria causa", so os milhares e milhares de iraquianos que "tambm morrem por sua prpria causa", so os milhes e milhes de pobres e excludos "que nada fazem para sair da misria"! Ao mesmo tempo, no nos incomodamos com a produo e comrcio da armamento cada vez mais mortfero aqui ao nosso lado, pelo menos enquanto no formos ns prprios as vtimas! Mas, se ou quando isso acontecer, tambm os outros vo julgar que morremos por "nossa" prpria culpa e tambm no aparecer ningum em nossa defesa.

Zeferino Lopes (Professor efectivo na Escola Secundria de Penafiel)

ComentrioEmbora de carcter nitidamente argumentativo, este texto actual perdeu a caracterstica dialgica que era peculiar nos textos de Scrates.

Segundo Hegel, a marcha dialctica da razo processa-se atravs de uma tese, de uma anttese e de uma sntese. Assim, a tese constitui o primeiro momento, a proposio clara e terminantemente formulada que se submete a discusso ou prova; segue-se a anttese, que nega ou se contrape tese, gerando um conflito que se resolve numa sntese.

Iremos, pois, analisar este texto de acordo com a perspectiva hegeliana.

Poder ser dividido em duas partes. A primeira inclui os dois primeiros pargrafos; a segunda, os restantes.

Na primeira parte, encontramos:

.tese: proibies das tribos antigas, impostas pelos deuses.

.anttese: criao de um bode expiatrio que funcionasse como libertao de todas as tenses acumuladas.

.sntese: o sacrifcio da vtima aceite pela comunidade e desempenha uma funo purificadora.

Na segunda parte, separada da primeira pelo conector ~, verificamos que a estrutura muito similar. Assim, temos:

.tese: ns no somos diferentes, visto que tambm distinguimos a boa da m violncia.

.anttese: servindo-se do exemplo de Girard, defende que isso no passa de uma iluso e esta foi desmascarada pela primeira vez por Jesus.

.sntese: necessrio alterar comportamentos e atitudes, se no seremos considerados mais primitivos do que os primeiros, pois condenamos, no apenas um e de vez em quando, mas milhares deles.

Visto que este texto expe, mas apela tambm sensibilidade e atravs de argumentos lgicos procura convencer de que preciso mudar as atitudes na comunidade, vamos consider-lo um texto intermedirio entre o puramente argumentativo e aquele que se segue e ser objecto da nossa anlise, o texto expositivo argumentativo.

A Argumentao nos nossos dias

Viver em comunidade implica estabelecer contactos, criar relaes, pr em comum sentimentos e atitudes, partilhar pontos de vista, discutir, aceitar, numa palavra: comunicar.

Em qualquer processo comunicativo, o emissor actua sobre o receptor, utilizando a linguagem como meio. Mas a linguagem no utilizada apenas para comunicar; atravs dela, podem exprimir-se sentimentos, impor-se valores, alterar-se opinies ou comportamentos, aprovar ou desaprovar atitudes, mas tambm influenciar o outro sobre a veracidade dos nossos argumentos, agir sobre ele, persuadir ou convencer o outro da nossa verdade, lev-lo a aceitar a nossa posio, utilizando para isso provas que defendem a validade de um juzo.

A argumentao, inicialmente aplicada ao campo da filosofia e considerada uma tcnica ou uma arte para convencer o pblico, passou a estar ao alcance de todos e ao servio da comunidade em geral, usada particularmente para convencer ou influenciar algum. Num tribunal, o advogado de defesa apresenta argumentos (raciocnios atravs dos quais se prova ou refuta uma tese), provas ou testemunhos que tm por objectivo convencer o juiz de que o seu cliente inocente. O mesmo far o advogado de acusao, que procurar, por sua vez, refutar os argumentos apresentados pelo advogado de defesa e convencer o juiz da culpabilidade do ru.

Ao longo de uma discusso, o argumentador ataca e defende. A resposta a um argumento que se quer contrariar a refutao.

Mas o discurso persuasivo est tambm presente nos textos publicitrios, em textos polticos, em cartas pessoais ou mesmo em declaraes de amor, assim como nos artigos de opinio ou nas dissertaes. (Ver exemplos mais adiante.)

A argumentao tornou-se, pois, parte da nossa vida quotidiana, no s quando a utilizamos para justificar o nosso comportamento ou as nossas decises, e a somos agentes utilizadores da tcnica argumentativa, mas tambm quando somos implica dos no processo de persuaso, como acontece por exemplo atravs dos rgos de comunicao social. Como diz Cha'im Perelman, "toda a argumentao visa a adeso do pblico" ou ainda " necessrio que o orador (aquele que apresenta a argumentao oralmente ou por escrito) queira exercer mediante o seu discurso uma aco sobre o auditrio, isto , sobre o conjunto daqueles que se prope influenciar."(*1)A argumentao pretende aumentar a adeso de um auditrio e muitas vezes incita aco ou pelo menos cria uma disposio para a aco, por isso prope-se agir sobre um auditrio. "Quando apresentadas num discurso argumentativo, as teses tanto visam obter dos auditrios um efeito puramente intelectual, uma disposio para admitir a verdade de uma tese, como provocar uma aco imediata ou eventual."1

Ao assumirem um carcter interventivo, os media desempenham um papel importante na sociedade, pois apelam participao dos indivduos, contribuindo para a sua formao geral, fornecendo informaes, mas tambm despertando-os para a problemtica social e para questes ligadas a cada um em particular e a todos em geral. Os media so tambm, e por outro lado, os grandes responsveis pela maior parte das manifestaes de carcter persuasivo.

*1 Perelman, Chaim, "Argumentao", in Enciclopdia Einaudi, Vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1987.

A tcnica argumentativa

Na comunicao, em que o objectivo no s comunicar mas convencer o outro da veracidade do que se afirma, deve ter-se em conta o que se diz, mas tambm a forma como se diz.Assim, numa exposio oral, a expressividade do orador, a eficcia da linguagem e a adaptao ao destinatrio so factores a ter em conta; numa exposio escrita, dever dar-se particular ateno linguagem, como elemento de ligao entre o autor ou o objecto de mensagem e os seus destinatrios, o pblico ou ainda, no caso particular de um exame nacional, o professor corrector.Em concluso, argumentamos, pois queremos influenciar algum e por isso servimo-nos da linguagem; organizamos discursos, encadeamos enunciados, actualizamos o sistema lngua, no qual esto tambm implcitas as regras gramaticais.Servimo-nos, em qualquer discurso, de marcas especficas da tcnica argumentativa. Assim, por exemplo, quando pretendemos estabelecer conexes harmoniosas ou ligaes entre os enunciados, usamos conjunes com um valor especfico. Se pretendemos concluir, utilizamos a conjuno por fim ou finalmente, para reforar uma ideia ou para a concluir recorremos conjuno pois e por a adiante. Os denominados articuladores do discurso desempenham um papel importante na organizao, na articulao, no equilbrio e na coeso interna do discurso.

Perelman, Chaim, o Imprio Retrica, Retrica e Argumentao, Por1o, Edies Asa, 1993

Articuladores ou conectores do discursoFuno

Exemplos

Adio

Causa

Consequncia

Concluso

Chamar a ateno

Exemplificao

Fim

Condio

Oposio / refutao

Reiterao / reafirmao

Explicitao

Comparao

Certeza

Ligao temporal

Ordenao

Referncias espaciaisE, pois, ainda, alm disso, no s... mas tambm, por um lado... por outro

Pois, porque, porquanto, visto que, dado que, j que, uma vez que

De tal forma que, tanto que, de modo que

Portanto, logo, enfim, concluindo, finalmente, em suma, em concluso, para terminar

Note-se, repare-se, veja-se

Assim, isto , por exemplo, o caso de, como se pode ver

Para, para que, com o fim de, com o intuito de

Se, supondo que, admitindo que, excepto se

Mas, todavia, porm, contudo, apesar de, no entanto, pelo contrrio, por outro lado

Penso que, entendo que, insisto que

Isto , quer dizer, visto que, por outras palavras

Igualmente, assim como, tal como, pela mesma razo

Efectivamente, evidentemente, obviamente, com efeito, na verdade

Quando, aps, antes, depois, anteriormente, seguidamente

Primeiramente, seguidamente, em seguida, em primeiro lugar..

Ali, aqui, l, acol, alm, mais adiante

Porque o discurso persuasivo procura seduzir e tornar apetecvel alguma coisa, apelando mais sensibilidade do que razo, torna-se necessrio, por isso e da mesma forma, que a mensagem seja curta e bem articulada para ser retida de uma forma imediata e que o discurso seja homogneo e claro, com vista sua inteligibilidade.

Como construir um texto argumentativo

Iremos ver mais adiante como Padre Antnio Vieira, no Sermo da Sexagsima, expe o mtodo da sua oratria, que aplicar na maior parte dos seus sermes e particularmente no Sermo de Santo Antnio aos Peixes.Segundo o autor e sintetizando, dever: definir-se a matria, reparti-Ia, confirm-Ia com a razo, amplific-Ia com o exemplo e finalmente conclu-Ia.Assim, estabelecido este plano de orientao, qualquer texto argumentativo poder basear-se na seguinte estrutura:

Introduo -"uma s matria" -esta dever ocupar um pargrafo, no qual se far a apresentao do tema ou assunto.Desenvolvimento -"declar-Ia, confirm-Ia com o exemplo, amplific-Ia" -proceder-se- apresentao da tese e, ao longo dos vrios pargrafos, exposio dos vrios argumentos ou provas que a justifiquem. A contra-argumentao pode tambm ser til para reforar a tese inicial. Recorre-se ainda exemplificao, a citaes e eventualmente ao relato de alguns dados que ilustrem os argumentos referidos, assim como aos articuladores do discurso, para facilitar o encadeamento lgico dos pargrafos.Concluso -"concluir" -no ltimo pargrafo, retoma-se a tese inicial e procede-se ao fecho do discurso, atravs de uma breve sntese.(Ver captulo: "Etapas para elaborao de um texto expositivo-argumentativo".)

Padre Antnio Vieira -a Oratria

O cu 'strela o azul e tem grandeza.

Este, que teve a fama e glria tem,

Imperador da lngua portuguesa,

Foi-nos um cu tambm.

No imenso espao seu de meditar,

Constelado de forma e de viso,

Surge, prenncio claro do luar, I

EI-Rei D. Sebastio.

Mas no, no luar: luz do etreo.

um dia; e, no cu amplo de desejo,

A madrugada irreal do Quinto Imprio

Doira as margens do Tejo.

Fernando Pessoa, Mensagem

Breve sinopse biogrfica"Para nascer Portugal, para morrer o mundo." Padre Antnio Vieira 1608 -Nasce em Lisboa, na freguesia da S, a 6 de Fevereiro; era filho de Cristvo Vieira Ravasco e de Maria de Azevedo; foi baptizado no dia 15 do mesmo ms.

1615 -Parte para a Baa com os pais, comeando os estudos no Colgio dos Jesutas.

1623 -Apesar de os pais tentarem dissuadi-lo, ingressa na Companhia de Jesus e inicia o noviciado na aldeia de Esprito Santo.

1625 -No dia 6 de Maio, faz votos de pobreza, castidade e obedincia, propondo-se missionar entre os amerndios e os escravos negros. Prossegue nos estudos teolgicos e foi encarregado de escrever para Roma em latim as cartas anuais, dada a sua reputao de sbio. Redige a Carta Anual para o Geral da Companhia, onde relata o ataque dos Holandeses Baa.

1626 -Vai leccionar Retrica para o Colgio de Olinda.

1633 -Prega pela primeira vez na Baa, na Igreja de Nossa Senhora da Conceio da Praia.

1635 - ordenado padre, depressa granjeando a fama de excepcional pregador.

1638 -Pronuncia o primeiro Sermo de Santo Antnio. Os sucessivos sermes que prega mostram como Padre Antnio Vieira se preocupava com os problemas sociais, criticando a ganncia e a corrupo, particularmente dos Holandeses, que voltam a atacar a Baa e ocupam Pernambuco.

1640 -Prega o Sermo Pelo Sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda.

1641 -Vem a Lisboa, integrado na delegao que apoia a causa da Restaurao da Monarquia.

1642 -Prega pela primeira vez na Capela Real, no dia 1 de Janeiro. Os seus Sermes cativam D. Joo IV, que o nomeia seu conselheiro e confessor. o apstolo imiscudo nas misses polticas e diplomticas, que se destinavam a manter o rei no seu trono mal firmado.

1643 -Prope a EI-Rei a admisso de mercadores judeus e a abolio da discriminao dos cristos-novos, podendo, com estas medidas, defender a Coroa ameaada.

1646 -Vai a Haia e a Paris em misso diplomtica. Prope a reforma do processo inquisitorial. EI-Rei nomeia-o Pregador da sua Cmara e mestre de seu filho.

1649 -Prope a criao de uma Companhia das ndias Ocidentais que defenda o transporte de mercadorias entre a Metrpole e o Brasil dos ataques dos corsrios holandeses. Os cristos-novos que investissem na Companhia ficariam isentos do confisco da Inquisio, que tenta obter a sua expulso da Companhia de Jesus.

1650 -Parte para uma nova misso diplomtica a Roma, negociando o fim da guerra entre Portugal e Espanha, por meio do casamento do prncipe herdeiro D. Teodsio com a filha de Filipe IV.

1652 - de novo enviado para as misses do Maranho, pois incomoda deveras os poderes polticos.

1653 -Chega ao Maranho, a 16 de Janeiro. Desenvolve uma aco extraordinria para a converso dos ndios. Surge o primeiro conflito com os colonos a propsito da escravatura.

1654 -Viaja para Lisboa, procurando remdio para a salvao dos ndios e pedindo proteco legislativa da Coroa. Trs dias antes de embarcar prega na cidade de S. Lus do Maranho O Sermo de Santo Antnio aos Peixes. Nele, e a exemplo de Santo Antnio, serve-se dos peixes para condenar os homens e dos homens escolhe os colonos como alvo da sua crtica, no excluindo os pregadores, cuja culpa agravada pelo facto de serem eles os responsveis na terra pela divulgao da palavra de Deus.

1655 -Profere o Sermo da Sexagsima, na Capela Real, com o qual pretende fazer uma crtica aos oradores do seu tempo, servindo-se da alegoria do semeador bblico para justificar a sua vinda a Portugal: buscar instrumentos para limpar a terra de pedras e de espinhos. Refere tambm que as causas de fazerem pouco fruto as palavras de Deus se encontram nos ouvintes, mas tambm e fundamentalmente nos pregadores, cujos atributos enumera: pessoa, cincia, matria, estilo e voz. Regressa ao Maranho, onde se agrava o conflito com os colonos.

1656 -D. Joo IV morre, passando a faltar a Padre Antnio Vieira os apoios que lhe davam posio dominante na Corte.

1659 -Redige o seu primeiro tratado futurolgico Esperanas de Portugal, Quinto Imprio do Mundo, primeira e segunda vida de EI-Rei D. Joo IV. -

1660 -A Inquisio abre um processo contra Vieira, acusando-o de heresia e por vaticinar a ressurreio de D. Joo IV, para concretizao do Quinto Imprio.

1661 -D-se a revolta dos colonos e a expulso dos Jesutas do Maranho. Vieira reembarcado para Lisboa.

1662 -Perde influncia na Corte e desterrado para o Porto, onde comea a ser interrogado pela Inquisio.

1665 - encarcerado no Santo Ofcio de Coimbra.

1667 -Sentenciado pelo Santo Ofcio, -lhe retirado o poder de pregar, alm de lhe ter sido imposto o internamento numa casa jesuta.

1668 - libertado e amnistiado depois de D. Pedro assumir a regncia. Retoma a pregao na Capela Real.

1669 -Vai a Roma, a fim de ser reabilitado. Retoma a sua luta pela mudana de estatuto dos cristos-novos e pela reforma do processo inquisitorial. Continua as pregaes.

1671 -Prope a fundao da Companhia das ndias.

1672 -Profere o primeiro sermo em italiano. Torna-se um pregador notvel de Itlia.

1673 -A rainha Cristina da Sucia abdica do trono e nomeia-o seu pregador. Continua a escrever contra a Inquisio.

1674 -O Papa ordena a suspenso dos Autos de F, em Portugal.

1675 -Regressa a Lisboa munido de um breve papal, que o isenta para sempre do Santo Ofcio portugus.

1679 -Publica o primeiro tomo dos Sermes. Mantm-se afastado dos negcios pblicos, desiludido com tudo aquilo que sonhara e por que lutara.

1681 -Regressa ao Brasil, retomando a defesa dos ndios e continuando a tarefa da edio completa dos seus Sermes.

1688 - nomeado Visitador-Geral do Brasil e do Maranho.

1696 -Vai para o Colgio de S. Salvador, onde se recolhe.

1697 -Morre na Baa, a 18 de Julho, depois de terminar a reviso do Tomo XII dos Sermes. (*1)*1 - De acordo com as referncias biogrficas in Obras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Vai. I, prefaciado e revisto pelo Rev. Padre Gonalo Alves, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959.

Oratria -s. f. -a arte de discursar, de falar em pblico, eloquncia (Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, Vol XIX, Usboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopdia, Limitada.)Padre Antnio Vieira, autor de cerca de 200 sermes (discursos sagrados sobre a doutrina de Deus), foi o orador que mais aprimorou, e de uma forma sublime, a arte e a tcnica do discurso argumentativo.

Segundo Ea de Queirs, "A sua existncia foi uma das mais activas e ilustres do seu tempo. Grande pregador, grande poltico, grande escritor, missionrio, grande colonizador, esteve envolvido nos maiores negcios, tratou com as maiores personalidades e trabalhou pelas maiores ideias da sua poca.

Os seus magnficos sermes arrebatavam tanto a gente inculta do Brasil como encantavam em Roma o sbio e requintado mundo dos prelados romanos. A sua fama estendeu-se a toda a Europa.

Depois de ser confidente dos reis e dos papas, de ter conhecido as grandezas do mundo e as do alto saber, morreu com a pobreza e simplicidade de um mstico, na capital da Baa"(*1)Ser oportuno, antes de se proceder anlise do Sermo de Santo Antnio aos Peixes, fazer uma breve abordagem ao Sermo da Sexagsima, pois nele Padre Antnio Vieira indica o percurso a seguir na elaborao de qualquer Sermo.

*1- Citao in Duas Palavras de Apresentao, p. XI, Obras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Vali, prefaciado e revisto pelo Rev. Padre Gonalo Alves, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959.

Sermo da Sexagsima -o modelo(Pregado na Capela Real, no ano de 1655)

Neste sermo, alm de se revelar contra a linguagem dos pregadores do seu tempo, Padre Antnio Vieira expe o mtodo da sua oratria, enuncia as partes em que se deve dividir o sermo e enumera os atributos ou as circunstncias do orador. Alm disso, apresenta, atravs da Alegoria da rvore, a estrutura ideal de um Sermo.

Exemplifiquemos:

1 .Diviso em partes

"H-de tomar o pregador uma s matria, h-de defini-Ia para que se conhea, h-de dividi-Ia para que se distinga, h-de prov-la com a Escritura, h-de declar-Ia com a razo, h-de confirm-Ia com o exemplo, h-de amplific-la com as causas, com os efeitos, com as circunstncias, com as convenincias que se ho-de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, h-de responder s dvidas, h-de satisfazer as dificuldades, h-de impugnar e refutar com toda a fora da eloquncia os argumentos contrrios, e depois disto h-de colher, h-de apertar, h-de concluir, h-de persuadir, h-de acabar. Isto sermo, isto pregar, e o que no isto, falar de mais alto. (Obras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Vali, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959, p. 22)

Desta forma, o orador assinala os momentos mais importantes para a elaborao de um sermo:

1. Exrdio tomar... uma s matria

2. Exposico ou definio -defini-Ia... dividi-Ia...

3. Confirmao prov-Ia com a Escritura... declar-Ia... confirm-Ia... amplific-Ia...

4. Perorao concluir... acabar...

2 .Mtodo

Neste mesmo excerto, notria a preocupao de incluir estratgias ou mtodos que usar para transmitir a mensagem de forma a convencer o auditrio: responder s dvidas, satisfazer as dificuldades, impugnar, refutar, persuadir.

Padre Antnio Vieira aproveita para fazer uma crtica oratria do seu tempo, apontando os vcios dos pregadores e apresentando, em oposio, os seus atributos, com vista a convencer o auditrio e a optimizar o discurso. Se no for assim, o sermo ser apenas "falar mais alto" e no falar com razo.

3. Atributos / Circunstncias do orador

"No pregador podem-se considerar cinco circunstncias: a pessoa, a cincia, a matria, o estilo e a voz." *1 Assim, e de acordo com o plano estabelecido pelo orador, deve ter-se em conta:

.a pessoa -o pregador deve ser um modelo, um exemplo a seguir para que as palavras e as atitudes se respeitem mutuamente e influenciem o ouvinte.

.o estilo -deve ser natural, "O pregar h-de ser como quem semeia e no como quem ladrilha ou azuleja... O estilo pode ser muito claro e muito alto; to claro que o entende os que no sabem e to alto que tenha muito que entender nele os que sabem."(*2).a matria -deve o sermo apresentar um s assunto para evitar a disperso. Para isso, apresenta a alegoria da rvore: o tronco h-de ter ramos (discursos) cobertos de folhas (as palavras).

.a cincia -a partir do exemplo de David, que vence o gigante Golias com as suas prprias armas, recomenda que a pregao deve ser o resultado do entendimento e do pensamento e nunca da memria.

. a voz o orador deve utiliz-Ia para convencer e ensinar, de uma forma moderada, "falando mais ao ouvido do que aos ouvidos"(*3), exactamente como fez Moiss, "com uma voz semelhante ao orvalho que se destila brandamente e sem rudo."(*3)Finalmente, argumenta que o culpado de to pouco fruto de tantas pregaes se encontra, no na palavra de Deus, mas na interpretao que cada orador d palavra de Deus.

"A pregao que frutifica, a pregao que aproveita, no aquela que d gosto ao ouvinte, aquela que lhe d pena."(*4)"As palavras dos pregadores so palavras mas no so palavras de Deus."(*5)*1 - Obras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Vali, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959, p. 14.

*2 - Obras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Voll, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959, p. 19.

*3 - 0bras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Voll, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959, p. 28.

*4 - Obras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Voll, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959, p. 36.

*5 - 0bras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Voll, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959, p. 29.

4 .Estrutura ideal de um sermoAtravs da Alegoria da rvore exemplifica a estrutura basilar de qualquer sermo.

"Ora vede: Uma rvore tem razes, tem troncos, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim h-de ser o sermo: h-de ter razes fortes e slidas, porque h-de ser fundado no Evangelho; h-de ter um tronco, porque h-de ter um s assunto e tratar uma s matria. Deste tronco, ho-de nascer diversos ramos, que so diversos discursos, mas nascidos da mesma matria e continuados nela. Estes ramos no ho-de ser secos, seno cobertos de folhas, porque os discursos ho-de ser vestidos e ornados de palavras. H-de ter esta rvore varas, que so a repreenso dos vcios; h-de ter flores que so as sentenas; e por remate de tudo isto, h-de ter frutos, que o fruto e o fim a que se h-de ordenar o sermo. De maneira que h-de haver frutos, h-de haver flores, h-de haver varas, h-de haver folhas, h-de haver ramos, mas tudo nascido e fundado em um s tronco, que uma s matria."(*1)Em sntese, a grande rvore que sustm o sermo formada, como qualquer rvore, por razes (que se alimentam do Evangelho), por um tronco (trata de um nico assunto), com ramos (diversos discursos); alm disso, encontramos nela varas ( para repreender os vcios) e flores (para sentenciar). Os frutos podero servir de proveito a quem os quiser consumir (da mesma forma, os ouvintes podero ouvir o sermo e us-o para seu benefcio). assim que e mensagem do sermo naturalmente e sem fora se insinua, entra, penetra e se mete na alma. (*2)*1 Obras Completas do Padre Antnio Vieira, Sermes, Vol. I, Porto, Lello e Irmo Editores, 1959

*2 Ibidem, p. 28

Estilo

Para alm da evidente clareza de um discurso fluente, constitudo por um lxico e sintaxe simples, sedimentado numa estrutura organizada, modelo de qualquer discurso oratrio, encontramos nos sermes de Padre Antnio Vieira um dinamismo expressivo, uma determinao em dizer a verdade, policiada pela razo e pela emoo, numa harmonia eloquente e genial que o torna um dos maiores oradores de todos os tempos. Serve-se da originalidade, do ritmo e da preciso das palavras e so elas que revelam, no s o homem e as suas crenas, mas tambm o sublime mistrio da persuaso; elas so o grande sustentculo da comunicao.

Dos variadssimos processos estilsticos utilizados pelo orador, cuja anlise necessita de uma leitura atenta, destaque-se:

.a alegoria que domina todo o discurso,

.as interrogaes retricas,

.a exemplificao, as aluses metafricas e as comparaes,

.anforas, anstrofes, hiprbatos e gradao,

.apstrofes, exclamaes e elipses,

.antteses, hiprboles,

.ironia...

Sermo de Santo Antnio aos Peixes

Este sermo alegrico foi pregado em S. Lus de Maranho, a 14 de Junho de 1654 e atravs dele denunciam-se as atrocidades que os colonos praticavam contra os ndios.

Estrutura:

Introduo -Exrdio -Capo I

Desenvolvimento -Confirmao (Exposio e Confirmao) -Caps. 11, 111, IV e V

Concluso -Perorao -Capo VI

Breve sntese:

Exrdio (I)

O orador inicia o sermo com uma frase retirada da Sagrada Escritura e com a qual se dirige aos pregadores: "Vos estis sal terrae", que significa, "Vs sois o sal da terra". o conceito predicvel ou a ideia chave que permite ao orador chamar a ateno do seu auditrio; a primeira forma de contacto com os seus ouvintes. , digamos, um chamamento que apela, pois concentra-se no vs, e todos estaro includos.

No primeiro pargrafo, apresenta o tema: os pregadores so o sal da terra; de seguida explora-o e constata que o sal no salga. Conclui ento que o problema no se encontra no sal (doutrina de Cristo), mas na terra (homens).

No segundo pargrafo, o orador serve-se mais uma vez de uma citao da Sagrada Escritura, para incutir maior legitimidade ao argumento, e apresenta, ao mesmo tempo, a soluo para condenar os maus pregadores.

Para provar a sua tese de que a terra est corrupta por causa dos homens no ouvirem a palavra de Deus, refere no terceiro pargrafo o exemplo de Santo Antnio. Este, quando se apercebeu de que o sal no salgava, isto , de que a doutrina no era ouvida pelos homens, no mudou de doutrina, mudou antes de pblico. E assim, deixou as praas e foi para as praias pregar aos peixes.

Por ltimo, termina com um pedido ou uma invocao a Maria.

Confirmao: (II, III, IV e V) 1. Exposio (II) O orador comea por considerar que o auditrio mau, mas depois elogia-o: os peixes ouvem e no falam.

Depois de repetir o conceito predicvel, como se fosse a voz da conscincia, apresenta as propriedades do mar: conservar e preservar o so para que no se corrompa, reforando a ideia com uma citao de S. Baslio. "

Seguidamente, esquematiza a estrutura do sermo: na primeira parte louvar as virtudes dos peixes, depois repreender os seus vcios.

Usando o mtodo dedutivo (do geral para o particular), comea por louvar os peixes. Assim, em geral, os peixes:

-foram as primeiras criaturas que Deus criou;

-so os maiores e os que existem em maior nmero;

-revelaram obedincia quando foram chamados a ouvir a palavra de Deus pela boca de Santo Antnio;

-so, entre todos os animais, os nicos que no se domesticam;

-no dilvio todos escaparam, os outros animais foram salvos por No.2. Confirmao (III)

Neste momento, e depois de apresentar os louvores dos peixes em geral, vai discorrer sobre os mesmos, louvando-os em particular. Comea pelo Santo Peixe de Tobias. Tobias caminhava nas margens de um rio quando um peixe investe contra ele; aconselhado por um anjo, Tobias retira as entranhas ao peixe e com elas sara a cegueira a seu pai e expulsa os demnios da casa de Sara, que j tinha perdido sete maridos.

Interpela os moradores do Maranho para abrirem as entranhas e verem o corao do orador, mas de repente lembra-se de que ele no est a pregar para eles, mas para os peixes.

Prossegue e apresenta as virtudes da rmora: pequena no corpo, mas grande na fora e no poder, que se pega ao leme das naus e as prende. Compara tambm a fora da lngua de Santo Antnio, que dominou a fria das paixes humanas, atacando a nau Soberba, a nau Vingana, a nau Cobia e a nau Sensualidade, e com isso salvou os homens.

Louva tambm o torpedo, que tem o poder de fazer tremer o anzol e a linha do pescador. Critica os homens que pescam tambm eles coisas de muito valor (cidades, reinos, ceptros...) e no Ihes treme a mo. Exemplifica com o caso de 22 pescadores que ouviram as palavras de Santo Antnio e se arrependeram dos seus pecados.

Por ltimo, refere o quatro-olhos, um peixe que tem a capacidade de ver para cima com os olhos superiores e para baixo com os olhos inferiores. A natureza dotou-o desta forma porque tem inimigos no ar e na terra. Adverte que os homens deviam olhar para o Cu e para o Inferno. Exemplifica com David, que pediu a Deus para lhe voltar os olhos para no verem a vaidade.

Termina os louvores aos peixes, dando-lhes graas por serem virtuosos e ajudarem a ir ao Cu e no ao Inferno todos aqueles que deles se sustentam; por isso Deus abenoou-os.

(IV)

Depois da apresentao dos louvores, o orador passa s repreenses, primeiro em geral e depois em particular.

Em primeiro lugar, os peixes comem-se uns aos outros, mas o que ainda pior que os grandes comem os pequenos. Desta forma so precisos muitos pequenos para alimentar um grande. Aqui, a crtica do orador dirigida aos homens da cidade, que tambm eles se comem uns aos outros e tambm os maiores comem os pequenos e comem-nos como o po que acompanha todos os comeres. No entanto, acrescenta que os que no Maranho comem os pequenos so, por sua vez, comidos por outros maiores em Portugal. Adverte os peixes para terem cuidado e zelarem pelo bem comum, pois j tm muitos inimigos fora da espcie.

Em segundo lugar, os peixes deixam-se enganar por um pedao de pano e acabam por morrer. Da mesma forma os homens se deixam enganar pela vaidade e so ludibriados por um pedao de pano. Refere mais uma vez o exemplo de Santo Antnio, que no se deixou enganar pela vaidade.

(V)

Descendo ao particular, no poder deixar de criticar alguns peixes. Comeou pelos roncadores. So peixes pequenos, mas so considerados os roncas do mar. Condena-os porque "quem muito fala pouco acerta"; refere a propsito o exemplo de Pedro, que na noite em que Jesus foi condenado foi o primeiro a fraquejar, depois de ter blasonado, e o exemplo de David, que sem nada dizer venceu o Gigante Golias com um simples cajado e uma funda. Critica os homens que se aproveitam do poder e do saber para se tornarem roncadores.

Os pegadores so peixes pequenos que se pegam s costas dos grandes e, quando estes morrem, morrem tambm aqueles que Ihes esto pegados. O orador diz que Deus tem tambm os seus pegadores, mas ele s se quer pegar a Deus e no aos grandes da terra. Adverte os peixes que se cheguem aos grandes, mas no de forma a morrerem com eles.

Interpela de seguida os voadores, que so peixes e devem contentar-se com o nadar e com o mar; por causa da vaidade de voar e da ambio de quererem mais do que devem, acabam por morrer. "Quem quer mais do que lhe convm, perde o que quer e o que tem". Para reforar o seu argumento, serve-se do exemplo da queda de Simo Mago e do castigo de caro. Mais uma vez fala em Santo Agostinho, que tinha asas para descer (humildade), que so as mais seguras, e aconselha os peixes a esconderem-se nas covas do mar. aqui que se encontra o polvo, contra o qual tem muitas queixas, a primeira das quais ser o polvo o maior traidor do mar, visto que se transforma, muda de cor e assim engana as presas. Instiga os peixes a porem os olhos em Santo Antnio, no qual nunca houve fingimento ou engano.

Acaba assim, pois, o orador os louvores e as repreenses. E depois de repetir "Vos estis sal terrae", faz a ltima advertncia: aqueles que se aproveitarem dos bens dos naufragantes sero excomungados; o mesmo acontecer aos homens que morrem com o alheio atravessado na garganta.

Antes de terminar o captulo diz que seria bom se a doutrina que ele pregou para o mar fosse ouvida na terra!

Perorao (VI)

O orador despede-se, no sem antes consolar os peixes, dizendo-lhes que so os nicos seres que foram excludos do sacrifcio, pois, segundo o Levtico, os animais deviam ir vivos ao sacrifcio; no entanto, apesar de parecerem vivos, muitos vo j mortos; por isso o orador diz que os peixes devem agradecer a Deus por t-los livrado do perigo, visto que melhor no chegar ao sacrifcio do que chegar morto.

Reconhece ainda que afinal os peixes so melhores e superiores em tudo. "A vossa bruteza melhor do que a minha razo e o vosso instinto melhor do que o meu alvedrio".

Finalmente, apela aos peixes para o acompanharem na aco de louvor a Deus.

Anlise de um excerto:Outra cousa muito geral, que no tanto me desedifica, quanto me lastima em muitos de vs, aquela to notvel ignorncia e cegueira que em todas as viagens experimentam os que navegam para estas partes. Toma um homem do mar um anzol, ata-lhe um pedao de pano cortado e aberto em duas ou trs pontas, lana-o por um cabo delgado at tocar na gua, e em o vendo o peixe, arremete cego a ele e fica preso e boqueando, at que, assim suspenso no ar, ou lanado no convs, acaba de morrer. Pode haver maior ignorncia e mais rematada cegueira do que esta? Enganados por um retalho de pano, perder a vida?! Dir-me-eis que o mesmo fazem os homens. No vo-lo nego. D um exrcito batalha contra outro exrcito, metem-se os homens pelas pontas dos piques, dos chuos e das espadas, e porqu? Porque houve quem os engodou e Ihes fez isca com dous retalhos de pano. A vaidade entre os vcios o pescador mais astuto e que mais facilmente engana os homens. E que faz a vaidade? Pe por isca na ponta desses piques, desses chuos e dessas espa- das dois retalhos de pano, ou branco, que se chama hbito de Malta, ou verde, que se chama de Avis, ou vermelho, que se chama de Cristo e de Santiago; e os homens por chegarem a passar esse retalho de pano ao peito, no reparam em tragar e engolir o ferro. E depois disso que sucede? O mesmo que a vs. O que engoliu o ferro, ou ali, ou noutra ocasio ficou morto; e os mesmos retalhos de pano tornaram outra vez ao anzol para pescar outros. Por este exemplo vos concedo, peixes, que os homens fazem o mesmo que vs, posto que me parece que no foi este o fundamento da vossa resposta ou escusa, porque c no Maranho ainda que se derramasse tanto sangue, no h exrcito, nem esta ambio de hbitos.

Mas nem por isso vos negarei que tambm c se deixam pescar os homens pelo mesmo engano, menos honrada e mais ignorantemente. Quem pesca as vidas a todos os homens do Maranho e com qu? Um homem do mar com os retalhos de pano. Vem um mestre de navio de Portugal com quatro varreduras das lojas, com quatro panos e quatro sedas, que j se Ihes passou a era e no tm gasto: e que faz? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra: d-lhes uma sacadela e d-lhes outra, com que cada vez Ihes sobe mais o preo; e os bonitos, ou os que querem parecer, todos esfaimados aos trapos, e ali ficam engasgados e presos, com dvidas de um ano para outro ano, e de uma safra para outra safra, e l vai a vida. Isto no encarecimento. Todos a trabalhar toda a vida, ou na roa, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal: e este trabalho de toda a vida, quem o leva? No o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pajens, nem os lacaios, nem as tapearias, nem as pinturas, nem as baixelas, nem as jias; pois em que se vai e despende toda a vida? No triste farrapo com que saem rua, e para isso se matam todo o ano.

No isto, meus peixes, grande loucura dos homens com que vos escusais? Claro est que sim; nem vs o podeis negar. Pois se grande loucura esperdiar a vida por dois retalhos de pano, quem tem obrigao de se vestir; vs, a quem Deus vestiu do p at cabea, ou de peles de to vistosas a apropriadas cores, ou de escamas prateadas e douradas, vestidos que nunca se rompem, nem gastam com o tempo, nem se variam nem podem variar com as modas; no maior ignorncia e maior cegueira deixares-vos enganar, ou deixares-vos tomar pelo beio com duas tirinhas de pano? Vede o vosso Santo Antnio, que pouco o pde enganar o mundo com essas vaidades. Sendo moo e nobre, deixou as galas de que aquela idade tanto se preza, trocou-as por uma loba de sarja e uma correia de cnego regrante; e depois que se viu assim vestido, parecendo-lhe que ainda era muito custosa aquela mortalha, trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda. Com aquela corda e aquele pano, pescou ele muitos, e s estes se no enganaram e foram sisudos.

Anlise

Assunto ou tese defendida: A vaidade e a ignorncia cegam os peixes e os homens,

Estrutura / Diviso em partes

.Introduo:

Apresentao do tema:

" Outra coisa muito geral... para estas partes"

Refere-se a ignorncia e a cegueira que existem no mar. O orador lamenta a ignorncia dos peixes.

.Desenvolvimento:Apresentao dos argumentos:

"Toma um homem... todo o ano"

Servindo-se da exemplificao, apresentam-se os argumentos que condenam a atitude dos peixes que so facilmente enganados por um pano no anzol e acabam por morrer.

1 argumento: o peixe morre porque se deixa enganar por um pedao de pano.

2 argumento: os homens so enganados da mesma forma.

.Concluso: "No isto... foram sisudos."

O orador conclui insistindo no argumento que cegueira e ignorncia ser enganado por um pedao de pano. Apresenta ainda o exemplo de Santo Antnio, que no se deixou enganar pela vaidade do mundo.

Anlise estilstica .Interrogaes retricas -os ouvintes no respondem, quando o orador os interpela: "Pode haver maior ignorncia e mais rematada cegueira do que esta?". No entanto, adivinha-se a sua participao: "Dir-me-eis que o mesmo fazem os outros homens." ou "Claro est que sim, nem vs o podeis negar."

E que faz a vaidade?

..."Quem pesca as vidas a todos os homens do Maranho e com qu?"

.Realismo dinmico -a descrio to minuciosa que mais parece estarmos a presenci-Ia, como se de uma cena filmada se tratasse. "Toma um homem do mar um anzol, ata-lhe,.. acaba por morrer."

"Vem um mestre de navio de Portugal.,. sobe mais o preo;"

.Ironia -o orador critica as atitudes, ironizando e podendo provocar o riso:

"tomar pelo beio com duas tirinhas de pano."

"Todos esfaimados aos trapos"

.Paralelismo anafrico / enumerao -este processo muito comum e tem como objectivo a repetio das ideias para no correr o risco de se esquecer, at porque a maior parte dos ouvintes no era letrada, por isso era a melhor forma de aprendizagem.

"... ou branco... ou verde... ou vermelho..."

"ou na roa, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal..."

"nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros..."

.Metfora -aproxima-se uma realidade de outra atravs da analogia existente entre dois conceitos.

"...arremete cego a ele..."

"A vaidade entre os vcios o pescador mais astuto"

"Isca com aqueles trapos..."

"...vestidos que nunca se rompem... "

"...pescou ele muitos... "

.Adjectivao -usa-a para caracterizar objectos, peixes e situaes ou atitudes:

.posposta -"...cabo delgado...",

.anteposta "- "...triste farrapo... ",

.dupla adjectivao -"...engasgados e presos...", "...vistosas e apropriadas cores...",

.funo predicativa -"...fica cego..."

Nota: A estrutura deste texto ou de qualquer texto representativa da macroestrutura da obra, visto que o tratamento de qualquer assunto feito obedecendo criteriosamente ao plano geral da mesma; assim, como podemos ver, este texto constitudo por introduo, desenvolvimento (com argumentao e exemplificao) e concluso. Utilizando a alegoria da rvore, qualquer ramo dever ter folhas, flores e frutos.

Texto Expositivo - Argumentativo

Definio/ CaracterizaoSempre que se alia o grau de objectividade inerente ao texto expositivo com a subjectividade implcita do argumentativo, onde predominam as tcnicas para convencer atravs da explanao de uma tese, constituda por raciocnios encadeados e coerentes, numa sequncia lgica das ideias, e vazada numa estrutura considerada tradicional (introduo, desenvolvimento e concluso), encontramo-nos perante um texto expositivo -argumentativo.Este tipo de texto hbrido caracteriza-se fundamentalmente por, de uma forma harmoniosa, tentar conciliar a necessidade de convencer ou influenciar algum sobre a veracidade de uma opinio ou de um juzo, com o objectivo claro de informar ou expor.

Qualquer texto de tipo expositivo -argumentativo procura demonstrar a capacidade de construo de um discurso, subordinado a uma ideia central que confirmada por argumentos/motivos que apoiem as opinies emitidas.

A sua construo bilateral, visto que ao mesmo tempo que informa, revelando que os conhecimentos de uma determinada matria foram apreendidos ou adquiridos, apela para a compreenso do destinatrio, convencendo-o desse facto.Em suma, poder concluir-se, e de acordo com o que ficou exposto nas pginas anteriores, que o texto expositivo -argumentativo tem por objectivo informar e ao mesmo tempo convencer.

Exemplos de Textos Expositivos -Argumentativos

Textos publicitrios:

O texto publicitrio aquele que mais recorre s tcnicas argumentativas. A expresso AIDMA sintetiza os elementos (Ateno, Interesse, Desejo, Memorizao e Aquisio), atravs dos quais a publicidade age para cativar o receptor.

A palavra publicidade relaciona-se com aquilo que pblico ou do domnio pblico e o seu principal objectivo influenciar, convencer, persuadir. No entanto, a informao faz tambm parte deste tipo de discurso.

Podemos distinguir dois tipos de publicidade:

-A institucional, cujo objectivo educar, informando e sensibilizando, para que sejam tomadas determinadas atitudes.

Vejamos o exemplo:

Recorre-se, neste texto publicitrio, imagem de um cantor conhecido, Rui Veloso, impondo credibilidade informao e ao apelo: o leite fortalece a srio, no cantiga (brincadeira ou divertimento). Ao mesmo tempo, o nmero 3 vem contribuir para reforar a informao contida no texto, alicerando-a esquerda e direita da pgina.

-A comercial, que pretende, acima de tudo, influenciar, convencer e incentivar aquisio de um produto. A melhor publicidade aquela que melhor convence o auditrio no sentido de o levar a comprar o produto publicitado.No exemplo que se apresenta a seguir, a imagem surge aliada ao texto, para seduzir.

A cor determinante, visto que o azul est associado, na nossa sociedade, ao sexo masculino e o branco associado pureza -na 1 caixa, o fundo azul e branco, na 2 o olho azul e o globo ocular branco e na 3. o produto publicitado tambm azul e branco.

Por sua vez, o texto joga com a rima -Lancme / Homme, seduzindo e oferecendo, ao mesmo tempo, credibilidade ao comprador -A nossa cincia / o seu bem-estar -informando de seguida sobre os efeitos da sua aplicao.

A quantidade da informao reduzida a nvel denotativo (frases curtas, sintaxe simples e utilizao de palavras chave); procurou-se, no entanto, criar impacto atravs do jogo conotativo das imagens.

O exemplo que se segue no recorre imagem, mas o texto credvel, no s pela utilizao de vocbulos de carcter cientfico e de palavras tcnicas, mas tambm pela referncia a entidades de mrito profissional e internacional, cujas capacidades so ainda reforadas pelas patentes que esses investigadores obtiveram na Sua e nos Estados Unidos.

Cabelos Ralos?

A aco de Crescina

Na farmciaBASILEIA. Se a dois aminocidos, componentes fundamentais de uma protena como a queratina, juntarmos uma glicoprotena especial, "facto r estimulante das clulas do bolbo capilar", o resultado uma associao de molculas qual foi dado o nome de Crescina pelos investigadores suos que a criaram. Crescina, em contacto com as clulas dos bolbos capilares ainda activos, pode produzir a queratina indispensvel formao do cabelo. Os investigadores suos da Labo Cosprophar realizaram estudos sobre a capacidade dos bolbos capilares de se regenerarem aps um perodo de crescimento retardado ou uma queda de cabelo, provocada pela mudana de estao ou por um esgotamento. Os investigadores obtiveram duas patentes para Crescina, a primeira na Sua, a segunda nos Estados Unidos.Crescina recomendada para homens ou mulheres com problemas de raleadura do cabelo. O farmacutico, em funo do nvel de raleadura, poder aconselhar a dosagem adequada de Crescina (100, 200, 300, 500,ou 700) especfica para o homem ou para a mulher.

JN, 30/03/2004

Em suma, poder considerar-se ento que, de uma forma geral, a publicidade se define, nos dias de hoje, como elo de ligao entre a produo e o consumo.

Tambm o Cartoon recorre muitas vezes argumentao. Nele, a pertinncia das imagens vale por muitas palavras. O seu objectivo , de uma forma divertida, provocar uma reflexo sobre um determinado acontecimento.

Outros textos

Texto I

Mar Portugus

mar salgado, quanto do teu sal

So lgrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mes choraram,

Quantos filhos em vo rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma no pequena.

Quem quer passar alm do Bojador

Tem que passar alm da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele que espelhou o cu.

Fernando Pessoa, Mensagem

ComentrioApesar de se tratar de um poema, este texto nitidamente expositivo -argumentativo e obedece a uma estrutura lgica (introduo, desenvolvimento e concluso). Assim, na introduo, constituda pelos dois primeiros versos, o poeta evoca o mar, dizendo que o sal so as lgrimas de Portugal. No desenvolvimento, do terceiro ao dcimo verso, expe todo um passado de sofrimento necessrio para se atingir um presente glorioso, questionando ainda se valeu a pena; decididamente valeu, pois argumenta que a alma no pequena. Conclui, nos dois ltimos versos, dizendo que o mar perigoso, mas Deus espelhou nele o cu. Perante tal concluso, quem no ficaria convencido de que o reino da espiritual idade existe? I

O discurso retrico, apelativo e procura convencer os destinatrios, os Portugueses, de que o passado valeu a pena, apesar do sofrimento, e que continua a valer a pena lutar pelos grandes objectivos da nao.

Texto IIOs maiores inimigos da indignao so o sof e a manta. Os socilogos falam da televiso e dos centros comerciais, mas esto redondamente enganados. Quaisquer dez minutos de exposio ao ecr, em condies normais, seriam suficientes para nos levar a todos rua. Na pior das hipteses, em protesto contra a EXIBiO GRATUITA da desgraa alheia, na melhor, em protesto contra tantas e to gritantes injustias com que alegremente convivemos. Quanto aos centros